Leitura e Escrita Na Matemática

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  66  LEITURA E ESCRITA NA MATEMÁTICA: CONSIDERAÇ ÕES SOBRE ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E NUMERAMENTO NO ENSINO DE MATEMÁTICA Janeisi de Lima Meira* Robson André Barata de Medeiros** Marisa Rosâni Abreu da Silveira*** Resumo: No presente trabalho apresentamos uma análise da interface entre leitura e escrita na matemática, procurando esclarecer que o termo alfabetização não deve ser considerado apenas para o ensino de língua materna, pois se busca o ensino por meio do par letramento-numeramento em que se deve reconhecer que esses processos ocorrem paralelamente. Salientamos que o procedimento de seguir regras acontece tanto na língua natural como na matemática e convergem para a aprendizagem de ambas. Conclui-se que as dificuldades com as habilidades em domínio de conceitos matemáticos são oriundas da falta de domínio da leitura e escrita nos processos de ensino e de aprendizagem da matemática. Palavras-chave: Leitura e Escrita. Matemática. Alfabetização e Letramento. READING AND WRITING IN MATHEMATICS: CONSIDERA TIONS ON LITERACY AND NUMERACY IN MATHEMATICS TEACHING Abstract: This paper presents an analysis of the interface between reading and writing in mathematics, trying to clarify that the term "literacy" should not be considered only for the teaching of the mother tongue, since one seeks the education through the pair 'literacy-numeracy', in which one must recognize that these processes occur in parallel. It is emphasized that the procedure of following rules happens both in natural and mathematical language, converging to the learning of both. It is concluded that the difficulties with the skills in the field of mathematical concepts come from the lack of mastery of reading and writing in the teaching and learning of mathematics.  Keywords: Reading and Writing. Mathematic. Literacy and Numeracy. Introdução Neste artigo refletimos sobre a leitura e escrita de texto, em especial daqueles que diz respeito à matemática, pois a leitura e a escrita são faculdades estritamente humanas, mas que só se desenvolvem principalmente por meio da educação, devendo ultrapassar as barreiras da tradução do oral ao escrito. Buscamos na reflexão da literatura da área discutir as habilidades que potencializam o domínio da leitura e escrita dos conceitos matemáticos.

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  • 66 RPEM, Campo Mouro, Pr, v.4, n.6, p.66-78, jan.-jun. 2015

    LEITURA E ESCRITA NA MATEMTICA: CONSIDERAES SOBRE ALFABETIZAO, LETRAMENTO E NUMERAMENTO NO ENSINO DE

    MATEMTICA

    Janeisi de Lima Meira* Robson Andr Barata de Medeiros** Marisa Rosni Abreu da Silveira***

    Resumo: No presente trabalho apresentamos uma anlise da interface entre leitura e escrita na matemtica, procurando esclarecer que o termo alfabetizao no deve ser considerado apenas para o ensino de lngua materna, pois se busca o ensino por meio do par letramento-numeramento em que se deve reconhecer que esses processos ocorrem paralelamente. Salientamos que o procedimento de seguir regras acontece tanto na lngua natural como na matemtica e convergem para a aprendizagem de ambas. Conclui-se que as dificuldades com as habilidades em domnio de conceitos matemticos so oriundas da falta de domnio da leitura e escrita nos processos de ensino e de aprendizagem da matemtica. Palavras-chave: Leitura e Escrita. Matemtica. Alfabetizao e Letramento.

    READING AND WRITING IN MATHEMATICS: CONSIDERATIONS ON LITERACY AND NUMERACY IN MATHEMATICS TEACHING

    Abstract: This paper presents an analysis of the interface between reading and writing in mathematics, trying to clarify that the term "literacy" should not be considered only for the teaching of the mother tongue, since one seeks the education through the pair 'literacy-numeracy', in which one must recognize that these processes occur in parallel. It is emphasized that the procedure of following rules happens both in natural and mathematical language, converging to the learning of both. It is concluded that the difficulties with the skills in the field of mathematical concepts come from the lack of mastery of reading and writing in the teaching and learning of mathematics. Keywords: Reading and Writing. Mathematic. Literacy and Numeracy.

