Krishnamurti o Libertador Da Mente

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  • 7/25/2019 Krishnamurti o Libertador Da Mente

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    Co e o

    M e n s a g e n s E s p i r i t u a i s

    PRECE

    :

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    K R I S H N A M R T IO LIBERTADOR DA MENTE

    Vocs tm alguma coisa paradizer aos seus semelhantes? Eles oescutam. Mas, antes cie mais nada,nunca peam para serem ouvidos.E muito menos para serem chama-dos mestres.Semeiem, e isto j serbastante. No procurem colher. Acolheita talvez no seja sua. Ape-

    nas o sol e a chuva so decisivospara as germinaes frutferas.

    Eis o que se podera dizer deKrishnamurti e de alguns outros se-meadores de luz do nosso tempo ecio passado. Com Krishnamurtiacontece que esta liberdade de es-prito faz parte do seu ensinamento:ele se recusa a ter discpulos e aconstituir escola. Nem filsofo, nempensador religioso, Krishnamurtipodera ser considerado como umacontecimento, um aviso dispon-vel, como um fermento secreto nes-ta difcil preparao que a arte de

    viver. Ele desconcertante ao seexpressar e permanece naturalcomo o dia que nasce, a fim deajudar aquele que quiser ser semnunca fugir ao esforo que cadaum cie ns deve fazer para desa-brochar em toda s realidade, jque tantos vus se interpem entrens e a vida autntica.

    Krishnamurti explica, h vriasdcadas, sua maneira de compre-ender nossos problemas. E o fazcomo homem livre, s, sem se ape-

    l t i t h

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    Barnum foi montada artificiaimen-te para fazer dele um novo Messias,o grande enviado do sculo 20. Eele teve a coragem de desmoronar,sem o menor compromisso, todo o

    aparelho montado para o culto desua personalidade, proclamandocom uma voz suave e firme que osdogmas, ritos e burocracias religio-sas s serviam para forjar novos gri-lhes, aumentando o nmero detantos outros que nos impedem deir adiante, e que a seita que se que-

    ria fundar em seu nome seria ape-nas mais um empecilho para a ver-dadeira libertao.

    E Krishnamurti percorreu o mun-do para dizer e repetir palavras du-ras e simples, clareando os cami-nhos desta verdadeira libertao.

    Ele no prega, nem doutrina;no pede que se inclinem diante desuas mensagens; no fim de suas bre-ves exposies ele se oferece sem-pre para as perguntas dos ouvintes.Suas respostas parecem muitas ve-zes desviar ao invs de entrar naspreocupaes dos seus interlo-

    cutores. Prefere propor uma outrapergunta, como por exemplo: mas por que voc se pergunta, eme pergunta sobre isso? E de umamaneira viva, no sem humor, eledestri at a raiz o objeto da ques-to, provocando antes de tudo uma

    reflexo til do que formulando res-postas clssicas.Krishnamurti um libertador da

    nossa prpria mente.

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    Mensagem

    C a paIlustraoFernando Rebello

    M io l o

    RevisoM arile ide Pereira Gomes

    Direo de ArteJos Duarte T. de Castro

    DigitaoCelina V. Marques

    Editorao EletrnicaBypress Com unicao Ltda.

    Fotolitos emEditorao Eletrnica

    ERJ Inform tica Ltda.

    PapelOff-Set 87 x114 x7 5g

    Impresso e Acabamento

    Cromoset Grfica e Editora

    Editora Martin Claret Ltda. - R. Alegrete. 62 - Bairro Sumar - Caixa Postal 9.897

    CEP 01254-010 - Tel: (011) 262-8144 - Fax: (011) 263-7146 - So Paulo - SP

    Agradecemos a todos os nossos amigos e colaboradores - pessoas fsicase jurdicas - que deram as condies para que fosse possvel a publicao

    deste livro.

    Este livro foi composto e impresso no Brasil no inverno de 1997.

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    ndice

    Prefcio 7

    Introduo

    Krishnamurti e sua o b ra .................................................... 11

    Preces e Mensagens

    O homem e seus desejos em conflito ............................. 35Experimente um novo cam in ho.........................................44Libertando a mente do tem or............................................. 55A transformao do pensamento........................................66O am or.................................................................................... 79A outra margem do cam inho..............................................88O significado do viver......................................................... 98Ensinamentos de Krishnamurti.......................................... 113Instituio Cultural Krishnamurti...................................... 134

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    Prefcio

    A espiritualizao do

    ser humano

    s grandes mensagens espirituais e os autnticosmovimentos culturais, convocando mudanas so-

    ciais e espirituais, sempre foram uma constante nahistria cia evoluo humana.Faz parte da natureza humana aspirar e comparti-lhar uma melhor qualidade de vida biolgica, so-

    cial e espiritual. O ser humano, atravs dos tempos eapesar dos obstculos quase intransponveis, caminha parasua verdadeira realidade existencial um ser espiritual.

    Erich Fromm, no livro Revoluo de Esperana, de 1968,previu uma nova frente, um movimento cultural que com-binasse a vontade de uma profunda modificao socialcom uma nova perspectiva transcendental; seu objetivo eraa espiritualizao de um mundo tecnolgico.

    Na dcada de 70, a cientista social e pesquisadora norteamericana Merilyn Ferguson, autora do best-sellermundial

    A Conspirao Aquariana , realizou um amplo levanta-mento estatstico para verificar o tipo e o grau de interessedas pessoas por assuntos de cultura geral. O resultadorevelou que o maior interesse era por mensagens e doutri

    Morfin CIcaref

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    nas voltadas para a espiritualidade.Na concluso da pesquisa, a dr Ferguson escreveu estas

    esclarecedoras palavras: O esprito de nossa poca seencontra cheio de paradoxos. E, ao mesmo tempo, prag-mtico e transcendental. D valor, simultaneamente, ao

    esclarecimento e ao mistrio... ao poder e humildade... interdependncia e individualidade... Ao mesmo tempo, poltico e apoltico. Os que o apoiam e o negam incluemos que so irrepreensveis aliados do sistema e radicais que

    j desfilaram portando cartazes de protesto.Na histria recente, este esprito contaminou a medici-

    na, a educao, as cincias sociais e as cincias puras, e atmesmo os governos, com suas implicaes. Ele caracteri-zado por organizaes fludas, relutantes em criar estrutu-ras hierrquicas, avessas aos dogmas. Baseiase no princ-pio de que a mudana pode ser facilitada, mas no dirigi-da. No produz manifestos. Parece ser dirigido a algo mui-to mais velho. E talvez, por integrar magia e cincia, arte e

    tecnologia, obter xito onde todos os outros falharam.Em todos os tempos, em todos os pases, em todas as

    lnguas, uma revoluo silenciosa est em marcha. A es-sncia desse movimento so as mensagens, doutrinas eensinamentos de profetas, santos, educadores, cientistas,polticos, terapeutas, homens e mulheres divinamente ins-pirados e empenhados na transformao da condio hu-

    mana.

    Esta coleo de livros, intitulada Mensagens Espiritu-ais um esforo e um instrumento cultural com o objeti-vo de reunir e difundir, em forma de livros, as mensagensespirituais, filosficas e educacionais ditadas por seres es-peciais, que vieram ao mundo para iluminar o caminho daHumanidade.

    Nomes antigos como Buda, Krishna, Jesus, LaoTs, Mao

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    m, e outros mais recentes como So Francisco de Assis,Tagore, Mahatma Gandhi, Krishnamurti, Maom, AllanKardec, Teilhard de Chardin, Chico Xavier, Joo Paulo II,Huberto Rohden e outros estaro presentes na coleo,

    proporcionando ao leitor uma viso de mundo filosfica ereligiosamente mais correta.Na verdade, esses mensageiros nunca disseram que

    iriam caminhar por ns, eles tosomente ensinaram eiluminaram o caminho que ns devemos caminhar. Suamaior pedagogia o exemplo. Alis, Mahatma Gandhi, oapstolo da noviolncia declarou literalmente esse

    princpio educacional, ao afirmar: Eu no tenho mensagem a minha mensagem a minha prpria vida.

    A Editora Martin Claret tem tradio de ser uma empresacuja linha editorial est voltada para o espiritual. A maioriade seus livros sobre autoconhecimento, autorealizao eo desenvolvimento do ser humano. Esta coleo mais umesforo educacional para oferecer aos leitores brasileiros

    as mensagens dos grandes iluminados que viveram e aindavivem neste Planeta.

    Ao criarmos esta coleo de livros, no tivemos prefe-rncia pessoal ou preconceito religioso, racial, filosficoou poltico. Aqui, todas as mensagens tem igual peso emedida.

    Estamos colocando, neste projeto editorial, toda nossaenergia, nosso tempo e nosso recurso financeiro com aconvico de que, neste ato de esperana e humanismo,

    possamos contribuir com nossa parte, na grande constru-o da felicidade humana.

    Verdadeiramente um s objetivo nos guia e energiza nos-so ideal servir Humanidade.

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    Introduo

    Krishnamuft e sua obra(Texf preparado espedalmeinfe pela

    Insfituio Cultural Krishnamurti)

    iddu Krishnamurti nasceu em maio de 1895, em

    Madanapalle, perto de Madrasta. (Jidciu seu nomede famlia, mas costume entre os hindus usarse o

    J nome dado.) Sendo o oitavo filho homem de umafamlia de brmanes, recebeu, de acordo com a tra-dio, o nome de Krishnamurti, em honra de Shri

    Krishna, uma divindade outrora encarnada num oitavo fi-lho. Sua me morrera em 1905, e o pai, servidor civil apo-

    sentado e velho teosofista, ofereceu, em 1908, os seusservios Sociedade Teosfica. Aceita a oferta, tornousesecretrioassistente e, no ano seguinte, foi com os quatrofilhos sobreviventes, dos quais Krishnamurti era ento osegundo, residir no compound 1de Adyar, sede da Socie-dade Teosfica, a poucas milhas de Madrasta. Charles W.Leadbeater, um dos chefes da S.T., residente em Adyar,'logo notou Krishnamurti e, posteriormente, a Sra. Annie

    1Compound: Na ndia terreno cercado no qual h uma casa, edifciosanexos, etc., habitado principalmente por estrangeiros.

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    Besant, presidenta da Sociedade, convenceuse, tal comoo seu colega, de que o menino estava destinado a tornarse um grande instrutor espiritual. A Sra. Besant, com oconsentimento do pai de Krishnamurti, tomouo sob suatutela e diligenciou para educlo e instrulo.

