LiedkeFilho_SOCIOLOGIA

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1 SOCIOLOGIA BRASILEIRA: TENDÊNCIAS INSTITUCIONAIS E EPISTEMOLÓGICO-TEÓRICAS CONTEMPORÂNEAS Enno Dagoberto Liedke Filho DS-IFCH-UFRGS APRESENTAÇÃO Um dos principais problemas enfrentado pela sociologia, e pelas ciências sociais em geral brasileiras no presente, refere-se à capacidade de enfrentar teórico- metodologicamente os desafios temáticos e histórico-teóricos que a presente situação da sociedade brasileira coloca. Ou, em outros termos, estarão as ciências sociais e particularmente a sociologia em condições institucionais-profissionais, e principalmente paradigmático-temáticas apropriadas para enfrentarem os novos desafios teórico- metodológicos e prático-políticos, que os processos sociais contemporâneos vêm colocando às ciências sociais no Brasil? O texto é dividido em duas seções complementares, quais sejam: I - A Sociologia do Conhecimento, a Sociologia da Ciência e a Sociologia da Sociologia; II - Sete Temas Candentes da Sociologia da Sociologia Brasileira Contemporânea. I - A SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO, A SOCIOLOGIA DA CIÊNCIA E A SOCIOLOGIA DA SOCIOLOGIA A reflexão sobre a sociologia, suas origens, seus desenvolvimentos e promessas e fracassos tem sido uma constante entre os praticantes desta disciplina, como por exemplo no próprio Curso de Filosofia Positiva de Comte, na “Aula Inaugural do Curso de Sociologia” de Durkheim, ou contemporaneamente na Imaginação Sociológica de Wright Mills ou na obra de Jeffrey Alexander Theoretical Logic in Sociology. Na América Latina, obras como Historia de la Sociología Latinoamericana, e Nueva historia de la Sociologia Latinoamericana de Alfredo Poviña, As Ciências Sociais no Brasil de Costa

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    SOCIOLOGIA BRASILEIRA:

    TENDNCIAS INSTITUCIONAIS E EPISTEMOLGICO-TERICAS

    CONTEMPORNEAS

    Enno Dagoberto Liedke Filho

    DS-IFCH-UFRGS

    APRESENTAO

    Um dos principais problemas enfrentado pela sociologia, e pelas cincias sociais

    em geral brasileiras no presente, refere-se capacidade de enfrentar terico-

    metodologicamente os desafios temticos e histrico-tericos que a presente situao da

    sociedade brasileira coloca. Ou, em outros termos, estaro as cincias sociais e

    particularmente a sociologia em condies institucionais-profissionais, e principalmente

    paradigmtico-temticas apropriadas para enfrentarem os novos desafios terico-

    metodolgicos e prtico-polticos, que os processos sociais contemporneos vm

    colocando s cincias sociais no Brasil?

    O texto dividido em duas sees complementares, quais sejam:

    I - A Sociologia do Conhecimento, a Sociologia da Cincia e a Sociologia da

    Sociologia;

    II - Sete Temas Candentes da Sociologia da Sociologia Brasileira Contempornea.

    I - A SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO, A SOCIOLOGIA DA

    CINCIA E A SOCIOLOGIA DA SOCIOLOGIA

    A reflexo sobre a sociologia, suas origens, seus desenvolvimentos e promessas e

    fracassos tem sido uma constante entre os praticantes desta disciplina, como por exemplo

    no prprio Curso de Filosofia Positiva de Comte, na Aula Inaugural do Curso de

    Sociologia de Durkheim, ou contemporaneamente na Imaginao Sociolgica de Wright

    Mills ou na obra de Jeffrey Alexander Theoretical Logic in Sociology. Na Amrica

    Latina, obras como Historia de la Sociologa Latinoamericana, e Nueva historia de la

    Sociologia Latinoamericana de Alfredo Povia, As Cincias Sociais no Brasil de Costa

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    Pinto e Edison Carneiro, La Sociologa Cientfica de Gino Germani e A Sociologia numa

    Era de Revoluo Social de Florestan Fernandes, so alguns exemplos j clssicos desta

    preocupao com o sentido histrico-social da disciplina. A profunda crise poltico-

    intelectual desencadeada pelo ciclo autoritrio na Amrica latina a partir dos meados dos

    anos sessenta, e a renovao de esperanas socio-poltico-culturais no bojo dos processos

    de redemocratizao levou ao surgimento de uma nova srie de reflexes sobre o

    significado de fazer sociologia na Amrica Latina, como exemplificado pelas obras A

    Sociologia Brasileira de Florestan Fernandes, A Sociologia da Sociologia Latino-

    americana de Octavio Ianni, Imperialismo, Lucha de Clases y conocimiento: 25 aos de

    Sociologia en Argentina de Vern, ou mais recentemente, entre outras, o livro de Brunner

    e Barrios Inquisicin, Mercado y Filantropia. Ciencias Sociales y Autoritarismo en

    Argentina, Brasil, Chile y Uruguay. a obra coletiva dirigida por Sergio Miceli, Histria

    das Cincias Sociais no Brasil.

    Ao mesmo tempo, uma ampla gama de artigos, depoimentos e relatrios tem sido

    produzida, tendendo todavia por vezes a um tipo de produo intelectual que, utilizando-

    se de forma livre uma expresso de origem althusseriana, corresponde mais a uma

    sociologia da sociologia espontnea dos socilogos. Consideramos que a Sociologia

    da Sociologia corresponde a uma diviso interdisciplinar especfica, que classicamente

    corresponderia e seria classificvel como uma sociologia especial, requerendo ensino e

    treinamento em pesquisa especficos. As fronteiras e possibilidades de cooperao

    frutfera com outras sociologia especiais como a sociologia do conhecimento, a

    sociologia da cincia e a sociologia poltica assim como com outras disciplinas como a

    histria, a economia poltica tambm merecem ateno. A instigante obra de Wolf

    Lepenies Las tres culturas. La sociologia entre la literatura y la ciencia, demonstra como

    conexes da sociologia com reas da cultura que poderiam parecer longnguas, no o so

    realmente, na vida e na obra de autores com Comte, Durkheim e Weber.

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    A Sociologia do Conhecimento e a Sociologia da Cincia

    Entre as chamadas sociologias especiais a sociologia do conhecimento ocupa um

    lugar de destaque tanto pelo seu prprio campo de investigao como pelos efeitos desta

    para a sociologia da sociologia bem como para outras sociologias especiais1. A sociologia

    do conhecimento pode ser definida em linhas gerais como o ramo da sociologia que

    estuda a relao entre pensamento e sociedade. Ela est preocupada com as condies

    sociais ou existenciais do conhecimento. Estudiosos deste campo, longe de ficarem

    restritos a anlise sociolgica da esfera cognitiva como o termo poderia implicar, tem se

    dedicado a anlise praticamente de toda gama de produtos intelectuais - filosofias e

    ideologias, doutrinas polticas e pensamento teolgico. Em todas estas reas a sociologia

    do conhecimento tenta relacionar as idias que estuda ao contexto sociohistrico em que

    so produzidas e recebidas (Coser, Social Sciences Enciclopedia:428).

    Entre as vrias contribuies sociologia do conhecimento, consideramos que

    cabe destaque a obra de Mannheim2, o qual buscou avaliar, no incio do sculo, a

    contribuio dos principais "pontos de vista" filosfico-sistemticos para a elaborao da

    Sociologia do Conhecimento - a) o positivismo (Durkheim e Levi-Bruhl); b) o apriorismo

    formal (neokantismo); c) o apriorismo material (i. e., a escola fenomenolgica moderna,

    por ex. Scheler), e d) o historicismo (Troeltsch e Luckcs)3. Da anlise crtica destas

    contribuies resultou uma formulao da tarefa da Sociologia do Conhecimento,

    apresentada por Mannheim como sendo:

    especificar, para cada corte transversal do processo histrico, as vrias

    posies intelectuais sistemticas nas quais o pensamento dos grupos e

    indivduos criativos foi baseado. Uma vez feito isto, contudo, essas diferentes

    tendncias do pensamento no deveriam ser confrontadas como posies num

    debate meramente terico, mas dever-se-ia explorar suas razes vitais, no-

    tericas. Para fazer isto, primeiramente temos que descobrir as premissas

    1 Ver Machado Neto, 1979.

    2 Ver Merton,1970. 3 Ver Manheim, 1974.

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    metafsicas subjacentes s vrias posies sistemticas; depois devemos

    perguntar quais dos "postulados sobre o mundo" coexistentes numa dada

    poca so correlatos de um determinado estilo de pensamento. Quando estas

    correspondncias ficarem estabelecidas, teremos identificado os estratos

    intelectuais que se combatem.

    Mannheim acrescentava que:

    a tarefa sociolgica, contudo, comea apenas depois de feita esta anlise

    "imanente" - ela consiste em descobrir os estratos sociais que compem os

    estratos intelectuais em questo (Mannheim, 1974: 78-79). E apenas em

    termos do papel desses ltimos estratos dentro do processo global, em termos

    de suas atitudes em relao nova realidade emergente, que podemos definir

    as aspiraes fundamentais e os postulados sobre o mundo existentes num

    determinado momento, que podem absorver idias e mtodos j existentes e

    os sujeitar a uma mudana de funo - para no falar nas formas recm-

    criadas (Mannheim, 1974: 78-79).

