Liminares, Cautelares e Antecipação de Tutela ... · percepção de que os alunos de graduação...

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Revista Virtual Direito Brasil – Volume 7 – nº 1 - 2013 1 Liminares, Cautelares e Antecipação de Tutela (Terminologia e Ontologia) Maurício Gomes 1 Resumo O objetivo traçado para o presente artigo é apontar a utilização de certos termos técnicos no estudo e no funcionamento do processo civil. Com isso, busca-se a enumeração desses casos e o esclarecimento das diversas naturezas de atos que se demonstram absolutamente diversos na essência, ainda que idênticos no nome. Para tal intento, foi utilizado o método dedutivo/comparativo passando dos conceitos gerais mais particulares dos institutos e detalhando as características de tema para a percepção de semelhanças e diferenças. Palavras-Chave: Liminar. Cautelar. Antecipação de Tutela. Conceito. Comparação. Introdução A ideia de escrever o presente artigo surgiu durante o trabalho docente, pela percepção de que os alunos de graduação tem razoável dificuldade em separar os institutos jurídicos por razões diversas como acúmulo de matérias, problemas metodológicos e, naturalmente, pouca ou nenhuma experiência prática ou de pesquisa. O ciclo deformação acadêmica desses alunos é repleto de descobertas e isso, muitas vezes, faz com que o estudante não realize as devidas ligações dos institutos abordados em certo momento com os demais anteriormente vistos, sobretudo, por meio de suas naturezas. Além da falta dessas ligações, existem os problemas causados pelo pouco tempo disponível e pela questão pedagógica decorrente da apresentação gradual dos institutos. Por vezes, a organização do conteúdo programático prevê a abordagem geral de certos temas para, mais tarde, às vezes alguns semestres depois, voltar ao tema para a exploração das especificidades. Nesse panorama, o estudante pode perder a noção de que o estudo de certos institutos jurídicos pode se dar durante todo o curso. Paralelamente a esse contexto, o fato do aproveitamento parcial do conteúdo não ser obstáculo à progressão no curso faz com que certos temas não dominados sejam depois tratados em detalhes sem a devida revisão dos aspectos genéricos. 1 Especialização em Direito Processual Civil pela Universidade Cidade de São Paulo. São Paulo / SP, Brasil. E- mail do autor: [email protected] Orientador: Professor Mestre Lauricio Antonio Cioccari.

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Revista Virtual Direito Brasil – Volume 7 – nº 1 - 2013

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Liminares, Cautelares e Antecipação de Tutela (Terminologia e Ontologia)

Maurício Gomes 1

Resumo O objetivo traçado para o presente artigo é apontar a utilização de certos termos técnicos no estudo e no funcionamento do processo civil. Com isso, busca-se a enumeração desses casos e o esclarecimento das diversas naturezas de atos que se demonstram absolutamente diversos na essência, ainda que idênticos no nome. Para tal intento, foi utilizado o método dedutivo/comparativo passando dos conceitos gerais mais particulares dos institutos e detalhando as características de tema para a percepção de semelhanças e diferenças.

Palavras-Chave: Liminar. Cautelar. Antecipação de Tutela. Conceito. Comparação.

Introdução

A ideia de escrever o presente artigo surgiu durante o trabalho docente, pela

percepção de que os alunos de graduação tem razoável dificuldade em separar os institutos

jurídicos por razões diversas como acúmulo de matérias, problemas metodológicos e,

naturalmente, pouca ou nenhuma experiência prática ou de pesquisa.

O ciclo deformação acadêmica desses alunos é repleto de descobertas e isso, muitas

vezes, faz com que o estudante não realize as devidas ligações dos institutos abordados em

certo momento com os demais anteriormente vistos, sobretudo, por meio de suas naturezas.

