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• 1 • Seminário Estadual Tráfico de Seres Humanos Um grito Um clamor Um crime “A escravidão, a prostituição, a venda de mulheres e crianças e as condições de trabalho degradantes onde as pessoas são tratadas como instrumento de lucro em vez de pessoas livres e responsáveis, são infâmias que envenenam a sociedade humana e constituem uma suprema desonra ao criador” (Gaudium e Et Spes, 27))

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Seminário Estadual

Tráfi co de Seres HumanosUm grito

Um clamorUm crime

“A escravidão, a prostituição, a venda de mulheres e crianças e as condições de trabalho degradantes onde as pessoas são tratadas como instrumento de lucro em vez de pessoas livres e responsáveis, são infâmias que envenenam a sociedade humana e constituem uma suprema desonra ao criador” (Gaudium e Et Spes, 27))

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RealizaçãoCongregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria

Rede Um grito pela Vida – CRB Nacional

Patrocínio

Apoio

Colégio Bom ConselhoSecretaria de Políticas Públicas para as Mulheres do RS

Ministério Público do Estado do Rio grande do SulSecretaria de Justiça e Direitos Humanos do RS

Faculdade Dom BoscoPadres Scalabrinianos

Fórum da Assistência Social Não Governamental do RSInstituto de Desenvolvimento Sustentável - IDEST

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SumárioApresentação .......................................................................... 5O que é o Tráfi co de Pessoas? ............................................... 7I Seminário Estadual Sobre Tráfi co de Seres Humanos no RS .................................................. 11Mensagem de Abertura .......................................................... 15Contextualização - Panorama Internacional e Nacional sobre Tráfi co de Seres Humanos ................... 19Instrumentos legais de Repressão ao Tráfi co de Pessoas Enfrentamento ao Tráfi co Humano no Brasil na perspectiva do direito penal ..................................... 24Tráfi co de Seres Humanos para fi ns de exploração Sexual Comercial no Estado do Rio Grande do Sul ..... 33A Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfi co de Pessoas .... 45Anexo 1 .................................................................................. 48Anexo 2 .................................................................................. 50Anexo 3 .................................................................................. 52

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ApresentaçãoA Presente publicação é resultado de refl exões do I Seminá-

rio Estadual sobre Tráfi co de Seres Humanos, realizado nos dias 04 e 05 de novembro de 2011, com o TEMA: Tráfi co de Seres Hu-manos, um Grito, um Clamor, um Crime e o lema: “Erradicar pela solidariedade na defesa e promoção da vida” . Evento promovido pela Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria, in-tegrante da Rede um Grito pela Vida, da CRB Nacional, com o patrocínio da Caixa Econômica Federal e o apoio do Colégio Bom Conselho, da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres do RS, do Ministério Público do Estado do Rio grande do Sul, da Secretaria de Justiça e Direitos humanos do RS, do Fórum Não Governamental da Assistência Social, do IDEST – Instituto de De-senvolvimento Sustentável e da Faculdade Dom Bosco.

O seminário teve como Objetivos:

• Sensibilizar e socializar informações sobre o Tráfi co de Seres Humanos; capacitar multiplicadores, multiplica-doras para ações educativas de prevenção, assistência, intervenção política no enfrentamento desta realidade.

• Conhecer e discutir a aplicação em nível de Estado do Rio Grande do Sul o II plano Nacional de Enfrentamen-to ao Tráfi co de Seres Humanos

• Fomentar a rede de Enfrentamento do TSH no Estado do Rio Grande do Sul

O registro, mesmo que parcial de sua dinâmica e conteúdo, quer ser um subsídio de memória, repasse de informações, bem

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como um material pedagógico para ações de sensibilização e prevenção ao Tráfi co de pessoas.

Esperamos que a leitura e utilização da mesma contribua de forma signifi cativa para a erradicação desta chaga social, que exige uma opção decidida e inegociável. Um empenho coletivo de todos os atores sociais, sensíveis e comprometidos com a pro-moção e defesa da vida.

Ir. Eurides Alves de Oliviera, ICM

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O que é o Tráfi co de Pessoas?“O recrutamento, o transporte, a

transferência, o alojamento ou o acolhi-mento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de co-ação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vul-nerabilidade ou à entrega ou aceitação de

pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fi ns de explora-ção”. (Protocolo do Palermo, 2000)

• É Um fenômeno complexo e multidimensional. Um cri-me realizado com diferentes propósitos: para exploração na indústria do sexo, servidão doméstica, trabalho escra-vo, e venda de órgãos.

• Uma atividade criminosa lucrativa. A terceria fonte de lu-cro do crime organizado mundialmente perde só para o tráfi co de armas e drogas. Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o lucro anual produzido com o tráfi co de pessoas chega a 31,6 bilhões de dólares.

Onde acontece?

O tráfi co de pessoas acontece em grande parte dos países do mundo: dentro de um mesmo país, entre países fronteiriços e até entre diferentes continentes.

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Historicamente, o tráfi co internacional acontecia a partir do hemisfério Norte em direção ao Sul, de países mais ricos para os menos desenvolvidos. Atualmente, no entanto, acontece em todas as direções: do Sul para o Norte, do Norte para o Sul, do Leste para o Oeste e do Oeste para o Leste. Com o processo cada vez mais acelerado da globalização, um mesmo país pode ser o ponto de partida, de chegada ou servir de ligação entre outras nações no tráfi co de pessoas.

Dados da ONU, contam que as vítimas do tráfi co de seres

humanos, são de 127 nacionalidades distintas, em 137 países. A organização diz ainda que entre 600 mil e 800 mil pessoas são trafi cadas por fronteiras internacionais a cada ano.

O Tráfi co de Pessoas no Brasil

• O Brasil é um país de origem, trânsito e destino para o tráfi co de pessoas com fi ns de exploração sexual comer-cial e outras formas de exploração do corpo e do traba-lho. É um dos principais destinos mundiais para turismo sexual. Mulheres e crianças são trafi cadas para fi ns de prostituição, tanto interna quanto internacionalmente. Há também um grave problema de tráfi co interno de crianças e adultos para trabalho escravo na agricultura, minas e carvoarias, além de crescentes evidências de imigrantes trabalhando em condições similares à escra-vidão no meio urbano.

• A PESTRAF - Pesquisa sobre o Tráfi co de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexu-al, realizada em 2002, pelo CECRIA, mapeou 241 rotas de tráfi co internacional e interno de crianças, adoles-centes e mulheres brasileiras.

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Rotas por Regiões

O principal destino das brasileiras é a Espanha. A pesquisa identifi cou pelo menos 32 rotas de tráfi co entre os dois países.

Depois da Espanha, os países que mais têm rotas de trá-

fi co com o Brasil são: Holanda (11), Venezuela (10), Itália (9), Portugal (8), Paraguai (7), Suíça (6), EUA (5), Alemanha (5), Suriname (5).

Quem trafi ca?

• Na sua maioria, homens de escolaridade superior, as-sociados a negócios ilícitos como drogas, prostituição, lavagem de dinheiro e contrabando;

• Mulheres, em geral mais velhas como ‘aliciadoras’

Quem são Trafi cadas?