    Introduo

    Neste artigo refletimos sobre a leitura e escrita de texto, em especial daqueles que diz respeito matemtica, pois a leitura e a escrita so faculdades estritamente humanas, mas que s se desenvolvem principalmente por meio da educao, devendo ultrapassar as barreiras da traduo do oral ao escrito. Buscamos na reflexo da literatura da rea discutir as habilidades que potencializam o domnio da leitura e escrita dos conceitos matemticos.

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    A matemtica um conhecimento construdo ao longo da histria, conhecimento que fora ensinado e difundido mediante a leitura e a escrita. Nestes termos, ao considerarmos a leitura e a escrita como processos imprescindveis socializao e disseminao do conhecimento, concebemo-las quase como o nico veculo de registro para transportar todo esse conhecimento. A leitura acompanhada da escrita exige a aprendizagem da estrutura de uma lngua. Entende-se que essa aprendizagem, adquirida como fruto da insero na cultura escolar, fundamental para o sucesso da produo textual de um estudante, visto que, sem o domnio das regras mnimas de compreenso dos conceitos de funcionamento da sua lngua natural1, no ser possvel que o estudante articule os mecanismos da leitura e da escrita. Acreditamos que grande parte dessa articulao seja construda por meio de suas experincias anteriores a escola.

    Conforme afirma Kleiman (1999),

    A compreenso de um texto um processo que se caracteriza pela utilizao de conhecimento prvio. O leitor utiliza na leitura o que ele j sabe, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida. mediante a interao de diversos nveis que o conhecimento como: o conhecimento lingustico, o textual, o conhecimento de mundo que o leitor consegue construir o sentido do texto (KLEIMAN, 1999, p.13).

    Segundo a autora, as experincias de mundo so fundamentais para a construo e elaborao do sentido de um texto, alm de conhecimentos extralingusticos (conhecimento das prticas, saberes tradicionais etc.) que o leitor possui. Devido conhecer a estrutura bsica da fala, o leitor consegue articular adequadamente tais conhecimentos. Sendo assim, quanto maior for a experincia com o ato de ler e escrever, possivelmente, maior ser o sucesso desse leitor/escritor na produo e leitura de texto.

    Buscamos na lingustica a noo de texto discutida por Koch (1997), qual seja, a manifestao verbal de signos lingusticos invocados pelo falante durante uma atividade verbal, para dar suporte a esta discusso. Ainda segundo a autora:

    1Adota-se lngua natural como a primeira lngua utilizada por um sujeito falante, a qual Machado (2001) chama de lngua materna.

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    Poder-se-ia, assim, conceituar texto como uma manifestao verbal constituda de elementos lingusticos selecionados e ordenados pelos falantes durante a atividade verbal, de modo a permitir aos parceiros, na interao, no apenas a depreenso de contedos semnticos, em decorrncia da ativao de processos e estratgias de ordem cognitiva, como tambm a interao (ou atuao) de acordo com prticas socioculturais (KOCH, 1997, p.22).

    Em conformidade com a autora, entendemos que a noo de texto aqui discutida se revela como sendo algo que consente a difuso de ideias, pensamentos e interaes, permitindo, alm de domnio de contedos semnticos, algo que constitua um significado, no sendo apenas um amontoado de palavras sem organizao.

    Nessa direo, apresentamos o texto matemtico como uma composio de elementos da lngua natural e da matemtica, referindo-se, portanto, a elementos reais ou relacionados com objetos reais e a entes puramente abstratos (DEVLIN, 2004, p.62), e como uma manifestao que extrapola o verbal, mas que permite interao entre os falantes, desde que sejam obedecidas as estruturas de suas regras. O texto matemtico constitudo em sua maioria por smbolos, e no possui oralidade, carecendo da lngua natural para dar sentido e ser comunicado, alm disso, o texto matemtico regido por regras prprias que orientam sua sintaxe, semntica e pragmtica.

