LARISSA TERESA AMORIM BATISTA - … · Durante toda a fase colonial a educação ... provocada pela...

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA CURSO DE HISTÓRIA LARISSA TERESA AMORIM BATISTA EDUCAÇÃO E ELITES NA SÃO LUÍS DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX São Luís 2005

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA CURSO DE HISTÓRIA

LARISSA TERESA AMORIM BATISTA

EDUCAÇÃO E ELITES NA SÃO LUÍS DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX

São Luís 2005

LARISSA TERESA AMORIM BATISTA

EDUCAÇÃO E ELITES NA SÃO LUÍS DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX

Monografia apresentada ao Curso de

História da Universidade Estadual do

Maranhão, para obtenção do grau de

Licenciado em História.

Orientador: Profo Ms. Marcelo Cheche Galves.

São Luís

2005

LARISSA TERESA AMORIM BATISTA

EDUCAÇÃO E ELITES NA SÃO LUÍS DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX

Monografia apresentada ao Curso de História

da Universidade Estadual do Maranhão, para

obtenção do grau de Licenciado em História.

Orientador: Profo Ms. Marcelo Cheche Galves.

Aprovada em ___/___/___

BANCA EXAMINADORA

_______________________________ Profo Ms. Marcelo Cheche Galves (Orientador)

Universidade Estadual do Maranhão

_______________________________ (1o Examinador)

_______________________________ (2o Examinador)

AGRADECIMENTOS

A meus pais, por tudo o que fizeram e fazem por mim.

A todos os meus amigos, em especial Fabio, por estar sempre disposto

a me ajudar nas correções deste trabalho; e Lorena, por ser uma das poucas

pessoas em que confio e que sempre me ajuda a superar situações difíceis.

A professora Lourdinha, que serve de exemplo e incentivo para muitas

pessoas, que foi a grande responsável por eu não ter desistido deste curso no

terceiro período, e pela qual tenho um grande carinho.

Ao professor Marcelo, por ter contribuido de forma bastante

significativa para a efetivação desta monografia através de sua orientação.

Àqueles professores que se comprometeram e se empenharam para

transmitir os conhecimentos necessários a minha formação ao longo destes cinco

anos na Universidade.

Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos todos nós envolveremos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender e ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com educação.

(Carlos Rodrigues Brandão)

RESUMO

Durante toda a fase colonial a educação, no Maranhão, foi deixada em

segundo plano e, a partir da Independência, as elites, em todo o país, começam a

pensar na melhoria desta, o que passa a ser efetivado em 1834 através do Ato

Adicional. Tal mudança efetiva-se com a proposta de se estender a instrução

básica a todos os cidadãos, sendo esta promovida pelas administrações

provinciais e mais tarde por particulares, os quais passam a incutir nas massas

que a educação é a melhor maneira de se chegar ao progresso tão desejado por

todos, disfarçando dessa forma seus interesses.

Palavras-chave: Elite – educação – controle – população pobre – São

Luís.

ABSTRACT

During all the colonial phase the education, in the state of Maranhão,

was not considered as a priority From Independence Day on, elites, all over the

country, start to think about improving it, which really happens in 1834 through

“Ato Adicional”.

Such change takes place with the proposal to offer basic upbringing for

all, which would be promoted by provincial administrations and afterwards by

private individuals, who start to instill in people that education is the best way to

get to the progress so desirable by all. However it was only a way to disguise their

real interests.

Key words: Elite – education – control – poor people – São Luís.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................09

2 ECONOMIA E SOCIEDADE ..............................................................................11

3 A EDUCAÇÃO EM SÃO LUÍS NA FASE IMPERIAL ........................................24

4 A CONCEPÇÃO DE EDUCAR PARA CONSERVAR........................................37

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................47

FONTES PESQUISADAS ....................................................................................49

REFERÊNCIAS ....................................................................................................50

1 INTRODUÇÃO

Prendendo-me a este tema, fui aos poucos descobrindo importantes

relações que existiam entre a educação e a política. Mais precisamente de como

aquela servia (e ainda serve) como base e meio propagador dos interesses dos

mais poderosos.

Para tentar discutir esta relação procurei recorrer ao momento em que

esta elite intelectual é formada para pensar a educação como forma de distinção

social. Assim, terei como foco de estudo o século XIX, principalmente a segunda

metade, já que é a partir do final da década de 40 e início de 50 que se tornam

mais freqüentes as propostas para uma melhoria da instrução pública.

A iniciativa dessas mudanças é tomada inicialmente pelas

administrações provinciais, mas no decorrer dos anos (mais precisamente final da

década de 60) as classes mais abastadas tomam para si a responsabilidade

sobre a difusão da educação e foi exatamente este fator que me chamou a

atenção: por que a elite se preocuparia em promover instrução a todos, incluindo

as classes menos favorecidas?

Para responder a esta pergunta é necessário entender como se

processa o crescimento econômico da província do Maranhão e de que forma

este contribui para o enriquecimento cultural dos filhos da elite, e para a

conseqüente estruturação da sociedade maranhense.

Em seguida, pretendo analisar as crescentes preocupações por parte

do governo para com a instrução primária, e as freqüentes propostas para a

melhoria do ensino e sua difusão a todos os cidadãos.

Por fim, a influência que novas teorias, originadas na Europa, passam

a exercer sobre os intelectuais brasileiros, além da forma que estas vão ser

propagadas e com qual objetivo. Assim, se tornará mais fácil compreender o

interesse da elite em disseminar a educação entre as massas.

2 ECONOMIA E SOCIEDADE

“Notável por sua elegância e suas maneiras e por sua fineza. A riqueza do país, o desejo de imitar os costumes europeus popularizados por uma infinidade de casas francesas e inglesas, mas sobretudo a liberdade, a perfeita educação, os modos delicados e suaves das mulheres do Maranhão, contribuíram para fazer desta cidade, um dos lugares mais agradáveis de se viver no Brasil”.

Alcide d’Orbigny

Do século XVI até meados do século XVIII, a economia da província do

Maranhão esteve voltada para a subsistência de sua população, ou segundo

estudos recentes, como um artigo escrito pela professora Regina Faria (2003),

esta é a visão que se cristalizou na historiografia maranhense e que é utilizada

majoritariamente. Visão esta que começa a ser revista devido ao contato de

historiadores com fontes que até pouco tempo ainda não tinham sido exploradas

como, por exemplo, os “Livros da Câmara de São Luís”.

Tradicionalmente afirmou-se que o comércio apenas tinha se

desenvolvido na província após a instalação da Companhia Geral de Comércio do

Grão-Pará e Maranhão, criada no ano de 1755 pelo Ministro Sebastião José de

Carvalho, mais conhecido como Marquês de Pombal. Antes da instalação desta a

pobreza, no Maranhão, era explicada como o resultado de uma economia de

subsistência, que acabava restringindo as transações comerciais (MEIRELES,

2001).

A criação desta companhia, segundo Jerônimo de Viveiros (1954, 74),

promoveu na província maranhense: “o surto de progresso que desfrutou nos

últimos quarenta anos do período colonial”. Tal progresso foi estabelecido através

da dinamização das exportações de algodão e de arroz e da regularização da

vinda de mão-de-obra escrava africana para a província.

Através dos “Livros da Câmara” é possível se fazer uma releitura da

historiografia, já que por estes documentos pode-se descobrir que “as relações

comerciais com as capitanias vizinhas e com a metrópole provavelmente eram

mais intensas do que tradicionalmente é dito” (FARIA, 2003: 17). Dessa forma, ao

se referir às atividades econômicas na província até meados do século XVIII

deve-se levar em conta que estas existiam durante este período, mas, se

comparadas às atividades comerciais iniciadas no período pombalino, aquelas

são realmente muito menos significativas.

Assim, o que a Companhia de Comércio teria promovido ao Maranhão

seria a dinamização das relações comerciais e não a instalação destas na

província, pois já eram existentes. Tal dinamização propiciou aos proprietários de

terras e aos comerciantes uma concentração de renda proveniente da agro-

exportação.

