Le peintre de la vie moderne baudelaire
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Nicolas Pelicioni de OLIVEIRA
Licenciatura em Letras - Ibilce, UNESP
http://nicolas-pelicioni.blogspot.com/
Algumas notas:
A tradução não é minha, meu trabalho é apenas o de leitura: comparo o
texto original francês à tradução, acrescentando as notas que
considero importantes (em alguns casos, para justificar a tradução -
eventualmente, mudo a tradução!), e acrescento imagens para
contextualizar. Infelizmente, não tenho o nome do tradutor do texto
em português.
Os textos que utilizei foram os seguintes:
BAUDELAIRE, C. Sobre a Modernidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1996.
BAUDELAIRE, C. Le peintre de la vie moderne. Disponível em: <
http://baudelaire.litteratura.com>. Acessado em 2 de novembro de
2012.
A seguinte nota acompanha o texto que utilizei em português: “Esta
obra foi digitalizada pelo grupo Digital Source para proporcionar, de
maneira totalmente gratuita, o benefício de sua leitura àqueles que
não podem comprá-la ou àqueles que necessitam de meios eletrônicos
para ler. Dessa forma, a venda deste ebook ou até mesmo a sua troca
por qualquer contraprestação é totalmente condenável em qualquer
circunstância. A generosidade e a humildade é a marca da
distribuição, portanto distribua este livro livremente.”
Em seguida, são apresentados os sites:
<http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros>
<http://groups.google.com/group/digitalsource>
Além destes, muitas das imagens foram pegas no:
<http://www.wikipaintings.org/>
Charles Baudelaire
LE PEINTRE DE LA VIE MODERNE
SOBRE A MODERNIDADE
PAZ E TERRA
Coleção Leitura
© Editora Paz e Terra, 1996.
Editores responsáveis: Christine Röhrig e Maria Elisa Cevasco
Edição de texto: Thaís Nicoleti de Camargo
Produção Gráfica: Katia Halbe
Capa: Isabel Carballo
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Baudelaire, Charles, 1821-1867.
Sobre a modernidade o pintor da vida moderna /
Charles Baudelaire; [organizador Teixeira Coelho].
— Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. — (Coleção Leitura)
ISBN 85-219-01984
1. Arte 2. Arte — História 3. Baudelaire, Charles,
1821-1867 4 Crítica de arte 5. Pintura 6. Usos e costumes
I. Coelho, Teixeira, 1944- II. Título.
III. Séries.
96-2061 CDD-709
Índices para catálogo sistemático:
1. Arte : Avaliação crítica 709
2. Arte : Estudos críticos 709
3. Arte : História 709
EDITORA PAZ E TERRA S.A.
Rua do Triunfo, 177
01212-010 — São Paulo — 5P
Tel.: (011)223-6522
Rua Dias Ferreira nº. 417—Loja Parte
22431-050 — Rio de Janeiro — RJ
Tel.: (021) 259-8946
Conselho editorial:
Celso Furtado
Fernando Gasparian
Roberto Schwarz
Rosa Freire D’Aguiar
1996
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
1
Índice
Le peintre de la vie moderne O pintor da vida moderna
I
Le beau, la mode et le bonheur 2
O belo, a moda e a felicidade
II
Le croquis de moeurs 8
O croqui de costumes
III
L’artiste, homme du monde, homme des foules et enfant 10
O artista, homem do mundo, homem das multidões e criança
IV
La modernité 22
A modernidade
V
L’art mnémonique 28
A arte mnemônica
VI
Les annales de la guerre 35
Os anais da guerra
VII
Pompes et solennités 43
Pompas e solenidades
VIII
Le militaire 49
O militar
IX
Le dandy 54
O dândi
X
La femme 61
A mulher
XI
Eloge du maquillage 64
Elogio da maquiagem
XII
Les femmes et les filles 71
As mulheres e as cortesãs
XIII
Les voitures 79
Os veículos
2
I
Le beau, la mode et le bonheur O belo, a moda e a felicidade
Il y a dans le monde, et même dans le monde des artistes, des gens
qui vont au musée du Louvre, passent rapidement, et sans leur
accorder un regard, devant une foule de tableaux très intéressants,
quoique de second ordre, et se plantent rêveurs devant un Titien ou
un Raphaël, un de ceux que la gravure a le plus popularisés ; puis
sortent satisfaits, plus d’un se disant : « Je connais mon musée. »
Il existe aussi des gens qui, ayant lu jadis Bossuet et Racine,
croient posséder l’histoire de la littérature.
Há neste mundo, e mesmo no mundo dos artistas, pessoas que
vão ao Museu do Louvre, passam rapidamente — sem se dignar
a olhar — diante de um número imenso de quadros muito
interessantes embora de segunda categoria e plantam-se
sonhadoras diante de um Ticiano ou de um Rafael, um desses
que foram mais popularizados pela gravura1; depois todas
saem satisfeitas, mais de uma dizendo consigo: “Conheço o
meu museu”. Há também pessoas que, por terem outrora lido
Bossuet e Racine, acreditam dominar a história da
literatura.
1. Gravura, aqui tem o sentido da “imagem” reproduzida no quadro,
não o processo técnico.
Par bonheur se présentent de temps en temps des redresseurs de torts,
des critiques, des amateurs, des curieux qui affirment que tout n’est
pas dans Raphaël, que tout n’est pas dans Racine, que les poetae
minores ont du bon, du solide et du délicieux ; et, enfin, que pour
tant aimer la beauté générale, qui est exprimée par les poètes et les
artistes classiques, on n’en a pas moins tort de négliger la beauté
particulière, la beauté de circonstance et le trait de moeurs.
Felizmente, de vez em quando aparecem justiceiros,
críticos, amadores e curiosos afirmando nem tudo estar em
Rafael, nem tudo estar em Racine, que os poetae minores1
possuem algo de bom, de sólido e de delicioso, e,
finalmente, que mesmo amando tanto a beleza geral, expressa
pelos poetas e artistas clássicos, nem por isso deixa de
ser um erro negligenciar a beleza particular, a beleza de
circunstância e a pintura de costumes.
1. “poetae minores”, em latim, “poeta” tem o sentido de “o que faz
(alguma coisa), artista”, não somente o escritor de poesias. Assim,
“poetae minores” pode ser traduzido por “artistas menores”.
Je dois dire que le monde, depuis plusieurs années, s’est un peu
corrigé. Le prix que les amateurs attachent aujourd’hui aux
gentillesses gravées et coloriées du dernier siècle prouve qu’une
réaction a eu lieu dans le sens où le public en avait besoin ;
3
Debucourt, les Saint-Aubin et bien d’autres, sont entrés dans le
dictionnaire des artistes dignes d’être étudiés. Mais ceux-là
représentent le passé ; or c’est à la peinture des moeurs du présent
que je veux m’attacher aujourd’hui. Le passé est intéressant non
seulement par la beauté qu’ont su en extraire les artistes pour qui
il était le présent, mais aussi comme passé, pour sa valeur
historique. Il en est de même du présent. Le plaisir que nous
retirons de la représentation du présent tient non seulement à la
beauté dont il peut être revêtu, mais aussi à sa qualité essentielle
de présent.
Devo dizer que o mundo, após muitos anos, se corrigiu um
pouco. O valor que os amadores atribuem hoje aos mimos1
gravados e coloridos do século passado, prova que houve uma
reação na direção reclamada pelo público: Debucourt, Saint-
Aubin e muitos outros entraram para o dicionário dos
artistas dignos de serem estudados. Mas eles representam o
passado. Ora, hoje quero me ater estritamente à pintura de
costumes do presente. O passado é interessante não somente
pela beleza que dele souberam extrair os artistas para quem
constituía o presente, mas também como passado, por seu
valor histórico. O mesmo ocorre com o presente. O prazer
que obtemos com a representação do presente deve-se não
apenas à beleza de que ele pode estar revestido, mas também
à sua qualidade essencial de presente.
1. “mimos” traduz “gentillesses”. São os “costumes gentis do século
passado” registradas em arte.
J’ai sous les yeux une série de gravures de modes commençant avec la
Révolution et finissant à peu près au Consulat. Ces costumes, qui
font rire bien des gens irréfléchis, de ces gens graves sans vraie
gravité, présentent un charme d’une nature double, artistique et
historique. Ils sont très souvent beaux et spirituellement dessinés ;
mais ce qui m’importe au moins autant, et ce que je suis heureux de
retrouver dans tous ou presque tous, c’est la morale et l’esthétique
du temps. L’idée que l’homme se fait du beau s’imprime dans tout son
ajustement, chiffonne ou raidit son habit, arrondit ou aligne son
geste, et même pénètre subtilement, à la longue, les traits de son
visage. L’homme finit par ressembler à ce qu’il voudrait être. Ces
gravures peuvent être traduites en beau et en laid ; en laid, elles
deviennent des caricatures ; en beau, des statues antiques.
Tenho diante dos olhos uma série de gravuras de modas que
começam na Revolução1 e terminam aproximadamente no
Consulado2. Esses trajes que provocam o riso de muitas
pessoas insensatas, essas pessoas sérias sem verdadeira
seriedade apresentam um fascínio de uma dupla natureza, ou
seja, artístico e histórico. Eles quase sempre são belos e
desenhados com elegância, mas o que me importa, pelo menos
em idêntica medida, e o que me apraz encontrar em todos ou
em quase todos, é a moral e a estética da época. A idéia
que o homem tem do belo imprime-se em todo o seu vestuário,
4
torna sua roupa franzida ou rígida, arredonda ou alinha seu
gesto e inclusive impregna sutilmente, com o passar do
tempo, os traços de seu rosto. O homem acaba por se
assemelhar àquilo que gostaria de ser. Essas gravuras podem
ser traduzidas em belo e em feio; em feio, tornam-se
caricaturas; em belo, estátuas antigas.
1. Revolução Francesa: (1789 – 1799).
2. Consulado: “Consulat” (9 – 10 de novembro de 1799 à 18 de maio de
1804) regime político da França resultante do golpe de Estado do 18
brumário, teve fim quando Napoleão Bonaparte se proclamou imperador.
Les femmes qui étaient revêtues de ces costumes ressemblaient plus ou
moins aux unes ou aux autres, selon le degré de poésie ou de
vulgarité dont elles étaient marquées. La matière vivante rendait
ondoyant ce qui nous semble trop rigide. L’imagination du spectateur
peut encore aujourd’hui faire marcher et frémir cette tunique et ce
schall. Un de ces jours, peut-être, un drame paraîtra sur un théâtre
quelconque, où nous verrons la résurrection de ces costumes sous
lesquels nos pères se trouvaient tout aussi enchanteurs que nous-
mêmes dans nos pauvres vêtements (lesquels ont aussi leur grâce, il
est vrai, mais d’une nature plutôt morale et spirituelle), et s’ils
sont portés et animés par des comédiennes et des comédiens
intelligents, nous nous étonnerons d’en avoir pu rire si étourdiment.
Le passé, tout en gardant le piquant du fantôme, reprendra la lumière
et le mouvement de la vie, et se fera présent.
As mulheres que envergavam esses trajes se pareciam mais ou
menos umas às outras, segundo o grau de poesia ou de
vulgaridade que as distinguia. A matéria viva tornava
ondulante o que nos parece muito rígido. A imaginação do
espectador pode ainda hoje movimentar e fremir esta túnica
ou este xale. Talvez, um dia desses, será montado um drama
num teatro qualquer, onde presenciaremos a ressurreição
desses costumes nos quais nossos pais se achavam tão
atraentes quanto nós mesmos em nossas pobres roupas (que
também têm sua graça, é verdade, mas de uma natureza
sobretudo moral e espiritual), e se forem vestidos e
animados por atrizes e atores inteligentes, nós nos
admiraremos de nos terem despertado o riso de modo tão
leviano. O passado, conservando o sabor do fantasma,
recuperará a luz e o movimento da vida, e se tornará
presente.
Si un homme impartial feuilletait une à une toutes les modes
françaises depuis l’origine de la France jusqu’au jour présent, il
n’y trouverait rien de choquant ni même de surprenant. Les
transitions y seraient aussi abondamment ménagées que dans l’échelle
du monde animal. Point de lacune, donc point de surprise. Et s’il
ajoutait à la vignette qui représente chaque époque la pensée
philosophique dont celle-ci était le plus occupée ou agitée, pensée
5
dont la vignette suggère inévitablement le souvenir, il verrait
quelle profonde harmonie régit tous les membres de l’histoire, et
que, même dans les siècles qui nous paraissent les plus monstrueux et
les plus fous, l’immortel appétit du beau a toujours trouvé sa
satisfaction.
Se um homem imparcial folheasse uma a uma todas as modas
francesas desde a origem da França até o momento, nada
encontraria de chocante nem de surpreendente. Seria
possível ver as transições organizadas de forma tão
gradativa quanto na escala do mundo animal. Nenhuma lacuna;
logo, nenhuma surpresa. E se ele acrescentasse à vinheta
que representa cada época o pensamento filosófico que mais
a ocupou ou agitou, pensamento cuja lembrança é
inevitavelmente evocada pela vinheta, constataria a
profunda harmonia que rege toda a equipe da história, e
que, mesmo nos séculos que nos parecem mais monstruosos e
insanos, o imortal apetite do belo sempre foi saciado.
C’est ici une belle occasion, en vérité, pour établir une théorie
rationnelle et historique du beau, en opposition avec la théorie du
beau unique et absolu ; pour montrer que le beau est toujours,
inévitablement, d’une composition double, bien que l’impression qu’il
produit soit une ; car la difficulté de discerner les éléments
variables du beau dans l’unité de l’impression n’infirme en rien la
nécessité de la variété dans sa composition. Le beau est fait d’un
élément éternel, invariable, dont la quantité est excessivement
difficile à déterminer, et d’un élément relatif, circonstanciel, qui
sera, si l’on veut, tour à tour ou tout ensemble, l’époque, la mode,
la morale, la passion. Sans ce second élément, qui est comme
l’enveloppe amusante, titillante, apéritive, du divin gâteau, le
premier élément serait indigestible, inappréciable, non adapté et non
approprié à la nature humaine. Je défie qu’on découvre un échantillon
quelconque de beauté qui ne contienne pas ces deux éléments.
Na verdade, esta é uma bela ocasião para estabelecer uma
teoria racional e histórica do belo, em oposição à teoria
do belo único e absoluto; para mostrar que o belo
inevitavelmente sempre tem uma dupla composição, embora a
impressão que produza seja uma, pois a dificuldade em
discernir os elementos variáveis do belo na unidade da
impressão não diminui em nada a necessidade da variedade em
sua composição. O belo é constituído por um elemento
eterno, invariável, cuja quantidade é excessivamente
difícil determinar, e de um elemento relativo,
circunstancial, que será, se quisermos, sucessiva ou
combinadamente, a época, a moda, a moral, a paixão. Sem
esse segundo elemento, que é como o invólucro aprazível,
palpitante, aperitivo do divino manjar, o primeiro elemento
seria indigerível, inapreciável, não adaptado e não
apropriado à natureza humana. Desafio qualquer pessoa a
descobrir qualquer exemplo de beleza que não contenha esses
6
dois elementos.
Je choisis, si l’on veut, les deux échelons extrêmes de l’histoire.
Dans l’art hiératique, la dualité se fait voir au premier coup d’oeil
; la partie de beauté éternelle ne se manifeste qu’avec la permission
et sous la règle de la religion à laquelle appartient l’artiste. Dans
l’oeuvre la plus frivole d’un artiste raffiné appartenant à une de
ces époques que nous qualifions trop vaniteusement de civilisées, la
dualité se montre également ; la portion éternelle de beauté sera en
même temps voilée et exprimée, sinon par la mode, au moins par le
tempérament particulier de l’auteur. La dualité de l’art est une
conséquence fatale de la dualité de l’homme. Considérez, si cela vous
plaît, la partie éternellement subsistante comme l’âme de l’art, et
l’élément variable comme son corps. C’est pourquoi Stendhal, esprit
impertinent, taquin, répugnant même, mais dont les impertinences
provoquent utilement la méditation, s’est rapproché de la vérité,
plus que beaucoup d’autres, en disant que le Beau n’est que la
promesse du bonheur. Sans doute cette définition dépasse le but ;
elle soumet beaucoup trop le beau à l’idéal infiniment variable du
bonheur ; elle dépouille trop lestement le beau de son caractère
aristocratique ; mais elle a le grand mérite de s’éloigner décidément
de l’erreur des académiciens.
Escolho, se preferirem, os dois escalões extremos da
história. Na arte hierática, a dualidade salta à vista; a
parte de beleza eterna só se manifesta com a permissão e
dentro dos cânones da religião a que o artista pertence. A
dualidade se evidencia igualmente na obra mais frívola de
um artista refinado pertencente a uma dessas épocas que
qualificamos, com excessiva vaidade, de civilizadas; a
dualidade igualmente se mostra; a porção eterna de beleza
estará ao mesmo tempo velada e expressa, se não pela moda,
ao menos pelo temperamento particular do autor. A dualidade
da arte é uma consequência fatal da dualidade do homem.
Considerem, se isso lhes apraz, a parte eternamente
subsistente como a alma da arte, e o elemento variável como
seu corpo. É por isso que Stendhal, espírito impertinente,
irritante, até mesmo repugnante, mas cujas impertinências
necessariamente provocam a meditação, se aproximou mais da
verdade do que muitos outros ao afirmar que o Belo não é
senão a promessa da felicidade. Sem dúvida, tal definição
excede seu objetivo, submete de forma excessiva o belo ao
ideal indefinidamente variável da felicidade, despoja com
muita desenvoltura o belo de seu caráter aristocrático, mas
tem o grande mérito de afastar-se decididamente do erro dos
acadêmicos.
J’ai plus d’une fois déjà expliqué ces choses ; ces lignes en disent
assez pour ceux qui aiment ces jeux de la pensée abstraite ; mais je
sais que les lecteurs français, pour la plupart, ne s’y complaisent
guère, et j’ai hâte moi-même d’entrer dans la partie positive et
7
réelle de mon sujet.
Já expliquei estas coisas mais de uma vez; estas linhas são
suficientes para aqueles que apreciam os exercícios do
pensamento abstrato; mas sei que os leitores franceses, em
sua maioria, neles pouco se comprazem e eu mesmo tenho
pressa de entrar na parte positiva e real de meu tema.
8
II
Le croquis de moeurs O croqui
1 de costumes
Pour le croquis de moeurs, la représentation de la vie bourgeoise et
les spectacles de la mode, le moyen le plus expéditif et le moins
coûteux est évidemment le meilleur. Plus l’artiste y mettra de
beauté, plus l’oeuvre sera précieuse ; mais il y a dans la vie
triviale, dans la métamorphose journalière des choses extérieures, un
mouvement rapide qui commande à l’artiste une égale vélocité
d’exécution. Les gravures à plusieurs teintes du dix-huitième siècle
ont obtenu de nouveau les faveurs de la mode, comme je le disais tout
à l’heure ; le pastel, l’eau-forte, l’aqua-tinte ont fourni tour à
tour leurs contingents à cet immense dictionnaire de la vie moderne
disséminé dans les bibliothèques, dans les cartons des amateurs et
derrière les vitres des plus vulgaires boutiques. Dès que la
lithographie parut, elle se montra tout de suite très apte à cette
énorme tâche, si frivole en apparence. Nous avons dans ce genre de
véritables monuments. On a justement appelé les oeuvres de Gavarni et
de Daumier des compléments de La Comédie Humaine. Balzac lui-même,
j’en suis très convaincu, n’eût pas été éloigné d’adopter cette idée,
laquelle est d’autant plus juste que le génie de l’artiste peintre de
moeurs est un génie d’une nature mixte, c’est-à-dire où il entre une
bonne partie d’esprit littéraire. Observateur, flâneur, philosophe,
appelez-le comme vous voudrez ; mais vous serez certainement amené,
pour caractériser cet artiste, à le gratifier d’une épithète que vous
ne sauriez appliquer au peintre des choses éternelles, ou du moins
plus durables, des choses héroïques ou religieuses. Quelquefois il
est poète ; plus souvent il se rapproche du romancier ou du moraliste
; il est le peintre de la circonstance et de tout ce qu’elle suggère
d’éternel. Chaque pays, pour son plaisir et pour sa gloire, a possédé
quelques uns de ces hommes-là. Dans notre époque actuelle, à Daumier
et à Gavarni, les premiers noms qui se présentent à la mémoire, on
peut ajouter Devéria, Maurin, Numa, historiens des grâces interlopes
de la Restauration, Wattier, Tassaert, Eugène Lami, celui-là presque
Anglais à force d’amour pour les éléments aristocratiques, et même
Trimolet et Traviès, ces chroniqueurs de la pauvreté et de la petite
vie.
Para o croqui de costumes, a representação da vida burguesa
e os espetáculos da moda, o meio mais expedito e menos
custoso, evidentemente, é o melhor. Quanto mais beleza o
artista lhe conferir, mais preciosa será a obra; mas há na
vida ordinária, na metamorfose incessante das coisas
exteriores, um movimento rápido que exige do artista
idêntica velocidade de execução. As gravuras de várias
tonalidades do século XVIII obtiveram novamente o favor da
moda, como eu afirmava há pouco; o pastel, a água-forte, a
água-tinta forneceram sucessivamente seus contingentes para
9
o imenso dicionário da vida moderna, disseminado nas
bibliotecas, nas pastas dos amadores e nas vitrines das
lojas mais comuns2. A litografia, desde o seu surgimento,
imediatamente se mostrou bastante apta a essa enorme tarefa
aparentemente tão frívola. Possuímos, nesse gênero,
verdadeiros monumentos. As obras de Gavarni e de Daumier
foram com justiça denominadas complementos de A Comédia
Humana3. O próprio Balzac, tenho certeza absoluta, não
estaria longe de adotar essa ideia, pela justa razão de que
o gênio do pintor de costumes é um gênio de uma natureza
mista, isto é, no qual entra uma boa dose de espírito
literário. Observador, flâneur, filósofo, chamem-no como
quiserem, mas, para caracterizar esse artista, certamente
seremos levados a agraciá-lo com um epíteto que não
poderíamos aplicar ao pintor das coisas eternas, ou pelo
menos as mais duradouras, coisas heróicas ou religiosas. Às
vezes ele é um poeta; mais, frequentemente, aproxima-se do
romancista ou do moralista; é o pintor do circunstancial e
de tudo o que este sugere de eterno. Todos os países, para
seu prazer e glória, possuíram alguns desses homens. Em
nossa época atual, a Daumier e a Gavarni, primeiros nomes
que nos vêm à memória, podemos acrescentar os de Devéria,
Maurin, Numa, historiadores das ambíguas belezas da
Restauração; Wattier, Tassaert, Eugène Lami — este último
quase inglês, de tanto amor pelas elegâncias aristocráticas
— e inclusive Trimolet e Traviès, cronistas da pobreza e da
banalidade quotidiana.
1. “Croquis”, traduzido pela mesma palavra: “croqui”. O croqui é um
desenho rápido, na forma de esboço (o dicionário Le Robert Micro dá
para “croquis” os sinônimos “esquisse” e “ébauche”, palavras
entendidas em portugues como “esboço”).
2. “Comuns” traduz “vulgaires”. O contexto parece sugerir mais
leveza do que o pejorativo “vulgares”; embora “vulgaire”, em
francês, também seja pejorativo.
3. “A comédia Humana”, obra de Honoré de Balzac (1799 – 1850),
composta de 95 volumes, procura retratar todos os níveis da
sociedade francesa da época, em particular a florescente burguesia.
10
III
L’artiste, homme du monde, homme des foules et
enfant O artista, homem do mundo, homem das
multidões e criança
Je veux entretenir aujourd’hui le public d’un homme singulier,
originalité si puissante et si décidée, qu’elle se suffit à elle-même
et ne recherche même pas l’approbation. Aucun de ses dessins n’est
signé, si l’on appelle signature ces quelques lettres, faciles à
contrefaire, qui figurent un nom, et que tant d’autres apposent
fastueusement au bas de leurs plus insouciants croquis. Mais tous ses
ouvrages sont signés de son âme éclatante, et les amateurs qui les
ont vus et appréciés les reconnaîtront facilement à la description
que j’en veux faire. Grand amoureux de la foule et de l’incognito, M.
