Literatura Infantil - Alves Redol

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Alves Redol e a Literatura Infantil 201 1 Literatura Infantil Existem várias definições para literatura infantil. Segundo Marc Soriano: A literatura para a juventude é uma comunicação histórica (quer dizer, localizada no tempo e no espaço) entre um locutor ou um escritor adulto (emissor) e um destinatário criança (receptor) que, por definição, de algum modo, no decurso do período considerado, não dispõe senão de forma parcial da experiência do real e das estruturas linguísticas, intelectuais, afectivas e outros que caracterizam a idade adulta. Marc Soriano (1975, p.185) Cecília Meireles diz-nos que: São as crianças, na verdade, que o delimitam, com a sua preferência. Costuma-se classificar como Literatura Infantil o que para elas se escreve. Seria mais acertado, talvez, assim classificar o que elas lêem com utilidade e prazer. Não haveria, pois, uma Literatura Infantil a priori mas a posteriori. Mais do que literatura infantil existem "livros para crianças". Cecília Meireles (1951) A literatura infantil é muito recente tendo surgido no século XIX, quando o contar de histórias e contos da tradição oral passaram à escrita. Esta evolução aconteceu paralelamente ao lugar que a criança passa a ter na

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Alves Redol e a Literatura Infantil 2011

Literatura Infantil

Existem várias definições para literatura infantil. Segundo Marc

Soriano:

A literatura para a juventude é uma comunicação histórica (quer

dizer, localizada no tempo e no espaço) entre um locutor ou um

escritor adulto (emissor) e um destinatário criança (receptor)

que, por definição, de algum modo, no decurso do período

considerado, não dispõe senão de forma parcial da experiência

do real e das estruturas linguísticas, intelectuais, afectivas e

outros que caracterizam a idade adulta. Marc Soriano (1975,

p.185)

Cecília Meireles diz-nos que:

São as crianças, na verdade, que o delimitam, com a sua

preferência. Costuma-se classificar como Literatura Infantil o

que para elas se escreve. Seria mais acertado, talvez, assim

classificar o que elas lêem com utilidade e prazer. Não haveria,

pois, uma Literatura Infantil a priori mas a posteriori. Mais do

que literatura infantil existem "livros para crianças". Cecília

Meireles (1951)

A literatura infantil é muito recente tendo surgido no século XIX,

quando o contar de histórias e contos da tradição oral passaram à

escrita. Esta evolução aconteceu paralelamente ao lugar que a

criança passa a ter na sociedade (esta começa a ser vista como ser

que é, começam a surgir produtos específicos para crianças).

É também no século XIX que surgem as primeiras preocupações

relativas à educação e pedagogia. Por esse motivo, surgiu a

necessidade de uma crescente alfabetização das crianças e

consequentemente a implementação da escolaridade obrigatória, ora,

daí resulta a necessidade de haver uma selecção de textos que se

pudessem adequar aos novos leitores e suas necessidades.

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A literatura Infantil em Portugal

No que diz respeito a Portugal, é no século XIX que começam a

ser dadas às crianças recolhas de contos populares às crianças.

Adolfo Coelho, professor na faculdade de letras e que formava

professores primários seleccionou vários contos populares e é desta

forma que o conto é integrado na escola. Maria Amália Vaz de

Carvalho traduziu também os contos de Grimm, que passam também

a ser dados a ler às crianças portuguesas.

Durante o século XX, na década de 30, devido à situação

política vivida, a literatura infantil sofre alterações devido à Censura

que emitia o seu parecer sobre o que se escrevia e publicava. Além

disso, verificaram-se algumas alterações no ensino. Como afirma

Natércia Rocha: “ O período não era propício a grandes sonhos, os

adultos estavam pouco disponíveis para pensar no problema dos

livros para crianças”. (1984, p. 73). Ocorreram vários encerramentos

de Escolas do Magistério Primário e as obras que são dadas nas

escolas eram alusivas ao sistema vigente na época. As temáticas

valorizadas eram a história e a moral que se sobrepunha ao lúdico. No

entanto são de salientar alguns nomes da época como Aquilino

Ribeiro, Irene Lisboa e Adolfo Simões Müller. Paralelamente à

produção nacional são de salientar nomes como a Condessa de Ségur

e verifica-se assim uma diminuição da produção nacional e dando-se

preferência pelas obras estrangeiras.

