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Universidade de Sorocaba - 26 e 27 de Setembro de 2011

Letramento on-line: as redes sociais conectadas ao processo de ensino e aprendizagem e a democratização do conhecimento na era

da cibercultura

João Paulo Vicente PRILLA (PGLg - UFSC) Maria Letícia Naime MUZA (PGLg - UFSC)

Paula Isaias CAMPOS-ANTONIASSI (PGLg - UFSC)

Resumo: Este artigo objetiva a reflexão, com diferentes perspectivas teóricas, sobre o mais recente

desafio pedagógico que se instaura entre educadores e linguistas: letrar digitalmente uma nova

geração de estudantes, crianças e adolescentes, que estão crescendo e vivenciando as tecnologias

digitais de informação e comunicação - TDICs. O aumento exponencial no uso dessas ferramentas

na vida social tem exigido dos cidadãos a aprendizagem de comportamentos e raciocínios

específicos. A escola de hoje figura como um universo onde convivem letramentos múltiplos e

diferenciados, cotidianos e institucionais, valorizados e não valorizados, locais e globais, vernaculares

e universais, sempre em contato e em conflito, sendo alguns rejeitados ou ignorados e apagados e

outros constantemente enfatizados. Muitos dos letramentos que são influentes e valorizados na vida

cotidiana das pessoas e que têm ampla circulação são também ignorados e desvalorizados pelas

instituições educacionais. Um exemplo disso são as redes sociais e informais que sustentam essas

práticas letradas, as quais não podem ser acessadas pelos estudantes na maioria de escolas e

universidades conectadas. Nesse sentido, o artigo discute a interface entre o letramento digital (no

contexto das redes sociais) e o processo de ensino e aprendizagem, como instrumento de inclusão

social e democratização do conhecimento na era da cibercultura.

Abstract: This article aims to reflect, with different theorical perspectives on the most recent

pedagogical challenge established between educators and linguists: literate digitally a new generation

of students, children and adolescents, who are growing and experiencing digital technologies of

information and communication –DTICs.The exponential increase in the use of these tools in the

social life of citizens has required the learning of specific reasoning and behaviors. The school today is

a universe where multiple and different literacies, everyday and institutional, valued and not valued,

local and global, and universal and vernacular, live together, always in contact and in conflict as well,

some of them being rejected or ignored and deleted and others constantly emphasized. Many

literacies that are influented and valued in people's daily lives and that have wide circulation are also

ignored and undervalued by educational institutions. An example of this is the social and informal

networks that support these literate practices, which can not be accessed by students in most schools

and universities that are connected. In this sense, this article discusses the interface between

computer literacy (in the context of social networks) and the teaching and learning process as an

instrument of social inclusion and democratization of knowledge in the age of cyberculture.

Palavras-chave: Letramento digital. Tecnologias digitais de informação e comunicação. Cibercultura.

Redes sociais.

Key words: Digital literacy. Digital technologies of information and communication. cyberculture. Social networks.

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Introdução

A prática docente é, desde sempre, motivo de preocupação por parte dos

estudiosos, uma vez que sabemos da necessidade de partir da realidade do aluno

para que o processo de ensino e aprendizagem aconteça de forma situada e com

propósito – tornando a educação efetiva segundo a pedagogia freiriana.

Os estudos sobre Letramento(s) versam a respeito desta necessidade de

trabalhar o real em sala de aula e sobre o uso social da escrita por parte de nossos

alunos. A produção textual, na escola, sempre foi para atender os desígnios do

professor, uma vez que este iria ler a redação e dar a nota que achasse necessária.

Mas isso vai contra o que entendemos por prática situada, escreve-se com um

objetivo e para que alguém leia, não para receber nota.

Trabalhar situadamente significa trabalhar com projetos, seja ele um jornal da

escola, um mural, um blog, um perfil no Facebook. Tais projetos devem partir do que

os alunos vivem e se interessam para uma análise linguística que faça sentido ao

alunado.

Atualmente, a internet e sua democratização têm muito a auxiliar nas aulas de

Língua Portuguesa, uma vez que sites podem ser criados com a finalidade de os

nossos alunos publicarem seus textos, criarem links para indicar um novo caminho,

uma nova leitura, uma nova escrita.

