Liberdade condicional negada a Carlos Cruz

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  • 8/19/2019 Liberdade condicional negada a Carlos Cruz

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     Tribunal de Execução das Penas de Lisboa

    Juiz 5Av. D. João I I, Nº 1.08.01 A - 1990-097 Lisboa

    Telef: 213182250 Fax: 211545122 Mail: [email protected]

    Proc.Nº 824/13.9TXLSB-A

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    4529708

    CONCLUSÃO - 02-03-2016

    (Termo eletrónico elaborado por Escrivão Auxiliar Luís Canhoto)

    =CLS=

    Fls. 433:

    Pague-se.

    **

    *

    I.  RELATÓRIO

    Identificação do recluso: Carlos Pereira Cruz

    Objeto do processo: apreciação da liberdade condicional (arts. 155.º n.º 1 e 173.º

    e ss., todos do código da execução das penas e medidas privativas da liberdade, de ora

    em diante designado CEPMPL) com referência ao marco dos dois terços da pena.

    Foi elaborado relatório pela equipa técnica única de tratamento prisional e

    reinserção social, versando os aspetos previstos no art. 173.º n.º 1 als. a) e b) doCEPMPL.

    O conselho técnico emitiu, por maioria, parecer desfavorável  à concessão da

    liberdade condicional (art. 175.º do CEPMPL).

    Ouvido o recluso este, entre outros esclarecimentos, deu o seu consentimento à

    aplicação da liberdade condicional (art. 176.º do CEPMPL).

    O Ministério Público emitiu parecer desfavorável (art. 177.º n.º 1 do CEPMPL).

    Documentoassinadoelectronicamente.Estaassinaturaelectrónicasubstituiaassinaturaautógrafa.Dr(a).SóniaKietzmannLopes

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    II. FUNDAMENTAÇÃO

    A) De facto

    i)  Factos mais relevantes:

    1.  Circunstâncias do caso: o recluso cumpre, à ordem do processo n.º

    1718/02.9JDLSB, da 8.ª vara criminal de Lisboa, a pena de 6 (seis) anos de prisão

     pela prática, em dezembro de 1999/janeiro de 2000, de dois crimes p. e p. pelo art.172.º n.ºs 1 e 2 do código penal [abuso sexual de crianças - perpetrados contra um menor

    de 13 anos e consubstanciados em, por duas vezes, ter manipulado o pénis do menor,

    masturbando-o, ter introduzido o pénis do menor na sua boca, chupando-o, enquanto

    manipulava o seu próprio pénis, o menor ter mexido no pénis do condenado, manipulando-o,

    o condenado ter introduzido o seu pénis na boca do menor, tendo-o este chupado e o

    condenado ter introduzido o seu pénis ereto no ânus do menor, aí o friccionando até à

    ejaculação, tendo entregado dinheiro ao adulto que levara o menor até si].2.  Marcos de cumprimento da pena: início em 02/04/2013 (beneficia de 1 ano

    e 4 meses de desconto); meio em 02/12/2014, dois terços em 02/12/2015 e termo em

    02/12/2017.

    3.  Vida anterior do recluso: tem 73 anos de idade; dos 6 aos 17 anos de

    idade viveu em Angola, no seio de uma família que, fruto das atividades laborais e

    comerciais desenvolvidas nesse país, alcançou situação de desafogo financeiro;

    naquele país desenvolveu relação privilegiada com a elite cultural, levando a que se

    dedicasse a um vasto leque de atividades desportivas e tivesse alguma participação na

    vida política; aos 14 anos estreou-se como relator desportivo na emissora católica de

    Angola; concluiu o 12.º ano de escolaridade em Angola, com muito bom

    aproveitamento; frequentou, mas não completou, o curso superior de engenharia

    eletrotécnica no instituto superior técnico de Lisboa; em 1961 começou a desempenhar

    funções como relator desportivo na então emissora nacional; exerceu, ao longo deanos, funções na televisão, como locutor, jornalista, repórter e autor e produtor de