• Na sua maioria – Mulheres, adolescentes e crianças em situação de vulnerabilidade social;

• Indígenas e Afrodescendentes;

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• Refugiadas/os e imigrantes ilegais; • Minorias étnicas • Populações marginalizadas

Principais Causas:

• Ciclo de exclusão e vulnerabilidade social; • Desemprego e desigualdade social; • Discriminação de Gênero; • Violência doméstica • Instabilidade política e econômica no país de origem • Imigração ilegal • Turismo sexual • Corrupção das autoridades • Leis defi cientes e impunidade

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I Seminário Estadual Sobre Tráfi co de Pessoas no RS

Nos dias 04 e 05 de Novembro de 2011, a Rede “Um Grito pela Vida”, através das Irmãs do Imaculado Coração de Maria , realizou o I Seminário Estadual sobre o Tráfi co de Pessoas, na cidade de Porto Alegre, RS.

O Evento contou com cerca de 150 participantes, repre-sentantes de Instituições Governamentais, ONGs, Instituições de Ensino e Organismos Eclesiais, provenientes de 19 municípios do Estado.

O conteúdo foi desenvolvido com realismo e profundida-de, de forma multidisciplinar, metodologia participativa, seguin-do o método ver, julgar e agir.

- Na manhã do primeiro dia, Irmã Eurides Alves de Olivei-ra, fez uma abordagem geral do problema, contextualizando-o no âmbito internacional e nacional, revelando sua amplitude e pertinência em nossos dias. Apresentou dados conceituais, Esta-tísticas, Mapas das Rotas do TSH, analisou as causas, desafi os e possibilidades de enfrentamento ao Tráfi co de Seres Humanos, realidade que confi gura, hoje, uma escravidão moderna, que vio-la a dignidade e direitos das pessoas, um mercado do crime que se constitui a 3ª fonte ilícita de renda no mundo, perdendo apenas para o tráfi co de drogas e armas.

- À tarde, o evento contou com a participação do Ouvidor Nacional da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presi-dência da República, Dr. Domingos Sávio Dresch da Silveira, que conferenciou sobre o papel e Ação do Estado na defesa e

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garantia dos direitos das pessoas Trafi cadas. Foi um dos mo-mentos ápices do evento. O Conferencista fez uma restropectiva histórica dos tratados Internacionais que abordam sobre a defe-sa dos Direitos Humanos e mais especifi camente das vítimas do tráfi co. Situou o Estado Brasileiro como signatário destes trata-dos e acentuou a urgência do Estado decididamente avançar nas ações de enfrentamento a este crime tão perverso, que é o tráfi -co de Pessoas. Trouxe para a cena as iniciativas existentes, mas admitiu a timidez no fomento e aplicação de políticas públicas, morosidade e poucas estratégias no tocante à repressão e respon-sabilização dos trafi cantes.

- Seguindo a pauta do dia, realizou-se um painel sobre: O Enfrentamento ao Tráfi co de Seres Humanos – realidade, pos-sibilidades e desafi os. Foram painelistas, representantes das Se-cretarias Estaduais de Justiça e Direitos Humanos, Drª. Rubia Abs da Cruz; de Políticas Públicas para as Mulheres, Sª Yara Stockmanns e do Trabalho e da Assistência Social; Sª Silvana Koller e o professor Advogado, Dr. Roque Soares Reckziegel, da Faculdade Dom Bosco. Os painelistas discorreram sobre como esta questão está sendo pautada em suas Secretarias, sendo unâ-nimes em reconhecer que a realidade do Tráfi co de Pessoas é ain-da timidamente assumida em suas demandas, aparece como tema transversal, entre outras ações e que o seminário está exercendo uma função provocativa, para as mesmas. O professor Roque, salientou entre outros aspectos a necessidade de revisão da legis-lação e maior efetividade em sua aplicação, sobretudo no que se refere a repressão.

- E como, última sessão do dia, tivemos a Conferência da Professora e pesquisadora Drª. Jaqueline Oliveira Silva, que apresentou a pesquisa da qual foi Coordenadora, sobre a reali-dade do Tráfi co de Pessoas, para fi ns de Exploração Sexual no Rio grande do Sul, realizada pela Secretaria de Justiça em 2005. Apresentou as fontes e resultados da Pesquisa, que evidenciou a existência, na época, de ocorrências de Tráfi co de mulheres e

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crianças em 49 municípios do Estado. Enfatizando as Regiões da Serra gaúcha e as fronteiras do Estado como rotas de aliciamento e recrutamento das vítimas.

- O dia 05/11 foi dedicado no primeiro momento, à explana-ção da Política e Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfi co de Seres Humanos, no Brasil, por Eurides Alves de Oliveira, que re-latou o processo de elaboração e sua aprovação em 26 de outubro

de 2006, Decreto nº 5.948, as Diretrizes de gerais e específi cas, os princípios norteadores e as ações. Enfatizou a importância deste documento que deu origem ao Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfi co de Pessoas PNTP, cuja segunda edição está em fase de elaboração, numa construção participativa tanto dos órgãos gover-namentais como da Sociedade Civil. Salientou ainda que tanto a Política como o Plano apregoa a necessidade de criação de núcle-os e/ou comitês nos Estados, e que esta deve ser uma meta deste seminário: mobilizar e reivindicar junto ao Governo do Estado, a criação de um núcleo de enfrentamento no RS.

- Seguiu-se com a Realização de Ofi cinas para discussão e elaboração de propostas para o II Plano Nacional de Enfren-tamento ao Tráfi co de Pessoas e para a criação de uma Rede de enfrentamento estadual. Divididos em três grupos foram deba-tidos os eixos: Prevenção; Assistência às vítimas; Repressão e responsabilização dos autores.

- Das sugestões elencadas, destaca-se: • A necessidade de ampliar o uso das tecnologias com

foco na prevenção; • Maior sensibilização da sociedade; • Apoio aos grupos de jovens; • Fortalecimento de parcerias com o poder público; • Parceria com os meios de comunicação; • Fortalecer as redes de cuidados com as vítimas; • Promover campanhas de informação e prevenção duran-

te os eventos da Copa 2014;

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• Continuar o processo de mobilização em prol de uma Campanha da Fraternidade sobre o Tema em 2014;

• Inserir o tema do Tráfi co de Pessoas no Currículo Esco-lar;

• Realizar plenárias jovens nas escolas e comunidades; • Continuar articulando as secretarias da Justiça, das Mu-

lheres e da Assistência Social no processo, potenciali-zando as iniciativas nesta direção;

• Fazer uma representação junto ao Ministério Público, requerendo sua atuação e comprometimento com a cau-sa do Tráfi co de Pessoas

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Mensagem de AberturaIr. Marlise Hendges1

Bom dia! É com imensa satisfação que, em nome da Congregação

das Irmãs do Imaculado Coração de Maria, tenho a honra de re-alizar a abertura deste I Seminário Estadual sobre o Tráfi co de Seres Humanos. Com o tema: “Tráfi co de Seres Humanos: um grito, um clamor, um crime” e o Lema: “Erradicar pela solida-riedade na defesa e promoção da vida”, o Seminário pretende contribuir na conscientização sobre esta grave chaga social, so-cializando informações e auxiliando na capacitação de pessoas, para ações de enfrentamento a esta cruel realidade.

Eu gostaria de iniciar agradecendo a presença de todos e todas que aqui se encontram e, acima de tudo, parabenizá-los por terem optado participar de um Seminário com este tema. Somen-te pessoas de sentimentos nobres e humanitários, pessoas sensí-veis, pessoas que se importam com o sofrimento alheio e que são comprometidas com a vida, se interessam por temas como este. Nós que aqui viemos, queremos fazer fl orescer uma nova huma-nidade. Temos consciência de que a pessoa é prioridade. Assim é que começa o Reino dos céus aqui na terra.

Talvez muitos aqui se perguntem: Porque a Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria organizou um Semi-nário sobre o Tráfi co de Seres Humanos?