C. G. pousse l’originalité jusqu’à la modestie. M. Thackeray, qui,
comme on sait, est très curieux des choses d’art, et qui dessine lui-
même les illustrations de ses romans, parla un jour de M. G. dans un
petit journal de Londres. Celui-ci s’en fâcha comme d’un outrage à sa
pudeur. Récemment encore, quand il apprit que je me proposais de
faire une appréciation de son esprit et de son talent, il me supplia,
d’une manière très impérieuse, de supprimer son nom et de ne parler
de ses ouvrages que comme des ouvrages d’un anonyme. J’obéirai
humblement à ce bizarre désir. Nous feindrons de croire, le lecteur
et moi, que M. G. n’existe pas, et nous nous occuperons de ses
dessins et de ses aquarelles, pour lesquels il professe un dédain de
patricien, comme feraient des savants qui auraient à juger de
précieux documents historiques, fournis par le hasard, et dont
l’auteur doit rester éternellement inconnu. Et même, pour rassurer
complétement ma conscience, on supposera que tout ce que j’ai à dire
de sa nature si curieusement et si mystérieusement éclatante, est
plus ou moins justement suggéré par les oeuvres en question ; pure
hypothèse poétique, conjecture, travail d’imagination.
Quero entreter hoje o público de um homem singular,
originalidade tão poderosa e tão decidida que se basta a si
mesma e não busca qualquer aprovação. Nenhum de seus
desenhos é assinado, se chamarmos assinatura essas poucas
letras, passíveis de falsificação, que representam um nome,
e que tantos a colocam faustosamente embaixo de seus
croquis mais insignificantes. Porém, todas as suas obras
são assinadas com sua alma resplandecente, e os amadores
que as viram e apreciaram as reconhecerão sem dificuldade
na descrição que delas pretendo fazer. Enamorado pela
multidão e pelo incógnito, C. G1. leva a originalidade às
raias da modéstia. Thackeray, que, como se sabe, interessa-
se bastante pelas coisas de arte e desenha ele próprio as
ilustrações de seus romances, um dia falou de G. num
11
pequeno jornal de Londres. Aquele irritou-se como se fosse
um ultraje a seu pudor. Ainda recentemente, quando soube
que eu me propunha fazer uma apreciação de seu espírito e
talento, suplicou-me, de uma maneira muito imperiosa, que
seu nome fosse suprimido e que só se falasse de suas obras
como das obras de um anônimo2. Obedecerei humildemente a
esse estranho desejo. Fingiremos acreditar, o leitor e eu,
que G. não existe, e trataremos de seus desenhos e
aquarelas, pelos quais ele professa um desdém
aristocrático, agindo como esses pesquisadores que tivessem
de julgar preciosos documentos históricos fornecidos pelo
acaso e cujo autor devesse permanecer eternamente
desconhecido. Inclusive, para apaziguar completamente minha
consciência, vamos supor que tudo quanto tenho a dizer
sobre sua natureza, tão curiosamente e tão misteriosamente
brilhante, é sugerido, mais ou menos justamente, pelas
obras em questão; pura hipótese poética, conjetura,
trabalho de imaginação.
1. Trata-se do desenhista, aquarelista e gravador Constantin Guys
(1802 - 1892).
2. A nota 1, acima, rompe com a delicadeza de Baudelaire! Monsieur
Constantin Guys (M. G., como é apresentado por Baudelaire), é aqui
revelado, bem como suas pinturas.
M. G. est vieux. Jean-Jacques commença, dit-on, à écrire à quarante-
deux ans. Ce fut peut-être vers cet âge que M. G., obsédé par toutes
les images qui remplissaient son cerveau, eut l’audace de jeter sur
une feuille blanche de l’encre et des couleurs. Pour dire la vérité,
il dessinait comme un barbare, comme un enfant, se fâchant contre la
maladresse de ses doigts et la désobéissance de son outil. J’ai vu un
grand nombre de ces barbouillages primitifs, et j’avoue que la
plupart des gens qui s’y connaissent ou prétendent s’y connaître
auraient pu, sans déshonneur, ne pas deviner le génie latent qui
habitait dans ces ténébreuses ébauches. Aujourd’hui, M. G., qui a
trouvé, à lui tout seul, toutes les petites ruses du métier, et qui a
fait, sans conseils, sa propre éducation, est devenu un puissant
maître, à sa manière, et n’a gardé de sa première ingénuité que ce
qu’il en faut pour ajouter à ses riches facultés un assaisonnement
inattendu. Quand il rencontre un de ces essais de son jeune âge, il
le déchire ou le brûle avec une honte des plus amusantes.
G. é um velho. Dizem que Jean-Jacques começou a escrever
aos quarenta e dois anos. Foi talvez por essa idade que G.,
obcecado por todas as imagens que lhe povoavam o cérebro,
teve a audácia de lançar tintas e cores sobre uma folha
branca. Para dizer a verdade, ele desenhava como um
bárbaro, como uma criança, irritando-se com a imperícia de
seus dedos e a desobediência de seus instrumentos. Vi
muitas dessas garatujas primitivas e confesso que a maioria
das pessoas capazes de julgar, ou com essa pretensão, teria
12
podido, sem prejuízo, não adivinhar o gênio latente que
habitava esses tenebrosos esboços. Atualmente G., que
descobriu sozinho todos os pequenos truques do ofício e,
sem receber conselhos, realizou sua própria formação,
tornou-se um admirável mestre à sua maneira, conservando da
simplicidade inicial apenas o necessário para acrescentar
às suas mais ricas faculdades um toque desconcertante.
Quando ele descobre uma dessas tentativas de sua juventude,
rasga ou queima com uma vergonha das mais divertidas.
Constantin Guys,
por Félix Nadar (1820 – 1910)
Pendant dix ans, j’ai désiré faire la connaissance de M. G., qui est,
par nature, très voyageur et très cosmopolite. Je savais qu’il avait
été longtemps attaché à un journal anglais illustré, et qu’on y avait
publié des gravures d’après ses croquis de voyage (Espagne, Turquie,
Crimée). J’ai vu depuis lors une masse considérable de ces dessins
improvisés sur les lieux mêmes, et j’ai pu lire ainsi un compte rendu
minutieux et journalier de la campagne de Crimée, bien préférable à
tout autre. Le même journal avait aussi publié, toujours sans
signature, de nombreuses compositions du même auteur, d’après les
13
ballets et les opéras nouveaux. Lorsque enfin je le trouvai, je vis
tout d’abord que je n’avais pas affaire précisément à un artiste,
mais plutôt à un homme du monde. Entendez ici, je vous prie, le mot
artiste dans un sens très restreint, et le mot homme du monde dans un
sens très étendu. Homme du monde, c’est-à-dire homme du monde entier,
homme qui comprend le monde et les raisons mystérieuses et légitimes
de tous ses usages ; artiste, c’est-à-dire spécialiste, homme attaché
à sa palette comme le serf à la glèbe. M. G. n’aime pas être appelé
artiste. N’a-t-il pas un peu raison ? Il s’intéresse au monde entier
; il veut savoir, comprendre, apprécier tout ce qui se passe à la
surface de notre sphéroïde. L’artiste vit très peu, ou même pas du
tout, dans le monde moral et politique. Celui qui habite dans le
quartier Breda ignore ce qui se passe dans le faubourg Saint-Germain.
Sauf deux ou trois exceptions qu’il est inutile de nommer, la plupart
des artistes sont, il faut bien le dire, des brutes très adroites, de
purs manoeuvres, des intelligences de village, des cervelles de
hameau. Leur conversation, forcément bornée à un cercle très étroit,
devient très vite insupportable à l’homme du monde, au citoyen
spirituel de l’univers.
Durante dez anos desejei conhecer G., que é, por
temperamento, apaixonado por viagens e muito cosmopolita.
Sabia que durante muito tempo ele fora correspondente de um
jornal inglês ilustrado e que nele publicara gravuras a
partir de seus croquis de viagem (Espanha, Turquia,
Crimeia1). Vi, durante esse tempo, uma quantidade
considerável de desenhos improvisados sobre os próprios
locais e pude ler, assim, uma crônica minuciosa e diária da
campanha da Criméia, melhor do que qualquer outra. O mesmo
jornal publicara também, sempre sem assinatura, inúmeras
composições do mesmo autor, inspiradas nos balés e óperas
recentes. Quando finalmente o conheci, logo vi que não se
tratava precisamente de um artista, mas antes de um homem
do mundo. Entenda-se aqui, por favor, a palavra artista num
sentido muito restrito, e a expressão homem do mundo num
sentido muito amplo. Homem do mundo, isto é, homem do mundo
inteiro, homem que compreende o mundo e as razões
misteriosas e legítimas de todos os seus costumes; artista,
isto é, especialista, homem subordinado à sua palheta como
o servo à gleba2. G. não gosta de ser chamado artista. Não
teria ele alguma razão? Ele se interessa pelo mundo
inteiro; quer saber, compreender, apreciar tudo o que
acontece na superfície de nosso esferóide. O artista vive
pouquíssimo, ou até não vive, no mundo moral e político. O
que mora no bairro Bréda ignora o que se passa no bairro
Saint-Germain. Salvo duas ou três exceções que não vale a
pena mencionar, a maioria dos artistas são, deve-se convir,
uns brutos muito hábeis, simples artesãos, inteligências
provincianas, mentalidades de cidade pequena. Sua conversa,
forçosamente limitada a um círculo muito restrito, torna-se
rapidamente insuportável para o homem do mundo, para o
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cidadão espiritual do universo.
1. Crimeia (o nome francês é “Crimée”), é a região da Ucrânia
formada por uma península que avança no mar Negro, separando-o do
mar de Azov.
2. Gleba: terreno, feudo a que os servos estavam subordinados.
Ainsi, pour entrer dans la compréhension de M. G., prenez note tout
de suite de ceci : c’est que la curiosité peut être considérée comme
le point de départ de son génie.
Assim, para compreender G., anotem imediatamente o
seguinte: a curiosidade pode ser considerada como o ponto
de partida de seu gênio.
Vous souvenez-vous d’un tableau (en vérité, c’est un tableau !) écrit
par la plus puissante plume de cette époque, et qui a pour titre
L’Homme des foules ? Derrière la vitre d’un café, un convalescent,
contemplant la foule avec jouissance, se mêle par la pensée, à toutes
les pensées qui s’agitent autour de lui. Revenu récemment des ombres
de la mort, il aspire avec délices tous les germes et tous les
effluves de la vie ; comme il a été sur le point de tout oublier, il
se souvient et veut avec ardeur se souvenir de tout. Finalement, il
se précipite à travers cette foule à la recherche d’un inconnu dont
la physionomie entrevue l’a, en un clin d’oeil, fasciné. La curiosité
est devenue une passion fatale, irrésistible !
Lembram-se de um quadro (é um quadro, na verdade!) escrito
pelo mais poderoso autor desta época e que se intitula
L’Homme des Foules1? Atrás das vidraças de um café, um
convalescente, contemplando com prazer a multidão, mistura-
se mentalmente a todos os pensamentos que se agitam à sua
volta. Resgatado há pouco das sombras da morte, ele aspira
com deleite todos os indícios e eflúvios da vida; como
estava prestes a tudo esquecer, lembra-se e quer
ardentemente lembrar-se de tudo. Finalmente, precipita-se
no meio da multidão à procura de um desconhecido cuja
fisionomia, apenas vislumbrada, fascinou-o num relance. A
curiosidade transformou-se numa paixão fatal, irresistível!
1. “L’Homme des Foules”: “O Homem das Multidões”, é um texto de
Edgar Allan Poe (1809 – 1849), The Man of the Crowd, traduzido por
Baudelaire. Baudelaire também possui, em “Le Spleen de Paris” um
poema chamado “As Multidões” (Les Foules).
Supposez un artiste qui serait toujours, spirituellement, à l’état du
convalescent, et vous aurez la clef du caractère de M. G.
Imagine um artista que estivesse sempre, espiritualmente,
em estado de convalescença e se terá a chave do caráter de
G.
Or la convalescence est comme un retour vers l’enfance. Le
convalescent jouit au plus haut degré, comme l’enfant, de la faculté
15
de s’intéresser vivement aux choses, même les plus triviales en
apparence. Remontons, s’il se peut, par un effort rétrospectif de
l’imagination, vers nos plus jeunes, nos plus matinales impressions,
et nous reconnaîtrons qu’elles avaient une singulière parenté avec
les impressions, si vivement colorées, que nous reçûmes plus tard à
la suite d’une maladie physique, pourvu que cette maladie ait laissé
pures et intactes nos facultés spirituelles. L’enfant voit tout en
nouveauté ; il est toujours ivre. Rien ne ressemble plus à ce qu’on
appelle l’inspiration, que la joie avec laquelle l’enfant absorbe la
forme et la couleur. J’oserai pousser plus loin ; j’affirme que
l’inspiration a quelque rapport avec la congestion, et que toute
pensée sublime est accompagnée d’une secousse nerveuse, plus ou moins
forte, qui retentit jusque dans le cervelet. L’homme de génie a les
nerfs solides ; l’enfant les a faibles. Chez l’un, la raison a pris
une place considérable ; chez l’autre, la sensibilité occupe presque
tout l’être. Mais le génie n’est que l’enfance retrouvée à volonté,
l’enfance douée maintenant, pour s’exprimer, d’organes virils et de
l’esprit analytique qui lui permet d’ordonner la somme de matériaux
involontairement amassée. C’est à cette curiosité profonde et joyeuse
qu’il faut attribuer l’oeil fixe et animalement extatique des enfants
devant le nouveau, quel qu’il soit, visage ou paysage, lumière,
dorure, couleurs, étoffes chatoyantes, enchantement de la beauté
embellie par la toilette. Un de mes amis me disait un jour qu’étant
fort petit, il assistait à la toilette de son père, et qu’alors il
contemplait, avec une stupeur mêlée de délices, les muscles des bras,
les dégradations de couleurs de la peau nuancée de rose et de jaune,
et le réseau bleuâtre des veines. Le tableau de la vie extérieure le
pénétrait déjà de respect et s’emparait de son cerveau. Déjà la forme
l’obsédait et le possédait. La prédestination montrait précocement le
bout de son nez. La damnation était faite. Ai-je besoin de dire que
cet enfant est aujourd’hui un peintre célèbre ?
Ora, a convalescença é como uma volta à infância. O
convalescente goza, no mais alto grau, como a criança, da
faculdade de interessar-se intensamente pelas coisas, mesmo
por aquelas que aparentemente se mostram as mais triviais.
Retornemos, se possível, através de um esforço
retrospectivo da imaginação, às mais jovens, às mais
matinais de nossas impressões, e constataremos que elas
possuem um singular parentesco com as impressões tão
vivamente coloridas que recebemos ulteriormente, depois de
uma doença, desde que esta tenha deixado puras e intactas
nossas faculdades espirituais. A criança vê tudo como
novidade; ela sempre está embriagada. Nada se parece tanto
com o que chamamos inspiração quanto a alegria com que a
criança absorve a forma e a cor. Ousaria ir mais longe:
afirmo que a inspiração tem alguma relação com a congestão,
e que todo pensamento sublime é acompanhado de um
estremecimento nervoso, mais ou menos intenso, que
repercute até no cerebelo. O homem de gênio tem nervos
sólidos, a criança os tem fracos. Naquele, a razão ganhou
16
um lugar considerável; nesta, a sensibilidade ocupa quase
todo o seu ser. Mas o gênio é somente a infância
redescoberta sem limites; a infância agora dotada, para
expressar-se, de órgãos viris e do espírito analítico que
lhe permite ordenar a soma de materiais involuntariamente
acumulados. É a está curiosidade profunda e alegre que se
deve atribuir o olhar fixo, estático e animalesco das
crianças diante do novo, seja lá o que isso for, rosto ou
paisagem, luz, brilhos, cores, tecidos cintilantes,
fascínio da beleza realçada pelo traje. Um de meus amigos
disse-me um dia que, ainda pequeno, vira seu pai lavando-se
e então contemplava, com uma perplexidade mesclada de
deleite, os músculos dos braços, as gradações de cores da
pele matizada de rosa e amarelo, e a rede azulada das
veias. O quadro da vida exterior já o impregnava de
respeito e se apoderava de seu cérebro. A forma já o
obcecava e o possuía. A predestinação mostrava precocemente
a ponta do nariz. A danação estava consumada. É preciso
dizer que essa criança hoje é um pintor célebre?
Revue de troupes françaises en Crimée
Constantin Guys
Je vous priais tout à l’heure de considérer M. G. comme un éternel
convalescent ; pour compléter votre conception, prenez-le aussi pour
un homme-enfant, pour un homme possédant à chaque minute le génie de
l’enfance, c’est-à-dire un génie pour lequel aucun aspect de la vie
n’est émoussé.
Eu os exortava ainda há pouco a que considerassem G. como
um eterno convalescente; para completar a intelecção,
considere-o também como um homem-criança, como um homem
dominado a cada minuto pelo gênio da infância, ou seja, um
gênio para o qual nenhum aspecto da vida é indiferente.
Je vous ai dit que je répugnais à l’appeler un pur artiste, et qu’il
se défendait lui-même de ce titre avec une modestie nuancée de pudeur
17
aristocratique. Je le nommerais volontiers un dandy, et j’aurais pour
cela quelques bonnes raisons ; car le mot dandy implique une
quintessence de caractère et une intelligence subtile de tout le
mécanisme moral de ce monde ; mais, d’un autre côté, le dandy aspire
à l’insensibilité, et c’est par là que M. G., qui est dominé, lui,
par une passion insatiable, celle de voir et de sentir, se détache
violemment du dandysme. Amabam amare, disait saint Augustin. « J’aime
passionnément la passion », dirait volontiers M. G. Le dandy est
blasé, ou il feint de l’être, par politique et raison de caste. M. G.
a horreur des gens blasés. Il possède l’art si difficile (les esprits
raffinés me comprendront) d’être sincère sans ridicule. Je le
décorerais bien du nom de philosophe, auquel il a droit à plus d’un
titre, si son amour excessif des choses visibles, tangibles,
condensées à l’état plastique, ne lui inspirait une certaine
répugnance de celles qui forment le royaume impalpable du
métaphysicien. Réduisons-le donc à la condition de pur moraliste
pittoresque, comme La Bruyère.
Dizia que me desagradava chamá-lo de puro artista e que ele
próprio recusava esse título com uma modéstia mesclada de
pudor aristocrático. Eu o chamaria de bom grado dândi1, e
teria algumas boas razões para isso; pois a palavra dândi
implica um refinamento de caráter e uma compreensão sutil
de todo mecanismo moral deste mundo; mas, por outro lado, o
dândi aspira à insensibilidade, e é por esse ângulo que G.,
que é dominado por uma paixão insaciável, a de ver e de
sentir, se afasta violentamente do dandismo. Amabam amare2,
dizia Santo Agostinho. “Amo apaixonadamente a paixão”,
diria G., com naturalidade. O dândi é entediado, ou finge
ser, por política e razão de casta. G. tem horror às
pessoas entediadas. Ele possui a arte extremamente difícil
(os espíritos refinados irão me compreender) de ser sincero
sem ser ridículo. Poderia condecorá-lo com o título de
filósofo, que ele merece por várias razões, se seu amor
excessivo pelas coisas visíveis, tangíveis, condensadas no
estado plástico, não lhe inspirassem uma certa repugnância
por aquelas que formam o reino impalpável do metafísico.
Vamos então reduzi-lo à condição de puro moralista
pitoresco, como La Bruyère3.
1. Baudelaire define “dândi” no capítulo IX desse mesmo livro.
2. “Amabam amare”, em latim: “eu amava amar”.
3. La Bruyère: Jean de La Bruyère (1645 – 1696), moralista francês
famoso por uma única obra, “Dos Personagens ou costumes do século”
(Les Caractères ou les Mœurs de ce siècle).
La foule est son domaine, comme l’air est celui de l’oiseau, comme
l’eau celui du poisson. Sa passion et sa profession, c’est d’épouser
la foule. Pour le parfait flâneur, pour l’observateur passionné,
c’est une immense jouissance que d’élire domicile dans le nombre,
18
dans l’ondoyant dans le mouvement, dans le fugitif et l’infini. Etre
hors de chez soi, et pourtant se sentir partout chez soi ; voir le
monde, être au centre du monde et rester caché au monde, tels sont
quelques-uns des moindres plaisirs de ces esprits indépendants,
passionnés, impartiaux, que la langue ne peut que maladroitement
définir. L’observateur est un prince qui jouit partout de son
incognito. L’amateur de la vie fait du monde sa famille, comme
l’amateur du beau sexe compose sa famille de toutes les beautés
trouvées, trouvables et introuvables ; comme l’amateur de tableaux
vit dans une société enchantée de rêves peints sur toile. Ainsi
l’amoureux de la vie universelle entre dans la foule comme dans un
immense réservoir d’électricité. On peut aussi le comparer, lui, à un
miroir aussi immense que cette foule ; à un kaléidoscope doué de
conscience, qui, à chacun de ses mouvements, représente la vie
multiple et la grâce mouvante de tous les éléments de la vie. C’est
un moi insatiable du non-moi, qui, à chaque instant, le rend et
l’exprime en images plus vivantes que la vie elle-même, toujours
instable et fugitive. « Tout homme », disait un jour M. G. dans une
de ces conversations qu’il illumine d’un regard intense et d’un geste
évocateur, « tout homme qui n’est pas accablé par un de ces chagrins
d’une nature trop positive pour ne pas absorber toutes les facultés,
et qui s’ennuie au sein de la multitude, est un sot ! un sot ! et je
le méprise ! »
A multidão é seu universo, como o ar é o dos pássaros, como
a água, o dos peixes. Sua paixão e profissão é desposar a
multidão. Para o perfeito flâneur1, para o observador
apaixonado, é um imenso júbilo fixar residência no
numeroso, no ondulante, no movimento, no fugidio e no
infinito. Estar fora de casa, e contudo sentir-se em casa
onde quer que se encontre; ver o mundo, estar no centro do
mundo e permanecer oculto ao mundo, eis alguns dos pequenos
prazeres desses espíritos independentes, apaixonados
imparciais, que a linguagem não pode definir senão
toscamente. O observador é um príncipe que frui por toda
parte do fato de estar incógnito. O amador da vida faz do
mundo a sua família, tal como o amador do belo sexo compõe
sua família com toda as belezas encontradas, encontráveis
ou inencontráveis; tal como o amador de quadros vive numa
sociedade encantada de sonhos pintados na tela. Assim o
apaixonado pela vida universal entra na multidão como em um
reservatório de eletricidade. Pode-se igualmente compará-lo
a um espelho tão imenso quanto essa multidão; a um
caleidoscópio dotado de consciência, que, a cada um de seus
movimentos, representa a vida múltipla e o encanto
cambiante de todos os elementos da vida. É um eu insaciável
do não-eu, que a cada instante o revela e o exprime em
imagens mais vivas do que a própria vida, sempre instável e
fugidia. “Todo homem”, disse G. um dia, numa dessas
conversas que ele ilumina com um olhar intenso e um gesto
evocativo, “todo homem que não é atormentado por uma dessas
19
tristezas de natureza demasiado concreta, o bastante para
absorver todas as faculdades, e que se entedia no seio da
multidão, é um imbecil! um imbecil! e o desprezo!”
1. “flâneur” é aquele que passeia ociosamente, o que vagueia, o que
perambula.
Quand M. G., à son réveil, ouvre les yeux et qu’il voit le soleil
tapageur donnant l’assaut aux carreaux des fenêtres, il se dit avec
remords, avec regrets : « Quel ordre impérieux ! quelle fanfare de
lumière ! Depuis plusieurs heures déjà, de la lumière partout ! de la
lumière perdue par mon sommeil ! Que de choses éclairées j’aurais pu
voir et que je n’ai pas vues ! » Et il part ! et il regarde couler le
fleuve de la vitalité, si majestueux et si brillant. Il admire
l’éternelle beauté et l’étonnante harmonie de la vie dans les
capitales, harmonie si providentiellement maintenue dans le tumulte
de la liberté humaine. Il contemple les paysages de la grande ville,
paysages de pierre caressés par la brume ou frappés par les soufflets
du soleil. Il jouit des beaux équipages, des fiers chevaux, de la
propreté éclatante des grooms, de la dextérité des valets, de la
démarche des femmes onduleuses, des beaux enfants, heureux de vivre
et d’être bien habillés ; en un mot, de la vie universelle. Si une
mode, une coupe de vêtement a été légèrement transformée, si les
noeuds de rubans, les boucles ont été détrônés par les cocardes, si
le bavolet s’est élargi et si le chignon est descendu d’un cran sur
la nuque, si la ceinture a été exhaussée et la jupe amplifiée, croyez
qu’à une distance énorme son oeil d’aigle l’a déjà deviné. Un
régiment passe, qui va peut-être au bout du monde, jetant dans l’air
des boulevards ses fanfares entraînantes et légères comme l’espérance
; et voilà que l’oeil de M. G. a déjà vu, inspecté, analysé les
armes, l’allure et la physionomie de cette troupe. Harnachements,
scintillements, musique, regards décidés, moustaches lourdes et
sérieuses, tout cela entre pêle-mêle en lui ; et dans quelques
minutes, le poème qui en résulte sera virtuellement composé. Et voilà
que son âme vit avec l’âme de ce régiment qui marche comme un seul
animal, fière image de la joie dans l’obéissance !
