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privilegiar o pensamento globalmente dicotômico que se tradu?, pelofato de perceber e de raciocinar de maneira grosseiramente binária.Segundo essa pessoa, ou se está bem ou mal, não existem pontos inter-mediários, pois ela não sabe mais, ou nunca soube, distingui-los.

A partir da mesma perspectiva, a Programação Neurolinguísticaidentificou marcos relativamente precisos, que ela identifica comometaprogramaSj um tipo de metaprocessamento da informação, que vãoorientar consideravelrnente nosso modo de interagir. Eles servem paraidentificar as estruturas cognitivas na base de nossas construções darealidade. Embora se possa questionar se eles constituem uma genera-lização excessiva sobre o sujeito que escutamos, eles permitem refinarnossa escuta, e, portanto, nossas intervenções sobre a construção darealidade de nosso interlocutor.

A abordagem cognitiva da comunicação é uma ferramenta preciosapara detectar como nossos interlocutores construíram mentalmente seusproblemas. Ela consiste em estar mais atento ao modo como as pessoaspensam do que àquilo que elas pensam. Nossa comunicação é o produtode uma atitude mental e comportamental que se evidencia graças à es-cuta dos processos mentais e também pela observação dos processosnão-verbais, especialmente os movimentos oculares1.

Os movimentos oculares são descritos no capítulo 12.

LIMITES E FILTROS DA PERCEPÇÃO

No início do século XVIII, George Berkeley, bispo e filósofo irlan-dês, foi o primeiro a criar uma teoria da visão e a se interessar pelosprincípios do processo do conhecimento humano. Para ele, as coisas sãoexclusivamente percebidas pelos sentidos, senão não existiriam na cons-ciência, pois esta não possui outra fonte além da percepção sensível:"Tudo aquilo que existe, só existe como percebido por um sujeito quepercebe". Berkeley chegou assim a uma constatação que nos interessaespecialmente: "Ser é ser percebido". Portanto, o ser não existiria per sz,mas somente como algo que é percebido. Para ser percebido deve exis-l i r alguém que perceba, de onde se deduz sua segunda frase: "Ser é per-ceber". Assim, as únicas duas formas de existência que nos são acessíveissáo a de perceber e a de ser percebido.

Mas o homem só pode observar os fenómenos que o rodeiam den-l ro dos limites restritos de suas capacidades sensoriais. Inúmeros filtrosse interpõem entre a realidade e a percepção que temos dela: o filtro denossos cinco receptores sensoriais, que são limitados, os filtros de nos-sas crenças construídas sobre experiências passadas, vividas ou toma-das de empréstimo, os filtros de nosso ambiente geográfico, cultural,

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social, intelectual e imaginário. Esse complexo conjunto de filtros ex-plica a imensa variedade da percepção e das atitudes humanas e, emdecorrência, toda a complexidade da comunicação que resulta desseemaranhado infinito de interações recíprocas.

A PERCEPÇÃO RESULTA DE LEMBRANÇAS,PROJ ECOES E EXPECTATIVAS

Nós percebemos a realidade corno nossa memória nos prepara parapercebê-la. Temos a tendência de ver com nossa memória mais do quecom nossos olhos. Quando observamos alguma coisa de novo, tenta-mos na verdade reencontrar alguma coisa que já se encontra em nossamemória; nós associamos imediatamente ao novo uma imagem já re-gistrada e lhe damos um nome que corresponda a algo que já experi-mentamos no passado. Sobrepondo assim o conhecido ao desconhecido,fazemos uma projeção. Dependendo de nossas expectativas, nossas pre-visões e nossos conhecimentos, não perceberemos as mesmas coisas. Apercepção do mar por um parisiense em férias, por exemplo, é necessa-riamente pouco refinada quando comparada à de um marinheiro pro-fissional, de um lado, porque tal percepção representa um movimentodiferente para cada um deles, de outro lado, porque um e outro se si-tuam em contextos de ação diferentes.