    Em janeiro de 1911, fundouse em Adyar a Ordem daEstrela do Oriente, com Krishnamurti na qualidade de che-fe, uma organizao cujos membros preparavam a si pr-prios e ao mundo para o advento do Instrutor do Mundo.Era crena da Sra. Besant e de Leadbeater que todos osgrandes Instrutores religiosos foram guiados por um mes-

    mo Grande Ser, o Lord Maitreya, que, de 2 mil em 2 milanos, mais ou menos, se manifestava em encarnao hu-mana, atravs de um veculo escolhido. Os membros daEstrela do Oriente acreditavam firmemente que Krishna-murti era o veculo escolhido pelo Lord Maitreyapara sua

    prxima manifestao.Em 1911, Krishnamurti, j com quase dezesseis anos de

    idade, foi trazido para a Inglaterra pela Sra. Besant, comseu irmo mais novo, Nityananda, para ser educado parti-cularmente e preparado para sua futura misso de Instrutordo Mundo. Para tal, considerouse essencial que seu corpose tornasse altamente sensvel e imune a todas as influnci-as embrutecedoras, e purificado por um estrito regime ali-mentar. De natureza extremamente acanhada e retrada,

    nos primeiros anos, ele se mantinha completamente nosegundo plano. Sua grande dedicao Sra. Besant tornoulhe fcil aceder aos seus desejos.

    Krishnamurti ficou na Inglaterra durante toda a duraoda guerra de 191418, mas, em 1920, foi para Paris, ondeaprendeu a falar fluentemente o francs, e posteriormente,

    em 1921, a Sra. Besant, estando toda empenhada ematividades polticas, em prol da ndia, chamouo paraAdyar, a fim de iniciar a rdua carreira de orador pblico.A princpio, o falar em pblico lhe foi uma verdadeiraagonia e ele gaguejava e hesitava muito. Seu atual domnio

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    da palavra o fruto de anos de prtica.Em 1922, foi pela primeira vez Austrlia, onde realizou

    conferncias pblicas, e em seguida Califrnia. A, nobelo vale do Ojai, cerca de quinze milhas distante de l,os

    Angeles, encontrou um paraso natural e uma felicidade eliberdade entre os jovens americanos que nunca dantesconhecera. Em agosto do mesmo ano de 1922, passou poruma profunda experincia espiritual que lhe deu, pela

    primeira vez, a certeza de sua misso.Entretanto, na Holanda, o baro van Pallandt van Erde

    colocara disposio de Krishnamurti o seu belo castelo

    perto de Ommen e 5 mil acres de terras. No querendoKrishnamurti aceitlos como ddiva pessoal, formouseum sindicato para administrlo em benefcio de seu traba-lho. A partir de 1924 e at o comeo da Segunda GuerraMundial, realizavase todo vero, em Ommem, uma con-centrao a que Krishnamurti comparecia mantendo todasas noites palestras ao redor do fogo ante auditrios de 2 e3 mil pessoas, representantes de numerosos pases e nacio-nalidades. (Posteriormente o castelo e as terras foram de-volvidos ao baro.) Em 1926, adquiriramsc mais de 450acres, no vale de Ojai, mediante subscrio organizada

    pela Sra. Besant, e Ojai tornouse para Krishnamurti outrocentro de trabalho, onde, at 1966, se promoveram reu-

    nies nas quais dirigia a palavra a enormes auditrios.Desde 1926, mais ou menos, muitos dos seguidores deKrishnamurti comearam a notar, com desgosto, que ele jno tinha nenhuma inteno de ajustarse ao padro que

    para ele fora estabecido. Comeava a dizer coisas assusta-doramente novas e perturbadoras, que lhes tiravam de sobos ps a velha base. Em nmeros cada vez maiores, os

    membros da Ordem viam que se tornava mais e mais difcilconciliar a sua real personalidade com as prprias idias

    preconcebidas de um misto de meigo Jesus e Buda, de umsuperteosofista que lhes repetisse banalidades cedias cfacilmente compreensveis e lhes indicasse com preciso .1

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    melhor maneira de servilo. Por ele estavam prontos amorrer e no esperavam que lhes dissesse que pensassempor si prprios e no obedecessem a nenhuma autoridadeexterna. Assim, para muitos milhares de pessoas foi umchoque tremendo quando, em 3 de agosto de 1929, noacampamento da Estrela, em Ommen, em presena daSra. Besant e de uns 2 mil membros da Estrela, eledissolveu a Ordem, que existia havia dezoito anos. (Apsa sua dissoluo, o acampamento de Ommen foi fran-queado ao pblico e o nmero de participantes ascendeua 3 mil.) Abaixo citamos, em parte, o que ele disse naquela

    ocasio:Eu sustento que a verdade uma terra no trilhada eque no a alcanareis por nenhum caminho, nenhumareligio, nenhuma seita... no quero seguidores. Digoo asrio... Um reprter de jornal considerou ento um atoespetacular dissolver uma organizao que contava milha-res e milhares de membros. Perguntou ele: Que ireis fazer

    depois, como ireis viver? No tereis discpulos, ningummais querer escutarvos. Se houver apenas cinco pessoasque queiram escutar, que queiram viver; que tenham a facevoltada para a eternidade, ser suficiente. De que serve termilhares que no compreendem, completamente imbudosde preconceitos, que no desejam o novo, mas preferemtraduzilo ao gosto de seus egos estreis, estticos?... Dese-

    jo que todos os que queiram compreenderme sejam livres,no para me seguirem, no para fazerem de mim umagaiola que se torne uma religio, uma seita. Devero, an-tes, estar livres de todos os temores do medo da reli-gio, do medo da salvao, do medo da espiritualidade, domedo do amor, do medo da morte, do medo da prpriavida. Durante dezoito anos vos estivestes preparando para

    este acontecimento a Vinda do Instrutor do Mundo ,durante dezoito anos vos estivestes organizando, esperade algum que vos desse novo deleite ao corao e mente, que vos transformasse inteiramente a vida... E vede

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    agora o que est acontecendo.... quereis novos deuses,em lugar dos velhos, novas religies, em lugar das velhas,

    tudo isso igualmente sem valor, tudo barreiras,limitaes, muletas... Estais acostumados a ser informados

    sobre os progressos que tendes feito, sobre a vossa situaoespiritual. Quanta infantilidade! Quem, seno vs mesmos,pode dizervos se sois feios ou belos interiormente? Todosvs estais na dependncia de outrem, para vossaespiritualidade... Aps acurada reflexo, tomei estadeliberao de dissolver a Ordem. No se trata de umimpulso momentneo... Durante dois anos, estive refletindo

    a esse respeito, com vagar, cuidadosa e pacientemente.Podeis formar novas organizaes e ficar espera deoutro. No esse o meu interesse, tampouco a criao denovas gaiolas ou de novas decoraes para as gaiolas. Oque me interessa , to s, tornar os homens absoluta eincondicionalmente livres.

    Isso aconteceu h mais de quarenta anos e, desde ento,Krishnamurti continuou a viajar pelo mundo, pregando,debatendo, concedendo entrevistas. s suas palestras p-

    blicas comparecem auditrios cada vez maiores a umareunio em Bombaim, em 1970, estiveram presentes 8 mil

    pessoas. Recentemente falou em vrias universidades daAmrica, e a pequenos grupos de estudantes na Europa,

    ndia e Amrica. Possui um mnimo de bens pessoais; paraa Krishnamurti Foundation da Inglaterra, da ndia e daAmrica, contriburam com os necessrios fundos os inte-ressados em seu trabalho, sendo que a fundao paga suasdespesas pessoais. Desde que chegou maioridade, nuncapermaneceu em lugar nenhum mais do que uns poucosmeses (a no ser durante os anos da guerra) e no se

    considera pertencente a nenhum pas, nacionalidade ou'cultura, embora para suas viagens possua um passaporteindiano. Depois de 1961, s tem ficado mais tempo emSaanen, Sua, onde todo vero se realiza uma concentra-o qual aflui um pblico procedente de todas as partes

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    do mundo, para ouvilo e com ele debater, por umperodo de seis semanas. Ainda em 1972, em julho, eleteve ocasio de falar em Saanen a um grande auditrio.

    Em setembro de 1969, realizouse a primeira reunio deBrockwood Park, a bela propriedade do Hampshire adqui-rida pela Krishnamurti Foundation para centro de seutrabalho. Essa reunio de Brockwood, com palestras e de-

    bates, dever tornarse um acontecimento anual. E, de fato,em setembro de 1972 ele fez, l, excelentes palestras sobreo tema primordial da vida e do ser humano. Em setembrode 1969, inaugurouse em Brockwood Park uma escola

    internacional para estudantes de quinze e mais anos deidade. A educao constitui naturalmente a principal preo-cupao de Krishnamurti, pois o condicionamento dascrianas na estreiteza da nacionalidade, cor, raa e religioque ele considera to nociva ao indivduo e, por conse-guinte, sociedade. H dois centros educativos na ndia,em Rajghat e Rishi Valley, que ele visita anualmente.

    No alterou o seu propsito declarado de tornar os ho-mens incondicionalmente livres dos temores e limita-es que separam o homem do homem. Mantmse firmena determinao de no nos permitir que evitemos a nossaresponsabilidade pela fealdade do mundo que ns mes-mos criamos. (No a prpria vida que ele acha feia.Mostrase sumamente sensvel beleza natural, e a v comolhos de poeta.) O mundo est em ns, diz ele, comefeito e em ns mesmos encontraremos as causas dadesordem em que o pusemos, avidez, nacionalismo, com-petio, intolerncia, egosmo de toda espcie. No temnada de confortador para oferecer; vermos a ns mesmoscom demolidora clareza no espelho que pe diante de

    ns no algo que propicie conforto. Muitos se afastaramdele para procurar, em outro lugar, uma imagem maislisonjeira de si prprios; mas os que tiverem a coragem deolhar e continuar a olhar podero ver operarse uma mara-vilhosa transformao interior. Porque, em verdade, a men

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    sagem de Krishnamurti, levandonos ao autoconhecimento, muito pode contribuir para a interna tranqilidadede cada um de nos, para a felicidade do homem.

    No , entretanto, objetivo desta apresentao dar ex-plicaes acerca do atual ensino de Krishnamurti, se

    que se pode usar tal palavra. Esse ensinamento, impossvel sintetiza lo ou interpretlo.

    * *

    J. Krishnamurti , o renomado mestre espiritual, divulgousua mensagem em conferncias c em numerosos livros,dentre os quais se destacam os seguintes, que fazem partedo catlogo da Editora Oillrix: Comentrios Sobre o Viver,Dilogos Sobre a Vida; A Pducao e o Significado daVida, Dirio de Krisbnamurti\ Liberte-se do Passado; APrimeira e a Ultima Liberdadee outros.

    Nesta nova srie, sero publicados os seguintes ttulos:

    Sobre Deus Sobre relacionamentosSobre a vida e a morteSobre o modo correto de ganhar a vidaSobre conflitosSobre aprendizagem e conhecimento

    Sobre amor e solidoSobre a mente e o pensamento

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    Prefcio de A Primeira e

    ltima liberdade

    ld@y$ Huxiey

    O homem um anfbio que vive simultaneamente emdois mundos o mundo da realidade e o mundo por ele

    prprio fabricado o mundo da matria, da vida e daconscincia, e o mundo dos smbolos. Quando pensamos,fazemos uso de grande variedade cie sistemas de smbolos:

    lingusticos, matemticos, pictricos, musicais, ritualsticos. Sem esses sistemas de smbolos, no teramos arte,nem cincia, nem lei, nem filosofia, nem sequer os rudi-mentos da civilizao; em outras palavras, seramos ani-mais.