1 Diretora Geral da Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria e Presidente da Sociedade Educação e Caridade. Mestre em Psicologia Social.

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Em primeiro lugar devo dizer que a Congregação recebeu de Bárbara Maix o Carisma de buscar sempre e em tudo a Von-tade de Deus. E para nós hoje, a Vontade de Deus é que nos de-diquemos à solidariedade na defesa e promoção da vida. Como discípulas missionárias de Jesus de Nazaré queremos, como Ele, que todos tenham vida e a tenham em abundância.

Na última Assembléia Capitular da Congregação, assumi-mos manter-nos atentas à raiz fundacional e aos sujeitos emer-gentes, em fi delidade ao Projeto de Vida Religiosa Consagrada de Bárbara Maix e decidimos, entre outros aspectos, lutar pelos direitos humanos das crianças, adolescentes e mulheres, sobretu-do, das vítimas do tráfi co humano. Além disto defi nimos investir na capacitação de Irmãs para atuarem em prol da erradicação deste mal que vitima milhares de pessoas diariamente.

Na raiz fundacional encontramos Bárbara Maix, em 1842, assistindo a dramática situação das moças desempregadas, em Viena. Estas, por falta de pensões adequadas, onde pudessem achar hospedagem e abrigo contra a sedução, acabavam na pros-tituição.

Pessoa de profunda fé, dotada de grande espírito humanitá-rio, preocupada com a realidade social e religiosa, Bárbara deci-diu fundar a Congregação para prestar ajuda, assistência, abrigo e educação às jovens naquela realidade.

No dia 06 de novembro, domingo próximo, celebramos o primeiro aniversário da Beatifi cação de Bárbara Maix, fundadora da Congregação.

Na fase preparatória ao Evento, a Congregação decidiu as-sumir um Marco em vista da Beatifi cação. E, após analisar várias propostas, em fi delidade ao Carisma fundacional, decidimos pela inserção na rede Nacional “ Um Grito pela Vida” e Internacional TALITAKUM de Enfrentamento ao Tráfi co de Seres Humanos e pela fundação de uma Comunidade em Manaus, no Amazonas, com esta missão.

Hoje, certamente Bárbara abraçaria esta causa.

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Na Beatifi cação nosso presente foi a inserção na Rede Um Grito pela Vida a abertura da Comunidade em Manaus; Agora, no primeiro aniversário, o presente é este Seminário, através do qual ampliamos a nossa atuação, capacitando multiplicadores para a prevenção deste grande mal.

O Tráfi co de Pessoas é um crime organizado que envergo-nha a todos nós. Considerado o terceiro comércio mais lucrativo no mundo, caracteriza-se como uma das formas mais graves à vio-lação dos direitos humanos. E, por ser organizado, ele tem força.

Jon Sobrino, em um de seus escritos afi rmou: “Muitas ve-zes me envergonho de ser parte desta desumana humanidade”. Sem dúvida, o aspecto mais doloroso da realidade do mundo de hoje é a falta de humanidade. A violência, incluindo o Tráfi co de Seres Humanos, a fome e a marginalização, chegam hoje a níveis alarmantes e ameaçam a existência da vida em nosso planeta.

Minhas irmãs e meus irmãos, nós que aqui estamos, cer-tamente temos escutado do ventre da humanidade os fortes ecos de um clamor por um mundo mais justo e mais humano. Este clamor sobe até o céu, fazendo eco à voz dos Israelitas escraviza-dos no Egito. Hoje, Deus quer contar conosco para sermos seus instrumentos de conscientização, de prevenção e de libertação das vítimas do Tráfi co Humano.

Muitos pobres de hoje estão sós, e é bom lembrar que a maioria das vítimas do Tráfi co são pobres, passando toda sorte de sofrimentos porque a maioria das pessoas tem sido feridas com os sinais da desumanidade de nossa cultura: indiferença, indivi-dualismo, hedonismo.

Nossa presença aqui signifi ca que queremos deixar-nos guiar por um sentido mais profundo, pela humanização, pela compaixão para com a humanidade oprimida e escravizada que nos revela, defi nitivamente, que Deus está do lado dos injustiça-dos de nossa desumana humanidade.

Nós acreditamos que o mal não vencerá. E, para combatê--lo precisamos unir forças, conhecendo suas artimanhas e nos

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dispondo a ir à luta por um mundo onde as pessoas tenham mais vida e vida em abundância. A sociedade precisa de pessoas que sejam referência em humanidade, de ícones de esperança, de exemplos de fortaleza e de solidariedade, para continuar acredi-tando que o bem é mais forte que o mal e que um mundo huma-nizado é possível.

Finalizo agradecendo mais uma vez a presença de cada um e cada uma. Com vocês nos sentimos confi rmadas e apoiadas na opção que fi zemos de cerrar fi leiras no combate ao Tráfi co Humano.

Nossa gratidão às autoridades presentes, aos painelistas, às Irmãs Franciscanas, ao Colégio Bom Conselho que nos cedeu este espaço, às crianças e adolescentes do Instituto São Benedito e a todos os apoiadores e patrocinadores, já citados no protocolo inicial.

Um carinhoso e especial agradecimento à Irmã Eurides Alves de Oliveira, Conselheira Geral do Setor Pastoral e Ação Social, organizadora e coordenadora deste Seminário. Agrade-cendo a ela, agradeço a todas as pessoas, Irmãs e colaboradores, indistintamente, que se envolveram na divulgação, organização e na realização deste evento.

Consciente da nossa responsabilidade social, com votos de bom proveito e invocando as bênçãos de Deus sobre cada um e cada uma, por intercessão do Imaculado Coração de Maria e da Bem-Aventurada Bárbara Maix, com muita alegria e confi ança, declaro solenemente aberto o 1º Seminário Estadual sobre o Trá-fi co de Seres Humanos.

Muito Obrigada.

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Contextualização – Panorama Internacional, Nacional sobre

Tráfi co de Seres HumanosA Triste Realidade do Tráfi co de Pessoas

Ir. Eurides Alves de Oliveira, ICM2

O clamor das pessoas trafi cadas, sobretudo das mulheres, adolescentes e crianças,se impõem, hoje, como um eloqüente grito pela vida.

2 Socióloga e Mestra em Ciências da Religião. Religiosa da Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria, Coordenadora da Rede Um grito pela Vida (CRB Nacional)

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O Tráfi co de Seres Humanos, cujas vítimas em potencial são majoritariamente as mulheres, as crianças e adolescentes, constituem uma das formas mais explícitas da escravidão do sé-culo XXI. Refl ete profundas contradições históricas nas relações humanas e sociais da humanidade. Vulnera e viola a dignidade e a liberdade de numerosas mulheres e crianças, mercantilizando e ferindo seus corpos, matando seus sonhos e direito de viver.

Como uma transação comercial iníqua que coloca as pes-soas a serviço do lucro, ferindo gravemente o ser humano no que tem de mais precioso: sua dignidade e liberdade de fi lhos e fi lhas de Deus, sujeitos e cidadãos/ãs de direitos, o Tráfi co de Seres Humanos (TSH) é uma prática criminosa hedionda. Uma rede altamente lucrativa que ocupa o terceiro lugar na economia mer-cadológica do crime organizado, perdendo apenas para o tráfi co de armas e drogas. Atinge cerca de 2,5 milhões de vítimas, mo-vimentando, aproximadamente, 32 bilhões de dólares por ano. (UNODC Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime). Estima-se que 700 mil mulheres e crianças passam todos os anos pelas fronteiras internacionais do tráfi co humano.