Esta concentração de renda promoveu aos filhos da elite a

oportunidade de estudarem nas universidades européias ou até mesmo nas

faculdades brasileiras (criadas na primeira metade do século XIX), ou seja,

propiciou um crescimento intelectual, que articula-se à construção mítica da

Atenas Brasileira, na segunda metade do século XIX, cristalizando, “(...) no

pensamento, um ideário de significações que preenche uma espécie de vazio

deixado pelas ausências de perspectivas econômicas e idealizado no plano

cultural” (BORRALHO, 2000: 33).

Através deste desenvolvimento da intelectualidade, a elite ludovicense

adquiriu novos hábitos de refinamento social, o que pode ser notado,

principalmente, no que se refere aos espaços de lazer, como por exemplo os

teatros, além de importarem costumes europeus, principalmente os franceses, no

que se refere à etiqueta social e à moda (LACROIX, 2002).

As produções de algodão e arroz foram a base desse crescimento

material, que conheceu prosperidade até os anos 30 do século XIX, quando

começou o declínio da lavoura de arroz e ocorreu uma pausa na de algodão,

provocada pela queda dos preços e das exportações devido a concorrência

internacional e à Balaiada1. Nesta época muitos fazendeiros abandonaram suas

terras ou as entregaram nas mãos de feitores para que pudessem se refugiar na

capital.

A partir da década de 1840 surgiu a exploração de um novo gênero

exportável, o açúcar, que esteve em expansão até o começo da década de 80,

quando as exportações desse gênero começam a declinar (CABRAL, 1984).

A crise da lavoura pode ser explicada por diversos fatores. Para os

fazendeiros, estava diretamente associada à crise do escravismo, iniciada em

18502. Na opinião de Jerônimo de Viveiros (1954), os filhos desses senhores que

1 Movimento ocorrido na Província do Maranhão entre os anos de 1838 a 1841, em que as classes menos

favorecidas reivindicavam o fim do recrutamento forçado e que contou com a participação dos escravos

negros os quais aspiravam à liberdade. 2 Criação da Lei Eusébio de Queiroz, que proibia o tráfico de escravos no Brasil.

lhes sucederam, embora mais cultos por terem estudado em universidades

européias ou nas faculdades do país, graças às fortunas que suas famílias

adquiriram com os engenhos de açúcar, não souberam conservar o legado de

seus pais e assistiram à derrocada da lavoura e da economia maranhense.

Segundo ABRANTES (2002: 35):

A economia maranhense no final do século XIX tinha raízes estruturais, ligadas à natureza daquela produção e comercialização, extremamente vulneráveis às condições do mercado externo e também a fatores conjunturais que contribuíram para o seu desequilíbrio final.

Assim, o que os fazendeiros não conseguiam perceber era que o

problema estava na organização da economia como um todo, na falta de

investimentos em instrumentos e técnicas para tornarem os produtos mais

competitivos e que tal crise foi agravada pelo fim da escravidão.

A saída encontrada por muitos fazendeiros para superar a crise das

lavouras de exportação (algodão e açúcar) foi investir em uma atividade

inovadora – a indústria. Contavam para o êxito do novo empreendimento com a

matéria-prima produzida na própria província, o algodão, e acreditavam que

abririam várias fábricas têxteis impulsionados pela demanda do mercado

consumidor. O capital empregado na construção desse parque fabril teve sua

origem com o fim da escravidão, pois o dinheiro antes utilizado na compra e

manutenção de mão-de-obra – escravos africanos – agora estava disponível para

ser investido em outra atividade (CABRAL, 1984).

Como os demais ciclos econômicos da província o parque fabril teve

uma vida curta, caracterizado principalmente pela falta de interesse de seus

proprietários em renovar o maquinário e acompanhar as mudanças necessárias

para o seu desenvolvimento.

Alguns jornais da época retrataram em suas páginas a situação de

crise geral que se abatera sobre a cidade de São Luís na segunda metade do

século XIX, como é o caso do jornal A Flecha de 05.03.1879:

A nossa querida Província, berço de tantos homens eminentes... escorrega hoje num declive assustador de decadência, de desmoronamento mesmo. A lavoura, a fonte principal de nossa riqueza, longe de explorar de animo deliberado a natureza pujante e inesgotável de nossa terra, agoniza no leito da bancarrota, fruto infalível da rotina e da preguiça, e queima os últimos cartuchos em seu próprio detrimento, desfazendo-se dos braços escravos que a auxiliam, antes que possa atrair a emigração estrangeira. O comércio, filho direto da agricultura é uma coisa choca e anêmica, sem coragem nem recursos para nada. A arte, assumiu entre nos as proporções de verdadeiro mito e os poucos que de coração a procuram têm por único aplauso o braço de ferro da miséria. Indústria, não a temos: o estrangeiro fornece-nos tudo quanto carecemos desse vasto ramo do trabalho humano. (apud ABRANTES, 2002: 36).

Segundo as palavras deste jornal, a lavoura de exportação agonizava e

o comércio era desanimado, mas de acordo com alguns autores, como Aluísio

Azevedo (2003: 20), mesmo com a decadência da agricultura as casas comerciais

da Praia Grande, centro comercial da cidade, fervilhavam sob o comando de seus

proprietários estrangeiros, contrastando com o resto da cidade. O comércio em

São Luís na segunda metade do século XIX era monopolizado por portugueses,

franceses e ingleses, sendo que estes monopolizavam principalmente o comércio

de algodão.

Eram exatamente estes comerciantes, juntamente com a aristocracia

rural, os representantes da elite maranhense, sendo que os comerciantes

mantinham-se em São Luís enquanto que a aristocracia fazia da cidade de

Alcântara seu reduto. Aos poucos, esta aristocracia foi se transferindo para a

capital da província e demonstrando seu poder econômico através da construção

de deslumbrantes casarões, construídos nas ruas mais valorizadas, situadas

próximas à parte mais elevada da cidade (onde esta havia se originado), às

igrejas, às fontes e ao bairro comercial.

Ao passo que a classe mais favorecida da sociedade construía

casarões suntuosos, a classe menos favorecida construía modestas casas, estas

sendo térreas, e localizando-se nas ruas secundárias, nos terrenos mais

afastados ou até alagadiços (BORRALHO, 2000).

À proporção que a crise econômica aumentava, crescia também a

ostentação de riqueza por parte das famílias abastadas de São Luís. Tal

ostentação servia como um novo recurso para se tentar manter as aparências, já

que na sociedade ludovicense deste período, baseada no patriarcalismo, o nome

em si de uma família representava pelo menos um “bem cultural”, que poderia ser

utilizado para se conseguir excelente negociação, como por exemplo,

casamentos3.

3 Para dar continuidade ao sucesso nos negócios do comercio, era costume o patrão casar a filha mais velha

com o primeiro empregado. O casamento era um prolongamento dos negócios comerciais (AZEVEDO,

2003: 31).

Em nenhum momento, mesmo naqueles de maior desespero

econômico, a classe social abastada pensou em se desvencilhar do contato com

o mundo europeu. Pelo contrário, quanto mais a crise se agravava mais esta

camada social procurava se aproximar do velho continente principalmente no que

diz respeito aos hábitos, à etiqueta e à moda franceses (LACROIX, 2002).

Este padrão de riqueza também pôde ser visto através do

desenvolvimento intelectual comum entre as elites no século XIX em São Luís.

Ao retornarem à província, os jovens bacharéis e doutores traziam hábitos mais refinados e eruditos, que procuravam manter nas reuniões sociais e nos debates incrementando, assim, a vida intelectual deste setor da sociedade. (MÉRIAN apud BORRALHO, 2000: 24).

Segundo ABRANCHES (1992, 109),

Em 1881, São Luís ainda conservava os seus foros de metrópole espiritual do Brasil. A cultura do vernáculo tornara-se o padrão de glória dos maranhenses: ninguém os excedia pelas outras províncias na pureza, na correção e na elegância da linguagem.

Assim, pode-se notar que mesmo passando por uma grave crise

econômica que a cada dia se agravava, a elite ludovicense, principalmente os

filhos das famílias abastadas que tiveram a oportunidade de se dedicarem aos

estudos, preocupava-se mais com a difusão de ideais que proporcionassem a

formação crítica desta nova geração do que propriamente com os problemas

econômicos.