    Os smbolos, portanto, so indispensveis. Como de-

    monstra, porm, farta e claramente a histria de nossapoca e de todas as outras pocas, os smbolos tambmpodem ser fatais. Considerese, por exemplo, de um ladoo domnio da cincia, e do outro, o domnio da poltica eda religio. Pensando de acordo com um conjunto desmbolos e agindo em reao a ele, chegamos acompreender e a governar, em escala modesta, as foras

    elementares da natureza. Pensando de acordo com outroconjunto de smbolos e agindo em relao ao mesmo,utilizamos estas foras como instrumentos de massacre ede suicdio coletivo. No primeiro caso, os smbolosinterpretativos foram bem selecionados, submetidos acuidadosa anlise e adaptados progressivamente aos fatosemergentes da existncia fsica. No segundo caso, os

    smbolos, originariamente mal escolhidos, nunca foramsubmetidos a uma anlise completa e nunca reformulados

    para se harmonizarem com os fatos emergentes existnciahumana. Pior do que isso, esses smbolos enganosos

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    foram sempre tratados em toda parte com respeitototalmente injustificvel, como se, por alguma razomisteriosa, fossem mais reais do que as realidades a quese referiam. Nos contextos da religio e da poltica, as

    palavras no so consideradas como representaes, maisou menos inadequadas, de coisas e fatos; ao contrrio,coisas e fatos so considerados como ilustraes especficasde palavras.

    At agora, os smbolos s tm sido usados realistica-mente nas esferas de atividades que no nos parecem desuma importncia. Em todas as situaes em que so

    atingidos nossos impulsos mais profundos, estamoshabi tuados a empregar os s mbolos , no sirrealisticamente, mas at de modo idoltrico e insano.Como resultado, temos sido capazes de cometer, a sanguefrio e por largos perodos de tempo, atos de que osirracionais s so capazes no paroxismo do furor, dodesejo ou do medo. Porque empregam e adoram smbolos,

    tendem os homens a tornarse idealistas e, como idealistas,a transformar a intermitente avidez do animal no espetacularimperialismo de um Rhodes ou de um J. P. Morgan; aintermitente ferocidade do animal,no Estalinismo ou naInquisio espanhola; o intermitente apego do animal aosseus domnios nos frenesis planejados do nacionalismo.

    Por felicidade, so tambm capazes de transformar aintermitente ternura do animal na caridade incansvel detoda a vida de uma Elizabeth Fry ou um Vicente de Paula;a intermitente dedicao do animal a seu companheiro eseus filhotes naquela cooperao racional e persistenteque at hoje se tem provado forte bastante para salvar omundo das conseqncias desastrosas da outra espcie de

    idealismo. Conservar ela o poder de salvar o mundo?Esta pergunta no pode ser respondida. S se pode dizerque, com os idealistas do nacionalismo na posse da bombaatmica, as probabilidades em favor dos idealistas da coo-perao e da caridade tm declinado consideravelmente.

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    Nem o melhor livro de cozinha pode substituir o piordos jantares. O fato parece bvio. E, entretanto, temosvisto, atravs das idades, os filsofos mais profundos, osmais eruditos e penetrantes telogos incidirem constante-mente no erro de identificarem com os fatos suas constru-es puramente verbais, ou no erro mais atroz ainda deimaginarem os smbolos mais reais do que as coisas querepresentam. Esse endeusamento da palavra no passousem protesto. S o esprito, diz So Paulo, d vida; aletra mata. E por que, pergunta Eckhart, por que taga-relais tanto a respeito de Deus? Tudo o que dizeis de Deus

    falso. Na outra extremidade do mundo, o autor de um dosMahayanaSutras afirmava que a verdade nunca foi pre-gada por Buda, porque temos de descobrila dentro de nsmesmos. Tais asseres foram consideradas profunda-mente subversivas e desdenhadas pela gente respeitvel.Esta estranha e idoltrica exagerao do valor das palavrase dos emblemas perdurou irrefreada. Declinaram as religi-es, mas o velho hbito de formular credos e de impor acrena em dogmas tem subsistido at entre os atestas.

    Nos ltimos anos, lgicos e semnticos procederam auma anlise muito meticulosa dos smbolos em funo dosquais os homens desenvolvem o pensamento. A lingsticatornouse uma cincia e hoje se pode at estudar a matria

    a que o falecido Benjamin Whorf deu o nome de metalingstica. Tudo isso constitui notvel contribuio, mas nobasta. A lgica e a semntica, a lingstica e metalingsticaso puras disciplinas intelectuais. Analisam as vrias ma-neiras, corretas e incorretas, significativas e no significa-tivas, em que as palavras podem ser relacionadas comcoisas, processos e fatos. Mas nenhuma orientao

    oferecem em referncia ao problema mais fundamentaldas relaes do homem na sua totalidade psicofsica, deum lado, e com seus dois mundos, o dos fatos e o dossmbolos, de outro lado.

    Em todos os pases e em todos os perodos da Histria,

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    o problema tem sido resolvido repetidas vezes por homense mulheres, individualmente. Mesmo falando ou escreven-do, esses indivduos jamais criaram sistemas, porque sabiamque todo sistema representa uma tentao constante a en-carar os smbolos com excesso de seriedade, a dar maisateno s palavras do que s realidades que supostamen-te representam. Nunca foi seu alvo oferecer explicaes epanacias para uso geral, e sim induzir as pessoas a diag-nosticarem e a curarem seus prprios males, levlas aoponto em que o problema humano e sua soluo se apre-sentam diretamente experincia.

    Neste volume de selees dos escritos e das palestrasregistradas de Krishnamurti, encontrar o leitor uma expo-sio clara e atual do bsico problema humano, juntamen-te com um convite a resolvlo pela nica maneira pelaqual pode ser resolvido: pelo prprio indivduo e em seu

    prprio benefcio. As solues coletivas, a que muitos seapegam com tanta f, nunca so adequadas. Para se com-

    preender a misria e a confuso existentes em ns mesmose, portanto, no mundo, temos de encontrar dentro de nsmesmos a clareza que nasce do pensar correto. Tal clarezano se presta organizao, pois no podemos permutlaentre ns. O pensamento de grupo organizado puramen-te maquinal. A clareza no resultado de assero verbal,mas de intenso autopercebimento e correto pensar. O pen-samento correto no produto ou mero cultivo do intelec-to, nem , tampouco, conforme a padro algum, por maisdigno e nobre que este seja. Ele vem com o autoconhecimento. Se no vos compreenderdes, no tereis base parapensar; sem autoconhecimento, o que pensais no ver-dadeiro.

    Este tema fundamental desenvolvido por Krishnamurti em passagens sucessivas. Podese ter esperanas nos ho-mens, mas no na sociedade nem em sistemas religiososorganizados; s em vs e em mim. As religies organiza-das, com seus intermedirios, seus livros sagrados, seus

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    dogmas, hierarquias e rituais, s podem oferecer umasoluo falsa para o problema bsico. Quando citais oBagavadgita, ou a Bblia, ou algum livro sagrado chins, bem certo que s estais repetindo, no ? E o que estais

    repetindo no a verdade. mentira, porque a verdadeno pode ser repetida. A mentira pode ser ampliada,aventada, repetida, mas a verdade no. Quando se repetea verdade, ela deixa de ser verdade, e por esse motivo osl ivros sagrados no tm importncia. peloautoconhecimento, e no pela crena nos smbolos deoutra pessoa, que o homem alcana a realidade eterna, na

    qual se alicera seu prprio ser. A crena na perfeitaeficcia e no valor superlativo de qualquer sistema desmbolos no leva libertao, e sim repetio daHistria, aos mesmos desastres passados. A crena sepa-ra, inevitavelmente. Se tendes uma crena, ou se buscaissegurana em vossa crena particular, acabais separadodaqueles que buscam a segurana noutra forma de crena.Todas as crenas organizadas baseiamse na separao,ainda que preguem a fraternidade. O homem que resolveusatisfatoriamente o problema de suas relaes com osdois mundos, o dos fatos e o dos smbolos, um homemsem crenas. Em relao aos problemas da vida prtica,ele se serve de uma srie de hipteses operacionais, que

    correspondem aos seus fins, mas no so levadas mais asrio do que qualquer outra espcie de utenslio ouinstrumento. Em relao aos seus semelhantes e realida-de em que se radicam, tem ele as experincias diretas doamor e da intuio. Foi para protegerse das crenas queKrishnamurti nunca leu literatura sagrada, nem o BagavadGita nem os Upanishades. Ns outros no lemos

    sequer livros sagrados; lemos nossos jornais e revistasfavoritos e novelas polticas. Isto : no queremos resol-ver a crise do nosso tempo com o amor e a intuio,porm com frmulas, com sistemas e frmulas e siste-mas bastante precrios, por sinal. Mas os homens de boa

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    vontade no devem ter frmulas, porque as frmulas,inevitavelmente, s levam a um pensar cego. quaseuniversal a submisso s frmulas, o que inevitvel, poisnosso sistema de educao est baseado em o que pensar,e no em como pensar. Crescemos como membros cren-tes e militantes de alguma organizao como comunis-tas, cristos, muulmanos, hindustas, budistas, ou discpu-los de Freud. Conseqentemente, vs reagis ao desafio,que sempre novo, de acordo com um velho padro e poresse motivo vossa reao no tem a correspondente efic-cia, originalidade, frescor. Se reagis como catlico ou co-

    munista, estais reagindo, no verdade? , em conformi-dade com um pensamento padronizado. Vossa reao, porconseguinte, no tem significado. E no foi o hindusta, omuulmano, o budista quem criou esse problema? Assimcomo a nova religio a idolatria do Estado, a velha era aidolatria de uma idia. Se reagis a um desafio de acordocom o velho condicionamento, vossa reao no vos habi-litar a compreender o desafio novo. Por conseqncia, oque preciso fazer para enfrentar o novo desafio despo-

    jarse completamente, desnudarse de todos os conheci-mentos e experincias, para enfrentarse o desafio de ma-neira nova. Em outras palavras: os smbolos nunca deveri-am ser elevados categoria de dogmas, e nenhum sistema

    ser considerado como mais do que um recurso provisrio.A crena nas frmulas e a ao conforme com tais crenasno nos podem levar soluo do nosso problema. S

    pela compreenso criadora de ns mesmos existir ummundo criador, um mundo feliz, um mundo sem idias. Omundo em que no existissem idias seria um mundofeliz, porque seria um mundo livre das poderosas forascondicionadoras que impelem os homens a empreenderem'aes imprprias; um mundo livre dos dogmas consagradoscom que justificam os piores crimes e se racionalizam com

    perfeio consumada as maiores loucuras.A educao que no nos ensina a pensar, mas s o que

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    pensar, uma educao que requer uma classe governantede pastores e senhores. Mas a idia de guiar algum antisocial e antiespiritual. Ao homem que a exerce, aliderana traz a satisfao do seu desejo de poder e, aosque so guiados, a satisfao do desejo de certeza e de

    segurana. O guru fornece uma espcie de pio. Mas,perguntarse: E que estais vs fazendo? No estais atu-ando como nosso guru? Ora, responde Krishnamurti,eu no estou procedendo como vosso guru, porque, antesde tudo no vos estou proporcionando nenhuma satisfa-o. No vos estou prescrevendo o que deveis fazer, demomento em momento ou de dia em dia, mas s vos estoumostrando uma coisa; podeis levla ou deixla aqui, eisso depende de vs e no de mim. No vos peo coisaalguma, nem vossa venerao, nem vossa lisonja, nemvossos insultos, nem vossos deuses. Eu digo: aqui est ofato; levaio ou deixaio ficar. E a maioria de vs o deixarficar, pela razo muito bvia de nele no encontrardes

    satisfao.Afinal, que nos oferece Krishnamurti? Que isso que

    podemos levar, se quisermos, mas que muito provavel-mente preferiremos deixar? No , como j vimos, umsistema de crena, um catlogo de dogmas, um conjuntode ideais e noes para uso geral. No liderana, nemintercesso, nem orientao espiritual, nem exemplo se-

    quer. No um ritual, uma igreja, um cdigo, nem enaltecimento ou qualquer espcie de lengalenga inspirativa.