    Colocada em outra terminologia, esta tarefa foi formulada como consistindo em

    trs passos metodolgicos complementares:

    Primeiro passo - As expresses documentadas de pensamentos, sentimento ou

    gosto so examinadas para que se revele seu sentido inerente ou pretendido,

    enquanto as indagaes sobre sua validade ou veracidade intrnsecas ficam

    adiadas at o terceiro passo;

    Segundo passo - Toda a gama de relaes sociais nas quais essas expresses

    so concebidas e realizadas delineada e estabelecida. Especial ateno deve

    ser dada s escolhas e ordem de preferncias implicitamente manifestadas

    pelas aes dos participantes de uma dada situao;

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    Terceiro passo - A anlise de contedo das manifestaes retomada no

    contexto restaurado da interao original, reconstruindo-se por completo seu

    significado situacional (Mannheim,1974: 36)4.

    Finalmente, interessante apontar que Mannheim indicou os obstculos no campo

    cultural alemo do incio do sculo, para a aceitao de uma sociologia do conhecimento

    ou do esprito:

    1 - a alienao tpica dos professores, criando, entre o intelectual e a vida real,

    uma atmosfera fictcia de idias e valores, pe o pensamento como que numa

    distncia extraordinria em relao vida real;

    2 - o trabalho peculiar aos humanistas cria-lhes a iluso de uma corrente

    imanente das idias que, s por outras idias do mesmo ou de outros sujeitos,

    poderiam, cabalmente, explicar-se;

    3 - a origem religiosa e, pois, sacral da idia de Geist (esprito);

    4 - a noo de liberdade espiritual, avessa ao determinismo, nesse terreno

    (Mannheim, in Machado Neto, 1979: 102).

    J, a anlise das relaes entre cincia e sociedade tem sido desenvolvida no

    mbito da sociologia por uma disciplina especial - a sociologia da cincia, a qual assume

    certas pressuposies da sociologia do conhecimento como referenciais de fundo, donde

    a necessidade de estar atento as suas interrelaes.

    Merton (1961) aponta que a sociologia da cincia a mais elaborada tentativa de

    desenvolver proposies e teoria sobre a interdependncia entre aquele conhecimento

    particular que "emerge e retorna a observao controlada" e o contexto social

    circundante. Merton (1961), sugeriu que o desenvolvimento de um campo de

    investigao intelectual pode ser examinado sob trs aspectos:

    - a filiao histrica das idias analisadas em suas interpelaes;

    4 E interessante ressaltar que esta proposta metodolgica antecipa a apropriao e

    revalorizao contempornea do mtodo hermenutico pela nova histria da sociologia.

    Ver Kuklich, 1983; e Giddens, 1982.

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    - os efeitos da estrutura social dentro da qual o campo vem intelectual vem se desenvolvendo; e

    - os processos de interao social entre os membros de uma comunidade intelectual.

    Ben-David (1975) sugere, de uma forma mais especfica, que o primeiro aspecto

    corresponde a tarefa tpica da Histria Intelectual, enquanto o segundo tema seria tpico

    da Sociologia do Conhecimento e o terceiro, da abordagem interacionista desenvolvida

    dentro da Sociologia da Cincia. J, Crawford (1971), analisando as similaridades e

    diferenas entre a sociologia do conhecimento e a histria intelectual, props a

    caracterizao das tarefas destas disciplinas nos seguintes termos:

    Comum a sociologia do conhecimento e a histria intelectual a preocupao

    com as influncias reciprocas entre conhecimento ou pensamento e o

    contexto social, assim como uma definio ampla de seus objetos de

    pesquisa, os quais so definidos como conhecimento, pensamento, idias ou

    crenas. Enquanto o socilogo do conhecimento busca desenvolver

    proposies e generalizaes sobre a relao entre a produo de idias e o

    contexto socio-cultural sem preocupaes com a delimitao temporal, o

    estudioso da histria intelectual est preocupado com a descrio e a anlise

    do conhecimento ou crenas de um perodo histrico particular ... (Crawford,

    1971).

    A Sociologia da Cincia e a Sociologia da Sociologia

    Realizando um balano sobre os estudos da sociologia das cincias sociais,

    Crawford (1971) explicita as mudanas tanto internas comunidade cientfica como nas

    relaes com outras instituies e com o ambiente social, que estimularam o rpido

    desenvolvimento da produo intelectual desta disciplina especializada. Estas mudanas

    foram:

    - mudanas relacionadas a "profissionalizao", isto , a criao de papis ocupacionais, estruturas organizacionais e imagem coletiva especficas a produo e uso do conhecimento das cincias sociais;

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    - a influncia dos cientistas sociais e do conhecimento das cincias sociais no pensamento social assim como em problemas especficos de polticas e prticas em diferentes reas da vida social; e - a noo de crise que afetou as cincias sociais em geral e a sociologia em particular (Crawford, 1971: 9-10).

    A literatura da sociologia das cincias sociais passvel de classificao, segundo

    Crawford, em seis grupos temticos;

    1 - concepes alternativas sobre as cincias sociais enquanto fenmeno social; 2 - caractersticas sociais e profissionais dos cientistas sociais; 3 - padres de estratificao da comunidade cientfica; 4 - padres normativos da comunidade cientfica; 5 - padres de comunicao dentro da comunidade cientfica; e 6 - a relao entre as cincias sociais e polticas e prticas sociais (Crawford, 1971: 13).

    Consideramos que estes seis tipos de trabalhos enfocam temas complementares e

    que os trabalhos desenvolvidos no mbito da sociologia da sociologia, mesmo quando

    elejam um ou mais destes temas como objeto principal, devem buscar sempre reter suas

    possveis conexes com os demais temas abrindo pistas para um tratamento analtico

    integrado dos mesmos5.

    SETE TEMAS CANDENTES DA SOCIOLOGIA BRASILEIRA HOJE

    A -Um primeiro tema significativo refere-se as etapas de institucionalizao de

    disciplinas acadmico-cientficas, enfocando particularmente o caso da sociologia.

    Analisando a evoluo da Escola Durkheimiana na Frana, Clark props uma interessante

    diviso da evoluo da sociologia francesa. No seu entender, esta evoluo pode ser

    dividida em cinco grandes etapas ou momentos: (1) a etapa de pensadores sociais

    individuais; (2) o surgimento de pequenas associaes cientficas no-acadmicas (do

    tipo dos Institutos Histrico-Geogrficos no Brasil); (3) o surgimento de ctedras

    acadmicas especializadas; (4) o surgimento de departamentos, os quais tendem a estar

    5 Em estudos anteriores sobre a Escola de Sociologia da USP, sobre a sociologia brasileira e particularmente em pesquisa comparativa sobre a sociologia brasileira e a sociologia argentina (Liedke Filho, 1977, 1990 e 1991), procuramos aplicar este pressuposto.

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    articulados a cursos de graduao de suas respectivas disciplinas; e (5) finalmente, a

    criao de cursos de ps-graduao e a organizao de comunidades cientficas

    especializadas, caracterizando a etapa da "big science"6.

    Se este modelo reflete a experincia europia e norte-americana, este j no o

    caso da evoluo da sociologia na Amrica Latina, conforme ser visto em detalhe

    posteriormente, pois o ensino de graduao antecedeu a implantao da ps-graduao,

    sendo esta por exemplo no caso brasileiro, um nvel de ensino que se generaliza aps a

    Reforma Universitria de 1969.

    B -Um segundo tema interessante, diz respeito tipologia de evoluo

    institucional e dos padres de conflito acerca de estilos do trabalho sociolgico, proposta

    por Merton em sua interveno no Congresso Mundial de Sociologia realizado em

    Louvain em 1959, Merton props que uma disciplina se constitui acadmica e

    cientificamente atravs de trs grandes momentos.

    Um primeiro momento, da evoluo de uma disciplina caracteriza-se pelo esforo

    para a sua diferenciao em relao a uma disciplina-me, como por exemplo, no caso da

    sociologia, sua diferenciao da filosofia social. A seqncia Comte-Durkheim ilustraria

    este esforo de diferenciao e de estabelecimento de um novo campo disciplinar,

    estando a obra de Comte ainda impregnada por resqucios de filosofia social, enquanto

    que a obra de Durkheim j representa o cientificismo sociolgico.

    Um segundo momento caracteriza-se pela busca de autonomia, consolidao e a

    legitimao acadmica. Neste perodo, uma das tticas principais utilizadas a de ocupar

    espaos acadmicos, atravs de "qualquer meio". Inclui-se entre estes, controvrsias

    ferrenhas com as disciplinas prximas, como por exemplo, controvrsias entre sociologia

    e antropologia ou sociologia e cincia poltica e mais remotamente sociologia e histria.

    6 Considerando-se por exemplo, o surgimento da Faculdade de Filosofia Cincias e Letras da UFRGS, verifica-se que este modelo apreende, em largos traos sua evoluo, dentro do contexto sociocultural. Ressalte-se a importncia das ctedras quando da criao da Faculdade na dcada de 40, a posterior criao do curso de graduao em cincias sociais na dcada de 50, do departamento de cincias sociais no final da dcada de 60 e finalmente a criao do programa de ps-graduao em antropologia, cincia poltica e sociologia nos anos 70.