Nossas expectativas e nossas intenções constituem as sementes denossas percepções. Também percebemos aquilo que buscamos perce-ber: você já percebeu que depois de comprar um carro novo, você tema tendência de ver carros semelhantes muito mais frequentemente à suavolta? Do mesmo modo, o fato de atribuir determinadas qualidades oudefeitos aos outros nós levam geralmente a considerá-los como perma-nentes. Nossas percepções são, portanto, escolhas que fazemos com maisou menos consciência, e não fatos objetivos. Comparar testemunhosconfirma isso: se três pessoas testemunham o mesmo acidente, existempoucas possibilidades de se obter três depoimentos idênticos. Cada um

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lança um olhar diferente sobre a mesma realidade, e assim cada um irádistinguir e selecionar aspectos diferentes. Inúmeras dificuldades de co-municação interpessoal provêm desse fenómeno das percepções, aomesmo tempo individualizadas e muito parciais. Ao desenvolver nossaacuidade sensorial, nós damos mais relevo e nuances à realidade quenos rodeia.

O que percebemos é também um reflexo de nosso estado interno,um eco de nosso estado emocional do momento. Nossa percepção darealidade é, portanto, completamente mutável. Assim, antes de descre-ver uma situação ou pessoa, uma boa precaução consistiria em nos per-guntarmos sob qual ângulo c de qual ponto de vista subjetivo, sensoriale intelectual nós as apreendemos. O mundo objctivo e o mundo subje-tivo se interpenetram. Indissociáveis, eles necessariamente se influen-ciam. Na medida que, inconscientemente, olhamos para nós mesmosenquanto olhamos para fora, vemos nosso próprio estado de espíritorefletido no exterior e o exterior refletido em nosso estado de espírito.

OS EFEITOS MUTILADORES DAS TEORIAS

As teorias se parecem com aqueles focos luminosos que selecio-nam determinados aspectos da realidade em detrimento de outros, li-mitando assim nossa percepção. Mas, ainda pior, ressalta Hegel, "se osfatos jamais vierem a contradizer a teoria, então, tanto pior para os fa-tos". Einstein foi ainda mais longe: uÊ_um__erro crer que elaboramos asteorias com base em observações, é antes a teoria que determina aquilo^que podemos observar". O mesmo ocorre com qualquer indivíduo quetenha a pretensão de ler outrem como um livro aberto.

O risco assumido pelos teóricos da personalidade, por aqueles quepossuem uma fé excessiva em suas teorias, é selecionar a observação deseus pacientes. As telas interprelativas dos comportamentos humanosinfluenciam de modo scletivo as observações dos clínicos, arriscandocolocá-los indisponíveis para apreender o outro, para abrir-se à sua lo-

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gica_e assim descobri-lo em sua singularidade. Assim, quando analisamsuas entrevistas terapêuticas, tendem a encontrar em seus resultados aconfirmação das teorias das quais partiram. Suscetíveis de negligenciarinformações que não façam parte de sua verificação, eles correm o ris-co de desfigurar sua observação e de distorcer sua escuta. A esse respei-to, Milton Erickson rejeita toda classificação, sempre excessivamenteínterprelativa e simplista, na prática da psicoterapia.

Quanto mais se pretende chegar ao cerne da personalidade, maisse percebe que a realidade do outro é infinitamente mais complexa queas teorias que a descrevem e simplificam. O_otue percebemos do outroresulta de nossa subjetividadc, seletiva e relativa, pois não podemos isolaro outro de si mesmo. Quando fazemos um julgamento a respeito do outro,evocamos na verdade nossa experiência interacional vivida com ele, outambém aquelas que tomamos emprestadas de outros. Cremos perce-ber a realidade do outro quando o que percebemos é a impressão queele produziu em nós.

Permaneçamos modestos: só conhecemos da personalidade de umindivíduo suas manifestações externas, isto é, os comportamentos emicrocomportamentos verbais e não-verbais. Ainda é necessáriodiscernir com cautela nossas interpretações e nossas observações. Alémdisso, esses comportamentos verbais e não-verbais resultam de apren-dizagens conscientes e inconscientes, c assim não podemos julgá-los.No melhor dos casos, podemos constatar a extensão do repertório corn-portamental de nosso interlocutor. Mas impõe-se uma outra restrição,pois esse repertório está sempre em formação, e não podemos nos ou-torgar o direito de estabelecer conclusões definitivas sobre o outro; sim-plesmente podemos constatar o que ele faz no momento presente, e nosabster de projeções quanto a seu passado ou futuro. A única avaliaçãoútil, especialmente em terapia, consiste em identificar no outro as apren-dizagens que seria bom que adquirisse para ajudá-lo a resolver seu pro-blema. Nosso conhecimento do outro é sempre restrito e subjetivo,requer sabedoria e lucidez, pois somos responsáveis pelo que dizemosaos outros.