Tal fato pode ser notado no livro “O Cativeiro”, de Dunshee de

Abranches, em que o autor relata sua experiência e envolvimento com ideais

revolucionários, principalmente o abolicionismo, e como isto influenciou sua vida

fazendo-o seguir o caminho das letras e da política. Também relata em sua obra,

a sociedade ludovicense no final do século XIX, formada por famílias ricas e que

propiciavam a seus filhos a oportunidade de se instruírem dando continuidade, no

campo literário, àqueles que neste mesmo século foram os responsáveis pelo

título que a cidade se auto atribuíra – a Atenas Brasileira.

Outro aspecto importante a ser observado é que mesmo passando por

transformações no conjunto arquitetônico urbano e por transformações culturais, a

cidade de São Luís ainda precisava oferecer condições necessárias de higiene,

comodidade e segurança para seus moradores, principalmente para as elites.

Para conseguir dar maior segurança aos seus habitantes, a cidade merecia

atenção por parte dos poderes públicos, responsáveis pela ordenação do espaço

urbano e de seus habitantes, especialmente os escravos e os livres pobres, para

que dessa forma a cidade pudesse se constituir num espaço de civilidade dentro

dos moldes europeus.

“As posturas municipais procuravam modelar um tipo ideal de cidade

de acordo com os interesses dos seus grupos dominantes, o que na prática nem

sempre era correspondido pela cidade real” (ABRANTES, 2002:24). O projeto de

civilidade da cidade era contrariado por vários fatores, dentre eles a sujeira das

ruas.

Em 1825, através da instalação em diversas ruas de lampiões à base

de azeite, tem início na capital da província a iluminação pública, restrita às ruas

mais importantes de São Luís, locais de residência das famílias mais abastadas.

Os outros habitantes eram obrigados a andar sob a luz da lua ou sob a luz das

lamparinas conduzidas por escravos. Ainda em 1860 a iluminação pública

continuava bastante seletiva, e em 1861 foi assinado um contrato entre o governo

e os americanos Battin e Marcus, criando a Companhia a Gás do Maranhão. Este

serviço foi recebido pelos habitantes beneficiados com exaltação. Os moradores

das áreas nobres foram privilegiados pelo serviço.

Não havia água encanada, esgotos residenciais ou coleta de lixo; as

ruas eram esburacadas e lamacentas no inverno. No ano de 1850, foi firmada

uma autorização pelo governo provincial para a criação de uma companhia que

ficaria responsável pela canalização das águas do rio Anil e pelo abastecimento

da cidade de São Luís. Em 1856, foi assinados o contrato com o engenheiro

Teixeira Mendes para a instalação da companhia de Águas do Rio Anil. A

Companhia começou a funcionar em 1862 e de acordo com seu projeto, a água

canalizada do rio era levada por um cano de alvenaria para um depósito

construído no Campo d’Ourique, daí seguia em tubos de ferro para os seis

chafarizes localizados no Largo do Quartel, Praça da Alegria, Largo do Carmo,

Largo de Santo Antônio, Praça do Comércio e Praça do Mercado (PALHANO,

1988).

A companhia encerrou seus serviços no ano de 1867, após obter uma

série de prejuízos provocados, principalmente, por atentados que impediam o

fornecimento de água, sendo estes atribuídos a pessoas que lucravam com o

abastecimento de água feito através do sistema de aguadeiros. Muitas dessas

tentativas criminosas foram atribuídas a Dona Ana Joaquina Jansen Pereira4, pois

sempre que essas aconteciam seus escravos estavam a postos para vender água

à população.

As pessoas de posses pouco sofriam com tais condições, porque podiam dispor de escravos para carregar a água potável, lavar suas roupas nos córregos e nos poços, jogar o lixo nos terrenos vazios ou naqueles em que os seus proprietários quisessem aterrar e despejar no mar os dejetos humanos transportados em tonéis pelos ‘tigres’. Podiam até evitar a sujeira das ruas fazendo-se transportar pelo braço escravo nas cadeirinhas de arruar ou usando carruagens (BORRALHO, 2000:21).

Ter escravos significava status e uma das formas de se demonstrar

sua condição era mostrar para as pessoas a quantidade de escravos que

possuía, por isso muitas pessoas ao saírem eram acompanhadas por pelo menos

três escravos e muitas vezes estes eram utilizados como meio de transporte, já

que eram eles os responsáveis por carregar as liteiras – espécie de cadeirinha

coberta, sustentada por dois longos varais e conduzidas por duas bestas ou por

dois homens, um colocado à frente e outro colocado atrás.

A partir da segunda metade do século XIX já se pode observar as

mudanças ocorridas no transporte urbano. O transporte coletivo de passageiros

que era feito para pequenos grupos em carruagens ou em carroças também

passa a ser feito em bondes, isto só dependendo da condição social e financeira

do passageiro. Este serviço representava uma novidade, um progresso da

modernidade (ABRANTES, 2002).

4 Também conhecida como Donana, é a mais famosa e discutida matrona maranhense de todos os tempos.

Apesar de nascida pobre, consolidou uma das maiores fortunas do Maranhão, representada por grande patrimônio em imóveis urbanos, terras agricultáveis e numerosa escravaria. Temperamento forte, exerceu

efetivo mando político e se impôs como decisiva figura da vida social de São Luís (ABRANCHES, 1992:

55).

Todas essas mudanças não significavam nada mais do que uma

melhoria nas condições sociais exigidas pela elite. Além desses benefícios, a elite

também (como citado anteriormente) possuía seus próprios espaços de lazer,

como o Teatro São Luís (hoje Artur Azevedo), sendo um dos melhores do país,

tanto esteticamente quanto pela capacidade de comportar grande público. A elite

ludovicense se interessava principalmente por espetáculos de companhias

estrangeiras. Para esta o teatro era o melhor lugar para se demonstrar condições

financeiras e intelectuais (ABRANTES, 2002).

No inicio do século XIX a sociedade maranhense, segundo Raimundo

Gaioso (apud ABRANTES, 2002:30), era dividida em cinco classes: a primeira e

mais poderosa era composta dos filhos do reino; na segunda classe ficavam os

filhos da terra; a terceira era formada pelos mestiços; sendo a quarta e a quinta

classes formadas pelos escravos negros e pelos índios respectivamente. Em um

extremo encontrava-se a elite branca e rica (ricos comerciantes e aristocracia

rural), e no outro, a grande parte das camadas sociais, composta por pessoas

pobres (negros, índios e mestiços).

A presença dos escravos ia de encontro com o ideal de civilização

pretendido pela classe superior da sociedade, mas estes eram necessários para o

bom desenvolvimento da economia, já que esta era baseada na força de trabalho

escrava.

Os cabras, designação pela qual eram chamados os mulatos livres,

eram rejeitados pela nata da sociedade, que fazia de tudo para impedir a

miscigenação entre as raças.

Em São Luís, as senhoras de boas famílias lutavam desesperadamente para evitar os bastardos e conservar o sangue puro entre os seus filhos. Os seus chefes, todavia, eram vitimas a cada passo da fraqueza da carne. Os domicílios duplos eram moda e, com eles, as famílias postiças como as estigmatizavam as legítimas (ABRANCHES, 1992: 114).

Por este tipo de situação alguns espaços dentro da sociedade eram

negados aos não brancos. Este preconceito acabava agravando-se quando esses

mulatos eram ricos ou cultos, fato que ainda não era muito comum em São Luís

no século XIX, mas que foi um dos temas criticados por Aluísio Azevedo em seu

livro O Mulato.

As mudanças proporcionadas para o contentamento das elites

aumentaram as diferenças existentes entre as diversas camadas da sociedade,

condenando as classes inferiores a viverem na periferia da cidade e a se

manterem através de trabalhos braçais, desprezados pela elite por serem

considerados trabalho de escravos (LACROIX, 1983).

Assim, no final do século XIX, a capital da província do Maranhão era

caracterizada pela crise no sistema agro-exportador e conseqüente decadência

econômica de muitas famílias, que não deixavam se abater facilmente e

procuravam disfarçar sua real situação financeira através da ostentação de suas

casas e da manutenção de seus hábitos requintados de origens européias.