Além da falta dessas ligações, existem os problemas causados pelo pouco tempo

disponível e pela questão pedagógica decorrente da apresentação gradual dos institutos. Por

vezes, a organização do conteúdo programático prevê a abordagem geral de certos temas para,

mais tarde, às vezes alguns semestres depois, voltar ao tema para a exploração das

especificidades.

Nesse panorama, o estudante pode perder a noção de que o estudo de certos institutos

jurídicos pode se dar durante todo o curso.

Paralelamente a esse contexto, o fato do aproveitamento parcial do conteúdo não ser

obstáculo à progressão no curso faz com que certos temas não dominados sejam depois

tratados em detalhes sem a devida revisão dos aspectos genéricos.

1 Especialização em Direito Processual Civil pela Universidade Cidade de São Paulo. São Paulo / SP, Brasil. E-mail do autor: [email protected] Orientador: Professor Mestre Lauricio Antonio Cioccari.

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Toda a problemática até aqui mencionada não é motivo para desânimo, pelo

contrário, a riqueza do estudo e do mundo acadêmico demonstra que sempre haverá tempo

para revisitar qualquer tema e aprender com os acertos e equívocos.

Justamente com o intuito de contribuir para esse aprendizado, o presente artigo

abordará as tutelas de urgência, cautelar e antecipatória, e as decisões liminares do processo

para demonstrar que estes últimos podem ter natureza das primeiras ou representarem outras

providências.

Tal abordagem é realizada por meio de uma estrutura do trabalho que visa a permitir

uma abordagem inicial dos atos liminares praticados pelo juiz, diante de provocação

específica ou da situação do processo, passando às ações e medidas cautelares e suas possíveis

relações com os atos liminares e terminando com idêntico tratamento da antecipação de tutela

e com a formulação de conclusões baseadas nesse conteúdo.

Assim, a preocupação terminológica se justifica pela necessidade de estudo científico

do Direito e pelo fato dessa atividade demandar a organização no uso dos termos técnicos e a

exploração da essência dos institutos processuais sob a ótica da ontologia jurídica.

Essa forma de estudar o Direito representa uma quebra do paradigma acadêmico de

que cada palavra tem um único significado e da prática nefasta de tratar as matérias e tópicos

do curso isoladamente.

Para produzir essa ruptura, a abordagem do tema dar-se-á pelo método dedutivo,

partindo da generalização para chegar às questões particularizadas traçando, inicialmente, as

premissas maiores que permitirão perceber a amplitude da tutela jurisdicional.

Num segundo momento, o detalhamento de cada instituto será útil para descrever as

premissas menores e, finalmente, a combinação das premissas tornará possível chegar às

conclusões sobre a essência e correção terminológica dos institutos aqui abordados.

O objeto das conclusões que aqui se buscam e, portanto, o que se pretende responder

é: 1- Os termos liminares, cautelares e antecipação se referem a institutos passíveis de

separação válida? 2- Liminar é um termo usado de forma dúbia? 3- A diferenciação

terminológica é útil ao estudo do processo civil?

De forma concomitante a essa investigação, pretendemos abordar os problemas

resultantes da falta de estudo ontológico dos institutos processuais quanto às suas

consequências na transmissão do conhecimento técnico.

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Cumpre esclarecer que a base legislativa do presente estudo é a lei 5.869/1973, ou

seja, o código de processo civil, sem considerar o projeto de lei nº 334 do Senado Federal que

institui o novo código adjetivo civil, ainda em tramitação.

Feita a descrição dos aspectos gerais do presente artigo, passaremos ao

desenvolvimento dos tópicos com a devida apresentação das teorias e discussões.

Decisões liminares

As decisões liminares são tomadas no âmbito da atividade jurisdicional que se

desenvolve pela prática dos atos processuais e se organiza segundo critérios capazes de

delimitar a essência de cada um deles criando a noção de natureza jurídica.

Nesse contexto, os atos processuais podem ser classificados, inicialmente, quanto aos

sujeitos que os praticam (partes, juiz, escrivão etc) e, posteriormente, pela sua natureza

jurídica.