Atualmente, esse crime está relacionado a práticas crimi-nosas de violações aos direitos humanos, para fi ns de exploração sexual comercial, muitas vezes, ligadas a roteiros de turismo se-xual, de mão-de-obra escrava, e também, para remoção e venda e de órgãos. Confi gura uma das piores afrontas à dignidade huma-na e uma das mais cruéis violações dos direitos humanos.

As vítimas deste delito vivem em situações inumanas e de-gradantes. São violados os princípios e direitos fundamentais da pessoa humana como o direito à vida, à integridade física, à dignidade e o desenvolvimento pessoal, à liberdade de ir e vir e o direito a não ser submetida/o à escravidão, servidão, aos

maus tratos. (cf. João Paulo II. 2002)A pobreza, o desemprego, bem como a ausência de edu-

cação e de acesso aos recursos constituem as causas subjacentes ao Tráfi co de Seres Humanos. As mulheres são particularmente

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vulneráveis ao tráfi co de seres humanos devido à feminização da pobreza, à cultura de discriminação e desigualdade entre homens e mulheres, à falta de possibilidades de educação e de emprego, a cultura hedonista que transforma o corpo em objeto de desejo e cobiça.

O Brasil é País de origem, trânsito e destino desta práti-ca criminosa. É responsável por 15% das pessoas exportadas da América Latina para a Europa. (Fundação de Helsinki pelos Direitos da pessoa humana.). A PESTRAF3 realizada pelo CE-CRIA4, aponta a existência de 241 rotas de tráfi co, sendo 131 in-ternacionais e 110 nacionais. O mapa deste comércio tem sempre uma constante: as pessoas trafi cadas são, na sua grande maioria, mulheres e crianças, provenientes de regiões pobres e levadas para as regiões ricas, uma vez que a mobilidade forçada acontece em geral pela necessidade e o sonho de uma vida melhor.

É em cima destas aspirações que agem os aliciadores, na sua maioria homens de escolaridade superior associados a negócios ilícitos como drogas, prostituição e lavagem de dinheiro e que apa-rentam estar acima de qualquer suspeita. Eles procuram as vítimas através das agências de emprego, casamento, moda, viagens, inter-net (sites de relacionamento) e em redes de entretenimento como shoppings, bares, restaurantes, clubes e danceterias.

Segundo o Ministério da Justiça, o desconhecimento da população sobre esta modalidade de tráfi co e a pouca divulgação pela grande imprensa colaboram para que crimes desta natureza passem despercebidos pela sociedade. O que facilita a atuação dos aliciadores e tornam as vítimas presas fáceis de falsas pro-messas de emprego digno e uma vida melhor no estrangeiro ou em alguma outra região do país tida como mais promissora.

Uma vez seduzidas e conquistadas pelos aliciadores, as vítimas são levadas para Estados ou países distantes, perdem a referência de local, têm seus passaportes confi scados, vêem-se

3 Pesquisa sobreTráfi co de Mulheres, Crianças e Adolescentes para fi ns de exploração sexual/20024 Centro de Referencia, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes

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endividadas, são privadas do contato com familiares, ameaçadas, espancadas e forçadas a trabalhar sem carga horária defi nida, em situação de cárcere privado na prostituição forçada ou outras prá-tica análogas à escravidão.

Com a escandalosa exclusão social, corrupção e a impuni-dade, as cifras do Tráfi co de Pessoas estão crescendo, e neles há corpos, que gemem e gritam por socorro. São milhares de mulhe-res, crianças e adolescentes violentadas e torturadas física, moral e psicológicamente a cada dia na roda viva da Rede do Tráfi co Humano. Urge uma ação determinada e fi rme de todos. Das au-toridades competentes, para coibir, punir os que trafi cam. Do estado e a sociedade no sentido de denunciar, informar, e educar; assistir e proteger as vítimas, e acima de tudo de lutar pela supe-ração das causas geradoras e sustentadora desta iníqua realidade.

A Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfi co de Pes-soas (2006) reconhece o Tráfi co Humano como um problema multidimensional que necessita de ações articuladas com os di-ferentes setores e atores sociais. Traz um conjunto de Diretrizes, princípios e ações norteadoras da atuação do poder público no combate ao tráfi co de pessoas. Seu texto está estruturado em três eixos: prevenção, repressão ao tráfi co e responsabilização de seus autores e atenção às vítimas. Não obstante o reconhecimen-to do esforço realizado, esta tarefa ainda está muito aquém da necessidade e urgência que apresenta.

Precisamos dar um BASTA nessa ação criminosa que afronta brutalmente a dignidade humana e o próprio Deus, cria-dor de todos/as.

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Instrumentos legais de Repressão ao Tráfi co de Pessoas

Enfrentamento ao Tráfi co Humano no Brasil na

perspec� va do direito penalDr. Roque Soares Reckziegel5

Estimativas da ONU dão conta que o tráfi co de seres huma-nos é a terceira atividade em movimento de dinheiro no mundo. Segundo o Relatório Global do Seguimento da Declaração da OIT sobre princípios e direitos fundamentais, o tráfi co de huma-nos movimenta a fabulosa cifra de US $ 31.654.000/ano ( trinta e um bilhões, seiscentos e cinqüenta e quatro milhões de dólares). Somente o tráfi co ilícito de drogas e de armas, movimentam ci-fras maiores. Destarte, esse crime e suas variações, representam a terceira maior movimentação de dinheiro ilícito no mundo.

Nesse ano, a humanidade atingiu a cifra de 7 bilhões de pessoas e as estimativas, oriundas da mesma fonte, indicam que só de crianças, são trafi cadas no mundo anualmente a fenomenal cifra de um milhão de seres humanos.

Tais números não podem nos deixar inertes. Todavia, ape-sar da relevante potencialidade ofensiva de tal crime, esse não

5 Atua como advogado, nas áreas Penal e Processual Penal. Professor de Direito Penal e Criminologia do Curso de Direito da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Integrante da Comissão Regional de Justiça e Paz da CNBB, Sul 3, da Comissão de Direitos Humanos Sobral Pinto, da OAB/RS e do Comitê Estadual contra a Tortura do RS.

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tem, como se nota, grande repercussão social, o que é deveras preocupante.

Conforme o Decreto nº 5.017/2004, que promulgou o Pro-tocolo de prevenção, repressão e punição do tráfi co de pessoas, a defi nição dessa prática signifi ca o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recor-rendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fi ns de exploração. A exploração in-cluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços for-çados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos;

O Tráfi co de pessoas é, assim, uma odiosa atividade que afronta diretamente os direitos humanos em especial o direito à vida, à liberdade e à dignidade da pessoa.

Uma pesquisa nos sites dos nossos tribunais estaduais ou nos tribunais regionais federais é sufi ciente, para que se constate que os casos envolvendo a repressão penal aos casos de tráfi co internacional ou interno de pessoas é pífi o, sendo que o número de condenações, então, é ridiculamente desproporcional às esti-mativas desses crimes dentro das nossas fronteiras.

O tráfi co de seres humanos atua em rede, não importando se tem característica amadora ou profi ssionalizada; nacional ou internacional. Em regra, contam com aqueles que aplicam o ca-pital e administram, de longe, o negócio. Difi cilmente esses têm sua identidade conhecida pelos demais membros da organização e que atuam diretamente nas tarefas subalternas da rede.