Não devemos esquecer que além de se preocupar com a distinção de

seus costumes, tais famílias também se preocupavam com a preparação

intelectual de seus descendentes, os quais seriam responsáveis pela manutenção

da ordem vigente. Dessa forma, se justifica a atenção dada à educação, por parte

dos administradores da província, principalmente a partir da década de 1830,

quando a lavoura do algodão começa a entrar em decadência.

3 A EDUCAÇÃO EM SÃO LUÍS NA FASE IMPERIAL

“Era um florescimento social e cultural como nunca se vira antes, deixando para trás, definitivamente, a vida opressa, triste e estreita da Colônia e mesmo do Primeiro Império”.

Heitor Ferreira Lima

Inicialmente a educação no Brasil foi realizada pelas ordens religiosas

através da catequese e evangelização dos silvícolas. Os ensinamentos não se

fizeram através da leitura crítica dos textos bíblicos, mas apenas pela

comunicação oral dos dogmas cristãos. Dentre essas ordens a de maior destaque

foi a dos jesuítas. Segundo Abrantes (2002: 43) estes tinham como objetivo

dominar a política colonial portuguesa através da pregação dos princípios da fé

cristã para os nativos.

Em seguida, com a chegada em massa de colonos portugueses, esse

objetivo estende-se à instrução dos filhos da elite colonial, acrescentando-se a

preocupação em preparar estes para o futuro aprofundamento de seus estudos

nas faculdades européias.

No Maranhão, como no Brasil, várias foram as conseqüências da atividade educadora dos inacianos. Com sua rigorosa disciplina e espírito autoritário, preparam seus discípulos à constante atitude dependente ante a dominação espiritual e intelectual dos mestres. Manfredo Berger apontou como conseqüências importantes do ensino jesuítico ‘a monocultura intelectual, subordinação, alienação, inteligência passiva e bacharelismo, produto típico de uma escola de conteúdo clássico e humanístico’. Apontou também, como conseqüência do ensino daqueles educadores, a atitude do Estado em considerar a iniciativa privada como solução, uma vez que não pode assumir sozinho o compromisso de educar (LACROIX, 1983: 72).

Durante a administração do Marquês de Pombal, a expulsão dos

jesuítas dos territórios lusos, medida esta que objetivava conter a progressiva

influência político-social dos padres assim como a autonomia econômica da

Companhia de Jesus, acabou provocando uma desorganização no sistema de

ensino, já que aqueles eram responsáveis pela organização do mesmo.

Para tentar melhorar a situação, o governo luso criou os cargos de

diretor geral dos estudos e de comissários para fazerem o levantamento sobre o

estado das escolas e professores, além de criar as Escolas Régias, um tipo de

rede pública escolar na colônia, que seria sustentada pelo subsídio literário, um

imposto que seria cobrado sobre diversos bens de consumo para ser destinado à

manutenção das escolas (LACROIX, 1983).

A primeira escola pública de São Luís foi inaugurada no ano de 1794,

tendo como responsável Manuel do Nascimento Câmara (LACROIX, 1983: 74).

Até o final do século XVIII no Maranhão, o ensino era fornecido de forma precária

por professores particulares. Ao iniciar-se o século XIX, surge um novo problema

para ser resolvido, pois a transferência da Família Real para o Brasil acaba

invertendo os papéis entre metrópole e colônia, exigindo uma maior preparação

educacional por parte das pessoas para se obter o quadro necessário de

funcionários para o bom funcionamento das atividades políticas na nova sede do

governo metropolitano.

Assim, para atender às mudanças necessárias foram criadas

Academias Reais de Marinha (1808) e Militar (1810), Escolas de Medicina no Rio

de Janeiro (1813) e em Salvador (1815), e cursos para a formação de técnicos

em economia, agricultura e indústria. Quanto aos outros níveis de ensino, foram

criadas apenas mais 60 cadeiras de primeiras letras para o ensino primário, e

mais 20 cadeiras de gramática latina para os ensinos secundários, que manteve

sua organização de aulas régias (RIBEIRO apud ABRANTES, 2002:44).

No Maranhão, no entanto, esta medida pouco modificou a situação do

ensino, criando-se apenas mais algumas escolas e aulas régias. O que contribuiu

para a elevação cultural dos filhos da elite maranhense foi o surto de

desenvolvimento da agricultura de exportação, pois através deste as famílias

latifundiárias ampliaram a sua riqueza e buscaram dar a seus filhos uma

educação mais aprimorada, enviando-os aos grandes centros culturais europeus.

Quanto à educação sistemática, no final do período colonial, a situação

do ensino público primário no Maranhão continuava precária: contava apenas

com duas aulas secundárias e doze de primeiras letras, sendo que as aulas eram

dadas nas casas dos próprios professores e concentradas na capital. Geralmente

estes professores eram mal preparados para exercerem as funções que

ocupavam e também eram mal remunerados.

Após a Independência política do Brasil, novas bases jurídicas,

políticas, institucionais e educacionais foram estabelecidas pela Constituição

promulgada em 1824. Esta garantiu a instrução primária a todos os cidadãos, mas

apenas em 1827 foi votada a lei que regulamentava a instrução pública brasileira

e que vigorou durante todo o Império. A lei estabelecia a criação de escolas de

primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugarejos mais populosos, a criação

de escolas de ensino mútuo (método Lancaster5), além de definir as matérias que

seriam lecionadas.

As matérias escolhidas eram: “leitura, escrita, quatro operações,

quebrados, decimais, proporções, noções de geometria prática, gramática da

língua nacional, princípios da moral cristã e da doutrina católica apostólica

romana” (LACROIX, 1983: 75). Sendo que para o ensino feminino excluía-se

noções de geometria, limitando-se a instrução da aritmética somente às quatro

operações, e acrescentava-se ao programa prendas necessárias à economia

doméstica.

Apesar destas modificações, a situação no Maranhão pouco se

modificou.Em 1832 havia em toda a província 26 aulas públicas primárias, das

quais apenas 18 em funcionamento e 13 aulas secundárias, porém funcionando

apenas 7 (CABRAL, 1984: 30). Em 12 de agosto de 1834, foi expedido um Ato

Adicional que delegava às Administrações Provinciais a competência para legislar

sobre a instrução pública primária e secundária nos territórios de sua jurisdição,

sendo que o nível superior continuava sob responsabilidade do poder central, que

definia onde e como funcionariam esses cursos, principalmente os jurídicos,

formadores da elite política do país. O governo imperial esperava assim, que as

leis criadas pelo legislativo local correspondessem às necessidades reais de cada

província.

5 Método de ensino criado na Inglaterra que consistia na “aplicação de uma máxima mui antiga, segundo a

qual tudo quanto um homem sabe pode ensiná-lo, e o melhor meio de saber bem as cousas é ir ensinando” (PRIMITIVO apud ABRANTES, 2002:45), ou seja, os alunos de uma sala se dividem em grupos que ficam

sob a direção imediata de alunos mais adiantados, os quais instruem seus colegas do mesmo modo que foram

ensinados pelo mestre horas antes.

Através desta medida as administrações maranhenses revelaram-se

mais preocupadas com a propagação e melhoria do ensino, tanto que em 1835

foram criadas para a capital as cadeiras de língua pátria, língua inglesa, história e

geografia. A partir deste momento se pode começar a notar uma preocupação por

parte dos governantes em declarar que o ensino primário deveria ser estendido a

todos os cidadãos maranhenses. Não se esquecendo que cidadãos, para os

governantes assim como para as elites, significava apenas a camada livre e

branca da sociedade.

Vários discursos deste período deixam bem claro a preocupação, por

parte das elites, em propiciar às classes menos favorecidas e livres da sociedade

uma oportunidade de se educarem para que assim pudessem ser mais

eficazmente controladas pelo Estado. Estes discursos nada mais representam do

que um desejo das classes abastadas, após a Independência, de tornar um

objetivo geral a concretização de seus próprios interesses.