Os atos do juiz consistem, conforme estabelece o caput do artigo 162 do código de

processo civil, em sentenças, decisões interlocutórias ou despachos, sendo que a natureza

jurídica do ato é estabelecida, basicamente, pelo seu conteúdo conforme possa representar

cada uma das hipóteses a seguir enumeradas.

Assim, o ato do juiz em determinado momento do processo pode se caracterizar

como despacho, decisão interlocutória ou, até mesmo, sentença, dependendo do conteúdo e

dos efeitos que poderão ser produzidos.

Podemos citar como exemplo, o despacho da petição inicial conforme estabelecem

os artigos 284 e 285 do código de processo civil. Esse ato assume a natureza de mero

despacho (SANTOS, 2011, p. 445) se o juiz determinar a citação do réu ao verificar que a

petição inicial tem qualidade suficiente para desencadear a marcha processual.

Por outro lado, a primeira manifestação do magistrado diante da demanda que lhe é

dirigida pode ter natureza de sentença (GONÇALVES, 2011, p. 304; ALVIM, 2003, p. 255)

se implicar no indeferimento da petição inicial ou no julgamento pela integral improcedência,

ainda que antes da citação do réu, como autoriza o artigo 285-A do diploma processual.

No mesmo momento processual, considerando a hipótese, por exemplo, do

indeferimento da petição inicial ser parcial, temos que o ato tem natureza de decisão

interlocutória (VECHIATO, 2003, p. 264), porquanto determine a impossibilidade de

resolução meritória quanto a uma pretensão enquanto outra segue seu destino no processo.

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Perceba-se, portanto, que o chamado despacho inicial pode ter qualquer das

naturezas descritas para os atos do juiz, dependendo do seu conteúdo.

Cumpre destacar que todas essas providências são tomadas logo no início do

processo, ou seja, de forma liminar. Nesse sentido, cabe ao juiz apreciar liminarmente

determinados aspectos do processo e determinar a providência cabível.

A doutrina pátria trata esse tema das liminares da forma com que discordamos aqui,

por exemplo, na obra de Humberto Theodoro Júnior (2012, p. 491) que ensina “O art. 7º, III,

da Lei nº 12.016, autoriza o juiz a conceder, in limine litis, medida liminar para suspender o

ato impugnado”.

A assertiva acima transcrita aponta a decisão liminar como algo que se decide no

início do processo, ou seja, uma referência de algo por ele mesmo.

A palavra liminar deve ter, no aspecto técnico-jurídico, significado idêntico ou

próximo ao que recebe no dicionário comum, qual seja, aquilo que está no início, na entrada,

no começo. Os dicionários Houaiss e Michaelis e a doutrina mencionam outro aspecto do

termo liminar, a providência tomada pelo juiz no início de um processo, capaz de resguardar

algum direito.

O ponto relevante a ser observado é que o termo liminar serve para que se designe o

ato pelo seu conteúdo tanto quanto pelo momento em que é praticado. Esse tratamento oferece

razoável risco ao estudo do processo civil à medida que se torna possível o equívoco de

considerar o termo apenas sob um desses aspectos.

Para ilustrar a inconstância do termo liminar tomamos como exemplo o mandado de

segurança, conforme a lei 12.016/2009 que prevê o seguinte:

Art. 7º - Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: [...] III - que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica. (Art. 7º).

O texto legal do artigo supra não menciona qualquer dos termos (liminar,

antecipação ou cautelar). Mesmo assim, a doutrina e a jurisprudência chamam tal decisão do

magistrado pelo nome “liminar”, sem qualquer complementação que indique a natureza

acautelatória ou de antecipação da tutela.

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Essa forma de referência às decisões liminares é pouco esclarecedora, para não dizer

tautológica, ou seja, vício de linguagem consistente em designar um objeto por ele mesmo,

normalmente, com o uso de palavras ou expressões de significados idênticos.