A década de 40 mantém-se sem grandes alterações e é nos

anos 50 que se começam a destacar grandes nomes da literatura

infantil Portuguesa. Surgem nomes como Ilse Losa, que em 1949

escreve O Faísca conta a sua História. Em 1957, Ricardo Alberty, que

em 1957 publicou A Galinha Verde. Também em 1957, Matilde Rosa

Araújo se associa a estes nomes com O Livro da Tila. Em 1958, Sophia

de Mello Breyner Andresen destaca-se com A Fada Oriana e A Menina

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do Mar em 1959. Também nesta década, mais precisamente em

1956, surge Alves Redol com A Vida Mágica da Sementinha.

Os anos 60 ficam marcados pela rede de bibliotecas fixas e

itinerantes da Gulbenkian que aumentaram a procura pelos livros no

nosso país e com isto dá-se também um aumento na produção dos

livros e consequentemente da obra publicada.

Nos anos 70 irão juntar-se a todos os autores acima referidos,

Luísa Dacosta, António Torrado, Luísa Ducla Soares, Sidónio Muralha,

entre outros.

António Alves Redol surge em primeiro lugar como escritor para

adultos e publica em 1939, a sua primeira obra reunida em Gaibéus e

só mais tarde, em 1956 publica o seu primeiro livro para crianças A

Vida Mágica da Sementinha depois outras obras para a infância

surgiram, as quais mencionarei mais à frente.

Biografia:

António Alves Redol nasceu a 29 de Dezembro de 1911, em Vila

Franca de Xira. Nasceu no seio de uma família de classe média, o seu

pai era comerciante. Estudou em Lisboa, no colégio Arriaga onde fez

o curso de comércio.

Aos 16 anos, com o intuito de ajudar a família que passava por

um período de algumas dificuldades económicas, Redol decide partir

para Angola, onde permaneceu durante 4 anos, mas por ter ficado

doente regressou em 1931.

Regressado de Angola, em 1932, começa a colaborar com

assiduidade na imprensa de Vila Franca e de Lisboa, embora tivesse

já iniciado em 1927. Começa a trabalhar como empregado de

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escritório e a tomar parte muito activa na vida social de Vila Franca

de Xira. Vai mobilizar muita gente pertencente às classes

trabalhadoras e é no Grémio Artística Vilafranquense que em 1934

realiza a sua primeira palestra “Terra de pretos, ambição de

brancos”. Alves Redol, começa a organizar com regularidade em

diversas colectividades da região, conferências e palestras para a

classe trabalhadora, além de alfabetizar muitas pessoas em regime

nocturno, porém, a polícia política decide encerrar uma das

colectividades.

Deu aulas de aperfeiçoamento profissional para os membros da

associação de Classe dos Operários da Construção Civil.

Nos anos 30, filia-se no partido Comunista e insere-se na luta

antifascista clandestina, o que viria a trazer algumas implicações para

a sua escrita.

Em 1936, casa com Maria dos Santos Mota e começa a

colaborar com jornais de relevo da vida nacional anti - Estado Novo e

anti – salazarismo como “O Diabo” e “Sol Nascente”. Nesse mesmo

ano, participa numa conferência intitulada “Arte”, que constitui um

dos actos fundadores da geração neo-realista.

Escritor empenhado na luta pela melhoria independente das classes

trabalhadoras, é preso a 12 de Maio de 1944 onde não tinha direito

nem a uma folha de papel nem um lápis para poder escrever.

Em 10 de Novembro de 1945, é reclamado para a Comissão

Central do Movimentos de Unidade Democrática (M.U.D.). Participou

activamente nas campanhas da oposição democrática nas eleições

promovidas pelo regime.