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DESENVOLVIMENTO DA ACUIDADE SENSORIALE ACESSO AO SEXTO SENTIDO

Nossa capacidade de receber novas informações sensoriais é inver-samente proporcional à quantidade de preconceitos e explicações queacumulamos. Precisamos deixar de lado nossos preconceitos, pois estesparasitam e fecham nossos receptores sensoriais a toda informação quepossa contrariar nosso ponto de vista.

O desenvolvimento de nossa acuidade sensória! depende do exer-cício de nossa capacidade de perceber as diferenças: são elas que dãomais relevo e interesse à realidade, e que transmitem o máximo de in-formações1. Erickson, que deve sua genialidade à observação e à escutaalenta de seus pacientes, aconselhava insistentemente seus alunos a trei-narem a percepção das diferenças. Certo dia, por exemplo, mostrou umaTolha verde a um de seus pacientes e lhe pediu que observasse todas asnuances de verde presentes na folha. Ao fazer isso alimentamos nossoccrebro com informações detalhadas, que contribuem para o desenvol-vimento de nossas faculdades de discernimento e de intuição. O pro-vérbio chinês que aconselha aprender a "observar velhas paisagens comnovos olhos" evoca a mesma recomendação. Nós subutilizamos nossascapacidades sensoriais, restringindo assim nosso campo de possibili-dades de conhecimento, e consequentemente, nossas possibilidades dea coes sobre o mesmo. Há um provérbio, com certeza exagerado, quedi/: "Nada está oculto para aquele que utiliza seus olhos e seus ouvi-dos". Do mesmo modo os sofistas declararam: "Aquele que fica na re-produção do que já foi visto, do já escutado, aquele que vive no cenáriotio já vivido, não pensa". Antes de nos deixarmos condicionar depressailcmais por nossas deduções e extrapolações, é indispensável, para in-

1 "De fato, c isso o que designamos por 'informação': uma diferença que

i ri . i uma ililereni/a." (G. HATIÍSOK)

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tensificar nossa tomada de contato com a realidade, que voltemos à basede nossa percepção e aprendamos a torná-la mais aguçada. Ao privile-giar a explicação e a racionalização em detrimento da escuta e da ob-servação, perdemos o contato com a realidade concreta.

Uma história metafórica servirá de ilustração para nosso propósito.Um navio ancorado no porto de Havre é imobilizado, no momento dapartida, por uma pane geral das máquinas. O chefe dos mecânicos e suaequipe, todos diplomados e muito qualificados, correm então à sala dasmáquinas para identificar as causas da pane e encontrar soluções. As horasse passam sem que nenhum resultado seja obtido. O comandante, desa-nimado, decide sair para tomar ar fresco na ponte, e lá encontra um cu-rioso que pergunta: "Nossa, mas vocês ainda não partiram?" Responde ocomandante, "Não, há uma pane muito grave nas máquinas". O curiosolhe conta então que há no porto um homem, bem modesto e sern estudo,mas famoso por ser um verdadeiro génio da mecânica. O comandante,embora um pouco cético, manda então um recado para que o mesmovenha a bordo. Ele chega ao navio e segue timidamente o comandanteaté a sala das máquinas. Ah, silencioso, observa muito atentamente tudoque há para se observar, escuta zelosamente os menores ruídos que podeouvir. Passa-se um longo momento, e depois, sem hesitação, ele pega omartelo e bate com segurança e precisão numa das engrenagens. Tudovolta a funcionar. O comandante, tão satisfeito quanto surpreso, felicita-o calorosamente e lhe pergunta quanto custará o serviço. "O senhor medeve l .000 francos." E diante da surpresa manifesta pelo comandante, eleentão detalha sua fatura: "990 francos por observar, escutar, sentir, perce-ber e reíletir; 10 francos pelo golpe do martelo".

