Litigância Intragovernamental e Presidencialismo de Articulação ...

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Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy DOMESTICANDO O LEVIATÃ: litigância intragovernamental e presidencialismo de articulação institucional 1ª edição Brasília 2013

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Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

DOMESTICANDO O LEVIATÃ: litigância intragovernamental e presidencialismo de articulação

institucional

1ª edição

Brasília2013

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GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Domesticando o Leviatã: litigância intragovernamental e presidencia-

lismo de articulação institucional / Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy. Brasília: edição do autor, 2013

ISBN 978-85-915522-1-4

1. Direito Público. — Brasil I. Título

CDU-342

Copyright © 2013 edição do autor1ª edição, maio de 2013

Todos os direitos reservados ao autor. É expressa-mente proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo, sem prévia au-torização do autor (Lei nº 9.610, de 19.02.98, DOU 20.02.98)

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Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de Sao Paulo- USP.

Doutor e Mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela Pontificia Universidade Catolica de Sao Paulo-PUC-SP.

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Nota Introdutória

A presente versão de Domesticando o Leviatão: Litigância Intragovernamental e Presidencialismo de Articulação Institucional é o texto original apresentado para concurso de livre-docência em Teoria Geral do Estado junto ao Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo-USP.

O exame se alongou de 14 a 20 de fevereiro de 2013. A banca foi presidida pelo Professor Titular Enrique Ricardo Lewandowski, pela Professora Associada Nina Beatriz Stocco Ranieri, ambos da Universidade de São Paulo, pelo Professor Titular Clèmerson Merlin Clève, da Universidade Federal do Paraná, e pelos Professores Livre-docentes André Ramos Tavares e Maria Garcia, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. A tese foi aprovada,com média 9,2 (nove vírgula dois).

Essa versão em forma de e-book decorre de vários pedidos, no sentido de disponibilização do trabalho. Seguirá uma versão impressa, corrigida, de acordo com as observações, sugestões e críticas da banca examinadora.

Brasília, abril de 2013.

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Hoje fui à missa, a do Imperador, onde havia muito pouca gente, como é natural cá e lá, mas muito cabelo branco. Ora, como as correntes políticas são formadas pelos que tem 20 a 30 anos, não pode haver nada mais inofensivo do que um culto que só reúne os destroços de uma época que passou, como são os cabelos brancos.

Joaquim Nabuco em carta a Machado de Assis, escrita em Paris, e datada de 6 de dezembro de 1889, in Aranha, Graça (organização), Machado de Assis e Joaquim Nabuco - Correspondência, Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras e Topbooks, 2003, p. 101.

O presidencialismo tradicional [...] aquele que copiamos dos Estados Unidos, padece de grave defeito. O presidente é forte para favorecer ou punir, mas é fraco para transformar. Promete, mas não cumpre. O regime foi desenhado para frear a política transformadora,

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perpetuando os impasses sobre projetos mudancistas [...] Para resolvermos nossos problemas temos de fazer nossas instituições. Não basta nos rebelarmos contra a falta de justiça se não nos rebelarmos, também, contra a falta de imaginação.

Roberto Mangabeira Unger, A Segunda Via- Presente e Futuro do Brasil, São Paulo: Boitempo, 2001, p. 124.

A governabilidade de um Estado consiste na capacidade de obtenção dos resultados almejados. Ou seja, na capacidade de efetivar a política definida pelo Governo.

[...]

Governabilidade exprime [...] a possibilidade de ação governamental eficaz. Quer dizer, traduz a aptidão de um Estado determinado realizar os objetivos a que se propõe- a sua missão-, não em abstrato, mas em face de um caso concreto.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho Ferreira Filho, Constituição e Governabilidade-Ensaio sobre a (in)governabilidade brasileira, São Paulo: Saraiva, 1995, p. 9 e p. 3.

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1 Introdução

A presente tese de livre-docência em Teoria Geral do Estado trata do presidencialismo. Pretende-se compreender sua formulação na experiência histórica brasileira e os impasses que enfrenta, no âmbito, principalmente, de suas divergências internas.

Preocupa-se com a referida divergência interna, que aqui se denomina de litigância intragovernamental, isto é, o recorrente conflito entre órgãos e entes da Administração, que pode revelar baixo nível de articulação e de coordenação política, e desse modo levar a uma fragilização da autoridade presidencial. Essa litigância ocorre no Judiciário, ainda que não haja dados confiáveis para se aferir sua extensão. E é crônica na própria Administração, onde há dados, e onde pode ser mais bem controlada.

Para o enfrentamento dessa litigância intragovernamental propõe-se a concepção de mecanismos de obtenção de consenso ou, no limite, fórmulas de decisão que superem os impasses, e de onde deve emergir um presidencialismo de articulação institucional.

Não se trata do retorno a um presidencialismo imperial ou da defesa da hipertrofia do Executivo em detrimento dos demais poderes da República. A proposta é de ajuste, de aperfeiçoamento e não de uma revolução. É de fortalecimento da independência e harmonia entre os Poderes. No estágio atual do presidencialismo brasileiro é impossível a onipresença e a onisciência do Presidente. Há que se valorizar o expediente de atribuições de tarefas. Há necessidade de delegação. Nesse contexto, espera-se muito da atuação dos Ministros, que detém confiança presidencial e de quem o Presidente espera ação articulada.

O enfrentamento de cultura burocrática marcada por vontades corporativas e a defesa de um presidencialismo eficiente, legitimado pelo voto, revelador da vontade popular, propiciam a retomada das concepções de vontade geral em Jean-Jacques Rousseau e do presidencialismo de unidade, tal como defendido nos Artigos Federalistas, da tradição política norte-americana, mais especificamente, os ensaios de números

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67 a 77, que tratam da definição de Presidente da República, como chefe supremo do Poder Executivo.

A presente tese pretende contribuir com a Teoria Geral do Estado, no que se refere ao estudo do presidencialismo, ainda que este subsídio seja exemplificado por questões de dogmática e de direito positivo. A análise da litigância intragovernamental, aqui identificada como possível agente de enfraquecimento da Chefia do Executivo, pode ser uma contribuição original ao estudo do sistema de governo presidencialista.

Inicialmente tenta-se identificar a significação do sistema de governo presidencialista. Tem-se especial atenção para com o presidencialismo norte-americano, do qual tomamos algumas fórmulas, especialmente a partir da influência de Rui Barbosa na Assembléia Constituinte que promulgou nossa primeira constituição republicana em 1891.

O presidencialismo brasileiro vincula-se historicamente à pregação republicana, muito fértil em São Paulo, que conheceu o discurso dos republicanos históricos, como Rangel Pestana, Américo de Campos, Francisco Glicério e Bernardino de Campos. E foi especialmente na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco que a idéia republicana, e o presidencialismo como seu conseqüente direto, contaram com o apoio radical de Silva Jardim e dos gaúchos que foram estudar em São Paulo, a exemplo de Júlio de Castilhos, Silveira Martins, Pinheiro Machado e Assis Brasil, bem como com o apoio moderado de Prudente de Moraes e de Campos Salles, paulistas, e mais tarde presidentes da República1.

Os problemas levantados são tratados no conjunto da Teoria Geral do Estado no que se refere ao papel, alcance e limites do presidencialismo. Não há preocupação com a tipologia do presidencialismo de coalização, proposta por Sérgio Abranches2. De acordo com esta tipologia - presidencialismo de coalização - a vontade presidencial só se realizaria se o Presidente se garantir por uma ampla base partidária, que lhe daria a necessária sustentação. Trata-se da obtenção, por meio da barganha, pelo

1 Cf. Barreto, Vicente e Paim, Antonio, Evolução do Pensamento Político Brasileiro, Belo Horizonte: Itatiaia e São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1989, pp. 125 e ss.

2 Cf. Abranches, Sérgio Henrique, Presidencialismo de Coalização: O Dilema Institucional Brasileiro, in Dados: Revista de Ciências Sociais, 1988, nº 31, pp. 5-34.

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Presidente, de um Congresso cordato. Não é assunto que será tratado com profundidade no presente trabalho.

Não se especula com a presunção de que a litigância intragovernamental decorreria de disputas, animosidades e visões distintas de vários Ministros, o que seria abstratamente possível no chamado presidencialismo de coalização, dado que alianças partidárias trariam para dentro do Governo políticos com percepções distintas e conflitantes, em relação aos assuntos demandados pela Presidência.

Na possibilidade do presidencialismo de articulação institucional a preocupação não é com o relacionamento entre Presidente e os partidos aliados, o que é justamente o eixo problemático do presidencialismo de coalizão. A apreensão de um presidencialismo de articulação institucional se dá mais precisamente com o relacionamento entre o Presidente e todo o Executivo, cujas divergências necessitam de canal próprio para composição, no contexto da própria Administração. O trabalho pretende discutir o papel dessa animosidade, que revela o Estado em suas contradições e querelas internas.

Em outras palavras, no presidencialismo de coalização o problema está no relacionamento entre o Executivo e o Legislativo. No presidencialismo de articulação institucional o problema está no relacionamento entre o Executivo e o próprio Executivo.

O trabalho também não se preocupa com a relação do Presidente enquanto Chefe do Executivo Federal com as unidades federadas. Este é tema de intervenção federal, já proficientemente tratado em livro por Enrique Ricardo Lewandowski3. Trata-se de livro seminal no qual o autor enfrenta o problema dos pressupostos materiais e formais da intervenção federal no Brasil, de onde o presente trabalho pretende colher especialmente as linhas gerais para a compreensão da evolução do Estado Federal no Brasil, que também explicam a trajetória do sistema de governo presidencialista entre nós4.

3 Cf. Lewandowski, Enrique Ricardo, Pressupostos Materiais e Formais da Intervenção Federal no Brasil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.

4 Cf. Lewandowski, Enrique Ricardo, Pressupostos Materiais e Formais da Intervenção Federal no Brasil, cit., pp. 22-33.

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Não se encontrará também aqui um estudo sistemático sobre o presidencialismo, assunto que ocupou livro clássico de Assis Brasil5 e que foi ainda discutido na obra de Alexandre de Moraes6, que aborda todos os temas que envolvem o sistema presidencialista, inclusive com abordagem da questão do impeachment. Não há preocupação com o problema delicadíssimo da medida provisória, já também esgotado, em obras monográficas de muito relevo, a exemplo dos trabalhos de José Levi Mello do Amaral Júnior e Marco Aurélio Sampaio7.

O presidencialismo é aqui estudado - especialmente - no contexto da litigância intragovernamental e da perspectiva do enfrentamento deste problema na concepção de um presidencialismo de articulação institucional. Por isso, centra-se no estudo de instâncias específicas que caracterizam nosso presidencialismo, nas quais há espaço para enfrentamento da litigância aqui problematizada, a exemplo da ação e articulação ministerial, da Casa Civil da Presidência da República e da Advocacia-Geral da União-AGU.

Além de apresentado no início do trabalho, o presidencialismo será retomado na seção conceitual, quando se pretende identificar as suas origens, no ambiente da discussão norte-americana de fins do século XVIII. O objetivo é demonstrar que a unidade da ação governamental é expressão fundamental no funcionamento do sistema de governo presidencialista.

Seguirá o trabalho com a exposição do problema, mediante a apresentação de questões inquietantes que marcam cultura burocrática que convive com a judicialização de conflitos entre órgãos e entes da Administração Pública Federal. A falta de controle da situação dilui a aferição de custos8, que se escondem nas rubricas indicativas da atuação 5 Cf. Assis Brasil, Joaquim Francisco, Do Governo Presidencial na República Brasileira, Rio de Janeiro:

Calvino Filho Editor, 1934.

6 Moraes, Alexandre de. Presidencialismo, São Paulo: Atlas, 2004.

7 Conferir Amaral Júnior, José Levi Mello do, Medida Provisória: Edição e Conversão em Lei- Teoria e Prática, São Paulo: Saraiva, 2012 e Sampaio, Marco Aurélio, A Medida Provisória no Presidencialismo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2007.

8 Tem-se problema relativo à teorização do custo dos direitos, no sentido de que “direitos seriam serviços públicos que o governo prestaria em troca de tributos”, cf. Holmes, Stephen e Sunstein, Cass R., The Cost of Rights- Why Liberty Depends on Taxes, New York: W.W. Norton & Company, 2000, p. 151.

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do Poder Judiciário9. Teme-se uma crise de governabilidade. Ao cidadão acaba-se negando o direito fundamental a uma boa administração10.

Essa crise já fora denunciada, ainda que por outros motivos e razões, em livro de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, para quem a ingovernabilidade teria também como causa o contexto da Constituição de 1988 e os arranjos de nossa cultura jurídica11.

No próximo passo da tese apresenta-se a hipótese que será desenvolvida e na qual se defende uma mudança na cultura burocrática, o reforço do conjunto de competências da Casa Civil da Presidência da República, a tonificação da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal-CCAF12, bem como uma concepção de marcos regulatórios e interpretativos mais firmes para enfrentamento do problema da litigância intragovernamental.

Em seguida serão apresentados os marcos teóricos do trabalho, com estações na teoria da vontade geral de Jean-Jacques Rousseau e na concepção de presidencialismo de unidade, da teoria política clássica norte-americana. É o fragmento conceitual, no qual se explora a obra do

9 Dados do Conselho Nacional de Justiça-CNJ comprovam altíssimos níveis de litigância do Estado, ainda que indicado em um dos pólos da lide, como autor (no caso das execuções fiscais) ou como réu, informação que não interessa a presente investigação.

10 A partir da experiência europeia, a exemplo do que se tem nas Constituições da Finlândia e da Itália, bem como base em um Código Europeu de Boa Conduta Administrativa, incorporado ao Tratado de Nice, há substancial movimentação doutrinária no direito administrativo brasileiro, no sentido de se fixar um direito fundamental à uma boa administração. Conferir, Valle, Vanice Regina Lírio do, Direito Fundamental à Boa Administração e Governança, Belo Horizonte: Forum, 2011; Freitas, Juarez, Discricionariedade Administrativa e o Direito Fundamental à Boa Administração Pública, São Paulo: Malheiros, 2007. Especialmente, no contexto europeu, a matéria encontra-se disposta no art. 41 da Carta dos Direitos Fundamentais. Ao longo do presente trabalho o assunto será retomado. Em princípio, defende-se aqui a premissa de que o modelo europeu vincula objetivamente o cidadão ao Estado, no sentido de que aquele deve ser por este último bem atendido. No caso presente, o que se tem é um conflito entre os entes da Administração. Quanto ao âmbito pessoal de aplicação, por exemplo, o Código Europeu da Boa Conduta Administrativa dispõe (art. 2º, 1) que é aplicável a todos os funcionários e outros agentes abrangidos pelo Estatuto dos Funcionários e pelo Regime Aplicável aos Outros Agentes nas suas relações com o público.

11 Cf. Ferreira Filho, Manoel Gonçalves, Constituição e Governabilidade-Ensaio sobre a (in)governabilidade brasileira, São Paulo: Saraiva, 1995, p. 5.

12 Em 2008 a Câmara de Conciliação na Administração Pública Federal recebeu menção honrosa no Prêmio Innovare, que tem por objetivo identificar, premiar e divulgar práticas inovadoras do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Advocacia.

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filósofo genebrino e as pregações de um incipiente iluminismo norte-americano. Alguma contribuição conceitual de Roberto Mangabeira Unger e de Luís Carlos Bresser Pereira também será ressaltada, ainda que identificada mais na metodologia para fixação de propostas.

Segue então a investigação com a apresentação das linhas gerais compreensivas do sistema de governo presidencialista. Insiste-se, não se tem esforço de descrição exaustiva do presidencialismo, o que já foi objeto de outras obras, importantes pela qualidade13; a tese também não se preocupa com o problema da renovação dos mandatos presidenciais, ou da aliança do presidente com vários partidos (inclusive da oposição), ou do papel do presidente na condução da política internacional14. A apresentação das linhas compreensivas do presidencialismo tem por objetivo indicar os fundamentos da autoridade presidencial. Pretende-se ilustrar o argumento de que a experiência histórica do presidencialismo se deu na busca de uma unidade de ação, por parte da chefia do Executivo.

Cuida-se em seguida do presidencialismo norte-americano, com algum esforço de exploração de pormenor. É dos Estados Unidos que recorrentemente buscamos exemplos e referências do sistema de governo presidencialista. Aborda-se também como a questão da litigância intragovernamental lá é tratada, com rápida menção ao caso United States v. Interstate Commerce Commission-ICC (337, USA, 426, 1949). Trata-se de leading case que aponta que é aceitável no direito norte-americano a litigância interna entre setores da Administração, mas que não é um fato repetitivo, como resultado do pragmatismo que marca aquela cultura. É fundamental nos Estados Unidos o papel do Departamento de Justiça, no monitoramento e na prevenção da litigância intragovernamental.

Ainda que sistemas presidencialistas do contexto latino-americano, a exemplo da Argentina, Paraguai, Uruguai, Venezuela, Bolívia, Equador, Colômbia, Peru, Chile e México, sejam marcados por

13 Refiro-me, especialmente, ao livro de Alexandre de Moraes, Presidencialismo, já citado.

14 Nesse caso, a condução da política externa pelo Presidente da República, conferir, por todos, Danese, Sérgio, Diplomacia Presidencial- História e Crítica, Rio de Janeiro: Topbooks, 1999.

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intensa experiência histórica15, o que poderia propiciar amplo campo de pesquisa para os objetivos do presente trabalho, deve-se reconhecer a abertura que a opção demandaria, o que justifica a sua exclusão. Fez-se essa opção16. O presidencialismo latino-americano poderia fornecer muitos exemplos de arranjos institucionais, que poderiam ser cotejados com nossa experiência histórica e política. Porém, o material pode ser imenso, o que prejudicaria a delimitação da pesquisa. O objeto do presente estudo sobre o presidencialismo é a formação do consenso interno e as fórmulas de tomada de decisão em caso de divergência. Nossa experiência é suficiente para a condução do argumento, bem como a experiência norte-americana, da qual muito nos aproximamos.

No encadeamento, trata-se do presidencialismo brasileiro, com base em nossa experiência histórica, a partir da presidência Deodoro da Fonseca, que seguiu à proclamação da República, em 15 de novembro de 1889. Investiga-se a fundamentação teórica de nosso presidencialismo, com o insumo que se consolidou a partir do credo de Rui Barbosa, que aqui se reconhece como o conselheiro jurídico da República Velha.

Pretende-se demonstrar, no próximo passo, como o presidencialismo foi incorporado nas várias constituições brasileiras, especialmente quando a autoridade do Presidente foi dimensionada de forma superlativa, a exemplo do que ocorreu com a Constituição de 1937. É muito nítido o ideário de Francisco Campos, expressão do antiliberalismo, para quem a técnica do Estado totalitário poderia ser colocada a serviço da democracia, circunstância paradoxal e contraditória.

15 Conferir, por todos, Bethel, Leslie (ed.), Latin America- Politics and Society since 1930, Cambridge: Cambridge University Press, 1998.

16 Indica-se, no entanto, como de relevância bibliografia no assunto, Zamora, Stephen et allii, Mexican Law, Oxford: Oxford University Press, 2004, pp. 132 e ss., Casiello, Juan, Derecho Constitucional Argentino, Buenos Aires: Editorial Perrot, 1954, pp. 167 e ss., Amorim Neto, Octavio, Presidencialismo e Governabilidade nas Américas, Rio de Janeiro: FGV, 2006, Horchstetler, Kathryn, Repensando o Presidencialismo: Contestações e Quedas de Presidentes na América do Sul, in Revista Lua Nova, São Paulo, nº 72, pp. 9-46, 2007, Haro, Ricardo, El Jefe de Gabinete de Ministros y El Presidencialismo Argentino: Control o Gerenciamiento, in Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, Belo Horizonte: Del Rey, nº 3, jan/jun 2004, pp. 95-108.

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Por fim, nessa seção, apresenta-se, em linhas gerais, o modelo presidencialista brasileiro atual. Retoma-se idéia de que o presidencialismo carrega uma ambigüidade. Por um lado, propicia a separação dos poderes da República, porque o Executivo não conta com chefe indicado pelo Legislativo. Por outro lado, a possibilidade de exigir urgência na apreciação de projetos de lei, não deixa de qualificar uma ingerência do Executivo no Legislativo. Essa abordagem é meramente circunstancial, apenas pretende demonstrar os vários níveis de enfrentamento que o presidencialismo precisa calcular.

O objetivo do estudo do presidencialismo brasileiro, a partir de sua experiência histórica, é demonstrar que esse sistema de governo convive permanentemente com pressões de todos os lados. Há problemas com o Poder Legislativo, por força do uso das medidas provisórias ou dos requerimentos de urgência para apreciação de algumas matérias. Há problemas com o Poder Judiciário, por causa de discussões sobre a condução de políticas públicas, a exemplo da agenda de distribuição de remédios para a população. O Tribunal de Contas da União-TCU também cumpre sua missão institucional e permanentemente fiscaliza as contas do Presidente. O sistema de governo presidencialista precisa de boa articulação interna para administrar adequadamente e com responsabilidade focos de pressão e de fiscalização, que institucionalmente compõem o concerto do sistema de freios e contrapesos, e que são absolutamente necessários e imprescindíveis num contexto democrático.

O núcleo essencial empírico do trabalho é a investigação parcimoniosa da litigância intragovernamental17. Há, então, ainda que exemplificativamente, reflexão em torno de indícios de litigância no Supremo Tribunal Federal-STF. Toma-se como exemplo um importante

17 Aspectos jurídicos não podem ser desprezados em um trabalho de Teoria Geral do Estado. Tome-se como referência excerto de Dalmo de Abreu Dallari em prefácio a livro de Sebastião Botto de Barros Tojal: “O Estado é hoje o tema central, expresso ou implícito, de todas as reflexões e práticas envolvendo interesses sociais. E não é possível fazer qualquer consideração sobre o Estado, sua organização, suas ações ou abstenções, seu poder e sua responsabilidade, sem levar em conta aspectos jurídicos. Na realidade, a noção de Estado se definiu, sobretudo, através do trabalho dos juristas, o que tornou possível concebê-lo como sujeito de direitos e deveres”. Dalmo de Abreu Dallari, Prefácio, in Tojal, Sebastião Botto de Barros, Teoria Geral do Estado- Elementos de uma Nova Ciência Social, Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. X.

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caso que se originou no Estado do Rio Grande do Sul, em torno da tributação de um hospital que, na essência, era da própria União. Menciona-se também eventual divisão governamental que haveria na discussão em torno da proibição do amianto no Estado de São Paulo, assunto pautado para audiência pública, pelo STF.

Nesse momento do trabalho, com objetivo de chamar a atenção para outras nuances do problema, faz-se alguma abordagem sobre conflitos federativos, ainda que o federalismo não seja tema que interesse à pesquisa18. Menciona-se também indícios de litigância entre órgãos e entes da Administração junto à Justiça Federal, uma vez que os números não são consistentes.

Na continuidade, cuida-se da trajetória da antiga Consultoria-Geral da República-CGR, quanto à prevenção da litigância interna no Governo. É o que se tentará demonstrar com algum resgate histórico inédito.

Em seguida, trata-se rapidamente da Consultoria-Geral da União-CGU, que funciona junto à AGU, como unidade que teria competência para unificar desentendimentos jurídicos entre os vários órgãos e entes da Administração. Vários casos ilustrarão o argumento.

Segue outra seção empírica do trabalho, que se ocupa da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal-CCAF. Expõe-se seus motivos, primeiros passos, funcionamento, casos relevantes, o que também tratado na demonstração do problema que se enfrenta na 18 Porém, a título de indicação bibliográfica, necessário referência à coletânea dirigida por Dimitrios

Karmis e Wayne Norman. Assim, conferir, Karmis, Dimitrios e Norman, Wayne, Theories of Federalism- a Reader, New York: Palgrave Macmillan, 2005. Conferir também, Hueglin, Thomas O. e Fenna, Alan, Comparitive Federalism- a Systematic Inquiry, Toronto: Broadview Press, 2006, Baracho, José Alfredo de Oliveira, O Princípio da Subsidiariedade � Conceito e Evolução, Rio de Janeiro: Forense, 2000, Torres, João Camilo de Oliveira, A Formação do Federalismo no Brasil, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1961, Conti, José Maurício, Federalismo Fiscal e Fundos de Participação, São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001, Zimmermann, Augusto, Teoria Geral do Federalismo Democrático, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, Dória, Antonio Roberto Sampaio, Discriminação de Rendas Tributárias, São Paulo: José Bushatsky Editor, 1972, Silveira, Rosa Maria Godoy, Republicanismo e Federalismo- 1889-1902, Brasília: Senado Federal, 1978, Calmon, Pedro, Intervenção Federal, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1936, Régis, André, O Novo Federalismo Brasileiro, Rio de Janeiro: Forense, 2009, Rodrigues, Nina Tricia Disconzi, O Federalismo e o Desenvolvimento Nacional, Porto Alegre: Editora UniRitter, 2010.

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tese. A seção é ilustrada por muitos problemas de dogmática. É seção necessária para a compreensão da variedade da litigância no Poder Executivo, e que tende a minar a unidade da ação governamental.

É a parte investigativa do trabalho, é o que dá força e razão ao argumento, é a comprovação de que se tem um problema. Os casos aqui indicados ilustram o pressuposto do ponto de vista quantitativo e muitas vezes são minuciosamente tratados, com o objetivo de se reforçar o argumento, em sua dimensão qualitativa.

Na seção relativa à CCAF vários casos serão avaliados, problematizados e esmiuçados. É o que dá consistência à argumentação teórica. Num dos casos que serão tratados, relativo a uma disputa entre a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional-PGFN e uma empresa pública, a Empresa Gerencial de Projetos Navais-EMGEPRON, pode-se ter um clássico exemplo de que a autoridade presidencial foi questionada. É um dos problemas que, num sentido de realismo institucional, fornece insumo a tese. E porque –neste caso- a questão ocorreu por força de uma divergência de fundo tributário e previdenciário, é que temas tributários e previdenciários serão no traballho estudados, sob pena de fragilização da linha argumentativa.

Avalia-se o papel da CCAF em questões referentes ao patrimônio público, fonte de muitas disputas entre órgãos e entes da Administração, especialmente por causa de incertezas na atuação e nos limites de competência do Serviço de Patrimônio da União-SPU. É ponto no qual a coerência na definição de políticas da Presidência da República deve se revelar de modo mais claro.

Algumas análises das questões apreciadas pela CCAF são meticulosas, outras apenas noticiam o litígio, sintetizando as linhas gerais da discussão. A análise parcimoniosa de todos os problemas carregaria na extensão do trabalho, e a omissão da maioria dos casos prejudicaria a percepção de extensão do problema. Por isso, alguns casos são examinados com profundidade, enquanto outros são apenas anunciados, sem maior preocupação com o pormenor. Os problemas enfrentados pela CCAF (legitimidade, fundamentação legal, preparo de conciliadores) implicam no sucesso (ou no fracasso) de algum tribunal

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especializado de que se pudesse cogitar. Comenta-se a casuística da CCAF, com indicativos de avanços e de retrocessos.

Estuda-se matéria ambiental e fundiária, em decorrência, entre outros, de problemas de superposição de áreas (de preservação ambiental, indígenas, quilombolas), bem como de conflitos estruturais entre o Ministério do Meio Ambiente-MMA e o Ministério das Minas e Energia-MME. A atividade do CCAF em áreas de interesse indígena e de comunidades quilombolas será objeto de alguma ponderação.

Pretende-se do mesmo modo exemplificar a atuação da CCAF em discussões de infraestrutura, especialmente em razão do desdobramento das ações do Programa de Aceleração do Crescimento-PAC. Que nível de litigância poderia derivar do PAC, ainda que internamente?

O trato com assuntos de direito fiscal disseca o núcleo mais problemático da pesquisa empírica. O princípio da legalidade (historicamente fixado como uma arma contra um Poder Judiciário no passado dominado por uma nobreza togada)19 deve ser tratado com a mais absoluta reverência e seriedade. O cânon da indisponibilidade20 dos bens públicos exige que a questão seja enfrentada da forma mais cautelosa possível.

Pode-se invocar conceito geral de interesse público como critério hermenêutico que poderia ser recorrentemente utilizado. No entanto, o conceito é variável, volátil, frágil. Muitas vezes, tem-se a impressão de que a percepção de interesse público pode qualificar menos um indicativo seguro e objetivo do que um topói argumentativo. Porém, pela amplidão do problema, não há aqui disposição em seu enfrentamento.

19 É a opinião, entre outros, de Caenegen, R. C. van, Juízes, Legisladores e Professores, Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, pp. 106 e ss. Tradução do inglês para o português de Luís Carlos Borges.

20 Conforme Odete Medauar, “[...] é vedado à autoridade administrativa deixar de tomar providências ou retardar providências que são relevantes ao atendimento do interesse público, em virtude de qualquer outro motivo [...] por exemplo: desatende ao princípio a autoridade que deixar de apurar a responsabilidade por irregularidade de que tem ciência; desatende ao princípio a autoridade que deixar de cobrar débitos para com a Fazenda Pública”. Medauar, Odete, Direito Administrativo Moderno, São Paulo: RT, 2007, p. 128.

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Há necessidade de inventário de problemas no contexto de marcos regulatórios de densidade questionável. Como se tratar regimes de suspensão, de exclusão e de extinção de créditos fiscais, no contexto de um tribunal administrativo? Como se tratar de questões tradicionalmente apreciadas apenas pelo Judiciário?

E no caso das empresas públicas e das sociedades de economia mista, como se ajustar a atuação desse tribunal? Ainda que tais problemas sejam de dogmática jurídica estrita há a necessidade de apoio argumentativo na problematização de Teoria Geral do Estado que se pretende avançar.

Finalmente, tem-se o momento de se identificar toda a argumentação que não recomendaria a utilização do modelo que o trabalho irá propor. É forte a alegação contrária à utilização de técnicas de conciliação e de arbitragem na administração pública, ainda que esta alegação seja marcada por pressão de vontades corporativas, conceito que se pretende resgatar, a partir de Rousseau.

Haveria muita oposição conceitual - e corporativa, sem dúvida - à fixação definitiva de instâncias para discussões administrativas na Casa Civil da Presidência da República, na Consultoria-Geral da União e na Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal. Por outro lado, tem-se a impressão que haveria demanda por maior responsabilidade do servidor sem que se tenha, em contrapartida, marco regulatório indiscutível que fornecesse segurança para quem eventualmente concilie sobre questões que exigem a mais absoluta reserva de lei.

Tem-se a tarefa de se identificar quais seriam o alcance e os limites de um imaginário tribunal administrativo, para assuntos internos, a partir da experiência da CCAF. Deve-se averiguar quem pode conciliar, sobre o que se pode conciliar, o que pode ser arbitrado, quem pode arbitrar, bem como, e principalmente, a relação de mecanismos de conciliação e de arbitragem com outras instâncias decisórias.

A litigância interna entre órgãos e entes da Administração, e eventual judicialização dos problemas decorrentes de desentendimento

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interno, é indicativo de instável governabilidade e de falta de entendimento que a eficiência que se espera de um Governo democrático repele. Trata-se de sintoma de fragilidade do modelo presidencialista que se conhece no direito público brasileiro. Tudo pode parecer muito simplório, porém acredita-se que não há ainda esforço de sistematização do problema, como aqui se propõe. É o que marca a originalidade da pesquisa.

A litigância intragovernamental no arranjo institutional do presidencialismo brasileiro é problema a ser investigado pela Teoria Geral do Estado. Num contexto de desconfiança para com a complexidade do Estado Contemporâneo21, as ciências sociais aplicadas insistem na discussão sobre a importância das instituições, tese que Max Weber fixou em livro seminal para a compreensão do modelo capitalista22.

O sistema de governo presidencialista brasileiro necessita de arranjo institucional mais articulado. Caso contrário, deve-se temer investidas parlamentaristas onde, provavelmente, os problemas seriam os mesmos. Deve-se reconhecer que, em princípio, o problema talvez não se apresentasse de modo distinto num sistema de governo parlamentarista, se este eventualmente fosse por nós adotado. Não se pode afirmar que a acolhida do parlamentarismo resultasse no fim (ou na diminuição) da litigância intragovernamental.

É natural que haja divergências entre vários núcleos da Administração. Têm-se conflitos também por força de várias políticas públicas concebidas - na sua realização - de modo não setorial. O que não se pode aceitar é a inexistência de uma fórmula eficiente para produção de convergência e de consenso, o que acarreta o impasse. Deve-se cogitar de arranjos institucionais que fortaleçam a produção do consenso ou, no limite, a eficiência na tomada de decisões.

Há necessidade de fixação de mecanismos internos e consensuais, com urgência, para solução de conflitos entre órgãos e entes da Administração, a exemplo do que se tem com a atuação da

21 Cf. García-Pelayo, Manuel, Las Transformaciones del Estado Contemporâneo, Madrid: Alianza Editorial, 2005, pp. 170 e ss.

22 Weber, Max, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, São Paulo: Companhia das Letras, 2004. Tradução do alemão para o português de José Marcos Mariani de Macedo.

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CCAF, e que pode ser o modelo e o ponto de partida de um tribunal administrativo de que se cogita. Ou ainda, com a potencialização do papel exercido pela Casa Civil, na condução de políticas públicas, a partir da institucionalização de mecanismos originários para entendimento, enfrentamento e solução de problemas.

No entanto, há inegavelmente no Brasil uma cultura jurídica contrária a fórmulas extrajudiciais ou extravagantes de solução de conflitos. Não se aceitaria que o Executivo subtraísse do Judiciário o ônus de resolver os problemas da Administração. A racionalização das práticas jurídicas23, por meio da legalidade absoluta, em alguns casos, resultou na imobilidade de quem executa a lei. É mais fácil e seguro que o burocrata do Executivo deixe a tomada de decisões para o Judiciário. É medida de sobrevivência. A decisão, por parte do burocrata, implica riscos.

Defende-se aqui que as relações entre órgãos e entes estatais não possam ser pautadas pela mesma lógica que marca as relações entre o público e o privado. É uma lógica de eficiência que deve regular esse tribunal administrativo, cujo funcionamento se sugere a partir da CCAF, ou, ainda, a partir da atuação política da Casa Civil da Presidência da República.

A tese propõe conjunto de alternativas que possa reconfigurar os marcos regulatórios existentes para resolução interna de conflitos. Uma reflexão em torno da necessidade de nova cultura burocrática também dá insumo à investigação.

Na parte final do trabalho apresenta-se inventário de dificuldades no contexto de marcos regulatórios atuais, de densidade questionável, especialmente no que se refere às restrições em matéria fiscal e aos constrangimentos em cultura burocrática procedimentalista, que presentemente se conhece.

Com esses elementos, procura-se a construção de algumas propostas. Pretende-se a reconfiguração e a reinterpretação de

23 Weber, Max, O Direito na Economia e na Sociedade, São Paulo: Ícone Editora, 2011, p. 271. Tradução do inglês para o português por Marsely De Marco Martins Dantas.

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marcos regulatórios atuais, sempre na busca da compreensão de um presidencialismo de articulação institucional.

Do ponto de vista de investigação assim parcialmente empírica pretende-se avançar com técnica de observação, na qualidade de participante de vários exemplos que serão indicados24 o que, sem prejuízo de tentativa de rigor na análise, propicia conjunto amplo de circunstâncias passíveis de problematização25.

Alguns assuntos aqui tratados foram intensamente vividos. Na medida em que conhecidos, causaram perplexidade. Trata-se de questões de integração institucional caracterizadas por permanente estado de litigância e impasse, que exigem teorização para um adequado enfrentamento.

O título, Domesticando o Leviatã, é referência a lugar comum na Teoria Geral do Estado. O Leviatã que dá o título à obra de Thomas Hobbes é identificado recorrentemente com o Estado em sua dimensão mais onipotente. Defende-se a domesticação das ambigüidades desse monstro bíblico, com o objetivo de torná-lo mais coerente e eficiente, sem que isso represente qualquer desapego para com a ordem

24 Cf. Bittar, Eduardo C. B., Metodologia da Pesquisa Jurídica- Teoria e Prática da Monografia para os Cursos de Direito, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 203. Com base em Cláudio Souto e em Joaquim Falcão, o autor aqui citado, Eduardo C. B. Bittar, explicita-nos que o observador participante é aquele que se insere no grupo social estudado, enquanto que o observador não participante é aquele que observa o fenômeno estudado fora de seu contexto. No caso da presente pesquisa, o acompanhamento dos fatos se fez no próprio contexto em que discutidos, num primeiro momento como representante da Fazenda Nacional, num segundo momento como Consultor da União e, ao tempo da confecção da tese, como Consultor-Geral da União. Houve, assim, direta participação em vários assuntos e problemas afetos à Presidência da República, em vários níveis, o que propiciou coleta de farto material de análise, exposto ao longo do trabalho.

25 Há, de tal modo, intersecção entre atividade empírica e abstração teórica. Conferir, nesse sentido, Weber, Max, Metodologia das Ciências Sociais, parte 1, São Paulo: Cortez Editora, 2001, p. 113: “É certo que existe [...] em qualquer época uma diferença intransponível, quando uma argumentação se dirige ao nosso sentimento e à capacidade que temos de nos entusiasmar por objetivos práticos concretos e por formas e conteúdos culturais, ou quando se dirige à nossa consciência, no caso em que se trata da validade de certas normas éticas, ou , por fim, quando se dirige à nossa capacidade e necessidade de ordenar conceitualmente a realidade empírica, de uma maneira que insiste na pretensão de validade de verdade empírica”. Tradução do alemão para o português de Augustin Wernet.

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democrática e para com o Estado Democrático de Direito26. O recurso à metáfora é meramente simbólico27.

Não se pode propor uma ação judicial contra si mesmo; o ajuizamento de uma ação exige partes opostas; o conceito de um eu dividido é literário, psiquiátrico, mas certamente não pode ser jurídico; “a ambivalência não suscita controvérsia que possa ser decidida pela Justiça, ainda que se tenha em si mesmo o pior inimigo28”.

Numa representação simbólica, a litigância intragovernamental é uma grave patologia cujo antídoto se aplica numa posologia de convergência e consenso internos. E numa percepção de realismo político, a litigância intragovernamental, problema aqui discutido, se combate efetivamente com a concepção de um presidencialismo de articulação institucional, que reflita experiência democrática construtora de uma vontade nacional, sufragada nas urnas, pressuposto que impulsiona a pesquisa.

A tese se incorpora às reflexões da Teoria Geral do Estado, “disciplina de síntese, que sistematiza conhecimentos jurídicos, filosóficos, históricos, antropológicos, econômicos, psicológicos [...]”29 que busca, entre outros, “o aperfeiçoamento do Estado”30,

26 O uso da imagem de Leviatã não é inédito. Exemplifico, entre outros, com a obra de Antonio Manuel Hespanha, As vésperas do Leviathan- Instituições e Poder Pólitico- Portugal- séc. XVII, Coimbra: Almedina, 1994.

27 Conferir, por todos, Barbas Homem, Antonio Pedro, O Espírito das Instituições- um Estudo de História do Estado, Coimbra: Almedina, 2006, p. 61: “O Estado é um organismo complexo, que Hobbes dirá ser um monstro, o Leviatão. Os críticos logo se lançaram, em Inglaterra e no continente europeu, à caça do Leviatão, nomeadamente alegando a imoralidade do novo ente estadual [...] As metáforas políticas são adequadas às concepções de cada época. Com o triunfo da ciência e do racionalismo modernos, a metáfora do corpo cede lugar à imagem do mecanismo e da engrenagem. As metáforas mecanicistas são recebidas na literatura política e jurídica do racionalismo iluminista para justificar o funcionamento do Estado como máquina. O Estado é um relógio, cuja atividade depende de uma maquinaria complexa, metódica, regulada e calculada: a burocracia [...] No Contrato Social, Rousseau leva ainda mais longe essa metáfora: o legislador é um mecânico e o príncipe é o operário [...] Pode ainda subenter-se outra consequência para estas metáforas políticas: o direito público é uma técnica a serviço do Estado”.

28 Cf. Herz, Michael, United States v. United States: When Can the Federal Government Sue Itself? William and Mary Law Review, volume 32, nº 4, 1991, p. 894. Tradução livre minha. No original: “Ambivalence does not create a justiciable controversy, even if you are your own worst enemy”.

29 Cf. Dallari, Dalmo de Abreu, Elementos de Teoria Geral do Estado, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 2.

30 Cf. Dallari, Dalmo de Abreu, Elementos de Teoria Geral do Estado, cit., loc. cit.

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ordem epistemológica latente que justifica o trabalho que segue. Pretende-se apresentar uma contribuição original ao estudo do sistema de governo presidencialista.

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2 O tema do presidencialismo

O presidencialismo é um sistema de governo que se concretizou no contexto da intuição política norte-americana, realizando-se como versão republicana de uma monarquia limitada1. Desenvolvido pragmaticamente pelos delegados da convenção constitucional norte-americana de 17872 e pensado como alternativa à fórmula monárquica inglesa3, então avaliada como opressiva, o presidencialismo é tratado nos Artigos Federalistas, textos de autoria atribuída a Alexander Hamilton, James Madison e John Jay4.

Redigidos ao longo do debate em torno da adoção da Constituição norte-americana, os Artigos Federalistas se qualificam como texto emblemático do iluminismo norte-americano, de nítida inspiração classicista, no que se refere à concepção de virtudes republicanas5. Substancializam, também, fortíssimo apelo de imaginação institucional, percebendo a sociedade como um artefato, a ser construído, e não como um dado, pela Providência recebido.

A grande questão colocada pelos autores do libelo de defesa da Constituição que então se discutia nos Estados Unidos consistia em se saber “se os homens são capazes de dar a si mesmos um bom governo por própria reflexão e escolha, ou se a Providência os condenou a receberem eternamente a sua Constituição política, da força ou acaso6”. O credo dos pais da pátria norte-americana, os founding fathers, abominava qualquer reverência para com o passado, insistindo na premissa de que as instituições devem se alterar na medida em que opiniões e maneiras

1 Cf. Ferreira Filho, Manuel Gonçalves, Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 2008, p. 143.

2 Cf. Dahl, Robert, On Democracy, New Haven e London: Yale University Press, 1998, p. 122.

3 Alexis de Tocqueville, em 1831, contrapôs o presidencialismo norte-americano à monarquia francesa; esta última seria a instigadora da lei, aquele primeiro, o detentor da prerrogativa de executar a lei. Cf. Tocqueville, Alexis de, Democracy in America, London: Penguin Books, 2003, p. 143. Tradução do francês para o inglês de Gerald E. Bevan.

4 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, Artigos Federalistas, Belo Horizonte: Líder, 2003. Tradução de Hiltomar Martins Oliveira.

5 Cf. Richard, Carl J., The Founders and the Classics- Greece, Rome and the American Enlightenment, Cambridge: Harvard University Press, 1996.

6 Cf. Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, cit., p. 13.

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também se alteram7. O presidencialismo, nesse sentido, refletiu uma nova forma de organizar as instituições políticas.

Especialmente, quanto à caracterização do que se pretendia na concepção da chefia do Poder Executivo, os excertos dos Artigos Federalistas que aqui interessam seriam de Alexander Hamilton8, para quem, como se verá, ao presidente caberia, entre outros, manter a unidade na ação governamental, de modo que “[...] a energia do Poder Executivo é um dos principais caracteres de uma boa Constituição9”.

É recorrente o debate em torno de se saber quais são exatamente os poderes presidenciais numa sociedade democrática, isto é, se apenas os enumerados nos textos constitucionais que dispõem sobre a figura do presidente ou se há alguma ampliação de prerrogativas, inerentes ao exercício do cargo10. Ou ainda, deve-se levar em consideração as contingências da história e dos contextos; o caso da imensa ampliação de poderes presidenciais no Brasil, ao longo da vigência do Ato Institucional de nº 5, em 1968, é um exemplo.

A imagem do rei com mandato limitado no tempo parece ser o lugar comum que acompanha a tradição conceitual presidencialista. Os autores dos Artigos Federalistas rejeitavam tal semelhança e perguntavam “como não acusar de impostura aqueles que procuram estabelecer essa semelhança imaginária entre o rei da Inglaterra e o Presidente dos Estados Unidos11”. Temia-se a hereditariedade e a continuidade abusiva.

O presidencialismo, no entanto, não é resultado de criação teórica específica; não há autor isolado que o tenha maturado ao longo dos

7 É este o núcleo do pensamento de Thomas Jefferson. Conferir, organizado por John Dewey, The Essential Jefferson, New York: Dover Publications, 2008. Verificar, ainda, Mapp Jr., Alf J., Thomas Jefferson, America’s Paradoxical Patriot, New York: Rowman & Littlefield Publishers Inc., 1987.

8 O papel de Alexander Hamilton na redação e na discussão dos Artigos Federalistas é explorada por Chernow, Ron, Alexander Hamilton, New York: The Penguin Express, 2004, pp. 243 e ss.

9 Hamilton, Alexander, cit., p. 418.

10 Cf. Chemerinsky, Erwin, Constitutional Law. Principles and Policies, New York: Aspen Law and Business, 2002, pp. 229 e ss.

11 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, cit., p. 406.

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anos12. O presidencialismo é “uma criação, racional e consciente, de uma assembléia constituinte, a Convenção da Filadélfia, reunida para estabelecer a Constituição dos Estados Unidos da América13”. Decorre do “espírito pragmático dos criadores do Estado norte-americano14”.

Fixado na Constituição norte-americana de 1787 o presidencialismo consolidou-se com a afirmação da democracia dos Estados Unidos da América. Além do que, “a criação norte-americana dos federalistas previa como característica essencial do presidencialismo a força do Poder Executivo15”.

A percepção de força, no contexto do presente trabalho, decorre da necessidade de uma orientação de coordenação e de articulação política, por parte do presidente. E é justamente essa idéia de força, tomada num sentido negativo, que estigmatiza o presidencialismo como um sistema de governo. Principalmente na linha argumentativa dos defensores do parlamentarismo, o presidencialismo se revela como o governo da força, do autoritarismo, da perpetuação do impasse, da negação dos valores democráticos.

A defesa de um presidencialismo forte, no contexto das observações vindouras, indica modelo de articulação e de entendimento no Executivo. Não há pretensão de se invocar a supremacia ou a hipertrofia da fórmula presidencialista, a exemplo do que ocorreu no ambiente da Constituição brasileira de 1937, especialmente com se lê em Francisco Campos, o jurista que condenava o que reputava como os exageros do liberalismo.

Com base na trajetória histórica latino-americana, especialmente, é que se associa o presidencialismo à experiência de ditaduras radicais16. Destaca-se o que ocorreu no Brasil, na Argentina, no Uruguai e no Paraguai, incluindo-se nessa percepção negativa o argumento de que

12 Cf. Dallari, Dalmo de Abreu, Elementos de Teoria Geral do Estado, cit, p. 240.

13 Ferreira Filho, Manuel Gonçalves, cit. loc. cit.

14 Dallari, Dalmo de Abreu, cit., loc. cit.

15 Moraes, Alexandre de, Presidencialismo, cit., p. 67.

16 Conferir, por todos, Donghi, Tulio Halperin, Historia Contemporánea de América Latina, Madrid: Alianza Editorial, 2005.

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o presidencialismo ensejou práticas populistas de duvidosa base democrática17.

A idéia de força, na invocação do lugar-comum do presidencialismo, associa-se ao autoritarismo. Não é essa percepção de força que anima as reflexões do presente trabalho. Por presidencialismo forte defende-se um presidencialismo institucionalmente articulado, no qual as disputas ocasionais entre os vários agentes públicos, políticos e administrativos sejam enfrentadas de modo firme, rápido, decisivo e com um mínimo de custos institucionais. Especialmente, o que se defende é a constituição de um espaço de produção do consenso.

Argumenta-se que problemas que se desdobram no Poder Executivo devam ser resolvidos internamente, tendo-se em vista a autoridade do presidente e de seus ministros. Rebela-se contra a judicialização dos problemas da Administração. E subleva-se também contra fórmulas indecisas, inseguras, irresolutas, que apenas postergam a resolução de problemas que exigem solução imediata, porque comprometidos com políticas públicas e com programas de governo.

O modelo presidencialista norte-americano foi acomodado no ambiente institucional brasileiro a partir da Constituição de 24 de fevereiro de 1891. Presente na pregação republicana que radica no Manifesto de 187018, o presidencialismo brasileiro foi também alternativa para o modelo parlamentarista que vingou ao longo do Segundo Reinado (1840-1889), principalmente, ainda que desconhecido da maioria da população, que recebeu esse novo sistema de governo com surpresa. Nossa cidadania era inativa e abstenção eleitoral era a regra19. Tem-se a impressão de que, na construção da cidadania brasileira, os direitos civis só se encontravam na lei20.

17 Cf. Chasteen, John Charles, Born in Blood & Fire- a Concise History of Latin America, New York & London: W. W. Norton & Companny, 2006, pp. 243 e ss.

18 Cf. Sodré, Nelson Werneck, Panorama do Segundo Império, Rio de Janeiro: Graphia Editorial, 1998, pp. 321 e ss.

19 Cf. Carvalho, José Murilo de, Os Bestializados- o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, pp. 66-90.

20 Cf. Carvalho, José Murilo de, Cidadania no Brasil, o Longo Caminho, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 45.

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Vinculado à prática republicana21, como oposição ao parlamentarismo da monarquia, não se pode comparar o autoritarismo de Jorge III, abominado pelos colonos norte-americanos22, com o modelo de imperador-filósofo de D. Pedro II, admirado por muitos dos republicanos, ou por monarquistas que serviram a República, a exemplo de Joaquim Nabuco23.

Republicanismo e presidencialismo representam, para nós, uma súbita alteração de arranjos institucionais vigentes até 188924. Veementemente defendido por Rui Barbosa25, o presidencialismo, na visão dos republicanos históricos, qualificava instrumento de luta contra o atraso, que traduzia o regime decaído, ainda que os monarquistas contestassem essa versão26.

Não obstante alguma variação de pormenor, o presidencialismo brasileiro, na essência, guarda semelhanças com o presidencialismo norte-americano. Entre nós, persiste como objeto de Teoria Geral do Estado e como sujeito de Direito Constitucional em todos os textos constitucionais também supervenientes ao de 1891, ainda que tenhamos um interregno parlamentarista no início da década de 1960, bem como um plebiscito originariamente previsto para 7 de setembro de 1993 e ocorrido em 21 de abril do mesmo ano, neste último caso, por força - respectivamente - do art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias à Constituição de 1988 e da Emenda Constitucional nº 2, de 25 de agosto de 1992.21 O formação do ideário republicano entre nós é discutido em Carvalho, José Murilo de, A Formação da

Almas- O Imaginário da República no Brasil, São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

22 Cf. Zinn, Howard, A People´s History of the United States, New York: Harper, 1995, pp. 76 e ss.

23 A própria percepção de Joaquim Nabuco em relação aos Estados Unidos era ambígua. Conferir entrada em seu diário, datada de 27 de setembro de 1877: “Eu cometi um grande erro vindo a este país, em vez de estudá-lo, de visitar suas instituições de caridade e de letras, de conhecer os seus homens. Quis divertir-me com as mulheres; o resultado é uma impressão de tempo perdido. Posso, porém, ainda reparar o meu erro quando voltar e só então poderei dizer que estive nos Estados Unidos”. Nabuco, Joaquim, Diários, Vol. 1, 1873-1888, Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi Produções Literárias, s.d., p. 220.

24 Cf. Levine, Robert M., The History of Brazil, New York: Palgrave Macmillan, 2003, p. 77.

25 Conferir, por todos, as propostas de Rui Barbosa à primeira versão daquela que será a Constituição de 1891 em Barbosa, Rui, Obras Completas, vol. XVII, 1890, Tomo I. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1946.

26 Cf. Costa, Emílio Viotti da, Da Monarquia à República-Momentos Decisivos, São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999, p. 392.

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Dispõe o texto constitucional vigente que compete privativamente ao Presidente da República exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal27. O conceito de direção superior da administração federal apela para um sentido de coordenação, a ser realizado no plano objetivo em regime de intensa aproximação e colaboração com os vários ministérios; isto é, “é uma função do chefe do Poder Executivo que só pode ser cumprida com o auxílio dos Ministros de Estado, que são os chefes de Ministérios que desempenham as funções de governo28”.

A direção superior da administração federal é locução constitucional de interpretação nada problemática. Qualifica substancialmente o poder (e a prerrogativa) presidencial de indicação de caminho, rota, de um sentido objetivo de ação, que corresponda a um programa, originariamente sufragado nas urnas.

Dirigir a administração federal significa, simplesmente, o poder e a prerrogativa da condução dos negócios públicos, naquilo que afeto às atribuições do Poder Executivo. No sistema presidencialista é o presidente quem fixa as orientações do governo, no que conta com o auxílio de seus ministros, pelo que a higidez do sistema exige ambiente de articulação de propósitos.

O sistema de governo presidencialista, no qual o Presidente da República chefia o Poder Executivo e “enfeixa as funções de Chefe de Estado e as de Chefe de Governo29” é o tema que se apresenta. O presidencialismo, numa percepção ideal, suscita a compreensão de um Executivo forte, no sentido de que se tenha articulação e coordenação dentro do Governo. Essa questão será retomada, em capitulo próprio.

27 Constituição de 5 de outubro de 1988, art. 84, II.

28 Silva, José Afonso, Comentário Contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2006, p. 483.

29 Silva, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros, 2005, p. 543.

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3 O problema da litigância intragovernamental

Não se pode confundir força com arbítrio, no ambiente das observações e afirmações do presente trabalho. Por força procura se traduzir coordenação, articulação, isto é, a instrumentalização de ações que conduzam à realização de políticas definidas pelo presidente, e que passaram pelo teste das urnas.

Ainda que natural - e desejável até - que se discuta como programas de governo sejam aplicados, um presidencialismo bem articulado não ofereceria espaço para pluralidade perpétua de entendimentos, no que se refere à concepção e execução de políticas públicas, especialmente. Disponibilidades orçamentárias são em regra restritas e há também um juízo de custo administrativo que exige convergência de ação.

E se há desentendimentos, porque inerentes a visões de mundo, ideologias e idiossincrasias, deve-se propiciar espaço para composição de desacertos institucionais, dentro do Poder Executivo. Deve-se ter um mecanismo de produção de consenso. Um presidencialismo bem organizado, articulado e eficiente deve contar com instâncias para resolução de conflitos internos, evitando-se, como regra, a judicialização dos problemas endógenos. E as instâncias internas devem ser simplificadas, desobstruídas do fardo burocrático, ainda que sempre submetidas a constante controle externo.

Mas não é o que se verifica na realidade institucional brasileira nos últimos 20 anos. Parece haver litigância dentro do Governo. Há muitos conflitos dentro da Administração direta. Há disputas entre Administração direta e indireta. Há desentendimentos entre a Administração propriamente dita e empresas públicas e sociedades de economia mista. Não se trata de um problema da presente Administração. É fato que se avoluma na medida em que cresce a complexidade do Estado, suas atribuições, e seus vários campos de atuação.

Deve-se ter em mente também que ao Presidente cabe cumprir, efetivamente, leis que foram discutidas e aprovadas no Congresso Nacional. O modo como implementá-las transcende da mera confecção do decreto regulamentador para a prática diária da Administração. Ainda

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que se reconheça, no entanto, que boa parte da legislação presente é de proposição presidencial, sem levarmos em conta, também, a recorrente normatização por intermédio das medidas provisórias.

Há desentendimento entre órgãos e entidades governamentais1, em vários nichos de discussão, a exemplo do que se verifica no Poder Judiciário e em inúmeras instâncias da própria Administração, que para esse fim precisa ser repensada. O fato de que o Governo litigue contra si mesmo é inconteste no arranjo institucional brasileiro contemporâneo. É o que se pretende enfrentar.

Alguns exemplos ilustram - de modo dramático até - situações que levam ao limite a falta de articulação. Há inúmeros casos. É possível exemplificar a assertiva com fato preocupante, que bem comprova falta de unidade na ação governamental. Exemplifico com a discussão sobre a exploração de minerais no Parque Nacional Serra da Canastra, no Estado de Minas Gerais.

Nesse caso, verificou-se a presença do Ministério Público Federal-MPF, da Procuradoria da União-PU, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade-ICMBio, do Ministério do Meio Ambiente-MMA, do Departamento Nacional da Produção Mineral-DNPM, bem como, e principalmente, da Casa Civil da Presidência da República. Esta última é figura de primeira importância no modelo institucional que se pretende defender. É o espaço político no qual se pode filtrar e articular todos os problemas que se desdobram na Administração Pública Federal, fortalecendo-se o modelo presidencialista brasileiro. Necessita-se de uma esfera na qual se possa articular conferências de consenso, entre órgãos e entes da Administração.

No caso da Serra da Canastra, o MPF que atua em Passos (no Estado de Minas Gerais) ajuizou ação civil pública2 com o objetivo

1 No contexto do presente trabalho, órgãos fazem referência à Administração direta e entes ou entidades à Administração indireta. Isto é, para os efeitos do presente trabalho, as entidades referem-se à Administração indireta, como as autarquias e fundações, bem como as sociedades de economia mista, e as empresas públicas. A classificação é exaustiva e esclarecedora em Di Pietro, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2011, pp. 432 e ss. E também para os efeitos do presente trabalho, usa-se Governo e Administração como sinônimos.

2 Ação Civil Pública- ACP- nº 2007.38.04.001176-8.

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de discutir decisão governamental de se prorrogar exploração mineral em áreas de proteção ambiental, situadas no referido parque. O MPF questionava em juízo termos de ajuste de conduta que foram celebrados entre o ICMBio e particulares, aos quais se permitiu a exploração de minerais na mencionada área de proteção ambiental.

Concomitantemente, a Procuradoria da União em Uberlândia pretendia atuar na mesma ação judicial, ao lado do MPF e, portanto, contra o MMA, o ICMBio, o MME e o DNPM. A Procuradoria da União justificava a intervenção invocando dever de lutar pela preservação do meio ambiente, pela dignidade da pessoa humana, bem como pelos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

A dúvida: afinal, qual a função institucional da Procuradoria da União? A defesa de políticas públicas assentadas na Casa Civil da Presidência da República ou a abstrata defesa de preservação ao meio ambiente, da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa? Institucionalmente, não caberia ao Ministério Público tal prerrogativa? Numa sociedade complexa, e altamente burocratizada, é necessário que se definam os papéis protagonizados pelos vários atores. E porque quem arca com o ônus é o contribuinte, deve-se evitar o desperdício de energia burocrática fixando-se bem os papeis representados por todos os agentes envolvidos nas discussões do Governo.

No pano de fundo da discussão aqui utilizada como exemplo, questões ligadas ao direito de extração de minerais ornamentais, à pesquisa de diamantes, à atividade agropecuária tradicional, ao projeto de ampliação de linhas de transmissão de energia, além de inegável interesse ecológico de manutenção do parque protegido. Observa-se, também, que a Casa Civil da Presidência da República conduzira Grupo de Trabalho, cujas conclusões fundamentaram os termos de ajustes de conduta questionados na justiça. Havia uma política de governo já definida. Uma unidade na ação governamental se ressente com a discussão nesse contexto, especialmente se a divergência é levada ao Poder Judiciário.

O fato de que a Procuradoria da União se revelasse num dos pólos da lide, ao lado do MPF, litigando em face da própria Administração,

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direta (Casa Civil, MME e MMA) e indireta (ICMBio e DNPM) é prova de que há problemas no modelo presidencialista brasileiro, no que se refere à condução de agendas, que acabam judicializadas. Havia advogados públicos lutando dos dois lados. É o que se deve evitar.

A oposição entre um advogado da União que atue ao lado do Ministério Público e um procurador federal que defenda autarquia é evidente desperdício de energia e recursos, que não aproveita ao cidadão. Tem-se a impressão de que o Executivo seja incapaz de resolver os próprios problemas, remetendo-os ao Judiciário. E isso não significa, em nenhum momento, prepotência de um poder da República em relação a outro.

No caso aqui apresentado, o responsável pela defesa judicial da política definida no Poder Executivo, isto é, a Procuradoria da União, aderiu à tese do Ministério Público, a quem compete a defesa da ordem jurídica conceitualmente compreendida3. O Governo, nessa situação, ficou indefeso, dada a omissão de quem institucionalmente competente para representá-lo4, ainda que a omissão se justificasse por valores que transcendessem ao conteúdo burocrático da discussão posta no Judiciário. Não se critica o representante da União. Critica-se o modelo que se tem atualmente.

A política governamental atacada pelo MPF, naquele caso, decorria de articulação feita por atores governamentais, na Casa Civil, com participação de agentes dos Ministérios do Meio Ambiente e das Minas e Energia. A pretensão da Procuradoria da União, na ação judicial aqui relatada, é inegável prova de indefinição de postura institucional por conta de idiossincrasias de quem atua na ponta, ainda que justificável no que se refere à seriedade com a qual a questão foi tratada. Tem-se nas entrelinhas questão institucional relevante, e que se refere à autonomia funcional do advogado público. Ainda que posteriormente tenha a Procuradoria da União revisto a questão, por força de conciliação interna, o reparo demandou muita energia burocrática5.

3 Constituição Federal, art. 127, combinado com a Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993 e com a Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993.

4 Constituição Federal, art. 131, combinado com a Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, a par da Lei nº 9.028, de 12 de abril de 1995.

5 Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal. Processo 00475.000152/2009-72.

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O problema a ser enfrentado é a dificuldade no nível de coordenação e de articulação no Poder Executivo. Isto é, há disfunções de coordenação e de articulação no núcleo de nosso sistema de governo presidencialista, o que se revela pela intensa litigância intragovernamental que o trabalho tentará demonstrar, ainda que a custo de reprodução e comentário de casos concretos, que alcançam vários campos do direito positivo brasileiro contemporâneo.

O problema não é exclusivo do Governo atual. E também não é apenas de Administrações precedentes. É uma questão estrutural que subtrai energia do sistema de governo presidencialista. Não é propósito do trabalho discutir um presidencialismo estadual ou mesmo um presidencialismo municipal, no sentido de se avaliar esse nível de problema nas demais unidades da federação. Acredita-se que a questão seja potencialmente relevante, ainda que em menor escala, nas várias dimensões das unidades federadas. No entanto, solução aplicada no Estado de Minas Gerais, no que se refere a litigância intragovernamental, será retomada no presente trabalho.

Por litigância intragovernamental, como indicado no início, o trabalho entende a litigância entre órgãos e entes da Administração, distinguindo-se esse conceito de uma inteligência de litigância intergovernamental, que qualificaria o conflito federativo. Ações judiciais que conheçam órgãos e entes governamentais em pólos distintos da lide são exemplos da litigância intragovernamental aqui discutida. Divergências administrativas incontornáveis também se encontram nesse mesmo grupo conceitual.

Deve-se considerar que dissensões e desacordos são inerentes à atividade administrativa. Deve-se considerar também que a mudança de governos, o que é legítimo e desejável no processo democrático, possa suscitar a necessidade de defesa políticas herdadas de governos anteriores, nas quais não se acredita, e em face das quais muito se lutou6.

6 Uma boa referência para reflexões nesse tema se encontra em conjunto de entrevistas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Conferir, com esse propósito, Cardoso, Fernando Henrique, Relembrando o que Escrevei- da Reconquista da Democracia aos Desafios Globais, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.

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A necessidade de que se contemple mecanismo para que se tenha a continuidade entre governos que se sucedem preocupou um republicano histórico que nos deixou uma das primeiras obras de sistematização do presidencialismo e de seus desafios, para quem:

Não depende só da vontade mudar o curso da política de uma nação. Os partidos que se revezam no poder continuam, em substância, o que faziam os seus antecessores. Mas isto quanto ao espírito genérico da política; na administração dos negócios, no trabalho de fazer andar a máquina oficial é necessário um certo tato e espírito conservador, que só se aprende na experiência. É tão certo que as melhores intenções são muitas vezes impotentes para o bem como que a menor incapacidade pode reproduzir males de difícil reparação. Em cada pasta do ministério é limitadíssimo o campo das coisas variáveis com a índole ou com as doutrinas dos ministros e é vasto o quadro das coisas permanentes7.

Defende-se que a construção de um Estado Democrático de Direito também exige instituições sólidas e eficientes8, prontas para solução de problemas que decorrem da pluralidade de atribuições do Estado contemporâneo e do conseqüente conflito de atribuições, competências e visões de atuação. A presidência da República precisa de mecanismos para que possa, com a velocidade que os problemas atuais demandam, enfrentá-los, como parte de missão institucional, conferida pela Constituição. A constitucionalização da garantia do desenvolvimento nacional, como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil9, exige arranjos institucionais que garantam força normativa para o dispositivo.

Além do que, programas presidenciais alcançam miríade de situações que contemplam algum nível de incompatibilidade. Por exemplo, no conjunto das diretrizes do Programa 2011/2014, denominado

7 Assis Brasil, Joaquim Francisco, Do Governo Presidencial na República Brasileira, cit. pp. 252-253.

8 Reporto-me à teoria do institucionalismo, de grande importância na reflexão econômica contemporânea, centrada no mote que nos dá conta de que as instituições importam. Conferir, nesse exato sentido, North, Douglass C., Institutions, Institutional Change and Economic Performance, Cambridge: Cambridge University Press, 2007. Conferir, também, a tese do vitalismo social, enunciada por Maurice Hauriou, para quem, “as instituições representam, no direito como na história, a categoria da duração, da continuidade e do real; a operação de sua fundação constitui o fundamento jurídico da sociedade e do Estado”. Hauriou, Maurice, A Teoria da Instituição e da Fundação, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2009, p. 11. Tradução para o português de José Ignácio Coelho Mendes Neto.

9 Constituição Federal, inciso II do art. 3º.

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de A Grande Transformação, composto por 79 itens, e apresentado pela então candidata a presidente Dilma Rousseff e protocolado no Tribunal Superior Eleitoral, pode-se, de alguma maneira, comprovar-se a afirmação.

Ainda que redigido de forma provisória, o programa indicava, entre outros, a propósito da infraestrutura para impulsionar o desenvolvimento agrícola, industrial e comercial do país10. A construção de novas usinas hidrelétricas, por exemplo, provoca intenso debate no Governo. Há posições distintas, no MME (a quem diretamente interessa a ampliação da rede de matrizes energéticos), no MMA (a quem compete a fixação de políticas para lançamento e cobrança de valores a título de licenciamento ambiental)11.

Também há interesses setorizados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente-IBAMA, do ICMBio e da Agência Nacional de Energia Elétrica-ANEEL. O IBAMA é responsável pelo licenciamento de empreendimentos que tenham impacto ambiental. O ICMBio autoriza a instalação desses empreendimentos em áreas vizinhas às áreas de unidade de conservação. E a ANEEL cuida dos regimes de concessão de obras a serem realizadas.

10 As linhas indicadas eram: “a) A construção de novas hidrelétricas para fazer frente aos desafios da aceleração do crescimento, nos marcos de uma política energética baseada em fontes renováveis e com respeito ao meio ambiente; b) Desenvolvimento de novos pólos de energia eólica e solar; c) Exploração dos recursos do Pré-Sal, que fortalecerão a auto-suficiência do país em hidrocarbonetos, dando continuidade à crescente nacionalização da exploração da produção; d) Criação, a partir do Pré-Sal, de uma poderosa indústria de fornecimento de bens e serviços e de produtos derivados do petróleo e petroquímicos. A agregação de valor ao petróleo e ao gás do Pré-Sal e a constituição de um Fundo Social que apóie políticas sociais, educacionais, ambientais, científico-tecnológicas, culturais e de combate à pobreza são as garantias da — maldição do petróleo�; e) Continuidade da reconstrução e ampliação da rede ferroviária, rodoviária, aeroportuária e da navegação costeira, melhorando as condições de vida da população e agilizando a circulação da produção; f) Ampliação das redes de silos e armazéns, que garanta a segurança alimentar da população e favoreça as exportações; g) Conclusão das obras do Projeto São Francisco e de trabalhos complementares que permitam a recuperação do rio e seus afluentes, a irrigação de terras, o abastecimento de água potável; h) Ampliação de portos e aeroportos, para atender às exportações e, sobretudo, aos desafios da realização da Copa do Mundo de Futebol e dos Jogos Olímpicos e do crescimento exponencial do turismo nacional e internacional”. Diretrizes do Programa 2010/2014- Dilma Rousseff, protocolado no Tribunal Superior Eleitoral, item 22.

11 Conferir, por exemplo, Bechara, Erika, Licenciamento e Compensação Ambiental na Lei do Sistema Nacional das Unidades de Conservação (SNUC), São Paulo: Atlas, 2009.

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Deve-se mencionar a intensa litigiosidade decorrente desse item do programa a propósito, por exemplo, da construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, em região próxima à cidade de Altamira, no Estado do Pará. Com previsão de inauguração para fevereiro de 2015 a Usina de Belo Monte é construída ao longo de uma intensa batalha jurídica, marcada pela oposição de grupos ambientalistas e de setores ligados a grupos indígenas locais.

Esta batalha remonta ainda ao ano de 2001 quando o Ministério Público no Pará ajuizou ação civil pública postulando suspensão de processo de licenciamento ambiental que então se desdobrava. Porque a obra teria impactos em mais de um estado da federação o autor da ação argumentava que a competência para o licenciamento era do IBAMA, e não do órgão licenciador local, a Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia, que atuava no estado do Pará. Basicamente, a discussão que se tem desde então, em várias ações judiciais, centra-se na questão do licenciamento ambiental.

De igual modo, discutiu-se insistentemente o leilão que indicaria a empresa que construiria a usina, desta vez com o Ministério Público apontando para irregularidades no empreendimento. A recepção do projeto, pela população local, é também elemento de intermináveis discussões.

A Advocacia-Geral da União resistiu, inclusive representando contra membros do Ministério Público, invocando assédio, em relação aos servidores do IBAMA, que atuaram nas várias etapas do licenciamento. Trata-se de reclamação disciplinar protocolada junto ao Conselho Nacional do Ministério Público-CNMP. Há mais de dez ações civis públicas propostas pelo Ministério Público, na querela da construção da referida usina.

A Justiça Federal em Altamira é o foro no qual se desdobra a maior parte dessas ações. Nessa conjuntura, ao que se verifica, a defesa da União é feita pela Procuradoria da União (na defesa da Administração direta) e pela Procuradoria Federal que atua no IBAMA (na defesa dessa autarquia). Não se tem, nesse caso, oposição entre setores do Governo, pelo menos em nível processual.

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A exploração dos recursos do Pré-Sal também opõe setores do Governo, e mais uma vez se verifica conflito entre o MME e o MMA. Além, efetivamente, de disputas pela repartição desses recursos, de interesse de Estados e Municípios, em face da posição do Governo Federal, com conseqüente judicialização de problemas com foro no STF, por força do fato de que a questão aponta para conflito federativo12.

Também as obras do Projeto São Francisco incluem mecanismos de transposição desse importante rio, o que também opõe vários setores do Governo, com especial referência ao MMA. Inegável que como pano de fundo tenha-se questão contemporânea importantíssima, em tema de sustentabilidade ambiental.

Deve-se reconhecer que há esforços, no sentido de se aglutinar fórmulas de atuação coordenada, no ambiente institucional do Poder Executivo federal. Exemplifico com a Portaria Interministerial nº 244, de 6 de junho de 2012, baixada pelas Ministras do Planejamento, do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Social e do Combate a Fome, bem como pelo Ministro das Minas e Energia. Trata-se do projeto Esplanada Sustentável, por intermédio do qual se explicitaram várias ações, com o objetivo de se promover a sustentabilidade ambiental, econômica e social na Administração Pública Federal.

Há amplo conjunto de providências no sentido de se estimular ações para o consumo racional dos recursos naturais e bens públicos. Tem-se iniciativa que demanda a intervenção de vários ministérios, sob coordenação comum, e com o propósito de se aproximar ações de sustentabilidade. É necessária muita articulação.

Porém, a regra na relação entre os vários atores governamentais parece ser a da discórdia. Diferenças de pontos de vista entre os vários nichos do Executivo são desconcertantes. São muitas linhas de ação que provocam divergências e choque de competências. É o aspecto empírico do presente trabalho.

Ações relativas ao desenvolvimento inclusivo e erradicação da pobreza, a exemplo do Plano Brasil Maior, de políticas orientadas para 12 Constituição Federal, art. 102, I, f.

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o agronegócio, para o turismo, para o trabalho e emprego (inclusive no que se refere ao estímulo à economia solidária), de inclusão bancária e microcrédito, entre outros, são assuntos recorrentes de necessidades de ajustes em linhas de orientação13.

Pode-se fazer um contraste entre as ações relativas ao Meio Ambiente e ao Desenvolvimento Sustentável e as Políticas de Energia. Naquelas primeiras, ações que objetivam suprir o Fundo Nacional para a Mudança do Clima, a preservação e controle do desmatamento e queimadas, projetos para a conservação de recursos hídricos (a exemplo da concepção de um atlas de vulnerabilidade), modelos para licenciamento e qualidade ambiental, para a proteção da camada de ozônio, para a atuação do Conselho Nacional do Meio Ambiente-CONAMA, para o tratamento adequado de recursos sólidos, para a produção e consumo sustentáveis, entre outras agendas prospectivas14.

Quanto a políticas de energia, por outro lado, e no mesmo contexto informativo, programas com vistas à geração, transmissão, distribuição e tarifação de energia elétrica, procedimentos para leilões de geração e de linhas de transmissão, para a obtenção de eficiência energética, especialmente no que se refere à regulação e fiscalização do setor elétrico, inclusive com estações em problemas de licenciamento ambiental dos projetos do setor elétrico15.

Há inúmeros pontos de conflito que exigem padrões de iniciativas e de ações e que, a exemplo do caso do Parque da Serra da Canastra, podem redundar em conflitos graves, inclusive com judicialização das discussões. O discutido ativismo judicial teria também como causa, entre outras, a dificuldade do Executivo no sentido de resolver seus problemas, internamente. O alargamento das funções do Judiciário, assim, é também o resultado do desapontamento para com a atuação do

13 Para visão geral de todos esses programas, conferir, Brasil, Presidência da República, Mensagem ao Congresso Nacional- 2011: 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 54 ª Legislatura, Brasília: Presidência da República, 2012.

14 Brasil, Presidência da República, Mensagem ao Congresso Nacional- 2011: 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 54 ª Legislatura, cit., pp. 106-124.

15 Brasil, Presidência da República, Mensagem ao Congresso Nacional- 2011: 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 54 ª Legislatura, cit., pp. 255-275.

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Executivo. Nesse ângulo, uma das razões do ativismo judicial poderia ser, em nosso contexto institucional, um presidencialismo de baixo nível de articulação institucional16.

A ação do Ministério do Planejamento por força do Programa de Aceleração do Crescimento-PAC entra em conflito com posições do Ministério da Defesa-MD. É que este último deteria legitimidade para determinar a destinação de áreas que estão sob sua responsabilidade, especialmente no que se refere a pontos definidos como de segurança nacional.

Em princípio, necessária seria a desafetação desses imóveis, e o respectivo retorno dos bens para a Secretaria de Patrimônio da União-SPU, que funciona junto ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão-MPOG. Este último não entende dessa forma, e porque detentor da titularidade do controle dos imóveis da União, pretende utilizar os imóveis, originariamente pertencentes aos atuais comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. E há muita resistência.

As Forças Armadas contavam com créditos especiais destinados à aquisição de imóveis, em relação aos quais exercem até hoje serviço de guarda e manutenção. Por outro lado, o MPOG, centrado em ações de governo, a exemplo de demandas do PAC, dialoga com as Forças Armadas, com o objetivo de dispor livremente sobre esses vários imóveis. Particularmente complicada, é a situação vivida na disputa entre o Comando do 3º Distrito Naval, em Recife e o SPU, no que se refere à área denominada de Estação Rádio Pina.

Outro caso, igualmente complexo e aparentemente insolúvel. A propósito de uma das obras do escritor José Bento Monteiro Lobato uma

16 Conferir, por todos, Ramos, Elival da Silva, Ativismo Judicial- Parâmetros Dogmáticos, São Paulo: Saraiva, 2010. No contexto desse ousado livro, “[...] por ativismo judicial deve-se entender o exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judiciário, fazer atuar, resolvendo litígios de feições subjetivas (conflitos de interesse) e controvérsias jurídicas de natureza jurídica (conflitos normativos). Essa ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional se faz em detrimento, particularmente, da função legislativa, não envolvendo o exercício desabrido da legiferação (ou de outras funções não jurisdicionais) e sim a descaracterização da função típica do Poder Judiciário, com incursão insidiosa sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas a outros Poderes”. Ramos, Elival da Silva, cit., p. 308.

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organização não governamental, denominada de Instituto de Advocacia Racial-IARA, e um técnico em gestão educacional na Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal impetraram mandado de segurança com pedido de liminar, contra ato da Presidenta da República, bem como contra o Ministro da Educação, contra o Presidente do Conselho Nacional de Educação-CNE e contra relatora de processo que tramitava na Câmara de Educação Básica do CNE, indicando ainda como litisconsortes a Ouvidoria da Secretaria de Políticas Públicas de Promoção de Igualdade Racial-SEPPIR e o Advogado-Geral da União.

Provocada por um dos autores da ação, a Ouvidoria da SEPPIR havia questionado a utilização de recursos públicos para a aquisição do livro Caçadas de Pedrinho, de autoria de Monteiro Lobato. No entender da SEPPIR, com base na provocação citada, o mencionado livro de Monteiro Lobato conteria elementos que revelavam racismo e que, por isso, à luz da Constituição de 1988 e do Estatuto da Igualdade Racial, não se poderiam utilizar recursos públicos para a compra e distribuição dos referidos livros.

O Ministério da Educação-MEC fiava-se em parecer no qual a relatora reconhecia a qualidade ficcional da obra de Monteiro Lobato, insistindo em seu valor literário, exigindo que consideremos que somos sujeitos de nossas próprias épocas, e que, “[...] nesse sentido, a literatura, em sintonia com o mundo, não está fora dos conflitos, das hierarquias de poder e das tensões sociais e raciais nas quais o trato à diversidade se realiza17”.

Posição muito realista, em princípio, e que vincula todo autor e sua obra ao tempo em que viveram. Além do que, haveria oportunidade para que professores problematizassem em sala de aula a obra de Monteiro Lobato, situando-a em seu tempo histórico e ideológico.

A questão foi levada ao STF18, por força de competência original daquela Corte, uma vez de que a Presidenta da República era uma das

17 Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CEB nº 6/2011. Homologado por despacho do Ministro da Educação, publicado no Diário Oficial da União de 29 de agosto de 2011, Seção 1, pág. 28. Conselheira Nilma Lino Gomes.

18 Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 30.952-Distrito Federal, relator Ministro Joaquim Barbosa, que em 4 de novembro de 2011 declinou competência por razões de foro íntimo, designando-se como novo relator ao Ministro Luiz Fux.

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demandadas19. Em função de disparidade de percepções de uma mesma questão, no núcleo do Poder Executivo, é que se teria, em princípio, dilema desse nível, levado ao Poder Judiciário. Como teorizarmos problemas concretos, dessa magnitude?

A Teoria Geral do Estado também se preocupa na concepção de instituições políticas eficientes, cuja atuação qualifica substancial ganho para o cidadão. O presidencialismo, em sua dimensão contemporânea, deve levar em conta as várias atribuições do governo, numa sociedade complexa, marcada também por multiplicação de direitos, deveres, atribuições, competências, posições institucionais.

A própria advocacia pública se vê em face de dúvida aparentemente insuperável, relativa à sua identidade, nesse contexto pluralista de atribuições. A litigância intragovernamental também provoca desperdício de potência institucional, na medida em que advogados públicos litigam entre si.

Pode-se, assim, imediatamente, identificar os agentes que atuam nesse delicado contexto, isto é, Procuradores da Fazenda Nacional, Advogados da União, Procuradores do Banco Central do Brasil e Procuradores Federais, que representam diferentes nichos burocráticos, ainda que objetivamente sob a mesma chefia.

A matéria tem raiz constitucional20. Remete-se a lei complementar. Trata-se da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993 que dispõe, entre outros, sobre a Procuradoria-Geral da União-PGU bem como sobre a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional-PGFN. Posteriormente, junto à Advocacia-Geral da União, e sob autoridade do Advogado-Geral, que é Ministro de Estado21, vão se acomodar a Procuradoria-Geral Federal-PGF

19 Constituição Federal, art. 102, I, d.

20 Dispõe o art. 131 da Constituição de 1988 que a “Advocacia-Geral da União é instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo”.

21 A Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, altera a Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, mantendo o Advogado-Geral da União como Ministro de Estado, ao lado, entre outros, dos titulares dos Ministérios, dos titulares das Secretarias da Presidência da República, do Chefe da Casa Civil, do Chefe do Gabinete de Segurança Institucional, do Chefe da Controladoria-Geral da União e do Presidente do Banco Central do Brasil.

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e a Procuradoria-Geral do Banco Central do Brasil-PGBCB22, tendo-se um corpo de advogados sob a mesma autoridade23.

Advogados da União defendem a administração direta. Procuradores da Fazenda Nacional tratam de matéria tributária e são também vinculados ao Ministro da Fazenda-MF. Procuradores federais atuam junto à Administração indireta24. Procuradores do Banco Central atuam junto a essa autarquia25.

Levantamento estatístico produzido pelo Ministério da Justiça-MJ em 2011 nos indica em linhas gerais a situação da advocacia pública com a qual presentemente contamos26. Dado relevante, no sentido de apontar

22 A Lei nº 10.909, de 15 de julho de 2004, por exemplo, fixa objetivamente a composição dessas carreiras, dispondo sobre a reestruturação das carreiras de Procurador da Fazenda Nacional, de Advogado da União, de Procurador Federal e de Procurador do Banco Central.

23 Dispõe o art. 75 da Medida Provisória nº 2.229-43, de 6 de setembro de 2001, que os “membros da Advocacia-Geral da União, como os integrantes da Carreira de Procurador-Federal e de órgãos jurídicos vinculados à instituição em geral, respondem, na apuração de falta funcional praticada no exercício de suas atribuições específicas, institucionais e legais, exclusivamente perante a Advocacia-Geral da União, e sob as normas, inclusive disciplinares, da Lei Orgânica da Instituição e dos atos legislativos que, no particular, a complementem”.

24 Verificar, entre outros, a Portaria nº 530, de 13 de julho de 2007, baixada pelo Procurador-Geral Federal, e que regulamenta a representação judicial das autarquias e fundações públicas federais pelos órgãos de execução da Procuradoria-Geral Federal.

25 Conferir Lei nº 9.650, de 27 de maio de 1998, que dispõe sobre o Plano de Carreira dos servidores do Banco Central do Brasil e dá outras providências.

26 Brasil. Ministério da Justiça. I Diagnóstico da Advocacia Pública no Brasil. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria da Reforma do Judiciário, 2011. Os custos de manutenção do modelo são altos. Ao que consta, segundo o aludido relatório do MJ, para o ano de 2010 houve o gasto efetivamente executado de cerca de R$ 1.778.994.529,00 (um bilhão, setecentos e setenta milhões, novecentos e noventa e quatro mil e quinhentos e vinte e nove reais) de um total aprovado em lei orçamentária de R$ 2.377.208.157,00 (dois bilhões, trezentos e setenta e sete milhões, duzentos e oito mil e cento e cinqüenta e sete reais). Para um total de 8.199 (oito mil cento e noventa e nove) cargos criados haveria 5.896 (cinco mil oitocentos e noventa e seis) advogados públicos federais na ativa, para um total de 636 (seiscentos e trinta e seis) advogados públicos federais aposentados, números de 31 de outubro de 2010, bem entendido. Como autora ou assistente a União discute em juízo, principalmente, questões de patrimônio público, de ressarcimento ao Erário, questões relativas a improbidade administrativa, ações de repetição de indébito, problemas pertinentes a convênios, a danos ao meio ambiente, bem como complexos processos nos quais se arrazoam questões de relação de trabalho. Na pesquisa feita pelo MJ se verificou que 69,2 % dos advogados públicos federais entrevistados disseram que atuam na área de direito administrativo. Segundo a mesma pesquisa, e de um modo mais específico, a maior parte da atuação se daria em temas de cobrança e recuperação de créditos inscritos em dívida ativa, nos juizados especiais cíveis, em assuntos de servidor público e pessoal, em licitações, contratos e patrimônio público, em assuntos de probidade administrativa, em processos administrativos disciplinares, em direito ambiental, em assuntos de infraestrutura e regulação. Numa escala bem menor, atuação em assuntos de desenvolvimento agrário e desapropriações, de direitos humanos, de direitos do idoso, em questões indígenas, quilombolas ou de outras comunidades tradicionais, em direitos do consumidor, em matéria de sistema habitacional público e, por fim, no Tribunal Marítimo, Conselhos ou Juntas de Julgamento Brasil. Ministério da Justiça. I Diagnóstico da Advocacia Pública no Brasil, cit., pp. 29 e ss).

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para o contexto ideológico no qual os advogados públicos federais se prepararam para o exercício da profissão, o fato de que, segundo o aqui referido estudo do MJ, 61,3 % dos entrevistados se formaram em direito depois do ano de 2000; apenas 30,3 % se formaram na década de 199027.

Tais números têm implicações importantes. Indicam que a maioria dos advogados públicos federais que presentemente atua se preparou em contexto do pensamento neoconstitucionalista ou neopositivista. Isto é, foram educados com a premissa de que se deva prestigiar mais o Judiciário e menos o legislativo, de que se necessite trabalhar os problemas jurídicos com menos subsunção e com mais mecanismos de ponderação, e que o jurista precisa levar em conta menos as regras e mais os princípios28. É o modelo dominante.

A imagem que o advogado público faz de si mesmo é marcada por intensa percepção de que atua como função essencial à justiça (seguindo a dicção constitucional), num contexto institucional de monitoramento e controle de políticas públicas. Não é outra a impressão que se tem, por exemplo - inclusive a partir do título - quando se observa conjunto de estudos publicados por advogados públicos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto e ao atual Ministro do STF José Antonio Dias Toffoli29: Advocacia de Estado- Questões Institucionais para a Construção de um Estado de Justiça.

27 Brasil. Ministério da Justiça. I Diagnóstico da Advocacia Pública no Brasil, cit., p. 54.

28 As linhas gerais desse contexto ideológico podem ser captadas em Cruz, Luis M., Estudios sobre el Neoconstitucionalismo, Cidade do México: Editorial Porrúa, 2006. Freire, Antonio Manuel Peña, La Garantia en el Estado Constitucional de Derecho, Madrid: Editorial Trotta, 1997. Clavero, Bartolomé, Happy Constitution-Cultura y Lengua Constitucionales, Madrid: Editorial Trotta, 1997. Vélez, Sergio Iván Estrada, Los Princípios Jurídicos y el Bloque de Constitucionalidad, Medellín: Selo Editorial, 2007. Carbonell, Miguel (coordenador), El Princípio de Proporcionalidad en el Estado Constitucional, Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2007. Carbonell, Miguel, Constitución, Reforma Constitucional y Fuentes del Derecho em México, Cidade do México: Editorial Porrúa, 2008. Figueroa, Alfonso García, Racionalidad y Derecho, Madrid: Centro de Estudios Politicos y Constitucionales, 2006. Pulido, Carlos Bernal, El Princípio de Proporcionalidad y los Derechos Fundamentales, Madrid: Centro de Estudios Politicos y Constitucionales, 2007. Nino, Carlos Santiago, Ética y Derechos Humanos- un Ensayo de Fundamentación, Buenos Aires: Editorial Astrea, 2007.Comella, Víctor Ferreres, Justicia Constitucional y Democracia, Madrid: Centro de Estudios Politicos y Constitucionales, 2007.

29 Guedes, Jefferson Carús e Souza, Luciane Moessa, Advocacia de Estado- Questões Institucionais para a Construção de um Estado de Justiça, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009.

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Os ensaios que compõem o referido Festschrift têm como preocupação central a essencialidade da Advocacia de Estado no Estado Democrático de Direito30, a satisfação do interesse público primário ou do bem geral da coletividade – por intermédio da atuação do advogado público31, a autonomia institucional e funcional dos membros da advocacia pública como instrumentos necessários para a construção do Estado Democrático de Direito32, a concepção de advocacia pública como instrumento para controle interno da Administração33, a responsabilidade do Advogado de Estado na função consultiva34, a atuação da advocacia consultiva como exemplo de “prevenção como melhor instrumento para a concretização dos objetivos do Estado brasileiro35”, uma suposta vinculação entre “advocacia da União e estado de justiça36” ou, ainda, texto que enfrentaria os “desafios da advocacia pública no Estado contemporâneo”, na conjuntura de uma suposta nova lei orgânica da AGU37. Procurou-se, a todo custo, uma separação entre Estado e Governo.

30 Moreira Neto, Diogo de Figueiredo, A Advocacia de Estado Revisitada: Essencialidade ao Estado Democrático de Direito, in Guedes, Jefferson Carús e Souza, Luciane Moessa, cit., pp. 23-52.

31 Aguiar, Alexandre Magno Fernandes Moreira, Para que serve o Advogado Público? , in Guedes, Jefferson Carús e Souza, Luciane Moessa, cit., pp. 53-59.

32 Souza, Luciane Moessa, Autonomia Institucional da Advocacia Pública e Funcional de seus Membros: Instrumentos Necessários para a Concretização do Estado Democrático de Direito, in Guedes, Jefferson Carús e Souza, Luciane Moessa, cit., pp. 87-128.

33 Mourão, Carlos Figueiredo, A Advocacia Pública como Instituição de Controle Interno da Administração, in Guedes, Jefferson Carús e Souza, Luciane Moessa, cit., pp. 120-138.

34 Torres, Ronny Charles Lopes de, A Responsabilidade do Advogado de Estado em sua Função Consultiva, in Guedes, Jefferson Carús e Souza, Luciane Moessa, cit., pp. 139-164.

35 Souza, Luciane Moessa, Consultoria Jurídica no Exercício da Advocacia Pública: a Prevenção como Melhor Instrumento para Concretização dos Objetivos do Estado Brasileiro, in Guedes, Jefferson Carús e Souza, Luciane Moessa, cit., pp. 165-186.

36 Carpes, Marcus Ronald, Advocacia da União e Estado de Justiça, in Guedes, Jefferson Carús e Souza, Luciane Moessa, cit., pp. 199-230.

37 Sant’Anna, Sérgio Luiz Pinheiro, Os Desafios da Advocacia-Pública no Estado Contemporâneo: Breve Análise e Reflexão de Temas da Proposta de Nova Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União, in Guedes, Jefferson Carús e Souza, Luciane Moessa, cit., pp. 659-672. O citado texto é pouco preciso, revelando impressão marcadamente corporativista, ainda que supostamente concebido para tratar de assunto de interesse geral. Por exemplo: “Por ocasião do vigésimo aniversário da Carta Fundamental promulgada em 05 de outubro de 1988, um dos pontos que necessitam de permanente reflexão face aos desafios e à evolução do Estado Contemporâneo é o pertinente à base principiológica que rege a advocacia pública. Entendo, inclusive, que a Emenda Constitucional nº 45/2004 perdeu uma importante oportunidade de avanço em relação a esse tema, em todas as suas perspectivas, ao adotar posição conservadora e de forma a dificultar uma abordagem dialética desta instituição e de seus membros na defesa do interesse público. A vigente Constituição da República Federativa do Brasil foi a Carta Política que mais avançou na previsão normativa e melhor definiu a importância da advocacia pública no Estado Democrático [...]”.

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É muito menos comprometedor dizer-se advogado do Estado, e não do Governo. Este último parece volátil, instável, aquele primeiro é construído como um modelo que transcende ao tempo e as contingências da política38. Mas não se pode negar a ambigüidade que marca também uma pretensão concepção asséptica de Estado. Afinal, “base de um Poder desencarnado, mas ao mesmo tempo provedor do poder dos homens que governam em seu nome, o Estado é um Jano de quem uma face, a que é serena, reflete o reinado do direito e a outra, atormentada se não retorcida, é marcada por todas as paixões que anima a vida política39”.

O Estado que teria, na imagem de Hobbes40, nascido do medo41, e no qual efetivamente não haveria distinções entre as esferas públicas e privadas42 ou, na avaliação de Locke43, surgido de um assentimento

38 Nesse tema, de construção de uma identidade conceitual do Estado, essencial a leitura e o estudo de Cassirer, Ernst, The Myth of State, New Haven and London: Yale University Press, 1974.

39 Burdeau, Georges, O Estado, São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 35. Tradução de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão.

40 Conferir, em Hobbes: “[...] Em todos os lugares onde os homens viviam em pequenas famílias, roubar-se e espoliar-se uns aos outros sempre foi uma ocupação legítima, e tão longe de ser considerada contrária à lei da natureza que quanto maior era a espoliação conseguida maior era a honra adquirida. Nesse tempo os homens tinham como únicas leis as leis da honra, ou seja, evitar a crueldade, isto é, deixar aos outros as suas vidas e os seus instrumentos de trabalho. Tal como então faziam as pequenas famílias, assim também hoje as cidades e os reinos, que não são mais do que famílias maiores, para sua própria segurança ampliando os seus domínios e, sob qualquer pretexto de perigo, de medo de invasão ou assistência que possa ser prestada aos invasores, legitimamente procuram o mais possível subjugar ou enfraquecer os seus vizinhos, por meio da força ostensiva e de artifícios secretos, por falta de qualquer outra segurança; e em épocas futuras por tal são recordados com honra”. Hobbes, Thomas, Leviatã, Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, s.d., pp. 143-144. Tradução do inglês para o português de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. Conferir também Skinner, Quentin, Hobbes e a Liberdade Republicana, São Paulo: Editora da UNESP, 2010, Tradução de Modesto Florenzano.

41 É que, na percepção de Oliver Nay, “[...] ao fazer da sociedade uma criação artificial, ele [Hobbes] rompe com a cosmologia cristã, e, sobretudo, com o naturalismo que dominava a filosofia política desde a Idade Média (este achava que a sociedade era um dado da natureza que precedia toda vontade humana”. Nay, Oliver, História das Ideias Políticas, Petrópolis: Vozes, 2007, p. 168. Tradução de Jaime A. Clasen. Cf. também Bobbio, Norberto, Thomas Hobbes, Rio de Janeiro: Campus, 1991, pp. 23-64. Tradução de Carlos Nelson Coutinho.

42 Cf. Bobbio, Norberto, A Teoria das Formas de Governo, Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1992, p. 108. Tradução de Sérgio Bath.

43 Conferir em Locke: “Sendo todos os homens [...] naturalmente livres, iguais e independentes, ninguém pode ser privado dessa condição nem colocado sob o poder político de outrem sem o seu próprio consentimento’. Locke, John, Dois Tratados sobre o Governo, São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 468. Tradução do inglês para o português de Julio Fischer. Conferir também, Bobbio, Norberto, Locke e o Direito Natural, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997, pp. 125-132. Tradução de Sérgio Bath.

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pessoal44, ou decorrente da necessidade da criação de um instrumento da vontade geral45, na intuição de Rousseau46, também seria a fonte de todos nossos desconfortos, na leitura de Freud47, que nos classificaria como os descontentes com a civilização, origem de nossas ansiedades e fobias48.

O Estado também se revela numa sociedade civil real, que nega o estado de natureza, que explicita hegemonias e que organiza o dissenso e o desentendimento. Sempre, as necessidades são infinitas e os recursos são escassos, axioma sobre o qual se baseia a teoria econômica.

Para diminuir o atrito a sociedade civil se organiza de várias formas, e a democracia parece ser a mais virtuosa delas. Os grupos se articulam, legitimam-se pelo voto, agem em nome do Governo. Outra forma não há. Numa sociedade democrática o Estado se realiza concretamente no Governo que o representa.

O advogado público não pode simplesmente virar as costas para o Governo desculpando-se que presta serviços para o Estado. É aquele primeiro - o Governo - que o remunera. As funções na burocracia devem ser muito nítidas. Não é por acaso que há inúmeras ações opondo

44 Cf. McClelland, J. S., A History of Western Political Thought, London & New York: Routledge, 1996, p. 237.

45 Na concepção de N. J. H. Dent: “O corpo soberano no Estado de Rousseau (como em qualquer outro Estado) divulga instruções (leis) para regulamentar a vida comum de todos os membros desse Estado [...]. As diretivas que têm a forma de mandamento devem ser entendidas como declarações de vontade. Segundo Rousseau, tais leis são legítimas, ordenam justa e corretamente que se lhes obedeça quando, e só quando, essa vontade soberana é vontade geral”. Dent, N. J. H., Dicionário Rousseau, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996, p. 216. Tradução de Álvaro Cabral. Revisão técnica de Renato Lessa.