Durante vários anos foi o único escritor português a ver os seus livros

submetidos a censura prévia.

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Apesar de o seu prestígio ir além fronteiras, pois foi nomeado

secretário-geral da secção portuguesa do Pen Club – associação

internacional de escritores, em 1947 e de intervir em vários

congressos internacionais, Alves Redol, é constantemente vigiado

pelo PIDE.

Continuou a publicar os seus livros, embora fosse difícil viver apenas

desta profissão e por isso foi tendo alguns negócios de família em

paralelo.

Morreu a 29 de Novembro de 1969, no Hospital de Santa Maria, após

dias de muito sofrimento.

Bibliografia

Romances

1939 Gaibéus

1941 Marés

1942 Avieiros

1943 Fanga

1945 Anúncio

1946 Porto Manso

1949 Horizonte Cerrado

1951 (?) Os Homens e as Sombras

1953 (?) Vindima de Sangue

1954 Olhos de Água

1958 A Barca dos Sete Lemes

1959 Uma Fenda na Muralha

1960 Cavalo Espantado

1961 Barranco de Cegos

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1966 O Muro Branco

1972 Os Reinegros

Teatro

1948 Forja

1966 Teatro I - Forja e Maria Emília

1967 Teatro II - O Destino Morreu de Repente

1972 Teatro III - Fronteira Fechada

Contos

1940 Nasci com Passaporte de Turista

1944 Espólio

1946 Comboio das Seis

1959 Noite Esquecida

1962 Constantino Guardador de Vacas e de Sonhos

1963 Histórias Afluentes

1968 Três Contos de Dentes

Literatura Infantil

1956 A Vida Mágica da Sementinha

1968 A Flor Vai Ver o Mar

1968 A Flor Vai Pescar Num Bote

1969 Uma Flor Chamada Maria

1970 Maria Flor Abre o Livro das Surpresas

Estudos

1938 Glória - Uma Aldeia do Ribatejo

Ribatejo (Em Portugal Maravilhoso)

1947 (?) A França - Da Resistência à Renascença

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1950 Cancioneiro do Ribatejo

1959 (?) Romanceiro Geral do Povo Português

Conferências

1946 Le Roman du Tage (Edição da Union Française

Universitaire - Paris).

Alves Redol e o Neo-Realismo

Para falarmos de Alves Redol, torna-se obrigatório falar do Neo-

Realismo pois esta corrente artística coincide com a publicação do

seu romance Gaibéus, em 1939. Segundo António José Barreiros:

O Neo-Realismo é uma escola que elege para tema

fundamental da obra literária assuntos relacionados com o

condicionalismo sócio-económico dos povos e analisa a luta das

classes que ele implica, visando, na linha ideológica do

marxismo, contribuir para o desaparecimento da exploração do

homem. (Barreiros, s.d, p.507)

O Neo-Realismo em Portugal, sofreu tendências literárias praticadas

no resto da Europa e na América. O trabalho dos escritores neo-

realistas apresentava experiências que traduziam a concepção

militante da criação literária, sob influência das consequências da

crise económica dos anos 30, do autoritarismo do regime político em

vigor e da consequente repressão cultural que este exercia. Para os

escritores desta corrente, torna-se necessário denunciar a situação da

exploração dos trabalhadores portugueses. Os novos escritores

aproveitam para passar uma mensagem ideológica através da sua

obra.

Alves Redol ao longo da sua obra vai denunciar os problemas

económicos e sociais vividos pelos trabalhadores portugueses e esta

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denúncia encontra-se bem patente, veja-se os temas focados nos

seus livros. Em Gaibéus, por exemplo, mostra os problemas vividos

pelo grupo de trabalhadores que descia até às lezírias na altura das

ceifas e que se sujeitavam a ordens tirânicas dos capatazes. Em

Avieiros dá a conhecer os pescadores pobres das margens do Tejo e

do seu modo de vida. Em Fanga relata e descreve o viver dos

fangueiros que trabalhavam arduamente e que pouco ou nada

recebiam em troca do seu trabalho. Em Uma fenda na Muralha,

descreve o drama dos homens do mar, neste caso em concreto dos

pescadores da Nazaré. No ciclo Port-Wine, retrata a dura vida dos

vinhateiros do Douro que trabalham para a burguesia inglesa.