Muitos erros de análise, de previsão e de solução são explicadospelo fato de que só olhamos para os problemas que conseguimos escla-recer intelectualmente. Hm seu livro Os Ensinamentos de Don }uan - Umíaqmpara o Conhecimento, Carlos Castaneda, antropólogo, desenvolveesse assunto, relatando suas experiências com seu mestre Don Juan, quequeria essencialmente ensiná-lo a ver. Assim, quando Don Juan pergun-tava a Carlos Castaneda: "Carlitos, você viu aquilo?", Castaneda com fre-

LiMITES E RLTROS DA PERCEPÇÃO

quência respondia: "Não, eu não vi nada". Essa experiência se repetiuinúmeras vezes até o dia em que Don Juan solta uma gargalhada e lhed iz: "Carlitos, você só consegue ver as coisas que sabe explicar; assim, serenunciar à explicação, finalmente você começará a ver". Com essa de-claração, Don Juan visava transmitir a Carlos Castaneda uma tomadade consciência de sua postura científica. Fica bastante claro que paraI )on luan o real era antes de tudo assombroso. Do mesmo modo, na te-rapia, constatamos que ao provocar o assombro no paciente temos aces-so ao gatilho de uma mudança. O assombro nos permite descobrirpotencialidades insuspeitadas em todas as coisas, pois assombrar-se é,cm suma, parar e assumir a distância necessária para perceber antes dereagir c para descobrir simultaneamente novas possibilidades. O assom-

bro faz parte da alegria da descoberta.

Mão existe realidade objetiva independente de uni observador.

Ser é ser percebido e é perceber.

Muitos filtros se interpõem entre a realidade e a percepção que temos

dela: o filtro de nossos cinco sentidos, os filtros de nossas crenças e os

filrros de nosso ambiente geográfico, cultural, social, intelectual e ima-

ginário.

líxiste uma imensa variedade de percepções e de atitudes humanas.

'Ioda a complexidade da comunicação resulta de um infinito emara-

nhado de interacões recíprocas.

( ) que percebemos é também um reflexo de nosso estado interno, um

CLO de nosso estado emocional do momento; nossa percepção da reali-

dade é, portanto, totalmente mutável.

Ao privilegiar a explicação e a racionalização em detrimento da escuta

c d;> observação, perdemos o contato com a realidade concreta.

Nosso inconsciente possui informações às quais nosso consciente, em

rsliiilo comum de consciência, não tem acesso direto.

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EstresseLimitações

* y

t t tRecursos *

t!1

O indivíduo encontra-seprivado de seus recursos

- estresse, bloqueio.

Recursos

Inconsciente,

Bem-estarEficácia

O indivíduo está cmcontato com seus recursos

- bem-estar, eficácia.

O fenómeno da intuição ou do sexto sentido

Quando conseguimos perceber diferenças que anteriormente nãohavíamos notado, as coisas e os seres se tornam muito mais interessan-tes. Essa atitude não só nos permite experimentar o assombro mais fre-quentemente, mas ainda nos leva a desenvolver o sexlo sentido, aintuição, que possui considerável importância na comunicação, A emer-gência da intuição bascia-sc nas seguintes hipóteses: ao nos polarizar-mos na percepção da realidade externa, nós simultaneamente criamoso vazio e o silêncio dentro de nós, deixando assim entre parênteses nos-so tagarelar interior; esse estado de expansão de consciência é necessá-rio para que nosso inconsciente possa exercer seus talentos de intuição.Desse modo, nosso inconsciente possui informações às quais nossoconsciente, em estado comum de consciência, não tem acesso direto. Aprática do Zen, a da hipnose ericksoniana e da auto-hipnose facilitamesse acesso. Um diálogo de alta qualidade se caracteriza pelo fato de queos interlocutores, graças à escuta e à observação atentas, têm acesso, tantoum quanto o outro, a esse nível inconsciente onde se acessa a intuição:

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<• ,1 isso que denominamos comunicação hipnótica2. Nosso inconscientei ixolhe na verdade muito mais informações do que nosso consciente: acomunicação de alto nível ou comunicação hipnótica permite a acomo-ilíi{-í'w mútua desse saber, especialmente valioso para a resolução denossos problemas.