46 Para Rousseau: “Assim como a natureza dá a cada homem um poder absoluto sobre todos os seus membros, o pacto social dá ao corpo político um poder absoluto sobre todos os seus, e é esse mesmo poder que, dirigido pela vontade geral, recebe [...] o nome de soberania”. Rousseau, J. J., O Contrato Social, São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 39. Tradução de Antonio de Pádua Danesi.

47 Cf. Freud, Sigmund, Civilization and its Discontents, in, The Freud Reader (editado por Peter Gay), New York & London: Norton & Company, 1995. Há várias traduções em português. Entre outras, Freud, Sigmund, O Mal-Estar na Civilização, Lisboa: Imago/Relógio D´ água Editores, 2008. Tradução de Isabel Castro Silva.

48 Cf. também Rieff, Philip, Freud: The Mind of of the Moralist, Chicago: The University of Chicago Press, 1979, interessante estudo a propósito da teoria política de Sigmund Freud, a partir de uma investigação das concepções morais do pai da Psicanálise. Cf. Roazen, Paul, Freud- Political & Social Thought, New Brunswick & London: Transaction Publishers, 1999.

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Ministério Público e Advogado Público, embora a convergência de entendimento circunstancialmente também ocorra. Esta última trata-se, no entanto, de exceção, e não de regra.

O que também grave, a litigância muito expressiva entre órgãos e entes da Administração Pública Federal pode ter como resultado desperdício de recursos públicos. A judicialização de conflitos internos da Administração não resulta em ganhos para órgãos e entes públicos, até por causa da imprestabilidade de ações de execução, que se processariam no rito do art. 730 do Código de Processo Civil-CPC. Isto é, não há o que se penhorar. E também, pode-se chegar à curiosa situação na qual a União se veja na obrigação de emitir um precatório para ela mesma, cumprindo o rito do art. 100 da Constituição Federal.

Sobre esse ponto, a emissão de precatórios da União para si própria, isto é, na hipótese da devedora ser autarquia ou empresa pública, duas observações são necessárias. A União deve prever em orçamento os valores devidos pelas várias entidades de direito público49. Consta, assim, que débitos de autarquias seriam, no limite, recolhidos pela própria União, ainda quando está última seja a credora. É a hipótese de execução fiscal da União Federal em face do IBAMA, por exemplo. E não se trata de fato hipotético. Há exemplos indicados ao longo do trabalho que comprovam a dimensão da questão.

E ainda, não há informações referentes a esses supostos pagamentos que a União faria a ela mesma. Ainda que a Secretaria do Orçamento Federal-SOF (que atua junto ao Ministério do Planejamento) conheça o problema, não se tem, efetivamente, a demonstração relativa ao pagamento de tais valores.

E também, o Conselho da Justiça Federal-CJF, a quem compete a organização do fluxo dos precatórios, também não tem a dimensão do

49 Nos termos do § 5º do art. 100 da Constituição, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 9 de dezembro de 2009, no sentido de que a referida inclusão se faça de “verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constante de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente”.

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problema, em virtude do fato de que os precatórios são designados à conta do Tribunal, e não do credor.

Setores de cálculos da Procuradoria Geral da União, a quem incumbiria o controle dos pagamentos feitos por precatórios devidos pela União, também não detêm tais números e controles. Trabalha-se num campo minado no qual há especulações, e sobre o qual não se tem exatamente a extensão do gasto e a profundidade da desorganização das informações.

Há exemplos, que eventualmente dão conta desse trânsito de precatórios. Há precatórios que a União teria emitido para receber valores a ela devidos pela Universidade de Brasília-UnB50, além de outras universidades federais, como a Universidade Federal de Santa Maria-UFSM51 e a Universidade Federal do Paraná-UFPR52, entre outras.

O Tribunal de Contas da União-TCU, por exemplo, também tem conhecimento do problema, de alguma forma. Refiro-me ao Processo TC nº 012.614/2005-2, acórdão nº 1316/2009—TCU-Plenário, relatado originariamente pelo Ministro Ubiratan Aguiar e posteriormente pelo Ministro José Jorge.

No referido processo, que tratava de auditoria na então Secretaria de Comunicação do Governo e Gestão Estratégica da Presidência da República-SECOM-PR, verificou-se que esta última era credora da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial-ABDI, mantida por recursos federais.

50 Pagos em 26 de janeiro de 2009, 30 de janeiro de 2008, 27 de março de 2007 e 24 de fevereiro de 2006, nos valores, respectivamente, de R$ 53.272,03, R$ 47.655,41, R$ 44.052,86 e R$ 40.000,38. Fonte: Relatório da Procuradoria-Geral da União, produzido em 16 de julho de 2012.

51 Pagos em 1º de fevereiro de 2006, 10 de março de 2007, 1º de fevereiro de 2006 e duas vezes em 6 de fevereiro de 2006, nos valores, respectivamente, de R$ 1.659,19, R$ 51.663,65, R$ 1.650,19, R$ 46.911, 04, este último, duas vezes. Fonte: Relatório da Procuradoria-Geral da União, produzido em 16 de julho de 2012.

52 Pagos em 8 de fevereiro de 2006, 6 de janeiro de 2009 (duas vezes), 7 de fevereiro de 2006, 10 de março de 2007, 9 de janeiro de 2008, 9 de março de 2007, 8 de fevereiro de 2006, 7 de fevereiro de 2006 (novamente) e 9 de janeiro de 2008, nos valores, respectivamente, de R$ 187.651,65, R$ 40.865,23, R$ 143.166,81, R$ 28.642,03, R$ 168.697,13, R$ 156.649,55, R$ 22.368,44, R$ 143.166,81 e R$ 33.560,37. Fonte: Relatório da Procuradoria-Geral da União, produzido em 16 de julho de 2012.

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Confusão havia entre credora e devedora, entre União e ABDI, pelo que se requereu anulação de determinação do TCU, no sentido de que a ABDI devolvesse valores à SECOM. Isto é, desnecessária previsão orçamentária, quando se confundiam os dois pólos da relação jurídica. O TCU entendeu pela desnecessidade da aludida devolução, pelo que precedente há em órgão de controle em relação ao problema enfrentado pela presente tese.

No limite, assim, o desate de uma ação de execução de órgão em face de ente redundaria na obrigatoriedade de inclusão, no orçamento de entidades de direito público, de verba necessária para pagamento de débitos, nos termos do § 5º do art. 100 da Constituição Federal, com redação determinada pela Emenda Constitucional nº 62, de 9 de dezembro de 2009.

Portanto, trata-se do Estado pagando para si mesmo. A situação revela fragilidade institucional, que se pretende enfrentar. Não se pode permitir que toda a máquina burocrática seja movimentada para que, ao fim, recursos sejam transferidos de uma repartição para outra. A unidade na ação governamental e a direção superior da Administração federal exigem que se tenha controle sobre esta situação.

É mandamento constitucional que ao Presidente da República compete privativamente exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal. A direção superior que o texto constitucional contempla deve se qualificar pela fixação de programas, diretivas, rumos e alternativas que repudiam a discórdia interna. Não é o que se provavelmente teria, do ponto de vista da litigância, pelo menos à luz dos dados que se pode apresentar.

Estatísticas da AGU, ainda que deficientes, indicam, em junho de 2012, momento da redação da presente tese, números impressionantes. Poderia haver 1.061 ações que corriam pela Justiça Federal nas quais de um lado tinha-se a Administração Direta e de outro lado entes da Administração Indireta. Talvez inconsistentes, os dados preocupam.

E ainda, agora se levando em conta o ente como autor da ação, poderia haver 1.483 ações que tramitavam na Justiça Federal.

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São números que indicam litigância intragovernamental, levada ao Poder Judiciário, problema enfrentado pela tese que se apresenta. Esses assuntos devem ser resolvidos administrativamente.

A Administração Federal, nesse sentido, precisa de modelo institucional que permita que esse volume de problemas possa ser resolvido, de modo mais ágil, com custos mais reduzidos, e com um mínimo de interferência do Poder Judiciário. Não se trata, insiste-se, de nenhuma formulação de exclusão do Judiciário, em relação a suas atividades constitucionalmente previstas. A Administração Federal deve resolver suas divergências internamente.

A Administração necessita, de modo a realizar plenamente um modelo presidencialista eficiente, evitar a própria divergência, ainda que em regime pluralista e democrático diferenças de opinião sejam indicativos de abertura e de maturidade institucional. Mecanismos de produção de consenso são vitais no modelo democrático.

Pode-se cogitar também da diminuição de demandas junto ao Poder Judiciário, com resultados expressivos, inclusive otimizando-se a atuação deste Poder. A separação dos Poderes, e a própria restrição de judicialização de questões administrativas, nesse contexto aqui postulado, teriam como resultado o próprio fortalecimento do Judiciário.

O serviço público federal é o maior litigante do país, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça-CNJ53. Não há informações mais pormenorizadas, porém pode-se conjecturar que a litigância intragovernamental e a dificuldade institucional em se reconhecer direitos do cidadão sejam causas desses números assustadores. O Instituto Nacional de Seguro Social-INSS pode ser o mais expressivo exemplo dessa afirmação.

Sob a autoridade do Presidente da República, ainda que este eventualmente não tenha exatamente a extenção e o conteúdo do

53 Em março de 2011 o Conselho Nacional de Justiça divulgou lista dos 100 maiores litigantes do Brasil. O INSS, a União, a Fazenda Nacional (que é a União também), a FUNASA, o INCRA e o IBAMA representam a mais expressiva parcela dessa corrida ao Judiciário. Para os dados, www.cnj.gov.br, acesso em 28 de julho de 2012.

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problema, agentes políticos e administrativos consomem tempo e energia na tentativa de solucionar litígios que, na essência, têm o Estado em ambos os pólos conflitantes.

A situação parece insolúvel, por exemplo, quando os assuntos tratados radicam em problemas de atividade financeira do Estado. Exemplifica-se com questões relativas a cobrança de tributos, da gestão e da exploração dos bens do Estado, bem como do gasto público propriamente dito54.

Critérios fechados e literais de legalidade parecem repelir marcos regulatórios concebidos no Poder Executivo para enfrentamento do problema, por intermédio de procedimentos de conciliação e de arbitragem. Gastos com a litigância interna podem desconsiderar referenciais de alocação de prioridades de despesas55, o que sugere muita reflexão.

Sob a autoridade do Presidente da República tem-se a Administração Pública Federal brasileira, que conta presentemente com 40 ministérios, aí incluídos secretarias e órgãos com status de pastas ministeriais56, com aproximadamente 60 autarquias57, 114 empresas públicas e sociedades de economia mista58 e com cerca de 40 fundações públicas.

54 Oliveira, Regis Fernandes de, Curso de Direito Financeiro, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 65: “A atividade financeira é precedida pela definição das necessidades públicas. Conhecendo-as, passam a existir três momentos distintos: a) o da obtenção de recursos; b) o de sua gestão (intermediado pelo orçamento: aplicação, exploração dos bens do Estado, etc.) e c) o do gasto, com o qual se cumpre a previsão orçamentária e se satisfazem as necessidades previstas”.

55 O problema da opção com o gasto público é nuclear em Direito Financeiro, como se lê em Regis Fernandes de Oliveira, para quem, “a despesa pública assenta-se sobre uma decisão prévia: deve atender aos interesses do Estado, provendo sua subsistência e, eventualmente, colocando em risco sua própria existência, ou deve atender ao direito dos habitantes? Se há inação do Estado, podem ocorrer lesões a direitos dos indivíduos. Assim, deve-se prover o Estado. Percebe-se que há um vício de lógica, uma petição de princípios”. Oliveira, Regis Fernandes de, cit., p. 264.

56 Com mais precisão, em janeiro de 2012, são 24 ministérios, 9 secretarias com status de ministérios e 6 órgãos ligados à Presidência da República, também com status de ministérios.

57 Em janeiro de 2012, detém natureza autárquica 10 agências reguladoras, 7 institutos, 4 departamentos, 27 conselhos profissionais e 16 autarquias de várias outras origens e finalidades.

58 Que compõem o conjunto das estatais, vinculadas, direta ou indiretamente, aos vários ministérios.

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O modelo radica estruturalmente no Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, que dispõe sobre a organização da Administração Federal, e que estabelecia diretrizes para uma reforma administrativa que então se realizava. O referido decreto-lei foi concebido num contexto de expansão do Estado na atividade econômica. Tudo em âmbito federal, bem entendido. Porém, por força do costume e da simetria há reproduções do modelo nas unidades da Federação e nos Municípios.

Nos termos do art. 4º do referido Decreto-Lei nº 200, de 1967, a administração direta compreende os serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios. A administração indireta compreende entidades dotadas de personalidade jurídica própria, a exemplo de autarquias, de empresas públicas, de sociedades de economia mista e de fundações públicas59.

É esse o modelo estrutural da Administração Pública Federal brasileira contemporânea. Há ainda um terceiro setor, composto por associações civis, fundações, organizações da sociedade civil, organizações religiosas e organizações sociais, cuja participação na estrutura do Estado brasileiro ganha dimensões cada vez maiores.

Há um projeto de lei, que não prosperou, relativo a uma nova organização administrativa brasileira60. No referido projeto reiterou-se que a Administração Pública compreenderia a administração direta e a administração indireta61. A administração direta mantém-se composta por órgãos, sem personalidade jurídica, que poderiam dispor de autonomia62.

A administração indireta, nos termos do anteprojeto aqui citado, seria integrada por entidades, com personalidade jurídica, dotadas de

59 As fundações públicas foram incluídas no rol de entidades da administração indireta por força do art. 1º da Lei nº 7.596, de 10 de abril de 1987.

60 Conferir o conjunto de ensaios coodenado por Paulo Modesto, relativo a estudos sobre a proposta de uma comissão de especialistas que o Governo Federal constituiu a época em que se discutiam as teses de Luiz Carlos Bresser Pereira, sobre a reforma gerencial do Estado. Modesto, Paulo (org.), Nova Organização Administrativa Brasileira, Belo Horizonte: Fórum, 2010.

61 Anteprojeto de lei que estabelece normas gerais sobre a administração pública direta e indireta, as entidades estatais e as de coloboração, art. 3º.

62 Anteprojeto de lei que estabelece normas gerais sobre a administração pública direta e indireta, as entidades estatais e as de coloboração, art. 4º.

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autonomia administrativa e funcional, e também vinculadas aos fins definidos em suas leis criadoras específicas63.

O anteprojeto divide a administração indireta em autarquias, como entidades estatais de direito público64, e em empresas estatais, fundações estatais e consórcios públicos com personalidade de direito privado, como entidades estatais de direito privado65.

Um dos autores do anteprojeto de lei aqui lembrado reiterou preocupação com a falta de coesão na Administração Pública contemporânea, a propósito de uma migração conceitual que se conhece, e que marcou a transição entre uma Administração unívoca e absolutamente hierarquizada para uma Administração que transita com alguma forma de consenso, especialmente quando se relaciona com o cidadão:

A Administração Pública contemporânea pouco se assemelha à Administração unitária, coesa, pequena e hierarquizada conhecida no século XIX, herdeira do liberalismo e do Estado-mínimo burguês. Descrita metaforicamente como “galáxia administrativa” por encerrar diversas formas organizatórias e diferentes entes autônomos, à semelhança de um sistema composto por planetas e satélites, a Administração Pública de nosso tempo afasta-se cada dia mais da metáfora de uma “pirâmide decisória”, vertical e integrada, encerrada nos livros mais tradicionais de direito administrativo66.

A superposição de competências, de responsabilidades e de atribuições, decorrentes até de imperfeições e de desacertos em fórmulas

63 Anteprojeto de lei que estabelece normas gerais sobre a administração pública direta e indireta, as entidades estatais e as de coloboração, art. 7º.

64 Anteprojeto de lei que estabelece normas gerais sobre a administração pública direta e indireta, as entidades estatais e as de coloboração, art. 8º, I.

65 Anteprojeto de lei que estabelece normas gerais sobre a administração pública direta e indireta, as entidades estatais e as de coloboração, art. 8ª, II.

66 Modesto, Paulo, cit., p. 143.

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de descentralização e de desconcentração67, provocam conflitos internos, opondo órgãos da administração direta a entes da administração indireta, bem como entes da administração indireta entre si. Há muito desentendimento, circunstância que decorre até das qualidades formais do direito moderno68.

Na origem do problema, um direito racional, típico do Estado ocidental moderno, “segundo o qual decide um funcionalismo especializado, [e que] origina-se em seus aspectos formais, mas não no conteúdo, no direito romano69”. Na contemporaneidade persegue-se mentalidade racionalista que suscita neutralidade que impediria ação mais prospectiva.

O direito público contemporâneo encontra-se numa encruzilhada ideológica, que também reflete as várias opções de Estado que se pode conceber70. De modo mais pragmático, a constatação de que a presença

67 Conferir, para esclarecimento desses conceitos, Di Pietro, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2011, p. 420: “Descentralização é a distribuição de competências de uma para outra pessoa, física ou jurídica. Difere da desconcentração pelo fato de ser esta uma distribuição interna de competências dentro da mesma pessoa jurídica; sabe-se que a Administração Pública é organizada hierarquicamente, como se fosse uma pirâmide em cujo ápice se situa o Chefe do Poder Executivo. As atribuições administrativas são outorgadas aos vários órgãos que compõem a hierarquia, criando-se uma relação de coordenação e subordinação entre uns e outros. Isso é feito para descongestionar, desconcentrar, tirar do centro um volume grande de atribuições, para permitir seu mais adequado e racional desempenho. A desconcentração liga-se à hierarquia. A descentralização supõe a existência de, pelo menos, duas pessoas, entre as quais se repartem as competências”.

68 A questão radica no problema da formalidade e da racionalidade do direito moderno, refratário a técnicas ad hoc para solução de conflitos. Cf. Weber, Max, Max Weber on Law in Economy and Society, New York: Clarion Book, 1967, pp. 301 e ss. Tradução do alemão para o inglês por Edward Shills e Max Rheinstein. Há tradução do inglês para o português por Marsely De Marco Martins Dantas: Weber, Max, O Direito na Economia e na Sociedade, São Paulo: Ícone Editora Ltda., 2011, pp. 277 e ss.

69 Weber, Max, Economia e Sociedade, vol. 2, Brasília: Editora da UnB, 1999, p. 518. Tradução do alemão para o português de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa.

70 Cf. Di Pietro, Maria Sylvia Zanella, Parcerias na Administração Pública- Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização, Parceria Público-Privada e outras Formas, São Paulo: Atlas, 2011, p. 2: “O que muda na realidade? Parece que o que muda é principalmente a ideologia, é a forma de conceber o Estado e a Administração Pública. Não se quer mais o Estado prestador de serviços; quer-se o Estado que estimula, que ajuda, que subsidia a iniciativa privada; quer-se a democratização da Administração Pública pela participação dos cidadãos nos órgãos de deliberação e de consulta e pela colaboração entre o público e o privado na realização de atividades administrativas do Estado; quer-se a diminuição do tamanho do Estado para que atuação do particular ganhe espaço; quer-se a flexibilização dos rígidos modos de atuação da Administração Pública, para permitir maior eficiência; quer-se a parceria entre o público e o privado para substituir-se a Administração Pública dos atos unilaterais, a Administração Pública autoritária, verticalizada, autoritária”.

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do Estado em quase todos os domínios da vida tem como resultado uma marcante disputa pelo poder, entre os vários nichos da burocracia.

Perde-se visão de conjunto; fortalece-se percepção idiossincrática de organização. A fidelidade do servidor para com a própria organização, o que típico em ambiente burocrático71, tem como conseqüência a dificuldade de compreensão da Administração em seu sentido mais amplo.

Pode-se invocar certa passagem de Rousseau, para quem haveria algum conflito entre uma vontade geral e uma vontade corporativa. Este última - e aqui não há nenhum conotação sindicalista - representaria as aspirações de um determinado grupo que atua no Estado, a exemplo de magistrados ou funcionários de um determinado setor. Quantas vontades poderia haver sob a autoridade do Presidente da República?

Retomando-se Rousseau, pode-se perceber diferenças entre vontade de todos e vontade geral, no sentido de que, para o filósofo de Genebra:

[...] há muita diferença entre a vontade de todos e a vontade geral; esta se refere somente ao interesse comum, enquanto a outra diz respeito ao interesse privado, nada mais sendo que uma soma das vontades particulares. Quando, porém, se retiram dessas mesmas vontades os mais e os menos que se destroem mutuamente, resta, como soma das diferenças, a vontade geral72.

À vontade geral Rousseau contrapunha uma vontade corporativa, sem que esta última signifique posição sindicalista, bem entendido, no contexto do presente trabalho. É no Capítulo II do Livro III do Contrato Social que essa vontade particularizada é identificada73. Rousseau a localizava entre os magistrados74, os quais, à época, e no contexto da 71 Cf. Weber, Max, Essays in Sociology, New York: Oxford University Press, 1959, pp.196 e ss. Tradução do

alemão para o inglês de H. H. Gerth e C. Wright Mills.

72 Rousseau, J. J., O Contrato Social, cit., p. 37.

73 Cf. Dent, N. J. H., Dicionário Rousseau, cit. pp. 211 e ss.

74 Segundo Dent, ainda em relação aos magistrados, e no que se refere a essa hipotética vontade corporativa, “[...] é vantajoso para um magistrado, incumbido da administração da lei, estar apto a fazê-lo rápida e facilmente, e a desfrutar do poder e dos recursos necessários para tanto. A vontade corporativa dos magistrados tenderá, portanto, para um aumento de poder, por exemplo”. Dent, N. J. H., Dicionário Rousseau, cit., p. 212.

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obra do filósofo genebrino75, eram os servidores públicos com poder de decisão, de uma maneira geral.

Essa vontade corporativa, tal como enunciada por Rousseau, pode corresponder, entre nós, às várias vontades que há presentemente no contexto da Administração pública federal. O servidor, muitas vezes, sacrificando uma vontade geral (até porque abstrata e de difícil identificação, porque recorrentemente representando a impressão pessoal de quem a enuncia) defende uma vontade corporativa, isto é, a vontade que revela o ponto de vista de sua corporação. As vontades particulares devem se reconhecer numa vontade geral76. O assunto será retomado na seção referente aos marcos teóricos.

Pode ser uma adequada explicação, por exemplo, ao menos do ponto de vista conceitual, para discussões que opõem servidores do MMA e MME, ou servidores da PGFN e do IBAMA, como se demonstrará ao longo do trabalho.

Ilustra-se o argumento com vários exemplos colhidos na prática da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal-CCAF, que comprovam a vastidão de problemas que o Executivo enfrenta, do ponto de vista casuístico, e que inegavelmente apontam para a extensão do problema.

O IBAMA e a PGFN se enfrentaram por causa de débitos previdenciários, devidos por aquele primeiro, ocasião na qual o IBAMA não pode obter certidão negativa de débitos junto ao INSS77. Na origem, responsabilidade solidária da autarquia de proteção ambiental pelo não recolhimento de contribuições previdenciárias de empresas cujos serviços contratou. A Fundação Nacional do Índio-FUNAI e o MJ

75 O tema é explorado por Cassirer, Ernst, A Questão Jean-Jacques Rousseau, São Paulo: Editora UNESP, 1999. Tradução de Erlon José Paschoal.

76 Isto é: “[...] é preciso que a vontade geral proceda da vontade de cada um, que seja possível a identificação entre aquilo que cada um quer e aquilo que todos querem para o todo e, enfim, que cada um reconheça sua vontade própria nas decisões comuns”. Bernardi, Bruno, Jean-Jacques Rousseau, in Pradeau, Jean-François (org.), História da Filosofia, Petrópolis: Vozes e Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2011, p. 323. Tradução de James Bastos Arêas e Noéli Correia de Melo Sobrinho.

77 Processo: 00400.002321/2005-59. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº 003/2009.

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divergiram quanto à demarcação de terras indígenas na Paraíba78. O Ministro da Justiça havia acolhido objeções de particulares detentores de terra na região, o que teria justificado revisão dos limites originários. Havia necessidade de consenso. O IBAMA e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes-DNIT divergiram sobre licenciamento ambiental em empreendimento do PAC, na região de Barra Mansa, no Rio de Janeiro79. Havia ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público, na qual se discutia o referido licenciamento ambiental.

O INSS, a SPU, o Departamento da Polícia Federal-DPF e a PGU divergiram em relação a posse e uso de imóvel que pertencera ao antigo Instituto Nacional de Previdência Social-INAMPS80, em Rondonópolis, no Estado do Mato Grosso. É um exemplo muito típico de disputa patrimonial entre agentes da Administração. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN discutiu com o Senado Federal sobre banners, faixas e painéis que foram colocados no Congresso Nacional, área tombada, em Brasília81. Não se trata, efetivamente, de um conflito entre poderes. O IPHAN é a entidade responsável pela correta manutenção das áreas tombadas em Brasília. A colocação de adereços no Congresso Nacional não era um ato típico do Poder Legislativo.

A Fundação Nacional de Saúde-FUNASA e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária-ANVISA ajuizaram ação de manutenção de posse em face da ocupação de grupos indígenas em imóvel daquela fundação e dessa agência, em Curitiba, na qual a FUNAI deveria figurar no pólo passivo. Evitou-se tal desate, com acordo celebrado na CCAF82. A Marinha do Brasil (por intermédio do Ministério da Defesa), o Ministério dos Transportes-MT, o ICMBio, a FUNAI e o IIPHAN divergiram sobre ação civil pública na qual se contestou construção 78 Processo: 00405.002818/2008-70. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº

004/2009.

79 Processo 00400.003750/2007-13. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº 005/2009.

80 Processo: 00465.001419/2008-87. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº 006/2009.

81 Processo: 00407.009490/2008-01. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº 007/2009.

82 Processo: 00400.006136/2008-86. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº 010/2009.

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de ponte sobre o Rio Negro, no Estado do Amazonas83. A FUNAI, o Ministério do Desenvolvimento Agrário-MDA, o MJ, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária-INCRA e o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República enfrentaram problema referente a sobreposição geográfica de políticas públicas, especialmente entre a FUNAI e o INCRA, por causa de estudos de demarcações de áreas indígenas que conflitavam com projetos de assentamento para reforma agrária, no município da Barra do Corda, no Estado do Maranhão84.

A PGFN ajuizou execução fiscal contra o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE para cobrança de contribuições para o PIS-PASEP e Imposto de Renda Retido na Fonte-IRRF, com valores que orçavam um pouco mais de oito milhões de reais. Embargando a execução o IBGE alegou decadência e imunidade fiscal. Verificou-se, ao fim, que as certidões que instruíam a execução foram extintas, porquanto equívoco no preenchimento em códigos de receita as desabonavam85. O MJ e o MPOG protagonizaram conflito negativo de competência por causa de uma ordem judicial referente a pagamento de indenização por danos morais e pensões mensais de familiares de vítima de homicídio cujo autor fora um criminoso que saíra temporariamente da prisão. No cumprimento da decisão judicial, ainda que originada em deferimento de tutela antecipada, a Procuradoria da União comunicou ao MPOG, que os pagamentos deveriam ser feitos. Esse Ministério alegou que a competência, naquele caso, seria do MJ. Havia também restrições orçamentárias. O MJ também se negou a cumprir a ordem, alegando que não havia nexo entre o dano e a responsabilidade da União. A controvérsia foi levada à CCAF86. Mas a discussão perdeu o objeto, porque decisão judicial foi cumprida.

83 Processo: 00400.012936/2008-36. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº 011/2009.

84 Processo: 00460.00130/2004-67. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº 014/2009.

85 Processo: 00400.009139/2008-71. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILIAÇÃO NAJ-RJ/CCAF/CGU/AGU — PKBF 001/2009.

86 Processo: 00410.024073/2008-21. INSTRUMENTO JURÍDICO: Nota nº 031/2009/CCAF/CGU/AGU-ARM.

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A FUNAI, o INCRA e o ICMBio divergiram na CCAF quanto à justaposição de projetos de assentamento agrários em parques nacionais no sul da Bahia. Em discussão, as áreas dos Parques do Monte Pascoal e do Descobrimento, especialmente em relação à proteção de áreas remanescentes da mata Atlântica87. O Ministério das Comunicações-MC e a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos-ECT discutiram com o MME e com a ANEEL uma suposta violação do monopólio postal da União (exercido pela ECT) por parte de concessionárias de energia elétrica. Na CCAF a ANEEL invocou incompetência para tratar diretamente do assunto porque eventual violação do monopólio fora praticado por empresas que eram pessoas jurídicas de direito privado, e que deveriam se explicar junto à ECT88.

A SPU, a Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento, o IPHAN, a Caixa Econômica Federal-CEF e os Municípios de Andirá e de Bandeirantes, no Paraná, disputaram a posse de imóveis da extinta Rede Ferroviária Federal-RFFSA, levados a leilão, e de interesse predominantemente histórico, no entendimento de representantes do IPHAN89. A dominialidade do Rio Itapemirim, no Espírito Santo, foi discutida entre a SPU, a Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento, a Agência Nacional de Águas-ANA, tendo como de fundo uma disputa entre o Estado do Espírito Santo e a União, quando se reconheceu que o rio pertence àquela unidade da federação90.

O INCRA e a ANEEL divergiram sobre área do assentamento Tibagi, no Estado do Mato Grosso. A ANEEL considerava a área imprescindível para formação de reservatório de água que possibilitaria o funcionamento de uma pequena central hidrelétrica91. O MEC e a Secretaria da Receita Federal-SRF discutiram lançamento tributário por conta do fato de que aquele primeiro- MEC- havia desembarcado

87 Processo: 00410.006126/2004-06. INSTRUMENTO JURÍDICO: PARECER Nº AGU/SRG-01/2009.

88 Processo: 00407.009607/2008-48.

89 Processo: 00407.003465/2009-96. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU THP 016/2009.

90 Processo: 00405.009257/2008-30. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU MICRF/PBB 019/2009.

91 Processo: 54000.002729/2008-13. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU VIW 020/2009.

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mercadoria antes de emissão de guia de importação92. Porque o Ministério da Fazenda-MF entendia pela impossibilidade de lançamento de multa fiscal em relação a outro órgão da Administração Direta, cogitou-se da extinção do crédito por meio da confusão. A definição de não se lançar multa administrativa contra órgão da Administração direta pode resultar na prevenção de vários litígios entre órgãos e entes da Administração.

A FUNAI e o IBAMA divergiram sobre a destinação de madeira apreendida por este último. A madeira desapareceu, depois de colocada sob a guarda da FUNAI. Havia fortes indícios de destinação ilícita das madeiras apreendidas93. A ANATEL inscreveu o Comando da Aeronáutica no Cadastro de Créditos Não Quitados de Órgãos e Entidades Federais-CADIN pelo não recolhimento de multas devidas94. O Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Pernambuco multou o IBAMA em mil reais porque este último não possuía registro de seu Centro de Triagens de Animais Silvestres95.

O INSS e a Agência Nacional de Cinema-ANCINE divergiram em relação a valor de aluguel de imóvel daquele primeiro, alugado a este último, mas se chegou a um acordo96. O IPHAN ajuizou ação de cobrança contra a Universidade Federal de Pelotas-UFPEL com o objetivo de cobrar despesas que havia feito em prédio histórico da cidade de Pelotas. A ação fora proposta pelo IPHAN contra particulares proprietários do imóvel que fora tombado. A UFPEL, ao adquirir o imóvel, responsabilizou-se pelo pagamento das dívidas, cuja liquidação foi discutida na CCAF97.

92 Processo: 25000.202895/2006-40. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU PCN 027/2009.

93 Processo: 02051.000109/2004-17. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILICIAÇÃO 001/2010.

94 Processo: 00400.008060/2010-48. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILICIAÇÃO 010/2010.

95 Processo: 00411.001961/2009-46. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILICIAÇÃO 001/2010-NAJ/PE.

96 Processo: 01580.013540/2009-89. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILICIAÇÃO 001/2010-NAJ/RJ.

97 Processo: 00421.000675/2007-82. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILICIAÇÃO 001/2010-NAJ/RS.

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A FUNAI e a ANATEL divergiram sobre instalação de telefone público em comunidade indígena por parte de um concessionário de serviço de telefonia98. Na origem, havia uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público contra a ANATEL, na qual a FUNAI, defendendo a necessidade de instalação do aparelho de telefone, foi intimada a litigar contra a agência reguladora de telefonia. Acordou-se que a ANATEL requereria sua exclusão da lide, pois a responsabilidade seria da concessionária, bem como decidiram que a FUNAI concordaria em juízo.

A SPU e a Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ divergiram em relação à posse e ocupação de imóvel no Rio de Janeiro, o Canecão, conhecida casa de espetáculos99; a questão, inclusive, fora judicializada. Havia ação anulatória de doação de imóvel, proposta pela União em 1990, contra a UFRJ. O Canecão era alugado pela UFRJ para uma companhia de promoções e espetáculos teatrais. Na conciliação, a União renunciou seus direitos sobre o imóvel. Os honorários advocatícios devidos foram mutuamente compensados. A Agência de Aviação Civil-ANAC inscreveu o Departamento da Polícia Federal-DPF em dívida ativa, por força de multa administrativa, decorrente de inadequação de registro de horas em diário de bordo de aeronave100.

Um imóvel da antiga Legião Brasileira de Assistência-LBA foi disputado pela SPU e pela Divisão de Patrimônio Imobiliário do INSS. O impasse que foi levado à CCAF 101. Concordou-se que o imóvel jamais pertencera ao patrimônio da LBA. O imóvel fora do antigo Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social-IAPAS, sucedido pelo INSS, pelo que se acordou que com o INSS ficaria.

98 Processo: 00407.008652/2010-08. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU-004/2011-LMS.

99 Processo: 00408.009006/2010-40. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU-007/2011-LMS.

100 Processo: 00424.008119/2010-20. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU-008/2011-MGO.

101 Processo: 05044.000338/2001-68. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU-017/2011-GHR.

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A FUNAI e o INCRA disputaram direitos sobre a destinação de terras no Estado do Alagoas102. O INCRA avançava em procedimentos de desapropriação em áreas de titularidade indígena, e em processo de ampliação. Exploração mineral no interesse do MME acendeu divergência desse Ministério com a FUNAI, dado que parte da área, Município de Peruíbe, em São Paulo, estava sob processo de demarcação de terra indígena103. A matéria fora judicializada. O Departamento Nacional de Produção Mineral-DNPM havia autorizado prospecção mineral em áreas de interesse da FUNAI.

A Agência Nacional de Transportes Aquaviários-ANTAQ, a Superintendência de Portos e Hidrovias-SPH e o Estado do Rio Grande do Sul discutiram o procedimento de revitalização do Cais Mauá, em Porto Alegre104. Discutia-se processo licitatório referente à revitalização daquela área portuária. A ANTAQ ajuizou ação no STF requerendo suspensão da licitação. Por provocação do Ministro relator do processo a questão foi dirimida na Câmara de Conciliação com participação do Ministério dos Transportes, de representantes do governo do Rio Grande do Sul, da Secretaria Especial de Portos. Reviu-se contrato de arrendamento, com acordo de todos os atores, fechando-se a questão e encerrando-se a demanda judicial, com o crivo do STF. Homologou-se o acordo.

A Universidade Federal do Triângulo Mineiro-UFTM foi multada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária-ANVISA105. A UFTM teria importado produtos para pesquisa (anticorpos monoclonais) armazenados e conservados em desacordo com a temperatura sugerida pelo fabricante do produto. A UFTM imputou a responsabilidade ao agente aduaneiro da empresa que exportou o material. Houve redução da

102 Processo: 00431.000430/2010-31. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU-018/2011-LMS.

103 Processo: 00400.005891/2008-43. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU-023/2011-LMS.

104 Processo: 00407.001701/2011-54. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU-028/2011-GHR.

105 Processo: 00407.001713/2011-89. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMOD DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU-032/2011-THP.

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multa, recolhimento dos valores, o que evitou que ANVISA inscrevesse a UFTM no CADIN.

O MMA requereu composição de câmara de conciliação para resolver pendência com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional106. Esta última ajuizara ação de execução fiscal contra o IBAMA, na Justiça Federal em Brasília, para cobrar cerca de um milhão de reais, no ano de 2005. A ação ainda não fora julgada, pelo que se entendeu que possível seria, em princípio, uma acomodação administrativa. No entanto, enquanto os procedimentos para formação de Câmara de Conciliação se desdobravam, houve informação de que a PGFN havia cancelado a inscrição, pelo que, com a perda do objeto, não havia o que ser feito, judicial e administrativamente. Registre-se, assim, a movimentação desnecessária de meios judiciais e administrativos para cobrança de um milhão de reais, de valores inexistentes, tanto que a inscrição em dívida ativa fora extinta.

Num outro caso, a Receita Federal concluíra lançamento fiscal contra a FUNAI, que requereu revisão dos valores apontados, alegando pagamento efetivado, acusando a autoridade fazendária que ainda havia débitos, no valor de 18 centavos de real. Mesmo assim, a PGFN ajuizou ação de execução fiscal em face da FUNAI, com o objetivo de cobrar cerca de 300 mil reais, relativos ao processo no qual se reconhecera que o valor devido era inferior a um real. Reagindo, a Procuradoria-Regional Federal-PRF que atua na 1ª Região suscitou que a questão fosse discutida também administrativamente107. Entendeu-se que o problema poderia ser resolvido por consenso, dado que havia conflito entre o Ministério da Fazenda e o Ministério da Justiça. A Procuradoria Federal que atua junto à FUNAI embargou a execução fiscal, alegando pagamento. Ao responder a convite para participação em Câmara de Conciliação as autoridades fazendárias confirmaram que o débito fora extinto por pagamento. Com a perda do objeto, desfez-se a Câmara criada para discussão do problema. Consignou-se, no entanto, que a demora da PGFN, em reconhecer o pagamento, causou constrangimento à FUNAI que, ainda, discutia o pagamento de custas, relativo ao mesmo

106 Processo: 00400.001252/2005-66.

107 Processo: 00410.000321/2005-03.

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processo de execução, no valor de 250 reais. De fato, a responsabilidade pelo ajuizamento da ação era da PGFN e as custas, a partir de então discutidas, não eram devidas.

Num outro caso emblemático, ao cumprir obrigação decorrente de decisão judicial com trânsito em julgado, referente à alienação de alguns imóveis, representante do INSS tomou conhecimento que contra essa autarquia havia 24 inscrições em dívida ativa feitas pela PGFN. As inscrições tinham como fato gerador a cobrança de taxas incidentes sobre imóveis do INSS. Neste caso, não se tratava de imunidade, pelo fato de que devidas eram taxas, e não impostos. Cuidava-se, assim, em tese, de isenção tributária. A resistência da PGFN, no sentido de não disponibilizar certidão negativa ao INSS é que levou a matéria à Câmara de Conciliação da AGU108. A PGFN elaborou estudo sobre o assunto, concluindo que, de fato, a situação era de isenção. Verificou-se também que os processos eram eletronicamente encaminhados à PGFN para inscrição em dívida ativa. Não havia controle de todos os casos. De tal modo, deu-se início a procedimento de cancelamento das referidas inscrições.

Há também notícia referente a disputa entre a Universidade de Brasília-UnB e o Ministério da Previdência Social, a propósito da presença de fiscais da Previdência junto a setor de concursos da universidade, que revela fonte de litígios em âmbito de cumprimento de obrigações tributárias acessórias109. No caso que a AGU apreciou, havia pedido do reitor da UnB, no sentido de que se dirimisse conflito entre esta última e a Previdência Social. Pretendia o dirigente da UnB que se proibisse que fiscais da Previdência tivessem acesso a dados referentes a concursos públicos, promovidos pelo Centro de Seleção e Promoção de Eventos Públicos- CESPE, ente ligado à UnB. Teria havido “suposta e indevida retenção, por parte da fiscalização previdenciária, de documentos apreendidos por ordem judicial [...] a pedido do Ministério Público”, e que seriam indispensáveis ao andamento das atividades do CESPE.

108 Processo: 00400.002285/2007-95.

109 Processo nº 00400.000742/2005-45.

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Registrou-se que o mérito da disputa não era relativo a eventual débito previdenciário, que o INSS cobraria da UnB. Discutia-se, efetivamente, se os fiscais poderiam ter acesso às dependências do CESPE, especialmente levando-se em conta o fato de que alguns desses servidores estavam inscritos em concursos organizados pela UnB. Entendeu-se que a UnB neste caso detinha toda razão. A UnB não se recusou a oferecer documentação relativa a um dos concursos, porque o fiscal estava inscrito neste concurso. A UnB impetrou mandado de segurança com vistas a afastar a atividade daquele fiscal. A liminar foi deferida, reconhecendo-se judicialmente o impedimento do fiscal do INSS. Por parte desta autarquia houve comprometimento, junto à Câmara da AGU, no sentido de não mais designá-lo para fiscalização. Pode-se identificar uma vontade governamental no interesse do fiscal inscrito em concurso público no sentido de fiscalizar documentos do agente realizador do certame?

Outro exemplo do problema. Em 2008 a Consultoria-Geral da União deu início a um projeto que tinha por objetivo mapear vários conflitos judiciais nos quais a União figuraria em ambos os polos. Tomou-se conhecimento de mandado de segurança impetrado pela Universidade de Brasília contra ato praticado pelo Ministro da Educação. Aguardava-se decisão do Superior Tribunal de Justiça-STJ. Com base nessa informação tentou-se a conciliação110. O mandado de segurança fora impetrado por causa da Portaria nº 2.205 de 22 de junho de 2005, baixada pelo Ministro da Educação. A referida portaria regulava a realização das provas do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes-ENADE. A portaria proibia a contratação de instituições de educação superior que oferecessem cursos então avaliados. Houve deferimento de liminar. Assegurou-se à UnB o direito de participação na licitação referente à organização e aplicação do ENADE. Com o início dos trabalhos na Câmara de Conciliação verificou-se que não havia o que se conciliar dado que o exame do ENADE já fora realizado. A UnB participou do procedimento licitatório, por força de decisão judicial. Observou-se, ainda, que editais subsequentes de exames de ENADE não mais conteriam cláusula restritiva de participação na licitação de

110 Processo: 00405.002741/2008-38.

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instituições de ensino superior que oferecessem cursos que seriam avaliados.

E ainda outro exemplo. Por meio de aviso o Ministro da Fazenda levou ao conhecimento do Advogado-Geral da União notícia de mandado de segurança impetrado no Rio de Janeiro, no qual o Ministro da Defesa havia concordado com o impetrante, defendendo posição distinta da seguida pelo Ministério da Fazenda, que cumpria orientação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Foi o que deu início a Câmara de Conciliação instaurada para composição dessa divergência de entendimento111. Nesse caso, a PGFN interpretava com restrições o regime de isenção tributária de valores pagos a anistiados políticos. Trata-se de discussão em torno do parágrafo único do art. 9º da Lei nº 10.559, de 13 de novembro de 2002, que dispõe que os valores pagos a título de anistia política não poderiam ser objeto de contribuição ao INSS, bem como estariam isentos do Imposto de Renda.

A discussão, na essência, era mais objetiva, e de pormenor mais específico. É que a PGFN entendia que a isenção do IR propiciada pela lei somente seria reconhecida a pensionistas que já tivessem iniciado processo de substituição de regime de pensão para regime de prestação mensal, permanente e continuada. O problema, pois, era afeto a pensionistas de anistiados políticos. O Ministério da Defesa acompanhava decisões reiteradas do Superior Tribunal de Justiça que assegurava aos anistiados políticos e pensionistas a não-incidência de imposto de renda e de contribuição previdenciária de proventos. No parecer que instruiu o processo administrativo de conciliação, há reprodução de excertos de votos dos Ministros Humberto Martins, Teori Albino Zavascky, Eliana Calmon, Luiz Fux, Castro Meira, Francisco Falcão, José Delgado, entre outros. De tal modo, forçoso reconhecer que a posição da PGFN não se sustentaria em juízo. E foi o que se acordou.

Mais um exemplo. O INSS ajuizou execução fiscal contra a União (no caso, o Ministério da Defesa) com vistas ao recebimento de cerca de dois milhões e trezentos mil reais relativos ao não recolhimento, pelo Exército, de contribuições de Seguro de Acidentes de Trabalho-SAT. 111 Processo: 00400.007148/2008-28. INSTRUMENTO JURÍDICO: Parecer AGU/PBB-01/2008.

(Controvérsia encerrada em 18 de novembro de 2008).

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Tais valores eram supostamente devidos em função da contratação, pelo Exército, de empregados temporários. Havia também responsabilidade solidária, decorrente de empresas prestadoras de serviços, e que cederam mão-de-obra ao Exército, mas que não recolheram as contribuições previdenciárias discutidas.

A questão foi levada à CCAF 112, embora pendente de julgamento a execução fiscal. A União foi citada na ação de execução para defender o Ministério da Defesa. A situação era inusitada. A União estaria litigando com ela mesma: ainda que tivéssemos a União e a Procuradoria Federal, em lados opostos. Devia se observar, ainda, o conteúdo da Súmula Vinculante nº 8, baixada pelo STF e que reduziu o prazo das contribuições previdenciárias para cinco anos, seguindo-se regra do CTN. Por isso, constatou-se, as certidões de dívida ativa originárias deveriam ser recalculadas, por força da já apontada decisão do STF.

Havia também necessidade de pronunciamento sobre os cálculos da contribuição efetivamente devida. Acordou-se que os valores seriam recalculados e que as partes desistiriam das ações judiciais. No mérito: a) reconheceu-se o lançamento de uma das certidões; b) O Exército deveria mobilizar o Tesouro Nacional para pagamento do devido e, c) havia responsabilidade solidária da União em relação a uma das certidões de cobrança; a União, então, ajuizaria ação regressiva contra o contribuinte que não saldara originariamente os débitos previdenciários.

Na continuidade, outro exemplo. A Polícia Federal (vinculada ao Ministério da Justiça) e o Museu Emilio Goeldi (fundado em 1866 e hoje vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia) discutiram sobre o uso de armas de fogo por parte de pesquisadores do museu paraense113. Originariamente, a Procuradoria da União havia encaminhado à Consultoria-Geral da União pedido de providências judiciais, relativo à negativa da Superintendência Regional da Polícia Federal no Estado do Pará, quanto à possibilidade do uso de armas por parte de pesquisadores do Museu Emilio Goeldi.

112 Processo: 00405.001152/99-90. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº 004/2008. (Controvérsia encerrada em 5 de maio de 2008).

113 Processo: 00485.002797/2006-88. ADMINISTRATIVO. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILIAÇÃO SEM NUMERAÇÃO. (Controvérsia encerrada em 3 de agosto de 2007).

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O museu pretendia registrar 17 armas de fogo, utilizadas em projeto de coleta de espécies da fauna, para o qual havia autorização do IBAMA. Teria havido perda de prazo, por parte do Museu Emílio Goeldi, em relação às datas fixadas pelo Estatuto do Desarmamento. Na discussão, vários órgãos da União: a Polícia Federal (Ministério da Justiça), o Museu Emílio Goeldi (Ministério da Ciênica e Tecnologia) e o Exército (Ministério da Defesa). A este último cabia o registro da arma. Respondendo à provocação da CCAF a Consultoria Jurídica do Ministério da Defesa opinou, com base no Estatuto do Desarmamento, que os funcionários do Museu Emílio Goeldi não tinham direito à posse de armamentos, não obstante a relevância das atividades desempenhadas. A Polícia Federal discordava. Achava possível que armas de alcance curto pudessem ser utilizadas pelos funcionários pesquisadores do Museu Emílio Goeldi.

Acordou-se que armas curtas poderiam ser utilizadas, como consentido pelos representantes da Polícia Federal. Em contrapartida, o representante do Ministério da Ciência e Tecnologia comprometeu-se em propor ao respectivo Ministro decreto que regulamentaria a autorização de armas longas por parte de funcionários de todas as instituições federais de pesquisa. Por fim, e como sugestão, se consignou da necessidade de se propor medida provisória isentando do recolhimento de taxas de registro e porte, nas circunstâncias discutidas.

O IBAMA também discutiu com o Departamento Nacional de Produção Mineral-DNPM114. Este último deve recolher compensações financeiras pelo exercício de atividade de exploração mineral. O IBAMA pretendia receber 2% dos valores arrecadados, a título de compensação ambiental, devidos pela exploração de lavra mineral. A discussão que chegou à Câmara de Conciliação da AGU115 envolvia empresa que explorava lavra no Estado de Sergipe.

114 O DNPM é uma autarquia ligada ao Ministério das Minas e Energia-MME, detendo personalidade de pessoa jurídica de direito público, com autonomia patrimonial, administrativa e financeira. Lei nº 8.876, de 2 de maio de 1994.

115 Processo: 02001.006906/2005-76. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº 003/2008. (Controvérsia encerrada em 11 de abril de 2008).

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O crédito do IBAMA orçava cerca de 600 mil reais. Não havia notícias relativas a pedido de esclarecimentos, que o IBAMA fizera ao DNPM, quanto ao não repasse de valores. Tem-se, assim, nítido conflito entre dois ministérios, isto é, entre o MME e o MMA, dado que, àquele primeiro vincula-se o DNPM e a este último o IBAMA. O conflito autárquico era um conflito ministerial. Tinha-se um impasse em relação à definição de uma vontade governamental. Constatou-se, em reunião, que, de fato, o DNPM deveria repassar valores para o IBAMA. Porém, por intervenção de representante do MPOG, observou-se que seria necessário um ajuste orçamentário. O IBAMA deveria apresentar seus créditos, que seriam transferidos à conta do DNPM. À Câmara também foi chamado representante da Secretaria do Tesouro Nacional-STN.

Conciliou-se no sentido de que o DNPM iria levantar memória de cálculo referente aos repasses efetivamente devidos, mas que não foram operacionalizados. Havia necessidade de retificação orçamentária, o que seria providenciado pela STN. Ajustou-se que o MMA, ao qual o IBAMA é vinculado, apresentaria memorial indicando os valores devidos, diretamente ao MPOG, a quem incumbe a proposta do orçamento. E com objetivo de que se evitassem um novo problema como este no futuro, preparou-se minuta de proposta de lei que seria encaminhada à Casa Civil da Presidência da República.

Outro caso interessante. A Secretaria de Cultura do Estado da Bahia firmou convênio com o governo da França referente à cessão em comodato de obras do escultor francês Auguste Rodin para a realização de uma exposição. O acervo seria exibido no Palacete das Artes, em Salvador. Nos termos do convênio assinado, a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia deveria apresentar atestado emitido pelo Governo Federal, no qual se reconheceria que as obras de Rodin pertencem ao domínio público francês e que, assim, seriam inalienáveis, imprescritíveis e impenhoráveis.

A matéria fora apreciada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN, bem como pelo Ministério da Cultura-MinC, que fizeram pareceres. O IPHAN opinou pela possibilidade de entrega do atestado. O MinC entendeu que a questão era de competência do Ministério das Relações Exteriores-MRE. A opinião do MinC foi dada com base no inciso XIX do art. 27 da Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, que dispõe

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sobre a organização da Presidência da República116. No caso, porque se cuidava de uma negociação cultural com governo estrangeiro, entendeu o MinC, a competência para a outorga do certificado exigido seria do MRE. Este, no entanto, entendeu que não tinha competência para tratar do assunto porque não se tratava de um ato internacional117. Verificado que havia controvérsia, seguiu a matéria para a AGU, para ser tratada na CCAF118. Nesse caso, mais uma vez, onde se pode localizar a vontade governamental?

Acordou-se que o documento poderia ser assinado pelo Ministro da Cultura, dado que a circunstância não ensejava compromisso internacional. Concordou-se também que o documento eximiria a União de qualquer responsabilidade decorrente do convênio que o Estado da Bahia firmava com a França. De tal modo, insista-se, tem-se arranjo institucional adequado para produção de consenso na órbita do Governo. Percebe-se, no acordo, alguma flexibilidade entre os agentes da discussão. Tem-se exemplo de possibilidade de formação de consenso.

Os problemas são muitos. Outro exemplo. O Comando do Exército e o INCRA divergiram em relação à realização de exercícios militares com armas de fogo, por parte do Comando, considerados potencialmente perigosos para famílias de assentados rurais que se encontravam em área desapropriada pelo INCRA. E porque na ação de desapropriação não se poderia discutir restrições às propriedades vizinhas, é que a questão foi levada à Câmara de Conciliação da AGU119. A controvérsia foi resolvida mediante assinatura de termo de acordo que consignou que seria construído

116 Nos termos da referida lei, ao Ministério das Relações Exteriores compete tratar de política internacional, de relações diplomáticas e serviços consulares, participar de negociações comerciais, econômicas, técnicas e culturais com governos e entidades estrangeiras, em programas de cooperação internacional, bem como apoiar delegações, comitivas e representações brasileiras em agências e organismos internacionais e multilaterais.

117 Ministério das Relações Exteriores. Consultoria Jurídica. Coordenação-Geral de Direito Internacional. Parecer CONJUR/CGDI nº 238/2008. Aprovado em 17 de junho de 2008.

118 Processo: 01400.000052/2008-00. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº 006/2008. (Controvérsia encerrada em 4 de agosto de 2008).

119 Processo: 00506.000082/2006-03. Lê-se no processo administrativo referente a essa discussão, identificando-se o problema que “exercícios militares, com tiros de armas portáteis e deslocamentos de tropas a pé e motorizadas, realizados pelo 72ª Batalhão de Infantaria Motorizado no Campo de Instrução do Exército localizado na Fazenda Tanque de Ferro poderiam afetar à integridade física das famílias assentadas na área da Fazenda Panelas [...] sendo necessário avaliar a necessidade de implementação de medidas preventivas pelo INCRA e pelo Comando do Exército”.

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um reforço do cercamento da entrada do projeto de assentamento (o INCRA forneceria o material e o Exército a mão-de-obra), que haveria ações de conscientização da população assentada, no que se referia às restrições de uso da região, especialmente no que se referisse à área de instrução militar e às áreas de preservação de fauna e flora locais. A estrada que corta o local permaneceria como servidão de acesso aos assentados.

Outro exemplo de dissenção. Na região próxima a Angra dos Reis, no Estado do Rio de Janeiro, passa a BR-101, em posição estratégica para a Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto. O Departamento Nacional de Transportes-DNIT e a Eletrobrás Termonuclear S.A.-ELETRONUCLEAR firmaram convênio para recuperar a rodovia. Surgiu controvérsia, não resolvida por conciliação, pelo que se chegou a um arbitramento120. Concluiu-se que o DNIT deveria ressarcir à ELETRONUCLEAR, com referência a algumas despesas realizadas. Decorreu do arbitramento um grupo de trabalho para fixação dos valores devidos. DNIT e ELETRONUCLEAR passaram a discutir a incidência (ou não) de juros e correção monetária, bem como a correta e adequada fixação de tais valores. Ao fim, concluiu-se pelo remanejamento de rubricas a ser incluído em proposta orçamentária pelo Ministério dos Transportes. A discussão revelou divergência entre o Ministério das Minas e Energia e o Ministério dos Transportes. Não se alcançou um consenso, razão do arbitramento então feito.

São muitos problemas. Ainda que tenhamos governo democraticamente eleito, há profundas clivagens de visões políticas, entre os diversos servidores, de vários perfis ideológicos, de distintas visões pessoais de governo, e do próprio papel na administração pública.

Não se trata de retomada de discussão clássica do Direito Administrativo, relativa às teorias das relações do Estado com os agentes públicos121. Para os estreitos limites do presente trabalho, que relaciona o presidencialismo e a necessidade de unidade da ação governamental à litigância intragovernamental, as teorias das relações do Estado com os agentes públicos talvez tivessem pouco a esclarecer.

120 Processo: 00400.010625/2008-32. 121 Cf. Di Pietro, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, cit, pp. 520 e ss.

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Em linhas gerais, no entanto, deve-se lembrar que, pela teoria do mandato, “o agente público é mandatário da pessoa jurídica122”. Para a teoria da representação, ainda segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “o agente público é representante do Estado por força de lei123”; e ainda, pela teoria do órgão, “a pessoa jurídica manifesta a sua vontade por meio de órgãos, de tal modo que quando os agentes que os compõem manifestam a sua vontade, é como se o próprio Estado o fizesse, substitui-se a ideia de representação pela de imputação124”.

À luz da atuação do agente público (nos dois sentidos, amplo e restrito) revela-se como problemático o mandatário que diverge do outorgante (teoria do mandato), ou do representante legal que também esteja em desacordo com o representado (teoria da representação) ou do imputado que dispute com aquele cuja vontade tem por obrigação manifestar (teoria do órgão).

O problema, insiste-se, não está exatamente - e tão somente- na dissenção governamental. O problema está na insuficiência de arranjos institucionais adequados para se enfrentar a divergência, evitando-se a judicialização do problema. Há necessidade de um núcleo especializado em produção do consenso, multiplicado em todos os setores do Poder Executivo.

As várias perspectivas que marcam os servidores públicos têm também um forte componente ideológico, que também revela os limites de nossas opções, a chamada ditadura da falta de alternativas, muito nítida entre os descontentes com o neoliberalismo125. A crise atual das duas formas ideológicas mais persistentes - social-democracia ou liberalismo (o que mais raro no serviço público) confirma essa hipotética ditadura da falta de alternativas pela qual passamos126. Tudo temperado por ambigüidade que marca o direito público contemporâneo, que deve

122 Di Pietro, Maria Sylvia Zanella, cit. p. 520.

123 Di Pietro, Maria Sylvia Zanella, cit., loc. cit.

124 Di Pietro, Maria Sylvia Zanella, cit. loc. cit.

125 Cf. Unger, Roberto Mangabeira, Democracy Realized- The Progressive Alternative, London: Verso, 1998, pp. 52 e ss.

126 Cf. Unger, Roberto Mangabeira, Free Trade Reimagined- The World Division of Labor and the Method of Economics, Princeton: Princeton University Press, 2007.

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atender a direitos naturais e imprescritíveis dos cidadãos, mas que também precisa obter os meios necessários para o cumprimento dessa tarefa127.

Constata-se efetivamente que a defesa do patrimônio público, um dos objetivos da administração pública128, bem como mecanismos objetivos para a obtenção, gestão e gastos públicos, momentos distintos da atividade financeira do Estado129, fragilizam-se por causa da litigância que envolve órgãos e entidades da Administração Pública Federal. Não se aponta aqui a litigância entre Ministério Público e Poder Executivo como uma patologia institucional a ser enfrentada. E muito menos a litigância do Estado com o particular. A questão é endógena.

Há indícios que muito se gasta com litigância interna, e com a judicialização decorrente de tal falta de entendimento. À luz de percepção de avaliação do gasto público a situação pode provocar alguma preocupação, ainda que não haja dados empíricos confiáveis que revelem a real dimensão do problema.

A questão é de Teoria Geral do Estado, em seu sentido mais lato, especialmente porque também preocupada teoricamente com a atuação presidencial, como instrumento da mudança. A Teoria Geral do Estado é o espaço temático no qual os problemas aqui indicados podem ser agrupados e discutidos.

Boa parte dos problemas que enseja a litigância interna no Estado tem fundo fiscal, relativo à obtenção de recursos. O regime de imunidades e de isenções é insuficiente para enfrentar questões fiscais que há entre órgãos e entes da Administração Pública Federal. Não se tem exata medida do custo do gerenciamento da máquina do Estado, nesse pormenor.

Vive-se ainda resquícios de uma cultura jurídica obcecada por cânones tradicionais de vínculo ao princípio da legalidade, que abomina

127 Cf. Renaut, Marie-Hèléne, Histoire du Droit Administratif, Paris: Ellipses, 2007, p. 7.

128 Cf. Bresser-Pereira, Luis Carlos, Reforma do Estado para a Cidadania- A Reforma Gerencial Brasileira na Perspectiva Internacional, São Paulo: Ed. 34; Brasília: ENAP, 1998, p. 81.

129 Cf. Oliveira, Regis Fernandes de, cit., loc. cit.

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qualquer tentativa de flexibilização nas relações entre órgãos e entes da Administração, o que pode ser um caminho no enfrentamento da litigância interna.

Há um culto ao direito estatal que busca a ordem moral latente130 e que, em princípio, reservaria pequeno espaço para o exercício da imaginação institucional131. O acompanhamento das discussões internas na Administração Federal sugere que uma mentalidade burocrática triunfa em nichos insulados de poder, que se recusam a se comunicar.

A recusa é compreensível, exatamente na medida em que os servidores públicos que atuam em alguns casos aqui mencionados são agentes administrativos e não agentes políticos, a exemplo do que caracteriza a atuação dos membros da Magistratura ou do Ministério Público. Agentes administrativos são responsabilizados por qualquer atuação que fuja da exata dicção da lei. Auditores da Receita Federal, Procuradores da Fazenda Nacional, Gestores do Ministério do Planejamento, Analistas dos vários Ministérios, não detém prerrogativas que são exclusivas dos membros da Magistratura ou do Ministério Público, como a independência funcional. Não se pode exigir comportamento de quem vive com a ameaça da improbidade administrativa, e que não detém prerrogativas funcionais que justificassem melhores decisões.

Nesse sentido, há recorrente fiscalização, por parte de vários órgãos de controle, a exemplo das corregedorias, e especialmente do Tribunal de Contas, bem como conjunto muito amplo de controle indireto, a propósito de ações de improbidade administrativa e de ações populares. O espaço de articulação é mínimo, por parte do servidor administrativo. Não haveria, em princípio, o que conciliar ou o que aproximar, mantida essa linha de raciocínio.

130 Cf. Unger, Roberto Mangabeira, What Should Legal Analysis Become ?, London e New York: Verso, 1996, pp. 182 e ss. Há tradução. Unger, Roberto Mangabeira, O Direito e o Futuro da Democracia, São Paulo: Boitempo, 2004, pp. 220 e ss. Tradução do inglês para o português de Caio Farah Rodriguez e Marcio Soares Grandchamp.

131 A experimentação social, por intermédio da expansão da imaginação institucional, é tema explorado por Unger, Roberto Mangabeira, False Necessity- Anti-necessitarian Social Theory in the Service of Radical Democracy, London e New York: Verso, 2001, especialmente pp. 125 e ss.

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E porque a Administração só faz o que a lei determina132, premissa que orienta o direito público, só se poderia falar em discricionariedade onde a lei efetivamente permita opções133. Razões políticas e jurídicas justificaram, historicamente, a fixação do princípio da legalidade como “coluna vertebral” do direito público134; práticas conciliatórias e aproximação institucional, no entanto, exigem certa flexibilidade.

Além do que, deve-se diferenciar também o agente político em sentido estrito, isto é, o governante, do funcionário, circunstância já avaliada por Max Weber, ainda que em outro contexto e numa cultura burocrática totalmente distinta da nossa135.

A litigância entre órgãos e entes da Administração, como uma anomalia do presidencialismo, potencializaria gasto público indireto, não aferível objetivamente e, portanto, desconhecido. Suas causas radicam na insistência com fórmulas rígidas de relacionamento interno, bem como na inexistência de marcos regulatórios mais realisticamente dinâmicos e

132 Trata-se de um dos núcleos conceituais do direito administrativo brasileiro, como se lê em Celso Antonio Bandeira de Mello: “Este é o princípio [da legalidade] capital para a configuração do regime jurídico-administrativo [...] é específico do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá identidade própria. Por isso mesmo é o princípio basilar do regime jurídico-administrativo, já que o Direito Administrativo (pelo menos aquilo que como tal se concebe) nasce com o Estado de Direito; é uma consequência dele. É o fruto da submissão do Estado à lei. É, em suma: a consagração da ideia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, consistente na expedição de comandos complementares à lei”. Bandeira de Mello, Celso Antônio, Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2008, p. 100.

133 Conferir também, Di Pietro, Maria Sylvia Zanella, Da Constitucionalização do Direito Administrativo: Reflexos sobre o Princípio da Legalidade e a Discricionariedade Administrativa, in Di Pietro, Maria Sylvia Zanella e Ribeiro, Carlos Vinícius Alves, Supremacia do Interesse Público e outros Temas Relevantes do Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2010, p. 178: “[...] por influência do positivismo jurídico, toda a atividade administrativa passou a submeter-se à lei, levando à substituição do princípio da vinculação negativa pelo da vinculação positiva à lei: daí a afirmação de que a Administração só pode fazer o que a lei permite”.

134 A percepção, em sua dimensão mais objetiva de direito administrativo, é de Otero, Paulo, Legalidade e Administração Pública, Coimbra: Almedina, 2003, p. 16.

135 Weber, Max, Ciência e Política- Duas Vocações, São Paulo: Editora Cultrix, 2006, p. 79: “A honra do funcionário reside em sua capacidade de executar conscientemente uma ordem, sob responsabilidade de uma autoridade superior, ainda que — desprezando a advertência — ela se obstine a seguir uma falsa via. O funcionário deve executar essa ordem como se ela correspondesse a suas próprias convicções. Sem essa abnegação toda a máquina ruiniria. A honra do chefe político, ao contrário, consiste justamente na responsabilidade pessoal exclusiva por tudo quanto faz, responsabilidade que ele não pode rejeitar, nem delegar”. Tradução do alemão para o português de Leonidas Hegenberg e Octany Silveira da Mota.

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mais concretamente objetivos. E do ponto de vista ideológico, das várias vontades corporativas que há. Em muitas das divergências ocorridas na Administração tem-se a impressão que cada um dos envolvidos tende a compreender o problema exclusivamente a partir de seu ponto de vista. É a vontade corporativa, que a tese procura captar no pensamento de Jean-Jacques Rousseau.

Suas conseqüências redundam na má utilização de recursos escassos, sempre em face de necessidades públicas infinitas. Tem-se, na raiz, problema que é também de economia política. Não se tem, efetivamente, pelo menos até o presente momento, como se fazer uma análise entre o custo e o benefício, no que se refere a eventual controle da litigância interna na Administração136. Cuida-se de uma patologia do modelo presidencialista. E que se arrasta ao longo dos anos.

A expansão da presença do Estado brasileiro, no que se refere à ampliação da participação na atividade econômica, deu-se basicamente entre 1940 a 1986. Conheceram-se vários planos governamentais, que qualificaram a transição de um patrimonialismo que se fixou no século

136 Conferir, Oliveira, Roberto Guena, Análise de Custo-benefício, in Bideman, Ciro e Arvate, Paulo (org.), Economia do Setor Público no Brasil, Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 321: “O termo análise de custo-benefício é usado para denominar uma diversidade de técnicas empregadas na avaliação de projetos por parte do setor público. Como o nome sugere, essas técnicas procuram fornecer parâmetros para avaliação dos custos e dos benefícios de um projeto”.

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XIX137 para estruturas fortemente burocráticas, que revelam Estado tecnicista138.

Se a razão das estatais já não mais se justificaria, dado que boa parte delas foi criada num ambiente de falta de recursos privados para investimento, basicamente, por outro lado, tem-se hoje grande presença do Estado, em vários setores, e por outras razões, modelos e circunstâncias, a exemplo de complexa atuação que decorre, entre outros, dos planos governamentais em andamento. É nesse contexto que as superposições entre vários setores da Administração são uma constante.

Por isso, entre outras razões, há conflitos entre órgãos e entes estatais que decorrem do avanço de políticas públicas (rodovias, usinas

137 Cf. Faoro, Raymundo, Os Donos do Poder- Formação do Patronato Político Brasileiro, São Paulo: Globo, 2001.

138 Refiro-me, especialmente, ao Plano de Obras Públicas e Aparelhamento de Defesa (1939-1943, concebido ao longo do Estado Novo), ao Plano SALTE (1950-1954, elaborado no Governo Dutra e parcialmente executado no segundo Governo Vargas), ao Plano de Metas (1956-1960, que matizou a política desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek), ao Plano Trienal (1962-1963, que marcou o interregno João Goulart), ao Plano de Ação Econômica-PAEG (1964-1966, elaborado por Roberto Campos, realizado por Castelo Branco, marcado por fortíssima expansão do setor estatal), ao Plano Decenal (1967-1976, iniciado por Costa e Silva), ao Plano Estratégico de Desenvolvimento-PAED (1968-1970, que contou com orientação de Hélio Beltrão, e que foi iniciado também no governo Costa e Silva), ao Programa de Metas e Bases (1970-1973, que orientou o desenvolvimentismo do Governo Médici), aos dois Planos Nacionais de Desenvolvimento da década de 1970, ao Terceiro Plano Nacional de Desenvolvimento do Governo Figueiredo, bem como ao Plano da Nova República, lançado em 1986, por José Sarney. Os planos da década de 1990 restringiram consideravelmente a participação do Estado na vida econômica. Exemplifico a assertiva com os Planos Collor I e II (1990-1991), com o Plano Real (1994, que enfrentou com sucesso a inflação crônica que nos afligia), com o Primeiro Plano Plurianual (1991-1995, que se iniciou ainda no Governo Collor), com o Plano Plurianual Brasil em Ação (1996-1999, do primeiro governo Fernando Henrique Cardoso), bem como com o Plano Plurianual Avança Brasil (2000-2003, do segundo governo Fernando Henrique Cardoso). Ainda que o combate à desigualdade social tenha sido o núcleo do Plano Plurianual Um Brasil para todos (2004-2007, do primeiro governo Lula) e do Plano Plurianual Desenvolvimento com Inclusão Social e Educação de Qualidade (2008-2011, que foi conduzido no segundo governo Lula), pode-se também perceber esfriamento em tendência de diminuição da participação no Estado na vida econômica, o que se reflete no comportamento das estatais, revertendo-se tendência que se verificou na década de 1990. No entanto, os Programas de Aceleração do Crescimento (PAC 1 e 2), centrados no investimento pesado em infraestrutura (especialmente o PAC-2, orientado para a qualidade de vida urbana — PAC-Cidade Melhor, para o fortalecimento da presença do Estado em regiões carentes- PAC-Comunidade Cidadão, para enfrentamento de problema habitacional- PAC-Minha Casa, Minha Vida, para ampliação do acesso à água e energia elétrica- PAC-Água e Luz para todos, para ampliação de recursos para mobilidade- PAC-Transportes, bem como para ampliação de fontes de energia- PAC-Energia) fomentam animada atividade estatal que pode redundar em recorrentes conflitos de competência e de atribuições. Nada obstante, em outro contexto, e em outra época, tenha sido Roberto Campos um dos mais duros críticos da presença do Estado em vários campos. Cf. Campos, Roberto, Antologia do Bom Senso, Rio de Janeiro: Topbooks, 1996, especialmente pp. 357-454. Cf. também Campos, Roberto, Além do Cotidiano, Rio de Janeiro: Record, 1995, especialmente pp. 13-18, nas quais o diplomata e economista nos apresentaa uma anatomia do estatismo. Leitura indispensável para compreensão da relação atuação estatal, especialmente ao longo de vários planos de ação é encontrada em Campos, Roberto, Lanterna na Popa, Rio de Janeiro: Topbooks, 1994. Conferir também Leitão, Miriam, Convém Sonhar, Rio de Janeiro: Record, 2010, pp. 43-196.

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hidrelétricas, áreas de proteção ambiental), discussões que se desdobram como resultado de conflito de competências, problemas decorrentes do repasse de verbas, superposições de incidências fiscais. Tudo isso revela dificuldade de articulação e coordenação.

Identifica-se, assim, o problema que anima a pesquisa. A excessiva litigância intragovernamental pode revelar historicamente um presidencialismo de pouca articulação interna, cujo resultado, a par da ameaça de ineficiência do Poder Executivo e da perpetuação do impasse, produz recorrente judicialização de problemas internos, fomentando-se, ainda mais, a chamada crise do Poder Judiciário. A crise, no entanto, e na profundeza, poderia estar no próprio Executivo, que demoraria na resposta aos problemas internos que enfrenta. Insista-se, o problema não é exclusivo desse atual governo. É estrutural. É uma herança de uma cultura burocrática preocupada com formas, e não com conteúdos, com procedimentos, e não com resultados.

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4 A hipótese da articulação institucional

O desenvolvimento de uma cultura burocrática de articulação, composição, conciliação e de arbitragem no contexto interno da administração pública federal, absolutamente comprometida com resultados na prática administrativa1, e que não desprezaria a atuação vigilante de órgãos de controle, poderia ser um primeiro caminho de enfrentamento ao problema que se tem.

Há componente de cultura burocrática fossilizada que não pode ser desprezado. A mentalidade de alguns servidores públicos também precisa ser modificada. É esse o contexto da tese que se apresenta, do ponto de vista de um conjunto de proposições, no argumento da presente problematização do presidencialismo brasileiro.

Trabalha-se com a hipótese de que o presidencialismo brasileiro possa ser mais eficiente mediante o combate à litigância intragovernamental, que pode ser enfrentada em sete instâncias, nomeadamente:

a) proposta de concepção de métodos estatísticos confiáveis para que se possa mapear objetivamente a situação presen-te, especialmente quanto a litigância intragovernamental no Judiciário e quanto ao trânsito de precatórios entre órgão e entes públicos;

b) proposta de uma mudança cultural, no sentido de que se bus-que mentalidade mais prospectiva, prática e proficiente, por parte do servidor público; espera-se uma maior preparação e recepção de fórmulas conciliatórias, mediante o uso mais recorrente de conferências de consenso;

c) proposta de uma tonificação de competências da Casa Ci-vil da Presidência da República, de modo que se possa ter neste órgão um núcleo político preventivo de litigância in-

1 Conferir, por exemplo, Souza, Luciane Moessa, Meios Consensuais de Solução de Conflitos Envolvendo Entes Públicos e a Mediação de Conflitos Coletivos, Florianópolis: Mimeo, 2010. Trata-se de tese de doutoramento defendida junto ao programa de doutorado em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. A autora enfatiza, entre outros pontos, a eficácia dos meios consensuais na redução de custos e duração do conflito, bem como na qualidade das soluções obtidas. Há ampla pesquisa de direito comparado, especialmente quanto ao modelo norte-americano.

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tragovernamental; concomitantemente, com o objetivo de se ampliar espaços para produção do necessário consenso, propõe-se o incentivo para criação de núcleos de conciliação em todos os órgãos e entes da Administração, a exemplo do que já ocorre com as ouvidorias;

d) proposta de readequação da Câmara de Conciliação e Ar-bitragem que se tem presentemente na Advocacia-Geral da União, enquanto espaço para apreciar, como se tribunal ad-ministrativo fosse, situações não apaziguadas e aparadas na Casa Civil;

e) proposta de manutenção da Consultoria-Geral da União, com competências definidas para proferir laudos arbitrais, a serem submetidos ao Advogado-Geral da União e ao Minis-tro-Chefe da Casa Civil, na hipótese de frustração da conci-liação na Câmara ou de prévia articulação, na Casa Civil da Presidência da República,

f) proposta de insistência na fixação de marcos regulatórios mais firmes, com o objetivo de se substancializar a atuação do servidor público, especialmente em matérias mais sensí-veis, a exemplo de questões tributárias, ambientais e de pa-trimônio público. e,

por fim,

g) proposta de vincular o ajuizamento de ação judicial entre órgãos e entes da Administração Pública a autorização ex-pressa do Advogado-Geral da União.

A cultura burocrática parece estar mais preocupada com o controle de procedimentos do que com a aferição de resultados. Deve-se, no entanto, ser realista, a ponto de se entender que parcela da resistência do funcionalismo público a mudanças de atitude têm como justificativa o pavor da responsabilização por atos e omissões. É talvez o ponto mais sensível que a proposta enfrentaria.

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A Casa Civil exerce papel importante nessa modelagem de uma nova cultura burocrática2. Há ambiente institucional para que a Casa Civil possa produzir consenso em relação aos conflitos que há entre os vários núcleos do Poder Executivo, isto é, entre órgãos e entes da Administração Federal. É núcleo originário para composição de litígios, pela presença próxima à Presidência da República, e pela visão de conjunto que se espera desse órgão governamental que tem status de ministério.

E, numa instância, outra, não pacificada a discussão, a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal-CCAF3. O referido fórum, CCAF, no contexto das observações e conclusões vindouras, poderia protagonizar, em âmbito interno da Administração Federal, o que as disposições da Lei nº 9.307, de 23 de março de 1996 (Lei da Arbitragem) preconizam em ambiente de relações privadas, ou de relações entre o setor público e o setor privado4. Defende-se que a referida CCAF, guardadas algumas cautelas, se transforme num tribunal administrativo especializado. Ainda que não tenha esse nome. E que não se organize uma estrutura como tal, que seria de aparência, e não de essência, que é o que se quer.

A CCAF pode qualificar uma possibilidade de enfrentamento da questão da litigância intragovernamental, que revela inconsistências no modelo presidencialista que conhecemos. Ainda que, no limite, e

2 A Casa Civil foi tratada pela Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1998, que em seu art. 2º dispunha que à Casa Civil “compete [competia] assistir direta e imediatamente ao Presidente da República no desempenho de suas atribuições, especialmente na coordenação e na integração das ações do Governo, na verificação prévia da constitucionalidade e legalidade dos atos presidenciais, na análise do mérito, da oportunidade e da compatibilidade das propostas com as diretrizes governamentais, na publicação e preservação dos atos oficiais, bem assim supervisionar e executar as atividades administrativas da Presidência da República e supletivamente da Vice-Presidência da República”, entre outros. Atualmente, a Casa Civil da Presidência da República se encontra organizada no modelo da Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003.

3 A CCAF, como se verá, foi instituída pelo Ato Regimental nº 5, de 27 de setembro de 2007. Sua estrutura é definida pelo Decreto nº 7.392, de 13 de dezembro de 2010, com redação alterada pelo Decreto nº 7.526, de 15 de julho de 2011.

4 Conferir, nesse último aspecto, relação entre público e privado, em tema de contratos administrativos, Salles, Carlos Alberto de, Arbitragem em Contratos Administrativos, Rio de Janeiro: Forense, 2011. Trata-se de tese de livre-docência apresentada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo-USP, na qual se defendeu, com proficiência e excelência, a possibilidade do uso de métodos de arbitragem em âmbito de contratos administrativos.

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realisticamente, a referida Câmara de Conciliação possa ser um sintoma, e não necessariamente um remédio. A CCAF poderia protagonizar o papel de tribunal administrativo especializado, com competência para solucionar matérias de Direito Público, que envolvam litígios entre órgãos e entes da Administração, e que reflitam dissonâncias no contexto do Poder Executivo, de um modo geral, e do funcionamento do presidencialismo, de modo particular.

A CCAF deve utilizar técnicas de conciliação e de arbitragem, respeitando-se alguns limites, especialmente em matéria fiscal, no que se refere a empresas públicas e a sociedades de economia mista, por força de distorções que pode haver nos modelos de concorrência5, bem como a regimes de suspensão, de exclusão e de extinção de crédito fiscal, além de cautelas para com a indisponibilidade de receitas componentes de partilhas e de fundos constitucionais. Isto é, se houvesse possibilidade de se incluir no conjunto de competências e atribuições da CCAF empresas públicas e sociedades de economia mista. Haveria também necessidade de ajustes no modelo, no que se refere à relação com o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais-CARF do Ministério da Fazenda.

Há também um problema hermenêutico, no sentido de que não se pode aplicar às relações entre órgãos e entes da Administração Pública a mesma lógica e os mesmos parâmetros que se aplicam nas relações entre o poder público e as pessoas privadas. Como enfrentá-lo?

Há parcela do gasto público envolvida no problema que transcende às rubricas orçamentárias de despesas, correntes e de capital6. Não se conhece exatamente a quantidade de tais despesas, que decorreriam da falta de sinergia e de entendimento entre órgãos e entes da Administração Pública, revelando fragilidade em fórmulas presidencialistas. O

5 Nesse caso, conferir, por todos, Grau, Eros Roberto, A Ordem Econômica na Constituição de 1988, São Paulo: Malheiros, 2010, pp. 306 e ss.

6 Problemas mais recentes de orçamento público, a exemplo do controle de constitucionalidade da lei orçamentária, do problema das despesas sigilosas e o direito à verdade, entre outros, são tratados em Scaff, Fernando Facury e Conti, José Maurício, Orçamentos Públicos e Direito Financeiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

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desentendimento é geralmente levado ao Poder Judiciário, por força do cânone da universalidade da jurisdição7.

No entanto, vinga em alguns setores da própria Administração Federal a percepção de que o modelo da CCAF careceria de maior substancialização teórica, de mais completa justificação empírica, e de uma mais bem acabada formalização normativa. Não haveria base legal para conciliação e arbitragem em matéria fiscal, por exemplo, ainda que a União se qualificasse - simultaneamente - como credora e devedora. Assim, à luz dessa percepção, que o trabalho vai resumir, e enfrentar, haveria fragilidade nos marcos regulatórios que plasmam a atuação da CCAF, especialmente se cotejados com a dogmática financeiro-administrativa-econômico-fiscal, e que muito se ocupa com controle de procedimentos, em detrimento da aferição de resultados.

A convergência de disciplinas de Direito Público também remete a questão para a Teoria Geral do Estado, de modo que o problema possa ser sistematicamente atacado à luz da teoria e da prática do presidencialismo.

A questão é mais problemática em âmbito fiscal. Tem-se a impressão de que todos os cânones de legalidade precisam ser enfrentados. No núcleo, indaga-se se poderia haver conciliação em matéria fiscal ainda que o contribuinte seja, na essência, a consubstanciação do próprio Estado.

No caso de impossibilidade de eventual composição, via conciliação, imprestável a execução contra a Fazenda Pública, pela própria Fazenda Pública, com base no rito do art. 730 do CPC, dada a impossibilidade do uso, no caso, das disposições da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, que dispõe sobre a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública.

São muitas questões, de fundo conceitual e de alcance prático, que o trabalho deve enfrentar. Ainda que o estudo teórico deva, no caso, descer a pormenores de dogmática jurídica, o enfrentamento é necessário. É o caso, entre outros, da utilização do instituto da confusão. Essa questão merece 7 Constituição Federal, art. 5º, inciso XXXV.

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uma digressão. O instituto da confusão, de largo uso no direito privado8, teria aplicabilidade em direito público, ou mais propriamente, em matéria fiscal, para efeitos de composição administrativa na Casa Civil, de conciliação na CCAF ou de arbitramento na Consultoria-Geral da União?

Em outras palavras, eventual regime de conciliação poderia instrumentalizar práticas desconhecidas, ou não utilizadas, ou mesmo vedadas em direito público? Num contexto de Teoria Geral do Direito, pode-se admitir que nas relações internas de direito público vingaria o conceito de instituição desconhecida de uso no direito internacional privado?

A composição em matéria fiscal, supostamente em favor de empresa pública, por exemplo, qualificaria outorga de privilégio fiscal não extensivo ao setor privado, afrontando-se claríssima disposição constitucional? Poderia haver multiplicação de privilégios?

Pode-se aplicar, consensualmente, entre pessoas jurídicas de feição administrativa, fórmulas de mutação constitucional9, de larga utilização pelo STF, a exemplo de julgados recentes de interesse da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos-ECT10 e da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária-INFRAERO11?

Na hipótese de conflito entre órgãos e entes da Administração federal, reveladores de fragilidade no presidencialismo, qual matéria

8 Código Civil, art. 381: Extingue-se a obrigação, desde que na mesma pessoa se confundam as qualidades de credor e devedor. No Código Civil de 1916 a matéria estava disposta no art. 1.049.

9 Cf. Silva, José Afonso da, Poder Constituinte e Poder Popular- (Estudos sobre a Constituição), São Paulo: Malheiros, 2007, pp. 237 e ss.

10 Brasil. STF, ACO 959, relatada pelo Ministro Menezes Direito, julgamento em 17 de março de 2008: Tributário. Imunidade recíproca [...] Extensão. Empresa pública prestadora de serviço público. Precedentes da Suprema Corte. Já assentou a Suprema Corte que a norma do art. 150, VI, a, da CF alcança as empresas públicas prestadoras de serviço público, como é o caso da autora, que não se confunde com as empresas públicas que exercem atividade econômica em sentido estrito. Com isso, impõe-se o reconhecimento da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, a, da CF.

11 Brasil. STF, RE 524.615- AgR, relatado pelo Ministro Eros Grau, julgamento em 9 de setembro de 2008: Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária- INFRAERO. Empresa pública. Imunidade recíproca. Art. 150, VI, a, da CF/88. A Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária- INFRAERO, empresa pública prestadora de serviço público, está abrangida pela imunidade tributária prevista no art. 150, VI, a, da Constituição. Não incide ISS sobre a atividade desempenhada pela INFRAERO na execução de serviços de infraestrutura aeroportuária, atividade que lhe foi atribuída pela União.

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poderia ser objeto de composição, de conciliação ou de arbitramento, levando-se em conta que, de alguma maneira, o poder público se encontra nos dois polos da discussão?

Qual seria o papel desse imaginário tribunal administrativo especializado que, de certa forma, já existe, na atuação da CCAF? Qual seria o desempenho de técnicas de conciliação nesse contexto? E a Casa Civil, que incumbências e competências teria? E o arbitramento da Consultoria-Geral da União, que limites conheceria?

Em âmbito fiscal, sempre o mais problemático, pode-se facultar a conciliação, na hipótese de débito já devidamente inscrito em dívida ativa? E, também em âmbito fiscal, pode-se facultar conciliação de matéria submetida anteriormente a julgamento pelo Conselho Administrativo de Recursos-CARF, antigo Conselho de Contribuintes, do Ministério da Fazenda?

E ainda, também em nicho fiscal, e na hipótese de submissão da discussão ao CARF, o que se conciliar ou arbitrar na hipótese de que a matéria tenha sido efetivamente julgada?

E se a questão estiver judicializada, poderia haver conciliação entre órgãos e entes da administração pública, ainda que por ordem presidencial? E, no caso de judicialização, o que se pode conciliar na hipótese de andamento de execução, com base no rito do art. 730 do CPC?

Haveria alguma convergência (ou divergência) conceitual entre eventual conciliação e o regime de autotutela, fixado na Súmula 473 do STF que dispõe que “a Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial12”? Além do que, a Súmula 473 do STF hoje está contemplada em lei13.

12 A Súmula nº 473 do STF é de 3 de dezembro de 1969, publicada no DJ de 10 de dezembro de 1969, p. 5.929.

13 Art. 53 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999: A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revoga-los por motivo de conveniência ou oportunidade, repeitados os direitos adquiridos.

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E, na hipótese de arbitragem, produzida pela Consultoria-Geral da União-CGU, como se enfrentariam as questões acima colocadas? Poderia se ter no Presidente da República a figura de um árbitro supremo?

Poderia a pessoa jurídica (inclusive empresa pública, sociedade de economia mista ou fundação pública) interessada na conciliação ou na arbitragem obter certidão positiva com efeitos de negativa, ao longo do procedimento, dado que não se tem expressa previsão no art. 151 do Código Tributário Nacional-CTN, que dispõe sobre as hipóteses de suspensão de exigibilidade de crédito tributário?14

Além do que, dispõe o art. 111 do CTN, a legislação tributária que trate de suspensão de crédito tributário deve ser interpretada literalmente. Assim, sem certidão, que opções haveria para o interessado? Ou ainda, por outro lado, o que ganharia a Administração, retendo certidão de si mesma, tomando-se a situação em percepção mais ampla ainda? Que tipo de presidencialismo permitiria que seus vários órgãos e entes litiguassem com voracidade?

No mesmo sentido, seria a conciliação (ou a arbitragem produzida pela CGU) causa justificadora de extinção de crédito tributário, ainda que o art. 156 do CTN15 não o disponha expressamente?

E ainda, seriam a conciliação e a arbitragem na administração pública indicativos de controle hierárquico e, portanto, submetido às regras gerais de verticalidade hierárquica? Como se compreende a autoridade do Presidente à luz dessa questão? Há limites para que o Presidente possa avocar discussões entre órgãos e entes sobre os quais tenha autoridade e sobre o conflito dispor?

14 O art. 151 do CTN dispõe que suspendem a exigibilidade do crédito tributário a moratória, o depósito do seu montante integral, as reclamações e recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo, a concessão de medida liminar em mandado de segurança, a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial, bem como parcelamento.

15 O art. 156 do CTN dispõe que a extinção do crédito tributário se dá por pagamento, compensação, transação, remissão, prescrição, decadência, conversão do depósito em renda, pagamento antecipado, homologação do lançamento, consignação em pagamento, decisão administrativa irreformável (assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória), a decisão judicial passada em julgado e a dação em pagamento em bens imóveis.

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Decisão de arbitragem, ou termo de conciliação, em matéria fiscal, entre órgãos e entes da Administração, desafiaria o dogma da impossibilidade administrativa de revisão de constituição definitiva do crédito fiscal, nos termos do art. 43 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972?

Todas essas questões são variáveis fáticas do problema que se pretende explorar, em seus aspectos de minudência, como argumento em favor da hipótese que se pretende verificar. Isto é, será que o modelo normativo brasileiro contemporâneo contemplaria mecanismos para solução de problemas de direito público em âmbito próprio, administrativo, a partir da necessidade de se obter articulação na Administração Federal, isto é, mais especificamente, no contexto da Presidência da República?

Ou, no mesmo plano, e especialmente em matéria fiscal, mais uma vez, será que situações não alcançadas por mecanismos tradicionais de imunidade e de isenção poderiam ser resolvidas pela própria Administração, independentemente da provocação do Poder Judiciário? Sem se perder de vista, naturalmente, que nas questões apresentadas ao longo da tese tem-se a União litigando com ela mesma.

Trabalha-se também com a percepção de que a legislação que possuímos não contemplaria soluções seguras e indiscutíveis para se enfrentar a litigiosidade entre órgãos e entes públicos. Como resultado, pode-se presumir má alocação de recursos, dispersos em discussões infindáveis e improdutivas, potencializando-se o problema da difícil gestão do dinheiro público16.

Por isso, sem que se apele para ampla reforma na legislação, o que não se justificaria de imediato pelos custos e pela utopia normativa que enceta, deve-se fixar modelo razoável de aplicação dos marcos regulatórios que possuímos, respondendo-se, dentro da legalidade, as perguntas que foram acima lançadas, fixando-se alguns ajustes no 16 Reconhece-se a dificuldade de mensuração do gasto público num contexto de falta de sinergia entre os

entes da Administração. É que, objetivamente, o gasto público é aferido também por funções, a exemplo de função segurança pública, educação, saúde, judiciária e legislativa, mediante indicadores de insumos e de produtos, ponto de partida para compreensão de respectivas eficiência e eficácia. Cf. Brunet, Júlio F. Gregory (coordenador), O Gasto Público no Brasil- entenda a qualidade do gasto público nos Estados brasileiros. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

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contexto normativo atual. Naturalmente, sem se desprezar eventual proposta legislativa, o que propiciaria amplo debate público sobre a questão aqui trazida.

Evidentemente, a questão seria facilmente contornável com a inserção de alguns artigos no CTN (a exemplo do que se pretende fazer com projeto de lei em andamento no Congresso Nacional, e que dispõe sobre a transação tributária), ou com alguma alteração de pormenor na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, ou ainda com modificações na Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000.

Alterações de pormenor na legislação não terão como resultado imediato o fim dos conflitos internos que há no Poder Executivo. Não se discute a imperfeição da legislação brasileira, principalmente em matéria administrativa, financeira e tributária, problema que nos remete à legística, campo temático que estuda a qualidade das leis17. Pode-se constatar que legislação administrativa, financeira e tributária brasileira estimula técnicas de impasse, de indecisão, de insegurança e da falta de clareza.

Há outra questão de Teoria Geral do Direito que também precisa ser lembrada. A lógica interpretativa dos problemas decorrentes das relações entre órgãos e entes da Administração Pública não pode ser a mesma que se utiliza na resolução de problemas nas relações entre a Administração e as pessoas privadas. A pauta que relaciona as autoridades fazendárias e um contribuinte comum não pode ser a mesma que informa as relações entre autoridades fazendárias e autarquias ou empresas públicas.

A pista para esse corte pode ser percebida com investigação que se faça a propósito da história do direito administrativo, e da fixação

17 Cf. Blanco de Moraes, Carlos, Manual de Legística- Critérios Científicos e Técnicos para Melhor Legislar, Lisboa: Editorial Verbo, 2007, Córdoba, Gema Marcília, Racionalidad Legislativa- Crisis de la Ley y Nueva Ciencia de la Legislación, Madrid: Centro de Estúdios Politicos y Constitucionales, 2005. Como pais fundadores da legística: Montesquieu, Charles de Secondat, Barão de, O Espírito das Leis, São Paulo: Martins Fontes, 2005, especialmente Livro Vigésimo Nono, Da Maneira de Compor as Leis, pp. 601-616. Tradução do francês para o português de Cristina Murachco. Bentham, Jeremy, Uma Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação, in Os Pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1979. Tradução do inglês para o português de Luiz Jorão Baraúna.

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de regimes de contencioso administrativo (tradição francesa) ou de universalidade de jurisdição (tradição norte-americana). O contencioso administrativo é tratado, em regra, a partir de uma relação entre Administração e administrado; raramente, o problema é posto em termos de relação entre órgãos e entes da Administração.

Assim, pretende-se investigar, a título de contribuição, a possibilidade e os limites de um tribunal administrativo especializado para avaliar questões internas da Administração, a partir das atuais fórmulas da Consultoria-Geral da União-CGU, da CCAF, bem como da Casa Civil.

Especialmente, mediante o uso de técnicas de conciliação e de arbitragem, em tema de atividade administrativa, patrimonial e financeira do Estado, e notadamente em matéria fiscal, em litígios que envolvam a própria Administração. É o caminho para uma reacomodação adequada do presidencialismo. É um esforço para a concepção de centros de produção de consenso.

O ponto de partida de toda a discussão decorre da constatação de que a intensa litigiosidade, judiciária e administrativa, entre órgãos e entes da Administração, reveladora de alguma fragilidade no sistema de governo presidencialista é, no mais das vezes - ou quase sempre - improdutiva, insista-se.

Faz-se, assim, e ainda que intuitivamente, análise de políticas públicas, indagando-se de relações entre custos, benefícios e eficiência18. O que efetivamente beneficia o cidadão uma disputa entre a Administração direta e alguma autarquia, ou alguma estatal? Ganha o cidadão com um presidencialismo que não administra os conflitos internos que há?

Voltemos ao pormenor. Quem ganha com hipotética execução fiscal promovida pela União em face de autarquia federal para a cobrança, por exemplo, de crédito decorrente de multa lançada pelo não cumprimento de obrigação tributária acessória?

18 Cf. Kraft, Michael K. e Furlong, Scott R., Public Policy- Politics, Analysis and Alternatives, Washington, CQ Press, 2010, pp. 156 e ss.

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Sigo com mais alguns exemplos colhidos na dinâmica das discussões presentes, e que ilustram a dramaticidade da questão, ainda que em ponto muito menos conceitual e objetivamente mais dogmático. São exemplos escolhidos randomicamente na atuação da CCAF, que aqui são retomados, porque ilustrativos do grande problema que se tem.

A quem interessaria lançamento fiscal feito contra empresa pública com maioria de capital social da União que explora atividade hospitalar e que se mantém exclusivamente com recursos do Sistema Único de Saúde-SUS19? O que os projetos da Presidência da República ganham com isso?

Até onde avançaria a tentativa da ANVISA no sentido de cobrar de universidade federal multa pelo descumprimento de regras sanitárias em face de importação de produtos de pesquisa20?

Até onde nos levaria discussão entre o INCRA e a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba-CODEVASF, referentes a supostas dívidas de tarifas de água, derivadas de projetos de irrigação, e que, não pagas a tempo21, suscitaram inscrição no CADIN22?

Qual a justificativa para a disputa entre a União e o INSS, a propósito de multa processual diária por atraso na apresentação de comprovantes de pagamentos em valores de benefícios de pensão23?

Os problemas alcançam, inclusive, relações de cunho federalista, a exemplo de discussão em torno de lançamentos que o Ministério da Fazenda realizou contra a Companhia de Desenvolvimento de Projetos Especiais-CODESPE, empresa pública vinculada ao Estado do Espírito Santo24. Qual o sentido da judicialização desse tipo de questão? O presidencialismo não exige também uma eficiente concepção do modelo federalista?