Os problemas com produção textual ainda são os mesmos, mas os suportes

estão mudando. Antes, era uma folha em branco e uma caneta, agora é a tela do

computador conectado à internet. Cabia ao professor a tarefa de auxiliar a escrita e

leitura no livro, no caderno, hoje, cabe a este mesmo professor saber lidar com

essas novas tecnologias e trabalhar com seu aluno o letramento digital.

Neste trabalho, iniciaremos a discussão com um breve histórico sobre os

estudos do Letramento, contextualizando-os e dissertando sobre o ensino por meio

de práticas situadas. Logo em seguida, trataremos do Letramento digital e suas

formas de interação com o mundo. Apresentaremos conceitos como letramentos

múltiplos, hipertextos, Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação – TDIC –

e a necessidade de adequar a prática docente às novas gerações.

Por fim, falaremos sobre as redes sociais e o papel delas no processo de

ensino e aprendizagem nas aulas de Língua Materna, evidenciando o papel de

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mediador de conhecimento do docente e da necessidade de integrar, com o auxílio

da internet, gêneros orais e escritos.

Letramento: um panorama socioistórico de seus aspectos contextuais

Antes de entrarmos no estudo do letramento digital propriamente dito, é

preciso discorrer sobre como, por que e quando surgiu o termo letramento e tentar

conceituá-lo. Faz-se necessário dizer que este termo é relativamente recente no

país, mais precisamente foi nos anos 80 que, pela primeira vez, falou-se em

letramento no Brasil. No mundo, o termo letramento ganhou destaque com a

Revolução Industrial, quando o urbano tornou-se o modo de vida dominante e a

escolarização era de suma importância para a nova sociedade (RIBEIRO et al.,

2002).

No Brasil, o termo letramento surgiu, segundo Soares (2009), com a

professora Mary Kato, em 1986, no livro “No mundo da escrita: uma perspectiva

sociolinguística”. Na mesma década, em 1988, Leda Verdiani, trata do termo

distinguindo-o de alfabetização. Os estudiosos tratam a alfabetização como parte do

letramento, uma vez que não é preciso saber ler e escrever – ou seja, ser analfabeto

- para ser letrado.1

O termo letramento não trata apenas de decodificar o alfabeto, mas é preciso

usar a leitura e a escrita. Para isso, não é preciso dominar o código, se este

indivíduo participa de práticas de leitura e escrita, ele é, de certa forma, letrado.

(SOARES, 2009).

Letramento veio do inglês literacy e, segundo Soares (2009), o termo advém

da condição de saber ler e escrever, estando implícito, neste conceito,

consequências sociais, culturais, políticas, econômicas, cognitivas e linguísticas.

Assim, percebemos que o termo em inglês não se refere, somente, ao

aprendizado das letras, vai além do adquirir a “tecnologia” do ler e escrever, pois

envolve as práticas sociais de leitura e de escrita (SOARES, 2009, p.18). Este termo

está muito próximo ao que Paulo Freire entende por alfabetização: o educador tratou

da leitura de mundo antes da palavra. Para ele, é preciso contextualizar as práticas

escolares e adequá-las à realidade de cada comunidade.

1 Letrado, aqui, está vinculado a letramento.

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Ainda nos anos 1980, Street (2000) propõe os “Novos Estudos do

Letramento”, trazendo dois modelos: autônomo e ideológico. No modelo autônomo,

o letramento é tratado como ferramenta neutra, podendo ser aplicado de forma

homogênea tendo resultados também homogêneos. Já no modelo ideológico, a

leitura e a escrita são consideradas práticas sociais, com atividades que sirvam a um

propósito. Mais uma vez, é possível perceber uma concepção freiriana, uma vez que

o educador brasileiro tinha como propósito trabalhar com práticas situadas e que

fizessem sentido para cada sociedade.

Tratar o letramento como prática situada, que faça sentido, nos faz reavaliar

nossa atividade como docentes. Num mundo globalizado como o nosso, com grande

fluxo de informações, não é interessante deixar de tratar questões midiáticas na sala

de aula. A escola deve acompanhar a evolução da sociedade, pois “onde antes se

esperava que a criança usasse lápis e papel para escrever de forma legível, hoje se

espera que ela escreva coisas com sentido no caderno e no computador, e também

que use a internet” (KLEIMAN, 2005, p. 20-21). O trabalho do professor, nesta

sociedade, deve ser pautado em práticas significativas para o aluno que está

conectado à internet e suas redes sociais.