A idéia de que a educação contribuía para o desenvolvimento da

ordem, da moralidade e da intelectualidade das classes inferiores, servia como

base das propostas apresentadas que defendiam a importância da difusão

ideológica como meio preservador da ordem. Dentre os discursos apresentados

por presidentes da época deve-se destacar o feito pelo Presidente Manoel

Felizardo (1839) à Assembléia:

As massas, Senhores, nunca poderão chegar a aquisição do que propriamente se chama Luzes, mas podem e devem ser arrancadas à Ignorância, inculta e bárbara que é sua infalível partilha nos países mal civilizados, sendo iniciadas no conhecimento dos deveres do homem e do cidadão, sendo amoldados para as instituições que as regem e instruídas nas

noções elementares das ciências que mais úteis lhes podem ser em as diversas profissões a que se houverem de consagrar (apud CABRAL, 1984:32).

O que se pode observar através deste discurso é a preocupação por

parte dos administradores sobre a melhor forma de instruir os alunos, tanto que

em 1841 é criada a Inspetoria da Instrução Pública, que tinha como principal

objetivo manter o controle do Estado sobre toda a educação escolar da província

através da fiscalização das escolas, do regulamento e direção do método de

ensino, da orientação dada aos professores sobre como deveriam desempenhar

suas funções, além de visitar mensalmente as escolas da capital, vigiar o

procedimento dos professores particulares e fazer de seis em seis meses

relatórios sobre o estado da Instrução Pública na província (VIVEIROS apud

CABRAL, 1984:41).

Segundo os inspetores, a falta de casas adequadas para o bom

funcionamento das escolas, a falta de móveis e de acessórios (pedra de lousa,

lápis de escrita, tinta, tinteiro, papel, pena, cartilhas, tabuadas, etc.), além do

número insuficiente de escolas, foram fatores decisivos para a deficiência do

ensino. Outro fator que contribuiu sensivelmente para esta deficiência do ensino

elementar público foi a falta de professores qualificados e a má remuneração dos

já empregados nesta atividade.

Para tentar reverter o quadro sobre a qualificação de professores,

muitos apelos foram feitos para que na província fosse criada uma Escola Normal,

mas estes não foram atendidos de imediato, tanto que continuaram sendo feitos

ao longo da segunda metade do século XIX. Na Fala do conselheiro João

Capistrano Bandeira de Mello, dirigida à Assembléia Legislativa Provincial do

Maranhão, em 15 de março de 1886, ainda se pode observar a presença de tal

apelo:

Enumerando essas reformas eu coloco em primeiro lugar aquelas que podem melhorar a condição dos mestres (...) Para conseguir este fim, me parece que o primeiro passo a dar, - quanto a instrução primária -, está na criação de escolas normais. (...) Não há no que digo uma coisa nova – outros já se tem pronunciado no mesmo sentido, mas – é com certo acanhamento que o noto -, sempre debalde, porque não têm sido atendidos pelos poderes públicos, que antes mostram-se senão infensos, ao menos indiferentes a uma medida tão palpitante (Fala do Exm. Sr. Conselheiro João Capistrano Bandeira de Mello, de 15/3/1886, Anexo p.1).

Muitas medidas importantes foram tomadas ao longo do século XIX

para a melhoria da Instrução Pública, não só primária como também secundária,

sendo exemplo da preocupação dos administradores com esta a criação em

1838, pela Lei nº 77, do Liceu Maranhense, que consistia na reunião de aulas

régias avulsas que existiam e na criação de outras cadeiras. O Liceu Maranhense

possuía um currículo de caráter literário, composto pelas seguintes cadeiras:

Matemática Elementar, Geografia, Gramática Filosófica (Português), Latim,

Retórica, Francês, Inglês, História Universal, Comércio, Filosofia Racional e Moral

(FERNANDES, 2003: 231).

Desde sua criação até a República, o Liceu Maranhense, primeiro

colégio público de ensino secundário da Província e exclusivo para o sexo

masculino, funcionava na parte inferior do Convento do Carmo, considerado

impróprio para o funcionamento do colégio, pois “seria próprio unicamente para

celas de frades” (FERNANDES, 2003: 234), não preenchendo assim o fim a que

era destinado.

Mesmo com uma estrutura e programa deficientes, tal instituição

contava com excelentes professores, sendo a direção entregue logo após ser

inaugurada a Francisco Sotero dos Reis. O ensino ministrado inicialmente neste

colégio servia como uma espécie de curso preparatório para que os filhos da nata

da sociedade maranhense encaminhassem seus estudos para as carreiras de

nível superior.

As outras instituições destinadas ao ensino secundário na capital eram

particulares e, assim como no Liceu, preocupavam-se em preparar os seus

alunos para os cursos superiores. A ampliação das vagas para o nível secundário,

fornecidas pela criação de colégios particulares que possuíam objetivos comuns,

favoreceu o surgimento, em 1850 por parte das administrações provinciais, de

propostas que pretendiam reformular o programa educacional do Liceu

(ABRANTES, 2002:51).

O objetivo dessas reformas era ampliar a clientela do referido

estabelecimento, atraindo para este, com a criação de uma cadeira de Física

Elementar e Mecânica aplicada às artes e outra de Agrimensura, interessados em

cursos técnicos. Além desta, outras medidas foram sugeridas para variar o

conteúdo programático do Liceu, porém nenhuma foi considerável para conseguir

modificar a principal marca deste: sua preocupação em preparar os alunos para

os exames de admissão ao nível superior.

A partir da segunda metade do século XIX, observa-se um

fortalecimento de idéias que pregavam, desde o início deste, a preocupação com

a propagação da educação primária a todos os cidadãos (lembrando que este

conceito está limitado às pessoas livres e brancas), principalmente após a criação

em 1841 pela Lei nº 105, de 23 de agosto de 1841, da Casa dos Educandos

Artífices (OLIVEIRA, 1874: 233), que teria como objetivo proporcionar aos jovens

desamparados uma educação moralizadora, voltada para o incentivo ao trabalho.

Toda esta educação estava assentada no princípio de obrigatoriedade

do ensino (efetivada legalmente pela Lei nº 267 de 17/12/1849), característica que

prevaleceu por todo o Império.

Desde a década de 30 do século XIX são propostas reformas para a

instrução pública, aprovadas pela Lei nº 234 de 1847, mas só concretizadas no

ano de 1855 pelo presidente da província, Dr. Eduardo Olimpio Machado. Na

reforma que promove, estende a educação a todas as classes de cidadãos,

incluindo os mais pobres e desvalidos, reforça a obrigatoriedade do ensino, e se

preocupa em dar a esta educação um caráter religioso:

Diligenciei ainda, no futuro interesse social do estado, casar a prática dos deveres religiosos com a instrução primária, e proporcionar aos meninos manifestante indigentes, os meios de freqüentarem as escolas, e terem, nos estabelecimentos públicos de ensino, a educação comum de que seriam privados sem esse socorro, adotando todas aquelas providências, que julguei conducentes ao conseguimento de um e de outro fim. Mereceu-me particular cuidado o ensino elementar, que é a base de todos e qualquer outro para o homem civilizado. (Relatório Eduardo Olimpio Machado, de 3.5.1855, p.2).

Em 1860, surge para juntar-se à obrigatoriedade do ensino a idéia de

liberdade do mesmo (concretizada pela Reforma de 1874). A partir deste

momento esses dois princípios passam a ser a principal característica da

instrução. Dentre as pessoas que defendiam está idéia encontra-se Antônio

Oliveira, que em seu livro deixa claro sua posição em relação a tal questão:

“Primeiramente onde a instrucção é obrigatoria o ensino não pode deixar de ser

livre. Quero dizer: é licito a cada um abrir escholas, ou ensinar em casas

particulares os seus e os filhos de outrem” (1874: 76).

Este mesmo autor reforça em sua obra a necessidade, sentida pelas

autoridades provinciais desde o início do século em reestruturar a instrução

pública, não partindo somente de medidas referentes ao quadro de

obrigatoriedade e liberdade do ensino, mas também da melhoria o quadro de

professores através da qualificação dos mesmos, que poderia ser feita de forma

mais simplificada, criando-se na província escolas normais e conferências

pedagógicas.