    Neste sentido, no possvel escrever uma sentena matemtica sem dominar minimamente a estruturao de suas regras. O domnio dessas regras, em alguns casos, adquirido em suas experincias do cotidiano. No entanto, se toma conscincia a partir da escola. Desse modo, importante nos indagar: como possvel considerar a leitura e escrita no ensino de matemtica? Para responder a essa pergunta, mergulhamos em meio s discusses levantadas tanto nos aspectos da leitura e escrita em lngua natural como em matemtica.

    A aquisio da leitura em nossa sociedade, em geral, se d por intermdio da escola, que desde a sua implantao at a atualidade tida como elaboradora do conhecimento produzido pela humanidade e uma das responsveis pela formao educacional do indivduo. Sabe-se, portanto, que na escola o ato de ler deveria estar em primeiro lugar, pois o conhecimento ensinado nessa instituio chega at os alunos por meio da leitura. Diante desse fato, recai sobre a

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    escola a responsabilidade de formar leitores e no apenas decodificadores dos cdigos que esto escritos.

    Kleiman (1999) considera que leitura um processo e que h diferentes maneiras de ler. A orientao da leitura se d pelos objetivos que se pretende ler um texto. Por exemplo, ao ler uma bula de remdios ou um romance, traamos objetivos distintos. Na primeira indicao a leitura bem restrita, apenas informacional, ao passo que a segunda nos permite um cabedal infinito de interpretaes, a saber: os costumes, os aspectos sociopoltico e econmico de uma poca, as caractersticas de uma escola literria, a peculiaridade de um autor etc.

    Procurando nos deter mais especificamente sobre o domnio da leitura e escrita, dividimos esse texto em dois subtpicos que se complementam. O primeiro versa sobre o domnio de tais habilidades na perspectiva dos estudos em lngua natural, e o segundo, sobre as habilidades em matemtica.

    Caminhos que levam compreenso da leitura e escrita em lngua natural

    A escrita um sistema de notao, em que segmentos so combinados e complementados por sinais de acentuao que formam palavras e/ou imagens que, estando inseridas num contexto, nomeiam seres, objetos etc. (TEBEROSKY; TOLCHINSKY, 1997). A combinao dos signos lingusticos deve obedecer a determinadas regras, porm, nem sempre sua combinao aleatria forma palavras, por exemplo: cadeira. Se ordenarmos esses signos/letras de outra maneira, dificilmente teremos uma palavra do vocabulrio da lngua portuguesa.

    Na matemtica tambm seguimos regras. Um exemplo disso a combinao dos algarismos na formao dos nmeros 562 e 265. No primeiro caso, o numeral 5, que representa 5 x 102, est na classe das centenas, o 6 como 6 x 101 na classe das dezenas e o 2 como 2 x 100, na classe das unidades. No segundo caso, os algarismos aparecem em posies diferentes do primeiro, de modo que o algarismo 5 passa a ter o valor de 5 x 100, e que no tem mais o valor assumido na classe das centenas, pois agora est na classe das unidades. Assim, tem-se um nmero que aceito dentro do universo da matemtica, todavia, com valor diferente. Estes

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    exemplos evidenciam que devemos seguir regras no sistema numrico decimal, e devemos obedecer a posio da ordem de classe. Isso mostra que devemos seguir regras no processo de aquisio da escrita em matemtica, como tambm fazemos na aquisio da lngua.