    Ser autodisciplina? No, porque, na realidade, a autodisciplina no a maneira de resolver nosso problema.Para encontrar a soluo, deve a mente abrirse realida-de, enfrentar a evidncia dos mundos exterior e interior,sem preconceitos ou restries. (O culto de Deus liberdade perfeita. Reciprocamente, a perfeita liberdade culto de Deus.) Tornandose disciplinada, a mente nosofre modificao radical; o mesmo eu, porm atado,mantido sob controle.

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    A autodisciplina acrescentase lista das coisas queKrishnamurti no oferece. Ser a orao o que ele oferece?Mais uma vez, a resposta tem de ser negativa. A oraopoder trazernos a resposta que desejamos; mas essaresposta pode proceder do nosso inconsciente, ou doreservatrio geral, do depsito de todos os nossos desejos.A resposta no a voz silenciosa cie Deus. Considerai,continua Krishnamurti, o que acontece quando rezais.Pela constante repetio de certas frases e pelo controledos vossos pensamentos, a mente se torna tranqila. Ouvos ajoelhais, como os cristos, ou vos sentais como os

    hindustas, e ficais repetindo, repetindo, e em virtude dessarepetio a mente se torna tranqila. Nessa tranqilidade,recebese uma comunicao. Essa comunicao, querezamos para receber, pode proceder do inconsciente, ou

    pode ser a reao de nossas memrias. Mas, por certo,no a voz da realidade, porque a voz da realidade temde vir a vs; no lhe podemos dirigir invocaes e preces.

    No podemos atrala para nossa estreita gaiola, pelaprtica de puja, de bhajan, por meio de propiciaes, darepresso, da emulao. Uma vez aprendido o artifcio dequietar a mente, pela repetio de palavras, e, nesseestado de tranqilidade, receber sugestes, existe o perigo

    a menos que estejamos plenamente vigilantes, paravermos de onde procedem essas sugestes de ficarmospresos nessa armadilha, tornandose a orao um substitutopara a busca da verdade. O que pedis, obtereis; mas no a verdade. Se desejais, e pedis, recebereis, mas tereis de

    pagar seu preo, no fim.Passando da orao Yga, vemos que ela outra das

    coisas que Krishnamurti no oferece. Porque Yga

    concentrao, e concentrao excluso. Construs uma'muralha de resistncia pela concentrao num pensamentoque escolhestes, e procurais repelir todos os outros pensa-mentos. O que em geral se chama meditao merocultivo da resistncia, da concentrao exclusiva numa

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    idia de vossa escolha. Mas o que vos faz escolher? Oque vos faz dizer que uma coisa c boa, verdadeira, nobre, eo resto no? A escolha, evidentemente, baseiase no

    prazer, recompensa, ou preenchimento; ou apenas uma

    reao do nosso condicionamento ou tradio. Por queescolhemos? Por que no examinamos cada pensamento?Quando muitas coisas nos interessam, por que escolhemosuma s? Por que no examinamos cada interesse? Por queno deixamos de criar resistncia, examinando cada inte-resse que surge, em vez de nos concentrarmos numa sidia, num interesse nico? Afinal, somos constitudos de

    muitos interesses, temos muitas mscaras, consciente ouinconscientemente. Por que escolhemos um nico interes-se, rejeitando todos os outros e consumindo todas as nos-sas energias no combatlos, criando assim resistncia, con-flito e atrito? Se, ao contrrio, consideramos cada pensa-mento que se manifesta cada pensamento e no s uns

    poucos pensamentos no haver excluso. muito dif-cil, porm, examinar cada pensamento. Porque, enquantoo consideramos, um outro pensamento se insinua. Mas, seestivermos cnscios, sem esforo para dominar ou justifi-car, veremos que, pelo simples observar daquele pensa-mento, no h intruso de nenhum outro. S quando con-denamos, comparamos, cotejamos, se insinuam outros pen-

    samentos.No julgueis, para que no sejais julgados. Este precei-to evanglico no se aplica menos a nossos atos relativos ans mesmos do que a nossos atos relativos aos outros.Onde h julgamento, cotejo e condenao, falta receptivi-dade mental e nem pode haver libertao da tirania dossmbolos e dos sistemas, nem possvel a fuga ao passado

    e ao ambiente. A introspeco com um propsito prede-terminado, o autoexame segunclo o padro de algumcdigo tradicional, algum sistema de postuladosconsagrados, nada disso pode ajudarnos. H umatranscendental espontaneidade da vida, uma Realidade

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    Criadora, como a chama Krishnamurti, a qual s se revelacomo imanente quando a mente do observador est emestado de vigilante passividade, de percebimento semescolha. O julgamento e a comparao nos condenamirrevogavelmente dualidade, conciliao dos opostos,numa total compreenso e num total amor. Ama et f acquod vis. Se amais, podeis fazer o que quiserdes. Mas secomeas por fazer o que quereis ou o que no quereis,em obedincia a algum tradicional sistema de noes,ideais e proibies, nunca chegareis a amar. O processolibertador deve comear com o percebimento sem escolha

    daquilo que desejais e das vossas reaes ao sistema desmbolos que vos diz se deveis ou se no deveis querlo.Graas a esse percebimento sem escolha, ao penetrarele as sucessivas camadas do ego e do seu aliadosubconsciente, vir o amor e a compreenso, mas de umaordem diferente da que em geral conhecemos. Esse per-cebimento sem escolha a cada momento e em todas as

    circunstncias da vida a nica meditao eficaz.Todas as outras formas da Ioga conduzem ao pensamen-to cego que resulta da autodisciplina, ou a uma certa espciede transporte, provocado pela pessoa, uma determinadaforma de falso samadhi. A verdadeira libertao umaliberdade interior da realidade criadora. Ela no um

    dom, tem de ser descoberta e experimentada. No umaaquisio que se acrescentar pessoa, para suaglorificao. um estado de ser silencioso, em que noh vir a ser, onde h existncia completa. Essa potnciacriadora pode no buscar, necessariamente, expresso;no um talento que exige manifestao externa. No

    preciso ser grande artista ou ter muitos ouvintes; se buscais

    tais objetivos, deixareis de encontrar a realidade interior. Ela no nem um dom, nem produto do talento. Elepode ser encontrado, esse tesouro imperecvel, quando opensamento se liberta da avidez, da malevolncia e daignorncia, quando se liberta da mundanidade e da nsia

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    pessoal de ser. Pode ser experimentado pelo pensar cor-reto e pela meditao correta. O percebimento de simesmo, sem escolha, leva realidade criadora, que seoculta debaixo de nossos destrutivos embustes; leva tranqila sabedoria, sempre existente, apesar de nossosaber, que apenas ignorncia, sob outra forma. O saber um conjunto de smbolos e, na maioria das vezes, umobstculo sabedoria, ao descobrimento do eu, demomento em momento. A mente que alcanou a serenidadeda sabedoria conhecer o ser, saber o que amar. Oamor no pessoal nem impessoal. Amor amor, que no

    pode ser definido ou descrito pela mente como exclusivo ouinclusivo. O amor sua prpria eternidade; o real, osupremo, o imensurvel.

    Um dos primeiros contatos diretos que tive com a espiri-tualidade do Oriente foi meu encontro com J. Krishnamurtino final de 1968. Quando ele proferiu uma srie de pales-tras na IJC de Santa Cruz, estava com setenta e trs anos e asua aparncia era absolutamente estonteante. Seus traos

    indianos bem marcados, o contraste entre a pele escura eos cabelos brancos impecavelmente penteados, a elegn-cia dos trajes europeus, a dignidade do semblante, oingls medido e perfeito, e acima de tudo aintensidade da concentrao e a presena dele deixaramme encantado e perplexo. Os ensinamentos de Don Juan ,de Carlos Castaneda, acabara de ser publicado, e ao verKrishnamurti no pude deixar de comparar sua aparnciacom a da figura mtica do sbio yaqui.

    O impacto do carisma e da aparncia fsica de Krishna-murti foi intensificado e aprofundado pelas coisas que

    J. KrishnamurtiFrtjof Capra

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    disse. Pensador muito original, rejeitava toda autoridadeespiritual e todas as tradies espirituais. Seus ensinamentoseram muito semelhantes aos do budismo, mas ele jamaisempregava algum termo budista ou de qualquer outro ramo

    de pensamento tradicional do Oriente. A tarefa a que sepropusera (usar a lngua e o raciocnio racional para levarseus ouvintes alm da linguagem e do uso da razo) eraextremamente difcil, mas o modo como ele se desincumbia dela era impressionante.

    Krishnamurti escolhia algum problema existencial bemconhecido medo, desejo, morte, tempo como tpico

    de uma palestra, e principiava a falar usando palavras pa-recidas com estas: Entremos nisso juntos. No vou lhesdizer nada, no possuo autoridade alguma; vamos exploraressa questo juntos. Em seguida, mostrava a futilidade detodos os modos convencionais para se eliminar, por exem-

    plo, o medo, e perguntava, lenta e intensamente, com um

    senso acurado do impacto dramtico de suas palavras: possvel que vocs, neste exato momento, aqui neste lu-gar, possam se livrar do medo? No suprimilo, no neglo, nem opor resistncia a ele, mas sim eliminlo de umavez por todas? Esta ser a nossa tarefa hoje noite, elimi-narmos o medo por completo, de uma vez por todas. Seno conseguirmos isso, minha palestra ter sido em vo.