19 Processo nº 00400.002399/2007-35.

20 Processo nº 00407.001713/2011-89.

21 Processo nº 00407.009004/2009-27.

22 Regulado pela Lei nº 10.522, de 19 de Julho de 2002.23 Processo nº 00495.003486/2010-01.

24 Processo nº 00400.011694/2009-44.

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E ainda, em matéria de federalismo fiscal25, como se enfrentar tentativa de conciliação, por parte de Estado da Federação, em relação à União, invocando inclusão indevida, por parte desta última, de parcelas de PASEP já afastadas pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda-CARF, em decisão administrativa26?

E também, a propósito de relações de federalismo vertical (União e Estados da Federação), quais alternativas haveria para discussão entre a União Federal e o Estado do Paraná, no que se refere a antecipação de receitas de royalties da empresa Itaipu-Binacional, a par de compensações financeiras pela exploração de recursos hídricos, naquele contexto27?

Há algum sentido em se provocar o Poder Judiciário para discussão de problemas de pagamento de Guias de Recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e de Informações à Previdência Social-GFIP, o que levou à inscrição da FUNAI no CADIN28?

Como se resolver execução fiscal proposta pela União, por intermédio da PGFN, contra a Universidade Federal Fluminense-UFF, por diferenças de recolhimentos de valores do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público-PASEP29, matéria judicializada, com decisão favorável à Fazenda Nacional?

O que os futuros historiadores do direito dirão sobre execução fiscal proposta pela Fazenda Nacional contra a FUNASA, com o objetivo da cobrança de débitos de PASEP30?

Ou o que se escreverá no futuro sobre execução fiscal proposta pelo INSS contra a União, na qualidade de sucessora de órgão extinto,

25 Conferir, no assunto, Rezende, Fernando, A Reforma Tributária e a Federação, Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009. Conferir também, Conti, José Maurício (org.), Federalismo Fiscal, Barueri: Manole, 2004.

26 Processo nº 00400.003709/2011-15.

27 Processo nº 00400.012804/2010-29.

28 Processo nº 00407.010831/2010-05.

29 Processo nº 00547.000062/2010-24.

30 Processo nº 00410.000799/2005-25.

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Legião Brasileira de Assistência-LBA, pelo não recolhimento de débitos previdenciários31?

O que se fazer com crédito inscrito em dívida ativa pela ANAC, referente a multa administrativa aplicada à Polícia Rodoviária Federal-PRF, em fiscalização feita por aquela primeira32?

Não se teria, no limite, problema afeto à exata compreensão do conceito de interesse público? Pode-se recorrer a critério hermenêutico de maior simplicidade, no sentido de se afirmar que o interesse público é que deve reger e determinar soluções que os problemas aqui indicados exigem. No entanto, a percepção de interesse público pode ser extremamente volátil e indefinida. Pode-se vincular o interesse público ao exato cumprimento da lei, formulação que radica na tradição francesa, e que fixa a lei como o resultado de uma vontade geral, tal como enunciada por Jean-Jacques Rousseau33. Pode-se fracionar o interesse público, em interesses primários e secundários, a exemplo do que a literatura jusadministrativista brasileira tem feito34.

Pode-se cogitar de noções distintas de interesse público, dependendo-se dos agentes que qualificam e utilizam tais critérios. Assim, em tese, pode-se falar de um conceito de interesse público para o STF (e ainda assim com inúmeras percepções, dependendo-se das visões pessoais dos vários ministros daquela Corte), de outro para o TCU, de outro ainda para a Controladoria-Geral da União-CGU, de outro para a Presidência da República quando há veto de projeto de lei encaminhado para sanção, bem como de um conceito de interesse público para a Corregedoria-Geral da Advocacia-Geral da União-CGAU.

Tem-se exemplo muito significativo da amplitude do uso da conceituação de interesse público, por parte da Presidência da República,

31 Processo nº 00405.000323/2007-25.

32 Processo nº 00424.000811/2010-20.

33 Cf. Rousseau, Jean-Jacques, O Contrato Social, Porto Alegre: L & PM, 2009, pp. 45 e ss. Tradução do francês para o português de Paulo Neves. Há outras traduções, a exemplo da tradução de Antonio de Paula Danesi, em Rousseau, Jean-Jaques, O Contrato Social, São Paulo: Martins Fontes, 2003, pp. 37 e ss. O trabalho se vale de ambas as traduções.

34 Cf. Bandeira de Mello, Celso Antonio, Curso de Direito Administrativo, p. 65.

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quando dos vetos a projetos de lei encaminhados para sanção. É o caso, entre tantos outros, da proposta de veto, por contrariedade ao interesse público, do então projeto de Lei nº 31, de 2008, que dispunha sobre limites à exposição humana a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos. Neste caso, a Presidência da República se opôs à destinação de valores cobrados por órgão regulador federal ao Fundo de Fiscalização das Telecomunicações-FISTEL35.

A fixação de um consenso, por parte da Presidência da República, em relação a pedidos de veto em projetos de lei que são encaminhados para sanção é exemplo muito representativo da possibilidade de alcance de unidade da ação governamental. Uma vez encaminhado o projeto de lei para sanção presidencial, a Casa Civil providencia o envio do texto para todos os Ministérios a quem interessaria a norma a ser sancionada, bem como à Advocacia-Geral da União.

Faz-se uma análise do projeto de lei, colhendo-se a opinião dos interessados, especialmente no que se refere a inconstitucionalidade do projeto. Coletam-se também impressões relativas à incompatibilidade entre o texto do projeto e o interesse público. Essas informações são mediadas pela Presidência da República, que as compila e que emite um definitivo juízo de valor.

Estudo sobre essas manifestações revela tendências e compreensões, relativas, entre outros, a conceito presidencial de interesse público. Vetou-se excerto de projeto de lei que tratava de lista de doenças graves36. Foi-se contra excerto de projeto de lei que equiparava a cessão de locação

35 Argumentou-se que “a vinculação de percentuais mínimos de aplicação de recursos às atividades do órgão regulador federal de telecomunicações demonstra-se inoportuna e contrária ao interesse público porque contribuirá para ampliar as vinculações de despesa a que estão submetidos os orçamentos públicos e a consequente redução da margem de discricionariedade alocativa do Governo Federal”. De tal modo, como se percebe, a função “redução de margem de discricionariedade alocativa do Governo Federal” era indicativa de interesse público, no contexto da justificação do veto então encaminhado ao Presidente do Senado Federal. Brasil. Presidência da República. Mensagem nº 305, de 5 de maio de 2009.

36 Mensagem de veto nº 609, de 29 de julho de 2009: “A classificação de qualquer enfermidade como grave depende da análise das condições físicas e do estado de saúde e não da doença em si. A maior parte delas apresenta estágios e graus de incapacidade variados, não sendo possível classificá-las objetivamente a partir de um critério de gravidade. Diante disso, a gravidade da enfermidade deve ser aferida pela autoridade judiciária em cada caso concreto, com base nas provas que acompanharão o requerimento de prioridade apresentado”.

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a qualquer negócio jurídico que importasse na transferência do controle societário do locatário pessoa jurídica37. Vetou-se excerto de projeto de lei que trata de regularização fundiária na região Amazônica38. Foi-se também contra excerto de projeto de lei que tratava de atualização e taxas de juros de débitos fiscais39. Vetou-se fragmento de projeto de lei que permitia que declarações de óbito também pudessem ser emitidas por delegacias de polícia ou órgãos de saúde40.

A questão da supremacia do interesse público foi retomada em obra coletiva dirigida por Maria Sylvia Zanella de Pietro e Carlos Vinicius Alves Ribeiro, problematizando-se, inclusive, um suposto

37 Mensagem de veto nº 1.004, de 9 de dezembro de 2009: “Não é possível confundir a estruturação societária da pessoa jurídica, que, independentemente da formação do quadro de sócios, tem personalidade jurídica própria, com o contrato de locação havido entre o locador e a própria pessoa jurídica. Ou seja, em outras palavras, o contrato de locação firmado entre locador e pessoa jurídica não guarda qualquer relação de dependência com a estruturação societária da pessoa jurídica locatária, considerando, essencialmente, a distinção da personalidade jurídica de cada um (sócios e a própria pessoa jurídica), conferida pelo ordenamento jurídico pátrio de cada um dos entes [...]”.

38 Mensagem de veto nº 488, de 25 de junho de 2009: ”O novo marco legal instituído par a regularização fundiária na Amazônia Legal foi elaborado com base em dados que apontavam que a maior parte das ocupações de terras públicas incidentes na região era exercida por pequenos e médios agricultores. Diante desse fato, a Medida Provisória nº 458, de 2009, instituiu mecanismos para viabilizar a regularização fundiária de ocupações exercidas por pessoas físicas ocupantes de pequenas e médias porções de terras da União, exploradas diretamente pelo ocupante que, por sua vez, tem nessa exploração sua principal atividade econômica. Diante da importância da regularização fundiária para o desenvolvimento econômico e social da região, a proposta recebeu emendas que ampliaram seu objeto para incluir as ocupações exercidas por pessoas naturais, ainda que detentoras de outros imóveis ou que explorem indiretamente a área ocupada, e por pessoas jurídicas entre aquelas passíveis de regularização. Não obstante a motivação que embasou essa ampliação, na é possível prever seus impactos para o desenvolvimento do processo de regularização fundiária, uma vez que não há dados que permitam aferir a quantidade e os limites das áreas ocupadas que se enquadram nessa situação”.

39 Mensagem de veto nº 504, de 29 de junho de 2009: “Não atende ao interesse público oferecer mais uma desoneração fiscal ao contribuinte quando já há previsão, no Projeto de Lei de Conversão, de vários benefícios para quem aderir ao parcelamento, como a redução, ou mesmo eliminação, de multa e juros de mora e de ofício, juros de mora e do encargo legal. Por fim, vale lembrar que os parcelamentos instituídos são de longo prazo, o que dificulta a redução dos índices de atualização monetária e juros a serem aplicados aos tributos devidos, acarretando na desvalorização dos créditos públicos”.

40 Mensagem de veto nº 539, de 7 de julho de 2009: “Considera-se contrário ao interesse público permitir que, além de cartórios, a Declaração de Óbito possa ser emitida por delegados de polícia, ou outros órgãos oficiais das áreas de justiça ou saúde, pois, atualmente, esse é um documento cuja emissão é de competência exclusiva do médico, salvo situações excepcionais, conforme regulamentado pelo Ministério da Saúde e pelo Conselho Federal de Medicina [...]”.

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caráter autoritário das categorias do referido interesse público41. Percebe-se neste trabalho uma resposta a recente discussão em torno da construção do conceito de interesse público, que tentou aproximá-lo a práticas de algum modo autoritárias42.

Do ponto de vista epistemológico, o trabalho cuida também de Teoria Geral do Direito (no que se refere a propostas hermenêuticas para a interpretação de conteúdos normativos que se aplicam a conflitos internos do Governo). Em menor escala e intensidade também alcança problemas de Direito Tributário (tipologias de extinção de crédito), de Direito Administrativo (relações entre a administração direta e a administração indireta, discricionariedade administrativa, autotutela), de Direito Constitucional (teoria da ubiquidade da justiça), de Direito Processual (a exemplo da execução da Fazenda Pública em face da própria Fazenda Pública) e de Direito Econômico (favorecimento fiscal a empresa pública e a sociedade de economia mista). E também, nas entrelinhas, questionamento referente à própria qualidade do crédito público, o qual, eventualmente, pode ser mera ficção contábil, cuja realização não passaria da mera transferência de recursos, de uma conta do Governo, para outra conta do mesmo Governo. O problema é também de contabilidade pública.

Num sentido metodológico, com o objetivo de mapear um problema do presidencialismo e apresentar hipótese, segue-se linha indutiva, cuidando de problemas e de casos concretos de conflitos que há entre órgãos e entes da Administração, caminhando para esquemas gerais, com o objetivo de se explicitar conjunto normativo que possa orientar a atuação do teórico do Estado, do administrador e do gestor. Ainda que, do ponto de vista do encaminhamento das discussões, o texto se inicie por uma avaliação conceitual do sistema de governo

41 Gabardo, Emerson e Hachem, Daniel Wunder, O Suposto Caráter Autoritário da Supremacia do Intersse Público e das Origens do Direito Administrativo: uma Crítica da Crítica, in Di Pietro, Maria Sylvia Zanella e Ribeiro, Carlos Vinicius Alves (coord.), Supremacia do Interesse Público e outros Temas Relevantes de Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2010, pp. 11-66.

42 Conferir, por todos, os ensaios encontrados em Sarmento, Daniel (org.), Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio da Supremacia do Interesse Público, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

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presidencialista. Os fatos concretos aqui avaliados necessitam de teorização43.

Não se descuida, no entanto, de tentativa de levantamento de informações conceituais, referentes à natureza do presidencialismo, que é o núcleo da pesquisa, e para onde converge todo o esforço de levantamento empírico de dados.

Na busca da articulação e da convergência das vontades governamentais, defende-se o fortalecimento do desempenho político da Casa Civil da Presidência da República no gerenciamento dos conflitos, bem como a tonificação do papel da CCAF, que hoje funciona na AGU, e que poderia se transformar em tribunal administrativo para apreciar conflitos internos. É também necessária a realização de conferências internas de consenso, para que se alcance uma linguagem administrativa que revele uma vontade govenamental que todos possam compreender.

E de um ponto de vista muito prático, entre outros, defende-se que órgãos e entes da Administração Federal não poderiam litigar entre si em juízo sem conhecimento e autorização expressa do Advogado-Geral da União, que é quem detém delegação presidencial para supervisionar esse tipo de assunto. Há algo parecido no Estado de Minas Gerais.

A possibilidade de que a Casa Civil da Presidência da República e um tribunal administrativo especializado, a partir do modelo atual da CCAF, forte em técnicas de conciliação e de arbitragem, possam prevenir, evitar e decidir desentendimentos internos do Governo é a hipótese que se apresenta como enfrentamento do problema da litigiosidade intragovernamental, no contexto da própria Administração Federal, reveladora de fragilidades e incongruências no modelo presidencialista. Insiste-se. Não se trata de um problema criado pelo Governo atual. É um problema histórico, que se incrusta na concepção que cada servidor público tem de Estado e de sua atuação pessoal.

43 É de León Duguit a pressuposição de que as �teorias gerais não são nada se não repousam sobre a observação das instituições positivas e que, ao inverso, o estudo das instituições positivas não oferece nenhum interesse e nada tem de científico senão o relacionamos a um certo número de idéias gerais�, como se lê em Derathé, Robert, Rousseau e a Ciência Política de seu Tempo São Paulo: Editora Barcarolla, 2009, p. 53. Tradução de Natalia Maruyama.

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A investigação admite a impossibilidade de se aferir exatamente o quanto se gasta com a litigância interna entre órgãos e entes da administração federal. É que a contabilidade pública possui campo muito limitado, alcançando recursos que tenham origem no Tesouro, receitas originárias e derivadas, fazendo-se “[...] dentro de uma programação específica [...] sujeita a controles formais, obrigatórios, dos sistemas de controle interno e externo [...]44”.

Como se calcular o custo de discussão entre Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e IBAMA? Ou entre o INSS e uma universidade federal? Ou entre a Procuradoria-Geral Federal e a Administração direta? Ou entre a Receita Federal e uma empresa pública, especialmente quando eventual execução busque precatório no qual podem se confundir credor e devedor? Qual o custo da recusa de entrega de certidão de débitos fiscais para empresa pública dependente de fomento que tem como condição de entrega a apresentação da referida certidão?

Há um quadro orçamentário muito fechado de despesa, fracionada em efetiva e não efetiva; nesta última, não se diminuiu a situação liquida patrimonial de órgão ou entidade; tem-se mero “fato contábil permutativo45”. Ainda assim, no entanto, não há aferição da falta de sinergia na administração pública.

Deve-se ter muito cuidado com empresas públicas e sociedades de economia mista, por força de disposição constitucional que veda a concessão de benefícios fiscais, não outorgados ao setor privado. É situação que exige insumo de direito econômico, e que demanda muita cautela, em decorrência das distorções concorrenciais que opção supostamente paternalista possa suscitar.

A hipótese com a qual se trabalha consiste no enfrentamento da litigância intragovernamental mediante o reconhecimento da necessidade de que se tenham métodos estatísticos mais adequados para compreensão do problema. Defende-se a fixação da Casa Civil da Presidência da República como instância de filtragem e ajustamento

44 Piscitelli, Roberto Bocaccio e Timbó, Maria Zulene Farias, Contabilidade Pública- Uma Abordagem da Administração Pública Financeira, São Paulo: Atlas, 2010, p. 8.

45 Rosa, Maria Berenice, Contabilidade do Setor Público, São Paulo: Atlas, 2011, p. 251.

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político em relação às divergências internas que há. Insiste-se na concepção de marcos regulatórios e interpretativos mais precisos.

Sustenta-se que a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal torne-se, efetivamente, um tribunal administrativo com competência para arbitrar divergências entre vontades corporativas na Administração. Perfilha-se uma cultura burocrática menos submergida com procedimentos, e mais preocupada com resultados, tudo, naturalmente, com o comprometimento com a prévia busca do consenso e do entendimento.

Defende-se também que o ajuizamento de ações judiciais entre órgãos e entes da Administração Federal dependa de autorização expressa do Advogado-Geral da União. Não se trata de ideia original. Como informado, há algo semelhante no Estado de Minas Gerais. Por intermédio do Decreto nº 45.164, de 4 de setembro de 2009 o Vice-Governador daquele Estado determinou que “as autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Estado somente poderão [poderiam] litigar em juízo umas com as outras ou contra o Estado depois de autorizadas pelo Governador do Estado”. E ainda, determinou também que “os conflitos de natureza jurídica existentes entre as entidades da administração pública e as divergências de entendimento entre as assessorias jurídicas e as procuradorias serão [seriam] solucionados pelo Advogado-Geral do Estado”.

Na proposta com a qual vai se trabalhar faz-se adaptação desse modelo, no sentido de se cogitar da referida autorização, não por parte do Presidente da República, dada a dimensão institucional da União, mas por parte do Advogado-Geral da União.

Resumidamente, articulação dos vários atores que protagonizam as tarefas do Poder Executivo, sob a chefia do Presidente da República, com vistas a um controle e combate à litigância intragovernamental, revela-se como hipótese de pesquisa a ser trabalhada.

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5 A construção da vontade geral em Rousseau e a defesa da unidade da ação governamental nos federalistas norte-americanos

Ainda que correndo o risco de algum sincretismo metodológico, os marcos teóricos da investigação centram-se na concepção de vontade geral em J. J. Rousseau e na unidade de atuação do Poder Executivo que se colhe nos Artigos Federalistas, já mencionados no início do trabalho. Pretende-se alcançar um procedimento que propicie unidade na atuação no sistema presidencialista brasileiro.

Na vontade geral de Rousseau busca-se caminho para a compreensão da formação da vontade na Administração num contexto histórico de afirmação das instituições democráticas. Na percepção da unidade de atuação do Poder Executivo dos founding fathers norte-americanos se pretende a coleta de insumo conceitual que justifique a articulação institucional do Poder Executivo como condição mínima de eficiência do sistema de governo presidencialista. Tomando-se, naturalmente, e bem entendido, o pensamento de Rousseau, de Hamilton, de Madison e de Jay num contexto contemporâneo.

Reconhece-se o presenteísmo da opção1, na medida em que Rousseau não cogitou do modelo presidencialista, tal como este se configurou posteriormente. E também os autores dos Artigos Federalistas manifestavam outras preocupações, principalmente no que se referia às ligações entre o governo central e os governos locais.

1 Para a relação entre História e Direito, conferir, Posner, Richard, Fronteiras da Teoria do Direito, São Paulo: Martins Fontes, 2011, pp. 167-202. Tradução de Evandro Pereira e Silva, Jefferson Luiz Camargo, Paulo Salles e Pedro Sette-Câmara. Para a questão historiográfica do presenteísmo, isto é, a construção idealizada do passado com base em nossos contextos e rotinas atuais, Nietzsche, Friedrich, Escritos sobre História, Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio e São Paulo: Loyola, 2005, Tradução de Noéli Correia de Melo Sobrinho. Foucault, Michel, Ditos e Escritos II- Arqueologia das Ciências e História dos Sistemas de Pensamento, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, especialmente pp. 260 e ss., Nietzsche, a Genealogia, a História, Tradução de Elisa Monteiro. Conferir também Bloch, Marc, Introdução à História, Mira-Simtra: Publicações Europa-América, 1997, Tradução de Maria Manuel, Rui Grácio e Vítor Romaneiro. Breisach, Ernest, Historiography- Ancient, Medieval and Modern, Chicago and London: The University of Chicago Press, 1994. Finley, M. I., Uso e Abuso da História, São Paulo: Martins Fontes, 1989. Tradução de Marylene Pinto Michael. Carr, Edward Hallet, Que é História? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. Tradução de Lúcia Maurício de Alverga. Schaff, Adam, História e Verdade, São Paulo: Martins Fontes, 1995, especialmente, pp. 101 e ss. Tradução de Maria Paula Duarte. Certeau, Michel de, A Escrita da História, Rio de Janeiro: Forense, 2011. Tradução de Maria de Lourdes Menezes.

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No entanto, vontade geral e unidade do Executivo são os dois pontos que norteiam a estrutura teórica do presente trabalho. De fato, pretende-se alcançar consenso que revele a vontade geral da Administração, bem como uma atuação ostensivamente articulada que nos indique a efetiva unidade do Executivo. A Casa Civil da Presidência da República é o local mais apropriado para formulação e articulação dessa vontade.

Começo com o pensador de Genebra. Vontade geral e soberania se equivalem na teorização política de Rousseau2. A indivisibilidade da soberania decorreria da indivisibilidade da própria vontade geral3. Esta última, vontade geral, seria substancialmente distinta de uma vontade de todos. O Governo sedimenta-se na conjunção de força e vontade, isto é,

Toda ação livre tem duas causas que concorrem para produzi-la, uma moral, a saber, a vontade que determina o ato, e outra física, ou seja, o poder que a executa. Quando me dirijo a um objeto, é preciso, primeiro, que eu queira ir até ele e, em segundo lugar, que meus pés me levem até lá. Que um paralítico queira correr, que um homem ágil não o queira, ambos ficarão no mesmo lugar. O corpo político tem os mesmos móveis; nele se distinguem a força e a vontade, esta sob o nome de poder legislativo e aquela sob o nome de poder executivo. Nada se faz nele, ou não se deve fazer, sem seu concurso4.

Há necessidade de articulação e de convergência na atuação governamental como se intui da própria concepção de Governo, no enunciado de Rousseau:

O governo é em pequena escala o que o corpo político, que o encerra, é em grande escala. É uma pessoa moral dotada de certas faculdades, ativa como o soberano, passiva como o Estado, e que se pode decompor em outras relações parecidas; de onde nasce,

2 Segundo o genebrino: “Digo, pois, que a soberania, sendo apenas o exercício da vontade geral, nunca pode alienar-se, e que o soberano, não passando de um ser coletivo, só pode ser representado por si mesmo: pode transmitir-se o poder- não, porém, a vontade”. Rousseau, J. J., O Contrato Social, cit. p. 33.

3 Segundo Rousseau: “Pela mesma razão por que é inalienável, a soberania é indivisível, visto que a vontade ou é geral ou não o é ou é a do corpo do povo, ou unicamente de uma parte. No primeiro caso, essa vontade declarada é um ato de soberania e faz lei; no segundo, não passa de uma vontade particular ou de um ato de magistratura; é, quando muito, um decreto”. Rousseau, J. J., O Contrato Social, cit. pp. 34-35.

4 Rousseau, J. J., O Contrato Social, cit. p. 71.

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consequentemente, uma nova proporção, e ainda outra nesta, segundo a ordem dos tribunais, até se chegar a um termo médio indivisível, isto é, a um único chefe ou magistrado supremo, que podemos representar, no meio dessa progressão, como a unidade entre a série e a dos números5.

O agente da vontade geral pode alterar seu conteúdo na representação de algumas outras vontades que carrega, atuando em favor de uma vontade pessoal ou de uma vontade setorizada, como se tutor da vontade geral efetivamente fosse:

Podemos distinguir na pessoa do magistrado três vontades essencialmente distintas. Primeiro, a vontade própria do indivíduo, que só tende ao seu benefício particular; segundo, a vontade comum dos magistrados, que se diz unicamente ao benefício do príncipe e se pode denominar vontade de corpo, a qual é geral em relação ao governo e particular em relação ao Estado de que o governo faz parte; em terceiro lugar, a vontade do povo ou a vontade soberana, que é geral tanto em relação ao Estado considerado como um todo quanto em relação ao governo considerado como parte desse todo6.

Há graduação entre essas vontades. A ascendência da vontade geral sobre as demais, ainda que mais fraca, é condição para alcance da ordem social:

Segundo a ordem natural, pelo contrário, essas diferentes vontades tornam-se mais ativas à medida que se concentram. Assim, a vontade geral é sempre a mais fraca, a vontade de corpo ocupa o segundo lugar e a vontade particular o primeiro de todos, de sorte que no governo, cada membro é em primeiro lugar ele próprio, depois magistrado e enfim cidadão. Gradação diretamente oposta à exigida pela ordem social7.

A vontade do Governo, ou vontade geral, é ameaçada por vontades particulares ou por vontades corporativas. Disputas internas num mesmo Governo revelam conflitos entre vontades corporativas, fragilizando-se orientação superior, supostamente qualificadora de uma vontade geral, especialmente em sociedade na qual os critérios de identificação de democracia são alcançados, a exemplo da participação efetiva do eleitorado, da compreensão das discussões públicas, do 5 Rousseau, J. J., O Contrato Social, cit. p. 75.

6 Rousseau, J. J., O Contrato Social, cit. p. 78.

7 Rousseau, J. J., O Contrato Social, cit. loc. cit.

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controle de agendas e da inclusão de todos os adultos8, em condições de igualdade no exercício do voto9.

Rousseau, na concepção de um cientista político que o estudou, “distinguiu a vontade geral das vontades específicas de associações parciais e indivíduos restritos [...] esses grupos e indivíduos particulares são orientados para seus interesses estritamente seccionais e assim não podem alegar corporificar a vontade da sociedade como um todo10”. Rousseau criticou valores e referências da sociedade monárquica11; não admitia que algumas vozes que se indicavam como da maioria substancializassem, de fato, uma vontade geral12.

Esta última, a vontade geral, resulta de decisão coletiva que tem por objetivo atender a necessidades também coletivas, abstraindo-se vontades pessoais, localizadas e setoriais13. E porque a natureza dita apenas interesses e vontades pessoais, a sociedade civil deve centrar-se numa convenção, qualificadora da imaginária vontade geral14, concentrada num soberano, cuja obediência seria a medida exata da liberdade15.

A vontade geral é aquela que compartilhamos como cidadãos16. Estreitando as diferenças entre fatos e fantasias17, Rousseau indicou

8 Cf. Tilly, Charles, Democracy, Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. 9.

9 Cf. Harrison, Ross, Democracy, London & New York: Roudtledge, 1993, p. 177.

10 Bird, Colin, Introdução à Filosofia Política, São Paulo: Madras, 2011, p. 101. Tradução de Saulo Alencastre.

11 Cf. Starobinski, Jean, Jean-Jacques Rousseau: La Transparence et L‘Obstacule, Paris: Gallimard, 1971, p. 36.

12 Cf. Derathé, Robert, Rousseau e a Ciência Política de seu Tempo, São Paulo: Discurso Editorial e Barcarolla, 2009, p. 345. Tradução de Natalia Maruyama.

13 Cf. Robertson, David, The Routledge Dictionary of Politics, London: Routledge, 2004, p. 205.

14 Cf. Bloom, Alan, Jean-Jacques Rousseau, in Strauss, Leo e Cropsey, Joseph, History of Political Philosophy, Chicago and London: The University of Chicago Press, 1987, p. 567.

15 Cf. Chevallier, Jean-Jacques, Les Grandes Oeuvres Politiques- de Machiavel à nos Jours, Paris: Armand Colin, 1996, p. 112.

16 Cf. Haddock, Bruce, A History of Political Thought, Malden: Polity Press, 2010, p. 136.

17 Cf. Porter, Roy, Enlightenment- Britain and the Creation of the Modern World, London: Penguin Books, 2001, p. 278.

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mecanismos para combate da natureza egoísta da sociedade18, revelando encantador otimismo para com a natureza humana19, exigindo reformas radicais com o objetivo de se alcançar a igualdade entre as pessoas20.

Para os propósitos do presente trabalho, assume-se que o sistema presidencialista, num contexto democrático, pode qualificar uma possível vontade geral, identificada com uma vontade de governo. Há necessidade de que se conte com mecanismos efetivos de controle, de monitoramento e da articulação das várias vontades que se revelam num mesmo Governo, numa sociedade pluralista e democrática. É necessária a fixação de um espaço facilitador de consenso, como condição prévia para o desdobramento das discussões.

O problema não estaria, necessariamente, na multiplicação de vontades. A discussão estaria na necessidade que se tenha um mecanismo eficiente para discussão e fixação de vontade convergente. Caso contrário, o que se tem, insiste-se, é técnica do impasse, por intermédio da qual o Executivo não se movimenta.

O segundo marco teórico da discussão de um presidencialismo de articulação radica nos Artigos Federalistas, da tradição política norte-americana. Para os federalistas, “a energia do Poder Executivo é um dos principais caracteres de uma boa administração21”. O Poder Executivo, na pessoa do presidente, é uma instância institucional enérgica, no sentido positivo do termo, isto é, eficiente e prospectiva. Segundo os autores deste texto seminal da Teoria Geral do Estado:

A energia do Poder Executivo consiste na sua duração, na sua unidade, na suficiente extensão dos seus poderes, nos meios de prover as suas despesas e as suas necessidades; e a segurança do governo republicano funda-se na responsabilidade dos funcionários e na influência razoável das vontades do povo. Os homens mais hábeis os jurisconsultos mais célebres pela exatidão e firmeza de seus princípios, todos concordam em exigir unidade no Poder Executivo,

18 Cf. Cassirer, Ernest, The Philosophy of the Enlightenment, New Jersey: Princeton University Press, s.d., p. 157. Tradução do alemão para o inglês de Fritz C. A. Koelln e James P. Pettegrove.

19 Cf. Wolff, Jonathan, An Introduction to Political Philosophy, Oxford and New York: Oxford University Press, 2006, p. 24.

20 Cf. Israel, Jonathan I., Radical Enlightenment, Oxford: Oxford University Press, 2002, p. 274.

21 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 418.

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apesar de não terem dúvida em deixar a autoridade legislativa a um grande número de pessoas22.

Os federalistas enfatizavam a unidade no Poder Executivo, legenda que, transposta para o modelo brasileiro contemporâneo, substancializaria a defesa de um presidencialismo de articulação. E ainda que o excerto seguinte possa qualificar apressadamente algum autoritarismo, colhe-se inequívoca manifestação em favor da unidade de ação por parte da Presidência da República:

Que a energia é filha da unidade não se pode entrar em dúvida: a decisão, a atividade, o segredo e a diligência não se podem esperar senão das operações de um homem só: e quanto mais numeroso for o corpo de que emanarem os atos do Poder Executivo, tanto mais eles se ressentirão dos inconvenientes opostos23.

A unidade de ação é o núcleo da concepção de um presidencialismo prospectivo. Tomando-se essa percepção de unidade como cláusula essencial ao bom andamento do sistema de governo presidencialista, os federalistas insistiam no fato de que não se poderia ameaçar a referida idéia de unidade:

A unidade pode ser alterada ou destruída por duas causas diferentes: ou dividindo a autoridade entre dois ou mais magistrados iguais entre si, ou parecendo depositá-la nas mãos de um só homem, mas sujeitando-o à fiscalização de algumas pessoas e prescrevendo-lhes cooperadores debaixo do nome de conselheiros24.

Os federalistas rejeitavam a pluralidade no poder, pelo que, adaptando-se essa ideia para nosso contexto contemporâneo, pode-se fixar a necessidade de que o Poder Executivo paute sua atuação em uma só vontade, fazendo-o com apresentação de seqüência de argumentos históricos:

[...] todos os fatos nos ensinam a não adotar pluralidade no poder encarregado das leis. Os aqueus não tardaram a abolir um dos dois pretores que tinham estabelecido. A história romana mostra, a cada momento, as desgraças causadas pela divisão dos cônsules e dos tribunos militares que lhes sucederam, e em nenhuma ocasião

22 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 419.

23 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., loc. cit.

24 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., loc. cit.

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se nota vantagem alguma que possa atribuir-se à pluralidade dos magistrados executivos. É mesmo de espantar não ver mais funestas conseqüências de divisões semelhantes: o que, contudo, a respeito de Roma, se pode explicar da maneira seguinte: as circunstâncias singulares em que a república se achava sempre colocada – a necessidade de prove à sua segurança, tinham estabelecido a prática de repartir a autoridade entre os cônsules25.

A convergência de ação, situada na unidade da opinião é, insista-se, ponto nuclear na propaganda federalista, como fica muito claro também na passagem que segue:

Numa empresa em que concorrem muitas pessoas, todas da mesma dignidade e com autoridade igual, sempre há de haver perigo de diferença de opiniões. Nunca as conseqüências da animosidade pessoal são tanto para temer, como quando se trata d empregos públicos, em que a honra ou a confiança pública podem ser objetos de emulação. De todas ou de cada uma dessas causas devem seguir-se dissensões cheias de acrimônia; e todas as vezes que isso se verifica, enfraquece-se a autoridade, perde-se lhe respeito e embaraçam-se lhe os movimentos. No governo em que esse mal existir, a magistratura, encarregada da suprema autoridade administrativa, verá as suas medidas mais importantes frustradas ou impedidas, nas circunstâncias mais críticas do estado; e para cúmulo de desgraça, a sociedade se dividirá em facções irreconciliáveis, a cuja testa se acharão os próprios magistrados26.

O excerto acima reproduzido nos indica preocupação com os resultados negativos das animosidades pessoais para com a condução das coisas do governo. Temia-se o enfraquecimento da autoridade, que teria como causa a competição e o dissenso entre aqueles que trabalhavam no governo, circunstância que é recorrente no Brasil contemporâneo.

Os federalistas percebiam que aqueles cujos projetos fossem derrotados na discussão pública iriam se opor à realização das idéias próprias que foram rejeitadas; e por isso:

Não é raro que se rejeite um projeto só por não se ter tido parte nele ou porque foi obra de pessoas que não se estimam; e quando, uma vez a desaprovação se chega a enunciar, transforma-se a oposição em necessidade do amor próprio e a honra parece interessada

25 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., pp. 419-420.

26 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 420.

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no transtorno de uma operação que ofende nosso amor próprio e contraria nossos sentimentos27.

As decisões do Executivo, segundo os federalistas, deveriam ser rápidas, o que justificaria a unicidade no comando e a convergência entre os comandados diretos. A discussão longa, a maturação de idéias, a consulta e o amplo debate seriam características e função do Legislativo, como confirma o excerto que segue:

A prontidão das decisões do Poder Legislativo é antes um mal do que um bem. Se o choque de opiniões e dos interesses serve às vezes de embaraço a planos muito salutares, pode também dar lugar a mais refletida deliberação e a repressão dos excessos da maioria; mas, tomada que seja a resolução, toda a oposição cessa: a resolução é a lei e qualquer resistência ulterior é ato punível. No Poder Executivo não é a dissensão contrabalançada pelas mesmas vantagens. O perigo é puro e sem mistura, e não há ponto em que cesse a sua ação: a execução de uma medida é debilitada e impedida desde o princípio até o fim; a discussão faz sempre mal e nenhum bem ao vigor e prontidão das operações. Em tempo de guerra, em que a energia do Poder Executivo é o único baluarte da segurança interna, há tudo que temer e nada que esperar da sua pluralidade28.

A unidade de comando, ainda segundo os federalistas, facilitaria a apuração de responsabilidades e o melhor controle do governo, no sentido de que “[...] de todas as objeções que podem fazer-se ao sistema de pluralidade no Poder Executivo, tanto na primeira como na segunda hipótese, é a sua tendência a encobrir culpas e a destruir responsabilidade29”. Os federalistas sustentavam com veemência a necessidade de que o Executivo fosse organizado com base na unidade de decisão e de ação:

Fica, portanto, evidentemente demonstrado que a pluralidade dos magistrados executivos tende a privar o povo dos dois maiores fiadores que pode ter da fidelidade dos empregados no exercício das suas funções: o primeiro é a opinião pública, que, não podendo fixar-se com certeza por causa da grande do número, perde a sua eficácia toda; e o segundo a possibilidade de descobrir os autores das medidas

27 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., pp. 420-421.

28 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 421.

29 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 422.

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perniciosas, ou para puni-los, ou para privá-los da autoridade de que tão mau uso fizeram30.

Na conclusão do fragmento dos Artigos Federalistas no qual defendiam a unidade do Executivo, os autores fizeram alusão a um cidadão de Nova Iorque que teria revelado entusiasmo com o modelo defendido, que se assemelhava ao de seu Estado de origem:

Lembro-me (e com isso acabo) que longo tempo antes de se tratar de Constituição, raras vezes me acontecia encontrar um homem sensato, de qualquer província que fosse, que, pela sua própria experiência, não considerasse a unidade do Poder Executivo desse Estado de Nova Iorque como um das mais brilhantes feições de nossa Constituição31.

Pode se argumentar, contra o uso das teses dos federalistas como marco teórico no presente trabalho, que o contexto, tempo e local que foram escritos os textos acima reproduzidos não são os mesmos que vivemos presentemente, especialmente no Brasil.

O debate nos remete a problema clássico no direito constitucional norte-americano32. É o ponto que divide os não interpretacionistas dos interpretacionistas33. Aqueles procuram interpretar a Constituição norte-americana de acordo com a intenção original do texto de 1787; estes últimos buscam uma interpretação que socorra a problemas contemporâneos34. O interpretacionasmo permite fortíssimo ativismo que decorre de uma aplicação contemporânea do texto constitucional; o não-interpretacionismo sugere que não se amplie o conteúdo original do texto constitucional norte-americano, é a chamada doutrina do self-restrainct35.30 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., pp. 422-423.

31 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 424.

32 Cf. Wittington, Keith, Constitutional Interpretation- Textual Meaning and Judicial Review, Lawrence: University Press of Kansas, 1999.

33 Conferir, Ely, John Hart, Democracy and Distrust-A Theory of Judicial Review, Cambridge: Harvard University Press, 2002.

34 Conferir também Scalia, Antonin, A Matter of Interpretation- Federal Courts and the Law, Princeton: Princeton University Press, 1997.

35 Aspectos desse debate podem ser vistos, entre outros, em Wellington, Harry H., Interpreting the Constitution- The Supreme Court and the Processo of Adjudication, New Haven: Yale University Press, 1991, Gerber, Scott Douglas, First Principles- The Jurisprudence of Clarence Thomas, New York: New York University Press, 1998. Smith, Rogers M., Liberalism and American Constitutional Law, Cambridge: Harvard University Press, 1990.

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Se por um lado é evidente que os autores dos artigos federalistas não se ocupavam das dissidências intragovernamentais que há hoje (inclusive nos Estados Unidos) por outro, é mais evidente ainda que vinculavam o bom andamento do Executivo (e do sistema de governo presidencialista por extensão) a uma unidade de orientação e de ação. É essa premissa que anima o presente trabalho, quanto à fixação de um marco teórico.

Colhe-se também alguma inspiração teórica em Luiz Carlos Bresser-Pereira e em Roberto Mangabeira Unger. São dois brasileiros (ainda que Mangabeira tenha passado a maior parte de sua vida nos Estados Unidos, onde leciona em Harvard) que vêem o Brasil com olhos absolutamente distintos, mas que compõem um panorama de articulação e de soluções que é muito próximo.

Bresser prega um Estado eficiente, de fortíssimo matiz republicano36, Mangabeira nos critica pela falta de alternativas que possuímos, na construção de uma sociedade democrática, forte na esperança da transformação do Brasil37. Para Mangabeira, somos escravos de nossos dogmas. Para Bresser, um Estado realmente republicano deve-se preocupar prioritariamente com o bem-estar dos cidadãos; por isso, deve gastar bem o dinheiro público. Reconheçamos que intensa litigância intragovernamental é comprovação desanimadora do mau uso do dinheiro do contribuinte.

O cidadão provavelmente não imagina esta litigância interna que há; desconhece o desperdício de energia burocrática. Não se tem a dimensão exata dos resultados desta falta de sinergia para a governabilidade do país. É da essência do regime democrático que o governante eleito controle suas próprias agendas38.

36 Cf. Bresser- Pereira, Luiz Carlos, Construindo o Estado Republicano- Democracia e Reforma na Gestão República, Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009. Tradução do inglês para o português de Maria Cristina Godoy.

37 Cf. Unger, Roberto Mangabeira, What Should the Left Propose?, London e New York: Verso, 2005. Há tradução brasileira de Antonio Risério Leite Filho, O que deve a esquerda propor, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. Há também tradução para o espanhol de Silvia Villegas, La Alternativa de la Izquierda, Buenos Aires: Fondo de Cultura Economica, 2010.

38 Cf. Tilly, Charles, Democracy, Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. 9.

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A opacidade que ronda e que esconde a questão exige enfrentamento, inclusive acadêmico, como aqui se propõe. Registre-se que não há no trabalho preocupação com justificativas filosóficas relativas às teorias do consenso, e que poderiam fundamentar práticas conciliatórias, em âmbito de Administração Federal, a partir da liderança do Presidente da República. Refiro-me à teoria do agir comunicativo, enunciada e defendida por Jürgen Habermas39, de imensa utilidade na teorização de técnicas de convencimento racional40.

A amplitude de empreitada desse nível, de indagação filosófica, escaparia a abordagem de feição mais prática, de problema de autoridade presidencial, decorrente de avaliação de conflitos junto à administração pública. Não se despreza a notável contribuição do filósofo alemão aqui citado. Apenas se reconhece a dificuldade na opção de se tratar com esse ponto de vista a questão que se tem de Teoria Geral do Estado.

Além do que, a tese do consenso no contexto da Teoria Geral do Estado foi exaustivamente explorada por Cezar Saldanha Souza Junior, inclusive no que se refere aos arranjos presidencialistas. Em livro concebido e redigido num altíssimo nível de abstração conceitual, o Professor Cezar Saldanha explorou, quanto ao consenso no ambiente do presidencialismo, as várias vontades concorrentes e subjacentes que colaboram na formação da vontade presidencial, especialmente no que se refere a um referencial de estabilização, centrado no bom desempenho do sistema capitalista:

Apesar de tudo, a realimentação circular recíproca entre consensus social e sistema política presidencialista vem funcionando satisfatoriamente nos Estados Unidos. O sistema político tem sido capaz de absorver um relativo grau de crise do consensus social, produzindo os estímulos necessários à sua recuperação imediata. Somente talvez uma crise econômica muito grave e prolongada, que abalasse, entre os perdedores, a fé no capitalismo, de modo a torná-los vulneráveis à pregação de um partido socialista, seria capaz hoje de pôr em cheque o sistema político presidencialista, vencendo sua capacidade de responder à crise a tempo de remendar o consensus social41.

39 Habermas, Jürgen, The Theory of Communicative Action- Reason and the Rationalization of Society, Boston: Beacon Press, 2011. Tradução do alemão para o inglês de Thomas McCarthy.

40 Cf., entre outros, Mc Carthy, Thomas, The Critical Theory of Jürgen Habermas, Cambridge: The Massachusets Institute of Technology, 1996, pp. 272-357.

41 Souza Junior, Cezar Saldanha, Consenso e Tipos de Estado no Ocidente, Porto Alegre: Editora Sagra Luzzato, 2002, p. 179.

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A divergência que se pretende mapear é a que se tem internamente no Executivo e não a que qualifica o pluralismo de uma sociedade democrática. Esse último assunto foi adequamente explorado pelo autor logo acima citado. Preocupa-se aqui com a avaliação da litigância interna na Administração, o que revela necessidade de fixação de critérios de diretrizes, eficiência, eficácia, efetividade, metas, método, tarefas42. Por isso, utiliza-se de amostragem que pode revelar a intensidade como a Administração litiga internamente. É esse o núcleo do problema, que exige um referencial teórico para a compreensão dos dados coletados e apresentados.

Nesse sentido, a estrutura do trabalho centra-se na concepção de vontade corporativa, em oposição a uma vontade geral, como enunciado em Rousseau, bem como numa percepção de unidade governamental, como cogitado pelos autores dos Artigos Federalistas. No núcleo, estuda-se o presidencialismo.

42 Categorias parcialmente colhidas em Paludo, Augustinho Vicente e Procopiuck, Mario, Planejamento Governamental- Referencial Teórico, Conceitual e Prático, São Paulo: Atlas, 2011, pp. 14 e ss.

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6 O presidencialismo e a unidade governamental

O objetivo da presente seção é explorar as origens do sistema de governo presidencialista no chamado iluminismo norte-americano. A partir das comparações que foram feitas entre as prerrogativas das figuras do Presidente e a do Rei se pode fixar uma base teórica para a compreensão das competências presidenciais. Os grandes temas do presidencialismo, a exemplo do voto direto, do mandato por tempo certo, da reeleição, da atuação internacional do Presidente, foram anunciados e debatidos na conjuntura política norte-americana de fins do século XVIII. Entre esses temas, o que mais de perto interessa ao presente trabalho, é o que consiste na concepção de mecanismos para manutenção da unidade no Executivo.

A questão da governabilidade, na origem, decorria de um pânico para com o absolutismo, que poderia renascer em solo norte-americano no contexto de uma chefia unipessoal de Governo. Indica-se também nessa seção, o que se denomina aqui de tese do dogma ministerial, e que nos dá conta da necessidade de convergência entre a ação ministerial e a orientação presidencial. Essa convergência funciona como uma espinha dorsal do presidencialismo de articulação institucional.

A primeira sistematização do modelo de governo presidencialista encontra-se nos Artigos Federalistas, conjunto de textos que defendia proposta para constituição norte-americana, como reação às debilidades dos Artigos da Confederação, nos momentos que antecederam à convenção de 17871.

Marcados por uma “lógica de rebelião”2, os Artigos Federalistas fixavam argumentos em favor de projeto político de certa forma centralizador, e que conferia amplos poderes para o Presidente da República que então se criava. Temia-se qualquer forma de uso arbitrário de poder3.

1 Cf. Kelly, Alfred J., Harbison, Winfred A. e Belz, Herman, The American Constitution- its Origins and Development, New York & London: W. W. Norton & Company, 1991, pp. 82 e ss.

2 Cf. Bailyn, Bernard, The Ideological Origins of the American Revolution, Cambridge: Harvard University Press, 1992, especialmente, pp. 94 e ss.

3 Cf. Lutz, Donald S., The Origins of American Constitutionalism, Baton Rouge: Louisiana State University Press, 1988, p. 84.

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São 85 artigos - publicados originariamente em jornal de Nova Iorque - que se propunham a explicar o texto constitucional que se tentava aprovar. Trata-se de documento originalíssimo de ciência política e que examina com pormenor os problemas da influência e da hospitalidade das forças estrangeiras, as razões das guerras entre os Estados, a utilidade de um governo centralizado para as finanças do país, as vantagens de um sistema tributário unificado, da separação dos poderes, e conseqüente organização, o sistema eleitoral, entre tantos outros assuntos.

No que interessa à conceituação do presidencialismo são 10 excertos que sugerem algum exame. O artigo 67 trata da autoridade do presidente e da falsidade do argumento de que o presidente teria poderes idênticos que os do rei da Inglaterra. O artigo 68 cuida da eleição do presidente. O artigo 69 trata da duração do mandato presidencial, bem como das responsabilidades e prerrogativas do presidente. O artigo 70 estuda a necessidade de se ter unidade no Poder Executivo. Para os efeitos do presente trabalho, é o fragmento que mais interessa.

O artigo 71 retoma o problema da duração do mandato. O artigo 72 enfrenta a questão da reeleição do presidente. O artigo 73 disciplina os salários do presidente, e também trata do seu poder de veto. O artigo 74 cuida das prerrogativas presidenciais de comando das forças armadas e de exercício da clemência, isto é, o poder de perdoar. O artigo 75 se ocupa da competência do presidente de celebrar tratados internacionais. O artigo 76 estuda o poder presidencial de nomear funcionários públicos. O artigo 77 faz referência a demais atribuições presidenciais.

Os Artigos Federalistas são atribuídos a Alexander Hamilton (1757-1804), James Madison (1751-1836) e John Jay (1745-1829). Hamilton nasceu nas Antilhas e mais tarde foi Secretário do Tesouro dos Estados Unidos, cargo que teria exercido com extraordinária competência. Faleceu por causa de ferimentos recebidos num duelo que travou com um desafeto político4. James Madison era da Virginia e exerceu o cargo de Secretário de Estado no governo de Thomas Jefferson. Foi parte no famoso caso Marbury v. Madison5. John Jay era 4 Cf. Chernow, Ron, Alexander Hamilton, cit., para o episódio do duelo fatal, pp. 697 e ss.

5 Cf. Sloan, Cliff e McKean, David, The Great Decision- Jefferson, Adams, Marshall and the Battle for the Supreme Court, New York: Public Affairs, 2009, pp. 85 e ss.

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de Nova Iorque (cuja constituição é de sua autoria); foi Ministro das Relações Exteriores6.

Os autores dos Artigos Federalistas criticavam suposta mala fide dos adversários, que incitavam a hostilidade para com o sistema presidencialista, aproximando conceitualmente o Presidente dos Estados Unidos do Rei da Inglaterra; com este objetivo, alertavam

[...] os adversários da Constituição mostram sua má-fé [...] contando com a aversão do povo para o governo monárquico, esforçaram-se por dirigir todas as suas inquietações e todos os seus terrores sobre a instituição do presidente dos Estados Unidos, representando-o não já como um fraco gérmen, mas como um colosso formidável, filho da realeza, cujas feições apresenta com tudo quanto elas têm de hediondo7.

Na defesa do sistema presidencialista os federalistas provavelmente exageravam nas críticas que atribuíam aos adversários, num impressionante jogo retórico, a exemplo do excerto que segue:

A autoridade de um magistrado [o presidente] até certos pontos mais extensa e em muitos outros infinitamente mais limitada que a do governador de Nova Iorque, foi por eles [os antifederalistas] elevado acima da prerrogativa real e afetada de atributos superiores em dignidade e esplendor aos do rei da Grã-Bretanha! Mostrou-se-nos esse magistrado com a fonte ornada de diadema – vestido de púrpura imperial, assentado sobre um trono, cercado de validos e favoritos – e dando audiência aos embaixadores estrangeiros com toda a pompa e orgulho da majestade; apenas a imagem do despotismo e luxo asiático poderia oferecer cores para completar esse quadro exagerado8.

Havia por parte dos adversários dos federalistas uma crítica ao fato de que o presidente poderia nomear embaixadores e cônsules, mediante o consentimento do Senado, o que se dispensaria, na hipótese daquela casa legislativa por algum motivo não estar reunida9; contra o

6 John Jay foi um dos negociadores do tratado feito com a Inglaterra quando do reconhecimento da independência dos Estados Unidos. Cf. Brogan, Hugh, The Penguin History of the USA, London: Penguin Books, 1999, p. 261.

7 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 405.

8 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., loc.cit.

9 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 406.

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que os federalistas argumentavam que nomeações sem oitiva do Senado seriam transitórias10.

Insistiam no fato de que os adversários queriam, a todo custo, equiparar Presidente e Rei, ironizando, e perguntando, “como não acusar de impostura aqueles que procuram estabelecer essa semelhança imaginária, entre o Rei da Inglaterra e o Presidente dos Estados Unidos?11” E comprovando esse jogo retórico aqui anotado, invocavam no artigo 67 que “[...] embora os sofismas da hipocrisia se esforcem para atenuar a verdade, só podia nascer do projeto de enganar o povo12”.

Os federalistas propunham eleições indiretas para Presidente, invocando necessidade de qualidade eleitoral, o que indicava alguma forma de elitismo13, da forma que segue:

A maneira de nomear o Presidente dos Estados Unidos é quase a única parte um pouco importante da Constituição, que escapou à censura e obteve algum sinal de aprovação de alguns dos seus adversários. Um deles até chegou a dizer que a eleição do presidente estava acompanhada de suficientes cautelas. Quanto a mim, vou ainda mais longe, e digo que, se o método adotado não é absolutamente perfeito, pelo menos é excelente e reúne, no mais eminente grau, todas as vantagens que poderiam desejar. Era preciso que a opinião do povo pudesse influir sobre a escolha do homem a quem tão importante lugar devia ser confiado; e a cláusula que encarrega a eleição, não a corpos já existentes, mas a eleitores ad hoc, escolhidos pelo povo, desempenha essa circunstância perfeitamente14.

Os federalistas abominavam o voto direto, em nome de uma desejada ordem que se defendia, e o faziam abertamente, como se lê no excerto seguinte:

10 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 407.

11 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 406.

12 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 408.

13 Aspectos censitários relativos aos autores da Constituição norte-americana foram exaustivamente estudados por Charles Beard, para quem os interesses econômicos dos founding fathers são indisfarçáveis ao longo do texto constitucional norte-americano. Conferir Beard, Charles, An Economic Interpretation of the Constitution of the United States, New York: The Free Press, 1986. Ainda que de um modo distinto o assunto foi retomado por Robert Dahl, para quem a constituição norte-americana seria, do ponto de vista da democracia substancial, uma completa ilusão. Conferir, Dahl, Robert A., How Democratic is the American Constitution? New Haven & London: Yale University Press, 2003, especialmente pp. 41 e ss.

14 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 409.

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Também era preciso que essas pessoas estivessem em estado de apreciar os talentos dos candidatos e que todas as circunstâncias favorecessem as deliberações, em que os motivos de escolha devem ser ponderados e discutidos; e um pequeno número de homens, escolhido da massa dos cidadãos, deve, com toda a probabilidade, oferecer as luzes e o discernimento necessários para essa importante função. Não era menos útil evitar todas as ocasiões de tumulto e de desordem, tanto de recear em negócio de tanta gravidade; e as precauções tomadas nessa intenção não deixam absolutamente que recear15.

Os federalistas defendiam modelo de eleição presidencial no qual o número de eleitores estaduais seria igual ao número de senadores e deputados enviados ao Congresso; a eleição se faria mediante reunião no estado ao qual pertencessem esses os eleitores qualificados16.

Na hipótese de que não se chegasse ao escolhido, por falta de maioria, teria “a Câmara dos Deputados o direito de escolher entre os cinco mais votados aquele que lhe parecer mais digno17”. Na opinião dos autores dos artigos, o referido método conferia a certeza “de que sem virtudes e sem talentos ninguém poderá subir ao elevado posto de Presidente18”.

Pretendiam que o Presidente fosse uma pessoa de “habilidade e de virtude19”, dado o fato de que todos reconheciam “a influência do Poder Executivo sobre a boa ou má administração de qualquer governo que seja20”. A Constituição, na expressão de seus defensores, deveria ser apta para “produzir uma boa administração21”.

Os federalistas também defendiam a figura do vice-presidente, especialmente no que tocava ao vínculo dessa autoridade com o Senado, nos termos seguintes:

15 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., loc. cit.

16 Cf. Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 410.

17 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., loc. cit.

18 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., loc. cit.

19 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 411.

20 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., loc. cit.

21 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., loc. cit.

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O vice-presidente deve ser eleito com o presidente, com única exceção de que o Senado faz para o primeiro o que a Câmara dos Representantes para o segundo. Tem-se achado supérflua essa nomeação de um vice-presidente, alegando-se que era melhor fazer escolher pelo Senado um de seus membros para esse emprego; mas duas considerações justificam as medidas adotadas no sistema proposto: a primeira é que, como o presidente só tem voto em caso de empate (que, de outro modo, casos poderia haver em que não pudesse ter lugar resolução definitiva), fazer o presidente um senador seria o mesmo que tirar-lhe, e portanto, ao Estado que representa, o voto certo que em todo o caso lhe compete, para só lhe deixar direito de voto condicional; e a segunda, que, como o vice-presidente poder vir a ser substituto do presidente, as mesmas razões que exigem tanto cuidado na escolha de um, o exigem, ou pouco menor, na escolho de outro22.

No artigo 69 os federalistas insistiam em diferenciar o presidente que imaginavam como esfera de poder do rei inglês que combateram em 1776. Nesse sentido, argumentavam, o mandato do presidente norte-americano seria de quatro anos, enquanto que o rei inglês exercia o poder indefinidamente. O presidente merecedor de confiança poderia ser reeleito, enquanto que o monarca tinha a coroa como patrimônio próprio e hereditário. O presidente assumia responsabilidades perante a Nação - podia ser julgado e responsabilizado pelos seus atos e omissões; o rei era sagrado e inviolável23.

No mesmo fragmento explicavam que o presidente teria poder de veto, mas que essa objeção poderia ser derrubada no Legislativo; tal fato não se conhecia na Inglaterra, porque entre os costumes constitucionais ingleses tinha-se o veto real como absoluto e inatacável24.

Assinalavam também que o presidente seria o comandante das forças armadas, bem como das guardas estaduais, quando estas fossem instadas a servir a União, entre outras competências:

O presidente é comandante-chefe do exército e da marinha dos Estados Unidos, assim como das guardas nacionais dos Estados, quando forem chamadas ao serviço da União; têm também o direito de perdoar os crimes cometidos contra o Estado, enquanto a acusação

22 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., loc. cit.

23 Cf. Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 412.

24 Cf. Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 413.

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não estiver intentada; pode recomendar a atenção do Senado às medidas que lhe parecerem urgentes e necessárias, pode convocar, em casos extraordinários, ambas as Câmaras ou uma só e fixar a época para que devem ser adiadas, no caso de se acharem discordes nesse ponto; finalmente, é encarregado da fiel execução das leis e da nomeação para os empregos da administração pública25.

O excerto segue com comparação entre as competências do modelo presidencial que defendiam com as do governador de Nova Iorque e as do Rei da Inglaterra. Basicamente, apontavam para o fato de que o comando das guardas nacionais estaduais seria exercido pelo presidente somente no caso de que essas forças fossem chamadas ao serviço da União, dependendo, ainda, de autorização legislativa26.

O presidente comandaria as forças armadas, na qualidade de primeiro almirante (no caso da Marinha) e de general (no caso do Exército); não poderia declarar guerra sem autorização do Legislativo; o rei da Inglaterra poderia fazê-lo a qualquer tempo, equipando tropas e levantando exércitos27.

O presidente precisaria do parecer e do consentimento do Senado para celebrar tratados internacionais; o rei da Inglaterra representava seu país em todas as transações feitas com os estrangeiros28. O quadro comparativo continua, com especial referência ao poder de nomeação de embaixadores:

O presidente nomeia, com parecer e consentimento do Senado, os embaixadores e outros agentes junto das potências estrangeiras, os juízes dos tribunais supremos, todos os empregados da administração geral, que a Constituição não designa; mas o rei da Grã-Bretanha é verdadeiramente o dispensador supremo – a única fonte das honras e das dignidades; não somente ele nomeia os empregados, mas até cria os empregos, confere títulos de nobreza de seu moto e autoridade própria e dispõe do número imenso dos benefícios eclesiásticos29.

25 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 413.

26 Cf. Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., loc. cit.

27 Cf. Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 414.

28 Cf. Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 415.

29 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 416.

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Segue ainda outro quadro comparativo, concebido pelos autores dos Artigos Federalistas, que opõe um presidente escolhido pelo voto a um rei ungido pela hereditariedade. Um presidente responsável perante as leis a um rei inviolável. Um presidente com direito a veto suspensivo de leis a um rei com direito a um veto absoluto. Um presidente que seria parte no complexo ato de nomeação de funcionário público a um rei de quem dependiam todos os atos de nomeação de servidores. Um presidente sem nenhuma competência para tratar de comércio e de finanças a um rei que era o supremo árbitro da vida comercial inglesa. Um presidente incompetente em matéria de jurisdição espiritual a um rei que era o supremo líder da Igreja Anglicana30.

O artigo 70, tratado na parte introdutória do presente trabalho sintetiza libelo em favor do vigor do Executivo, a partir da defesa de sua unidade. No entender dos federalistas, era o referido vigor que manteria a “liberdade contra o furor das facções e contra os projetos da ambição31”.

Um Poder Executivo fraco teria como resultado um governo fraco32. Nesse sentido, os federalistas insistiam na necessidade de que o presidente concentrasse em suas mãos poderes de direção de governo e de Estado, submetendo-se, inclusive, ao permanente crivo da opinião pública33.

O exercício da função presidencial deveria ter prazo certo, o que ensejaria energia, firmeza pessoal e estabilidade institucional34. Em interessante juízo psicológico, os federalistas justificavam a fixação de prazo razoável para o exercício do mandato presidencial, com base na segurança que as certezas conferem aos governantes:

[...] quanto mais prolongada for a duração do emprego, tanto mais probabilidade haverá de obter [...] vantagens. O valor que os homens ligam àquilo que possuem está sempre em proporção com a certeza ou incerteza da posse: donde se segue que menos aferro devem ter

30 Cf. Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 417.

31 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 418.

32 Cf., Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., loc. cit.

33 Cf. Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 423.

34 Cf. Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 425.

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e menos sacrifícios devem fazer por aquilo que lhes der interesses precários e incertos do que por aquilo de que tiverem títulos seguros e duráveis35.

Influenciados pela doutrina de Montesquieu36 os federalistas defendiam - num contexto republicano - a separação e a harmonia entre os poderes, fazendo-o, como segue:

O mesmo princípio que ensina a divisão dos poderes também ensina que esses poderes devem ser independentes uns dos outros. De que serviria ter separado o Poder Executivo do Judiciário e do Legislativo, se os dois primeiros devessem obediência absoluta ao último? A distinção seria só nas palavras, e o seu fim ficaria sem obter-se. Uma coisa é ser subordinado às leis, outra é estar dependente do corpo legislativo; a diferença é a mesma que seguir os princípios fundamentais de um bom governo e violá-los, reunindo todos os poderes nas mesmas mãos37.

Os federalistas defendiam a possibilidade de reeleição do presidente. Uma duração razoável do mandato seria condição também para a estabilidade do sistema38, o que dependeria, por isso, da possibilidade de reeleição:

[...] a uma longa e determinada duração das funções do supremo magistrado executivo é necessário reunir a circunstância da reelegibilidade. A primeira é necessária para dar ao presidente vontade de bem obrar e ao povo tempo bastante de observar a tendência de suas medidas e de julgar pela experiência do merecimento do seu sistema: a segunda na é menos essencial para dar ao povo, quando aprovar o procedimento do presidente, os meios de se aproveitar

35 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., loc. cit.

36 Montesquieu, Charles de Secondat, Barão de, O Espírito das Leis, São Paulo: Martins Fontes, 2005. Tradução de Renato Janine Ribeiro. Quanto à percepção de divisão de poderes, lê-se: “Existem em cada Estado três tipos de poder: o poder legislativo, o poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes e o poder executivo daquelas que dependem do direito civil. Com o primeiro, o príncipe ou o magistrado cria leis por um tempo ou para sempre e corrige ou anula aquelas que foram feitas. Com o segundo, ele faz a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, instaura a segurança, previne invasões. Com o terceiro, ele castiga os crimes, ou julga as querelas entre os particulares. Chamaremos a este último poder de julgar ou ao outro simplesmente poder executivo do Estado”. Montesquieu, Charles de Secondat, Barão de, cit., p. 167-168.

37 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 426.

38 Cf. Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 429.

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mais tempo dos seus talentos e virtudes e de conservar ao governo as vantagens de um bom sistema de administração39.

Entendiam que o cargo de presidente seria desempenhado com melhor zelo se o mandatário tivesse esperanças de que poderia, merecendo, buscar a reeleição. Fundavam a proposta “no princípio geral de que a esperança de recompensas é o mais seguro meio de influir sobre as ações dos homens e de que o melhor modo de segurar a sua fidelidade é travar bem os seus interesses com a sua obrigação40”. Insistiam, assim, que “a idéia de recusar ao povo o direito de conservar nos seus empregos os homens que lhe parecem dignos de sua aprovação e confiança é um excesso de prudência, cujas vantagens são duvidosas e os inconvenientes certíssimos41”.

Havia particular cautela com a fixação do salário do presidente, por parte do Congresso. É que, no entender dos federalistas, a independência entre os poderes seria ilusória se ao Legislativo se deixasse ampla margem de arbitrariedade para, a qualquer tempo, definir ou alterar os ganhos do presidente42. Defendiam a Constituição então levada a discussão, que dispunha que, na medida em que o presidente entrasse em exercício o corpo legislativo fixasse os salários devidos, valores que não seriam alterados enquanto a mesma suprema autoridade da Nação se mantivesse no cargo43.

No mesmo artigo (número 73) discutiam o poder de veto que iria se conferir ao presidente. Entendiam também que tal prerrogativa - além de seus méritos políticos - impediria que más leis fossem aprovadas, tal como “um único freio que pode impor-se a Nação dos efeitos das facções, da precipitação ou de qualquer impulso contrário ao interesse público, que a maioria desse corpo [o Legislativo] é suscetível de receber44”.

39 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 430.

40 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., loc. cit.

41 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., loc. cit.

42 Cf. Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 434.

43 Cf. Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., loc. cit.

44 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 435.

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Insiste-se na importância do poder presidencial em controlar a direção das operações militares, uma vez que acreditavam que a direção e o emprego da força pública era prerrogativa essencial na condução do Poder Executivo45.

Ao presidente a Constituição que enfaticamente se defendia concedia também o poder de clemência, cuja justificativa se reproduz, pela inteligência do argumento:

Uma palavra sua [do presidente] vai decidir da sorte de um dos seus semelhantes; e essa reflexão lhe deve aconselhar atenção escrupulosa: por outra parte, o temor de ser acusado de fraqueza ou conivência lhe dará, em sentido oposto, a mesma circunspeção. Pelo contrário, homens reunidos ganham coragem à proporção do número: um ato de rigor excessivo já lhes não parece tão feio; e a suspeita ou vitupério que poderia resultar de uma clemência afetada imprudente causa-lhes menos temor. Daqui se vê que um homem só deve ser melhor dispensador da clemência da sociedade do que uma corporação46.

Também ao presidente se reservaria o direito de fazer tratados, com parecer e consentimento do Senado47. Debatia-se no sentido de se saber se tal prerrogativa seria exclusiva do chefe do Executivo ou do Senado. E porque tratados seriam, na visão oitocentista, “contratos entre soberano e soberano48’, necessária e justificável a participação do presidente nos negócios com países estrangeiros.

Os federalistas também defendiam a prerrogativa presidencial de nomeação de funcionários públicos, de todos os níveis, com oitiva do Senado, a exemplo de embaixadores, cônsules, juízes de tribunais superiores, a par de demais servidores, de uma maneira geral49. Buscavam-se instituições que propiciassem estabilidade administrativa, o que se ganhava com modelo de cooperação entre presidente e Senado, em matéria de nomeação de servidores50. Quanto ao excerto relativo à

45 Cf. Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 440.

46 Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 411.

47 Cf. Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 443.

48 Cf. Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 444.

49 Cf. Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 448.

50 Cf. Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 452.

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defesa do presidencialismo, os federalistas concluíam que o presidente estaria sujeito à sanção e à fiscalização do Legislativo, o que seria o desejo de uma Nação ilustrada e razoável51.

Essas, as linhas gerais de texto fundante do sistema de governo presidencialista. O modelo norte-americano, e os demais modelos que supervenientemente aparecerão (inclusive no Brasil) manterão os princípios básicos da Constituição norte-americana, no contexto ideológico e cultural apresentado por Alexander Hamilton, James Madison e John Jay.

O presidencialismo, no seu contexto fundador, tomando-se os Artigos Federalistas como seu documento originário, marcava-se, assim, pelas seguintes características:

a) voto indireto; b) mandato com tempo certo; c) possibilidade de reeleição, ainda que não se definisse o nú-

mero de vezes; d) busca de mecanismos que garantissem a unidade do Execu-

tivo, na pessoa do presidente; e) possibilidade de celebração de tratados internacionais, com

anuência do Senado; f) prerrogativa de indicação e nomeação de funcionários, tam-

bém com anuência do Senado;g) comando das forças armadas, bem como das forças policiais

estaduais, quando exigível que estas prestassem serviços à União;

h) possibilidade de responsabilização pessoal do presidente.

Os artigos foram escritos num contexto de “repulsa dos norte-americanos pela monarquia52”; segundo o mesmo autor, “os fundadores do Estado norte-americano tinham plena consciência de estarem criando uma nova forma de governo53”. A caracterização do modelo

51 Cf. Hamilton, Alexander, Madison, James e Jay, John, O Federalista, cit., p. 456.

52 Cf. Dallari, Dalmo de Abreu, cit., p. 240.

53 Cf. Dallari, Dalmo de Abreu, cit., p. 241.

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presidencialista, ainda que com alterações de pormenor, guarda, na essência, as linhas gerais da fórmula adotada pelos norte-americanos da Convenção de 1787.

Nesse sentido, o presidencialismo pode ser definido a partir das seguintes características, com base em Dalmo de Abreu Dallari: a) o Presidente da República é o Chefe do Estado e Chefe do Governo; b) a chefia do executivo é unipessoal; c) o Presidente da República é escolhido pelo povo; c) o Presidente da República é escolhido por um prazo determinado; e, d) o Presidente da República tem poder de veto54.

No modelo cogitado pelos founding fathers norte-americanos, o presidente também acumulava as chefias de Estado e de Governo, dirigia unipessoalmente o Executivo, seu mandato tinha prazo determinado, exercia poder de veto. Em virtude dos métodos censitários e elitistas de escolha não se contemplava a escolha pelo povo. A extensão do sufrágio às mulheres55, por exemplo, bem como o direito de voto aos ex-escravos56 são fatos bem posteriores aos artigos federalistas e à Constituição norte-americana.

Quanto a esse fato, limitação do direito de voto, no contexto da aprovação da Constituição norte-americana, explica-se:

“A Constituição norte-americana, atendendo às peculiaridades da época de sua elaboração, atribuiu a um colégio eleitoral a competência para eleger o Presidente da República em nome do povo. Cada Estado adquiriu o direito a tantos votos eleitorais quanto forem os seus representantes na Câmara e no Senado. Designados, de início, pelos legisladores dos Estados, esses eleitores votariam nos respectivos Estados, remetendo-se os votos para a capital federal. Esse processo revela bem a reduzida importância que se deu à chefia do executivo, pois os colégios eleitorais dos Estados, sem manterem qualquer contato entre si e sem um conhecimento direto dos líderes federais, dificilmente poderiam fazer uma escolha que correspondesse, efetivamente, à vontade do povo57”.

54 Cf. Dallari, Dalmo de Abreu, cit., pp. 242 e ss.

55 Trata-se da Emenda XIX à Constituição dos Estados Unidos, proposta em 4 de junho de 1919 e ratificada em 18 de agosto de 1920.

56 Trata-se da Emenda XV à Constituição dos Estados Unidos, proposta em 26 de fevereiro de 1869 e ratificada em 3 de fevereiro de 1870.

57 Dallari, Dalmo de Abreu, cit., p. 243.

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A fixação de termo certo para os mandatos, bem como o expressivo número de poderes e prerrogativas em favor do presidente dão motivo a que se argumente poderosamente contra o presidencialismo, no qual se teria uma ditadura a prazo fixo58. São recorrentes as críticas lançadas contra esse sistema de governo. Há fortíssima pregação em favor do parlamentarismo, como alternativa ao presidencialismo, ao que se imputam vários problemas nacionais.

A ampliação dos poderes presidenciais, em geral, provoca certa apreensão com um imaginário perigo das ditaduras constitucionais59. De qualquer modo, a intensificação das discussões em torno do presidencialismo tem suscitado conjunto de reformas que tende a alterar significativamente o seu conteúdo, como se lê, mais uma vez, em Dalmo de Abreu Dallari:

Os argumentos contrários e favoráveis ao presidencialismo têm sido levados em conta na organização e na readaptação dos sistemas presidenciais. O que se vê claramente, no entanto, é que têm sido introduzidas tais e tantas modificações que há inúmeros sistemas que preservam muito pouco das características fundamentais do presidencialismo, sem terem adotado também uma organização parlamentarista. O exame das tendências dos Estados revelará que, não obstante haver maior aproximação entre o presidencialismo e as novas formas de governo, do que entre estas e o parlamentarismo, não se pode sustentar que os Estados sejam orientados no sentido da predominância do regime presidencial de governo60.

Nascido empiricamente, e pensado como “uma solução prática para os problemas que assoberbavam as treze jovens nações que ainda lutavam pela consolidação da sua emancipação política61” o presidencialismo tem-se ajustado a situações que se alteram no tempo. Exemplifica-se, inclusive, com o modelo presidencialista norte-americano, substancialmente reformado por algumas emendas constitucionais, inclusive com limitação de exercício para dois mandatos62.

58 Cf. Dallari, Dalmo de Abreu, cit., p. 245.

59 Cf. Bonavides, Paulo, Ciência Política, São Paulo: Malheiros, 2010, p. 325.

60 Dallari, Dalmo de Abreu, cit., p. 246.

61 Maluf, Sahid, Teoria Geral do Estado, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 261.

62 Refiro-me à Emenda XXII, proposta em 24 de março de 1947 e ratificada em 27 de fevereiro de 1951.

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O presidencialismo, no entanto, é o “sistema que perfilhou de forma clássica o princípio de separação dos poderes63”; é juridicamente caracterizado “por ser um regime de separação de poderes64”. Possibilita contexto institucional no qual pode se realizar a percepção clássica de divisão de poderes, tal como enunciada por Montesquieu. E porque o Presidente deriva seu poder da própria Nação (uma vez de que escolhido nas urnas), e não de um Congresso, por via indireta65, é que seu vinculo direto com o eleitor o faz abstratamente por tudo o que se passa no país.

Foi um republicano histórico brasileiro que em livro clássico definiu a natureza do cargo de Presidente da República:

O presidente da república é o chefe e primeiro representante da nação, no sentido de ser a autoridade política que mais visivelmente exerce o poder no interior e mais diretamente responde no exterior em nome da soberania nacional. Com ser o primeiro representante da nação o presidente o não é um representante, na acepção que toma este termo quando se refere aos membros do congresso nacional. A diferença é tão positiva quanto é conveniente assentá-la claramente para facilitar a compreensão da natureza do cargo, do modo de o prover e do espírito que deve ser exercido66.

Não há, por parte do Presidente, responsabilidade política para com o Congresso67, ao contrário do que ocorre com o parlamentarismo, onde, entre outros, “o Chefe de Governo é politicamente responsável, o que quer dizer que ele deve prestar contas de sua orientação política, ou ao povo diretamente ou a um órgão de representação popular68”. O Presidente eleito é geralmente a “primeira figura nacional em prestígio69”.

Por outro lado, ainda que o presidencialismo potencialize riscos em “países onde não existe sólida tradição democrática70”, parece

63 Bonavides, Paulo, cit., p. 318.

64 Cf. Ferreira Filho, Manoel Gonçalves, cit., p. 143.

65 Cf. Bonavides, Paulo, cit., p. 319.

66 Assis Brasil, Joaquim Francisco, Do Governo Presidencial, cit., p. 191.

67 Cf. Bonavides, Paulo, cit., loc. cit.

68 Dallari, Dalmo de Abreu, cit., p. 230.

69 Cf. Ferreira Filho, Manoel Gonçalves, cit., p. 144.

70 Cf. Ferreira Filho, Manoel Gonçalves, cit., p. 145.

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ser antídoto eficiente para “multiplicidade partidária excessiva71”. Na opinião de Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

[...] sendo a eleição presidencial necessariamente majoritária, impõe ela uma polarização das forças políticas. Não podendo ser o Presidente destituído por motivos políticos, o governo não depende em sua estabilidade da confiança parlamentar. Ademais, a liderança nacional do Presidente lhe permite usar a pressão popular contra a má vontade do Parlamento, que dificilmente pode resistir a seus reclamos. Sem dúvida, não faltam exemplos de paralisia governamental causada pela hostilidade entre o Presidente e o Congresso, mas têm eles sido raros e passageiros72.

A extensão dos poderes do Presidente identifica o modelo como o “regime de um homem só73”. O vínculo do sistema com a pessoa do Presidente confere ao modelo característica muito peculiar:

O traço fundamental do sistema presidencial é que o Poder Executivo é exercido de maneira autônoma pelo presidente da República, que é um órgão do Estado, um órgão representativo como o Parlamento, pois, como este, é eleito pelo povo. É o presidente chefe do Estado e do Executivo, traçando a política geral e dirigindo a administração, com inteira autonomia em relação ao Legislativo. É por isso plenamente responsável pelos atos de governo e administração. Os ministros são seus auxiliares, por ele nomeados e demitidos livremente, e não têm política própria, e sim a do presidente74.

Essa última passagem nos lembra que os ministros não têm política própria. Expressam a política do presidente. Deve haver unicidade entre os vários agentes governamentais. Não há sentido, assim, que se tenha conflito entre diversos ministérios, porquanto a vontade de cada um deles deve expressar a vontade do Presidente, que não pode, por incompatibilidade lógica, ser fracionada em várias vontades distintas e antinômicas.

Em relação ao Presidente, Ministros de Estado são assessores ou meros auxiliares, “tanto assim que são nomeados e demissíveis ad

71 Cf. Ferreira Filho, Manoel Gonçalves, cit., loc. cit.

72 Ferreira Filho, Manoel Gonçalves, cit., loc. cit.

73 Bonavides, Paulo, cit., p. 320.

74 Azambuja, Darcy, Introdução à Ciência Política, São Paulo: Editora Globo, 2008, p. 307.

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nutum75”. Por isso, não se pode invocar divergência intensa de opiniões, dado que a convergência de idéias, projetos, comportamento e ações seja indicativa da manutenção do Ministro, pelo Presidente. Não é o que se viu no Brasil, no entanto, como vai se argumentar mais a frente. E foi um republicano histórico brasileiro quem também dissertou sobre a qualidade que se espera dos ministros, no sentido de que,

Se a natureza e o fim do ministério são iguais à natureza e fim do presidente e a razão de existência desta dualidade é a necessidade de combinar no governo as virtudes do mando singular com as do coletivo – a primeira conclusão deve ser que as qualidades pessoais de um bom ministro são muito análogas às que se requerem para um bom presidente. A diferença mais sensível seria esta – que o presidente, tendo de superintender em toda atividade oficial, precisaria de maior número de dons do que cada ministro em particular, que preside aos negócios limitados ao distrito da sua pasta. Por outra, - as qualidades do presidente serão tanto mais felizes quanto mais equivalem às qualidades reunidas de todos os seus ministros76.

Não há mecanismos para que se tenha unidade de ação, em relação ao Parlamento, circunstância comum e recorrente77. Tenta-se. E o arranjo relativo aos vetos lançados a projetos de lei encaminhados para sanção pode ser um exemplo. Críticos do presidencialismo insistem em suposto “declínio da legitimidade no sistema presidencial78”. À luz dessa crítica, o presidencialismo poderia redundar em “perda de substância democrática79”, e de tal modo:

A desatualização do presidencialismo decorre, por sua vez, da rigidez que tolhe a fácil comunicação dos poderes e dificulta no exercício político do regime o relacionamento do Executivo com o Legislativo. Os dois ramos mais importantes do poder estatal tendem a isolar-se e a hostilizar-se, conforme nos dão testemunho as grandes crises do passado. Um reflexo institucional negativo então se produz patenteando a inconveniência daquela separação, ou seja, a incomunicabilidade típica do sistema presidencial, cuja resultante é sem dúvida um Legislativo vassalo, interiormente fechado,

75 Cf. Filomeno, José Geraldo Brito, Teoria Geral do Estado e Ciência Política, Rio de Janeiro e São Paulo: Editora Forense Universitária, 2009, p. 190.

76 Assis Brasil, Joaquim Francisco, Do Governo Presidencial, cit., p. 240.

77 Cf. Dias, Reinaldo, Ciência Política, São Paulo: Atlas, 2010, p. 149.

78 Cf. Bonavides, Paulo, Teoria do Estado, São Paulo: Malheiros, 2008, p. 280.

79 Cf. Bonavides, Paulo, cit., loc. cit.

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desprovido de prerrogativas básicas, a funcionar como assembléia de fachada e não como órgão de soberania80.

O embate entre parlamentarismo e presidencialismo é recorrente no contexto de nossa história política. Rui Barbosa, Silvio Romero, Assis Brasil, Raul Pilla, Afonso Arinos, entre outros, discutiram, favorável ou desfavoravelmente ao presidencialismo81. O interregno parlamentarista no início da década de 196082, bem como o plebiscito previsto no art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias à Constituição de 1988 fomentaram o debate:

[...] o primeiro semestre de 1993 foi marcado pela consulta à sociedade, em forma de plebiscito, acerca da forma e do sistema de governo a ser adotado no Brasil, conforme o art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias de 1988. As opções quanto à forma (República ou Monarquia constitucional) e ao sistema de governo (Parlamentarismo ou Presidencialismo) suscitariam debates e controvérsias. Estes foram marcados pelas estratégias partidárias em relação ao momento político e pela disputa de poder; pelas argumentações doutrinárias a respeito de uma suposta superioridade intrínseca a uma ou outra forma ou sistema de governo; pela discussão da adequação dos artifícios políticos à realidade brasileira, pelas inúmeras comparações e adoções de exemplos bem sucedidos em outros países etc. A polêmica tomou um vulto nunca dantes observado, já que deixou de constar apenas nos bancos acadêmicos e na esfera parlamentar para ganhar as ruas. A derrota parlamentarista de 1993, ao contrário de encerrar a polêmica, alimentou um conjunto de questões referentes aos limites e a extensão, tanto quanto à relação dos poderes executivo e legislativo, retomadas na revisão constitucional do mesmo ano83.

Ainda que paradoxal, a argumentação em favor do presidencialismo se dá com fundamento na luta contra o perigo do governante absoluto, como se colhe em excerto de palestra do Deputado Prisco Viana, proferida pelo Instituto Roberto Simmonsen da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo-FIESP, em 30 de agosto de 1991:

80 Bonavides, Paulo, cit., loc. cit.

81 Conferir, entre outros, D Ávila Filho, Paulo, Sistemas de Governo: Parlamentarismo e Presidencialismo, in Ferreira, Lier Pires e outros, Curso de Teoria Geral do Estado, Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, pp. 269 e ss.

82 Emenda Constitucional 4, de 2 de setembro de 1961, revogada pela Emenda Constitucional 6, de 23 de janeiro de 1963.

83 D Ávila Filho, Paulo, Sistemas de Governo: Parlamentarismo e Presidencialismo, cit., p. 270.

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Por que surgiu no mundo o regime que adotamos, o Presidencialismo? Justamente para afastar da Nação o perigo do governante absoluto, com todas as nefastas conseqüências que têm provocado revoluções profundas, como a da sociedade norte-americana, em 1776, da francesa, em 1789, da russa, em 1917, da chinesa, em 1948, ou da iraniana, em 197884.

O presidencialismo, assim, radica conceitualmente nos Artigos Federalistas. Deve-se considerar, no entanto, que os Artigos Federalistas são documento de época, redigidos com o objetivo de convencer a opinião pública norte-americana em favor da Constituição que então se discutia. Mudanças posteriores da Constituição, formais e informais, alteraram substancialmente o presidencialismo como concebido originariamente, especialmente no que se refere à possibilidade de reeleição.

Os conceitos centrais do sistema de governo presidencialista foram fixados nos Artigos Federalistas. Há alguma semelhança com a figura do monarca, pelo menos na visão dos primeiros críticos da fórmula que os norte-americanos engendravam. Assim, enquanto a versão mais contemporânea dos sistemas monárquicos possa qualificar uma democracia coroada, pode-se, por outro lado, encontrar-se na figura do Presidente da República resquícios de majestade imperial85.

Algum vestígio conceitual da República Romana (e do heroísmo de alguns personagens de Plutarco) engendraria ideário romântico que representa o presidente desejável como exemplar cidadão habilidoso e virtuoso, refratário a qualquer forma de corrupção ou de conduta não convergente a interesses cívicos.

Quando da discussão estimulada pelos Artigos Federalistas eram inevitáveis as comparações da figura do presidente com a temida imagem do rei. Os críticos do presidencialismo incipiente insistiam que o modelo materializava o poder monárquico com prazo pré-definido e limitado. A crítica posterior vinculou o presidencialismo ao autoritarismo. Entre

84 Viana, Prisco, Por que o Presidencialismo, Brasília: Câmara dos Deputados, Centro de Documentação e Informação, Coordenação de Publicações, 1998, p. 7.

85 Conferir, nesse sentido, Hambloch, Ernest, Sua Majestade o Presidente do Brasil- Um Estudo do Brasil Constitucional (1889-1934), Brasília: Senado Federal, 2000. Tradução de Lêda Boechat Rodrigues.

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nós, a discussão que se fez em torno da medida provisória foi refém dessa alegação.

A acumulação de funções de chefia de Governo e de Estado é o traço orgânico definidor do presidencialismo; a representatividade (interna e externa) e o poder imediato da condução das ações públicas (também internas e externas) substancializam ampla margem de poder. Impossível, nesse contexto, a trivialização da função e a hipervalorização do poder presidencial.

O presidencialismo dimensiona historicamente a hipertrofia do Executivo. Ao mesmo tempo em que enfrenta o dogma de Montesquieu, reage à percepção originária de independência e harmonia. As relações do Presidente com os demais poderes são historicamente conflituosas.

Ilustra-se a afirmação com anedota de autoria incerta e que nos lembra suposta reação do Presidente Floriano Peixoto para com habeas corpus impetrado por Rui Barbosa no Supremo Tribunal Federal em favor de professores e políticos detidos, que faziam oposição ao Marechal de Ferro. Este último, conta-nos essa anedota, ao saber do habeas corpus de Rui Barbosa, teria mandado avisar aos Ministros do Supremo que se esses concedessem a ordem para os pacientes, não se saberia quem concederia habeas corpus para os próprios Ministros no dia seguinte...

Bem mais precisa a passagem de Lêda Boechat Rodrigues, que em capítulo no qual tratou do desrespeito às imunidades parlamentares e às garantias individuais, por parte do Executivo, em livro clássico sobre a História do STF, observou que “corria como verdadeira uma frase atribuída a Floriano: Se os juízes concederam habeas corpus aos políticos, eu não sei quem amanhã lhes dará o habeas corpus de que, por sua vez, necessitarão86”.

O presidencialismo supõe duração razoável de mandato presidencial. No modelo brasileiro, como se verá, oscila entre quatro e cinco anos, nada obstante o longo interregno de Getúlio Vargas, que

86 Rodrigues, Lêda Boechat, História do Supremo Tribunal Federal, Tomo I- 1891-1898- Defesa das Liberdades Civis, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991, p-. 18-19.

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tomou quinze anos, embora sob circunstâncias que fugiam do controle de um ideário democrático.

O debate em torno do voto direto (ou indireto) é também recorrente na problematização do presidencialismo. A experiência republicana brasileira, como se verá, fornece amplo material para reflexão. Oscilações no modelo norte-americano também ilustram a questão.

De igual modo, a possibilidade (ou não) de reeleição é problema que também suscita discussão. Aceita a reeleição, indaga-se, em seguida, por quantas vezes. A inexistência de limites possibilita a perpetuação no poder.

Deve-se levar em conta que o titular do cargo conta com a máquina pública para reelegê-lo. Por outro lado, a limitação da possibilidade de reeleição congela um projeto político e faz do imediatismo a regra. Além do que, a sucessão se perpetua por ordem indireta. O titular do cargo faz o sucessor. No Brasil, em 1930, por exemplo, Washington Luís garantiu a vitória de Júlio Prestes. O político paulista - Prestes - só não foi empossado porque a Revolução daquele ano derrubou o presidente que lhe daria posse, Washington Luís, fluminense de Macaé, mas que fez a carreira política em São Paulo, estado do qual foi presidente. Era essa, presidente, a denominação dos governadores de Estado até 1930.

O poder de condução da política internacional, mediante, entre outros, a celebração de tratados, é outro tema de discussão permanente no presidencialismo. Discute-se também o alcance da autoridade presidencial na efetiva articulação de políticas internacionais.

A recente história do Brasil fornece insumo fatual para essa discussão. Pode se referir à negativa de extradição para a Itália, por parte do governo brasileiro, do italiano Césare Battisti. Pode se referir também a recente medida de suspensão do Paraguai dos órgãos do Mercado Comum do Sul-MERCOSUL.

O comando presidencial das Forças Armadas também parece ser a regra no contexto internacional do presidencialismo. O comando civil de áreas militares ensejou debate, inclusive entre nós, que opõe noções

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clássicas de hierarquia a digressões históricas em torno da missão dos militares no imaginário da segurança nacional.

A responsabilização do presidente, inclusive política, também fomenta intenso debate. A história política norte-americana ilustra a assertiva. Faz-se referência ao Presidente Richard Nixon e ao caso Watergate87 e ao Presidente William Jefferson Clinton e os casos Paula Jones e Monica Lewinsky88.

Decorre da tese da responsabilização o problema do impeachment, que se pode ilustrar com o caso Fernando Armindo Lugo Mendez, recentemente ocorrido, e que teria justificado a sumária suspensão do Paraguai do MERCOSUL, por parte dos demais parceiros do grupo, ainda que não seja este o problema central aqui enfrentado.

A chefia unipessoal do Executivo é também instância conceitual que provoca inquietação. Faz-se referência à natureza carismática de algumas lideranças, categoria weberiana89, o que permite que se estude sistematicamente figuras como Getúlio Vargas, João Goulart, Jânio Quadros, Juscelino Kubitschek, Juan Domingo Perón, entre outros.

O poder de veto do presidente assinala ponto essencial na relação do Executivo com o Legislativo. O veto pode ser aposto a lei encaminhada para sanção presidencial por inconstitucionalidade ou por interesse público. Como esse último critério pode ser volátil e incerto, o sistema prevê mecanismo contrafático de resistência, em favor do presidente.

O dogma ministerial, isto é, a compreensão de que o Ministro é assessor do Presidente, permite que se defenda um alinhamento entre posições presidenciais e ministeriais. Entre nós, o caso Silvio Frota,

87 Cf. Kalman, Laura, Abe Fortas, A Biography, New Haven and London: Yale University Press, 1990, pp. 395-397.

88 Cf. Posner, Richard A., An Affair of State- The Investigation, Impeachment and Trial of President Clinton, Cambridge: Harvard University Press, 1999.

89 Cf. Weber, Max, Economia e Sociedade, vol. 2, Brasília: Editora da UnB, 1999, pp. 323 e ss. Tradução de Regis Barbosa e de Karen Elsabe Barbosa.

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ocorrido na gestão de Ernesto Geisel talvez seja o mais emblemático de todos90.

Os debates em torno do presidencialismo são concentrados nos seguintes pontos chave: extensão de poderes, atuação na política internacional, poder de editar normas, alcance das medidas provisórias, reeleição, responsabilização, impeachment, poder de veto, entre outros. Há também o problema do presidencialismo de coalizão, no que concerne à tese do voto disciplinado da Câmara dos Deputados91 de que se tratará mais adiante, ainda que superficialmente.

Assim, salvo alguma abordagem, ainda que indireta, em Manoel Gonçalves Ferreira Filho, quanto ao problema da governabilidade92, é inédita a discussão aqui apresentada, em torno da litigância intragovernamental como fator de enfraquecimento e desagregador do presidencialismo.

90 Cf. Gaspari, Elio, A Ditadura Envergonhada, São Paulo: Companhia das Letras, 2002. Frota, Sylvio, Ideais Traídos, São Paulo: Jorge Zahar, 2006.

91 Cf. Cintra, Antônio Octávio, O Sistema de Governo no Brasil, in Avelar, Lúcia e Cintra, Antônio Octávio, Sistema Político Brasileiro: uma Introdução, Rio de Janeiro: Fundação Konrad-Adenauer-Stiftung e São Paulo: Fundação Unesp Editora, 2004, pp. 61 e ss.

92 Ferreira Filho, Manoel Gonçalves, Constituição e Governabilidade- Ensaio sobre a (in)governabilidade brasileira, cit., loc.cit.

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7 O presidencialismo norte-americano

O objetivo da presente seção é tentar recompor a construção da autoridade presidencial na experiência política norte-americana, especialmente no sentido de sua unidade. O caso Marbury v. Madison, recorrentemente citado como a pedra de toque da independência do Judiciário pode, no contexto das presentes reflexões, indicar, pelo contrário, a afirmação do Executivo. Como se verá, o Juiz Marshall não enfrentou objetivamente a autoridade do Presidente Thomas Jefferson.

Essa seção também pretende resgatar a apologia que o pensamento presidencialista norte-americano tem para com a tipologia das virtudes políticas da República Romana. Tem-se a impressão que os founding fathers norte-americanos eram leitores vorazes de Plutarco. A seção também pretende rápida avaliação do papel do Presidente norte-americano em situações de exceção. Trata também do modelo norte-americano de eleição presidencial.

Aponta para alguma discussão em torno das imunidades presidenciais. Menciona rapidamente a questão das executive orders, as ordens presidenciais, que o Presidente baixa para o próprio Executivo. É esse mecanismo, que na essência não se assemelha às nossas medidas provisórias, uma das fórmulas das quais utiliza o Presidente norte-americano para alcançar parâmetros de unidade governamental.

Faz-se necessária referência ao papel de Franklyn Delano Roosevelt na condução do New Deal, programa de reconstrução nacional que exigiu uma ampliação substantiva dos poderes presidenciais, que a Suprema Corte norte-americana rejeitou, num primeiro momento. Ao fim, apresenta-se uma síntese de caso discutido entre o governo norte-americano e uma agência reguladora, ilustrando a litigância intragovernamental que também há nos Estados Unidos, situação monitorada e restringida pelo Departamento de Justiça.

No contexto da tese, essa seção indica que a unidade da ação governamental é objetivo comum nos sistemas de governo presidencialistas.

O presidencialismo norte-americano surgiu no quadro de ambigüidade vivida pelos founding fathers a partir da declaração de

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Independência, em 1776. Por um lado, os revolucionários temiam a amplitude do poder do monarca inglês, suficiente para mitigar direitos e liberdades de cidadãos livres; por outro, havia angústia muita grande para com a fraqueza e inoperância do governo então organizado1.

Forte pressão para resultados políticos imediatos que, entre outros, justificou aliança com a França2 orientava para a concepção de sistema de governo que canalizasse as energias do país. Precisava-se de um governo eficiente: a criação da República foi o último grande drama da Revolução de 17763.

E porque de alguma maneira necessitava-se de fortalecer o Executivo, por razões de ordem prática, é que se pensou num presidencialismo forte, com base no axioma do inglês John Locke, para quem “[...] o bem da sociedade exige que diversas questões sejam deixadas à discrição daquele que detenha o poder executivo4”. Tem-se a impressão que do Presidente se espera um líder criativo e ousado, que necessita de força para levar adiante as promessas de campanha5.

Um antigo dito norte-americano, atribuído a um Secretário de Estado, revela-nos que os americanos temiam eleger um rei por quatro anos, para quem se dariam poderes absolutos, com alguns limites, e que ao fim o próprio presidente interpretaria tais limites como quisesse6. Ainda que anedótica, a passagem ilustra o conjunto de prerrogativas que o presidente norte-americano poderia deter.

No ambiente da independência, Thomas Jefferson era um dos que apostava na iniciativa norte-americana para resolução dos próprios

1 Cf. Heineman, Robert A., Peterson, Steven A. e Rasmussen, Thomas H., American Government, New York: McGraw-Hill, Inc., 1989, p. 184.

2 Cf. Franklyn, Benjamin, The Autobiography and Other Writings, New York: Signet Classics, 1961, p. 270.

3 Cf. Countryman, Edward, The American Revolution, London: Penguin Books, 1987, p. 175.

4 Cf. Locke, John, Dois Tratados Sobre o Governo, São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 529. Tradução de Julio Fischer.

5 Cf. Blum, John Morton, The Progressive Presidents, New York & London: W. W. Norton Company, 1982.

6 Tradução livre minha. No original: “We elect a king for four years, and give him absolute Power within certain limits, which after all he can interpret for himself”. Corwin, Edward S., The President- Office and Powers- 1787-1957- History and Analysis of Practice and Opinion. New York: New York Press, 1968.