Há aqueles que aliciam. Os que vão em busca das presas vulneráveis a quem induzem ou instigam ou coagem a entrar no negócio, não raro sendo considerados por essas como verdadei-ros benfeitores. Há também a fi gura do transportador, cuja ta-

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refa é a de transportar e conduzir as vítimas das suas cidades de origem aos locais de destino. Há os colaboradores, cuja atuação é a facilitação na elaboração de documentos e papéis, muitas ve-zes falsos, necessários a dar uma feição de legalidade ao crime. Os cobradores, os que fornecem a hospedagem bem como aque-les responsáveis pela lavagem de dinheiro obtido com a venda, o trabalho e a exploração dessas pessoas. Nessas funções, não raro encontram-se pessoas atuantes, acima de qualquer suspeita, como funcionários públicos, advogados, motoristas de taxi, em-presários do ramo de hotelaria e entretenimento, policiais, etc.

Esse trabalho em rede, que tem como característica o fato de um membro não conhecer os demais integrantes do esquema, difi culta, sobremaneira, qualquer tentativa de repressão a tal ati-vidade.

Da mesma forma, as rotas de tráfi co são rapidamente des-cartadas ou modifi cadas, segundo alguma investigação venha a identifi cá-la. No Brasil, segundo Relatório Nacional de Pesquisa sobre Tráfi co de Mulheres, crianças e adolescentes para o fi m de exploração sexual, o PESTRAF 2002, há 131 rotas internacionais e 110 rotas nacionais ou domésticas. Considerando o grande nú-mero de rotas e a facilidade com que são as mesmas abandonadas temporária ou permanentemente, quando são descobertas, eviden-cia o grau de difi culdade para o enfrentamento do problema.

Conforme o Dec. Nº 5.017/04, três são as medidas a serem adotadas no enfrentamento ao tráfi co humano: prevenção a esse tráfi co; a punição aos trafi cantes e a proteção às vítimas do trá-fi co.

Nesse sentido, vamos analisar os instrumentos dos quais dispomos para a punição aos trafi cantes. Vamos abordar o pro-blema sob a perspectiva do Direito Penal, debruçando--nos sobre os institutos penais existentes na legislação brasileira que tratam diretamente ou indiretamente sobre o assunto em tela.

Nosso Código Penal, prevê duas fi guras típicas básicas que são respectivamente o Tráfi co Internacional de Pessoas e o Tráfi -

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co Interno de Pessoas para fi m de exploração sexual. Não fez re-ferência específi ca, aqui, ao tráfi co humano para fi ns de trabalho forçado ou remoção de órgãos. Para a repressão a essas últimas condutas, é necessário que se recorra a outros dispositivos penais que talvez não representem a real gravidade do problema, muito embora não se perca de vista o fato de que o Direito penal sozi-nho não é o meio adequado para o enfrentamento do problema, até porque, o direito penal só atua após o fato consumado.

A legislação penal codifi cada remonta a 1940, sendo por-tanto septuagenária. De lá para cá, sofreu o código penal várias reformas pontuais que acabaram por descaracterizar a sua orga-nicidade. E, não obstante isso, carecemos de uma lei que atenda efetivamente aos reclamos de um direito penal do século 21, que com a rapidez do surgimento de novas tecnologias fi zeram surgir ou se agravar uma gama de novos crimes.

Quanto ao tráfi co humano, podemos constatar a existência de alguns tipos penais criados ou alterados a partir justamente das discussões sobre o tema que passaram a ser pauta em nos-so país em especial após o Protocolo de prevenção, repressão e punição do tráfi co de pessoas, com a publicação dos Decretos presidenciais de nºs 5017/2004 e 5948/2006.

A partir daí, nos parece, a questão entrou na agenda do po-der executivo federal a partir dos três eixos: a prevenção, a re-pressão e a atenção à vítima.

Assim, quanto à repressão, vislumbramos no estatuto pe-nal, a nova redação do art. 231 e a criação do art. 231-A, recente-mente alterados pelas leis 11.106/05 e 12.015/09.

O tipo penal que reprime o tráfi co internacional, considera como tal, a promoção ou a facilitação da entrada no território na-cional de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual ou, a saída de alguém que vá exercê--la no exterior, estabelecendo como sanção a pena de reclusão de 3 a 8 anos enquanto que para o tráfi co interno, previsto no art. 231-A, a pena de reclusão está cominada em 2 a 6 anos.

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Ambos os tipos penais prevêem a mesma pena para aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa trafi cada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.

Da mesma forma, ambos penais prevêem um acréscimo de metade da pena nas hipóteses de a vítima ser menor de 18 anos ou, por enfermidade ou defi ciência mental, não ter o necessário discernimento para prática do ato; ou ainda se o agente for ascen-dente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companhei-ro, tutor curador, preceptor ou empregador da vítima ou se assu-miu por lei ou de outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância à vítima ou se, em qualquer hipótese, houver emprego de violência ou grave ameaça ou fraude.

Por fi m, à pena de reclusão será cumulada uma pena de multa se o crime for cometido com o fi m de obter vantagem eco-nômica.

Convém salientar, desde já, que a prática da prostituição é conduta atípica diante do ordenamento jurídico brasileiro, isto.é, não há nenhum tipo penal a incriminá-la, sendo certo contudo que o terceiro que a explora, este pode incorrer em vários tipos penais como a mediação para servir à lascívia de outrem, favore-cimento à prostituição, casa de prostituição, rufi anismo, etc.

Importante percebermos que, não afasta o crime, o fato de a vítima, mesmo que livre e capaz, venha a prestar seu consenti-mento. Sendo certo que, se o consentimento for obtido com em-prego de violência, grave ameaça ou fraude, ou se a vítima não for maior de 18 anos, haverá a majoração da pena por metade.

A par desses delitos, cuja característica é o tráfi co para fi m de exploração sexual, o Código Penal prevê outra modalidade de crime cuja descrição se encontra no art. 206 e 207, no Capítulo dos crimes contra a organização do trabalho. Trata-se do crime de aliciamento para fi m de emigração.

A conduta ali descrita é tipifi cada como: aliciar ou recrutar trabalhadores com o fi m de levá-los para o estrangeiro ou de uma

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para outra localidade no território nacional, a qual é cominada uma pena de detenção de um a três anos cumulada com multa.

Incorre nessa mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, dentro do territó-rio nacional, mediante fraude, cobrança de qualquer quantia do trabalhador, ou ainda, não assegurar condições de retorno ao lo-cal de origem. Essa pena será, ainda, aumentada de 1/6 a 1/3, em face de circunstância especial da vítima, ser ela menor de 18 anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de defi ciência física ou mental.

Ainda na legislação codifi cada, outro tipo penal caracte-rístico é encontrado no art. 245, no capítulo dos crimes contra a assistência familiar, cuja conduta incriminada é a de entregar fi lho menor de 18 anos a pessoa cuja companhia saiba ou deva saber que o menor fi ca moral ou materialmente em perigo e o agente pratica o delito para obter lucro ou se o menor é enviado para o exterior. A pena nesse caso é de reclusão de 1 a 4 anos de reclusão e atinge igualmente aquele que auxilia a efetivação do ato destinado ao envio de menor para o exterior com o fi to de obter lucro.

Na legislação penal extravagante, por outro lado, tam-bém vamos encontrar tipos penais que reprimem a conduta do tráfi co humano, como por exemplo, no Estatuto da Criança e do Adolescente, a lei 8.069/90, em seu art. 238, vemos que é proibida a conduta de prometer ou efetivar a entrega de fi lho ou pupilo a terceiro, mediante paga ou promessa de recom-pensa, sob pena de reclusão de um a quatro anos e multa, atin-gindo tal pena também, aquele que oferece ou efetiva a paga ou a recompensa.