Assim, duvida-se da existência de qualquer justificativa para designar tal ato apenas

pelo termo liminar, sobretudo, se lembrarmos que as ações de conhecimento são estudadas

com a análise da chamada antecipação de tutela, provimento de natureza idêntica à liminar em

mandado de segurança.

Encontramos a mesma forma de referência na construção jurisprudencial como se vê

a seguir:

A suspensão da liminar em mandado de segurança, salvo determinação em contrário da decisão que a deferir, vigorará até o trânsito em julgado da decisão definitiva de concessão da segurança ou, havendo recurso, até a sua manutenção pelo supremo tribunal federal, desde que o objeto da liminar deferida coincida, total ou parcialmente, com o da impetração. (STF. Súmula nº 626).

A súmula em comento trata de ato antecipatório de tutela que, dada a urgência,

quando for o caso, é passível de concessão liminar, ou seja, imediatamente após a formulação

do pedido inicial. Mesmo assim, a doutrina e a jurisprudência tratam o ato decisório apenas

como liminar.

Da mesma forma, existem inúmeras previsões legais que mencionam os atos

jurisdicionais praticados no início do processo, como é o caso do artigo 739 do código de

processo civil que prevê expressamente a extinção dos embargos do devedor quando

intempestivos, manifestamente protelatórios ou opostos por petição inepta estabelecendo que

nesses casos “O juiz rejeitará liminarmente os embargos”.

Essa decisão que extingue os embargos é liminar e nada tem de antecipatória de

tutela ou cautelar, constitui sentença atacável por meio de apelação com efeito meramente

devolutivo nos termos do artigo 520, inciso V do mesmo código onde se lê:

Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que: [...] V - rejeitar liminarmente embargos à execução ou julgá-los improcedentes.

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O que aqui se percebe é o tratamento de mais de um instituto sob o mesmo rótulo,

sendo ideal, no nosso entendimento, a utilização de termos diferentes para conceituar

institutos de naturezas diversas. Contudo, sabemos que isso não deve ocorrer em futuro

próximo, até pelo tema ser objeto de pouca preocupação doutrinária e representar motivo para

a sua revisão, sem prejuízo de levantarmos a questão para recomendar o devido cuidado no

estudo e na docência desses temas.

As decisões liminares, como já vimos, podem carregar provimentos cautelares ou

antecipatórios. Dada essa premissa, torna-se conveniente o estudo dessas duas formas de

tutela conforme faremos a seguir.

Tutela cautelar

O processo cautelar é disciplinado no Livro III do código de processo civil de 1973

que foi dividido em cinco livros que tratam ainda, dos processos de conhecimento e execução

e dos procedimentos especiais e disposições transitórias.

Essa estrutura mencionada como orgânica que já foi reputada essencial para o

processo civil não será objeto direto da nossa discussão. O fato é que essa separação, levada

às últimas consequências, serve de fundamento para o formalismo e já se demonstrou de

pouca ou nenhuma utilidade prática.

Sob outro aspecto, é importante lembrar que a lentidão do processo judicial é tema

importante que afeta diretamente a pertinência do estudo das tutelas de urgência, pois, mesmo

que não houvesse uma demora exagerada na ação, certas providências não podem esperar

sequer o tempo inerente ao devido processo legal.

A chamada tutela de urgência serve para resguardar os possíveis e futuros efeitos de

um provimento definitivo (cautelar) ou para adiantar os efeitos da decisão final (antecipação

de tutela) quando presentes os requisitos de verossimilhança das alegações e risco de dano de

difícil ou impossível reparação ou abuso de direito de defesa.

A dificuldade de distinguir essas medidas e os problemas de sua fungibilidade já

foram maiores. Mesmo assim, existem julgadores que indeferem uma ou outra por

formalismo, ignorando até mesmo o preceito legal do artigo 273, § 7º do código de processo

civil que possibilita o conhecimento de um pedido essencialmente cautelar, ainda que rotulado

como antecipatório (DONIZETTI, 2010, p. 396).