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problemas7. A capacidade de ação dos norte-americanos decorreria também do fato de que a ocupação do país se fizera a expensas de sacrifícios pessoais, e não de investimento e organização do governo britânico8. Figura contraditória e paradoxal9, ao mesmo tempo reverente e irreverente para com o passado, obcecado com uma doutrina de soberania popular que julgava superior10, Jefferson notabilizou-se também como reformador11.

No que se refere à concepção de poderes outorgados ao presidente norte-americano, Jefferson era partidário de fórmula minimalista e menos centralizadora, no que era criticado por Alexander Hamilton, que advogava a fixação de amplos poderes para o chefe do Executivo12. Triunfaram as idéias de Hamilton.

Por outro lado, ainda que se argumente que o caso Marbury v. Madison, ocorrido durante a presidência de Thomas Jefferson, tenha fortalecido o Poder Judiciário, na medida em que o Juiz Marshall então fixou a possibilidade de que a este poder competia determinar a constitucionalidade de leis13, pode-se também observar que Jefferson saiu favorecido na disputa.

7 Cf. Beloff, Max, Thomas Jefferson and American Democracy, New York: MacMillan, 1962.

8 Cf. Jefferson, Thomas, A Summary View of the Rights of British America, 1774, in The Life and Selected Writings of Thomas Jefferson, New York: Modern Library, 1944, p. 294.

9 Cf. Mapp Jr., Alf J., Thomas Jefferson, America´s Paradoxical Patriot, New York: Rowman & Littlefield Publishers Inc., 1987.

10 Cf. Ellis, Joseph J., American Sphinx, The Character of Thomas Jefferson, New York: Vintage Books, 1998, p. 265.

11 Cunningham Jr., Noble E., In Pursuit of Reason- The Life of Thomas Jefferson, New Yorrk: Ballantine Group, 1987, especialmente, pp. 52 e ss.

12 Cf. Coyle, David Cushman, The United States Political System, New York and Toronto: A Mentor Book, 1967, p. 50.

13 Sobre o que, e com base nessa premissa de que o Judiciário saiu-se vencedor da peleja há farta bibliografia: Nelson, William, Marbury v. Madison- The Origins and Legacy of Judicial Review, Lawrence: University Press of Kansas, 2000. Hobson, Charles E., John Marshall- The Great Chief Justice, Lawrence: University Press of Kansas, 1996. Simon, James F., What Kind of Nation- Thomas Jefferson, John Marshall and the Epic Struggle to Create a United States, New York: Simon and Schuster, 2002. Smith, John Edward, John Marshall- Definer of a Nation, New York: Holt Paperbacks, 1998. Clinton, Robert Lowry, Marbury v. Madison and Judicial Review, Lawrence: University Press of Kansas, 1989, Kahn, Paul W., The Reign of Law- Marbury v. Madison and the Construction of America, New Haven & London: Yale University Press, 1997. Mountjoy, Shane, Marbury v. Madison- Establishing Supreme Court Power, New York: Chelsea House, 2006. Newmeyer, R. Kent, John Marshall and the Heroic Age of the Supreme Court, Baton Rouge: Louisiana State University Press, 2007. De Villers, David, Marbury v. Madison- Powers of the Supreme Court, Berkeley Heights: Enslow Publishers, Inc., 1998. Goldstone, Lawrence, The Activist- John Marshall, Marbury v. Madison and the Myth of Judicial Review, New York: Walker and Company, 2008. Tushnet, Mark (Ed.), Arguing Marbury v. Madison, Stanford: Stanford University Press, 2005.

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O caso Marbury v. Madison, segundo senso comum, marcaria a mais importante contribuição do direito norte-americano à teoria do direito constitucional14. Teria assentado o princípio da supremacia do Poder Judiciário. Teria dado início ao “judicial review” ou controle pelo judiciário da constitucionalidade das leis. O mentor de tal concepção foi o Juiz Marshall, festejado como a iluminada mente que nos legou o controle de constitucionalidade.

Argumenta-se aqui, no entanto, que a decisão foi política. Marshall contornou um confronto direto com o Presidente norte-americano. Não deixou de criticá-lo, disfarçando recuo inevitável, com ato de afirmação contra o partido que estava no poder. No quadro de um estudo sobre o presidencialismo, pode se insinuar que, naquele momento, o fortalecimento - de fato - era do Poder Executivo.

Em 1801, nos últimos dias do governo de J. Adams, Marbury foi legalmente nomeado juiz de paz no distrito de Columbia. Thomas Jefferson, então eleito presidente, ordenou que seu secretário de Estado, James Madison, não empossasse a Marbury, e a nenhum dos outros juízes nomeados por Adams. O preterido requereu ordem contra Madison, que não se defendeu. Jefferson ameaçou a Corte com um “impeachment”, caso o pedido de Marbury fosse deferido. O conflito estava posto.

Marshall astutamente inverteu o exame da ordem das questões. Declarou que Madison agiu ilegalmente ao não dar posse a Marbury, cuja nomeação para o cargo de juiz fora perfeita e legítima. Porém, e aqui o ato político, declarou que a Suprema Corte não tinha competência para conduzi-lo ao cargo porque o pedido fora diretamente feito àquele tribunal, com base numa lei judiciária de 1769.

Segundo Marshall, competência era matéria estritamente definida na Constituição. Não poderia ter sido dilatada por uma lei judiciária. Era, assim, inconstitucional e nulo o art. 13 dessa lei discutida, que atribuía à Suprema Corte competência originária para expedir ordens nestes casos. Marshall censurou Jefferson, criticou Madison, deu razão a Marbury, porém recusou-se a garantir a decisão com base na

14 Cf. Pollock, Earl E., The Supreme Court and American Democracy- Case Studies on Judicial Review and Public Policy, Westport and London: Greenwood Press, 2009, p. 9-28.

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inconstitucionalidade da Lei Judiciária de 1769. Inaugurou o controle de constitucionalidade de leis por parte do poder judiciário. Por outro lado, não afrontou ao Presidente Thomas Jefferson que, naquele momento, e naquele contexto, saiu fortalecido. A decisão, olhando-se na perspectiva atual, resulta numa emenda constitucional de fato. Demorou cinco horas para ser lida; e é só no seu fecho que se compreende o seu resultado15. E só muito tempo depois se compreende seu impacto.

O presidencialismo norte-americano resgatou fórmulas de imaginário passado republicano romano. Aplicou-se para situações que necessitavam de enfrentamentos urgentes. Rearticulou-se ao longo dos anos. E o presidencialismo norte-americano persiste na tentativa de manter aparência de apoio popular. Representa, no limite, a reforma política e a imaginação institucional, que tudo faz e reforma, para tudo conservar e manter16.

O presidencialismo é em linhas gerais tratado na Seção I do Artigo II da Constituição norte-americana17. Nele se investe o Poder Executivo federal. O mandato do presidente é de quatro anos. Este é eleito com um vice-presidente, com quem toma posse.

O vice-presidente preside o Senado. Quando necessário, profere voto de desempate (tie breaking vote). Não há conjunto pormenorizado e amplo de competências para o vice-presidente. Por isso, uma anedota norte-americana, que consiste em se indagar: Whatever became of Hubert?, isto é, Onde está Hubert? Trata-se de jocosa referência a Hubert Humphrey, eleito vice-presidente dos Estados Unidos em 1965, e que devido ao pequeno número de afazeres, não se sabia exatamente de seu paradeiro18. A referência é jocosa, ilustrando, no entanto, o papel do vice-presidente no contexto da política presidencialista norte-americana.15 Goldstone, Lawrence, cit., p. 229.

16 Cf., por todos, Corwin, Edward S., El Poder Ejecutivo- Funcion y Poderes- 1787-1957. Buenos Aires: Editorial Bibliográfica Argentina, s.d. Tradução do inglês para o espanhol de Laura E. Pellegrino. No original, Corwin, E. S., The President, Office and Powers, 1787-1957. New York: New York University Press, 1957.

17 Conferir, entre outros, Tushnet, Mark, The Constitution of the United States of America- A Contextual Analysis, Portland: Hart Publishing, 2009, pp. 79 e ss.

18 Cf. Currie, David P., The Constitution of the United States- A Primer for the People, Chicago and London: The University of Chicago Press, 2000, p. 5.

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Com a posse o presidente deve cumprir sua primeira obrigação constitucional. Presta juramento, proferindo as seguintes palavras: “Eu solenemente prometo que irei honestamente exercer o cargo de Presidente dos Estados Unidos, que irei fazer o melhor de minhas aptidões, preservarei, protegerei e defenderei a Constituição dos Estados Unidos19”. É sua primeira obrigação oficial, se recusar, viola a Constituição20. Em seguida, cumpre sua segunda obrigação, isto é, forma seu Gabinete21.

Ainda há muita discussão em relação ao alcance das prerrogativas do presidente dos Estados Unidos, inclusive em relação a poderes emergenciais22. Na Suprema Corte Americana, o caso Korematsu é exemplo emblemático de aceitação de poderes amplos, em favor do presidente dos Estados Unidos23.

O caso Korematsu foi discutido e julgado em 1944. Durante a Segunda Guerra Mundial, japoneses e descendentes de japoneses foram internados em campos fechados, em San Leandro, na Califórnia24, num contexto de histeria, que os norte-americanos viveram no tempo da guerra. Fred Korematsu (que nasceu em Oakland, California, em 1919), era de ascendência japonesa, e foi um dos internados nos referidos campos. Provocou a Suprema Corte pretendendo responsabilizar o governo norte-americano pelos sofrimentos que teve durante o internamento. Invocando razões de Estado, eventualmente justificadas pelo perigo da guerra que então enfrentavam, a Suprema Corte justificou e sufragou o internamento25. Temia-se que o judiciário se transformasse num instrumento de políticas militares26.

19 Constituição dos Estados Unidos, II, I, 8. Tradução livre minha. No original: “I do solemnly swear that I will faithfully execute the Office of President of the United States, and will to the best of my Ability, preserve, protect and defend the Constitution of the United States”.

20 Cf. Corwin, Edward S., cit., p. 59.

21 Cf. Corwin, Edward S., cit., p. 69.

22 Cf. Corwin, Edward S., cit., p. 147.

23 Irons, Peter, A People´s History of the Supreme Court, New York: Penguin Books, 1999, pp. 353 e ss.

24 Cf. Rehnquist, William H., The Supreme Court, New York: Vintage Books, 2001, p. 144.

25 Cf. Irons, Peter, cit., loc. cit.

26 Cf. Semonche, John E., Keeping the Faith- A Cultural History of the U. S. Supreme Court, Lanham: Rowman & Littlefield Publishers, Inc., 1998.

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Korematsu fora condenado pela justiça federal de primeira instância na Califórnia, por ter desobedecido a ordens militares contra japoneses, na costa oeste norte-americana, durante a Segunda Guerra Mundial. Em 9 de maio de 1942 o governo norte-americano baixou a Ordem de Exclusão # 32, determinando que todos os descendentes de japoneses deveriam se apresentar para as autoridades militares, devendo em seguida aguardar em áreas controladas por militares.

Temia-se que descendentes de japoneses praticassem atos de sabotagem e de espionagem, durante a guerra. A medida governamental pretendia atender iminente perigo público, o que exigiria limitação de liberdades individuais e mitigação de direitos civis. Korematsu desafiou judicialmente a ordem do governo norte-americano. Colocou a seguinte questão, que chegou à Suprema Corte dos Estados Unidos: pode se justificar a limitação de direitos civis, de um grupo racial específico, em nome da segurança pública? Também discutia previsão constitucional que outorgaria, a todos, proteção idêntica por parte da lei. Além do que, embora descendente de japoneses, Korematsu era cidadão norte-americano. Korematsu foi derrotado.

A Suprema Corte norte-americana definiu que medidas de restrição por parte de autoridades militares legítimas, em caso de perigo público grave e iminente, justificariam a limitação de direitos civis de um grupo racial específico. O relator, Juiz Hugo Black27, centrou sua linha de decisão no conceito de interesses públicos primários28. Seria motivo suficiente para justificação das restrições, para com descendentes de japoneses, nos Estados Unidos, receio de invasão na costa oeste, por parte das autoridades militares, em meio à guerra, após os japoneses terem bombardeado Pearl Harbor. Tudo isso, nada obstante Korematsu ser cidadão norte-americano.

A questão foi novamente debatida, ao longo da guerra contra o terrorismo, especialmente quanto a prisão que os norte-americanos mantém em Cuba. A restrição a liberdades fundamentais, no ambiente

27 Para uma biografia desse notável juiz da Suprema Corte norte-americana, conferir, Newman, Roger K., Hugo Black, a Biography, New York: Fordham University Press, 1997.

28 Para uma análise da posição de Hugo Black no caso Korematsu, conferir Dunne, Gerald T., Hugo Black and the Judicial Revolution, New York: Touchstone Book, 1977, pp. 212-215.

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que seguiu ao ataque terrorista às torres de Nova Iorque é assunto explorado, entre outros, por Bruce Ackerman, para quem o terrorismo é uma técnica, e assim o era também a blitzkrieg- guerra relâmpago dos alemães29.

E como não se poderia fazer guerra contra a blitizkrieg, não se poderia, por igual razão, fazer-se guerra contra o terrorismo. Não se pode guerrear uma técnica. Para Ackerman, uma constituição emergencial deveria ser pensada para se fazer a guerra contra os terroristas que derrubaram as torres gêmeas, bem como poderia ser utilizada em situações semelhantes, respeitando-se, substancialmente, as liberdades civis. Para Ackerman, o sucesso dos terroristas da Al-Caeda fora a inegável demonstração da falibilidade norte-americana30.

A relação das liberdades civis com a guerra que os norte-americanos travam com esse terrorismo fundamentalista31 é assunto recorrente nas ciências sociais norte-americanas contemporâneas, um dos pontos que divide os Estados Unidos32, assunto que também provoca preocupação no constitucionalismo daquele país33. Retoma-se, de certa maneira, o intenso debate sobre o estado de exceção34.

29 Cf. Ackerman, Bruce, Before the Next Attack- Preserving Civil Liberties in an Age of Terrorism, New Haven: Yale University Press, 2006.

30 Cf. Ackerman, Bruce, cit.

31 Cf. Ali, Tariq, The Clash of Fundamentalisms- Crusades, Jihads and Modernity, London & New York: Verso, 2002.

32 Cf. Berman, Morris, Dark Ages America- The Final Phase of Empire, New York & London: W. W. Norton & Company, 2006.

33 Cf. Tushnet, Mark, A Court Divided- The Rehnquist Court and the Future of Constitutional Law, New York: W.W. Norton & Company, 2005.

34 Conferir, entre outros, Bercovici, Gilberto, Constituição e Estado de Exceção Permanente-Atualidade de Weimar, Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2004. Em tema conexo, o estado de exceção particularmente no contexto da história constitucional alemã, Caldwell, Peter C., Popular Sovereignty and the Crisis of German Constitutional Law- The Theory and Practice of Weimar Constitutionalism, Durham: Duke University Press, 1997. Schmitt, Carl, Teologia Política, Belo Horizonte: Del Rey, 2006. Tradução de Elisete Antoniuk. Macedo Jr., Ronaldo Porto, Carl Schmitt e a Fundamentação do Direito, São Paulo: Max Limonad, 2001. Conferir também, Agambem, Giorgio, Estado de Exceção, São Paulo: Boitempo Editorial, 2004. Tradução de Iraci D. Poleti. Agambem, Giorgio, Homo Sacer- Sovereign Power and Bare Life, Stanford: Stanfor University Press, 1998. Tradução de Daniel Heller-Roazen. Durantaye, Leland de la, Giorgio Agambem- A Critical Introduction, Stanford: Stanford University Press, 2009, especialmente pp. 335-365.

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Discussão parecida ocorrera ao fim da 2ª Guerra Mundial, ainda que o inimigo fosse outro. Trocou-se o fundamentalismo muçulmano pelo comunismo soviético. Durante a guerra fria, o Presidente Harry Truman combateu o comunismo obrigando que servidores públicos jurassem lealdade, monitorando-os e vigiando-os também. Foram perseguidos aqueles que se julgassem simpáticos à Rússia. Tratava-se da Loyalty Order, imposta pela Executive Order 983535, uma ordem executiva, como se verá adiante; a regra manteve-se intacta, inclusive ao longo de período extremamente liberal da Suprema Corte, durante a presidência de Earl Warren36.

Há limites para a atuação do presidente dos Estados Unidos, por exemplo, em relação a servidores civis. No caso Humphrey, que é de 1935, a Suprema Corte impediu que o presidente demitisse dirigente de agência reguladora (Federal Trade Comission), nomeado por presidente anterior, simplesmente porque alegara incompatibilidade política. Notificado a deixar o cargo, Humphrey ajuizou ação requerendo que seus salários continuassem a ser pagos. A Corte entendeu que o chefe de uma agência reguladora deveria ter plena liberdade de ação, pelo que não poderia o presidente demiti-lo a qualquer momento37.

O presidente dos Estados Unidos pode vetar leis38; o veto presidencial pode ser derrubado por dois terços dos votos do Senado e da Câmara39. Denomina-se de “a arma ancilar da liderança presidencial (ancillary weapon of presidential leadership)40”.

35 Cf. Corwin, Edward S., cit., p. 100.

36 Earl Warren era do partido republicano. Fora governador da Califórnia. Ao que consta, apoiou Eisenhower para presidente, com a promessa de que seria indicado para a Suprema Corte quando se abrisse uma vaga. O juiz presidente daquela Corte faleceu e Eisenhower não teve outra opção, indicando Warren para ocupar aquele cargo. Warren defendeu intransigentemente os direitos e liberdades civis, revolucionando o direito e a cultura dos Estados Unidos da América. Conferir, entre outros, Powe Jr., Lucas A., The Warren Court and American Politics, Cambridge: Harvard University Press, 2001. White, G. Edward, Earl Warren- A Public Life, New York: Oxford University Press, 1987. Conferir também Horwitz, Morton J., The Warren Court and the Pursuit of Justice, New York: Hill and Wang, 1999.

37 Cf. Corwin, Edward S., cit., p. 92.

38 Constituição dos Estados Unidos, I, 7, [2 e 3].

39 Constituição dos Estados Unidos, I, 7, [3].

40 Cf. Corwin, Edward S., cit., p. 277.

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O presidente é ordinariamente escolhido por um Colégio Eleitoral que se pulveriza pelos vários estados norte-americanos. O número de eleitores é igual ao número dos congressistas do Estado, o que reflete, assim, a população estadual. O estado da Califórnia, por exemplo, possui o maior número de delegados, cerca de 55, o que reflete os seus mais de 55 milhões de eleitores. O vencedor na unidade federativa leva todos os votos, inclusive os votos do candidato vencido, isto é, para efeitos de cômputo final de votos. É o estado que puxou a eleição de Richard Nixon e de Ronald Reagan. Cada unidade federada organiza sua legislação e modelo eleitorais, inclusive no que se refere às eleições presidenciais. Cada estado tem sua específica legislação eleitoral; não se trata de matéria de lei federal41.

Há, inclusive, previsão para discussões e votos fechados, o que o jargão político norte-americano denomina de caucus. Não há eleições diretas para presidente nos Estados Unidos. Primeiramente, os partidos escolhem seus candidatos, a partir de indicações e votos de seus membros; são as chamadas primárias, que se realizam nos atuais 50 estados da federação. Nas primárias os partidos escolhem seus candidatos. É a primeira etapa a ser vencida.

Os eleitores são os delegados partidários. Depois de indicados os candidatos, os delegados nacionais depositam seus votos. Concomitantemente, ao lado dos votos dos 540 delegados (o Colégio Eleitoral) há eleições populares. Aqueles, os votos do Colégio Eleitoral, contam mais que os votos populares. Al Gore venceu Bush com cerca de um milhão de votos populares a mais; perdeu, no entanto, no Colégio Eleitoral, por 271 votos a 266; a Suprema Corte garantiu a vitória de Bush42.

Esse modelo, porém, não é originariamente previsto pelos costumes e pela Constituição. De acordo com Woodrow Wilson, que foi presidente dos Estados Unidos, além de reconhecido jurista:

41 Cf. Corwin, Edward S., cit., p. 39.

42 Cf. Dershowitz, Alan M., Supreme Injustice- How the High Court Hijacked Election 2000, Oxford: Oxford University Press, 2001. Conferir também Powe Jr., Lucas A., The Supreme Court and the American Elite- 1789-2008, Cambridge: Harvard University Press, 2008, pp. 336-339.

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Tivemos que passar por diversos estágios de desenvolvimento até que o presente sistema de eleição por convenção fosse alcançado. Nas duas primeiras eleições presidenciais os eleitores podiam escolher livremente, de acordo com suas consciências porque a Constituição assim os permitia. E a Constituição permitia que votassem da forma que julgassem melhor, e não se exigia muita discrição para se votar no General Washington. Mas quando o General Washington não mais estava na disputa, e novos partidos começaram a dividir terreno com os federalistas, dirigentes partidários em nada ajudavam sentindo-se ansiosos em relação aos votos dos eleitores, e alguns daqueles que foram indicados para escolher o presidente eram aqueles que anteriormente já haviam se comprometido a votar de determinada maneira. Após a terceira eleição presidencial o Congresso começou a supervisionar o assunto. De 1800 a 1824 houve uma sucessão de reuniões fechadas (caucasus) de membros republicanos do Congresso com o objetivo de dirigir a ação dos eleitores dos partidos; e indicações por reuniões fechadas desapareceram apenas quando o Partido Republicano tornou-se virtualmente o único partido no qual valia a pena confiar- o único partido para o qual uma indicação realmente valia a pena- e então a opinião pública começou a reclamar de tamanha monopólio de decisões secretas. Em 1796 os congressistas federalistas realizaram uma reunião secreta para convergir idéias, na medida em que as eleições se aproximavam; porém em seguida se recusaram a experimentar mais além, e se contentaram com reuniões eventuais até que não havia mais partido para reunir. Em 1828 houve indicações de legislaturas estaduais; e em 1832 houve a primeira grande convenção para indicação de candidato43.

Atualmente, não obstante a proliferação de muitos partidos menores, há duas agremiações principais: o Partido Republicano e o 43 Wilson, Woodrow, Congressional Govenment- A Study on American Politics, Minola: Dover Publications,

INC., 2006, p. 166. Tradução livre minha. No original: “We had to pass through several stages of development before the present system of election by convention was reached. At the first two presidential elections the electors were left free to vote as their consciences and the Constitution bade them; for the Constitution bade them vote as they deemed best, and it did not require much discretion to vote for General Washington. But when General Washington was out of the race, and new parties began to dispute the field with the Federalists, party managers could not help feeling anxious agout the votes of the electors, and some of those named to choose the second President were, accordingly, pledged beforehand to vote thus so. After the third predidential election there began to be congressional ovesight of the matter. From 1800 to 1824 there was an unbroken succession of caucases of the Republican members of Congress to direct the action of the party electors, and nomination by cáucus died only when the Republican party became virtually the only party worth reckoning with, - and tehen public opinion began to cry out against such secret direction of the monopoly. In 1796 the Federalist congressmen had held an informal cáucus to ascertain their minds as to the approaching election; but after that they refrained from further experiment in the same direction, and contented themselves with now and then a sort of convention until they had no party to convene. In 1828 there was a sort of dropping fire of nominations from state legislatures; and in 1832 sat the first of the great national nominating government”.

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Partido Democrata. O Partido Republicano é conhecido como o G.O.P., ou o Grand Old Party, isto é, o Velho Grande Partido. O partido foi fundado em 1854; fora formado por antiescravistas, a exemplo de Abraham Lincoln. Hoje identificado com setores mais conservadores da sociedade44, o Partido Republicano defende agenda restritiva da atuação estatal; prega-se Estado mínimo, bem como a diminuição de impostos45.

Entre os mais expressivos representantes do Partido Republicano na presidência dos Estados Unidos, além de Lincoln, pode-se citar Theodore Roosevelt, Dwight David Eisenhower, Richard Nixon, Ronald Reagan e Bush, pai e filho. Nascido no sul dos Estados Unidos, e identificado com a causa antiescravista, o Partido Republicano afastou-se de seu ideário originário, representando setores mais conservadores da sociedade, especialmente na década de 198046.

O Partido Democrata remonta a 1792, quando então era denominado de Democratic Republican Party, isto é, Partido Democrata Republicano. O partido se apresenta como progressista, num contexto norte-americano, e identifica-se com minorias e sindicatos de trabalhadores. Entre seus principais expoentes à frente da presidência dos Estados Unidos, indica-se Thomas Jefferson, Woodrow Wilson, Franklyn Delano Roosevelt, Harry Truman, John Fitzgerald Kennedy, Jimmy Carter, Bill Clinton e Barack Obama47.

Nos termos da Constituição norte-americana a idade mínima do presidente é de 35 anos. Deve deter cidadania originária. Exigia-se 14 anos de residência nos Estados Unidos, quando da redação da Constituição. A dicção constitucional que determinava que o candidato fosse cidadão dos Estados Unidos, ao tempo da adoção da Constituição, tem hoje, evidentemente, apenas valor histórico48.

44 Entre outros, o pensador conservador republicano norte-americano é estudado por Dean, John W., Conservatives Whitout Conscience, New York: Viking, 2006.

45 Conferir, por todos, Rutland, Robert Allen, The Republicans- From Lincoln to Bush, Columbia: University of Missouri Press, 1998.

46 Cf., Rutland, Robert Allen, cit.

47 Para a história do Partido Democrata, conferir, Rutland, Robert Allen, The Democrats, From Jefferson to Clinton, Columbia: University of Missouri Press, 2002.

48 Cf. Corwin, Edward S., cit., p. 32.

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A Emenda XXV presentemente regula os casos de vacância da presidência, por deposição, morte, renúncia ou inabilitação. Proposta em 6 de julho de 1965 e ratificada em 10 de fevereiro de 1967, a Emenda XXV dispõe que em caso de deposição, morte ou renúncia o presidente será substituído pelo vice-presidente. Na hipótese de vacância do cargo de vice-presidente, o presidente indicará um novo vice-presidente. O Congresso decidiria sobre os casos de vacância, na hipótese de afastamento do vice-presidente.

O presidente é o comandante do Exército, da Marinha e das forças militares estaduais, quando oficiadas a atuar em nome da União. Detém poderes, mediante autorização do Senado, para fazer tratados; é o tema da separação de poderes, em assuntos internacionais49, que os norte-americanos resolveram com a doutrina da “domesticação da política internacional50”; isto é, tem-se como axiomático que o poder do presidente dos Estados Unidos em matéria internacional transcenda aos dos demais poderes51.

O presidente deve informar o Congresso sobre sua administração, fazendo-o regularmente, ato que os norte-americanos denominam de State of the Union. Como costume, o pronunciamento é anual, e dele o presidente se serve para oferecer um balanço periódico de seu governo.

A Emenda XX, proposta em 2 de março de 1932 e ratificada em 23 de janeiro de 1933, dispõe que o mandato do presidente se inicia e se encerra ao meio-dia do dia 20 de janeiro, devendo-se respeitar o prazo em anos do respectivo mandato, isto é, quatro anos. A Emenda XXII, proposta em 24 de março de 1947 e ratificada em 27 de fevereiro de 1951, limita em dois mandatos o exercício da presidência.

Alguns momentos e episódios da história norte-americana conferem à presidência daquele país sua característica atual. Exemplifico com a eleição de Thomas Jefferson e a disputa com o Judiciário por ocasião do caso Marbury v. Madison. Exemplifica-se também com a

49 Cf. Sheldon, Charles H., Essentials of the American Constitution- The Supreme Court and the Fundamental Law, Cambridge: Perseus Book, 2001, pp. 68 e ss.

50 Cf. Tribe, Laurence H., American Constitutional Law, New York: Foundation Press, 2000, p. 637.

51 Cf. Tribe, Laurence H., cit., loc.cit.

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dramática expansão dos poderes presidenciais ao longo da Guerra Civil, durante a presidência de Abraham Lincoln. Lembra-se ainda a aprovação de uma lei reguladora do orçamento, datada de 1921, que levou a responsabilidade da confecção da lei orçamentária do Congresso para a presidência.

Há também exemplos também com a luta contra a depressão econômica na administração Franklyn Roosevelt, inclusive com ameaça de alteração do número de juízes da Suprema Corte que se oponham às reformas do New Deal. Recorde-se também a ampliação das responsabilidades presidenciais por força da participação norte-americana na Segunda Guerra Mundial. Ilustre-se o papel do Presidente, ainda, com uma lei de empregos de 1946 que incumbiu ao Chefe do Executivo promover o crescimento econômico, o pleno emprego e a estabilização dos preços.

Em tempos mais recentes, exemplifica-se com o caso Watergate que levantou suspeitas em torno da amplitude dos poderes presidenciais. Lembra-se ainda as políticas neoliberais de Ronald Reagan, referentes ao corte de tributos, de gastos domésticos com programas sociais, bem como com a diminuição de gastos com armamentos e Forças Armadas. Por fim, e atualmente, com os grandes efeitos da crise internacional, que também abala aos Estados Unidos52, além, evidentemente, do combate ao terrorismo.

Quanto aos poderes do presidente dos Estados Unidos, há compreensão geral de que não se esgotam no texto constitucional; há um resíduo indefinido de prerrogativas que o presidente mantém para si53.

Por outro lado, discussões relativas às imunidades presidenciais são recorrentes. Exemplifico com o caso Fitzgerald v. Nixon. Durante o governo de Richard Nixon, o autor da ação, Fitzgerald, que trabalhava como agente civil na aeronáutica, foi despedido. Justificou-se a dispensa como resultante da necessidade da redução de pessoal. Fitzgerald não se conformou e foi à Justiça alegando que sua demissão fora um

52 Nesse tema, conferir Krugman, Paul, A Crise de 2008 e a Economia da Depressão, Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, pp. 145-172. Tradução de Afonso Celso da Cunha Serra.

53 Cf. Corwin, Edward S., cit., p. 3.

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ato de perseguição política. Insistia que havia sido demitido porque testemunhou contra o governo. A defesa do presidente Nixon apegou-se em preliminar, dado que não se poderia levar o presidente à justiça para discussão de um ato dessa natureza. Nixon ganhou em primeira instância. Fitzgerald conseguiu alterar a decisão em tribunal superior. Os advogados do presidente conseguiram que a Suprema Corte revisse a questão.

O que se discutia, fundamentalmente, era se o presidente detinha imunidade absoluta por seus atos enquanto ainda estivesse no exercício do cargo. A Suprema Corte manteve a decisão de primeira instância, no sentido de que o presidente detinha imunidade absoluta em relação a atos dessa natureza. Houve um voto vencido no qual se consignou que a imunidade, naquele caso, não podia ser reconhecida, porque colocava o presidente acima de todos e da lei54.

O caso William Jefferson Clinton v. Paula Corbin Jones55 ilustra também a questão das imunidades presidenciais. Consta que o ex-presidente Bill Clinton teria estado com Paula Jones, funcionária pública, no Hotel Excelsior, em Little Rock, capital do Arkansas, em maio de 1991. O encontro teria ocorrido logo após um discurso de Clinton, então governador daquele estado. Paula trabalhava na recepção do hotel, e fora convidada por Clinton, para que se dirigisse a uma suíte daquele hotel. Clinton teria assediado a jovem, que teria resistido. Em 1994 Paula acionou Clinton requerendo condenação por danos morais.

Requereu também compensação por danos emocionais. Com base no já referido caso Nixon v. Fitzgerald, o então presidente Clinton protestou por imunidade. Ganhou em primeira instância. O processo deveria ser suspenso até o fim do mandato de Bill Clinton. A questão chegou à Suprema Corte. E porque o caso não era idêntico ao caso Fitzgerald - neste, o Estado pagaria pelos danos devidos, no caso Clinton, a responsabilidade era pessoal - a Corte deu ganho de causa a Paula Jones.

54 U. S. Supreme Court, 457 U. S. 731 (1982).

55 U. S. Supreme Court, 520 U. S. 681 (1991).

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No modelo institucional norte-americano contemporâneo o presidente é o comandante maior das forças armadas, chefe de Estado e de Governo, ativo participante do processo legislativo, organizador do orçamento nacional e principal gerenciador do modelo econômico56.

No que se refere a participação ativa no processo legislativo, é o presidente quem demanda do Congresso medidas legislativas para que possa avançar com seus programas57. O presidente norte-americano detém poder e competência para baixar ordens executivas que não têm a mesma natureza de nossas medidas provisórias58.

Essas ordens executivas se prestam, basicamente, para fixação de normas em treze categorias básicas: comércio exterior, auxílio ao estrangeiro, defesa, bem-estar social, intervenção governamental na economia, recursos naturais, agricultura, medalhas e reconhecimentos públicos, delegações de poder, artes e humanidades, empregos públicos federais, tributos e custódia de propriedade de estrangeiros59.

Em matéria de comércio internacional as ordens executivas do presidente norte-americano definem relações de comércio com algumas nações, tarifas comerciais, sanções, embargos, comissões de comércio (a exemplo de uma comissão presidencial de comércio), alterações na fixação de sistemas de preferência, questões afetas a operações norte-americanas no Canal do Panamá, criação de comitês de relações internacionais (a exemplo de um Comitê que cuidou de questões do Holocausto), seleção e definição de poderes de embaixadores e cônsules, relações financeiras com países estrangeiros, especialmente em matéria de empréstimos, quotas de imigração e entrega de passaportes60.

Em assuntos relativos a ajuda externa as ordens executivas têm tratado de assistência especial a países, de ajuda militar, de desenvolvimento de programas militares em países nos quais há

56 Cf. Heineman, Robert A., Peterson, Steven A. e Rasmussen, Thomas H., cit., pp. 186-188.

57 Cf. Heineman, Robert A., Peterson, Steven A. e Rasmussen, Thomas H., p. 187.

58 Entre nós, a matéria foi tratada por Marco Aurélio Sampaio, cit., pp. 43 e ss.

59 Cf. Howell, William G., Power Without Persuasion- The Politics of Direct Presidential Action, New Jersey: Princeton University Press, 2003, pp. 189 e ss.

60 Cf. Howell, William G., cit., p. 189.

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intervenção norte-americana. Ordens executivas também definem listas de países economicamente menos desenvolvidos, bem como relações financeiras com bancos internacionais61.

Defesa nacional, matéria sensível, especialmente no contexto da guerra dos norte-americanos contra o terrorismo, também tem sido recorrentemente tratada por ordens executivas. Assim, há ordens executivas sobre a NASA, sobre programas de emergência, sobre desenvolvimento de propulsão nuclear naval, sobre a desclassificação de informações sigilosas, sobre distúrbios urbanos (city riots), sobre restauração de ordem doméstica, sobre salários de militares, sobre recrutamento, sobre militares na reserva, sobre compra e produção de armamento militar, sobre ameaças à segurança nacional, sobre zonas de combate62.

Em tema de bem-estar social o presidente dos Estados Unidos tem baixado ordens sobre sistema educacional, sobre projetos de colaboração entre o Governo e sociedade civil, sobre segurança de trabalho, aposentadoria, seguro de trabalhadores, programas federais de combate às drogas, sobre food stamps (selos que podem ser trocados por comida), sobre reservas indígenas, sobre questões de gênero e de minorias (especialmente sobre regras de acesso ao emprego).

O presidente também dirige ordens para o Poder Judiciário federal. E o faz em matéria de organização de jurisdição civil, de designação de juízes federais, de conselhos de justiça e de formação de comitês, a exemplo de um importantíssimo comitê de controle que há para supervisionar a justiça federal norte-americana63.

É muito intensa a atuação legislativa do presidente dos Estados Unidos por intermédio de ordens executivas. Há intervenção direta na economia, mediante a resolução de disputas trabalhistas, de controle de inflação, de alterações em índices deficitários do orçamento. Também

61 Cf. Howell, William G., cit., loc. cit.

62 Cf. Howell, William G., cit., loc. cit.

63 Cf. Howell, William G., cit., p. 190.

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trata de formação de fundos governamentais. Controla por meio de ordens executivas comitês de aconselhamento ao Governo64.

Também há farta produção de ordens executivas presidenciais em questões ambientais, de energia e de utilização e destinação de terras públicas. Assim, há ordens que tratam de poluição, de reciclagem de materiais, de eficiência energética, de programas de uso comum de automóveis (caronas, ou ride-sharing programs), de proteção de pântanos, de preservação de animais.

Quanto aos parques nacionais, no que se refere à classificação das várias áreas, há também expressiva produção legislativa da presidência da república norte-americana. Tem-se também ordens executivas que cuidam da transferência de áreas militares para o Ministério do Interior (Department of Interior)65. O presidente também legisla por meio de ordens executivas a questões de agricultura. Refiro-me a organização de comitês e a programas federais, a exemplo de incentivos para plantação e comercialização de determinados produtos66.

Há ordens executivas que reconhecem o patriotismo e o esforço dos que morreram pela causa do Estado, que criam símbolos, selos, flâmulas, a exemplo de ordem executiva que fixou um selo para a Corte Superior de Apelação da Justiça Militar67. O presidente também se vale de ordens executivas para reorganizar o funcionamento de conselhos governamentais68. Ordens executivas ainda afetam sítios e monumentos históricos69.

Em matéria de servidores civis, são ordens executivas que definem aposentadorias, salários, promoções, feriados e despedidas. Cuidam também de veteranos do exército e de cortes-marciais70. Ordens executivas alcançam também questões tributárias, especialmente quanto 64 Cf. Howell, William G., cit., loc. cit.

65 Cf. Howell, William G., cit., loc. cit.

66 Cf. Howell, William G., cit., pp. 190-191.

67 Cf. Howell, William G., cit. p. 191.

68 Cf. Howell, William G., cit. p. 191.

69 Cf. Howell, William G., cit. loc. cit.

70 Cf. Howell, William G., cit. loc. cit.

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à determinação para fiscalização de empresas ou de indivíduos, a par de relevantes investigações quanto a pedidos de devolução de imposto de renda; de igual modo, cuidam também da organização e divisão dos distritos fiscais71. Por fim, em matéria de custódia de propriedade de estrangeiros, há regras vinculadas ao Trading with the Enemy Act (uma lei que cuida do comércio norte-americano com nações inimigas), e que fixam fórmulas para apreensão e custódia de bens propriedade de estrangeiros em tempos de guerra72.

O Congresso norte-americano recorrentemente desafia ordens executivas presidenciais, com o objetivo de emendá-las, estendê-las, revogá-las, anulá-las ou codificá-las73. Naturalmente, essa antinomia depende das relações do Executivo com o Legislativo. Isto é, enquanto o presidente controla o Congresso, as chances de enfrentamento são mínimas ou quase nulas.

Ordens executivas também são judicialmente questionadas. A primeira delas, Executive Order 9066, em 21 de junho de 1943, junto à Suprema Corte, o chamado Hirabayashi Case, quando se manteve a decisão presidencial74. Estatísticas pertinentes aos anos de 1943 a 1997, dão conta de 83 ações judiciais com o objetivo de desconstituir ordens executivas. O presidente perdeu 22 delas75. Por outro lado, são impressionantes os números de ordens executivas baixadas pelos presidentes dos Estados Unidos, ainda que boa parcela delas seja de matéria rotineira ou de mera simbologia.

Mas há muitas ordens executivas que tratam de questões também graves76. Exemplifico com as principais. Ordens executivas

71 Cf. Howell, William G., cit. loc. cit.

72 Cf. Howell, William G., cit. loc. cit.

73 Cf. Howell, William G., cit. p. 196.

74 U. S. Supreme Court, 320 U. S. 81.

75 Cf. Howell, William G., cit. pp. 198 e ss.

76 Para um levantamento e estudo das ordens executivas de grande impacto nos Estados Unidos consultar Mayer, Kenneth R., With the Stroke of a Pen- Executive Orders and Presidential Power, Princeton: Princeton University Press, 2002. Os exemplos e referências aqui indicados, quanto às ordens de maior impacto, foram colhidos na obra de Kenneth Mayer.

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trataram de confecção e entrega de passaportes77, de declaração de neutralidade no início do segundo grande conflito europeu78, de posse e controle de uma ferrovia norte-americana em Porto Rico79, de controle de empresas de exploração de carvão80, de expropriação de uma companhia exploradora de borracha81. Foi uma ordem executiva que revogou a exigência de mínimo de 48 horas de trabalho por semana82.

Ordens executivas cuidaram também de expropriação de companhias de petróleo83, da criação de um comitê presidencial sobre direitos civis84, de concessão de privilégios diplomáticos a organizações internacionais85, de adicional de periculosidade no trabalho86, da criação de Corpos de Paz no Departamento de Estado87, da formação de um comitê presidencial para enfrentar o tráfico de entorpecentes e o uso de drogas88.

O referido modelo normativo presidencial também foi utilizado para organizar políticas públicas contra a discriminação por idade89. Ordens executivas também foram utilizadas para declarar intervenção federal para restauração de ordem no Estado de Illinois, em represália a motins populares90, para fixar condutas de preservação ambiental em

77 Ordem Executiva nº 7856, de 31 de maio de 1938.

78 Ordem Executiva nº 8233, de 5 de setembro de 1939.

79 Ordem Executiva nº 9341, de 14 de junho de 1943.

80 Ordem Executiva nº 9476, de 3 de setembro de 1944.

81 Ordem Executiva nº 9595, de 30 de julho de 1945.

82 Ordem Executiva nº 9607, de 30 de agosto de 1945.

83 Ordem Executiva nº 9639, de 29 de setembro de 1945.

84 Ordem Executiva nº 9608, de 5 de dezembro de 1946.

85 Ordem Executiva nº 9863, de 31 de maio de 1946.

86 Ordem Executiva nº 10152, de 17 de agosto de 1950.

87 Ordem Executiva nº 10924, de 1º de maio de 1961.

88 Ordem Executiva nº 11076, de 15 de janeiro de 1963.

89 Ordem Executiva nº 11141, de 12 de fevereiro de 1964.

90 Ordem Executiva nº 11404, de 7 de abril de 1968.

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relação a patrimônio cultural91, para regulamentar exportações92, para estabelecer regras de proteção a espécies ameaçadas93.

Comprovando a variedade de matérias tratadas por essa espécie normativa, há também ordens executivas sobre gerenciamento de áreas federais94, sobre o comprometimento do Executivo Federal com controle de poluição95, sobre revogação de sanções à Rodésia96, sobre tarifas de estradas de ferro no Alaska97, sobre o tratado de livre-comércio com o Canadá98, sobre bloqueio de bens do governo do Haiti99, sobre classificação de dados relativos à segurança nacional100, sobre pirataria em programas de computador101, entre tantos outros assuntos.

Franklyn Delano Roosevelt (dados de 1936 a 1945) baixou 1768 ordens executivas102. Roosevelt enfrentou a grande crise de 1929, com amplo plano de reconstrução nacional, o New Deal, por intermédio do qual aproximou Estado e sindicatos na luta contra a grande depressão103. Questionou-se frequentemente em juízo as políticas de Roosevelt104; uma geração juristas saiu em socorro das políticas governamentais105,

91 Ordem Executiva nº 11593, de 13 de maio de 1971.

92 Ordem Executiva nº 11796, de 30 de julho de 1974.

93 Ordem Executiva nº 11911, de 13 de abril de 1976.

94 Ordem Executiva nº 12072, de 16 de agosto de 1978.

95 Ordem Executiva nº 12088, de 13 de outubro de 1978.

96 Ordem Executiva nº 12183, de 16 de dezembro de 1979.

97 Ordem Executiva nº 12434, de 19 de julho de 1984.

98 Ordem Executiva nº 12262, de 31 de dezembro de 1988.

99 Ordem Executiva nº 12853, de 30 de junho de 1993.

100 Ordem Executiva nº 12958, de 17 de abril de 1995.

101 Ordem Executiva nº 13103, de 30 de setembro de 1998.

102 Cf. Warber, Adam L., Executive Orders and the Modern Presidency- Legislating from the Oval Office, Boulder: Lynne Rienner Publishers, Inc., 2006, p. 151.

103 Cf. Limoncic, Flávio, Os Inventores do New Deal, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.

104 Cf. White, G. Edward, The Constitution and the New Deal, Cambridge: Harvard University Press, 2000.

105 Cf. White, G. Edward, Intervention and Detachment, Essays in Legal History and Jurisprudence, Oxford: Oxford University Press, 1994, especialmente, pp. 132 e ss.

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a exemplo de Louis Brandeis106, Jerome Frank107, Felix Frankfurter108 e Thurman Arnold109, todos ligados ao realismo jurídico norte-americano110.

Com objetivo de reverter decisões da Suprema Corte, que afetavam substancialmente seu programa de governo, Roosevelt - profeta de uma nova era111 -pretendeu alterar a composição daquele tribunal112. Porém, sem que tal medida fosse necessária, o tribunal passou a chancelar as políticas de Roosevelt113. 106 Louis Dembitz Brandeis nasceu em 1856 e faleceu em 1941. Brandeis aproximou-se de sindicatos.

Desenvolveu uma série de tarefas pelas quais nada cobrava, defendendo trabalhadores, concebendo sistemas populares de poupança, adiantando-se na proteção de recursos naturais e enfrentando judicialmente o monopólio do transporte. Cf. Newman, Roger K. (Ed.), The Yale Biographical Dictionary of American Law, New Haven & London: Yale University Press, 2009, pp. 69 e ss. Conferir também Murphy, Bruce Allen, The Brandeis/Frankfurter Connection-The Secret Activities of Two Supreme Court Justices, Oxford University Press, 1982. Strum, Philippa, Louis D. Brandeis- Justice for People, New York: Schocken Books, 1984.

107 Jerome Frank nasceu em Nova Iorque em 1889 e faleceu de ataque cardíaco em New Haven, em 1957. Advogou, trabalhou para o governo norte-americano, exerceu a magistratura e deixou importante obra doutrinária. Junto ao governo de Roosevelt, trabalhou em setores de supervisão de atividades de agricultura e de abastecimento. Colaborou também intensamente na reorganização do sistema ferroviário no oeste norte-americano. Chefiou a Securities and Exchange Commission, uma das mais importantes agências reguladoras norte-americanas. Cf. Newman, Roger K. (Ed.), cit., pp. 201 e ss. Conferir também, Frank, Jerome, Courts on Trial, Myth and Reality in American Justice, New Jersey: Princeton University Press, 1973. Rosenberg, Jerome Frank: Jurist and Philosopher, New York: Philosophical Library, 1970. Glennon, Robert Jerome, The Iconoclast as Reformer- Jerome s Frank Impact on American Law, Ithaca: Cornell University Press, 1985. Frank, Jerome, Law and Modern Mind, Garden City: Anchor Books, 1963.

108 Felix Frankfurter nasceu em Viena, na Áustria, em 1882, e faleceu em 1965. Chegou aos Estados Unidos com seus pais, aos 12 anos de idade. Lecionou na Harvard Law School. Participou intensamente do movimento sionista, que lutava pela criação do Estado de Israel. Defendeu intensamente pela imprensa a Sacco e Vanzetti, anarquistas italianos que foram condenados à pena de morte. Colaborou intensamente com Roosevelt, que o indicou para a Suprema Corte. Cf. Cf. Newman, Roger K. (Ed.), cit., pp. 204 e ss. Conferir também Hirsch, H. N., The Enigma of Felix Frankfurter, New York: Basic Books, 1981.

109 Thurman Arnold nasceu em Laramie, no estado de Wyoming, em 1891 e faleceu em 1969. De comportamento irreverente para com autoridades, Trabalhou intensamente na procuradoria-geral da divisão anti-truste do Ministério da Justiça. Posteriormente, exerceu a magistratura federal. Cf. Cf. Newman, Roger K. (Ed.), cit., pp. 17 e ss. Conferir também Arnold, Thurman W., The Folklore of Capitalism, Washington: BeardBooks, 2000.

110 O realismo jurídico norte-americano desenvolveu-se a partir de professores que lecionavam em Johns Hopkins, Columbia e Yale. Os realistas colaboram com o governo de Franklyn Delano Roosevelt, matizando o plano governamental, o New Deal, perdendo fôlego durante os anos mais problemáticos da luta contra o perigo vermelho, na década de 1950. Karl Llewellyn, Thurman Arnold e Felix Cohen estavam entre esses professores revolucionários. Cf. Fisher III, William W., Horwitz, Morton e Reed, Thomas A., American Legal Realism, New York: Oxford University Press, 1993. Been, Wouter de, Legal Realism Regained- Saving Realism from Critical Acclaim, Stanford: Stanford Law Books, 2008.

111 A expressão é de Arthur Schlesinger, Jr., historiador norte-americano. Cf. Schlesinger Jr., Arthur, The Age of Roosevelt- Vol. I- 1919-1933- The Crisis of the Old Order, Boston: Mariner Book, 1985, p. 77.

112 Cf. Kalman, Laura, Legal Realism at Yale- 1927-1960, New Jersey: The Lawbook Exchange, 2001, p. 272.

113 Cf. McCloskey, Robert G., The American Supreme Court, Chicago & London: The University of Chicago Press, 2000, pp. 117-119.

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Ampliando a ação estatal como forma de enfrentamento à crise de 1929114, contando inclusive com conselho e ajuda de John Maynard Keynes115, Roosevelt comandou os norte-americanos na Segunda Guerra Mundial116, elegendo-se por três vezes, fato único na história do presidencialismo norte-americano117.

Harry Truman (1945-1953) baixou 873 ordens executivas118. Sua época foi marcada pela perseguição aos acusados de simpatia para com o comunismo119, bem como por uma retomada de posições por parte do partido democrata, que elegerá Dwight Eisenhower. Este último, herói da Segunda Guerra Mundial, presidente de 1953 a 1961, baixou 522 ordens executivas120. Como chefe do Poder Executivo teve de executar políticas definidas pela Suprema Corte, em matéria de direitos civis121.

John F. Fitzgerald Kennedy (1961-1963) baixou 214 ordens executivas, enfrentando, corajosamente, resistências a políticas de realização de direitos civis122. Seu sucessor, Lyndon B. Johnson (1963-1969) baixou 325 ordens executivas123, num mesmo contexto de divisão política e social124, caracterizado pela expansão de movimentos de contracultura125.

114 Para pormenores, conferir, Leuchtenburg, William, Franklin D. Roosevelt and the New Deal, New York: Harper & Row, 1963.

115 Cf. Schlessinger Jr., Arthur M., The Coming of New Deal, New York: Mariner Book, 1986, pp. 225 e ss.

116 Cf. Smith, Jean Edward, FDR, New York: Random House, 2007, pp. 540 e ss.

117 Cf. Burns, James MacGregor, Roosevelt: The Lion and the Fox, New York: Harvest Book, 1956.

118 Cf. Warber, Adam L., cit., p. 151.

119 Cf. Graubard, Stephen, The Presidents- The Transformation of American Presidency from Theodore Roosevelt to George W. Bush, London: Penguin Books, pp. 299-349.

120 Cf. Warber, Adam L., cit. p. 152.

121 Cf. Tushnet, Mark V., Making Civil Rights Law- Thurgood Marshall and the Supreme Court- 1956-1961, New York: Oxford University Press, 1994. Cf. Graubard, Stephen, cit., pp. 350-397. Halberstan, David, The Fifties, New York: Fawcett Books, 1993.

122 Schleslinger Jr., Arthur M., A Thousand Days- John F. Kennedy in the White House, Boston: Houghton Mifflin Company, 1965. Cf. Graubard, Stephen, cit., pp. 398-435.

123 Cf. Warber, Adam L., cit., loc. cit.

124 Cf. Isserman, Maurice e Kazin, Michael, America Divided- The Civil War of the 1960s, New York: Oxford University Press, 2000, pp. 187-204.

125 Cf. Kaiser, Charles, 1968 in America- Music, Politics, Chaos, Counterculture and Shaping of a Generation, New York: Grove Press, 1988. Cf. Graubard, Stephen, cit., pp. 436-469.

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Richard Nixon (1969-1974) baixou 346 ordens executivas126, num ambiente marcado pela Guerra do Vietnã127 e pelo Caso Watergate128. Gerald Ford (1974-1977)129 baixou 169 ordens executivas130. Jimmy Carter (1977-1981), reconhecido por sua compreensão da agenda dos direitos humanos131, baixou 320 ordens executivas132. Ronald Reagan (1981-1989)133, agente da expansão de modelo neoliberal134, marcado pela diminuição do Estado135, baixou 381 ordens executivas136.

George H. W. Bush (1989-1993) baixou 166 ordens executivas137, em momento absolutamente conturbado, especialmente por força da guerra no Iraque138. Bill Clinton (1993-2001), cuja administração foi marcada também por escândalos pessoais139, baixou 363 ordens presidenciais140. George W. Bush (dados de 2001 a 2004), em cuja presidência se intensificou a guerra contra o terrorismo141, havia baixado 171 ordens executivas142.

126 Cf. Warber, Adam L., cit., loc. cit.

127 Cf. Schulman, Bruce J., The Seventies- The Great Shift in American Culture, Society and Politics, Cambridge: Perseus Book, 2002.

128 Cf. Graubard, Stephen, cit., pp. 470-512.

129 Graubard, Stephen, cit., pp. 513-526.

130 Cf. Warber, Adam L., cit., p. 153.

131 Cf. Graubard, Stephen, cit., pp. 527-546.

132 Cf. Warber, Adam L., cit., loc. cit.

133 Graubard, Stephen, cit., pp. 547-587.

134 Cf. Harvey, David, A Brief History of Neoliberalism, Oxford: Oxford University Press, 2005, p. 73.

135 Ohmae, Kenich, The End of the Nation State- The Rise of Regional Economies, New York: Free Press, 1995. Poggi, Gianfranco, The State, its Nature, Development and Prospects, Stanford: Stanford University Press, 1999, pp. 145 e ss.

136 Cf. Warber, Adam L., cit., loc. cit.

137 Cf. Warber, Adam L., cit., loc. cit.

138 Graubard, Stephen, cit., pp. 588-615.

139 Graubard, Stephen, cit., pp. 616-663.

140 Cf. Warber, Adam L., cit., p. 154.

141 Graubard, Stephen, cit., pp. 664-687.

142 Cf. Warber, Adam L., cit., loc. cit.

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Barack Obama, que tomou posse em 2009, baixou até agora, julho de 2012, 131 ordens executivas143. São textos legais sobre miríade de assuntos144. O conjunto de competências do presidente norte-americano, em tema de normatividade, é muito grande.

No contexto do presente trabalho deve se realçar a ordem executiva nº 13.576, baixada em 13 de junho de 2011, com objetivos de melhorar a eficiência, a efetividade e a transparência do governo norte-americano. A referida ordem contempla tendência de corte de desperdícios, bem como pretende otimizar (to streamline) operações governamentais. De tal modo, pretende-se reforçar ganhos gerenciais para a Administração; segundo a ordem, deve-se servir ao povo norte-americano com o máximo de efetividade e eficiência.

A ordem implica em mecanismos de controle de gastos decorrentes de contratos mal administrados, no abandono de projetos governamentais de baixo impacto tecnológico, na percepção de um governo inteligente (smart and learned). Programas governamentais duplicados e que não apresentam resultados, marcados pela ineficiência, assim demonstrados mediante mecanismos de transparência nos gastos fiscais, serão abandonados.

Nos Estados Unidos, no entanto, há litigância intragovernamental em âmbito federal, embora o Departamento de Justiça a enfrente

143 Números colhidos no sítio eletrônico da Casa Branca. www.whitehouse.gov . Acesso em 20 de julho de 2012.

144 Exemplifica-se com congelamento de propriedade de pessoas que ameaçam a paz, a segurança e a estabilidade em Burma, e no Iêmen; enriquecimento de urânio russo; ordem de sucessão nos Ministério da Agricultura, do Comércio e na agência de controle ambiental (Environmental Protection Agency); identificação e redução de ônus de regulação; sanções ao Irã e à Síria; criação de um conselho presidencial para o desenvolvimento global; fixação de objetivos para processamento e concessão de vistos, bem como criação de uma força de trabalho para aumentar competitividade no turismo; fixação de um plano nacional de ação para políticas de mulheres, paz e segurança; emendas a um manual de corte marcial; promoção de programa de gasto eficiente; bloqueio de propriedades do governo da Síria; proibição de transações comerciais com a Coréia do Norte; fixação de um programa de excelência para educação de hispânicos; criação de uma força tarefa para restauração do ecossistema da costa do Golfo; criação de um conselho nacional para esportes e nutrição; criação de uma comissão nacional para reforma e responsabilidade fiscal; organização de um programa visando um governo eficiente, efetivo e responsável, entre tantos outros assuntos. Dados colhidos no sítio eletrônico da Casa Branca. www.whitehouse.gov . Acesso em 20 de julho de 2012.

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intensamente145. Há notícias de que o Secretário (Ministro) do Interior ajuizou ação contra uma agência reguladora de energia para discutir o licenciamento para a construção de uma barragem146. Há notícias de que o Secretário (Ministro) do Comércio discutiu em juízo com outra agência reguladora no campo da energia, porque esta última não teria preparado um relatório de impacto ambiental147. São muitos os casos de litigância intragovernamental nos Estados Unidos.

O mais conhecido deles é o caso United States v. Interstate Commerce Commission148 julgado pela Suprema Corte em 1949. Naquela ocasião, pronunciou-se pela possibilidade de que o Governo dos Estados Unidos da América litigasse contra si mesmo, por mais paradoxal que possa a situação parecer.

O Governo norte-americano se rebelou contra as companhias de transporte ferroviário que operavam nos portos dos Estados Unidos, durante a Segunda Guerra Mundial. Essas empresas cobravam uma taxa para desembarcar mercadorias, que carregavam dos navios para os trens. O Governo começou a transportar suas mercadorias, dos navios para os trens, não necessitando mais, de tal maneira, daquele serviço que era então oferecido. Por isso, se recusaram a recolher as taxas de transporte.

Com a oposição das companhias que atuavam no setor, o Governo protocolou queixa contra essas empresas na agência reguladora que cuidava do setor. A agência julgou a causa, determinando que o Governo norte-americano deveria efetivamente recolher os valores cobrados.

O Governo então levou o problema para uma Corte Distrital, litigando contra a agência reguladora. Ocorre que a legislação em vigência dispunha que qualquer ação contra a agência deveria ser proposta contra a União Federal, isto é, contra o Governo dos Estados 145 Cf. Herz, Michael, United States v. United States: When Can the Federal Government Sue Itself?, cit.,

loc. cit.

146 Cf. Herz, Michael, United States v. United States: When Can the Federal Government Sue Itself?, cit., p. 895.

147 Cf. Herz, Michael, United States v. United States: When Can the Federal Government Sue Itself?, cit., loc. cit.

148 US Supreme Court, 337 US 426 (1949). Informações aqui obtidas em Herz, Michael, United States v. United States: When Can the Federal Government Sue Itself?, cit., loc. cit.

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Unidos. Por essa razão, a Corte decidiu que as partes não poderiam litigar, dado que eram, na essência, uma mesma pessoa.

A discussão chegou à Suprema Corte que definiu que o Advogado-Geral deveria, naquele caso, atuar simultaneamente como autor e réu. E que, naquele caso concreto, havia interesses distintos, ainda que de uma mesma pessoa. Por isso, sem julgar o mérito, a Suprema Corte determinou o envio do processo para a Corte Distrital, de modo que a matéria fosse julgada.

Ainda que esse seja o entendimento, no sentido de que possa haver litigância intragovernamental (e o entendimento é de meados do século XX), o que se observa é esforço concentrado do Departamento de Justiça, para impedir a litigância intragovernamental porque esta ameaça a autoridade presidencial, dado que o Chefe do Executivo, entre outros, tem obrigação de resolver problemas internos.

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8 O Presidencialismo no Brasil

O objetivo dessa seção é identificar como se construiu ao longo de nossa experiência política um presidencialismo imperial, centrado no hiperdimensionamento do poder do presidente. No imaginário brasileiro o Chefe do Executivo é o depositário de todas as esperanças, responsável por todos os erros e frustrações, fonte de todas as iniciativas de sucesso. A tipologia weberiana de carisma explica, entre outros, o frenesi do presidencialismo populista, nessa seção investigado.

Pretende-se demonstrar que a propaganda presidencialista foi muito forte no Estado de São Paulo, especialmente na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, de onde saíram Presidentes da República, a exemplo de Prudente de Moraes e Campos Salles. Retoma-se a baixíssima participação política durante o Império, e substancializa-se a proclamação da República e a implantação do presidencialismo como arranjo de classes dominantes. Insiste-se na ambigüidade para com a experiência norte-americana; apologética em Rui Barbosa, demasiadamente cética em Eduardo Prado.

Procura-se demonstrar as várias compreensões que as Constituições brasileiras tiveram em relação ao Presidente, que foi “Chefe Efetivo da Nação1”, aquele que “exerce o Poder Executivo2”, “autoridade suprema do Estado3”, novamente “aquele que exerce o Poder Executivo4”, depois aquele “que exerce o Poder Executivo auxiliado pelos Ministros de Estado5”, definição reproduzida na Emenda de 19696, bem como na Constituição agora vigente7.

Na presente seção também se procura identificar o volume das responsabilidades presidenciais. A impossibilidade de que o Presidente seja onipresente e onisciente exige regime de delegação, o que justifica, 1 Constituição de 24 de fevereiro de 1891, art. 43.

2 Constituição de 16 de julho de 1934, art. 51.

3 Constituição de 10 de novembro de 1937, art. 73.

4 Constituição de 18 de setembro de 1946, art. 78.

5 Constituição de 24 de janeiro de 1967, art. 77.

6 Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, art. 73.

7 Constituição de 5 de outubro de 1988, art. 76.

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no extremo, o dogma da mística ministerial. Há também registro relativo às prerrogativas que o Ato Institucional de nº 5, de 1968, outorgou ao Presidente da República. No contexto daquele ato de exceção os poderes presidenciais eram ilimitados. Não se respeitavam as liberdades públicas ou individuais. É um tempo de triste reminiscência e que é apresentado como assentamento necessário na construção do presidencialismo brasileiro.

Resumidamente, o objetivo dessa seção é argumentar que o Presidente somente consegue enfrentar o desafio da realização de políticas públicas se internamente articulado. Insiste-se, não se tem preocupação na relação do Presidente com o Legislativo, que é problema do já lembrado presidencialismo de coalisão. O que se pretende é lançar as bases para investigar a relação do Presidente com o Executivo que chefia, no que aqui se denomina de presidencialismo de articulação institucional.

O presidencialismo é o sistema de governo que adotamos no Brasil com a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889. A queda do Império teria ocorrido basicamente por causa da perda de apoio da Dinastia Bragança, o que ocorreu a partir dos episódios da Questão Social (abolição da escravidão), da Questão Religiosa (uma querela entre o Imperador e a Igreja, entre outros, sobre a validade dos decretos papais no Brasil), e da Questão Militar (uma disputa entre o Imperador e alguns oficiais do Exército sobre a punição de militares que se pronunciaram publicamente sobre um projeto de lei que tratava do montepio nas Forças Armadas).

A crise do Segundo Reinado se alastrou de 1870 a 1880; tem-se “[...] o início do movimento republicano e os atritos do governo imperial com o Exército e a Igreja [...] além disso, o encaminhamento do problema da escravidão provocou desgastes nas relações entre o Estado e suas bases sociais de apoio8”. Militares, clérigos, fazendeiros e bacharéis derrubaram um regime que durou 77 anos. O Brasil era a única Monarquia na América.

8 Fausto, Bóris, História do Brasil, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Fundação do Desenvolvimento da Edução, 1995, p. 217.

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Baixíssima participação popular9 marcou o movimento10, circunstância narrada de modo irônico por Machado de Assis11, testemunha ocular dos fatos12, na expressiva cena da tabuleta da Confeitaria do Custódio, cume da sátira política machadiana em Esaú e Jacó13.

Forte foi também a influência do pensamento positivista14, que mais tarde ficará gravado em nossa bandeira republicana, com fragmento de premissa de Augusto Comte15, ordem e progresso. O positivismo cativou os militares. Um de seus maiores seguidores, Benjamim Constant, era professor da Escola Militar; mais tarde foi Ministro da Guerra e posteriormente foi Ministro da Instrução Pública. Muito influente, foi o grande propagandista do positivismo no meio militar.

A questão abolicionista se arrastava desde a Proclamação da Independência, sempre marcada por intensa pressão inglesa16. Internamente foi o núcleo de debate a propósito da modernização do Brasil17, além, naturalmente, da pregação humanista, que marcou

9 Calmon, Pedro, História Social do Brasil- Volume 3- A Era Republicana, São Paulo: Martins Fontes, 2002. Calmon registra a célebre passagem de Aristides Lobo, Ministro de Deodoro da Fonseca: ”Por ora, a cor do governo é puramente militar, e devera ser assim. O fato foi deles, deles só, porque a colaboração do elemento civil foi quase nula. O povo assistiu aquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditavam sinceramente estar vendo uma parada”. (p. 4).

10 Cf. Carvalho, José Murilo de, Os Bestializados- o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

11 Estudo interessante das relações entre Machado de Assis e a política é encontrado em Broca, Brito, Machado de Assis e a Política, São Paulo: Editora Polis, 1983.

12 Cf. Vianna Filho, Luiz, A Vida de Machado de Assis, São Paulo e Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1974, pp. 134 e ss.

13 Machado de Assis, Joaquim Maria, Esaú e Jacó, L & PM Pocket, 1998, pp. 147 e ss. Resumidamente, o bruxo do Cosme Velho nos narra que o dono de uma confeitaria, para a qual fizera uma tabuleta, com os dizeres Padaria do Império. Porém, a partir de 15 de novembro de 1889, o mais prudente seria Confeitaria da República. Para evitar que a turba se pegasse em frente ao estabelecimento, o mais adequado mesmo foi a indicação Confeitaria do Custódio.

14 Cf. Paim, Antonio, História das Idéias Filosóficas no Brasil, São Paulo: Convívio, 1987, pp. 437 e ss.

15 Para introdução geral ao pensamento de Augusto Comte, conferir Moraes Filho, Evaristo, Comte- Sociologia, São Paulo: Ática, 1989, pp. 7-49.

16 Cf. Hollanda, Sérgio Buarque (direção), História Geral da Civilização Brasileira- Tomo II- Volume 5- O Brasil Monárquico, Reações e Transações, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil: 2004, pp. 226 e ss.

17 Cf. Skidmore, Thomas, Brazil- Five Centuries of Change, New York: Oxford University Press, 1999, pp. 65 e ss.

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a trajetória de Joaquim Nabuco18, para quem a escravidão era uma ilegalidade flagrante19, eleita como eixo de um projeto de reforma social20. Estávamos entre os últimos a abolir a escravidão no continente americano21. Joaquim Nabuco associa seu nome a essa luta22.

No Império (1822-1889) a cidadania era restrita, exclusiva e excludente23. E, de cima para baixo, os protagonistas daquela pantomima de democracia desconheciam as razões pelas quais muitas vezes eram candidatos, ou eleitos24. A propaganda republicana questionava nosso atraso institucional; nessa estratégia, militares e ascendente camada urbana se aproximaram25; o impulso modernizador foi fortíssimo componente de uma revolução burguesa brasileira26.

Primeira das intervenções militares na política brasileira27 a Proclamação da República decorreu de movimento que contou também com o apoio de uma pequena burguesia urbana28, canalizada por uma

18 Cf. Chacon, Vamireh, Joaquim Nabuco: Revolucionário Conservador (sua Filosofia Política), Brasília: Senado Federal, 2000.

19 Cf. Nabuco, Joaquim, O Abolicionismo, Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2003, p. 141.

20 Cf. Salles, Ricardo, Joaquim Nabuco- Pensador do Império, Rio de Janeiro: Topbooks, 2002, p. 145.

21 Cf. Andrade, Olímpio de Souza, Joaquim Nabuco e o Brasil na América, São Paulo: Cia. Editora Nacional e Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1978.

22 Ainda que recente biografia tenha questionado os porquês da participação de Nabuco no movimento abolicionista. Conferir Alonso, Angela, Joaquim Nabuco, São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

23 Conferir os ensaios reunidos por Carvalho, José Murilo, Nação e Cidadania no Império: Novos Horizontes, Rio de Janeiro: Civilização Brasilieira, 2007.

24 É o que se colhe, por exemplo, em artigo de jornal de Tobias Barreto, sobre candidatura própria: “Apresento-me ainda uma vez como candidato à deputação provincial. Não sei se digo bem ainda uma vez, pois que da primeira vez não me apresentei: fui apresentado”. Barreto, Tobias, Crítica Política e Social, Rio de Janeiro: Record, Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1990, p. 207.

25 Cf. Burns, E. Bradford, A History of Brazil, New York: Columbia University Press, 1993, pp. 197 e ss.

26 Cf. Fernandes, Florestan, A Revolução Burguesa no Brasil- Ensaio de Interpretação Sociológica, São Paulo: Globo, 2006, pp. 209 e ss.

27 E outras haverá, entre as mais expressivas: 1892 (Manifesto dos Generais), 1893 (Revolta da Armada), 1922 (Revolta dos 18 do Forte de Copacabana e início do movimento tenentista), 1924 (Revolta de Protógenes Guimarães e Herolino Cascardo), 1930 (participação na Revolução de Vargas), 1964 (deposição de Vargas). Cf. Carvalho, José Murilo, Forças Armadas e Política no Brasil, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2005.

28 Cf. Basbaum, Leôncio, História Sincera da República- das Origens a 1889, São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1986, p. 225.

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obsessão do Exército29, que fez nosso primeiro presidente, o alagoano Manoel Deodoro da Fonseca.

Como explicitado no início do trabalho, o presidencialismo é ligado ao movimento republicano, do qual é uma das mais emblemáticas expressões. É vinculado à pregação dos republicanos históricos, em São Paulo, a exemplo de Rangel Pestana, Américo de Campos, Francisco Glicério e Bernardino de Campos30. A propaganda republicana foi muito forte na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, onde estudaram Silva Jardim, Rui Barbosa, Prudente de Moraes, Campos Salles, bem como um grupo de gaúchos ligados ao positivismo, que em São Paulo foram estudar, a exemplo de Júlio de Castilhos, Pinheiro Machado, Silveira Martins e Assis Brasil31.

Foi intensa a ligação do bacharelismo liberal brasileiro com a onda republicana, em momentos que oscilavam entre a euforia e o desencanto, este último sintetizado na frase “não era essa a República dos meus sonhos”, de Saldanha Marinho, que era bacharel em Direito pela Faculdade de Recife32.

O federalismo33 e o presidencialismo cativavam os bacharéis; no entanto, não havia - efetivamente - programa educacional definido34 que não transcendesse ao cientificismo do ideal positivista o que, do ponto de vista de um projeto de cultura, fazia do republicanismo uma utopia que mais valia pelo antimonarquismo. O bacharelismo vai significar um modo de profissionalização da política35; protagonizando

29 Cf. Silva, Hélio, 1889: A República não Esperou o Amanhecer, Porto Alegre: L & PM, 2005, pp. 73 e ss.

30 Cf. Barreto, Vicente e Paim, Antonio, Evolução do Pensamento Político Brasileiro, cit., loc. cit.

31 Cf. Barreto, Vicente e Paim, Antonio, Evolução do Pensamento Político Brasileiro, cit., loc. cit.

32 Cf. Martins, Luís, O Patriarca e o Bacharel, São Paulo: Alameda, 2008, p. 119.

33 Quanto à trajetória do federalismo no Brasil, conferir, por todos, Lewandowski, Enrique Ricardo, Pressupostos Materiais e Formais da Intervenção Federal no Brasil, cit. pp. 22-34.

34 Cf. Venâncio Filho, Luís, Das Arcadas ao Bacharelismo, São Paulo: Perspectiva, 2004, p. 179.

35 Cf. Adorno, Sérgio, Os Aprendizes do Poder- O Bacharelismo Liberal na Política Brasileira, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, pp. 157 e ss.

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uma “culturologia do Estado36”. O bacharel liberal via-se na República, como sugere a seguinte passagem de Rui Barbosa:

Impor a República pela sua forma, em lugar de recomendá-la pelo valor das suas utilidades, seria entronizar na política a superstição. As formas, que não correspondem ao espírito, à ação viva, à existência interior, são máscaras de impostura. A república é a democracia e a liberdade na lei. Logo que a forma viola a justiça, oprime o indivíduo, ou falseia o voto da nação, a república está em contradição consigo mesma. O culto, que lhe reclamam, seria então o dos falsos deuses. E idolatria senhores, não quer dizer outra coisa: religião da mentira, idiotice do religionário. Só as más repúblicas a podem ter. A república verdadeira não quer fanatismos: contenta-se com a devoção refletida, e o entusiasmo inteligente de servidores austeros, francos, intementes no remédio e na censura. Dessa espécie sou eu republicano. Quero a república justa, a república livre, a república popular. Não sacrifico a substância à forma: faço questão de harmonizar uma com a outra37.

Uma série de manifestos republicanos antecedeu o golpe de 188938. Colhe-se desses textos síntese doutrinária marcada por ética absoluta (qualificada por uma intransigente defesa da honra), por certo despotismo esclarecido (do qual o presidencialismo pode ser herdeiro direto), por crítica radical à Monarquia e às instituições monárquicas, por um federalismo também radical (seu mais expressivo elemento, do ponto de vista da Ciência Política), pela pregação de imaginária fraternidade americana, além de comprovada e intensa inspiração liberal, que remonta à obra de Thomas Paine39.

36 Cf. Vianna, Oliveira, Instituições Políticas Brasileiras, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo e Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 1987, p. 137.

37 Barbosa, Rui, Obras Completas de Rui Barbosa- Vol. XXIV, 1897- Tomo I- O Partido Republicano Conservador- Discursos Parlamentares, Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1952, pp. 59-60.

38 Divulgaram-se manifestos republicanos em Pernambuco (1817, 1824 e 1888), na Bahia (1837), no Rio Grande do Sul (manifesto do Piratini, 1838), em São Paulo (1873), no Rio de Janeiro (o mais importante deles, em 1870) e no Pará (1886). Cf. Barreto, Vicente e Paim, Antonio, Evolução do Pensamento Político Brasileiro, cit., loc. cit.

39 Cf. Barreto, Vicente e Paim, Antonio, Evolução do Pensamento Político Brasileiro, cit., loc. cit.

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O golpe na Monarquia foi dado pelos militares que, “[...] liderados por Deodoro e Benjamin Constant, sentiam os tempos maduros para a purificação do corpo político40”. O Imperador deixou o Brasil41; sua ausência deprimiu seus amigos mais próximos42; a proclamação de Deodoro, que vale como um discurso de posse, assinalou uma nova formulação que a República pretende fixar - a cidadania -, bem como a expectativa de que os novos tempos seriam conduzidos por autoridade ungida pela vontade popular, o que é a marca ideológica mais recorrente no presidencialismo brasileiro:

Concidadãos- O povo, o exército e a armada nacional, em perfeita comunhão de sentimentos com nossos concidadãos residentes nas províncias, acabam de decretar a deposição da dinastia imperial e conseqüentemente a extinção do sistema monárquico representativo. Como resultado imediato desta revolução nacional, de caráter essencialmente patriótico, acaba de ser instituído um governo provisório, cuja principal missão é garantir, com a ordem pública, a liberdade e o direito dos cidadãos [...] O governo provisório, simples agente temporário da soberania nacional, é o governo da paz, da liberdade, da fraternidade e da ordem. No uso das atribuições e faculdades extraordinárias de que se acha investido para a defesa da integridade da Pátria e da ordem pública, o governo provisório, por todos os meios a seu alcance, permite e garante a todos os habitantes do Brasil, nacionais e estrangeiros: a segurança da vida e da propriedade, o respeito aos direitos individuais e políticos, salvas, quanto a estes, as limitações exigidas pelo bem da Pátria, e pela legítima defesa do governo proclamado pelo povo, pelo exército, pela armada nacional [...] O governo provisório reconhece e acata todos os compromissos nacionais contraídos durante o regime anterior, os tratados subsistentes com as potências estrangeiras, a dívida pública

40 Hollanda, Sérgio Buarque (direção), História Geral da Civilização Brasileira- Tomo II- Volume 6- O Brasil Monárquico, Declínio e Queda do Império, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil: 2004, p. 302.

41 D. Pedro II partiu para a Europa em 16 de novembro de 1889. Deixou discurso de despedida, com as seguintes palavras: “À vista da representação escrita que me foi entregue hoje, às 3 horas da tarde, resolvo, cedendo a império das circunstâncias, partir, com a toda a minha família, para a Europa, deixando esta Pátria, de nós tão estremecida, à qual me esforcei por dar constantes testemunhos de entranhado amor e dedicação, durante quase meio século em que desempenhei o cargo de chefe de Estado. Ausentando-me, pois, com todas as pessoas de minha família, conservarei do Brasil a mais saudosa lembrança, fazendo os mais ardentes votos por sua grandeza e prosperidade”. D. Pedro II, Despedida, in Figueiredo, Carlos (org.), 100 Discursos Históricos Brasileiros, Belo Horizonte: Editora Leitura, 2003, p. 238.

42 Cf. Taunay, Alfredo D´Escragnole, Visconde de, Memórias, São Paulo: Iluminuras, 2005.

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externa e interna, os contratos vigentes e mais obrigações legalmente constituídas43.

A atração pelos Estados Unidos logo se revelou. É nítida na ação e na influência de Rui Barbosa44. O advogado baiano discutia a opção constitucional de realizarmos eleições diretas para Presidente, ao contrário do que ocorria nos Estados Unidos. A opção revelava algum excepcionalismo, ainda que decorrente de nossas características peculiares. Copiamos, mas adaptamos. É o que se alcança na pregação de Rui nos jornais da época:

[...] A convenção americana de 1787, na constituição com que dotou os Estados Unidos, e os membros do Governo Provisório em 1890, no plano constitucional de que é resultado a constituição brasileira de 1891, punham timbre em zelar a pureza do corpo legislativo, e assegurar realmente à nação a escolha de seu primeiro magistrado, excluindo os membros da legislatura dos comícios destinados a elegê-los. No sistema da constituição americana o eleitorado presidencial compõe-se de tantas unidades, em cada estado, quantos a soma dos seus representantes junto à soma dos seus senadores nas câmaras federais [...] Compreendemos, louvamos e queremos que se acompanhe a América do Norte nos seus princípios, nas suas virtudes, nas suas instituições. Mas ir exumar à patologia das suas moléstias extintas uma enfermidade cuja cura os americanos celebram com desvanecimento, para a converter em modelo de adaptação constitucional, injetar-se um vírus perigoso com o capricho de quem se inoculasse uma vacina preservadora, pode ser grande coisa: mas o senso comum, ou, pelo menos, o nosso, não lhe alcança a transcendência45.

Contra o filoamericanismo que tomava conta dos organizadores da República, e do presidencialismo, insurgia-se Eduardo Prado, aristocrata saudosista, que protestava contra suposta fraternidade americana:

43 Discurso de Manoel Deodoro da Fonseca, originalmente publicado no Diário Oficial da República Brasileira, 16 de novembro de 1889, ano 28, n. 315. Colhido em Bonfim, João Bosco Bezerra, Palavra de Presidente- Discursos de Posse de Deodoro a Lula, Brasília: LGE Editora, 2004, pp. 39-40.

44 Rui Barbosa também desempenhou intenso papel no debate que marcou a Questão Religiosa, quando se discutiu a influência do Vaticano no Brasil. Conferir, nesse pormenor, Viana Filho, Luiz, A Vida de Rui Barbosa, São Paulo: Livraria Martins, 1965, pp. 70 e ss. Cf. também Nogueira, Rubem, História de Rui Barbosa, Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1999 e Magalhães, Rejane de Almeida e Senna, Marta de, Rui Barbosa em Perspectiva, Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2007.

45 Trata-se de excerto de artigo de Rui Barbosa publicado em 25 de julho de 1893, com o título O Caucus. Barbosa, Rui, Obras Completas, Vol. XX, 1893, Tomo III, Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1949, pp. 269 e ss.

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Pensamos que é tempo de reagir contra a insanidade da absoluta confraternização que se pretende impor entre o Brasil e a grande república anglo-saxônica, de que nos achamos separados, não só pela grande distância, como pela raça, pela religião, pela índole, pela língua, pela história e pelas tradições do nosso povo. O fato de o Brasil e de os Estados Unidos se acharem no mesmo continente é um acidente geográfico ao qual seria pueril atribuir uma exagerada importância. Onde é que se foi descobrir na história que todas as nações de um mesmo continente devem ter o mesmo governo? E onde é que a história nos mostrou que essas nações têm por força de ser irmãs? [...] A fraternidade americana é uma mentira [...]46.

Manteve-se, no entanto, comportamento apologético para com o modelo norte-americano, de onde copiamos nosso sistema de governo presidencialista. As instituições monárquicas foram abominadas. A organização da República fez-se concomitantemente com a secularização do Estado47; o modelo presidencialista foi discutido e desenhado nesse contexto, que marcou nossa primeira constituinte republicana. Na redação finalmente aprovada da Constituição de 24 de fevereiro de 1891 o presidencialismo foi tratado em seção própria, reservada ao Poder Executivo48. É uma característica que nos marca desde então. Como chefe eletivo da Nação indicou-se o Presidente da República, da então denominada República dos Estados Unidos do Brasil49.

Como condições (denominadas então de essenciais) para eleição do Presidente, exigia-se que o candidato fosse brasileiro nato, que estivesse no exercício de seus direitos políticos e que fosse maior de 35 anos50. A regra mantém-se até hoje.

Previa-se nova eleição, na hipótese de vacância do cargo, por qualquer razão, antes de cumpridos dois anos do mandato51; 46 Prado, Eduardo, A Ilusão Americana, São Paulo: Alfa-Ômega, 2001, p. 31.

47 Cf. Martins, Wilson, História da Inteligência Brasileira- Volume IV- 1877-1896, Ponta Grossa: Editora da UEPG, 2010, p. 390.

48 Para um estudo sistemático das Constituições brasileiras, conferir Souza Junior, Cezar Saldanha, Constituições do Brasil, Porto Alegre: Editora Sagra Luzzatto, 2002. Especificamente sobre o texto constitucional de 1891, conferir Baleeiro, Aliomar, Constituições Brasileiras- Vol. II- 1891, Brasília: Senado Federal, 2001.

49 Constituição de 24 de fevereiro de 1891, art. 41.

50 Constituição de 1891, art. 41, § 3º.

51 Constituição de 1891, art. 42.

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De outra forma, o Vice-Presidente assumiria e concluíra o mandato para o qual também fora eleito. O mandato presidencial previsto era de quatro anos; vedava-se a reeleição, para o período subseqüente imediato52. O debate ainda é atual.

A Constituição dispunha também sobre o juramento do Presidente no ato de posse (que denominava de afirmação) ante o STF53. O Presidente e o Vice-Presidente estavam proibidos de sair do território nacional, sem permissão do Congresso, sob pena de perderem o cargo54. A regra vai perdurar.

As eleições seriam por sufrágio direto da Nação e por maioria absoluta de votos55. Dispunha-se também que se nenhum dos candidatos conseguisse alcançar maioria absoluta dos votos, o Congresso elegeria, por maioria dos votos presentes, um deles, dentre os que tiverem alcançado as duas votações mais elevadas na eleição direta56. Previa-se também que em caso de empate considerar-se-ia eleito o mais velho dos candidatos57.

Havia alguma proteção contra os malefícios do nepotismo, no sentido de que a Constituição de 1891 declarava como inelegíveis, para os cargos de Presidente e Vice-Presidente os parentes consangüíneos e afins, nos 1º e 2º graus, do Presidente ou Vice-Presidente, que se encontrassem em exercício no momento da eleição ou que o tivesse deixado até seis meses antes do referido pleito58.

As competências presidenciais eram minudentemente definidas na Constituição, disposições que, em linhas gerais, persistem até o modelo

52 Constituição de 1891, art. 43.

53 Constituição de 1891, art. 44: “Prometo manter e cumprir com perfeita lealdade a Constituição federal, promover o bem geral da República, observar as suas leis, sustentar-lhe a união, a integridade e a independência”.

54 Constituição de 1891, art. 45.

55 Constituição de 1891, art. 47.

56 Constituição de 1891, art. 47, § 2º.

57 Constituição de 1891, art. 47 § 2º, parte final.

58 Constituição de 1891, art. 47, § 4º.

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contemporâneo. Competia privativamente ao Presidente, de acordo com nossa primeira Constituição republicana, no contexto das atribuições do Poder Executivo, promulgar e fazer publicar as leis e resoluções do Congresso; bem como expedir decretos, instruções e regulamentos para sua fiel execução59. Ainda não se cogitava de medidas provisórias, que copiamos da Itália, na Constituição de 1988.

Quanto à organização de seu Governo, o Presidente detinha competência para nomear e demitir livremente os Ministros de Estado; para exercer ou designar o comandante supremo das forças de terra e mar, em caso de guerra; e também para administrar o exército e a armada, distribuindo as respectivas forças60. O Presidente era competente para declarar a guerra e fazer a paz (com autorização do Congresso)61 ou, nos caos de invasão ou agressão estrangeira, tomar providências sem oitiva do Legislativo62.

Ao presidente também incumbia convocar o Congresso para reunião extraordinária63. Era o Presidente quem nomeava juízes federais mediante proposta do Supremo Tribunal64. Era o Presidente quem nomeava os membros do Supremo Tribunal Federal e os Ministros diplomáticos, sujeitando essas nomeações à aprovação do Senado65. Também era o Presidente quem conduzia a política internacional66. A declaração de estado de sítio, em qualquer ponto do território nacional, nas hipóteses de agressão estrangeira ou guerra civil (“comoção intestina”, na expressão da própria Constituição de 1891) era mais uma das prerrogativas do Presidente67.

Quanto aos Ministros de Estado, a Constituição consignava que eram “agentes da confiança do Presidente” que lhes subscreviam os 59 Constituição de 1891, art. 48, § § 1º e 2º.

60 Constituição de 1891, art. 48, § § 3º e 4º.

61 Constituição de 1891, art. 48, 7º.

62 Constituição de 1891, art. 48, § 8º.

63 Constituição de 1891, art. 48, § 10.

64 Constituição de 1891, art. 48, § 11.

65 Constituição de 1891, art. 48, § 12.

66 Constituição de 1891, art. 48, § 16.

67 Constituição de 1891, art. 48, § 15.

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atos68. Os Ministros eram auxiliares do Presidente, com prerrogativa para presidir os respectivos ministérios, nos quais se dividia a Administração Federal69.

A Constituição de 1891 dispunha também sobre crimes de responsabilidade do Presidente,70 que seria processado e julgado pelo STF, nos crimes comuns, depois que a Câmara declarasse procedente a acusação71, e pelo Senado, nos casos de crimes de responsabilidade72.

Rui Barbosa colaborou intensamente na redação dos dispositivos referentes às competências e responsabilidades do Presidente da República. Uma comissão de juristas nomeada pelo Governo Provisório de Deodoro da Fonseca, por intermédio do Decreto nº 29, de 3 de dezembro de 1889, e composta por Saldanha Marinho, Américo Brasiliense, Santos Werneck, Rangel Pestana e Magalhães Castro, apresentou texto inicial, que foi emendado por Rui, e posteriormente encaminhado pelo Governo Provisório (com algumas outras pequenas alterações) para a Assembléia, que fixou o texto definitivo.

Pode-se verificar - e se comprovar - esse trânsito conceitual e redacional, na definição da relação do Presidente, com seus Ministros. Lê-se primeiramente, no projeto da Comissão de Juristas formado pelo Governo Provisório:

Como seus auxiliares no exercício do Poder Executivo, o Presidente da República nomeará para as diversas secretarias em que for

68 Constituição de 1891, art. 49.

69 Constituição de 1891, art. 49.

70 Constituição de 1891, art. 54.

71 Que quando decretada teria como resultado imediato o afastamento do Presidente de suas funções. Constituição de 1891, art. 53, parágrafo único.

72 Constituição de 1891, art. 53 e art. 54, parágrafos. Eram os crimes que atentassem contra a existência política da União; a Constituição e a forma do Governo federal; o livre exercício dos Poderes políticos; o gozo, e exercício legal dos direitos políticos ou individuais; a segurança interna do Pais; a probidade da administração; a guarda e emprego constitucional dos dinheiros públicos; bem como, por fim, as leis orçamentárias votadas pelo Congresso.

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dividida a administração, conforme lei do Congresso, cidadãos de sua confiança73.

Rui Barbosa alterou a redação e propôs a seguinte formulação:

O Presidente é auxiliado pelos Ministros de Estado, agentes de sua confiança, que referendam os seus atos, e presidem cada um a uma das secretarias, em que se divide a administração federal74.

O Governo Provisório acatou a sugestão de Rui Barbosa e a encaminhou para o Congresso, como redigida pelo advogado baiano, com duas pequeníssimas alterações de redação:

O Presidente da República é auxiliado pelos Ministros de Estado, agentes de sua confiança, que lhe referendam os atos, e presidem cada um a uma das secretarias, em que se divide a administração federal75.

Por fim, o Congresso adotou e promulgou a versão seguinte:

O Presidente da República é auxiliado pelos Ministros de Estado, agentes de sua confiança que lhe subscrevem os atos, e cada um deles presidirá a um dos Ministérios em que se dividir a Administração federal76.

Para os efeitos da presente investigação deve-se ressaltar a insistência para com a confiança que deve ligar o Presidente a seus Ministros, expressão encontrada nas quatro redações acima compiladas. A confiança é atributo, razão e instrumento da unidade governamental, um dos núcleos do sistema de governo presidencialista, que a litigância intragovernamental tende a minar. Essa unidade foi também captada por um dos primeiros glosadores da Constituição de 1891, João Barbalho, para quem:

Poder de ação e devendo te-la pronta, expedita, desembaraçada e segura, o executivo melhor corresponde à sua missão, sendo confiado a um só homem do que a uma assembléia, mesmo pouco numerosa.

73 Cf. Barbosa, Rui, Obras Completas de Rui Barbosa- Vol. XVII- 1890- Tomo I- A Constituição de 1891, Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1946, p. 66.

74 Cf. Barbosa, Rui, cit., loc. cit.

75 Cf. Barbosa, Rui, cit., p. 67.

76 Constituição de 1891, art. 49.

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O exemplo da Suíça, com seu Conselho Executivo, é caso singular, explicável pelas condições peculiares e tradicionais daquele país. A razão, a história e o sentir do comum dos publicistas aconselham a unidade na suprema magistratura brasileira [...] A pluralidade tem, além de tudo, o defeito de dividir a responsabilidade do poder e com isso a debilita, sem não a anula completamente 77.

Outro comentarista da Constituição de 1891, Carlos Maximiliano, acentuou as prerrogativas de mando, inerentes ao mandato presidencial:

[...] o Presidente não se limita a executar o que o Congresso delibera: resolve, impulsiona, sugere. Representa o poder que age, tanto por alvedrio próprio como por alheia indicação [...] Cumpre as lei; porém toma, em mensagem ou por meio das Comissões Permanentes, a iniciativa de projetos, conclui tratados, fomenta indústria e a agricultura, assegura a ordem. Não é o braço apenas; é antes o cérebro diretor do país a rumo de seus altos destinos. Executa as deliberações do Legislativo e ordens do Judiciário; porém, por sua vez, prevê e provê, vigilante e ativo, evitando males e propinando remédios. O Congresso resolve de modo geral, fixando normas ou regras jurídicas; os tribunais agem provocados por uma ação concreta, determinando o que corresponde aos termos da lei e o que os transgride; o Presidente ordena, em casos isolados, que se faça ou que deixe de fazer. A sua atividade é complexa e multiforme; porque descobre e emprega meios apropriados para atingir os fins de publica utilidade e necessidade, conforme o Direito determina ou permite. Governa e administra, resiste e agride, faz diplomacia e mantém a federação78.

A unidade governamental é o registro mais recorrente na compreensão da autoridade presidencial, e na hierarquia que dela decorre, ainda segundo Carlos Maximiliano, para quem a divisão do trabalho seria necessária, inclusive como fundamento último da autoridade do presidente:

A direção suprema é forte, eficaz, decisiva, quando unipessoal [...] O princípio dominante em quase todos os países cultos não constitui obstáculo à divisão do trabalho. O Presidente é apenas o chefe do Poder Executivo, o supremo coordenador de esforços e energias. Há sete ministérios, previstos pelo art. 49; portanto, abaixo da autoridade única existe multiplicidade, complexidade, variedade de empregos

77 Barbalho, João, Constituição Federal Brasileira- Comentários, Edição Fac-Similar. Brasília: Senado Federal, 1992, p. 160.

78 Maximiliano, Carlos, Comentários à Constituição Brasileira, Rio de Janeiro: Jacinto Ribeiro dos Santos Editor, 1918, pp. 455-456.

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e funções confiadas a milhares de cidadãos, hierarquicamente subordinados a autoridades centrais79.

É outro autor clássico, Annibal Freire da Fonseca, que em monografia na qual estudou o Poder Executivo, insistiu na necessidade da unidade da ação, como instrumento de plasticidade para enfrentamento das múltiplas tarefas inerentes à Chefia do Governo e do Estado:

[...] O executivo funciona permanentemente. Destinado a impulsionar e dirigir a ação administrativa, não é possível negar-lhe a plasticidade indispensável ao mecanismo governamental. Por isso mesmo todas as organizações políticas modernas timbraram em adotar, na formação deste poder, as regras, que o tornem forte sem o fazer absorvente, um propulsor de energia sem degenerar em instrumento de opressão. Nas democracias, assoberbadas pelos conflitos das paixões populares e pela erupção de instintos de revolta, avulta a necessidade de resguardar os interesses supremos do Estado, pela constituição de um governo capaz de resistir à pressão de elementos dissolventes80.

Foi sob a vigência da Constituição de 1891 que Deodoro da Fonseca renunciou, num contexto de instabilidade política, marcado pela dissolução do Congresso e pela decretação do sítio. Foi sucedido por Floriano Peixoto, também de Alagoas, cognominado de O Marechal de Ferro. Em seu discurso de posse, proferido em 23 de novembro de 1891, o novo presidente comprometia-se em combater a crise financeira, que agonizara durante o período em Rui Barbosa fora Ministro da Fazenda, a chamada crise inflacionária do encilhamento:

A administração da fazenda pública com a mais severa economia e a maior fiscalização no emprego da renda do Estado será uma das minhas preocupações. Povos novos e onerados de dívidas nunca foram povos felizes, e nada aumenta mais as dívidas dos estados do que as despesas sem proporção com os recursos econômicos da nação, com as forças vivas do trabalho, da indústria e do comércio, o que produz o desequilíbrio dos orçamentos, o mal estar social, a miséria. Espero que, fiscalizada e economizada a fazenda pública, mantida a ordem no País, a paz com as nações estrangeiras sem

79 Maximiliano, Carlos, cit. p. 458.

80 Fonseca, Annibal Freire da, O Poder Executivo na República Brasileira, Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1981, p. 27.

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quebra de nossa honra e dos nossos direitos, animado o trabalho agrícola e industrial e reorganizado o regime bancário, os abundantes recursos do nosso solo vaporizarão progressivamente o nosso meio circulante, depreciado com as permutas internacionais, e fortificarão o nosso crédito no interior e no exterior81.

O governo Floriano foi marcado por muita oposição, especialmente no sul do País, a exemplo da Revolução Federalista, que se iniciou no Rio Grande do Sul. Foi o escritor Lima Barreto, que não tinha razões para apreciar Floriano82, e que do marechal não gostava, quem nos fornece prosaico retrato, na memorável cena do Policarpo Quaresma, quando o anti-herói encontra-se com o Presidente:

Era vulgar e desoladora [a aparência do Presidente]. O bigode caído; o lábio inferior pendente e mole a que se agarrava uma grande ‘mosca’; os traços flácidos e grosseiros; não havia nem o desenho do queixo ou olhar que fosse próprio, que revelasse algum dote superior. Era um olhar mortiço, redondo, cheio de expressões, a não ser de tristeza que não lhe era individual, mas nativa, de raça; e todo ele era gelatinoso – parecia não ter nervos83.

Os civis retornaram com Prudente de Moraes, paulista e republicano histórico84. Com Prudente, “a oligarquia consegue subir ao poder [...] o predomínio desta nos Estados e a absorção de novos grupos, por meio de alianças, levam-na a lutar pela legalidade85”, o que teria justificado, inclusive, a violenta repressão a Canudos, que se conhece em primeira mão pelos relatos de Euclides da Cunha86.