O professor hoje deve ensinar mais que usar lápis, borracha e separar

sílabas, é preciso trabalhar com a interface do letramento digital no processo de

ensino-aprendizagem. Os projetos de letramento2, atualmente, precisam caminhar

ao lado das novas tecnologias e artefatos – PC, laptop, mouse, teclado, Facebook,

Twitter. De acordo com COSCARELLI (2010), a função de desenvolver nas pessoas

o “letramento digital” é do professor, não se restringindo a apenas levar seus alunos

ao laboratório algumas vezes durante o ano letivo, mas desenvolvendo projetos que

possam ser realizados e que estejam “conectados” ao mundo dos alunos.

Letramento digital: novas formas de interação e conexão com o outro e com o

mundo

2 Para Projetos de Letramento, ver Letramentos múltiplos: agentes, práticas, representações,

organizado por Maria do Socorro Oliveira e Ângela Kleiman.

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As ofertas de informação, comunicação, aprendizagem, administração e

entretenimento e lazer aumentaram exponencialmente depois da chegada das

tecnologias digitais, principalmente com a democratização e popularização do

computador conectado à Internet. Evidentemente, essas tecnologias têm

influenciado comportamentos e estimulado atividades intelectuais voltadas à nova

realidade sociocultural hoje bastante marcada pela utilização das ferramentas

digitais. Em vista disso, é importante saber quais têm sido as reais consequências e

impactos na vida das pessoas e instituições, especialmente na escola, que a

acessibilidade da informação e as inovações nos modos de comunicação têm

provocado na sociedade como um todo.

No campo da linguagem e educação, de forma particular, são necessárias

investigações que descrevam, analisem e interpretem o quanto tais tecnologias

estão repercutindo no processo de aprendizagem dos alunos. Interessa-nos saber

como as máquinas digitais estão sendo usadas pelos estudantes para facilitar ou

obstruir seu processo de aquisição de conhecimento e entender como eles estão

interagindo com colegas e professores quando a relação é mediada por tais

máquinas. Identificar como a nova geração de aprendizes (Geração Y) 3 aprende e

utiliza as TDIC (Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação) e analisar como

o domínio das TDIC afeta a aprendizagem escolar desta geração são ações

urgentes que poderão auxiliar o docente a reprogramar conteúdos e a planejar sua

prática pedagógica, a fim de satisfazer às necessidades e expectativas dos

aprendizes contemporâneos.

Pinheiro (2010), em seu estudo sobre as práticas de letramento digital,

observa que as novas tecnologias do mundo virtual têm contribuído para uma

mudança complexa e profunda no mundo real em que vivemos. A economia da

informação e a nova sociedade de rede cresceram repentinamente e as aplicações

da vida real relativas ao comércio eletrônico e ao aprendizado reforçado pela

3 Segundo Palfrey e Gasser (2008), a Geração Y é formada pelos nativos digitais, ou seja, sujeitos

que nasceram no início dos anos 1990 quando as novas tecnologias entraram nas sociedades com muita intensidade. Essa geração vem crescendo com grande acesso a tecnologias, como plataforma de jogos eletrônicos, computadores e telefones celulares multifuncionais. Ela fotografa objetos e pessoas, calcula valores, agenda números, nomes e compromissos, capta música da Internet, grava voz, vídeos e arquivos de texto, cria identidades diferentes, modera comunidades virtuais, participa de diversas redes sociais simultaneamente, entre outras ações tornadas possíveis com a chegada das TDIC.

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Internet prosperaram sobremaneira. Hoje vivenciamos, segundo Soares (2002, p. 1)

“a introdução, na sociedade, de novas e incipientes modalidades de práticas sociais

de leitura e de escrita, propiciadas pelas recentes tecnologias de comunicação

eletrônica – o computador, a rede (a web), a Internet”.

Em decorrência disso, esse momento é bastante privilegiado para buscar

entender, a partir da introdução dessas novas práticas de leitura e de escrita, a

circunstância em que estão se instituindo as práticas de leitura e de escrita digitais,

uma vez que esse novo tipo de letramento na cibercultura nos conduz a um estado

diferente daqueles que sempre guiaram as práticas de leitura e de escrita

quirográficas e tipográficas (Soares, 2002).