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    diversos tipos de programas, alguns dos quais com grande audiência e impacto

     público; na televisão exerceu também cargos de direção de informação e de

     programas, a nível nacional e internacional; exerceu igualmente funções no teatro, no

    cinema, em revistas e jornais, na publicidade e na produção discográfica; em 1992 terá

    constituído uma empresa de produção audiovisual, tendo-se defrontado no seu âmbito

    com dificuldades diversas, na sequência do que passou para uma situação deinatividade; em 2000 assinou um contrato de trabalho com uma estação televisiva e

     posteriormente assinou contrato de publicidade com um grupo económico, o que lhe

    garantiu algum conforto financeiro; contraiu matrimónio a primeira vez em 1966,

    união que terminou passados cinco anos; entretanto estabeleceu outras relações

    amorosas e voltou a casar; o segundo casamento durou até 1996, tendo dessa união

    nascido uma filha, atualmente com 31 anos de idade; em 1997 iniciou nova união de

    facto; afirma que à data dos factos pelos quais está condenado vivia com essa sua

    companheira, com quem casou passados quatro anos sobre o início da união; fruto

    desta relação teve uma filha, atualmente com 13 anos de idade; o casal separou-se no

    decurso da fase de recurso do processo sobremencionado; o condenado regista

     patologias prévias à reclusão do foro oncológico, psiquiátrico e cardíaco; não tem

    antecedentes criminais.

    4.  Personalidade do recluso e evolução durante o cumprimento da pena:atitude face ao crime –  nega a prática dos crimes por que vem condenado; reitera as

    suas anteriores declarações, no sentido de que “é um tipo de crime que me repugna

    violentamente, em relação ao qual eu sempre tive uma opinião crítica. Eu ponho este

    tipo de crime ao nível do homicídio. Acho que a sociedade tem a obrigação de criar

    mecanismos de prevenção, assim como mecanismo de tratamento de todos aqueles que

    têm esses comportamentos desviantes e, acima de tudo, deve usar e criar meios a

    evitar as reincidências”; declara estar “condenado por uma ficção”; declara ter

    “respeito por quem foi abusado”; declara “estar convencido de que a maioria dos

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     prisional; estabelece contactos telefónicos diários com a família e corresponde-se com

    vários amigos; mantem relações de amizade e proximidade com todas as suas ex-

    companheiras; em meio livre projeta viver junto da sua filha maior de idade; o

    condenado encontra suporte em meio livre na família, que apresenta uma dinâmica

     positiva entre os seus membros; conta com o apoio incondicional de um grupo restrito

    de amigos; para além deste, conta com ao apoio de amigos que se aproximaram nasequência do processo judicial; a filha com quem irá residir tem duas filhas menores

    de idade e refere trabalhar como diretora executiva de uma empresa de eventos,

    acrescendo ao seu vencimento rendimentos relacionados com atividades de

     publicidade e marketing ; não são conhecidos sentimentos de rejeição à presença do

    condenado no meio residencial onde pretende enquadrar-se; perspetiva manter-se

    ativo, afirmando “ parado não vou ficar ”; projeta publicar uma autobiografia e declara

     pretender escrever ainda outros dois livros; existe possibilidade de vir a dedicar-se à

    criação de um canal de televisão via internet e de aceitar alguns convites que afirma ter

     para trabalhar em rádio e televisão; afirma ter sido convidado para sócio de uma

    empresa produtora de espetáculos; recebe uma pensão cujo valor líquido é de

    aproximadamente €3.200,00; sobre a mesma incidem uma penhora bancária no valor

    de aproximadamente €600,00, bem como a penhora sobremencionada, para pagamento

    da indemnização à vítima, no valor de €400,00 mensais; afirma ter como obrigação o pagamento de uma pensão de alimentos de aproximadamente €1.000,00 mensais, não

    liquidando por vezes a totalidade, com o acordo da sua ex-mulher, por não conseguir

    fazê-lo; afirma não ter qualquer património.

    ii)  Motivação da matéria de facto:

    A convicção do tribunal no que respeita a matéria de facto resultou da decisão

    condenatória junta aos autos, da ficha biográfica do recluso, do seu certificado de

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    registo criminal, do relatório junto aos autos elaborado pela equipa técnica única, dos

    esclarecimentos prestados pelo conselho técnico e das declarações do recluso de fls.

    336 e ss. e 435.