Não se trata de relação de sinonímia entre “cautelar” e “antecipação de tutela” e,

mesmo que a prática judicial permitisse tal indistinção, o tratamento científico do tema deve

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explorar a essência de cada instituto (ontologia) para o uso adequado dos termos na docência

e no estudo (terminologia).

Segundo Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini TALAMINI (2010, p.42), a

tutela cautelar é chamada de instrumento do instrumento. Essa afirmação se baseia na ideia de

que o processo é um instrumento de efetivação do direito material e de que a tutela cautelar é

também um instrumento que se presta a garantir a efetividade do processo.

Entende-se, portanto, que de nada servirá um processo que determine providência

inatingível, sobretudo se essa impossibilidade se operar no curso do processo, pela demora

justificável ou não.

Para tratar desse problema, o legislador criou o processo cautelar como meio de

resguardar o objeto da discussão judicial enquanto não é proferida a decisão final, sendo traço

característico dessa tutela a relação entre seu pedido específico com o pedido nuclear, objeto

da demanda principal. Tais requerimentos não são idênticos, sendo que o primeiro serve para

botar o objeto do segundo a salvo enquanto o devido processo legal se desenvolve.

Contudo, para que o juiz interfira na vida do sujeito passivo da demanda antes de

formar seu convencimento, torna-se necessária a demonstração de cabimento e conveniência

dessa medida. Daí, surgem os requisitos da tutela cautelar conhecidos pelas expressões em

latim: fumus boni iuris e periculum in mora.

O fumus boni iuris é a demonstração convincente, embora superficial e não

completa, das alegações postas no processo por quem pretende a tutela cautelar. Não se trata

de prévio julgamento do objeto da ação, mas de cuidado com próprio processo para que esta

possa produzir os efeitos plenos com o provimento que se demonstra possível.

Já o periculum in mora constitui elemento ligado ao tempo de duração do processo

que pode tornar o objeto da demanda parcial ou totalmente inatingível, ainda que não haja

qualquer desperdício de atos ou demora imputável aos sujeitos do processo.

Esse perigo da demora processual impõe a urgência da tutela cautelar que pode ser

requerida em ação própria, incidental ou preparatória, ou mesmo no bojo de ação cognitiva ou

de execução. Dessa feita, a demonstração razoável do direito serve de justificativa para a

proteção cautelar, enquanto que seu motivo essencial é o risco de que o provimento futuro

seja inócuo.

A tarefa de legislar sobre as tutela cautelar foi desempenhada com a criação de uma

série de ações com procedimentos e requisitos específicos elaborados sob medida e que são

tratadas como ações cautelares nominadas.

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Essa preocupação com uma lista de ações cautelares fez com que nela se incluíssem

ações cuja essência não se demonstra acessória de qualquer processo cognitivo ou de

execução.

Tais ações satisfativas (GONÇALVES, 2012, p. 236) não tem natureza

essencialmente cautelar, porquanto esgotam o objeto da pretensão do autor. Podemos tomar

como exemplos disso as ações de protestos, notificações e interpelações e de busca e

apreensão, neste último caso, de maneira eventual.

Esse problema demonstra a inexatidão terminológica e é perceptível pelo estudo

ontológico das ações cautelares satisfativas que não servem de instrumento para outras ações

e evidenciam tratarem-se de processos de rito especial, cujo funcionamento e resultado

poderiam ser atingidos pelo uso das disposições legais mais genéricas.

Além dessas ações cautelares nominadas, o juiz tem autorização para proteger

cautelarmente qualquer objeto que possa ser discutido em juízo, desde que presentes os

requisitos gerais e os específicos do processo cautelar.

Cumpre salientar que a tendência legislativa é de eliminação das ações cautelares

nominadas para valorizar o cuidado jurisdicional por meio do já existente poder geral de

cautela sem que isso represente prejuízo para a proteção cautelar.

