Língua Portuguesa: ensino, pesquisa, pós-graduação e formação docente

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Darcilia Simões (org.). Compilação de artigos científicos sobre língua portuguesa, linguística, educação e ensino.

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Darcilia Simes (org.)

LNGUA PORTUGUESA. Ensino, pesquisa, ps-graduao e formao docente

Dialogarts/UERJ 2008

Copyrigth @ 2008 Darcilia Simes Publicaes Dialogarts (http://www.darcilia.simoes.com)

Organizadora do volume: Darcilia Simes [email protected] Co-coordenador do projeto: Flavio Garca [email protected] Coordenador de divulgao: Cludio Cezar Henriques: [email protected] Diagramao e capa: Darcilia Simes [email protected] Logotipo: Rogrio Coutinho Centro de Educao e Humanidades Faculdade de Formao de Professores DELE Instituto de Letras LIPO UERJ- DEPEXT SR3 - Publicaes Dialogarts 2008

FICHA CATALOGRFICAL410 LNGUA PORTUGUESA. Ensino, pesquisa, psgraduao e formao docente. Darcilia Simes (org.) Rio de Janeiro: Dialogarts, 2008. p.390 Publicaes Dialogarts Bibliografia. ISBN 978-85-86837-33-3 1. Lngua Portuguesa. 2. Leitura. 3. Redao. 4. Pesquisa 5. Ensino. I. Simes, Darcilia (org.) I - Universidade do Estado do Rio de Janeiro. II - Departamento de Extenso. III. Ttulo. CDD.410.415

Correspondncias para: UERJ/IL - a/c Darcilia Simes R. So Francisco Xavier, 524 sala 11.139-F Maracan - Rio de Janeiro: CEP 20 569-900 Contatos: [email protected] [email protected] [email protected] URL: http://www.dialogarts.uerj.br

SUMRIO1 LNGUA PORTUGUESA........................................................ 7 Ensino, pesquisa, ps-graduao e formao docente. ............. 7 Prefcio ................................................................................... 10 O Discurso Sobre a Lngua ..................................................... 13 Darcilia Simes ....................................................... 13 A Redao Escolar e a Redao de Vestibular como Gneros Textuais................................................................................... 25 Vania L. R. Dutra .................................................... 25 Um Estudo Estilstico-Semitico dos Sinais de Pontuao em Tutamia.................................................................................. 49 Aira Suzana Ribeiro Martins................................... 49 Algumas Pesquisas Sobre Humor e Lngua Portuguesa ......... 66 Claudia Moura da Rocha ........................................ 66 O Projeto Pessoal Acadmico na Especializao e no Mestrado.................................................................................. 82 Luiz Karol ............................................................... 82 O Estilo nas Produes Textuais dos Alunos: Essa Difcil Aceitao................................................................................. 88 Claudio Artur O. Rei ............................................... 88 A Msica Popular Brasileira: Instrumento de Compreenso das Diferenas Lingsticas......................................................... 107 Virginia Candido ................................................... 107 Ensino de Morfologia: Um Outro Processo.......................... 120 Marcos Candido da Silva ...................................... 120 A Linguagem Jornalstica e a Formao do Leitor Crtico... 128 Alinne DArc Ramos Bastos ................................. 128 A Referenciao em texto jornalstico de natureza argumentativa........................................................................ 139 Cristina Normandia dos Santos ............................. 139

Os fundamentos tericos e opinies constantes dos artigos so de exclusiva responsabilidade de seus autores.

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A Pontuao no Processo de Construo de Sentidos nos Textos Infantis....................................................................... 151 Fernanda Freitas .................................................... 151 As teorias sobre o humor e as Comdias da Vida Privada, de Verssimo. ............................................................................. 163 Helio de SantAnna dos Santos............................. 163 A Leitura do no-dito: o sentido nas letras de Chico Buarque, de 1964 a 1971 ...................................................................... 175 Itamar Jos de Oliveira.......................................... 175 Manuais de instruo. Ser?.................................................. 187 Luanda Silva de Araujo......................................... 187 Reflexes Sobre o Discurso Outro........................................ 195 Manuela Mac Cord ............................................... 195 A Pontuao em Textos Publicitrios ................................... 208 Edna L.dos Santos ................................................ 208 As estratgias de convencimento no discurso persuasivo da Igreja Universal do Reino de Deus ....................................... 217 Elmar Rosa de Aquino .......................................... 217 Os Antropnimos na Contemporaneidade: Proposta de Programas Humorsticos da Atualidade................................ 227 Flvia Cassino Esteves .......................................... 227 A Interface Semntico-Sinttica das Vozes Verbais Na Construo do Texto Jornalstico.......................................... 236 Hyla Vale Ramalho ............................................. 236 Seleo Lexical e Crtica Social em Canes de Cazuza...... 255 Josiane Vieira ........................................................ 255 Neologismos nas HQs e nas Charges:Uma Questo de Seduo ............................................................................................... 266 Marta Nascimento F. Pimenta............................... 266 Charge e Humor: O Verbal e No-Verbal em Sala de Aula . 295 Simone V. dos S. Pinto ......................................... 295 A Interpretao do Supervilo: Competncias de Leitura e Interao Social a Partir do Humor....................................... 304 Vnia Luiza Matheus Pereira ................................ 304

A Situao Comunicativa do Artigo Jornalstico de Mriam Leito .................................................................................... 317 Cristina Normandia dos Santos ............................. 317 O ensino do texto argumentativo para alunos de 6 e 7 anos do ensino fundamental ............................................................... 330 Helosa Helena da Cruz Aguiar............................. 330 Vozes: do Discurso ao Aprendizado..................................... 343 Mrcio Ribeiro dos Santos .................................... 343 O Texto Narrativo nos Primeiros Anos da Escola: Expectativas para o Ensino......................................................................... 362 Robson Barbosa Cavalcanti .................................. 362 Estudos de Textos: Implicaes e Renovaes nas Questes de Interpretao.......................................................................... 378 Maria Teresa Tedesco Vilardo Abreu ................... 378

LNGUA PORTUGUESA ENSINO, PESQUISA, PS-GRADUAO E FORMAO DOCENTE.A primeira condio para que um ser possa assumir um ato comprometido est em ser capaz de agir e refletir. (Freire2). (...) um homem falando que encontramos no mundo, um homem falando com outro homem, e a linguagem ensina a prpria definio do homem. (Emile Benveniste3)

As epgrafes eleitas para abrir este breve texto esto baseadas no que pensamos do ato de ensinar e do sujeito com quem interagimos. Professar um ato poltico que demanda clareza de objetivos e definio absoluta do objeto e do sujeito com que se opera. Assim sendo, o Curso de Especializao em Lngua Portuguesa, desde 1995 sob a responsabilidade da equipe docente efetiva constituda por Darcilia M. P. Simes, Magda Bahia Schlee, Maria Teresa Tedesco e Vnia L. R. Dutra, vem evoluindo, reformulando-se, com vistas a oferecer um espao de reflexo e dilogo sistemtico e continuado da descrio da lngua portuguesa e das estratgias indispensveis para um processo de ensino-aprendizagem eficiente. Dentre as aes do Programa de Ps-graduao lato sensu de Lngua Portuguesa, esto inscritas as mostras dos trabalhos produzidos pelos cursistas, sob a orientao de docentes por aqueles escolhidos a partir da afinidade dos projetos de pesquisa desenvolvidas pelos orientadores potenciais. Portanto, entregar ao leitor um volume como o da presente coletnea (documento das I e II Jornadas de Trabalhos

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FREIRE, P. Educao e mudana. 6 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. BENVENISTE, E. Problemas de Lingstica Geral I. 3 ed. So Paulo: Pontes, 1991.

da Especializao em Lngua Portuguesa UERJ-ILE), 2005 e 2006, significa para ns docentes e orientadores de boa parte dos autores dos textos que a compem grande alegria e pesar a um s tempo. Alegria porque os textos e seus respectivos autores testemunham o empenho com que vimos realizando sucessivas edies do Curso de Especializao em Lngua Portuguesa na busca de melhores dias para o ensinoaprendizagem da lngua nacional; pesar porque o atraso na publicao e a ausncia de alguns importantes artigos demonstram a descrena e o desnimo que assombram o magistrio nacional, em especial os docentes do vernculo. Desde meados do sculo XX, a crise do ensino vem desafiando a todos ns. A preocupao com a qualidade do trabalho desenvolvido em nossas escolas, principalmente as das diferentes redes pblicas, vem nos desafiando a rever os saberes que herdamos da tradio e que preciso transformar. Com o foco no ensino da Lngua Portuguesa, o trabalho desenvolvido pelo grupo de professores que atua em nosso Curso de Especializao vem tentando desenvolver, num processo de busca e experimentao, novas ticas para o trabalho com a lngua materna na escola. nesse contexto que vm a pblico resultados de um trabalho compartilhado entre a academia e a prtica docente efetiva de ensino fundamental e mdio, pelas mos de professores-pesquisadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e de professores-docentes de lngua portuguesa de escolas pblicas e particulares de nosso Estado nossos alunos e parceiros em discusses tericas e pesquisas de campo. Esses resultados, acreditamos, merecem ser compartilhados com tantos quantos se preocupam com um trabalho mais eficaz com nossas crianas e jovens, visando a fazer delas cidados atuantes em uma sociedade letrada que exclui os chamados analfabetos funcionais.

O trabalho vem sendo realizado com a participao de docentes efetivos e colaboradores, a saber: Magda Bahia Schlee (efetiva); Adriane Gomes Farah, Aira Suzana Ribeiro Martins, Claudia Moura da Rocha, Luiz Karol, Virginia Cndido, Wagner Luiz Ferreira Lima, entre outros convidados. O presente volume rene estudos, pesquisas e relatos de experincia que, a nosso ver, podem servir de sugesto para o enriquecimento das aulas de portugus, voltadas para a eficincia comunicativa. Trabalhos subsidiados por diferentes perspectivas e correntes tericas na sua maioria associadas prtica didtica levam aos nossos leitores pitadas de criatividade, profundidade terica, engajamento numa poltica da lngua cuja meta a formao de cidados aptos participao poltica. Para ns importante demonstrar a importncia do trabalho de grupo, e a coletnea uma obra que documenta essa prtica e lhe confere garantia de qualidade. E esse trabalho de grupo vai enfatizado nessa apresentao em que trs vozes se cruzam, a de trs docentes que atuaram/atuam na Coordenao do Curso de Especializao em Lngua Portuguesa (UERJ-ILE) e que dele participam como docentes desde 1995, cada vez mais empenhadas no aperfeioamento do modelo de curso e na qualificao dos egressos. Rio de Janeiro, 20 de fevereiro de 2008. Darcilia Marindir Pinto Simes Coordenadora do Doutorado em Lngua Portuguesa Maria Teresa Tedesco Vilardo Abreu Vice-coordenadora do Mestrado em Lngua Portuguesa Vnia Lcia Rodrigues Dutra Coordenadora do Curso de Especializao em Lngua Portuguesa