A criação tanto das escolas normais como das conferências

pedagógicas ainda eram defendidas por inspetores da Instrução Pública na

década de 80, podendo ser citado o relatório do Inspetor Interino, Dr. Antônio

Jansen de Matos Pereira, em 1886. Segundo este mesmo relatório, era preciso o

quanto antes se efetuar mudanças na Instrução Pública e, por mais que as

finanças não fossem suficientes, sacrifícios deveriam ser feitos para que tal

proposta fosse executada.

Juntamente com estas mudanças o inspetor também propunha em seu

relatório que as escolas fossem dotadas:

... de um programa mais amplo e mais conveniente, dividindo-as até em três graus, distintos segundo um sistema que já vi e achei bom: em Escola Preliminar, ou Infantil, que deveria preceder a escola atual; Escola Elementar, ou do 1º Grau; e Escola Complementar, ou do 2º Grau. A Escola Preliminar, ou infantil, seria a iniciação para a Escola do 1º Grau – logo indispensável a

ela. A educação física formaria a parte da principal dessa escola; e, quanto à educação moral, intelectual e religiosa, ficarão limitadas aos grandes traços, que a Escola do 1º Grau teria de desenvolver. A Escola do 1º Grau compreenderia esse desenvolvimento, que viria terminar na Escola Complementar, ou do 2º Grau, onde mais se estudariam as matérias que já indiquei como necessárias (FERNANDES, 2003: 240).

No ano seguinte a este relatório, o presidente da província, Dr. José

Bento de Araújo, aponta à Assembléia Provincial os defeitos da lei de ensino que

vigorava e a necessidade da criação de uma Escola Normal, reclamando daquela

uma solução para estes problemas.

O advento da Proclamação da República em 1889 não trouxe

mudanças positivas significativas para a instrução no Maranhão. Pelo contrário, a

Junta Governativa que assumiu a administração do Estado aplicou àquela um

grave golpe ao extinguir em dezembro deste ano a Casa dos Educandos Artífices.

Só no ano seguinte, o sistema educacional teve um breve período de

crescimento propiciado pelo decreto nº 21, baixado pelo governador Dr. José

Tomas da Porciúncula, que atendendo reivindicações existentes desde o início do

século em questão, instituía uma organização do ensino público (dividindo-o em

Primário, Secundário, e Técnico ou Profissional), além de manter o Liceu

(introduzindo reformas neste), e criar a Escola Normal, um Conselho Superior da

Instrução Pública6 e um Instituto Técnico (FERNANDES, 2003: 245).

No governo de Lourenço de Sá, em 1891, é promovida a reorganização

do ensino público através do decreto nº 94, de 1º de setembro. Este determinava

6 Extinto no governo do capitão-tenente Manuel Inácio Berfort Vieira, pelo decreto nº 30, de 29 de setembro

de 1890, sendo que as atribuições destes passaram a ser exercidas pelo inspetor geral da Instrução Pública.

que o Ensino Primário fosse leigo, gratuito e obrigatório, e que ficava a cargo dos

municípios a instrução pública primária, sendo que quando o Estado achasse

propício, poderia criar e manter escolas primárias nos mesmos. Também proibia

expressamente os castigos corporais7 nas escolas, tanto públicas como privadas;

especificava as atribuições do inspetor geral da Instrução Pública; tratava da

composição do Conselho Superior da Instrução Pública e das prerrogativas do

mesmo, e do conselho dos professores do Liceu e da Escola Normal.

Como pôde ser observado anteriormente, uma característica comum

da educação no Maranhão, desde a primeira metade do século XIX, foi a

obrigatoriedade do ensino, que na década de 60 passa a dividir as preocupações

com a idéia de liberdade do ensino, mas que no final desta centúria é relegada à

segundo plano, ou até mesmo esquecida. O artigo 7º da lei de 15 de maio de

1983, reorganizou o ensino estabelecendo o Ensino Primário gratuito sem se

preocupar com a sua obrigatoriedade.

Em 1895, entra em vigor a lei nº 56, de 15 de maio de 1893, que

equiparava o plano de estudo do Liceu Maranhense ao do Ginásio Nacional

(Colégio D. Pedro II). Assim, tal estabelecimento tinha competência para

conceder diplomas de bacharelado em Ciências e Letras às pessoas que

houvessem concluído um destes cursos fundamentais. Também foram criadas

cadeiras de Literatura Portuguesa e Brasileira, Língua Grega, Língua Alemã,

Elementos de Cálculo e Mecânica, Biologia, Música e Ginástica (FERNANDES,

2003: 248). 7 Considerados, pelos jesuítas e pelo regime escravista, como importante instrumento de dominação há muito

implantado em outras instituições sociais, como, por exemplo, a família (LACROIX, 1983).

Anexo à Escola Normal é criada, em 1896, a Escola-Modelo, através

da qual os normalistas poderiam observar como funcionava na realidade uma

escola e praticar a teoria aprendida. Dois anos depois o governo autoriza a

reorganização da Escola Normal e em 10 de abril de 1899, o governo

maranhense, através da lei nº 217, passa a oferecer assistência aos alunos que

fossem constatadamente pobres, e que morassem fora da capital.

No mesmo ano de criação desta lei, foi instituída uma nova reforma no

Liceu Maranhense. Com esta, novas cadeiras foram anexadas àquelas criadas

em 1895: Língua Latina, Língua Francesa, Língua Inglesa, Matemática,

Astronomia, Física, Química, Geografia, Mineralogia, Geologia, Meteorologia,

História Universal, História do Brasil, Literatura Geral e Nacional, História da

Filosofia, Desenho e Esgrima.

Assim, ao chegar ao final do século XIX, a educação em São Luís

encontrava-se bastante modificada em relação à sua fase inicial e tentava

acompanhar as inovações pedagógicas propostas nas províncias mais ricas do

país e até mesmo em outros países. O único empecilho para o total progresso

desta atividade na província era a falta de recursos para proporcionar as

constantes mudanças necessárias à educação. Tal empecilho econômico estava

fundamentado na crise financeira vivida pelo Maranhão desde a decadência do

comércio agro-exportador.

4 A CONCEPÇÃO DE EDUCAR PARA CONSERVAR

“Na civilização moderna, a instrução constitui um bem que deve ser partilhado por todos. Ninguém pode se tornar útil à coletividade ou a si próprio sem um mínimo de instrução”.

Florestan Fernandes

Esta concepção de educar para conservar a ordem é reforçada, na

segunda metade do período em estudo, pela influência e propagação de idéias

vindas da Europa. Dentre estas se pode citar as criadas por Augusto Comte no

início do século XIX e desenvolvidas quase meio século depois por Durkheim,

conhecidas como doutrinas positivas ou Positivismo8. Além de acreditar na

explicação cientifica dos fenômenos, também pregava que a sociedade deveria

ser organizada e que esta estrutura estava sustentada em pilares que

correspondiam a grupos sociais. Assim, o amor era representado pela emoção

das mulheres, a ordem pela razão dos intelectuais e o progresso pela ação dos

trabalhadores.

Tendo por base a necessidade da ordem e do estabelecimento do

poder, passam a ser criadas, em todo o Brasil, casas voltadas para o ensino de

ofícios e que tinham como principal objetivo suprir a carência em mão-de-obra

especializada que algumas províncias sofriam, além de integrar a população

marginalizada à ordem social vigente.

8 Doutrina caracterizada, sobretudo, pela orientação antimetafísica e antiteológica que pretendia imprimir à

filosofia, e por preconizar como válida unicamente a admissão de conhecimentos baseados em fatos e dados

da experiência.

No Maranhão, o ensino de ofícios9 vai ser incentivado pelas

administrações provinciais a partir da década de 1840, com o objetivo de “desviar

do vício inúmeros jovens, integrando-os à sociedade e beneficiando a esses

próprios jovens” (Discurso João Antônio de Miranda apud CABRAL, 1984: 53).

Aprender uma ocupação manual era uma forma de mudança de vida propiciada

aos órfãos, aos desamparados e às mais amplas camadas médias e inferiores

para que se tornassem bem vistos e úteis à sociedade.