    A cena j estava armada; a platia, arrebatada, dominadapelo enlevo, e absolutamente atenta. Examinemos ento aquesto, prosseguia Krishnamurti, sem julgarmos, semcondenarmos, sem justificarmos. O que o medo? Exami-nemos isso juntos, vocs e eu. Vejamos se conseguimosrealmente nos comunicar, estar no mesmo plano, na mes-

    ma intensidade, no mesmo momento. Usandome comoespelho, ser que vocs conseguiro encontrar a resposta a 'esta pergunta extraordinariamente importante: o que medo? E Krishnamurti passava ento a tecer uma teiaimaculada de conceitos. Mostrava que, para compreender-mos o medo temos de compreender o desejo; que para

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    compreendermos o desejo, temos de compreender o pen-samento; e consecutivamente com o tempo, o conheci-mento, o ser, e assim por diante. Apresentava uma anlisebrilhante de como tais problemas existenciais bsicos es-

    to interrelacionados no na teoria, mas na prtica.Krishnamurti no s confrontava cada membro da platiacom os resultados de sua anlise, como tambm instava econvencia cada um a se envolver no processo de anlise.No final, ficava uma sensao ntida e forte de que o nicomeio para se resolver qualquer um de nossos problemasexistenciais ir alm do pensamento, alm da linguagem,

    alm do tempo libertarse do conhecido, como dizno ttulo de um de seus melhores livros, Freedom from theknown.

    Lembrome de que fiquei fascinado, mas tambm profun-damente perturbado, com as palestras de Krishnamurti. Apscada uma delas, Jacqueline e eu permanecamos acordadosdurante vrias horas, sentados junto nossa lareira, discu-

    tindo o que Krishnamurti dissera. Esse foi meu primeiroencontro direto com um mestre espiritual radical, e logo mevi em face de um grave problema. Eu mal iniciara umapromissora carreira cientfica, com que estava bastante en-volvido emocionalmente, e ento vinha Krishnamurti, comtodo o seu carisma e persuaso, dizendo para eu parar depensar, para eu me libertar de todo o conhecimento, para eu

    deixar o raciocnio lgico para trs. O que isso significavano meu caso? Deveria desistir da carreira cientfica nesseestgio inicial, ou deveria continula, abandonando todaesperana de alcanar a autorealizao espiritual?

    Eu ansiava por me aconselhar com Krishnamurti, pormele no permitia nenhuma pergunta em suas palestras erecusavase a receber quem quer que fosse depois delas.

    Fizemos diversas tentativas para vlo, mas foinos dito,com firmeza, que Krishnamurti no queria ser perturbado.Foi uma feliz coincidncia ou no? que finalmentenos propiciou um encontro com ele. Krishnamurti tinha

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    um secretrio francs e, aps a ltima palestra, Jacqueline,que nasceu em Paris, conseguiu estabelecer um dilogocom esse homem. Eles se entenderam bem e, como resul-tado, terminamos por encontrar com Krishnamurti em seuapartamento na manh seguinte.

    Sentime um tanto intimidado quando finalmente vi omestre cara a cara, mas no quis perder tempo. Eu sabiapor que estava ali. Como posso ser um cientista, pergun-teilhe, e ainda assim seguir seu conselho para interrom-

    per o pensamento e libertarme do conhecido? Krishna-murti no hesitou sequer um instante. Ele respondeu

    minha pergunta em dez segundos, e de um modo queresolveu completamente o meu problema. Primeiro voc um ser hum ano, disse ele, e depoisum cientista. Antesvoc tem de se tornar livre, e essa liberdade no pode seratingida por meio do pensamento. Ela atingida pela me-ditao a compreenso da totalidade da vida, em quecessam todas as formas de fragmentao. Uma vez que eu

    alcanar tal compreenso da vida como um todo, explicou,poderia me especializar e trabalhar como cientista semproblema algum. E evidentemente nem se cogitava na abo-lio da cincia. Passando para o francs, Krishnamurtiacrescentou: J adore la science. Cest merveilleux!

    Aps esse rpido mas decisivo encontro, s vi Krishna-

    murti de novo seis anos depois, ao ser convidado, junta-mente com vrios outros cientistas, a participar de umasemana de discusses com ele em seu centro educacionalno Brockwood Park, ao sul de Londres. Sua aparnciaainda era extremamente marcante, embora houvesse per-dido um pouco da intensidade. No decorrer daquela se-mana fiquei conhecendo Krishnamurti muito melhor, in-

    clusive alguns de seus defeitos. Quando falava, ele aindaera muito poderoso e carismtico, mas fiquei desapontado

    pelo fato de jamais podermos realmente inclulo numadiscusso. Ele falaria, mas no se disporia a ouvir. Poroutro lado, mantive muitas discusses excitantes com

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    meus colegas cientistas David Bohm, Karl Pribram eGeorge Sudarshan, entre outros.

    Depois disso praticamente perdi contato com Krishnamurti. Nunca deixei de reconhecer sua influencia decisivasobre mim, e com freqncia ouvia falar dele por meio devrias pessoas; porm, no compareci a nenhuma outrapalestra sua, nem li qualquer um de seus outros livros.Ento, em janeiro de 1983, me vi em Madrasta, no sul dandia, participando de uma conferncia da Sociedade Teosfica Mundial, que ficava em frente propriedade deKrishnamurti. Como ele estava l e ia dar uma palestra

    naquela noite, resolvi aparecer para apresentarlhe meuscumprimentos. O belssimo parque, com suas gigantescasrvores seculares, estava repleto de gente, quase todosindianos, sentados em silncio no cho, aguardando oincio de um ritual de que a maioria j participara muitasvezes antes. s 8 horas Krishnamurti apareceu, vestidocom trajes indianos, e caminhou lentamente mas com enor-

    me segurana at uma plataforma que fora erguida. Foimaravilhoso vlo, aos oitenta e oito anos de idade, fazen-do sua entrada como durante mais de meio sculo, subin-do as escadas da plataforma sem ajuda de ningum, sentandose numa almofada, e unindo as mos no tradicionalcumprimento indiano para iniciar sua palestra.

    Krishnamurti falou durante setenta e cinco minutos sem

    nenhuma hesitao, e quase com a mesma intensidade queeu presenciara quinze anos antes. O tpico dessa noite erao desejo, e ele teceu sua teia com a clareza e habilidadede sempre. Foi uma oportunidade nica para eu avaliar aevoluo de meu prprio entendimento desde a poca emque o conhecera, e senti pela primeira vez que eu real-mente compreendia seu mtodo e sua personalidade. Asua anlise do desejo foi bela e cristalina. A percepocausa uma reao sensorial, disse ele; o pensamentointervm Eu quero..., Eu no quero..., Eu desejo...

    e assim gerado o desejo. O desejo no causado

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    pelo objeto de desejo, mas persistir com diversos objetosenquanto intervier o pensamento. Portanto, no noslibertaremos do desejo suprimindo ou evitando aexperincia sensorial (o modo do asceta). O nico meio

    para nos libertarmos do desejo libertandonos do pensar.

    O que Krishnamurti no disse como podemos noslibertar do pensamento. Como Buda, ele ofereceu umaanlise brilhante do problema, mas, diferena dele, nomostrou um caminho claro para a libertao. Talvez, pen-sei, o prprio Krishnamurti no houvesse avanado o sufi-ciente por esse caminho... Talvez no houvesse se liberta-

    do o suficiente de todo o condicionamento para poderlevar seus discpulos plena autorealizao...Depois da palestra, fui convidado para jantar com Krish-

    namurti e vrias outras pessoas. Compreensivelmente eleestava bastante exausto devido a seu esforo e sem nimo

    para qualquer discusso. Nem eu pretendia algo assim.Fora ali apenas para mostrarlhe a minha gratido, sendo

    ricamente recompensado. Contei a Krishnamurti a histriade nosso primeiro encontro, e agradecilhe mais uma vez

    por sua influncia e ajuda decisivas, estando consciente deque esse talvez fosse o nosso ltimo encontro, como defato acabou sendo.

    O problema que Krishnamurti resolvera para mim, ma-neira zen, de um s golpe, o problema com que a maioriados fsicos se depara quando confrontada com as idiasdas tradies msticas como possvel transcender o

    pensamento sem abandonar um compromisso com a cin-cia? Esse , acredito, o motivo pelo qual tantos de meuscolegas sentiramse ameaados por minhas comparaesentre a fsica e o misticismo. Talvez lhes seja proveitoso

    saber que eu tambm j senti a mesma ameaa. E a senticom todo o meu ser. No entanto, isso foi no incio deminha carreira, e tive uma enorme felicidade: a mesmapessoa que me fez perceber a ameaa foi tambm a queme ajudou a transcendla.

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    Mensagens

    O homem e seus

    desejos em conflito

    \T1 esta tarde desejo talar sobre algo que para a maio\ ria de ns ser um pouco estranho, um pouco fora

    mtt

    * do cotidiano; mas acho importante compreendlo.Vou falar a respeito da meditao. Esta palavra temvrios significados. Supese que no Oriente a me-ditao muito praticada; mas eu duvido clisso. As

    pessoas srias de fato meditam. E, no Ocidente, praticaispresumivelmente a chamada contemplao, ou ofereceisocasionalmente uma prece, quando vos encontrais em

    dificuldades. Mas a meditao, para mim, coisa muitodiferente.

    Como sabeis, estive falando a respeito do medo, do so-frimento, do tempo, da morte, e sobre as coisas do emprego,com o tdio que acarreta, e o esforo constante que fazemospara mantermos um certo padro de vida externo; e, inte-riormente, tambm, procuramos manter um certo grau de

    dignidade e liberdade, seguindo um determinado rumo, doqual raramente nos desviamos. Essas coisas no so fan-tsticas, msticas, pois fazem parte da nossa prpria existnciae temos de enfrentlas no decurso de nosso viver dirio.

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    Ora, se no se lanam as bases adequadas, no possvel meditar. A base essencial da meditao oautoconhecimento o conhecer a si mesmo. Se noconhecemos a ns mesmos, toda meditao, toda

    contemplao, todas as preces, por mais proveitosas eaparen temente benf icas que se jam, conduzeminevitavelmente a vrias formas de iluso.

    A menos que a pessoa comece por estar cnscia de siprpria, tanto da parte consciente como da inconsciente; amenos que perceba seus prprios motivos, conflitos, an-gstias, seu sentimento de culpa, suas ansiedades e deses-

    peros, qualquer forma de meditao, contemplao ou ora-o s pode levar autohipnose. A pessoa pode ter vi-ses, porm estas so apenas a projeo de seu prpriocondicionamento. O cristo ver Cristo e o hindusta seudeus especial.

    As pessoas que tm essas experincias ficam muito entu-

    siasmadas a respeito delas. Mas o que experimentam, oque vem em suas vises, , em verdade, reao de seufundo , sua educao, seu meio cultural; e, para meditarcorretamente, a pessoa precisa estar livre desse condicio-namento. Do contrrio, a meditao a mesma coisa queum crculo vicioso; o condicionamento projeta as vises, eestas, a seu turno, fortalecem o condicionamento.

    Assim, no s para meditar, mas tambm para viver ple-namente que livrarse da carga da ansiedade, da inces-sante batalha da esperana e do desespero essencial a

    pessoa conhecer a si prpria, e esse autoconhecim entorequer especial ateno; uma ateno em que se observasem avaliar. Isto , vse o que se est passando realmente,

    sem condenlo ou julglo. Vedevos, por assim dizer, aum espelho, sem pensamento, se posso usar esta palavra,que mais adiante explicarei.