PREFCIOEste livro apresenta trabalhos de pesquisadores que desvendam a rede entre o cotidiano da linguagem e a realidade social, em seus diferentes usos, criaes e estilos. o que ressalta o ttulo: Lngua Portuguesa, Ensino, Pesquisa, PsGraduao e Formao Docente. Atual em sua proposta, a publicao nos conduz pelos caminhos do fazer investigativo em torno da lngua portuguesa em suas diferentes manifestaes: linguagem em movimento, no dizer de Dubois. Em termos gerais, no estudo de uma lngua, presente est a cultura dos falantes que a utilizam. Fruto da ao coletiva, a linguagem nos remete ao ser humano em suas dimenses individuais e sociais, posto que nela e por ela criamse e recriam-se valores e identidades que sustentam e refletem a sociedade que os engendra. Nos cenrios da contemporaneidade, assinalados pela circulao rpida de novos discursos miditicos, estudos sobre os diferentes usos da linguagem tornam-se fundamentais por trazerem mais clareza, no s sobre as complexas realidades sociais, como tambm sobre seus mecanismos de comunicao e seduo, que nos rodeiam, massificam e ditam posturas. Nesse contexto, ampliase a necessidade de pesquisas centradas na linguagem falada e escrita, que tenham em sua motivao a preocupao em apontar caminhos para a formao de profissionais socialmente responsveis, capazes de lidar com a ampla circulao de sentidos que produzimos. No tocante sociedade do conhecimento, essencial que pesquisadores, sejam quais forem suas reas de atuao, desenvolvam aes investigativas que expressem alternativas para as solues dos problemas que nos afligem socialmente, uma vez que a teorizao sobre a teoria no suficiente para responder aos anseios sociais. Os trabalhos que nos so

apresentados nessa coletnea filiam-se a essa modalidade de pesquisa: pautam-se na investigao com responsabilidade social. Vem a pblico justamente no perodo em que afloram inquietaes sobre o desempenho de nossos estudantes do ensino mdio e fundamental em relao escrita e leitura, e sobre a formao dos professores. O que est ausente na prtica pedaggica da maioria dos professores est presente nesse livro. Mais que levar para a sala de aula textos publicitrios, jornalsticos, entre outros, necessrio se faz ser possuidor de instrumental conceitual que lhe permita a criatividade no trato com os elementos lingsticos em uso pela sociedade. Encontramos nessa publicao pesquisas e procedimentos atravs dos quais o leitor no s acompanha o percurso realizado pelo pesquisador, como tambm pode transferi-lo para outro corpus. O leitor poder apreciar estudos criativos em torno da pontuao, da morfologia, da sintaxe e da semntica, que indicam novos caminhos para o trabalho do professor, e contribuem para a formao docente. Atento s inquietaes atuais, traz um amplo repertrio temtico estudado luz das teorias da Anlise do Discurso, Semitica, Semntica Cognitiva, Lexicologia. Fundamentados em autores como Charles S. Peirce, Patrick Charaudeau, Dominique Maingueneau, entre outros, os artigos tm no discurso poltico, pedaggico, miditico, potico e na prosa literria, objeto de pesquisa. a lngua em seus processos de construo da comunicao e na dinmica do cotidiano sendo estudada. As pesquisas apresentadas trazem ao leitor a Cultura Brasileira atravs do cancioneiro popular de Chico Buarque de Holanda e Cazuza, da anlise primorosa realizada sobre a linguagem dos programas humorsticos populares da televiso brasileira. Descortinam os textos jornalsticos, polticos e

publicitrios nos percursos de construo e manipulao do sentido. Exploram as belezas e memrias de nossa esttica literria. Em sntese, so estudadas as linguagens que interpenetram e fazem circular nossa pluralidade cultural e lingstica. Obra com enfoque interdisciplinar, fornece aos professores subsdios para trabalharem a linguagem em seus vrios registros. Em suma, estudos reflexivos que permitem aos professores e jovens pesquisadores ampliarem o repertrio sobre o Ensino da Lngua Portuguesa, nas dimenses da leitura, escrita e da percepo do sentido nos componentes da gramtica. Eliana Meneses de Melo Doutorado em Lingstica, USP, 1996 Professora Titular da Universidade Braz Cubas, Mogilar/SP Ps-doutoranda em Letras, UERJ

O DISCURSO SOBRE A LNGUA4Darcilia Simes(UERJ/PUCSP/FBCJ) www.darcilia.simoes.com Resumo: Discusso da competncia e do desempenho lingstico do estudante que busca a ps-graduao em Lngua Portuguesa. O que a ps-graduao lato sensu. O que o Mestrado. Competncia do falante e competncia do tcnico. Ensino-aprendizagem da lngua portuguesa, segundo os nveis de escolarizao. Desempenho nos processos seletivos para o Mestrado em Lngua Portuguesa. Palavras-chave: Lngua Portuguesa. Competncia Tcnica. Competncia comunicativa. PsGraduao em Lngua Portuguesa. Processos Seletivos. Abstract Discussion of the student's linguistic competence and performance in a selective process to English Language post graduation. What is a postgraduate sensu lato. What is the Masters. Technical and Communicative competence. English language teaching-learning and the scholarization level. Performance in selective processes for the Masters in the Portuguese language. Key words: Portuguese Language. Technical competence. Communicative competence. Post-graduation in the Portuguese language. Processes Selective.

PROBLEMA A presente comunicao desenvolve uma reflexo sobre as dificuldades demonstradas pelos candidatos ao Mestrado em Lngua Portuguesa na ltima dcada. Resolvi enfrentar o problema e traz-lo discusso nesse evento que rene

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Comunicao apresentada na II Jornada da Especializao em Lngua Portuguesa e IV Seminrio Integrado de Pesquisa em Lngua Portuguesa, UERJ, ou-2006.

participantes do Programa de Ps-graduao (lato e stricto sensu) de Lngua Portuguesa, com a meta de tentar descobrir possveis causas e orientar para a melhoria do desempenho dos candidatos no processo seletivo em questo. preocupante quando, ao final do certame, v-se significativo nmero de candidatos obterem resultados to baixos. A nota de corte 8 (oito), e tem havido um percentual inferior a 50% de aprovaes. Considerando que se exige diploma de graduao para inscrio, pode-se inferir que os cursos superiores esto deixando a desejar no que tange ao domnio da lngua portuguesa, que a lngua nacional do Brasil. Ainda que os candidatos no sejam exclusivamente profissionais das Letras, fica difcil admitir que um bacharel de qualquer rea do conhecimento no tenha domnio do idioma nacional, lngua oficial de seu pas, com a qual desempenharia suas funes sociais e profissionais. Tendo em conta que muitos dos que procuram a Especializao ou o Mestrado em Lngua Portuguesa da UERJ apresentam currculos que documentam formao e atuao profissional relevantes, ecoa a seguinte pergunta: por que os candidatos apresentam tantos problemas nas respostas s questes de prova? DOMNIO DA LNGUA NO TERCEIRO GRAU A sistematizao lingstica dos sujeitos teria incio na 5. srie do primeiro grau. Nesta etapa da escolarizao, os estudantes deveriam comear a organizao dos contedos gramaticais que lhe vm sendo apresentados quase que empiricamente nas sries anteriores. Na 5. srie, o aluno precisa comear a compreender por que estuda as classes e categorias gramaticais, bem como a organizao da frase e da orao. Esses contedos no tm fim em si mesmo; por no

compreender o valor desse conhecimento, o estudante restringe-se a decorar dados, que lhe so cobrados nas provas e que no tero qualquer serventia aps isso. Logo, os conhecimentos gramaticais, por no serem significativos, no se fixam, no passam a integrar o conhecimento escolar. Embora sejam repetidos indefinidamente ao longo da escolarizao, no se incorporam ao saber comunicativo dos alunos, no lhes oferece qualquer suporte para a formulao discursiva cotidiana, portanto, a relao do aprendiz com os contedos gramaticais tornava-se burocrtica. Em decorrncia da no-aquisio do contedo relativo ao ensino fundamental (ou bsico), o ensino mdio se desenvolveria de modo insipiente, porque a falta dos conhecimentos - que formaria a base aperceptiva para aquisio dos contedos imediatos de cada srie desse nvel faz com que as aulas se resumam soluo mecnica de exerccios dos livros didticos, seguindo um itinerrio cada vez menos operante, menos significante. O resultado alcanado um vestibulando que mal sabe ler ou escrever. No terceiro grau uma vez que os exames vestibulares contemporneos nem sempre so referncia para o que se entende por seleo stricto sensu os graduandos se debatem antes os textos a serem lidos e muito mais ainda ante os comandos de produo textual. Recorrendo a colegas mais bem aquinhoados na escolaridade ou mesmo aos textos e fragmentos obtidos na Internet, conseguem concluir seus cursos, colarem grau, ganharem diplomas e, quando o caso, tentar a continuidade dos estudos na ps-graduao. Ento comea o nosso problema. constrangedor o trabalho de correo de provas no processo seletivo da ps-graduao. H casos em que o desempenho aferido no seria admissvel no velho e conhecido

exame de admisso ao ginsio que vigorou at a dcada de 60 do sculo passado. Naquele certame, os candidatos sabiam ler (inclusive os clssicos), sabiam redigir e sobreviviam a sabatinas gramaticais, aps as quais se sentiam gloriosos. Hoje, emoldurados pelos tratamentos politicamente corretos e pelas hipteses de processo por discriminao, injria ou constrangimento ilegal, a avaliao escolar de rotina no mede mais nada, funciona apenas como ato burocrtico, e o aluno promovido e se forma sem um mnimo de domnio de contedos, os quais lhe sero exigidos durante a pratica linguageira. Assim sendo, essa progresso geomtrica das dificuldades lingstico-gramaticais faz com que o pleiteante a uma vaga em ps-graduao, especialmente nas Letras, mostrese despreparado para enfrentar o processo seletivo que lhe abriria as portas ao curso esperado. QUAIS AS METAS DA FORMAO EM LNGUA PORTUGUESA NO PROCESSO DE ESCOLARIZAO? Comeo a discorrer sobre o que se espera desse sujeito, apresentando-me uma srie de questes que suponho poderem nortear um replanejamento do processo seletivo, visando a no s estimular a preparao dos candidatos, mas evidentemente melhor sobremodo os resultados. Eis as questes e respectivos comentrios: 1. Ser que o candidato tem noo clara do que seja uma ps-graduao? Pelo que se pode apurar do comportamento dos estudantes dos cursos de especializao e de parte dos mestrandos, h srio equvoco na procura por tais cursos.