Assim, é possível dizer que a tela como espaço de escrita e de leitura traz

não apenas novas formas de acesso à informação, mas também novos processos

cognitivos, novas formas de conhecimento, novas maneiras de ler e de escrever,

novas interfaces para o processo de ensino e aprendizagem4, enfim, um novo

letramento, uma nova condição para aqueles que exercem práticas de escrita e de

leitura no computador. Segundo Cope & Kalantzis (2000, p. 5), tem havido “uma

integração e multiplicidade crescentes de modos significantes de fazer sentido, em

que o textual está também relacionado ao visual, ao áudio, ao espacial, ao

comportamental, e assim por diante. E isso é particularmente importante na

hipermídia eletrônica”.

Essa multiplicidade cada vez maior de se criar sentido através de meios

multimodais é tão recorrente na atualidade que, quando se pensa acerca da cultura

do texto eletrônico, esta traz consigo uma nova mudança na própria concepção que

se tem sobre letramento (Lévy, 1996). Em certos aspectos fundamentais, essa nova

cultura do texto eletrônico, ao contrário do texto impresso, não é estável e é pouco

controlado (Pinheiro, 2007). Não é estável porque os usuários, ao fazerem uso dos

textos virtuais, podem interferir neles, acrescentar, alterar, definir seus próprios

caminhos de leitura; e é pouco controlado porque a liberdade de produção de textos

na tela não é só muito grande como é, muitas vezes, ausente o controle da

4 Entendemos que se trata de um movimento essencial contínuo e ininterrupto do ser humano

racional que acontece até os últimos momentos de sua vida. Implica acesso, compreensão e

absorção de um fazer e/ou de um pensar por meio de um esforço da vontade do sujeito que aprende

estimulado por outros sujeitos mais experientes e pelo ambiente em que ambos estejam inseridos.

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qualidade e conveniência daquilo que é produzido e difundido no espaço virtual

(Marchuschi, 1999; Xavier, 2005).

O letramento digital5 (ou informacional e ou computacional) é, dialogando com

Carmo (2003), um conjunto de conhecimentos que permite às pessoas participarem,

por meio de práticas letradas mediadas por computadores e outros dispositivos

eletrônicos, do mundo contemporâneo. Essa nova maneira prática de letramento

surgiu a partir do advento e desenvolvimento da Internet, junto com diversos outros

bancos de dados públicos e comerciais on-line, o que possibilitou um acesso

pessoal sem precedentes às informações mundiais. O letramento digital se refere,

portanto, às habilidades interpretativas de leitura e de escrita necessárias para que

as pessoas se comuniquem efetivamente por meio da mídia on-line. Sobre isso

Xavier (2005) certifica que o letramento digital implica realizar práticas de leitura e

escrita diferentes das formas tradicionais de letramento e alfabetização. Ser letrado

digital pressupõe assumir mudanças nos modos de ler e escrever os códigos e

sinais verbais e não-verbais, como imagens e desenhos, se compararmos às formas

de leitura e escrita feitas no livro, até porque o suporte sobre o qual estão os textos

digitais é a tela, também digital.

Os letramentos digitais englobam desde o conhecimento específico acerca do

uso do computador (o domínio do programa de navegação, por exemplo) a

habilidades de letramento crítico mais amplas (como a análise e avaliação das

fontes de informações). Muitas dessas habilidades críticas mais amplas também

eram importantes na era pré-Internet, contudo, assumiram maior importância nesse

momento, devido à grande quantidade de informações disponíveis on-line. Carmo

(2003, p. 3), sobre a questão do “letrado eletrônico”, observa que:

O letrado eletrônico seria aquele que dispõe não só de conhecimento sobre propriedades do texto na tela que não se reproduzem no mundo natural como também sobre as regras e convenções que o habilitam a agir no sentido de trazer o texto à tela. E é capaz ainda de interagir com uma gama ampla de textos e está mais apto a adquirir conhecimento sobre novos tipos de texto e gêneros discursivos no meio eletrônico.

5 Consideramos o conceito de letramento digital em seu sentido amplo: o domínio pelo indivíduo de

funções e ações necessárias à utilização eficiente e rápida de equipamentos dotados de tecnologia digital, tais como computadores pessoais, telefones celulares, caixas-eletrônicos de banco, tocadores e gravadores digitais, manuseio de filmadoras e afins.