    Sabemos que uma flor, no sentido botnico, o seuprprio nome, a prpria espcie, etc., mas raramente olha-

    fl b t i t A i i d

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    tem interesse, nem pacincia, nem capacidade para olhare escutar, com o esprito livre das aflies e tormentos dopassado, sem projetar as coisas que experimentou e quecorrompem a perceo. Para conhecermos a ns mesmos,precisamos de ateno sem escolha; devemos ser capazes

    de olhar e escutar sem interpretao.Como este assunto vai ser um tanto difcil, deixaime

    sugerirvos que fiqueis simplesmente escutando, sem fa-zerdes esforo para compreender no como quem estsendo hipnotizado por mim, mas escutando, simplesmen-te, assim como quem escuta o canto de uma ave, ou como

    quem v uma folha agitada pelo vento, uma nuvem quepassa, toda luminosa e radiante. Escutai, simplesmente,no procureis captar com o raciocnio o significado do queestou dizendo. Mas isso no significa que no devamosfazer uso da razo. Sem o raciocnio no poderemos, irmuito longe. Mas, para irmos muito longe, precisamos co-mear com o que est muito perto; e o que est mais perto

    de vs sois vs mesmos. Se no compreenderdes a vsmesmos, no parcialmente, porm totalmente, podereisfalar a respeito de Deus, citar a Bblia ou qualquer outrolivro sagrado, mas no sereis, de modo nenhum, uma pes-soa religiosa; sereis simplesmente escravos da propagandado meio cultural ou sociedade em que viveis.

    O necessrio esse extraordinrio estado de ateno, noqual olhaise escutais, sem deciso, sem motivo, sem finali-dade e isso , realmente, ateno sem escolha. E oconhecervos no um processo de adio. verdes a vsmesmos, como sois: colricos, ciumentos, lbricos, invejo-sos; observar simplesmente o fato; e essa observao semanlise revela todo o contedo do fato, e no tendes de fazer

    nenhum esforo para descobrilo. No momento em quefazeis esforo para analisar, para compreender, estaisdesfigurando o fato; estais pondo em funo o vosso condi-cionamento como analista, como cristo, como isto ou aquilo.

    Como vedes, o conhecer a si prprio no processo de

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    adio ou acumulao. No momento em que acumulaisconhecimentos a respeito de vs mesmos, esses conheci-mentos perturbam o percebimento. Quando vos olhais atra-vs de uma cortina de conhecimentos que acumulastesacerca de vs mesmos, h desfigurao daquilo que vedes.

    Espero que isso esteja claro, pois este ponto muitoimportante. A maioria de ns acumula; acumulamos virtu-des, riquezas, desejos, experincias, idias, e, com essacarga acumulada, temos novas experincias. Desse modo,tudo o que experimentamos fica condicionado pelo co-nhecimento ou experincia anteriormente adquirida. Toda

    experincia j foi provada, conhecida; por conseguinteno h nada novo.Outro dia, estive falando sobre a morte. Precisais morrer

    para todo o conhecimento que tendes a vosso respeito;porque o eununca esttico, est sempre variando, no sfsica, mas tambm psicologicamente. No sois o que on-tem fostes, embora o desejsseis ser; operouse uma mu-

    dana, da qual podeis no estar cnscio.Para conhecervos e deveis conhecer a vs mesmoscompletamente, de ponta a ponta o processo de acumu-lao de conhecimento a respeito de vs mesmos deveterminar; e esse trmino pode verificarse quando deixar-des de julgar, de avaliar, de condenar, de justificar. Isso

    parece muito simples, mas para a maioria de ns no o ,porque fomos exercitados para condenar, julgar, avaliar,comparar, justificar. Tal nosso condicionamento. E o veras coisas claramente como so, sem a desfigurao causa-da por nosso condicionamento, no questo de tempo; uma questo de imediata necessidade.

    bvio que no podeis ver o que o fato realmente , se

    para vosso exame trazeis todas as vossas lembranas eopinies. Se isto est claro, no apenas verbal ou intelectu-almente, porm realmente, poderemos continuar com umainvestigao do inconsciente. O inconsciente tem um pa-

    pel muito importante em nossa vida. A maioria de ns no

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    conhece o inconsciente, a no ser atravs cie sonhos,atravs de ocasionais sugestes ou mensagens relativas acoisas que esto ocultas. Eu acho que no absolutamentenecessrio sonhar; isso um desperdcio de energia. Se

    estais desperto, cnscio, sem escolha, momento por mo-mento, e portanto, no estais acrescentando nada ao queantes conhecestes; se estais observando tudo o que voscerca, bem como todo movimento de pensamento, dentroem vs, descobrireis, ento, que o sonhar cessa completa-mente embora os psiclogos insistam em que no se

    pode evitar o sonho, conquanto nem sempre nos lembre-

    mos de nossos sonhos. Isso no questo para controvr-sia ou argumentao. Vs mesmos podeis experimentlo.Se no estais semiadormecidos durante o dia, porm com-

    pletamente despertos, observando tudo o que se passa aoredor e dentro de vs cada movimento de pensamento,cada sentimento, cada reao descobrireis, ento, que

    quando dormis no sonhais.O inconsciente que est oculto e que to pouco conhe-cemos, pode ser alcanado negativamente. E o que tentofazervos' ver, quando digo que no h necessidade desonhar. No sei at onde examinastes por vs mesmos estaquesto. Provavelmente achais ser muito enfadonho falar arespeito do insconsciente; muito junguiano ou freudiano,

    etc. Mas vs deveis conhecer o inconsciente, porque oinconsciente que orienta a maior parte de nossa vida, quemolda os nossos pensamentos, nossos sentimentos, e pro-duz vrias espcies de conflito. Se no conheceis o incons-ciente, podeis falar a respeito cie Deus, da orao, da guer-ra, da paz, da bomba atmica, mas o que disserdes ter

    muito pouca significao.No inconsciente esto enraizadas no s as reaes co muns do indivduo, mas tambm as reaes coletivas daraa a que pertence, no meio cultural em que foi criado no apenas o meio cultural imediato destes poucos anos,mas a tremenda acumulao cie experincia humana atra

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    vs das idades. Tudo isso l est, no inconsciente. Desco-brir todo o inconsciente por meio de anlise, cie investiga-o gradual, absolutamente impossvel; porque, se secomete um erro em algum ponto do processo de anlise,como inevitvel, o resto da anlise ficar tambm errado.Se perceberdes a futilidade dessa anlise, se perceberdesque com ela no se pode penetrar muito no inconsciente, emuito menos transcendlo, tereis ento de abeirarvos doinconsciente de maneira negativa; quer dizer, totalmente.J explico o que quero dizer.

    Espero que no vos seja demasiado difcil o que estou

    dizendo. No estou agora tomando uma atitude condes-cendente, ou professoral, ou superior, nada disso. Mas possvel que a maioria de vs nunca tenha pensado nestamatria; e, para seguirdes logicamente, somente, o que seest dizendo, sem ficardes confusos ou perturbados, ten-des de escutar. Talvez a maioria no compreenda; mascompreendereis, se a semente cair em terreno j amanhado

    pelo correto escutar.Se no processo de exame ou observao se faz uso do

    mtodo negativo, no h, ento, separao entre o pensa-dor e o pensamento. Mas, para a maioria de ns existe umaseparao; conflito entre o pensador e o pensamento, en-tre o observador e a coisa observada, entre a parte da

    mente que diz devo e a outra parte que diz no devo.Um desejo nos solicita uma direo, e outro desejo a dire-o oposta. Todos conhecemos essa dualidade censor e

    pensamento o censor sempre a observar, a julgar, aavaliar o pensamento.

    Ora, existe de fato separao entre o observador e acoisa observada, entre o pensador e o pensamento? Pensa-

    mos que sim; mas existe, de fato? muito importante averigu.lo; porque, se no h censor, pensador, centro deonde procede o julgamento, a avaliao, o conflito cessaento completamente.

    Certo, s existe pensamento pensamento como rea

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    o mecnica da memria acumulada. bsse pensamentocriou o pensador, a entidade permanente, eu, a

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    pensamentos se insinuam, os quais ela tem de repelircontinuamente; tornase, assim, a concentrao, gradual-mente, um processo de excluso. coisa semelhante aocaso do aluno que deseja olhar pela janela, mas o professorlhe manda olhar para o livro; o esforo de olhar para olivro chamase concentrao. Mas tal concentrao excluso.

    Penso haver um estado de ateno em que a'concentra-o no excluso. Quando a mente se concentra pormeio de disciplina, de controle, de represso, de vriasformas de punio e recompensa, essa concentrao divi-

    de a mente contra si prpria, e produz conflito. Na atenono h conflito. S se pode compreender a ateno quan-do se percebe a significao do tentar concentrarse pormeio de controle; e isso significa que cessa o esforo parase concentrar. Enquanto fizerdes esforo para vos concen-trar, haver contradio, conflito e, por conseguinte, nohaver ateno; e vs precisais da ateno.

    A meditao no prece; a prece implica splica, rogo, eisso extremamente infantil. Vs s rezais quando vosvedes em dificuldades. Um homem feliz no reza. S reza ohomem que sofre, o homem que deseja algo ou tem medode perder algo. E a contemplao, conforme praticada pe-los ocidentais, essa tambm no meditao.

    Notai, por favor, que empreguei a palavra ocidentais

    apenas como meio de comunicao. Para mim no hdiviso entre Oriente e Ocidente. Tal diviso absoluta-mente nacionalista, perniciosa.

    O que, em geral, se chama concentrao subentende umcentro de onde contemplar, significa prse num estadoadequado para receber, aceitar; e isso, mais uma vez, no meditao.

    Para lanar as bases da meditao, a pessoa tem decompreender tudo isso, para que no haja medo, nemaflio, nem motivo, nem esforo de espcie alguma. Masse deixais de fazer esforo porque algum vos diz que

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    no o deveis fazer, nesse caso estais tentando produziraquele estado em que no h esforo, e esse estado no

    pode ser produzido; tendes de compreender toda aestrutura do esforo, porque s ento tereis lanado as

    bases da meditao. Essa base no fragmentria, no

    algo que se constri gradualmente, com o pensamento,com o desejo de xito, de realizao, ou com a esperanade experimentar algo mais amplo, superior. Tudo isso temde cessar. E, lanada essa base, o crebro se torna entocompletamente quieto. J no est reagindo a qualquerespcie de influncia ou sugesto; j cessou de ter vises;

    j no est enredado no passado ou por este condicionado.Esse estado de quietude absolutamente essencial. Ocrebro o resultado de sculos de tempo. o resultado

    biolgico, zoolgico, da influncia, da cultura, de toda aestrutura psicolgica da sociedade. E s quando ocrebro est quieto, completamente imvel, porm, vazioe no amortecido pela disciplina, pelo controle, pela

    represso, que a mente pode comear a operar.Mas essa absoluta quietude do crebro no um estadoque se pode produzir. Ela nasce, natural e facilmente, umavez lanada a base, quando j no existe a diviso pensadorpensamento.

    Tudo isso constitui parte da meditao; a meditao nose encontra no fim. Lanar a base ficar livre do medo, da

    aflio, do esforo, da inveja, da avidez, da ambio; livrede toda a estrutura psicolgica da sociedade. Quando,graas ao autoconhecimento, o crebro j no uma m-quina acumuladora, ele est quieto, tranqilo, silencioso.Deveis alcanar esse estado de silncio, porque, do contr-rio, no sereis realmente uma pessoa religiosa. Estareisapenas brincando com coisas que nada significam.