Parcela significativa da clientela pensa poder buscar nesses cursos a aquisio do domnio da lngua que no conseguiram obter at a graduao. Desse comportamento resulta uma nova questo: 2. No estaria havendo uma confuso entre cursos de especializao e cursos de reviso? Da experincia com cursos de especializao na UERJ (dentro e fora do Campus Maracan) e em outras IES particulares no Estado do Rio de Janeiro, possvel deduzir que a maioria dos alunos que chegam ps-graduao lato sensu espera desse curso a formao gramatical necessria ao domnio eficiente da lngua padro. Se tais sujeitos conseguiram concluir cursos de terceiro grau, de supor que saibam ler e escrever satisfatoriamente. No entanto, a realidade nega essa hiptese e freqente encontrarem-se turmas de especializao em que apenas 20 a 25% dos cursistas estariam de fato adequados ao nvel do curso. Os demais apresentavam desempenho lingstico compatvel talvez com uma oitava ou nova srie do Ensino Bsico, consideradas as competncias definidas nos Parmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental. Os Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs) indicam como objetivos do ensino fundamental atinentes comunicao que os alunos sejam capazes de: posicionar-se de maneira crtica, responsvel e construtiva nas diferentes situaes sociais, utilizando o dilogo como forma de mediar conflitos e de tomar decises coletivas;

conhecer e valorizar a pluralidade do patrimnio sociocultural brasileiro, bem como aspectos socioculturais de outros povos e naes, posicionando-se contra qualquer discriminao baseada em diferenas culturais, de classe social, de crenas, de sexo, de etnia ou outras caractersticas individuais e sociais; desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de confiana em suas capacidades afetiva, fsica, cognitiva, tica, esttica, de inter-relao pessoal e de insero social, para agir com perseverana na busca de conhecimento e no exerccio da cidadania; utilizar as diferentes linguagens verbal, matemtica, grfica, plstica e corporal como meio para produzir, expressar e comunicar suas idias, interpretar e usufruir das produes culturais, em contextos pblicos e privados, atendendo a diferentes intenes e situaes de comunicao; saber utilizar diferentes fontes de informao e recursos tecnolgicos para adquirir e construir conhecimentos; questionar a realidade formulando-se problemas e tratando de resolv-los, utilizando para isso o pensamento lgico, a criatividade, a intuio, a capacidade de anlise crtica, selecionando procedimentos e verificando sua adequao.

Dos dez objetivos arrolados nos PCNs como definidores da formao fundamental dos sujeitos, os oito transcritos se correlacionam com a capacitao para a comunicao e a expresso, portanto, atinentes rea das Linguagens, Cdigos e suas Tecnologias. Nesta rea prepara-se o indivduo para a interao comunicativa, por meio da qual possvel desenvolver-se o homem integral.

ainda os PCNs que dizem:O domnio da lngua, oral e escrita, fundamental para a participao social efetiva, pois por meio dela que o homem se comunica, tem acesso informao, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constri vises de mundo, produz conhecimento. Por isso, ao ensin-la, a escola tem a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes lingsticos, necessrios para o exerccio da cidadania, direito inalienvel de todos.

Assim sendo, o estabelecido pela Secretaria de Ensino Fundamental para a terminalidade desse nvel de escolarizao no se mostra efetivo nos egressos do segundo grau. Por isso, a formao de terceiro grau vem resultando deficiente por fora da inexistncia das condies indispensveis para o desenrolar dos contedos e temas previstos para o ensino de terceiro grau nas variadas reas. A conseqncia ainda mais desastrosa a busca de suplncia dessa escolarizao nos cursos de psgraduao. possvel acreditar que os cursos de ps-graduao lato sensu tenham sido uma criao intermdia graduao e o Mestrado, com vistas a preencher as lacunas deixadas pela escolarizao anterior. Evidentemente que isso no verdadeiro. A especializao outra coisa. O Dicionrio esclarece:Especializao - Curso de ps-graduao que possibilita o estudo aprofundado em uma rea especfica do conhecimento, e que consta, ger., de aulas, treinamento prtico ou um breve trabalho de investigao, podendo incluir uma monografia como tarefa de concluso. [Aurlio, s.u.] [grifei]

Como se v, h um equvoco grave quanto ao que seja o curso de especializao. Logo, o resultado desses cursos vem sendo atropelado por significativa evaso e produo sofrida de monografias finais, muitas delas socorridas pelos trabalhos de compilao, para que o investimento do cursista no se perca, e a aprovao do trabalho de concluso lhe permita a obteno do esperado certificado que, em certos casos, resulta em melhoria salarial. Mas tudo isso se estende seleo para o Mestrado. Ento se impe mais uma questo. 3. Qual a idia que um candidato tem a respeito do Mestrado? Em regra, o candidato que j cumpriu uma psgraduao e ainda no solucionou sua deficincia lingstica, supes poder enfim resolver o problema cursando um Mestrado em Lngua Portuguesa. Para no me deter demasiado nesta resposta, busco logo o auxlio do dicionrio que diz:Mestrado - Curso de ps-graduao, mais avanado que a especializao, que capacita o graduado execuo de pesquisas em uma rea de conhecimento, e do qual constam, ger., aulas e trabalho de investigao, sob a direo de um orientador, e cuja concluso condicionada apresentao de um trabalho escrito ou tarefa congnere. [Aurlio, s.u.] [grifei]

A definio dicionria clara e permite perceber que se trata de um estudo avanado de algo que o sujeito j domina e sobre o que pretende aprofundar-se.

No entanto, h quem se candidate a um Mestrado de Lngua Portuguesa sem domnio dessa matria ou com conhecimento muito restrito, do que resulta uma dificuldade muito grande que se manifesta imediatamente na soluo das questes da prova especfica no processo seletivo. Mesmo candidatos que se julgam competentes linguisticamente tomando por base sua insero no mercado profissional em especial na docncia do idioma nacional -, s vezes se surpreendem (e surpreendem a banca que j leu seus currculos) quando respondem errada ou ingenuamente as questes propostas. Qual ser ento o problema? Ter o candidato domnio da lngua suficiente para pretender tornar-se um cientista da lngua? As respostas dadas s questes da prova, em sua maioria, no demonstram o necessrio amadurecimento sobre o que saber a lngua e o que saber discorrer sobre a lngua. QUALO PERFIL DE UM CANDIDATO PS-GRADUAO EM LETRAS?

Ainda que o programa de ps-graduao em lngua portuguesa no seja exclusivo para os graduados em Letras, quem faz aquela opo para estudos avanados deveria j ter uma base slida na subrea eleita. Considerando que o curso de Mestrado forma pesquisadores, cientistas, um investigador da Lngua Portuguesa no pode apresentar desempenho correspondente ao do falante comum mesmo que portador de Diploma de Curso Superior, mas no atuante na subrea em questo. Um estudante de Mestrado em Lngua Portuguesa deve ter o domnio do falante comum e o conhecimento avanado da estruturao lingstica especfica da lngua portuguesa que,

portanto, a distingue e individualiza ante as demais lnguas. Ademais deve trazer consigo curiosidades que estimulem a discusso desse sistema, com vistas a ampliar-lhe a descrio e a correlao com o exerccio cotidiano da comunicao verbal nos variados nveis e estilos exigidos pela prtica social. Hipteses se oferecem reflexo:

A inexistncia do perfil descrito para o mestrando de lngua portuguesa, ou seja, a falta de domnio avanado da lngua gera insegurana. O suposto domnio suficiente da lngua exime o candidato de preparar-se para o certame. H uma confuso entre saber a gramtica da lngua e interpretar os fatos gramaticais. A falta de hbito de leitura tcnico-cientfica concorre para a produo de respostas ingnuas no processo seletivo. A interpretao do enunciado das questes se resume s noes perifricas, deixando os contedos essenciais fora da resposta.

Essas hipteses se reforam ainda no fato de que parte significativa dos candidatos no apresenta domnio suficiente da redao no uso padro da lngua. Portanto, est-se diante de uma grave incoerncia: como pretender tornar-se um especialista ou um pesquisador avanado da lngua se no possui domnio do objeto de estudo? PARA UMA CONCLUSO TEMPORRIA Tentando fechar as reflexes que suponho ter promovido com essa comunicao, proponho que os colegas, em especial os que j atuam na docncia superior, que orientem

seus alunos quanto importncia do domnio do vernculo, sobretudo na variedade padro. Para tanto, estimulem a leitura tcnico-cientfica e literria, para que o potencial intelectual dos estudantes se torne consistente, possibilitando, quando for o caso, o ingresso em projetos avanados de estudo, pesquisa e formulao cientfica. Para fortalecer a leitura, orientem os estudantes para produo de fichamentos, resumos, resenhas crticas, ensaios, artigos cientficos, de modo que os sujeitos, alm de aprofundarem seu conhecimento acerca da rea ou subrea de seu interesse, tornem-se aptos para o estudo, o que demanda leitura e produo textual subseqente. Ainda que se d valor indiscutvel ao conhecimento da variedade lingstica e que se lhe respeitem os papis sociais que desempenham, indiscutvel a indispensabilidade do domnio da variedade padro, que se faz presente nos escritos tcnicos, cientficos, legais, etc. Cumpre enfatizar que o exerccio profissional demanda esse conhecimento, o qual constitui o diferencial na insero no mercado de trabalho. Por fim, esclarecer que a deciso por um curso de especializao ou de mestrado deve ser conseqncia de um desejo profundo de investigar certo tema, resolver certo problema, descobrir novas respostas para velhas questes, levantar novas questes para temas supostamente resolvidos, etc. Logo, preciso de fato amadurecer o conhecimento e definir o projeto profissional para ento produzir um projeto de pesquisa superior, a ser desenvolvido sob os auspcios de uma universidade e sob a orientao de um pesquisador snior. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Novo Dicionrio Aurlio da Lngua Portuguesa. Edio digital revista e atualizada do Aurlio Sculo XXI. So Paulo: 2004.

MEC - Ministrio da Educao e do Desporto - Secretaria de Educao Fundamental. Parmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental.

A REDAO ESCOLAR E A REDAO DE VESTIBULAR COMO GNEROS TEXTUAISVania L. R. DutraUERJ-ILE / UFF [email protected] RESUMO: Confronto entre a viso tradicional do trabalho com o que se convencionou chamar de redao escolar e as contribuies trazidas pela Anlise do Discurso. A situao comunicativa e o papel de seus elementos na constituio do texto pelos escolares. A redao escolar e a redao de vestibular como gneros textuais e as implicaes pedaggicas dessa nova abordagem. PALAVRAS-CHAVE: Redao - Anlise do Discurso - Gnero Textual - Ensino. ABSTRACT: Confrontation between the traditional vision of the work with what was stipulated to call school writing and the contributions brought for the Discourse Analysis. The communicative situation and the role of its elements in students text constitution. School writing and vestibular writing as textual genres and pedagogical implications of this new approach. KEY WORDS: Writing - Discourse Analysis - Textual Genre - Teaching.

1. INTRODUO A cada dia cresce, na contemporaneidade, conscientizao sobre a importncia da linguagem. a

Mediando nossa ao sobre o mundo (declarando e negociando), fazendo com que nosso interlocutor haja (persuadindo), criando realidades possveis (representando e avaliando), a linguagem assume um papel central na vida social, que exige, de cada um de ns, o desenvolvimento de habilidades comunicativas que possibilitem a interao participativa e crtica no e com o mundo.