Alves Redol e a sua obra

Antes de abordar a obra de Alves Redol para a Infância é importante

referir alguns dos aspectos sobre a sua obra. Ora ao longo das suas

histórias e como já referi anteriormente, Redol escolhe sempre um

herói colectivo – o povo trabalhador como o operário, o ceifeiro, o

pescador, o barqueiro, a criada de servir, etc. Utiliza também outros

elementos que dizem respeito à vida social da época. Manifesta de

forma clara a sua visão da sociedade, as suas crenças sociais e

políticas.

Em Glória, uma aldeia do Ribatejo, Redol explora um local, as suas

tradições, costumes, as gentes e as suas condições de trabalho. Para

além disso, Redol faz como que um trabalho etnográfico, onde estuda

a forma de falar daquelas gentes, o folclore e as danças, jogos

infantis.

Em Gaibéus, um romance em que o herói é colectivo, Redol evidencia

os sentimentos dos que participam, das suas angústias, esperanças e

sentimentos e da sua luta pela dignidade humana.

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Em Marés, aborda a vida de quem vive junto à margem direita do

Tejo e fala de vários tipos de personagens que vão desde o cavador

até aos membros da nobreza. Esta obra decorre desde a Monarquia e

prolonga-se até à crise de 1929.

Em Avieiros, Redol fala dos aglomerados de gente trabalhadora que

viviam em condições miseráveis e se resignavam à sua humilde

condição. Neste romance, o autor faz a descrição física e psicológica

daquelas gentes (seu modo de viver, anseios, esperanças, etc.).

Em Forja, apresenta a sua primeira experiência em texto dramático.

Mais uma vez, Redol faz um retrato das personagens quer a nível

físico, quer a nível psicológico. Segundo texto de Luiz Francisco

Rebello na revista Vértice (n.º 64, Dezembro de 1948):

É precisamente, de Alves Redol que acaba de surgir a primeira

contribuição séria da nossa literatura dramática para o teatro

autenticamente representativo da nossa época. Ora um dos

grandes méritos desta obra, e talvez o maior, reside na cálida

humanidade das personagens a que o autor insuflou vida

cénica. (Rebello, 1948)

Em Port-Wine, retrata a vida dos vinicultores da região do Douro,

dando ênfase à desgraça que persegue aqueles trabalhadores. Uma

vez mais Redol denuncia a exploração dos trabalhadores. Como

refere Joaquim de Oliveira no Jornal das Letras e Artes (N.º 220,

Dezembro de 1965):

No Conjunto Port-Wine (…) aplica uma visão mais coerente na

interpretação sociológica da realidade e a sua estética melhor

se ajusta às concepções literárias do neo-realismo. (…) Aqui se

conserva uma concepção mais rigorosa do romance moderno

neo-realista (…) O que nos trabalhos anteriores resultaria ainda

truncado ou difícil consegue (…) melhor justeza temática no

plano do concreto histórico. (Oliveira, 1965)

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Alves Redol, nos seus livros, consegue incluir o leitor dentro da

história, levando-o a conviver com os personagens nas suas lutas, nos

seus sonhos, nas suas angústias, etc.

Em cada livro, segundo Taborda de Vasconcelos, num artigo

publicado no Diário de Notícias de Lisboa, em Setembro de 1962:

(…) Alves Redol é quase sempre um novelista diferente (…)

quer pelos novos recursos ensaiados a cada passo e em cada

livro, quer pelas determinantes das situações projectadas em

múltiplos ambientes – ribatejano, alentejano e duriense, citadino

e rural, fluvial e marítimo (…) correspondendo a uma fauna

humana variadíssima – de camponeses e pescadores, gentes de

borda-d’água e campinos de lezíria, marçanos e comerciantes,

grandes senhores rurais e refugiados estrangeiros (…).