Esta forma de ensino passa a se tornar efetiva na província

maranhense após a criação da Casa dos Educandos Artífices, que tinha como

principal alvo promover a educação àqueles que não tinham do que sobreviver,

tornando-os úteis à sociedade, e suprir o mercado provincial com trabalhadores

aptos para as atividades artesanais, os quais eram escassos.

Os jovens mantidos neste estabelecimento teriam aulas de primeiras

letras, de música, de instrumentos de corda, desenho, geometria aplicada

(ABRANTES, 2002) e dedicar-se-iam a algum ofício, sendo que no ano de 1855

eram oferecidos pela instituição os seguintes cursos: alfaiate, sapateiro, pedreiro,

marceneiro, charuteiro (CABRAL, 1984).

O ensino oferecido nesta casa era considerado na época um dos

melhores do Brasil, tanto que Luís Agassiz, ao visitá-la em 1860, se impressiona

9 A sociedade brasileira desde sua gênese se dividiu estabelecendo basicamente duas classes sociais: a elite

dominante e a massa dominada. “Esse contexto, por sua vez, determinou a distribuição das profissões aos

brancos ricos, as funções intelectuais de advogado, médico, engenheiro etc., e aos pobres livres, escravos

negros ou mulatos, as funções braçais de pedreiro, carpinteiro, ferreiro, oleiro, etc.” (LACROIX, 1983: 90).

com a organização desta e deixa registrada em seu livro “Viagem ao Brasil” a

seguinte opinião:

Visitamos com maior interesse um estabelecimento de educação de orphãos pobres, admiravelmente dirigido. Tem elle por fim, não educar esses infelizes como collegiaes, porem dar-lhes um estado, que lhes permitta viver homradamente. Alem da instrucção elementar – leitura, escripta, e calculo – os meninos aprendem diversos officios. Ensinam-lhes musica e o toque de alguns instrumentos. Enfim uma escola de desenho, annexa ao instituto, completa a sua educação (apud OLIVEIRA, 1874: 229).

A necessidade de mão-de-obra qualificada na província atingia também

as atividades agrícolas, tanto que na década de 50, em meio a mudanças

promovidas na estrutura da Casa dos Educandos Artífices, aparecem propostas

de criação de um curso agrícola junto a este educandário. Entretanto, tal proposta

só será desenvolvida em 1859 com a criação da Escola Agrícola do Cutim

(CABRAL, 1984).

A preocupação dos administradores não se restringia somente à

educação dos meninos abandonados e desvalidos, mas também à educação que

deveria ser destinada ao sexo feminino, sendo compreendido aqui não somente

meninas pobres e desamparadas, mas também as filhas da elite. Assim, para se

garantir a estabilidade social vigente não bastava ditar normas educacionais aos

garotos que pertenciam às classes inferiores, devia-se igualmente estender o

ensino primário e aqueles necessários à sobrevivência às jovens marginalizadas,

enquanto que as jovens da elite deveriam aprender o ensino básico, além das

prendas domésticas para saberem administrar seus futuros lares.

As últimas tinham a opção de serem educadas nos mesmos

estabelecimentos públicos que as garotas de condições financeiras inferiores,

lógico que com algumas regalias, já que eram pensionistas, ou podiam aprender o

que lhes era necessário em colégios particulares, os quais na segunda metade do

século XIX já existiam em considerável número.

O primeiro estabelecimento particular voltado para o ensino feminino

criado na capital foi o Colégio Nossa Senhora da Glória, no ano de 1844 por Dona

Martinha Abranches (ABRANTES, 2002: 95). Segundo seu neto, Dunshee de

Abranches (1992: 80), a decisão de sua avó criar o colégio teria sido influenciada

pelo fato de seu filho mais velho ter contraído matrimônio com uma bela mulher

da sociedade, mas totalmente analfabeta.

Nesta instituição, era oferecido às meninas tanto o ensino primário

quanto o ensino secundário. Tinha como objetivo promover o desenvolvimento

físico, moral e social de suas alunas, além de manter uma seção para meninos de

até 12 anos, a fim de prepará-los para o Liceu Maranhense (ABRANCHES, 1992).

No que se refere a instituições públicas voltadas para este tipo de

ensino, é sugerido em 1850 que o abrigo para moças desvalidas, Recolhimento

dos Remédios, existente desde 1752, fosse transformado e que o ensino ali

ministrado tivesse o objetivo equivalente ao ministrado na Casa dos Educandos

Artífices (CABRAL, 1984). Mas, devido a este recolhimento possuir um caráter de

formação estritamente religiosa, tal proposta acaba não se realizando.

Em 1855 foi criado e inaugurado, pelo presidente Eduardo Olimpio

Machado, o “Asilo Santa Teresa”. Tinha como objetivo ensinar algumas artes,

sobretudo domésticas, às moças pobres e desvalidas. Conforme seu

regulamento, o número de asiladas deveria ser de quarenta, e a idade entre 7 e

12 anos; também determinava que as educandas deveriam aprender, além da

leitura, escrita e ensinamentos cristãos, todas as prendas domésticas10. Com a

extinção em 1870, suas asiladas são transferidas para o antigo Recolhimento dos

Remédios.

Uma outra inovação referente ao ensino de ofícios, que se processa no

final da década de 50, é a criação da Escola Agrícola (1859). De acordo com o

proposto em seu regulamento, esta visava:

• “Ensinar prática e teoricamente à mocidade da Província a profissão de lavrador, como aprendizes agrícolas.

• Instituir uma série de experiências e ensaios concernentes ao melhoramento do sistema atual da nossa lavoura, criando, ao mesmo tempo, um centro de observação e demonstrações práticas.

• Transplantar para a Província os métodos e processos agrícolas, cuja proficiência houver sido abonada por esclarecida e constante experiência dos paises estrangeiros mais adiantados” (apud CABRAL, 1984: 61).

Seis anos depois de sua fundação, a Escola Agrícola chegou ao fim,

tendo contribuído para isto sua má localização, a falta de recursos para efetivar tal

mudança e a necessidade de se conterem os gastos provinciais.

Segundo Socorro Cabral (1984), a partir do final da década de 1860 as

propostas referentes à promoção do ensino público, tanto às massas quanto às

elites, começam a escassear, devido principalmente: aos problemas econômicos

(existentes desde a década de 30 deste século) que começam a se tornar

10

Relatório Eduardo Olimpio Machado, 3/5/1855.

evidentes; e às novas condições sociais maranhenses da época, caracterizadas

pelo maior fortalecimento do poder dos fazendeiros.

Entretanto, segundo o discurso de pessoas contemporâneas ao

período, como por exemplo Antônio de Almeida Oliveira (1874), esta preocupação

pode ter se tornado escassa por parte do Estado, pois, no que diz respeito aos

particulares, estes assumem para si a responsabilidade de promover a educação

às pessoas carentes, tanto que ele próprio toma a iniciativa de criar em 1870 a

Sociedade 11 de Agosto, que se propunha a oferecer gratuitamente cursos

noturnos (ABRANTES, 2002).

Em seu livro, Antônio Almeida de Oliveira observa que:

É supremo interesse da sociedade que em seu seio não existam homens ignorantes e faltos de educação. Na ignorância e na falta de educação é que reside a fonte da miséria e da desordem, dos crimes e dos vícios de toda a sorte, como é nestes males que estam as principaes causas dos perigos e despezas sociaes (OLIVEIRA, 1874: 75).

Além da Sociedade 11 de Agosto, foram criadas outras sociedades que

também pretendiam auxiliar a população pobre, entre elas: Sociedade

Beneficente Protetora dos Caixeiros, Sociedade Humanitária Primeiro de

Dezembro, Sociedade Beneficente dos Ourives e Protetora dos Artistas, e

Sociedade Maranhense dos Alunos Pobres. Esta tinha como objetivo fazer com

que os alunos pobres, sem distinção de sexo, pudessem freqüentar as escolas

primárias da capital (ABRANTES, 2002: 58).