Quando G., ao despertar, abre os olhos e vê o sol
flamejante invadindo as vidraças, diz para si mesmo com
remorso, com arrependimento: “Que ordem imperiosa! Que
fanfarra de luz! Há muitas horas já, luz em toda parte! Luz
perdida por causa de meu sono! Quantas coisas iluminadas
poderia ter visto e não vi!” E ele sai! E observa fluir o
rio da vitalidade, tão majestoso e brilhante. Admira a
eterna beleza e a espantosa harmonia da vida nas capitais,
harmonia tão providencialmente mantida no tumulto da
liberdade humana. Contempla as paisagens da cidade grande,
paisagens de pedra acariciadas pela bruma ou fustigadas
pelos sopros do sol. Admira as belas carruagens, os
garbosos cavalos, a limpeza reluzente dos lacaios, a
destreza dos criados, o andar das mulheres ondulosas, as
belas crianças, felizes por viverem e estarem bem vestidas;
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resumindo, a vida universal. Se uma moda, um corte de
vestuário foi levemente transformado, se os laços de fita e
os cachos foram destronados pelas rosetas, se a mantilha se
ampliou e o coque desceu um pouquinho na nuca, se a cintura
foi erguida e a saia alargada, acreditem que a uma
distância enorme seu olhar de águia já adivinhou. Um
regimento passa, ele vai talvez ao fim do mundo, difundindo
no ar dos bulevares suas fanfarras sedutoras e diáfanas
como a esperança; e eis que o olhar de G. já viu,
inspecionou, analisou as armas, o porte e a fisionomia
dessa tropa. Arreios, cintilações, música, olhares
decididos, bigodes espessos e graves, tudo isso ele absorve
simultaneamente; e em alguns minutos o poema que disso
resulta estará virtualmente composto. E sua alma vive com a
alma desse regimento que marcha como se fosse um único
animal, altiva imagem da alegria na obediência!
Mais le soir est venu. C’est l’heure bizarre et douteuse où les
rideaux du ciel se ferment, où les cités s’allument. Le gaz fait
tache sur la pourpre du couchant. Honnêtes ou déshonnêtes,
raisonnables ou fous, les hommes se disent : « Enfin la journée est
finie ! » Les sages et les mauvais sujets pensent au plaisir, et
chacun court dans l’endroit de son choix boire la coupe de l’oubli.
M. G. restera le dernier partout où peut resplendir la lumière,
retentir la poésie, fourmiller la vie, vibrer la musique ; partout où
une passion peut poser pour son oeil, partout où l’homme naturel et
l’homme de convention se montrent dans une beauté bizarre, partout où
le soleil éclaire les joies rapides de l’animal dépravé ! « Voilà,
certes, une journée bien employée, » se dit certain lecteur que nous
avons tous connu, « chacun de nous a bien assez de génie pour la
remplir de la même façon. » Non ! peu d’hommes sont doués de la
faculté de voir ; il y en a moins encore qui possèdent la puissance
d’exprimer. Maintenant, à l’heure où les autres dorment, celui-ci est
penché sur sa table, dardant sur une feuille de papier le même regard
qu’il attachait tout à l’heure sur les choses, s’escrimant avec son
crayon, sa plume, son pinceau, faisant jaillir l’eau du verre au
plafond, essuyant sa plume sur sa chemise, pressé, violent, actif,
comme s’il craignait que les images ne lui échappent, querelleur
quoique seul, et se bousculant lui-même. Et les choses renaissent sur
le papier, naturelles et plus que naturelles, belles et plus que
belles, singulières et douées d’une vie enthousiaste comme l’âme de
l’auteur. La fantasmagorie a été extraite de la nature. Tous les
matériaux dont la mémoire s’est encombrée se classent, se rangent,
s’harmonisent et subissent cette idéalisation forcée qui est le
résultat d’une perception enfantine, c’est-à-dire d’une perception
aiguë, magique à force d’ingénuité !
Mas a noite chegou. É a hora estranha e ambígua em que se
fecham as cortinas do céu e se iluminam as cidades. Os
revérberos1 se sobressaem sobre a púrpura do poente.
Honestos ou desonestos, sensatos ou insanos, os homens
21
dizem: “Enfim, acabou-se o dia!” Os plácidos e os de má
índole pensam no prazer e todos acorrem ao lugar de sua
preferência para beber a taça do esquecimento. G. será o
último a partir de qualquer lugar onde possa resplandecer a
luz, ressoar a poesia, fervilhar a vida, vibrar a música;
de todo lugar onde uma paixão possa posar diante de seus
olhos, de todo lugar onde o homem natural e o homem
convencional se mostrem numa beleza estranha, de todo lugar
onde o sol ilumina as alegrias efêmeras do animal
depravado! “Foi, com certeza, uma jornada bem empregada”,
pensará certo leitor que todos conhecemos. “Todos têm
talento suficiente para preenchê-la da mesma maneira.” Não!
poucos homens são dotados da faculdade de ver; há ainda
menos homens que possuem a capacidade de exprimir. Agora, à
hora em que os outros estão dormindo, ele está curvado
sobre sua mesa, lançando sobre uma folha de papel o mesmo
olhar que há pouco dirigia às coisas, lutando com seu
lápis, sua pena, seu pincel, lançando água do copo até o
teto, limpando a pena na camisa, apressando, violento,
ativo, como se temesse que as imagens lhe escapassem,
belicoso, mas sozinho e debatendo-se consigo mesmo. E as
coisas renascem no papel, naturais e, mais do que naturais,
belas; mais do que belas, singulares e dotadas de uma vida
tão entusiasta quanto a alma do autor. A fantasmagoria foi
extraída da natureza. Todos os materiais atravancados na
memória classificam-se, ordenam-se, harmonizam-se e sofrem
essa idealização forçada que é o resultado de uma percepção
infantil, isto é, de uma percepção aguda, mágica à força de
ser ingênua!
1. “revérberos” são lampiões de rua.
22
IV
La modernité A modernidade
Ainsi il va, il court, il cherche. Que cherche-t-il ? A coup sûr, cet
homme, tel que je l’ai dépeint, ce solitaire doué d’une imagination
active, toujours voyageant à travers le grand désert d’hommes, a un
but plus élevé que celui d’un pur flâneur, un but plus général, autre
que le plaisir fugitif de la circonstance. Il cherche ce quelque
chose qu’on nous permettra d’appeler la modernité ; car il ne se
présente pas de meilleur mot pour exprimer l’idée en question. Il
s’agit, pour lui, de dégager de la mode ce qu’elle peut contenir de
poétique dans l’historique, de tirer l’éternel du transitoire. Si
nous jetons un coup d’oeil sur nos expositions de tableaux modernes,
nous sommes frappés de la tendance générale des artistes à habiller
tous les sujets de costumes anciens. Presque tous se servent des
modes et des meubles de la Renaissance, comme David se servait des
modes et des meubles romains. Il y a cependant cette différence, que
David, ayant choisi des sujets particulièrement grecs ou romains, ne
pouvait pas faire autrement que de les habiller à l’antique, tandis
que les peintres actuels, choisissant des sujets d’une nature
générale applicable à toutes les époques, s’obstinent à les affubler
des costumes du Moyen Age, de la Renaissance ou de l’Orient. C’est
évidemment le signe d’une grande paresse ; car il est beaucoup plus
commode de déclarer que tout est absolument laid dans l’habit d’une
époque, que de s’appliquer à en extraire la beauté mystérieuse qui y
peut être contenue, si minime ou si légère qu’elle soit. La
modernité, c’est le transitoire, le fugitif, le contingent, la moitié
de l’art, dont l’autre moitié est l’éternel et l’immuable. Il y a eu
une modernité pour chaque peintre ancien ; la plupart des beaux
portraits qui nous restent des temps antérieurs sont revêtus des
costumes de leur époque. Ils sont parfaitement harmonieux, parce que
le costume, la coiffure et même le geste, le regard et le sourire
(chaque époque a son port, son regard et son sourire) forment un tout
d’une complète vitalité. Cet élément transitoire, fugitif, dont les
métamorphoses sont si fréquentes, vous n’avez pas le droit de le
mépriser ou de vous en passer. En le supprimant, vous tombez
forcément dans le vide d’une beauté abstraite et indéfinissable,
comme celle de l’unique femme avant le premier péché. Si au costume
de l’époque, qui s’impose nécessairement, vous en substituez un
autre, vous faites un contre-sens qui ne peut avoir d’excuse que dans
le cas d’une mascarade voulue par la mode. Ainsi, les déesses, les
nymphes et les sultanes du dix-huitième siècle sont des portraits
moralement ressemblants.
Assim ele vai, corre, procura. O que procura? Certamente
esse homem, tal como o descrevi, esse solitário dotado de
uma imaginação ativa, sempre viajando através do grande
deserto de homens, tem um objetivo mais elevado do que o de
23
um simples flâneur, um objetivo mais geral, diverso do
prazer efêmero da circunstância. Ele busca esse algo, ao
qual se permitirá chamar de Modernidade; pois não me ocorre
melhor palavra para exprimir a idéia em questão. Trata-se,
para ele, de tirar da moda o que esta pode conter de
poético no histórico, extrair o eterno do transitório. Se
lançarmos um olhar a nossas exposições de quadros modernos,
ficaremos espantados com a tendência geral dos artistas de
vestirem todas as personagens com indumentária antiga.
Quase todas se servem das modas e dos móveis do
Renascimento, como David se servia das modas e dos móveis
romanos. Há, no entanto, uma diferença, pois David, tendo
escolhido temas especificamente gregos ou romanos, não
podia agir de outra forma senão vesti-los à moda antiga,
enquanto os pintores atuais, escolhendo temas de uma
natureza geral que podem aplicar a todas as épocas,
obstinam-se em fantasiá-los com trajes da Idade Média, do
Renascimento ou do Oriente. Evidentemente, é sinal de uma
grande preguiça; pois é muito mais cômodo declarar que tudo
é absolutamente feio no vestuário de uma época do que se
esforçar por extrair dele a beleza misteriosa que possa
conter, por mínima ou tênue que seja. A Modernidade é o
transitório, o efêmero, o contingente, a metade da arte1,
sendo a outra metade o eterno e o imutável. Houve uma
modernidade para cada pintor antigo; a maior parte dos
belos retratos que conhecemos das épocas passadas está
revestida dos costumes da própria época. São perfeitamente
harmoniosos; assim, a indumentária, o penteado e mesmo o
gesto, o olhar e o sorriso (cada época tem seu porte, seu
olhar e seu sorriso) formam um todo de completa vitalidade.
Esse elemento transitório, fugitivo, cujas metamorfoses são
tão frequentes, não temos o direito de desprezar ou de
prescindir. Suprimindo-os, caímos forçosamente no vazio de
uma beleza abstrata e indefinível, como aquela da mulher
única antes do primeiro pecado. Se à vestimenta da época,
que se impõe necessariamente, substituirmos uma outra,
cometemos um contra-senso só desculpável no caso de uma
máscara ditada pela moda. Assim, as deusas, as ninfas e as
sultanas do século XVIII são retratos moralmente
verossímeis.
1. Neste capítulo temos a epígrafe do livro “Metade da Arte”, de
Marcos Siscar: ...le transitoire, le fugitif, le contingent, la
moitié de l’art... (... o transitório, o fugitivo, o contingente, a
metade da arte...).
Il est sans doute excellent d’étudier les anciens maîtres pour
apprendre à peindre, mais cela ne peut être qu’un exercice superflu
si votre but est de comprendre le caractère de la beauté présente.
Les draperies de Rubens ou de Véronèse ne vous enseigneront pas à
faire de la moire antique, du satin à la reine, ou toute autre étoffe
24
de nos fabriques, soulevée, balancée par la crinoline ou les jupons
de mousseline empesée. Le tissu et le grain ne sont pas les mêmes que
dans les étoffes de l’ancienne Venise ou dans celles portées à la
cour de Catherine. Ajoutons aussi que la coupe de la jupe et du
corsage est absolument différente, que les plis sont disposés dans un
système nouveau, et enfin que le geste et le port de la femme
actuelle donnent à sa robe une vie et une physionomie qui ne sont pas
celles de la femme ancienne. En un mot, pour que toute modernité soit
digne de devenir antiquité, il faut que la beauté mystérieuse que la
vie humaine y met involontairement en ait été extraite. C’est à cette
tâche que s’applique particulièrement M. G.
Sem dúvida, é importante estudar os antigos mestres para
aprender a pintar, mas isso deve ser apenas um exercício
supérfluo, caso nosso objetivo seja compreender o caráter
da beleza atual. Os tecidos de Rubens ou de Véronèse não
nos ensinarão a fazer chamalote1, cetim à rainha ou qualquer
outro tecido de nossas fábricas, entufado, equilibrado pela
crinolina2 ou pelos saiotes de musselina engomada. O tecido
e a textura não são os mesmos que os da antiga Veneza ou os
usados na corte de Catherine. Acrescentemos também que o
corte da saia e do corpete é muito diferente, que as pregas
são dispostas de acordo com um novo sistema, que os gestos
e o porte da mulher atual dão a seu vestido uma vida e uma
fisionomia que não são as da mulher antiga. Em poucas
palavras, para que toda Modernidade seja digna de tornar-se
Antiguidade, é necessário que dela se extraia a beleza
misteriosa que a vida humana involuntariamente lhe confere.
É a essa tarefa que G. se dedica em particular.
1. “chamalote” traduz “la moire antique”: tecido em que a posição do
fio produz um efeito ondeado.
2. “Crinolina” traduz “crinoline”: tecido feito de crina.
J’ai dit que chaque époque avait son port, son regard et son geste.
C’est surtout dans une vaste galerie de portraits (celle de
Versailles, par exemple) que cette proposition devient facile à
vérifier. Mais elle peut s’étendre plus loin encore. Dans l’unité qui
s’appelle nation, les professions, les castes, les siècles
introduisent la variété, non seulement dans les gestes et les
manières, mais aussi dans la forme positive du visage. Tel nez, telle
bouche, tel front remplissent l’intervalle d’une durée que je ne
prétends pas déterminer ici, mais qui certainement peut être soumise
à un calcul. De telles considérations ne sont pas assez familières
aux portraitistes ; et le grand défaut de M. Ingres, en particulier,
est de vouloir imposer à chaque type qui pose sous son oeil un
perfectionnement plus ou moins despotique, emprunté au répertoire des
idées classiques.
Disse que cada época tinha seu porte, seu olhar e seu
gesto. É sobretudo numa vasta galeria de retratos (a de
Versalhes, por exemplo) que se torna fácil verificar essa
25
proposição. Mas ela pode estender-se mais amplamente. Na
unidade que se chama nação, as profissões, as castas e os
séculos introduzem a variedade, não somente nos gestos e
nas maneiras, mas também na forma concreta do rosto. Tal
nariz, tal boca, tal fronte correspondem ao intervalo de
uma duração que não pretendo determinar aqui, mas que
certamente pode ser submetida a um cálculo. Essas
considerações não são suficientemente familiares aos
retratistas; e o grande defeito de Ingres, em particular, é
querer impor a cada tipo que posa diante de seus olhos um
aperfeiçoamento mais ou menos compulsório colhido no
repertório das idéias clássicas.
La grande Odalisque, 1814
Jean Auguste Dominique Ingres (1780 – 1867)
En pareille matière, il serait facile et même légitime de raisonner a
priori. La corrélation perpétuelle de ce qu’on appelle l’âme avec ce
qu’on appelle le corps explique très bien comment tout ce qui est
matériel ou effluve du spirituel représente et représentera toujours
le spirituel d’où il dérive. Si un peintre patient et minutieux, mais
d’une imagination médiocre, ayant à peindre une courtisane du temps
présent, s’inspire (c’est le mot consacré) d’une courtisane de Titien
ou de Raphaël, il est infiniment probable qu’il fera une oeuvre
fausse, ambiguë et obscure. L’étude d’un chef-d’oeuvre de ce temps et
de ce genre ne lui enseignera ni l’attitude, ni le regard, ni la
grimace, ni l’aspect vital d’une de ces créatures que le dictionnaire
de la mode a successivement classées sous les titres grossiers ou
badins d’impures, de filles entretenues, de lorettes et de biches.
Em semelhante matéria, seria fácil e mesmo legítimo
raciocinar a priori. A correlação perpétua do que chamamos
alma com o que chamamos corpo explica perfeitamente como
tudo o que é material ou emanação do espiritual representa
e representará sempre o espiritual de onde provém. Se um
pintor paciente e minucioso, mas dotado de uma imaginação
medíocre, em vez de pintar uma cortesã do tempo presente,
inspira-se (essa é a expressão consagrada) em uma cortesã
de Ticiano ou de Rafael, é muito provável que fará uma obra
26
falsa, ambígua e obscura. O estudo de uma obra-prima
daquela época e daquele gênero não lhe ensinará nem a
atitude, nem o olhar, nem o trejeito, nem o aspecto vital
de uma dessas criaturas que o dicionário da moda
sucessivamente classificou, com nomes grosseiros ou
maliciosos, de impuras, mulheres sustentadas, loureiras e
mundanas1.
1. Toda essa adjetivação diz respeito a prostitutas: “impures”, é
traduzido por “impuras”; “filles entretenues”, literalmente: “jovens
sustentadas”, diz respeito a mulheres que vivem com o auxílio
financeiro de um amante; “lorettes”, é traduzido por “loureira”:
mulher provocante, sedutora, que procura agradar a todos;
finalmente, “biches”, foi traduzido por “mundana”.
Deux biches
Constantin Guys
La même critique s’applique rigoureusement à l’étude du militaire, du
dandy, de l’animal même, chien ou cheval, et de tout ce qui compose
la vie extérieure d’un siècle. Malheur à celui qui étudie dans
l’antique autre chose que l’art pur, la logique, la méthode générale
! Pour s’y trop plonger, il perd la mémoire du présent ; il abdique
la valeur et les priviléges fournis par la circonstance ; car presque
toute notre originalité vient de l’estampille que le temps imprime à
nos sensations. Le lecteur comprend d’avance que je pourrais vérifier
facilement mes assertions sur de nombreux objets autres que la femme.
Que diriez-vous, par exemple, d’un peintre de marines (je pousse
l’hypothèse à l’extrême) qui, ayant à reproduire la beauté sobre et
élégante du navire moderne, fatiguerait ses yeux à étudier les formes
surchargées, contournées, l’arrière monumental du navire ancien et
les voilures compliquées du seizième siècle ? Et que penseriez-vous
d’un artiste que vous auriez chargé de faire le portrait d’un pur-
sang, célèbre dans les solennités du turf, s’il allait confiner ses
27
contemplations dans les musées, s’il se contentait d’observer le
cheval dans les galeries du passé, dans Van Dyck, Bourguignon ou Van
der Meulen ?
A mesma crítica aplica-se rigorosamente ao estudo do
militar, do dândi ou mesmo dos animais, cão ou cavalo, e de
tudo o que compõe a vida exterior de um século. Ai daquele
que estuda, no antigo, outra coisa que não a arte pura, a
lógica e o método geral! De tanto se enfronhar nele, perde
a memória do presente; abdica do valor dos privilégios
fornecidos pela circunstância, pois quase toda nossa
originalidade vem da estampilha que o tempo imprime às
nossas sensações. O leitor compreende antecipadamente que
eu poderia comprovar facilmente minhas asserções por meio
de numerosos outros objetos além da mulher. Que diriam, por
exemplo, de um pintor de marinhas (levo a hipótese ao
extremo) que, tendo de reproduzir a beleza sóbria e
elegante do navio moderno, atormentasse seus olhos
estudando as formas sobrecarregadas, retorcidas, a popa
monumental de um navio antigo e os velames complicados do
século XVI? E o que pensariam de um artista a quem tivessem
incumbido de fazer o retrato de um puro-sangue, célebre nas
solenidades do turfe, se ele fosse confinar suas
contemplações nos museus, se se contentasse em observar o
cavalo nas galerias do passado, em Van Dyck, Bourguignon ou
Van der Meulen?
M. G., dirigé par la nature, tyrannisé par la circonstance, a suivi
une voie toute différente. Il a commencé par contempler la vie, et ne
s’est ingénié que tard à apprendre les moyens d’exprimer la vie. Il
en est résulté une originalité saisissante, dans laquelle ce qui peut
rester de barbare et d’ingénu apparaît comme une preuve nouvelle
d’obéissance à l’impression, comme une flatterie à la vérité. Pour la
plupart d’entre nous, surtout pour les gens d’affaires, aux yeux de
qui la nature n’existe pas, si ce n’est dans ses rapports d’utilité
avec leurs affaires, le fantastique réel de la vie est singulièrement
émoussé. M. G. l’absorbe sans cesse ; il en a la mémoire et les yeux
pleins.
G., guiado pela natureza, tiranizado pela circunstância,
enveredou por um caminho completamente diferente. Começou
contemplando a vida e só muito tarde se esforçou para
aprender os meios para expressá-la. Disso resultou uma
originalidade extraordinária, na qual o que pode restar de
bárbaro ou de ingênuo aparece como nova prova de obediência
à impressão, como lisonja à verdade. Para a maioria dentre
nós, sobretudo para os homens de negócios, aos olhos de
quem a natureza existe apenas em suas relações de utilidade
com seus negócios, o fantástico real da vida acha-se
singularmente embotado. G. o absorve continuamente e dele
tem a memória e os olhos repletos.
28
V
L’art mnémonique A arte mnemônica
Ce mot barbarie, qui est venu peut-être trop souvent sous ma plume,
pourrait induire quelques personnes à croire qu’il s’agit ici de
quelques dessins informes que l’imagination seule du spectateur sait
transformer en choses parfaites. Ce serait mal me comprendre. Je veux
parler d’une barbarie inévitable, synthétique, enfantine, qui reste
souvent visible dans un art parfait (mexicaine, égyptienne ou
ninivite), et qui dérive du besoin de voir les choses grandement, de
les considérer surtout dans l’effet de leur ensemble. Il n’est pas
superflu d’observer ici que beaucoup de gens ont accuse de barbarie
tous les peintres dont le regard est synthétique et abréviateur, par
exemple M. Corot, qui s’applique tout d’abord à tracer les lignes
principales d’un paysage, son ossature et sa physionomie. Ainsi, M.
G., traduisant fidèlement ses propres impressions, marque avec une
énergie instinctive les points culminants ou lumineux d’un objet (ils
peuvent être culminants ou lumineux au point de vue dramatique), ou
ses principals caractéristiques, quelquefois même avec une
exagération utile pour la mémoire humaine ; et l’imagination du
spectateur, subissant à son tour cette mnémonique si despotique, voit
avec netteté l’impression produite par les choses sur l’esprit de M.
G. Le spectateur est ici le traducteur d’une traduction toujours
claire et enivrante.
A palavra barbárie, que talvez tenha aparecido com
excessiva frequência nos meus escritos, poderia induzir
algumas pessoas a acreditar que se trata, neste caso, de
alguns desenhos informes, aos quais tão-somente a
imaginação do espectador sabe transformar em coisas
perfeitas. Seria compreender-me erroneamente. Quero falar
de uma barbárie inevitável, sintética, infantil, que muitas
vezes permanece visível numa arte perfeita (mexicana,
egípcia ou ninivita) e que resulta da necessidade de ver as
coisas de maneira ampla, e de, principalmente, considerá-
las no seu efeito de conjunto. Não é supérfluo observar
aqui que muitas pessoas acusaram de barbárie todos os
pintores cujo olhar é sintético e abreviador — Corot, por
exemplo, que se dedica, inicialmente, a traçar as linhas
principais de uma paisagem, sua ossatura e sua fisionomia.
Assim, G., traduzindo fielmente as próprias impressões,
marca com uma energia instintiva os pontos culminantes ou
luminosos de um objeto (podem ser culminantes ou luminosos,
do ponto de vista dramático), ou suas principais
características, algumas vezes inclusive com um exagero
útil para a memória humana; e a imaginação do espectador,
submetendo-se por sua vez a essa mnemônica tão despótica,
vê com nitidez a impressão produzida pelas coisas sobre o
29
espírito de G. O espectador é aqui o tradutor de uma
tradução sempre clara e inebriante.