Dessa maneira, ficam cada vez mais evidentes a necessidade e a relevncia de mudanas pedaggicoeducacionais relativas a uma educao lingstica adequada ao contexto atual e, portanto, relativas ao trabalho com diferentes gneros textuais. O estudo dos gneros textuais tem contribudo para a percepo de que no possvel analisar ou compreender a linguagem em si ou por si mesma, apartando-a dos fatores contextuais que a condicionam, que a determinam, que lhe conferem propriedade e relevncia. Ou seja, no se pode considerar a linguagem como alheia aos fatores envolvidos na sua produo e no uso que dela fazemos em sociedade. Sendo um fenmeno que se localiza entre a lngua, o discurso e as estruturas sociais (MEURER, 2000), o gnero passa a ser uma noo essencial para a definio da prpria linguagem. Assim, ele possibilita dilogos entre estudiosos de diferentes reas e traz elementos tericos que provocam uma reviso de muitos conceitos at ento estabelecidos. Embora a noo de gnero, entre essas diferentes reas, seja muito prxima, no h ainda para ele um termo consensual: gnero textual, gnero discursivo; e, para outros conceitos desse campo de estudo, a diversidade de nomenclatura ainda maior: seqncia textual, tipo textual, tipo de discurso, modo de organizao do discurso (entre outros); domnio discursivo, esfera social, comunidade discursiva, tipo de texto (entre outros). Para maior objetividade e clareza, tentando escapar a essa confuso terminolgica, faremos uso, de agora em diante, de um s termo para nomear os principais conceitos com que trabalharemos em nossa anlise. Nossa escolha se d com base nos objetivos que vm norteando nossas pesquisas, que se centram principalmente na materialidade textual, embora considerem tambm a situao de produo dos textos e seu

aspecto scio-histrico. Optamos, ento, pelas expresses gneros textuais e seqncias textuais, por fazerem mais diretamente referncia, como j dito, materialidade textual; optamos, por outro lado, pela expresso domnio discursivo, por acreditarmos que uma determinada esfera da atividade humana propicia o surgimento de enunciados que apresentam formao discursiva bastante semelhante. 2. REDAO ESCOLAR 2.1 VISO TRADICIONAL A tradio do ensino da redao na escola classificava os textos, de uma forma geral, em trs tipos: descrio, narrao e dissertao. Os professores propunham um tema e acrescentavam, proposta de trabalho, o tipo de texto que deveria ser construdo: descritivo, narrativo ou dissertativo. O que resultava desse tratamento dado escrita na escola eram textos completamente artificiais, que em nada se aproximavam dos gneros de circulao social. Na verdade, a impresso que se tinha era que se escreviam textos, no decorrer da vida escolar, com o objetivo de atender a um quesito muito importante no processo de avaliao para se obter uma vaga no ensino superior, o vestibular, que costumava, no encalo da escola, solicitar uma escrita de texto nos mesmos moldes. Escrevia-se para a escola, para o vestibular, no para a vida, no para interagir em sociedade quando se fizesse necessrio. No se buscava a funcionalidade da escrita, a sua aplicao fora do espao escolar. Dessa forma, a redao escolar adquire status de gnero e, como conseqncia, a descrio, a narrao e a dissertao so consideradas seus subgneros (OLIVEIRA, 2004).

2.2. REDAO ESCOLAR COMO GNERO TEXTUAL Na verdade, por mais contraditrio que possa parecer, a redao escolar apresenta as caractersticas constitutivas de um gnero e pode, portanto, ser considerada como tal. Por que contraditrio? Se consideramos a lngua em seus aspectos discursivo e enunciativo, alm do formal, reconhecemos que a comunicao verbal s se pode dar atravs de algum gnero textual (BAKHTIN, 2003). Seria a redao escolar um ato de comunicao de fato? Estaria o aluno dizendo alguma coisa de si, de sua vida, algo relevante que sentisse necessidade de externar de alguma forma a algum? E esse algum que, nessa situao, o professor estaria realmente interessado em ouvi-lo? Haveria entre os dois uma interao verbal ou o movimento do aluno no encontraria eco na figura do professor, seu pseudo-interlocutor? Essa situao pode parecer artificial, falsa. Porm, no contexto da escola, especificamente nas aulas de redao, essa a situao comunicativa que se impe. SITUAO COMUNICATIVA Segundo Charaudeau (1992), a situao comunicativa constitui a instncia verbal de produo do discurso determinada pelos contextos histrico e social, pelos sujeitos da comunicao, por sua inteno comunicativa, pelo lugar de onde falam, pela imagem que fazem de si, do outro e do referente. Marcados por uma identidade psicossocial, os participantes da interao comunicativa assumem um contrato de comunicao. Esse contrato consuetudinrio, no escrito em lugar algum prev direitos e deveres de quem fala/escreve e de quem ouve/l no jogo da interlocuo. A partir da inteno comunicativa do falante, constri-se o

projeto de comunicao, que diz respeito aos objetivos que se tem quando se fala ou se escreve e s estratgias para realizla. No que se refere aos sujeitos da comunicao, Charaudeau aponta a existncia de, pelo menos, dois eus no processo de produo do texto e dois tus no processo de recepo do mesmo: o Eu- comunicante, o Eu-enunciador; o Tu-interpretante e o Tu-destinatrio, respectivamente. Segundo Charaudeau:O Eu-comunicante e o Tu-interpretante so pessoas reais, com identidade psicossocial, ao passo que o Euenunciador e o Tu-destinatrio so entidades do discurso, s tendo existncia terica. O Eu-comunicante, portanto, quem fala ou escreve e o Tu-interpretante quem ouve ou l (e interpreta) o texto, seja ele oral ou escrito. O Tu-destinatrio a imagem que o Eu-comunicante tem do Tu-interpretante, ou seja, uma hiptese formulada pelo Eu-comunicante sobre quem seja o Tu-interpretante. Ocorre que a essa imagem que o Eu-comunicante se dirige. Se o Tudestinatrio coincidir com o Tu-interpretante (se, portanto, a hiptese do Eu-comunicante estiver correta) a comunicao ser bem sucedida. Caso contrrio, ela fracassar. Quanto ao Eu-enunciador, a imagem de si mesmo que o Eu-comunicante pretende passar para o Tuinterpretante e que este poder comprar ou no. Na verdade existem dois eus enunciadores, imaginados um pelo Eu-comunicante e outro pelo Tu-interpretante. (Charaudeau Apud OLIVEIRA, 2003: 28/29)

Em relao ainda enunciao, pode-se perguntar quem ou quens (CHARAUDEAU, 1983) de fato fala(m) no texto, se o Eu-enunciador ou o Eu-comunicante, se um indivduo ou uma coletividade. Charaudeau sugere a

existncia de um a (isso) quando o eu fala, fala com suas caractersticas pessoais, embora tambm fale, atravs dele, tudo que esse eu representa, ou seja, um segmento social, um grupo profissional, uma religio, uma gerao, uma faixa etria etc. e de um on (pronome indeterminador do agente, em francs) sujeito coletivo que representa a voz do povo (OLIVEIRA, 2003: 31) e que d ao que est sendo dito status de algo inquestionvel, que ningum ousaria negar (estratgia discursiva para obter a adeso do ouvinte/leitor tese do enunciador). Vale ainda dizer que a situao comunicativa, ao mesmo tempo que restringe, que delimita o universo do Euenunciador, tambm o faz em relao ao do Tu-interpretante, reduzindo as possibilidades de implcitos. Os chamados implcitos codificados dependem, assim, do contrato de comunicao, uma vez que so aqueles possveis de ocorrer em determinada situao comunicativa. SITUAO COMUNICATIVA PARA A PRODUO DA REDAO ESCOLAR Nos textos produzidos na escola, os Eus e os Tus esto presentes, est presente tambm um a e talvez um on; existem um projeto e um contrato de comunicao, esse ltimo com regras muito mais rgidas e claras que aquelas que costumam reger os contratos dos gneros fora da escola. A redao escolar uma realizao lingstica concreta, um texto emprico que cumpre a funo de ser instrumento de prtica de lngua escrita, para o aluno, e de avaliao, para o professor, do desempenho lingstico daquele nos planos comunicacional e formal. um texto vinculado vida cultural e social, o que o relaciona com o real, mas de circulao restrita ao mbito da escola e, em alguns casos, da famlia.

Desse modo, o trabalho com a escrita de textos na escola tanto o considerado mais tradicional, quanto o que se vem construindo mais modernamente, principalmente depois dos PCN tem como resultado um gnero especfico: a redao escolar. Com a introduo da noo de gneros textuais e o reflexo disso na escola, as propostas de escrita, nas aulas de redao, passam a simular situaes prximas do real. Prximas, porque se solicita ao aluno a escrita de um gnero que circula socialmente, no espao exterior escola, embora quase sempre se criando um simulacro (OLIVEIRA, 2004): constri-se uma situao comunicativa em que os papis so distribudos (Eu-comunicante, Tu-interpretante, Eu-enunciador e Tu-destinatrio) e o contexto estabelecido (ambiente fsico da enunciao ou contexto situacional MAINGUENEAU, 2002: 27). Muitas vezes o prprio projeto de comunicao j est delineado na proposta apresentada pelo professor, restando ao aluno uma margem pequena para sua contribuio pessoal o objetivo comunicativo apresentado ao aluno e o professor avaliar se ele o alcanou ou no. esse projeto o responsvel, tambm, pela seleo das seqncias textuais que participaro da estruturao do texto. H o que se pode chamar de uma estreita relao entre projeto de comunicao, seqncias textuais, contrato de comunicao e gnero textual. O gnero impe um contrato especfico que, de acordo com suas regras, de acordo com o que permitido ou no ao sujeito da comunicao naquela situao comunicativa liberdades e restries , o responsvel direto pelas escolhas feitas pelo aluno entre as categorias da lngua. Essas escolhas sero tambm objeto de avaliao do professor, escolhas essas que se do tanto no aspecto formal da lngua (escrita ortogrfica, emprego de palavras, estruturao dos perodos, pontuao etc.), quanto no

aspecto do comportamento lingstico (escolha da variedade lingstica, do pronome de tratamento etc.). Apesar de um simulacro, a situao construda faz parte de uma outra, real: a situao necessria de escrita na escola, em que sujeitos reais (Eu-comunicante e Tu-interpretante) interagem, cumprindo seus respectivos papis sociais (aluno e professor) previstos num contrato de comunicao especfico (o de que o aluno escreve um texto, de acordo com as especificidades indicadas pelo professor, que ser o responsvel pela sua avaliao). como se houvesse dois universos de comunicao" distintos, um o simulado inserido no outro o real , o segundo sendo diretamente responsvel pela existncia do primeiro, ambos intimamente relacionados. Tudo isso constitui, sem dvida, um avano. Nessa situao, o aluno tem perfeita conscincia de que o Eucomunicante numa situao de comunicao em que ter de assumir a "identidade" de um Eu-enunciador adequado a seu projeto de comunicao (projeto suscitado pela proposta de escrita que tem como tarefa). Ele percebe que precisa escolher o gnero textual que dar forma a seu texto, e que esse texto precisar estar de acordo com o contrato de comunicao que o gnero pressupe. Tem plena cincia, tambm, de que seu Tudestinatrio no necessariamente o professor, e que disso dependero algumas escolhas discursivas estratgicas que precisar fazer no decorrer de seu trabalho. Apesar disso, no perde de vista que o professor seu Tu-interpretante, responsvel direto pela avaliao de seu texto. Com as "regras do jogo" bem definidas, fica claro para o aluno o que o professor espera dele; e ficam claros para o professor quais os itens a serem observados na avaliao do texto, alm dos aspectos formais da escrita, tradicionalmente objeto de anlise na escola. Assim, o aluno tem em mos os

dados necessrios para planejar sua escrita, sofrendo muito menos diante da folha de papel em branco, pois, at ento, os temas que eram levados para a sala de aula eram quase sempre descontextualizados, o que gerava no aluno certa insegurana, classificada, muitas vezes por ele mesmo, como "falta de idias". O professor, por sua vez, que costumava avaliar o texto com base em seus aspectos formais, passa a avali-lo tambm em seus aspectos comunicativos. Muitas vezes, ao ler um texto formalmente correto, o professor percebia que havia um problema, mas no era capaz de localizar exatamente qual, nem de chegar, com objetividade, a uma soluo para ele. Dava ao texto uma nota oito ou sete, por exemplo, e no era capaz de apontar, com clareza, onde estava o problema que fizera com que o aluno no obtivesse a nota mxima. Isso fazia com que o professor avaliasse muito subjetivamente os textos, com parmetros pouco claros mesmo para ele prprio, e fazia com que o aluno, no tendo o problema de seu texto objetivamente apontado, continuasse cometendo a mesma inadequao nos textos seguintes. 3. O GNERO REDAO DE VESTIBULAR A redao de vestibular surge num contexto situacional um pouco diferente do contexto da redao que se faz na escola. A redao escolar, prtica mais ou menos regular e habitual, tem um Tu-destinatrio j conhecido do Eucomunicante: ele conhece seu perfil, suas expectativas e elabora seu projeto de comunicao dentro das possibilidades do contrato de comunicao do gnero solicitado como tarefa de escrita com o objetivo de agradar a esse Tu-destinatrio o avaliador estereotipado. Na escola, o Tu-destinatrio (imagem que o Eu-comunicante tem do Tuinterpretante) geralmente coincide com o Tu-interpretante