Ainda sobre o tema da tutela cautelar, no tocante às considerações relevantes para

este artigo, é certo que a apreciação e eventual concessão da cautela pleiteada deva se dar

imediatamente após a formulação do pedido em juízo, ou seja, liminarmente.

A esse respeito, o código de processo civil prevê o seguinte:

Art. 804. É lícito ao juiz conceder liminarmente ou após justificação prévia a medida cautelar, sem ouvir o réu, quando verificar que este, sendo citado, poderá torná-la ineficaz; caso em que poderá determinar que o requerente preste caução real ou fidejussória de ressarcir os danos que o requerido possa vir a sofrer. [grifamos]

A medida mencionada no dispositivo legal é liminar e isso não altera sua natureza,

pelo contrário, decorre da mesma. Assim, se a cautela se justifica na demonstração razoável

de direito lesado ou ameaçado e a demora representa motivo para que a medida seja adotada

imediatamente a tomada de decisão deve ser liminar.

O traço característico do pedido cautelar e consequentemente da ação dessa natureza

é de não ser repetido no pedido principal. Por exemplo, se alguém pede que um objeto seja

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apreendido para discutir-lhe a propriedade, o faz esperando que o provimento definitivo que

lhe favoreça tenha eficácia no momento de sua efetivação.

Essa cautela é de interesse do autor e do Estado, este último, querendo ver sua

decisão passível de cumprimento na forma em que for proferida, sem a necessidade conversão

em perdas e danos. Nesse aspecto, a medida cautelar ganha contorno de garantia da atividade

jurisdicional eficaz em caráter genérico.

A concessão da medida cautelar não representa acolhimento do pedido principal, até

por ser bastante diferente deste. No caso da decisão liminar ser idêntica ao provimento

definitivo, tem-se antecipação de tutela conforme se demonstra na próxima parte deste artigo.

Antecipação de tutela

Para entender a antecipação de tutela é preciso lembrar que a atividade jurisdicional

se depara com um verdadeiro dilema entre a necessidade de um processo rápido e o requisito

de observância do devido processo legal com todas as suas fases e garantias

(MONTENEGRO FILHO, 2010, p. 8).

Um processo célere capaz de entregar ao sujeito que sofre uma lesão ou ameaça a um

direito material a solução plena determinada no ordenamento jurídico decorre de norma

constitucional insculpida no artigo 5º, com destaque aos incisos XXXIV, letra a, XXXV e

LXXLIII, este último tratando especificamente da razoável duração do processo.

Sobre isso, não é necessário um grande esforço técnico para perceber que a garantia

de tutela jurisdicional tem seu aspecto temporal. Se o direito material precisa ser respeitado,

restaurado ou compensado, é lógico esperar que isso se dê em tempo razoável.

O problema de quantificar esse tempo razoável levou, inclusive, o legislador a incluir

no texto constitucional um inciso, no nosso entendimento, que não possibilita a extração de

uma eficácia plena como seria de esperar do artigo 5º desse diploma.

Não se trata de negar a importância da questão, mas de criticar a iniciativa de tornar

expresso o que já era implícito sem inovar, talvez, por completa impossibilidade, mas,

certamente, em flagrante ineficácia.

Resta-nos a norma programática que não é nova no texto constitucional de que a

celeridade do processo é de ordem estrutural do Estado democrático. Ainda que não se possa

garantir que o processo seja encerado rapidamente, o legislador criou um mecanismo para que

as lesões e ameaças a direitos claramente demonstrados sejam imediatamente cessadas por

meio do instituto da antecipação de tutela.

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Ao contrário do que se costuma afirmar, a antecipação de tutela não foi uma

novidade trazida ao ordenamento brasileiro pela lei nº 8.952/1994. Antes da redação do artigo

273 do código de processo civil ser alterada pela referida lei, existiam medidas de antecipação

de tutela que não eram assim rotuladas (GONÇALVES, 2011, p. 671).