Une matinée, la danse des nymphes
Jean-Baptiste Camille Corot (1796 – 1875)
Il est une condition qui ajoute beaucoup à la force vitale de cette
traduction légendaire de la vie extérieure. Je veux parler de la
méthode de dessiner de M. G. Il dessine de mémoire, et non d’après le
modèle, sauf dans les cas (la guerre de Crimée, par exemple) où il y
a nécessité urgente de prendre des notes immédiates, précipitées, et
d’arrêter les lignes principales d’un sujet. En fait, tous les bons
et vrais dessinateurs dessinent d’après l’image écrite dans leur
cerveau, et non d’après la nature. Si l’on nous objecte les
admirables croquis de Raphaël, de Watteau et de beaucoup d’autres,
nous dirons que ce sont là des notes, très minutieuses, il est vrai,
mais de pures notes. Quand un véritable artiste en est venu à
l’exécution définitive de son oeuvre, le modèle lui serait plutôt un
embarras qu’un secours. Il arrive même que des hommes tels que
Daumier et M. G., accoutumés dès longtemps à exercer leur mémoire et
à la remplir d’images, trouvent devant le modèle et la multiplicité
de détails qu’il comporte, leur faculté principale troublée et comme
paralysée.
Existe um elemento que acrescenta muito à força vital dessa
tradução lendária da vida exterior. Refiro-me ao método de
desenhar de G. Ele desenha de memória, e não a partir do
modelo, salvo em casos (a guerra da Criméia, por exemplo)
em que há a necessidade urgente de tomar notas imediatas,
30
rápidas, e de fixar as linhas principais de um tema. Na
verdade, todos os bons e verdadeiros desenhistas desenham a
partir da imagem inscrita no próprio cérebro, e não a
partir da natureza. Se nos fizerem objeçõe quanto aos
admiráveis croquis de Rafael, de Watteau e de muitos
outros, diremos que são notas muito minuciosas, é verdade,
mas simples notas. Quando um verdadeiro artista chega à
execução definitiva de sua obra, o modelo lhe será mais um
embaraço do que um auxílio. Há casos até em que homens como
Daumier e G., acostumados há muito a exercitar sua memória
e a povoá-la de imagens, têm as faculdades principais
perturbadas e como que paralisadas diante do modelo e da
multiplicidade de detalhes que ele comporta.
La République
Honoré-Victorin Daumier (1808 – 1879)
Il s’établit alors un duel entre la volonté de tout voir, de ne rien
oublier, et la faculté de la mémoire qui a pris l’habitude d’absorber
vivement la couleur générale et la silhouette, l’arabesque du
contour. Un artiste ayant le sentiment parfait de la forme, mais
accoutumé à exercer surtout sa mémoire et son imagination, se trouve
alors comme assailli par une émeute de détails, qui tous demandent
justice avec la furie d’une foule amoureuse d’égalité absolue. Toute
31
justice se trouve forcément violée ; toute harmonie détruite,
sacrifiée ; mainte trivialité devient énorme ; mainte petitesse,
usurpatrice. Plus l’artiste se penche avec impartialité vers le
détail, plus l’anarchie augmente. Qu’il soit myope ou presbyte, toute
hiérarchie et toute subordination disparaissent. C’est un accident
qui se présente souvent dans les oeuvres d’un de nos peintres les
plus en vogue, dont les défauts d’ailleurs sont si bien appropriés
aux défauts de la foule, qu’ils ont singulièrement servi sa
popularité. La même analogie se fait deviner dans la pratique de
l’art du comédien, art si mystérieux, si profond, tombé aujourd’hui
dans la confusion des décadences. M. Frédérick-Lemaître compose un
rôle avec l’ampleur et la largeur du génie. Si étoilé que soit son
jeu de détails lumineux, il reste toujours synthétique et sculptural.
M. Bouffé compose les siens avec une minutie de myope et de
bureaucrate. En lui tout éclate, mais rien ne se fait voir, rien ne
veut être gardé par la mémoire.
Estabelece-se assim um duelo entre a vontade de tudo ver,
de nada esquecer, e a faculdade da memória, que adquiriu o
hábito de absorver com vivacidade a cor geral e a silhueta,
o arabesco do contorno. Um artista que tem o sentimento
perfeito da forma, mas acostumado a exercitar sobretudo a
memória e a imaginação, encontra-se então como que
assaltado por uma turba de detalhes, todos reclamando
justiça com a mesma fúria de uma multidão ávida por
igualdade absoluta. Toda justiça acha-se forçosamente
violada, toda harmonia destruída e sacrificada; muitas
trivialidades assumem importância, muitos detalhes sem
importância tornam-se usurpadores. Quanto mais o artista se
curva com imparcialidade sobre o detalhe, mais aumenta a
anarquia. Que seja míope ou presbita, toda hierarquia e
toda subordinação desaparecem. É um acidente que aparece
constantemente nas obras de um de nossos pintores mais em
voga, cujos defeitos, aliás, são tão bem apropriados aos da
multidão que contribuíram singularmente para sua
popularidade. Adivinha-se a mesma analogia no exercício da
arte do ator, arte tão misteriosa, tão profunda, vítima nos
dias de hoje da confusão das decadências. Frédérick
Lemaitre desempenha um papel com a amplitude e a grandeza
do gênio. Por mais que sua criação esteja semeada de
detalhes luminosos, permanece sintética e escultural.
Bouffé compõe os seus papéis com uma minúcia de míope e de
burocrata. Nele tudo brilha, mas nada transparece, nada
quer ser guardado pela memória.
Ainsi, dans l’exécution de M. G. se montrent deux choses : l’une, une
contention de mémoire résurrectioniste, évocatrice, une mémoire qui
dit à chaque chose : « Lazare, lève-toi ! » ; l’autre, un feu, une
ivresse de crayon, de pinceau, ressemblant presque à une fureur.
C’est la peur de n’aller pas assez vite, de laisser échapper le
fantôme avant que la synthèse n’en soit extraite et saisie ; c’est
32
cette terrible peur qui possède tous les grands artistes et qui leur
fait désirer si ardemment de s’approprier tous les moyens
d’expression, pour que jamais les ordres de l’esprit ne soient
altérés par les hésitations de la main ; pour que finalement
l’exécution, l’exécution idéale, devienne aussi inconsciente, aussi
coulante que l’est la digestion pour le cerveau de l’homme bien
portant qui a dîné. M. G. commence par de légères indications au
crayon, qui ne marquent guère que la place que les objets doivent
tenir dans l’espace. Les plans principaux sont indiqués ensuite par
des teintes au lavis, des masses vaguement, légèrement colorées
d’abord, mais reprises plus tard et chargées successivement de
couleurs plus intenses. Au dernier moment, le contour des objets est
définitivement cerné par de l’encre. A moins de les avoir vus, on ne
se douterait pas des effets surprenants qu’il peut obtenir par cette
méthode si simple et presque élémentaire. Elle a cet incomparable
avantage, qu’à n’importe quel point de son progrès, chaque dessin a
l’air suffisamment fini ; vous nommerez cela une ébauche si vous
voulez, mais ébauche parfaite. Toutes les valeurs y sont en pleine
harmonie, et s’il les veut pousser plus loin, elles marcheront
toujours de front vers le perfectionnement désiré. Il prépare ainsi
vingt dessins à la fois avec une pétulance et une joie charmantes,
amusantes même pour lui ; les croquis s’empilent et se superposent
par dizaines, par centaines, par milliers. De temps à autre il les
parcourt, les feuillette, les examine, et puis il en choisit
quelques-uns dont il augmente plus ou moins l’intensité, dont il
charge les ombres et allume progressivement les lumières.
Assim, na execução de G. se evidenciam duas coisas: a
primeira, um esforço de memória ressurreicionista,
evocadora, uma memória que diz a cada coisa: “Lázaro,
levanta-te”; a outra, um fogo, uma embriaguez de lápis, de
pincel, que se assemelha quase a um furor. É o medo de não
agir com suficiente rapidez, de deixar o fantasma escapar
antes que sua síntese tenha sido extraída e captada; é o
pavor terrível que se apodera de todos os grandes artistas
e que os faz desejar tão ardentemente apropriarem-se de
todos os meios de expressão para que jamais as ordens do
espírito sejam alteradas pelas hesitações da mão; para que
finalmente a execução, a execução ideal se torne tão
inconsciente, tão fluente quanto a digestão para o cérebro
do homem sadio que acabou de jantar. G. começa por leves
indicações a lápis, que apenas indicam a posição que os
objetos devem ocupar no espaço. Os planos principais são
indicados em seguida por tons em aguada, massas de início
coloridas vagamente, levemente, porém retomadas mais tarde
e carregadas sucessivamente com cores mais intensas. No
último momento, o contorno dos objetos é definitivamente
delineado com a tinta. A menos que já os tenha visto, não
se pode imaginar os efeitos surpreendentes que G. consegue
obter com esse método tão simples e quase elementar. Tem a
incomparável vantagem de, em qualquer etapa de sua
33
progressão, cada desenho parecer suficientemente acabado;
alguém dirá que isso é um esboço, se quiser, mas um esboço
perfeito. Todos os valores se encontram em perfeita
harmonia, e se G. quiser levá-los adiante. eles se
encaminharão decididamente para o aperfeiçoamento desejado.
Ele prepara desse modo vinte desenhos ao mesmo tempo, com
uma petulância e alegria encantadoras, divertidas até mesmo
para ele - os croquis empilham-se e superpõem-se às
dezenas, às centenas, aos milhares. De vez em quando G. os
percorre, os folheia, os examina, e depois escolhe alguns,
nos quais aumenta mais ou menos a intensidade, carrega as
sombras e clareia progressivamente as zonas luminosas.
Demi-mondaines
Constantin Guys (1802-1892)
Il attache une immense importance aux fonds, qui, vigoureux ou
légers, sont toujours d’une qualité et d’une nature appropriées aux
figures. La gamme des tons et l’harmonie générale sont strictement
observées, avec un génie qui dérive plutôt de l’instinct que de
l’étude. Car M. G. possède naturellement ce talent mystérieux du
coloriste, véritable don que l’étude peut accroître, mais qu’elle
34
est, par elle-même, je crois, impuissante à créer. Pour tout dire en
un mot, notre singulier artiste exprime à la fois le geste et
l’attitude solennelle ou grotesque des êtres et leur explosion
lumineuse dans l’espace.
G. dedica uma imensa importância aos fundos que, vigorosos
ou evanescentes, sempre são de uma qualidade e de uma
natureza apropriadas às figuras. A gama de tons e a
harmonia geral são estritamente observadas, com um gênio
que provém mais do instinto que do estudo. Pois G. possui,
naturalmente, o talento misterioso do colorista, verdadeiro
dom que o estudo pode desenvolver, mas que é, por si mesmo,
creio, incapaz de criar. Para resumir em poucas palavras,
nosso singular artista exprime ao mesmo tempo o gesto e a
atitude solene ou grotesca dos seres e sua explosão
luminosa no espaço.
35
VI
Les annales de la guerre Os anais da guerra
La Bulgarie, la Turquie, la Crimée, l’Espagne ont été de grandes
fêtes pour les yeux de M. G., ou plutôt de l’artiste imaginaire que
nous sommes convenus d’appeler M. G. ; car je me souviens de temps en
temps que je me suis promis, pour mieux rassurer sa modestie, de
supposer qu’il n’existait pas. J’ai compulsé ces archives de la
guerre d’Orient (champs de bataille jonchés de débris funèbres,
charrois de matériaux, embarquements de bestiaux et de chevaux),
tableaux vivants et surprenants, décalqués sur la vie elle-même,
éléments d’un pittoresque précieux que beaucoup de peintres en renom,
placés dans les mêmes circonstances, auraient étourdiment négligés ;
cependant, de ceux-là j’excepterai volontiers M. Horace Vernet,
véritable gazetier plutôt que peintre essentiel, avec lequel M. G.,
artiste plus délicat, a des rapports visibles, si on veut ne le
considérer que comme archiviste de la vie. Je puis affirmer que nul
journal, nul récit écrit, nul livre, n’exprime aussi bien, dans tous
ses détails douloureux et dans sa sinistre ampleur, cette grande
épopée de la guerre de Crimée. L’oeil se promène tour à tour aux
bords du Danube, aux rives du Bosphore, au cap Kerson, dans la plaine
de Balaklava, dans les champs d’Inkermann, dans les campements
anglais, français, turcs et piémontais, dans les rues de
Constantinople, dans les hôpitaux et dans toutes les solennités
religieuses et militaires.
A Bulgária, a Turquia, a Crimeia e a Espanha foram grandes
festas para os olhos de G., ou melhor, para os olhos do
artista imaginário que convencionamos chamar de G.; pois me
lembro de vez em quando ter prometido a mim mesmo, para
tranquilizar sua modéstia, supor que ele não existe.
Compulsei os arquivos da guerra do Oriente (campos de
batalha juncados de restos mortais, carroças de materiais,
embarques de gado e de cavalos), quadros vivos e
surpreendentes, decalcados na própria vida, elementos de um
pitoresco precioso que muitos pintores famosos, colocados
nas mesmas circunstâncias, teriam negligenciado
imprudentemente; no entanto, destes excluirei naturalmente
Horace Vernet, verdadeiro jornalista em vez de pintor
essencial, com quem G., artista mais delicado, tem
afinidades visíveis, se quisermos considerá-lo apenas como
arquivista da vida. Posso afirmar que nenhum diário, nenhum
relato escrito, nenhum livro exprime tão bem, em todos os
seus detalhes dolorosos e em sua sinistra amplitude, a
grande epopéia da guerra da Crimeia. O olhar vagueia
sucessivamente pelas margens do Danúbio, pelas margens do
Bósforo, pelo cabo Kerson, pela planície de Balaklava,
pelos campos de Inkermann, pelos acampamentos ingleses,
36
franceses, turcos e piemonteses, pelas ruas de
Constantinopla, pelos hospitais e por todas as solenidades
religiosas e militares.
Quatre équipages
Constantin Guys
Une des compositions qui se sont le mieux gravées dans mon esprit est
la Consécration d’un terrain funèbre à Soutari par l’évêque de
Gibraltar. Le caractère pittoresque de la scène, qui consiste dans le
contraste de la nature orientale environnante avec les attitudes et
les uniformes occidentaux des assistants, est rendu d’une manière
saisissante, suggestive et grosse de rêveries. Les soldats et les
officiers ont ces airs ineffaçables de gentlemen, résolus et
discrets, qu’ils portent au bout du monde, jusque dans les garnisons
de la colonie du Cap et les établissements de l’Inde : les prêtres
anglais font vaguement songer à des huissiers ou à des agents de
change qui seraient revêtus de toques et de rabats.
Uma das composições que mais se gravaram em meu espírito é
a Consécration d’un Terrain Funèbre à Scutari par l’Évêque
de Gibraltar1. O caráter pitoresco da cena, que consiste no
contraste da natureza oriental circundante com as atitudes
e os uniformes ocidentais da assistência, é expresso de uma
maneira fascinante, sugestiva e cheia de fantasia. Os
soldados e os oficiais têm esses ares indeléveis de
gentlemen, resolutos e discretos, que os distinguem até o
fim do mundo, até nas guarnições da colônia do Cabo e nas
feitorias da Índia: os pastores ingleses lembram vagamente
meirinhos ou agentes de câmbio que tivessem vestido barrete
e cabeção2.
1. “Consécration d’un Terrain Funèbre à Scutari par l’Évêque de
37
Gibraltar”, traduzido por: “Consagração de um Cemitério em Scutari
pelo Bispo de Gibraltar”. “Scutari” é uma localidade da Turquia,
hoje incorporada a Istambul, na margem oriental do Bósforo.
2. “que tivessem vestido barrete e cabeção” traduz “qui seraient
revêtus de toques et de rabats”. O “barrete” é o pequeno chapéu
quadrangular usado por clérigos, e o “cabeção” é a gola dos
eclesiásticos, à qual se prende o colarinho.
Ici nous sommes à Schumla, chez Omer-Pàcha : hospitalité turque,
pipes et café ; tous les visiteurs sont rangés sur des divans,
ajustant à leurs lèvres des pipes, longues comme des sarbacanes, dont
le foyer repose à leurs pieds. Voici les Kurdes à Scutari, troupes
étranges dont l’aspect fait rêver à une invasion de hordes barbares ;
voice les bachi-bouzoucks, non moins singuliers avec leurs officiers
européens, hongrois ou polonais, dont la physionomie de dandies
tranche bizarrement sur le caractère baroquement oriental de leurs
soldats. Je rencontre un dessin magnifique où se dresse un seul
personnage, gros, robuste, l’air à la fois pensif, insouciant et
audacieux ; de grandes bottes lui montent au delà des genoux ; son
habit militaire est caché par un lourd et vaste paletot strictement
boutonné ; à travers la fumée de son cigare, il regarde l’horizon
sinistre et brumeux ; l’un de ses bras blessé est appuyé sur une
cravate en sautoir. Au bas, je lis ces mots griffonnés au crayon :
Canrobert on the battle field of Inkermann. Taken on the spot.
Aqui estamos em Schumla, nas propriedades de Omar Paxá:
hospitalidade turca, cachimbos e café; todos os visitantes
estão acomodados em divãs, ajustando em seus lábios
cachimbos longos como sarabatanas, cujos fornilhos repousam
a seus pés. Aqui, os Kurdes à Scutari1, tropas estranhas
cujo aspecto faz pensar em uma invasão de hordas bárbaras;
ali, soldados turcos, não menos peculiares com seus
oficiais europeus, húngaros ou poloneses, cuja fisionomia
de dândis contrasta estranhamente com o caráter
barrocamente oriental de seus soldados. Vejo um desenho
magnífico onde emerge uma única personagem, grande,
robusta, com ar ao mesmo tempo pensativo, despreocupado e
audacioso; grandes botas lhe chegam acima dos joelhos; seu
uniforme militar está escondido sob um pesado e largo
casaco completamente abotoado; através da fumaça do
charuto, ela perscruta o horizonte sinistro e brumoso; um
dos braços ferido é sustentado por uma gravata servindo de
tipóia. Embaixo, leio estas palavras rabiscadas a lápis:
Canrobert ou the battle field of lnkermann. Taken on the
spot.
1 “Kurdes à Scutari”, pode ser traduzido por “Curdos em Scutari”.
2. “Canrobet” ou “the battle field of lnkermann. Taken on the spot”.
François Certain Canrobert (1809 – 1895), marechal francês, comandou
o corpo expedicionário da Crimeia, em 1855.
38
Autoportrait à la pipe
Émile Jean-Horace Vernet (1789 – 1863)
Quel est ce cavalier, aux moustaches blanches, d’une physionomie si
vivement dessinée, qui, la tête relevée, a l’air de humer la terrible
poésie d’un champ de bataille, pendant que son cheval, flairant la
terre, cherche son chemin entre les cadavres amoncelés, pieds en
l’air, faces crispées, dans des attitudes étranges ? Au bas du
dessin, dans un coin, se font lire ces mots : Myself at Inkermann.
Quem é esse cavaleiro, de bigodes brancos, com uma
fisionomia tão intensamente desenhada, que, com a cabeça
erguida, dá a impressão de sorver a terrível poesia de um
campo de batalha, enquanto seu cavalo, farejando a terra,
procura um caminho entre os cadáveres amontoados, pernas
para o ar, faces crispadas, em estranhas atitudes? Embaixo
do desenho, num canto, pode-se ler estas palavras: Myself
at Inkermann1.
1. “Myself at Inkermann”, pode ser traduzido por “Eu mesmo em
Inkermann”. Inkermann é uma cidade da Ucrânia, na Crimeia,
periferia leste de Sebastopol, onde ocorreu a vitória franco-
inglesa sobre os russos durante a campanha da Crimeia (5 de
novembro de 1854).
J’aperçois M. Baraguay-d’Hilliers, avec le Séraskier, passant en
revue l’artillerie à Béchichtash. J’ai rarement vu un portrait
militaire plus ressemblant, buriné d’une main plus hardie et plus
spirituelle.
Entrevejo Baraguay-d’Hilliers, com o comandante-em-chefe do
exército otomano passando em revista a artilharia em
Béchichtash. Raramente vi um retrato militar mais
verossímil, burilado por mão mais arrojada e inteligente.
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Un nom, sinistrement illustre depuis les désastres de Syrie, s’offre
à ma vue : Achmet-Pacha, général en chef à Kalafat, débout devant sa
hutte avec son état-major, se fait présenter deux officiers
européens. Malgré l’ampleur de sa bedaine turque, Achmet-Pacha a,
dans l’attitude et le visage, le grand air aristocratique qui
appartient généralement aux races dominatrices. La bataille de
Balaklava se présente plusieurs fois dans ce curieux recueil, et sous
différents aspects. Parmi les plus frappants, voici l’historique
charge de cavalerie chantée par la trompette héroïque d’Alfred
Tennyson, poète de la reine : une foule de cavaliers roulent avec une
vitesse prodigieuse jusqu’à l’horizon entre les lourds nuages de
l’artillerie. Au fond, le paysage est barré par une ligne de collines
verdoyantes.
Um nome, sinistramente ilustre desde os desastres da Síria,
aparece à minha vista: Achmet-Pacha, Général en Chef à
Kalafat. Debout Devant sa Hutte, avec son État-majo, se Fait
Presenter Deux Officiers Européens1. Apesar do volume de sua
pança turca, Achmet Paxá tem, na atitude e no rosto, o
grande ar aristocrático que geralmente pertence às raças
dominadoras. A batalha de Balaklava aparece várias vezes
nessa curiosa coletânea, e em diferentes aspectos. Entre os
mais surpreendentes, eis a histórica carga da cavalaria
cantada pela trombeta heróica de Alfred Tennyson, poeta da
rainha: uma multidão de cavaleiros se precipita numa
velocidade prodigiosa em direção do horizonte, entre as
pesadas nuvens da artilharia. Ao fundo, a paisagem é cortada
por uma linha de colinas verdejantes.
1. “Achmet-Pacha, Général en Chef à Kalafat. Debout Devant sa Hutte,
avec son État-majo, se Fait Presenter Deux Officiers Européens”,
pode ser traduzido por “Achinet Paxá, General-de-exército Kalafat,
em Pé Diante de sua Tenda, com seu Estado-maior. Recebendo a
Apresentação de Dois Oficiais Europeus”.
De temps en temps, des tableaux religieux reposent l’oeil attristé
par tous ces chaos de poudre et ces turbulences meurtrières. Au
milieu de soldats anglais de différentes armes, parmi lesquels éclate
le pittoresque uniforme des Ecossais enjuponnés, un prêtre anglican
lit l’office du dimanche ; trois tambours, dont le premier est
supporté par les deux autres, lui servent de pupitre. En vérité, il
est difficile à la simple plume de traduire ce poème fait de mille
croquis, si vaste et si compliqué, et d’exprimer l’ivresse qui se
dégage de tout ce pittoresque, douloureux souvent, mais jamais
larmoyant, amassé sur quelques centaines de pages, dont les
maculatures et les déchirures disent, à leur manière, le trouble et
le tumulte au milieu desquels l’artiste y déposait ses souvenirs de
la journée. Vers le soir, le courrier emportait vers Londres les
notes et les dessins de M. G., et souvent celui-ci confiait ainsi à
la poste plus de dix croquis improvisés sur papier pelure, que les
graveurs et les abonnés du journal attendaient impatiemment.
De vez em quando, quadros religiosos repousam um olhar
40
entristecido por todo esse caos de pólvora e essas
turbulências mortíferas. No meio dos soldados ingleses de
diferentes armas, entre os quais se sobressai o pitoresco
uniforme dos escoceses de saia, um pastor anglicano lê o
ofício do domingo; três tambores, o primeiro apoiado sobre
os outros dois, lhe servem de púlpito. Na verdade, é
difícil traduzir unicamente através de palavras esse poema
composto de mil croquis, tão imenso e complexo, e exprimir
a exaltação que se desprende de todo esse pitoresco
coligido, frequentemente doloroso, mas jamais lacrimejante,
em algumas centenas de páginas, cujas máculas e ranhuras
testemunham, a seu modo, a perturbação e o tumulto em meio
a que o artista ali depositava suas lembranças do dia. À
tardinha, o correio levava para Londres as notas e desenhos
de G.; e muitas vezes este entregava ao correio mais de dez
croquis improvisados em papel pelure, aguardados
impacientemente pelos gravadores e assinantes do jornal.