(pessoa real). H sempre, tambm, na redao escolar, a possibilidade de uma interao direta entre os sujeitos da comunicao (situao comunicativa real) para esclarecer alguma dvida sobre a tarefa, com o objetivo de que o ato de comunicao (situao comunicativa simulada) seja bem sucedido. Na redao de vestibular, o que geralmente acontece uma situao comunicativa real (prtica social legitimada de seleo em concursos) salvo algumas excees, do tipo proposta de escrita de carta argumentativa, como foi feito na UNICAMP e depois na UERJ por alguns anos. Esse tipo de proposta reproduz o que faz a escola na perspectiva do trabalho com os gneros textuais (simulacros). Normalmente o que se tem como proposta de escrita nos vestibulares um texto argumentativo, em que se avalia a capacidade de o candidato se posicionar criticamente em relao a um tema geralmente controverso; avaliam-se a clareza e a objetividade com que expe seus argumentos na tentativa de convencer seu interlocutor em relao tese que defende e, tambm, mas no principalmente, seu desempenho lingstico, que deve ser compatvel com o que se espera de algum que estar ocupando um lugar nos bancos da Universidade. Embora diante de uma proposta como a descrita acima, em que se solicita uma tomada de posio do candidato, muitas vezes o que se obtm como resultado so textos de natureza dissertativa, em que se expe o que se conhece sobre o tema, seus lados positivo e negativo, seus prs e contras, suas vantagens e desvantagens. Um dos motivos que justificam essa opo feita pelo Eu-comunicante o desconhecimento total do perfil do Tu-interpretante o avaliador das redaes do vestibular, que tem sua identidade mantida em sigilo tendo em vista a lisura do processo.

Embora no conhecendo seu interlocutor nesse processo, o candidato (Eu-comunicante) imagina o que seja um avaliador (Tu-destinatrio) de redaes num concurso de vestibular. Constri esse perfil com base no que tem de conhecimento sobre os resultados das avaliaes nos concursos anteriores geralmente desalentadores para a maioria dos candidatos e com base nas informaes que circulam sobre o que normalmente se considera erro nessas correes. O Eucomunicante acredita que o Tu-destinatrio seja uma pessoa fria, distante, que est preocupada com contar todos os seus erros de ortografia, pontuao, concordncia, regncia, emprego de palavras, construo de perodos etc. Acredita tambm que seja algum politicamente correto ou que pensa que o Eu-comunicante o devesse ser. No entanto, nada pode imaginar sobre suas preferncias polticas. A imagem de um Tu-interpretante (ou seja, o Tu-destinatrio) vai, assim, tomando forma, influenciando diretamente o texto que ser construdo. O Eu-comunicante buscar escrever um texto gramaticalmente correto, usando a variedade padro da lngua, empregando palavras e expresses de uso menos corriqueiro; buscar ser politicamente correto, sem, no entanto, se posicionar firmemente em relao temtica discutida, afinal no sabe se a opinio do Tu-interpretante coincide com a sua o que seria, em sua imaginao, ponto a favor de uma avaliao positiva de seu texto. Assim, por no conhecer o que pensa o Tu-interpretante sobre o assunto tema da redao, o Eu-comunicante concretiza um texto dissertativo, quando muito com a assuno tmida de uma posio em seu pargrafo final, como j se disse; ou assume uma posio crtica, arriscando uma coincidncia entre o Tu-interpretante e a imagem que faz dele (o Tu-destinatrio). Anlise de um texto Com o objetivo de demonstrar a validade do que se aqui se defende a redao escolar e a redao de vestibular como

gneros textuais , analisar-se- um texto produzido por um candidato ao Vestibular UERJ 2002, apontando nele os aspectos que o caracterizam como tal. A proposta da prova de redao do referido vestibular, que em seguida reproduzimos, apresenta aos candidatos quatro textos verbais em prosa e dois textos de propaganda em que o verbal e o no verbal esto presentes. Essa coletnea (apresentada em anexo) expressa representaes discursivas da mulher em diferentes pocas.

Lidos os textos da coletnea apresentada e a proposta de escrita, o candidato precisa responder a uma questo apresentada, deixando claro seu ponto de vista sobre o tema. Eis o texto do candidato:

Considerando-se o texto como o produto-resultado do ato de comunicao (CHARAUDEAU, 1992: 634) e o ritual da redao de vestibular como um ato de comunicao, faremos a anlise do texto Priso de preconceitos, apontando, por meio dos componentes desse ato de comunicao, os aspectos que o configuram como um gnero textual especfico. O texto em tela resultado de uma proposta de escrita que se constitui como uma situao comunicativa real, fruto de uma prtica legitimada socialmente: a Universidade,

representada por uma banca de elaborao/correo de provas, prope uma tarefa de escrita que ser por ela avaliada. Na situao comunicativa especfica da prova que ora analisamos, existem algumas regras explicitadas que vm reforar aquela que a principal do contrato de comunicao da redao escolar e da redao de vestibular: escrever um texto de acordo com a proposta e gramaticalmente correto, tendo em vista as normas da chamada lngua padro. Essa regra no precisa estar escrita em lugar algum porque de domnio pblico e j faz parte de nossa cultura. As que aparecem na proposta so: o texto deve apresentar elaborao prpria, que revele viso crtica do tema, estrutura completa e coerente e ser redigido em lngua culta padro (restries lingsticas e de comportamento lingstico). O texto, de uma forma geral, obedece a esse contrato. H alguns pequenos problemas no que se refere ao uso da lngua, mas eles no impedem que o projeto de comunicao do Eu-comunicante se realize. A proposta j traz o projeto de comunicao parcialmente construdo: a escrita de um texto argumentativo em que fique claro o ponto de vista do candidato sobre se as representaes sobre a mulher sofreram mudanas atravs do tempo ou se permanecem coexistindo na sociedade contempornea. Assumindo que as representaes sobre a mulher continuam coexistindo hoje, o candidato complementa o projeto de comunicao, que agora assume como seu. Esse projeto o responsvel pelas escolhas lingsticas implementadas pelo Eu-comunicante, o que pode ser comprovado, por exemplo, pela seleo lexical (ser submisso, obediente, remunerao menor, virgindade, questo de moral, casar, ter filhos, vtimas, tabus, preconceitos).

No que diz respeito aos sujeitos da comunicao, podese reconhecer a presena do Eu-comunicante (o candidato) e do Tu-interpretante (o professor-avaliador) na situao comunicativa. Pode-se, tambm, perceber a existncia de outros dois sujeitos no texto: o Eu-enunciador e o Tudestinatrio. O Eu-enunciador uma mulher, que assim se assume, no texto, claramente, atravs de marcas lingsticas (o emprego dos verbos tenhamos na linha 5 e recebemos na linha 6, e do pronome nossa na linha dez) e, mais sutilmente, pela posio assumida de crtica s caractersticas machistas da sociedade, que historicamente oprime o sexo feminino. Na verdade, embora o Eu-enunciador seja comprovadamente uma mulher, no se pode garantir que o Eu-comunicante tambm o seja. Pode-se tratar de uma estratgia discursiva do Eucomunicante para aproximar o Eu-enunciador (mulher) do Tuinterpretante. possvel imaginar, pela leitura que se faz do texto como um todo, que o Tu-destinatrio (imagem que o candidato/Eu-comunicante constri do Tuinterpretante/avaliador) possa ser tambm uma mulher. possvel que o Eu-comunicante tenha decidido arriscar-se, pressupondo ser o avaliador de seu texto uma mulher, embora nada garanta que o seja. Se ele acerta em sua pressuposio, tem muitas chances de obter a simpatia do Tu-interpretante em relao tese que defende. Por outro lado, o Eu-comunicante pode achar que o que descreve em relao discriminao sofrida pela mulher ainda hoje seja algo inquestionvel, algo que nem um avaliador do sexo masculino se atreveria a negar. De fato, o discurso reproduzido no texto em anlise forte na sociedade, representando talvez o que pensa uma parte da coletividade. No chega de fato a haver um on no texto, uma vez que o discurso no unssono a maioria da populao masculina no concorda com a imagem de machista e opressor que o texto constri para o homem e para a sociedade de uma forma geral. Entretanto, fala atravs do Eu-

enunciador um a, que sintetiza tudo que esse Eu representa: as mulheres de sua poca e de sua camada social, seus valores, suas crenas. Em sua formulao, o texto em anlise caracteriza-se pela preponderncia da seqncia argumentativa, importando em sua constituio lingstica as relaes entre idias constituintes do convencer e do persuadir, que suscitam os mais diversos tipos de relaes semnticas: concesso (apesar de todas as conquistas...), finalidade (Para constatarmos essa afirmao...), comparao (os meninos so criados de uma forma liberal enquanto as meninas...), explicao (pois ainda somos vtimas dos mesmos...). Alm de ser fruto de uma situao comunicativa em que se consideram o projeto e o contrato de comunicao, os sujeitos da comunicao, as seqncias textuais, as escolhas feitas entre as categorias da lngua e entre os comportamentos lingsticos possveis, tudo isso intimamente relacionado, todo gnero pertence a e representa um domnio discursivo, instncia em que foi gerado. Conforme Charaudeau & Maingueneau:Uma das tarefas essenciais da anlise do discurso classificar os discursos produzidos numa sociedade. Como componentes de sua competncia comunicativa, os locutores dispem de tipologias, adquiridas por contato ou por ensino explcito, necessrias para compreender ou produzir textos, mas, tambm, para circular na sociedade. Existem, ao lado das tipologias comuns (cf. nas livrarias: romances policiais, histricos, sentimentais...), tipologias de especialistas (cf. no jornalismo: editorial, notcia, chapu, box...). Como a classificao dos discursos pode se fundamentar em critrios variados (grau de generalidade dos

critrios, lugar social de pertinncia da tipologia, nvel discursivo apreendido... [Charaudeau, 1997b]), existem muitas tipologias. (CHARAUDEAU & MAINGUENEAU: 2004: 468 verbete tipologia dos discursos)