Dessa gama de tipos de pluralidade de caracteres, dessa

variedade de climas e consequentes implicações históricas ou

sociais, é possível deduzir distintas etapas novelísticas (…)

sucessivos graus de amadurecimentos artístico, quando pela

renovação de métodos, processos e temas em que o escritor

tende a superar-se (…). (Vasconcelos, 1962)

Alves Redol e a Literatura Infantil – a Vida Mágica da

Sementinha

Em 1956, já sendo reconhecido como escritor, Alves Redol publica A

Vida Mágica da Sementinha – Uma breve história do trigo. Esta é uma

obra que apesar de ter já alguns anos continua muito actual, fazendo

parte do Plano Nacional de Leitura.

Nesta obra, aliás como em toda a sua obra infantil, Alves Redol

apresenta de forma tão bem descrita a referência a costumes e

vivências bem desconhecidos do público actual, principalmente do

público urbano. No entanto, este facto é deveras enriquecedor pois

permite um alargar de conhecimentos, um desenvolvimento cultural

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e um despertar para outro tipo de vivências bem diferentes das dos

jovens leitores. Esta obra, conforme afirma Violante Magalhães:

(…) trata abertamente um tema didáctico (o do ciclo do trigo) e

desenvolve-se apresentando uma alternativa ideológica nítida:

justificam-se os benefícios que as modernas técnicas de cultivo

do cereal podem trazer aos camponeses, com o consequente

combate à fome e bem-estar do povo. (Magalhães, 2009, p.143)

A Vida Mágica da Sementinha, tal como os outros temas abordados

na obra de Alves Redol apresenta uma constante preocupação com a

vida dos trabalhadores, embora nesta obra seja feita de uma forma

mais camuflada. Esta história é apresentada através de diálogos

muito animados e divertidos que cativam o público leitor e alem disso

apresentam uma mensagem didáctica tal como afirma António Garcia

Barreto “(…) mistura dados históricos com ficção para oferecer uma

obra que se ergue entre um certo didactismo e uma bela narrativa

para crianças. O estilo é sóbrio, suportado por bastantes diálogos

entre aves, grãos de trigo e outras personagens, com a Sementinha a

impulsionar todo o enredo.” (Barreto, 2002, p.528).

No que diz respeito à linguagem utilizada “o tema (…) é tratado numa

linguagem adequada à idade infantil; a intriga e demais categorias

narrativas respondem às capacidades cognitivas das crianças (…)”

(Magalhães, 2009, p.143). Além disso, usa frequentemente

diminutivos que por vezes adquirem um valor conotativo, outros

estabelecem relações de paralelismo “pequerrucha”, “passarico”,

petisquinho, “vozita mimalha”.

Redol recorre muitas das vezes à dupla adjectivação sendo que

podemos encontrar diversos exemplos como: “faminto e desastrado”,

“ terra riscadinha e negra”, “cerrada e áspera”, “rústica e

opulenta”.O uso das personificações é uma constante ao longo desta

história: “os bagos de trigo tinham acabado de adormecer”, “apatia

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dorminhoca dos bagos resignados”, “ um bago anafado e sempre

resmungão”, etc.