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    Associados aos esforos de cada disciplina se apresentar como a cincia social -

    verdadeira e nica - ocorrem, por vezes, divises institucionais, com a criao de

    departamentos, cursos de graduao ou ps graduao especficos. Este um dos casos

    mais tensos e dramticos de enfrentamentos interdisciplinares, com o uso de mltiplos

    expedientes para alcanar a legitimao e consolidao institucional, "a todo e qualquer

    custo".

    Finalmente, uma vez consolidada a legitimidade acadmica, uma disciplina pode,

    numa terceira etapa, abrir-se para o trabalho interdisciplinar com as disciplinas limtrofes.

    Ressalte-se que esta tipologia busca apreender tanto conflitos intra como

    interdisciplinares7.

    C - Um terceiro tema candente diz respeito as periodizaes da evoluo da

    Sociologia na Amrica Latina. A anlise do surgimento evoluo da sociologia como

    disciplina acadmico-cientfica especializada na Amrica Latina tem sido apresentada sob

    mltiplos modelos, dependendo do paradigma analtico, das dimenses e temas

    enfatizados pelos diversos autores.

    Em estudos anteriores tivemos a oportunidade de apontar modelos alternativos de

    evoluo da sociologia latino-americana, sendo que consideramos que no existe uma

    cumulatividade, ou considerao mnima das propostas anteriores, por parte da maior

    parte dos autores, seja por diverg6encias ideolgico-paradigmticas, seja por outros

    processos de auto-consagrao como percursores destes estudos, pelo desconhecimento

    dos predecessores, independentemente da necessidade ou no de crtica aos mesmos.

    Procuramos tambm mapear uma pliade de periodizaes alternativas da histria

    da sociologia da sociologia na Amrica Latina e no Brasil (Liedke Filho, 1990, 1991 e

    1992). Entre as mltiplas periodizaes sugeridas acerca da evoluo da sociologia na

    Amrica Latina consideramos relevante a periodizao proposta por Germani (1959), a

    qual foi inclusive referncia para crticos como Graciarena (1964) e Vern (1974).

    7 Este modelo ideal tpico tambm pode ser, em nosso entender, aplicvel em estudos de casos, como o da criao e evoluo da sociologia na antiga Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Liedke Filho e Baeta Neves, 1997.).

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    Germani (1959) props que a sociologia na Amrica Latina, percorreu trs

    momentos essenciais:

    a) Etapa do Pensamento Pr -sociolgico, das Guerras de Independncia at fins

    do Sculo XIX;

    b) Etapa das Ctedras (1890/1900 - 1950);

    c) Etapa da Sociologia Cientfica (1950 aproximadamente).

    Procurando avanar em relao a esta periodizao clssica, sugerimos em

    trabalhos anteriores (Liedke Filho, 1990 e 1992), que a emergncia e evoluo da

    Sociologia como disciplina acadmico-cientfica no Brasil e na Amrica Latina pode ser

    dividida nas seguintes etapas e perodos:

    A Herana Histrico-cultural da Sociologia

    Perodo dos Pensadores Sociais

    Perodo da Sociologia de Ctedra

    Etapa Contempornea da Sociologia

    Perodo da Sociologia Cientfica

    Perodo de Crise e Diversificao8.

    Uma primeira etapa corresponde a Herana Histrico-cultural da Sociologia

    Perodo dos Pensadores Sociais9 corresponde historicamente ao perodo que se estende

    das lutas pela Independncia das naes latino-americanas at o incio deste sculo.

    Durante este perodo a elaborao de teoria social tendeu a ser desenvolvida por

    pensadores sob a influncia de idias filosfico-sociais europias ou norte-americanas,

    como por exemplo, o iluminismo francs, o ecletismo de Cousin, o positivismo de Comte

    e o evolucionismo de Spencer.

    8 A descrio suscinta da evoluo da sociologia na Amrica Latina que se segue, foi desenvolvida em detalhe em trabalhos recentes. Ver Liedke Filho, 1990 e 1991. 9 Acerca do Arielismo (humanismo anti-tecnicista) ou no dos pensadores sociais latino-americanos, ver Solari et al. (1976).

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    O Perodo da Sociologia de Ctedra iniciou-se em pases latino-americanos em

    geral em fins do sculo passado, quando ctedras de sociologia forma introduzidas em

    Faculdades de Filosofia, Direito e Economia. No Brasil, este perodo s iniciou-se em

    meados da dcada dos vinte, quando ctedras de sociologia foram criadas em Escolas

    Normais. Esta etapa viu a proliferao da publicao de Manuais para o ensino de

    sociologia, os quais procuravam divulgar as idias de cientistas sociais europeus e norte-

    americanos renomados, bem como idias sociolgicas acerca de problemas sociais como

    urbanizao, migraes analfabetismo e pobreza.

    O incio da Etapa Contempornea da Sociologia corresponde a emergncia do

    Perodo da Sociologia "Cientfica", a qual buscou, sob a gide do paradigma estrutural-

    funcionalista, a consecuo de um padro de institucionalizao e prtica do ensino e da

    pesquisa em sociologia, similar ao dos centros sociolgicos dos pases centrais. A

    concepo de desenvolvimento desta abordagem teve sua expresso na Teoria da

    Modernizao e em sua anlise do processo de transio da sociedade tradicional para a

    sociedade moderna.

    No bojo da crise social e poltica latino-americana do final dos anos cinqenta e

    incio da dcada de sessenta verificou-se o incio do Perodo de Crise e Diversificao da

    Sociologia latino-americana, caracterizado pela crise institucional e profissional da

    sociologia sob a represso poltico-cultural dos regimes autoritrios e simultaneamente

    por uma profunda crise paradigmtica, isto , pela crise da hegemonia da Sociologia

    "Cientfica" e emergncia de alternativas tericas como a Sociologia Nacional, a Teoria

    da Dependncia e a Teoria do "Novo Autoritarismo"10.

    D - Um quarto tema diz respeito a situao vivenciada pela Sociologia e pelas

    Cincias Sociais nas Sociedades da Amrica Latina sob o Recente Ciclo Autoritrio. Uma

    hiptese que tem tido ampla vigncia na Amrica Latina sugere que situaes

    democrticas esto necessariamente vinculadas a situaes favorveis ao

    10 Ver entre outros, Stavenhagen, 1969; Cardoso e Faletto, 1973; Cardoso, 1976 e 1980;

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    desenvolvimento acadmico e cientfico-tecnolgico, enquanto que situaes autoritrias

    implicam em condies negativas a este desenvolvimento11.

    Durante os anos 50/60, teve-se na Amrica Latina a vigncia de uma concepo,

    compartilhada tanto por setores liberais como de esquerda, de que as sociedades latino-

    americanas encaminhavam-se para um desenvolvimento econmico-social autnomo,

    caracterizado por uma industrializao e urbanizao aceleradas e pela democratizao

    socio-poltica. A modernizao e democratizao das oportunidades educacionais, junto

    com o desenvolvimento cientfico-tecnolgico, ocupava um papel estratgico dentro

    desta perspectiva, sendo, por exemplo, postulada como uma das reformas de base dentro

    do desenvolvimentismo brasileiro12.

    Com a emergncia do ciclo autoritrio dos anos 60/70, colocando um fim as

    experincias democrtico-desenvolvimentistas, a questo educacional e cientfico-

    tecnolgica adquiriu novos contornos. Se de um lado, as polticas educacionais e

    cientficas repressivas e recessivas dos governos autoritrios, com a quebra da autonomia

    universitria as cassaces, prises e dispora intelectual-acadmica (exemplo argentino),

    pareceram dar razo as mais pessimistas previses. Todavia, a evoluo educacional e

    cientfico-tecnolgica positiva, ainda que distorcida, durante os governos autoritrios

    brasileiros, particularmente durante a chamada transio democrtica (1974/75-1986),

    contrasta com estas previses e com as dramticas experincias dos casos argentino,

    uruguaio e chileno 13.

    Em estudos recentes (Liedke Filho, 1990 e 1992) indicamos que historicamente

    quatro tipos de situaes so possveis:

    Situao de Tipo 1 - democracia poltica associada a situao favorvel a

    expanso de oportunidades educacionais e a democratizao da educao e ao

    11 Ver por exemplo, Fernandes, 1976;. Graciarena e Franco, 1978. 12 Pecaut, (198_) analisa em detalhe esta questo quanto ao caso brasieleiro, e Vern (1975) e Sigal (198_) quanto ao caso argentino.