“Papel pelure”, papel de trapo, extremamente fino e flexível, usado
sobretudo em transportes litográficos e copiadores de cartas.
Tantôt apparaissent des ambulances où l’atmosphère elle-même semble
malade, triste et lourde ; chaque lit y contient une douleur ; tantôt
c’est l’hôpital de Péra, où je vois, causant avec deux soeurs de
charité, longues, pâles et droites comme des figures de Lesueur, un
visiteur au costume négligé, désigné par cette bizarre légende : My
humble self. Maintenant, sur des sentiers âpres et sinueux, jonchés
de quelques débris d’un combat déjà ancien, cheminent lentement des
animaux, mulets, ânes ou chevaux, qui portent sur leurs flancs, dans
deux grossiers fauteuils, des blessés livides et inertes. Sur de
vastes neiges, des chameaux au poitrail majestueux, la tête haute,
conduits par des Tartares, traînent des provisions ou des munitions
de toute sorte : c’est tout un monde guerrier, vivant, affairé et
silencieux ; c’est des campements, des bazars où s’étalent des
échantillons de toutes les fournitures, espèces de villes barbares
improvisées pour la circonstance. A travers ces baraques, sur ces
routes pierreuses ou neigeuses, dans ces défilés, circulent des
uniformes de plusieurs nations, plus ou moins endommagés par la
guerre ou altérés par l’adjonction de grosses pelisses et de lourdes
chaussures.
Ora são retratados os hospitais ambulantes onde a própria
atmosfera parece doente, triste e pesada, onde cada leito
contém uma dor; ora é o hospital de Péra, onde vejo,
conversando com duas irmãs de caridade, altas, pálidas e
rígidas como figuras de Lesueur, um visitante vestido com
desleixo, designado por esta estranha legenda: My humble
self1. Agora em veredas ásperas e sinuosas, juncadas de
restos de um combate já antigo, seguem lentamente alguns
animais, mulas, asnos ou cavalos, que carregam em seus
flancos, em dois grosseiros assentos, feridos lívidos e
inertes. Na copiosa neve, camelos de peitoril majestoso,
41
cabeça erguida, conduzidos por tártaros, arrastam provisões
ou munições de várias espécies: é todo um universo
guerreiro, vivo, atarefado e silencioso; são acampamentos,
bazares onde se expõem amostras de todas as mercadorias,
espécies de cidades bárbaras improvisadas pela
circunstância. Através dessas barracas, nesses caminhos
pedregosos ou nevados, nesses desfiladeiros, circulam
uniformes de várias nações, mais ou menos deteriorados pela
guerra ou alterados pela adjunção de volumosas peliças e de
pesados calçados.
1. “My humble self”, pode ser traduzido por “minha humildade mesma”,
ou “minha própria humildade”.
Hôpital de Péra
Constantin Guys; em baixo, à direita, temos a inscrição “My humble
self”.
Il est malheureux que cet album, disséminé maintenant en plusieurs
lieux, et don’t les pages précieuses ont été retenues par les
graveurs chargés de les traduire ou par les rédacteurs de
l’Illustrated London News, n’ait pas passé sous les yeux de
l’Empereur. J’imagine qu’il aurait complaisamment, et non sans
attendrissement, examiné les faits et gestes de ses soldats, tous
exprimés minutieusement, au jour le jour, depuis les actions les plus
éclatantes jusqu’aux occupations les plus triviales de la vie, par
cette main de soldat artiste, si ferme et si intelligente.
É pena que este álbum, espalhado agora em vários lugares e
cujas páginas preciosas foram retidas pelos gravadores
encarregados de traduzi-las ou pelos redatores do
42
Illustrated London News, não tenha caído sob os olhos do
imperador. Imagino que ele teria examinado com complacência
e não sem certo enternecimento os feitos e os gestos de
seus soldados, todos expressos minuciosamente, dia a dia,
desde as ações mais extraordinárias até as tarefas mais
triviais da vida, por essa mão de soldado-artista, tão
firme e tão inteligente.
43
VII
Pompes et solennités Pompas e solenidades
La Turquie a fourni aussi à notre cher G. d’admirables motifs de
compositions : les fêtes du Baïram, splendeurs profondes et
ruisselantes, au fond desquelles apparaît, comme un soleil pâle,
l’ennui permanent du sultan défunt ; rangés à la gauche du souverain,
tous les officiers de l’ordre civil ; à sa droite, tous ceux de
l’ordre militaire, dont le premier est Saïd-Pacha, sultan d’Egypte,
alors présent à Constantinople ; des cortèges et des pompes
solennelles défilant vers la petite mosquée voisine du palais, et,
parmi ces foules, des fonctionnaires turcs, véritables caricatures de
décadence, écrasant leurs magnifiques chevaux sous le poids d’une
obésité fantastique ; les Lourdes voitures massives, espèces de
carrosses à la Louis XIV, dorés et agrémentés par le caprice
oriental, d’où jaillissent quelquefois des regards curieusement
féminins, dans le strict intervalle que laissent aux yeux les bandes
de mousseline collées sur le visage ; les danses frénétiques des
baladins du troisième sexe (jamais l’expression bouffonne de Balzac
ne fut plus applicable que dans le cas présent, car, sous la
palpitation de ces lueurs tremblantes, sous l’agitation de ces amples
vêtements, sous cet ardent maquillage des joues, des yeux et des
sourcils, dans ces gestes hystériques et convulsifs, dans ces longues
chevelures flottant sur les reins, il vous serait difficile, pour ne
pas dire impossible, de deviner la virilité) ; enfin, les femmes
galantes (si toutefois l’on peut prononcer le mot de galanterie à
propos de l’Orient), généralement composées de Hongroises, de
Valaques, de Juives, de Polonaises, de Grecques et d’Arméniennes ;
car, sous un gouvernement despotique, ce sont les races opprimées,
et, parmi elles, celles surtout qui ont le plus à souffrir, qui
fournissent le plus de sujets à la prostitution. De ces femmes, les
unes ont conservé le costume national, les vestes brodées, à manches
courtes, l’écharpe tombante, les vastes pantalons, les babouches
retroussées, les mousselines rayées ou lamées et tout le clinquant du
pays natal ; les autres, et ce sont les plus nombreuses, ont adopté
le signe principal de la civilisation, qui, pour une femme, est
invariablement la crinoline, en gardant toutefois, dans un coin de
leur ajustement, un léger souvenir caractéristique de l’Orient, si
bien qu’elles ont l’air de Parisiennes qui auraient voulu se
déguiser.
A Turquia forneceu igualmente a nosso caro G. admiráveis
motivos de composições: as festas do Baïram, esplendores
profundos e cintilantes, ao fundo das quais aparece, como
um sol pálido, o tédio permanente do sultão defunto:
alinhados à esquerda do soberano, todos os oficiais da
ordem civil; à sua direita, todos os da ordem militar, o
primeiro deles Said Paxá, sultão do Egito, então em
44
Constantinopla; cortejos e pompas solenes desfilam em
direção à pequena mesquita próxima do palácio, e, no meio
dessas massas, funcionários turcos, verdadeiras caricaturas
de decadência, esmagando seus magníficos cavalos sob o peso
de uma obesidade fantástica; as pesadas viaturas compactas,
espécies de carruagens à Luís XIV, douradas e adornadas
pelo capricho oriental, das quais surgem, às vezes, olhares
curiosamente femininos, no estrito intervalo que as faixas
de musselina grudadas no rosto deixam aos olhos; as danças
frenéticas dos bailarinos do terceiro sexo (jamais a
expressão burlesca de Balzac foi mais aplicável do que no
caso presente, pois, sob a palpitação daquelas refulgências
tremulantes, sob a agitação daquelas amplas roupas, sob
aquela ardente maquiagem das faces, olhos e sobrancelhas,
naqueles gestos histéricos e convulsivos, naquelas longas
cabeleiras esvoaçando sobre os rins, seria difícil, para
não dizer impossível, adivinhar a virilidade); e,
finalmente, as mulheres galantes (se contudo podemos
pronunciar a palavra galanteria em relação ao Oriente),
geralmente compostas de húngaras, valáquias, judias,
polonesas, gregas e armênias, já que, num governo
despótico, são as raças oprimidas, e entre estas sobretudo
as fadadas ao maior sofrimento, que fornecem mais
contingentes à prostituição. Algumas dessas mulheres
conservaram os trajes nacionais, os jalecos de mangas
curtas bordados, as echarpes sinuosas, as calças largas, as
babuchas dobradas, as musselinas listradas ou lameladas, e
todo o ouripel do país natal; as outras, e são as mais
numerosas, adotaram o signo mais peculiar da civilização,
que para a mulher invariavelmente é a crinolina,
conservando, no entanto, numa parte do traje, uma leve
recordação característica do Oriente, o que faz com que
dêem a impressão de parisienses que se tivessem fantasiado.
Bazar de la volupté
Constantin Guys
45
M. G. excelle à peindre le faste des scènes officielles, les pompes
et les solennités nationales, non pas froidement, didactiquement,
comme les peintres qui ne voient dans ces ouvrages que des corvées
lucratives, mais avec toute l’ardeur d’un homme épris d’espace, de
perspective, de lumière faisant nappe ou explosion, et s’accrochant
en gouttes ou en étincelles aux aspérités des uniformes et des
toilettes de cour. La fête commémorative de l’indépendance dans la
cathédrale d’Athènes fournit un curieux exemple de ce talent. Tous
ces petits personnages, dont chacun est si bien à sa place, rendent
plus profond l’espace qui les contient. La cathédrale est immense et
décorée de tentures solennelles. Le roi Othon et la reine, debout sur
une estrade, sont revêtus du costume traditionnel, qu’ils portent
avec une aisance merveilleuse, comme pour témoigner de la sincérité
de leur adoption et du patriotisme hellénique le plus raffiné. La
taille du roi est sanglée comme celle du plus coquet palikare, et sa
jupe s’évase avec toute l’exagération du dandysme national. En face
d’eux s’avance le patriarche, vieillard aux épaules voûtées, à la
grande barbe blanche, dont les petits yeux sont protégés par des
lunettes vertes, et portant dans tout son être les signes d’un flegme
oriental consommé. Tous les personnages qui peuplent cette
composition sont des portraits, et l’un des plus curieux, par la
bizarrerie de sa physionomie aussi peu hellénique que possible, est
celui d’une dame allemande, placée à côté de la reine et attachée à
son service.
G. pinta admiravelmente o fausto das cenas oficiais, das
pompas e solenidades nacionais, não de modo frio e
didático, como os pintores que vêem nessas obras apenas
fardos lucrativos, mas com todo o ardor de um homem
apaixonado pelo espaço, pela perspectiva, pela luz que
envolve ou explode e se fixa em gotas ou em centelhas nas
asperezas dos uniformes e dos trajes de corte. La Fête
Commémorative de l’Indépendance dans la Cathédrale
d’Athènes1 oferece um curioso exemplo desse talento. Todas
essas pequenas personagens, cada qual no seu devido lugar,
tornam mais profundo o espaço que as contém. A catedral é
imensa e decorada com tapeçarias solenes. O rei Oto e a
rainha, em pé sobre um estrado, vestem o costume
tradicional, que trajam com uma naturalidade maravilhosa,
como para dar testemunho da sinceridade de sua adoção e do
mais refinado patriotismo helênico. A cintura do rei está
cingida como a do mais garrido combatente, e sua saia
alarga-se com todo o exagero do dandismo nacional. Diante
deles, caminha o patriarca, um ancião de costas curvadas,
grande barba branca, cujos pequenos olhos são protegidos
por óculos verdes, que traz em todo o seu ser os sinais de
uma consumada fleuma2 oriental. Todas as personagens que
povoam essa composição são retratos, e um dos mais
curiosos, pela estranheza de sua fisionomia tão pouco
helênica quanto possível, é o de uma dama alemã, postada ao
lado da rainha e fazendo parte de seu serviço.
46
1. “La Fête Commémorative de l’Indépendance dans la Cathédrale
d’Athènes”, pode ser traduzido por “A Festa Comemorativa da
Independência na Catedral de Atenas”.
2. “Fleuma” traduz “flegme”: frieza de ânimo, falta de interesse. A
fleuma faz parte do “humor”, cada um de quatro tipos de matéria
líquida ou semilíquida que existiam no organismo humano, de acordo
com a antiga medicina, e que, no indivíduo sadio, se encontrariam em
equilíbrio e lhe caracterizariam o temperamento. A ruptura de tal
equilíbrio determinaria o aparecimento de doenças. Eram eles: o
sangue, a fleuma, a bílis amarela e a bílis negra.
Dans les collections de M. G., on rencontre souvent l’Empereur des
Français, dont il a su réduire la figure, sans nuire à la
ressemblance, à un croquis infaillible, et qu’il exécute avec la
certitude d’un paraphe. Tantôt l’Empereur passe des revues, lancé au
galop de son cheval et accompagné d’officiers dont les traits sont
facilement reconnaissables, ou de princes étrangers, européens,
asiatiques ou africains, à qui il fait, pour ainsi dire, les honneurs
de Paris. Quelquefois il est immobile sur un cheval dont les pieds
sont aussi assurés que les quatre pieds d’une table, ayant à sa
gauche l’Impératrice en costume d’amazone, et, à sa droite, le petit
Prince impérial, chargé d’un bonnet à poils et se tenant
militairement sur un petit cheval hérissé comme les poneys que les
artistes anglais lancent volontiers dans leurs paysages ; quelquefois
disparaissant au milieu d’un tourbillon de lumière et de poussière
dans les allées du bois de Boulogne ; d’autres fois se promenant
lentement à travers les acclamations du faubourg Saint-Antoine. Une
surtout de ces aquarelles m’a ébloui par son caractère magique. Sur
le bord d’une loge d’une richesse lourde et princière, l’Impératrice
apparaît dans une attitude tranquille et reposée ; l’Empereur se
penche légèrement comme pour mieux voir le théâtre ; audessous, deux
cent-gardes, debout dans une immobilité militaire et presque
hiératique, reçoivent sur leur brillant uniforme les éclaboussures de
la rampe. Derrière la bande de feu, dans l’atmosphère idéale de la
scène, les comédiens chantent, déclament, gesticulent harmonieusement
; de l’autre côté s’étend un abîme de lumière vague, un espace
circulaire encombré de figures humaines à tous les étages : c’est le
lustre et le public.
Nas coleções de G. encontra-se frequentemente o imperador
dos franceses, cuja figura ele soube reduzir, sem prejuízo
da verossimilhança, a um croqui infalível, executado com a
segurança de uma rubrica. Ora o imperador passa tropas em
revista, galopando e acompanhado por oficiais cujos traços
são facilmente reconhecíveis, ou por príncipes
estrangeiros, europeus, asiáticos ou africanos, a quem
presta, por assim dizer, as honras de Paris. Outras vezes
nós o vemos imóvel, montado num cavalo cujos pés são tão
firmes quanto os quatro pés de uma mesa, tendo à sua
esquerda a imperatriz em trajes de amazonas e, à sua
direita, o pequeno príncipe imperial, usando um barrete de
47
pele e mantendo-se com porte militar sobre um cavalinho
eriçado como os pôneis que os artistas ingleses costumam
colocar em suas paisagens; algumas vezes sumindo nas
alamedas do Bois de Boulogne num turbilhão de luz e de
poeira; outras vezes, caminhando lentamente sob as
aclamações do faubourg Saint-Antoine. Uma dessas aquarelas
me fascinou particularmente por seu caráter feérico. Na
extremidade de um camarote de uma riqueza pesada e
principesca, a imperatriz aparece numa atitude tranquila e
repousada; o imperador curva-se ligeiramente, como que para
melhor apreciar o teatro; embaixo, dois soldados da guarda
imperial, em pé, numa imobilidade militar e quase
hierática, recebem sobre os brilhantes uniformes os
reflexos da ribalta. Atrás da faixa de luz, na atmosfera
ideal do palco, os atores cantam, declamam, gesticulam
harmoniosamente; do outro lado estende-se um abismo de luz
vaga, um espaço circular cheio de figuras humanas em todos
os andares: é o esplendor e o público.
Napoléon III passant en revue un régiment de cuirassiers
Constantin Guys
Les mouvements populaires, les clubs et les solennités de 1848
avaient également fourni à M. G. une série de compositions
pittoresques dont la plupart ont été gravées pour l’Illustrated
London News. Il y a quelques années, après un séjour en Espagne, très
fructueux pour son génie, il composa aussi un album de même nature,
dont je n’ai vu que des lambeaux. L’insouciance avec laquelle il
donne ou prête ses dessins l’expose souvent à des pertes
irréparables.
Os movimentos populares, os clubes e as solenidades de 1848
forneceram igualmente a G. uma série de composições
48
pitorescas, a maior parte delas gravada pelo Ilustrated
London News. Há alguns anos, depois de uma estada na
Espanha, muito profícua para seu talento, G. compôs também
um álbum do mesmo gênero, do qual vi apenas alguns
fragmentos. A displicência com a qual ele dá ou empresta
seus desenhos muitas vezes o expõe a perdas irreparáveis.
O jornal “Ilustrated London News”
49
VIII
Le militaire O militar
Pour définir une fois de plus le genre de sujets préférés par
l’artiste, nous dirons que c’est la pompe de la vie, telle qu’elle
s’offre dans les capitales du monde civilisé, la pompe de la vie
militaire, de la vie élégante, de la vie galante. Notre observateur
est toujours exact à son poste, partout où coulent les désirs
profonds et impétueux, les Orénoques du coeur humain, la guerre,
l’amour, le jeu ; partout où s’agitent les fêtes et les fictions qui
représentent ces grands éléments de bonheur et d’infortune. Mais il
montre une prédilection très marquée pour le militaire, pour le
soldat, et je crois que cette affection dérive non seulement des
vertus et des qualités qui passent forcément de l’âme du guerrier
dans son attitude et sur son visage, mais aussi de la parure voyante
dont sa profession le revêt. M. Paul de Molènes a écrit quelques
pages aussi charmantes que sensées, sur la coquetterie militaire et
sur le sens moral de ces costumes étincelants dont tous les
gouvernements se plaisent à habiller leurs troupes. M. G. signerait
volontiers ces lignes-là.
Para definir uma vez mais o gênero de temas preferido pelo
artista, afirmaremos que é a pompa da vida, tal como ela se
oferece nas capitais do mundo civilizado, a pompa da vida
militar, da vida elegante, da vida galante. Nosso
observador está sempre, infalivelmente, a postos em toda a
parte onde fluem os desejos profundos e impetuosos, os
Orinocos do coração humano1, a guerra, o amor e o jogo; em
toda parte onde se agitam as festas e as ficções que
representam esses grandes elementos da felicidade e do
infortúnio. Mas ele mostra uma predileção muito acentuada
pelo militar, pelo soldado, e acredito que essa propensão
se deve não somente às virtudes e qualidades que passam
forçosamente da alma do guerreiro para sua atitude e seu
rosto, como também ao paramento vistoso com que sua
profissão o reveste. Paul de Molènes escreveu algumas
páginas tão encantadoras quanto sensatas sobre a coqueteria
militar e sobre o sentido moral da indumentária cintilante
com que todos os governos se comprazem em vestir suas
tropas. G. assinaria de bom grado essas linhas.
1. “os Orinocos do coração humano” traduz “les Orénoques du coeur
humain”. Orinoco é um rio da Venezuela.
Nous avons parlé déjà de l’idiotisme de beauté particulier à chaque
époque, et nous avons observé que chaque siècle avait, pour ainsi
dire, sa grâce personnelle. La même remarque peut s’appliquer aux
professions ; chacune tire sa beauté extérieure des lois morales
auxquelles elle est soumise. Dans les unes, cette beauté sera marquée
50
d’énergie, et, dans les autres, elle portera les signes visibles de
l’oisiveté. C’est comme l’emblème du caractère, c’est l’estampille de
la fatalité. Le militaire, pris en général, a sa beauté, comme le
dandy et la femme galante ont la leur, d’un goût essentiellement
différent. On trouvera naturel que je néglige les professions où un
exercice exclusif et violent déforme les muscles et marque le visage
de servitude. Accoutumé aux surprises, le militaire est difficilement
étonné. Le signe particulier de la beauté sera donc, ici, une
insouciance martiale, un mélange singulier de placidité et d’audace ;
c’est une beauté qui dérive de la nécessité d’être prêt à mourir à
chaque minute. Mais le visage du militaire idéal devra être marqué
d’une grande simplicité ; car, vivant en commun comme les moines et
les écoliers, accoutumés à se décharger des soucis journaliers de la
vie sur une paternité abstraite, les soldats sont, en beaucoup de
choses, aussi simples que les enfants ; et, comme les enfants, le
devoir étant accompli, ils sont faciles à amuser et portés aux
divertissements violents. Je ne crois pas exagérer en affirmant que
toutes ces considérations morales jaillissent naturellement des
croquis et des aquarelles de M. G. Aucun type militaire n’y manque,
et tous sont saisis avec une espèce de joie enthousiaste : le vieil
officier d’infanterie, sérieux et triste, affligeant son cheval de
son obésité ; le joli officier d’état-major, pincé dans sa taille, se
dandinant des épaules, se penchant sans timidité sur le fauteuil des
dames, et qui, vu de dos, fait penser aux insectes les plus sveltes
et les plus élégants ; le zouave et le tirailleur, qui portent dans
leur allure un caractère excessif d’audace et d’indépendance, et
comme un sentiment plus vif de responsabilité personnelle ; la
désinvolture agile et gaie de la cavalerie légère ; la physionomie
vaguement professorale et académique des corps spéciaux, comme
l’artillerie et le génie, souvent confirmée par l’appareil peu
guerrier des lunettes : aucun de ces modèles, aucune de ces nuances
ne sont négligés, et tous sont résumés, définis avec le même amour et
le même esprit.
Já falamos do idiotismo1 da beleza particular de cada época
e observamos que cada século possuía, por assim dizer, sua
graça particular. Pode-se aplicar a mesma observação às
profissões; cada qual extrai sua beleza exterior das leis
morais às quais é submetida. Em algumas, essa beleza será
marcada pela energia; em outras, trará os sinais visíveis
do ócio. É como o emblema do caráter, é a estampilha da
fatalidade. O militar, considerado em sua generalidade, tem
sua beleza, como o dândi e a mulher galante a têm, de gosto
essencialmente diferente. Alguns acharão natural que eu
negligencie as profissões em que um exercício exclusivo e
violento deforme os músculos e marque o rosto com um sinal
de servidão. Acostumado às surpresas, o militar raramente
se surpreende. Então, nesse caso, o sinal particular da
beleza será uma despreocupação marcial, mescla singular de
placidez e de audácia; é uma beleza que decorre da
necessidade de estar pronto para morrer a cada minuto. Mas
51
o semblante do militar ideal deverá trazer a marca de uma
grande simplicidade; pois, vivendo em comunidade como os
monges e os estudantes, habituados a se descarregarem das
preocupações quotidianas da vida a respeito de uma
paternidade abstrata, os soldados são, em muitos aspectos,
tão ingênuos como as crianças; e, como elas, estando o
dever cumprido, divertem-se com facilidade e preferem as
diversões violentas. Acredito não estar exagerando ao
afirmar que todas essas considerações morais brotam
naturalmente dos croquis e das aquarelas de G. Deles nenhum
tipo militar está ausente e todos foram captados com uma
espécie de alegria entusiasta: o velho oficial de
infantaria, sério e triste, mortificando o cavalo com sua
obesidade; o belo oficial de Estado-maior, uniforme
cintado, remexendo os ombros, curvando-se sem timidez sobre
a poltrona das senhoras, e que, visto de costas, evoca os
insetos mais esbeltos e elegantes; o zuavo2 e o atirador,
que manifestam em seu porte um excessivo caráter de audácia
e de independência, e como que um sentimento mais vivo de
responsabilidade pessoal; a desenvoltura ágil e alegre da
cavalaria ligeira; a fisionomia vagamente professoral e
acadêmica dos corpos especiais, como a artilharia e a
engenharia, frequentemente confirmada pelo aparato pouco
guerreiro dos óculos: nenhum desses modelos, nenhum desses
matizes é negligenciado, e todos são sintetizados,
definidos com o mesmo amor e o mesmo espírito.