Os textos produzidos nos mais diversos espaos de ensino-aprendizagem de lngua materna e tambm em todos os concursos vestibulares, alm de nos demais concursos em que se exige uma redao como parte do processo de avaliao, constituem um domnio discursivo, adquirido por meio do ensino explcito. Eles tm basicamente as mesmas caractersticas, que os organizam numa instncia discursiva especfica; tm objetivos comuns construir o conhecimento sobre a organizao da lngua escrita, praticar para aperfeiola e ser material de avaliao do desempenho do aprendiz/candidato); circulam em lugares sociais especficos escolas, cursos, universidades, entidades que utilizam prova escrita para a admisso em seus quadros etc. ; e admitem nveis discursivos variados, j que faz uso desse gnero uma ampla gama de sujeitos de faixa etria, nvel de escolaridade, camada scio-econmica diferentes. Com base, ento, em critrios extratextuais, que privilegiam sua funcionalidade, pode-se dizer que o texto Priso de preconceitos alm das redaes de vestibular, das produzidas em todas as situaes de concurso e na escola de uma forma geral pertence ao que chamaremos de domnio discursivo escolar. O domnio discursivo escolar se coloca ao lado de outros domnios discursivos, guardando deles certa distncia o que faz com se constitua como diferente dos demais. Conforme Charaudeau e Maingueneau, existem muitas tipologias, muitos domnios discursivos: literrios, jornalsticos, religiosos, publicitrios, instrucionais, epistolares, cientficos, escolares etc.

4. CONCLUSO Alm do interesse terico, os resultados dessa investigao podem ser teis prtica pedaggica. O estudo das relaes entre texto e discurso muito importante como subsdio na formao dos professores e na elaborao de material didtico que privilegia o enfoque na funo das estruturas da lngua mais do que na forma, no texto em relao ao contexto. Representa, tambm, uma alternativa abordagem tradicional no trabalho com a produo de textos, pois explicita as relaes entre a estrutura do sistema lingstico e o uso que se faz dele na interao social, tornando possvel estabelecer bases objetivas para a abordagem pedaggica das habilidades de leitura e escrita. Mais especificamente no que se refere s noes aqui discutidas, as concluses a que se chega fornecem embasamento para uma renovao no trabalho com a produo de textos, uma vez que se delineia um modelo de anlise que favorece no s o ensino da redao, mas sobretudo o processo de avaliao dos textos produzidos pelos estudantes. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS:BAKHTIN, M. Os gneros do discurso. In: Esttica da criao verbal. 4. ed. So Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 261-306. CHARAUDEAU, Patrick. Langage et discours: lments de smiolinguistique (thorie et pratique). Paris: Hachette, 1983. __________. Grammaire du sens et de lexpression. Hachette, 1992. Paris:

_________. & MAINGUENEAU, Dominique (org.). Dicionrio de anlise do discurso. So Paulo: Contexto, 2004. MAINGUENEAU, Dominique. Anlise de Textos de Comunicao. 2. ed. So Paulo: Cortez, 2002.

MEURER, J. L. e outros (orgs.). Gneros: teorias, mtodos, debates. So Paulo: Parbola Editorial, 2005. OLIVEIRA, Helnio Fonseca de. Os Gneros da Redao Escolar e o Compromisso com a Variedade Padro da Lngua. In: HENRIQUES, C. C. & SIMES, D. (orgs.) Lngua e cidadania: novas perspectivas para o ensino. Rio de Janeiro: Ed. Europa, 2004. p. 183-193. OLIVEIRA, Ieda. O contrato de comunicao da literatura infantil e juvenil. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003.

ANEXO Coletnea de textos que antecedem a proposta da prova:

UM ESTUDO ESTILSTICO-SEMITICO DOS SINAIS DE PONTUAO EM TUTAMIAAira Suzana Ribeiro MartinsUERJ-CPII [email protected]

0. INTRODUO Apresentamos, neste texto, de forma sucinta, consideraes acerca do emprego de alguns sinais de pontuao nos contos de Tutamia, de Guimares Rosa (1967). Com base na teoria semitica de Peirce (1995) e na estilstica, desenvolvemos o estudo de trs sinais de pontuao: o travesso, os dois-pontos e o ponto-e-vrgula. Nossa pesquisa resultou na dissertao de Mestrado apresentada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro no ano 2000, orientada pela professora Darcilia Simes. Elegemos como corpus de nosso trabalho os contos reunidos em Tutamia por considerarmo-los importantes para a compreenso do estilo do autor. Alm ser o ltimo trabalho publicado em vida pelo escritor, essa obra lhe causou grande satisfao, conforme revelou a Paulo Rnai, em entrevista publicada no jornal Estado de So Paulo, em maro de 1968. Guimares Rosa declarou ainda que o livro resultava de um meticuloso trabalho com o vernculo, e que a supresso de qualquer elemento representaria um desequilbrio para sua unidade. Cremos que a anlise da pontuao nos contos de Tutamia seja uma pesquisa de grande relevncia para a leitura desses textos, alm de julgarmos que tais histrias sejam a expresso mxima de aprimoramento tcnico e artstico do

autor e, conseqentemente, de grande valor representativo em sua produo literria. A obra, quando lanada, em 1967, despertou grande perplexidade por parte da crtica especializada. Seus contos, publicados anteriormente na revista Pulso, j tinham motivado estranhamento nos leitores, como demonstram as polmicas opinies enviadas seo de cartas dessa revista mdica. O livro causou perplexidade no apenas em virtude da grande ousadia estilstica presente nos quarenta contos de pouca extenso que o compem; sua apresentao tambm no deixou de provocar certa estranheza. Nas listagens das histrias h duas, uma no incio e outra no final do livro, os contos de Tutamia so distribudos em quatro grupos; cada um dos quais antecedido pelo ttulo de um prefcio, sendo que, na primeira listagem, esses prefcios so considerados histrias, cujos ttulos chamam ateno apenas por sua grafia em itlico. Alm de dois ndices, a obra traz tambm dois ttulos colocados acima da enumerao dos contos Tutamia (Terceiras Estrias); Terceiras Estrias (Tutamia) e ainda um glossrio formado de palavras estranhas obra. Como podemos observar, o livro original tambm no aspecto fsico. As epgrafes que aparecem em cada um dos ndices j sinalizam sua singularidade. Vejamos:Da, pois, como j se disse, exigir a primeira leitura pacincia, fundada em certeza de que, na segunda, muita coisa, ou tudo, se entender sob luz inteiramente outra. [Schopenhauer] J a construo orgnica e no emendada, do conjunto, ter feito necessrio por vezes ler-se duas vezes a mesma passagem. [Schopenhauer]

Os prefcios so de importncia fundamental para o entendimento do estilo rosiano e tambm para o conhecimento do processo criador do escritor. Neles, h comentrios sobre o processo criativo do escritor e ainda respostas s crticas feitas anteriormente ao autor de forma bem-humorada. Em virtude do grau de inovaes apresentadas no livro, uma leitura desatenta deixa a impresso de que estamos diante de algo absolutamente catico. Entretanto, trata-se de uma obra instigante, em que o leitor participa ativamente na formao do sentido de seus textos. Em Tutamia h uma verdadeira transgresso em todos os nveis, no nvel sinttico, no nvel semntico e tambm no nvel morfolgico. Em muitas passagens vem-se frases truncadas, como esta passagem: Pois, por exemplo, o dia deu-se, foi sendo que. ( Uai, Eu?, p.178). marcante a presena de provrbios e de frases feitas na obra; porm, o esprito ldico do autor desestrutura-os, fazendo com que o leitor reflita sobre as verdades absolutas contidas nos enunciados, como mostram estes excertos: A desunio faz enormes foras. (Estorinha, p.54); O pior cego o que quer ver. (Antiperiplia, p. 15). Os neologismos contribuem para reforar a originalidade que caracteriza a obra, com a criao de palavras por meio de diversos processos, como estes exemplos: desfbula (Como Ataca a Sucuri, p.33); sozinhido (Ns, os Temulentos, p.101); enfrouxecidos (Sota e Barla, p.168); copoanheiro ( Ns, os Temulentos, p.102 ). O aspecto fnico foi exaustivamente explorado pelo autor com o emprego de assonncias, aliteraes rimas e metaplasmos: Convosco, componho. (Curtamo, p.34 ); Vindo o osso, o caroo, as rijezas amargosas. (Curtamo, p. 37); Propunhavam-lhe de urgente repente, gios, cios, negcios, questavam-lhe. (Grande Gedeo, p.79); alorpado (Mechu, p.89 ); perciso (Vida Ensinada, p. 188). Vemos

tambm a presena de formas arcaicas da lngua, como despois (Esses Lopes, p. 47 ). A presena de oxmoros tambm acentua o carter inusitado da obra: Tambm, e to velhinho moo, depois logo morreu... (Umas Formas, p.183 ); o de que s o povo tem o direito de se manifestar neste pblico particular... ( Hipotrlico, p.64 ). V-se, na obra de Guimares Rosa, por meio de uma sintaxe e de um lxico peculiares fala do homem simples do serto, a valorizao do elemento metafsico-religioso. Na fala tosca de um homem de poucas letras que , em geral, o personagem rosiano, revela-se o raciocnio de um indivduo dotado de extrema sensibilidade e sabedoria. Com isso, o autor mostra o carter universal dos valores do homem, que podem se manifestar nas mais diferentes formas de expresso. Elegemos a teoria semitica de Peirce como fundamento de nossa pesquisa, porque temos observado que a cincia semitica, especialmente pelo levantamento dos valores icnicos e indexicais dos sinais de pontuao, pode fornecer subsdios para a objetivao de fenmenos observados, no caso, no texto de Guimares Rosa. A partir de uma classificao calcada na iconicidade diagramtico-sintagmtica, acreditamos ser possvel objetivar as funes e valores dos signos que compem o texto. Sentimos tambm necessidade de um suporte terico diferente do habitual pela prpria natureza de nossa pesquisa. Conforme observa Pignatari (1987), a doutrina peirciana nos convida e nos instiga a compreender melhor no apenas os signos no-verbais em suas naturezas especficas, como tambm o prprio signo verbal em relao aos demais. A obra de Guimares Rosa vem ao encontro da moderna concepo de arte, em que o artista procura criar certa

deformao no texto com o objetivo de provocar inquietaes no leitor. Esse processo de interao entre texto e leitor resultar no surgimento de um sentido entre os vrios possveis para uma obra. O conceito contemporneo de arte pode ser respaldado na fundamentao da teoria semitica adotada, para a qual os signos presentes no texto apresentam instrues para que o sentido do texto se construa na mente do leitor. Em correspondncia Harriet de Onis, o autor revela sua opinio a respeito da relao dialgica da obra de arte: ... quero que o leitor tenha de enfrentar um pouco o texto, como um animal bravo e vivo. O que eu gostaria era de falar tanto ao inconsciente quanto mente consciente do leitor." (in. Coutinho, 1991). Essas palavras revelam no s o projeto do escritor como tambm mostram que suas idias estavam de acordo com o conceito de arte mais atual, segundo o qual o sentido de um texto se constri a partir da relao dialgica entre texto e leitor. A pontuao empregada nos contos um item que provoca certa inquietao no leitor. A diagramao dos textos chama a ateno, com uma profuso de vrgulas, exclamaes, interrogaes, reticncias, pontos-e-vrgulas, travesses e outros signos que embora no sejam propriamente de pontuao, contribuem para que o aspecto visual do texto cause grande impacto. Vejamos alguns empregos especiais da pontuao rosiana:A hora se fazia pelo deve & haver dos astros, no a alis e talvez. (Se eu seria personagem, p. 140) Eu, bebia. (Antiperiplia, p.13) Enquanto o que, eu percebia: a sina e azo e hora, de cem de uma vez: da vida com capacidade. (Antiperiplia, p.35)