    13 Ver Brunner e Barrios, 1987; e Liedke Filho, 1990 e 1991.

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    desenvolvimento cientfico-tecnolgico (Brasil, 1950-1964; Argentina, 1955-1966,

    1973-1974 e 1983-1989);

    Situao de Tipo 2 - democracia poltica associada a situao desfavorvel

    a expanso de oportunidades educacionais e a democratizao da educao e ao

    desenvolvimento cientfico-tecnolgico (Brasil, 1990- ...; Argentina, 1974-1976 e

    1989- ...);

    Situao de Tipo 3 - autoritarismo poltico associado a situao

    desfavorvel a expanso de oportunidades educacionais e a democratizao da

    educao e ao desenvolvimento cientfico-tecnolgico (Argentina, 1966-1969 e

    1976-1983);

    Situao de Tipo 4 - autoritarismo poltico associado a situao

    relativamente favorvel a expanso de oportunidades educacionais e a

    democratizao (ainda que parcial e seletiva) da educao e ao desenvolvimento

    cientfico-tecnolgico (Brasil 1964-1968, 1968-1974 e 1974-1985);

    Sugerimos que, para a compreenso destas possibilidades torna-se necessrio

    apreender, no s, as interpelaes entre modelo poltico, contexto cultural e os campos

    educacionais e cientfico-tecnolgicos, mas tambm com o modelo econmico-social

    vigente. Postulamos ser necessrio manter uma clara distino entre dois modelos de

    autoritarismo, com significativas implicaes socio-culturais, e particularmente na

    questo educacional e cientfico-tecnolgica, bem como levando a constituio de

    cenrios diferenciados de redemocratizao.

    Consideramos que existiram dois tipos de autoritarismo dentro do ciclo autoritrio

    latino-americano recente. O autoritarismo brasileiro postulou um tipo de

    desenvolvimento capitalista que, embora excludente em relao s grandes massas e com

    custo social bastante alto, implicou num mnimo de desenvolvimento acadmico e da rea

    de pesquisa tecnolgica. Isto ficou consubstanciado nos vrios planos de

    desenvolvimento tentados nos anos 60 e 70. Sob o modelo proposto de industrializao,

    havia a necessidade de um mnimo de pesquisa cientfico-tecnolgica e de formao de

    quadros tcnico-cientficos. Tal no ocorreu na Argentina e no Uruguai. A Argentina, no

    primeiro ciclo autoritrio - 66/70 - tentou, infrutiferamente, um modelo semelhante ao

  • 14

    "milagre brasileiro". No segundo perodo autoritrio argentino - 76/83 -, assim como no

    perodo autoritrio uruguaio, optou-se por um "autoritarismo regressivo", com a

    destruio dos patamares de desenvolvimento econmico e dos patamares educacionais e

    universitrios preexistentes.

    Indicamos tambm a necessidade de distinguir dois tipos de modelos autoritrios

    recentes na Amrica Latina: autoritarismo desenvolvimentista e autoritarismo anti-

    desenvolvimentista (Liedke Filho, 1990 e 1991). Esta distino ilustrada pelo contraste

    entre o modelo socio-econmico do Milagre Econmico, postulado pelo regime

    autoritrio brasileiro, e o modelo socio-econmico do regime autoritrio argentino do

    Processo (1976-1983), com sua poltica de desindustrializao.

    Consideramos outrossim fundamental analisar as tendncias dominantes no

    campo cultural, distinguindo casos histricos de clima cultural progressivo e clima

    cultural regressivo (Liedke Filho, 1991). Uma situao cultural regressiva se caracteriza

    pela diminuio quantitativa e qualitativa da produo, circulao e consumo de bens e

    servios culturais, enquanto uma situao cultural progressiva, se caracteriza no s pelo

    incremento quantitativo e qualitativo de bens e servios culturais disponveis, mas

    tambm pela democratizao crescente destes. Dado que o campo cultural o locus de

    elaborao, disputa e confrontao ideolgica, compreensvel o permanente interesse,

    presena e interveno de atores sociais coletivos da sociedade civil (igrejas, partidos,

    sindicatos, associaes e movimentos socio-culturais) e da sociedade poltica (governo e

    burocracia) na arena cultural, propondo e implementando polticas culturais progressivas

    ou regressivas.

    Se algumas polticas autoritrias podem ser caracterizadas como casos de

    "genocdio cultural" (Sorj e Mitre, 1985), consideramos que o conceito de regresso

    cultural reflete melhor os resultados de "polticas culturais" autoritrias, as quais baseadas

    na represso e censura cultural tendem a produzir resultados negativos dramticos atravs

    de um processo duplo: (a) uma diminuio quantitativa e qualitativa da produo,

    circulao e consumo de bens e servios culturais (incluindo tanto o acesso a educao

    elementar e superior, aos bens de cultura de massa, bem como o desenvolvimento de

    atividades e produtos cientfico-tecnolgicos); e (b) a impossibilidade "orgnica" de

  • 15

    regimes autoritrios tanto de restaurarem a "cultura e valores tradicionais" como de

    criarem uma "nova cultura" para alm do artificialismo do discurso salvacionista.

    A importncia desta distino para a anlise da questo da educao nas

    sociedades que passaram pelo ciclo autoritrio, ilustrada pela anlise de Brunner e

    Barrios (1987):

    Las experiencias militares autoritarias produjeron un intenso proceso de

    reestructuracin cultural, caracterizado en cada pas por la natureza

    especfica del rgimen poltico, por la combinacin ideolgica predominante,

    adems, por el "estilo de desarrollo" adoptado, factores que se conjugan para

    operar sobre la organizacin cultural previamente existente, com sus

    peculiares tradiciones, instituciones, movimientos y actores (Brunner e

    Barrios, 1987: 40).

    Enfocando a problemtica da universidade neste contexto, Brunner e Barrios

    (1987) argumentam que:

    En particular, los autoritarismos militares - con diferencias extremas entre los

    casos de Argentina, Chile y Uruguay por un lado, y el caso de Barsil por otro

    - afectaran a la institucionalidad universitaria, considerada en todas partes

    una pieza estratgica para la formacin de las elites, para la reproduccin de

    la cultura superior de la nacin, para la movilidad social de las capas medias,

    para la distribucin del personal profesional y semiprofesional entre los

    diversos segmentos del mercado ocupacional y para la socializacin poltica

    de la juventud.

    En el caso de los pases del Cono Sur, el objetivo fundamental de estos

    regmenes militares autoritarios fue obtener el control poltico de las

    universidades, reduciendo o suprimiendo su autonoma, depurando sus

    claustros y frenando su expansin. En el caso de Brasil, por lo contrario, el

    rgimen militar intervino puntualmente en algunas universidades (incluso

    removiendo acadmicos e introduciendo medidas de control) pero, en

    definitiva, alent su expansin, la dot de mayores recursos, promovi su

  • 16

    modernizacin y le reconoci un mbito de autonoma (Brunner e Barrios,

    1987, 42).

    Embora possa-se apontar uma "afinidade eletiva" entre regime democrtico e

    clima cultural progressivo e entre regime autoritrio e clima cultural regressivo, cabe

    ressaltar que as outras duas combinaes - regime democrtico com clima cultural

    regressivo e regime autoritrio com clima cultural progressivo - caracterizou, e

    caracteriza, a vida socio-cultural de pases latino-americanos no perodo contemporneo.

    A crise cultural durante o regime formalmente democrtico argentino no perodo de 1974

    a 1976 e o relativo progressivismo cultural durante a longa abertura poltica brasileira

    exemplificam estas possibilidades (Quadro 1).

    A gravidade da crise educacional e particularmente da educao superior e das

    condies de desenvolvimento de atividades de pesquisa tcnico-cientficas no contexto

    dos atuais governos "neo-liberais" no Brasil e no Cone Sul configura casos dramticos de

    possvel regresso cultural em contextos formalmente democrtico-constitucionais.

    O descaso com a universidade pblica no Brasil ao longo da dcada de noventa,

    as sistemticas tentativas de mudanas da legislao trabalhista e de aposentadoria em

    geral e particularmente dos docentes e pesquisadores, acarretando aposentadorias

    precoces, o desmantelamento de grupos de pesquisa e a migrao de pessoal com alta

    qualificao para as universidades privadas, migrao esta considerada, por alguns como

    um tio de democratizao dos recursos humanos concentrados nas universidades

    federais, so alguns dos traos da atual crise vivenciada pela sociologia e pela cincias

    em geral no Brasil.

    Simultaneamente a diminuio sistemtica de recursos disponveis para a

    pesquisa, a alterao experimentalmente de doutorado do sistema de concesso de bolsas

    de ps-graduao, por parte do Conselho Nacional de Pesquisa - CNPq, assim como

    medidas arbitrrias como a reduo de 12% das verbas para bolsas de pesquisa e ps-

    graduao, includa aleatoriamente no Pacote de Medidas para fazer frente a recente crise

    das Bolsas de Valores revelam o descaso com a manuteno e necessria renovao e

    expanso do patamar de ensino e pesquisa cientfico-tecnolgico alcanado ao longo dos

    ltimos trinta anos.

  • 17

    O possvel privilegiamento de algumas reas para comporem um novo perfil de

    desenvolvimento cientfico-tecnolgico, sem uma ampla discusso com a comunidade

    cientfica e suas entidades representativas entre as quais se destaca a Sociedade Brasileira

    para o Progresso da Cincia, revelam uma outra faceta do carter regressivo e

    simultaneamente seletivo da quase ausente poltica cientfico-tecnolgica no Brasil atual.