Ao longo desta narrativa é dado bastante destaque aos sentidos, pois

Redol reproduz no texto o som de uma “campainha tagarela”, os sons

da natureza, das chuvas que, por um lado “soaram no bosque, como

clarins” e por outro, “refulgiam como pedras preciosas nas últimas

folhas doiradas do bosque”. É atribuído também algum destaque ao

som da passarada a cantar a “Toada da Primavera”, ao “gorjeio

vibrante e suave” do rouxinol, à “vozita mimalha” da Sementinha. O

autor dá também especial ênfase a tudo o que é visível como as

cores, como é o caso da “flor amarela com pintinhas vermelhas”. A

Sementinha que fica deslumbrada com “a plumagem cinzenta, muito

ruiva por cima e amarela por baixo”, do rouxinol vagabundo. É

notável uma conjugação de todos os sentidos provocando um estado

de exaltação: “ Maravilha das maravilhas, o sol despertou (…) abriu

os braços de oiro, longos e quentes (…). E logo os fetos se tornaram

verdes, e de entre eles brotaram lírios brancos, roxos e amarelos; e

as campainhas azuis (…), os tapetes de musgo apareceram numa

magia de cores, enquanto as árvores ganham folhas e os arbustos

perfumes”.

Existe um ambiente de harmonia criado pelos elementos da natureza

que se conjugam na perfeição e que dão asas à imaginação dos

leitores. Porém, quando menos se espera, acontece que o Pardal “feio

e humilde (…) reparou na Sementinha (…) sentiu um baque no

estômago vazio. E sem mais aquelas, ladrão e vivo, voou rápido (…)

levando-a consigo, enquanto um grito de terror enchia o bosque e

matava a Primavera”.

Podemos constatar que o mesmo ambiente que representa a

harmonia pode reflectir também um ambiente de horror, de medo e

de tristeza através das seguintes expressões “grito de terror”, “ o

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bosque ficou triste, com os ramos a soltarem pingos de chuva, como

se as árvores chorassem o desgosto do professor de Música”,

“Apavorada, a Sementinha bem sentia no corpo que aquele bico era

diferente do outro”.

Ao longo de toda a história é possível destacar frases e expressões

utilizadas pelo autor que nos remetem para a imaginação por

exemplo a Sementinha é “Solta de tão grande altura (…) chegou ao

chão e perdeu os sentidos”. Noutras podemos visualizar imagens que

nos são familiares como é o caso do Sol que “desaparecera no

poente, deixando no céu pardacento uma mancha rosada”.

No que concerne à componente lúdica desta história, o autor conta a

história do trigo através de um velho bago de trigo, o Amarelo de

Barba Preta. Apesar desta ser uma história verdadeira, ela é contada

como se fosse uma história tradicional ou um conto, o que causa um

impacto maior nas crianças: “ Há aí uns oito mil anos…”. É feita uma

descrição pormenorizada da história do trigo desde a descoberta da

semente até às tecnologias dos dias de hoje “ O que hoje se resolve

num minuto, levou muitos anos a descobrir”.

A Sementinha, protagonista desta história também será lançada à

terra e com muita imaginação, o autor procura explicar todo o

processo de germinação. Estabelecem-se diálogos entre a

Sementinha e a Terra “ a feiticeira mais feiticeira que o Sol cobre”. Ao

longo dos diálogos é dada grande ênfase e são usadas

frequentemente exclamações, interrogações e reticências. A

Sementinha é-nos apresentada como uma criança nas idades dos

porquês que tudo quer saber.

“Num apelo constante ao imaginário, a personagem mantém o

exercício dos sentidos, como fonte de prazer, pois durante o seu

crescimento continua a sentir: “como o corpo enrugado se

tornasse liso e crescesse (…) julgou depois que acabaria de

rebentar de inchaço, como a pele esticada do bombo de um Zé-

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pereira” (p.38). O seu desenvolvimento aprece relacionado com

a vida. Talvez o medo que sente pelo desconhecido, ou o estado

de encantamento permanente em que vive, leva à criação de

conjecturas feitas pela Sementinha. Dão conta desses

momentos os seguintes exemplos: “E a Sementinha deu-se em

admitir que o seu primeiro encantamento seria em cabra ou

vaca leiteira (…). Gostava tanto de ser um cavalinho branco!...