    B) De direito

    “A liberdade condicional tem como escopo criar um período de transição entre a

    reclusão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, de forma equilibrada, não

     brusca, recobrar o sentido de orientação social necessariamente enfraquecido por

    efeito do afastamento da vida em meio livre e, nesta medida, a sua finalidade primária

    é a reinserção social do cidadão recluso, sendo certo que, até serem atingidos os dois

    terços da pena, esta finalidade está limitada pela exigência geral preventiva de defesa

    da sociedade” (Anabela Rodrigues, in “A Fase de Execução das Penas e Medidas de

    Segurança no Direito Português”, BMJ, 380, pág. 26). 

    Vale isto por dizer que, alcançados os dois terços da pena, com um mínimo

    absoluto de seis meses (cfr. art. 61.º n.º 3 do código penal, de ora em diante designado

    CP), e obtido o consentimento do recluso, como é o caso, o legislador abranda as

    exigências de defesa da ordem e paz social e prescinde do requisito da prevenção

    geral, considerando que o condenado já cumpriu uma parte significativa de prisão e

    que, por conseguinte, tais exigências já estarão minimamente garantidas. Donde, aos dois terços da pena, é único requisito material a expetativa de que o

    condenado, em liberdade, conduzirá a sua vida responsavelmente sem cometer crimes,

    ou seja, importa que se atente na prevenção especial na perspetiva de ressocialização

    (positiva) e de prevenção da reincidência (negativa).

     Na avaliação da prevenção especial, o julgador tem, pois, de elaborar um juízo de

     prognose sobre o que irá ser a conduta do recluso no que respeita a reiteração

    criminosa e o seu comportamento futuro, a aferir pelas circunstâncias do caso,

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    antecedentes, personalidade e evolução durante o cumprimento da pena (art. 61.º n.º 2

    do CP).

    A lei exige que, na análise da evolução durante o cumprimento da pena, o

    tribunal de execução das penas atenda designadamente à relação do recluso com o

    crime cometido (cfr. art. 173.º n.º 1 al. a) do CEPMPL).

    Significa isto, por um lado, que este tribunal - como não podia deixar de ser numestado de direito democrático  –   tem como assente que o recluso praticou os crimes

     pelos quais vem condenado. Efetivamente, este não é o tribunal do julgamento, nem

    tão-pouco o tribunal de execução das penas tem poderes recursórios, devendo curar,

    exclusivamente, da execução da pena. Não pode acompanhar-se, como tal e sempre

    ressalvado o maior respeito, o entendimento de que deve ser salvaguardada a hipótese

    de “ter havido um erro judiciário”. Pelo contrário, a estabilidade e segurança jurídica

    ditam que, uma vez transitada em julgado uma sentença condenatória, a mesma não

    seja alvo de um escrutínio casuístico quanto à probabilidade ou improbabilidade da

    ocorrência dos factos.

    Por outro lado, ao determinar que o tribunal atenda à relação do recluso com o

    crime cometido, a lei está a significar que não é irrelevante a assunção ou não da

     prática de tal crime por parte do condenado.

    É certo que, em abstrato, a negação da conduta criminal só por si não constitui,sem mais, motivo para que não se conceda a um recluso a liberdade condicional.

    Contudo, sendo esta afirmação certa, em abstrato, o que se impõe ao tribunal é

    que, em concreto, afira da relevância da negação.

    Ora, no caso dos autos analisa-se a liberdade condicional a conceder ao autor de

    crimes de natureza sexual, mais concretamente dois crimes de abuso sexual de

    crianças. A questão é, pois, a de saber se, atenta a natureza dos crimes em questão,

    a negação assume ou não uma particular relevância quando apreciada a possibilidade

    de libertação antecipada de um recluso.

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    A resposta é afirmativa, como de seguida se explicitará.

    Ao longo dos tempos têm sido aventadas várias explicações para o cometimento

    de crimes sexuais contra crianças, acreditando-se  –  desde há cerca de 20 anos a esta

     parte –  que o mesmo assenta numa conjugação de fatores, quais sejam uma preferência

    sexual desviante, distorções cognitivas (por exemplo a de que a vítima gosta da

    experiência sexual, a de que foi a vítima quem fomentou o contacto sexual, etc.),défices de habilidades sociais necessárias para manter um relacionamento com uma

     parceira adulta que consinta e fatores de dimensão não sexual, tais como défices nas

    aptidões para a gestão de emoções negativas e na capacidade de resolver problemas ou

    mesmo perturbações da personalidade (Jean Proulx e Denis Lafortune, in  “A

    diversidade dos agressores sexuais: implicações teóricas e práticas”, Tratado de

    Criminologia Empírica [Colecção Fundamental], 2003, pág. 374).