  • 18

    QUADRO 1

    Modelos Polticos, Climas Culturais e Contextos Educacionais-cientficos

    Modelo Poltico

    modelo poltico autoritrio modelo polticodemocrtico

    contexto contexto

    educacional educacional

    cientfico cientfico

    negativo negativo

    Clima Argentina

    Cultural 1976-1983

    Regressivo contexto

    contexto educacional

    educacional cientfico

    cientfico positivo

    positivo Brasil

    1974-1985

    contexto contexto

    educacional educacional

    cientfico cientfico

    negativo negativo

    Argentina

    Clima 1974-1976

    Cultural 1989 -

    Progressivo contexto

    contexto educacional

    educacional cientfico

    cientfico positivo

    positivo Argentina

    1955-1966

    1973-1974

    1983-1989

    Brasil

    1950-1964

    1986 -

  • 19

    E - Um quinto tema diz respeito ao conceito de Comunidade acadmico-cientfica

    e refere-se a importncia que adquire o modelo de interao vigente em uma dada

    comunidade acadmico-cientifica, no estabelecimento do clima interno s comunidades

    cientficas e as suas possibilidades de interao com outras comunidades cientficas.

    Guerrero (1980) sugere que o conceito de comunidade cientfica e sua aplicao

    aos estudos da histria das cincias provem de formulaes alheias a sociologia,

    particularmente das contribuies de Polayni e Kuhn, a despeito da reflexo sociolgica

    clssica sobre o tema comunidade (Tonnies, Weber, Durheim e Ecologia Humana de

    Chicago).

    A contribuio de Polayni - sua defesa radical de liberdade, ou melhor da

    autonomia da cincia - se configurou como resposta liberal a posio dos cientistas

    humanistas ingleses. Este grupo de cientistas atuante na Inglaterra na dcada de 30,

    "inspirado no marxismo e no modo pelo qual a cincia estava planejada na URSS como

    um elemento da economia, preocupou-se particularmente com o problema das relaes

    complexas entre cincia e a sociedade, a primeira explicando-se como resposta as

    necessidades da segunda" (Menezes, 1975).

    A formulao de Polayni, imersa em sua concepo ideolgica de liberdade da

    cincia especialmente frente a interferncias polticas e religiosas, concebe a comunidade

    cientfica como um agrupamento composto por cientistas provenientes de diferentes

    disciplinas, ao qual cabe uma funo de direo da atividade de pesquisa. Os cientistas

    hoje em dia, no podem praticar sua atividade em isolamento [...]. Os diferentes grupos

    de cientistas, juntos, formam uma comunidade cientfica. A opinio desta comunidade

    exerce uma profunda influncia no curso da investigao individual. O reconhecimento

    das demandas de descoberta est sob a jurisdio da opinio cientfica, expressa pelos

    cientistas como um todo (Polayni, 1951, in Guerrero, 1980).

    Guerrero (1980) sugere que a contribuio de Kuhn reside no fato de colocar o

    problema da organizao social dos cientista em comunidades a partir dos imperativos

    dados pela prpria atividade de investigao. Esta organizao apresenta a possibilidade

    de mudana em funo da apario de um novo paradigma (Guerrero, 1980: 1224).

  • 20

    Na proposta de Kuhn, papel de destaque cabe aos conceitos de paradigma, cincia

    normal e crise paradigmtica, sendo importante indicar a relativizao de sua posio

    com relao s cincias sociais, que inicialmente, em A Estrutura das revolues

    Cientficas foram concebidas como pr- paradigmticas, ou em outros termos como pr-

    cientficas, passaram a ser posteriormente, em A Tenso Essencial a serem consideradas

    como talvez essencialmente pluri-paradigmticas

    Neste contexto, consideramos apropriado apresentar e discutir as possibilidades e

    limites da abordagem de Galtung (1965), que discutindo a questo das divises dentro de

    comunidades cientficas, e analisando a sociologia latino-americana em meados dos anos

    60, props um modelo bipolar dos modos extremos de interao entre grupos dentro de

    dada comunidade cientfica: o modelo de contato e o modelo conflitivo, o qual, segundo

    o autor, predominava na sociologia latino-americana de ento dado o acirrado

    enfrentamento entre a sociologia tradicional e a sociologia moderna. As regras de

    interao entre grupos cientficos em cada um dos modelos podem ser visualizadas no

    quadro 2 abaixo.

    Em nosso entender, o primeiro modelo caracteriza-se como tpico de um campo

    uni-paradigmtico em linguagem Kuhniana, j que a cooperao dentro de um paradigma

    nico tende a ser mais fcil do que a cooperao entre paradigmas diferentes. Parece-nos

    que o modelo conflitivo seria, na concepo de Galtung, um sinal de imaturidade

    acadmico-cientfico (ou em linguagem kuhniana, sinal do estado pr-paradigmtico de

    um campo disciplinar). Alm destes modelos, Galtung sugere a possibilidade de

    ocorrncia de um terceiro modelo, no qual verifica-se a interveno visando prejudicar o

    outro grupo,. ou nos casos limites a sua prxima destruio.

    Nesta direo, ampliando o modelo de Galtung, sugerimos ser necessrio

    considerar o modelo conflitivo como incluindo situaes desde a conflito ferrenho por

    recursos e espaos acadmicos at o conflito inter ou intra paradigmtico. Em um caso-

    limite, estes conflitos podem levar ao surgimento de um outro modelo - um modelo

    genocda - caracterizado pela busca da destruio pura e simples do outro dentro de

    espaos acadmico-cientficos. Como exemplo desta alternativa extrema, tem-se os

    processos de cassaes que ocorreram durante os regimes autoritrios na Amrica Latina,

  • 21

    como no caso brasileiro, um uruguaio, argentino, chileno. Estes processos tenderam a

    contar sistematicamente com o apoio de setores das prprias comunidades atingidas ou de

    comunidades intelectuais prximas, revestindo-se interesses particularistas de uma

    roupagem paradigmtica14.

    Multiplicam-se na histria latino-americana recente, os exemplos tristes e

    lamentveis deste caso extremo de comportamento inter ou intra disciplinar. A coero e

    represso realizou-se, por vezes, por ao de uma corrente contra outra dentro de um

    campo disciplinar, ou de uma disciplina contra outra, revelando uma vocao e um

    carter inquisitorial, que alguns analistas creditam a herana do passado ibrico-catlico.

    Alm destes trs modelos de interao propostos - conflitivo; cooperativo; e

    genocda consideramos necessrio referir a duas outras alternativas de interao

    acadmico-cientifica: o modelo segmental e o modelo cooperativo-competitivo.

    O modelo segmental representa a existncia de circuitos de particulares de

    produo, distribuio e consumo de produtos acadmico-cientficos por correntes ou

    disciplinas, sem um mnimo de interesse de conhecimento ou dilogo com outros

    circuitos. Este modelo representa um caso muito grave e muito triste. No caso da

    sociologia latino-americana, por exemplo, durante os anos 60 e 70, socilogos

    nacionalistas "no liam" o que socilogos funcionalistas-modernizantes escreviam,

    enquanto que socilogos marxistas "no liam" o que nacionalistas e modernizantes

    escreviam.

    O modelo cooperativo-competitivo dentro de um campo disciplinar ou entre

    campos disciplinares coloca a questo da convivncia e dilogo democrtico dentro de

    comunidades acadmico-cientficas entre paradigmas diferentes, em que diferenas

    ideolgico-tericas e prtico-polticas so positivamente potencializadas no desempenho

    individual e coletivo das tarefas de cientista e de cidado.

    14 Lamentavelmente, as anlises desenvolvidas sobre os processos repressivos e as casses ocorridas no mbito das cincias sociais e da vida universitria em geralt em revelado no s a conivncia por silncio, mas a participao ativa de membros destas comunidades nos processo de represso colegas. Ver entre outros, Livro Negro da USP Ver Liedke Filho, 1990; Vern, 1975; Brunner, 1986; e Pcaut, 1990.

  • 22

    No mbito desta tipologia torna-se importante indicar a necessidade de distinguir

    entre interdisciplinaridade em termos acadmico-cientficos e o problema de coexistncia

    de disciplinas diferenciadas dentro do mesmo campo acadmico-institucional e

    administrativo. Por vezes, quando associado a questo de luta por recursos escassos, este

    problema leva a utilizao, de verbalizaes acadmico-cientficas, acerca da

    cientificidade, objetividade e relevncia dos padres de trabalho, a qual no limite,

    mascara ou justifica interesses disciplinares particulares.

    Consideramos que a coexistncia de correntes terico-metodolgicas, ou no limite

    de epistemolgias mltiplas no interior de uma mesma disciplina assim como em

    disciplinas que poderiam vir a entrar em um processo de cooperao inter-disciplinar,

    talvez seja o maior obstculo ao dilogo produtivo intra e interdisciplinar, sendo a

    hiptese da incomunicabilidade entre paradigmas diferentes a postulao mais radical e

    sem dvida desafiante.

  • 23

    QUADRO 2

    Modelos de Interao em Comunidades Acadmico Cientficas segundo Galtung

    MODELO CONFLICTIVO MODELO DE CONTATO

    RELAO COM A No h fins comuns; H uma quantidade de

    IMAGEM GERAL DO os fins so mutuamente fins comum, e os fins que parecem

    OUTRO GRUPO exclusivos mutuamente excludentes

    podem se redefinir.

    Ajudar ao outro Ajudar ao outro tambm

    prejudicar-se a si mesmo. ajudar-se a si mesmo.

    Modelo de jogo "soma Modelo de jogo "no soma

    zero" zero".