1. “idiotismo” traduz “idiotisme”: forma linguística prórpia de uma
língua que não possui correspondente sintático em outra língua,
idiomatismo – o infinitivo flexionado é um idiotismo do português; o
apresentativo “c’est” é um idiotismo do francês. Baudelaire usa o
termo para referir-se à moda.
2. “zuavo” traduz “zouave”: soldado de infantaria argelino, outrora
a serviço da França.
J’ai actuellement sous les yeux une de ces compositions d’une
physionomie générale vraiment héroïque, qui représente une tête de
colonne d’infanterie ; peut-être ces hommes reviennent-ils d’Italie
et font-ils une halte sur les boulevards devant l’enthousiasme de la
multitude ; peut-être viennent-ils d’accomplir une longue étape sur
les routes de la Lombardie ; je ne sais. Ce qui est visible,
pleinement intelligible, c’est le caractère ferme, audacieux, même
dans sa tranquillité, de tous ces visages hâlés par le soleil, la
pluie et le vent.
Tenho neste momento diante dos olhos uma dessas composições
de aspecto geral verdadeiramente heróico, que representa a
frente de uma coluna de infantaria; talvez esses homens
estejam acabando de voltar da Itália e tenham feito uma
parada nos bulevares face ao entusiasmo da multidão; talvez
acabem de realizar uma longa marcha pelas estradas da
52
Lombardia; não sei. O que é visível, plenamente
inteligível, é o caráter firme, audacioso, mesmo em sua
tranquilidade, de todos esses rostos crestados pelo sol,
pela chuva e pelo vento.
Deux grisettes et deux soldats
Constantin Guys
Voilà bien l’uniformité d’expression créée par l’obéissance et les
douleurs supportées en commun, l’air résigné du courage éprouvé par
les longues fatigues. Les pantalons retroussés et emprisonnés dans
les guêtres, les capotes flétries par la poussière, vaguement
décolorées, tout l’équipement enfin a pris lui-même l’indestructible
physionomie des êtres qui reviennent de loin et qui ont couru
d’étranges aventures. On dirait que tous ces hommes sont plus
solidement appuyés sur leurs reins, plus carrément installés sur
leurs pieds, plus d’aplomb que ne peuvent l’être les autres hommes.
Si Charlet, qui fut toujours à la recherche de ce genre de beauté et
qui l’a si souvent trouvé, avait vu ce dessin, il en eût
singulièrement frappé.
Eis a uniformidade de expressão gerada pela obediência e
pelas dores suportadas em comum, o ar resignado da coragem
testada pelas longas fadigas. As calças arregaçadas e
presas nas polainas, os capotes manchados de poeira,
53
vagamente desbotados, todo o equipamento, enfim, assumiu
ele próprio a indestrutível fisionomia dos seres que vêm de
longe e viveram estranhas aventuras. É possível dizer que
todos esses homens estão mais solidamente apoiados sobre os
rins, mais firmemente instalados sobre os pés, manifestando
mais firmeza do que os outros homens são capazes. Se
Charlet — que sempre buscou esse tipo de beleza e que
tantas vezes o encontrou — tivesse visto esse desenho,
teria ficado singularmente impressionado.
Troupes françaises rendant les honneurs au carrosse du Pape
Constantin Guys
54
IX
Le dandy O dândi
L’homme riche, oisif, et qui, même blasé, n’a pas d’autre occupation
que de courir à la piste du bonheur ; l’homme élevé dans le luxe et
accoutumé dès sa jeunesse à l’obéissance des autres hommes, celui
enfin qui n’a pas d’autre profession que l’élégance, jouira toujours,
dans tous les temps, d’une physionomie distincte, tout à fait à part.
Le dandysme est une institution vague, aussi bizarre que le duel ;
très ancienne, puisque César, Catilina, Alcibiade nous en fournissent
des types éclatants ; très générale, puisque Chateaubriand l’a
trouvée dans le forêts et au bord des lacs du Nouveau-Monde. Le
dandysme, qui est une institution en dehors des lois, a des lois
rigoureuses auxquelles sont strictement soumis tous ses sujets,
quelles que soient d’ailleurs la fougue et l’indépendance de leur
caractère. Les romanciers anglais ont, plus que les autres, cultivé
le roman de high life, et les Français qui, comme M. de Custine, ont
voulu spécialement écrire des romans d’amour, ont d’abord pris soin,
et très judicieusement, de doter leurs personnages de fortunes assez
vastes pour payer sans hésitation toutes leurs fantaisies ; ensuite
ils les ont dispensés de toute profession. Ces êtres n’ont pas
d’autre état que de cultiver l’idée du beau dans leur personne, de
satisfaire leurs passions, de sentir et de penser. Ils possèdent
ainsi, à leur gré et dans une vaste mesure, le temps et l’argent,
sans lesquels la fantaisie, réduite à l’état de rêverie passagère, ne
peut guère se traduire en action. Il est malheureusement bien vrai
que, sans le loisir et l’argent, l’amour ne peut être qu’une orgie de
roturier ou l’accomplissement d’un devoir conjugal. Au lieu du
caprice brûlant ou rêveur, il devient une répugnante utilité.
O homem rico, ocioso e que, mesmo entediado, não tem outra
ocupação senão correr ao encalço da felicidade; o homem
criado no luxo e acostumado a ser obedecido desde a
juventude; aquele, enfim, cuja única profissão é a
elegância sempre exibirá, em todos os tempos, uma
fisionomia distinta, completamente à parte. O dandismo é
uma instituição vaga tão estranha quanto o próprio duelo;
muito antiga, já que César, Catilina e Alcebíades nos deram
alguns modelos brilhantes; generalizada, já que
Chateaubriand a encontrou nas florestas e à beira dos lagos
do Novo Mundo. O dandismo, instituição à margem das leis,
tem leis rigorosas a que são estritamente submetidos todos
os seus adeptos, quaisquer que forem, aliás, a audácia e a
independência de seu caráter. Os romancistas ingleses, mais
do que outros, cultivaram o romance de high life1, e os
franceses que, como Custine, quiseram escrever
especialmente romances de amor, tiveram o cuidado, de
início e muito judiciosamente, de dotar suas personagens de
55
fortunas bastante consideráveis, para que pudessem pagar
sem hesitação todas as suas fantasias, em seguida
dispersaram-nas de qualquer profissão. Esses seres não têm
outra ocupação senão cultivar a idéia do belo em suas
próprias pessoas, satisfazer suas paixões, sentir e pensar.
Possuem, a seu bel-prazer e em larga medida, tempo e
dinheiro, sem os quais a fantasia, reduzida ao estado de
devaneio passageiro, dificilmente pode ser traduzida em
ação. Infelizmente, é bem verdade que, sem tempo e
dinheiro, o amor não pode ser mais do que uma orgia de
plebeu ou o cumprimento de um dever conjugal. Em vez da
fantasia ardente ou sonhadora, torna-se uma repugnante
utilidade.
1. “high life”: vida sofisticada, mas supérflua. A “high life” seria
a vida social de um “socialite”, de um dândi, por exemplo.
Dandys et amazones
Constantin Guys
Si je parle de l’amour à propos du dandysme, c’est que l’amour est
l’occupation naturelle des oisifs. Mais le dandy ne vise pas à
l’amour comme but spécial. Si j’ai parlé d’argent, c’est parce que
l’argent est indispensable aux gens qui se font un culte de leurs
passions ; mais le dandy n’aspire pas à l’argent comme à une chose
essentielle ; un crédit indéfini pourrait lui suffire ; il abandonne
cette grossière passion aux mortels vulgaires. Le dandysme n’est même
pas, comme beaucoup de personnes peu réfléchies paraissent le croire,
un goût immodéré de la toilette et de l’élégance matérielle. Ces
choses ne sont pour le parfait dandy qu’un symbole de la supériorité
aristocratique de son esprit. Aussi, à ses yeux, épris avant tout de
56
distinction, la perfection de la toilette consiste-t-elle dans la
simplicité absolue, qui est en effet la meilleure manière de se
distinguer. Qu’est-ce donc que cette passion qui, devenue doctrine, a
fait des adeptes dominateurs, cette institution non écrite qui a
formé une caste si hautaine ? C’est avant tout le besoin ardent de se
faire une originalité, contenu dans les limites extérieures des
convenances. C’est une espèce de culte de soi-même, qui peut survivre
à la recherche du bonheur à trouver dans autrui, dans la femme, par
exemple ; qui peut survivre même à tout ce qu’on appelle les
illusions. C’est le plaisir d’étonner et la satisfaction orgueilleuse
de ne jamais être étonné. Un dandy peut être un homme blasé, peut
être un homme souffrant ; mais, dans ce dernier cas, il sourira comme
le Lacédémonien sous la morsure du renard.
Se falo de amor a propósito do dandismo, é porque o amor é
a ocupação natural dos ociosos. Mas o dândi não visa o amor
como um fim em si. Se falo do dinheiro, é porque o dinheiro
é indispensável aos que cultuam as próprias paixões; mas o
dândi não aspira ao dinheiro como a uma coisa essencial; um
crédito ilimitado poderia lhe bastar - ele deixa essa
grosseira paixão aos mortais vulgares. O dandismo não é
sequer, como parecem acreditar muitas pessoas pouco
sensatas, um amor desmesurado pela indumentária e pela
elegância material1. Para o perfeito dândi, essas coisas são
apenas um símbolo da superioridade aristocrática de seu
espírito. Por isso, a seus olhos ávidos antes de tudo por
distinção, a perfeição da indumentária consiste na
simplicidade absoluta, o que é, efetivamente, a melhor
maneira de se distinguir. Que é, pois, essa paixão que,
transformada em doutrina, conquistou adeptos dominadores,
essa instituição sem leis escritas, que formou uma casta
tão altiva? É antes de tudo a necessidade ardente de
alcançar uma originalidade dentro dos limites exteriores
das conveniências. É uma espécie de culto de si mesmo, que
pode sobreviver à busca da felicidade a ser encontrada em
outrem, na mulher, por exemplo, que pode sobreviver,
inclusive, a tudo a que chamamos ilusões. É o prazer de
provocar admiração e a satisfação orgulhosa de jamais ficar
admirado. Um dândi pode ser um homem entediado, pode ser um
homem que sofre; mas, neste último caso, ele sorrirá como o
Lacedemônio mordido pela raposa.
1. “un goût immodéré de la toilette et de l’élégance matérielle” é
traduzido por: “um amor desmesurado pela indumentária [roupas] e
pela elegância material”, ou seja: a ostentação.
On voit que, par de certains côtés, le dandysme confine au
spiritualisme et au stoïcisme. Mais un dandy ne peut jamais être un
homme vulgaire. S’il commettait un crime, il ne serait pas déchu
peut-être ; mais si ce crime naissait d’une source triviale, le
déshonneur serait irréparable. Que le lecteur ne se scandalise pas de
cette gravité dans le frivole, et qu’il se souvienne qu’il y a une
57
grandeur dans toutes les folies, une force dans tous les excès.
Etrange spiritualisme ! Pour ceux qui en sont à la fois les prêtres
et les victimes, toutes les conditions matérielles compliquées
auxquelles ils se soumettent, depuis la toilette irréprochable à
toute heure du jour et de la nuit jusqu’aux tours les plus périlleux
du sport, ne sont qu’une gymnastique propre à fortifier la volonté et
à discipliner l’âme. En vérité, je n’avais pas tout à fait tort de
considérer le dandysme comme une espèce de religion. La règle
monastique la plus rigoureuse, l’ordre irrésistible du Vieux de la
Montagne, qui commandait le suicide à ses disciples enivrés,
n’étaient pas plus despotiques ni plus obéis que cette doctrine de
l’élégance et de l’originalité, qui impose, elle aussi, à ses
ambitieux et humbles sectaires, hommes souvent pleins de fougue, de
passion, de courage, d’énergie contenue, la terrible formule :
Perinde ac cadaver !
Vê-se que, sob certos aspectos, o dandismo assemelha-se ao
espiritualismo e ao estoicismo. Mas um dândi nunca pode ser
um homem vulgar1. Se cometesse um crime, talvez não se
degradasse; mas, se esse crime tivesse uma causa trivial, a
desonra seria irreparável2. Que o leitor não se escandalize
com essa gravidade no frívolo, que se lembre que há uma
grandeza em todas as loucuras, uma força em todos os
excessos. Estranho espiritualismo! Para os que são ao mesmo
tempo seus sacerdotes e suas vítimas, todas as condições
materiais complexas a que se submetem, desde o traje
impecável a qualquer hora do dia e da noite até as proezas
mais perigosas do esporte, não passam de uma ginástica apta
a fortificar a vontade e a disciplinar a alma. Na verdade,
eu não estava totalmente errado ao considerar o dandismo
como uma espécie de religião. A regra monástica mais
rigorosa, a ordem irresistível do Vieux de la Montagne3, que
recomendava o suicídio a seus discípulos inebriados, não
eram mais despóticas nem mais obedecidas do que essa
doutrina da elegância e da originalidade, que impõe
igualmente a seus ambiciosos e humildes seguidores — homens
muitas vezes cheios de ardor, de paixão, de coragem e de
energia contida — a fórmula terrível: Perinde ac cadaver4!
1. “vulgar”, no sentido de “comum”.
2. “O retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde (1854-1900), tem nas
personagens Lord Henry Wotton e Dorian Gray, exemplos de dandismo.
3. “Vieux de la Montagne” (Velho da Montanha), é o nome dado pelos
cruzados e pelas histórias ocidentais, aos chefes das seitas xiitas
ismailitas dos “Assassinos” – “Assassinos”, aqui é a designação dada
aos membros da referida seita, na época das Cruzadas (séc. XII), que
inebriavam-se com o cânhamo antes de atacar e matar líderes sunitas
e cristãos.
4. “Perinde ac cadaver”, em latim, “Como um cadáver”: expressão
usada por Inácio de Loiola nas Constituições com as quais prescreve
58
aos Jesuítas a disciplina e obediência aos superiores.
Que ces hommes se fassent nommer raffinés, incroyables, beaux, lions
ou dandies, tous sont issus d’une même origine ; tous participent du
même caractère d’opposition et de révolte ; tous sont des
représentants de ce qu’il y a de meilleur dans l’orgueil humain, de
ce besoin, trop rare chez ceux d’aujourd’hui, de combattre et de
détruire la trivialité. De là naît, chez les dandies, cette attitude
hautaine de caste provoquante, même dans sa froideur. Le dandysme
apparaît surtout aux époques transitoires où la démocratie n’est pas
encore toute-puissante, où l’aristocratie n’est que partiellement
chancelante et avilie. Dans le trouble de ces époques quelques hommes
déclassés, dégoûtés, désoeuvrés, mais tous riches de force native,
peuvent concevoir le projet de fonder une espèce nouvelle
d’aristocratie, d’autant plus difficile à rompre qu’elle sera basée
sur les facultés les plus précieuses, les plus indestructibles, et
sur les dons célestes que le travail et l’argent ne peuvent conférer.
Le dandysme est le dernier éclat d’héroïsme dans les décadences ; et
le type du dandy retrouvé par le voyageur dans l’Amérique du Nord
n’infirme en aucune façon cette idée : car rien n’empêche de supposer
que les tribus que nous nommons sauvages soient les débris de grandes
civilisations disparues. Le dandysme est un soleil couchant ; comme
l’astre qui décline, il est superbe, sans chaleur et plein de
mélancolie. Mais, hélas ! la marée montante de la démocratie, qui
envahit tout et qui nivelle tout, noie jour à jour ces derniers
représentants de l’orgueil humain et verse des flots d’oubli sur les
traces de ces prodigieux mirmidons. Les dandies se font chez nous de
plus en plus rares, tandis que chez nos voisins, en Angleterre,
l’état social et la constitution (la vraie constitution, celle qui
s’exprime par les moeurs) laisseront longtemps encore une place aux
héritiers de Sheridan, de Brummel et de Byron, si toutefois il s’en
présente qui en soient dignes.
Mesmo que esses homens sejam chamados indiferentemente de
refinados, incríveis, belos, leões ou dândis, todos
procedem de uma mesma origem; todos participam do mesmo
caráter de oposição e de revolta; todos são representantes
do que há de melhor no orgulho humano, dessa necessidade,
muito rara nos homens de nosso tempo, de combater e
destruir a trivialidade. Disso resulta, nos dândis, a
atitude altiva de casta, provocante inclusive em sua
frieza. O dandismo aparece sobretudo nas épocas de
transição em que a democracia não se tornou ainda todo-
poderosa, em que a aristocracia está apenas parcialmente
claudicante e vilipendiada. Na confusão dessas épocas,
alguns homens sem vínculos de classe, desiludidos,
desocupados, mas todos ricos em força interior, podem
conceber o projeto de fundar uma nova espécie de
aristocracia, tanto mais difícil de destruir pois que
baseada nas faculdades mais preciosas, mais indestrutíveis,
e nos dons celestes que nem o trabalho nem o dinheiro podem
59
conferir. O dandismo é o último rasgo de heroísmo nas
decadências; e o tipo de dândi encontrado pelo viajante na
América do Norte não invalida de forma alguma esta idéia:
pois nada impede de se supor que as tribos a que chamamos
de selvagens sejam os resquícios de grandes civilizações
desaparecidas. O dandismo é um sol poente; como o astro que
declina, é magnífico, sem calor e cheio de melancolia. Mas,
infelizmente, a maré montante da democracia, que invade
tudo e que tudo nivela, afoga dia a dia esses últimos
representantes do orgulho humano e despeja vagas de
esquecimento sobre os vestígios desses prodigiosos
mirmidões. Os dândis tornam-se, em nosso meio [na França]
cada vez mais raros, enquanto entre nossos vizinhos, na
Inglaterra, o estado social e a constituição (a verdadeira
constituição, a que se exprime pelos costumes) deixarão por
muito tempo ainda um lugar aos herdeiros de Sheridan, de
Brummel e de Byron, se por acaso surgirem alguns que sejam
dignos deles.
La présentation du visiteur
Constantin Guys
Ce qui a pu paraître au lecteur une digression n’en est pas une, en
vérité. Les considérations et les rêveries morales qui surgissent des
dessins d’un artiste sont, dans beaucoup de cas, la meilleure
traduction que le critique en puisse faire ; les suggestions font
partie d’une idée mère, et, en les montrant successivement, on peut
la faire deviner. Ai-je besoin de dire que M. G., quand il crayonne
un de ses dandies sur le papier, lui donne toujours son caractère
historique, légendaire même, oserais-je dire, s’il n’était pas
60
question du temps présent et de choses considérées généralement comme
folâtres ? C’est bien là cette légèreté d’allures, cette certitude de
manières, cette simplicité dans l’air de domination, cette façon de
porter un habit et de diriger un cheval, ces attitudes toujours
calmes mais révélant la force, qui nous font penser, quand notre
regard découvre un de ces êtres privilégiés en qui le joli et le
redoutable se confondent si mystérieusement : « Voilà peut-être un
homme riche, mais plus certainement un Hercule sans emploi. »
O que pode parecer ao leitor uma digressão, na verdade não
chega a sê-lo. As considerações e os devaneios morais que
sugerem os desenhos de um artista são, em muitos casos, a
melhor tradução que o crítico possa fazer deles; as
sugestões fazem parte de uma idéia-mãe, e, mostrando-as
sucessivamente, pode-se levá-la a emergir. Será preciso
dizer que G., quando desenha um de seus dândis, dá-lhe
sempre seu caráter histórico, até mesmo lendário, ousaria
dizer, se não se tratasse da época presente e de coisas
consideradas geralmente como levianas? É justamente essa
leveza de atitudes, essa segurança nas maneiras, essa
simplicidade no ar de dominação, esse modo de vestir uma
casaca e de conduzir um cavalo, essas atitudes sempre
calmas, mas revelando força, que nos fazem pensar, quando
nosso olhar descobre um desses seres privilegiados em quem
o belo e o temível se confundem tão misteriosamente: “Aqui
talvez esteja um homem rico, mas, com maior probabilidade,
um Hércules sem emprego”.
Le caractère de beauté du dandy consiste surtout dans l’air froid qui
vient de l’inébranlable résolution de ne pas être ému ; on dirait un
feu latent qui se fait deviner, qui pourrait mais qui ne veut pas
rayonner. C’est ce qui est, dans ces images, parfaitement exprimé.
O tipo da beleza do dândi consiste sobretudo no ar frio que
vem da inabalável resolução de não se emocionar, é como um
fogo latente que se deixa adivinhar, que poderia — mas não
quer — se propagar. E é isso o que essas imagens expressam
com perfeição.
61
X
La femme A mulher
L’être qui est, pour la plupart des hommes, la source des plus vives,
et même, disons-le à la honte des voluptés philosophiques, des plus
durables jouissances ; l’être vers qui ou au profit de qui tendent
tous leurs efforts ; cet être terrible et incommunicable comme Dieu
(avec cette différence que l’infini ne se communique pas parce qu’il
aveuglerait et écraserait le fini, tandis que l’être dont nous
parlons n’est peut-être incomprehensible que parce qu’il n’a rien à
communiquer), cet être en qui Joseph de Maistre voyait un bel animal
dont les grâces égayaient et rendaient plus facile le jeu sérieux de
la politique ; pour qui et par qui se font et défont les fortunes ;
pour qui, mais surtout par qui les artistes et les poètes composent
leurs plus délicats bijoux ; de qui dérivent les plaisirs les plus
énervants et les douleurs les plus fécondantes, la femme, en un mot,
n’est pas seulement pour l’artiste en général, et pour M. G. en
particulier, la femelle de l’homme. C’est plutôt une divinité, un
astre, qui préside à toutes les conceptions du cerveau mâle ; c’est
un miroitement de toutes les grâces de la nature condensées dans un
seul être ; c’est l’objet de l’admiration et de la curiosité la plus
vive que le tableau de la vie puisse offrir au contemplateur. C’est
une espèce d’idole, stupide peut-être, mais éblouissante,
enchanteresse, qui tient les destinées et les volontés suspendues à
ses regards. Ce n’est pas, dis-je, un animal dont les membres,
correctement assemblés, fournissent un parfait exemple d’harmonie ;
ce n’est même pas le type de beauté pure, tel que peut le rêver le
sculpteur dans ses plus sévères méditations ; non, ce ne serait pas
encore suffisant pour en expliquer le mystérieux et complexe
enchantement. Nous n’avons que faire ici de Winckelman et de Raphaël
; et je suis bien sûr que M. G., malgré toute l’étendue de son
intelligence (cela soit dit sans lui faire injure), négligerait un
morceau de la statuaire antique, s’il lui fallait ainsi perdre
l’occasion de savourer un portrait de Reynolds ou de Lawrence. Tout
ce qui orne la femme, tout ce qui sert à illustrer sa beauté, fait
partie d’elle-même ; et les artistes qui se sont particulièrement
appliqués à l’étude de cet être énigmatique raffolent autant de tout
le mundus muliebris que de la femme elle-même. La femme est sans
doute une lumière, un regard, une invitation au bonheur, une parole
quelquefois ; mais elle est surtout une harmonie générale, non
seulement dans son allure et le mouvement des ses membres, mais aussi
dans les mousselines, les gazes, les vastes et chatoyantes nuées
d’étoffes dont elle s’enveloppe, et qui sont comme les attributs et
le piédestal de sa divinité ; dans le métal et le minéral qui
serpentent autour de ses bras et de son cou, qui ajoutent leurs
étincelles au feu de ses regards, ou qui jasent doucement à ses
oreilles. Quel poète oserait, dans la peinture du plaisir causé par
62
l’apparition d’une beauté, séparer la femme de son costume ? Quel est
l’homme qui, dans la rue, au théâtre, au bois, n’a pas joui, de la
manière la plus désintéressée, d’une toilette savamment composée, et
n’en a pas emporté une image inséparable de la beauté de celle à qui
elle appartenait, faisant ainsi des deux, de la femme et de la robe,
une totalité indivisible ? C’est ici le lieu, ce me semble, de
revenir sur certaines questions relatives à la mode et à la parure,
que je n’ai fait qu’effleurer au commencement de cette étude, et de
venger l’art de la toilette des ineptes calomnies dont l’accablent
certains amants très équivoques de la nature.