    Ora, o agressor sexual de menores que nega a respetiva prática, inviabiliza, desde

    logo, que se conheça e escrutine o fator criminógeno que esteve na base dessa prática.

    Isto é, por via da negação, não logra aferir-se por qual das razões acima apontadas o

    recluso praticou o crime e, logo, se ao longo do cumprimento de pena o recluso

    evoluiu de modo a que tal fator criminógeno haja sido debelado.

    Consequentemente, não se logra, também, no decurso do cumprimento da pena,

    direcionar a intervenção especializada para a problemática a trabalhar/tratar. Na verdade, os programas prisionais de intervenção dirigidos a agressores

    sexuais são de orientação cognitivo-comportamental, articulando-se em função de

    objetivos terapêuticos específicos relativos ao delito e em função de objetivos

    terapêuticos indiretamente ligados ao delito, sendo que, de entre os primeiros são

    trabalhados mormente a empatia em relação à vítima, a negação e a minimização,

    as distorções cognitivas, as fantasias sexuais desviantes e o conhecimento do ciclo

    da agressão (Jean Proulx e Denis Lafortune, in ob. cit. págs. 392 e 393).

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    Isto é, com base no reconhecimento de que a negação obstaculiza uma

    intervenção com sucesso na prevenção da reincidência deste tipo de crimes, os vários

     programas - mormente o programa específico de reabilitação seguido no

    estabelecimento prisional da Carregueira  –   têm como um dos seus primeiros

    objetivos a redução da negação (veja-se, a este propósito, também o estudo “The

    management of sex offenders. A discussion document”, de janeiro de 2009, da autoria

    do Offender Management Group do Department of Justice, Equality and Law Reform

    de Dublin, disponível em http://www.justice.ie/en/JELR/Pages/PB09000022).

    E, não sendo ultrapassada a negação, os reclusos ou bem que não chegam a

    integrar o programa ou bem que são convidados a abandoná-lo, por se reconhecer que

    não é possível, em tal circunstância, identificar e tratar o específico fator criminógeno

    do recluso em questão.

    Ora, de entre os reincidentes (sendo que as taxas de reincidência no abuso de

    rapazes –  como é o caso  –  rondam, de acordo com o estudo de Marshall & Barbaree,

    1990, entre 13% e 40%), os agressores sexuais que completaram um programa de

    tratamento cognitivo-comportamental são em menor número (7,2%) do que aqueles

    que não frequentaram um programa dessa índole (17,6%) (Jean Proulx e Denis

    Lafortune, in ob. cit., pág. 394), pelo que é mister reconhecer que a negação, também

     por força da inviabilização da frequência de um programa direcionado para crimessexuais, aumenta a probabilidade de reincidência (neste sentido conclui, também, o

    acórdão do Oberlandesgericht de Colónia [tribunal de 2.ª instância alemão], de

    19/05/2014, publicado em Neue Zeitschrift für Strafrecht, Rechtsprechungsreport,

    2015, 29).

    Aliás, os vários instrumentos de avaliação do risco de reincidência dinâmico em

    caso de crimes de natureza sexual apresentam como um dos indicadores a negação.

    Por todos, veja-se o SOTIPS (Sex Offender Treatment Intervention and Progress

    http://www.justice.ie/en/JELR/Pages/PB09000022http://www.justice.ie/en/JELR/Pages/PB09000022http://www.justice.ie/en/JELR/Pages/PB09000022http://www.justice.ie/en/JELR/Pages/PB09000022

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    Scale)  –   2012, pág. 7 (disponível em http://www.nij.gov/funding/Documents/fy12-

    sotips-manual.pdf).