Da mesma forma o art. 239, cuja conduta incriminada con-siste em promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com a inobser-vância das formalidades legais ou com o fi to de obter lucro, que tem como conseqüência jurídica uma pena de 4 a 6 anos de re-

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clusão e multa. Na hipótese de se verifi car a violência ou grave ameaça contra pessoa, a pena será de 6 a 8 anos de reclusão.

Salienta-se que tal tipo penal, deixou de considerar crimi-nosa a conduta daquele que envia criança ou adolescente ao ex-terior, obedecendo as formalidades legais, da mesma forma que não alcança aquele que os envia sem a fi nalidade de lucro com a operação. Da mesma forma, deixou de tipifi car a conduta daque-le que promove ou auxilia a entrada de criança ou adolescente no território nacional, carecendo, portanto de alteração legislativa que venha a incluir tais condutas.

A reforçar a repressão aos crimes cometidos com a criança e o adolescente ainda no ECA, está tipifi cada, no art. 244-A, a conduta de submeter a criança ou adolescente à prostituição ou a exploração sexual com a pena correspondente a 4 a 10 anos e multa, respondendo também pelo crime, o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifi que a submissão de criança ou adolescente à prostituição ou outra forma de explora-ção sexual.

Outra lei que também pode ser considerada como instru-mento de enfrentamento ao tráfi co humano, é a lei 9.434/97, que em seu art. 15, prevê a promoção, a intermediação a facilitação de compra e venda de tecidos, órgãos ou partes do corpo huma-no, cominando pena de reclusão de três a oito anos, e multa.

E, por fi m, encontramos no Estatuto do Estrangeiro, a lei 6.815/80, art. 125, inciso XII, a conduta punível praticada por agente que introduz estrangeiro clandestinamente ou oculta clan-destino ou irregular, que prevê pena de detenção de 1 a 3 anos. Sendo estrangeiro o autor, haverá também a pena de expulsão.

Outro crime previsto nessa lei, no mesmo art. 125, inciso XIII, consiste em fazer declaração falsa em processo de trans-formação de visto, registro, alteração de assentamentos ou para a obtenção de passaporte que sujeita o infrator a uma pena de reclusão de 1 a 5 anos e, sendo o infrator estrangeiro, também a expulsão.

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Esses, em suma são os instrumentos legais de que dispo-mos para o enfrentamento do tráfi co humano.

Não é demais lembrar que nosso ordenamento jurídico pe-nal, prevê a possibilidade de substituição de pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito cumpridas em liberdade, para aquelas condenações que não ultrapassem 4 anos, desde que o crime não seja praticado com violência contra pessoa. Desse modo, na maior parte dos crimes mencionados, em tese, poderão seus autores se valer, mesmo que condenados, da substituição da prisão por penas alternativas.

Lembramos ainda que, nenhuma das modalidades crimino-sas antes mencionadas confi guram crime hediondo, nem mesmo nos casos em que ocorre o evento morte, não sendo assim seus autores suscetíveis aos gravames mais severos da lei 8.072/90.

Por oportuno, lembramos que não, obstante, seja o tráfi co humano a terceira modalidade ilícita que mais dinheiro movi-menta no mundo, a nossa lei de repressão à lavagem de dinheiro, não contempla essa atividade como crime antecedente necessário ao delito de lavagem de dinheiro, isto é, não confi gura crime a lavagem de dinheiro se esse for oriundo de tráfi co de pessoas.

A respeito dessa questão, já advertiu o professor Damásio de Jesus em artigo publicado no ano de 2003, na revista Phoenix, nº 20, “Embora seja a terceira atividade ilícita mais rentável, a conduta de ocultar ou dissimular a natureza, a origem, a locali-zação, a disposição, a movimentação ou propriedade de bens, os direitos e valores provenientes, direta ou indiretamente, do crime de tráfi co internacional de pessoa para fi m de exploração sexual, não se enquadra no rol legal do art. 1º da lei 9.613/98, o qual é ta-xativo, não podendo ser ampliado por analogia ou interpretação extensiva.” Os crimes pressupostos ao de lavagem de dinheiros são: o tráfi co ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afi ns; de terrorismo e seu fi nanciamento; de contrabando ou tráfi co de armas, munições ou material destinado à sua produção; de extor-são mediante seqüestro; contra a Administração Pública, inclusi-

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ve a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; contra o sistema fi nancei-ro nacional; praticado por organização criminosa; praticado por particular contra a administração pública estrangeira.

E, não obstante o inciso V do referido dispositivo, mencio-nar o crime “praticado por organização criminosa”, mesmo aí há um óbice intransponível eis que a legislação interna não prevê a conceituação típica de organização criminosa, resultando assim um empecilho a mais para o enfrentamento dessa questão, pois a adequação típica obedece a um processo restritivo de interpre-tação, deixando longe da punição, crimes de relevante potencial ofensivo.

Dessa forma, esperamos ter contribuído para o debate, sem esquecer que, no Brasil, a percepção do problema ainda está sob o conhecimento de poucos atores e gestores públicos, sendo ne-cessário que ocorram cada vez mais encontros como esse, no qual se discutam as idéias para o enfrentamento do problema, pois, diante da abrangência e poder do tráfi co humano é mister que se dê mais acesso à população de um modo geral, das informações bem como dos métodos empregados pelos trafi cantes, nessa mo-derna forma de escravidão. Os organismos governamentais e a sociedade civil organizada devem esmiuçar o tema, apropriando--se do seu conhecimento para auxiliar nas medidas preventivas necessárias, lembrando sempre que o direito penal atua não na causa do problema, mas na sua conseqüência, pois ele entra em cena, somente quando o crime já foi cometido, não sendo assim a ferramenta mais efi caz para a prevenção dessa tragédia.

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Tráfi co de Seres Humanos para fi ns de Exploração Sexual

comercial no Rio Grande do SulSíntese da Conferência da Professora e

Pesquisadora Drª. Jacqueline Oliveira Silva6

O Brasil é País de origem, trânsito e destino das vítimas de Tráfi co de Pessoas para fi ns de exploração sexual comercial, cuja maioria são mulheres e crianças. O Tráfi co interno para este fi m, também, é alarmante, sobretudo de Crianças e Adolescentes. O Rio Grande do Sul por ser um Estado de fronteira, não está isento desta realidade, sendo, também, rota favorável para essa prática criminosa.

O Texto abaixo é uma síntese da exposição feita pela Pro-fessora e Pesquisadora Drª. Jacqueline Oliveira Silva sobre o Trá-fi co de Seres Humanos para fi ns de exploração Sexual Comercial no Estado do Rio Grande do Sul. A pesquisa realizada em 2005, revela a dinâmica do Tráfi co de pessoas no Rio Grande do Sul (RS), única pesquisa sobre este tema-realidade no Estado.

A Pesquisa teve como intento caracterizar o Tráfi co de Seres Humanos (TSH) no Rio Grande do Sul, em particular na Região de Fronteira. Foi realizada junto aos municípios que: tivesse serviços públicos de referência para abordagem da

6 Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal do Espírito Santo, fez Mestrado em Educação na UFRGS e doutorado na mesma área na PUCRS. È professora adjunta do Departamento de Medicina Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Integrante da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Coordenou a Pesquisa sobre Trafi co de Pessoas para fi ns de Exploração sexual no RS em 2005.

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violência sexual no formato Sentinela; citação da presença

de TSH em fontes ofi ciais; citação de presença de ESCCA na Matriz de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes; Inexistência de inquéritos policiais instaura-dos no município; estar inserido no programa da Jornada; ter sido citado na mídia impressa. Estas escolhas possibilitaram ainda a presença desta pesquisa em todas as regiões do Estado do RS.