81 Discurso de posse de Floriano Peixoto, in Bonfim, João Bosco Bezerra, cit., p. 47.

82 Durante a Revolta da Armada, um contingente de marinheiros, contrários a Floriano, ocuparam a Ilha do Governador, onde Lima Barreto morava com seu pai. Cf. Barbosa, Francisco de Assis, A Vida de Lima Barreto, Belo Horizonte: Itatiaia e São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988, p. 56.

83 Lima Barreto, Afonso Henriques de, O Triste Fim de Policarpo Quaresma, in Prosa Seleta, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, p. 362.

84 Em seu discurso de posse Prudente de Moraes afirmou que a República esta firmada na consciência nacional e que [...] lançou raízes tão fundas que jamais será daí arrancada, in Bonfim, João Bosco Bezerra, cit., p. 55.

85 Carone, Edgard, A Primeira República- 1889-1930, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988, p. 30.

86 Euclides da Cunha reconhece que havia premeditação: Foi um mal. Sob a sugestão de um aparato bélico, de parada, os habitantes preestabeleceram o triunfo; invadida pelo contágio desta crença espontânea, a tropa, por sua vez, compartiu-lhes as esperanças. Firmara-se, de antemão, a derrota dos fanáticos. Cunha, Euclides da, Os Sertões, in Intérpretes do Brasil, vol. 1, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002, p. 363.

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A expansão da produção agrária brasileira, e sua inserção no comércio internacional87, no início do século XX, tiveram também como resultado a concentração de poder nos Estados produtores dos gêneros de exportação; um paulista sucedeu a Prudente de Moraes. Começou a política do café com leite.

Campos Salles tomou posse em 1898. Em seu primeiro pronunciamento, explicou como entendia a relação entre os três poderes, e como inseria a função que exerceria nesse conjunto de instituições políticas:

Defendendo intransigentemente e com o mais apurado zelo as prerrogativas conferidas ao poder que vou exercer em nome do sufrágio direto da Nação, afirmo aqui, desde já, o meu mais profundo respeito ante a conduta dos demais poderes, na órbita de sua soberania. Esta atitude, que será rigorosamente observada, dará forças ao depositário do Executivo para, de seu lado, opor obstinada resistência a todas as tentativas invasoras. O papel do Judiciário no jogo das funções constitucionais torna mais remotas as suas relações com os outros poderes. É um poder que não luta; não ataca; não se defende: julga. Sem a iniciativa que aos outros cabe, a sua ação não se manifesta senão quando provocada. Fora desta região de paz e pureza, a única em que reina a justiça, o seu prestígio moral desfaz-se ao sopro das paixões. São mais diretas e mais freqüentes as relações entre o Executivo e o Legislativo. Estes são os poderes que colaboram com estreita aliança na dupla esfera do governo e da administração; a eles, pois, compete manter, no desdobramento de sua comum atividade, uma contínua e harmônica convergência de esforços para o bem da República. É indiscutível – pois que é da natureza do próprio regime – que ao Executivo cabe a iniciativa de medidas legislativas, de caráter administrativo. É claro, porém, que de nada serviria a ação conjunta dos demais poderes, se o Legislativo recusasse o seu acordo, tomando orientação diversa ou contrária88.

Campos Salles enfrentou a crise financeira, negociando com os banqueiros ingleses89, o chamado Funding Loan, o que fizera, na visão de um estudioso desse período, com “prudência e extraordinário

87 Cf. Prado Junior, Caio, História Econômica do Brasil, São Paulo: Brasiliense, 1976, pp. 225 e ss.

88 Manuel Ferraz de Campos Salles, discurso de posse proferido em 15 de novembro de 1888, in Bonfim, João Bosco Bezerra, cit., pp. 69-70.

89 Cf. Debes, Célio, Campos Salles- Perfil de um Estadista- vol. II, Rio de Janeiro: Francisco Alves e Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1978, pp. 461 e ss.

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critério90”. Outro paulista sucedeu a Campos Salles, o também bacharel Rodrigues Alves, lavrador de café, interessado na alta dos preços do produto, mas que contra esse lucro fácil teria se insurgido91, traduzindo, em sua ação, uma virtuose política que parece marcar os presidentes do período92.

Um representante das oligarquias de Minas Gerais sucedeu a Rodrigues Alves; trata-se de Afonso Pena que, logo após eleito, excursionou pelo país, em pequena comitiva, o que entusiasticamente divulgado pelos jornais do país93. Na capital pontificava também o gaúcho Pinheiro Machado, cuja obsessão republicana e presidencialista vinha deste o manifesto de 1870, mas que muito fez pela instabilidade do regime94, o que decorre de seus modos idiossincráticos de caudilho95, e de sua política de propósitos pessoais.

Numa percepção negativa, o presidencialismo da República Velha se realizou no coronelismo96, este centrado na figura do coronel, denominação “outorgada espontaneamente pela população àqueles que pareciam deter em suas mãos grandes parcelas do poder econômico e político97”. Mantinha-se a autoridade central na figura do Presidente, que simboliza a escolha nacional, mediada por seu partido, como deixa claro Hermes da Fonseca (que era militar) em excerto de seu discurso de posse:90 Cf. Guanabara, Alcindo, A Presidência Campos Salles, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1983,

p. 177.

91 Franco, Afonso Arinos de Melo, Rodrigues Alves- Apogeu e Declínio do Presidencialismo, vol. II, Brasília: Senado Federal, 2001, p. 51.

92 Cf. D Avila, Luiz Felipe, Os Virtuosos- os Estadistas que Fundaram a República do Brasil, São Paulo: A Girafa, 2006.

93 Cf. Lacombe, Américo Jacobina, Afonso Pena e sua Época, Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1986, p. 322.

94 Interessante o relato memorialístico de Gilberto Amado a respeito de sua convivência com Pinheiro Machado, especialmente quando revela o desprezo que o caudilho gaúcho ao final lhe causava, com as alianças que fazia e com as manobras políticas que executava. Cf. Amado, Gilberto, Mocidade no Rio e Primeira Viagem à Europa, Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1958, pp. 323 e ss.

95 Cf. Porto, Costa, Pinheiro Machado e seu Tempo, Porto Alegre: L & PM e Brasília: Instituto Nacional do Livro 1985, p. 203.

96 Conferir, por todos, Leal, Victor Nunes, Coronelismo, Enxada e Voto, São Paulo: Alfa-Ômega, 1978.

97 Fausto, Boris (direção), História Geral da Civilização Brasileira, Tomo III, Volume 8, O Brasil Republicano- Estrutura de Poder e Economia (1889-1930), Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, p. 173.

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O presidente no nosso regime, especialmente nas circunstâncias em que se encontra o país, não se deve arvorar em diretor da política nacional: é a nação e não ele quem faz política. Mas, como nenhum governo pode fugir à necessidade de apoiar-se em forças políticas organizadas, governarei com o partido que amparou a minha candidatura e que com as minhas idéias de administração se identificou; com ele desenvolverei as teses anunciadas no meu manifesto eleitoral e com ele procurarei corresponder à expectativa de quantos, não filiados ao partido, confiaram no meu patriotismo98.

Tinha-se um “[...] sistema baseado na dominação de uma minoria e na exclusão de uma maioria do processo de participação política [...] Coronelismo, oligarquia e política dos governadores fazem parte do vocabulário político republicano em análise99”. O coronel comandava as bases locais, municipais, controlando sua gente, e representando na instância imediata o governador que, por sua vez, se aproximava do Executivo central, que apoiava, e de quem recebia favores.

Uma linhagem política informal - mas com estruturas gerais fixadas no sistema de direito público então vigente - ligava o coronel ao presidente. As bases últimas de nosso presidencialismo fincavam-se nos modelos de dominação local, que também se mantinham pelo voto de cabresto.

A década de 1920 conheceu intensa movimentação política marcada por um ideal de salvação nacional, mediado pelo tenentismo, movimento militar que protagonizou a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana100 e que redundou na Coluna Prestes101. Um pensamento político autoritário que se desenvolveu na Primeira República, e que canalizou alguma convergência de interesse com os grupos dominados,

98 Discurso de posse de Hermes da Fonseca, proferido em 15 de novembro de 1910, in Bonfim, João Bosco Bezerra, cit., p. 133.

99 Resende, Maria Efigênia de, O Processo Político na Primeira República e o Liberalismo Oligárquico, in Ferreira, Jorge e Delgado, Lucilia de Almeida Neves, O Brasil Republicano I- Tempo de Liberalismo Excludente- da Proclamação da República à Revolução de 1930, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 91.

100 Cf. Silva, Hélio, 1922: Sangue na Areia de Copacabana, Porto Alegre: L & PM, 2004.

101 Cf. Silva, Hélio, 1926: A Grande Marcha- A Coluna Prestes, Porto Alegre: L & PM, 2005.

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na imagem do “Leviatã benevolente102”, não resistiu à formação de novas alianças, que derrubaram Washington Luís em 1930, inaugurando-se uma nova fase de concepção e de ação de nosso presidencialismo.

Com Getúlio Vargas anunciou-se entre nós o triunfo de uma categoria de dominação weberiana103, marcada pelo carisma104 do chefe político105, e que o regime instaurado em 1930106 plenamente representou107, especialmente porque centrado na figura do Presidente da República. Organizou-se após a Revolução de São Paulo - na qual se registrou uma vitória governamental sobre os constitucionalistas paulistas108- uma Assembléia Nacional Constituinte, que preparou uma Constituição que teve pouca duração (1934-1937), mas que permitiu

102 Cf. Fausto, Boris, História Geral da Civilização Brasileira- Tomo III, Volume 9, O Brasil Republicano, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, p. A expressão Leviatã benevolente derivaria de uma imagem de Fernando Henrique Cardoso, relativa à aliança entre oligarquias e necessitados, num contexto de “necessidade de sobrevivência de todos”, como se lê em Boris Fausto, aqui citado.

103 Cf. Weber, Max, Economia e Sociedade, Volume 2, cit, pp. 323 e ss.

104 O carisma de Vargas é também tema de comentário passageiro de Miguel Reale, em suas Memórias. Conferir, Reale, Miguel, Memórias- Destinos Cruzados- Volume 1, São Paulo: Saraiva, 1986, p. 152.

105 Freund, Julien, Sociologia de Max Weber, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, pp. 159 e ss. Tradução para o português de Luís Cláudio de Castro e Costa. Diggins, John Patrick, Max Weber- A Política e o Espírito da Tragédia, Rio de Janeiro: Record, 1999, pp. 219 e ss. Tradução para o português de Liszt Vieira e Marcus Lessa. Käsler, Dirk, Max Weber- An Introduction to his Life and his Work, Chicago: The University of Chicago Press, 1988, pp. 161 e ss. Bendix, Reinhard, Max Weber- An Intelectual Portrait, Berkeley: University of California Press, 1984, pp. 285 e ss. Poggi, Gianfranco, Weber- A Short Introduction, Cambridge: Polity Press, 2006, pp. 89 e ss.

106 Na visão pessimista de um historiador marxista: “Era o Brasil-Novo! Infelizmente, como sabemos, o entusiasmo durou muito pouco tempo. Uma quadrilha de ratos esfomeados e vorazes avançava sobre um queijo já razoavelmente esburacado. Ao lado dos chefes revolucionários, um bando de aventureiros e negociantes de lenço vermelho no pescoço tomara de assalto o país”. Basbaum, Leôncio, História Sincera da República, de 1889 a 1930. São Paulo: Alfa-Ômega, 1976, p. 283.

107 Especialmente quanto a uma exploração da dominação carismática exercida por Vargas, conferir, Bourne, Richard, Getúlio Vargas- A Esfinge dos Pampas, São Paulo: Geração Editorial, 2012. Tradução para o português de Paulo Schmidt e Sonia Augusto. Em esforço e dimensão historiográficas mais recentes, conferir Neto, Lira, Getúlio-1882-1930- Dos Anos de Formação à Conquista do Poder, São Paulo: Companhia das Letras, 2012. Conferir também, no mesmo contexto, de identificação carismática de Vargas, Hilton, Stanley, Oswaldo Aranha- uma Biografia, Rio de Janeiro: Objetiva, 1994. Badaró, Murilo, Tempos de Capanema- A Revolução na Cultura, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. Schwartzman, Simon et allii, Tempos de Capanema, São Paulo: Paz e Terra, 2000. Pereira, Lígia Maria Leite e Faria, Maria Auxiliadora de, Presidente Antonio Carlos- um Andrada da República- o Arquiteto da Revolução de 30, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.

108 Cf. Fausto, Boris, Historia Geral da Civilização Brasileira- Tomo III- Volume 10- O Brasil Republicano, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, p. 35.

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a fixação das bases institucionais do nacional-estatismo que viria109. É também a partir de onde se traça o fio da história do trabalhismo brasileiro110.

Na Constituição de 16 de julho de 1934 também se dispunha que o Poder Executivo era exercido pelo Presidente da República111. Mantinha-se o quadriênio, vedava-se a imediata reeleição, permitindo-se, no entanto, que ex-presidente concorresse quatro anos depois de encerrado o mandato originário112 o que nunca ocorreu, por força da ditadura que sobreveio em 1937. Chamou-se de Estado Novo.

Manteve-se o conjunto de condições essenciais para ser eleito Presidente da República, nomeadamente, ser brasileiro nato, estar alistado eleitor e ter mais de 35 anos de idade113. Mantinha-se regra de prevenção ao nepotismo, porquanto eram inelegíveis para o cargo de Presidente da República, entre outros, os parentes até 3º grau, inclusive os afins do Presidente que estivesse em exercício, ou não o tivesse deixado pelo menos um ano antes da eleição114.

Nas palavras sacramentais de juramento, trocava-se a expressão República, prevista no modelo da Constituição de 1891, para Brasil, de modo que ao empossar-se, o Presidente da República pronunciaria em sessão conjunta com a Câmara dos Deputados, com o Senado Federal, ou se não estivessem reunidos, perante a Corte Suprema115, o seguinte compromisso: “Prometo manter e cumprir com a lealdade a Constituição Federal, promover a bem geral do Brasil, observar as suas leis, sustentar-lhe a união, a integridade e a independência116”. Nos termos previstos na Constituição de 1934, e durante sua vigência, não se teve tal juramento. Não houve eleições.

109 Cf. Poletti, Ronaldo, Constituições Brasileiras- Vol. III- 1934, Brasília: Senado Federal, 2001.

110 Cf. Ribeiro, José Augusto, A Era Vargas- 1- 1882-1950, Rio de Janeiro: Casa Jorge Editorial, 2002, p. 9.

111 Constituição de 16 de julho de 1934, art. 51.

112 Constituição de 1934, art. 52.

113 Constituição de 1934, art. 52, § 5º.

114 Constituição de 1934, art. 52, § 6º, a.

115 Como então se chamava o Supremo Tribunal Federal. Constituição de 1934, art. 63, a.

116 Constituição de 1934, art. 53.

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Mantinham-se as competências privativas que já havia na Constituição de 1891117. O Presidente também detinha competência para nomear e demitir o Prefeito do Distrito Federal118. A Constituição de 1934 também elencava os crimes de responsabilidade do Presidente da República119. Dispunha-se ainda que o Presidente da República seria auxiliado pelos Ministros de Estado120. O Ministro de Estado deveria ser brasileiro nato e ter mais de 25 anos de idade121. Havia lista de competências ministeriais fixadas na Constituição de 1934122.

Getúlio muito bem se equilibrou sobre a direita e a esquerda123, polarização ideológica marcada pelas disputas entre integralistas124 e comunistas, estes últimos agrupados em torno de Luís Carlos Prestes, a quem Jorge Amado chamava de o Cavaleiro da Esperança125.

O Golpe de 1937 teve também como resultado a perda de vigência do texto constitucional de 1934. Getúlio outorgou uma nova carta política com o golpe. A autoria dessa nova Constituição é presumidamente de Francisco Campos126, para quem, “cada época tem a sua divisão de poderes, e a lei do poder é, em política, a capacidade

117 Constituição de 1934, art. 56.

118 Constituição de 1934, art. 56, § 2º.

119 Eram os crimes definidos em lei, e que atentassem contra a existência da União; contra a Constituição e a forma de Governo federal; o livre exercício dos Poderes políticos; o gozo ou exercício legal dos direitos políticos, sociais ou individuais; a segurança interna do País; a probidade da administração; a guarda ou emprego legal dos dinheiros públicos; as leis orçamentárias; bem como que atentassem contra o cumprimento das decisões judiciárias. Constituição de 1934, art. 57.

120 Constituição de 1934, art. 59.

121 Constituição de 1934, art. 59, parágrafo único.

122 Constituição de 1934. Art. 60 - Além das atribuições que a lei ordinária fixar, competirá aos Ministros: a) subscrever os atos do Presidente da República; b) expedir instruções para a boa execução das leis e regulamentos; c) apresentar ao Presidente da República o relatório dos serviços do seu Ministério no ano anterior; d) comparecer à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal nos casos e para os fins especificados na Constituição; e) preparar as propostas dos orçamentos respectivos.

123 Cf. Fausto, Boris, Vargas- uma Biografia Política, Porto Alegre: L & PM, 2004.

124 Para o ideário integralista conferir Cavalari, Rosa Maria Feiteiro, Integralismo- Ideologia e Organização de um Partido de Massa no Brasil (1932-1937), Bauru: EDUSC, 1999.

125 Cf. Meirelles, Domingos, 1930- Os Órfãos da Revolução, Rio de Janeiro: Record, 2005.

126 Para uma compreensão do ideário estatista e conservador de Francisco Campos, conferir Campos, Francisco, O Estado Nacional, Brasília: Senado Federal, 2001.

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de exercê-lo127” ou para quem também, “uma lei inflexível da política é a que não permite a existência de vazios no poder: poder vago, poder ocupado128”. Francisco Campos enquanto intelectual e político129, se aproximava, do ponto de vista ideológico, do que poderia se definir como um pensamento antiliberal130. Nesse momento tem-se a afirmação de ideais conservadores na política brasileira131. Cogitando de uma “técnica do Estado totalitário a serviço da democracia”, o que absolutamente paradoxal, Francisco Campos explicava:

O sistema constitucional é dotado de um novo dogma, que consiste em pressupor, acima da Constituição não escrita, na qual se contém a regra fundamental de que os direitos de liberdade são concedidos sob a reserva de não se envolverem no seu exercício os dogmas básicos ou as decisões constitucionais relativas à substância do regime. A opinião demarca-se, dessa maneira, um campo reduzido de opção, no qual tão-somente se encontram as decisões secundárias ou os temas partidários que não interessam os pólos extremos do processo político, exatamente aqueles em torno dos quais se organizam e

127 Campos, Francisco, cit., p. 92.

128 Campos, Francisco, cit., loc. cit.

129 A relação de Francisco Campos com o Estado Novo sugere reflexões sobre as relações entre os intelectuais e o poder. Conferir, nesse pormenor, Gramsci, Antonio, Cadernos do Cárcere-Volume 2, Rio de Janeiro: Objetiva, 2000, p. 15. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Gramsci inicia seu texto sobre os intelectuais indagando se “os intelectuais são um grupo autônomo e independente, ou [se] cada grupo social tem uma sua própria categoria especializada de intelectual”. Cf. também Bauman, Zygmunt, Legisladores e Intérpretes, Rio de Janeiro: Zahar, 2010. Tradução de Renato Aguiar. Bobbio, Norberto, Os Intelectuais e o Poder, São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. Posner, Richard, Public Intellectuals- A Study of Decline, Cambridge: Harvard University Press, 2004. Sowell, Thomas, Os Intelectuais e a Sociedade, São Paulo: Realizações Editora, 2011. Tradução de Maurício G. Righi. Santos, João de Almeida, Os Intelectuais e o Poder, Lisboa: Fenda, 1999.

130 A exemplo de Oliveira Vianna e de Marcelo Caetano. Cf. Bomeny, Helena, Antiliberalismo como Convicção: Teoria e Ação Política em Francisco Campos, in Limoncic, Flávio e Martinho, Carlos Palomanes, Os Intelectuais do Antiliberalismo- Projetos e Políticas para outras Modernidades, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, pp. 263-316. Conferir também para um estudo do antiliberalismo, Holmes, Stephen, Tha Anatomy of Antiliberalism, Cambridge: Harvard University Press, 1996. Stephen Holmes classifica Roberto Mangabeira Unger como um antiliberal (pp. 141 e ss.). Necessária comparação entre Francisco Campos e o pensamento de Carl Schmitt. Cf. Mouffe, Chantal (Ed.), The Challenge of Carl Schmitt, London: Verso, 1999. Schmitt, Carl, The Concepto of the Political, Chicago and London: The University of Chicago Press, 1996. Schmitt, Carl, The Crisis of Parliamentary Democracy, Cambridge: The MIT Press, 1985.

131 Em tema de pensamento conservador no Brasil, conferir, por todos, Mercadante, Paulo, A Consciência Conservadora no Brasil- Contribuição ao Estudo da Formação Brasileira, Rio de Janeiro: Topbooks, 2003.

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concentram as constelações de interesse e de emoção de maior poder ou de mais intensa carga dinâmica132.

Na defesa da Constituição de 10 de novembro de 1937, marcada pelo autoritarismo, e pela concentração de poderes nas mãos do Presidente, observou o jurista e político mineiro, seu suposto autor:

O critério de atribuir ao presidente da República a faculdade de expedir, nos limites das dotações orçamentárias, decretos-leis sobre a organização administrativa, o comando geral e a organização das forças armadas, é das mais justificáveis. A administração tem por chefe o presidente: a ele cabe a responsabilidade pela ação administrativa do governo. Da eficiência do instrumento destinado à ação executiva, ninguém pode ser melhor juiz do que o chefe do Executivo. Atribuir-lhe a responsabilidade pelo rendimento da máquina que ele não possa remodelar de acordo com as exigências da ação é, evidentemente, um contrassenso. O vício do regime liberal consistia em dar o poder a quem não tinha a responsabilidade. A Constituição de 10 de novembro, obra do senso comum, associa à responsabilidade o poder. Nisto, ela não faz mais do que seguir o critério de acordo com o qual os homens prudentes administram os seus negócios133.

A Constituição de 1937 dispunha sobre intervenção federal nos Estados, mediante a nomeação pelo Presidente da República de um interventor134, a quem competiria, por atribuição exclusiva do Presidente, o exercício das funções executivas nas unidades da federação para as quais tivessem sido nomeados.

Interventores poderiam ser nomeados pelo Presidente, por exemplo, para impedir invasão iminente de pais estrangeiro em território nacional, ou de um Estado em outro, bem como para repelir uma ou outra invasão135. Os interventores também poderiam ser indicados no caso de necessidade de restabelecimento da ordem gravemente alterada, nos casos em que o Estado não quisesse ou não pudesse fazê-lo136. Interventores administrariam os Estados, quando, por qualquer motivo,

132 Campos, Francisco, cit., p. 28.

133 Campos, Francisco, cit., p. 93.

134 Constituição de 10 de novembro de 1937, art. 9º.

135 Constituição de 1937, art. 9º, a.

136 Constituição de 1937, art. 9º, b.

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um dos seus Poderes estivesse impedido de funcionar137, entre tantas outras possibilidades que havia de nomeação138.

Como regra, previa-se que o Presidente da República poderia ser autorizado pelo Parlamento a expedir decretos-leis, mediante condições e limites fixados pelo ato de autorização139. No entanto, ao longo dos anos do Estado Novo (1937-1945) operou-se pela exceção, isto é, nos termos da regra aplicável para edição de decretos-lei, pelo Presidente nos períodos de recesso do Parlamento ou de dissolução da Câmara dos Deputados140.

Exceção havia a algumas matérias, que não poderiam ser tratadas pelo Presidente nessas circunstâncias excepcionais, a exemplo de, entre outros, nos termos da Constituição de 1937, modificações ao texto constitucional; legislação eleitoral; orçamento; impostos; instituição de monopólios; moeda; empréstimos públicos; alienação e oneração de bens imóveis da União141.

Por outro lado, havia ampla possibilidade de atuação do Presidente da República, mediante decreto-lei, porquanto, respeitando-se limites e dotações orçamentárias, o chefe do Executivo poderia tratar da organização do Governo e da Administração federal, bem como do comando supremo e a organização das forças armadas142.

Na Constituição de 1937 consignou-se que o Presidente da República era a autoridade suprema do Estado143, a ele competindo coordenar a atividade dos órgãos representativos, de grau superior, dirigir a política interna e externa, promover ou orientar a política legislativa de interesse nacional, e superintender a administração do País144. A

137 Constituição de 1937, art. 9º, c.

138 Constituição de 1937, art. 9º, d, e, f.

139 Constituição de 1937, art. 12.

140 Constituição de 1937, art. 13.

141 Constituição de 1937, art. 13, letras a a h.

142 Constituição de 1937, art. 14.

143 Constituição de 1937, art. 73.

144 Constituição de 1937, art. 73.

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Constituição de 1937 garantiu a hipertrofia do Poder Executivo Central, especialmente no que se referia ao regime de competências privativas145.

Havia conjunto específico de prerrogativas especiais do Presidente, todas nominadas146. Na Constituição de 1937 aumentou-se o mandato presidencial para seis anos147. Não havia previsão de eleições diretas para Presidente. Cogitava-se de um Colégio Eleitoral (nunca convocado) cuja composição a Constituição indicava148. Vedava-se que, durante o exercício das funções, o Presidente fosse responsabilizado por atos estranhos às mesmas149.

Em linhas gerais, o Estado Novo foi marcado por intensa centralização, conforme se compreende da passagem que segue:

Em 1937, com o denominado Estado Novo e a ditadura de Getúlio Vargas, ocorreu nova centralização, registrando-se, na prática, a alteração da própria estrutura estatal, num retorno extemporâneo ao unitarismo, embora formalmente a Carta então outorgada, em seu art. 3º, estabelecesse que o Brasil constituía uma federação. A

145 Constituição de 1937, art. 74. Compete privativamente ao Presidente da República: a) sancionar, promulgar e fazer publicar as leis e expedir decretos e regulamentos para a sua execução; b) expedir decretos-leis [...]; c) manter relações com os Estados estrangeiros; d) celebrar convenções e tratados internacionais ad referendum do Poder Legislativo; e) exercer a chefia suprema das forças armadas da União, administrando-as por intermédio dos órgãos do alto comando; f) decretar a mobilização das forças armadas; g) declarar a guerra, depois de autorizado pelo Poder Legislativo, e, independentemente de autorização, em caso de invasão ou agressão estrangeira; h) fazer a paz ad referendum do Poder Legislativo; i) permitir, após autorização do Poder Legislativo, a passagem de forças estrangeiras pelo território nacional; j) intervir nos Estados e neles executar a intervenção, nos termos constitucionais; k) decretar o estado de emergência e o estado de guerra [...] ; l) prover os cargos federais, salvo as exceções previstas na Constituição e nas leis; m) autorizar brasileiros a aceitar pensão, emprego ou comissão de governo estrangeiro; n) determinar que entrem provisoriamente em execução, antes de aprovados pelo Parlamento, os tratados ou convenções internacionais, se a isto o aconselharem os interesses do País.

146 São elas: possibilidade de indicação de candidato à Presidência da República; da capacidade para dissolver a Câmara dos Deputados em algumas hipóteses; de nomear Ministros de Estado; de indicar membros do Conselho Federal; de adiar, prorrogar e convocar o Parlamento; bem como de exercer o então chamado direito de graça. Constituição de 1937, art. 75.

147 Constituição de 1937, art. 80.

148 Constituição de 1937, art. 82. O Colégio Eleitoral do Presidente da República compõem-se: a) de eleitores designados pelas Câmaras Municipais, elegendo cada Estado um número de eleitores proporcional à sua população, não podendo, entretanto, o máximo desse número exceder de vinte e cinco; b) de cinqüenta eleitores, designados pelo Conselho da Economia Nacional, dentre empregadores e empregados em número igual; c) de vinte e cinco eleitores, designados pela Câmara dos Deputados e de vinte e cinco designados pelo Conselho Federal, dentre cidadãos de notória reputação.

149 Constituição de 1937, art. 82.

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pretexto de imprimir maior racionalidade e eficácia à ação do Estado, a autocracia getulista reprimiu qualquer forma de manifestação política espontânea, liquidando também com o que se considerava “divisionismo federativo”150.

O fim da Segunda Guerra Mundial (em 1945) potencializou uma série de condições internas que exigiram a queda de Getúlio e o retorno da vida democrática, em sua plenitude. Ainda nos dizeres de um historiador marxista, “que a ditadura estava condenada desde a derrota do nazi-fascismo na Europa, todos os sabiam, exceto talvez o Dr. Getúlio Vargas151”. Foi muita grande a pressão interna. Getúlio não resistiu.

Eleito Eurico Gaspar Dutra (aliás, discretamente apoiado por Getúlio Vargas) cogitou-se imediatamente de uma nova Assembléia Nacional Constituinte152, de que dava conta o general eleito, em seu frio discurso de posse:

Estou certo de que os novos legisladores constituintes, saindo como eu das urnas inatacáveis pela lisura e liberdade dos comícios de 2 de dezembro, saberão corresponder às necessidades coletivas, elaborando um Estatuto fundamental, em que se assegurem os direitos da pessoa humana e se estabeleçam regras indispensáveis à paz social e às prementes exigências de nosso poder econômico, que deve ser fortalecido, para que não se agravem as condições de existência de todos nós, sobretudo das classes trabalhadoras, que clamam não apenas pelo reconhecimento legal de suas reivindicações, senão também pela elevação do nível de vida em que se encontram153.

A simbologia carismática dos presidentes (e da classe política, de um modo geral), atingiu seu auge no contexto da chamada República Populista, que irá perdurar até o golpe de 1964154. Vargas retornará pelo voto popular em 1950, cuja candidatura teria aceitado “no início da tarde de 19 de abril de 1950, seu aniversário de 67 anos, num churrasco na 150 Lewandowski, Enrique Ricardo, Pressupostos Materiais e Formais da Intervenção Federal no Brasil,

cit., p. 27.

151 Basbaum, Leôncio, História Sincera da República- de 1930 a 1960, São Paulo: Alfa-Ômega, 1985, p. 141.

152 Cf. Baleeiro, Aliomar e Lima Sobrinho, Barbosa, Constitiuções Brasileiras. Vol. 5- 1946. Brasília, Senado Federal, 2001.

153 Eurico Gaspar Dutra, discurso de posse, in Bonfim, João Bosco Bezerra, cit., p. 248.

154 Conferir a percepção lúcida de um brasilianista, Skidmore, Thomas, Politcs in Brazil- 1930-1964, New York: Oxford University Press, 1967.

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fazenda de João Goulart, jovem amigo e filho de seu velho amigo Vicente Goulart155”. Venceu. Tomou posse. Levou adiante projeto nacionalista, do qual a PETROBRÁS parece ser o exemplo mais feliz.

Seu suicídio, em 1954156, decorrente também de sua disputa com a União Democrática Nacional-UDN157 levou ao limite a percepção de populismo na política, em dimensões nem de longe alcançadas por outras lideranças, a exemplo de Juscelino Kubistschek158 (especialmente no que se refere à construção de Brasília159), de Janio Quadros160, de João Goulart161 (notadamente no golpe de 64162), bem como de Carlos Lacerda163 ou mesmo de Milton Campos164, ou Bilac Pinto, importante nome da UDN165.

A Constituição de 18 de setembro de 1946, em cuja vigência ocorreu a República Populista, retomou, na essência, quanto ao presidencialismo, tradição que remontava a 1891. Houve alterações apenas de pormenor. O mandato presidencial foi fixado em cinco anos166.

155 Ribeiro, João Augusto, A Era Vargas- 2- 1950-1954, Rio de Janeiro: Casa Jorge Editorial, 2001, p. 7.

156 Silva, Hélio, 1954: Um Tiro no Coração, Porto Alegre: L & PM, 2004.

157 Cf. Benevides, Maria Vitória de Mesquita, A UDN e o Udenismo- Ambigüidades do Liberalismo Brasileiro (1945-1965), Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

158 Cf. Bojunga, JK, O Artista do Impossível, Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

159 Cf. Couto, Ronaldo Costa, Brasília Kubitschek de Oliveira, Rio de Janeiro e São Paulo: Record, 2010.

160 Cf. Markun, Paulo e Hamilton, Duda, 1961- O Brasil entre a Ditadura e a Guerra Civil, São Paulo: Benvirá, 2011.

161 Cf. Ferreira, Jorge, João Goulart- uma Biografia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

162 Cf. Bandeira, Luiz Alberto Moniz, O Governo João Goulart- As Lutas Sociais no Brasil- 1961-1964.

163 Cf. Dulles, John W. F., Carlos Lacerda- a Vida de um Lutador, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992. Tradução de Vanda Mena Barreto de Andrade. Para as impressões pessoais de Lacerda, cf. Lacerda, Carlos, Depoimento, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987.

164 Cf. Campos, Milton, Testemunhos e Ensinamentos, Rio de Janeiro: José Olympio, 1972.

165 Cf. Badaró, Murilo, Bilac Pinto- O Homem que Salvou a República, Rio de Janeiro: Gryphos e Brasília: Ministéri da Cultura, 2010.

166 Constituição de 18 de setembro de 1946, art. 82.

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Manteve-se o regime de competências167. De igual modo, as fórmulas de responsabilidade168 e de responsabilização169.

A marca pessoal do chefe do Executivo é característica de todos os modelos presidencialistas que há. Porque há alto nível de concentração, de promessas, de planos, de propósitos, e de responsabilidades, é que, como conseqüência, cogita-se de uma fórmula centrada na unidade do comando. Alguma indicação desse personalismo pode ser obtida em excertos e fragmentos de discursos de posse, que dimensionam a força de uma retórica de comprometimento. Assim, Juscelino encerrava, do modo que segue o seu inflamado discurso de posse, enquanto a capital ainda estava no Rio de Janeiro:

167 Constituição de 1946, art. 87: Compete privativamente ao Presidente da República: I - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis e expedir decretos e regulamentos para a sua fiel execução; II - vetar, nos termos do art. 70, § 1º, os projetos de lei; III - nomear e demitir os Ministros de Estado; IV - nomear e demitir o Prefeito do Distrito Federal [...] e os membros do Conselho Nacional de Economia [...]; V - prover, na forma da lei e com as ressalvas estatuídas por esta Constituição, os cargos públicos federais; VI - manter relações com Estados estrangeiros; VII - celebrar tratados e convenções internacionais ad referendum do Congresso Nacional; VIII - declarar guerra, depois de autorizado pelo Congresso Nacional, ou sem essa autorização no caso de agressão estrangeira, quando verificada no intervalo das sessões legislativas; IX - fazer a paz, com autorização e ad referendum do Congresso Nacional; X - permitir, depois de autorizado pelo Congresso Nacional, ou sem essa autorização no intervalo das sessões legislativas, que forças estrangeiras transitem pelo território do País ou, por motivo de guerra, nele permaneçam temporariamente; XI - exercer o comando supremo das forças armadas, administrando-as por intermédio dos órgãos competentes; XII - decretar a mobilização total ou parcial das forças armadas; XIII - decretar o estado de sítio [...]; XIV - decretar e executar a intervenção federal [...]; XV - autorizar brasileiros a aceitarem pensão, emprego ou comissão de governo estrangeiro; XVI - enviar à Câmara dos Deputados, dentro dos primeiros dois meses da sessão legislativa, a proposta de orçamento; XVII - prestar anualmente ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas relativas ao exercício anterior; XVIII - remeter mensagem ao Congresso Nacional por ocasião da abertura da sessão legislativa, dando conta da situação do País e solicitando as providências que julgar necessárias; XIX - conceder indulto e comutar penas, com audiência dos órgãos instituídos em lei.

168 Constituição de 1946, art. 89: São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição federal e, especialmente, contra: I - a existência da União; II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos Poderes constitucionais dos Estados; III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV - a segurança interna do País; V - a probidade na administração; VI - a lei orçamentária; VII - a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos; VIII - o cumprimento das decisões judiciárias. Parágrafo único - Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.

169 Constituição de 1946, art. 88: O Presidente da República, depois que a Câmara dos Deputados, pelo voto da maioria absoluta dos seus membros, declarar procedente a acusação, será submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal nos crimes comuns, ou perante o Senado Federal nos de responsabilidade. Parágrafo único - Declarada a procedência da acusação, ficará o Presidente da República suspenso das suas funções.

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[...] É usando desta oportunidade, que é o marco final de uma caminhada áspera e terrível, queremos mais uma vez reafirmar o nosso desejo de reunir, numa obra afirmativa da força e do poder criador da nacionalidade brasileira, todos os homens de boa vontade, todos aqueles que colocam alto o interesse da Pátria, tão necessitada, nesta hora, de desvelo, de cuidado, e de trabalho, sentimo-nos mais do que nunca animados do ardente desejo de trabalhar incansavelmente pela paz da família brasileira. Pedimos a Deus que nos inspire e nos dê o sentimento da grandeza de nossa missão170.

Esse personalismo é também muito nítido em Jânio Quadros, representante dos mais emblemáticos do carisma e do populismo na história política brasileira, como se confirma também na reprodução de excerto de sua fala de posse, já em Brasília:

[...] É o direito à opção que faz os cidadãos responsáveis e as nações poderosas e permanentes. De advogado que postulava interesses individuais a administrador dos interesses coletivos, se não foi longa a minha jornada, foi ela suficientemente áspera para ensinar-me que a Justiça não é apenas um dos Poderes da República, mas, constitui, isto sim, essência desse mesmo regime [...] O aperfeiçoamento desta Justiça é a nossa grande conquista dos últimos tempos, aquela que mais fundamentalmente responde pela verdade, pela pureza, pela segurança do sufrágio [...] O preço da liberdade, que o voto dos meus patrícios me outorgou, é a servidão à causa pública. Dentro da lei e em estrita obediência à lei, serei livre para impor e exigir de todos o exato cumprimento do dever. Dessa liberdade, faço a minha escravidão171.

Foram apenas 206 dias de mandato. Após um governo tumultuado, marcado, entre outros, por exagerado moralismo e pela tentativa de concepção de uma política externa independente, Jânio perdeu suas referências e apoio. Renunciou em favor do vice, João Goulart, que se encontrava na China. Açodou-se crise política, relativa à posse do vice.

Como solução emergencial construiu-se uma fórmula parlamentarista, de curta duração, derrubada pelo voto plebiscitário172. 170 Juscelino Kubitschek de Oliveira, discurso de posse, in Bonfim, João Bosco Bezerra, cit., p. 267.

171 Jânio de Silva Quadros, discurso de posse, in Bonfim, João Bosco Bezerra, cit., pp. 274-275.

172 O debate entre presidencialistas e parlamentaristas é recorrente no direito público brasileiro. Conferir Franco, Afonso Arinos de Melo e Pila, Raul, Presidencialismo ou Parlamentarismo? Brasília: Senado Federal, 1999. Conferir também Almeida, Alberto Carlos, Presidencialismo, parlamentarismo e crise política no Brasil, Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 1998, e Rodrigues, Leôncio Martins, Em defesa do presidencialismo, Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1993.

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É de Hermes Lima, jurista que participou ativamente da vida política brasileira, inclusive como Ministro do STF em hora muito difícil173, o depoimento que segue, a propósito da manobra parlamentarista que se engendrou após a renúncia de Jânio:

Do cunho transacional da emenda decorriam, além do hibridismo do sistema, reservas e mesmo hostilidades apenas adormecidas. Quanto ao hibridismo, ele se agravaria no exercício do governo pelo delicado mecanismo das relações entre o presidente, o Conselho de Ministros e o Congresso, pois, de fato, havia dois chefes do Executivo. É típica desse hibridismo a competência do presidente da República de designar o presidente do Conselho e, por indicação dele, os ministros de Estado que ao primeiro caberia exonerar quando a Câmara lhes retirasse a confiança. O presidente da República exerceria o comando das Forças Armadas mas através do presidente do Conselho. Faltava, sobretudo, consenso político partidário necessário à fixação pelos costumes do sistema surgido da forja parlamentar antes como recurso de momento do que opção estruturada sem outro compromisso além de sua plenitude. No parlamentarismo da Emenda Constitucional nº 4, denominada Ato Adicional de 2 de setembro de 1961, desaguara mais amortecida que vencida a crise militar deflagrada pelo manifesto dos ministros militares. Entretanto, à decisão do Congresso não faltara prudência e senso de oportunidade, pois o tino da oportunidade é lei magna da política. Ela evitava a ruptura do sistema constitucional que vinha funcionando desde 1946174.

João Goulart reconquistou as prerrogativas presidenciais perdidas, porém não conseguiu sustentação. Em 1964 foi deposto por um golpe militar. Ao que consta, narra um biógrafo de Castello Branco, a primeira providência que o novo presidente tomou foi “ordenar a imediata substituição do retrato a óleo de Getúlio Vargas, na antessala do gabinete no Palácio do Planalto, por uma imagem do Duque de Caxias175”. Muito simbólico176.

173 Conferir Vale, Osvaldo Trigueiro do, O Supremo Tribunal Federal e a Instabilidade Político-Institucional, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976.

174 Lima, Hermes, Travessia-Memórias, Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1974, p. 249.

175 Neto, Lira, Castello- A Marcha para a Ditadura, São Paulo: Contexto, 2004, p. 275.

176 A antinomia entre poder civil e poder militar é explorada no livro de memórias de Nelson Werneck Sodré. Conferir Sodré, Nelson Werneck, Do Estado Novo à Ditadura Militar- Memórias de um Soldado, Petrópolis: Vozes, 1988.

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Inicia-se período que vai até 1985177, época difícil178, truculenta179, os chamados anos de chumbo180, cujo ponto mais significativo dera-se com a edição do Ato Institucional nº 5181, divisor de águas da era militar182.

Outorgou-se uma nova Constituição em 24 de janeiro de 1967183. Quanto ao presidencialismo, dispôs-se que Poder Executivo seria exercido pelo Presidente da República auxiliado pelos Ministros de Estado184. Extinguiu-se o voto direto e popular para indicação da chefia do Executivo. Dispôs-se que o Presidente seria eleito por um Colégio Eleitoral, “em sessão pública e mediante votação nominal185”.

O Colégio Eleitoral seria composto por membros do Congresso Nacional e por delegados indicados pelas Assembléias Legislativas Estaduais186. Cada Assembléia Estadual indicaria três delegados e mais um por quinhentos mil eleitores inscritos no Estado; no entanto, nenhuma unidade da Federação poderia indicar menos do que quatro delegados187. Mantinham-se as atribuições presidenciais clássicas188.

No entanto, em 1968, como reação do Governo a uma negativa do Congresso a requerimento para que se processasse o deputado Márcio

177 Conferir o importante estudo de um brasilianista, Skidmore, Thomas E., The Politics of Military Rule in Brazil- 1964-1985, New York: Oxford University Press, 1989.

178 Alves, Maria Helena, Estado e Oposição no Brasil- 1964-1984, Bauru: EDUSC, 2005.

179 Cf. Basbaum, Leôncio, História Sincera da República, São Paulo: Alfa-Ômega, 1986.

180 Cf. Castello Branco, Carlos, Os Militares no Poder- de 1964 ao AI-5, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.

181 Cf. Alves, Márcio Moreira, 68 Mudou o Mundo, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.

182 Para estudo da época, essencial a leitura de Elio Gaspari. Nesse sentido, Gaspari, Elio, A Ditadura Escancarada, São Paulo: Companhia das Letras, 2009, Gaspari, Elio, A Ditadura Derrotada, São Paulo: Companhia das Letras, 2003, e Gaspari, Elio, A Ditadura Encurralada, São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

183 Cf. Cavalcanti, Themístocles Brandão, Brito, Luiz Navarro de, Baleeiro, Aliomar, Consitituições Brasileiras- Vol. VI- 1967, Brasília: Senado Federal, 2001.

184 Constituição de 24 de janeiro de 1967, art. 74.

185 Constituição de 1967, art. 76.

186 Constituição de 1967, art. 76, § 1º.

187 Constituição de 1967, art. 76, § 2º.

188 Constituição de 1967, art. 83.

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Moreira Alves, revidou-se com a suspensão das garantias democráticas189: editou-se o Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968. Trata-se do mais autoritário documento político que se tem conhecimento na História do Brasil, em termos de hipertrofia do Executivo central. É o extrato mais agressivamente concentrador de poder em mãos do Presidente da República.

Assinado por Costa e Silva, Gama e Silva, Augusto Rademaker Grünewald, Aurélio de Lyra Tavares, Magalhães Pinto, Delfim Netto, Mário Andreazza, Ivo Arzua, Jarbas Passarinho, Leonel Miranda, Costa Cavalcanti, Edmundo Soares, Hélio Beltrão, Afonso Lima, e Carlos de Simas, o AI-5 retoricamente se baseia numa série de consideranda apocalípticos190.

189 Conferir, em uma percepção externa dos fatos, MacLachlan, Colin M., A History of Modern Brazil- The Past against the Future, Wilmington: Scholary Resources, 2003, pp. 142 e ss.

190 “[...] CONSIDERANDO que a Revolução brasileira de 31 de março de 1964 teve, conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e propósitos que visavam a dar ao País um regime que, atendendo às exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção, buscando, deste modo, “os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direito e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa pátria” (Preâmbulo do Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964); CONSIDERANDO que o Governo da República, responsável pela execução daqueles objetivos e pela ordem e segurança internas, não só não pode permitir que pessoas ou grupos anti-revolucionários contra ela trabalhem, tramem ou ajam, sob pena de estar faltando a compromissos que assumiu com o povo brasileiro, bem como porque o Poder Revolucionário, ao editar o Ato Institucional nº 2, afirmou, categoricamente, que “não se disse que a Resolução foi, mas que é e continuará” e, portanto, o processo revolucionário em desenvolvimento não pode ser detido; CONSIDERANDO que esse mesmo Poder Revolucionário, exercido pelo Presidente da República, ao convocar o Congresso Nacional para discutir, votar e promulgar a nova Constituição, estabeleceu que esta, além de representar “a institucionalização dos ideais e princípios da Revolução”, deveria “assegurar a continuidade da obra revolucionária” (Ato Institucional nº 4, de 7 de dezembro de 1966); CONSIDERANDO, no entanto, que atos nitidamente subversivos, oriundos dos mais distintos setores políticos e culturais, comprovam que os instrumentos jurídicos, que a Revolução vitoriosa outorgou à Nação para sua defesa, desenvolvimento e bem-estar de seu povo, estão servindo de meios para combatê-la e destruí-la; CONSIDERANDO que, assim, se torna imperiosa a adoção de medidas que impeçam sejam frustrados os ideais superiores da Revolução, preservando a ordem, a segurança, a tranqüilidade, o desenvolvimento econômico e cultural e a harmonia política e social do País comprometidos por processos subversivos e de guerra revolucionária; CONSIDERANDO que todos esses fatos perturbadores, da ordem são contrários aos ideais e à consolidação do Movimento de março de 1964, obrigando os que por ele se responsabilizaram e juraram defendê-lo, a adotarem as providências necessárias, que evitem sua destruição, Resolve editar o seguinte ATO INSTITUCIONAL [...]”.

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Manteve-se a Constituição de 1967191. Ao Presidente se concedia o poder de decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sitio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados por ele próprio192.

Poderia o Presidente também, em nome de um imaginário interesse nacional, decretar a intervenção nos Estados e Municípios, sem as limitações previstas na Constituição então vigente193. O Presidente estava autorizado a nomear também interventores estaduais194. Autorizava-se também ao Presidente a suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais195. E ainda, mediante decreto, o Presidente poderia demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade servidores públicos, assim como empregados de autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista, e demitir, transferir para a reserva ou reformar militares ou membros das polícias militares, assegurados, quando fosse o caso, vencimentos e vantagens proporcionais ao tempo de serviço196. Usou-se muito da prerrogativa.

A autoridade presidencial era intocável; pelo AI-5 o Presidente ganhava competência para decretar o estado de sítio e prorrogá-lo, fixando o respectivo prazo197. E ainda, o Presidente poderia, após investigação, decretar o confisco de bens de todos quantos tivessem enriquecido, ilicitamente, no exercício de cargo ou função pública, inclusive de autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, sem prejuízo das sanções penais cabíveis, na exata expressão do documento de exceção aqui analisado198.

191 Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, art. 1º.

192 Ato Institucional nº 5, de 1968, art. 2º.

193 Ato Institucional nº 5, de 1968, art. 3º.

194 Ato Institucional nº 5, de 1968, art. 3º, parágrafo único.

195 Ato Institucional nº 5, de 1968, art. 4º.

196 Ato Institucional nº 5, de 1968, art. 6º, § 2º.

197 Ato Institucional nº 5, de 1968, art. 7º.

198 Ato Institucional nº 5, de 1968, art. 8º.

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Suspendeu-se a garantia do habeas corpus, nos casos de crimes políticos, de crimes contra a segurança nacional, bem como nos casos de crimes contra a ordem econômica e social e contra a economia popular199. Por fim, o ato excluía de qualquer apreciação judicial tudo o que em seu nome praticado200.

A ditadura esgotou-se pela própria seiva e pela incapacidade de gerir os graves problemas que agitaram o país. Operou-se uma distensão “lenta, gradual e segura”, na expressão de um historiador e testemunha ocular:

Após o governo Médici, ocorre forte inflexão da trajetória política e econômica do Brasil. Na economia, a nova realidade mundial decorrente da crise do petróleo obriga o país a substituir o dinâmico modelo econômico que vigorara até 1967. A velha restrição do balanço de pagamentos sobre o desenvolvimento da economia volta a se impor. O país vai enfrentar longo período de ajustamento, redefinição de prioridades, grave endividamento externo, flutuações de desempenho, dificuldades inflacionárias e, mais tarde, recessão. No campo político, a inflexão é no sentido de liberalização, processo que começa no Governo Geisel e se arrasta por doze anos, até o final do governo Figueiredo, em 1985, quando o país volta à democracia política, sob governo civil201.

Ao fim do Governo Figueiredo o Colégio Eleitoral que ainda operava (uma campanha em favor de imediatas eleições presidenciais com voto direto fracassou) elegeu o mineiro Tancredo Neves como presidente que, por complicações de saúde, não tomou posse, falecendo logo em seguida. Seu vice, o maranhense José Sarney, no entanto, leu ao Ministério um manifesto redigido pelo presidente eleito, mas não empossado, e ainda hospitalizado, no qual se retoma uma percepção positiva de unidade:

O Povo brasileiro terá o Governo que exigiu e que não se teria viabilizado sem o seu apoio inequívoco. E sabem os seus Ministros que este será um só governo, que o Presidente não admitirá que se divida, que se desuna, que se descoordene e assim reduza a sua capacidade de agir na busca das soluções para os grande problemas

199 Ato Institucional nº 5, de 1968, art. 10.

200 Ato Institucional nº 5, de 1968, art. 11.

201 Couto, Ronaldo Costa, História Indiscreta da Ditadura e da Abertura. Brasil: 1964-1985. Rio de Janeiro e São Paulo: Record, 1999, p. 133.

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nacionais. Como Presidente da República não fugirei a meu dever de estabelecer as diretrizes que presidirão os esforços da administração pública no cumprimento de sua missão [...] Os Ministros serão meus colaboradores na formulação dessas diretrizes e dessas políticas e, uma vez decididas, serão responsáveis por sua implementação, em um esforço para o qual não lhes faltarão jamais o apoio e o respaldo presidencial202.

Esse fragmento de Tancredo Neves identifica os termos exatos de um presidencialismo de articulação institucional, aqui defendido. Falava-se de “um só governo”, que o “Presidente não admitirá que se divida, que se desuna, que se descoordene’, o que reduziria “sua capacidade de agir na busca das soluções para os grandes problemas nacionais”; menciona-se que o Presidente iria “estabelecer as diretrizes”, que os Ministros seriam responsáveis pela formulação. Esse modelo não caracteriza autoritarismo, rigor ou qualquer ação de enfrentamento para com os demais Poderes da República.

José Sarney governou, com o falecimento de Tancredo203. Forte pressão popular redundou também na convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte204. O debate em torno da opção presidencialismo ou parlamentarismo foi retomado. Os constituintes optaram por um plebiscito, mais tarde realizado, e que apontou a definitiva vitória do sistema de governo presidencialista.

O presidencialismo, em princípio, realiza, na essência, o modelo de tripartição dos poderes, na medida em que isola o Executivo de um imediato controle do Legislativo. No modelo parlamentarista, por outro lado, os sistemas Executivo e Legislativo atuam conjuntamente, quando este último indica o chefe daquele primeiro205. Porém, a fórmula de iniciativa privativa de algumas matérias de lei, em favor do Presidente,

202 Manifesto de Tancredo Neves, lido por José Sarney, na primeira reunião de Ministros do governo então empossado, in Bonfim, João Bosco Bezerra, cit., p. 345.

203 Cf. Luna, Francisco Vidal e Klein, Herbert S., Brazil since 1980, New York: Cambridge University Press, 2006.

204 Conferir Pilatti, Adriano, A Constituinte de 1987-1988- Progressistas, Conservadores, Ordem Econômica e Regras do Jogo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

205 Cf. Taglialegna, Gustavo Henrique Fideles, Integração dos Poderes no Presidencialismo Brasileiro, in Dantas, Bruno (org.), Constituição de 1988: o Brasil 20 anos depois, Brasília: Senado Federal, Instituto Legislativo Brasileiro, 2008, p. 367.

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subverte novamente o modelo206, bem como na hipótese de medidas provisórias, mesmo depois da promulgação da Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001207 É este o modelo atual.

O Presidente possui hoje mais poderes do que detinha, por exemplo, na Constituição de 1946208; exemplifica-se com a possibilidade que tem, no sentido de solicitar urgência na apreciação de algumas matérias209. E assim,

O procedimento de urgência tem papel proeminente no processo legislativo brasileiro. A Constituição de 1988 fornece ao presidente o poder de conferir unilaterateralmente status de urgência a projetos de sua própria iniciativa, implicando que a Câmara e o Senado têm, sucessivamente, 45 dias para votá-los, período após o qual o projeto é automaticamente incluído na ordem do dia e a deliberação sobre outras leis é suspensa, de modo que a votação possa ser concluída [...]210.

Roberto Mangabeira Unger apresentou convincente justificação para o fato de que houve a definitiva opção pelo presidencialismo, por parte do eleitorado brasileiro:

Há muitos argumentos pseudo-eruditos em favor da implantação do regime parlamentarista no Brasil. O motivo mais forte do interesse, porém, é que a eleição presidencial faz a elite brasileira sofrer periodicamente susto intolerável. É o conflito eleitoral menos

206 Cf. Taglialegna, Gustavo Henrique Fideles, cit., p. 368.

207 Cf. Ferreira Filho, Manoel Gonçalves, Aspectos do Direito Constitucional Contemporâneo, São Paulo: Saraiva, 2003, pp. 269 e ss.

208 Cf. Cintra, Antonio Octávio, O Sistema de Governo no Brasil, in Avelar, Lúcia e Cintra, Antônio Octávio, Sistema Político Brasileiro: uma Introdução, Rio de Janeiro: Fundação Konrad-Adenauer-Striftung e São Paulo: Fundação UNESP, 2004, p. 68. É a tese de Argelina Cheibub Figueiredo e Fernando Limongi, conferir, especialmente, Figueiredo, Argelina Cheibub e Limongi, Fernando, O Congresso e as Medidas Provisórias: Abdicação ou Delegação? in Revista Novos Estudos CEBRAP, Nº 47, março 1997, pp. 127-154.

209 Constituição de 5 de outubro de 1988. Art. 64: A discussão e votação dos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores terão início na Câmara dos Deputados. § 1º - O Presidente da República poderá solicitar urgência para apreciação de projetos de sua iniciativa. § 2º Se, no caso do § 1º, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não se manifestarem sobre a proposição, cada qual sucessivamente, em até quarenta e cinco dias, sobrestar-se-ão todas as demais deliberações legislativas da respectiva Casa, com exceção das que tenham prazo constitucional determinado, até que se ultime a votação.

210 Santos, Fabiano e Almeida, Acir, Fundamentos Informacionais do Presidencialismo de Coalizão, Curitiba: Aprris, 2011, p.44.

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controlado e mais imprevisível, sobre o poder mais importante. Eles não agüentam mais. Melhor concentrar o poder na classe política e negociar soluções consensuais de governo, sem ter de contar com a possibilidade de surpresas desagradáveis nem ter de trabalhar para contê-las. O eleitorado rejeitou o parlamentarismo porque nele percebeu, tentativa de confisco da soberania popular211.

O Presidente enfrenta, às vezes, Congresso hostil, de quem deve se aproximar, de onde se origina o presidencialismo de coalização, na tipologia conceitual de Sérgio Abranches. E pode enfrentar também resistência interna, por setores ministeriais que defendem agendas distintas, e não conciliáveis, a exemplo de questões afetas a desenvolvimento sustentável e que dividem, de algum modo, o Ministério das Minas e Energia do Ministério do Meio Ambiente. E ainda enfrenta miríade de compreensões diversas, de um mesmo problema, o que aqui se denomina de vontades corporativas, com base em expressão e em conceito formulado por Rousseau.

Não se trata da defesa de um presidencialismo imperial. O que se vê, ao longo da experiência presidencialista brasileira é um quadro nítido. De 1889 a 1894 havia muita incerteza e muita cizânia interna. De 1894 a 1930 grupos agroexportadores fizeram da presidência instrumento de projetos localizados, de acumulação capitalista. De 1930 a 1946 viveu-se brutal ampliação da atuação presidencial, camuflada na divisão de benefícios trabalhistas e assistenciais.

De 1946 a 1964 a presidência tornou-se refém de projetos populistas, ainda que indicativos de algum nacionalismo e de um incipiente desenvolvimentismo. De 1964 a 1985 a presidência retomou um sentido de hipertrofia, sustentado na distribuição de benesses a um mandarinato. De 1985 a 1988 viveu-se intensa transição, marcada pela retomada de rumos.

211 Unger, Roberto Mangabeira, A Segunda Via – Presente e Futuro do Brasil, São Paulo: Boitempo Editorial, 2001, p. 124.

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De 1988 até os dias de hoje tenta-se definir um modelo presidencialista brasileiro que possa deter agilidade e instrumentos para atender às promessas feitas, e sagradas nas urnas.

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9 Indícios de litigância intragovernamental no Poder Judiciário

O objetivo da presente seção, no que se refere ao estudo do presidencialismo, é a indicação da necessidade de um mapeamento da litigância intragovernamental que ocorre no Poder Judiciário. Os números aos quais tivemos acesso são inconsistentes. Inadequada também é a coleta de informações relativas à litigância intergovernamental, isto é, de conflitos federativos. Neste último caso trabalha-se também com números aproximados.

Afirma-se que, se há possibilidade de mapeamento do conflito federativo no Judiciário, com indicação das questões discutidas, tem-se a possibilidade de compreensão de suas causas, que poderiam ser pelos próprios Executivos tratadas, ainda que entre unidades federadas distintas. Reconhece-se a regra constitucional que remete o conflito federativo para o STF. Porém, aponta-se para caminho alternativo para apreciação do referido tipo de conflito.

Nessa seção também se observa que há agendas governamentais de difícil fixação de política reveladora de vontade única; exemplifica-se com uma ação direta de inconstitucionalidade na qual se discute a proibição do amianto, no Estado de São Paulo. Nessa seção também se comprova que há situações que aparentemente fogem do controle do Executivo, elucidando-se a premissa com uma ação judicial na qual a União atuou como amicus curiae, ao que parece, contra si mesma. É uma ambigüidade que causou perplexidade.

A indicação de algumas execuções fiscais propostas pela União contra entes da Administração indireta pode comprovar desperdício de energia burocrática e de falta de funcionalidade no trato do orçamento público. É um problema a ser resolvido pelos Ministros das pastas envolvidas. E porque muitas das discussões se referem a lançamento e cobrança de multas administrativas, entre órgãos e entes, é necessário, em favor da estabilidade das relações internas do Executivo, que se retome o problema da multa entre pessoas de direito público, sem prejuízo de eventual responsabilização de gestores.

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Segue agora a primeira das seções de pesquisa empírica, no contexto do presente trabalho. Os dados não são muitos. Porém a alguma conclusão pode se chegar.

O STF é instância na qual há indícios que ocorra recorrente litigância intergovernamental e alguma litigância intragovernamental. Naquele primeiro caso se elencam conflitos federativos, por força mesmo de disposição constitucional que atribui ao STF a competência para julgar, originariamente, as causas e conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas unidades da Administração Indireta1, ainda que a regra seja aplicada com algumas restrições2. Em princípio, é a ameaça de ruptura do equilíbrio federativo que justificaria a pronta intervenção do STF3.

1 Constituição Federal, art. 102, I, f.

2 A propósito da compreensão de que a regra do art. 102, I, f, não seja absoluta, conferir: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA. CONFLITO ENTRE AUTARQUIA FEDERAL E ESTADO-MEMBRO. AUSÊNCIA DE RISCO AO PACTO FEDERATIVO. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 102, I, ´F , DA CB/88. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que a competência originária que lhe é atribuída pelo artigo 102, I, ´f , da Constituição do Brasil, tem caráter de absoluta excepcionalidade, restringindo-se a sua incidência às hipóteses de litígios cuja potencialidade ofensiva revele-se apta a vulnerar a harmonia do pacto federativo. Precedentes. 2. Incompetência deste Supremo Tribunal para processar e julgar, originariamente, causas entre Estado-membro e autarquia federal com sede ou estrutura regional de representação no território estadual respectivo. Competência da Justiça Federal. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.” (RE nº 512.468/MT-AgR, Segunda Turma, Relator Ministro Eros Grau). Conferir também ACO 417/DF-QO, relatada pelo Ministro Sepúlveda Pertence, quando se reiterou que o STF “excluiu da sua competência causas entre autarquias federais e Estados-membros, quando as primeiras, a exemplo dos institutos nacionais da previdência, tenham sede ou estrutura regional de representação no território estadual respectivo”. A competência do STF, nesse contexto de conflito federativo, também não se configura na existência de mero conflito patrimonial. Conferir ACO 715-RJ, relatada pelo Ministro Menezes Direito.

3 “AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA PELO CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA CONTRA O ESTADO DO ACRE - INCOMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - INTELIGÊNCIA DO ART. 102, I, ´F , DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - AUSÊNCIA DE CONFLITO FEDERATIVO - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. - O art. 102, I, ´f , da Constituição confere, ao Supremo Tribunal Federal, a posição eminente de Tribunal da Federação, atribuindo-lhe, nessa condição de órgão de cúpula do Poder Judiciário, competência para dirimir as controvérsias que irrompam no seio do Estado Federal, opondo as unidades federadas umas às outras, e de que resultem litígios cuja potencialidade ofensiva revele-se apta a vulnerar os valores que informam o princípio fundamental que rege, em nosso ordenamento jurídico, o pacto da Federação. Doutrina. Jurisprudência. - O Supremo Tribunal Federal não dispõe de competência originária para processar e julgar causas instauradas, contra Estado-membro, por iniciativa de autarquia federal, especialmente se esta dispuser de estrutura regional de representação no território estadual respectivo´ (RTJ 133/1059), pois, em tal hipótese, revela-se inaplicável a norma inscrita no art. 102, I, ´f , da Constituição, eis que ausente qualquer situação capaz de introduzir instabilidade no equilíbrio federativo ou de ocasionar ruptura da necessária harmonia entre as entidades integrantes do Estado Federal. Precedentes” (ACO nº 641/AC-AgR, Tribunal Pleno, Relator Ministro Celso de Mello).

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Dados colhidos junto ao Sistema Integrado de Controle de Ações da União-SICAU, e processados em junho de 2012, ainda que imperfeitos, incompletos e deficitários, indicavam que a União figurava como parte em 5.338 ações que indicavam alguma forma de conflito federativo. É litigância significativa, que insinua também algum nível de fragilidade nas relações institucionais federativas.

Porém, e observando que esse não é o ponto central do trabalho, pode-se a partir de alguma reflexão em torno dessa litigância que se tem no STF colher-se indício de que esses conflitos também poderiam passar por um crivo administrativo, a exemplo do que se propõe com a litigância intragovernamental. É o que o STF vem recentemente estimulando, como se verá mais adiante.

Ao que consta, dessas 5.338 ações, pode-se apontar litigância maior entre a União Federal e o Estado de Roraima4. Seriam, à época da consulta, 536 ações, isto é, quase 10% do total dos processos com indício de conflito federativo que correm no STF. Pode-se admitir que a maior parcela das questões naquela unidade da Federação seria afeta a demarcação de terras indígenas, assunto de altíssimo potencial de resolução administrativa, por força do papel do Ministério da Justiça e da FUNAI em relação ao problema.

Como o trabalho vem apontando, há recorrentes conflitos intragovernamentais em questões de demarcação de terras indígenas, por força de eventuais sobreposições com áreas de proteção ambiental, ou áreas eventualmente destinadas para assentamentos rurais ou áreas de interesse para a segurança nacional. Assim, FUNAI, MMA, INCRA, MJ, MDA e MD encontram-se, muitas vezes, em posições distintas, no que se refere a uma mesma questão.

Em matéria de indício de conflito federativo, fechariam a lista Santa Catarina (392 ações), Rio Grande do Sul (365), Paraná (321), São Paulo (312), Sergipe (265), Piauí (257), Rio de Janeiro (255), Mato Grosso do Sul (193), Bahia (190), Minas Gerais (179), Pará (176), Mato Grosso (171), Goiás (170), Amapá (157), Maranhão (148), Espírito

4 Há notícias de litigância intragovernamental também em assuntos afetos ao Estado de Roraima. Conferir STF, ACO 1228, protocolada em 2008, autor: IPHAN, ré: FUNAI e outros.

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Santo (146), Amazonas (140), Pernambuco (137), Alagoas (136), Ceará (124), Paraíba (120), Rondônia (114), Rio Grande do Norte (110), Tocantins (78) e Acre (36).

Esses números comprovam excessiva litigância, revelando que há vestígios de questões de fundo político ou administrativo que poderiam receber outra fórmula de solução, que não a judicialização pura e simples. Há intensa judicialização de problemas de federalismo vertical, isto é, de conflitos entre a União e as unidades federadas.

Ações diretas de inconstitucionalidade, protocoladas por Estados Federados, são também muito comuns o que indica, entre outros, conflito entre as unidades da Federação, tema de federalismo horizontal. O Estado do Amazonas lideraria essa segunda tabela (15 ações), o que pode refletir de alguma forma problemas decorrentes da Zona Franca de Manaus. Pará (6), São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Goiás (5), Rio de Janeiro, Ceará, Bahia (4), Alagoas (3), Sergipe, Rio Grande do Norte, Paraná, Minas Gerais, Maranhão (2), Roraima, Piauí, Pernambuco, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo e Amapá (1 ação cada) fechariam essa segunda tabela. Uma melhor articulação institucional poderia também diminuir esse número de discussões.

O Cadastro Informativo de Créditos Não Quitados do Setor Público Federal-CADIN5 se revela como um dos grandes pontos de discussão nos conflitos intergovernamentais. Exceção feita ao auxílio a Municípios em caso de calamidade pública6 a União está vedada de liberar recursos para órgãos e entes públicos inscritos no aludido cadastro. A inscrição se faz com base ampla de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídica-CNPJ, o que obstaculiza a entrega de recursos para todas as entidades de órgão federado estando este último inscrito no CADIN.

Assim, transferências constitucionais e transferências ficam retidas, o que reflete em intensa procura pelo Judiciário, no caso o STF, na busca de ordens de liberação de valores. São questões dramáticas,

5 Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002.

6 Lei nº 10.522, de 2002, art. 6º, § único, I.

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especialmente porque a busca por liberação de recursos pode resultar de demanda incontornável.

Disputas em torno do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços-ICMS também são muito comuns. Lideram a lista os Estados do Amazonas e de São Paulo, com 12 ações cada, o que certamente revela efeitos jurídicos da industrialização, inclusive na forma induzida, como se dá na Zona Franca de Manaus. Descortina-se nessa tabela a chamada guerra fiscal, indiretamente também centrada na reserva de unanimidade exigida para as decisões do Conselho Nacional de Política Fazendária-CONFAZ7.

Há também intenso debate no STF, no que toca à litigância intergovernamental em tema de Fundo de Participação de Municípios-FPM. O Estado do Rio de Janeiro lidera a lista (com 13 ações), seguido por Espírito Santo e Bahia (12), Sergipe e Alagoas (com 11), o que pode indicar discussões em torno da participação dessas unidades da federação, e respectivos municípios nos mecanismos de partilha e royalties de petróleo.

Tem-se a impressão de que o STF percebe o potencial de composição desse tipo de conflito a partir do Poder Executivo Federal. Há notícias de despachos de Ministros do STF, no sentido de encaminhar, para eventual composição, via CCAF, várias ações. E há notícias também de acordos entabulados, com posterior homologação pelos respectivos Ministros relatores.

Entre os vários exemplos que há, indica-se, inicialmente, a Ação Civil Originária-ACO 1384, que tem como partes a União e o Estado do Mato Grosso do Sul, na qual se discute PIS/PASEP. Ainda, a ACO

7 Interessante uma tentativa de se relacionar a participação da unidade da Federação no total de recolhimento do imposto estadual mais substantivo, o ICMS. Amazonas discute ICMS em 12 ações e arrecadou em janeiro de 2012 cerca de 1,8% do ICMS arrecadado no Brasil. São Paulo, que discutiria o mesmo número de ações arrecadaria 31,5 % do ICMS recolhido em todo o país. O Rio Grande do Sul discutiria ICMS em 7 ações, arrecadando 6,8 % do ICMS recolhido no Brasil. O Paraná, Minas Gerais e Goiás, também com 7 ações arrecadariam, respectivamente, 5,4 %, 9,7 % e 3.1 % do montante de ICMS recolhido em todo o Brasil. Fonte: www.fazenda.gov.br/confaz/boletim, acesso em 27 de julho de 2012. Os números de recolhimento de ICMS são de janeiro de 2012, de acordo com tabela do CONFAZ.

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10008, na qual o Estado do Ceará e a respectiva Secretaria de Cultura e Desporto do Estado estariam registrados como inadimplentes no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal-SIAFI. Por isso, estariam inabilitados para acessar recursos federais por causa de irregularidades em alguns convênios.

A ACO 445, na qual divergem os Estados do Espírito Santo e da Bahia, no que se refere a limites geográficos, fora matéria também encaminhada à CCAF. Verifica-se seqüência de despachos nesse processo, do Ministro Relator, Ricardo Lewandovsky, nos quais se insiste na possibilidade de deslinde da questão, em âmbito administrativo, junto à CCAF 9.

E também na ACO 1083, de interesse do Estado do Piauí, no qual há pedido de restituição e compensação do PASEP, referente aos

8 Nesse processo, o relator, Ministro Joaquim Barbosa, proferiu o seguinte despacho em 2 de março de 2010. “Abra-se vista dos autos às partes, pelo prazo de quinze dias, para que informem à Corte se há interesse na submissão da controvérsia à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (Portaria AGU 1.281/2007). Intimem-se. Publique-se.” Houve acordo, homologado em juízo, com resolução do mérito.

9 De fato, acompanhamento do andamento processual dessa discussão, no sítio eletrônico do STF, indica uma série de despachos do Ministro Relator, Ricardo Lewandovsky, insistindo numa eventual possibilidade de composição, via Câmara de Conciliação da AGU que, ao que consta, restou frustrada. Seguem os despachos dando conta da situação: “Antes de apreciar o pedido de reconsideração da decisão de fls. 455-456, digam as partes, inclusive a União Federal, se há interesse em submeter a questão à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal - CCAF, conforme a Portaria AGU 1281/2007 e alterações. Publique-se. Intime-se.” Em 24/11/2009: “Vistos. Tendo em vista que as partes não se opõem à tentativa de acordo a ser intermediado pela Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal - CCAF, suspendo o feito por 120 (cento e vinte) dias, devendo as partes tomarem as medidas cabíveis junto à referida Câmara. Publique-se. Intimem-se.” Em 9 de junho de 2010. “Vistos. Aguarde-se por mais 60 (sessenta) dias eventual notícia de acordo entre as partes. Publique-se e intime-se.” Em 21/3/2011: “[...] DETERMINO: 1) sejam os Estados do Espírito Santo e da Bahia intimados pessoalmente” por mandado, acaso possuam representação judicial no Distrito Federal, ou, em caso negativo, por carta de ordem - para se manifestar, no prazo de 30 (trinta) dias, sobre a efetivação do desejado acordo, celebrado perante a CCAF; e 2) seja a União intimada pessoalmente, nos termos exigidos pelo art. 38 da Lei Complementar n. 73/93, para se manifestar, no mesmo prazo acima mencionado, se as partes se autocompuseram perante a CCAF e, em caso negativo, de quanto tempo estima necessitar para determinar os limites das áreas litigiosas.” Em 5/5/2011: “Tendo em vista as petições de fl. 505, subscrita pelos Estados litigantes, e de fl. 518/519, subscrita pela União, noticiando que as tratativas de conciliação, junto à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal - CCAF, já se iniciaram, suspendo o andamento do feito pelo prazo de 90 (noventa) dias.” Publique-se. Intime-se. Em 14/09/2011: “ Determino sejam os Estados do Espírito Santo e da Bahia, bem como a União, interveniente no feito, intimados pessoalmente - por mandado, acaso possuam representação judicial no Distrito Federal, ou, em caso negativo, por carta de ordem - para se manifestar, no prazo comum de 30 (trinta) dias, sobre o andamento das tratativas ou de eventual celebração de acordo perante a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal - CCAF. 84135- 26/10/2011 - (PETIÇÃO ELETRÔNICA COM CERTIFICAÇÃO DIGITAL) UNIÃO - INFORMA QUE NÃO HOUVE TRANSAÇÃO E REQUER JUNTADA DE DOCUMENTOS. Fonte www.stf.jus.br, acesso em 27 de julho de 2012.

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anos de 1994 e 1995, há vários despachos do relator, Ministro Ricardo Lewandovsky, a propósito de eventual composição entre as partes, por intermédio também da CCAF 10.

E também na ACO – 1433, de interesse do Estado do Paraná, na qual se discutem transferências voluntárias de recursos federais, também da relatoria do Ministro Ricardo Lewandovsky, é freqüente a possibilidade franqueada à tentativa de conciliação11.

Identicamente, na ACO 444, de interesse dos Estados de Santa Catarina, de São Paulo e do Paraná, em matéria de traçado de linhas de divisas estaduais marítimas, o Ministro Relator, Joaquim Barbosa, por

10 De acordo com acompanhamento processual colhido no sítio eletrônico do STF identificam-se os seguintes despachos do Ministro Ricardo Lewandovsky: Em 24/11/2009: “Antes de decidir acerca das provas a serem produzidas, digam as partes se há interesse em submeter a questão debatida nestes autos à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal - CCAF, segundo as normas da Portaria-AGU 1281, de 27 de agosto de 2007 e alterações. Após, tornem conclusos. Publique-se. Intimem-se.” Em 17/12/2009. “Vistos. Manifeste-se o autor se possui interesse em submeter a questão debatida nestes autos à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal - CCAF, segundo as normas da Portaria-AGU 1281, de 27 de agosto de 2007 e alterações. Em sendo a resposta positiva, providencie a indicação de representantes para iniciar as tratativas perante o mencionado órgão federal, comunicando, o fato à essa relatoria num prazo de 15 (quinze) dias, para fins de suspensão temporária do processo. Publique-se. Intimem-se.” Em 22 de fevereiro de 2010. “Vistos. Tendo em vista que o autor manifesta interesse na tentativa de acordo perante a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal, suspendo o processo por 120 (cento e vinte) dias. Providenciem as partes, de imediato e junto ao mencionado órgão, a indicação de representantes para iniciar as tratativas. Publique-se e intime-se.” Em 31 de agosto de 2010. “Vistos. Digam as partes, num prazo de 15 (quinze) dias, se já iniciaram as tratativas de acordo perante a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal, bem como, se for o caso, relatem o andamento dos trabalhos. Publique-se e intime-se.” Fonte www.stf.jus.br, acesso em 27 de julho de 2012.

11 Em 03/03/2010: “ Vistos. Digam as partes se há interesse em submeter a questão debatida nestes autos à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal - CCAF, segundo as normas da Portaria-AGU 1281, de 27 de agosto de 2007 e alterações. Em sendo a resposta positiva, providenciem, de imediato junto ao mencionado órgão, a indicação de representantes para iniciar as tratativas, comunicando o fato à essa relatoria num prazo de 15 (quinze) dias, para fins de suspensão temporária do processo. Publique-se. Intimem-se.” Em 7/4/2010, “Suspendo o andamento do feito por 180 (cento e oitenta) dias, uma vez que houve submissão à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal. Publique-se e intime-se.” Em 17 de novembro de 2010. “Vistos. Digam as partes acerca da tentativa de conciliação. Publique-se e intime-se.” Em 8/2/2011: “Suspendo o feito por 180 (cento e oitenta) dias para que as partes prossigam na tentativa de conciliação. Publique-se e intime-se.” Em 23/11/2011: “ Suspendo o feito por 180 (cento e oitenta) para que as partes prossigam na tentativa de conciliação.Publique-se e intime-se.” Fonte www.stf.jus.br, acesso em 27 de julho de 2012.

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diversas vezes, instou à conciliação12, via CCAF embora, ao final, tenha-se informado que não se chegou à transação, nessa complicada questão de limites.

Num outro contexto, de litigância intragovernamental, ainda que a União tome providências para evitá-la, no Supremo Tribunal Federal há incontroláveis situações que têm como resultado aparente divergência entre setores do Governo. Exemplifico a afirmativa com dois casos.

Faz-se referência, em primeiro lugar, à ação direta de inconstitucionalidade 3.937 proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria-CNTI contra a lei estadual paulista nº 12.684, de 26 de julho de 2004. A referida lei “proíbe o uso, no Estado de São Paulo de produtos materiais ou artefatos que contenham qualquer tipo de amianto ou asbesto ou outros minerais que, acidentalmente, tenham fibras de amianto em sua composição”.

Discute-se o uso, naquela unidade da Federação, de substância alegadamente cancerígena, em ação judicial de repercussão ampla e que, se deferido o pedido, teria como resultado (ainda que não imediato) a vedação da produção da crisótila (asbesto branco) no Brasil. Ao que consta, o anfibólico (amianto marrom ou azul) já não é mais produzido no Brasil e na maior parte do mundo.

A CNTI defendeu interesses dos trabalhadores que atuam nas indústrias que utilizam o amianto como matéria-prima. Haveria postos de trabalho que não podem ser perdidos. Alegou-se, também, que a proibição veiculada pela lei paulista teria ainda como efeito a redução da atividade econômica do País. Segundo os advogados da CNTI, não haveria paralelo de toxidade entre o amianto já vedado e o asbesto que

12 Em 07 de dezembro de 2009. “(pet. 0137470/2009, da União). Defiro. Intime-se o Estado de Santa Catarina e os municípios assistentes (Itajaí, Navegantes, Penha e Barra Velha) para que, havendo interesse na conciliação, indiquem representantes à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal - CCAF. (pet. 0132895/2009, do Estado de São Paulo). Defiro. Prazo: 5 (cinco) dias. Publique-se.”. Em 16/3/2010: “Cientifiquem-se o Estado do Paraná e o Estado de São Paulo do despacho de fls. 2692. Havendo interesse, indiquem representantes para a tentativa de conciliação a ser realizada perante a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal - CCAF. Publique-se.” Fonte www.stf.jus.br, acesso em 27 de julho de 2012.

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se pretende banir13. Já proibido em alguns Estados brasileiros (Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco) o amianto branco (também conhecido como serpentina) pode ser fator de divisão no Governo Federal.

É um desses inusitados problemas que pode fomentar a litigância intragovernamental, ainda que esta não se revele por posições distintas nos autos. Há, também, um cenário de estratégia processual que precisa ser levado em conta. Isso porque, ao Advogado-Geral da União cabe defender- em princípio - nas ações diretas de inconstitucionalidade a norma legal ou ato normativo objeto da impugnação14.

Se inegáveis seriam os perigos do amianto para a saúde das pessoas (de quem trabalha no setor - o que provoca inquietação com a ação da CNTI -, ou de quem consome o produto usado na fabricação de telhas e caixas d´água de boa parte das residências brasileiras), seriam de certo modo preocupantes também as ameaças a empregos do setor (diretos e indiretos), às nossas exportações (o Brasil é um dos cinco maiores produtores dessa fibra mineral resistente a altas temperaturas, tanto que usada na fabricação de peças de junção de automóveis).

Por isso, o registro, no sentido de que a litigância intragovernamental (indicativa de falta de articulação do Executivo, o que refletiria presidencialismo infenso à determinação de vontade governamental) não se daria apenas nos autos, mas também na formulação de estratégias processuais. É que, em linhas gerais, e de

13 Informações colhidas na petição inicial da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria, disponível eletronicamente na página do Supremo Tribunal Federal, www.stf.jus.br, acesso em 27 de julho de 2012.

14 Houve designação de audiência pública, na qual, entre outros, falam pela União, o Diretor do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador, na Secretaria de Vigilância da Saúde; a Diretora de Qualidade Ambiental, na Secretaria de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente; um Analista de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; o Secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral, do Ministério das Minas e Energia; o Coordenador-Geral de Monitoramento Benefício por Incapacidade do Ministério da Previdência Social. A União se faz representada pelos Ministérios da Saúde, do Meio Ambiente, do Desenvolvimento e Comércio Exterior, das Minas e Energia e da Previdência Social. Ainda que todos discorram pela União, isto é, pelo Executivo, vocalizando políticas e orientações de Governo, pode-se, em princípio, perceber altíssimo nível de dificuldade na fixação definitiva de uma vontade governamental uníssona em relação a esse complicadíssimo assunto.

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modo propositadamente simplificado, pode-se, no caso do amianto, perceber vontades governamentais abstratamente distintas.

O Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Saúde-MS acompanham a decisão do Estado de São Paulo, preocupados com os malefícios da produção e do uso do amianto. Esse mineral é ostensivamente poluidor, o que provoca a repulsa de seu uso, pelo Ministério afeto à proteção ambiental.

O amianto é causa reconhecida de malefícios à saúde pública, especialmente no que se refere ao câncer de pulmão, segundo acompanhamento feito por órgãos ligados a setores governamentais a exemplo, entre outros da Fundação Fiocruz15. É essa constatação que leva o Ministério da Saúde a uma política de permanente combate à fabricação e ao uso do amianto.

Por outro lado, ao Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio-MDIC, a ameaça à produção de metal exportado para mais de 75 países, gerador de receitas de exportação, fomentador de empregos, deve ser enfrentada com cautela e com o máximo de segurança, na tomada de decisão que hoje está, no entanto, sob o crivo do Judiciário.

E também ao MME, diretamente ligado ao acompanhamento da produção de amianto no Brasil, especialmente nas jazidas de Minaçu, no Estado de Goiás, a preocupação é outra. Centra-se na necessidade de que se enfrente o problema com a maior cautela possível, dado que a vedação definitiva da exploração do asbesto possa ter também conseqüências irreversíveis.

Há também posições do Ministério da Fazenda e do Ministério da Previdência Social-MPS. Este último arca com o ônus da atividade de exploração de amianto, pagando pensões e custeando tratamentos. Aquele primeiro teme perder as receitas tributárias que a atividade gera, em suas várias incidências, a exemplo de Imposto de Renda-IR e de PIS-PASEP-COFINS.

15 A Fundação Fiocruz foi criada em 25 de maio de 1890, quando então se denominava Instituto Soroterápico Federal. Sediada em Manguinhos, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro. Em 1974 passou a se chamar de Fundação Oswaldo Cruz.

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Não há aqui nenhuma preocupação com o mérito da questão. O que se pretende, com a coleta do exemplo, é a indicação de que a litigância intragovernamental, em âmbito de STF, e a propósito de formulação e defesa de políticas públicas, pode fugir a algum tipo de controle. É que o problema não é de simples posição processual, quando poderia se ter confronto direto entre setores distintos da Administração.

A estratégia de ação, do ponto de vista até do comprometimento do que seria falado em audiência pública, é exteriorização governamental que exige prévia definição política, e superveniente formulação jurídica, que revelem entendimento e coesão de ação. Nesse contexto, de realização de uma vontade governamental nítida, os papéis da Casa Civil e da AGU, aquela na busca de definição política, e esta última, na construção de uma argumentação jurídica consistente. Ainda que, nesse complicado caso, a necessidade (pelo menos teórica) de que o Advogado-Geral da União defenda a norma impugnada pela CNTI.

O outro caso que exemplifica a premissa acima lançada (de que situações incontroláveis possam determinar a litigância intragovernamental no Supremo Tribunal Federal) é colhido no RE 580.264-RS, no qual o STF declarou que “as sociedades de economia mista prestadoras de ações e serviços de saúde, cujo capital social seja majoritariamente estatal, gozam da imunidade tributária prevista na alínea “a”do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal16”.

Trata-se de um mandado de segurança impetrado na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul por um Hospital que presta serviços em Porto Alegre. A ação fora ajuizada contra ato do governo gaúcho. O impetrante pretendia reconhecimento de imunidade tributária. Discutiam-

16 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS, relator para o acórdão, Ministro Ayres Brito. Inteiro teor da ementa: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. SERVIÇOS DE SAÚDE. 1. A saúde é direito fundamental de todos e dever do Estado (arts. 6º e 196 da Constituição Federal). Dever que é cumprido por meio de ações e serviços que, em face de sua prestação pelo Estado mesmo, se definem como de natureza pública (art. 197 da Lei das leis). 2. A prestação de ações e serviços de saúde por sociedades de economia mista corresponde à própria atuação do Estado, desde que a empresa estatal não tenha por finalidade a obtenção de lucro. 3. As sociedades de economia mista prestadoras de ações e serviços de saúde, cujo capital social seja majoritariamente estatal, gozam da imunidade tributária prevista na alínea “a” do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. 3. Recurso extraordinário a que se dá provimento, com repercussão geral.

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se impostos estaduais. O impetrante é sociedade de economia mista. Pormenor: a União detém 99,99 % do capital social; apenas o restante, 0,1 % das ações (seis cotas) cedidas para remuneração de seus conselheiros, em cumprimento à Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976.

O impetrante obteve segurança em primeira instância, o que lhe garantiu certidão positiva com efeitos de negativa, em relação aos impostos estaduais. Concomitantemente, persistia débito federal, que o impetrante, em outra instância, administrativa, discutia com a Receita Federal. Posteriormente, judicializou-se também a discussão de matéria tributária federal.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reformou a decisão originária. Os advogados do Hospital levaram a questão ao STF por meio de recurso extraordinário, o qual a Corte afetou com repercussão geral. A PGFN requereu entrada no feito, como assistente da impetrada original, a Secretaria da Fazenda no Estado do Rio Grande do Sul.

Dois pontos devem ser destacados nessa controvérsia. A União é detentora de 99,99 % das ações do hospital. Assim, nessa primeira leitura, a União, por intermédio da PGFN, ingressou na ação, contra ela mesma, situação paradoxal que foi intensamente discutida pelos Ministros do STF que julgaram o caso. A União lança e cobra do Hospital uma série de tributos, ainda que as receitas daquela instituição de saúde sejam provenientes exclusivamente do Sistema Única de Saúde-SUS, como consignou em documento o Ministro da Saúde.

Os advogados do Hospital argumentaram que a instituição presta serviços de importância social. Nesse sentido, ao que consta, na medida em que prestador de serviços de saúde, que são de responsabilidade prioritária do Estado, pretende ser considerado como um parceiro, e não como um antagonista. Também argumentaram que a instituição não exerce exploração econômica de serviços de saúde. As receitas que administram, insistem, são exclusivamente do SUS. Observam que na hipótese não pode se aplicar o § 2º do art. 173 da Constituição, que dispõe que “as empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado”.

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Em meados da década de 1970 o referido Hospital era de particulares; a União desapropriou 51% das ações originárias, ampliando mais tarde a participação pública até a efetiva totalidade do capital, deixando, tão somente, um pequeníssimo lastro, para efeitos de remuneração de conselheiros e atendimento da legislação aplicável. Trata-se, efetivamente, de entidade privada sem fins lucrativos. Os advogados do Hospital apontavam, assim, precedentes do STF, protestando por tratamento isonômico dado à ECT e à INFRAERO17.

O Estado do Rio Grande do Sul, em contrapartida, invocava a teoria geral do direito tributário e a sólida jurisprudência produzida no assunto, no sentido de que a imunidade tributária recíproca não se aplicaria ao tributo discutido, o ICMS. Argumentaram que renda, patrimônio e serviços não alcançariam objetivamente o imposto estadual discutido. E ainda, argumentaram, a imunidade tributária recíproca não se aplicaria às sociedades de economia mista.

Insistiram também que o fato de que as cotas fossem quase todas de propriedade da União seria mera situação transitória, que poderia ser alterada a qualquer momento. O argumento impressionou muito a alguns Ministros do STF. Em outras palavras, se a imunidade fosse reconhecida em favor do Hospital, por força da maioria das cotas da União, haveria muita dificuldade em se retirá-la posteriormente. Alegou-se também que o deferimento do pedido poderia impactar o modelo, afetando-se outras empresas, que estariam em condição idêntica, e que, por isso, invocariam uma isonomia que não poderia ser negada.

O representante do Ministério Público pretendia que se desse provimento apenas parcial ao recurso, de modo que a imunidade fosse aplicada tão somente na hipótese de recursos afetos a “bens e operações destinadas exclusivamente à manutenção dos serviços do SUS”.

O Ministro Joaquim Barbosa, relator originário do processo, foi o primeiro a votar. Decidiu em favor do Estado do Rio Grande do Sul. Observou que o sistema tributário brasileiro não contempla imunidade tributária recíproca objetiva. Raciocinou no sentido de que “a imunidade

17 Como já indicado trata-se da ACO 765 e do RE 363.412.

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recíproca opera como um instrumento de proteção de instrumentalidade estatal e, portanto, não pode ter como efeito jurídico colateral o desequilíbrio de condições de concorrência econômica, tampouco o de trazer benefício indevido a entidade particular, voltada à exploração econômica e lucrativa de qualquer objeto18”.

Preocupado com as condições gerais de equilíbrio econômico no modelo concorrencial, o Ministro Joaquim Barbosa lembrou que “a imunidade recíproca não deve afetar intensamente o mercado, ao trazer vantagens que possam desequilibrar a livre iniciativa e a livre concorrência19”.

O Ministro Joaquim Barbosa, no entanto, abriu intenso e animado debate, ao problematizar a paradoxal posição da União nesse processo, atuando como litisconsorte do Estado do Rio Grande do Sul e, por isso, em princípio, litigando contra si mesma. E assim, segundo o Ministro Joaquim Barbosa:

[...] a própria União, em memoriais recentemente apresentados, rejeita a caracterização da recorrente como instrumentalidade estatal na área da saúde. Tal postura gera certa perplexidade, pois é de se supor que a entidade detentora de parte majoritária do capital social da recorrente pudesse a tempo e modo adequar a conduta do contribuinte para aquiescer à cobrança dos tributos, sem contestá-los administrativa ou judicialmente, com base na imunidade tributária recíproca. De fato, diz-se textualmente que as decisões que justificam a peculiar situação da parte-recorrente são efêmeras e que a qualquer momento ‘o Hospital recorrente pode deixar de atender exclusivamente pelo SUS e passar a atender convênios20.

O Ministro Toffoli observou que estava “perplexo21”. Com referência a intervenção do Ministro Joaquim, lembrou que o controlador da sociedade queria pagar imposto e o controlado não22. A Ministra Cármen Lúcia, no contexto da discussão, questionou, literalmente: “-

18 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Extraído do voto do Ministro Joaquim Barbosa, fls. 86.

19 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Extraído do voto do Ministro Joaquim Barbosa, fls. 87.

20 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Extraído do voto do Ministro Joaquim Barbosa, fls. 90.

21 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ministro Dias Toffoli, fls. 92.

22 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ministro Dias Toffoli, loc. cit.

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Controladora é a União, não é Ministro? Que é contra ela mesma na tribuna23”.

O Ministro Toffoli, de algum modo sufragando a hipótese que anima o presente trabalho consignou que a “[...] questão [...] deveria ser resolvida alhures, não no Judiciário24”. Isto é, “administrativamente”, como arrematou o Ministro Joaquim Barbosa25. E, enfaticamente, o Ministro Toffoli alcançou o absurdo da situação, reveladora, ao extremo, da aqui discutida litigância intragovernamental:

Na relação administrativa de controlador-controlado. O que nós assistimos, aqui, nesta tarde. Senhor Presidente, nobres Colegas? Um ilustríssimo advogado, com procuração da controlada, dizendo: olha, a minha constituinte tem direito à imunidade, e o ente público que a controla e que, indiretamente, portanto, passou aquela procuração a este ilustríssimo advogado, vem, por intermédio, de também ilustríssimos procuradores, representantes do Estado brasileiro, à tribuna dizer que quer pagar o imposto. Essas questões, por demais, devem ser resolvidas no âmbito administrativo, mas estamos diante delas e as temos que decidir, até porque a matéria está com repercussão geral e, portanto, não estamos apenas a julgar esse caso concreto, pois ele reflete em outros26.

O Ministro Gilmar Mendes levantou, a partir dessa perplexidade registrada, problema processual que da matéria emerge: o cabimento da assistência da União, ao lado do Estado do Rio Grande do Sul, concordando com tese que lhe seria contrária:

Senhor Presidente, só uma observação: isso está uma grande confusão porque, em matéria de assistência – já observou o Ministro Dias Toffoli – tivemos aí uma heterodoxia na medida em que a União vem a assistir a entidade estatal que insiste na cobrança de tributos, sendo ela a controladora. Não sei se essa assistência seria processualmente cabível27.

23 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ministra Cármen Lúcia, loc. cit.

24 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ministro Dias Toffoli, loc. cit.

25 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ministro Joaquim Barbosa, loc. cit.

26 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ministro Dias Toffoli, fls. 92-93.

27 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ministro Gilmar Mendes, fls. 94.

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O Ministro Ayres Britto registrou que a questão discutida “era um paradoxo processual28”. Ao que o Ministro Marco Aurélio acrescentou, perguntando que interesse jurídico teria a União “na vitória do Estado29”; O Ministro Gilmar Mendes ampliou os limites do problema, revelando que sua essência é de desarticulação do Governo:

Quando ela [a União] poderia, na verdade, exercer o seu controle administrativo sobre a própria entidade, fazendo a mudança, por exemplo, da própria direção, uma que é a Procuradoria da Fazenda, e é a própria Procuradoria da Fazenda que representa a União nesses conselhos. Só para que a gente ilumine e perceba o tamanho da balbúrdia que se criou30.

Ou, da “heterodoxia do caso”, na exata expressão do Ministro Ayres Britto31. O Ministro Peluso enfrentou o problema a partir da singularidade da divisão das cotas sociais:

É há outro dado que me chama muito a atenção, e que é o caráter heteróclito dessa figura. A pergunta que me ocorre é a seguinte: se, ao invés de 99,99 %, todo o capital fosse da União, o hospital seria público? Só porque 0,001 % não é, muda todo o regime jurídico?32.

A Ministra Cármen Lúcia (que votou contra o Hospital, dada a precariedade da situação das cotas) também registrou perplexidade com o “inusitado da situação”:

Presidente, não quero também deixar de registrar, tal como feito já em parte pelo Relator e também pelo Ministro Dias Toffoli, o inusitado da situação em relação à posição da União. Não é possível que a União seja controladora por desapropriação de quase que 100 %, depois ela fica contra ela mesma, sobe numa tribuna pedindo aquilo que não seria o ortodoxo, enfim. Só faltou não estar o Estado e ser a União contra ela mesma, literalmente partes contrárias. E o povo brasileiro que ó titular disso não entende. Isto é alguma coisa que precisa ser repensada33.

28 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ministro Ayres Britto, loc. cit.

29 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ministro Marco Aurélio, loc. cit.

30 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ministro Gilmar Mendes, loc. cit.

31 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ministro Ayres Britto, loc. cit.

32 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ministro Cezar Peluso, fls. 96.

33 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ministra Cármen Lúcia, excerto do voto.