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Todavia, é preciso levar em consideração que, na era da cibercultura, muitas

dessas informações on-line são de qualidade duvidosa, uma vez que o próprio

controle de publicação pode ser alterado: enquanto, na cultura impressa, editores,

conselhos editoriais decidem o que vai ser impresso, determinam os critérios de

qualidade, portanto, instituem autorias e definem o que é oferecido a leitores, o

computador possibilita a publicação e distribuição na tela de textos que escapam à

avaliação e ao controle de qualidade: qualquer um pode colocar na rede, e para o

mundo inteiro, o que quiser (Carmo, 2003).

A partir dos vários pressupostos aqui feitos sobre a escrita e a leitura na

cultura da tela – cibercultura - o confronto entre tecnologias tipográficas e digitais de

escrita e seus vários efeitos sobre o estado ou condição de quem as utiliza, não

podemos mais pensar em letramento como algo singular, mas sim sugerir que se

pluralize a palavra e que se reconheça que diferentes tecnologias de escrita criam

diferentes letramentos. A esse respeito, Soares (2002, p. 9) sugere que:

O uso do plural letramentos enfatiza a idéia de que diferentes tecnologias de escrita geram diferentes estados ou condições naqueles que fazem uso dessas tecnologias, em suas práticas de leitura e de escrita: diferentes espaços de escrita e diferentes mecanismos de produção, reprodução e difusão da escrita resultam em diferentes letramentos.

Em outras palavras, podemos assegurar que, dado esse caráter múltiplo que

o letramento assume, o uso do termo no plural letramentos6 seria mais adequado à

proposta de letramento que estamos procurando desenvolver aqui, uma proposta

cujo ponto central é a ideia de que diferentes tecnologias de escrita e de leitura

geram diferentes estados ou condições naqueles que fazem uso dessas tecnologias,

em suas práticas de leitura e de escrita. Em outras palavras, diferentes espaços de

escrita e diferentes mecanismos de produção, reprodução e difusão da escrita e da

leitura resultam em diferentes letramentos.

Na verdade, essa necessidade de pluralização da palavra letramento e,

portanto, do fenômeno que ela designa já vem sendo bastante reconhecida na

tentativa de designar diferentes efeitos cognitivos, culturais e sociais em função ora

6 Os autores passam a usar a palavra no plural ("literacies" ou "letramentos") a partir dos anos 1980,

por conta de uma mudança de enfoque na pesquisa que os levou a compreender cada letramento de forma situada em contextos culturais específicos, ou em relação a um conjunto específico de tecnologias e práticas.

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dos contextos de interação com a palavra escrita, ora em função de variadas e

múltiplas formas de interação com o outro e com o mundo, não só a palavra escrita,

mas também a comunicação visual, auditiva, espacial. Nesse sentido, poderíamos

atribuir aos discursos produzidos na Internet (incluindo as múltiplas práticas de

escrita) como meios através dos quais podemos construir novas formas de construir

conhecimento.

As redes sociais conectadas ao processo de ensino e aprendizagem e a

democratização do conhecimento na era da cibercultura: perspectivas

O surgimento da Internet não somente indicou novos modos de estar na

sociedade como trouxe a linguagem escrita para o cotidiano de crianças e jovens em

idade escolar. Utilizando a Internet, esses jovens se constituem como sujeitos de

práticas letradas diversas – criam blogs, administram-nos, colocam suas mensagens

nas redes sociais – Facebook, Twitter, Orkut, MSN, entre outros – quase diariamente

fazem amigos virtuais, constituídos a partir da capacidade de expressão escrita,

visitam salas de bate-papo, interagem de maneiras diversas, por exemplo, através

de jogos criados a partir de narrativas fantásticas, construídas coletivamente em

ambiente virtual.

A Internet, além de um artefato tecnológico, abre um novo espaço, novas

formas e momentos de interação social. Conhecida como "rede das redes",

constitui-se em uma instância técnica que condensa uma série de características do

ciberespaço e engloba outros objetos e elementos da cibercultura.

Como um dos traços mais marcantes da Internet é a interatividade –

característica que marca a diferença com outras mídias – percebemos que em vários

contextos da rede o usuário é chamado a participar, tanto através de mensagens

enviadas intencionalmente, quanto pelo próprio ato de navegar através de links de

hipertexto. O termo hipertexto designando um processo de leitura e escrita não-

linear e não hierarquizada similar ao pensamento humano permite o acesso ilimitado

a outros textos de forma instantânea.