Essa pontuao extravagante faz realar a linguagem prpria do homem sertanejo e a recriao de sua fala permite que se formem imagens da cena narrada na mente do leitor. A disposio dos sinais de pontuao no texto capaz at mesmo de recriar o ritmo cadenciado tpico das canes e narrativas populares, formas de textos comuns na poca em que a comunicao se fazia oralmente. O texto rosiano, prprio para ser falado, faz-nos lembrar os trovadores e jograis. A escritura tem o papel de apenas fixar a histria. O autor, para recuperar as caractersticas da fala ausentes na escrita, utiliza os sinais de pontuao. Segundo Mattoso Cmara (1999), o desaparecimento da mmica e das inflexes ou variaes do tom de voz, que tm valor expressivo na leitura do texto, deve ser suprido por outros recursos. Desse modo, na escrita, a pontuao pode viabilizar para o leitor a recriao do jogo de pausas e cadncias. De acordo com Mendes (1998), a forma como Guimares Rosa elaborou sua obra leva-nos a acreditar em sua inteno de promover o resgate da poca do livro feito artesanalmente, visto como preciosidade, repleto de ornamentos, que, alm de serem marcas autorais dos copistas, funcionavam como signos orientadores para a leitura em voz alta. Muitas vezes o leitor v-se obrigado a ler o texto em voz alta, pois certas passagens s fazem sentido quando pronunciadas com expressividade. Vista por esse prisma, podemos afirmar que a obra de Guimares Rosa valoriza a palavra falada por intermdio do trabalho escrito. O texto impresso seria uma forma de recriao da oralidade; e os sinais de pontuao, ndices orientadores da leitura em voz alta e da produo de sentido. Mendes (1998) v ainda a possibilidade de se fazer analogia do texto rosiano com uma partitura musical, em que a explorao do extrato fnico se une aos sinais de pontuao,

fazendo a marcao dos compassos, do ritmo, do andamento, das marcas de respirao e de silncios. Segundo o mesmo terico, no texto rosiano h inmeras palavras que, mais que escritas, so praticamente desenhadas ou com marcaes de ornamentos a serem observadas na execuo da possvel falacanto. (p.59) Como podemos observar, a obra do escritor mineiro, alm de ter o emprego singular da palavra escrita, rica em recursos expressivos, com uma profuso de marcas visuais especialssimas, portadoras de significados como os sinais de pontuao e outro smbolos que necessariamente conduzem a um sentido. Elegemos a teoria semitica de Peirce como fundamento de nossa pesquisa, pois observamos que as categorias propostas por esse estudioso esto presentes em qualquer tipo de texto, independente do cdigo utilizado em sua construo. A aplicao da trade cone, ndice e smbolo, capaz de objetivar as funes e os valores inscritos nos signos que compem o texto, orientando sua leitura e compreenso. A doutrina do pensador americano tem por fundamento algo considerado verdadeiro desde que o homem comeou a refletir de maneira mais sistemtica, buscando explicaes para fatos da realidade que o cerca. Ele apenas tornou evidente aquilo com o qual o homem sempre trabalhou, que so os signos e smbolos. Para nos comunicarmos, lanamos mo de vrios elementos no plano da expresso, como sons, imagens, gestos, signos grficos, ou seja, utilizamos materiais de diversas naturezas, que interagem entre si, tornando o mundo cada vez mais complexo. Todo esse universo provido de significado, e a teoria da iconicidade de Peirce adequada para investigar as formas de expresso da linguagem na modalidade escrita e falada, uma vez que sua teoria projeta-se sobre toda a sorte de

formas de representao e expresso, pois, para a semitica peirceana, tudo aquilo que faz parte da vida do homem apresenta-se como um elemento sgnico provido de significado. H trs elementos indecomponveis e universais em todos os fenmenos, de acordo com a doutrina peirciana: primeiridade (a qualidade); secundidade (a relao) e terceiridade (a representao). O estabelecimento dessas trs categorias a grande contribuio da teoria peirciana ao pensamento filosfico. Toda a teoria da iconidade opera por tricotomias ou relaes tridicas. Com base nessas categorias, o pensador estabeleceu 10 tricotomias. A segunda tricotomia, que estabelece a relao entre o signo e o objeto, a que nos auxilia neste trabalho. O cone se organiza por analogia, similaridade, como uma foto, um desenho, um quadro. De acordo com Pignatari (1978), o que caracteriza o fenmeno potico a transformao dos smbolos em cones, o que faz com que se estabeleam relaes entre formas e conceitos. Esse processo pode ser observado em diversos nveis da lngua. O signo tem o valor de ndice quando estabelece relaes com o objeto. No existe relao de semelhana entre eles. No plano no-verbal, so ndices pegadas no cho, revelando a presena de algum ou de algum animal, nuvens escuras no cu, anunciando chuva; no plano verbal, so ndices os pronomes possessivos, os pronomes relativos, as instrues de direo. O smbolo estabelece a relao arbitrria entre a representao e o objeto, de acordo com as convenes, como as palavras, as frases, os livros. Para Peirce, o pensamento um elemento eminentemente simblico; e a linguagem verbal, sua representao simblica feita por meio de signos convencionais

(signos-simblicos). A interpretao de um signo provocar a gerao de outros signos, que, por sua vez, daro origem a outros e assim sucessivamente. Essa gerao de signos pela mente interpretadora (semiose) ilimitada e, desse modo, o homem constri seu conhecimento de mundo. Em outras palavras, a partir da relao de representao entre um signo e seu objeto, emerge na mente interpretadora um outro signo. Assim, podemos dizer que o texto verbal um conjunto de representaes e sua estruturao ser de acordo com aquilo que representa. Sabemos que a escrita, embora seja uma modalidade da lngua dotada de normas prprias, tem como referncia inicial a lngua oral. Logo, podemos dizer que a linguagem escrita uma transcodificao semitica da lngua oral. Com base nesse raciocnio, a lngua escrita no seria uma representao da oralidade; mas sim uma tentativa de reproduo dessa modalidade da lngua com recursos prprios da escrita. Para que tal fato ocorra, necessitamos de sinais que sugiram, no espao grfico, a entonao e o ritmo presentes na oralidade e que tambm indiquem limites de sentena e de constituintes, inverses dos sintagmas e entonao de enunciados capazes de expressar os estados psquicos do sujeito da enunciao. O elemento de que a lngua dispe para fazer a marcao de tais dados no texto ser a pontuao. Embora o texto escrito no deixe, de certa forma, de estar relacionado oralidade, os sinais de pontuao no se limitam apenas a orientar a leitura em voz alta, a exemplo da poca da criao da escrita. Atualmente a pontuao parece funcionar mais para a orientao da interpretao. Sendo utilizados pelo autor para indicar a leitura preferencial de seu texto, os sinais de pontuao, unidos s palavras e aos demais componentes textuais, iro compor o mapa que fornecer ao leitor pistas que o levaro compreenso do texto.

A recuperao da oralidade pelos sinais de pontuao se processa de maneira aproximada, j que, na constituio do plano da expresso, existem fatores ligados a diferentes sistemas semiticos, como gestos, expresso facial e outros elementos extratextuais. A pontuao ir trazer para o texto escrito aspectos da oralidade, como a indicao de pausas, entonao e ritmo. Ela ser o elemento icnico que auxiliar o leitor a recriar os aspectos prosdicos do texto. A atriz Giulia Gam, que participou das filmagens da adaptao para o cinema de alguns contos de Primeiras Estrias, outra obra do escritor, declarou que o estilo de Guimares Rosa se tornou acessvel a partir das leituras em voz alta que Pedro Bial, autor da adaptao, fazia. Segundo ela, a compreenso da obra rosiana deu-se por meio da melodia e da pontuao feitas pelo jornalista (cf. Jornal do Brasil, Caderno B, 2/7/1999). Observa-se em Tutamia uma pontuao absolutamente original; prevalecendo uma verdadeira transgresso. Como declaramos no incio do texto, nossa pesquisa concentrou-se no estudo do emprego do ponto-e-vrgula, do travesso e dos dois-pontos. Os contos de Tutamia, como j observamos, nos remetem s narrativas orais. O narrador, personagem ou observador, dirige-se a um ouvinte/leitor, em geral, como um tpico contador de histrias: dramtico, com a utilizao das mais variadas estratgias retricas para envolver a platia com seus causos indiscutivelmente originais. A sintaxe encontrada nos contos caracterstica do texto falado, com grande nmero de frases nominais e de oraes absolutas. H tambm, na obra, perodos formados, em geral, por oraes coordenadas assindticas, coordenadas sindticas aditivas, adversativas ou oraes subordinadas causais, comparativas e temporais. A coeso pode se dar

tambm por meio dos marcadores conversacionais como a, vai, ento, da, pois ou por meio dos sinais de pontuao. A presena desses elementos confirma que as narrativas de Tutamia tm a estrutura visivelmente calcada na oralidade. Conforme observa Mendes (1998), o autor tem a noo clara da dimenso icnica dos sinais de pontuao, ao construir seu texto como se fosse um bordado, uma tapearia, ou mesmo uma partitura, com estabelecimento de armaduras, compassos, marcao de andamentos e imposio de ornamentos, com marcas de respirao e silncios inusitados. Veremos, nas prximas linhas, alguns exemplos dos empregos especiais dos sinais de pontuao em Tutamia. 1. OS DOIS-PONTOS Identificamos diversos valores dos dois pontos, porm, por questes de limitao de espao, apresentaremos somente duas funes desse sinal de pontuao. Os dois-pontos podem ter a funo de recriar a oralidade, como estas passagens mostram:Divulgo: que as coisas comeam deveras por detrs... (Antiperiplia, p.13 ) Revenho a ver: a casa, esta em fama e idia. (Curtamo, p. 34 )

Percebemos que o sinal de pontuao foi empregado de forma desnecessria nesses trechos. Ele estabelece um contraste rtmico entre as oraes dos perodos, ao mesmo tempo em que reincorpora o sistema do acento de quantidade do latim, pelo prolongamento da slaba que precede os doispontos. Estilisticamente, o termo subseqente aos dois-pontos realado, em conseqncia do prolongamento da slaba anterior ao sinal de pontuao. Podemos dizer que os dois-pontos funcionam como ndice de realce do termo que anunciam.