    Em suma, é inquestionável que a atitude do condenado relativamente ao crime

     por si cometido, mormente a negação da respetiva prática, é um aspeto crucial a

    atender na avaliação do risco de reincidência dos agressores sexuais e, logo, não pode

    deixar de ser tida em conta, mormente pelo tribunal de execução das penas aquando dadecisão sobre a concessão da liberdade condicional.

     Não visa, portanto, obrigar-se os reclusos  –  mormente os agressores sexuais - a

    assumir. Estes são livres de o fazer ou não. O estado não pode é eximir-se da

    obrigação de atender a esse fator enquanto relevante na apreciação das condições para

    a apreciação da liberdade condicional, posto que, como vimos, é mandatória,

    designadamente, a ponderação sobre o risco de reincidência.

    É descabida, portanto, a afirmação de que o tribunal de execução das penas

    “obriga” o recluso a assumir.

    Em primeiro lugar, porque esta afirmação parte do pressuposto de que o recluso é

    inocente e, logo, que uma assunção significa uma violentação do condenado, visão

    essa, porém, de todo incompatível com o caso julgado, ou seja, incompatível com o

    único ponto de partida admissível para o tribunal de execução das penas: o de que o

    recluso cometeu o crime pelo qual vem condenado (v. supra).Em segundo lugar, porquanto, pelas razões acima sobejamente apontadas, a

    atitude face ao crime, mormente a negação, deve (por lei e cientificamente) ser

    atendida enquanto elemento de escrutínio na evolução do cumprimento da pena e

    avaliação do risco de reincidência, muito particularmente nos crimes sexuais.

    Como se lê no acórdão da Relação do Porto, de 28/01/2015, proferido no

     processo n.º 1486/11.3TXPRT, se é certo que “o arrependimento e reconhecimento do

    ilícito perpetrado não são factores imprescindíveis à concessão da liberdade

    condicional   […] o certo é que tais circunstâncias não podem deixar de ser

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     ponderadas em sede de personalidade do condenado e reflectir-se na apreciação da

    evolução deste no cumprimento da pena”. 

    Volvendo ao caso concreto, temos que o recluso cumpre pena por dois crimes de

    abuso sexual de crianças, cuja prática nega, negação que invoca também para declinar

    a frequência do programa destinado a agressores sexuais, existente no estabelecimento

     prisional da Carregueira. Ou seja, aplicando ao caso dos autos as considerações tecidas supra, temos que continua a desconhecer-se o que em concreto motivou o recluso a

    cometer os crimes e, como tal, não pode também afirmar-se que evoluiu a este nível,

    mormente que hoje está munido de um qualquer inibidor endógeno.

    Por outro lado, os crimes sexuais pelos quais o recluso cumpre pena, por terem

    sido cometidos em ambiente extrafamiliar e terem tido por vítima um menor de sexo

    masculino, preenchem dois dos indicadores de reincidência (veja-se o estudo levado a

    cabo por Proulx, Pellerin, Paradis, McKibben, Aubut e Ouimet, citado por Jean Proulx

    e Denis Lafortune, in ob. cit., pág. 395), sendo certo que, de entre os vários tipos de

    abuso possível, aquele em questão é especialmente invasivo, não se limitando a sexo

    oral ou manipulação peniana, o que, além de ser relevante na apreciação da

     personalidade do perpetrador (também revelada no facto de o condenado se ter

    aproveitado de um menor institucionalizado), eleva igualmente a ponderação de risco

    imposta ao tribunal. Na verdade, quanto mais sensíveis e carecidos de proteção os bens jurídicos ameaçados por uma possível reincidência, menor é a margem de risco a que o

    tribunal aceita sujeitar a sociedade por via da libertação antecipada.

    Acresce que o recluso, pese embora a sua idade, afirma ser sexualmente ativo,

     pelo que não se verifica uma minoração do risco de reincidência por força do fator

    idade.

    Por outro lado, ainda, muito embora o recluso seja um cidadão mediático, já

    detinha esta qualidade à data dos factos, sem que tal o impedisse de cometer os crimes

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     por que vem condenado. Não se vê, portanto, que a sua exposição mediática seja

    impeditiva de uma reincidência.