O ser que é, para a maioria dos homens, a fonte das mais
vivas e mesmo — admitamo-lo para a vergonha das volúpias
filosóficas — dos mais duradouros prazeres; o ser para o
qual, ou em benefício do qual, tendem todos os seus
esforços; esse ser terrível e incomunicável como Deus (com
a diferença de que o infinito não se comunica porque
cegaria ou esmagaria o finito, enquanto o ser de que
falamos só é incompreensível por nada ter a comunicar,
talvez); esse ser em quem Joseph de Maistre via um belo
animal cujos encantos alegravam e tornavam mais fácil o
jogo sério da política, para quem e por meio de quem se
fazem e se desfazem as fortunas, para quem, mas sobretudo
devido a quem os artistas e os poetas compõem suas jóias
mais delicadas; de quem derivam os prazeres mais excitantes
e as dores mais fecundantes; a mulher, numa palavra, não é
somente para o artista em geral, e para G. em particular, a
fêmea do homem. É antes uma divindade, um astro que preside
todas as concepções do cérebro masculino, é uma
reverberação de todos os encantos da natureza condensados
num único ser; é o objeto da admiração e da curiosidade
mais viva que o quadro da vida possa oferecer ao
contemplador. É uma espécie de ídolo, estúpido talvez, mas
deslumbrante, enfeitiçador, que mantém os destinos e as
vontades suspensas a seus olhares. Não é, digo eu, um
animal cujos membros, corretamente reunidos, fornecem um
perfeito exemplo de harmonia; não é sequer o tipo de beleza
pura, tal como pode sonhá-lo o escultor nas suas mais
severas meditações; não, isso não seria ainda suficiente
para explicar seu misterioso e complexo fascínio.
Winckelmann e Rafael não nos são de nenhuma utilidade aqui;
e estou persuadido que G., apesar de toda a extensão de sua
inteligência (que se diga isto sem ofendê-lo), desprezaria
uma obra da estatuária antiga se tivesse que perder por
isso a ocasião de saborear um retrato de Reynolds ou de
Lawrence. Tudo que adorna a mulher, tudo que serve para
realçar sua beleza, faz parte dela própria; e os artistas
que se dedicaram particularmente ao estudo desse ser
enigmático adoram finalmente todo o mundus muliebris1 quanto
a própria mulher. A mulher é, sem dúvida, uma luz, um
olhar, um convite à felicidade, às vezes uma palavra; mas
63
ela é sobretudo uma harmonia geral, não somente no seu
porte e no movimento de seus membros, mas também nas
musselinas, nas gazes, nas amplas e reverberantes nuvens de
tecidos com que se envolve, que são como que os atributos e
o pedestal de sua divindade; no metal e no mineral que lhe
serpenteiam os braços e o pescoço, que acrescentam suas
centelhas ao fogo de seus olhares ou tilintam delicadamente
em suas orelhas. Que poeta ousaria, na pintura do prazer
causado pela aparição de uma beldade, separar a mulher de
sua indumentária? Que homem, na rua, no teatro, no bosque,
não fruiu, da maneira mais desinteressada possível, de um
vestuário inteligentemente composto e não conservou dele
uma imagem inseparável da beleza daquela a quem pertencia,
fazendo assim de ambos, da mulher e do traje, um todo
indivisível? Parece-me que esta é a ocasião de retomar
certas questões relativas à moda e aos adereços, que apenas
indiquei no começo deste estudo, e de vingar a arte do
vestir das calúnias ineptas com que a atormentam certos
amantes muito equivocados da natureza.
1. “mundus muliebris”, em latim: “o universo feminino”
Dame du haut monde
Constantin Guys (1802-1892)
64
XI
Eloge du maquillage Elogio da maquiagem
Il est une chanson, tellement triviale et inepte qu’on ne peut guère
la citer dans un travail qui a quelques prétentions au sérieux, mais
qui traduit fort bien, en style de vaudevilliste, l’esthétique des
gens qui ne pensent pas. La nature embellit la beauté ! Il est
présumable que le poète, s’il avait pu parler en français, aurait dit
: La simplicité embellit la beauté ! ce qui équivaut à cette vérité,
d’un genre tout à fait inattendu : Le rien embellit ce qui est.
Há uma canção, tão trivial e inepta que não se deveria
citá-la num trabalho com algumas pretensões de seriedade,
mas que traduz muito bem, em estilo de opereta, a estética
das pessoas que não pensam. A natureza embeleza a beleza! É
presumível que, se o poeta pudesse falar em francês, teria
dito: A simplicidade embeleza a beleza!, o que equivale a
esta verdade, de um gênero completamente inesperado: O nada
embeleza aquilo que é.
Petite bonne
Constantin Guys
La plupart des erreurs relatives au beau naissent de la fausse
conception du dix-huitième siècle relative à la morale. La nature fut
prise dans ce temps-là comme base, source et type de tout bien et de
tout beau possibles. La négation du péché originel ne fut pas pour
peu de chose dans l’aveuglement général de cette époque. Si toutefois
65
nous consentons à en référer simplement au fait visible ; à
l’expérience de tous les âges et à la Gazette des Tribunaux, nous
verrons que la nature n’enseigne rien, ou presque rien, c’est-à-dire
qu’elle contraint l’homme à dormir, à boire, à manger, et à se
garantir, tant bien que mal, contre les hostilités de l’atmosphère.
C’est elle aussi qui pousse l’homme à tuer son semblable, à le
manger, à le séquestrer, à le torturer ; car, sitôt que nous sortons
de l’ordre des nécessités et des besoins pour entrer dans celui du
luxe et des plaisirs, nous voyons que la nature ne peut conseiller
que le crime. C’est cette infaillible nature qui a créé le parricide
et l’anthropophagie, et mille autres abominations que la pudeur et la
délicatesse nous empêchent de nommer. C’est la philosophie (je parle
de la bonne), c’est la religion qui nous ordonne de nourrir des
parents pauvres et infirmes. La nature (qui n’est pas autre chose que
la voix de notre intérêt) nous commande de les assommer. Passez en
revue, analysez tout ce qui est naturel, toutes les actions et les
désirs du pur homme naturel, vous ne trouverez rien que d’affreux.
Tout ce qui est beau et noble est le résultat de la raison et du
calcul. Le crime, dont l’animal humain a puisé le goût dans le ventre
de sa mère, est originellement naturel. La vertu, au contraire, est
artificielle, surnaturelle, puisqu’il a fallu, dans tous les temps et
chez toutes les nations, des dieux et des prophètes pour l’enseigner
à l’humanité animalisée, et que l’homme, seul, eût été impuissant à
la découvrir. Le mal se fait sans effort, naturellement, par fatalité
; le bien est toujours le produit d’un art. Tout ce que je dis de la
nature comme mauvaise conseillère en matière de morale, et de la
raison comme véritable rédemptrice et réformatrice, peut être
transporté dans l’ordre du beau. Je suis ainsi conduit à regarder la
parure comme un des signes de la noblesse primitive de l’âme humaine.
Les races que notre civilisation, confuse et pervertie, traite
volontiers de sauvages, avec un orgueil et une fatuité tout à fait
risibles, comprennent, aussi bien que l’enfant, la haute spiritualité
de la toilette. Le sauvage et le baby témoignent, par leur aspiration
naïve vers le brillant, vers les plumages bariolés, les étoffes
chatoyantes, vers la majesté superlative des formes artificielles, de
leur dégoût pour le réel, et prouvent ainsi, à leur insu,
l’immatérialité de leur âme. Malheur à celui qui, comme Louis XV (qui
fut non le produit d’une vraie civilisation, mais d’une récurrence de
barbarie) pousse la dépravation jusqu’à ne plus goûter que la simple
nature !
A maior parte dos erros relativos ao belo nasce da falsa
concepção do século XVIII relativa à moral. Naquele tempo a
natureza foi tomada como base, fonte e modelo de todo o bem
e de todo o belo possíveis. A negação do pecado original
contribuiu em boa parte para a cegueira geral daquela
época. Se todavia consentirmos em fazer referência
simplesmente ao fato visível, à experiência de todas as
épocas e à Gazette des Tribunaux1, veremos que a natureza
não ensina nada, ou quase nada, pode-se dizer que ela
obriga o homem a dormir, a beber, a comer e a defender-se,
66
bem ou mal, contra as hostilidades da atmosfera. É ela,
igualmente, quem leva o homem a matar seu semelhante, a
devorá-lo, a sequestrá-lo e a torturá-lo; pois mal saímos
da ordem das necessidades e das obrigações para entrarmos
na do luxo e dos prazeres, vemos que a natureza só pode
incentivar apenas o crime. É a infalível natureza quem
criou o parricídio e a antropofagia, e mil outras
abominações que o pudor e a delicadeza nos impedem de
nomear. É a filosofia (refiro-me à boa), é a religião que
nos ordena alimentar nossos pais pobres e enfermos. A
natureza (que é apenas a voz de nosso interesse) manda
abatê-los. Passemos em revista, analisemos tudo o que é
natural, todas as ações e desejos do puro homem natural,
nada encontraremos senão horror. Tudo quanto é belo e nobre
é o resultado da razão e do cálculo. O crime, cujo gosto o
animal humano hauriu no ventre na mãe, é originalmente
natural. A virtude, ao contrário, é artificial,
sobrenatural, já que foram necessários, em todas as épocas
e em todas as nações, deuses e profetas para ensiná-la à
humanidade animalizada, e que o homem, por si só, teria
sido incapaz de descobrir. O mal é praticado sem esforço,
naturalmente, por fatalidade; o bem é sempre o produto de
uma arte. Tudo quanto digo da natureza como má conselheira
em matéria de moral, e da razão como verdadeira redentora e
reformadora, se pode transpor para a ordem do belo. Assim,
sou levado a considerar os adereços como um dos sinais da
nobreza primitiva da alma humana. As raças que nossa
civilização, confusa e pervertida, trata com naturalidade
de selvagens, com um orgulho e uma enfatuação absolutamente
risíveis, compreendem, tanto quanto a criança, a alta
espiritualidade da indumentária. O selvagem e o baby
provam, por sua aspiração ingênua em relação a tudo o que é
brilhante, às plumagens multicores, aos tecidos
cintilantes, à majestade superlativa das formas
artificiais, sua aversão pelo real, e testemunham, dessa
forma, à sua revelia, a imaterialidade de sua alma. Ai
daquele que, como Luís XV (que foi não o produto de uma
verdadeira civilização, mas de uma recorrência de
barbárie), leva a depravação ao ponto de apreciar apenas a
simples natureza!2
1. Gazette des Tribunaux, 1775 – 1789, é um jornal que apresentava
as notícias dos tribunais, as notícias de causas, memórias e pleitos
interessantes.
2. Sabe-se que a sra. Dubarry, quando queria evitar receber o rei,
tinha o cuidado de passar ruge. Era um sinal suficiente. Ela fechava
assim a sua porta: era embelezando-se que evitava o real discípulo
da natureza.
La mode doit donc être considérée comme un symptôme du goût de
67
l’idéal surnageant dans le cerveau humain au-dessus de tout ce que la
vie naturelle y accumule de grossier, de terrestre et d’immonde,
comme une déformation sublime de la nature, ou plutôt comme un essai
permanent et successif de réformation de la nature. Aussi a-t-on
sensément fait observer (sans en découvrir la raison) que toutes les
modes sont charmantes, c’est-à-dire relativement charmantes, chacune
étant un effort nouveau, plus ou moins heureux, vers le beau, une
approximation quelconque d’un idéal dont le désir titille sans cesse
l’esprit humain non satisfait. Mais les modes ne doivent pas être, si
l’on veut bien les goûter, considérées comme choses mortes ; autant
vaudrait admirer les défroques suspendues, lâches et inertes comme la
peau de saint Barthélemy, dans l’armoire d’un fripier. Il faut se les
figurer vitalisées, vivifiées par les belles femmes qui les
portèrent. Seulement ainsi on en comprendra le sens et l’esprit. Si
donc l’aphorisme : Toutes les modes sont charmantes, vous choque
comme trop absolu, dites, et vous serez sûr de ne pas vous tromper :
Toutes furent légitimement charmantes.
A moda deve ser considerada, pois, como um sintoma do gosto
pelo ideal que flutua no cérebro humano acima de tudo o que
a vida natural nele acumula de grosseiro, terrestre e
imundo, como uma deformação sublime da natureza, ou melhor,
como uma tentativa permanente e sucessiva de correção da
natureza. Assim, observou-se judiciosamente (sem se
descobrir a razão) que todas as modas são encantadoras, ou
seja, relativamente encantadoras, cada uma sendo um esforço
novo, mais ou menos bem-sucedido, em direção ao belo, uma
aproximação qualquer a um ideal cujo desejo lisonjeia
incessantemente o espírito humano insatisfeito. Mas, para
serem verdadeiramente apreciadas, as modas não devem ser
consideradas como coisas mortas; seria o mesmo que admirar
os trapos pendurados, frouxos e inertes como a pele de São
Bartolomeu, no armário de um vendedor de roupas usadas. É
preciso imaginá-los vitalizados, vivificados pelas belas
mulheres que os vestiram. Somente assim compreenderemos seu
sentido e espírito. Se, por conseguinte, o aforismo: Todas
as modas são encantadoras, o escandaliza como
excessivamente absoluto, diga e estará certo de não se
enganar: todas foram legitimamente encantadoras.
La femme est bien dans son droit, et même elle accomplit une espèce
de devoir en s’appliquant à paraître magique et surnaturelle ; il
faut qu’elle étonne, qu’elle charme ; idole, elle doit se dorer pour
être adorée. Elle doit donc emprunter à tous les arts les moyens de
s’élever au-dessus de la nature pour mieux subjuguer les coeurs et
frapper les esprits. Il importe fort peu que la ruse et l’artifice
soient connus de tous, si le succès en est certain et l’effet
toujours irrésistible. C’est dans ces considérations que l’artiste
philosophe trouvera facilement la légitimation de toutes les
pratiques employées dans tous les temps par les femmes pour
consolider et diviniser, pour ainsi dire, leur fragile beauté.
68
L’énumération en serait innombrable ; mais, pour nous restreindre à
ce que notre temps appelle vulgairement maquillage, qui ne voit que
l’usage de la poudre de riz, si niaisement anathématisé par les
philosophes candides, a pour but et pour résultat de faire
disparaître du teint toutes les taches que la nature y a
outrageusement semées, et de créer une unité abstraite dans le grain
et la couleur de la peau, laquelle unité, comme celle produite par le
maillot, rapproche immédiatement l’être humain de la statue, c’est-à-
dire d’un être divin et supérieur ? Quant au noir artificiel qui
cerne l’oeil et au rouge qui marque la partie supérieure de la joue,
bien que l’usage en soit tiré du même principe, du besoin de
surpasser la nature, le résultat est fait pour satisfaire à un besoin
tout opposé. Le rouge et le noir représentent la vie, une vie
surnaturelle et excessive ; ce cadre noir rend le regard plus profond
et plus singulier, donne à l’oeil une apparence plus décidée de
fenêtre ouverte sur l’infini ; le rouge, qui enflamme la pommette,
augmente encore la clarté de la prunelle et ajoute à un beau visage
féminin la passion mystérieuse de la prêtresse.
A mulher está perfeitamente nos seus direitos e cumpre até
uma espécie de dever esforçando-se em parecer mágica e
sobrenatural; é preciso que desperte admiração e que
fascine; ídolo, deve dourar-se para ser adorada. Deve,
pois, colher em todas as artes os meios para elevar-se
acima da natureza para melhor subjugar os corações e
surpreender os espíritos. Pouco importa que a astúcia e o
artifício sejam conhecidos de todos, se o sucesso está
assegurado e o efeito é sempre irresistível. O artista-
filósofo encontrará facilmente nessas considerações a
legitimação de todas as práticas empregadas em todos os
tempos pelas mulheres para consolidarem e divinizarem, por
assim dizer, sua frágil beleza. O catálogo dessas práticas
seria inumerável; mas, para nos limitarmos àquilo que nossa
época chama vulgarmente de maquiagem, quem não vê que o uso
do pó-de-arroz, tão tolamente anatematizado pelos filósofos
cândidos, tem por objetivo e por resultado fazer
desaparecer da tez todas as manchas que a natureza nela
injuriosamente semeou e criar uma unidade abstrata na
textura e na cor da pele, unidade que, como a produzida
pela malha, aproxima imediatamente o ser humano da estátua,
isto é, de um ser divino e superior? Quanto ao preto
artificial que circunda o olho e ao vermelho que marca a
parte superior da face, embora o uso provenha do mêsmo
princípio, da necessidade de suplantar a natureza, o
resultado deve satisfazer a uma necessidade completamente
oposta. O vermelho e o preto representam a vida, uma vida
sobrenatural e excessiva; essa moldura negra torna o olhar
mais profundo e singular, dá aos olhos uma aparência mais
decidida de janela aberta para o infinito; o vermelho, que
inflama as maçãs do rosto, aumenta ainda a claridade da
pupila e acrescenta a um belo rosto feminino a paixão
69
misteriosa da sacerdotisa.
Femmes espagnoles à leur balcon
Constantin Guys
Ainsi, si je suis bien compris, la peinture du visage ne doit pas
être employées dans le but vulgaire, inavouable, d’imiter la belle
nature, et de rivaliser avec la jeunesse. On a d’ailleurs observé que
l’artifice n’embellissait pas la laideur et ne pouvait servir que la
beauté. Qui oserait assigner à l’art la fonction stérile d’imiter la
nature ? Le maquillage n’a pas à se cacher, à éviter de se laisser
deviner ; il peut, au contraire, s’étaler, sinon avec affectation, au
moins avec une espèce de candeur.
Assim, se sou bem compreendido, a pintura do rosto não deve
ser usada com a intenção vulgar, inconfessável, de imitar a
bela natureza e de rivalizar com a juventude. Aliás,
observou-se que o artifício não embelezava a feiúra e só
podia servir a beleza. Quem se atreveria a atribuir à arte
a função estéril de imitar a natureza? A maquiagem não tem
por que se dissimular nem por que evitar entrever-se; pode,
ao contrário, exibir-se, se não com afetação, ao menos com
uma espécie de candura.
Je permets volontiers à ceux-là que leur lourde gravité empêche de
chercher le beau jusque dans ses plus minutieuses manifestations, de
rire de mes réflexions et d’en accuser la puérile solennité ; leur
70
jugement austère n’a rien qui me touche ; je me contenterai d’en
appeler auprès des véritables artistes, ainsi que des femmes qui ont
reçu en naissant une étincelle de ce feu sacré dont elles voudraient
s’illuminer tout entières.
Aqueles a quem uma pesada gravidade impede buscar o belo
mesmo em suas mais minuciosas manifestações, autorizo de
boa vontade a rirem de minhas reflexões e a assinalarem
nelas a pueril solenidade; nada em seus julgamentos
austeros me afeta; contento-me em remeter-me aos
verdadeiros artistas, assim como às mulheres que receberam
ao nascer uma centelha desse jogo sagrado com que gostariam
de iluminar-se por inteiro.
71
XII
Les femmes et les filles As mulheres e as cortesãs
Ainsi M. G., s’étant imposé la tâche de chercher et d’expliquer la
beauté dans la modernité, représente volontiers des femmes très
parées et embellies par toutes les pompes artificielles, à quelque
ordre de la société qu’elles appartiennent. D’ailleurs, dans la
collection de ses oeuvres comme dans le fourmillement de la vie
humaine, les différences de caste et de race, sous quelque appareil
de luxe que les sujets se présentent, sautent immédiatement à l’oeil
du spectateur.
Assim G., tendo-se imposto a tarefa de buscar e explicar a
beleza na Modernidade, se apraz em representar as mulheres
muito enfeitadas e embelezadas por todas as pompas
artificiais, seja qual for o meio a que pertençam. Aliás,
na coleção de suas obras, como no fervilhamento da vida
humana, as diferenças de casta e de raça, sob qualquer
aparato de luxo com que as pessoas se apresentem, saltam
imediatamente aos olhos do espectador.
La loge de l'opéra
Constantin Guys
Tantôt, frappées par la clarté diffuse d’une salle de spectacle,
72
recevant et renvoyant la lumière avec leurs yeux, avec leurs bijoux,
avec leurs épaules, apparaissent, resplendissantes comme des
portraits, dans la loge qui leur sert de cadre, des jeunes filles du
meilleur monde. Les unes, graves et sérieuses, les autres, blondes et
évaporées. Les unes étalent avec une insouciance aristocratique une
gorge précoce, les autres montrent avec candeur une poitrine
garçonnière. Elles ont l’éventail aux dents, l’oeil vague ou fixe ;
elles sont théâtrales et solennelles comme le drame ou l’opéra
qu’elles font semblant d’écouter.
Ora aparecem jovens da mais seleta sociedade, iluminadas
pela claridade difusa de uma sala de espetáculo, recebendo
e refletindo a luz com seus olhos, jóias, espáduas,
resplandecentes como retratos no camarote que lhes serve de
moldura. Umas, graves e sérias; outras, louras e vaporosas.
Umas exibem com aristocrática displicência um colo precoce;
outras exibem com candura um busto de rapaz. Mordiscam o
leque, o olhar vago ou fixo, são teatrais e solenes como o
drama ou a ópera que fingem escutar.
Tantôt, nous voyons se promener nonchalamment dans les allées des
jardins publics, d’élégantes familles, les femmes se traînant avec un
air tranquille au bras de leurs maris, dont l’air solide et satisfait
révèle une fortune faite et le contentement de soi-même. Ici
l’apparence cossue remplace la distinction sublime. De petites filles
maigrelettes, avec d’amples jupons, et ressemblant par leurs gestes
et leur tournure à de petites femmes, sautent à la corde, jouent au
cerceau ou se rendent des visites en plein air, répétant ainsi la
comédie donnée par leurs parents.
Ora vemos elegantes famílias passeando indolentemente nas
alamedas dos jardins públicos, as mulheres, com um ar
tranquilo, caminhando lentamente, braços dados com os
maridos, cujo aspecto sólido e satisfeito revela uma
fortuna realizada e o contentamento de si. Aqui a aparência
opulenta substitui a distinção sublime. Meninas magrelas,
com saias rodadas, parecendo mulherzinhas graças aos gestos
e atitudes, pulam corda, brincam com arcos ou se visitam ao
ar livre, repetindo assim a comédia dada em casa pelos
pais.
Emergeant d’un monde inférieur, fières d’apparaître enfin au soleil
de la rampe, des filles de petits théâtres, minces, fragiles,
adolescentes encore, secouent sur leurs forms virginales et maladives
des travestissements absurdes, qui ne sont d’aucun temps et qui font
leur joie.
Emergindo de um mundo inferior, orgulhosas de aparecerem,
enfim, sob as luzes da ribalta, as jovens dos pequenos
teatros, delgadas, frágeis, ainda adolescentes, agitam suas
formas virginais e doentias fantasias absurdas, que não são
de época alguma e que as enchem de contentamento.
73
A la porte d’un café, s’appuyant aux vitres illuminées par devant et
par derrière, s’étale un de ces imbéciles, dont l’élégance est faite
par son tailleur et la tête par son coiffeur. A côté de lui, les
pieds soutenus par l’indispensable tabouret, est assise sa maîtresse,
grande drôlesse à qui il ne manque presque rien (ce presque rien,
c’est presque tout, c’est la distinction) pour ressembler à une
grande dame. Comme son joli compagnon, elle a tout l’orifice de sa
petite bouche occupé par un cigare disproportionné. Ces deux êtres ne
pensent pas. Est-il bien sûr même qu’ils regardent ? à moins que,
Narcisses de l’imbécillité ; ils ne contemplent la foule comme un
fleuve qui leur rend leur image. En réalité ils existent bien plutôt
pour le plaisir de l’observateur que pour leur plaisir propre.
À porta de um café, apoiando-se nos vidros iluminados por
todos os lados, exibe-se um desses imbecis, cuja elegância
é feita pelo alfaiate e a cabeça, pelo barbeiro. A seu
lado, com os pés apoiados sobre o indispensável tamborete,
está sentada sua amante, mulher bastante leviana, a quem
não falta quase nada (esse quase nada é quase tudo, é a
distinção) para parecer uma grande dama. Como seu belo
companheiro, ela tem todo o orifício da pequena boca
ocupado por um charuto desproporcional. Esses dois seres
não pensam. Será que eles até mesmo olham? A menos que,
Narcisos da imbecilidade, contemplem a multidão como um rio
que lhes devolve a imagem. Na verdade, existem bem mais
para o prazer do observador do que para o próprio prazer.
Voici, maintenant, ouvrant leurs galeries pleines de lumière et de
mouvement, ces Valentinos, ces Casinos, ces Prados (autrefois des
Tivolis, des Idalies, des Folies, des Paphos), ces capharnaüms où
l’exubérance de la jeunesse fainéante se donne carrière. Des femmes
qui ont exagéré la mode jusqu’à en altérer la grâce et en détruire
l’intention, balayent fastueusement les parquets avec la queue de
leurs robes et la pointe de leurs châles ; elles vont, elles
viennent, passent et repassent ; ouvrant un oeil étonné comme celui
des animaux, ayant l’air de ne rien voir, mais examinant tout.