Tomemos como exemplo disso a concessão de alimentos provisórios na ação

condenatória de alimentos. O artigo 4º da lei 5.478/1968 estabelece a concessão dos alimentos

provisórios no despacho inicial, ou seja, liminarmente. Ainda que não se usasse a expressão

“antecipação de tutela”, a natureza dessa decisão interlocutória é essa pela correspondência

perfeita desse provimento com o pretendido de forma principal.

Para tal disciplina, a lei nº 8.952/1994, alteradora do artigo 273 do código processual,

generalizou a antecipação de tutela tornando-a possível nos casos em que seus requisitos

sejam preenchidos.

A antecipação de tutela pode ser requerida e, portanto, concedida em qualquer

momento processual anterior ao ordinariamente previsto. Isso significa que tal provimento

pode ser requerido na petição inicial ou em petição posterior.

Atualmente, existe também a antecipação de tutela de provimento recursal nos

termos do artigo 527, inciso III do código de processo civil, sendo este chamado de efeito

ativo.

Os requisitos da antecipação de tutela podem ser confundidos com os da tutela

cautelar e, no nosso entendimento, não constituem elementos diferenciadores das duas formas

de provimento. Nesse âmbito, a antecipação de tutela é autorizada diante da verossimilhança

das alegações e risco de dano de difícil ou impossível reparação ou abuso de direito de defesa.

Essa verossimilhança das alegações é parecida com o fumus boni iuris, mas não pode

ser com ele confundida, embora isso não seja difícil. A doutrina se ocupa dessa diferenciação

sem, contudo, no nosso entendimento, lograr completo êxito.

O professor Elpídio Donizetti (op.cit., p. 397) comenta o assunto:

A verossimilhança guarda relação com a plausibilidade do direito invocado, com o fumus boni iuris. Entretanto, na antecipação de tutela, exatamente porque se antecipam os efeitos da decisão de mérito, exige-se mais do que a fumaça: exige-se a verossimilhança, aparência do direito.

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Se admitirmos a tradução literal da expressão latina para dizer que a tutela cautelar

depende da “fumaça do bom direito” aceitável será a afirmação de que a tutela antecipada

depende da visão do “fogo”.

O mesmo ocorre com o requisito de fundado receio de dano irreparável ou de difícil

reparação, cuja semelhança com o periculum in mora é inegável e nos parece ser a maior

coincidência entre as tutelas cautelar e antecipatória. Contudo, podemos afirmar que esse

risco se configura de forma mais evidente no tocante à falta que esse provimento faz na vida

de quem o requer, enquanto que na cautelar o perigo tem seu foco na conduta do requerido

que pode esvaziar a decisão futura.

Conforme mencionamos acima, a caracterização do abuso do direito de defesa ou o

manifesto propósito protelatório do réu, quando assim percebidos pelo magistrado trazem

uma presunção de verossimilhança das alegações do autor e se aproximam da hipóteses de

litigância de má-fé (MONTENEGRO FILHO, op.cit., p.27).

Existem ainda as previsões dos artigos 273, § 6º, 461, § 3º e 461-A, § 3º do código

de processo civil. A primeira se refere aos pedidos incontroversos que independentemente da

verossimilhança das alegações ganham contorno de base na verdade formal, ou seja,

presunção de verdade. Os demais casos são das ações que tratam de obrigações de fazer ou de

não fazer e das obrigações para entrega de coisa.

A presunção de verdade sobre os fatos não impugnados é prevista no artigo 302 do

código de processo civil e não é aplicável nos casos em que é inadmissível a confissão, falta

de documento indispensável ou existência de controvérsia no conjunto da defesa.

A entrega de coisa, desfazimento ou tarefa de fazer podem ser determinadas pelo juiz

quando relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do

provimento final.