    Nos estudos que buscam compreender o processo de aquisio da leitura e escrita, alguns autores (SOARES, 2001; KLEIMAN, 1999; FERREIRO, 1996; TEBEROSKY; TOLCHINSKY, 1997; TFOUNI, 2006) refletem sobre os conceitos de alfabetizao e letramento. No obstante, surge, ainda nesse contexto, o conceito de escolarizao, qual seja, o de institucionalizao da alfabetizao, mantendo-a sob o domnio da escola (JUNG, 2007). Costumeiramente, alfabetizao enquadra-se como as primeiras manifestaes do reconhecimento dos smbolos lingusticos (TFOUNI, 2006). J o termo letramento aquele que surge como revelador das prticas sociais, em particular, ligado leitura e escrita de determinada cultura (SOARES, 2001).

    Ferreiro (1996) entende que a alfabetizao permite ao estudante no apenas privilegi-la como mera codificao e decodificao de sinais grficos, mas respeitar o processo de simbolizao, fazendo com que a criana e/ou adulto perceba que a escrita representa o desenvolvimento daquela.

    Compreendemos que o conceito de alfabetizao aproxima-se de letramento. Entretanto, aquele no comporta as singularidades deste, que se reverte nas prticas sociais dos usos de uma determinada comunidade. Desse modo, um indivduo pode ser alfabetizado e no letrado, mas ainda assim, ambos fazem uso da sua lngua natural, mesmo que seja a partir de uma variante oral.

    No so processos independentes, mas interdependentes, e indissociveis: a alfabetizao desenvolve-se no contexto de e por meio de prticas sociais de leitura e de escrita, isto , atravs de atividades de letramento, e este, por sua vez, s se pode desenvolver no contexto da e por meio da aprendizagem das relaes fonema-grafema, isto , em dependncia da alfabetizao (SOARES, 2004, p.14).

    Considerando que uns sujeitos dominam a produo textual mais que outros, deve-se levar em conta o contexto no qual estes sujeitos esto inseridos. Se pedirmos a um estudante, da

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    educao infantil ou, em alguns casos, da educao de pessoas jovens e adultos que escrevam um texto ou desenhe uma figura, e se este estiver em um nvel que no domine minimamente os signos lingusticos, certamente far apenas algumas garatujas para representar o texto escrito e outras diferentes para a figura. Com base nisso, defende-se que a noo de texto deva ser amplamente discutida. Contudo, devemos privilegiar as noes em que os estudantes expressem suas ideias, principalmente quando se trata dos registros escritos.

    Para facilitar o processo de aquisio da leitura e escrita, vemos a figura do professor como pedra filosofal da mediao entre a representao escrita e a compreenso e interpretao daquilo que est escrito, pois, torna-se necessrio conhecer e dominar os aspectos ortogrficos, fonolgicos, sintticos e semnticos da estrutura da lngua em que se ensina. Com isso, poderia amenizar os problemas de ensino e aprendizagem do sistema grafofonmico, dando sentido sua ao e proporcionando maior aprendizagem ao estudante. O significado da leitura no reside no texto espera que o leitor o decifre ou apenas compreenda, mas que seja produzido pelo leitor a partir de suas circunstncias e das convenes que organizam e delimitam suas instituies (ARROJO; RAJAGOPALAN, 2003).

    Ainda segundo as autoras, o leitor levado a duas etapas: a primeira a compreenso daquilo que est no prprio texto, ou seja, aquilo que o autor diz, e que no se modifica mesmo variando o leitor; e a segunda a interpretao, isto , a permisso outorgada ao leitor para que reflita sobre o texto e se envolva com a leitura, relacionando-a ao seu contexto e a sua histria, sendo que esta etapa s possvel depois da realizao da primeira.

    Contudo, o significado de um texto est alm dele prprio, pois se encontra na interao escritor-texto-leitor. Considerando que o leitor esteja inserido num contexto, os elementos de sua cultura so imprescindveis para que seja assumida uma perspectiva vivel e construda no ato da leitura, uma vez que o conceito de leitor tem um valor subjetivo e individualizado.