Observamos que a pontuao recria os aspectos prosdicos a partir das impresses visuais, ao mesmo tempo em que promove uma interlocuo entre autor e leitor, j que nessas marcas visuais este ltimo encontra as relaes entre as partes das oraes, bem como recebe a orientao da forma preferencial de leitura. Neste prximo exemplo vemos o grande poder de conciso de idias, destacando a iconicidade da comparao:Sem tempo de terminar? Vindo osso, o caroo, as rijezas amargosas. O dinheiro: gua que faltando. Armininho, rapaz, sim. Vi. Sua parte ele ainda fiado me cedendo; firmei clareza; desmanchada nossa sociedade. (Curtamo, p. 37 )

Nessa passagem, vemos o valor icnico dos doispontos, ao substiturem a conjuno comparativa e levarem o leitor a ter uma idia precisa da situao. Assim como a gua o elemento bsico para a sobrevivncia do ser humano, o dinheiro era o elemento imprescindvel para que o personagem levasse adiante a empreitada a que se props.Tinha inveja de mim: no via que eu era defeituoso feioso. Tinha dio, porque s eu podia ver essas inteiras mulheres, que dele gostavam . (Antiperiplia, p. 14)

Nessa outra passagem, o autor faz um interessante jogo de alternncia entre os elementos dos dois perodos que esto em paralelismo. No primeiro perodo, a conjuno coordenativa explicativa porque est em elipse, sendo substituda pelos dois-pontos; no perodo seguinte, a conjuno est presente, ficando em elipse o complemento nominal de mim. Vejamos este outro exemplo:

Me disse: (Curtamo, p. 34)

tinha

bastante

dinheiro.

Os dois-pontos podem ser pistas orientadoras, porm, nessa passagem, eles agem como pistas desorientadoras, pois o discurso reportado permanece. Neste caso, a pontuao aparece no lugar da conjuno integrante que. Temos ainda mais este excerto, retirado do conto Tapiiraiauara:E foi que: mal coube em olhos: vulto brunopardo, patas, pelo estreito passadouro. (p.173 )

Nesse ltimo exemplo, vemos o emprego extremamente inusitado dos dois-pontos que aparecem seguidamente. Eles poderiam ser substitudos por um duplo travesso, destacando o ponto de vista do narrador, que, por estar isolado, no faria parte da narrativa. 2. O TRAVESSO O travesso, outro sinal de pontuao de grande freqncia em Tutamia, empregado com vrias funes. Vejamos alguns empregos desse sinal de pontuao:a) Todo o mundo rio-abaixo, rio-acima acaba algum dia passando por estes cais. (Estorinha, p. 54 )

Nesse primeiro exemplo, a iconicidade da pontuao desenha para o leitor o curso de um rio. O travesso duplo destaca a oposio entre os advrbios abaixo e acima. A diagramao do texto tenta reproduzir no s o movimento do rio, mas tambm suas margens; uma de cada lado, como os travesses.

Observemos o outro exemplo:A gente se esquece e as coisas lembram-se a gente. (Arroio-das-Antas, p. 18 )

Nesse excerto, o travesso parece realar o valor adversativo da conjuno e. Vemos que o sinal de pontuao funciona como um ndice da inverso no plano das idias: a gente se esquece; as coisas se lembram. Vejamos mais um emprego do travesso:Desafioso, chegou. Viu o I Wi jururu roxo e logo soube. O retrato no pendia da parede, seno que removido em recato. (Retrato de Cavalo, p.132)

Aparece, nessa passagem, a introduo do elemento icnico que serve de comparao sem a interferncia da conjuno como ou outra expresso semelhante (que nem, feito). Alm de a supresso da conjuno dar realce ao termo entre os travesses, essa ausncia permite que a expresso icnica jururu roxo se torne mais evidente na mente do ouvinte/leitor. 3-O PONTO-E-VRGULA Temos, nos exemplos selecionados, o ponto-e-vrgula empregado como marca de oralidade, substituto de outro sinal de pontuao ou ainda substituto de uma conjuno. Vejamos esta passagem:O que conto, enquanto; ponto. (Orientao, p. 174)

Como podemos ver, o ponto-e-vrgula funciona como cone de uma pausa, que tem o objetivo de ressaltar o termo subseqente. Esse sinal de pontuao funciona tambm como

ndice orientador de leitura, pois procura levar o leitor a formular hipteses sobre as intenes do autor. Este exemplo seguinte mostra outro emprego inusitado do ponto-e-vrgula:Romo, hem, se botava de nada? No o deixava ela, enxerente, trabalhar nem lazer; ralhava a brados surdos; afugentou os de sua amizade. (Reminiso, p.94)

Nessa passagem, o ponto-e-vrgula tem o valor de travesso, pois vemos que o sinal de pontuao isola a orao ralhava a brados surdos. A pontuao, nesse caso, funciona como ndice s avessas de uma narrativa ininterrupta, isto , o narrador aparece em cena, transmite o seu comentrio e, a seguir, d continuidade s prximas cenas, sem intervalo. 4- O EMPREGO COMBINADO DOS SINAIS DE PONTUAO H passagens em que vemos o emprego combinado desses sinais de pontuao. Estas passagens mostram a grande criatividade do autor na realizao de uma combinao especial dos sinais de pontuao. Vejamos:a) Ele espia, o moo que se notando bem, muito prisioneiro, convidado ao desengano. Espreita as fora imagens criaturas: menino, valete, rei; pernas, ps, braos balanantes, roupas; um que a nenhum fulanamente por acaso se parece; o que recorda que no se sabe quando onde; o homem com o pacote cor-derosa. Ora ainda uma mulher. (Quadrinho de estria, p. 138-139)

b) Mas: a casa sem janelas nem portas era o que eu ambicionava. (Curtamo, p. 37)

No primeiro excerto, embora a pontuao esteja de acordo com a norma da lngua, visvel a iconicidade, em que os dois-pontos combinados s vrgulas e pontos-e-vrgulas formam um desenho semelhante a compassos musicais. Os dois-pontos so responsveis pela abertura do perodo musical; e os pontos-e-vrgulas estabelecem o limite de cada compasso, orientando o leitor a fazer uma pausa mais longa do que as marcadas pela vrgula. Vemos que todo esse trabalho minucioso vem recriar aspectos rtmicos da linguagem falada. A pontuao est ligada ao sentido do texto, pois os termos semanticamente relacionados aparecem no mesmo compasso. No segundo exemplo, a conjuno adversativa, considerada um ndice de quebra de expectativa, seguida dos dois-pontos que reforam o suspense em torno do que vai ser dito. Entretanto, declarao anunciada pelos dois-pontos se segue outro enunciado mais surpreendente, por isso evidenciado pelo travesso. 5- CONCLUSO A observao da pontuao em Tutamia vem mostrar no s a originalidade de Guimares Rosa por promover uma verdadeira subverso de seu emprego como tambm vem lembrar a importncia desse item nos estudos lingsticos. Os sinais de pontuao tm dupla funo na lngua: alm de funcionarem como guia de entendimento de um texto, so relevantes recursos de expressividade. Guimares Rosa prope e pratica, semioticamente, a multiplicao dos sinais e dos sentidos, a ruptura dos esteretipos da (...) goma arbica da lngua quotidiana ou

crculo de giz-de-prender-peru (...) (in Aletria e Hermenutica) bem como a ruptura de hbitos arraigados e de lugares-comuns repetidos exausto. No trnsito entre o imaginrio e o simblico, o autor transgride na direo da renovao da arte e da marcao de um espao peculiar na literatura nacional. 6- REFERNCIAS BIBLIOGRFICASCMARA JNIOR, Joaquim Mattoso. Manual de Expresso Oral e Escrita. 16a Edio. Petrpolis: Vozes, 1999. COUTINHO, Eduardo (org.). Guimares Rosa: Fortuna Crtica. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1991. MENDES, Lauro Belchior. Imagens visuais em Grande Serto: Veredas. In MENDES, L. B. & L.C.V. OLIVEIRA (org.) A Astcia das Palavras. Ensaios sobre Guimares Rosa. Belo Horizonte: Editora da U.F.M.G., 1998. PEIRCE, Charles Sanders. Semitica. Traduo de Jos Teixeira Neto. So Paulo: Editora Perspectiva, 1995. PIGNATARI, Dcio. Semitica & Literatura. So Paulo: Cultrix, 1987. ROSA, Joo Guimares. Tutamia. Rio de Janeiro: Livraria Jos Olympio Editora, 1967.

ALGUMAS PESQUISAS SOBRE HUMOR E LNGUA PORTUGUESAClaudia Moura da Rocha 5(SMERJ-UERJ) [email protected] RESUMO: Relato de pesquisas realizadas com programas televisivos de humor que oferecem contedos lingsticos (os quais so os motes do riso) e que podem ser aproveitados didaticamente. PALAVRAS-CHAVE: Humor- Lngua Portuguesa - Ensino ABSTRACT: Researches about the didactic utilization of linguistic content found in television comedy shows. Key words: Humour Portuguese Language - Teaching

INTRODUO. Ao trmino do curso de especializao nos solicitado que escrevamos uma monografia. Em 1996, quando conclu tal curso, me foi proposta a mesma tarefa. Sobre o que escrever, pensei eu? Durante aquele ano, um programa humorstico transmitido aos domingos fazia muito sucesso: Sai de Baixo. Alguns amigos meus se reuniam para lembrar o que a personagem Magda, interpretada por Marisa Orth, dizia (melhor dizendo, os despautrios que dizia). Outros preferiam as tiradas de seu marido, Caco Antibes, interpretado por Miguel Falabella. Havia ainda aqueles que se divertiam com as bobagens que Ribamar e Edileuza (empregados do casal, interpretados respectivamente por Tom Cavalcanti e Claudia Gimenez) falavam. Ao participar destas conversas, fui recolhendo material e percebendo semelhanas entre os

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Especialista e Mestre em Lngua Portuguesa UERJ. Texto apresentado na I Jornada de Trabalhos da Especializao, out2005.

exemplos que eram citados. Foi possvel identificar uma certa regularidade: os personagens desconstruam (deturpavam, alteravam) frases e expresses cristalizadas pelo uso e pelo tempo. Por exemplo, um provrbio como Quem v cara, no v corao, segundo Magda, transformava-se em Quem v cara, no v que horas so. Ou como quando Caco Antibes alterou a frase feita Eu vi com esses olhos que a terra h de comer, e a transformou em Eu vi com esses prprios olhos que a terra de Nova York h de comer com muita maionese e catch up. Ao me dar conta de tal fenmeno, passei a gravar os programas, a assisti-los e a selecionar exemplos que pudessem integrar o corpus da pesquisa. Analisando o material obtido aps essa etapa, foi possvel perceber que o mote principal empregado pelos redatores do programa era desconstruir, em outras palavras, alterar as frases feitas, provrbios, sintagmas e expresses populares cristalizadas pelo tempo. A lngua uma entidade viva, em constante movimento. No est pronta, acabada. A ela sempre podem agregar-se neologismos, grias e novas tendncias. A lngua , por conseguinte, uma estrutura que est sempre se transformando. No entanto, apesar dessa