    IMPLICAO O outro grupo intil O outro grupo til

    METODOLGICA para ns prprios; as para ns; precisamente

    diferenas so to porque as grandes

    grandes que o dilogo diferenas podem

    no necessrio nem assinalar defeitos de

    til. nosso prprio pensamento.

    Implicao para Deve-se evitar o contato; Deve-se buscar o contato;

    os contatos o outro grupo no o merece; apesar das diferenas, pode-se

    este representa algo to promover os fins comuns,

    intrinsecamente mau, que no cabe que serviro para o melhoramento

    ajud-lo. mtuo, servindo

    assim a um valor mais alto.

    Deve-se desconfiar, ocultar

    as descobertas prprias, pois

    o outro bando poderia roub-las.

    .

    Fonte: Galtung, 1965

  • 24

    F - Um sexto tema refere-se a presena da Sociologia no Diretrio dos Grupos de

    Pesquisa do CNPq - 199315. O Diretrio dos Grupos de Pesquisa - 1993, identificou 4402

    grupos de pesquisa em geral, 240 grupos de pesquisa em cincias humanas e 88 grupos

    de pesquisa em Sociologia, representando estes 2% do total de grupos. Destaque-se

    comparativamente que a Antropologia apresenta 57 grupos e a Cincia Poltica, 55

    grupos de pesquisa.

    Ressalte-se que se assume que h dados que mostram certas tendncias, que

    possivelmente no reflitam realmente o estado atual da comunidade socilogica no

    Brasil., tendo estes problemas ocorrido tanto talvez pelo formato do questionrio quanto

    pelo modo como foi feita a coleta e foram preenchidos os questionrios enviados aos

    grupos de pesquisa. Esse dados permitem chamar a ateno da necessidade de buscar

    coerncia e consistncia no preenchimento dos questionrios por parte de todos os

    envolvidos na coleta de dados: as pr-reitorias de pesquisa, ou coordenaes de pesquisas

    dos institutos de pesquisa e os lderes de grupos de pesquisa.

    Utiliza-se aqui como referncia bsica, dois artigos de Reinaldo Guimares,

    publicados na Cincia Hoje, nmeros 19 e 20, que analisam os dados gerais do Diretrio

    de Grupos de Pesquisa de 1993. Alm dos dados publicados no Diretrio e nestes artigos,

    tivemos a oportunidade de receber do CNPQ, tabulaes especiais relativas Sociologia,

    correspondendo aproximadamente 70% da nossa base de pesquisa.

    O reprocessamento dos dados por ns realizados identificou, alm destes 88

    grupos, outros 63 grupos de Sociologia - incluindo-se os grupos de sociologia

    prpriamente ditos no classificados como tal pelo Diretrio (31 grupos), os grupos de

    sociologia da educao (20 grupos) e os grupos interdisciplinares (12 grupos) -

    totalizando portanto 151 grupos de pesquisa que trabalham na rea de sociologia (Tabela

    1).

    15 Agradecemos ao Professor Reinaldo Guimares pelo acesso tabulaes especiais e ao Professor Jos Vicente Tavares dos Santos pelas sugestes na anlise das mesmas. Presentemente estamos analisando os dados referentes aos Diretrios de 1995 e 1997.

  • 25

    TABELA 1 Diretrio dos Grupos de Pesquisa - 1993

    Grupos de Pesquisa em Sociologia

    Classificao No. de Grupos

    Grupos Identificados pelo Diretrio 88

    Outros Grupos de Sociologia 31

    Grupos de Sociologia da Educao 20

    Outros Grupos que Pesquisam em

    Sociologia

    12

    Total 151

    Fonte: Diretrio de Grupos de Pesquisa do CNPq, 1993.

    Quanto a localizao geogrfica dos 88 grupos identificados pelo Diretrio,

    verifica-se na Tabela 2, que os grupos de sociologia esto assim distribudos: Sudeste - 47

    grupos (53,40%); Nordeste - 18 grupos (20,45%); Sul - 16 grupos (18,18%); Centro-

    Oeste - 6 grupos (6,81%); e Norte - 1 grupo (1,14%). Considerando-se os 88 grupos

    identificados pelo Diretrio, So Paulo e Rio de Janeiro concentram 22 grupos

    respectivamente, correspondento 25% do total, em outras palavras, concentram juntos

    50% dos grupos de pesquisa de Sociologia. Ressalte-se comparativamente que So Paulo

    concentra 27,8% dos grupos de Cincias Humanas e 44,41% de todos os grupos de

    pesquisa identificados pelo Diretrio de 1993.

  • 26

    TABELA 2

    Diretrio dos Grupos de Pesquisa - 1993

    Grupos de Pesquisa em Sociologia

    Localizao Geogrfica

    Regio No. de Grupos

    Sudeste 47

    Nordeste 18

    Sul 16

    Centro-Oeste 6

    Norte 1

    Fonte: Diretrio de Grupos de Pesquisa do CNPq, 1993.

    Quanto a localizao institucional (Tabela 3) consideramos que ocorreu

    problemas de preenchimento dos questionrios, tendo sido por vezes, identificada a

    instituio pelo endereo fornecido pelos pesquisadores (Departamento, Instituto, etc)

    quando a vinculao institucional com as Ps-graduaes talvez seja mais forte. Do total

    de 88 grupos, 19 declaram estarem localizados institucionalmente em departamentos de

    cincias sociais, 10 em PG de Sociologia, 10 em departamentos de sociologia, 10 em

    ncleos ou centros de documentao, 8 em institutos de pesquisa, 6 em PG e

    departamentos de Sociologia, 3 em PG de cincias sociais, 3 em outros PGs e 19 em

    outros departamentos.

  • 27

    TABELA 3 Diretrio dos Grupos de Pesquisa - 1993

    Grupos de Pesquisa em Sociologia Tipo de Instituio

    Tipo de Instituio No. de Grupos

    PGSociologia 10

    PGSociologia/Departamentode

    Sociologia

    6

    PG Cincias Sociais 3

    Departamento de Cincias Sociais 19

    Departamento de Sociologia 10

    Ncleos/Centros de Documentaa 10

    Institutos de Pesquisa 8

    Outros Departamentos 19

    Outros PG 3

    Total 88

    Fonte: Diretrio de Grupos de Pesquisa do CNPq, 1993.

    Considerando-se a titulao dos pesquisadores (Tabela 4), a sociologia apresenta

    48,65% destes com ttulo de doutor, 37,39% com mestrado e 13, 96% apenas com

    graduao, enquanto todas as cincias humanas apresentam taxas de 50,28%, 34,11% e

    15,61%, e todas as cincias taxas de 51,04%, 31,35% e 17,61%, respectivamente. Em

    outras palavras, os dados relativos a sociologia indicam a existncia de um corpo de

    pesquisadores com uma qualificao acadmica alta, tendendo o mestrado a ter uma

    participao maior do que na totalidade das cincias humanas e de todas as cincias.

  • 28

    TABELA 4 Diretrio dos Grupos de Pesquisa - 1993

    Grupos de Pesquisa em Sociologia Titulao dos Pesquisadores

    Doutorado Mestrado Graduao

    Sociologia 48,65 37,39 13,96

    Cincias Humanas 50,28 34,11 15,61

    Todas as Cincias 51,04 31,35 17,61

    Fonte: Diretrio de Grupos de Pesquisa do CNPq, 1993.

    A sociologia apresenta as seguintes relaes entre os indicadores bsicos do

    Diretrio: 3,05 linhas de pesquisa/grupos, 14,28 recursos humanos/grupos, 4,69 recursos

    humanos/linhas de pesquisa; 5,38 pesquisadores/grupos1,56 estagirios ou

    estudantes/pesquisador e 0,10 tcnicos/pesquisador. Estes ndices oscilam prximos aos

    ndices das cincias humanas e aos de todas as cincias (Tabela 5) sendo interessante

    observar que a sociologia apresenta uma concentrao maior de recursos humanos por

    grupos e linhas do que todas as cincias humanas.

    TABELA 5

    Diretrio dos Grupos de Pesquisa - 1993 Grupos de Pesquisa em Sociologia

    Indicadores Bsicos

    Linhas/

    grupo

    Recursos humanos/

    grupos

    Recursos humanos/

    linhas

    Pesquisadores/grupos

    Estagirios estudantes/pesquisado

    res

    Tcnicos/

    pesquisadores

    Sociologia 3,05 14,28 4,69 5,38 1,56 0,10

    Cincias Humanas

    3,05 12,78 4,19 4,80 1,56 0,10

    Todas as Cincias

    3,60 15,62 4,34 5,89 1,29 0,36

    Fonte: Diretrio de Grupos de Pesquisa do CNPq, 1993.

    Considerando-se os dados relativos as publicaes (Tabela 6), verifica-se que no

    perodo de 1990 a 1992, apesar das oscilaes verificadas, houve um incremento dos

  • 29

    ndices de publicaes de sociologia em peridicos nacionais (1,25), estrangeiros (1,22) e

    principalmente de resumos (1,987). Dados sobre os anos posteriores,certamente

    permitiro verificar as tendncias efetivas destes ndices.