Como Fachinetto (2005, p. 2) diz “o hipertexto vai além do texto, oferece algo

mais, uma vez que se pratica em um suporte dinâmico como o computador”

afetando a forma do professor e do aluno atuarem em sala de aula. O professor

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torna-se mais um colaborador e assume uma atitude mais parceira no processo de

ensino e aprendizagem. Desta forma, o hipertexto como ferramenta de ensino e

aprendizagem facilita esse processo favorecendo o ambiente no qual a

aprendizagem se dá por descoberta. São inúmeras as possibilidades de ensino por

meio dos novos gêneros textuais digitais surgidos a partir do hipertexto e da Internet.

Entre eles, citamos o e-mail, o chat, as videoconferências, os sites, os blogs, enfim,

tudo o que as novas tecnologias possibilitam em termos de comunicação humana.

Segundo Marcuschi (2001), há uma redefinição do papel e do que

entendemos por autor e leitor. O hipertexto estreita os limites entre autor e leitor,

pois é construído por ambos uma vez que o escritor cria as ligações e o leitor decide

quais caminhos seguir. Além disso, o leitor pode inserir novas informações ao texto,

passando a ter um papel mais ativo diferentemente de um leitor de texto impresso.

“Dificilmente dois leitores de hipertextos farão os mesmos caminhos e tomarão as

mesmas decisões” (MARCUSCHI, 2001, p.96) modificando, desta forma, o modo de

ensinar a leitura e a escrita. Com o hipertexto tem-se uma autoria coletiva. O leitor

determina a ordem da leitura e o conteúdo a ser lido associando “ideias que o

conduzem a sucessivas escolhas, produzindo uma textualidade cuja coerência tem

um toque pessoal. Pode-se até mesmo dizer que não há, efetivamente, dois textos

iguais, na escritura hipertextual” (MARCUSCHI, 2001,p.99). Contudo, ainda, não há

como romper totalmente na maneira de conceber e ensinar leitura e escrita na

escola.

A era da cibercultura e a introdução das tecnologias digitais em sala de aula

implica em repensarmos a alfabetização e os usos sociais da escrita de uma forma

mais intensa. É necessária uma reflexão acerca de tais aspectos e também do

letramento numa época em que os computadores são parte integrante das

instâncias educacionais e da sociedade em geral.

Discutir sobre quem vai ensinar as crianças a lidar com fontes, cores,

imagens, animações e tantos outros aplicativos e recursos que o computador (PC,

laptop, celular) coloca a nossa disposição é um dos aspectos que vem sendo

debatidos nos estudos de letramentos digitais e multimodais.

Pressupõe-se que esses alunos vão ter acesso a esse conhecimento em

outras instâncias - escola, lan houses, no próprio lar. Mas é sabido que muitos

alunos ingressam na universidade sem esse conhecimento. Uma das

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problematizações refere-se a quem não tem um computador em casa: vai aprender

onde, como e com quem? Outra a ser considerada é de quem é o papel de

desenvolver nesses sujeitos as competências e habilidades relativas ao letramento

digital, as quais são exigidas em inúmeras circunstâncias e nas mais diversas

esferas sociais – declaração de imposto de renda, inscrições para processos

seletivos, transações bancárias, serviço de atendimento ao consumidor, compras,

educação a distância, entre outros.

As novas tecnologias trazem novos textos e, consequentemente, novas

formas de ler e de escrever, de conceber o mundo e o outro. Não é novidade que os

textos não são mais essencialmente verbais – os quadrinhos circulam há anos,

assim como jornais, propagandas e revistas – contudo hoje não é mais privilégio das

mídias e dos artistas a produção de textos multimodais. Os instrumentos de leitura e

produção de textos da contemporaneidade, os computadores, são

multi/hipermidiáticos.

É errônea a ideia de que o universo digital tenha transformado tudo a ponto

de ser uma total revolução. É mais aceitável pensarmos numa ampliação das

possibilidades do texto e da comunicação do que realmente numa revolução que

acarretaria uma mudança generalizada de nosso aparato teórico.

A democratização do conhecimento por meio da internet e da tecnologia nos

faz lembrar, no entanto, que buscar e selecionar criticamente as informações

sempre foi papel dos leitores, os quais sempre precisaram selecionar seus materiais

de leitura em livrarias, bibliotecas ou outros ambientes. Em outras palavras,

assinalamos os critérios de usabilidade como elementos significativos e

característica do sujeito letrado na era digital.