    (In Planeta, Editora Trs, So Paulo)

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    Experimente um

    novo caminho

    Nesta manh desejo falar, se possvel, a respeito de algotalvez um tanto obscuro e complicado.

    Quase todos ns somos escravos das palavras, que setornaram desmedidamente importantes. As palavras sonecessrias como meio de comunicao, mas, para a maio-

    ria de ns, a palavra a mente, e das palavras nos torna-mos escravos. Enquanto no compreendermos esta pro-funda questo da verbalizao e a importncia da palavra,e enquanto formos servis s palavras, continuaremos apensar mecanicamente, quais computadores. O computa-dor a palavra e o problema. Sem o problema e a palavra,o computador no existiria, nenhum valor teria. Para a

    maioria dos entes humanos, tambm, a palavra e o proble-ma so sobremaneira importantes. Assim sendo, cumpreexaminar esta questo das palavras.

    No sei se estamos bem cnscios de quanto estamosescravizados palavra, ao smbolo, idia. Nunca pomosem dvida a importncia da palavra. Empregamos o termo

    palavra, tendo em mente o smbolo, o processo de darnome, com sua extraordinria profundeza ou superficiali-dade, processo mediante o qual pensamos ter compreendi-do todo o significado da vida: No parecemos perceber,nenhum de ns, a extenso em que a mente, todo o pro-cesso do nosso ser, se acha na dependncia da palavra, dosmbolo, do nome, do termo; e querme parecer que, en-

    quanto formos escravos das palavras e nesse nvel perma-necermos, toda a nossa atividade fsica e psicolgica ser necessariamente superficial.

    Muito se fala e discute hoje em dia sobre a filosofia daspalavras, e a construo de uma estrutura, um sistema de

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    palavras. Penso que devemos estar bem cnscios destaquesto e considerar o papel, superficial ou profundo, queela tem em nossa vida; e devemos investigar, para desco-

    brir se a mente pode em algum tempo libertarse da pala-

    vra.Ora bem: desejo examinar esta questo, porque a pala-vra, no meu sentir, o passado, no o presente ativo.Num mundo como o atual, em que h tanta violncia, tantodio e brutalidade, a palavra compaixo quase sem signi-ficado. Todos estamos bem cnscios do que se est pas-sando no mundo; rivalidades, ambies e frustraes, enor-

    mes brutalidades, dios e violncias, resultantes do cho-que dos partidos polticos; a direita contra a esquerda, aesquerda contra a direita. Certas palavras so torcidasconforme as convenincias e perderam de todo a sua ver-dadeira significao. H violncia em todos ns, conscien-te ou inconscientemente. Existe agressividade, o desejo de

    ser ou vir a ser algo, o impulso para nos expressarmoscuste o que custar, para nos preenchermos sexualmente,nas relaes sociais, no escrever, no pintar. Tudo isso soformas de violncia.

    No sei em que profundidade cada um de ns est cns-cio de tudo, sem necessidade de demonstrao. H cruel-dade em espantosa escala, num mundo em que pequeno

    grupo de pessoas assume o controle absoluto de milhesde seres, dirigindolhes tiranicamente a vida, como aconte-ce no Oriente e na Rssia. E no sei, tampouco, em que

    profundidade estamos cnscios de nossa prpria cruelda-de, nossas prprias e agressivas ambies, nosso impulso

    para preenchernos a todo custo, de modo que uma pala-vra como compaixo pouco nos significa.

    Se no ocorrer, como j disse, uma completa mudana,uma total mutao da conscincia individual, qualquer so-ciedade alicerada em impulsos aquisitivos e agressivosest fadada a tornarse mais e mais cruel, mais e maistirnica mais e mais adepta dos valores materiais signi

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    ficando isso que a mente se ir escravizando cada vez maisa esses valores. No sei se estais cnscios ciisso. Provavel-mente, a maioria de vs l diariamente os jornais e, infeliz-mente, as pessoas se habituam com isso, a ler relatos de

    crueldades, assassnios, brutalidades. De tanto se leremtais coisas, todos os dias, embotasenos a mente e, porconseguinte, com elas nos acostumamos. Nessas condi-es, desejo examinar ou apreciar nesta manh a questode como romper as camadas desse feio e estpido condici-onamento do ambiente, que tornou a mente escrava das

    palavras, e tambm escrava da estrutura social em que

    vivemos.Como tenho tentado explicar, acho que a crise surgida

    no mundo no econmica, nem social, porm uma crisena mente, na conscincia; e no pode haver soluo paraesta crise, a menos que se verifique mutao profunda,fundamental, em cada um de ns. Mas tal mutao s setornar possvel se compreendermos o inteiro processo da

    verbalizao, ou seja, a estrutura psicolgica da palavra.Por favor, no faais pouco caso disso, dizendo: S isso?Esta no uma questo de que possamos desembaraarnos to facilmente, porque a palavra, o smbolo e a idiatm extraordinrio domnio sobre a mente. Estamos falan-do sobre a necessidade de produzir uma mutao na men-te, e para tal requerse a cessao da palavra. Ao ouvirdespela primeira vez uma assero desta natureza, desconhe-cereis talvez o seu significado, e direis: Que disparate!.Mas eu no vejo como a mente possa ser totalmente livre,enquanto no tivermos compreendido a influncia da pala-vra e isso significa que temos de compreender todo oprocesso de nosso pensar, visto que todo ele est baseado

    na palavra.Notai, por favor, que isto no uma palestra intelectual.Tenho horror mente intelectual, urdidora de palavrassem muita significao. Sujeitastesvos a muitos incmo-dos para virdes aqui, e seria bastante lamentvel se no

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    levsseis verdadeiramente a srio o que estamos dizendo.Por certo, devemos considerar este problema da palavracom toda a determinao e profundeza.

    Ora, se removemos a palavra, que resta? A palavra repre-senta o passado, no? As inumerveis imagens, as camadasde experincia, esto todas baseadas na palavra, na idia,na memria. Da memria provm o pensamento, e ao

    pensamento atribumos importncia desmedida; mas eucontesto decididamente esta importncia. O pensamentono pode, em circunstncia nenhuma, cultivar a compai-xo. No estou empregando a palavra compaixo para

    designar o posto, a anttese do dio ou da violncia. Mas secada um de ns no tiver um profundo sentimento decompaixo, tornarnosemos cada vez mais brutais e desu-manos, uns para com os outros. Teremos mentes mecni-cas, semelhantes a computadores, exercitadas unicamente

    para executar certas funes; continuaremos a buscar asegurana fsica e psicolgica, e perderemos a extraordin-

    ria profundidade c beleza, o significado integral da vida.Falando de compaixo, no me refiro a uma coisa adquirvel. Compaixo no a palavra mera coisa do passado

    porm algo que est no presente ativo; ela o verbo, eno a palavra, o nome, ou substantivo. H diferena entreo verbo e a palavra. () verbo do presente ativo, enquantoa palavra sempre do passado e, por conseguinte, esttica.

    Podeis dar vitalidade ou movimento ao nome, palavra,mas isso no o mesmo que o verbo, sempre ativamente

    presente. No estou, absolutamente, empregando o termopresente no sentido existencialista.

    Em geral, vivemos num ambiente de agresso, violncia,brutalidade e, como os que nos rodeiam, somos impelidospela ambio, pelo impulso a preenchernos. Qualquertalento que tenhamos qualquer insignificante capacida-de para pintar quadros, escrever poesias, etc. exigeexpresso, e desta fazemos uma coisa de enorme impor-tncia, por meio da qual esperamos conquistar glria ou

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    renome. Em graus diferentes, tal a vida de todos ns, comtodas as suas satisfaes, frustraes e desesperos.

    Ora, a mutao deve verificarse na prpria semente dopensamento, e no nas expresses exteriores dessa semen-

    te; e isso s acontecer se compreendermos o inteiro pro-cesso do pensamento que a palavra, a idia. Tomai,por exemplo, uma palavra Deus. A palavra Deus no Deus; e s alcanaremos essa imensidade, essa coisa imen-survel, qualquer que ela seja, quando j no existir apalavra, o smbolo, quando j no houver crena nem idia quando houver completa independncia da segurana.

    Referimonos, pois, a uma mutao que se deve operarna prpria mente, na prpria semente do pensamento.Como vimos ao examinarmos esta questo, o que chama-mos pensamento reao, a resposta da memria; aresposta de nosso fundo, de nosso condicionamento religi-oso e social. Ele (o pensamento) reflete a influncia denosso ambiente, etc., etc. Enquanto no se extinguir aque-

    la semente, no haver mutao e, por conseguinte, nohaver compaixo. Compaixo no sentimentalidade, no aquela mole comiserao ou empatia que conhecemos. Acompaixo no cultivvel pelo pensamento, pela disci-

    plina, pelo controle, pela represso, e tampouco pelo ser-mos amveis, corteses, gentis, etc. A compaixo s comea

    a existir quando o pensamento deixou, radicalmente, deexistir. Se estais ouvindo esta assero pela primeira vez,ela poder no ter significao para vs. Direis: Comoterminar o pensamento?, ou Que acontecer mente quefor incapaz de pensar? Fareis inmeras perguntas. Mas jnos entendemos sobre este assunto; j o examinamos sufi-cientemente, embora, talvez, sem entrarmos em mincias.

    O que desejo examinar a questo relativa observaodo ego, do eu. Mas, primeiramente, precisamos compreen-der o que significa observar, para em seguida examinar-mos o que significa esta palavra eu.Considerai a palavraobservao. Que significa ela? Em regra, observarmos coi

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    sas mortas, coisas passadas, coisas acabadas. Nunca obser-vamos uma coisa viva, em movimento, ativa.

    Por favor, enquanto falo, enquanto explico, no vos dei-xeis enredar na explicao, na palavra, porm observai a

    vs mesmos; notai como vs vedes, como vs observais. Oque agora vai ser considerado muito importante, e sermuito difcil compreendlo, se se no compreender pri-meiramente a beleza da observao.

    Em geral, observamos com o senso de concentrao,isto , de destacar a coisa observada da contextura daqual faz parte. H (para ns) observador e coisa observada,

    e, por conseguinte, surge o conflito entre o observador ea coisa observada a luta para eliminla ou modificla;ou, ainda, a pessoa se identifica com aquilo que foiobservado, o que inevitavelmente acarretar outrosproblemas. Tal observao meramente um processo deanlise, a respeito do qual j falamos. isso o que nageneralidade fazemos; analisamos aquilo que observamos.Eu desejo saber, desejo compreender essa entidadeextremamente complexa, essa conscincia que sou eu

    prprio, e digo: Observarei a mim mesmo. E, fazendoo,fico olhando um nico pensamento, separadamente doprocesso total do pensamento. Isso como observaraquele rio recolhendo numa taa um pouco dgua, e

    olhla separadamente cio movimento pleno, do fragor eda fora da prpria corrente. Para observarmos a corrente,devemos prestar ateno a cada onda que se forma, pormais insignificante que seja, prestar ateno curva quedescreve essa onda antes de quebrarse na margem dorio; temos de movernos juntamente com aquelas guasextraordinariamente rpidas. Na observao, no h tempopara interpretarmos, no h tempo para dizermos que istoou aquilo errado, que isto belo, e aquilo feio, queisto deve ser e aquilo no deve ser. No h censor,quando se observa uma coisa que se move, uma coisa tovital como aquele rio, no pode de modo nenhum haver

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    um censor, um juiz. S h censor, juiz, quando separamosuma pequena poro da gua do rio para a olharmos.