    TABELA 6 Diretrio dos Grupos de Pesquisa - 1993

    Grupos de Pesquisa em Sociologia Publicaes

    1990 1991 1992

    Nacional Estrangeiro

    Resumos Nacional Estrangeiro Resumos Nacional Estrangeiro Resumos

    Sociologia 1,00 1,00 1,00 1,065 1,089 1,154 1,226 1,335 1,312

    Cincias Humanas

    1,00 1,00 1,00 1,197 0,98 1,29 1,3638 1,25 1,639

    Todas as Cincias

    1,00 1,00 1,00 0,981 0,86 1,32 1,25 1,22 1,987

    Fonte: Diretrio de Grupos de Pesquisa do CNPq, 1993.

    Quanto as dissertaes e teses orientadas pelos pesquisadores dos grupos (Tabela

    7) verifica-se um incremento significativo no perodo de 1990 a 1992 - mestrado 1,86;

    doutorado 3,55 - sendo que as titulaes sob orientao de pesquisadores dos grupos em

    1992 representam 70% das dissertaes de mestrado e 91% das teses de doutorado de

    sociologia identificveis pelos Relatrios CAPES (Tabela 8).

    TABELA 7 Diretrio dos Grupos de Pesquisa - 1993

    Grupos de Pesquisa em Sociologia Dissertaes e Teses Orientadas pelos Pesquisadores

    1990 1991 1992

    Dissertaes de Mestrado

    69 74 129

    Teses de Doutorado 9 15 32

    Fonte: Diretrio de Grupos de Pesquisa do CNPq, 1993.

    TABELA 8 Diretrio dos Grupos de Pesquisa - 1993

    Grupos de Pesquisa em Sociologia

  • 30

    Dissertaes e Teses Orientadas pelos Pesquisadores

    1991 1992 1993

    Dissertaes de Mestrado

    124 182 170

    Teses de Doutorado

    27 35 33

    Fonte: CAPES

    Um problema srio dos dados do Diretrio - 1993, refere-se a identificao das

    reas de pesquisa, ou melhor a classificao das linhas de pesquisas dos grupos de

    pesquisa de sociologia. No Diretrio 1993 foram utilizados dois critrios: a) como

    referncia bsica foi utilizada a classificao das reas e sub-reas do conhecimento do

    CNPq; e b) foi introduzida, sem ser obrigatrio o seu preenchimento, uma classificao

    das reas de pesquisa por 16 setores de atividade. Esta dupla classificao apresenta

    problemas que merecem ser considerados tanto pelos responsveis pelo Diretrio como

    pela comunidade de pesquisadores em sociologia. Seno vejamos.

    Considerando-se somente os 88 grupos de pesquisa identificados pelo Diretrio -

    1993 (Tabela 9), verifica-se que a seguinte especializao: Sociologia Urbana, 42 linhas;

    Sociologia Rural, 29 linhas; Sociologia do Conhecimento, 24 linhas; Sociologia do

    desenvolvimento, 23 linhas; Sociologia da Sade, 23 linhas; e Sociologia, 7 linhas.

    J de um total de 220 linhas de pesquisa declaradas pelos 151 grupos de pesquisa

    de sociologia identificados pelo reprocessamento de dados por ns realizado, verifica-se

    que as principais sub-reas so: Sociologia Urbana - 52 linhas; Sociologia Rural - 36

    linhas; e Sociologia do Conhecimento - 35 linhas.

  • 31

    TABELA 9 Diretrio dos Grupos de Pesquisa - 1993

    Grupos de Pesquisa em Sociologia Sub-reas de Conhecimento

    Diretrio

    (No. Grupos = 88)

    Outros Grupos de Sociologia

    Total

    Sociologia Urbana 42 10 52

    Sociologia Rural 29 7 36

    Sociologia do

    Conhecimento

    24 11 35

    Sociologia do

    desenvolvimento

    23 5 28

    Sociologia da Sade 23 5 28

    Sociologia 7 4 11

    Sociologia Jurdica 3 3

    Sociologia da

    Educao

    24 24

    No. de Linhas 148 72 220

    No. de Grupos 88 63 151

    Fonte: Diretrio de Grupos de Pesquisa do CNPq, 1993.

    Outrossim, o processamento dos dados relativos as denominadas sociologias

    especficas (Tabela 10) indica que as principais reas emergentes so: Sociologia do

    Trabalho, 26 linhas; Sociologia da Cultura, 12 linhas; e Sociologia da C&T, 10 linhas de

    pesquisa.

  • 32

    TABELA 10 Diretrio dos Grupos de Pesquisa - 1993

    Grupos de Pesquisa em Sociologia Linhas de Pesquisa por sub-rea do Conhecimento - Sociologias Especiais

    SOCIOLOGIAS ESPECIAIS

    Sociologia do Trabalho

    26

    Sociologia da Cultura 12

    Sociologia da C&T 10

    Sociologia da Religio 7

    Estado/classes/mov.sociais 6

    Sociologia Poltica 5

    Sociologia da Educao 4

    Sociologia Rural 4

    Outras Sociologias 11

    Fonte: Diretrio de Grupos de Pesquisa do CNPq, 1993.

    Considerando-se os dados relativos aos setores de atividade pode-se afirmar que

    os dados do Diretrio - 1993, apresentam grave distoro classificatria e de

    inconsistncia dos dados, extremamente detrimental para a sociologia. O Diretrio - 1993

    classificou os grupos de pesquisa que desenvolvem atividades em sociologia pelos setores

    de atividades (Tabela 11), identificando 119 linhas que desenvolvem atividades de

    pesquisa no setor educao; 78 no setor sade; 48, em cincias ambientais, 43, em

    qualidade e produtividade; e 23, no setor habitao. Afora o setor educao que

    consideramos sobre-representado; pode-se afirmar que os outros setores significativos

    guardam uma correspondncia com as sociologias da sade, sociologia rural; sociologia

    do trabalho e sociologia urbana.

  • 33

    TABELA 11 Diretrio dos Grupos de Pesquisa - 1993

    Grupos de Pesquisa em Sociologia Setores de Atividade

    Setor de atividade No. de Linhas No. Grupos 35

    No. de Linhas conforme diretrio

    Alimentao 2 15

    Biotecnologia 1 10

    Cincias Ambientais 13 48

    Educao 16 119

    Energia 2 4

    Habitao 2 23

    Informtica 7

    Mecnica de Preciso

    N Mat 1

    Pesquisa Espacial

    Qualidade e Produtividade 4 43

    Qumica Fina

    Recursos Martimos 2 9

    Saneamento 1 13

    Sade 13 78

    Transporte 1 3

    Fonte: Diretrio de Grupos de Pesquisa do CNPq, 1993.

    Todavia, pelo reprocessamento de dados verifica-se que dos 88 grupos de

    pesquisa em sociologia identificados pelo Diretrio -1993, 53 grupos (60,02%) no

    preencheram o campo correspondente no formulrio. Sendo que dos 35 grupos que

  • 34

    declararam seu setor de atividade, 16 consideraram que desenvolvem atividades no setor

    de educao, 13 em sade, 10 em cincias ambientais e 4 em qualidade e produtividade.

    Concluindo, pode-se afirmar que a discrepncia entre estes dados e a classificao

    das sub-reas de pesquisa em sociologia pela classificao do CNPq, e pela identificao

    das principais outras sociologias especficas emergentes acima apontadas, revelam que

    esta classificao por setor de atividade, no traduz a experincia de pesquisa da rea de

    sociologia, devendo ser objeto de anlise aprofundada e de possvel reformulao.

    G - Finalmente, um stimo tema candente diz respeito a capacidade da sociologia

    e por extenso das cincias sociais de enfrentarem terico-metodolgicamente os desafios

    temticos e histrico-tericos que a presente situao das sociedades latino-americanas

    colocam. Ou em outros termos estaro as Cincias Sociais e particularmente a sociologia

    em condies institucionais-profissionais, e principalmente paradigmtico-temticas

    apropriadas para enfrentarem os novos desafios terico- metodolgicos e prtico-

    polticos, que os processos de redemocratizao vem colocando s cincias sociais na

    Amrica Latina.

    Indicamos nos estudos anteriormente referidos que dentro da histria da

    sociologia latino-americana nos ltimos quarenta anos ocorreu a predominncia em

    momentos diferentes de quatro grandes alternativas terico-metodolgicas, ou em outros

    termos de quatro paradigmas alternativos de macro-explicao sociolgica do

    desenvolvimento, quais sejam: a Teoria da Modernizao, a Sociologia Nacional; a

    Teoria da Dependncia-Verso Estagnacionista e a Teoria da Dependncia No-

    estagnacionista.

    Ao longo da transio democrtica e implantao de sistema democrtico-

    constitucional no Brasil, verificou-se nas cincias sociais, um deslocamento temtico que

    tem implicaes terico-prticas significativas. A nfase em estudos relativos a

    dependncia, vigentes na primeira metade da dcada de setenta, veio a ser substituda na

    segunda metade da dcada pela temtica da reativao da sociedade civil16, que se

    16 Ver Cardoso, 1979; Camargo So Paulo 1975.

  • 35

    transmutou quase que imediatamente na temtica dos movimentos sociais e a

    redemocratizao.