O cruzamento destes critérios mostrou a existência de ne-

xos entre TSH e desaparecimento de pessoas passível de ser es-tabelecido através do estabelecimento das relações geo-espaciais entre TSH, Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adoles-centes (ESCCA), de desaparecimento de mulheres, crianças e adolescentes.

Dos inquéritos examinados encontrou-se:

• Aliciamento de mulheres para prostituição em Murcia/Espanha

• Aliciamento de adolescentes para prostituição em Santa Luzia / Argentina

• Prisão em fl agrante delito pela prática de tráfi co de mu-lheres para Argentina

• Aliciamento de adolescentes para prostituição em Hong Kong e Taiwan / China

• Aliciamento de Mulheres e Crianças Argentinas para prostituição no Brasil.

• Tráfi co de Mulheres para prostituição na Argentina

Em relação aos aliciadores, os casos de TSH identifi ca-dos apresentam um circuito Brasil - Argentina, de dupla via e caracterizam o envolvimento de aliciadores da tríplice frontei-ra, acrescidos de um aliciador Paraguaio. Observa-se que nos três novos casos o tráfi co se dá por via terrestre sendo o lu-

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gar de destino locais de comércio sexual. Destaca-se que há

aliciadores de ambos os sexos, com predominância do sexo

masculino. Os aliciadores vinculam-se a atividades profi ssionais que

favorecem o comércio sexual, entre elas “motoristas de táxi”, “donos (as) de casas noturnas”, “agências de turismo” e “traba-lhadores do sexo”.

As vítimas são mulheres e adolescentes com baixa esco-laridade; provenientes de camadas de baixo poder aquisitivo; há mulheres solteiras, casadas ou separadas; com fi lhos, incluindo uma grávida.

As vítmas são iludidas por promessas de emprego e ga-nhos facilitados. A aceitação das condições oferecidas pelos ali-ciadores, deve se a idéia de que em terras estrangeiras ganhariam mais e teriam uma vida melhor.

Em relação às rotas, se dá tanto por via aérea comercial, notadamente em aeroportos e rodoviário, através da ponte inter-nacional.

Inquéritos resultaram processos instaurados, a maioria permanece em aberto.

Um questionário foi desenvolvido e distribuído em even-tos nos municípios selecionados para a pesquisa e a devolução do mesmo ocorreu por quem realmente sentiu-se mobilizado pelas questões do TSH.

O questionário mapeou as percepções sobre TSH e suas vítimas, fatores de predisposição, favorecimento e condiciona-mento da existência, também identifi cou a presença de TSH no município de atuação da OG ou da ONG e conhecimento sobre a existência de TSH em outro município, estado e país.Verifi cou a opinião sobre TSH e as formas de enfrentá-lo, bem como levan-tou sobre as ações desenvolvidas para o enfrentamento.

Retornos dos Resultados do questionário: Maior retorno foi pelas OGS (1º Setor) 75,31%, as ONGs (2º Setor) represen-taram 24,69%.

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Fatores que evidenciam o TSH:

• Situação social vulnerável em que se encontra a socieda-de foi o único ponto de convergência

• Estrutura familiar; • Drogas; • Falta de políticas públicas, • Educação • Meios de comunicação.

Causas do TSH:

• Vulnerabilidade econômica e social; • Falta de emprego; família e políticas públicas; • Drogas

Destacou-se nesse dado que as relações entre TSH, explo-ração sexual e crime organizado não estão consolidadas junto às causas, reiterando a relação do TSH com as desigualdades so-ciais e ausência do Estado.

Mecanismos de favorecimento do TSH:

Para a família faltam políticas e segurança pública, falta de Informação conhecimento, impunidade, falta de cuidado do ser humano, desejo de melhorar de vida, crianças de rua, pornogra-fi a, trafi cantes, ganância, falta esperança, analfabetismo, religião, demografi a.

Sobre a Visibilidade do TSH: Deve haver maior visibili-dade do TSH nas periferias e nos grandes centros urbanos. Per-cebe-se que existe onde concentra-se a pobreza .

Formas de expressão do TSH: Serviços sexuais, Porno-grafi a, trabalho escravo e sua “faceta“ de trabalho doméstico, adoção, desaparecimentos e transplante de órgãos.

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Ações Desenvolvidas para o Combate ao TSH nos Mu-

nicípios: As OG`s e ONG`s das cidades pesquisadas, em sua maioria não realizam ações de enfrentamento ao TSH, exceção encontrada em Porto Alegre, onde o percentual das OG`s e ONGs que realizam alguma ação é maior dos que as que não realizam.

Difi culdades da Abordagem do TSH: Divulgação; Famí-lia; Lei do Silêncio; Comprometimento do poder público; Bu-rocracia; Justiça lenta; Falta de infraestrutura física e humana; Falta de assessoria.

Mídia impressa: Uma maior visibilidade do TSH junto à mídia impressa pode ser verifi cada a partir de 2003, ano de lan-çamento do relatório PESTRAF, o qual ampliou a repercussão do tema da exploração sexual no Brasil, trazendo este assunto para o campo de discussão da sociedade civil, também através da mí-dia impressa. A abordagem dos jornais demonstra que o volume de casos de TSH no Rio Grande do Sul pode estar subestimada e verifi cada a relação entre as denúncias e a concretização das mesmas em inquéritos.

Conclusões7

O estudo demonstrou que a presença de TSH no RS é muito relevante em comparação a outros Estados da federação, apesar deste Estado contar com bons indicadores sociais em relação ao restante do país. Demonstrou que, apesar de haver uma relação direta entre vulnerabilidade e TSH, há outras condições para que ele se efetive. Dentre essas condições, destacamos a existência de pólos econômicos regionais que articulam cadeias produti-vas e de consumo global, de atratividade formativa e cultural, principalmente para jovens, que se movem no entorno de uni-versidades e serviços, exceção feita nesse estudo à Uruguaiana, cuja potencialidade para o TSH é acentuada pela sua condição de

7 Texto extraído do informe geral da pesquisa que se encontra disponível no site do Ministério da justiça. www.mj.gov.br

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fronteira. As características dos municípios investigados nessa pesquisa confi rmam esta tendência.

Quanto ao RS como rota de TSH, fi cou claramente delinea-da neste estudo a existência de duas rotas: uma para países asiáti-cos (Hong Kong) e outra para países da Península Ibérica (Portu-gal e Espanha), sendo que, já fi nalizada a análise dos inquéritos, tivemos acesso, em quatro de julho de 2005 a um inquérito, que estava sob sigilo policial, envolvendo mulheres e uma criança, que indica uma outra rota para os Estados Unidos.

Notadamente a posição de fronteira vincula o RS ao crime organizado no âmbito do Mercosul, em conexões com Uruguai e Argentina, havendo também referências à participação do Paraguai neste esquema. Ressalta-se que os três países contêm outras opera-ções de crime organizado internacional, com destaque para o tráfi co de armas, de drogas e de outras mercadorias. Os países do Mercosul se apresentam tanto como lugares de passagem quanto de destino.

O TSH no Estado parece alojar-se nas condições de ope-ração já dadas por estas outras formas de tráfi co, aparentemente naturalizadas nas fronteiras do Mercosul. Esta forma de operação em rede segue o mesmo modelo de potencialização dos “negó-cios” utilizada pela economia global lícita, orbitando à sua volta (turismo de negócios, moda, corredores de exportação etc).