ÁVIDA É UMA INTERPRETAÇÃO PERMANENTE

Um fato, uma situação, um comportamento sempre dão margem,1 diversas leituras, a diversas interpretações. Nessas condições, antes de.waliar, por que não explorar as diferentes interpretações possíveis eescolher aquelas que abrem mais possibilidades de ações? O fato de umamesma situação poder ser interpretada por um indivíduo como umaoportunidade, e por outro como uma ameaça, deve fazer com querdativizemos nossas certezas de que determinada realidade seria fatal,i n tangível ou impraticável. Com relação a isso, os professores de marke-t ing com frequência usam em seus cursos a seguinte história: um dire-lor comercial de uma empresa fabricante de calçados enviou um de seuscolaboradores para prospectar um mercado muito distante, numa re-gião ainda intocada pela civilização moderna. Após alguns dias, essecolaborador fez o seguinte relato a seu diretor: "Aqui não há mercadopara nós, pois ninguém usa sapatos". Mas a empresa concorrente tam-bém havia enviado seu representante, e dois ou três dias depois, estemandou uma mensagem a seu superior: "Formidável; aqui ninguém usa\apatos, o mercado está aberto!". Na verdade, os indivíduos têm essafabulosa capacidade de construir uma realidade mais praticável para simesmo. Expressões como "essa pessoa é construtiva", "ela sempre se saibem das piores situações" ou "ela sempre vê o lado bom de todas asuiisas" marcam essa atitude.

•' Ver capítulo 16: A comunicação hipnótica, segundo Milton Erickson.

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A rigidez de nossas interpretações impede o assombro e a desco-berta. Uma pessoa rígida ou fechada está tão focada em seus a priorique lhe é impossível aceitar informações que desestabilizariam suascertezas. Suas experiências não lhe dão mais a possibilidade de cresci-mento, pois ela tende a administrá-las de tal modo que confirmem suascertezas prévias. A abertura à mudança, que lhe seria benéfica, não con-siste tanto em ir ao encontro do desconhecido, mas sim cm reconside-rar simplesmente aquilo que ele crê conhecer.

Observação —> Interpretação —>Reação

A mudança provém de uma reinterpretaçao dos dados vistos comoproblemáticos e não de uma explicação desses mesmos dados. Quandose modifica, por exemplo, a interpretação que um pai faz dos compor-tamentos de seu filho, nós modificamos a imagem que o pai tem do fi-lho: ao vê-lo de modo diferente, ele se comportará diferentemente comele, É por esse motivo que a verdadeira mudança ocorre na ação; as ex-plicações racionais, sempre aleatórias, que visam compreender e fazercompreender o porquê dos comportamentos, raramente provocammudanças espontâneas.

Nossas expectativas e intenções orientam nossas percepções.

Um fato não tem sentido em si mesmo. Ele podo ter tantos sentidos

quantos forem os indivíduos e os pontos de vista a partir dos quais pos-

sa ser observado.

RECONTEXTUALIZAÇÃO, UMAIMPORTANTE ETAPA DA MUDANÇA

As coisas não mudam.

Mude sua forma de vê-las. Isso bastará.Lao Tsé

A importância da recontextualização como elemento de articula-<,uo da mudança baseia-se na imensa variedade das realidades subjeti-v.is que consideramos. Recontextualizar significa, conforme a definiçãoile Paul Watzlawick: mudar o ponto de vista perccptual, conceituai e/ouemocional através do qual uma dada situação é percebida, para deslocá-la a outro contexto que se adapta igualmente bem ou ainda melhor aos"fulos" concretos da situação, e que irá alterar todo seu significado. Paraque uma recontextualização cumpra plenamente sua função, é neces-sário que se absorva um pouco da visão de mundo do outro para rein-le^rur uma parte na construção do novo contexto proposto. O resultadode uma recontextualização é medido pelo fato de ela suscitar esponta-neamente "novos recursos de organização" no espírito das pessoas en-

volvidas.