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O Ministro Ricardo Lewandovsky, que votou a favor do Estado do Rio Grande do Sul, chamou o feito à ordem, lembrando que a imunidade é uma benesse, e porque “é uma benesse que atinge e onera toda a comunidade, a interpretação deve ser eminentemente restritiva34”. Cuidava-se de um benefício fiscal, cujo deferimento teria como resultado alguma renúncia de valores, pelo que a matéria deveria ser enfrentada com cautela e restrição.

O Ministro Ayres Britto citou os artigos 19635, 19736 e 198, I37, da Constituição, a partir dos quais centrou seu voto, em favor do Hospital:

[...] Bem, diante disso, e considerando a heterodoxia do caso – desde a década de 70 que o Estado é detentor do controle dessa empresa que, na verdade, é um eufemismo chamar de empresa ou talvez alguma alquimia uma espécie de prestidigitação, porque de empresa não se cuida, o Estado, desde a década de 70, que, por desapropriação, se assenhorou da atividade, prestando-a, ininterruptamente, e controlando 99,9 % das ações. Como disse o Ministro Peluso, se fechássemos os 100 % nem estaríamos discutindo aqui essa questão38.

Em mais uma intervenção a Ministra Cármen Lúcia chamou a atenção para outro ponto problemático da discussão, e também de fundo processual:

[...] Registro, inclusive, um outro equívoco da União, ao entrar como assistente do Estado recorrido, nesse caso, quando afirma, de uma forma absolutamente equivocada, a meu ver, que deveria ter cumprido aqui o artigo 37, quando exige lei anterior, sendo que essa desapropriação é de 75 e a Constituição é de 88. Seria impossível querer que se cumprisse alguma coisa que só passou a existir treze anos depois39.

34 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ministro Ricardo Lewandovsky, fls. 108.

35 Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

36 Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

37 Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo [...]

38 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ministro Cezar Peluso, fls. 100.

39 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ministra Cármen Lúcia, fls. 111.

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Em seguida votou o Ministro Gilmar, em favor do Hospital:

A questão é saber se a imunidade recíproca do art. 150, VI, a, da Constituição, aplica-se às empresas públicas e às sociedades de economia mista quando não prestadoras de serviços [...] Não há a menor dúvida, portanto, sobre o completo domínio da União sobre os destinos dessa empresa, nem há falar em respeito aos direitos de minoria, além do que é uma situação toda ela artificial40.

Opinando contra o Hospital, o Ministro Marco Aurélio lembrou que “a imunidade não se estende nem às autarquias e fundações41, e que o fato da União deter o controle acionário de 99 % não transforma uma sociedade de economia mista em uma pessoa jurídica de direito público42”.

O Ministro Peluso insistia no fato de que a União era quem efetivamente detinha o controle do Hospital, votando, por isso, a favor desse último:

Pode-se chegar a um summum ius summa inuiria [...] Está se dando muita importância a um aspecto forma [...] A União pode decidir lá o que quiser porque 0,01 % não representa coisa alguma em termos de votação. Se pudéssemos, como sugeri, fazer abstração desse 0,01 %, teríamos o quê? Um hospital público da União. E, como tal, evidentemente, estaria abrangido pela imunidade porque tudo ali é da União, desde capital, bens, serviços, etc. tudo é da União. E por isso mesmo não pode ser objeto de tributação por nenhum outro ente federado43.

O debate seguiu e outro ponto inusitado do caso mais uma vez chamou a atenção. Para o Ministro Joaquim Barbosa, o que era decisivo na discussão era o fato de que “[...] o próprio controlador se insurgiu contra a reivindicação dessa imunidade44”; o que, espantoso, para o Ministro Britto45, em relação ao que arrematou o Ministro Gilmar Mendes:

40 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ministro Gilmar Mendes, excerto do voto.

41 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ministro Marco Aurélio, excerto do voto.

42 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ministro Marco Aurélio, excerto do voto.

43 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ministro Cézar Peluso, fls. 121.

44 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ministro Joaquim Barbosa, fls. 124.

45 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ayres Britto, loc. cit.

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Na verdade, este é um acidente de percurso. O espírito santo jurídico abandonou a União hoje, neste caso. A rigor, é um caso que a União teria que resolver, interna corporis, e acabou fazendo um outro encaminhamento, dando uma dimensão que o assunto não tinha. Até porque essa assistência é heterodoxa nesse processo46.

O Ministro Joaquim Barbosa retomou a palavra e insistiu na contradição que era o fato de que a União litigava contra ela mesma:

Eu deixei muito claro no meu voto que de princípio eu acompanho a argumentação das recorrentes, mas, no caso específico, estou negando provimento em razão do insólito da situação, ou seja, o fato de o próprio controlador, a União – e não há dúvida quanto a isso -, ter vindo aos autos e dizer que discorda veementemente da concessão dessa imunidade47.

O Ministro Ayres Britto observava que o problema era “espantoso48”; o Ministro Peluso, além de comentar que era o caso de se nomear “curador para a União49”, observou que a União naquele processo estava “querendo perder dinheiro50”. O Ministro Tofolli proferiu voto-vista no qual deu provimento ao recurso, no entanto apenas em relação aos impostos em discussão, estaduais, a exemplo do ICMS, do IPVA e do ITCD e que, por isso, seriam atendidas as peculiaridades daquele caso concreto51.

A Ministra Ellen votou a favor do Hospital, lembrando que se discutia se a sociedade de economia seria também beneficiária da imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, a, do texto constitucional52. Ocorre que, obtemperou aquela Ministra, o Hospital era sociedade de economia mista distinta, 99,9 % da titularidade é da União53. Argumentou

46 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ministro Gilmar Mendes, loc. cit.

47 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ministro Joaquim Barbosa, fls. 125.

48 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ministro Ayres Britto, loc. cit.

49 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ministro Cézar Peluso, loc. cit.

50 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ministro Cézar Peluso, loc. cit.

51 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ministro Dias Toffoli, voto vista.

52 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] VI - instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros [...]

53 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ministra Ellen Grace, excerto de voto.

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também com base no art. 4º da Lei nº 12.101, de 27 de novembro de 200954, no sentido de que “se até as entidades privadas beneficentes são imunes, que se dirá de uma entidade cujo capital pertença 99,9 % à União e que se dedica integralmente à prestação de serviços de saúde pelo Sistema Único de Saúde55”.

Nesse julgamento histórico assentou-se preocupação, por parte de Ministros do STF, quanto ao fato de que se verificava naquele contexto, a aqui indicada litigância intragovernamental, por meio da qual a União litigava contra si mesma. É nesse ponto que o trabalho revela fragilidade na posição do Executivo o que, por sua vez, seria indicativo de um de modelo presidencialismo carente de maior articulação institucional.

É com base em dados extraídos do Sistema Integrado de Controle das Ações da União-SICAU que se pretende extrair alguma informação relevante a propósito da litigância intragovernamental. O modo como o sistema é alimentado suscita vários erros. Há presunção de que a expressão União eventualmente estaria catalogando também o Ministério Público da União ou a Defensoria Pública da União.

Tentou-se, assim, um extrato que identificasse, na medida do possível, litígios judiciais entre a União e a Administração Indireta (Autarquias, Fundações e Empresas Públicas), e no sentido inverso, ou entre elas todas, indiscriminadamente. Eventualmente, consegue se chegar à discussão noticiada nos relatórios. Por exemplo, corre no Tribunal Regional Federal-TRF da 1ª Região uma ação de execução fiscal ajuizada pela PGFN contra a ANCINE56.

54 Art. 4o Para ser considerada beneficente e fazer jus à certificação, a entidade de saúde deverá, nos termos do regulamento: I - comprovar o cumprimento das metas estabelecidas em convênio ou instrumento congênere celebrado com o gestor local do SUS; II - ofertar a prestação de seus serviços ao SUS no percentual mínimo de 60% (sessenta por cento); III - comprovar, anualmente, da forma regulamentada pelo Ministério da Saúde, a prestação dos serviços de que trata o inciso II, com base nas internações e nos atendimentos ambulatoriais realizados. § 1o O atendimento do percentual mínimo de que trata o caput pode ser individualizado por estabelecimento ou pelo conjunto de estabelecimentos de saúde da pessoa jurídica, desde que não abranja outra entidade com personalidade jurídica própria que seja por ela mantida. § 2o Para fins do disposto no § 1o, no conjunto de estabelecimentos de saúde da pessoa jurídica, poderá ser incorporado aquele vinculado por força de contrato de gestão, na forma do regulamento.

55 Supremo Tribunal Federal. RE 560.264-RS. Cf. Ministra Ellen Grace, fls. 144.

56 Processo nº 2008.34.00.009553-9.

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No mesmo Tribunal há notícias de outra execução fiscal, em que a Fazenda Nacional é autora e o INSS é réu57. Ou ainda outra execução fiscal, ajuizada pela Fazenda Nacional contra a Universidade de Brasília58. São exemplos de litigância entre órgão e ente. E também no mesmo Tribunal execução fiscal proposta pela Procuradoria da Fazenda Nacional contra a FUNASA59. Ou ainda outra execução fiscal proposta pela Procuradoria da Fazenda Nacional contra a Agência ANVISA60. Ou também uma ação de execução fiscal proposta pela Procuradoria da Fazenda Nacional contra o INCRA61.

Tentativa de levantamento das questões discutidas em alguns processos nos quais se teria litigância intragovernamental dá-nos conta dos seguintes assuntos levados a juízo, na hipótese de conflito entre órgão e ente: registro ou inscrição no CADIN, taxa de saúde suplementar da ANS, taxa de fiscalização da aviação civil-TFAC, créditos de fomento e apoio a beneficiários da reforma agrária-INCRA, salário educação, taxas de ocupação de imóveis da União, cotas patronais de contribuições previdenciárias, multas do DNIT, do IPHAN, da ANTT, da ANATEL, do INMETRO, do IBAMA, taxa de serviços metrológicos do INMETRO, entre tantos outros.

Numa tentativa de classificação geral por assunto, num contexto de 1.061 ações que correriam em toda Justiça Federal entre órgãos e entes, 899 seriam de matéria tributária e previdenciária, 68 de matéria financeira, 57 ações discutiriam multa administrativa e as 37 ações restantes tratariam dos mais variados assuntos em direito administrativo.

Invertendo-se, e tendo-se em seguida a tentativa de levantamento de números de litigância entre ente e órgão, ou entre ente e ente, o número poderia saltar para 1.483 ações, com inclusão de alguns novos temas, a exemplo de taxas de serviços administrativos da Superintendência da

57 Processo nº 2009.36.00.000606-4.

58 Processo nº 2009.34.00.039591-3.

59 Processo nº 2004.34.00.041783-5.

60 Processo nº 0042807-69-2011.4.01.3400.

61 Processo nº 2004.37.00.007698-0.

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Zona Franca de Manaus-SUFRAMA de Taxa Anual por Hectare-TAH, cobrada pelo Departamento Nacional da Produção Mineral-DNPM.

Nesse novo conjunto 682 ações tratariam de matéria tributária e previdenciária, 674 tratariam de multas administrativas, 105 de matéria financeira e 22 de questões administrativas de uma maneira geral.

Desse levantamento, duas questões que suscitam reflexão. Em primeiro lugar, a insuficiência dos dados, o que não permite que se tenha uma visão exata do problema, no sentido de se formular estratégia para que se combatam as suas causas. E também, dos casos que efetivamente pode se conhecer, intuiu-se perda de energia burocrática, por causa da insistência em divergências que poderiam ser resolvidas administrativamente, inclusive com a responsabilização do gestor, se fosse o caso. Por isso, entre outros, a necessidade de atividade administrativa preventiva de litigância interna, assunto que se cuida em seguida.

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10 Prevenção de litigância intragovernamental na Consultoria-Geral da República

O objetivo da presente seção do trabalho, no contexto do estudo do presidencialismo e da litigância intragovernamental é investigar a trajetória de um órgão de assessoramento jurídico do Presidente da República como instrumento de prevenção e resolução de conflitos internos, ainda que não fora essa a razão da criação do órgão que aqui será estudado.

Pretende-se demonstrar que a complexidade das questões debatidas aumentou ao longo dos anos e que eventuais divergências no Executivo tornaram-se mais recorrentes. No início da Consultoria-Geral da República-CGR os assuntos tratados eram muito simples - aos olhos de hoje - a exemplo de pareceres relativos à compra de arreios para o exército1, a problemas referentes a títulos de propriedade expedidos no Acre pelo governo revolucionário do coronel Plácido de Castro2, à autorização para exploração de telefone e telégrafo sem fio por parte de companhia estrangeira3, à vacância de bens da Primeira Ordem Franciscana na Província da Imaculada Conceição do Brasil4, à utilização da bandeira da monarquia portuguesa, após a proclamação da República em Portugal, por parte de cidadãos portugueses no Brasil5, à proibição de realização de sessões públicas de hipnotismo6, entre tantos outros assuntos.

Nessa seção do trabalho, que é de pesquisa em fonte primária, evidencia-se o modo como pontos de litígio foram preventivamente tratados, ainda que não se reconhecesse essa situação. Como se pretende demonstrar, houve pronunciamentos sobre assuntos que poderiam ter se tornado conflitos entre a União e o Banco do Brasil, entre o INSS e o INCRA, ou entre a União 1 Consultoria-Geral da República. Parecer. Rodrigo Otávio. 3 de março de 1903.

2 Consultoria-Geral da República. Parecer. Rodrigo Otávio. 4 de março de 1906.

3 Consultoria-Geral da República. Parecer. Rodrigo Otávio. 30 de novembro de 1906.

4 Consultoria-Geral da República. Parecer. Rodrigo Otávio. 25 de julho de 1911.

5 Consultoria-Geral da República. Parecer. Rodrigo Otávio. 31 de agosto de 1911.

6 Consultoria-Geral da República. Parecer. Rodrigo Otávio. 18 de novembro de 1913.

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e o Estado de Goiás. Neste último caso, as origens do problema remontavam à demarcação de terras para a construção de Brasília. Também nessa seção se faz referência a pronunciamento da CGR sobre os poderes hierárquicos do Presidente, no caso de uma intervenção do Conselho Administrativo de Defesa Econômica do Ministério da Justiça-CADE na PETROBRÁS. Trata-se de antiga discussão, a respeito da possibilidade (ou não) do Presidente da República rever as decisões do CADE. Encerra-se a seção com problema relativo a conflito entre exploração de reservas minerais e áreas indígenas, questão ainda recorrente, e fonte permanente de litigância intragovernamental.

A CGR foi criada pelo Decreto nº 967, de 2 de janeiro de 1903, assinado pelo Presidente Rodrigues Alves. Funcionou ininterruptamente até 1993, quando se organizou a AGU, que lhe tomou prerrogativas e competências, algumas diluídas parcialmente na atual Consultoria-Geral da União. No passado mais remoto, em alguns aspectos, o papel da CGR foi exercido pelas versões de Conselho de Estado que houve no século XIX7.

À frente da Consultoria-Geral da República estiveram renomados juristas da reminiscência brasileira. Entre eles, Araripe 7 Conferir: Lima Lopes, José Reinaldo, O Oráculo de Delfos e o Conselho de Estado no Brasil Império,

São Paulo: Saraiva, 2010. Rodrigues, José Honório, Conselho de Estado e o Quinto Poder, Brasília: Senado Federal, 1978. Torres, João Camilo de Oliveira, O Conselho de Estado, Rio de Janeiro: Edições GRD, 1965. Torres, João Camilo, A Democracia Coroada, Petrópolis: Vozes, 1964. Brasil. Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros. O Conselho de Estado e a Política Exterior do Império: Consultas da Seção dos Negócios Estrangeiros: 1871-1874. Rio de Janeiro: Centro de História e Documentação Diplomática. Brasília: FUNAG, 2009. Mattos, Ilmar Rohloff de, O Tempo Saquarema, São Paulo: Editora HUCITEC, 2004. Para uma ampla visão do tempo, com coletânea de informações de primeira mão sobre conselheiros, conferir, Nabuco, Joaquim, Um Estadista no Império, 2 vol., Rio de Janeiro: Topbooks, 1997. Para estudos sobre o Conselho de Estado, por juristas da época, Carvalho, José Murilo de (organização e introdução), Sousa, Paulino José de, Visconde do Uruguai, Coleção Fundadores do Brasil, São Paulo: Editora 34, 2002, pp. 219-305, bem como Kugelmas, Eduardo (organização e introdução), Bueno, José Antonio Pimenta, Marquês de São Vicente, Coleção Fundadores do Brasil, São Paulo: Editora 34, 2002, pp. 365-394. Carvalho, José Murilo, A Construção da Ordem (A Elite Política Imperial)- Teatro de Sombras (A Política Imperial), Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, pp. 355-390. Para um estudo do Conselho de Estado Francês, quanto a seu funcionamento efetivo, de um ponto de vista histórico, Gaudemet, Yves, Stirn, Bernard, Dal Farra, Thierry, e Rolin, Frédéric, Les Grands Avis du Conseil d´État, Paris: Dalloz, 2008.

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Júnior (1903-1911), Rodrigo Octávio (1911-1929), Levi Carneiro (1930-1932), Carlos Maximiliano (1932-1933), Francisco Campos (1934), Anníbal Freire (1938-1940), Orozimbo Nonato (1940-1941), Hahnemann Guimarães (1944-1945), Themístocles Brandão Cavalcanti (1945-1946, novamente, em 1955), Miguel Seabra Fagundes (1946), Haroldo Valadão (1947-1950), Brochado da Rocha (1955-1956), Caio Tácito (1957), Victor Nunes Leal (1960), Caio Mário da Silva Pereira (1961), Rafael Mayer (1974-1978), Ronaldo Poletti (1984-1985), Paulo Brossard (1985-1986) e Saulo Ramos (1986-1989).

Ao Consultor-Geral da República, nos termos do Decreto nº 967, de 1903, contemplava-se amplo conjunto de competências8. O Consultor-Geral da República ocupava cargo de estrita confiança do Presidente da República. Participava ativamente das grandes decisões do Governo. Esse conjunto originário de competências foi substancialmente modificado pelo Decreto nº 22.386, de 24 de janeiro de 1933, baixado pelo Presidente Getúlio Vargas9. Revelando-nos o caráter autoritário do governo que baixou o decreto que aqui se menciona, governo Vargas, dispunha-se que “os pareceres do Consultor-Geral não serão [seriam] comunicados aos interessados, nem publicados, senão quando o Governo

8 Ao Consultor-Geral da União cabia atender às Secretarias de Estado (os Ministérios), especialmente sobre extradições, expulsão de estrangeiros, execução de sentenças de tribunal estrangeiro, autorizações de companhias estrangeiras para funcionarem no Brasil, alienação, aforamento, locação e arrendamento de bens nacionais, aposentadorias, reformas, jubilações e montepios dos funcionários públicos federais. Decreto nº 967, de 2 de janeiro de 1903, art. 2º, § 1º, alíneas.

9 Ao Consultor-Geral da República competia emitir pareceres sobre questões jurídicas submetidas a seu exame pelo Presidente da República e Ministros de Estado; representar, ao Presidente da República e aos Ministros, sobre providências jurídicas que julgassem de interesse público ou por necessidade para boa aplicação das leis vigentes; também lhe incumbia desempenhar comissões de índole jurídica atribuídas pelo Presidente, entre outros. Decreto nº 22.386, de 24 de janeiro de 1933, art. 2º.

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o autorize [autorizasse], salvo por motivo relevante a juízo do próprio Consultor-Geral10”. Vicejava a cultura do segredo11.

O Decreto nº 41.249, de 5 de abril de 1957, baixado pelo Presidente Juscelino Kubitschek, alterou um pouco o modelo12. As consultas somente seriam admitidas “em assuntos de alta relevância, precisando-se a questão jurídica sobre a qual se pretende [pretendia] parecer13”. Ao Consultor-Geral da República era dado, “para efeitos protocolares e de correspondência, o tratamento devido aos Ministros de Estado14”. O status do Consultor-Geral da República, assim, era ministerial.

No pequeno interregno parlamentarista fez-se ligeira alteração de minudência na estrutura, vinculando-se a CGR diretamente ao Presidente da República e à Presidência do Conselho de Ministros15. Com o fim do parlamentarismo a estrutura da Consultoria-Geral da República permaneceu do modo como até então funcionara.

Estudo dos pareceres emitidos pelos Consultores-Gerais da República indica simplicidade temática, comparando-se com os dias de hoje, evidentemente. Não se tinha a complexidade estatal que hoje se conhece, o que se expõe na medida em que os pareceres mais recentes começam a ser pesquisados. A litigância intragovernamental também é pouquíssimo recorrente, no início das atribuições do órgão aqui estudado, certamente porque competências eram bem nítidas, num contexto de poucos ministérios, especialmente até meados da década de 1970.

10 Decreto nº 22.386, de 1933, art. 15.

11 Essa cultura burocrática do sigilo, do segredo e também da espionagem, no Brasil, é estudada por Figueiredo, Lucas, Ministério do Silêncio- A História do Serviço Secreto Brasileiro de Washington Luís a Lula- 1027-2005, Rio de Janeiro e São Paulo: Record, 2005. Para a cultura do segredo na Era Vargas, pp. 41-52.

12 Decreto nº 41.249, de 5 de abril de 1957, art. 3º, § 1º. Dispôs-se que “somente por determinação do Presidente da República poderão [poderiam] ser submetidas ao exame do Consultor-Geral da República as consultas de iniciativa dos Ministros de Estado e dos órgãos diretamente subordinados à Presidência da República”.

13 Decreto nº 41.249, art. 4º.

14 Decreto nº 41.249, art. 7º.

15 Decreto nº 51.530, de 7 de agosto de 1962, art. 2º.

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Na década de 1980 vários conflitos intragovernamentais foram resolvidos pela Consultoria-Geral da República, a exemplo de disputa entre CADE e PETROBRÁS, relativa a política petroquímica nacional, que o Presidente da República queria avocar; de um desentendimento entre a FUNAI, o MME e o então denominado Ministério do Interior, sobre empresa que explorava estanho em área indígena; bem como vários conflitos federativos, reais ou potenciais, inclusive ligados a diferenças entre a União e o Estado de Goiás ou entre a União e o antigo Estado da Guanabara. A construção de Brasília suscitou algumas divergências.

Retoma-se a linha histórica. O primeiro dos pareceres publicados tratou de prescrição contra a Fazenda Pública, a partir do requerimento de um militar, que servira na Guarda Nacional, no Rio Grande do Sul, no fim do século XIX16. Na mesma época, opinou-se sobre a titularidade de bens encontrados nos escombros do Morro do Castelo (quando da derrubada deste para construção da Esplanada e do Aterro), local que anteriormente sediara um convento dos jesuítas17. Opinou-se sobre sacerdotes alemães que pretendiam catequizar índios no Estado de Santa Catarina18. Problemas de fundo religioso eram comuns no Estado laico que se criou em 1889.

Ainda em 1903 opinou-se sobre controvérsia entre a União e os Estados, relativa aos direitos que os Estados teriam de lançar e cobrar impostos de exportação nos territórios pertencentes à União, dentro dos limites estaduais, isto é, em áreas militares19. Na Constituição de 1891 o imposto de exportação era de competência estadual20. Entendeu-se que os Estados mantinham tal competência, ainda que os produtos saíssem de área militar, que era da União. Um juízo de isonomia, aplicado ao contribuinte, substancializou a deliberação. O assunto era fonte de eventual conflito federativo, ainda que, reconheça-se, o modelo da época fosse marcado pela hipertrofia do Executivo central.

16 Consultoria-Geral da República. Parecer. Araripe Júnior, 27 de janeiro de 1903.

17 Consultoria-Geral da República. Parecer. Araripe Júnior, 6 de fevereiro de 1903.

18 Consultoria-Geral da República. Parecer. Araripe Júnior, 25 de março de 1903.

19 Consultoria-Geral da República. Parecer. Araripe Júnior, 20 de junho de 1903.

20 O art. 9º, 1º, da Constituição Republicana de 24 de fevereiro de 1891 dispunha que era competência exclusiva dos Estados decretar impostos sobre a exportação de mercadorias de sua própria produção. A regra, evidentemente, beneficiava os Estados exportadores de café, São Paulo e Minas Gerais.

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Opinou-se também sobre acumulação de cargos, por parte do Dr. Oswaldo Cruz21. Fez-se parecer sobre privilégios fiscais que alcançariam a Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro22. Opinou-se sobre conflito de competência entre a União e os Estados23.

Em 1921 a CGR foi instada a se manifestar sobre a constitucionalidade (ou não) da construção de monumento no alto do Corcovado, ao Cristo Redentor, situação que, à época, promovia alguma discussão, dada a natureza laica do Estado. Com correções de ortografia, segue o parecer, no que interessa, e que indica posição pela inconstitucionalidade do monumento. O parecer não foi acatado pelo Governo:

Gabinete do Consultor-Geral da República — Rio de Janeiro, 17 de outubro de 1921 .

Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado dos Negócios da Fazenda — Com o Ofício, sem número, de 6 do corrente, submeteu Vossa Excelência a meu estudo o processo relativo ao requerimento da Comissão que pretende erigir um “Monumento a Jesus Cristo Redentor” no alto do Corcovado. Parece-me, Senhor Ministro, que há evidente embaraço constitucional para o deferimento do pedido. O Cristo é o símbolo de uma religião. O Poder Judiciário já aqui o reconheceu quando, em conseqüência dos incidentes de 1892, teve de se pronunciar sobre a legalidade da permanência de sua imagem nas salas do Júri. O caso foi que, negado o pedido de retirada dessa imagem feito por um jurado não católico, foi um dia essa imagem destruída por outro jurado violento e fanático. [...] Parece que esse caso pode ser considerado como precedente em relação ao caso atual. Considerado o Cristo como símbolo religioso não pode o Poder Público deferir o pedido para sua colocação num logradouro, que é bem público e, como tal, de uso comum do povo e inalienável (Código Civil, art. 66, nº I, e 67). O Estado é leigo. A Constituição lhe veda manter com qualquer igreja ou culto “relações de dependência ou aliança ou conceder-lhe subvenção oficial”. Bem certo o deferimento do pedido para permitir a ereção de uma estátua do Cristo num logradouro público não entra literalmente, em qualquer dos dispositivos constitucionais; mas para mim é incontestável que esse deferimento fere o seu espírito porque sem dúvida importa na concessão de um favor do Estado em benefício de uma igreja, a concessão de uma parte de bem público para ereção de

21 Consultoria-Geral da República. Parecer. Araripe Júnior, 5 de agosto de 1908.

22 Consultoria-Geral da República. Parecer. Rodrigo Octávio, 5 de maio de 1921.

23 Consultoria-Geral da República. Parecer. Rodrigo Octávio, 17 de agosto de 1921.

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um dos seus símbolos mais significativos. É este, Senhor Ministro, o parecer que submeto ao critério superior de Vossa Excelência a quem, devolvendo os papéis, tenho a honra de reiterar meus protestos de elevada estima e distinta consideração24.

Ressaltando que haveria embaraço constitucional decorrente da construção de um monumento ao Cristo Redentor no Rio de Janeiro o Consultor-Geral colocava o Presidente da República em posição difícil, em relação à maioria católica. Não se atendeu à orientação dada pelo consultor jurídico do Presidente, o que demonstra que, historicamente, a opinião da assessoria jurídica não vinculava o Chefe do Executivo.

A CGR manifestou-se igualmente em litígio entre a União e o Estado do Mato Grosso relativo à propriedade e domínio de uma ilha, naquela unidade da Federação25. O parecerista, que inicialmente chamava a atenção para a necessidade de que a harmonia deveria “reinar nas relações da União com os Estados”, concluiu pela necessidade de que o consenso fosse obtido o mais rápido possível obtido, inclusive com interferência do Legislativo26.

A CGR, em tema de provável conflito intragovernamental, opinou sobre isenção de impostos sobre bens e propriedades do Banco do Brasil, declarando-os, naquela época titulares da não isenção27. O Banco do Brasil atuava com muita proximidade ao Governo Federal.

Em caso de indício de conflito federativo, intergovernamental, a CGR respondeu a consulta relativa a pagamento reclamado pela Prefeitura Municipal de São Paulo, em desfavor da União, a título de 24 Consultoria-Geral da República. Parecer. Rodrigo Octávio, 17 de outubro de 1921.

25 Consultoria-Geral da República. Parecer. Rodrigo Octávio, 19 de fevereiro de 1923. “Sendo o domínio sobre essa ilha contestado, pois que o pretende o Estado, que em parte a afetou, por um decreto de 1915, ao rocio daquela Cidade, o que este Ministério impugna sob o fundamento de que a ilha pertence à União, é indispensável resolver-se de um modo definitivo a questão em bem da harmonia que deve reinar nas relações da União com os Estados”.

26 Consultoria-Geral da República. Parecer. Rodrigo Octávio, 19 de fevereiro de 1923. “[...] achando-se o território que constitui a Ilha Rasa em frente da Cidade de Corumbá, dentro de uma zona próxima à fronteira do Brasil com a Bolívia, devem a União e o Estado de Mato Grosso chegar a um entendimento no sentido de aguardarem a solução que ao caso geral julgue acertado dar o Poder Legislativo, sendo de toda a conveniência, por motivos que são óbvios, que o Governo procure obter do Congresso a mais rápida solução desse tão importante assunto”.

27 Consultoria-Geral da República. Parecer. Rodrigo Octávio, 25 de setembro de 1928.

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contribuição para calçamento em frente a imóveis de propriedade desta última, concluindo pela isenção28.

Houve também manifestação sobre concessão de terras pelos governos estaduais, no que se referia aos limites de interferência do Governo Federal, levando-se em conta que em muitos casos o que se tinha efetivamente era a alienação de terras de indígenas29. O assunto de certa forma tem impactos até hoje, e é fonte de dissonância entre FUNAI e INCRA.

Noticia-se também iniciativa do Estado do Paraná, decorrente de autorização legislativa da Assembléia daquela unidade da Federação, referente à constituição de juízo arbitral para resolver as questões de terras entre empresas incorporadas ao patrimônio nacional e o Estado do Paraná. Opinando pela possibilidade de que o Estado recorresse a árbitro para solução do conflito, ao invés do Judiciário, há parecer de Themístocles Brandão Cavalcanti, então Consultor-Geral da República30.

28 Consultoria-Geral da República. Parecer. Rodrigo Octávio, 23 de novembro de 1928.

29 Consultoria-Geral da República. Parecer. Themístocles Brandão Cavalcanti, 16 de maio de 1955.

30 Consultoria-Geral da República. Parecer. Themístocles Brandão Cavalcanti, 8 de junho de 1955. “11. Sobre este assunto, entendemos que não tem procedência a dúvida sempre suscitada, sobre se o Estado pode, ou não, “comprometer-se” ou louvar-se em árbitros que tragam para outra instância, que não a judiciária, a solução de suas diferenças com terceiros, dúvida suscitada por Rui Barbosa, Rego Barros (Apontamentos sobre o contencioso administrativo) e José de Carvalho Martins (O Juízo Arbitral no Direito Brasileiro, apud Carlos Medeiros Silva, parecer nº 187-T). 12. Não me parece, também, em princípio, justificado o hábito de recorrer-se ao juízo arbitral, subtraindo-se a demanda ao juízo ordinário. Nada o poderia justificar. Na hipótese, entretanto, existem circunstâncias que aconselhariam a aceitar a iniciativa do Estado do Paraná, e que são os seguintes: a) a União não tem título originário de domínio, mas apenas assimilou, incorporou ao seu patrimônio o que estava no patrimônio privado. b) Os títulos dessa natureza não se equiparam ao do domínio público e, assim, não vai questionar com o Estado, apresentando títulos que teria como pessoa de direito público, ou, pelo menos, como tal constituídos, tratando-se de bens patrimoniais ou dominiais (art. 66 do Cód. Civil) e não bens que possua em virtude do seu poder soberano. c) Não só a União e o Estado discutem esses títulos ou a propriedade sobre esses bens, como também outras ações estão ajuizadas e outras controvérsias surgem, complicando e dificultando a solução dos litígios. d) Impugnações existem mesmo quanto à alienação, a terceiros, de propriedades em questão, e que poderiam ser, em parte, resolvidas, se apurado ficasse quem seria o titular do domínio, com qualidade para alienar ou dar em concessão. e) Finalmente, a solução da controvérsia sobre a entidade pública a quem pertence o domínio, facilitaria a solução definitiva sobre as demandas já ajuizadas, tornando, talvez, parte ilegítima quem hoje se apresenta como titular de um direito. 13. Os inconvenientes são, a meu ver, de menor porte, visto não haver obstáculo legal, nem constitucional, para a medida”.

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Mais tarde, com a necessidade de realização do projeto da mudança da capital, várias providências deveriam ser tomadas, notadamente no que se referia à fixação do local, bem como outras medidas que tinham por objetivo evitar a especulação imobiliária. É interessante como o processo foi tratado entre a União Federal e o Estado de Goiás, com máximo de colaboração, mediado pela CGR, como prova do argumento da conveniência de órgão de assessoramento jurídico viabilizando políticas públicas31.

Relata-se também intervenção da CGR a propósito de resistência do antigo Serviço do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional relativa a tentativa de venda de propriedade da família Ottoni, tombada como patrimônio histórico, no Município de Serro, no Estado de Minas Gerais. A União possuía a livre disponibilidade sobre o bem. Um ato de caráter formalmente legislativo (Decreto-lei nº 6.418, de 13 de abril de 1944) - porém - de autoria do Presidente da República, havia autorizado a alienação32.

31 Consultoria-Geral da República. Parecer. Themístocles Brandão Cavalcanti, 26 de julho de 1955. “O Governo do Estado de Goiás e os integrantes da bancada goiana no Senado e na Câmara dos Deputados endereçaram ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República um memorial [...] pedem os signatários do memorial que seja homologado, por decreto executivo, o local da futura capital. Como se sabe, a Constituição vigente, com mais ênfase que as anteriores, tratou dessa matéria, e cuidou de indicar o procedimento a ser seguido, desde a escolha do local da futura Capital, até as providências para tornar efetiva a mudança, prevendo o destino a ser dado ao atual Distrito Federal. [...] Penso [...] que, fixada a área e levado o laudo final da Comissão ao Presidente da República, só lhe resta homologar o laudo e decretar a desapropriação. A sua execução, porém, depende de verba, de crédito próprio, e, assim, a intervenção do Congresso seria necessária para fornecer os meios financeiros necessários à execução da medida. Com isto, o Poder Legislativo terá ocasião de julgar da conveniência e oportunidade da medida. Não me parece que, nesta altura, possa a matéria voltar ao Congresso, para decidir sobre assunto que, por sua natureza, se encontra na alçada do Poder Executivo. Por outro lado, com a desapropriação pelo Estado de Goiás, haverá necessidade de acordos e entendimentos com as autoridades estaduais, que dependem de autorização legislativa. Parece-me, portanto, que, decretada a utilidade e necessidade pública da área fixada, deverá o Governo pedir os necessários créditos ao Congresso e a autorização para entrar em acordo com o Estado de Goiás, no sentido de tornar efetivo o seu ato. É o meu parecer”.

32 Consultoria-Geral da República. Parecer. Caio Tácito. 30 de julho de 1957. O excerto do parecer que segue revela formulação jurídica referente a problema administrativo que poderia promover alguma discussão, evitada pelo teor da opinião: “[...] Trata-se da casa onde nasceram Elói, Cristiano e Teófilo Ottoni, personalidades que tanto ilustram a história política e econômica do Império. A memória desses mineiros votados à causa da liberdade e do desenvolvimento econômico brasileiro deve ser cultuada, não apenas nas atividades do museu, como ainda nos trabalhos de patronato agrícola, que ali existiu e merece ser restaurado. O Decreto-lei nº 6.418, de 13 de abril de 1944, é mero ato de autorização e o Poder Executivo não está obrigado a executar a venda, desde que o interesse público e a observância do encargo aconselham solução diversa. Não se torna necessário, assim, a sua revogação, que somente o Congresso Nacional poderia decretar. Não basta que o Excelentíssimo Senhor Presidente da República, em despacho administrativo, determine a entrega ao S.P.H.A.N. da parte dos imóveis necessária à preservação do patrimônio histórico e autorize os estudos tendentes ao restabelecimento do Patronato Agrícola, que poderia ficar sob administração do Serviço de Assistência aos Menores, honrando, com essa aplicação educativa e social, os nomes históricos do Município do Serro. Salvo melhor juízo”.

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Posteriormente, retomou-se a questão de imunidades e favores para o Banco do Brasil. Em parecer a CGR afirmou que Banco do Brasil não gozava de isenção do imposto de selo nem quando a sua Carteira de Comércio Exterior adquirisse mercadorias por ordem do Ministro da Fazenda33.

Eventual foco de problemas foi enfrentado com o processo de enquadramento dos servidores que passaram da União para o Estado da Guanabara, fonte de conflito interno na Administração, indecisa em relação a que fórmula seguir. O assunto foi tratado pela CGR34.

Provavelmente, a mais importante manifestação da CGR, em matéria de interesse da presente tese, a litigância intragovernamental como indicativo de um presidencialismo desarticulado, fora parecer de Rafael Meyer sobre a inaplicabilidade de multas entre pessoas jurídicas de direito público. Havia questão subjacente, no sentido de que não se poderia invocar o poder de polícia entre essas pessoas jurídicas, entendimento que então prevalecia, e que foi confirmado. O problema ainda é muito recorrente. E fonte de muita litigância. Debatia-se eventual revogação de artigo do então vigente regulamento do regime da previdência social. Havia divergência de interpretação quanto à aplicação de multa, juros e correção monetária em cobrança de

33 Consultoria-Geral da República. Parecer. A. Gonçalves de Oliveira, 28 de abril de 1959.

34 Consultoria-Geral da República. Parecer. Victor Nunes Leal, 7 de outubro de 1960. “1. Versa a consulta, encaminhada pelo Senhor Ministro da Justiça e Negócios Interiores, sobre o enquadramento dos servidores que passam da União para o Estado da Guanabara, em conseqüência da mudança da capital federal. Entendem os órgãos competentes do Ministério da Justiça que esse pessoal deve ser reunido em um quadro especial, que há de retratar a situação existente em 21 de abril de 1960, com os direitos e vantagens do plano federal de classificação, aprovado pela lei nº 3.780, de 12-7-1960. Sustenta, porém, a Comissão de Classificação de Cargos que a lei nº 3.780 deverá alcançá-lo nos mesmos quadros em que antes se encontravam, uma vez que a separação entre o pessoal transferido e o que remanesce no serviço federal somente se opera com os respectivos termos de transferência. Os dois critérios diferem nas suas conseqüências, especialmente quanto a promoções. [...] Finalmente, a reclassificação prevista na lei nº 3.780 (que alcança os servidores sujeitos a transferência para o Estado) compete à União, argumento que só por si bastaria para fundamentar o nosso ponto de vista. 10. As conclusões deste trabalho, além de traduzirem, data vênia, melhor interpretação da lei, parecem-nos as mais equitativas, porque nem os servidores que se vão, nem os que ficam, poderão dizer-se vítimas de qualquer discriminação, considerado cada um dos grupos como um todo. Poderá haver, neste ou naquele, frustrações individuais, mas estas são inevitáveis em situações semelhantes”.

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crédito do Instituto Nacional da Previdência Social-INPS em relação ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária- INCRA. A discussão alcançou a Consultoria-Geral da República por provocação de aviso do então denominado Ministro Chefe do Gabinete Civil.

Segundo o parecerista, a tese então vigente, no sentido da impossibilidade do lançamento de multa entre pessoas jurídicas de direito público, por inexistência do poder de polícia entre elas, decorria de excerto de voto do Ministro Oscar Saraiva no antigo Tribunal Federal de Recursos-TFR para quem, como copio do parecer aqui citado, “na hierarquia dos privilégios, o da União prefere ao de suas autarquias, e seria inteiramente descabido que uma autarquia, órgão delegado da União, tivesse poderes disciplinares para impor multas a outras pessoas de direito público, o que é manifestação de poder de polícia administrativa35”. Fixava-se relação hierárquica entre a Administração direta e a Administração indireta, como fator inibidor de poder de polícia e, conseqüentemente, do lançamento e cobrança de taxas36.

35 O excerto é do Ministro Oscar Saraiva, colhido em parecer de Luiz Rafael Meyer. Consultoria-Geral da República. Parecer. Luiz Rafael Meyer, 18 de novembro de 1974.

36 O fragmento que segue expõe o entendimento então reiterado. Ressaltem-se premissas relativas a “forma organizacional, unidade, comando superior, princípio da hierarquia, pautas de coordenação e supervisão ministerial”, que sugerem fundamentação conceitual com o objetivo de abonar alguma uniformidade nas relações entre órgão e entes públicos. Consultoria-Geral da República. Parecer. Luiz Rafael Meyer, 18 de novembro de 1974. “Como princípio geral, a proposição é de inteira validade para o campo de atuação da Administração Pública. Caracterizada em sua forma organizacional, pela unidade, sob comando superior, pelo princípio da hierarquia, pelas pautas de coordenação e supervisão ministerial, envolvendo todo o contexto administrativo, parece incontornável inserir-se, aí, o poder de aplicação de multas, quer dizer, de penalidades, de uma à outra entidade, quando esse poder advém, normalmente, de uma relação de supremacia administrativa. Admitida a tese em contrário, e desdobrada em suas consequências lógicas, haveria órgãos de uma mesma Administração apenando uns aos outros e, o que seria ainda mais singular, uma autarquia federal imporia multas à União. É claro que o entendimento é colocado em termos de princípio que, como princípio, há de ceder em face de norma expressa que acaso o contrarie, no quanto o contrarie, até mesmo informá-lo de todo, pois o legislador tem o arbítrio de fazê-lo, sem estar inibido pela Constituição que não configura, decerto, esse tipo de imunidade. Segundo a refutação, contida nos referidos Pareceres, a imposição de multa entre pessoas jurídicas de direito público, não envolve o reconhecimento da impossibilidade de a cobrança de débito, de uma a outra entidade pública, ser abrangente de juros moratórios. Ao contrário, a possibilidade jurídica da cobrança desses juros é expressamente perfilhada [...], inclusive pelo lógico propósito de conformar-se à legislação em vigor”.

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Em assunto de provável e iminente litígio interno a CGR também opinou sobre imunidade tributária quanto ao Imposto Predial e Territorial Urbano-IPTU, de imóveis funcionais, construídos ou adquiridos, no Distrito Federal, por autarquias, para ocupação ou alienação aos respectivos servidores. Propôs-se interpretação “ampla e teleológica, de modo a compreender o patrimônio público destinado ao cumprimento de suas atribuições legais”, com se lê na ementa do parecer então redigido37.

O governo do Distrito Federal entendia que a imunidade tributária das autarquias não alcançava imóveis funcionais. Esses imóveis não estariam vinculados às suas finalidades essenciais. O parecerista iniciou distinguindo isenção de imunidade, especialmente no que se refere à imunidade tributária recíproca, que é fonte comum de divergências entre pessoas jurídicas de direito público de unidades federativas diversas. Invocou a necessidade de que se tivesse convivência harmônica entre “unidades competentes das escalas da Federação” 38.

37 Consultoria-Geral da República. Parecer. Luiz Rafael Meyer, 21 de março de 1977.

38 Consultoria-Geral da República. Parecer. Luiz Rafael Meyer, 21 de março de 1977. “Trazendo à colação simples enunciados, vale dizer que o tema fundamental em que se insere a matéria diz com a imunidade tributária que é, na essência, uma disposição de ordem constitucional no sentido da exclusão da possibilidade do exercício do poder tributário, àquelas entidades públicas que originariamente o detêm, com relação a determinadas pessoas, fatos ou coisas, com vistas ao resguardo de princípios, interesses ou valores tidos como fundamentais pelo ordenamento político-constitucional. A clarificação dos conceitos doutrinários e a evolução da técnica legislativa não mais permitem se confunda, como outrora ocorreu em incerta terminologia, o instituo da imunidade com o da isenção tributária, enquanto esta é uma autolimitação, ao nível de lei, constitucionalmente facultada, do exercício do poder tributário, pela exclusão de inoponibilidade em supostos ordinariamente sujeitos aos gravames fiscais, o âmbito das normas competentes. Entretanto, no capítulo das imunidades, assume especial relevo a imunidade tributária recíproca, no direito interno, consistente na vedação a que as entidades públicas, titulares de poderes tributantes e componentes de um mesmo Estado, exercitem o seu poder impositivo, no tocante a impostos, com relação aos bens, rendas e serviços, uns dos outros. A imunidade tributária recíproca é tida, pela doutrina tradicional, como atributo inerente a todo regime federativo, enquanto indispensável a assegurar a convivência harmônica das unidades competentes das escalas da Federação, resguardando o desempenho autônomo de cada uma, a própria razão de sua existência, das interferências, constrangimentos, restrições que adviriam do evento de uma estabelecer ônus tributários sobre outra, criando, além dos embaraços à sua esfera de atividade, um clima propício à provocação e à contenda, não condizente com a índole do regime”.

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Apontando que a imunidade tributária recíproca era construção jurisprudencial norte-americana, porque a Constituição dos Estados Unidos não tratava do assunto, o parecerista lembrou que no Brasil dispôs-se expressamente sobre a matéria na Constituição de 189139. Notou também que Rui Barbosa havia saudado a medida como essencial ao regime federativo. Porém, sobre a imunidade tributária das autarquias, havia omissão constitucional, razão da necessidade de se construir solução para o problema, no caso concreto apresentado pelas autoridades do Distrito Federal. Ainda que hoje desnecessário, dado o regime constitucional e legal que envolve a matéria, o parecer fixou bases conceituais para imunidade recíproca. Tratou das finalidades essenciais da autarquia. É a compreensão da finalidade objetiva da autarquia que deve orientar o intérprete, especialmente nesse caso de benefício fiscal40. O parecerista abordou também o princípio da legalidade, que seria respeitado, especialmente na medida em que

39 Constituição de 1891, art. 10: É proibido aos Estados tributar bens e rendas federais, ou serviços a cargo da União e reciprocamente.

40 Consultoria-Geral da República. Parecer. Luiz Rafael Meyer, 21 de março de 1977. “A tutela ou a supervisão que a entidade matriz exerce, necessariamente, sobre a autarquia tem, mesmo, por missão primordial, assegurar e exigir que ela realize os seus objetivos [...] Se a autarquia, na realização dos seus serviços, extrapola do âmbito legal, desvinculando-se de suas finalidades essenciais, está sujeita aos diversos tipos de controle de repressão de atos, tidos por ilegítimos ou nulos. Se essência é o que diz com a própria ideia do ser, as finalidades essenciais são aquelas inerentes ao próprio ser autárquico. Que a preocupação em relação aos serviços inerentes aos objetivos, para efeito da imunidade recíproca, não seja peculiar à autarquia, basta ver o art. 9, § 2º do Código Tributário Nacional, sem que daí se tenha deduzido uma noção limitativa do âmbito de competência e atuação das entidades estatais, para efeito da intangibilidade aos impostos. Aqui, mais uma vez se leve em conta que a hermenêutica do instituto da imunidade tributária recíproca, é ampla, compreensiva, teleológica, sob pena de frustrar-se o sentido fundamental do princípio constitucional, expressamente estendido às autarquias. Tenha-se, portanto, que o preceito imunitório das autarquias, em sua explicitude, não quis restringir a concepção tradicional, senão aclarar e definir. O que, sem dúvida, o constituinte quis revestir, de imunidade, é a autarquia no desempenho de suas atribuições legais e da atividade pública que lhe é inerente. Se assim não fosse, deixaria à mercê de certas entidades tributantes o restringir a competência de tais outras, em criar autarquias e conferir-lhes o desempenho administrativo por descentralização e delegação da substância estatal mesma, no mesmo passo em que restringisse a atividade dessas criaturas institucionais. O que, entretanto, na verdade, o constituinte não reveste é a atuação da autarquia, que extrapole dos seus objetivos legais e se situe em um plano estranho, de atividades não públicas, posto que, ao protegê-las, não se protegeria a legalidade de sua instituição, e se afetariam de modo abusivo a competência tributária e o interesse financeiro de um outro ente político”.

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se investigasse se a autarquia beneficiária da dispensa fiscal teria obtido o favor em função do desempenho de finalidade imposta por lei41. Neste caso havia relação entre a causa do favor fiscal e o destinatário da não incidência. A deferência para com o conteúdo constitucional ao benefício da imunidade exigia justamente que se interpretasse a dúvida em favor da autarquia.

Vigia à época do parecer (1977) a Constituição de 1967, na redação da Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969. A matéria era regida pelo § 1º do art. 19 daquele texto constitucional que conferia imunidade fiscal às autarquias42. A dificuldade estava em se explicar se imóveis funcionais, na situação descrita no questionamento das autoridades do Distrito Federal, atendiam e convergiam com as atividades essenciais do ente autárquico. A Consultoria-Geral da República opinou afirmativamente43.

A CGR também opinou sobre autonomia universitária, já no contexto da Constituição de 1988, sustentando que o conceito 41 Consultoria-Geral da República. Parecer. Luiz Rafael Meyer, 21 de março de 1977. “Objetivos,

competência, instrumentos de ação, rendas e patrimônio da Administração Pública autárquica, são aqueles postos na lei, sendo impensável essa matéria senão sob o resguardo do princípio da legalidade. A legalidade é, portanto, o necessário critério de aferição, a saber se os serviços da autarquia se contêm no quadro dos seus objetivos, e se o patrimônio e a renda inerem à sua capacidade pública e atribuições legais, constituindo, por isso rendas e patrimônio públicos, e não atividades, bens ou rendas privadas a igual dos particulares, caso em que não caberia o reconhecimento da imunidade”.

42 A linguagem da Constituição atingia ao “ que se refere [referia] a patrimônio, a renda e aos serviços vinculados às suas finalidades essenciais ou delas decorrentes; mas não se estende [estenderia] aos serviços públicos concedidos, nem exonera [exonerava] o promitente comprador de pagar imposto que incidir [incidisse] sobre imóvel objeto de promessa de compra e venda”.

43 Consultoria-Geral da República. Parecer. Luiz Rafael Meyer, 21 de março de 1977. “Com efeito, a aquisição, a ocupação e a alienação de imóveis residenciais da Administração Federal, em Brasília, se cumprem na conformidade de um plano de governo e segundo leis de direito público a que as autarquias, como as demais unidades administrativas, necessariamente se sujeitam. [...] Permitir-se a incidência de impostos sobre essa parcela do patrimônio infringiria o intento político-constitucional da imunidade, representando, de certo, ingerência e restrição a interesses da entidade, com repercussões negativas no desdobramento da sua vida funcional e na utilização dos seus recursos. Forçoso é, portanto, reconhecer que a imunidade que reveste o patrimônio público das autarquias é compreensiva desses bens imóveis, que o integram por imposição legal e em benefício do serviço autárquico. Pessoas públicas, a União e as autarquias participantes do mesmo sistema legal referente a tais imóveis, é logicamente necessário que, com relação aos mesmos, a imunidade que se reconhece a uma, não se conteste às outras”.

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de autonomia universitária problematizado não era absoluto, e que havia limitações imponíveis. O parecer insistia na impossibilidade de universidades criarem novos cursos, independentemente de autorização, com fundamento na autonomia com a qual a Constituição as distinguia. Esse entendimento, de autoria de Saulo Ramos, um dos últimos Consultores-Gerais da República, alcança situações presentes, nas quais há divergências entre universidades federais e o Ministério da Educação44. Por exemplo, discussão em torno do sistema de cotas em universidades públicas é uma retomada atual do assunto. Em princípio, as universidades invocam que a fixação de um modelo geral, a ser seguido por todas as instituições de ensino superior, seria desrespeito à autonomia universitária.

Em 1989 a CGR divulgou parecer relativo aos poderes hierárquicos do Presidente da República quanto aos julgamentos administrativos do CADE, no contexto de controvérsia entre este último e a PETROBRÁS. Discutia-se se o CADE era competente para apreciar a política petroquímica do Governo Federal, que se fazia por intermédio da PETROBRÁS.

44 Consultoria-Geral da República. Parecer. Saulo Ramos, 15 de dezembro de 1988. “10.A Universidade [...] representa [...] um dos instrumentos mais eficazes, na esfera do ensino superior, de adimplemento, pelo Estado, do dever-função que lhe cometeu o ordenamento constitucional. Contudo, uma avaliação crítica da educação nacional revela-nos, no plano do ensino superior, um quadro de carências — quase que tematicamente recorrente ao longo do nosso processo de desenvolvimento histórico-social — denotativo de um grave sintoma de deformação das funções para as quais a Universidade foi concebida. [...] 13. Operou-se, na realidade, a constitucionalização de um princípio já anteriormente consagrado na legislação ordinária de ensino, que se erigira — ao tempo da Reforma Francisco Campos (Decreto nº 19.851, de 11 de abril de 1931, artigo 9º) [...] Não há, porém, uma nova autonomia universitária. O que existe isto sim é uma nova realidade no panorama do direito constitucional positivo brasileiro. Se, antes, a autonomia das universidades configurava instituto radicado na lei ordinária — e, portanto, supressível por mera ação legislativa ulterior — registra-se, agora, pelo maior grau de positividade jurídica que a ele se atribuiu a elevação desse princípio ao plano do ordenamento constitucional. [...] 16. A autonomia universitária, qualquer que seja a dimensão em que se projete objetiva assegurar às universidades um grau razoável de autogoverno, de auto-administração e de auto-regência dos seus próprios assuntos e interesses, sempre sob controle estatal, em função de sua tríplice destinação: o ensino (transmissão de conhecimentos), a pesquisa (produção de novos conhecimentos) e a extensão (prestação de serviços à comunidade). [...] 33. A educação, direito de todos e dever do Estado, não pode ser transformada, sobretudo nos cursos superiores, em simulacro diplomado”.

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Retomava-se um antigo problema. Havia parecer de autoria de Rafael Meyer que assegurava que as decisões do CADE não poderiam ser revistas administrativamente e que apenas poderiam ser desconstituídas por meio judicial. Reviu-se essa orientação. Insistiu-se na competência fiscalizadora e repressiva do CADE, vinculada, no entanto, ao poder hierárquico do Presidente da República, especialmente no que aludia à faculdade de avocar. Opinou-se pela revisibilidade das resoluções do CADE, naquele caso específico, pelo Chefe do Poder Executivo da União45.

O parecerista observou que o CADE deveria ser entendido como “[...] mero órgão da Administração, incumbido de exprimir, de modo juridicamente relevante, vontade imputável à União Federal46”, por isso é a União quem deveria estar em juízo, “ativa ou passivamente, posto que dotada de legitimidade, ad causam e de capacidade processual [...] só ela, e não o CADE por ela47”. O que se discutia era se o CADE subordinava-se (ou não) à autoridade do Presidente da República.

Com base no art. 170 do Decreto-lei nº 200, de 1967, o parecerista argumentava que o poder hierárquico do Presidente da República decorria de sua condição constitucional de Chefe do Poder Executivo e da Administração Federal, o que lhe garantia a prerrogativa de avocar e decidir qualquer assunto na esfera da administração federal. O parecerista incorporou em seu argumento decisão do STF, ainda que prolatada sob a autoridade da Constituição de 1946, que afirmava que o Presidente da República detinha competência subentendida, tácita, fundada no

45 Consultoria-Geral da República. Parecer. Saulo Ramos, 28 de junho de 1989. Aprovado pelo Consultor-Geral da República, Saulo Ramos, o parecer, no entanto, é de autoria de Raymundo Nonato Botelho de Noronha, então Consultor da União.

46 Consultoria-Geral da República. Parecer. Raymundo Nonato Botelho de Noronha. 28 de junho de 1989.

47 Consultoria-Geral da República. Parecer. Raymundo Nonato Botelho de Noronha. 28 de junho de 1989.

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poder hierárquico, para decidir, em última instância, sobre todos os assuntos que interessassem à administração de bens públicos48.

Ainda sobre prevenção e composição de litigância intragovernamental a CGR havia feito intervenção em divergência entre o então Ministério do Interior e a FUNAI sobre o direito de locomoção em terra indígena49. O “direito constitucional de ir e vir tanto protege os indígenas quanto as populações que trabalham na área vizinha” afirmou o parecerista50. Provavelmente, a decisão seria questionada hoje em dia. O fragmento inicial do parecer indica bem o ponto de conflito no Governo. Assinalava a necessidade de que se tivesse opinião convergente, levando-se em conta que a discussão era afeta à definição de política pública do mais alto valor estratégico, e que colidia com direitos indígenas, assunto que ganhava relevo com a Constituição de 1988.

48 Consultoria-Geral da República. Parecer. Raymundo Nonato Botelho de Noronha. 28 de junho de 1989. “O caráter autônomo do órgão administrativo não suprime o vínculo de subordinação, ínsito à estrutura eminentemente hierarquizada do Poder Executivo, que legitima o necessário controle dos atos que ele pratique. O controle administrativo, ou interno, induz o exercício, pela Pública Administração, do dever-poder de autotutela sobre todas as suas atividades, órgãos e agentes. A avocação constituiu um dos meios de realização do controle interno, que propicia ao Presidente da República a faculdade de vigiar, orientar, e corrigir os atos ilegais da Administração. A questão da recorribilidade das decisões administrativas do CADE, por sua vez, submete-se ao mesmo regime, disciplina e razões que justificam a prerrogativa do Presidente da República de avocar, a seu juízo discricionário, as questões em tramitação na esfera da Administração Federal. Sendo assim, impõe-se rever o parecer desta Consultoria Geral da República, da lavra do eminente Ministro Rafael Mayer, no sentido de que “as decisões do CADE, em matéria específica de sua competência, estão sujeitas apenas ao controle judicial, não sendo suscetíveis de recurso hierárquico” [...] Entendo, muito embora com vênia e respeito às conclusões daquele Parecer e ao seu ilustríssimo subscritores, que as decisões do CADE são essencialmente impugnáveis por via recursal administrativas, mesmo porque não se pode tolher ao Chefe do Poder Executivo ou ao Ministro da Justiça o exercício de sua competência revisional, fundada no poder hierárquico que titulariza e decorrente da condição de supremacia de que desfruta no âmbito da Administração Pública. A ausência de previsão legal não pode ser invocada como causa obstativa de acesso ao Presidente da República e ao Ministro da Justiça, na esfera recursal administrativa. 15. Em face do exposto, proponho, mediante avocação do processo, seja determinado ao CADE, por intermédio do Excelentíssimo Senhor Ministro da Justiça, que se abstenha o órgão, de proceder à análise, investigação e questionamento da política governamental para o setor petroquímico, posto tratar-se de matéria evidentemente estranha as limites de sua estrita e específica competência legal. É o meu parecer”.

49 Consultoria-Geral da República. Parecer. Clóvis Ferro Costa. 27 de dezembro de 1989.

50 Consultoria-Geral da República. Parecer. Clóvis Ferro Costa. 27 de dezembro de 1989.

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Necessária a reprodução de alguns pontos do parecer, ainda que com alguma extensão, pela importância da discussão, inclusive quanto à matéria de fato; debatia-se a exploração de estanho, em área indígena:

[...] Trata-se de uma das maiores reservas minerais do Brasil, situada fora da área indígena, mas nos limites desta, estando a sua exploração, sob concessão federal, a cargo do grupo empresarial Paranapanema. A singular situação geográfica dessas riquezas minerais, consistentes em imensas jazidas de estanho e outros metais, impõe a contingência da travessia da reserva indígena por meio de uma estrada que, por sua vez, desemboca na via federal BR-174. As pesquisas minerais, conduzidas com sucesso, revelaram que a mina em causa, denominada Pitinga, na atualidade é a maior ocorrência conhecida de estanho no mundo. Graças à sua exploração racional, o Brasil passou de importador deste mineral estratégico para a condição de seu maior produtor, desestabilizando o chamado Cartel do Estanho. A empresa concessionária viu-se compelida a organizar uma verdadeira cidade industrial no coração da floresta amazônica, onde vivem e de lá tiram seu sustento mais de sete mil famílias. Segundo os dados estatísticos, a produção anual da Mina do Pitinga, hoje, ultrapassa a 150 milhões de dólares. É natural, portanto, que tal projeto desperte cobiça e forte antagonismo de grupos interessados, que dominavam completamente o setor. Para viabilizar a exploração mineral, o Grupo Paranapanema S.A., Mineração, Indústria e Construção, através de uma sua subsidiária, Timbó – Indústria de Mineração Ltda., firmou contrato com a FUNAI no sentido de ser permitido abrir uma estrada transversal à BR-174, para o fim de ligar as instalações industriais à citada rodovia federal, passando pela reserva Waimiri-Atroari. Não se trata de qualquer exploração mineral ou econômica no solo indígena, mas apenas da garantia do direito de passagem. O contrato foi firmado, tem cláusulas de amparo às populações indígenas, a estrada foi construída sem incidentes, funciona regularmente e o primitivo documento foi renovado, passando a vigorar por tempo indeterminado. Não obstante, a 25 de outubro de 1989, o Exmo. Senhor Subprocurador-Geral da República, Carlos Victor Muzzi, manifestou-se ao Senhor Presidente da FUNAI para lhe solicitar a interdição da referida rodovia, sustentando, em síntese, o seguinte: a) que recebera expediente denunciando irregularidades na área indígena Waimiri-Atroari; b) que, apesar de vários pareceres técnicos em contrário, o então Presidente da FUNAI, Senhor Paulo Moreira Leal, firmou contrato com a empresa Timbó – Indústria de Mineração Ltda., permitindo a abertura de uma estrada na área daquela tribo [...] c) vencido o contrato, foi o mesmo renovado por prazo indeterminado por várias empresas do Grupo Paranapanema [...] Depois de outras considerações, concluiu o Senhor Subprocurador-Geral por pedir a imediata interdição da estrada. O

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Procurador-Geral da FUNAI, Doutor Ovídio Martins de Araújo, manifestou-se favorável à interdição e foi mais além: pretendeu enquadrar as autoridades infratoras no delito de prevaricação, previsto no art. 319 do Código Penal. Esse parecer foi aprovado pelo Presidente da FUNAI. Inconformados, os interessados, com vasta documentação, recorreram do pronunciamento, indo o processo ao Exmo. Senhor Ministro das Minas e Energia [...]51.

As conclusões do parecer não resistem ao modo como presentemente se entende o problema. Vale o registro, no entanto, como resgate histórico, especialmente com o objetivo de se assinalar que, ao decidir em favor da continuidade da exploração de estanho na região, pendeu-se para solução desenvolvimentista, eventualmente apartada de sua matriz antropológica e sociológica52:

A regra constitucional sobre as populações indígenas evoluiu para o aclaramento dos conceitos, de um lado amparando-as de maneira efetiva; de outro, coartando os excessos em que se baseavam os ideólogos sob o manto de ocupação imemorial. Esta nos levaria, em ultima ratio, ao Brasil pré-colombiano, sem lugar para os brancos, negros e amarelos, característicos da nossa sociedade mestiça. [...] É materialmente impossível imaginar mil, ou mesmo três mil índios, habitarem em 2.440.000ha. De sorte que a lesão causada pela modesta ligação de 38 km da mina à estrada federal, não passa de um excesso de zelo, sem maior suporte na razão e nas regras. Registre-se que o direito de circular, ou de ir e vir, é um dos direitos humanos básicos, que a nossa Carta consagra. Assim, a proibição de circular, sobre impor um intolerável confinamento, significaria também ofensa ao direito constitucional de locomoção. Incidentemente, no bojo deste processo verificou-se que as regras disciplinadoras das demarcações de áreas indígenas são frágeis, incompletas e surpreendentemente prestadiças a atos de arbítrio. Aí não se prevê a audiência obrigatória dos confinantes, nem a citação do Estado, como pressuposto indeclinável de legitimidade. Ora, a área demarcada importa em transferir o domínio do Estado, proprietário nato das terras devolutas, para a União. Dessa forma, por uma via quase clandestina, os Estados podem vir a ser despojados de territórios imensos, num autêntico confisco oblíquo.

51 Consultoria-Geral da República. Parecer. Clóvis Ferro Costa. 27 de dezembro de 1989.

52 Há hoje copiosa literatura no assunto. Conferir, entre outros, Sachs, Jeffrey, A Riqueza de Todos, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. Tradução de Sergio Lamarão. Sachs, Jefrey, Desenvolvimento Includente, Sustentável, Sustentado, Rio de Janeiro: Garamond, 2008. Montibeller-Filho, Gilberto, O Mito do Desenvolvimento Sustentável, Florianópolis: Editora da UFSC, 2001. Brown, Lester R., Eco-Economy- Building an Economy for the Earth, New York: W. W. Norton & Company, 2001. Freitas, Juarez, Sustentabilidade- Direito ao Futuro, Belo Horizonte: Fórum, 2012.

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Concluindo: a) a legislação indigenista deve ser reformulada e o processo de demarcação deve assumir o caráter contencioso, com direito a contestação e produção de provas, por parte dos eventuais interessados; b) não procede o pedido de interdição da estrada que liga a Mina do Pitinga à rodovia BR-174, pois não se pode impedir o direito à locomoção; c) as populações indígenas farão jus a participar dos royalties sobre a produção mineral, quando essa matéria for regulada e o direito à utilização deverá ser delas diretamente, com a mera assistência da FUNAI, e não ao contrário. Este é o nosso parecer, s.m.j.53.

De 1903 a 1993 a CGR assessorou ao Presidente opinando sobre vários assuntos relativos à condução dos negócios da Administração. Teve atuação decisiva na prevenção de conflitos intragovernamentais, a exemplo dos casos aqui assinalados. Ainda que num contexto institucional distinto do atual - por força dos vários regimes que a Consultoria atendeu, inclusive em épocas de intenso autoritarismo - pode-se verificar neste órgão um instrumento da ação presidencial, como instância orientadora de tomada de decisões. Trata-se de uma experiência digna de nota.

53 Consultoria-Geral da República. Parecer. Clóvis Ferro Costa. 27 de dezembro de 1989.

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Prevenção da litigância intragovernamental na Consultoria-Geral da União

O objetivo da presente seção do trabalho, no contexto do estudo do presidencialismo e da litigância intragovernamental é identificar divergências temáticas que há entre os agentes da ação governamental. Não há muito interesse na dogmática que envolve as discussões, embora, pela necessidade de se sustentar a narrativa, indica-se problema e solução, mediados pela aplicação do direito vigente.

A função da Consultoria-Geral da União-CGU se esgota na confecção de parecer que decide uma disputa. O papel desse órgão tem natureza arbitral. Não se trata, assim, de mecanismo de produção de consenso, pura e simplesmente. O objetivo da presente seção é reconhecer vários pontos de discórdia, diferentes posições, disputas que há entre órgãos e entidades envolvidos. Os vários problemas têm - em regra - origem em posições sedimentadas nas várias consultorias jurídicas dos ministérios. Em vários casos entende-se de modo radicalmente distinto um mesmo assunto. Não se reconhece de imediato uma opinião de Governo.

Questiona-se aqui se os problemas não seriam menos jurídicos do que efetivamente de posicionamento de órgão e, portanto, políticos. São decorrentes dos vários modos de se realizar determinada política pública. O levantamento que segue é de algum modo minucioso. Mas necessário, no mapeamento da litigância intragovernamental aqui discutida. Explica-se o funcionamento do órgão e, em seguida, apresentam-se casos, que comprovam a extensão do problema.

A competência da CGU é definida em lei complementar1. A CGU é instância de assessoramento e de aconselhamento jurídicos e exerce importante função na prevenção da litigância intragovernamental judicial, bem como em seu enfrentamento, ainda em sede administrativa. Sua feição contemporânea efetiva data de 20022, quando de sua

1 Art. 10 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993. A Consultoria-Geral da União, direta e imediatamente subordinada ao Advogado-Geral da União, incumbe, principalmente, colaborar com este em seu assessoramento jurídico ao Presidente da República produzindo pareceres, informações e demais trabalhos jurídicos que lhes sejam atribuídos pelo chefe da instituição.

2 Ato Regimental nº 1, de 22 de janeiro de 2002.

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organização e início de funcionamento, ainda que previsão em lei orgânica de 19933 a tenha indiretamente regido até arranjo definitivo.

Por intermédio de arbitramento - nominado, no caso da impossibilidade de conciliação na Câmara que coordena, ou por parecer, na hipótese de solução de divergências entre consultorias jurídicas dos Ministérios - a CGU tem por incumbência principal o alcance de convergência de entendimentos entre as várias opiniões jurídicas que se enfrentam dentro do Poder Executivo. A CGU é instrumento de fortalecimento de um presidencialismo de articulação. Não produz consenso, no sentido ordinário da expressão, porque colhe opiniões e arbitra. Os pareceres da CGU têm como objetivo a resolução de controvérsias na Administração.

Para os efeitos do presente trabalho, há duas áreas de competência da CGU que provocam algum interesse: a competência para preparar informações em nome do Presidente da República em ações que tramitam no STF e a fixação de entendimento a ser seguido uniformemente por toda a Administração. Nesse último caso, a CGU transforma-se em instância revisora e definidora dos vários entendimentos no Poder Executivo, chefiado pelo Presidente da República. Insiste-se, é área menos afeta à produção de consenso do que efetivamente de fixação de uma decisão governamental. É instrumento de enfrentamento do impasse.

Exemplifica-se esse campo de atuação e o nível de divergência. Alguns casos, pela importância, são rapidamente apresentados. Não há compromisso e interesse com um aprofundamento com a discussão subjacente, de dogmática e de interpretação da legislação federal. O objetivo dessa apresentação é, tão somente, a confecção de esboço de inventário de divergências, com comprovação de que há instância decisória, pelo menos em casos nos quais a resistência dos vários núcleos de interessados seria menor. O que se tem, por parte dos vários atores dos segmentos governamentais envolvidos, é o acatamento para com a decisão arbitrada, por força de lei.

3 Art. 10 da Lei Complementar nº 73, de 1993.

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Com esse objetivo, meramente exemplificador, de conflitos levados à CGU, mencionam-se mais a frente divergências que houve entre o Ministério da Defesa-MD e o Ministério do Planejamento-MPOG (sobre alienação de bens sob cuidado das Forças Armadas); Ministério dos Transportes-MT, Secretaria Especial de Portos-SEP e Agência Nacional de Transportes Aquáticos-ANTAQ (em relação a prorrogação de contratos de arrendamento de portos); Secretaria de Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República-SAJ e Assessoria Jurídica da Controladoria-Geral da União (competência para aplicação de penalidade em processo administrativo disciplinar); núcleos estaduais da CGU (contratações com a Empresa Brasileira de Comunicação-EBC); Ministério da Justiça e Ministério da Previdência Social (alcance da expressão efetivo exercício no serviço público); Ministério do Meio Ambiente e Ministério da Ciência e Tecnologia-MCT (competência para exigência de estudo prévio de impacto ambiental); Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio (definição de sujeito passivo de uma contribuição para a Agência de Cinema); Ministério das Minas e Energia e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (uso de processo licitatório simplificado por parte das subordinadas da PETROBRÁS); Ministério da Defesa e Ministério da Educação (questão das vagas para militares em escolas públicas); Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional-IPHAN e Instituto Brasileiro de Museus-IBRAM (competência para declarar bem musealizáveis). Em todos esses casos havia vontades setorizadas que, muitas vezes, traduziam vontades corporativas, em desfavor de uma vontade de Governo, isto é, uma imaginária vontade geral. Não há, nesse modelo atual da CGU, mecanismo efetivo que permita a simples produção de consenso. O que se tem é parecer que define ato decisório, submetido a aprovação de autoridade ministerial ou presidencial, e que tem como resultado a definição de uma posição.

Presentemente organizada nos termos do Ato Regimental nº 5, de 27 de setembro de 2007, à CGU compete, além do acima indicado, e nos exatos termos do referido ato, preparar as informações a serem prestadas pelo Presidente da República ao STF nos mandados de segurança e nas ações diretas de inconstitucionalidade. Não só no que toca à legalidade, o conteúdo dessas informações deve ser absolutamente cauteloso, na medida em que, no mais das vezes, tratam de políticas públicas discutidas em juízo.

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O caso mais emblemático dessa atuação deu-se com as informações prestadas na ação direta de inconstitucionalidade nº 2.693, ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil-OAB, na discussão da tarifa de energia elétrica no apagão de 20024. Naquela ocasião contestou-se, especialmente, o periculum in mora invocado pela requerente. Chama-se a atenção para o conteúdo relativo à fixação de políticas públicas então discutido. Invocava-se que o adicional tarifário deveria ser mantido5.

Outro exemplo de encaminhamento de informações, em assunto de relevante interesse de realização de políticas públicas, possível de suscitar litigância intragovernamental, se inadequadamente tratado, é o que se relaciona com a ação direta de inconstitucionalidade nº 4.424, proposta pelo Procurador-Geral da República6 na qual se discutia a necessidade (ou não) de se estabelecer interpretação conforme a alguns dispositivos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha). Defendeu-se que a Lei Maria da Penha resultava, entre outros, de compromissos assumidos pelo Brasil em acordos internacionais, a exemplo da Convenção de Belém do Pará, devidamente internalizada no direito brasileiro7.

O ato regimental de que aqui se trata também dispõe que a CGU deve assistir o Advogado-Geral da União na interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos normativos a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal. Essa incumbência faz da CGU órgão nuclear na hipótese que se pretende desenvolver, e alguns exemplos justificam a assertiva. É o que se vê na seqüência.

4 Informações AGU/AS 01/2002.

5 Informações AGU/AS 01/2002 prestadas por André Serrão Borges de Sampaio, Consultor-Geral da União, em 2 de agosto de 2002. “[...] Sem essa receita e dada a dificuldade de financiamento de novo endividamento público, a eventual paralisação do programa de aumento de oferta de energia elétrica implicaria a adoção de novas práticas compulsórias de redução de consumo. Tal necessidade pode ocorrer ainda que o regime atual de chuvas não se mostre (ao contrário do que vem acontecendo) compatível com a média histórica de precipitações. Essa constatação decorre do simples fato de que, considerando a necessidade de equilíbrio intertemporal dos níveis de reservatórios e a incerteza quanto ao regime pluviométrico das próximas estações, poderia vir a ser necessário introduzir racionamentos preventivos ainda que a média atual de chuvas não fosse — como é — inferior à respectiva média histórica. Nessa medida, impõe-se, pela ausência dos requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris, o indeferimento da medida cautelar pleiteada”.

6 Informações nº 20/2010/CC/AGU.

7 Informações nº 20/2010/CC/AGU prestadas por Célia Maria Cavalcanti Ribeiro, Consultora da União, em 27 de julho de 2010.

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Houve divergências entre MD e MPOG quanto à possibilidade de alienação e arrendamento de imóveis administrados pelas Forças Armadas, como já indicado no início do trabalho. Para o MD não havia necessidade de intervenção do MPOG, via SPU nas hipóteses de alienação e arrendamento aqui indicadas. Invocaram o princípio da especialidade, que determinaria que o assunto fosse tratado por duas normas especiais, da década de 1970, para as quais às Forças Armadas caberia definir hipóteses e procedimentos para as mencionadas alienações e arrendamentos de imóveis. O § 2º do art. 2º da Lei de Introdução de Normas do Direito Brasileiro (antiga Lei de Introdução ao Código Civil8) justificaria, assim, que se aplicasse a regra que sufragou a posição do MD.

Por outro lado, a Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento invocou a aplicação de regra geral relativa à alienação de bens da União, contida na Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998, no sentido de que ao SPU compete, efetivamente, a definição de hipóteses e procedimentos para as referidas alienações e arrendamentos.

Divergência entre o MD e o MPOG são pontos de litigância, ainda que administrativa, que resulta em perda de eficiência da atuação do Poder Executivo. Tratada pela CGU9, a questão exige convergência, como decidido, de modo que se deve acomodar a regra geral de competência para definição do assunto em favor do SPU, sem que se deixe de ouvir o MD, a propósito, entre outros, de imóveis de interesse de segurança nacional. Isto é, como vontade governamental se definiu que a alienação de imóveis de titularidade das Forças Armadas depende da oitiva desta apenas nas hipóteses nas quais se trate de imóveis que tenham implicações em questões de segurança nacional.

Outro exemplo. O MT, a SEP e a ANTAQ manifestaram-se diversamente em relação a uma consulta da Associação Brasileira de Terminais Portuários-ABTP, quanto a vigência (ou não) de contratos de arrendamento portuários firmados antes da vigência da Lei nº 8.630, de

8 Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1943, Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, denominado de Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, nos termos da Lei nº 12.376, de 30 de dezembro de 2010.

9 Processo 00400.01449/2008-16.

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25 de fevereiro de 1993, que normatizou o procedimento referente à modernização dos portos.

Levada a questão à CGU10, e com a urgência que a insegurança e a inquietação de investidores efetivamente provocavam, especialmente porque 65 contratos de arrendamento de portos estariam na dependência dessa aflitiva situação, alcançou-se proposta de solução, que foi levada à consideração e aprovação do Advogado-Geral da União. Prevenindo eventual conflito entre órgãos e entes acima indicados, seguiu-se linha geral anteriormente proposta pela ANTAQ. Findos os contratos que então vigoravam, orientou-se para realização de nova licitação. Em relação aos prazos vencidos, opinou-se pela possibilidade de prorrogação dos contratos, bem como pela necessidade de adequação dos contratos em andamento, em relação às novas fórmulas adotadas pela legislação de regência alterada. Opinou-se pela necessidade de ajuste da situação aos interesses da Administração. A prorrogação, no entanto, deveria ser feita uma única vez, no exato prazo de vigência do contrato originário, preservado o interesse das partes.

Mais um exemplo. A Subchefia de Assuntos Jurídicos da Casa Civil-SAJ da Presidência da República e a Assessoria Jurídica da Controladoria-Geral da União divergiram quanto à identificação da autoridade competente para aplicar penalidade em processo administrativo disciplinar quando a infração fosse cometida em órgão distinto do qual o servidor faltoso estivesse lotado. É o caso de servidor cedido, ou detentor de cargo de confiança em outro órgão da Administração, que cometesse a infração no órgão que o recebeu ou que lhe conferiu o cargo de confiança.

A SAJ entendia que a penalidade deveria ser aplicada pelo chefe do órgão no qual o infrator estivesse exercendo o cargo de comissão, ou então estivesse cedido. A Controladoria-Geral da União, no sentido oposto, insistia que a competência para a aplicação da penalidade era do chefe do órgão no qual o servidor faltoso fosse lotado.

10 Processo 045/2010/DECOR/CGU/AGU.

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Levada a divergência para a CGU11 definiu-se que a competência era, de fato, da autoridade do órgão de lotação do infrator. Entendeu-se que se deveria levar em conta que eventual indefinição, nesse caso, seria eficiente arma para discussão da aplicação da pena, no Judiciário, por parte do servidor eventualmente demitido. Por isso, necessário o registro que a divergência intragovernamental, se não resolvida, pode ter como resultado a perpetuação do impasse, ainda que em outro campo de discussão, isto é, no Judiciário.

Divergências internas podem ocorrer também nas várias subdivisões da CGU. Nas unidades da Federação há projeções da CGU, até pouco tempo denominadas de Núcleos de Assessoramento Jurídicos-NAJ. Hoje se denominam de Consultorias da União nos Estados. Um exemplo ilustra a questão.

Discutiu-se a propósito da inexigibilidade (ou dispensa) de licitação na contratação de serviços de distribuição de publicidade legal com a Empresa Brasileira de Comunicação-EBC. A projeção da CGU em Santa Catarina entendia pela inexigibilidade de licitação, naquele caso. Os núcleos de consultoria no Rio Grande do Sul, São Paulo, Pernambuco e Rio de Janeiro opinavam pela dispensa da licitação. O núcleo de Minas Gerais havia utilizado as duas teses, isto é, uma vez opinou pela inexigibilidade e outra pela dispensa de licitação na contratação de serviços de distribuição de publicidade legal com a EBC. Estava instaurado um conflito entre vários órgãos de consultoria. Necessária a obtenção de um entendimento único que qualificasse uma vontade governamental. Enfim, o que pensava o Governo sobre esse assunto?

A CGU entendeu12 que havia monopólio legal em favor da EBC e, com base em acórdãos do TCU13, prolatados à época da RADIOBRÁS, que de certa forma a EBC sucede, sedimentou entendimento de que no caso se tinha inexigibilidade de licitação, conquanto que se demonstrasse compatibilidade entre os preços da EBC e os preços do mercado. Definiu-se, assim, que a vontade governamental era aquela originariamente apontada pelo órgão consultivo no Estado de Santa Catarina.

11 Processo 01180.000808/209-25. Parecer 013/2012/DECOR/CGU/AGU.

12 Processo 00400.016883/2009-11. Parecer 041-2010/DECOR/CGU/AGU.

13 Tribunal de Contas da União-TCU. Acórdão 539 e Acórdão 689/ Plenário.

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Outro exemplo. A propósito de ato de aposentadoria de Ministro do Tribunal Superior do Trabalho-TST divergiram o MJ e o MPS. A questão foi levada à CGU14. Discutia-se, no fundo, o significado da expressão efetivo exercício no serviço público, utilizada no art. 40, III, da Constituição Federal, bem como em várias emendas constitucionais que trataram da reforma da Previdência. Como pensava o Governo em relação a esse assunto determinado?

A solicitação para resolução da divergência fora pedida pela Casa Civil da Presidência da República. Verificou-se que havia um pedido de aposentadoria voluntária de magistrado do TST que não estava apto para seguir para aprovação presidencial. Não havia apropriado esclarecimento quanto a correta aplicação, para efeitos daquela aposentadoria, da expressão efetivo exercício no serviço público. O problema consistia na possibilidade (ou não) de se contar o tempo de aposentadoria do magistrado em relação a serviços prestados a empresas públicas e a sociedades de economia mista.

O Ministério da Justiça entendia o caso exatamente como o TCU, isto é, haveria possibilidade de contagem de tempo, como efetivo exercício no serviço público, em relação a serviços prestados a empresas públicas e a sociedades de economia mista. O Ministério da Previdência Social, por outro lado, defendia interpretação mais restritiva, reconhecendo como tempo efetivo de serviço público apenas aquele ocorrido no exercício de cargo, função ou emprego público, ainda que descontínuo, na administração direta, autárquica ou fundacional de qualquer dos entes federativos.

Numa primeira manifestação, Advogado da União lotado na CGU opinou em favor da tese do MJ. O Consultor-Geral da União que à época chefiava aquele órgão discordou desse entendimento, forte no argumento de que serviços prestados a empresa pública e a sociedade de economia mista não poderiam ser considerados como de efetivo exercício no serviço público.

Levada a questão ao Advogado-Geral da União, este acolheu a primeira das manifestações, decidindo que o magistrado reunia

14 Processo 00400.002345/2010-75. Parecer 028/010/DECOR/CGU/AGU.

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condições para aposentadoria voluntária, devendo-se contar o tempo de serviço prestado também em empresa pública e em sociedade de economia mista. Isto é, o conceito de efetivo exercício no serviço público, tal como enunciado na emenda constitucional da reforma da Previdência, à luz de uma vontade governamental que se manifestou na intrepretação da norma da Constituição, é abrangente, alcançando também o tempo trabalhado pelo interessado em empresas públicas e sociedades de economia mista.

Divergência entre o MMA e o Ministério da Ciência e Tecnologia-MCT, relativa à competência da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança-CTNBio para exigir estudo prévio de impacto ambiental também foi assunto levado à CGU15. Havia necessidade de se alcançar uma vontade governamental que definisse a quem incumbiria a exigência do referido estudo. A divergência fomentava o impasse. O bem jurídico protegido estaria à mercê da indefinição governamental. Ainda que justificadas por relevantes razões de ordem técnica as vontades corporativas que se revelavam precisavam de uma convergência. Na inexistência de consenso, em função até da ausência de mecanismos para tal, o assunto foi levado a uma definição, por meio de uma arbitragem, ainda que o procedimento não tenha essa denominação. Confirmou-se a competência da CTNBio16.

Num outro caso, relativo a anistia de militares, no que se referia à definição da natureza jurídica e limites da reparação econômica do militar anistiado17, ainda que não se tivesse (naquele momento) divergência na Administração, a CGU se pronunciou sobre o assunto. Nesse caso específico, não se respondia uma divergência formalmente instalada. Havia possibilidade de maior desentendimento, contida a tempo18.

15 Parecer AGU/MP- 02/02. Miguel Pró de Oliveira Furtado. Consultor da União. 27 de maio de 2002.16 Parecer AGU/MP- 02/02. Miguel Pró de Oliveira Furtado. Consultor da União. 27 de maio de 2002. “O

poder de exigir estudo prévio de impacto ambiental par instalação de obra o atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, que envolva organismos geneticamente modificados (OGM) é da competência do Ministério do Meio Ambiente que, todavia, deverá submeter-se e submetê-los ao entendimento manifestado nos pareceres da CTNBio.”

17 Parecer AGU/JD-001/2002. João Francisco Drumond de Aguiar. Consultor-Geral da União Substituto. 19 de dezembro de 2002.

18 Parecer AGU/JD-001/2002. João Francisco Drumond de Aguiar. Consultor-Geral da União Substituto. 19 de dezembro de 2002. “[...] não resta [restava] dúvida de que a reparação econômica a que fará jus o militar anistiado deve ser equivalente aos valores que teria percebido se tivesse permanecido em atividade, consideradas todas as promoções a que faria jus, independentemente do atendimento de requisitos objetivos, excluídas, tão somente, aquelas promoções que dependam do atendimento de requisitos objetivos”.

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Deve-se registrar que discussões relativas às anistias previstas no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição-ADCT de 198819 são fontes de permanente conflito governamental. Há fortíssimo componente ideológico que ronda o assunto. Presume-se poderia haver por parte do MD uma maior resistência para com o deferimento e pagamento das indenizações de que trata a Constituição. Ainda que se tivesse também uma discussão lateral relativa às rubricas orçamentárias que contemplariam o pagamento das anistias, a questão poderia (em tese) opor militares a civis, dentro do Governo. Qual a vontade governamental que se expressa nesse delicado assunto?

Ilustra-se o problema com a pretensão de reconhecimento da condição de anistiados aos ex-empregados do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro-ARMA, demitidos no desdobramento de uma greve que esses empregados realizaram em 1985. Parte-se da premissa que demissões que ensejariam eventuais reconhecimentos da condição de anistiados (e conseqüente pagamento das indenizações) devam ser exclusivamente políticas. Os empregados do Arsenal da Marinha formavam um grupo a parte, porque não eram militares. Por isso, surgiu dúvida em relação à interpretação do § 5º do art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias à Constituição de 1988, que excluiria o benefício de civis que trabalhassem nos Ministérios Militares20.

O MJ mantém em funcionamento uma comissão que julga pedidos de anistia. Há pedidos de desculpas, em nome do Estado brasileiro. Por outro lado, por parte do Ministério da Defesa, os requerimentos

19 Art. 8º. É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos.

20 § 5º - A anistia concedida nos termos deste artigo aplica-se aos servidores públicos civis e aos empregados em todos os níveis de governo ou em suas fundações, empresas públicas ou empresas mistas sob controle estatal, exceto nos Ministérios militares, que tenham sido punidos ou demitidos por atividades profissionais interrompidas em virtude de decisão de seus trabalhadores, bem como em decorrência do Decreto-Lei nº 1.632, de 4 de agosto de 1978, ou por motivos exclusivamente políticos, assegurada a readmissão dos que foram atingidos a partir de 1979, observado o disposto no § 1º.

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para concessão de anistia política foram tratados, historicamente, com alguma preocupação.

No caso dos ex-empregados do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro-ARMA a CGU chegou a divulgar parecer orientando que a unidade de consultoria do Rio de Janeiro recomendasse que os órgãos assessorados procedessem a revisão de atos de concessão de anistia “sob pena de virem a ser responsabilizados pelas ilegalidades respectivas21”.

Nesse mesmo contexto, de divergência intragovernamental, e também num plano ideológico, discussões em torno da Comissão da Verdade poderiam provocar alguma divergência. A referida Comissão foi criada pela Lei nº 12.528, de 18 de novembro de 2011. Sob impacto e motivação de formulação de políticas de respeito a direitos humanos, a Comissão pretende sedimentar uma ponte entre a sociedade civil e seus fundamentos históricos. A Comissão tem por objetivo apurar violações dos direitos humanos ocorridas no Brasil no período de 18 de setembro de 1946 a 5 de outubro de 1988. Nesse assunto, acredita-se, a vontade governamental é expressa na determinação para a formação da Comissão, com o devido processamento dos fatos que interessem aos propósitos que ensejaram a sua criação. Por isso, eventual divergência no assunto deve ter como referencial de interpretação a opção pela solução que contemple e sufrague o bom andamento da Comissão.

Divergência entre a PGFN, o Ministério do Desenvolvimento Indústria-MDIC e Comércio e a Subchefia de Assuntos Jurídicos da Casa Civil-SAJ, referente à definição de quem seria sujeito passivo da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica-CONDECINE22, é mais um exemplo de enfrentamento de divergência intragovernamental realizado a partir da CGU23.

21 Parecer 003/2011/DECOR/CGU/AGU. Processo nº 00400.008466/2010-21.

22 O parágrafo único do art. 32 da Medida Provisória nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001 dispunha que “a CONDECINE também incidirá [incidiria] sobre o pagamento, o crédito, o emprego, a remessa ou a entrega, aos produtores, distribuidores ou intermediários no exterior, de importâncias relativas a rendimento decorrente da exploração de obras cinematográficas e videofonográficas ou por sua aquisição ou importação, a preço fixo”.

23 Parecer AGU/ SF/02/2002. Oswaldo Othon Pontes de Saraiva Filho. Consultor da União. 12 de novembro de 2002.

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Originariamente, a divergência se deu entre a Secretaria da Receita Federal-SRF e a SAJ da Casa Civil. A SRF baixou ato declaratório identificando o contribuinte na empresa estrangeira. A SAJ, por sua vez, ao instruir mandado de segurança que havia sido impetrado contra ato do diretor da ANCINE, havia afirmado que o contribuinte da exação seria a empresa nacional. Quem deteria a vontade governamental de expressar uma orientação definitiva?

No desdobramento da discussão, a PGFN afirmou que o contribuinte da CONDECINE seria a empresa nacional ou sediada no país responsável pela remessa ao exterior. O MDIC assegurou que o contribuinte era o produtor, distribuidor ou intermediário, destinatário no exterior, das quantias relativas aos rendimentos da exploração, no território nacional, de obras cinematográficas, ou por sua aquisição ou importação a preço fixo. A SAJ reiterou entendimento anterior afirmando que o contribuinte da CONDECINE seria a empresa nacional ou filial de empresa estrangeira com escritório o sede no Brasil24.

Concluiu-se que as empresas domiciliadas no Brasil seriam as contribuintes da exação, devendo-se levar em conta também isenção prevista na mesma medida provisória, pelo que, no caso de programação internacional, o contribuinte da CONDECINE seria a empresa programadora estrangeira; à sediada no Brasil, imputava-se, tão somente, a responsabilidade tributária em sentido estrito. Foi essa a forma que se alcançou na definição de uma vontade governamental a propósito da sujeição passiva das contribuições do CONDECINE.

Divergência anterior entre o MD e a SAJ da Casa Civil, relativa à aplicação de algumas exigências na atividade de mineração em faixa de fronteira, também provocou intervenção da CGU. Na ocasião, expressou-se ainda a propósito da competência do Conselho de Defesa Nacional para se pronunciar sobre a matéria25.

24 Dados obtidos no Parecer AGU/SF/02/2002 de autoria de Oswaldo Othon Pontes de Saraiva Filho.

25 Parecer AGU/JD-1/2004. José Francisco Aguiar Drumond. 12 de maio de 2004. “[...] A manifestação do Conselho de Defesa Nacional nos casos de pedidos de autorização para pesquisa, lavra, exploração e aproveitamento de recursos minerais na faixa de fronteira é indispensável, antecede o ato de outorga do título minerário e, quando contrária ao deferimento do pleito, impeditiva dessa outorga”.

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A questão acima listada é exemplo bem definido de situação limite, no que se refere à convergência de opiniões e vontades e a consequente composição de uma vontade governamental. Situações que revelam preocupação com a segurança nacional - a exemplo da mineração em faixa de fronteira- demandam atenção específica, por força das implicações que a decisão provoca, em termos de segurança institucional.

Divergiu-se também a propósito da possibilidade (ou não) de se aplicar procedimento licitatório simplificado às subsidiárias da PETROBRÁS. O MME entendia que as subsidiárias da PETROBRÁS poderiam licitar de forma simplificada, a partir da premissa de que a empresa deveria ser compreendida como um sistema, isto é, de modo orgânico. A PGFN, por outro lado, interpretava a discussão restritivamente, isto é, a literalidade do texto legal não admitiria que as subsidiárias se beneficiassem da permissão dada à matriz26. Vingou a tese do MME.

O tema da aplicabilidade (ou não) da multa entre pessoas jurídicas de direito público, que já havia sido apreciado pela Consultoria-Geral da República, retornou para reexame27, quando se entendeu que “as multas previstas em lei seriam aplicáveis às pessoas jurídicas de direito público” e que “o favorecimento, pela exclusão, caracteriza desvio de poder28”. Na origem desse novo entendimento, demonstrou-se “preocupação da Controladoria-Geral da União com irregularidades nas anotações das Carteiras de Trabalho de empregados municipais, apuradas pela Justiça do Trabalho29”.

Propondo a revisão do entendimento então consolidado, quanto a impossibilidade da imposição de multas à pessoa jurídica de direito público, e a propósito da questão suscitada pela Justiça do Trabalho, argumentou o Consultor-Geral da União:

O Sistema constitucional de imunidades das pessoas jurídicas de direito público tem por finalidade pô-las a salvo da ação fiscal ou

26 Parecer AGU/GV- 01/2003. Galba Velloso. Consultor da União. 20 de maio de 2003.

27 Parecer AGU/GV- 01/2004. Galba Velloso. Consultor da União. 18 de fevereiro de 2004.

28 Parecer AGU/GV- 01/2004. Galba Velloso. Consultor da União. 18 de fevereiro de 2004.

29 Parecer AGU/GV- 01/2004. Galba Velloso. Consultor da União. 18 de fevereiro de 2004.

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administrativa de qualquer outro quando no desempenho lícito ou regular de seus próprios encargos. O mesmo não se haverá de afirmar quando desgarrados da legalidade, ou pela mora ou pela inadimplência, puderem ser penalizados. A imunidade pressupõe logicamente a legalidade de ação estatal, sem o que fica aberta à sanção administrativa tal qual o particular infrator. A imposição de penalidades e fiscalização do cumprimento das regras administrativas revelam a prevalência do interesse ou necessidade pública ao que inclusive o administrador está sujeito. Assim, a multa como expressão do poder de polícia tão facilmente visível quando endereçada ao particular, em face do administrador - não tanto como resultado do ato de polícia senão como conformação do próprio administrador ao princípio da legalidade que lhe cabe de ofício respeitar - revela-se perante o Poder Público como instrumento de autocontrole e autotutela em favor de interesses maiores constitucionalmente previstos30.

Alterou-se, assim, entendimento que sufragava a impossibilidade de multa entre pessoas jurídicas de direito público o que, no limite, e no futuro, pode acarretar execução fiscal em face de pessoa jurídica de direito público. Essa questão é muito preocupante, no que se refere aos arranjos institucionais que contamos. Por um lado, há imprestabilidade de execução forçada para pagamento, por força da impossibilidade que se faça penhora de bem público. Por outro lado, pode-se fomentar uma cultura de irresponsabilidade funcional, na medida em que a multa pode ter como origem a ação ou omissão do servidor público, ou de quem tenha sido pelo Estado contratado.

Conflito entre o MD e o MME referente a direito de servidor militar e de seus dependentes se matricularem em estabelecimento de ensino superior público, ainda que oriundos de instituições privadas, suscitou também intervenção da CGU31, resolvida, em forma de parecer. No pano de fundo, divergência entre lei militar e lei escolar. O MD opinava que ao militar transferido ex-officio não poderia haver obstáculos para efetivação de matrícula, própria ou de familiares, em instituições de ensino superior que fossem ou não congêneres. Militar transferido, que fosse estudante, ou familiar deste, teria direito a vaga em escola pública, inclusive faculdade, ainda que originariamente estivesse matriculado em escola particular.