    Saveli (2007) mostra que o estatuto do leitor decorrente, em primeiro lugar, da compreenso do que a escrita tem de especfico. Assumir a posio de que a escrita um instrumento de pensamento exige compreend-la em relao ao seu uso e funo. Diferentemente da comunicao oral, que se processa no tempo, no dilogo e nas adaptaes recprocas dos

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    interlocutores e de suas reaes, a escrita tenta dar conta de uma totalidade de um sistema. A escrita implica em um fato, isto , de ter algo para dizer, para dar conta num nvel terico.

    De modo geral, concebe-se a leitura como uma operao que ultrapassa o ato mecnico de identificar e decodificar o escrito, concebendo-a como uma prtica que, antes de tudo, coloca o pensamento em movimento. Isso ratifica a leitura, em ltima anlise, como uma operao

    complexa que exige a percepo entre o texto e o contexto do autor e do leitor. Nesse sentido, ressalta-se que as prticas de leituras escolares devem buscar transpor seu maior desafio, que romper com as prticas de que o ato de ler esteja submetido a mecanismos e decifraes desvinculadas da prtica da escrita.

    Leitura e escrita na matemtica

    O processo de leitura exige, alm da decodificao de seus signos, a compreenso e interpretao, que acontecem por meio do contexto e da cultura em que o sujeito est inserido. De tal modo, no podemos esquecer que aprender uma linguagem no se limita apenas a aprender uma srie de regras, e sim a adquirir um grau de competncia comunicativa que permita us-la adequadamente quando requerida.

    A aquisio da linguagem matemtica considerada, por grande parte dos estudantes, como algo de difcil compreenso. As ressonncias dessas ideias podem causar traumas nesses estudantes impedindo-os de aprenderem os conceitos dessa cincia.

    Assim, Concordamos que o emprego de smbolos e de regras prprias sem sentido tambm contribuem para as dificuldades apresentadas no seu ensino. A linguagem utilizada para expor o conhecimento matemtico possui caractersticas e estilos prprios, que se configuram nas aulas

    de matemtica. Conhecer tal linguagem pode auxiliar na compreenso matemtica dos alunos (LUVISON, 2013).

    Assinalando que a linguagem matemtica universal, isto , seus smbolos e suas regras so as mesmas em qualquer parte do mundo, acreditamos que esta prescinde da traduo, de sua linguagem, lngua natural a fim de ter sentido em sua comunicao, pois a linguagem

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    matemtica no possui oralidade (MACHADO, 2001). A traduo da lngua natural para a linguagem formalizada, da matemtica, permite a abstrao dos conceitos matemticos, bem como o rigor gerado pelo estrito significado de seus termos.

    Segundo Pimm (1999, p.25) a matemtica pode ser considerada uma lngua estrangeira, pois aquilo que dito em matemtica pode ser traduzido para a lngua materna.

    O pensamento matemtico objetivado e se realiza na escrita atravs de sua linguagem, isto , a linguagem matemtica, que possui uma sintaxe prpria e segue as regras do contexto matemtico. Para a compreenso de sua linguagem, deve-se fazer a traduo para a lngua natural. nesse processo de traduo que adquire a oralidade que necessria para que os estudantes a compreenda. Na traduo de uma linguagem outra necessrio que a sintaxe da primeira seja compreendida para que a semntica se complete (SILVEIRA, 2009).

    Gomz-Granell (1997, p. 274) afirma que saber matemtica implica dominar os smbolos formais independentemente das situaes especficas e, ao mesmo tempo, poder devolver a tais smbolos o seus significados e ento us-los nas situaes e problemas que assim o requeiram.

    Em consenso com a autora, acredita-se que seja nesse nvel de formalizao da linguagem matemtica que est conjecturado sua funo principal, isto , converter os conceitos matemticos em objetos mais facilmente manipulveis e calculveis, por meio da atribuio de sentidos na manipulao de suas regras, possibilitando determinadas inferncias que de outro modo seriam praticamente inapropriadas.