Mas também pode ser uma tromba de elefante…” (Figueiredo,

2005, p. 106)

Como podemos verificar, a Sementinha é tratada como uma criança

que mergulha no seu mundo de fantasia. Ao longo de toda a

narrativa, este tipo de questões levantadas pela Sementinha e das

respostas que a terra lhe ia dando são complementadas com

informações importantes e reais acerca da germinação como é o

caso: “”enquanto aquela cauda crescia para baixo uma outra se

desenvolvia também para cima” e “Isto é a raiz por onde recebes o

comer que te dou”.

Nesta obra de Redol, a imaginação e a originalidade são constantes e

isso é notório nos diálogos entre a Sementinha e a Terra em que todo

processo de germinação é associado mesmo com as metáforas e

comparações utilizadas como é o caso: “cada um destes pêlos é um

mineiro que vai pela terra dentro”. A utilização dos elementos da

Natureza que são imprescindíveis no processo de germinação

também são sempre referidas ao longo da história “ o Sol se apagara

(…) nuvens negras carregavam o céu (…) os trovões ameaçadores

ralhavam de longe (…) a chuva desabou, cerrada e áspera”.

Além de abordar a história do trigo, Redol, aborda de uma forma

simples e directa o tema da herança genética que é dado através dos

filhos da Sementinha: “ haviam herdado certas virtudes da mãe, do

avô ou da bisavó, outros denunciavam os defeitos, mas também os

predicados, do bisavô, do pai ou da avozinha”.

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O escritor aborda ainda o tema da fecundação das plantas de forma

muito simples: “os machos tinham esse maravilhoso pó amarelo, o

pólen (…). Um pó amarelo e mágico que quando toca nos pistilos das

flores femininas as transforma, penetrando nelas até ao ovário, para

fecundar o óvulo e criar uma nova planta”. Os leitores podem

acompanhar todo o processo adquirindo um vasto vocabulário,

termos técnicos que vão sendo aplicados ao longo do texto de forma

pedagógica.

Esta narrativa aborda um leque variado de temas desde o mundo

animal (a migração das aves), os processos rurais antigos bem como

os processos da modernidade referindo concretamente as ceifeiras-

debulhadoras, o retrato da vida do campo, a história dos cereais, os

festejos locais (neste caso concreto a Festa dos tabuleiros), a

germinação, os fenómenos da natureza, a herança genética,

fecundação das plantas e vários dados históricos.

Alves Redol, mostra um interesse especial em dar a conhecer o

mundo rural, mostrando a sua evolução ao longo dos tempos e

realçando sempre a importância da terra na produção do alimento.

No que diz respeito ao vocabulário ligado ao mundo rural destacam-

se as seguintes expressões: “alqueive”, “ancha”, “contristada”,

“gorjeio”. Porém o autor não se limita a expressões mais populares e

utiliza também alguams mais técnicas como: “colmos”, “coifas”

“record”, “pistilos”, “ovário”, “óvulo”, “fecundação”, “Híbridos”,

“gramínea rústica” e “planta perene”.

Esta é sem dúvida uma obra que desperta no leitor um olhar diferente

sobre o mundo, através da imaginação e da sua ligação com o mundo

real assumindo um carácter pedagógico:

O escritor partilha, nesta história da Sementinha, o valor

pedagógico que é dado à Literatura. A dimensão pedagógica é,

assim, o ponto alto da sua escrita, daí as suas obras, ainda hoje,

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Alves Redol e a Literatura Infantil 2011

serem actuais, apesar dos regionalismos e das expressões do

mundo rural que aplica à linguagem escrita. Contudo, a

dimensão comunicativa dessas obras continua actual, hoje no

século XXI, cinquenta anos depois, com todas as transformações

inerentes (…).(Figueiredo, 2005, p. 110)

É importante realçar a coerência temática de Alves Redol na sua obra

tanto para os mais novos como para os adultos que tem a ver com a

representação da realidade vivida num determinado lugar e num

determinado tempo.

A Vida Mágica da Sementinha é uma história que delicia os leitores,

sejam eles jovens ou adultos.

Bibliografia

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Alves Redol e a Literatura Infantil 2011

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