Nesse último ponto encontra-se uma aparente confusão da própria lei, senão

vejamos, se o receio é de ineficácia do provimento final, a providência lógica é de medida

cautelar. Na verdade, o fundamento para essa antecipação de tutela é o fundamento relevante

da demanda e, por isso, deve ser analisado, principalmente, sob o aspecto da verossimilhança

e não do risco de ineficácia.

Melhor seria o legislador não utilizar elementos de tutela cautelar para a autorização

de tutela antecipatória.

Diante da apresentação teórica dos institutos processuais pertinentes, entendemos ser

possível traçar as notas conclusivas a seguir.

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Conclusão

A análise aqui realizada permite perceber a inexatidão terminológica resultante,

sobretudo, das alterações legislativas que criam novos institutos e alteram o funcionamento de

outros sem que se faça uma revisão completa.

A pretendida correção terminológica permite o uso adequado das palavras que

servirão para identificar os diversos temas do mundo jurídico, tanto no ambiente profissional

quanto na difícil tarefa de transmitir conhecimento especializado, constituindo assim, um

precioso trunfo. (PAVEL & NOLET. 2002. p. 14).

O termo “liminar” serve para fazer referência a uma decisão tomada de plano, ou

seja, logo no início da lide ou imediatamente após o pleito não importando para o uso da

palavra a natureza da medida. O ato é liminar se for praticado no início do processo, não

importando a sua natureza.

Assim, temos despachos, decisões interlocutórias ou sentenças liminares que podem

ser investigados segundo seu conteúdo ou finalidade.

O despacho liminar pode ser positivo, negativo ou correcional (VECHIATO, op. cit.,

p. 261 et seq.). No primeiro caso, é despacho propriamente, pois determina o andamento

natural do processo e, já no segundo, o despacho liminar negativo tem natureza de sentença

por indeferir a petição inicial nos termos dos artigos 267, inciso I e artigo 295 do código de

processo civil.

Por fim, o despacho liminar pode ser correcional se determinar a emenda da petição

inicial para que sejam sanados vícios processuais. A esse respeito, discordamos da doutrina

que qualifica tal ato como despacho para dizê-lo decisão interlocutória pela possibilidade de

interposição de agravo instrumental diante desse ato.

Como vimos, existem outras tantas decisões liminares que podem julgar a ação pela

improcedência, conceder ou negar justiça gratuita, acolher caução etc. De forma mais

relevante para o objeto aqui tratado, as decisões liminares podem ter natureza cautelar ou

antecipatória da tutela principal.

As decisões liminares de antecipação de tutela e cautelar podem ser examinadas e

diferenciadas por duas vertentes, finalidade e natureza da resposta (MONTENEGRO FILHO,

op. cit., 11 et seq.).

Quanto à finalidade, a decisão liminar acautelatória visa à proteção da eficácia do

provimento jurisdicional futuro, sem representar satisfatividade para o requerente. Nessa linha

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de raciocínio, a liminar acautelatória é medida de prevenção contra o risco de ineficácia do

ato decisório futuro.

Já a antecipação de tutela, igualmente deferida liminarmente, tem objetivo de

satisfação e coincide perfeitamente com a tutela pretendida por meio do pedido principal da

lide.

Usando um jogo de palavras, o requerente da cautela “pede que o objeto seja

preservado” enquanto que aquele que pede a antecipação de tutela “recebe o bem jurídico cuja

titularidade consegue demonstrar“.

Quanto à natureza da resposta jurisdicional, podemos diferenciar as duas formas de

tutela pela inversão dos pedidos de apreciação liminar e final. A inversão dos pedidos

antecipatório e final não deve causar prejuízo lógico, enquanto que o pedido cautelar não tem

qualquer sentido depois da eventual concessão do provimento final.

Diante do que aqui se demonstrou, resta evidente a confusão no uso dos termos

técnicos, mas também a possibilidade de esclarecer e contornar esse problema para que o

processo civil seja objeto de um estudo científico sem que olvidemos a sua real utilidade

instrumental.

Referências

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