    Um elemento no qual se aposta para o sucesso do processo de ensino e aprendizagem da matemtica exercitar a escuta do estudante, pois quando o aluno fala esclarece ao professor suas dvidas ou ainda aquilo que aprendeu. Desse modo, professor e aluno iro compartilhar de um

    canal comunicativo que comum aos dois lados. Neste sentido, as prticas pedaggicas se

    reinventam num ambiente propcio ao aluno. Na perspectiva de muitos alunos, a matemtica existe como uma lngua especial, que

    proposta e utilizada em sala de aula ou em alguns livros, a qual o estudante adota por substituir sua lngua natural, pois tem a capacidade de reduzir o texto escrito e no apresenta ambiguidade. Entretanto, podem residir alguns obstculos lingusticos (referentes a problemas de compreenso

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    da linguagem matemtica) e de aprendizagem (problemas com domnio dos/nos conceitos matemticos), uma vez que o estudante cria, por si mesmo, pseudoregras a serem seguidas, muitas vezes no condizentes com a realidade das regras da matemtica.

    Nesse sentido, quando se faz matemtica na escola a comunicao no ocorre certamente na linguagem matemtica dos matemticos, nem tampouco na lngua natural. Assume-se uma sintaxe especfica, uma semntica considerada oportuna e surge uma nova lngua na perspectiva do aluno, a qual geralmente permite-lhe a assimilao do domnio de conceitos matemticos.

    Para Gomz-Granell (1997) a aquisio do conhecimento matemtico est ligada aos aspectos do pensamento cotidiano. Todavia, o domnio do pensamento matemtico formal s ocorre no processo de escolarizao, ou seja, deve ser ensinado, orientado, intencional. Pois, a maneira de resolver situaes-problema do cotidiano, na maioria dos casos, no se relaciona com as competncias exigidas na escola ou no ambiente acadmico. Isso deixa aparente que a influncia da escolarizao manifesta-se numa maior habilidade de compreender e explicitar estruturas matemticas implcitas em seu cotidiano.

    Diante do exposto, busca-se na concepo de alfabetizao discutida por Danyluk (2010) que a percebe como a leitura e escrita das diversas linguagens existentes entre as vrias culturas, considerar a alfabetizao como o ensino da leitura e da escrita sob a perspectiva da conscientizao e resgate da cidadania. Conforme j mencionado, em casos gerais, o processo de alfabetizao ocorre frequentemente na escola, onde a criana tem a oportunidade de envolver-se com as diversas linguagens. Portanto, ser alfabetizado diz respeito compreenso dos sinais, com significados impressos num texto, bem como a expresso escrita com significados. Com isso, d sentido quilo que percebe e compreende, isto , suas percepes de mundo (DANYLUK, 2010).

    Nestes termos, o domnio das competncias matemticas necessrias para considerar-se alfabetizado, em certas circunstncias, coaduna com as habilidades de numeramento. O termo numeramento, segundo Fonseca (2009), comea a ser adotado em abordagens que assumem a descrio e analisam adequadamente as experincias de produo, uso, ensino e aprendizagem de conhecimentos matemticos.

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    Com base na autora, compreende-se numeramento como as formas de uso, objetivos, valores, crenas, atitudes e papis que esto ligados no apenas escrita numrica, mas s prticas relacionadas s formas de quantificar, ordenar, medir e classificar existentes em um grupo num contexto especfico.

    Nesse sentido, numeramento se assemelha ao que Soares (1998) entende por letramento, de modo que deve ser considerado como a tecnologia de fazer uso de habilidades de leitura e escrita como prticas sociais, que se constituem nos processos de apropriao no s de um cdigo, mas de uma cultura escrita. Considerando a relao de imbricao entre os dois termos e percebendo que convergem para um mesmo fim, fica difcil imaginar o ensino de matemtica distante do ensino da lngua natural.