30 Despacho do Consultor-Geral da União, Manoel Lauro Volkmer de Castilho no Parecer AGU/GV- 01/2004.

31 Parecer AGU/RA- 02/2004. Rafaelo Abritta. Consultor da União. 3 de agosto de 2004.

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Por outro lado, para o MEC, seria imprescindível a identidade entre as instituições de educação envolvidas. Militar removido ex-officio que estudasse em escola pública teria direito a vaga em escola pública; no caso de ser originariamente matriculado em escola privada, não teria direito a vaga em escola pública. A CGU opinou em favor do MD, com base em jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça-STJ, e da interpretação da expressão congênere32.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN, autarquia federal vinculada ao Ministério da Cultura, e o Instituto Brasileiro de Museus-IBRAM, também autarquia federal, e também ligada ao Ministério da Cultura, divergiram em relação à competência para tutelar bens passíveis de musealização. Disputava-se quem deteria competência para declarar de interesse público móveis e imóveis, materiais ou imateriais, de importância para a sociedade brasileira, e relativos à preservação de nossa memória, cultura, identidade e ambiente natural33.

Entendeu-se que o campo de atuação do IBRAM era mais específico, de mais proximidade com bens musealizáveis e musealizados. A competência do IPHAN, assim, seria residual. Por outro lado, concluiu-

32 Parecer AGU/RA- 02/2004. Rafaelo Abritta. Consultor da União. 3 de agosto de 2004. Ementa: “Transferência de estudante - instituições de educação superior - transferência ex officio de servidor militar - controvérsia entre os pareceres jurídicos n os 092, de 11 de junho de 2003, da Consultoria Jurídica do Ministério da Defesa, 021, de 13 de janeiro de 2000, e 547, de 2 de junho de 2003, ambos da consultoria jurídica do Ministério da Educação, sobre o direito de o servidor militar e de seus dependentes se matricularem em estabelecimento de ensino superior público mesmo quando provenientes de instituições privadas. I O servidor militar transferido ex officio, bem como seus dependentes, têm direito à matrícula em estabelecimento de ensino superior público, mesmo na hipótese de terem ingressado originariamente em faculdade particular, ainda que no novo domicílio exista instituição de ensino privado. II O servidor militar e seus dependentes estão sujeitos exclusivamente à disciplina da Lei n. 9.536, de 11 de dezembro de 1997, a qual não faz referência ao termo “congênere”. III O termo “congênere”, previsto no art. 99 da Lei n o 8.112, de 11 de dezembro de 1990, não deve ser aplicado nas hipóteses em que o servidor militar é transferido, consoante a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça”.

33 A definição é legal. Conferir, Lei 11.904, de 14 de janeiro de 2009 (Estatuto dos Museus). Art. 5o Os bens culturais dos museus, em suas diversas manifestações, podem ser declarados como de interesse público, no todo ou em parte.§ 1o Consideram-se bens culturais passíveis de musealização os bens móveis e imóveis de interesse público, de natureza material ou imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência ao ambiente natural, à identidade, à cultura e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. § 2o Será declarado como de interesse público o acervo dos museus cuja proteção e valorização, pesquisa e acesso à sociedade representar um valor cultural de destacada importância para a Nação, respeitada a diversidade cultural, regional, étnica e lingüística do País.

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se34, a competência seria, nesse caso, dupla, devendo o ente interessado justificar a finalidade buscada. Isto é, ainda que detentor de competência específica, a atuação do IBRAM não excluiria a do IPHAN, quando adequadamente justificada. Havia concorrência de responsabilidades que deveria ser definida em função da possibilidade de maior tutela possível ao bem jurídico perseguido.

Há desentendimentos que são resolvidos por interpretação unificadora. É esse o papel da CGU, enquanto agente transformador de vontades coletivas em vontade geral, que espelhe orientação governamental. Não se tem nesse órgão, pelo menos na formulação atual, instância de formação voluntária de consenso. Levando-se em conta que a indecisão, a indefinição e a divergência fomentam o impasse, o que fragiliza a atuação governamental, é que um presidencialismo de articulação institucional também necessita de uma fórmula definidora de decisões.

34 Processo 00400.00176/2011-37. Parecer 109/2011/DECOR/CGU/AGU.

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12 Litigância intragovernamental na Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (Estudo de 15 casos)

Alcança-se agora outra seção que demonstra empiricamente problemas que comprovam a situação de impasse que se vive. É esse o núcleo da pesquisa e que sustenta o argumento defendido no trabalho. O objetivo é catalogar vários problemas, bem como o quanto pode haver de discordância latente em vários assuntos, a exemplo do caso Empresa Gerencial de Projetos Navais-EMGEPRON, um dos mais difíceis que será apresentado.

Alguns casos, pela relevância, serão tratados com mais pormenor. Outros, ainda que importantes, serão tratados de modo mais simplificado, principalmente porque a discussão que os suscitou detém uma maior simplicidade conceitual. São indicados, no entanto, em razão de uma amostragem, que se pretende encaminhar.

Os casos que seguem carregam pouco interesse nos problemas jurídicos que traduzem. O objetivo com a coleta e explicação de vários casos de litigância administrativa é apenas identificar a divergência manifesta que se revela na prática das relações institucionais. A dissensão deixa de ser dissimulada, ocupa espaço de discussão institucionalizada. Soluções técnicas podem ceder a soluções políticas. O jurídico pode se resignar ao real. Tem-se, no arranjo institucional que nessa seção se descreve, a possibilidade de produção de consenso levada ao limite.

A demora no relato, a tentativa de particularizar o problema enfrentado, a individualização dos problemas de dogmática, que transitam do direito tributário para o direito agrário, do direito ambiental para o direito previdenciário, com estações em vários outros campos do direito público, faz parte apenas de um grande esforço para demonstrar a extensão qualitativa do problema. Seus aspectos quantitativos são comprovados pelo volume, e não pela profundidade. O acerto no argumento exige, de algum modo, os dois esforços. Alguma extensão, com alguma profundidade.

O objetivo da presente seção do trabalho, no contexto do estudo do presidencialismo, e da litigância intragovernamental, é comprovar o

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argumento, no sentido de que se tem problema real, e não uma quimera. Não se confronta uma disputa escolástica. Enfrenta-se um dilema da vida real que se explica nas explicações dos problemas reais que relata. Divergências marcadas por concepções distintas de um mesmo problema, o esforço para produção de consenso e a fixação definitiva de uma vontade governamental são os pontos que as situações nessa seção descritas revelam.

Não se trata de seção de trabalho que tenha interesse substantivo na solução de disputa entre dois Ministérios, em relação, por exemplo, a sobreposição de terras, que envolva indígenas e ambientalistas. Não se trata de seção de trabalho que tenha interesse apenas na concepção de instância administrativa, produtora de decisões burocráticas, em série e pasteurizadas. Busca-se uma visão de conjunto. É problema de Estado, que a partir de dados reais precisa ser teorizado.

A divergência intragovernamental é um fato que revela a força de vontades corporativas, embora seja absolutamente natural num regime democrático a existência de um pluralismo de propostas para o cumprimento dos deveres governamentais: há várias interpetações possíveis para uma mesma regra jurídica. A divergência intragovernamental é assim marcadamente psicológica ou ideológica (alcance das vontades corporativas), notadamente política (compreensão das oportunidades das propostas para cumprimento de deveres governamentais) e substancialmente jurídica também (definição da regra válida).

Vontades corporativas minam uma vontade geral, centrada na autoridade presidencial, que precisa de meios para administrar a litigância entre órgãos e pessoas que se encontram sob sua autoridade. Sem que isso represente, naturalmente, qualquer entronização do chefe de um Poder, democraticamente escolhido.

A atuação da CCAF comprova que há várias divergências no Executivo Federal. Por outro lado, a CCAF pode se revelar como instrumento prospectivo para enfrentamento e resolução de problemas que atingem ao Poder Executivo Federal. Sua importância é comprovada pela variedade e complexidade de assuntos que trata, a exemplo de questões de quilombolas, de afetação de áreas indígenas e de preservação ambiental e de patrimônio público. Há também controvérsias rumorosas,

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a exemplo da destinação da Casa de Espetáculos do Canecão no Rio de Janeiro, da revitalização do Cais Mauá em Porto Alegre, da ocupação do Parque Nacional de Descobrimento no sul da Bahia, da discussão sobre as invasões e reintegrações de posse no Parque do Jardim Botânico, também no Rio de Janeiro, entre tantos outros assuntos nos quais se vê oposição entre vários setores do Governo.

A CCAF pode ser ambiente propício para articulação institucional do presidencialismo que aqui se defende, na medida em que as várias vontades corporativas da Administração podem, nesse modelo, mediante construção do consenso ou adequação para com diretrizes de Governo, materializar uma vontade geral, adequadamente discutida. A CCAF pode ser a ponte entre o ajuste da orientação política, a ser fixado pela Casa Civil, e a formulação jurídica dessa orientação, que se faz ordinariamente nas várias projeções do Governo.

Atualmente, a CCAF aprecia cerca de 240 processos administrativos de conciliação1. Essas matérias bem ilustram o conjunto de questões que divide as vontades corporativas, as divergências políticas e as disputas jurídicas na Administração. Matéria fiscal parece ser o campo de maior discussão: 46 dos 240 processos. Em seguida, matéria previdenciária, com 45 dos 240 processos. E porque em matéria previdenciária a preponderância é para assuntos de custos, e não de benefícios, o assunto mais recorrente, assim, é relativo à cobrança de tributos.

Há nessa informação (quantidade de processos em matéria previdenciária) um dado relevante, que indica elemento externo a qualquer desentendimento na Administração. É muito recorrente o INSS cobrar contribuições sociais devidas pela contratação de terceiros, em regime de solidariedade com o agente fornecedor do serviço. Os valores são efetivamente devidos. Como cobrá-los?

Matérias de patrimônio público e de infraestrutura, com 29 processos cada uma, revelam desentendimentos graves na Administração, especialmente no que se refere a orientações ministeriais dissonantes. São questões estruturais, que tratam de conceitos voláteis e discutíveis, a exemplo de desenvolvimento

1 Advocacia-Geral da União. Consultoria-Geral da União. Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal-CCAF, dados colhidos em junho de 2012.

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sustentável. Há também questões trabalhistas, são igualmente 29 processos, num limbo muitas vezes de difícil compreensão, e que fica entre rotinas e estruturas de trabalho estatutário e trabalho celetista. Pode a União pretender, ao mesmo tempo, empregar e prestar o serviço? E o nível de interferência do Ministério Público do Trabalho, que exige concursos públicos para áreas nas quais o Executivo pretende contar com trabalho terceirizado? Pode a União, simultaneamente, erguer um escudo protetor da natureza, para em seguida derrubá-lo para construir uma usina hidrelétrica? Qual a vontade governamental preponderante? E juridicamente, o que sustenta cada uma dessas posições? E na dúvida, quem decide?

Problemas agrários (21 processos) e ambientais (18 processos) suscitam disputas entre representantes do MDA, do INCRA, do MMA, do IBAMA, do ICMBio. Muitas vezes tem-se sobreposição de áreas. São questões que se interligam também a problemas de política indígena (13 processos). Nesse conjunto de processos há também a presença eventual do MME e de autarquias, a exemplo da ANEEL. Cada um dos agentes defende agendas distintas, ainda que sob enfoque de um objetivo comum.

O restante se divide em questões de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço-FGTS, de comunicações e de saúde. Pode-se pensar em mapeamento de questões mais comuns, o que identificaria gargalos na Administração, o que pode também comprovar desarticulação que seria sintoma de multiplicação de vontades corporativas, em detrimento de imaginária vontade geral, que a eleição presidencial poderia captar.

A CCAF conta com a feição atual desde o Ato Regimental nº 5, de 27 de setembro de 20072. O referido texto normativo, como já visto3, organiza e disciplina o funcionamento da CGU4. À CCAF, vinculada

2 No referido Ato identifica-se a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal-CCAF como instância integrante da Consultoria-Geral da União.

3 É nesse Ato Regimental que se dispõe que à CCAF cabe “identificar os litígios entre órgãos e entidades da Administração Federal; manifestar-se quanto ao cabimento e à possibilidade de conciliação; buscar a conciliação entre órgãos e entidades da Administração Federal; e, supervisionar as atividades conciliatórias no âmbito de outros órgãos da Advocacia-Geral da União”. Ato Regimental nº 5, de 27 de setembro de 2007, art. 17, incisos.

4 Conferir, Brasil. Advocacia-Geral da União. Consultoria-Geral da União. Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal-CCAF: Referencial de Gestão CCAF. Brasília: AGU, 2012. Conferir também Brasil. Advocacia-Geral da União. Consultoria-Geral da União. Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal-CCAF: Cartilha. Brasília: AGU, 2012.

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e coordenada pela CGU, compete, prioritária e institucionalmente, a articulação de políticas de aproximação e de conciliação entre órgãos e entes da Administração Federal, bem como entre estes e Estados e Municípios da Federação, de acordo com recentes alterações normativas5.

O modelo da CCAF radica originalmente em Câmaras ad hoc, criadas a partir de projeto inovador da AGU, e que tinha como objetivo pacificar administrativamente questões que eram levadas ao Poder Judiciário. A leitura e o estudo dessas primeiras manifestações mostram inovação e arrojo institucional. Havia despachos que encomendavam certidões positivas com efeitos de negativa, na hipótese de discussões tributárias, o que indicava certa amplitude na interpretação do art. 151, III do Código Tributário Nacional-CTN. A questão ainda é objeto de discussão, e será retomada na parte final do trabalho.

Basicamente concebida por Saulo Ramos, enquanto Consultor-Geral da República no governo de transição da era militar para a redemocratização6, e efetivamente estruturada e ampliada pelo atual Ministro do STF, Gilmar Mendes, quando atuou como Advogado-Geral da União no mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso, a AGU vive processo de permanente expansão, ocupando vários espaços no Poder Executivo Federal.

É instrumento também muito eficaz para a consecução de políticas públicas, bem como para o fortalecimento da atuação presidencial. É indispensável para a formulação de um presidencialismo de articulação institucional, como aqui defendido. É mecanismo singular e imprescindível para a produção do consenso administrativo.

O Advogado-Geral da União detém poder de unificação e de orientação que fazem de sua atuação peça essencial na dinâmica

5 A estrutura normativa da CCAF radica na Constituição Federal, em cujo art. 131 se dispõe que à AGU cabe, entre outros, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo. Essa dicção constitucional precisa ser realizada de alguma maneira, e a CCAF pode ser uma das formas mais eficientes para seu alcance. A Lei Complementar nº 73, de 1993, que instituiu a AGU, dispõe que é atribuição do Advogado-Geral da União �fixar a interpretação das leis, dos tratados e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal�.Lei Complementar 73, de 10 de fevereiro de 1993, art. 4º, X.

6 Cf. Ramos, Saulo, Código da Vida, São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007.

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da administração presidencial7. Certo presenteísmo historiográfico tem animado uma narrativa concertada para conferir ao Advogado-Geral da União e à instituição que chefia foros de ancestralidade e de continuidade8.

Até a Constituição de 1988 a Procuradoria-Geral da República defendeu o Governo em juízo, a exemplo das execuções fiscais, por essa instituição anteriormente conduzidas. Como verificado, à CGR competia a atuação consultiva do Presidente da República. O contencioso era matéria de competência da Procuradoria-Geral da República. Com a Constituição de 1988 a Procuradoria-Geral da República passou a defender a ordem jurídica e os direitos difusos9. À então criada AGU se reservaram as funções que outrora pertenceram ao Procurador-Geral da República bem como ao Consultor-Geral da República. Refletiu-se a ampliação das ações do Estado, numa sociedade cada vez mais complexa e do Estado também dependente.

A multiplicação de funções e competências estatais resultou numa multiplicação de vontades corporativas em prejuízo de uma abstrata vontade geral. Controvérsias internas se multiplicaram. Nesse sentido, de enfrentamento desse problema, o papel do Advogado-

7 Ao Advogado-Geral da União cabe também “unificar a jurisprudência administrativa, garantir a correta aplicação das leis, prevenir e dirimir as controvérsias entre órgãos jurídicos da Administração Federal”. Lei Complementar 73, de 1993, art. 4º, XI.

8 Conferir, por todos, nesse passo, Guedes, Jefferson Carús, Anotações sobre a História dos Cargos e Carreiras da Procuradoria e da Advocacia Pública no Brasil: Começo e Meio de uma Longa Construção, in Guedes, Jefferson Carús e Souza, Luciane Moessa de, Advocacia de Estado- Questões Institucionais para a Construção de um Estado de Justiça, cit., pp. 335-361. De igual modo, ainda que mais especificamente sobre a criação da Advocacia-Geral da União, Valente, Maria Jovita Wolney, Histórico e Evolução da Advocacia-Geral da União, pp. 363-394. Imaginou-se assim uma ancestralidade que transitou do Procurador dos Nossos Feitos das Ordenações Afonsinas, para o Promotor de Justiça da Casa de Suplicação das Ordenações Manuelinas, para o Procurador dos Feitos da Coroa das Ordenações Filipinas, para o Procurador dos Feitos da Coroa, Fazenda e Fisco dos Regimentos da Relação do Estado do Brasil para o Procurador dos Feitos da Coroa e Fazenda do Alvará de 10 de maio de 1808, para o Procurador dos Feitos da Coroa e Soberania Nacional da Constituição de 1824, para o Procurador Fiscal do Tesouro do Decreto nº 736 de 20 de novembro de 1850, para o Procurador-Geral da República da Constituição de 1891, para o Consultor-Geral da República do Decreto nº 967, de 2 de janeiro de 1903. Guedes, Jefferson Carús, cit., loc. cit.

9 Constituição de 1988: Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

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Geral da União no presidencialismo complexo que hoje vivemos. Essa determinação para prevenir e dirimir controvérsias entre órgãos jurídicos da Administração Federal é que justificou a concepção e organização de mais uma instância administrativa, sob controle do Advogado-Geral da União, para os fins previstos na Lei Complementar 73, de 1993. É o ponto de origem da CCAF.

Disputas intragovernamentais, como se verá, são resolvidas por pareceres, que inclusive arbitram e impõem comportamentos ou abstenções. A validade e o alcance dos pareceres do Advogado-Geral da União demandam apreciação presidencial. O parecer do Advogado-Geral da União vincula toda a Administração Federal se pelo Presidente aprovado e posteriormente publicado com despacho presidencial de aprovação10. Os órgãos e entidades governamentais estão obrigados ao fiel cumprimento do entendimento11.

A autoridade e a supervisão do Advogado-Geral da União alcançam também, além dos órgãos jurídicos da Administração Direta, das Autarquias e das Fundações, órgãos jurídicos de empresas públicas ou sociedades de economia mista, em âmbito judicial e extrajudicial12. É norma que atrairia para a CCAF pendências de interesse de empresas públicas e de sociedades de economia mista.

A adoção de cultura transacional parece marcar o Executivo Federal, ainda que haja muita resistência por núcleos de composição

10 Nos exatos termos da Lei Complementar 73, de 1993, “os pareceres do Advogado-Geral da União são por este submetidos à aprovação do Presidente da República”. Lei Complementar 73, de 1993, art. 40, caput.

11 Cf. Lei Complementar 73, de 1993, art. 40, § 1º. E ainda, se o parecer for aprovado, porém não publicado, “obrigará apenas as partes interessadas, a partir do momento em que dele tenham ciência”. Lei Complementar 73, de 1993, art. 40, § 2º. A Lei Complementar nº 73, de 1993, dispõe também que consideram-se, igualmente, pareceres do Advogado-Geral da União [...]aqueles que, emitidos pela Consultoria-Geral da União, sejam por ele aprovados e submetidos ao Presidente da República. Lei Complementar 73, de 1993, art. 41.

12 Lei nº 9.028, de 12 de abril de 1995, art. 8º-C.

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de vontades corporativas13. Transações e conciliações se multiplicam em juízo, e no STF há conjunto impressionante de exemplos. O próprio TCU vem aderindo a essa tendência, a exemplo de decisão da Corte de Contas, no caso do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, quando se assinou, em agosto de 2012, prazo de um ano para que a ocupação dos imóveis nessa região localizados seja regularizada, por meios administrativos.

No contexto organizacional da Presidência da República o Advogado-Geral da União detém também a incumbência de propor normas, medidas e diretrizes ao dirigente máximo do Poder Executivo14. O conteúdo dessas proposições, para os efeitos do presente trabalho, pauta decisões que podem restringir a litigância intragovernamental. O Advogado-Geral da União pode, em princípio, representar um fator de equilíbrio num contexto governamental de muita disputa, estimulado pela multiplicação de vontades corporativas. A CCAF é espaço institucional no qual decisões jurídicas de apaziguamento possam ser eventualmente concebidas15.

A CCAF faz parte da estrutura regimental da Advocacia-Geral da União, em função de documento no qual suas competências

13 Por essa razão, disposição da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, no sentido de que o “Advogado-Geral da União, diretamente ou mediante delegação, e os dirigentes máximos das empresas públicas federais poderão autorizar a realização de acordos ou transações, em juízo, para terminar o litígio, nas causas de valor até R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais)”. Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, art. 1º, na redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009. A referida lei também dispõe sobre termos de ajuste de condutas, que podem ser firmados “para prevenir ou terminar litígios, nas hipóteses que envolvam interesse público da União, suas autarquias e fundações (...)” nas condições por ela previstas. Lei nº 9.469, de 1997, art. 4º-A, na redação da Lei nº 12.249, de 2010.

14 Lei 10.683, de 28 de maio de 2003, art. 12.

15 À CCAF compete: “I - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de conciliação, no âmbito da Advocacia-Geral da União; II - requisitar aos órgãos e entidades da Administração Pública Federal informações para subsidiar sua atuação; III - dirimir, por meio de conciliação, as controvérsias entre órgãos e entidades da Administração Pública Federal, bem como entre esses e a Administração Pública dos Estados, do Distrito Federal, e dos Municípios; IV - buscar a solução de conflitos judicializados, nos casos remetidos pelos Ministros dos Tribunais Superiores e demais membros do Judiciário, ou por proposta dos órgãos de direção superior que atuam no contencioso judicial; V - promover, quando couber, a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta nos casos submetidos a procedimento conciliatório; VI - propor, quando couber, ao Consultor-Geral da União o arbitramento das controvérsias não solucionadas por conciliação; e, VII - orientar e supervisionar as atividades conciliatórias no âmbito das Consultorias Jurídicas nos Estados”. Decreto nº 7.392, de 2010, art. 18.

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são objetivamente discriminadas16. Esse conjunto de competências delineia também o processamento das discussões perante à CCAF. Com o recebimento de requerimentos para composição de instâncias de conciliação deve-se, em primeiro lugar, fazer-se um juízo de admissibilidade de processamento administrativo para composição da demanda. É o primeiro passo.

Esse juízo de admissibilidade exige, de um ponto de vista prático, que a parte em face da qual a demanda para conciliação se pretenda instaurar deva ser ouvida, antes de qualquer outra providência. A negativa na participação no processo de conciliação não o obstaculiza. Em princípio, a hipótese do arbitramento pode ser o desate da contenda. E há exemplos, especialmente quando a Fazenda Nacional é uma das partes.

É justamente nesse pormenor que a conciliação administrativa, entre órgãos e entes da Administração, se diferencia da conciliação entre particulares. Nesta última a conciliação se faz em relação a matérias sobre as quais haja disponibilidade. Firma-se, como pressuposto, cláusula compromissória antecedente17.

O poder de controle da Administração, exercido pelo Presidente da República, justifica que eventual arbitramento aprovado por parecer pelo Advogado-Geral da União, e pelo Presidente em seguida aprovado e publicado, obrigue à parte resistente, no que se refere ao cumprimento da diretriz fixada pela Advocacia-Geral da União, mediante atuação da CCAF. Porque não se produziu o consenso, deve-se evitar o impasse.

A possibilidade de requisição de informações a órgãos e entidades da Administração Pública Federal confere à CCAF autonomia para diligenciar e conduzir processos de convergência de vontades na Administração. Não há limitação quanto à matéria e extensão da conciliação que se possa alcançar. É arranjo institucional que permite que se chegue a um consenso.

16 Decreto nº 7.392, de 13 de dezembro de 2010.

17 Cf., em tema de convenção arbitral Cahali, Francisco José, Curso de Arbitragem, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, pp. 105 e ss.

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O modelo transcende à questão da litigância intragovernamental, na medida em que a possibilidade da União conciliar com Estados, Distrito Federal e Municípios (sem limite mínimo de população) é também prevista pela norma infralegal de regência. Permaneceria dúvida neste tipo de questão, relativa à obrigação no cumprimento de termos de conciliação ou de pareceres de arbitragem, por parte das unidades federadas. Determinação da União para que unidade federada cumpra convergência de vontades manifestada em processo conciliatório pode, no limite, configurar violação ao pacto federativo, de absoluta proteção constitucional. Ainda que a unidade confederada tenha concordado em participar do processo conciliatório.

Resta, então, argumento de fundo moral, sedimentador de responsabilidade assumida, por parte do representante da unidade federada. A participação de ente federado no processo conciliatório demonstraria, em princípio, cláusula compromissória não escrita, fundamental para o funcionamento do sistema, no que se refere à construção de lastros de confiança. O próprio STF pode, em princípio, confirmar essa premissa. É o que se lê em despachos dos Ministros Ricardo Lewandovsky e Joaquim Barbosa, citados no presente trabalho.

A atuação da CCAF não se limita a conflitos postos pela Administração, ainda em primeiro nível de discussão. Matéria judicializada pode ser levada à CCAF, inclusive com consentimento e aprovação judicial, como se vê em questões que o STF afetou à CCAF, como já se demonstrou. A possibilidade de celebração de termos de ajuste de conduta fornece instrumento muito útil no enfrentamento das demandas que são à CCAF encaminhadas. O termo de ajuste de conduta é um instrumento de produção de consenso. Trata-se de arranjo institucional que se utiliza principalmente em questões ambientais e trabalhistas.

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O rito da CCAF é explicitado na Portaria AGU nº 1.099, de 28 de julho de 200818, cujo conteúdo foi ampliado pela Portaria AGU nº 481, de 6 de abril de 200919.

Pedidos de instauração de procedimento são instruídos com indicação de representante do solicitante - para participação em reuniões e trabalhos -, e pelo entendimento jurídico do órgão ou entidade, inclusive com prévia análise dos pontos controvertidos, além de cópia de documentos necessários20. O ritual de instrução segue forma cartorial.

O conciliador pode em qualquer fase do procedimento solicitar informações ou documentos, demandar a participação de representantes de outros órgãos ou entidades interessadas, bem como sugerir que a atividade conciliatória seja realizada por outros órgãos da AGU21. Em caso de conciliação deve-se lavrar termo que será assinado pelo Advogado-Geral e pelos representantes jurídicos máximos dos entes envolvidos, nas hipóteses de que algum ente federado seja parte22.

18 A aludida portaria dispõe “sobre a conciliação, em sede administrativa e no âmbito da Advocacia-Geral da União, das controvérsias de natureza jurídica entre a Administração Pública Federal e a Administração Pública dos Estados ou do Distrito Federal”.

19 Que dispõe que o “deslinde, em sede administrativa, de controvérsia de natureza jurídica entre a Administração Pública Federal e a Administração Pública dos Estados, do Distrito Federal, e de Municípios que sejam capital de Estado, ou que possua mais 200 mil habitantes, por meio de conciliação, no âmbito da Advocacia-Geral da União, far-se-á nos termos desta Portaria”. Como regra, o procedimento se instaura com pedido dirigido ao Advogado-Geral da União, por Ministros de Estado, por dirigentes de entidades da Administração Federal Indireta, pelo Consultor-Geral da União, pelo Procurador-Geral da União, pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional, pelo Procurador-Geral Federal, pelos Secretários-Gerais de Contencioso e de Consultoria, pelos Governadores ou Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal, bem como por Prefeitos e Procuradores-Gerais de Municípios. Cf. Art. 2º da Portaria AGU nº 1.099, de 28 de julho de 2008, com redação do art. 1º da Portaria AGU nº 481, de 2009.

20 Cf. art. 3º da Portaria AGU nº 1.099, de 2008.

21 Cf. art. 7º da Portaria AGU nº 1.099, de 2008.

22 Cf. art. 9º da Portaria AGU nº 1.099, de 2008.

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A PGF23, a PGU24 e a PGFN25 possuem dispositivos próprios que regulamentam as respectivas participações nos procedimentos que de desdobram na CCAF.

Em seguida, comprova-se empiricamente o argumento em favor da necessidade de que se tenha arranjo institucional para produção de consenso na Administração. Apresentam-se casos emblemáticos. Demonstra-se a alta incidência da babelização institucional. É esforço humano, material e orçamentário muito alto para o enfrentamento de questões que muitas vezes revelam circunstâncias incompreensíveis para quem não compartilha dos problemas do cotidiano democrático. Alguns casos revelam a possibilidade de fórmulas de resolução de problemas que se realizam num ambiente extrajudicial, ainda que se copiem ritos, procedimentos, jargão e comportamentos do ambiente judicial.

Segue listagem dos casos escolhidos. Os cortes são temáticos e se prestam para ilustração dos pontos mais sensíveis. Não há muita

23 A PGF é incisiva, no sentido de evitar a judicialização de problemas entre órgãos e entidades, consignando em portaria que �estabelecida controvérsia de natureza jurídica entre entidades da Administração indireta, ou entre tais entes e a União, a adoção de qualquer providência em juízo deve ser precedida de consulta à Procuradoria-Geral Federal�. A multiplicação de entes sob a autoridade e supervisão da PGF exige postura mais ativa. Corre-se o risco de uma absoluta babelização da Administração indireta. Consultar art. 9º da Portaria PGF nº 530, de 13 de julho de 2007.

24 A PGU conta com portaria que dispõe que, uma vez estabelecida controvérsia de natureza jurídica entre órgãos e entidades da Administração Pública Federal, e entre essa e a Administração Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que sejam Capital de Estado ou que possuam mais de 200 mil habitantes, deve �o órgão da Procuradoria-Geral da União, no âmbito de sua atuação, [...]encaminhar à Procuradoria-Geral da União consulta sobre o cabimento de procedimentos conciliatórios, para posterior envio ao Consultor-Geral da União�.A exemplo do que ocorre com a PGF, a PGU exerce também política de conciliação judicial com terceiros que revela cultura burocrática mais preocupada com resultados do que com procedimentos. São experiências de conciliação que se multiplicam, inclusive em matéria fiscal, de competência da PGF. Consultar art. 2º da Portaria PGU nº 001, de 8 de janeiro de 2010.

25 A PGFN, também por portaria, dispõe que �os pedidos de instauração de conciliação enviados pela Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Pública Federal �CCAF ou por outros órgãos da Advocacia-Geral da União-AGU serão encaminhados ao Procurador-Geral da Fazenda Nacional, por intermédio da chefia de gabinete (...)�. E é à chefia de gabinete da PGFN a quem incumbe analisar �a pertinência da participação da PGFN no feito�. Atento estudo do papel que a Fazenda Nacional protagoniza no cenário da conciliação revela cultura burocrática refratária, presa em interpretações de feição literal. Registra-se aqui uma constatação, e não uma crítica. Conferir Art. 1º da Portaria PGFN nº 131, de 21 de fevereiro de 2011.

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preocupação com matéria de direito, ainda que exemplos e comentários de dogmática jurídica sejam necessários.

O objetivo consiste na enumeração dos pontos mais sensíveis, indicativos da litigância intergovernamental e de seu antídoto, o necessário presidencialismo de articulação institucional, do qual a atuação política da Casa Civil e a atuação jurídica da AGU possam ser mediadas por instância que atue como um tribunal administrativo numa cultura refratária a soluções não judiciais. Os problemas adiante glosados e subsequentemente pormenorizados não se dão entre terceiros e a Administração: são problemas que ocorrem internamente, embora não sejam sigilosos; o interessado pode ter conhecimento de todos os casos, se assim requerer.

Serão comentados 15 casos. Inicia-se com disputa entre o Banco Central do Brasil-BACEN e a PGFN a respeito da competência da CCAF para tratar de matéria fiscal, problema que se desdobrou no contexto de uma contenda pontual, relativa à necessidade do BACEN recolher cotas patronais de contribuições previdenciárias de prestadores de serviços de saúde ao plano de saúde organizado por aquela autarquia, que detém status de ministério. O caso levantou alguma polêmica, quanto ao procedimento.

Segue-se com importante caso apreciado pela CCAF, que se desatou por arbitramento, posteriormente desafiado pela Fazenda Nacional. Discutiu-se a possibilidade de se rever, por ordem do Presidente da República, decisão administrativa transitada em julgado, em favor da Administração, e que foi desconstituída, por seu chefe mais graduado. A questão abre debate em torno dos poderes do Presidente da República no presidencialismo brasileiro, especialmente no que se refere a sua competência para apreciar recursos administrativos (provocados pelo administrado) e para avocar processos, que não sejam os decididos, em instância única, por um de seus Ministros.

Na seqüência, uma disputa ente o IBAMA e a PGFN, relativa ao desembaraço aduaneiro de material para pesquisa na floresta amazônica. O doador foi o governo da Alemanha, com isenção fiscal prevista em

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tratado internacional. Exemplo marcante de desarticulação institucional e de perda de energia burocrática.

Na sequência, uma divergência entre o INSS e a FUNASA, que tinha como causa a necessidade desta última recolher contribuições previdenciárias de prestadores de serviços. A matéria é muito comum na prática da CCAF. É um caso relativamente simples que ainda não revelava o volume de problemas em âmbito de possibilidade de conciliação em matéria tributária e previdenciária.

Uma disputa entre a PGF e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS ilustrará de outro ângulo o problema das contribuições previdenciárias na percepção das vontades corporativas da Administração. A inversão da lógica da articulação institucional pode ser demonstrada com uma disputa entre o Ministério do Trabalho e Emprego-MTE e a Caixa Econômica Federal-CEF, sobre o Fundo de Garantia de Tempo de Serviço-FGTS.

Uma ação possessória sobre terras indígenas levou o Departamento Nacional de Obras contra as Secas-DNOCS a compor com a FUNAI. Uma ação de reintegração de posse em terra indígena, levou dessa vez FUNAI e IBAMA a composição na CCAF. Competência para laudo de periculosidade e de insalubridade opôs o MD ao MTE em outra questão indicadora da falta de articulação institucional.

Esse fragmento do trabalho terá continuidade com disputa entre o CADE e o MT sobre a possibilidade (ou não) de cobrança de uma determinada taxa em terminais portuários. Problemas de infraestrutura, decorrentes de reformas na rodovia que liga Porto Velho a Manaus provocaram divergência entre o DNIT e o IBAMA, o que também revela desentendimento institucional.

Outro exemplo prosaico, por conta da divergência de valores discutidos, decorre de antagonismo entre a Universidade Federal de Roraima e a ELETRONORTE a propósito de embargo da universidade à construção de linhas de transmissão elétrica em área que era de seu domínio.

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Deficiência na prestação de saúde em regiões de ocupação indígena fomentou disputa entre FUNAI e FUNASA, o que descortina certa fragilidade na fixação de políticas públicas. Uma inusitada disputa que opôs o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento-MAPA o IBAMA e o IPHAN contra o Ministério do Desenvolvimento Agrário-MDA e o INCRA, com relação a assentamento rural em área de treinamento de aviação agrícola, de floresta nacional e de preservação histórica é exemplo limite de uma babelização administrativa.

Os exemplos foram todos colhidos dos autos de processo administrativo no CCAF, aqui identificados. A composição da narrativa foi montada a partir de acurada leitura de ementas e de sumários, bem como das peças juntadas. Uma entrada, chamando o caso dá início a cada um dos comentários.

Não há, nas observações vindouras, nenhum juízo de valor quanto ao mérito ou quanto às soluções dogmáticas discutidas e aplicadas. O que se pretende é a ilustração do argumento, por meio de exemplos, que descortinam a litigância intragovernamental que precisa ser combatida, em favor de um presidencialismo de articulação institucional.

BACEN v. PGFN (competência da Câmara da AGU para tratar de matéria tributária)

O Banco Central do Brasil-BACEN insurgiu-se contra exigência do INSS26 relativa ao recolhimento de cota patronal de contribuição previdenciária por serviços prestados por médicos do Programa de Assistência à Saúde dos Servidores do Banco Central do Brasil-PASBC.

O caso é singular. A AGU foi instada a se pronunciar se matéria fiscal poderia ser discutida na CCAF. Essa disputa entre o BACEN e a PGFN (que depois da inscrição do débito em dívida ativa passou a ser responsável por sua cobrança) foi o início de animada discussão. Questionou-se se a conciliação do modelo da AGU admitiria composição em matéria tributária, se a CCAF teria competência para conduzir esse

26 O INSS neste caso, no qual se discutia custeio e não benefícios, foi substituído pela Secretaria da Receita Federal, quando da criação da Super-Receita, por disposição da Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007.

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tipo de controvérsia e se a legalidade tributária não seria desrespeitada porque não havia lei que permitisse a conciliação entre órgãos e entes da Administração em causas fiscais.

Além de complexa questão jurídica, cuja exegese poderia conduzir o intérprete para duas soluções possíveis, nessa discussão há inegável conjuntura ideológica que revela embate entre posição conservadora e procedimentalista (de algum modo característica das autoridades fiscais) e compreensão mais funcionalista do problema (mais preocupada com resultados). O debate sobre a possibilidade de conciliação em matéria fiscal alcança também o princípio da eficiência, outro ponto não menos importante em direito público, e que tem raiz constitucional.

Debate parecido com esse se percebe também na discussão de projeto de lei de transação tributária. O CTN já prevê a transação27, ainda que restrita a cláusula indicativa de concessões mútuas, o que problemático em direito tributário. Há pensamento absolutamente refratário a qualquer forma de transação tributária, em contraposição a tendência que defende fórmulas de transação fiscal, como possibilidade de abertura de mais um canal de comunicação entre fisco e contribuinte28.

Além de enfrentar o problema da competência (ou não) da Câmara de Conciliação tratar de matéria fiscal, essa discussão entre o BACEN e a PGFN foi arbitrada, dado que as partes não chegaram a consenso. O que então provocou outra discussão, no sentido de se indagar se, na hipótese de anulação de lançamento fiscal, poderia o arbitramento extinguir o crédito tributário.

27 Código Tributário Nacional-CTN, art. 171: A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação do litígio e conseqüente extinção de crédito tributário.

28 Para o debate, conferir, Saraiva Filho, Oswaldo Othon de Pontes e Guimarães, Vasco Branco, Transação e Arbitragem em Direito Tributário, Belo Horizonte: Fórum, 2008. Conferir também, Torres, Heleno Taveira, Transação, Arbitragem e Conciliação Judicial como Medidas Alternativas para a Resolução de Conflitos entre Administração e Contribuintes: Simplificação e Eficiência Administrativa. Revista Fórum de Direito Tributário. Belo Horizonte: Fórum, ano 1, n. 2, 2003.

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A questão chegou à AGU por provocação do titular da pasta da Casa Civil, por intermédio de Aviso29, levando-se em conta o fato de que havia grave pendência entre o Ministério da Fazenda (no caso representado pela PGFN) e o BACEN. Este último é autarquia especial com status de Ministério. O BACEN foi criado pela Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964. Substituiu a Superintendência da Moeda e Crédito-SUMOC.

O BACEN fora intimado para pronto recolhimento de cota patronal de contribuição previdenciária incidente sobre remuneração paga ou creditada a profissionais autônomos que prestam serviços médicos ao Plano de Assistência à Saúde dos Servidores do Banco Central-PASBC.

No início do procedimento de conciliação a PGFN levantou questões preliminares que colocavam em dúvida a possibilidade de conciliação em matéria fiscal, bem como o poder de conduzir conciliação ou de arbitrar, por parte da Câmara da AGU. As autoridades fazendárias afirmavam que no direito brasileiro não haveria possibilidade para conciliar em matéria tributária, por absoluta falta de autorização legal. Insistiam que a CCAF não detinha competência para conduzir tal processo, também por ausência de previsão legal. Apontavam que os marcos regulatórios da atuação da CCAF (medida provisória e portaria) eram insuficientes para tratar de matéria na qual impera a absoluta reserva de lei. A CCAF estaria desafiando o princípio da reserva legal30. A PGFN também não admitia que a discussão levada à CCAF pudesse ensejar certidão positiva com efeitos de negativa em favor do BACEN,

29 Processos: 00407.001676/2007-22 e 00400.000857/2007-00. INSTRUMENTO JURÍDICO: PARECER nº AGU/SRG-01/2007. (Controvérsia encerrada em 29 de novembro de 2007). Nos mesmos processos, para o mérito da questão, PARECER nº AGU/SRG-01/2008. (Controvérsia encerrada em 25 de abril de 2008).

30 Essa argumentação centrava-se na redação do inciso VI do art. 97 do CTN que dispõe que “somente a lei pode estabelecer, entre outros, as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários”. A lista de circunstâncias justificativas de extinção do crédito fiscal são aquelas dispostas no art. 156 do CTN, nomeadamente: o pagamento, a compensação, a transação, a remissão, a prescrição, a decadência, a conversão do depósito em renda, o pagamento antecipado, a consignação em pagamento, a decisão administrativa irreformável, assim entendida a decisão definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória, a decisão judicial passada em julgado, a dação em pagamento de bens imóveis, nesse último caso, na forma e condições estabelecidas em lei.

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também por absoluta falta de previsão legal. Invocava-se o art. 151 do CTN31.

A Consultoria da União apresentou parecer, aprovado pelo Consultor-Geral, bem como pelo Advogado-Geral da União (ainda que interino)32, no qual os argumentos deduzidos pela PGFN foram rebatidos. Invocou-se inicialmente a Lei Complementar nº 73, de 1993, que confere ao Advogado-Geral da União competência para unificar a jurisprudência administrativa, garantir a correta aplicação das leis, bem como prevenir e dirimir as controvérsias entre os órgãos jurídicos da Administração Federal. A disputa entre INSS (sucedido pela SRF) e BACEN se enquadrava num contexto de controvérsia a ser dirimida pelo Advogado-Geral da União. Qual vontade governamental deveria prevalecer?

Com base também no art. 11 da Medida Provisória 2.180-35, de 24 de agosto de 200133, é que se construiu argumentação em favor da possibilidade da CCAF possuir competência para se pronunciar naquele caso34. Chamando a atenção para uma cultura de conciliação que se desdobra no Brasil a partir de meados da década de 2000, defendeu-se a competência da Câmara para tratar do caso.

Se o despacho do Advogado-Geral da União interino tivesse então sido levado para aprovação do Presidente da República, com subseqüente publicação no Diário Oficial da União, estariam

31 O art. 151 do CTN dispõe que suspendem a exigibilidade do crédito tributário: a moratória, o depósito do montante integral da dívida, as reclamações e recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo, a concessão de liminar em mandado de segurança, a concessão de liminar ou de tutela antecipada em outras espécies de ação judicial, bem como o parcelamento da dívida.

32 Parecer AGU/SRG-01/2007, de autoria da Advogada da União, Sávia Maria Leite Rodrigues Gonçalves.

33 �Estabelecida controvérsia de natureza jurídica entre entidades da Administração Federal indireta, ou entre tais entes e a União, os Ministros de Estado competentes solicitarão, de imediato, ao Presidente da República, a audiência da Advocacia-Geral da União�.

34 Invocou-se também o caput do art. 96 do CTN que dispõe que a expressão legislação tributária também compreende conjunto de normas complementares, dentre as quais, argumentou-se, portarias e demais atos normativos que instrumentalizavam o funcionamento da Câmara de Conciliação da AGU, até então. E porque não há imutabilidade do ato administrativo, e a Súmula 473 do STF é da assertiva prova, não haveria também imutabilidade do ato administrativo de lançamento de tributo. O próprio CTN dispõe sobre a possibilidade de alteração do lançamento, inclusive de sua revisão de ofício em várias hipóteses.

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contempladas as condições de validade do ato para toda a administração, nos termos do art. 40 da Lei Complementar 73, de 197335.

Assentada a competência, iniciou-se discussão sobre o mérito da questão, ainda que num ambiente de resistência fazendária. A referida oposição barrou qualquer forma de conciliação. A questão seguiu para arbitramento, de onde são colhidos os elementos históricos do caso, para melhor compreensão do problema36.

O BACEN não conseguira certidão negativa de débitos, à época emitida pelo INSS, porque a autoridade autárquica previdenciária havia constatado débitos referentes à cota patronal de contribuição previdenciária de serviços prestados por médicos do Programa de Assistência à Saúde dos Servidores do Banco Central do Brasil-PASBC. O BACEN recorreu a instância administrativa superior. Esta manteve a decisão. Concomitantemente, um incêndio num dos prédios do INSS em Brasília ocasionou a perda dos autos principais, que foram restaurados.

Por causa de decisão administrativa desfavorável o BACEN ajuizou mandado de segurança, obtendo liminar (e a conseqüente certidão), posteriormente cassada. Viveu-se curioso paradoxo burocrático. Porque o BACEN administra o Cadastro Informativo de Créditos Não Quitados do Setor Público Federal-CADIN, teria a obrigação de incluir a si mesmo no referido cadastro. É que o referido cadastro contém registros, entre outros, de pessoas físicas e jurídicas com obrigações pecuniárias vencidas e não pagas para com órgãos e entidades da Administração Pública Federal, direta e indireta. Era o caso do BACEN, em relação aos valores eventualmente devidos ao INSS.

No mérito, a contribuição devida pela empresa é de 20% sobre o total das remunerações pagas ou creditadas a qualquer título aos segurados contribuintes individuais que lhes prestem serviços. É o caso

35 A aludida regra, como visto, dispõe que �os pareceres do Advogado-Geral da União são por este submetidos à aprovação do Presidente da República,” e que, uma vez aprovado e “publicado juntamente com o despacho presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento�. Lê-se no mesmo artigo de lei que, �o parecer aprovado, mas não publicado, obriga apenas as repartições interessadas, a partir do momento em que dele tenham ciência�.

36 Parecer nº AGU/SRG-01/2008.

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dos médicos que trabalhavam para um plano de assistência à saúde, mantido pelo BACEN. Segundo a PGFN o fato gerador da obrigação tributária estaria, assim, objetivamente demonstrado.

A PGFN defendia que havia relação jurídica entre o BACEN e o INSS, naquele caso. Era dever daquele não só reter a cota previdenciária individual de quem lhes prestasse serviço, bem como pagar a cota patronal. O BACEN seria, no primeiro caso, um contribuinte de fato e, na segunda hipótese, um contribuinte de direito. Por ser mantenedor e gestor do plano de saúde de seus servidores o BACEN seria, por esse motivo, sujeito passivo da obrigação tributária que se discutia.

O BACEN rebatia alegando que era integrante paritário do plano de saúde de seus funcionários, e que com eles estava no mesmo nível. Além do que, argumentava-se, o enquadramento do BACEN como empresa, pelas autoridades fazendárias, era exercício analógico vedado pelo CTN. O BACEN, nesse raciocínio, não era uma empresa. Era uma autarquia que atuava num mesmo nível que a Administração Direta. Para o BACEN, o recolhimento da cota individual, por intermédio de retenção, já era o que lhe bastava, à luz da legislação vigente.

A arbitragem da AGU fixou o entendimento de que o BACEN era a pessoa jurídica que efetivamente promovia o pagamento daqueles que prestavam serviços médicos aos usuários do plano de saúde que mantinha. Portanto, era devedor.

Conclui-se pela responsabilidade tributária do BACEN. A discussão preliminar assentou administrativamente que a CCAF pode compor matéria tributária, inclusive arbitrando. E, no mérito, entendeu-se que o BACEN era responsável pelo recolhimento de cota patronal previdenciária de médicos que prestaram serviços para o plano de saúde mantido pela autarquia. Foi a vontade governamental que emergiu do desencontro de vontades corporativas, ainda que não se tenha alcançado consenso, razão do arbitramento.

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PGFN v. EMGEPRON (revisão de decisão administrativa)

A Empresa Gerencial de Projetos Navais-EMGEPRON é uma empresa pública federal, cujo capital é exclusivamente da União. Dedica-se ao desenvolvimento e à execução de projetos militares de segurança nacional. A EMGEPRON é vinculada e supervisionada diretamente ao Comando da Marinha. Constituída a partir da Lei nº 7.000, de 9 de junho de 1982, a EMGEPRON tem por finalidade, nos termos de sua lei criadora, a promoção da indústria militar naval brasileira e atividades correlatas. Concomitantemente, também nos termos da Lei nº 7.000, de 1982, a EMGEPRON promove e executa atividades vinculadas à obtenção e manutenção de material militar naval. É empresa pública de interesse da segurança nacional.

Pelo inusitado da discussão e do respectivo desdobramento a referida empresa pública protagonizou provavelmente o mais emblemático caso de litigância intragovernamental que o presente trabalho noticia. A polêmica em torno da arbitragem no caso empolgou vasta divagação teórica sobre a validade de um modelo conciliatório e arbitral no Poder Executivo, bem como - inclusive - sobre os limites da competência do Presidente da República, em relação a recursos administrativos e a avocação de processos.

Tem-se a impressão que a reação à intervenção presidencial no caso se limitou ao campo procedimental, centrada no dogma de que lançamento fiscal somente pode ser alterado por autoridade fiscal, em sentido estrito. Por outro lado, colhe-se também a impressão de que o pensamento funcionalista37 animou (ainda que intuitivamente) o concerto administrativo que se pretendeu, e que redundou em homologação de laudo arbitral por parte do Advogado-Geral da União, com imediato aprovo presidencial38.

37 Conceitualmente, o funcionalismo aqui indicado significa uma natureza promocional do Direito, no sentido de induzir comportamentos e de obter resultados. Conferir Bobbio, Norberto, Da Estrutura à Função- Novos Estudos de Teoria do Direito, Barueri: Manole, 2007. Tradução de Daniela Beccaccia Versiani.

38 Processo: 00400.000856/2007-57. INSTRUMENTO JURÍDICO: Parecer nº AGU/SRG-02/2008. (Controvérsia encerrada em 3 de setembro de 2008). Em verdade, a controvérsia persistiu, por meio de parecer elaborado na Coordenação-Geral de Assuntos Tributários da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, com aprovo do titular daquele órgão da Advocacia-Geral da União.

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Afinal, porque a EMGEPRON é empresa pública, com capital exclusivo da União, uma execução fiscal contra ela proposta pela União teria como desate a confecção de precatório para que a União pagasse a si mesma, dada a unidade orçamentária. Sem que se compute, nessa desencontrada situação, a atuação de advogados públicos, de agentes do Judiciário, bem como a instabilidade institucional em área delicadíssima, afeta à segurança nacional. A questão desafia os padrões ortodoxos do direito público, centrados eventualmente na abstração e no conceitualismo.

O problema tem origem quando o Ministro da Defesa pediu da Casa Civil intervenção para que se provocasse a Advocacia-Geral da União. O INSS (que no caso foi sucedido pela Secretaria da Receita Federal-SRF e pela PGFN) pretendia cobrar suposto débito da EMGEPRON, que orçava cerca de 16 milhões e trezentos mil reais. A referida dívida decorria de autos de lançamento fiscal efetivados por auditores do INSS que imputavam à EMGEPRON equívocos na fixação do grau de risco de atividade laborativa preponderante, para efeitos de recolhimento de contribuição previdenciária devida sobre o total de remunerações pagas e creditadas a segurados empregados.

Segundo o INSS a alíquota incidente era de 3%, porquanto o nível de grau de periculosidade da atividade fiscalizada era máximo. Ao longo dos anos a EMGEPRON vinha recolhendo na alíquota de 2%, isto é, entendia que o grau de periculosidade da atividade que desenvolvia era de nível médio.

O INSS também entendeu que a EMGEPRON incorretamente fizera autodeclaração para efeitos de recolhimento do Fundo de Previdência e Assistência Social-FPAS, indicando código que não refletia a situação da empresa, que é pessoa jurídica de direito privado.

A EMGEPRON insistia que é empresa pública que presta serviços gerenciais à Marinha, e não ao público em geral. As tabelas de classificação não são exatas e a classificação no código pretendido pelo INSS que identifica, entre outros, pessoas jurídicas que atuam no comércio varejista, em nenhum momento captava e refletia a realidade negocial da EMGEPRON.

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Seguindo o rito do processo administrativo brasileiro a EMGEPRON impugnou o lançamento fiscal, que foi mantido. Apelou para a antiga Câmara Superior de Recursos da Previdência, órgão colegiado que manteve a decisão originária. Mantido o rito, o próximo passo seria a inscrição em dívida ativa com conseqüente execução fiscal. Concluído o ciclo, a União faria a penhora dos bens da EMGEPRON, isto é, dela mesma. E os levaria a leilão. E provavelmente os adjucaria.

Na impossibilidade de que a constrição de bens fosse feita, a discussão seguiria para impugnação de valores, com base no rito do art. 730 do CPC. Ao fim, readequação orçamentária contemplaria os créditos que a União supostamente devia a si mesma. É isso o que se deveria evitar, pela anomalia institucional que a questão denuncia, o que não implica, evidentemente, que se declarasse alguma forma de isenção.

Não se trata evidentemente de isenção, porquanto a EMGEPRON recolhia contribuições em alíquotas de 2%, bem como contribuía na qualidade da rubrica que indicou, no que se refere à atividade desempenhada. O problema estava, no mérito, em se definir o nível de periculosidade da atividade da empresa.

Chamou a atenção, no caso, o questionamento referente à legitimidade de intervenção presidencial. A situação opunha dois Ministérios, o da Fazenda e o da Defesa. Eventual arbitramento não significaria absolutamente dispensa de qualquer forma de pagamento. Tanto assim que em discussão entre o BACEN e a PGFN arbitrou-se em favor dessa última, determinando-se que o BACEN recolhesse valores apontados como devidos pelas autoridades fazendárias. Precedente havia comprovando que arbitramento não significa necessariamente dispensa de pagamento de tributo devido.

A judicialização exporia absoluta desarticulação do Poder Executivo, que se desvendaria incapaz de conduzir negócios internos, revelando presidencialismo frágil e de baixo nível de eficiência. Afinal, o Presidente teria o Judiciário decidindo conflito entre dois ministérios, a ele - Presidente - subordinados.

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Com vistas a enfrentar o problema, lançamento fiscal de pouco mais de 16 milhões de reais em face de empresa pública, a Casa Civil atendeu ao apelo do Ministro da Defesa e encaminhou à Advocacia-Geral da União sugestão para composição de câmara conciliatória. Visava-se retomar a questão, ainda que, em princípio, já se tivesse o trânsito em julgado de decisão administrativa em desfavor da EMGEPRON. O aviso encaminhado chamava por solução administrativa.

Para as autoridades fazendárias, retome-se, a EMGEPRON se autodeclarava na rubrica reservada a pessoas jurídicas de direito público, enquanto prestava serviços de natureza privada. O INSS também insistia que o grau de risco era máximo, argumentando que a EMGEPRON atuava na área nuclear. Esses, assim, os limites substanciais do conflito.

O INSS pretendia que a EMGEPRON recolhesse com alíquotas de 3% porque atuava em área de periculosidade máxima, produzindo combustíveis nucleares. O INSS tratava a EMGEPRON como empresa privada, que compete no mercado, pelo que deveria recolher exatamente como as demais empresas dessa rubrica regulamentar e que concorriam, entre outros, nos ramos de transportes, ou de trabalho temporário, equiparando-se a agentes autônomos do comércio. A EMGEPRON alegava que jamais produziu combustíveis nucleares e que era empresa de capital público e que apenas prestava serviços para órgão público, isto é, para o Ministério da Defesa.

A prevalecer o mantra da imutabilidade das decisões administrativas a discussão de mérito estaria preclusa com a decisão final de órgão colegiado previdenciário. Mas outro foi o rumo dado à questão com o aviso da Casa Civil, a justificar a peculiaridade da situação e o ônus gerencial e administrativo que a discussão propiciava. Afinal, inegável, a Administração litigava contra si mesma. Qual a vontade governamental que deveria prevalecer?

Reagindo positivamente ao aviso a AGU providenciou composição de câmara de conciliação e arbitragem, para tratar do problema. O fato de que havia decisão administrativa com trânsito em julgado não retirava da Administração o poder/dever de monitorar os próprios atos. A decisão do órgão colegiado previdenciário não se projetava apenas

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e tão somente a um particular. Atingia, com toda força, dois entes da Administração, uma autarquia (substituída posteriormente por um Ministério) e uma empresa pública, de capital exclusivamente público.

Instado a se manifestar na referida câmara então criada, o órgão fazendário teria unicamente oficiado com documento que sintetizava a posição jurídica da Administração fiscal. Respondeu-se ao convite para se participar de um procedimento de conciliação com um ofício definindo posição já definida, e refratária a qualquer possibilidade de composição. De imediato, negou-se qualquer tentativa de alcance de consenso.

A EMGEPRON teria respondido à convocação para a conciliação reiterando que entendia equivocadas as posições mantidas pelo INSS, tanto procedimental, quanto substancialmente. A EMGEPRON teria insistido que as autoridades fazendárias não teriam levado em conta o fato essencial de que a empresa atuava em área de pesquisa nuclear e não de produção de combustível nuclear. Queria produzir provas. A EMGEPRON também resistiu à formação de um consenso.

Afirmaram que, à época, combustíveis nucleares não eram produzidos no Brasil. E porque entre pesquisa nuclear e produção de combustível nuclear há distância meridiana, não se poderia imputar grau máximo de periculosidade a atividade de pesquisa, cuja periculosidade, insistiam, seria média, e não máxima.

Reiteraram que prestavam serviços para o Comando da Marinha, que não concorriam no mercado, e que por isso não estavam subsumidos a regras de concorrência, o que vedaria, inclusive, outorga de benefício fiscal não isonômico. Não haveria, assim, engate lógico entre o enquadramento feito pelo INSS e a substância fática de atuação da EMGEPRON.

A classificação que a EMGEPRON pretendia aproveitar a equiparava à União, aos Estados, aos Municípios, ao Distrito Federal, a respectivas autarquias e fundações de direito público, a repartições diplomáticas, à OAB, aos conselhos federais de fiscalização de

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profissões. Era essa classificação a que mais se aproximava das atividades efetivamente prestadas pela empresa.

A EMGEPRON protestou por produção de provas. O enquadramento e a fixação do grau de periculosidade dependiam de fiscalização apurada e pormenorizada. Ocorre, no entanto, que se invocava questão de fato, e não de direito. Em princípio, à luz de leitura decididamente ortodoxa do problema, a questão não mais poderia mais ser discutida. Para a PGFN não haveria mais como se produzir prova, dado o esgotamento da discussão administrativa no órgão originariamente competente. A matéria fora alcançada pela preclusão. Não haveria o que conciliar.

A autoridade fazendária respondeu à provocação de fiscalizar novamente a empresa, alegando que não poderia inspecioná-la, dado que a competência seria, no caso, de auditores do MTE. Nos documentos juntados no procedimento da CCAF há ofício firmado pelo Presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear atestando que não havia produção industrial de energia nuclear nas dependências do Centro Tecnológico da Marinha de São Paulo-CTMSP.

A EMGEPRON reiterava que era empresa pública e que, embora possuísse natureza jurídica de direito privado, atuava em campo específico de interesse público e de segurança nacional. Em favor da argumentação da EMGEPRON as teses de mutação constitucional, sufragadas pelo STF, já citadas no presente trabalho, e que atenderam a demandas da ECT e da INFRAERO.

Deve-se levar em conta também documento juntado pelo Ministério da Defesa no volumoso processo administrativo que aqui se relata. O MD chamava a atenção para peculiaridades da atuação da EMGEPRON. A empresa tem natureza estatal. Atua em área de segurança nacional. Segundo o MD, deveria se conferir maior relevo à atividade da empresa do que a sua qualificação como pessoa jurídica de direito privado. O art. 173 da Constituição, que veda benefícios fiscais a empresas públicas, não se aplicaria ao caso porque a EMGEPRON não concorria no mercado. Chamou-se também a atenção para o fato de que súmula vinculante então baixada pelo STF reduzia prazos prescricionais

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para cobrança de contribuições previdenciárias, pelo que os valores cobrados deveriam ser imediatamente glosados.

Não se conseguiu conciliar. Para a PGFN não havia espaço para composição, dado o fato de que havia decisão administrativa passada em julgado, em desfavor da EMGEPRON. Não se tinha, assim, nenhum arranjo institucional que, naquele momento, propiciasse o consenso.

Extenso laudo de arbitramento foi redigido, por meio de parecer39. A parecerista destacou primeiramente a competência da União40 para tratar de defesa nacional41, bem como de autorização e fiscalização de produção e comércio de material bélico42. Destacou que compete também à União explorar serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre pesquisa, lavra, enriquecimento e reprocessamento, industrialização e comércio de minérios nucleares e seus derivados43, atendidos princípios explicitados na Constituição44.

A EMGEPRON, ressaltou a parecerista, celebrava contratos sigilosos, por imperativos de segurança nacional, o que comprovava, efetivamente, que exercia atividade típica de Estado. A parecerista enfrentou as questões de mérito. Afirmou que não havia incompatibilidade entre a classificação autodeclarada pela EMGEPRON e a atividade exercida por aquela empresa pública. Inferiu tal raciocínio da rubrica de classificação que a EMGEPRON utilizara para efeito de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas-CNPJ.

Quanto ao grau de risco, ponderou que as provas levadas à Câmara de Conciliação da AGU demonstravam que não se produzia combustíveis minerais no Brasil, pelo que não havia como se fixar classificação em grau máximo. Além do que, deixou claro que as inspeções feitas pelas autoridades fazendárias suscitavam indícios de fragilidade. Concluiu que era cabível revisão de decisão proferida em 39 Parecer nº AGU/SRG-02/2008, de autoria da Advogada da União Sávia Maria Leite Gonçalves.

40 Constituição Federal, art. 21.

41 Constituição Federal, art. 21, III.

42 Constituição Federal, art. 21, VI.

43 Constituição Federal, art. 21, XXIII c/c inciso V do art. 177.

44 Alíneas do inciso XXIII do art. 21 da Constituição Federal.

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processos administrativos, que o código adequado de classificação fora utilizado pela EMGEPRON e que o grau de risco era médio, e não máximo, como pretendia a PGFN.

O Consultor-Geral da União concordou com o parecer. O Advogado-Geral da União o homologou. O Presidente da República o aprovou. No entanto, houve resistência em âmbito fazendário, ainda que o Presidente da República tivesse sufragado a solução que se deu ao caso. Refiro-me a parecer elaborado na Coordenação-Geral de Assuntos Tributários da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, aprovado pela dirigente máxima daquele órgão, e ao Advogado-Geral da União encaminhado45.

O referido parecer protestava pela definitividade dos lançamentos na esfera da administração tributária. É essa a premissa que informa o raciocínio do texto, centrado na dimensão procedimentalista do problema. O parecerista protestou pela nulidade de reforma de decisão de órgão colegiado por parte do Presidente da República.

O raciocínio e as conclusões partem de notícia de despacho de autoridade fiscal no Rio de Janeiro (Chefe da Divisão de Controle e Acompanhamento Tributário da Delegacia Especial de Maiores Contribuintes do Rio de Janeiro). Pode se inferir que o agente fiscal no Rio de Janeiro confrontou a autoridade da decisão presidencial no caso EMGEPRON na percepção firme de que o crédito tributário estava definitivamente constituído por decisão administrativa. Seria, assim, plenamente exigível.

Segundo se lê no referido despacho, a competência do Advogado da União se esgotaria na apreciação de controvérsias entre órgãos jurídicos da Administração, o que não era o caso de disputa entre a EMGEPRON e o INSS. Na percepção daquele servidor, não haveria, no caso, nenhuma controvérsia jurídica a ser dirimida pela Advocacia-Geral da União. Ainda, alertava para possibilidade de prejuízo à Fazenda Pública. Foi com base nessa manifestação que o expediente seguiu para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

45 Parecer PGFN/CAT nº 310/2011, de autoria do Procurador da Fazenda Nacional Francisco Targino da Rocha Neto.

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O parecerista questionava a qual entendimento deveria se vincular a Secretaria da Receita Federal. Ao entendimento do Presidente da República, que aprovou parecer da Advocacia-Geral da União, ou à decisão do órgão colegiado da Previdência Social. Dissertou longamente sobre o controle hierárquico na Administração, a propósito, especialmente, de natureza materialmente jurisdicional ou judicante de órgãos colegiados, a exemplo do extinto Conselho que julgara desfavoravelmente à EMGEPRON.

Utilizando-se de raciocínio analógico, e a partir do controle hierárquico do Ministro da Fazenda em relação a decisões do antigo Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, afirmou que haveria limites, por parte de Ministro de Estado, para o controle de atos decisórios de órgãos colegiados.

Com base no art. 42 do Decreto 70.235, de 6 de março de 1972, fez referência à definitividade das decisões do antigo Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda. Fundamentalmente, entendeu que o Ministro da Fazenda, por exemplo, em âmbito de decisão colegiada de Conselho, somente era competente para revogar definição que tratasse de assunto de validade formal da orientação questionada.

Dissertou também sobre o poder hierárquico do Presidente da República, retomando tese clássica de que tal poder se daria tão somente nos limites de julgamento de recursos administrativos ou de avocação de competência. Nesse último caso, o Presidente exerceria prerrogativa que lhe confere a autoridade em que é investido. Quanto aos recursos administrativos, o Presidente confirmaria direito potestativo do administrado, desde que cumpridos, por este último, os requisitos previstos em lei.

No caso EMGEPRON, o recurso administrativo estaria inviabilizado, em tese, por força da irrecorribilidade da decisão do órgão julgador superior de matéria previdenciária. As decisões daquele Conselho somente poderiam ser impugnadas judicialmente, por força do dogma da universalidade da jurisdição, ou pelo Ministro da pasta, na hipótese de vício formal da decisão desafiada. Não seria o caso. Evidenciou a inviabilidade da avocação do processo, ainda que, nos

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termos do art. 170 do Decreto-Lei 200, de 1967, pudesse o Presidente da República, por motivo de relevante interesse público, avocar e decidir qualquer assunto na esfera da Administração Federal.

Além do que, observou ainda o parecerista, o arbitramento da AGU tratava do mérito da questão, e não de nulidade formal. O parecer havia analisado o mérito e examinado elementos de fato. Por fim, propôs reforma da decisão transitada em julgado, do ponto de vista administrativo. Seria inadequada e extemporânea a intervenção da AGU no problema, a partir desse ponto de vista.

De tal modo, continua o parecerista, o ato presidencial de aprovação do parecer da AGU se qualificava por ser ato de controle hierárquico, isto é, apreciava recurso hierárquico, e não se desdobrava de avocação de competência. Teria havido uma modificação de situação julgada e decidida, no que se refere ao mérito da decisão. O ato do Presidente, assim, por transbordar os limites do controle hierárquico, concluiu o parecerista, seria nulo, e como tal deveria ser declarado.

Além do que, avançou, não teria havido arbitragem, porque esta, no direito brasileiro, só ocorre em relação a direitos patrimoniais disponíveis, o que não era o caso. Não haveria juízo técnico por quem tenha elaborado o parecer originário, porque não havia por parte do primeiro parecerista competência técnica para tratar de matéria afeta à competência de fiscais fazendários. O lançamento fiscal, de acordo com o CTN, em regra, somente pode ser alterado pela autoridade fiscal.

A discussão indica desentendimento que viceja entre alguns servidores no Poder Executivo. Na hipótese de que proposta de revisão de decisão presidencial no caso EMGEPRON fosse levada a nova apreciação presidencial, não haveria, por parte do Chefe do Executivo, motivo razoável para reforma da decisão. A imprestabilidade fática de retomada de orientação justificaria o quieta non movere. E se judicializada a questão, a discussão permaneceria nos limites estreitos de seu conteúdo formal, isto é, não transcenderia do problema relativo aos poderes do Presidente, no que se refere a avocar questões de interesse público ou no que toca a seu papel na dinâmica dos recursos administrativos.

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São dois os caminhos que se bifurcam a partir de eventual impasse nessa interessante questão. Revertida a decisão presidencial, forte na premissa de prestígio à decisão colegiada, fortalece-se esse último, fragiliza-se aquela primeira. No entanto, porque os fatos do direito se reportam aos fatos da vida, esse caminho indica tautologia porque se retorna a ponto inicial que se comprova na imprestabilidade de eventual execução judicial.

De outro lado, mantida a decisão presidencial, forte na premissa de prestígio a quem chefia o Executivo, fortalece-se esse último, porém fragiliza-se a decisão colegiada especializada. No entanto, e também porque os fatos do direito se reportam aos fatos da vida, leva-se em conta que as partes da discussão estão sob a autoridade de quem prolatou a decisão final.

Em outras palavras, seria adequado eventual raciocínio que sugerisse revisão da decisão presidencial se um dos atores envolvidos fosse o particular, a quem fugiria a autoridade imediata do Presidente. A inversão lógica de premissas e acentos referenciais sugere reconfiguração hermenêutica do problema, que deve levar em conta que a discussão, no limite, se dá entre dois Ministérios que atuam sob orientação finalística de uma mesma autoridade.

A reserva de sentido da Súmula 473 do STF, a propósito da fórmula de revogação dos próprios atos pela Administração, bem como disposição legal, por razões de conveniência e oportunidade, respeitados direitos adquiridos, parece ser a pedra de toque que encerra a questão. Do ponto de vista fático, não poderia o Presidente tolerar que seu Ministro da Fazenda ajuizasse ação de execução contra seu Ministro da Defesa, com base na tese de que o Presidente não deteria competência para conduzir a Administração federal e que praticou ato nulo porque teria desprezado o dogma da definitividade dos lançamentos na esfera da Administração tributária. Fazê-lo, seria sufragar a ingovernabilidade em favor de construção jurídica formal e dissociada dos fins para os quais as instituições são concebidas.

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PGFN v. IBAMA (desembaraço aduaneiro e tratado internacional)

Trata-se de um dos casos mais incomuns de litigância intragovernamental que se pode noticiar. Brasil e Alemanha entabularam acordo internacional, relativo a cooperação técnica para proteção ambiental. O acordo foi devidamente internalizado pelo ordenamento jurídico brasileiro. Nos termos desse acordo estariam isentas as operações de entrega de instrumentos de pesquisa, por parte do governo alemão46. Ocorre que, quando do desembaraço aduaneiro, fiscal aduaneiro exigiu recolhimento de valores a título de emolumentos de importação, por parte do IBAMA47, sob pena de recolhimento da mercadoria e cobrança de multas e juros.

O não recolhimento dos aludidos valores redundou em lançamento fiscal, e em posterior ajuizamento de ação de execução fiscal, que teria (e que teve) a União no pólo ativo e uma autarquia federal no pólo passivo.

A Procuradoria da Fazenda Nacional ajuizou ação fiscal contra o IBAMA, que ganhou em primeira instância, alegando que não havia débitos, por força, entre outros, do tratado assinado, isto é um Acordo Básico de Cooperação Técnica referente ao Projeto IARA/Santratém/PA (Projeto de Planejamento Pesqueiro Artesanal). Em segunda instância, no Tribunal Regional Federal da 1º Região, o IBAMA manteve a decisão originária, a seu favor.

A Procuradoria da Fazenda Nacional levou a matéria ao Superior Tribunal de Justiça. Concomitantemente, instalou-se uma Câmara de Conciliação para apreciação do caso. Observe-se, no entanto, que a Câmara então criada não chegou a discutir o caso. É que o IBAMA

46 Processo: 02001.004940/2004-25. TRIBUTÁRIO. INSTRUMENTO JURÍDICO: NOTAS AGU/MS Nº 15/2005 e AGU/MS Nº 46/2005. (Controvérsia encerrada em 8 de setembro de 2005).

47 O IBAMA foi criado pela Lei nº 7.735, de 22 de agosto de 1989. Trata-se de autarquia federal dotada de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, vinculada ao MMA, e que tem por finalidade exercer o poder de polícia ambiental. Ao IBAMA também compete executar ações das políticas nacionais de meio ambiente, referentes às atribuições federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental, observadas as diretrizes emanadas do MMA. O IBAMA, nos termos de lei, também executa as ações supletivas de competência da União, de conformidade com a legislação ambiental vigente. O MMA exerce a supervisão ministerial do IBAMA.

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levantou recursos, liquidou o débito, perdendo o objeto o conflito levado até a Câmara da AGU. Registre-se a energia burocrática desnecessariamente gasta.

INSS v. FUNASA (contribuições previdenciárias)

A primeira divergência envolvendo entes da Administração Federal que foi levada para apreciação e tentativa de solução administrativa por parte da AGU envolveu conflito que opunha o Instituto Nacional de Seguro Social-INSS à Fundação Nacional de Saúde-FUNASA48. Teve-se, então, uma primeira experiência de conciliação em matéria fiscal, num contexto normativo historicamente refratário a qualquer fórmula de composição. Os resultados foram positivos. Chegou-se a acordo, com alteração de alguns lançamentos feitos pelo INSS, ainda que houvesse execução fiscal em andamento, como se verá.

De um lado, o INSS, autarquia federal ligada ao Ministério da Previdência Social49. Além de conceder e manter os benefícios e serviços previdenciários, ao INSS compete promover a arrecadação, a fiscalização e a cobrança das contribuições sociais incidentes sobre as folhas de salários e demais receitas a elas vinculadas50. Trata-se de autarquia duramente criticada, especialmente por conta do pagamento de benefícios e ainda no que se refere ao atendimento aos segurados51. No

48 Processos: 25100.022079/2004-64 e 00407.003115/2004-15. PREVIDENCIÁRIO. INSTRUMENTOS JURÍDICOS: NOTAS AGU/MS Nº 07/2004, AGU/MS Nº 20/2004 e AGU/MS Nº 10/2005 (Controvérsia encerrada em 4 de fevereiro de 2005).

49 O Poder Executivo foi autorizado a criar referida autarquia por expressa disposição do art. 17 da Lei nº 8.029, de 12 de abril de 1990; o INSS resultou da fusão do Instituto de Administração da Previdência e Assistência Social-IAPAS com o Instituto Nacional da Previdência Social-INPS. Foi efetivamente criado pelo Decreto nº 99.350, de 27 de junho de 1990, posteriormente alterado pelo Decreto nº 569, de 16 de junho de 1992.

50 Art. 1º do Anexo I do Decreto nº 569, de 16 de junho de 1992.

51 Cf. Giambiagi, Fábio, Reforma da Previdência- O encontro marcado- a difícil escolha entre nossos pais ou nossos filhos, Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 131: [...]O INSS é, na verdade, uma entidade extremamente generosa e benevolente. E, curiosamente, poucas instituições no Brasil são tão criticadas como o INSS. Há uma crítica que é justíssima e diz respeito à qualidade do atendimento. Embora a situação esteja melhorando, favorecida pela informatização, problemas com as filas, a demora no atendimento, a má vontade de alguns funcionários etc. são velhas mazelas de nossa administração pública que se tornam mais irritantes quanto a vítima é um idoso [...]a maior parte das críticas, porém, e feita ao valor que a pessoa recebe ao se aposentar (...)

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outro lado, a FUNASA, originalmente Fundo Nacional de Saúde-FNS52- fundação pública, vinculada ao Ministério da Saúde, com jurisdição em todo o todo o território federal53.

A FUNASA postulava revisão de lançamento fiscal feito pelo INSS. As instâncias administrativas convencionais já estavam exauridas. A FUNASA, por intermédio do Ministro da Saúde, postulou que o Presidente da República determinasse intervenção da AGU, para que se evitasse a judicialização da discussão. Constata-se indicativo de necessidade de articulação institucional.

O Consultor da União que respondia pela Câmara que então se criava determinou manifestação da Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência Social. Verificou-se que o INSS havia ajuizado algumas execuções fiscais contra a FUNASA; esta última pretendia discutir

52 A antiga Fundação Nacional de Saúde-FNS teve sua criação autorizada por força do art. 14 da Lei nº 8.029, de 12 de abril de 1990, que dispunha sobre a extinção e dissolução de entidades da Administração Pública Federal, a par de outras providências.

53 Decreto nº 100, de 16 de abril de 1991. Trata-se de fundação que tem por finalidade promover e executar ações e serviços de saúde pública. De acordo com seus estatutos, suas ações principais se concentram na realização de atividades para o controle de doenças, no desenvolvimento de ações de serviços de saneamento básico em áreas rurais, na realização � de forma sistemática � de estudos e pesquisas de situações de saúde e suas tendências, bem como na coleta, processamento e divulgação de informações sobre saúde. O Presidente da FUNASA, bem como seu vice-presidente, seus diretores de departamento e do Centro Nacional de Epidemiologia são nomeados pelo Presidente da República, a partir de indicação do Ministro da Saúde. O patrimônio da FUNASA foi constituído originalmente pelos bens móveis e semoventes da antiga Fundação de Serviços de Saúde Pública-FSESP, da Superintendência de Campanhas de Saúde Pública-SUCAM e da Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social-DATAPREV; neste último caso, no que se referia, tão somente, às atividades de informática do SUS. A receita da FUNASA é composta de transferências do orçamento da Seguridade Social; de créditos orçamentários ou especiais, que lhe forem destinados por órgãos públicos federais, estaduais e municipais; de contribuições de entidades particulares, nacionais ou estrangeiras, de doações (inclusive de donativos obtidos por meio de campanhas públicas de mobilização social), de contrapartidas de serviços (inclusive quando executados por acordos, ajustes, convênios ou contratos), bem como por resultados de operações de crédito, alienações patrimoniais e rendimentos de aplicação no mercado financeiro. Patrimônio, rendas e serviços da FUNASA só podem ser utilizados na execução de suas finalidades estatutárias. Conferir Anexo I do Decreto nº 100, de 1991.

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novamente as certidões de dívida ativa que instruíram as referidas execuções fiscais54.

Havia conflito entre o Ministério da Previdência Social e o Ministério da Saúde, ainda que os atores diretos da trama fossem uma autarquia (INSS) e uma fundação (FUNASA). Os valores discutidos compunham as receitas da FUNASA, que eram originárias das cobranças feitas pelo INSS. Isto é, a FUNASA dependia prioritariamente de transferências do orçamento da seguridade social, cujos recursos são basicamente obtidos, a partir da fiscalização do INSS e, em execução fiscal, pela PGFN.

No caso, o INSS pretendia cobrar da FUNASA, entre outros, contribuições previdenciárias sobre indenização de campo55 e relativas a auxílio-creche56, sobre consultores contratados pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura-UNESCO; discutia-se também a fixação das alíquotas de Seguro de Acidente de Trabalho-SAT,

54 Tinha-se, assim, interesse em se discutir administrativamente questão preclusa, do ponto de vista também administrativo, e que, à luz do art. 38 da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, somente poderia ser deduzida em execução fiscal, em mandado de segurança, em ação de repetição de indébito ou em ação precedida de depósito preparatório do valor do débito, monetariamente corrigido e acrescido dos juros e multa de mora e demais encargos, reproduzindo-se exatamente o texto legal aqui citado.

55 Nos termos do art. 16 da Lei nº 8.216, de 13 de agosto de 1991, a indenização de campo é devida a servidores que se afastem do seu local de trabalho, sem direito à percepção de diária, para execução de trabalhos de campo, tais como os de campanhas de combate e controle de endemias; marcação, inspeção e manutenção de marcos decisórios; topografia, pesquisa, saneamento básico, inspeção e fiscalização de fronteiras internacionais.

56 Toda empresa que possua mais de 30 empregadas no estabelecimento, com idade superior a 16 anos, é obrigada a manter local para que as mães assistir aos filhos no período de amamentação. Na hipótese de inexistência de creche, a empresa deve repassar diretamente às empregadas valores fixados em negociação coletiva. O fundamento legal a exigência está disposto no § 1º do art. 389 da Consolidação das Leis do Trabalho-CLT e, especialmente, pela Portaria nº 3.296, de 3 de setembro de 1986, baixada pelo Ministro do Trabalho, que autoriza as empresas e empregadoras a adotar o sistema de reembolso-creche em substituição à exigência do § 1º do art. 389 da CLT.

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em razão da identificação da atividade preponderante dos empregados da FUNASA57.

Instalou-se câmara de arbitramento especial para cuidar do assunto. O representante da então Secretaria de Receita Previdenciária concordou em reabrir contencioso administrativo, com base em reconhecimento de que havia vício de forma em alguns dos lançamentos justificava revisão do caso. O decidido na primeira reunião acenava com possibilidade de composição.

Em seguida, comunicou-se que a Divisão de Consultoria de Matéria Tributária da Procuradoria-Geral Federal (que representava o INSS) havia alterado alguns dos lançamentos, invocando autotutela, suspendendo-se as execuções fiscais que tramitavam. A matéria foi então reencaminhada a área respectiva do INSS; os cálculos foram refeitos e alguns débitos foram baixados. Confirmou-se possibilidade de acerto administrativo em relação aos valores cobrados, ainda que a questão estivesse também ajuizada.

Quanto a alegação de vício formal, comprovou-se que a notificação do INSS não fora efetivamente recebida pelo Presidente da FUNASA, o que se desdobrou em prejuízo da defesa do órgão executado, cuja impugnação administrativa não foi conhecida, porque tida como intempestiva. Assim, à FUNASA não se permitiu o uso das instâncias superiores de discussão administrativa, em âmbito de INSS.

Por isso, em relação aos débitos que não sofreram redução ou alteração, processou-se regularmente a discussão administrativa, inclusive na instância do antigo Conselho de Recursos da Previdência

57 Trata-se do inciso II do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. Cuida-se do financiamento de uma aposentadoria especial, prevista nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Assim, para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei no 8.213, de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos, incidirá: a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve; b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio; c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave. No caso INSS v. FUNASA, esta última pretendia recolher alíquotas de 1% de SAT, enquanto que o INSS pretendia em alguns casos cobrar alíquotas de 3%.

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Social. O Consultor da União que atuava no caso deu fim aos trabalhos, invocando que a Câmara não poderia invadir competências58, encaminhando o expediente a seu superior.

Na conclusão, o então Consultor-Geral da União assinou despacho observando que “a intermediação da CGU/AGU revelou-se extremamente eficiente e célere fazendo recomendar para casos semelhantes e mesmo outros a adoção desse instrumento [conciliação/arbitramento] de composição de divergências administrativas59”. E concluiu pela necessidade de se “sugerir à Procuradoria-Geral da União e à Procuradoria-Geral Federal que orientem seus órgãos de execução para que evitem a judicialização dos conflitos entre a União e suas autarquias e fundações promovendo antes sempre a oportunidade de arbitramento ou composição administrativas60”.

O experimento revelou composição entre duas autarquias que discutiam matéria previdenciária e com execução fiscal em andamento. No processo administrativo pertinente não se tem notícia de como os valores eventualmente acordados foram liquidados. O que se apurou é que os valores analisados foram ajustados, e que se pode administrativamente, num contexto da mais absoluta legalidade, exercer-se, de forma plena, a autotutela dos atos da Administração.

A relação entre INSS e FUNASA indicava certa confusão em credor e devedor, o que se pode comprovar com a natureza dos débitos discutidos. Não se discute a incidência, por não se tratar de questão de imunidade ou de isenção. O problema, se eventualmente não levado a uma composição administrativa, seria solucionado (ou não) com custos muito maiores, dado a movimentação de pessoas e de instâncias no Poder Judiciário.

58 Conforme se lê na Nota AGU/MS/10/2005, de autoria do Consultor da União Marcelo de Siqueira Freitas.

59 Despacho do Consultor-Geral da União nº 164/2005, de autoria de Manoel Lauro Volkmer de Castilho, datado de 15 de fevereiro de 2005.

60 Despacho do Consultor-Geral da União nº 164/2005, de autoria de Manoel Lauro Volkmer de Castilho, datado de 15 de fevereiro de 2005.

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Possível condenação em honorários61, em favor do INSS, ou da FUNASA, neste último caso se eventuais embargos prosperassem, seria mera movimentação financeira dentro de um mesmo caixa, comprovando a necessidade de composição interna de problemas intragovernamentais. Deve se ter muito nítida uma vontade governamental clara e precisa.

PGF v. Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS (contribuições previdenciárias)

A Procuradoria-Geral Federal-PGF encaminhou à CCAF controvérsia com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS62, relativa a recolhimento de contribuições previdenciárias, supostamente devidas por esta universidade. A UFRGS63 entendia que o INSS não teria legitimidade ativa para cobrança, porque eventuais débitos seriam devidos ao Plano de Seguridade Social de servidores federais, e não ao Regime Geral da Previdência Social. A competência do INSS esgotava-se nesse último caso. O INSS recalculou os valores supostamente devidos, depois de assim instado pela CCAF. A autarquia insistia no fato de que os valores eram devidos ao regime geral, e não ao regime especial dos servidores.

O INSS insistia na cobrança, não reconhecendo a preliminar de ilegitimidade. E o fazia com base em parecer da AGU, devidamente aprovado pelo Presidente da República, e publicado no Diário Oficial da União-DOU, no qual se reconhecia que ao INSS deveriam ser pagas contribuições de servidores públicos, que antes trabalharam para a Administração na qualidade de celetistas64. 61 Nas execuções fiscais os honorários devidos ao representante da Fazenda Pública são calculados em

20% do valor da causa, e recolhidos aos cofres da União, nos termos do art. 1º do Decreto-Lei nº 1.025, de 21 de outubro de 1969.

62 Processo: 00476.000199/2002-50. PREVIDENCIÁRIO. INSTRUMENTO JURÍDICO: NOTAS AGU/MS Nº 26/2005 e AGU/MS Nº 47/2005. (Conciliação parcial encerrada em 12 de setembro de 2005).

63 A UFRGS foi instituída pelo Decreto Estadual nº 5.758, de 28 de novembro de 1934 e posteriormente federalizada pela Lei nº 1.254, de 4 de dezembro de 1950. É autarquia dotada de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial.

64 Nos termos do referido parecer, “devem ser recolhidas ao Instituto Nacional do Seguro Social as contribuições previdenciárias incidentes sobre valores derivados de condenação judicial em reclamatória trabalhista relativa ao período em que o atual servidor público federal, então celetista, vinculava-se a Lei Orgânica da Previdência Social”. Parecer AGU nº AC-21/2004.

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Enquanto avançavam os procedimentos para instauração de uma Câmara para se tentar possível conciliação, o Consultor da União sugeriu que se entregasse à Universidade certidão positiva de débitos fiscais, com efeitos de negativa, com base no inciso III do art. 151 do Código Tributário Nacional.

Constituiu-se uma câmara ad hoc, especialmente porque a Universidade não aceitava recolher os valores cobrados. Elaborou-se nota, por parte da Consultoria da União, que concluiu pela necessidade de se revisarem os valores. Essa revisão deveria ser realizada pela Secretaria da Receita Federal, a quem competia efetivar a cobrança das contribuições previdenciárias ali discutidas. As contribuições supostamente devidas se relacionavam com condenações trabalhistas que a universidade gaúcha pretendia reverter em ações rescisórias.

Insistiu-se na entrega da certidão positiva com efeitos de negativa porquanto deste documento a universidade necessitava, para continuar suas atividades, dependentes de repasses de dinheiro público. Acordou-se que valores seriam revistos, e que seriam espontaneamente recolhidos pela Universidade, na medida em que constatado que efetivamente devidos.

Ministério do Trabalho e Emprego v. CEF (FGTS)

Trata-se de disputa entre um Ministério e uma Empresa Pública65. A Caixa Econômica Federal-CEF é instituição financeira que funciona sob a forma de empresa pública, que detém patrimônio próprio e autonomia administrativa e que é originariamente vinculada ao Ministério da Fazenda, nos termos do decreto-lei que a criou66. Conflito

65 Processo: 46010.000975/00-01. FGTS. INSTRUMENTO JURÍDICO: NOTA AGU/MS Nº 37/2005 (Controvérsia encerrada em 29 de julho de 2005.)

66 Decreto-lei nº 759, de 12 de agosto de 1969. E na redação desse mesmo diploma normativo, são atribuições da CEF, entre outras, receber em depósito sob a garantia da União, economias populares, incentivando os hábitos de poupança; conceder empréstimos e financiamentos de natureza assistencial, cooperando com as entidades de direito público e privado na solução dos problemas sociais e econômicos; operar no setor habitacional, com o objetivo de facilitar e promover a aquisição de casa própria, especialmente pelas classes de menor renda da população; explorar serviços de loteria; prestar serviços que se adaptem à sua estrutura de natureza financeira, delegados pelo Governo Federal ou por convênio com outras entidades ou empresa. É exatamente esta a linguagem do decreto.

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entre o MTE e CEF indica antagonismo entre a Administração direta (Ministério67) e administração indireta (empresa pública68), o que aponta para desentendimento no núcleo do Poder Executivo.

A CEF pretendia cobrar valores de FGTS devidos pelo MTE, relativos a alguns empregados celetistas que tinham vinculo empregatício com o referido ministério. O MTE não aceitava a cobrança desses valores, invocando parecer da AGU, que teria fixado que o prazo de prescrição relativo a débitos da União, quanto ao FGTS, seria de cinco anos. Como regra, a CEF considera que os prazos prescricionais de FGTS, em todos os casos, independentemente da natureza jurídica do devedor, seria de 30 anos.

Na primeira reunião realizada, verificou-se que a CEF pretendia cobrar crédito de cerca de 500 mil reais, decorrente, inclusive, de acordo previamente feito pelo MTE e pela CEF. Os acordos de parcelamento, porém, foram questionados posteriormente pelo MTE, a partir de decisão de seu secretário executivo. É que os juros foram cobrados com taxa mínima de 3 % o qual poderia variar, devendo-se levar em conta a situação peculiar de cada um dos empregados envolvidos na discussão. Os valores discutidos decorriam do fato de que o recolhimento feito pelo MTE, no ano de 2000, relativo à dívida discutida, fora feito com tabela de juros inadequada. Por isso, a diferença que a CEF pretendia cobrar.

E ainda que os valores fossem mais uma vez consolidados pela CEF, isto é, a diferença devida no recolhimento feito em 2000, o MTE invocou prescrição qüinqüenal. Parte dos valores cobrados seria efetivamente glosada. A CEF, em resposta, lembrou que a fiscalização relativa a tais valores é do MTE, que não se tratava de matéria tributária, e que o titular de tais créditos não era o Estado, mas sim o patrimônio dos trabalhadores. Por isso, não se poderia aplicar entendimento no sentido de que o prazo prescricional seria de cinco anos, e não de 30, dado o fato de que o credor não era o Estado, em sentido estrito.

67 Art. 4º, I, do Decreto-lei 200, de 25 de fevereiro de 1967.

68 Art. 4º, II, b, do Decreto-lei 200, de 1967.

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O mais interessante deste caso é que o devedor, MTE, detinha competência para fiscalização do FGTS69, que deve ser recolhido em favor de um fundo do trabalhador70; a CEF age como agente de custódia.

O Consultor da União que primeiramente opinou no caso deu razão ao MTE. Deveria se aplicar regra do Decreto nº 20.910, de 1932, que dispõe que as dívidas da União, bem como todo e qualquer direito contra a Fazenda Pública, prescrevem em cinco anos. Os valores eram referentes aos anos de 1967 a 1975. Inclusive, se recolhidos fossem, não poderiam ser objeto de repetição, por força do art. 161 do Código Civil de 1916, bem como do art. 191 do novo Código Civil, que tratam de renúncia de prescrição, o que seria o caso, se pagamento houvesse feito o MTE.

Porém, decidiu-se com base no fato de que ainda que um direito social do trabalhador, o devedor não integrava a Fazenda Pública. Não poderia se invocar as regras gerais de prescrição, como fixadas no Código Civil. Não se comprovou alegadamente qualquer vício de ilegalidade nos pagamentos feitos no passado pela CEF. Necessário o recolhimento de valores remanescentes, inclusive a título de juros.

O Consultor-Geral da União deu fim à divergência concordando com a Nota da AGU, reconhecendo-se a regularidade dos pagamentos feitos no passado pelo MTE, bem como a necessidade de complementação do pagamento. A União, assim, era devedora da CEF.

Departamento Nacional de Obras contra as Secas-DNOCS v. Fundação Nacional do Índio-FUNAI (ação possessória em área indígena)

69 O art. 1º da Lei nº 8.844, de 20 de janeiro de 1994, dispõe que: “Compete ao Ministério do Trabalho a fiscalização e a apuração das contribuições ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), bem assim a aplicação das multas e demais encargos devidos. Parágrafo único. A Caixa Econômica Federal (CEF) e a rede arrecadadora prestarão ao Ministério do Trabalho as informações necessárias ao desempenho dessas atribuições”.

70 Ainda que administrado pelo Estado, o FGTS é um fundo do trabalhor, com assento no art. 7º, III, do texto constitucional de 1988. Supremo Tribunal Federal. RE 100.249/SP, relator pelo acórdão, Ministro Néri da Silveira.

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O Departamento Nacional de Obras contra as Secas-DNOCS71 ajuizou ação possessória para discutir ocupação de área de ocupação tradicional indígena, de interesse da FUNAI. Havia conflito judicial, que antecedia discussão administrativa72, que opôs autarquia federal a uma fundação da União. O conflito ocorreu entre o Ministério da Integração Nacional (sob o qual se estrutura o DNOCS) e o Ministério da Justiça (que supervisiona a FUNAI)73.

O Ministro da Integração Nacional solicitou ao Advogado-Geral da União a constituição de uma câmara de conciliação com o objetivo de resolver problema que o DNOCS enfrentava com a FUNAI. A questão estava judicializada. A discussão se originou por causa de um decreto que declarou para fins de utilidade pública e interesse social uma área destinada a projeto de irrigação, no interior do Estado do Ceará (vale do Acaraú). Com base nesse decreto o DNOCS ajuizou ação de desapropriação.

Um dos ocupantes da área celebrou acordo com o DNOCS, ao longo do processo judicial, comprometendo-se a deixar o local, por cerca de um milhão de reais. O acordo foi homologado judicialmente. Tais valores foram pagos ao interessado, a título de indenização. Mais tarde, o interessado - que recebera a indenização - declarou-se índio e,

71 O DNOCS é uma autarquia federal, presentemente regida pela Lei nº 4.229, de 1º de junho de 1963. Ocupa-se com açudes, estradas, pontes, na prevenção e combate a secas e inundações. Denominava-se Inspetoria de Obras contra as Secas-IOCS, nos termos do Decreto nº 7.619, de 21 de outubro de 1909. O DNOCS é vinculado ao Ministério da Integração Nacional.

72 Processos: 59204.005032/2005-71 e 00407.001527/2005-00. INDÍGENA. INSTRUMENTO JURÍDICO: NOTA AGU/MS Nº 70/2005. (Controvérsia encerrada em 5 de dezembro de 2005).

73 A FUNAI, antigo Serviço de Proteção ao Índio-SPI, é uma fundação, com patrimônio próprio e personalidade jurídica de direito privado, nos termos da Lei nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967. Tem por finalidade, segundo a referida lei, “estabelecer as diretrizes e garantir o cumprimento da política indigenista, com fundamentos em alguns princípios, também fixados na lei, nomeadamente, o respeito à pessoa do índio e as instituições e comunidades tribais; a garantia à posse permanente das terras que habitam e ao usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nela existentes; a preservação do equilíbrio biológico e cultural do índio, no seu contacto com a sociedade nacional; bem como o resguardo à aculturação espontânea do índio, de forma a que sua evolução sócio-econômica se processe a salvo de mudanças bruscas”. À FUNAI compete também a gerência do patrimônio indígena. Presentemente, a estrutura regimental da FUNAI é disposta no Decreto nº. 7.056, de 28 de dezembro de 2009. Cabe à FUNAI o exercício, em nome da União, da proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas. A FUNAI é uma fundação de direito privado, com patrimônio próprio, vinculada ao Ministério da Justiça.

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com seu grupo, recusou-se a deixar a área. Por causa dessa negativa o DNOCS ajuizou ação possessória na Justiça Federal em Fortaleza. Houve liminar, em favor do DNOCS.

O Ministério Público Federal e a Procuradoria Federal que atua na FUNAI postularam reconsideração da decisão. A Justiça Federal suspendeu por 90 dias a execução da liminar. A FUNAI alegava necessidade de se concluírem estudos antropológicos, com o objetivo de se determinar objetivamente se a área em discussão era efetivamente passível de demarcação como terra indígena.