Eis, agora, abrindo suas galerias plenas de luz e de
movimento, esses Valentinos, Cassinos, Prados (outrora
Tívolis, Idálias, Folias, Pafos), esses cafarnauns1 onde a
exuberância da juventude ociosa se manifesta livremente.
Mulheres que exageraram a moda, a ponto de lhe alterar a
graça e lhe destruir a intenção, varrem faustuosamente os
soalhos com a cauda de seus vestidos e a ponta de seus
xales; vão e vêm, passam e repassam, abrindo os olhos
espantados como os dos animais, dando a impressão de nada
verem, mas examinando tudo.
1. “Cafarnaum”, cidade da Galileia, na margem NO do lago de
Tiberíades. No início da er cristã era um porto de pesca e um centro
comercial prospero por onde Jesus frequentemente passava. Tido como
lugar sem ordem, bagunçado.
74
Sur un fond d’une lumière infernale ou sur un fond d’aurore boréale,
rouge, orangé, sulfureux, rose (le rose révélant une idée d’extase
dans la frivolité), quelquefois violet (couleur affectionnée des
chanoinesses, braise qui s’éteint derrière un rideau d’azur), sur ces
fonds magiques, imitant diversement les feux de Bengale, s’enlève
l’image variée de la beauté interlope. Ici majestueuse, là légère,
tantôt svelte, grêle même, tantôt cyclopéenne ; tantôt petite et
pétillante, tantôt lourde et monumentale. Elle a inventé une élégance
provoquante et barbare, ou bien elle vise, avec plus ou moins de
bonheur, à la simplicité usitée dans un meilleur monde. Elle
s’avance, glisse, danse, roule avec son poids de jupons brodés qui
lui sert à la fois de piédestal et de balancier ; elle darde son
regard sous son chapeau, comme un portrait dans son cadre. Elle
représente bien la sauvagerie dans la civilisation. Elle a sa beauté
qui lui vient du Mal, toujours dénuée de spiritualité, mais
quelquefois teintée d’une fatigue qui joue la mélancolie. Elle porte
le regard à l’horizon, comme la bête de proie ; même égarement, même
distraction indolente, et aussi, parfois, même fixité d’attention.
Type de bohème errant sur les confins d’une société régulière, la
trivialité de sa vie, qui est une vie de ruse et de combat, se fait
fatalement jour à travers son enveloppe d’apparat. On peut lui
appliquer justement ces paroles du maître inimitable, de La Bruyère :
« Il y a dans quelques femmes une grandeur artificielle attachée au
mouvement des yeux, à un air de tête, aux façons de marcher, et qui
ne va pas plus loin. »
Sobre um fundo de luz infernal ou de aurora boreal,
vermelho, alaranjado, sulfuroso, rosa (o rosa revela uma
idéia de êxtase na frivolidade), algumas vezes violeta (cor
preferida das abadessas, brasa que se apaga por trás de uma
cortina de azul), sobre esses fundos mágicos, imitando
diversamente os fogos de Bengala, eleva-se a imagem variada
da beleza equívoca. Aqui majestosa, lá delicada; ora
esbelta, franzina até, ora ciclópica; ora pequena e vivaz,
ora pesada e monumental. Ela inventou uma elegância
provocante e bárbara, ou então aspira, com maior ou menor
felicidade, a simplicidade de praxe na melhor sociedade.
Caminha, desliza, dança e rodopia com seu peso as
crinolinas bordadas que lhe servem ao mesmo tempo de
pedestal e de contrapeso. Lança o olhar por debaixo do
chapéu, como um retrato em sua moldura. Representa
perfeitamente a selvageria na civilização. Ela tem sua
beleza que lhe vem do Mal, sempre desprovida de
espiritualidade, mas por vezes matizada de uma fadiga que
simula a melancolia. Ela dirige o olhar ao horizonte, como
animais caçando; mesma exaltação, mesma distração indolente
e também, às vezes, mesma fixidez de atenção. Espécie de
boêmia errante nos confins de uma sociedade regular, a
trivialidade de sua vida, que é uma vida de astúcia e de
combate, vem à luz fatalmente através de seu invólucro
majestoso. Aplicam-se a ela justamente estas palavras do
75
mestre inimitável, La Bruyère: “Há em algumas mulheres uma
grandeza artificial ligada ao movimento dos olhos, a um
menear de cabeça, à maneira de andar, que não vai muito
longe”.
Les considérations relatives à la courtisane peuvent jusqu’à un
certain point, s’appliquer à la comédienne ; car, elle aussi, elle
est une créature d’apparat, un objet de plaisir public. Mais ici la
conquête, la proie, est d’une nature plus noble, plus spirituelle. Il
s’agit d’obtenir la faveur générale, non pas seulement par la pure
beauté physique, mais aussi par des talents de l’ordre le plus rare.
Si par un côté la comédienne touche à la courtisane, par l’autre elle
confine au poète. N’oublions pas qu’en dehors de la beauté naturelle,
et même de l’artificielle, il y a dans tous les êtres un idiotisme de
métier, une caractéristique qui peut se traduire physiquement en
laideur, mais aussi en une sorte de beauté professionnelle.
As observações relativas à cortesã podem, até certo ponto,
aplicar-se à atriz, pois ela também é uma criatura de
aparato, um objeto de prazer público. Mas aqui a conquista,
a presa, é de natureza mais nobre e mais espiritual. Trata-
se de obter a consideração geral, mediante não só a pura
beleza física, mas também através de talentos de uma ordem
mais rara. Se de um lado a atriz se aproxima da cortesã,
por outro assemelha-se ao poeta. Não nos esqueçamos de que,
além da beleza natural, e mesmo da artificial, há em todos
os seres um idiotismo de profissão, uma característica que
se pode traduzir fisicamente em feiúra, mas também numa
espécie de beleza profissional.
Au salon
Constantin Guys
76
Dans cette galerie immense de la vie de Londres et de la vie de
Paris, nous rencontrons les différents types de la femme errante, de
la femme révoltée à tous les étages : d’abord la femme galante, dans
sa première fleur, visant aux airs patriciens, fière à la fois de sa
jeunesse et de son luxe, où elle met tout son génie et toute son âme,
retroussant délicatement avec deux doigts un large pan du satin, de
la soie ou du velours qui flotte autour d’elle, et posant en avant
son pied pointu dont la chaussure trop ornée suffirait à la dénoncer,
à défaut de l’emphase un peu vive de toute sa toilette ; en suivant
l’échelle, nous descendons jusqu’à ces esclaves qui sont confinées
dans ces bouges, souvent décorés comme des cafés ; malheureuses
placées sous la plus avare tutelle, et qui ne possèdent rien en
propre, pas même l’excentrique-parure qui sert de condiment à leur
beauté.
Na galeria imensa da vida londrina e parisiense,
encontramos os diversos tipos da mulher errante, da mulher
revoltada em todos os níveis: inicialmente a mulher
galante, na flor da idade, arrogando-se ares
aristocráticos, orgulhosos ao mesmo tempo de sua juventude
e de seu luxo, no qual ela põe todo o seu engenho e toda a
sua alma, levantando delicadamente com dois dedos uma ampla
faixa de cetim, de seda ou de veludo que esvoaça à sua
volta, e avançando o pé pontiagudo, cujo calçado
excessivamente ornado bastaria para denunciá-la, na falta
da ênfase um pouco viva de toda a sua indumentária;
seguindo a escala, descemos até as escravas, que são
confinadas em pocilgas frequentemente decoradas como bares;
desditadas, mantidas sob a mais severa tutela, e que não
possuem nada de seu, nem mesmo o excêntrico adorno que lhes
serve de condimento à beleza.
Parmi celles-là, les unes, exemples d’une fatuité innocente et
monstrueuse, portent dans leurs têtes et dans leurs regards,
audacieusement levés, le bonheur évident d’exister (en vérité
pourquoi ?). Parfois elles trouvent, sans les chercher, des poses
d’une audace et d’une noblesse qui enchanteraient le statuaire le
plus délicat, si le statuaire moderne avait le courage et l’esprit de
ramasser la noblesse partout, même dans la fange ; d’autres fois
elles se montrent prostrées dans des attitudes désespérées d’ennui,
dans des indolences d’estaminet, d’un cynisme masculin, fumant des
cigarettes pour tuer le temps, avec la résignation du fatalisme
oriental ; étalées, vautrées sur des canapés, la jupe arrondie par
derrière et par devant en un double éventail, ou accrochées en
équilibre sur des tabourets et des chaises ; lourdes, mornes,
stupides, extravagantes, avec des yeux vernis par l’eau-de-vie et des
fronts bombés par l’entêtement. Nous sommes descendus jusqu’au
dernier degré de la spirale, jusqu’à la foemina simplex du satirique
latin. Tantôt nous voyons se dessiner, sur le fond d’une atmosphère
où l’alcool et le tabac ont mêlé leurs vapeurs, le maigreur enflammée
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de la phtisie ou les rondeurs de l’adiposité, cette hideuse santé de
la fainéantise. Dans un chaos brumeux et doré, non soupçonné par les
chastetés indigentes, s’agitent et se convulsent des nymphes macabres
et des poupées vivantes dont l’oeil enfantin laisse échapper une
clarté sinistre ; cependant que derrière un comptoir chargé de
bouteilles de liqueurs se prélasse une grosse mégère dont la tête,
serrée dans un sale foulard qui dessine sur le mur l’ombre de ses
pointes sataniques, fait penser que tout ce qui est voué au Mal est
condamné à porter des cornes.
Entre estas, algumas, exemplos de uma enfatuação inocente e
monstruosa, exibem na atitude e nos olhos audaciosamente
erguidos a felicidade evidente de existirem (na verdade,
por quê?). Às vezes assumem sem querer poses de uma audácia
e nobreza que fascinariam o estatuário mais delicado, se
este tivesse a coragem e o espírito de colher a nobreza em
toda a parte, mesmo na lama; outras vezes exibem-se
prostradas em atitudes desesperadas de tédio, em
indolências de botequim, com um cinismo masculino, fumando
cigarros para matar o tempo, com a resignação do fatalismo
oriental; espalhadas, espojadas sobre os canapés, e saia
arredondada atrás e na frente num duplo leque, ou
penduradas em equilíbrio sobre os banquinhos e cadeiras;
pesadas, taciturnas, estúpidas, extravagantes, com os olhos
vítreos devido à aguardente e com as frontes arqueadas pela
obstinação. Descemos até o último degrau da espiral, até o
foemina simplex1 do satírico latino. Ora vemos se destacar,
sobre o fundo de uma atmosfera onde o álcool e o tabaco
misturaram seus vapores, a magreza inflamada da tísica ou
as curvas da adiposidade, essa hedionda saúde de ócio. Num
caos brumoso e dourado, insuspeitado pelas castidades
indigentes, agitam-se e convulsionam-se ninfas macabras e
bonecas vivas cujo olhar infantil deixa escapar uma
claridade sinistra, enquanto atrás de um balcão repleto de
garrafas de licores se emproa uma gorda megera, cuja
cabeça, amarrada num lenço sujo que projeta na parede a
sombra de suas pontas satânicas, faz pensar que tudo o que
é consagrado ao mal está fadado a ter chifres.
1. “foemina simplex”, em latim: “mulher ingênua” ou “mulher pura”.
En vérité, ce n’est pas plus pour complaire au lecteur que pour le
scandaliser que j’ai étalé devant ses yeux de pareilles images ; dans
l’un ou l’autre cas, c’eût été lui manquer de respect. Ce qui les
rend précieuses et les consacre, c’est les innombrables pensées
qu’elles font naître, généralement sévères et noires. Mais si, par
hasard, quelqu’un malavisé cherchait, dans ces compositions de M. G.,
disséminées un peu partout, l’occasion de satisfaire une malsaine
curiosité, je le préviens charitablement qu’il n’y trouvera rien de
ce qui peut exciter une imagination malade. Il ne rencontrera rien
que le vice inévitable, c’est-à-dire le regard du démon embusqué dans
les ténèbres, ou l’épaule de Messaline miroitant sous le gaz ; rien
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que l’art pur, c’est-à-dire la beauté particulière du mal, le beau
dans l’horrible. Et même, pour le redire en passant, la sensation
générale qui émane de tout ce capharnaüm contient plus de tristesse
que de drôlerie. Ce qui fait la beauté particulière de ces images,
c’est leur fécondité morale. Elles sont grosses de suggestions, mais
de suggestions cruelles, âpres, que ma plume, bien qu’accoutumée à
lutter contre les représentations plastiques, n’a peut-être traduites
qu’insuffisamment.
Na verdade, não foi para deleitar meu leitor nem para
escandalizá-lo que coloquei diante de seus olhos
Semelhantes imagens; num ou noutro caso, teria sido faltar-
lhe com o respeito. O que as torna preciosas e as consagra
são os inumeráveis pensamentos que despertam, geralmente
severos e sombrios. Mas, se, por acaso, algum impudente
procurasse nessas composições de G., espalhadas em quase
toda parte, a ocasião de satisfazer uma curiosidade malsã,
previno-o caridosamente que nada encontrará que possa
excitar uma imaginação doente. Encontrará apenas o vício
inevitável, isto é, o olhar do demônio emboscado nas
trevas, ou a espádua de Messalina1 resplandecendo sob a luz;
nada, a não ser arte pura, isto é, a beleza particular do
mal, o belo no horrível. E até, para reafirmá-lo de
passagem, a sensação geral que emana de todo esse cafarnaum
contém mais tristeza do que graça. O que confere beleza
particular a essas imagens é sua fecundidade moral. São
ricas em sugestões, mas em sugestões cruéis, ásperas, que
minha pena, embora acostumada a lutar com as representações
plásticas, talvez só insuficientemente tenha traduzido.
1. “Messalina”, Valeria Messalina, imperatriz romana (c. 25 – 48
d.C.). Casou-se com Cláudio e deu-lhe dois filhos, Britânico e
Otávio. Teve uma vida muito devassa.
79
XIII
Les voitures Os veículos
Ainsi se continuent, coupées par d’innombrables embranchements, ces
longues galeries du high life et du low life. Émigrons pour quelques
instants vers un monde, sinon pur, au moins plus raffiné ; respirons
des parfums, non pas plus salutaires peut-être, mais plus délicats.
J’ai déjà dit que le pinceau de M. G., comme celui d’Eugène Lami,
était merveilleusement propre à représenter les pompes du dandysme et
l’élégance de la lionnerie. Les attitudes du riche lui sont
familières ; il sait, d’un trait de plume léger, avec une certitude
qui n’est jamais en défaut, représenter la certitude de regard, de
geste et de pose qui, chez les êtres privilégiés, est le résultat de
la monotonie dans le bonheur. Dans cette série particulière de
dessins se reproduisent sous mille aspects les incidents du sport,
des courses, des chasses, des promenades dans les bois, les ladies
orgueilleuses, les frêles misses, conduisant d’une main sûre des
coursiers d’une pureté de galbe admirable, coquets, brillants,
capricieux eux-mêmes comme des femmes. Car M. G. connaît non
seulement le cheval général, mais s’applique aussi heureusement à
exprimer la beauté personnelle des chevaux. Tantôt ce sont des haltes
et, pour ainsi dire, des campements de voitures nombreuses, d’où,
hissés sur les coussins, sur les sièges, sur les impériales, des
jeunes gens sveltes et des femmes accoutrées des costumes
excentriques autorisés par la saison, assistent à quelque solennité
du turf qui file dans le lointain ; tantôt un cavalier galope
gracieusement à côté d’une calèche découverte, et son cheval a l’air,
par ses courbettes, de saluer à sa manière. La voiture emporte au
grand trot, dans une allée zébrée d’ombre et de lumière, les beautés
couchées comme dans une nacelle, indolentes, écoutant vaguement les
galanteries qui tombent dans leur oreille et se livrant avec paresse
au vent de la promenade.
Assim prosseguem, cortadas por inumeráveis ramificações,
essas longas galerias do high life e do low life1. Emigremos
por alguns instantes para um mundo, se não puro, pelo menos
mais refinado; respiremos perfumes, não mais salutares,
talvez, porém mais delicados. Já disse que o pincel de G.,
como o de Eugène Lami, era maravilhosamente capaz de
representar as pompas do dandismo e a elegância da
perfidez. As atitudes do rico lhe são familiares; ele sabe,
com um leve traço de pena, com uma segurança infalível,
representar a segurança do olhar, do gesto e da pose que,
nos seres privilegiados, resulta da monotonia na
felicidade. Nessa série particular de desenhos se
reproduzem, sob inúmeros aspectos, os incidentes do
esporte, as corridas, as cenas de caça, os passeios nos
bosques, as ladies orgulhosas, as frágeis misses,
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conduzindo com uma mão segura os corcéis de uma pureza
admirável de garbo, coquetes, brilhantes, eles próprios
caprichosos como mulheres. Pois G. conhece não somente o
cavalo em geral, mas dedica-se também com êxito a exprimir
a beleza particular dos cavalos. Ora são as paradas e, por
assim dizer, os acampamentos de numerosas carruagens em que
alçados sobre as almofadas, sobre os bancos e sobre os
tetos, jovens esbeltos e mulheres com roupas excêntricas,
permitidas pela estação, assistem a qualquer solenidade do
turfe que se desenrola ao longe; ora um cavaleiro galopa
graciosamente ao lado de uma caleche descoberta, e seu
cavalo parece, por seus movimentos, saudar à sua maneira. O
veículo leva a galope, numa alameda zebrada de sombra e
luz, as beldades reclinadas como numa barca, indolentes,
escutando vagamente os galanteios que lhe chegam aos
ouvidos e abandonando-se preguiçosamente à brisa do
passeio.
1. Como posto no capítulo IX, “high life” é vida sofisticada, mas
supérflua. A “high life” seria a vida social de um “socialite”, de
um dândi, por exemplo. A “low life”, por sua vez, é a vida marginal,
vulgar.
Un bon petit cigare
Eugène Louis Lami (1800 – 1890)
La fourrure ou la mousseline leur monte jusqu’au menton et déborde
comme une vague par-dessus la portière. Les domestiques sont roides
et perpendiculaires, inertes et se ressemblant tous ; c’est toujours
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l’effigie monotone et sans relief de la servilité, ponctuelle,
disciplinée ; leur caractéristique est de n’en point avoir. Au fond,
le bois verdoie ou roussit, poudroie ou s’assombrit, suivant l’heure
et la saison. Ses retraites se remplissent de brumes automnales,
d’ombres bleues, de rayons jaunes, d’effulgences rosées, ou de minces
éclairs qui hachent l’obscurité comme des coups de sabre.
O casaco de pele ou a musselina lhes chega ao queixo e
transborda como uma onda por cima da portinhola. Os criados
estão rígidos e perpendiculares, inertes, uns parecidos com
os outros: é sempre a efígie monótona e sem relevo do
servilismo, pontual e disciplinada; sua característica é a
de não terem nenhuma. Ao fundo, o bosque verdeja ou se
inflama, cobre-se de eflorescências luminosas ou escurece
conforme a hora e a estação. Seus recantos se enchem de
brumas outonais, de sombras azuis, de raios amarelos, de
cintilações róseas ou de estreitos fachos de luz que cortam
a obscuridade como golpes de sabre.
Si les innombrables aquarelles relatives à la guerre d’Orient ne nous
avaient pas montré la puissance de M. G. comme paysagiste, celles-ci
suffiraient à coup sûr. Mais ici, il ne s’agit plus des terrains
déchirés de Crimée, ni des rives théâtrales du Bosphore ; nous
retrouvons ces paysages familiers et intimes qui font la parure
circulaire d’une grande ville, et où la lumière jette des effets
qu’un artiste vraiment romantique ne peut pas dédaigner.
Se as inumeráveis aquarelas relativas à guerra da Criméia
não nos tivessem mostrado a capacidade de G. como
paisagista, estas com certeza seriam suficientes. Mas aqui
já não se trata dos campos dilacerados da Criméia, nem das
margens teatrais do Bósforo; encontramos as paisagens
familiares e íntimas que formam o adorno circular de uma
grande cidade, em que a luz cria efeitos que um artista
verdadeiramente romântico não pode desdenhar.
Au portail de la caserne
Constantin Guys
82
Un autre mérite qu’il n’est pas inutile d’observer en ce lieu, c’est
la connaissance remarquable du harnais et de la carrosserie. M. G.
dessine et peint une voiture, et toutes les espèces de voitures, avec
le même soin et la même aisance qu’un peintre de marines consommé
tous les genres de navires. Toute sa carrosserie est parfaitement
orthodoxe ; chaque partie est à sa place et rien n’est à reprendre.
Dans quelque attitude qu’elle soit jetée, avec quelque allure qu’elle
soit lancée, une voiture, comme un vaisseau, emprunte au mouvement
une grâce mystérieuse et complexe très difficile à sténographier. Le
plaisir que l’oeil de l’artiste en reçoit est tiré, ce semble, de la
série de figures géométriques que cet objet, déjà si compliqué,
navire ou carrosse, engendre successivement et rapidement dans
l’espace.
Um outro mérito que não é inútil observar aqui é o
conhecimento notável dos arreios e da carroçaria. G.
desenha e pinta uma viatura, e todas as espécies de
viaturas, com o mesmo cuidado e a mesma facilidade que um
consumado pintor de marinhas pinta todas as espécies de
navios. Toda a sua carroçaria é perfeitamente ortodoxa;
cada parte está no seu devido lugar e não há nada a
corrigir. Seja qual for a posição ou a velocidade em que
ela for lançada, uma viatura, como um navio, recebe do
movimento uma graça misteriosa e complexa, dificílima de
registrar. O prazer que o olhar do artista dela recebe
decorre, ao que parece, da série de figuras geométricas que
esse objeto, já tão complicado — navio ou carruagem —,
engendra de forma rápida e sucessiva no espaço.
La promenade de l’Empereur
Constantin Guys
Nous pouvons parier à coup sûr que, dans peu d’années, les dessins de
M. G. deviendront des archives précieuses de la vie civilisée. Ses
83
oeuvres seront recherchées par les curieux autant que celles des
Debucourt, des Moreau, des Saint-Aubin, des Carle Vernet, des Lami,
des Devéria, des Gavarni, et de tous ces artistes exquis qui, pour
n’avoir peint que le familier et le joli, n’en sont pas moins, à leur
manière, de sérieux historiens. Plusieurs d’entre eux ont même
sacrifié au joli, et introduit quelquefois dans leurs compositions un
style classique étranger au sujet ; plusieurs ont arrondi
volontairement des angles, aplani les rudesses de la vie, amorti ces
fulgurants éclats. Moins adroit qu’eux, M. G. garde un mérite profond
qui est bien à lui : il a rempli volontairement une fonction que
d’autres artistes dédaignent et qu’il appartenait surtout à un homme
du monde de remplir ; il a cherché partout la beauté passagère,
fugace, de la vie présente, le caractère de ce que le lecteur nous a
permis d’appeler la modernité. Souvent bizarre, violent, excessif,
mais toujours poétique, il a su concentrer dans ses dessins la saveur
amère ou capiteuse du vin de la Vie.
Podemos apostar com toda certeza que, dentro de alguns
anos, os desenhos de G. se tornarão arquivos preciosos da
vida civilizada. Suas obras serão procuradas pelos curiosos
tanto quanto as dos Debucourt, dos Moreau, dos Saint-Aubin,
dos Carle Vernet, dos Lami, dos Devéria, dos Gavarni, e de
todos esses artistas excelentes que, por terem pintado
somente o familiar e o belo, não deixam de ser, a seu modo,
sérios historiadores. Vários deles fizeram inclusive muitas
concessões ao belo e introduziram algumas vezes em suas
composições um estilo clássico alheio ao tema; vários
arredondaram voluntariamente os ângulos, aplainaram as
asperezas da vida, amorteceram-lhe as fulgurantes
explosões. Menos hábil do que estes, G. tem um mérito
profundo que lhe é peculiar; desempenhou voluntariamente
uma função que outros artistas desdenharam e que cabia
sobretudo a um homem do mundo preencher. Ele buscou por
toda a parte a beleza passageira e fugaz da vida presente,
o caráter daquilo que o leitor nos permitiu chamar de
Modernidade. Frequentemente estranho, violento e excessivo,
mas sempre poético, ele soube concentrar em seus desenhos o
sabor amargo ou capitoso do vinho da Vida.