    Compartilhando desse pensamento, Machado (2001) afirma que:

    Entre a matemtica e a lngua materna (natural) existe uma relao de impregnao mtua. Ao considerarem-se esses dois temas enquanto componentes curriculares, tal impregnao se revela atravs de um paralelismo nas funes que desempenham uma complementaridade nas metas que perseguem, uma imbricao nas questes bsicas relativas ao ensino de ambas. necessrio conhecer a essencialidade dessa impregnao e t-la como fundamento para proposio de aes que visem superao das dificuldades com o ensino de matemtica (MACHADO, 2001, p.10, grifo dos autores).

    Em consonncia com o autor, acrescenta-se ainda que as dificuldades no processo de ensino e de aprendizagem da matemtica podem ser minimizadas se forem levadas em considerao a essencialidade da impregnao mtua, em/na sala de aula, entre a lngua materna (natural) e a linguagem matemtica, particularmente no processo de leitura e escrita.

    Assim, a linguagem matemtica no processo de alfabetizao e letramento numeramento, no caso da matemtica deve ocupar lugar de extrema importncia, pois a linguagem matemtica , junto com o conceito a ser apreendido pelos alunos, um dos primeiros elementos de insero do sujeito no universo matemtico. Para que o letramento, ou seja, numeramento ocorra tanto em lngua natural quanto em linguagem matemtica, faz-se necessrio

    pensar que esse processo se d a partir da construo de signos regidos por regras matemticas, e

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    a compreenso desses signos e regras constituem-se em um sistema pelo qual os estudantes se utilizam para proporcionar sua aprendizagem.

    Consideraes finais

    Vimos que a leitura e a escrita so elementos imprescindveis para a disseminao e ensino do conhecimento, em particular do conhecimento matemtico. Percebe-se tambm que tais habilidades, por uma srie de fatores, no so do domnio de toda populao. Com efeito, acredita-se na necessidade de possibilitar a todos as habilidades de leitura e escrita, pois, somente, com o domnio dessas habilidades alcanaremos uma sociedade mais desenvolvida, principalmente na cincia.

    Comungamos da concepo levantada por Gmez-Granell (1997) de que, se queremos ensinar de forma que o contedo tenha significado, a primeira coisa que devemos conhecer so os usos e funes que o conhecimento cumpre em nossa sociedade e situar a aprendizagem dos conceitos e procedimentos no contexto de tais usos e funes.

    Assim, o entendimento do sentido da leitura e escrita nos textos vem sendo discutido h muito tempo e, desde tenra discusso, no alcanou um consenso. Os estudos e correntes filosficas mostraram que a noo de texto passou da palavra frase, e ultimamente, sendo o texto o espao para se alcanar sentido. Contudo, acreditamos que a compreenso e interpretao do texto devem tambm residir no contexto e na cultura na qual o indivduo esteja inserido.

    Nestes termos, os conceitos de letramento, alfabetizao e numeramento tomam fora quando os sujeitos conseguem expressar oral ou escrito suas percepes do mundo, abrangendo as dimenses semnticas, sintticas e pragmticas, isto , os elementos que so necessrios comunicao, pois renem os significados das prticas dessas comunidades. Isso mostra que um ensino desvirtuado de sentido e significado, baseado apenas no procedimento de seguir regras mecnicas e sem sentido, no leva a uma escola crtica com capacidade de analisar, discutir e implementar atitudes que sejam condizentes com a atual sociedade.

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    Em suma, acreditamos que as prticas de letramento, atreladas s prticas de numeramento, projetam significado para os alunos atriburem sentido s suas prticas sociais, possibilitando o desenvolvimento do raciocnio que proporciona autonomia de pensamento crtico, ampliando as possibilidades de estabelecer relaes entre problemticas distintas e de elaborar propostas que contribuem para o universo social em que vivem, favorecendo conhecer e reconhecer suas identidades sociais e culturais.

    Notas *Mestre/Universidade Federal do Par/ UFPA. Email: [email protected] **Mestre/Universidade Federal do Par/ UFPA. Email: [email protected] ***Doutora/Universidade Federal do Par/ UFPA. Email: [email protected]

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    Recebido em: Julho de 2014 Aprovado em: Setembro de 2014