    Assim, por favor, compreendei bem claramente que, nomomento em que separamos uma coisa da contextura deque faz parte, a fim de observla, damos nascimento ao

    censor e, por conseguinte, apresentase o conflito, a pala-vra, todo o processo de verbalizao, com seu preenchi-mento e agonia da frustrao. Vs vos separais da coisaque estais observando e, depois, dizeis: Estive observan-do a mim mesmo e vi que sou isso, que sou aquilo outro,mas no tenho possibilidade de ir mais longe. E bvio que

    no, porquanto se trata das observaes de um observadorexterior, que se separou da corrente, do movimento, dacelebridade do pensamento. Se isto no est claro, exami-nloemos no fim desta palestra.

    Observar a si mesmo, sem conflito, como seguir acorrente, antecipandose s cataratas, antecipandose aosmovimentos de cada onda, por mais insignificante, vendo

    cada seixo que faz a onda quebrarse. Isto no teoria.Estou apreciando a questo cientificamente, objetivamente;no me estou fazendo sentimental, nem formulando idiasou hipteses; estou sendo realista. Quando tiverdesapreendido realmente o profundo significado da observa-o, descobrireis que o prprio processo de observar, dever, o fim do conflito, porque se eliminou a separao

    entre o observador e a coisa observada; apagouse comple-tamente esta diviso e, por conseguinte, no estais observan-do o pensamento como entidade separada. Vs sois esse

    pensamento, e no um pensador que observa o pensamen-to. Quando estais verdadeiramente seguindo algo que muito vivo, muito rpido, algo que est em espantoso

    movimento, no tendes tempo para julgar, para avaliar, paracondenar, ou para vos identificardes com essa coisa. Ela to dinamicamente vital, que no tendes tempo e isto importante no tendes tempo para verbalizla, darlhenome, aplicarlhe um termo; tudo isso so funes separativas.

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    Assim, se est compreendido isto, examinemos essacoisa complexa chamada ego que o eu , o campocia conscincia. Estamos tratando de descobrir se exato

    e no apenas uma idia minha ou vossa que, para se

    promover uma completa mutao, uma revoluo total naconscincia, o pensamento nenhuma interferncia podeter nisso.

    O pensamento no compaixo; seria totalmente absur-do pensar tal coisa. No se pode cultivar a compaixo,tampouco o amor. No importa o que faais, no podeis

    produzir amor com a mente, no podeis fabriclo com o

    pensamento. Ora, podese observar os movimentos tantoconscientes como inconscientes dessa entidade total cha-mada ego, tendose sempre em mente que o tempo noexiste? Tempo a palavra. No momento em que dizeis:Isto clera. Isto cime, Isto mau j separastes acoisa de vs mesmos e estais olhando para uma coisa

    morta; por conseguinte, no estais observando a vs mes-mos. E, se no conhecerdes a vs mesmos, tudo o que vosdiz respeito, vosso pensamento no tem liaison d tre, ra-zo de ser; em todo movimento de pensamento, em todaao, estais meramente funcionando s cegas, qual umamquina. A maioria de ns no pensa de maneira comple-ta, porm fragmentariamente; o que pensamos num nvel

    contrariado noutro nvel por nosso pensamento. Sentimosuma coisa num dado nvel, e a negamos noutro nvel, demodo que nossa ao diria tambm contraditria, frag-mentria, e essa ao gera conflito, aflio, confuso.

    Notai, por favor, que tudo isso so evidentes fatos psico-lgicos e que para os compreenderdes no necessitais de

    1er um nico livro de psicologia ou de filosofia, porquetendes o livro dentro em vs, o livro composto pelo ho-mem atravs dos sculos.

    Estamos, pois, no apenas tratando da ao mas tambmda compaixo; porque a ao encerra a compaixo. Acompaixo no uma certa coisa separada da ao no

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    uma idia qual se ajusta a ao. Tende a bondade deolhar isso, de considerlo atentamente, porque, para amaioria de ns, a idia importante, e dela nasce a ao.Mas a idia separada da ao gera conflito. A ao inclui a

    compaixo; no est apenas no nvel tecnolgico, ou nonvel das relaes entre marido e mulher ou entre o indiv-duo e a comunidade, porm um movimento total denosso ser inteiro. Refirome ao fragmentada. Quandohouver observao, e, por conseguinte, no houver obser-vador sendo observador a idia, a palavra e comear-des a compreender toda essa complexidade chamada ego,

    eu,conhecereis ento essa ao total e no a ao separativa, fragmentria, em que h conflito.

    No sei se estais compreendendo.Qual o significado do meu falar? Vs estais a sentados, e

    eu falando. Qual o significado disso? Eu no estou falandopara me preencher. No meu mtier,meu ganhapo. Por

    que, ento, estou falando? Por que estais escutando, e oque que estais escutando? Vs e eu estamos fazendojuntos uma viagem, para descobrirmos o que o fato, oque a verdade; no uma idia abstrata da verdade, uma

    palavra separada do fato, porm, o fato real. Vse o estadocatastrfico em que se acha o mundo, e sentese a necessi-dade de uma tremenda revoluo, de completa mutao da

    mente, de modo que o ente humano seja um verdadeiroente humano; um ente livre de problemas, livre do sofri-mento, ente que viva uma existncia plena, rica, completa,e no seja a criatura torturada, coagida, condicionada, queora . Eis por que falo, e espero que pela mesma razo meestejais escutando.

    Agora, que significa observar, digamos, o movimento daambio? Estou tomando para exemplo a ambio, comouma das coisas feias de nossa vida ainda que algunsdentre vs a possam achar bela. Que significa observar aestrutura, a anatomia da ambio? (No a palavra, porque apalavra no a coisa) A palavra rvore no a rvore

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    Podeis dizer: Sim, com efeito; mas, psicologicamente,quando observamos em ns mesmos a ambio, imediata-mente nos identificamos com esse estado, com essa pala-vra, e nela ficamos enredados. fcil perceber que a pala-vra rvore no a rvore; mas outra questo muitodiferente observardes em ns mesmos, sem a palavra, esseestado extraordinrio chamado ambio. Esse estado for-mado em vs, em vosso pensamento, em vosso prprioser, pela sociedade, pelo ambiente em que viveis, porvossa educao, pela Igreja, pelo agressivo esforo huma-no, atravs de sculos incontveis, para realizar, avanar,

    matar, etc. E o importante observar em vs mesmos esseestado, no s agora que dele estamos falando, mas tam-bm observlo quando a caminho do escritrio, quandoledes no jornal o elogio de um certo heri ou homem bemsucedido. Se o observardes (esse estado) sem lhe dar nome,vereis que no uma coisa esttica, porm um movimentono identificado com a palavra e, por conseguinte, no

    identificado com o nome, com vossa pessoa; e se o obser-vardes com intensidade, com certa celebridade, transcen-dereis a ambio. Ela ter perdido sua importncia e,todavia, podereis estar totalmente em ao. Mas dificli-mo observarmos esse estado em ns mesmos, olharmos opensamento sem o observador, sem o pensador que oobserva.

    A observao no exige nenhuma acumulao de conhe-cimento, ainda que o conhecimento seja obviamente ne-cessrio, num certo nvel: o conhecimento do mdico, oconhecimento do cientista, o conhecimento da Histria, detodos os fatos passados. Afinal de contas, isto conheci-mento: estar informado sobre os acontecimentos passados.No h conhecimento do amanh; s podeis conjecturar arespeito do que poder acontecer amanh baseado emvosso conhecimento do passado. A mente que observacom o conhecimento incapaz de acompanhar com rapi-dez a corrente do pensamento. S pelo observar, sem o

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    crivo do conhecimento, comeareis a ver a estrutura totalde vosso prprio pensar. E, nesse observar que nosignifica condenar ou aceitar, porm simplesmente obser-var , vereis que o pensamento terminar. A casual obser-vao de um pensamento no conduz a parte alguma. Mas,

    se observardes o processo do pensar, sem vos tornar umobservador separado da coisa observada; se perceberdes ointeiro movimento do pensamento, sem aceitlo nem con-denlo ento, essa prpria observao dar fim imedia-to ao pensamento e a mente, por conseguinte, se tornarcompassiva, se achar num estado de constante mutao.

    (In Planeta, Editora Trs, So Paulo.)

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    Mensagens

    Libertando a mentedo temor

    Trody de Hugo !$

    I I saber escutar algo muito importante; mas, em

    1 I geral, temos inmeras opinies, idias, experincias e concluses antecipadas, atravs das quais fil-tramos tudo o que ouvimos, e por essa razo nuncaouvimos nada de maneira nova; traduzimos sempreo que vimos de acordo com uma determinada

    tendncia.Assim, de real importncia saber ouvir sem interpretar;

    porm, isto , sem dvida, um problema dificlimo.Em geral, no gostamos de ouvir coisa alguma de manei-

    ra completa, com plena ateno, porque nessa operaodescobrimos s vezes o que realmente somos; por isso,costumamos estender cortinas de proteo entre ns e oque nos dizem.

    bvio, pois, que seria muito bom se fssemos capazesde ouvir simplesmente, visto termos inmeros problemas no s pessoais, como tambm sociais, polticos, econ-micos para os quais precisamos encontrar a soluocorreta; e no haver possibilidade de encontrla, se, para

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    tanto, dependermos de alguma opinio, de conhecimentosadquiridos em livros, ou em conferncias.

    Sem dvida, para acharmos a soluo, devemos sabercomo ouvir o fato, o prprio problema; mas no isso oque fazemos, quando interpretamos o problema de acordocom as nossas idiossincrasias ou opinies pessoais.

    H de haver uma soluo correta para todos os proble-mas; mas essa soluo no se acha pela anlise, pelo julga-mento, pela comparao, nem por meio do saber, por maisvasto que seja.

    S pode surgir a soluo correta quando a mente escu-

    ta tranqila, quase indiferente, sendo assim capaz de con-siderar o problema sem qualquer mvel ou inteno espe-cial, sem ter um fim em vista o que, com efeito, dificlimo, porque em geral queremos um determinado re-sultado, uma soluo satisfatria.

    Para alcanar a soluo correta dos problemas humanos,necessitamos de muita pacincia, principalmente se j nos

    habituamos a viver num mundo mecnico, em que poss-vel descobrir com muita presteza a soluo de tantos pro-blemas tcnicos.

    Quando temos um problema, desejamos soluo imedia-ta; recorremos ento a um livro, a um mdico, a um analista,a um especialis