Não precisamos repensar as habilidades de leitura e de produção de textos

total e completamente, mas precisamos enriquecer as habilidades que a leitura e a

produção de textos manuscritos ou impressos exigiam com novos elementos e

ferramentas que nos trouxeram as novas tecnologias digitais.

Com as novas tecnologias – especialmente com a internet- surgiram novos

ambientes para interação, e com eles gêneros textuais e formatos tradicionais no

impresso se renovaram, agregando características próprias e particularidades.

Com a comunicação fácil e ágil e o desenvolvimento de programas que

permitem a mais de um indivíduo participar da elaboração de textos e sites, grandes

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projetos colaborativos se tornaram mais viáveis, como as wikipédias, o

desenvolvimento de software livre como o Moodle, etc.

A pergunta para quem se preocupa com ambientes de aprendizagem é: o que

a escola vai fazer com tantas novidades e tecnologias? A escrita deve ser

repensada, conceitos de leitura e leitor devem ser revistos numa época em que,

mais do que nunca, decorar não faz sentido, mas saber o que a informação

disponível é uma necessidade.

Os alunos parecem estar desenvolvendo as habilidades digitais em casa, lan

houses ou com amigos e parentes. A escola, por sua vez, parece estar tomando

para si um outro papel: usar o computador quase que exclusivamente como fonte de

informação ou como matéria a ser ensinada. Outra situação é que o computador

ainda gera medo, resistência e, infelizmente, muitas escolas ainda não contam com

as condições técnicas para desenvolver um bom trabalho como agência de

letramento digital. E é sabido, também, que outras escolas são muito bem equipadas

mas ainda não sabem muito bem como explorar essa tecnologia.

Os livros didáticos de Língua Portuguesa contribuem muito pouco para o

letramento digital do aluno e do professor. Poucas coleções se preocupam com a

inserção do aluno no mundo digital. Não podemos negar que isso pode ser um

começo, todavia há um longo percurso a ser traçado.

Observa-se que casa e escola têm desempenhado diferentes papéis no

letramento digital, cabendo à escola lidar com o computador como um recurso

didático – aspecto pedagógico-, na medida em que, em casa, o computador é usado

para entretenimento, fonte de pesquisa, acesso livre às redes sociais, sites e jogos

variados – aspecto lúdico. É necessária essa separação de lúdico e pedagógico?

Uma questão que vem sendo discutida é se a escola precisa realmente

assumir o papel de agência de letramento digital em todos os contextos sociais. Em

contrapartida, no caso de crianças que não possuem computadores em casa, não

seria importante que a escola assumisse esse papel?

A escola não deve perder essa oportunidade de incorporar as novas

tecnologias, sobretudo as digitais, conectando-as em suas práticas educativas.

Acreditamos que, num primeiro momento, ela necessita de projetos e pesquisa que

possam lhe oferecer suporte, contribuindo desta forma, a reflexão sobre o melhor

modo de usar essas tecnologias como recurso didático e sobre como a escola pode

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auxiliar seu alunado a desenvolver competências e habilidades importantes para o

letramento digital.

Considerações finais

Podemos dizer que o professor que trabalha com hipertextos/textos

multimodais em sala de aula possibilita um espaço de ensino e aprendizagem de

escolhas e trocas colaborativas às diferenças individuais, ao grau de dificuldades,

ritmo de trabalho e interesse dos alunos. Além disso, possibilita-se a democratização

do conhecimento e o rompimento com a barreira exclusiva da transmissão, a

horizontalização da prática pedagógica e o benefício da virtualidade com as

interfaces digitais.

Tendo em vista toda essa reflexão da práxis docente na era da cibercultura e

de sujeitos plurais e conectados, a tecnologia na educação, bem como os seus

suportes – aparelhos e ambientes virtuais – recorrentes na Geração Y, não podem

ser ignorados ou desconsiderados. Eles figuram como recurso importante para

uma problematização mais ampla na esfera das instâncias educacionais e para

organizar, inclusive, material para as diferentes disciplinas e áreas do conhecimento,

não somente a de língua materna.

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Universidade de Sorocaba - 26 e 27 de Setembro de 2011

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