Assim, podemos observar que existe uma preocupação por parte das

elites em difundir a educação, porém de uma forma que as relações sociais

vigentes sejam mantidas. Daí a necessidade de se insistir que o ensino passado

às classes inferiores seja baseado na divulgação de que o trabalho é uma

redenção, incutindo assim nesta camada da população o gosto e a prática pelo

mesmo. Segundo Socorro Cabral (1984: 133):

Esses fazendeiros procuraram transformar o seu projeto político-econômico em projeto de toda a sociedade maranhense. Do ponto de vista político, visavam a consolidação da ordem sob sua influência e dominação. E no âmbito da economia, objetivavam a implantação de reformas na agricultura, para expansão da economia mercantil, mantendo, porém, o regime de trabalho escravo.

Observando-se a fala do Exm. Sr. Conselheiro João Capistrano

Bandeira de Mello, em 15 de março de 1886, nota-se a preocupação com a

situação da instrução na província:

... posso asseverar a V. Exc. que não nos achamos em condições que são, para desejar; e para isto alguma cousa tem contribuido – a acção sempre deleteria da politica que no nosso paiz tudo invade, e, - na phrase de Fontanes - , não nos deixa, ao menos intacta a republica das letras. O digno e illustrado funccionario, - a quem já me referi -, disse tambem em um dos seus bem elaborados relatorio: - “Decahida, despida de prestigio, a instrucção que a provincia dispensa, resente-se do turpor que invade a todas as instrucções (Fala do Exm. Sr. Conselheiro Bandeira de Mello, de 15/03/1886, Anexo p.1).

Neste documento o conselheiro deixa claro que é impossível se

alcançar o progresso sonhado por toda sociedade se o povo não receber o devido

ensino. Para se alcançar tal meta se tornava necessário alargar a instrução

primária, já que o programa vigente nas escolas não mais satisfazia as exigências

da época. Para tentar mostrar essa deficiência, fazia os seguintes

questionamentos:

Por que há de ficar limitado o conhecimento dos que frequentam as escolas – da provincia – a esse lêr, escrever e contar, a essa grammatica e cathecismo, que se antigamente forma o maximo da instrucção, hoje não o podem ser, porque as aspirações do espirito moderno são outras? Por que não dar nas escolas – por meio de um estudo coveniente –, noções de physica, chimica e historia natural, pelo menos com explicação de suas principaes applicações à industria e aos uzos da vida? ... Porque não instruil-os desde logo no que toca à economia social, à lavoura e horticultura? (Fala do Exm. Sr. Conselheiro João Capistrano Bandeira de Mello, de 15/03/1886, Anexo p.7).

Dessa forma, o que passa a ser defendido a partir do final da década

de 80 pelas elites, aqui representadas pelo discurso de uma pessoa que tem

influências políticas, é a inovação do ensino, estruturando-o em instrução

primária, aprendizado de ofícios e inovando-o com a implantação do estudo das

ciências, vistas a partir deste momento como um ponto referencial para se

entender a organização da sociedade e se alcançar o progresso aspirado por

qualquer país.

Mais do que se preocupar em tentar incutir nas massas o entendimento

sobre a ordem, o principal objetivo das classes abastadas era elaborar uma forma

de manter seu monopólio sobre o poder político, ou seja, utilizar o discurso de

promoção do ensino a todos para legitimar sua posição perante a sociedade. Este

pensamento se torna cada vez mais freqüente no final do período em estudo.

Como a elite maranhense encontrava-se concentrada na capital da

província, é a partir desta que se processa todo o desenvolvimento da concepção

de educação para o progresso da nação,

A garantia da ordem e a conquista da hegemonia foram buscadas através, ao mesmo tempo, do uso da força coercitiva e da educação escolar, capazes de promover a adesão das mais amplas camadas sociais ao projeto político-econômico dominante. Na realidade, tratava-se de transformar em aliada da classe dominante a população livre marginalizada (CABRAL, 1984: 133).

Diferentemente do que acontecera ao iniciar-se a segunda metade do

século XIX, onde a instrução é propagada para que a elite possa manter seu

poder político frente sua decadência econômica, as propostas educacionais

defendidas no final deste, em São Luís, pregam a manutenção do poder das elites

dentro da mudança de um sistema de governo para outro – fim da Monarquia,

início da República.

Observando-se o discurso de Luiz Pereira Barreto (1981: 33), proferido

no início do século XX, se tem um exemplo da forma mais adequada para o uso

da educação como fator essencial no soerguimento de uma nova nação:

Sem o preparo intelectual nada se pode fazer. São as idéias que governam o mundo. Não é bastante que uma meia dúzia de cidadãos emancipados deseje uma pátria grande: é preciso que toda a massa nacional, unida, compacta, concorra para a efetividade do intento.

Nas últimas décadas do século XIX as idéias positivistas começam a

se tornar mais intensas e com elas a teoria de que a “instrução é uma garantia de

espontaneidade, de paz e de brandura, que traz sempre arvorada a bandeira da

justiça, dos bons costumes e da ordem” (OLIVEIRA, 1874: 87). Esta concepção

era uma constante no Brasil no final deste século, e no Maranhão acaba apenas

se adaptando às necessidades locais da elite de se manter no controle da

sociedade, posição esta abalada pela decadência econômica latente neste

período e pelo iminente fim da Monarquia.

Dessa forma, a difusão da instrução proporcionada no Maranhão a

partir do final da primeira metade do século XIX, e que se reforça na segunda

metade deste, pode ser pensada como uma forma encontrada pela elite de

contornar a possibilidade de perder seu poder político, que até então teria sido

controlado pelos detentores do poder econômico.

Nessa perspectiva, se o povo fosse educado desde pequeno poderia

se incutir no pensamento deste que relação social existente era a mais adequada

para se atingir o progresso tão desejado, e que este logo seria alcançado se

todos, respeitando as funções a eles determinadas, se dedicassem a aprender o

que lhes era ensinado e depois praticassem os ensinamentos trabalhando com

amor e determinação.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através do crescimento econômico propiciado pelas lavouras de agro-

exportação, foi possível às elites maranhenses oferecerem a seus filhos uma

educação mais aprimorada, capaz inclusive de servir como base para a

construção mítica da Atenas Brasileira.

Esta efervescência cultural promove na capital da província uma

preocupação por parte de seus administradores para a manutenção desta posição

de destaque da cidade no cenário nacional. Assim, as classes abastadas, para

não demonstrar a crise econômica pela qual passavam, dão ênfase a

intelectualidade latente em sua sociedade e a partir de então passam a utilizar a

educação da maneira que melhor lhes convém.

Desse modo, a propagação da instrução a todas as classes – excluindo

os escravos e negros livres – passa a ser a principal arma utilizada pela elite para

se manter no poder, já que sua influência no campo político encontrava-se

ameaçada por não mais ter um respaldo econômico.

A partir deste momento se tornam cada vez mais freqüentes as

propostas educacionais para o aprimoramento do ensino, principalmente o

primário e o de ofícios. As idéias para a promoção destes passam a ter como

meta educar as massas de forma que estas passem por um desenvolvimento

intelectual, mas que se conservem na posição social em que se encontram, para

que a situação privilegiada da elite se mantenha intacta.

Podemos dizer que a pequena parcela rica da sociedade vai buscar

através da propagação da educação a legitimação de seu poder, além de suscitar

no restante da população a idéia de que a prática do trabalho é a melhor maneira

de se conseguir o progresso individual e nacional.

FONTES PESQUISADAS

PERÍODICOS MARANHENSES:

- Echo do Norte 1835

- Publicador Maranhense 1855

DISCURSOS, FALAS E RELATÓRIOS:

- Discurso do Exm. Presidente da Província, Antônio Pedro da Costa Ferreira, na

instalação da Assembléia Provincial a 16 de fevereiro de 1835.

- Relatório do Exm. Presidente da Província do Maranhão, Dr. Eduardo Olimpio

Machado, na abertura da Assembléia Legislativa Provincial, no dia 3 de maio de

1855.

- Relatório apresentado pelo diretor da Inspetoria Pública, Dr. Tibério César de

Lemos, ao presidente da Província, José Manuel de Freitas, sob o nº 7,

apresentado em 19 de janeiro de 1882.

- Fala com que o Exm. Sr. Conselheiro João Capristano Bandeira de Mello abriu a

1ª sessão da 26ª legislatura da Assembléia Legislativa Provincial do Maranhão,

em 15 de março de 1886.

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