    É certo que o condenado dispõe de amplo apoio em meio livre  –   o que releva

    assertivamente ao nível da prevenção especial positiva -, mas certo é, também, que já

    contava com apoio familiar e social à data dos factos, sem que tal circunstância

    obviasse à prática dos crimes. Não pode, como tal, reconhecer-se a este apoio odesejado efeito contentor.

    Por sua vez, no que diz respeito ao item comportamento prisional (que se insere

    na vertente da evolução durante o cumprimento da pena), acompanha-se o que a este

    respeito vem sendo entendido na jurisprudência germânica: o comportamento

    institucional imaculado não releva tendencialmente de forma positiva quando está em

    causa a apreciação da liberdade condicional de um agressor sexual de menores, já que

    este, denotando tipicamente rigidez interna e um desfasamento entre a realidade e a

    imagem que tem de si próprio [razão da negação da prática dos crimes, na maior parte dos

    agressores sexuais, acrescentamos nós], apresenta frequentemente um comportamento

    institucional supernormativo (neste sentido, o acórdão do Oberlandesgericht de

    Colónia citado supra). 

    Aliás, como se lê no acórdão do tribunal da relação de Lisboa, de 21/01/2015,

     proferido no processo n.º 7164/10.3TXLSB, o bom comportamento prisional não énada que não seja exigível a um recluso - que conhece as consequências dos

    incumprimentos ao nível disciplinar - e não é suficiente para que seja concedida uma

    liberdade condicional.

    Em síntese, escalpelizados os aspetos a atender ao nível da prevenção especial

    negativa, não logra descortinar-se uma evolução do recluso no decurso do

    cumprimento de pena (daí que pouco ou nada releve o facto de não ser conhecido ao

    condenado o cometimento de crimes no largo período de tempo durante o qual esteve

    sob julgamento, altura em que, aliás, não seria de esperar que praticasse qualquer ato

  • 8/19/2019 Liberdade condicional negada a Carlos Cruz

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     Tribunal de Execução das Penas de Lisboa

    Juiz 5Av. D. João I I, Nº 1.08.01 A - 1990-097 Lisboa

    Telef: 213182250 Fax: 211545122 Mail: [email protected]

    Proc.Nº 824/13.9TXLSB-A

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     passível de agravar a sua situação) que permita afirmar um decrescimento das

    exigências de prevenção especial negativa (risco de reincidência) ou, nas palavras do

    citado acórdão da relação de Lisboa, de 21/01/2015, não se verifica in casu que em

    termos pessoais algo de relevante se tenha mudado no recluso e que ocorram situações

    ou circunstâncias exteriores ao cumprimento da pena ou ao meio prisional que nos

    levem a considerar que algo mudou para melhor e que justifique a concessão do benefício de sair da prisão antes de cumprir a pena que o tribunal da condenação achou

    adequada aos factos e à culpa.

    Assim o considerou também maioritariamente o conselho técnico e nesse

    sentido é o parecer do Ministério Público, cujas posições, pelas razões apontadas, se

    entende acompanhar, tanto mais que não é este o último momento possível para

     permitir que o condenado de uma forma equilibrada, não brusca, recobre o sentido de

    orientação social enfraquecido por efeito do afastamento da vida em meio livre (a cerca

    de 9 meses do termo de pena verificar-se-á novo conhecimento sobre a possibilidade de

    concessão de liberdade condicional).

    III. DECISÃO

    Em face do exposto, não concedo a liberdade condicional a Carlos PereiraCruz.

    A eventual concessão de liberdade condicional será reapreciada em renovação da

    instância, ou seja, em 07 de março de 2016.

    Para o efeito, deverá a secção solicitar, com 90 (noventa) dias de antecedência, o

    envio, no prazo de 30 (trinta) dias, de relatório versando os aspetos previstos no art.

    173.º do CEPMPL, bem como a ficha biográfica e o certificado de registo criminal do

    recluso.

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    Juiz 5Av. D. João I I, Nº 1.08.01 A - 1990-097 Lisboa

    Telef: 213182250 Fax: 211545122 Mail: [email protected]

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    Registe, notifique e comunique de acordo com o disposto no art. 177.º n.º 3 do

    CEPMPL.

    Lisboa, 07 de março de 2016

    (Processado mediante o uso de meios informáticos e revisto pela signatária, Sónia Kietzmann Lopes)