Referidos estudos foram concluídos. Verificou-se que a área que integrava o perímetro desapropriado pelo DNOCS era efetivamente de área indígena. A FUNAI, assim, deu início a procedimento, com vistas a demarcar a área, como efetivamente de terra indígena. A questão tem matriz constitucional74. E porque áreas indígenas são inalienáveis e indisponíveis, bem como os direitos sobre elas imprescritíveis75, vedando-se inclusive a remoção dos indígenas das terras que originariamente ocupam76, a FUNAI deveria impugnar ação possessória ajuizada pelo DNOCS. Nesse contexto, absolutamente inusitado, FUNAI e DNOCS se encontrariam em pólos opostos.

Não se pode deixar de levar em consideração o fato de que o DNOCS realizava políticas públicas. E, por outro lado, há comando constitucional, a ser observado pela FUNAI, relativo à proteção absoluta das áreas indígenas, especialmente no que se refere à demarcação destas. Acordou-se que a área era efetivamente de titularidade indígena. Assim, prejudicada a ação possessória, do que se deu ciência para o Ministério da Integração Nacional, para o Ministério da Justiça, para o DNOCS e para a FUNAI. No contexto dessa discussão, na qual se revelam vários setores do Governo com visões e opiniões distintas, indaga-se, efetivamente, a propósito da existência (ou não) de uma vontade governamental. Restava um problema: como se cobrar os valores

74 O art. 231 da Constituição Federal dispõe que “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

75 Constituição Federal, art. 231, § 4º.

76 Constituição Federal, art. 231, § 5º.

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indevidamente pagos ao ocupante da área que depois de ter recebido a indenização se declarou índio?

IBAMA v. FUNAI (ação de reintegração de posse em terra indígena)

Pretendia o IBAMA ajuizar ação de reintegração de posse em face da FUNAI, com relação a área do Parque Nacional de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul. Um pedido de autorização da Procuradoria Federal que atuava junto ao IBAMA levou a controvérsia para a CCAF77. Autarquia federal vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e fundação vinculada ao Ministério da Justiça estavam em pólos opostos.

Cerca de 50 índios do grupo kaingang teriam ocupado área de estacionamento e lazer em unidade de conservação, o referido Parque Nacional de Passo Fundo. A FUNAI não reconhecia a condição indígena dos ocupantes da área de conservação. Realizou-se reunião preliminar. De fato, os invasores eram indígenas. A FUNAI, porém, não reconhecia e não defendia a ocupação da área. Ainda que os indígenas invocassem a posse da área, alegando ancestralidade, não havia, por parte da FUNAI, nenhum estudo antropológico que confirmasse a posição dos kaingangues. Os representantes do IBAMA também estavam preocupados com a segurança dos servidores da autarquia.

O Procurador-Geral da FUNAI comunicou que a Floresta Nacional de Passo Fundo não era área indígena e que o IBAMA poderia ajuizar possessória contra os ocupantes da área. A FUNAI concordou expressamente com o IBAMA. Concluiu-se, a ação seria ajuizada contra os indígenas ocupantes, e não contra a FUNAI.

O Advogado-Geral da União aprovou o que se decidiu administrativamente. Como à FUNAI caberia, no entanto, a representação judicial dos indígenas, persistiria uma discussão judicial entre autarquia federal e fundação, isto é, entre o MMA e o MJ. Tem-se dificuldade de

77 Processo: 00407.004106/2005-22. INDÍGENA. INSTRUMENTO JURÍDICO: NOTAS AGU/MS Nº 01/2006 e AGU/MS Nº 004/2006. (Controvérsia encerrada em 31 de janeiro de 2006).

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localização inconsteste de vontade governamental neste caso, dada a variedade de interesses envolvidos.

Ministério da Defesa v. Ministério do Trabalho e Emprego (competência para confecção de laudos técnicos)

O Comando da Aeronáutica (vinculado ao Ministério da Defesa) pediu composição de Câmara para conciliar com o Ministério do Trabalho e Emprego78. Discutia-se competência e atribuição de fiscais auditores do trabalho para elaborarem laudos para concessão de adicionais de insalubridade e de periculosidade para servidores públicos federais civis, que prestavam serviços para o Comando da Aeronáutica.

A Prefeitura da Aeronáutica em Brasília solicitou laudos para a Delegacia Regional do Trabalho-DRT. Houve recusa no atendimento da solicitação, com base em legislação que dispunha que tais atribuições não eram mais de competência de auditores fiscais do trabalho.

A Delegacia do Trabalho ainda informou que a competência para laudos era de engenheiros de segurança e de médicos do trabalho. O Comando da Aeronáutica se insurgia contra essa negativa, explorando legislação que indicava o contrário, bem como o princípio constitucional da eficiência. Provando o alegado, o Comando da Aeronáutica juntou documento do MPOG que atribuía competência aos auditores do MTE para realização dos laudos.

Reuniu-se pela primeira vez, fazendo-se ata, na qual se definiu a controvérsia. O representante do MTE alegou que a carreira de auditor fiscal do trabalho não mais possuía especializações nas áreas de medicina e de engenharia. Juntou também orientação normativa do MPOG, para quem esses laudos poderiam ser feitos por diversos órgãos e entidades, e não apenas pelas delegacias regionais do trabalho.

Impugnando, o representante da Aeronáutica lembrou que o último laudo que possuía estava vencido há dois anos. O representante

78 Processos: 00400.002283/2005-34 e 00400.000468/2006-95. INSTRUMENTO JURÍDICO: NOTAS AGU/MS Nº 71/2005 e AGU/MS Nº 28/2006. (Controvérsia encerrada em 10 de maio de 2006).

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do MTE argumentou que os laudos não precisariam mais ser renovados anualmente, a menos que houvesse alteração no ambiente do trabalho, o que não era o caso. O representante da Aeronáutica sugeriu que apenas mais um laudo fosse feito pelos fiscais do trabalho.

O representante do MTE sugeriu que o Comando da Aeronáutica declarasse que não houve alterações no ambiente do trabalho. Assim, útil ainda o último laudo que havia (de 2004) Não haveria necessidade de elaboração de outro documento. Concordou-se em se fazer a declaração. Conclui-se que os laudos periciais que se discutiam não precisariam mais de renovação anual. Tais laudos não contariam mais com prazo de validade. Somente deveriam ser refeitos quando as condições originárias de trabalho fossem alteradas.

CADE v. Ministério dos Transportes (cobrança de taxa THC2- terminal handling charge 2)

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica do Ministério da Justiça-CADE79 e o Ministério dos Transportes-MT protagonizaram controvérsia, relativa a competência e necessidade de cobrança de uma taxa específica em terminais portuários80. A controvérsia também era de interesse da Agência Nacional de Transportes Aquaviários-ANTAQ e da Procuradoria-Geral da União-PGU.

Na origem da discussão, uma ação ajuizada na Justiça Federal em São Paulo na qual figuravam no pólo passivo o CADE, a Companhia Docas do Estado de São Paulo-CODESP e a União. Os autores contestavam decisão do CADE que havia proibido que terminais portuários cobrassem por serviços de segregação e entregas de containers aos outros recintos alfandegários.

Em sua defesa judicial a União juntou parecer do MT, para quem a cobrança da taxa relativa a tais serviços era legítima. A situação 79 O CADE é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça. É responsável pela livre

concorrência no mercado, com competência para investigar e decidir assuntos de concorrência.

80 Processo: 00414.006303/2005-97. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. INSTRUMENTO JURÍDICO: NOTAS AGU/MS Nº 02/2006 e AGU/MS Nº 36/2006. (Controvérsia encerrada em 4 de julho de 2006). Idêntica controvérsia se deu no Processo 00414.006305/2005-97, envolvendo as mesmas partes.

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apontava para duas decisões governamentais, em sentido objetivamente oposto. Para o MT, legítima era a cobrança dos valores discutidos. Para o CADE, tal cobrança não poderia ser feita. Nessa ambigüidade, qual, objetivamente, a vontade governamental?

Discutiu-se se as decisões do CADE poderiam (ou não) ser reexaminadas administrativamente, pelo Ministro da Justiça, ou pelo Presidente da República. À época vigia o art. 50 da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, que dispunha que as decisões do CADE não poderiam ser revistas pelo Poder Executivo. Assentou-se na ocasião que as decisões do CADE não poderiam ser reexaminadas administrativamente. Seriam decisões relativas a abuso de poder econômico, quanto ao mérito, e não em face de suas decisões administrativas.

Verificou-se ainda que a ANTAQ havia também tratado da matéria, decidindo do mesmo modo que o Ministério dos Transportes, isto é, apoiando a cobrança da aludida taxa. Emergia um conflito de competências, na medida em que duas autarquias disciplinavam a mesma matéria. Deveria se averiguar também se a competência era concorrente e, se o fosse, quais os limites de atuação de cada uma das autarquias. No pano de fundo, insiste-se, divergência entre os ministérios envolvidos, isto é, dos Transportes e da Justiça.

Decidiu-se que o CADE, como tribunal administrativo de fato, não teria suas decisões submetidas ao Presidente da República81. Assim, como conseqüência do raciocínio, a decisão do CADE não se curvaria à eventual conciliação ou arbitragem. Estaria representado na Câmara, tão somente, para discutir quem deteria competência para se pronunciar sobre a matéria.

A decisão da ANTAQ fora administrativamente contestada e se encontrava pendente de julgamento. Com base nesse fato, entendeu-se que a Câmara não poderia decidir a questão. Enquanto se aguardava o desate do impasse, noticiou-se o recolhimento dos débitos discutidos. Como conseqüência, extinguiu-se a discussão administrativa.

81 É o que se lê no Despacho do Consultor-Geral da União nº 101/2006, datado de 24 de janeiro de 2006, de autoria de Manoel Lauro Volkmer de Castilho.

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Deve-se perceber que toda essa movimentação administrativa que objetivava descortinar uma vontade governamental, é também motivo de gasto público. Tomando-se como referência uma imaginária teoria dos custos da decisão pública, poderia se preocupar com o fato de que o alcance da vontade governamental é também indicativo de consumo de recursos públicos.

DNIT v. IBAMA (reformas na Rodovia Porto Velho-Manaus)

O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes-DNIT82 e o IBAMA discutiram sobre a reforma da Rodovia BR-319, que liga Porto Velho a Manaus83. Chegou-se a um acordo. O IBAMA assumiu o compromisso de analisar e emitir pareceres, relatórios e notas técnicas, com o objetivo de avaliar documentação encaminhada pelo DNIT, naquele caso. O IBAMA comprometeu-se também em aprovar medidas mitigatórias e compensatórias propostas pelo DNIT, de modo a autorizar a execução das ações planejadas, a partir de um cronograma acordado. O IBAMA também iria orientar e supervisionar a execução do projeto, realizando vistorias técnicas periódicas de acompanhamento de trechos da rodovia. Também iria notificar o DNIT caso encontrasse irregularidades durante os procedimentos de fiscalização.

O DNIT comprometeu-se em executar integralmente as obrigações assumidas no termo de ajuste de conduta, submetendo-se às normas ambientais vigentes. Providenciaria licenciamento ambiental das obras de pavimentação e reconstrução da rodovia, nas exatas áreas acordadas no termo de ajuste de conduta. Apresentaria ao IBAMA, em 60 dias da assinatura do termo de ajuste, descrição e listagem das obras previstas, projeto de engenharia em relação a um determinado trecho e alguns cronogramas. Apresentaria também, em 120 dias, um mapeamento detalhado de alguns trechos da rodovia cuja construção se discutia. Entre outras obrigações, em 180 dias o DNIT levaria também

82 O DNIT é um departamento que funciona sob regime autárquico, vinculado ao Ministério dos Transportes e que detém personalidade de direito público, além da autonomia administrativa, patrimonial e financeira. Foi criado pela Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001.

83 Processo: 00428.001190/2005-84. AMBIENTAL. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILIAÇÃO SEM NUMERAÇÃO. (Controvérsia encerrada em 25 de junho de 2007).

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ao IBAMA cópias de licenças ambientais, em relação a alguns trechos da rodovia que propiciou a discussão.

Assegurou-se ao IBAMA o acompanhamento e a fiscalização do termo de acordo, inclusive com comprometimento do DINIT para prestar apoio técnico ao pessoal da autarquia defensora do meio ambiente. No caso de inadimplência do ajuste o IBAMA comunicaria o fato ao DNIT, estabelecendo prazos máximos para devida atuação. Persistindo o descumprimento, o IBAMA iria suspender as autorizações, bem como lançaria multa diária de cinco mil reais, corrigida pelo Índice Nacional dos Preços ao Consumidor-INPC, além de determinação de obrigação de reparação de eventual dano ambiental, se ocorrido.

A questão estava judicializada. O Ministério Público Federal ajuizou ação cautelar e ação civil pública, ambas na Justiça Federal do Amazonas, contra o DNIT, requerendo a anulação de licitações e contratos firmados por aquele departamento, justamente por inexistência do respectivo e necessário licenciamento ambiental.

O IBAMA e a União foram intimados para atuar no polo ativo da ação. A União estaria nos dois lados do processo. Por se tratar de matéria de interesse e competência do IBAMA o Procurador da União que cuidava do caso não autorizou a participação da União na discussão judicial. A matéria foi discutida na CCAF, tendo como resultado o termo de ajuste de conduta aqui noticiado. Revela-se, nesse caso, a atuação de um mecanismo de produção de consenso.

Universidade Federal de Roraima v. ELETRONORTE (embargo à construção de linha de transmissão de energia elétrica)

Representantes da Universidade Federal de Roraima-UFRR embargaram construção de trecho de linha de transmissão das Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A.-ELETRONORTE84. O trecho passava

84 A ELETRONORTE é uma sociedade anônima de economia mista, subsidiária das Centrais Elétricas Brasil S.A.-ELETROBRÁS. A ELETRONORTE fornece energia para nove estados da Amazônia Legal. É vinculada ao Ministério das Minas e Energia-MME.

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sobre terreno da universidade. O MME provocou a CCAF 85. Alegou que a construção do trecho (28 km de extensão) fora devidamente autorizada pela Agência Nacional de Energia Elétrica-ANEEL. Para a conclusão do empreendimento havia a necessidade de instalação de cabos condutores e cabos pára-raios em trecho de apenas quatro km. O verão amazônico que se aproximava exigia urgência na conclusão do projeto. É que no verão amazônico, a partir do mês de setembro, segundo informou o MME, tem-se aumento considerável de energia elétrica consumida na região.

A UFRR impugnava a construção alegando que a passagem da linha condutora de eletricidade se daria em área destinada ao ensino, à pesquisa e à criação de animais utilizados para fins acadêmicos. Haveria, com a construção do referido trecho, considerável redução da capacidade de utilização da área atingida, no entender da UFRR.

O que se teria, de fato, era uma servidão. Propunha-se o pagamento de uma indenização, originalmente fixada em 28 milhões e 880 mil reais, posteriormente reduzida para 25 milhões de reais, além de isenção para a UFRR de pagamento de consumo de energia, a partir de 1º de janeiro de 2008, nos campi de Paracarana, Cauamé, Nova Amazônia, bem como da Casa do Estudante da Cultura Indígena.

A ELETRONORTE apresentava também prejuízos diários referentes ao aluguel de máquinas. Preocupava-se também com a iminência de racionamento de energia.

O Reitor da UFRR encaminhou termo de acordo amigável de indenização, mediante o qual autorizava que a ELETRONORTE desse continuidade às obras de construção das linhas de transmissão. A ELETRONORTE apresentou cheque no valor de 18 mil e 426 reais, dado em pagamento de indenização pelo uso da faixa de servidão. A ELETRONORTE comprometeu-se também em pagar as despesas cartorárias e tributos devidos para os fins do estabelecimento da servidão mencionada. Com a redução do pedido de indenização, de 28 milhões de reais, para pouco mais de 18 mil reais, encerrou-se a controvérsia.

85 Processo: 00400.013381/2008-40. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº 016/2008. (Controvérsia encerrada em 20 de novembro de 2008).

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Se essa diminuição de valores fosse determinada por decisão judicial, poderia haver, em princípio, necessidade de recolhimento de honorários, por parte de quem perdera a ação.

FUNAI v. FUNASA (deficiências no atendimento da saúde indígena)

O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra a FUNASA, na Seção Judiciária do Estado do Maranhão, quanto a providências para a prestação de saúde em áreas indígenas. No contexto de proteção a interesses indígenas, necessário que a FUNAI participasse da ação judicial, ao lado do MPF e, consequentemente, contra a FUNASA. A administração indireta figuraria nos dois pólos da ação, razão pela qual a divergência foi encaminhada à Câmara de Conciliação86. Afinal, qual a vontade governamental que essa ambigüidade esconderia?

A FUNAI, em princípio, concordava com o MPF, no sentido de que a FUNASA deveria tomar providências urgentes. Como resultado do procedimento de conciliação instaurado a FUNAI teria informado ao Juízo da ação civil pública que não tinha mais interesse de agir, naquele processo, reservando-se o interesse de acompanhar as medidas tomadas pela FUNASA, no sentido do cumprimento de decisão. A FUNASA assumiu compromisso de imediatamente tomar providências, a exemplo da reforma de prédio, no qual indígenas eram atendidos87.

Mais uma vez, e especialmente em assunto tão sensível, de matriz constitucional, deve-se buscar fórmula consensuada, dado que a judicialização desse tipo de discussão, referente à busca de uma unidade

86 Processo: 00400.012362/2008-04. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº 019/2008. (Controvérsia encerrada em 15 de dezembro de 2008).

87 Havia vários pontos que exigiam intervenção imediata: reformas de infraestrutura, melhoria de condições de limpeza nas várias instalações mantidas pela FUNASA, fornecimento de água potável e de alimentação para a clientela que utilizava as instalações destinadas ao atendimento de saúde indígena, alocação de recursos humanos para atendimento adequado, implemento de programa de controle médico de saúde ocupacional, recuperação de equipamentos existentes, obtenção de equipamentos para combate a incêndios, treinamento em biossegurança, execução de plano de gerenciamento de resíduos de serviços de saúde, confecção de manuais de padronização de procedimentos, entre tantas outras providências. Com o compromisso assumido pela FUNASA obteve-se a concordância da FUNAI, encerrando-se assim o procedimento.

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da ação governamental, tem como resultado, tão somente, a desobrigação do Executivo definir o modo como realiza políticas públicas já decididas pelo Congresso Nacional.

MAPA, IBAMA e IPHAN v. MDA e INCRA (assentamento rural em área de treinamento de aviação agrícola, de floresta nacional e de preservação histórica)

Por força de ação de reintegração de posse ajuizada pela União, no interesse do Ministério da Agricultura, contra alguns integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra-MST, em Sorocaba, no interior do Estado de São Paulo, o Juiz Federal que conduzia o processo determinou oitiva do Advogado-Geral da União, do Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento-MAPA, do Ministro do Desenvolvimento Agrário-MDA, bem como do Ministro-Chefe da Casa Civil. É nesse contexto que se inicia discussão que chegou à CCAF 88.

A questão também interessava ao Comando da Marinha, ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária-INCRA, ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA e ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN.

O juiz que julgava a questão impressionou-se com o fato de que, embora a União tivesse requerido a reintegração de posse, a setores da própria União estariam obstaculizando a solução do impasse89.

O imóvel disputado fora anteriormente destinado à instalação de um curso de aviação agrícola e de combate aéreo a incêndios, de responsabilidade do Ministério da Agricultura. E é do referido parecer que se reproduzem os excertos abaixo, no que interessa, e que explicam as origens do problema:

[...]

88 Processo: 00400.012907/2003-60. INSTRUMENTO JURÍDICO: Parecer nº 01/2008/CC/CGU/AGU. (Controvérsia encerrada em 23 de setembro de 2008).

89 Parecer nº 01/2008/CC/CGU/AGU, de autoria da Consultora da União, Célia Maria Cavalcanti Ribeiro.

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8. A Fazenda Ipanema, pode-se dizer, é um complexo, que abriga diversos projetos governamentais, os quais se foram sucedendo desde a época do Brasil- Colônia até os dias atuais.

9. Inicialmente, foi instalada, na área, a Real Fábrica de Ferro São João do Ipanema, criada pela Carta Régia de 4 de dezembro de 1810, como uma sociedade acionista de capital misto, com 13 ações pertencentes à Coroa Portuguesa e 47 acionistas particulares de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia.

10. Foi considerada o berço da siderurgia nacional e ali se fabricavam de enxadas a engenhos, de utensílios domésticos a armas e munições. Esteve em funcionamento durante todo o Império, vindo a cessar suas atividades em 1895, já ao governo republicano, sendo o imóvel transferido para o Ministério da Guerra. Registre-se que os remanescentes da antiga fábrica estão, atualmente, tombados pelo IPHAN, face o seu valor histórico-cultural.

11. Pelo Decreto-Lei nº 69, de 15.12.1937, os terrenos da Fábrica de Ferro Ipanema, com todas as benfeitorias ali existentes foram transferidos ao Ministério da Agricultura, sendo prevista instalação de uma usina para tratamento de apatita (mineral utilizado na fabricação de adubo fosfatado)

[...]

12. Com a afetação da área ao Ministério da Agricultura, criou-se, pelo Decreto nº 56.854, de 20.7.1965, o Curso de Aviação Agrícola-CAVAG (....)

13. Mais tarde, pelo Decreto nº 75.895, de 23.12.1975, foi criado o Centro Nacional de Engenharia Agrícola-CENEA

[...]

14. Encontra-se, também, sediado na Fazenda Ipanema o Centro Experimental Aramar-CEA, que integra o Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo-CTMSP e é responsável pelo programa nuclear da Marinha [...]Ressalte-se que, dentre as pesquisas bem sucedidas do CEA, destacam-se o domínio da técnica do enriquecimento isotópico do urânio e outras de igual importância estratégica para o país (...)

[...]

16. Pelo Decreto nº 99.621, de 18.10.1990, por ocasião da Reforma Administrativa do Governo Federal, foi revogado o decreto de

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criação do CENEA, passando suas atribuições para o Departamento de Produção Agropecuária, hoje, Secretaria de Desenvolvimento Rural/MAPA (...)

17. Face as repercussões negativas ocasionadas pela extinção do órgão, suas antigas atribuições foram, então, repassadas à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária-EMBRAPA (...)

18. No entanto, em razão da falta de condições necessárias à manutenção de todo o imóvel pela EMBRAPA, iniciaram-se negociações visando à sua redistribuição entre o INCRA, o IBAMA e a própria EMBRAPA. Àquela época, já pontilhavam algumas ocupações de trabalhadores rurais sem-terra em diversas áreas do imóvel (...)90

E também na mesma região, noticiou-se a fixação de área de uma floresta nacional-FLONA, denominada de Floresta Nacional Ipanema. A referida área estava sob responsabilidade do IBAMA. Esta autarquia foi pressionada pelo INCRA, que objetivava parcela do terreno, para assentamentos de reforma agrária. Decorreu dessa iniciativa o Projeto de Assentamento do Ipanema.

O Ministério Público Federal questionava a destinação de parte da área, de proteção ambiental, para uso de assentamento rural, sem que houvesse lei que autorizasse a medida. A presença do MST no local ganhou maiores proporções.

O Ministério da Agricultura pretendia a reintegração de posse porque o MST ocupou as dependências do Centro de Aviação Agrícola, o CAVAG, como pátio de abastecimento e pista de pouso. O IPHAN também ingressou no processo, na qualidade de assistente da União, interessado na preservação do patrimônio histórico. O IBAMA pretendia que a área fosse marcada como floresta nacional. O MDA e o INCRA opinaram pela necessidade de assentamento rural. O Comando da Marinha preocupava-se com a área, na qual há atividade estratégica para a segurança nacional. Pode-se dizer que apenas um desses atores detém o monopólio para expressar a vontade governamental?

90 Parecer nº 01/2008/CC/CGU/AGU, de autoria da Consultora da União, Célia Maria Cavalcanti Ribeiro.

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Dada a vastidão de interesses da Administração no local o juiz ordenou a suspensão do processo, para que a Administração pudesse indicar uma posição única. Foi a origem da Câmara de Conciliação que se compôs.

Ao longo da negociação, na qual se contrapôs com freqüência uma vontade corporativa a uma não menos abstrata vontade geral, detectou-se que o ponto central da discussão se dava na oposição entre o MAPA e o INCRA. Este último pretendia manter assentamento rural na área na qual se localiza o CAVAG, isto é, o centro de aviação agrícola mantido pelo MAPA.

Em forma de arbitramento, e com o consentimento dos envolvidos, chegou-se ao seguinte plano de ação institucional: a) o INCRA promoveria a desocupação de alguns lotes que se encontravam na área de interesse do MAPA, remanejando seus ocupantes para outro local, no qual se faria outro assentamento; b) o MAPA reativaria o centro de aviação agrícola, o COVAG, de modo pacífico e seguro; c) o IBAMA regularizaria a área cedida ao INCRA, concretizando o assentamento; d) o IPHAN garantiria a manutenção dos sítios históricos que deveriam ser preservados. Como se observa, atingiu-se o consenso, em questão muito delicada.

INCRA, ICMBio, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Fundação Cultural Palmares e Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (sobreposição de territórios quilombolas e unidades de conservação)

Constatação de sobreposição geográfica em territórios quilombolas e áreas de unidades de conservação no Estado de Rondônia envolveu longa discussão entre o INCRA, o ICMBio, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, a Fundação Cultural Palmares e o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República91. A questão estava judicializada, correndo a discussão também em ação civil pública.

91 Processo: 00400.009796/2010-33. INSTRUMENTO JURÍDICO: TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU-035/2011-HLC/GHR.

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No início dos trabalhos as partes adiantaram que não haveria alternativa para conciliação. Entendeu-se também que um arbitramento poderia potencializar conflito. Havia duas ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público. A questão era politicamente muito sensível. Por isso, optou-se pela suspensão da conciliação, com remessa do procedimento à Casa Civil.

A questão retornou à CCAF, onde as partes voltaram a discutir a matéria. Acordou-se que o ICMBio encaminharia uma proposta para o MMA para desafetar área de reserva biológica (Guaporé), nos termos de audiência pública realizada com a comunidade local. Acordou-se também que a proposta legislativa faria constar que a área de reserva legal referente ao território quilombola seria integrada à reserva biológica local.

Aprovada a proposta, ao INCRA deu-se prazo para regularizar o território quilombola (Santo Antonio do Guaporé). Conciliou-se também no sentido de se elaborar plano de utilização do território discutido. INCRA e ICMBIO peticionariam conjuntamente nos autos de ação civil pública no qual a matéria era discutida, noticiando a conciliação.

Feito esse levantamento, pode-se apontar gargalos no agir do Executivo. A CCAF seria ao mesmo tempo patologia e medicamento. As questões levadas para discussão comprovam a multiplicação de vontades corporativas em prejuízo de uma vontade geral, que seria personificada no Presidente da República e pulverizada por seus vários ministros. Há também reflexo de aplicação de leis discutidas no Congresso e depois aprovadas. Cabe ao Presidente e a seus Ministros aplicá-las.

Impressionante o gasto de energia burocrática em torno de conflitos que revelam no mais das vezes a insegurança do agente administrativo no que se refere a que decisão tomar. O caso da declaração que o Estado da Bahia necessitava para receber as obras de Rodin bem ilustra essa preocupação.

A CCAF pode contribuir para restringir ao Executivo discussões que são internas e cuja solução depende de quem vive o problema. A não judicialização de problemas da Administração, nesse argumento, pode

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acelerar soluções e apresentar alternativas tecnicamente compatíveis com a dinâmica do Poder Público. A CCAF pode ao mesmo tempo instrumentalizar políticas públicas de modo eficiente. É palco para debate relativo a temas seminais na Administração Pública, especialmente em contexto de sustentabilidade e desenvolvimento. A CCAF é ambiente propício à produção de consenso.

Porque vinculada ao Advogado-Geral da União, que atua com muita proximidade ao Presidente da República, a CCAF poderia se mostrar como potente instrumento de fortalecimento da articulação presidencial. A CCAF realçaria o papel institucional da AGU.

A CCAF igualmente poderia colaborar no difícil trabalho de fixação de competências, em face de casos concretos, combatendo cultura burocrática enraizada de invocação negativa de atribuições. A CCAF também poderia fomentar uma cultura de transação, que parece ser objetivo de uma luta pela melhora de nossas instituições.

A miríade de assuntos que a CCAF vem tratando também aponta para a possibilidade de desenvolvimento de linha coerente no Executivo, no sentido de se pautar soluções com regras procedimentais claras e informais. Assuntos de gravidade institucional, a exemplo de matérias de segurança nacional poderiam, em princípio, contar com nicho próprio para o exercício da ponderação, e da avaliação das várias implicações institucionais que questões desse nível provocam.

A possibilidade do uso da instância da CCAF para questões de interesse de Estados, Distrito Federal e Municípios pode se qualificar como um poderoso instrumento de coordenação federalista, poupando o Judiciário do ônus de decidir sobre questões que são políticas.

Por outro lado, registre-se como obstáculo ao modelo, a inexistência de marcos normativos indiscutíveis, principalmente no que se refere a problemas de direito tributário. O agente administrativo teme conciliar em matéria que eventualmente possa ser contestada, porque em princípio afeta a direitos indisponíveis. Há também um entrave cultural que precisa ser enfrentado, relativo ao comportamento do

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agente administrativo no contexto procedimental da CCAF. O que deve prevalecer é a lógica da composição e não do conflito.

O apegado formalismo e a insegurança que a responsabilização provoca no agente administrativo poderiam ser causas também identificadoras da proliferação de assuntos que são levados à CCAF. Além da multiplicação das vontades corporativas.

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13. Inventário de dificuldades e construção de propostas

O objetivo da presente seção do trabalho, no que se refere a um inventário de dificuldades e construção de propostas, no contexto do presidencialismo, é de apresentar argumentos (contrários e favoráveis) a mecanismos internos de prevenção e de resolução de litigância intragovernamental. A seção é também marcada por intervenções de ordem dogmática, especialmente em matéria fiscal, dado a necessidade de enfrentamento de problema central, isto é, se matéria tributária poderia ser objeto de apreciação e solução, mediante conciliação e arbitragem, em âmbito administrativo. Trata-se de pormenor normativo que incide diretamentamente num arranjo institucional adequado para a unidade da ação presidencial.

O argumento em favor de um presidencialismo de articulação institucional, com o objetivo de tornar o sistema de governo presidencialista mais eficiente, não implica na defesa do autoritarismo ou da hipertrofia do Executivo. O bom desempenho da ação governamental também depende da articulação entre as várias seções e instâncias do Governo. Em uma sociedade democrática, na qual se respeitam as regras eleitorais, e o presidente eleito é o representante legítimo de uma vontade nacional - tanto quanto possa essa ser captada - a direção presidencial dos negócios da Administração federal, mais do que prerrogativa, é um dever. Deve-se evitar o impasse e a paralisia na Administração.

Quanto a um inventário de dificuldades enumeram-se problemas de ordem geral e problemas de ordem mais específica. Os problemas de ordem geral decorrem de discussão que se tem, em relação ao alcance de tal projeto, quanto a uma agenda democrática. Atende aos objetivos da democracia a concepção de fórmulas que administrem eficientemente as divergências internas do Governo?

Pode-se inquirir se a proposta de um Executivo mais forte não seria bravata autoritária e antidemocrática. O combate à litigância intragovernamental, especialmente quanto a discussões judiciais entre órgãos e entes da Administração, poderia provocar, numa percepção mais crítica, a idéia de que se pretenderia negar a universalidade da jurisdição, que é conquista democrática de densidade histórica.

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Pode-se alegar que presidencialismo de articulação institucional seria metáfora para aumento dos poderes presidenciais, tornando o Presidente um árbitro supremo do Executivo, que chefiaria com mãos de ferro. Uma retomada da curta e complicada gestão do Marechal Floriano Peixoto, ainda na República de Espada, de que se deu conta na seção dedicada ao presidencialismo brasileiro.

Nessa linha de argumentação, o presidencialismo de articulação institucional seria instrumento de uma mordaça organizacional, que sufocaria o debate e tornaria o Executivo unipessoal. São essas as primeiras dificuldades que comandam alguma reflexão.

O fortalecimento do presidencialismo não significa o engrandecimento do Executivo em relação aos demais poderes da República. Esse engrandecimento relacional não desafiaria o dogma da tripartição e independência entre os Poderes. Além do que, seria imediatamente rebatido por norma constitucional que dispõe que não será objeto de deliberação proposta de emenda tendente a abolir a separação dos Poderes1. Ainda que não se trate aqui de emenda constitucional, qualquer iniciativa para a ampliação de prerrogativas presidenciais que implique na proscrição de separação dos Poderes, seja por lei ordinária ou por decreto presidencial, seria prontamente rechaçada pelo sistema normativo brasileiro.

Não se pretende um presidencialismo que resulte na ampliação dos poderes presidenciais em relação às prerrogativas dos outros Poderes da República. O que se defende é um presidencialismo com instrumentos eficazes para segurar a desagregação interna, a pulverização de iniciativas conflitantes e a multiplicação de agendas que reflitam vontades corporativas. Esse presidencialismo mais forte que se defende o seria - mais forte - em relação a si mesmo, enquanto manifestação do Poder Executivo, e não em relação aos demais Poderes.

A defesa de que divergências na Administração devam ser resolvidas pela própria Administração, por intermédio de mecanismos internos, não significa negativa do princípio da inafastabilidade da

1 Inciso III, do § 4º do art. 60 da Constituição Federal.

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jurisdição. E mesmo que assim fosse, o dogma da universalidade da jurisdição suscita algumas ponderações que o tornariam menos rigoroso.

A premissa de que a “lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário nenhuma lesão ou ameaça de direito2”, cláusula que consagra o princípio da ubiqüidade da justiça, é relativizada pela própria Constituição3, guarda alguma incompatibilidade lógica com a regra do habeas data4 (há necessidade de recusa administrativa para que se provoque o Judiciário) bem como, também em princípio, e por razão de natureza lógica, cede em face das regras de funcionamento de reclamação contra o descumprimento de Súmula Vinculante5.

Há tribunais administrativos que funcionam pelo país, a exemplo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica-CADE, do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda-CARF, do Conselho de Recursos da Previdência Social-CRPS, do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional-CRSFN, o chamado conselhinho, entre outros6.

2 Inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal.

3 É o caso da Justiça Desportiva: Constituição Federal, art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados (...)§ 1º - O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei. § 2º - A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.

4 Lei nº 9.597, de 12 de novembro de 1997.

5 Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006. Art. 7o Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação. § 1o Contra omissão ou ato da administração pública, o uso da reclamação só será admitido após esgotamento das vias administrativas.

6 A ideia de tribunais administrativos é recorrente na história recente do direito público brasileiro. Na vigência da Emenda Constitucional nº 1, de 1969, aprovou-se a Emenda Constitucional nº 7, de 13 de abril de 1977, que dispôs sobre a criação de um contencioso administrativo, para tratar de disputas entre particulares e a Administração. Não obstante alguns esforços e projetos, o referido tribunal administrativo não prosperou. Há notícias sobre um Anteprojeto de Lei sobre Contencioso Administrativo Fiscal da União, de autoria de Gilberto de Ulhôa Canto, Geraldo Ataliba e Gustavo Miguez de Mello. Datado de fevereiro de 1978 o referido projeto não evoluiu. Imaginava-se um Conselho Tributário Federal, a quem incumbira o exercício das funções de Contencioso Administrativo, vinculado estruturalmente ao Ministro da Fazenda. Decisões desse tribunal poderiam ser enfrentadas por uma então chamada ação de revisão fiscal, que seria processada no antigo Tribunal Federal de Recursos-TFR. A referida ação poderia ser proposta, inclusive, pelo Procurador da Fazenda Nacional que atuasse nesse Conselho Tributário Federal-CTF. Nesse modelo não havia previsão ou prevenção de qualquer forma de litigância intragovernamental. Notícias há também de um Contencioso da Previdência Social-CONPREV, datado de maio de 1978, com Exposição de Motivos assinada pelo então Ministro da Justiça Armando Falcão. Também não havia disposição específica sobre discussão de matéria previdenciária em face da Administração, direta ou indireta, quando credor e devedor se confundiriam, problema hoje recorrente.

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A restrição à judicialização de questões que traduzam divergências internas da Administração teria como resultado imediato a diminuição de carga de trabalho para o Poder Judiciário, colaborando para o desafogamento desse Poder da República. A solução interna de divergências se faria basicamente por intermédio de fórmulas de conciliação, que hoje são prestigiadas e defendidas pelo próprio Poder Judiciário. A solução interna da dissenção administrativa restringiria ao Poder Executivo a definição de políticas públicas, enfrentando-se, de alguma maneira, o ativismo judicial, não tomado apenas como “uma disfunção no exercício da função jurisdicional, em detrimento, notadamente, da função legislativa7”, mas também como uma disfunção no exercício da função administrativa. Bem entendido, políticas públicas já discutidas no Congresso.

Deve-se cogitar de um modelo no qual dependa de autorização do Advogado-Geral da União o ajuizamento de ação que tenha na composição dos pólos da lide órgãos e entes da Administração, ou ainda a formação de litisconsórcio ativo, ou de alguma categoria de assistência, bem como o ingresso na discussão como amicus curiae, na mesma situação, reveladora de litigância intragovernamental. A União só litigaria em juízo contra si mesma, ainda que em relação à Administração indireta, com autorização expressa de seu Advogado-Geral. É arranjo institucional que se aproxima há modelo que existe no Estado de Minas Gerais.

Um maior comando da litigância interna, por intermédio da Casa Civil da Presidência da República e pela Advocacia-Geral da União, o que resultaria em um maior controle presidencial, não faria do Presidente um árbitro supremo, carregado de autoritarismo. Como visto na seção referente ao presidencialismo no Brasil, há copiosa previsão legislativa para que o Presidente exerça o comando do Executivo8. 7 Ramos, Elival da Silva, Ativismo Judicial- Parâmetros Dogmáticos, cit., p. 107.

8 Refere-se ao art. 84, VI, da Constituição, à Lei 10.683, de 2003, bem como ao art. 170 do Decreto-Lei nº 200, de 1967. Nos termos do art. 84 da Constituição: “Compete privativamente ao Presidente da República: I - nomear e exonerar os Ministros de Estado; II - exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal; [...]VI - dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos (...)”. A Lei 10.683, de 2003, dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências. E, por fim, a art. 170 do Decreto-Lei nº 200, de 1967, dispõe que o Presidente da República, por motivo relevante de interesse público, poderá avocar e decidir qualquer assunto na esfera da Administração Federal.

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A busca de uma vontade governamental em contraposição a pulverizadas vontades corporativas não denota mordaça organizacional, e também não significa a defesa de uma imaginária unipessoalidade na Chefia do Executivo. O Presidente é eleito, democraticamente, com base num amplo programa de governo e de conjunto de propostas, as quais, supõe-se, foram efetivamente discutidas. Do servidor se espera lealdade para com o serviço9, bem como o cumprimento de ordens, desde que não manifestamente ilegais10. Ou ainda, o permanente compromisso para com a busca de mecanismos de produção de consenso.

Há uma vontade governamental que precisa ser realizada. O que, reconheça-se, muito difícil, especialmente em situações absolutamente desconcertantes, a exemplo de decisão governamental que oponha marcação de terra quilombola com serviço aeroespacial brasileiro, a propósito da discussão na região de Alcântara, no Estado do Maranhão. Que vontade prevalece?

Algumas alterações na ordem normativa atual poderiam substancializar um maior nível de controle sobre a litigância intragovernamental. Um amplo debate público, a partir do ambiente parlamentar, poderia propiciar oportunidade para discussão nacional, em torno do problema aqui tratado. E porque marcos regulatórios do modelo não estão submetidos aos constrangimentos do § 1º do art. 62 da Constituição, na redação da Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 200111 não haveria nenhum óbice para que a matéria fosse tratada por medida provisória.

9 Inciso II do art. 116 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1980.

10 Inciso IV do art. 116 da Lei nº 8.112, de 1980.

11 Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. § 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: I - relativa a: a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; b) direito penal, processual penal e processual civil; c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º; II - que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; III - reservada a lei complementar; IV - já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República.

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Alternativamente, e também do ponto de vista emergencial, eventual correção de procedimento, como aqui proposto, poderia ser feita pelo próprio Executivo. O Presidente pode tratar da matéria por decreto, especialmente porque não há aumento de despesa12. Pode haver delegação para o Advogado-Geral da União, que disciplinaria o assunto, por portaria13.

Ainda do ponto de vista emergencial, o Advogado-Geral da União poderia determinar (por portaria) que a judicialização de divergência na Administração dependeria da sua autorização. Nesse caso, de alguma maneira, segue-se modelo que há no Estado de Minas Gerais, como aqui já noticiado, Poderia também determinar que desacordo entre órgãos e entes da Administração Federal (com fundo jurídico) fosse primeiramente submetido à Casa Civil, para tentativa de composição. Poderia também insistir no caráter obrigatório do cumprimento das decisões da Câmara de Arbitragem, da qual é chefe.

Pode-se temer que o fim (ou a diminuição) da litigância intragovernamental teria como resultado uma cultura de impunidade do agente público. Isto é, não haveria como órgão cobrar ou fiscalizar órgão ou ente, e vice-versa: como se responsabilizar algum servidor por evento causado, no contexto da própria Administração?

Não se pode prescindir de modelos de controle, internos e externos. Internamente, o sistema decorrente da aplicação da Lei nº 8.112, de 1990, centrado nos controles das corregedorias e da Controladoria-Geral da União, a par do regime das ouvidorias. O controle externo permanece exercido pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas. Além, naturalmente, de controles externos informais, a exemplo da imprensa. Não se pode desprezar o uso da ação popular e das ações de improbidade administrativa, por parte de quem tenha competência para ajuizá-las. A Lei de Acesso a Informações14 oferece ao cidadão mais um importante mecanismo de controle.

12 Constituição de 1988, art. 84, VI.

13 Constituição de 1988, art. 84, parágrafo único.

14 Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011.

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Deve-se levar em conta também as razões da litigância intragovernamental. A ação ou omissão do agente administrativo é causa comum de divergência entre órgãos e entes governamentais. Exemplifica-se com eventual descumprimento doloso de obrigação tributária acessória.

Um maior controle em relação à litigância intragovernamental teria também algumas implicações em nossa cultura burocrática. Vige entre nós o modelo weberiano clássico, regido pelo princípio das competências oficiais fixas,

[...]ordenadas, de forma geral, mediante regras: leis ou regulamentos administrativos, isto é: (1) existe uma distribuição fixa das atividades regularmente necessárias para realizar os fins do complexo burocraticamente dominado, como deveres oficiais; (2) os poderes de mando, necessários para cumprir esses deveres, estão fixamente distribuídos, e os meio coativos (físicos, sacros ou outros) que eventualmente podem empregar estão também fixamente delimitados por regras; (3) para o cumprimento regular e contínuo dos deveres assim distribuídos e o exercício dos direitos correspondentes criam-se providências planejadas, contratando pessoas com qualificação regulamentada de forma geral15.

Ocorre, no entanto, que as complexidades das funções estatais contemporâneas, bem como a multiplicação de entendimentos sobre vários assuntos, ou as vontades corporativas, como aqui se prefere falar, minam o modo regular e fixo descrito na clássica fórmula de Max Weber.

Por outro lado, tem-se a impressão que o modelo atual revela intenção de se limitar um controle vertical, da mais alta autoridade em relação a menos graduada (top-down control) especialmente em temas de muita distensão, a exemplo de assuntos de política ambiental, planejamento familiar, política agrícola, desenvolvimento econômicos, entre outros16.

O problema do controle hierárquico da burocracia é recorrente nos teóricos da Administração Pública, preocupando Max Weber,

15 Weber, Max, Economia e Sociedade, vol. 1, Brasília: Editora da UnB, 1999, p. 198. Tradução do alemão para o português de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa.

16 Cf. Meier, Kenneth J. e O´Toole, Jr., Laurence J., Bureaucracy in a Democratic State- A Governance Perspective, Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2006, p. 126.

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Dwight Aldo e, principalmente, Charles Lindblom, para quem a rigidez hierárquica variaria na razão direta do autoritarismo do regime no qual funciona; a hierarquia, nesse sentido, contrastaria com a ideologia e com o ethos da agenda democrática17. Um economista estudioso da burocracia observou que ninguém se diz burocrata ou que trabalha num serviço burocrático; assim, a expressão burocracia seria alheia ao que efetivamente se faz; carregaria uma percepção negativa18.

E também segundo outro estudioso norte-americano seriam quatro os maiores problemas das modernas burocracias19: 1) a prestação de contas do agente público (accountability); 2) a equidade, isto é, igual tratamento para todo o cidadão (equity); 3) a corrupção20 e o favorecimento (corruption and sweetheart deals); e, 4) a ineficiência (inefficiency)21.

Na litigância intragovernamental potencializa-se a ineficiência, que tem como causa o impasse, gerado, principalmente, pelo temor que a responsabilização possa representar para o servidor público. Há muito risco em se decidir em ambiente normativo de densidade duvidosa. O controle de resultados cede à obsessão com o controle de procedimentos. A burocracia passa a se alimentar de si mesma, ainda que correndo o risco de se esgotar na própria seiva.

Cada um dos setores da Administração tende a exteriorizar ideologia própria (the agency ideology)22, potencializando-se a multiplicação de vontades corporativas, como aqui se prefere identificar tal comportamento. Espera-se que o Governo trabalhe mais, e custe

17 Cf. Fry, Brian R. e Raadschelders, Jos C. N., Mastering Public Administration – From Max Weber do Dwight Aldo, Washington, C. Q. Press, 2008, p. 264.

18 Cf. Mises, Ludwig Von, Bureaucracy, Indianapolis: Liberty Fund, 2007, p. 1.

19 Cf. Wilson, James Q. Bureaucracy, New York: Perseus Book, 1989, pp. 316 e ss.

20 Para estudo do controle da corrupção no serviço público brasileiro, conferir o ensaio de Francisco Gaetani, em Leonardo Avritzer e outros, Corrupção- Ensaios e Críticas, Belo Horizonte, Editora UFMG, 2008, pp. 485-494.

21 Cf. Wilson, James Q., cit., loc. cit.

22 Cf. Peters, Guy B., The Politics of Bureaucracy- An Introduction to Comparative Public Administration, London & New York: Routledge, 2010, pp. 198 e ss.

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menos23. É uma inegável percepção utilitária e pragmática que exigiria convergência de ações, como antídoto à técnica do impasse.

Pode-se também se preocupar com o fato de que o represamento de discussões da Administração - dentro da própria Administração - tenha como resultado um mero arranjo de topografia burocrática. O que se debatia no Judiciário seria discutido no Executivo. Por um lado, o Judiciário ganha com a diminuição relativa de demandas. Por outro, a energia que o Executivo utiliza para acompanhar as pendências no Judiciário deverá ser readequada para o acompanhamento interno de problemas, por parte da própria Administração.

Haveria também algum temor de que um tribunal administrativo que tratasse de divergências internas da Administração se transformasse num tribunal de exceção administrativo, num sentido negativo, e que resultaria numa total proteção e acobertamento do agente administrativo faltoso, subtraindo também a Administração do controle, entre outros, do Poder Judiciário. O monitoramento de todas as questões pelos órgãos internos de controle, a exemplo das corregedorias, mitigaria esse falso problema.

Os atores do cenário político e burocrático protagonizam vários papeis. Há responsabilidade comum de controle por parte das Corregedorias, do Tribunal de Contas, do Ministério Público, da sociedade civil, das organizações não governamentais, do Conselho de Ética Pública, da imprensa, dos partidos políticos. Pode-se indagar também se o Executivo estaria preparado para administrar seus próprios conflitos. Isto é, pode-se questionar se há pessoal treinado, conciliadores em número apropriado e adequadamente instruídos. Também há necessidade de se averiguar se há recursos orçamentários.

Há muitas Escolas de Governo, a exemplo da Escola Nacional de Administração Pública-ENAP e da Escola de Administração Fazendária-ESAF, que poderiam treinar e capacitar pessoal para essa tarefa. Não haveria preocupações orçamentárias, levando-se em conta que, em princípio, já há estruturas relativamente bem montadas, para a demanda

23 Cf. Shafritz, Jay M. e Hyde, Albert C., Classics of Public Administration, Boston: Wadsworth, 2008, p. 551.

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imediata, como a Casa Civil da Presidência da República e a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal.

Outro ponto inquietante diz respeito à inexistência de dados completos e confiáveis, relacionados à litigância intragovernamental no Poder Judiciário, quanto às ações em andamento e aos precatórios pagos ou a pagar. Deve-se reconhecer que, de fato, os dados são inconsistentes porque inadequadamente alimentados. Tabelas e relatórios produzidos pela Justiça Federal ou pela Advocacia-Geral da União tendem a considerar o Ministério Público da União e a Defensoria Pública da União na mesma rubrica que alberga a União Federal, ou a Procuradoria da União, como já se observou na sessão relativa a litigância intragovernamental judicial. Difícil saber exatamente quem litiga contra quem.

Para que os dados desses sistemas fossem efetivamente úteis para avaliação mais precisa da extensão do problema que supostamente se tem deveria se proceder a recadastramento de processos judiciais nos quais possa haver litigância intragovernamental. Novos procedimentos e rotinas deveriam ser pensados e aplicados.

Ainda que por amostragem, tem-se quadro preocupante de litigância intragovernamental, especialmente em matéria fiscal. Deve-se incomodar também com uma litigância intragovernamental que ocorre no contexto de disputa entre terceiros, a exemplo do caso do mandado de segurança de um hospital do Rio Grande do Sul, debatido no STF, e no presente trabalho apresentado em seção anterior. A União atuou como amicus curiae ao lado do Governo do Rio Grande do Sul numa ação judicial na qual era detentora de 99% das ações da parte contra a qual litigava.

Além do que, no referido caso do Hospital, em âmbito federal, mantida a inscrição em dívida ativa, e proposta a execução fiscal, na qual a União seria perdedora - mantida a jurisprudência do STF - haveria representativa condenação em honorários, em desfavor da exeqüente, que também seria a executada. Não seria um caso de confusão, a ser resolvido por reconfiguração de contas no orçamento?

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Critica-se o Governo como o maior litigante do sistema judiciário brasileiro, com base em dados do Conselho Nacional de Justiça-CNJ, no presente trabalho mencionados. Um bom passo para que se possa reduzir essa litigância, tão custosa para o orçamento, dá-se exatamente com um maior controle e com o fim da divergência intragovernamental no Judiciário, nesse contexto imaginário de presidencialismo de articulação institucional.

São também precários os dados relativos aos precatórios, produzidos pelo Conselho da Justiça Federal-CJF, bem como pela Secretaria de Orçamento do Ministério do Planejamento-SOF. No CJF, por exemplo, indica-se o beneficiário como o Tribunal que fará o pagamento ao interessado/credor. Novas rotinas devem ser pensadas e implantadas, para que se possa ter visão mais realista do problema.

No entanto, a julgar pelo número de pendências que chega à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal, tem-se comprovação segura de que há divergência entre órgãos e entes da Administração Federal. De qualquer maneira, a atual obtenção de dados, com o objetivo de se mapear o problema para enfrentá-lo, é precária, insuficiente e inadequada. Há também dados hieráticos e enigmáticos, aos quais não se tem acesso, a exemplo de relatórios da litigância intragovernamental no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda-CARF.

Neste tribunal administrativo – CARF- as bases são alimentadas com números de Cadastro Nacional de Pessoas jurídicas-CNPJ. Além disso, o sigilo fiscal obstaculiza por parte desse tribunal administrativo, qualquer forma de revelação de dados, inclusive entre órgãos e entes da Administração. O sigilo fiscal das empresas públicas e das sociedades de economia mista é da assertiva uma comprovação.

Quanto a um arrolamento de dificuldades um pouco mais específicas, pode se indagar do papel que a Casa Civil teria nesse contexto de combate à litigância intragovernamental como meio de fortalecimento do presidencialismo. Pode-se também indagar como seria o funcionamento e o regime de prerrogativas de um suposto tribunal com competência para apreciação do tipo de problema aqui proposto.

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Quem conciliaria? Quem poderia conciliar? Sobre o que se conciliaria? Quem arbitraria? O que poderia ser arbitrado? Como a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal deveria se relacionar com outras instâncias de julgamento e conciliação, a exemplo do Judiciário e dos demais tribunais administrativos?

Há também muitos problemas em matéria fiscal, que parecem ser os mais substanciais. Serão aqui imediatamente tratados e discutidos. Pode-se garantir certidão positiva com efeitos de negativa para órgão ou entidade da Administração Federal que esteja discutindo matéria fiscal na Câmara de Conciliação e Arbitragem da AGU? Qual seria o fundamento jurídico dessa possibilidade?

O inciso III do art. 151 do Código Tributário dispõe sobre suspensão de exigibilidade do crédito tributário nos casos de reclamações e recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo. Entre essas, indica-se o Decreto-Lei nº 70.235, de 6 de março de 1972, a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, bem como, em linhas gerais, todos os marcos regulatórios que pautam as discussões no Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal, citados anteriormente no presente trabalho. Além do que, o art. 206 do CTN24 garante certidão positiva com efeitos de negativa para o devedor que tenha bens penhorados. A impossibilidade de penhora de bens públicos, justamente pelo fato de que são públicos, impede a penhora, mas não são efeitos.

Burocratizando-se o procedimento, essa certidão poderia ser confeccionada pela autoridade fiscal (o responsável pela dívida ativa na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional), por ordem do Ministro da Fazenda, que teria sido comunicado por aviso do Ministro da Advocacia-Geral da União, depois deste último ter aprovado despacho do Consultor-Geral, com base em decisão fundamentada do conciliador. Trata-se de caminho muito longo. Para quê?

24 Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior [efeitos negativos] a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.

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Esse método é por demais fracionado em vários procedimentos. Pouquíssima utilidade prática teria, especialmente porque quem necessita de certidão corre contra prazos, por várias razões, que variam da expectativa de recebimento de recursos financeiros, cuja necessidade é imediata, para a desincompatibilização de gestores que chegam a ter seus bens pessoais indisponibilizados.

Eventual lei ou decreto que cuidasse do assunto poderia simplificar o procedimento. Mera comunicação do diretor da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal para o chefe da dívida na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional - pessoas e cargos com o mesmo nível hierárquico - seria necessária e suficiente para que se disponibilizasse ao interessado a certidão pretendida, dando conta de que há instância administrativa pendente de apreciação, o que justificaria a confecção e entrega de certidão positiva com efeitos de negativa, em favor da pessoa pública que demande sobre matéria tributária na CCAF.

Levando-se esse problema de dogmática ao limite, poderia se imaginar a hipótese da ocorrência da decadência ou da prescrição do crédito discutido, enquanto pendente discussão na CCAF. De quem seria a responsabilidade pelo ocorrido?

Não há suspensão e nem interrupção de prazos decadenciais25. Eventuais casos de interrupção de prescrição, dispostos no CTN, também não se aplicam ao caso26. O crédito fiscal, nessas condições, caduco ou prescrito, com decadência e prescrição ocorridos na vigência dessa suspensão de exigibilidade, estaria definitivamente perdido. Trata-se, porém, de crédito tecnicamente incobrável, a menos que se tenha

25 Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados: I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado; II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado. Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.

26 Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva. Parágrafo único. A prescrição se interrompe: I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; II - pelo protesto judicial; III - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; IV - por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.

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rearranjo orçamentário, com fundamento na impossibilidade de se fazer penhora dos bens do devedor. Na verdade, tais bens também pertencem ao credor. Devedor e credor são uma pessoa só. Tem-se confusão, em matéria fiscal, como se afirmará mais adiante.

Ainda em âmbito de dogmática tributária, o art. 111 do CTN27 dispõe que suspensão de exigibilidade de crédito tributário é matéria que deva ser interpretada literalmente. Num primeiro momento, pode-se admitir que a cogência dessa regra afastaria a possibilidade de se entregar certidão positiva com efeitos de negativa para o interessado que esteja discutindo matéria tributária na CCAF. É que a suspensão de exigibilidade do crédito fiscal - e conseqüente entrega de certidão - deveria se dar nos exatos termos de leis reguladoras do processo tributário administrativo fiscal.

O argumento em favor da validade da premissa - discussão na CCAF como justificativa de entrega de certidão - é no sentido de que não há uma legislação de regência única que regule o processo administrativo fiscal. Os marcos regulatórios da CCAF também dispõem sobre a matéria. O sujeito passivo da obrigação tributária confunde-se com o sujeito ativo. Prejudica-se a penhora, mas não seus efeitos.

Pode-se argumentar contrariamente à CCAF apreciar matéria tributária, no que se refere a eventual impossibilidade de que conciliação ou arbitramento possam extinguir o crédito tributário. É que o art. 111 do CTN também exigiria interpretação literal das hipóteses de extinção de crédito fiscal. Trata-se das hipóteses previstas no art. 156 do mesmo CTN28 que não contemplam, literalmente, conciliação ou arbitragem em processo administrativo fiscal.

27 Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre: I - suspensão ou exclusão do crédito tributário; II - outorga de isenção; III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.

28 Art. 156. Extinguem o crédito tributário: I - o pagamento; II - a compensação; III - a transação; IV - remissão; V - a prescrição e a decadência; VI - a conversão de depósito em renda; VII - o pagamento antecipado e a homologação do lançamento (...); VIII - a consignação em pagamento (...); IX - a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória; X - a decisão judicial passada em julgado. XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei.

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No entanto, tem-se uma decisão administrativa, especialmente quando homologada pelo Presidente da República, que não seria objeto de ação anulatória, no contexto dos artigos 486 e 487 do Código de Processo Civil29, especialmente no que se refere à legitimidade para propositura da referida ação.

No caso EMGEPRON, tratado na seção relativa às discussões na CCAF, argumentou-se que teria sido desrespeitado o dogma da irreformabilidade das decisões do CARF (o antigo Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda) por força do disposto no art. 42 do Decreto-Lei nº 70.235, de 197230. Essa impossibilidade de reforma de decisão administrativa, no entanto, dá-se tão somente no ambiente e limites do CARF. Decisões administrativas não são definitivas em relação ao Judiciário (pelo princípio da ubiqüidade da jurisdição), a exemplo de eventual contestação por ação civil pública ou por ação popular.

Nem mesmo decisões judiciais detêm o escudo da imutabilidade perpétua. Em relação a decisões administrativas há parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, hoje no entanto suspenso, no qual se faz previsão de ação judicial, proposta pela PGFN, para desconstituição de decisão do CARF31. Insista-se, a decisão administrativa

29 Art. 486. Os atos judiciais, que não dependem de sentença, ou em que esta for meramente homologatória, podem ser rescindidos, como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil. Art. 487. Tem legitimidade para propor a ação: I - quem foi parte no processo ou o seu sucessor a título universal ou singular; II - o terceiro juridicamente interessado; III - o Ministério Público: a) se não foi ouvido no processo, em que Ihe era obrigatória a intervenção; b) quando a sentença é o efeito de colusão das partes, a fim de fraudar a lei.

30 Art. 42. São definitivas as decisões: I - de primeira instância esgotado o prazo para recurso voluntário sem que este tenha sido interposto; II - de segunda instância de que não caiba recurso ou, se cabível, quando decorrido o prazo sem sua interposição; III - de instância especial. Parágrafo único. Serão também definitivas as decisões de primeira instância na parte que não for objeto de recurso voluntário ou não estiver sujeita a recurso de ofício.

31 Trata-se do Parecer PGFN 1087, de 19 de julho de 2004, no qual se lê a seguinte conclusão: “1) existe, sim, a possibilidade jurídica de as decisões do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, que lesarem o patrimônio público, serem submetidas ao crivo do Poder Judiciário, pela Administração Pública, quanto à sua legalidade, juridicidade, ou diante de erro de fato. 2) podem ser intentadas: ação de conhecimento, mandado de segurança, ação civil pública ou ação popular. 3) a ação de rito ordinário e o mandado de segurança podem ser propostos pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, por meio de sua Unidade do foro da ação; a ação civil pública pode ser proposta pelo órgão competente; já a ação popular somente pode ser proposta por cidadão, nos termos da Constituição Federal”.

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dita irreformável do antigo Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda o é apenas nos limites deste tribunal administrativo. Ao Advogado-Geral da União, no contexto da Lei Complementar nº 73, de 1993, há prerrogativa para avocar o processo.

A discussão, porém, carece de praticidade, no momento em que credor e devedor se confundem, na hipótese de discussão entre órgãos e entes da Administração, em matéria tributária. A lista do art. 156 do CTN, relativa às modalidades de extinção do crédito tributário, no entanto, é taxativa, especialmente na impressão e na autoridade de Paulo de Barros Carvalho, para quem, ao contrário da tese aqui defendida:

Tanto o surgimento quanto as modificações por que passam durante sua existência, e assim também a extinção das obrigações tributárias hão de ocorrer nos precisos termos da lei. Nesse terreno, o princípio da estrita legalidade impera em toda a extensão e a ela se ajunta, em vários momentos, o postulado da indisponibilidade dos bens públicos32.

Por outro lado, argumenta-se, não há, nos casos indicados na presente investigação, a possibilidade de se dispor de bens públicos. Isto é, se credor e devedor se confundem na mesma pessoa, especialmente porque essa pessoa consubstancia-se no Estado, não haveria porque não se admitir, nessa hipótese, bem entendido, a incidência do instituto da confusão, ainda que não taxativamente previsto no Código Tributário Nacional.

A confusão, instituto do direito civil33, no qual se reconhece identidade entre credor e devedor, diluindo-se o crédito, teria plena aplicabilidade em matéria fiscal, como reconhecido pela própria

32 Carvalho, Paulo de Barros, Curso de Direito Tributário, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 468.

33 Código Civil. Art. 381. Extingue-se a obrigação, desde que na mesma pessoa se confundam as qualidades de credor e devedor. Art. 382. A confusão pode verificar-se a respeito de toda a dívida, ou só de parte dela. Art. 383. A confusão operada na pessoa do credor ou devedor solidário só extingue a obrigação até a concorrência da respectiva parte no crédito, ou na dívida, subsistindo quanto ao mais a solidariedade. Art. 384. Cessando a confusão, para logo se restabelece, com todos os seus acessórios, a obrigação anterior.

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Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional34. Especialmente porque, no contexto dos problemas aqui trazidos, as partes têm identidade originária única, como órgãos e entes da Administração.

Na hipótese de débito inscrito em dívida ativa, quando este poderia ser discutido em apenas três hipóteses, todas judiciais, nos termos da Lei de Execução Fiscal35, deve-se levar em conta que eventual ajuizamento de ação dependeria de autorização do Advogado-Geral da União. De qualquer modo, é administrativamente que o problema deve ser resolvido.

Na pressuposição de ação já ajuizada, ou de discussão em trâmite no CARF, o Advogado-Geral da União pode avocar o processo, judicial ou administrativo, com base no § 2º do art. 4º da Lei Complementar nº 73, de 199336.

Reconhece-se a utilidade e a legalidade da conciliação e do arbitramento em matéria fiscal, na conjectura de que entre credor e devedor se reconheça litigância intragovernamental, com condução do Advogado-Geral da União, e no interesse da unidade governamental, o que fortalece o presidencialismo. E não há nessa construção nenhuma ameaça à agenda democrática.

Órgãos da Administração direta e entidades da Administração indireta podem participar desses procedimentos de conciliação e de arbitramento. Incluem-se as empresas públicas, sem prejuízo do

34 Parecer PGFN/PGA 1336/2008, de autoria de Fabrício da Soller, onde se lê: “Dessa forma, há segurança em afirmar-se que a confusão é hipótese de extinção do crédito tributário e caberá à administração tributária dar conseqüências a essa conclusão, (i) seja no âmbito da divida ativa da União, com a adoção dos atos administrativos competentes para a extinção do crédito ali inscrito; (ii) seja no âmbito judicial, com a extinção das execuções fiscais e ações de defesa em decorrência da providência contida no item anterior”.

35 Lei 6.830, de 22 de setembro de 1980. Art. 38 - A discussão judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública só é admissível em execução, na forma desta Lei, salvo as hipóteses de mandado de segurança, ação de repetição do indébito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida, esta precedida do depósito preparatório do valor do débito, monetariamente corrigido e acrescido dos juros e multa de mora e demais encargos. Parágrafo Único - A propositura, pelo contribuinte, da ação prevista neste artigo importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto.

36 § 2º - O Advogado-Geral da União pode avocar quaisquer matérias jurídicas de interesse desta, inclusive no que concerne a sua representação extrajudicial.

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disposto no § 2º do art. 173 da Constituição37, com base em doutrina de mutação constitucional, sufragada pelo STF, como já indicado ao longo do trabalho. Quanto à atividade da empresa pública enquanto detentora de monopólio de serviço público deve-se aproveitar a mesma regra aplicável à Administração direta e as autarquias e fundações.

O processamento da divergência intragovernamental, em matéria tributária, e em âmbito de CCAF, deve garantir ao órgão ou ente interessado a entrega de certidão positiva, com efeitos de negativa. E ainda, termo de conciliação e laudo de arbitragem, devidamente abonados pelo Advogado-Geral da União, com aprovo presidencial, dependendo do caso, extinguem o crédito tributário, por força, entre outros, do disposto no inciso IX do art. 156 do CTN.

Cogita-se, agora, do procedimento nesse contexto de combate a litigância intragovernamental, como instrumento de fixação de uma vontade governamental, e com o objetivo de se fortalecer a unidade do presidencialismo.

A Casa Civil da Presidência da República deve ser o primeiro espaço no qual se possa avançar um esforço preventivo. É o primeiro dos locais no qual se pode cogitar da atuação de um braço institucional realmente produtor de consenso38.

37 Constituição Federal, § 2º do art. 173: As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.

38 Criada pelo Decreto-Lei nº 920, de 1º de dezembro de 1938, a Casa Civil originariamente denominava-se de Gabinete Civil. Este era chefiado pelo Secretário da Presidência da República, e nele também atuava um secretário particular do Presidente. Havia também oficiais e auxiliares do Gabinete, em número então determinado pelo Presidente da República. A Lei nº 3.780, de 12 de julho de 1960, que explicitava os cargos no serviço federal, dava conta de uma chefia de Gabinete Civil. Um Ministro de Estado Extraordinário para Assuntos do Gabinete Civil da Presidência da República, nos termos do Decreto nº 53.876, de 2 de abril de 1964, chefiaria o que hoje se denomina de Casa Civil. Essa autoridade tornou-se Ministro de Estado - definitivamente - no contexto da Lei nº 6.036, de 1º de maio de 1974, que dispunha, entre outros, sobre a criação, na Presidência da República, de um Conselho de Desenvolvimento Econômico e de uma Secretaria de Planejamento. Alteravam-se os artigos 32, 35 e 36 do Decreto-Lei 200, de 1967. A Casa Civil da Presidência da República, em sua conformação atual, é objeto da Lei nº 8.490, de 19 de novembro de 1992, que dispõe sobre a Presidência da República e organização dos Ministérios. A Casa Civil é mantida, efetivamente, como órgão da Presidência da República. Atualmente, é a Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003 (com várias alterações posteriores) que fixa o conjunto de competências da Casa Civil, bem como sua estrutura básica. Nos termos da referida lei (com redação dada pela Lei nº 12. 642, de 2011), é competência da Casa Civil, como já visto no início do trabalho, �assistir direta e imediatamente ao Presidente da República no desempenho de suas atribuições”, especialmente, ainda nos termos da referida lei, “na coordenação e na integração das ações do Governo; na verificação prévia da constitucionalidade e legalidade dos atos presidenciais; na análise do mérito, da oportunidade e da compatibilidade das propostas, inclusive das matérias em tramitação no Congresso Nacional, com as diretrizes governamentais; na avaliação e monitoramento da ação governamental e da gestão dos órgãos e entidades da administração pública federal”. É da Casa Civil também a responsabilidade em “promover a publicação e a preservação dos atos oficiais”.

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Poderia se cogitar também que a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República protagonizasse algum papel de relevo no combate à litigância intragovernamental39. Percebe-se, no entanto, perfil mais reservadamente político nessa Secretaria40, orientada mais para conduzir a relação da Presidência com o Congresso e com as demais unidades da Federação, do que para se relacionar coordenadamente com setores internos do Governo. Por isso, insiste-se, o papel preponderante, num contexto preventivo, seria menos da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República do que da Casa Civil. A esta última, compete, prioritariamente, a “coordenação e integração das ações de Governo”.

Deve-se investigar o Decreto nº 5.135, de 7 de julho de 2004, que aprova a estrutura regimental da Casa Civil, com o objetivo de se indicar, efetivamente, que repartição daquele Ministério poderia ser incumbida dessa tarefa de combate à litigância intragovernamental, ao lado da AGU.

Pensa-se, num primeiro momento, na Subchefia de Assuntos Jurídicos41. Ocorre que assuntos que suscitam eventual divergência, ainda que traduzidos por uma equação jurídica, não são, sempre, de natureza jurídica propriamente dita. Cogita-se, num segundo momento,

39 Nos termos da Lei nº 10.683, de 2003 (com redação dada pela Lei nº 11.204, de 2005) à “Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República compete assistir direta e imediatamente ao Presidente da República no desempenho de suas atribuições”. Especialmente, essa Secretaria, que tem status de Ministério, colabora com o Presidente na “coordenação política do Governo; na condução do relacionamento do Governo com o Congresso Nacional e os Partidos Políticos; e na interlocução com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios”. O estudo dessa Secretaria, no que se refere às suas atribuições junto à Presidência da República, indica permanente acompanhamento legislativo, de modo sistemático, em torno de um Sistema de Acompanhamento Legislativo- SAL, nos termos do Decreto nº 4.596, de 17 de fevereiro de 2003.

40 Anteriormente à atual Ministra Ideli Salvatti, foram Ministros Luiz Sérgio (2011), Alexandre Padilha (2009-2011), José Múcio Monteiro Filho (2007-2009), Walfrido Neto (2007), Tarso Gento (2006-2007), Jacques Wagner (2005-2006) e o primeiro deles, Aldo Rebelo (2004-2005).

41 A esta seção compete, entre outros, “estabelecer articulação com os Ministérios e respectivas Consultorias Jurídicas, ou órgãos equivalentes, sobre assuntos de natureza jurídica”. Decreto nº 5.135, de 7 de julho de 2004, art. 16, III.

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na Subchefia de Articulação e Monitoramento42, ou ainda, na Subchefia de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais43. Essas duas Subchefias, por força de disposição regulamentar já existentes, podem, uma vez comunicadas da existência de litigância intragovernamental (que tenha potencial de chegar ao Judiciário), tentar uma primeira composição, num contexto mais marcadamente político, sem nenhum prejuízo de atribuições atuais, ou necessidade de criação de cargos.

Não ocorrida a convergência de entendimentos, deveria a Casa Civil encaminhar a demanda à CCAF. Alternativamente, o pedido poderia ser encaminhado por aviso, pelo Ministro interessado na resolução do conflito, diretamente à CCAF (como se faz atualmente) ou à Casa Civil, para uma primeira tentativa de aproximação e resolução da divergência.

Organizada a Câmara, segue-se o procedimento que se tem hoje em dia, isto é, a matéria conciliada é submetida ao Advogado-Geral da União, para aprovação. Eventual arbitragem também deve ser encaminhada à mesma autoridade, para os mesmos fins, inclusive, nesse caso, com envio ao Presidente da República.

O que se deve evitar, a todo custo, é a judicialização de um problema que é da Administração, e que por ela deve ser resolvido. A CCAF conta com conciliadores, que são advogados públicos, egressos dos vários departamentos da AGU. Pode-se pensar também em conciliadores ad hoc, bem como em conciliadores setoriais, aqui propostos. Do mesmo modo que Ministérios, Autarquias e Fundações eventualmente contam com ouvidorias, adequado também que toda a Administração federal, direta e indireta, contasse com conciliadores, egressos da própria estrutura atual, sem prejuízo das funções que exercem.

42 A esta seção compete, entre outros, “assessorar o Ministro de Estado no monitoramento dos objetivos e metas prioritárias definidas pelo Presidente da República, bem como planejar, coordenar e supervisionar a implementação dos sistemas de avaliação do desempenho da ação governamental”. Decreto nº 5.135, de 2004, art. 17, I e V.

43 A esta seção compete, entre outros, “promover, em articulação com a Subchefia de Articulação e Monitoramento, a coordenação e a integração das ações do Governo”. Decreto nº 5.135, de 2004, art. 15, III.

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O combate à litigância intragovernamental e a defesa desse presidencialismo de articulação institucional aqui imaginado depende que se entenda que deva ser objeto de conciliação e arbitramento toda matéria que tenha repercussão econômica e financeira para o Governo, e que seja objeto de divergência entre setores deste último. Deve-se justificadamente comprovar que a composição resulte em eficiência para a Administração, pelo menos no que se refere à judicialização do problema.

A autoridade conciliadora tem competência para dizê-lo, justificadamente. Além do que, ao Advogado-Geral da União cabe a palavra final, por força de disposição contida na Lei Complementar nº 73, de 1993. A dependência da questão para com o Tesouro Nacional pode ser um dos critérios objetivos dessa avaliação de repercussão econômico-financeira.

Todas as questões passíveis de conciliação podem ser objeto de arbitramento. E no que se refere à relação das matérias conciliáveis ou arbitráveis, presentemente analisadas pelo Judiciário ou em algum tribunal administrativo, pode o AGU valer-se do poder de avocação que lhe confere a Lei Complementar nº 73, de 1993.

E ainda, como demonstrado ao longo do trabalho, já é recorrente, por parte do Judiciário (a exemplo do SFT) o envio de demandas para tentativa de composição, no âmbito da CCAF. Nada obsta que tribunais administrativos, e o CARF é deles um exemplo, assim também o fizessem.

A matéria conciliada ou divergência arbitrada deve obrigar as partes. Supre-se a cláusula compromissória do direito privado pelo dever de hierarquia que informa o direito público. A CCAF, qual um novo tribunal administrativo, deve ter competência para tratar de toda matéria que tenha repercussão econômica e financeira para o Governo, inclusive em temas afetos à ordem tributária.

Cotejadas essas propostas com o que se tem atualmente, pode-se indagar: o que há de novo?

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A proibição de ajuizamento de ação indicativa de litigância intragovernamental sem que se tenha autorização do Advogado-Geral da União, em todos os níveis, parece ser um exemplo. A avocação de todos os processos hoje na Justiça, nas mesmas condições, para uma tentativa de solução administrativa, parece ser outro exemplo. A concepção não é absolutamente original. Como já indicado no início do trabalho, já há experiência nesse sentido, de vinculo de ajuizamento de ação entre órgão e ente, à autorização superior, no caso Estado de Minas Gerais44. A diferença é que naquela unidade federada há exigência de autorização do Governador do Estado. Aqui, propõe-se autorização do Advogado-Geral da União.

A participação da Casa Civil, especialmente para um monitoramento político das várias questões indicativas de divergência intragovernamental, parece ser mais um ingrediente de inovação. Uma eventual síntese de que matérias tributárias possam ser tratadas por conciliação e arbitragem, levada à Presidência em forma de parecer para aprovação, parece ser também mais uma novidade.

De qualquer modo, a constatação do problema, e a advertência de que este possa ter implicação gravíssima para a condução das missões presidenciais, sufragadas em voto popular, consubstancia-se, inegavelmente, no ineditismo das reflexões aqui lançadas.

O enfrentamento dessa questão - litigância intragovernamental - como elemento de fortalecimento de unidade governamental, e do presidencialismo, como reflexo, exige, em primeiro lugar, um modelo mais adequado de tratamento de dados estatísticos. Deve-se ter a estatística, nesse contexto, como alicerce de um processo decisório politicamente comprometido com a eficiência da ação governamental.

Com uma melhora nas fórmulas de alimentação e processamento de dados, pode-se, num primeiro momento, aferir-se, exatamente, a extensão dessa litigância intragovernamental aqui problematizada. Quanto se perde com o modelo atual? De que modo o modelo atual

44 Estado de Minas Gerais. Decreto nº 43.814, de 28 de maio de 2004, art. 5º-A na redação do Decreto nº 45.164, de 4 de setembro de 2009.

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tem como resultado a falta de unidade governamental, que decorre da multiplicação de vontades corporativas?

São dois enfrentamentos que o problema exigiria, do ponto de vista mais específico, menos simbólico e mais pragmático. Deve-se localizar, encarar e encerrar, primeiramente, a litigância intragovernamental judicial. Nesse combate, deve-se proibir o ajuizamento de novas ações, entre órgãos e entes, condicionando essa prática à autorização indelegável do Advogado-Geral da União. Concomitantemente, deve-se fazer um levantamento de todas as ações indicativas de litigância intragovernamental que há presentemente na Justiça, para que se faça carga desses processos, com objetivo de composição administrativa e superveniente extinção dos feitos.

Em segundo lugar, deve-se controlar a litigância intragovernamental ainda administrativa, com o exercício de uma instância prévia de monitoramento, na Casa Civil da Presidência da República. Há litigância intragovernamental administrativa comprovada, na definição de políticas públicas e de ações de Governo. A Casa Civil, tanto na definição de políticas, quanto na filtragem e monitoramento de divergências, deve ter atuação preponderante.

Com esse objetivo, deve-se estruturar marcos regulatórios que dêem mais segurança aos servidores públicos que participam desse processo de afinamento de vontades. Evidentemente, crimes de concussão, de corrupção passiva, de prevaricação, de condescendência criminosa, de advocacia administrativa, serão apurados e processados, por quem detém competência para tal.

Deve-se cogitar de uma lei ou de decreto presidencial que disponha sobre algumas questões aqui discutidas. Esta norma poderia tratar da validade de certidão quando houvesse discussão levada à CCAF, da confusão tributária, da definição de novas funções para a Casa Civil. Poderia também explicitar qual assunto poderia ser objeto de conciliação. Poderia dispor sobre a necessária autorização do Advogado-Geral da União na hipótese de judicialização de dissenção intragovernamental. Nesse último caso, lei ou decreto deveriam também

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tratar de litisconsórcio, assistência e amicus curiae. É uma adaptação e ampliação de modelo concebido em Minas Gerais45.

Esse marco regulatório precisa esclarecer que questões de fato, e não apenas assuntos de direito, devam ser debatidas internamente, evitando-se a judicialização das demandas aqui imaginadas. Questões de fato também necessitam de permanente avaliação, não prevalecendo, nesse contexto, o dogma da preclusão; afinal, as partes interessadas são todas componentes da Administração Pública Federal, do Poder Executivo, chefiado pelo Presidente da República. Defende-se um arranjo institucional que produza o consenso.

Deve-se assumir que há indícios de litigância intragovernamental no Poder Judiciário. Por isso, deve-se priorizar a construção de métodos estatísticos mais bem elaborados, que decorram de uma apropriada alimentação de dados, o que possibilitaria uma adequada compreensão do problema.

45 O modelo foi em Minas Gerais implantado certamente sob orientação e inspiração de José Bonifácio Borges de Andrada, que foi – inclusive – Advogado-Geral da União, bem como Secretário Advogado-Geral do Estado de Minas Gerais.

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14. Conclusões

O presidencialismo é o resultado de formulação empírica da experiência política norte-americana. Carrega marcas e fantasmas de autoritarismo na história da América Latina. De igual modo, no Brasil, para onde o modelo foi transplantado em 1891, entre outros, como resultado da influência e da pregação dos republicanos históricos, que estudaram na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, a exemplo de Rui Barbosa, Campos Salles, Prudente de Moraes e Saldanha Marinho. Esses homens públicos são expressões políticas que tiveram influência em nossa primeira constituinte republicana. Exerceram importantes papeis na implantação do sistema de governo presidencialista no Brasil.

Constatou-se a origem conceitual do sistema de governo presidencialista nos Artigos Fcderalistas da experiência política norte-americana. Nesse particular, verificou-se especial atenção para com a defesa da unidade na ação governamental, ainda que essa preocupação tivesse ocorrido num outro contexto, e sob circunstâncias totalmente distintas das que atualmente enfrentamos. Não se vive hoje no Brasil a realidade norte-americana de 1787.

Estudou-se a construção da vontade presidencial na experiência presidencialista norte-americana. São exemplos desses estágios a evocação das virtudes da República Romana, a ambigüidade do Juiz Marshall - que no caso Marbury v. Madison não enfrentou diretamente a Thomas Jefferson -, as experiências de excepcionalidade (na Segunda Guerra Mundial e na luta contra o terrorismo, se é que seja possível se lutar contra uma tática de guerra), a doutrina das imunidades presidenciais e a prática das ordens executivas, estas últimas, mais recorrentes que nossas medidas provisórias, embora se tratem de institutos diferentes, nos propósitos e no alcance.

Verificou-se também que há litigância intragovernamental nos Estados Unidos, não obstante o monitoramento do Departamento de Justiça, no sentido de se evitar a diluição da autoridade presidencial, como resultado da ambivalência de se estar nos dois pólos de uma mesma ação judicial. Tanto na experiência norte-americana, como na

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experiência brasileira, a ambigüidade processual traduz, no mínimo, a falta de interesse de agir.

Examinou-se o sistema de governo presidencialista no Brasil. Tratou-se do presidencialismo imperial, centrado nas prerrogativas quase que monárquicas dos titulares do Executivo na República Velha, ainda que tenham sido homens virtuosos e reportadamente dedicados a uma causa comum. Examinou-se o presidencialismo carismático, subjacente à atuação de homens públicos de apelo populista. Estudou-se o presidencialismo autoritário, recorrente nos Presidentes da Era Militar e, especialmente, na ditadura do Estado Novo, cuja engenharia institucional fora provavelmente engendrada por Francisco Campos, expoente muito importante do antiliberalismo.

Referiu-se também a um presidencialismo mais recente, ou de coalização, marcado pelo compromisso entre Executivo e Legislativo, ainda que esse aspecto não tenha sido profundamente tratado no presente trabalho. As correspondentes construções constitucionais foram indicadas, bem como os atos de exceção que sacramentaram o presidencialismo autoritário, isto é, o Ato Institucional nº 5, de 1968 e, um pouco antes, excertos da Constituição de 1937.

Esforçou-se na reprodução de alguns discursos de posse de presidentes. Deu-se especial relevo a manifesto de Tancredo Neves, lido por José Sarney em reunião ministerial que inaugurou aquele Governo de transição. A proposta radicava na unidade da ação ministerial, sob a condução presidencial. É apelo a um presidencialismo de articulação institucional.

No contexto contemporâneo, agitado pela complexidade e pela multiplicidade de visões, constatou-se que a impossibilidade fática de que a presença presidencial se multiplique em todos os departamentos do Executivo, mostrando-se onipotente e onisciente, justifica fórmula de delegação: é o dogma ministerial. O Ministro representa o Presidente. Segue orientação do Chefe do Executivo. É instrumento de uma vontade geral, sufragada nas urnas.

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O antagonismo entre Ministérios é problemático, à luz dos valores de uma vontade geral, que se exterioriza na vontade presidencial. Estas duas, eventualmente, não convergem com uma vontade corporativa, fruto da idiossincrasia interpretativa do agente público, que precisa, assim, ser entendida e administrada. Nessa equação, do ponto de vista prático, expõe-se também o problema da governabilidade.

O presidencialismo historicamente sugere a hipertrofia do Executivo, em detrimento dos demais Poderes, premissa que o presente trabalho repele, em favor de uma agenda democrática, cujo ponto de inflexão foi a renovação decorrente da promulgação da Constituição de 1988. Vive-se hoje reconhecida estabilidade institucional, num contexto de eleições livres, que sufragam presidencialismo que revela escolhas legítimas. Rejeitou-se o sistema de governo parlamentarista em plebiscito realizado na década de 1990.

No entanto, a intensa litigância intragovernamental, provavelmente no Judiciário e certamente na própria Administração, parece enfraquecer a ação presidencial, debilitando a realização de políticas públicas aprovadas pelas urnas, aumentando os custos da Administração, fomentando o desencanto para com um símbolo da autoridade política - o Presidente - e quebrando relação harmônica que se espera, entre os Poderes da República.

Essa litigância intragovernamental é presumida no Poder Judiciário, por falta de estatísticas confiáveis, embora eventualmente comprovada. E é demonstrada na própria Administração, espaço no qual divergem órgãos e entes, com muita freqüência. É do que se tratou, ao longo de argumentação baseada em exemplos empíricos.

O estudo de dois conflitos levados ao STF (caso da proibição do amianto e caso da imunidade fiscal de um hospital) comprovou que a unificação de opiniões governamentais em assuntos sensíveis transcende a opinião técnica e assenta-se na opção jurídica, bem como evidenciou que há possibilidade que se perca o controle e o gerenciamento da situação processual. A qualquer momento, a União pode litigar contra si mesma. Também se insinuou que conflitos intergovernamentais, isto é,

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federativos, possam ser tratados, pelo próprio Executivo, ainda que de unidades federadas diversas.

O esboço da litigância intragovernamental na Justiça Federal comprovou a necessidade de que precisamos de métodos estatísticos mais apurados, para devido mapeamento do problema. Comprovou-se que há muitos casos que denunciam ambigüidade processual que certamente sangra cofres públicos.

A argumentação empírica se fez também mediante estudo da Consultoria-Geral da República (hoje não mais existente), da Consultoria-Geral da União, bem como da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal. Muito mais do que soluções, desvendaram-se patologias. Exame de divergências administrativas comprovou a ameaça do problema, quanto à estabilidade da ação presidencial.

A análise da atuação consultiva da Consultoria-Geral da República demonstrou um nível menos intenso de complexidade institucional. Mas também exibiu a reversão dessa tendência, na medida em que o Estado deixou de ser mero regulador de condutas privadas e prestador de serviços mínimos. É indício muito forte da situação a discussão em torno dos poderes hierárquicos do Presidente.

A apreciação da atuação da Consultoria-Geral da União, na fixação de entendimento de Governo, na hipótese de dissídio entre Ministérios, desvenda recorrente e interminável manancial de divergências. A sobreposição de competências, de interesses e de vontades corporativas é o elemento comum em todas as discussões.

A reprodução de inúmeras divergências tratadas na Câmara de Conciliação comprova a patologia e acena ao mesmo tempo com uma posologia. As divergências são incessantes. Porém pode haver instrumentos para controle de cizânias internas, sem que se apele ao Judiciário.

Deve-se fortalecer o presidencialismo, internamente, mediante o alcance da unidade governamental, o que se faz, entre outros, com o enfrentamento das vontades corporativas, em favor de uma vontade

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geral, que é aquela que emerge da proposta de Governo aprovada pelas eleições, na pessoa do Presidente escolhido.

A fundamentação teórica para uma proposta de maior unidade da ação governamental, em âmbito de Teoria Geral do Estado, centra-se nos Artigos Federalistas da tradição política norte-americana, especialmente nos Ensaios 67 a 77. A fundamentação teórica para a hipótese de construção de uma vontade geral em detrimento de vontades corporativas pulverizadas encontra-se em fragmentos do Contrato Social, de Jean-Jacques Rousseau, como demonstrado.

Algum ajuste de procedimento poderia contemplar a fixação de marcos regulatórios mais seguros, uma maior atuação de coordenação política da Casa Civil da Presidência da República, a tonificação da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal, bem como a exigência de autorização expressa e indelegável do Advogado-Geral da União, na hipótese de litigância intragovernamental no Judiciário.

A defesa de um presidencialismo de articulação institucional é opção democrática, na medida em que se prega um Executivo densificado na unidade da ação. O dogma da harmonia e da independência entre os Poderes é também fortalecido, como resultado de restrições impostas à judicialização de problemas que são do Executivo, e que por este Poder devem ser resolvidos.

Não se nega a premissa da ubiqüidade da jurisdição. O que se tem, no limite, é um estranhamento para com o ativismo judicial, na dimensão em que este disfuncionalmente também exerceria funções do Executivo. É ao Presidente democraticamente eleito a quem pertence a prerrogativa de definir fórmulas para realização de políticas públicas, devidamente discutidas e aprovadas no Congresso. E para isso conta com seus Ministros, de quem se espera convergência na fixação de pautas de ação. E as leis que o Presidente deve cumprir, e que sancionou, ainda que por ele propostas, foram debatidas e votadas no Congresso Nacional.

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Domestica-se o Leviatã, a usarmos linguagem simbólica e metafórica, também mediante o combate à litigância intragovernamental, como proposto no presente trabalho, que sugere mecanismos de produção de consenso e um presidencialismo aqui denominado de presidencialismo de articulação institucional.

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Zinn, Howard, A People´s History of the United States, New York: Harper, 1995.

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Lista de siglas

ABTP - Associação Brasileira de Terminais PortuáriosACO - Ação Civil OrigináriaADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

da ConstituiçãoAGU - Advocacia-Geral da UniãoANA - Agência Nacional de ÁguasANAC - Agência de Aviação CivilANCINE - Agência Nacional de CinemaANEEL - Agência Nacional de Energia ElétricaANTAQ - Agência Nacional de Transportes AquáticosANVISA - Agência Nacional de Vigilância SanitáriaARMA - Arsenal de Marinha do Rio de JaneiroBACEN - Banco Central do BrasilCADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica do

Ministério da JustiçaCADIN - Cadastro de Créditos Não Quitados de Órgãos e

Entidades FederaisCARF - Conselho Administrativo de Recursos Fiscais CAVAG - Centro de Aviação AgrícolaCCAF - Câmara de Conciliação e Arbitragem da

Administração FederalCEF - Caixa Econômica FederalCGAU - Corregedoria-Geral da Advocacia-Geral da UniãoCGR - Consultoria-Geral da RepúblicaCGU - Consultoria-Geral da UniãoCJF - Conselho da Justiça FederalCNE - Conselho Nacional de EducaçãoCNJ - Conselho Nacional de JustiçaCNMP - Conselho Nacional do Ministério PúblicoCNPJ - Cadastro Nacional de Pessoas JurídicaCNTI - Confederação Nacional dos Trabalhadores da

IndústriaCODESP - Companhia Docas do Estado de São PauloCODESPE - Companhia de Desenvolvimento de Projetos

EspeciaisCODEVASF - Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São

Francisco e do ParnaíbaCONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente

Page 377: Litigância Intragovernamental e Presidencialismo de Articulação ...

CONDECINE - Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica

CONFAZ - Conselho Nacional de Política FazendáriaCONPREV - Contencioso da Previdência SocialCPC - Código de Processo CivilCTF - Conselho Tributário FederalCTMSP - Centro Tecnológico da Marinha de São PauloCTN - Código Tributário NacionalCTNBio - Comissão Técnica Nacional de BiossegurançaDATAPREV - Empresa de Processamento de Dados da

Previdência SocialDATAPREV - Empresa de Processamento de Dados da

Previdência SocialDNIT - Departamento Nacional de Infraestrutura de

TransportesDNOCS - Departamento Nacional de Obras contra as SecasDNPM - Departamento Nacional da Produção MineralDNPM - Departamento Nacional de Produção MineralDPF - Departamento da Polícia FederalDRT - Delegacia Regional do TrabalhoEBC - Empresa Brasileira de ComunicaçãoECT - Empresa Brasileira de Correios e TelégrafosELETROBRÁS - Centrais Elétricas Brasil S.A.ELETRONUCLEAR - Eletrobrás Termonuclear S.A.ENADE - Exame Nacional de Desempenho de EstudantesENGEPRON - Empresa Gerencial de Projetos NavaisFGTS - Fundo de Garantia por Tempo de ServiçoFIESP - Federação das Indústrias do Estado de São PauloFISTEL - Fundo de Fiscalização das TelecomunicaçõesFLONA - Floresta NacionalFNS - Fundação Nacional de SaúdeFPM - Fundo de Participação de MunicípiosFSESP - Fundação de Serviços de Saúde PúblicaFSESP - Fundação de Serviços de Saúde PúblicaFUNAI - Fundação Nacional do ÍndioFUNASA - Fundação Nacional de SaúdeGFIP - Guias de Recolhimento do Fundo de Garantia por

Tempo de Serviço e de Informações à Previdência Social

IAPAS - Instituto de Administração da Previdência e Assistência Social

Page 378: Litigância Intragovernamental e Presidencialismo de Articulação ...

IARA - Instituto de Advocacia RacialIBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e EstatísticaIBRAM - Instituto Brasileiro de MuseusICC - Interstate Commerce CommissionICMBio - Instituto Chico Mendes de Conservação da

BiodiversidadeICMS - Imposto de Circulação de Mercadorias e ServiçosINAMPS - Instituto Nacional de Previdência SocialINCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma

AgráriaINFRAERO - Empresa Brasileira de Infraestrutura

AeroportuáriaINPC - Índice Nacional dos Preços ao ConsumidorINPS - Instituto Nacional da Previdência SocialIPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico

NacionalIPTU - Imposto Predial e Territorial UrbanoIRRF - Imposto de Renda Retido na FonteLBA - Legião Brasileira de AssistênciaMAPA - Ministério da Agricultura, Pecuária e

AbastecimentoMC - Ministério das ComunicaçõesMCT - Ministério da Ciência e TecnologiaMD - Ministério da Defesa MDA - Ministério do Desenvolvimento AgrárioMDIC - Ministério do Desenvolvimento IndústriaMEC - Ministério da EducaçãoMERCOSUL - Mercado Comum do SulMinC - Ministério da CulturaMJ - Ministério da JustiçaMMA - Ministério do Meio AmbienteMME - Ministério das Minas e EnergiaMPF - Ministério Público FederalMPOG - Ministério do Planejamento, Orçamento e GestãoMPS - Ministério da Previdência SocialMRE - Ministério das Relações ExterioresMS - Ministério da SaúdeMST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem TerraMT - Ministério dos TransportesMTE - Ministério do Trabalho e EmpregoNAJ - Núcleos de Assessoramento Jurídicos

Page 379: Litigância Intragovernamental e Presidencialismo de Articulação ...

OAB - Ordem dos Advogados do BrasilPAC - Programa de Aceleração do CrescimentoPASBC - Programa de Assistência à Saúde dos Servidores

do Banco Central do BrasilPASEP - Programa de Formação do Patrimônio do

Servidor PúblicoPGBCB - Procuradoria-Geral do Banco Central do BrasilPGF - Procuradoria-Geral FederalPGFN - Procuradoria-Geral da Fazenda NacionalPGU - Procuradoria-Geral da UniãoPORTOBRÁS - Empresa de Portos do BrasilPRF - Polícia Rodoviária FederalPRF - Procuradoria-Regional FederalPU - Procuradoria da UniãoRFFSA - Rede Ferroviária FederalSAJ - Secretaria de Assuntos Jurídicos da Casa Civil da

Presidência da RepúblicaSAT - Seguro de Acidente de TrabalhoSECOM-PR - Secretaria de Comunicação do Governo e Gestão

Estratégica da Presidência da RepúblicaSEP - Secretaria Especial de PortosSEPPIR - Secretaria de Políticas Públicas de Promoção de

Igualdade RacialSIAFI - Sistema Integrado de Administração Financeira

do Governo FederalSICAU - Sistema Integrado de Controle de Ações da UniãoSOF - Secretaria do Orçamento FederalSPH - Superintendência de Portos e HidroviasSPI - Serviço de Proteção ao ÍndioSPU - Serviço de Patrimônio da UniãoSRF - Secretaria da Receita FederalSTF - Supremo Tribunal FederalSTJ - Superior Tribunal de JustiçaSUCAM - Superintendência de Campanhas de Saúde PúblicaSUCAM - Superintendência de Campanhas de Saúde Pública SUFRAMA - Superintendência da Zona Franca de ManausSUMOC - Superintendência da Moeda e CréditoSUS - Sistema Único de SaúdeTAH - Taxa Anual por Hectare Taxa de Fiscalização da Aviação CivilTCU - Tribunal de Contas da União

Page 380: Litigância Intragovernamental e Presidencialismo de Articulação ...

TFR - Tribunal Federal de RecursosTRF - Tribunal Regional FederalTST - Tribunal Superior do TrabalhoUDN - União Democrática NacionalUFF - Universidade Federal FluminenseUFPR - Universidade Federal do ParanáUFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do SulUFRJ - Universidade Federal do Rio de JaneiroUFRR - Universidade Federal de RoraimaUFSM - Universidade Federal de Santa MariaUFTM - Universidade Federal do Triângulo MineiroUnB - Universidade de BrasíliaUNESCO - Organização das Nações Unidas para Educação,

Ciência e Cultura