    Posteriormente, no por acaso no contexto de sucessivas derrotas das foras

    democrtico-populares dentro do prprio processo de transio (campanha das diretas j,

    eleies de 1989 e 1990), a temtica dos movimentos sociais veio a dar lugar a pesquisa

    acerca das identidades sociais e representaes sociais, temas estes que a despeito de sua

    relevncia, talvez tenham se transformado, no contexto atual, em obstculos

    epistemolgicos, particularmente, dada a imediatez, subjetivismo e empiricismo de

    parcela significativa dos estudos desenvolvidos.

    Quanto aos estudos sobre educao no Brasil, os anos oitenta foram

    caracterizados pela polarizao entre "reprodutivistas" e "tericos da "resistncia" ou da

    contra-hegemonia". De um lado, apoiando-se em autores como Bordieu, Establet e

    Passeron, os "reprodutivistas", enfocando de uma forma extremamente mecanicista os

    processos de reproduo ideolgico-cultural e o papel da educao dentro destes,

    enveredaram por trilhas que se no desembocaram no conformismo, tenderam a um

    criticismo terico incapaz de formular alternativas prtico-polticas. De outro lado, os

    "tericos da "resistncia" ou da "contra-hegemonia", apoiando-se em autores como

    Gramsci, Freire e Giroux, enfocando de forma generosa os movimentos pr-

    democratizao da educao, tenderam a um elogio do voluntarismo associado a uma

    hipervalorizao da capacidade de iniciativa e de hegemonizao do processo de

    democratizao por parte das foras democrtico-populares. Nestes termos, ambas

    abordagens ainda que tendo servido de quadro de referncia para uma vasta produo

    intelectual revelam-se tambm como possveis obstculos epistemolgicos.

    A gravidade destes possveis obstculos epistemolgicos passvel de apreenso

    no contexto das principais tendncias econmico-socio-polticas recentes na Amrica

    Latina, e que tambm caracterizam a situao socio-poltica brasileira. Caldern (1987)

    aponta a centralidade dos seguintes fenmenos como caractersticos dos processos de

    redemocratizao em curso na regio:

    1) os Estados da regio parecem atuar em favor de uma modernizao

    excludente de seus aparelhos de gesto, orientada sobretudo para promover a

  • 36

    exportao e o incremento fiscal, ao mesmo tempo em que as aberturas

    polticas tenderam mais a uma restaurao de sistemas polticos democrticos

    "constitucionalistas" ou prprios do modelo de uma democracia pluralista de

    equilbrio do que a um processo fludo de renovao e inveno institucional,

    apesar de esforos neste sentido;

    2) as sociedades registram um descenso de sua capacidade de ao histrica

    em funo da perda de centralidade dos atores sociais outrora com capacidade

    de transformao, verificando-se nelas aes defensivas com amplos

    consensos, aes que podem incluir demandas de mudanas institucionais e

    demandas de forte contedo tico, para alm dos processos de diferenciao e

    pauperizao, com suas conseqncias de enclausuramento ou "de fechar-se

    em si mesmo" dos distintos grupos sociais;

    3) os esquemas estatais de regulao econmica postos em prtica tendem a

    ser de ndole monetarista ortodoxa, com forte incidncia neles das presses

    provenientes do setor externo, sem que elementos heterodoxos perceptveis

    em alguns casos nacionais permitam enfrentar com eficcia a nova

    complexidade social e do sistema internacional (Caldern, 1987: 14).

    Neste sentido, se as anlises da dependncia e do autoritarismo, com todas suas

    limitaes terico-metodolgicas, puderam servir de "guias" para o debate e formulao

    de alternativas poltico-culturais, as presentes tendncias terico-metodolgicas podem

    vir a revelar-se, pelo seu reducionismo e/ou presentismo, infrutferas enquanto crtica

    terico-prtica.

    Com a perda de iniciativa dos movimentos sociais democrtico-populares ao

    longo dos processos de redemocratizao, enclausurando-se, a sociologia seguiu um

    caminho epistemolgico e terico-metodolgico muito problemtico, com o

    privilegiamento de abordagens micro-sociais e uma nfase exacerbada na questo das

    identidades, das representaes e do imaginrio dos agentes sociais.

    A candncia dos desafios colocados por este stimo e ltimo tema pode ser

    avaliada tendo por referncia emprica alguns aspectos principais do caso da sociologia

    brasileira contempornea. A sociologia no Brasil no perodo dos anos 60 e 70 para os

  • 37

    anos noventa vivenciou uma passagem de anlises macrosociolgicas de crtica ao

    modelo econmico-social excludente do "milagre" e de crtica ao modelo autoritrio para

    uma micro-sociologizao dos estudos.

    Em grandes linhas, verificou-se uma evoluo temtica da sociologia brasileira

    nos seguintes termos. De grandes interpretaes macro-estruturais do modelo econmico-

    poltico-cultural, do regime anterior passou-se para a anlise dos agentes e caractersticas

    da transio democrtica, seguida do tema da democratizao necessria e dos

    movimentos sociais e da estratgia de reativao da sociedade civil.

    Rapidamente, ocorreu uma dissociao da questo dos movimentos sociais em

    relao a condies macro-estruturais, passando a sociologia a dedicar-se massivamente a

    enfocar as identidades e representaes sociais dos movimentos urbanos e rurais, do

    movimento sindical, dos movimentos feministas e gay, do movimento negro, e dos

    movimentos ecolgicos. Filosoficamente, poder-se-ia dizer que, em termos clssicos,

    ocorreu um tipo de passagem do privilegiamento da questo do "para-si" para o "em-si"

    dos movimentos sociais.

    Passou-se de um objetivismo, talvez at duro demais, para um subjetivismo talvez

    um tanto quanto irresponsvel. Neste processo foi perdida uma conexo terico-

    metodolgica que teve um papel importante na anlise crtica do modelo econmico-

    social excludente do perodo autoritrio - a conexo entre economia poltica e cincias

    sociais, compreendendo estas tanto a sociologia, como a antropologia e a cincia poltica.

    Esta conexo foi substituda por uma descoberta do subjetivo associada a um

    processo de "psicologizao" do discurso das Cincias Sociais, sem a ocorrncia de um

    treinamento especializado, particularmente em psicologia-social, da maioria daqueles

    cientistas sociais que enveredaram nesta direo. Esta "psicologizao" se realizou

    principalmente pelo privilegiamento de estudos das temticas das identidades, dos

    discursos e das representaes sociais. Ressalte-se que, em nosso entender, estes estudos

    so necessrios e devem ser desenvolvidos, porm com uma seriedade e um rigor terico-

    metodolgico talvez ainda no alcanados, e buscando articulao com estudos macro-

    sociolgicos.

  • 38

    Simultaneamente, ocorreu um outro processo extremamente problemtico - a

    estilizao semntica dos discursos nas Cincias Sociais - com um deslocamento do

    discurso denotativo das tradies disciplinares, para o privilegiamento da reproduo de

    discursos "tribais" e de seus significados conotativos e figurativos, bem como para a

    valorizao do discurso conotativo, ou mesmo figurativo, nas cincias sociais.

    "Significado por significado" - cada tribo, inclusive as acadmico-cientficas,

    podem ter o seu, levando a que o dilogo e a convivncia democrtica (e no caso das

    cincias, a cooperao inter e intradisciplinar) se tornem bastante difceis, pois dependem

    dos diversos universos semnticos particulares e de suas possibilidades comunicativas.

    Mais recentemente, o crescente privilegiamento da teoria do individualismo

    metodolgico e da teoria da escolha racional veio a colocar questes pertubadoras. Ao

    enfocarem, por exemplo, temas da sociologia da educao, como a questo das

    oportunidades educacionais desiguais, o problema das polticas educacionais e a

    discusso de objetivos das prticas pedaggicas. Tratar-se-ia, neste ltimo caso, de

    postular uma pedagogia que privilegiasse a "contruo"/socializao de "indivduos

    racionais", "free-riders", tendencialmente egostas?

    Estes movimentos de subjetivao, psicologizao e semantizao ou estetizao

    ocorreram, em nosso entender, em articulao com processos internos a histria prpria

    da Sociologia e das Cincias Sociais, como, por exemplo, uma influncia simultnea do

    ps-estruturalismo, da herana de Lacan e de Foucault, junto com a presena de

    "discpulos" de Schutz, Geertz, Goffman e Homans.

    Ao mesmo tempo, parecem revelar vnculos profundos com macro-

    transformaes societrias. A perda da capacidade de interveno dos movimentos

    sociais nos anos oitenta, possivelmente tenha levado as Cincias Sociais brasileiras a esta

    sobre-nfase na questo das identidades sociais e tendencialmente ao problema das

    representaes sociais (ou universos simblicos) dos atores sociais. Conforme

    mencionado anteriormente, com o fim das "utopias", com a imposibilidade/incapacidade

    dos movimentos sociais articularem "projetos" com probabilidade de realizao, realizou-

    se, em linguagem filosfica clssica, uma substituio histrica e analtica do "para-si"

    pelo "em-si".

  • 39

    Lamentavelmente, este em-simesmamento histrico e analtico-temtico, parece

    estar vinculado a uma en-guetizao de correntes sociolgicas (ou das cincias sociais), e

    a vigncia de um modo de produo segmentado, criando novos obstculos e desafios

    sociologia e as cincias sociais brasileiras, assim como para a cooperao desta com as

    demais comunidades sociolgicas da rea do Mercosul.

  • 40

    BIBLIOGRAFIA