A existência de pólos regionais de economia globalizada potencializa as rotas de TSH, na medida em que para eles con-vergem diferentes nacionalidades e são criadas condições de in-fra-estrutura e transporte para sua sustentabilidade, que incluem aeroportos.

A relação entre TSH e ESCCA é demonstrada pela pesqui-sa tanto no que refere aos inquéritos e estudo de mídia, quanto na percepção das Organizações Governamentais e Não- Governa-mentais, com as quais realizamos uma investigação piloto, cujo detalhamento não é objeto deste informe Entretanto, o inquéri-to tardiamente acessado indica a possibilidade de existência do TSH para outros possíveis fi ns.

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Outra relação estabelecida neste estudo se refere ao desa-parecimento de pessoas e TSH, demonstrada na relação entre as estatísticas sobre desaparecidos e as características do TSH nos municípios investigados, sendo o caso mais exemplar o de Ca-xias do Sul, onde há concentração e desaparecimentos de mulhe-res, em queda depois de investigada a conexão Hong Kong.

Na análise das estatísticas de desaparecimentos nas cida-des pesquisadas, percebe-se que os adolescentes são as maiores vítimas de desaparecimento no RS. Caxias do Sul, onde há com-provada a presença do TSH (conexão Hong Kong), se destaca quanto ao número de mulheres desaparecidas. Dadas as propor-ções entre as cidades onde há desaparecimento de crianças, cha-ma a atenção o alto número encontrado em Passo Fundo, cidade fortemente identifi cada com o tráfi co de drogas na região. Outra relação importante são os números, relativamente baixos, encon-trados em Uruguaiana (fronteira), onde se destacam os desapare-cimentos de crianças.

Fica como questão aos pesquisadores a necessidade de es-tabelecer os nexos entre desaparecimento de pessoas e TSH, na medida em que, se comparados com outros municípios, os nú-meros encontrados onde há referências do TSH são altamente signifi cativos, e o sistema de informação do Estado não permi-te estabelecer estatísticas quanto ao desfecho dos casos. Estas afi rmativas estão demonstradas através dos nexos estabelecidos no cruzamento das fontes utilizadas nesta pesquisa (Inquéritos, Questionário Piloto e Mídia) e da análise de outros estudos que citam o RS.

A análise dos inquéritos encaminhados aos pesquisadores através da Secretaria de Justiça e Segurança do RS demonstra que as tendências gerais do tráfi co no Rio Grande do Sul apon-tam algumas diferenças em relação a outros estudos sobre TSH, dentre elas, o período de ocorrência dos inquéritos, a presença do Brasil como receptor de pessoas trafi cadas e uma rota de destino para a China.

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A análise dos inquéritos indicam que no Rio Grande do Sul há uma conexão de Tráfi co na fronteira com a Argentina e outra na serra gaúcha, focado na exploração sexual comercial, atingindo mulheres (em maioria), adolescentes e crianças, sendo os aliciadores oriundos do Brasil e de outros países, notadamente aqueles de língua espanhola. Os inquéritos indicam rotas aéreas e terrestres potencializadas pelas características das economias locais. Ambas as regiões operam com grande fl uxo de pessoas de diferentes nacionalidades e Estados da federação, mobiliza-dos pelas tramas comerciais e culturais (universidades, turismo, exportação, etc) nelas contidas e possibilidades de consumo ofer-tadas ou prometidas. Chama a atenção, entretanto, à disparidade dos indicadores sociais das cidades citadas nos inquéritos, con-fi gurando que o TSH ocorre tanto em cidades onde há alto grau de desenvolvimento econômico e qualidade de vida (como em Caxias do Sul, 1° em IDESE) quanto naquelas com baixos indi-cadores sociais (como Uruguaiana, 71° em IDESE). Os outros dados seguem a tendência geral dos estudos nacionais e inter-nacionais, principalmente no que se refere à caracterização das vítimas, dos aliciadores e das fi nalidades do TSH.

Apesar dos inquéritos fornecidos aos pesquisadores se re-ferirem apenas a Caxias do Sul e Uruguaiana, outras fontes já constataram a existência de TSH em outros municípios do Rio Grande do Sul. A Save the Children, por exemplo, aponta a ocor-rência de TSH em outros 6 (seis) municípios (Bento Gonçalves, Santa Maria, Rio Grande, Itaqui, Porto Alegre e Erechim, além daqueles cujos inquéritos foram aqui apresentados).

A identifi cação dos municípios onde ocorre TSH no Rio Grande do Sul (8) é pequena frente ao fato de o Rio Grande do Sul possuir identifi cados 49 municípios com exploração sexual comercial de crianças e adolescentes (ESCCA), sem considerar aqueles em que as vítimas da exploração são mulheres adultas. Este número é maior do que aqueles encontrados em Estados de outras regiões do país (por exemplo, Pará – 37, Amazonas – 19,

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Rio Grande do Norte – 22, Rio de Janeiro – 33, Mato Grosso do Sul – 31), segundo a Matriz de Enfrentamento da ESCCA da Secretaria Especial de Direitos Humanos (2004). Entre os municípios do Rio Grande do Sul onde há ESCCA, encontram--se seis dos referidos pela Save the Children. As exceções são Bento Gonçalves e Itaqui, confi rmando a relação entre explora-ção sexual e tráfi co de seres humanos. Por outro lado, os estudos realizados na mídia impressa, cotejando dois jornais de grande circulação, apontaram referências ao TSH em 25 municípios

Este dado pode indicar difi culdades de enquadramento e tipifi cação do TSH, principalmente frente à maior visibilidade da exploração sexual e da tendência a desconsiderá-lo quando há consentimento da vítima.

Os dados demonstram a forte presença do TSH no RS e nos faz interrogar sobre a sua visibilidade como crime para a sociedade gaúcha e para os órgãos de responsabilização frente ao número de inquéritos arrolados para fi ns deste estudo. Entre-tanto, a amostra estudada é altamente representativa comparada a regiões de alta incidência de exploração sexual em todas as suas manifestações, como o nordeste, onde foram identifi cados apenas onze inquéritos policiais para um período de sete anos (Leal & Leal - PESTRAF, 2003). Porém, observa-se, quanto à abordagem do TSH, um volume de investimento (governamental e internacional) muito maior nesta região do que no sul do país, em que pese à relevância do problema, conforme detectou esta pesquisa.

O baixo investimento em ações de visibilização, prevenção e enfrentamento do TSH no RS repercute na percepção deste cri-me no Estado por parte das organizações governamentais e não governamentais. Neste sentido, as respostas convergem para a necessidade de um compromisso do poder público com a questão e do estabelecimento de ações capacitantes e estruturantes para o seu enfrentamento. Este resultado indica a necessidade de maior investimento no Rio Grande do Sul quanto ao TSH.

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Em contraposição à ausência deste tipo de ações, observou--se que na mídia impressa no RS há um forte destaque dado ao TSH pela imprensa local (63 matérias para dois jornais, incluin-do dois editoriais) em comparação aos quarenta jornais brasilei-ros estudados pela PESTRAF, Leal & Leal, 2003 (276 matérias). Este resultado é indicador de que na sociedade gaúcha há ambi-ência e interesse na abordagem do TSH (merecendo inclusive editoriais por parte do jornal de maior circulação no Estado)7, e a capacidade de explicitação deste fenômeno para o público, na medida em que estes veículos conseguem, no tratamento das ma-térias, identifi car os atores sociais envolvidos, como organismos internacionais e diversas ONGs que tratam da defesa da infância e da mulher, ligando o TSH à exploração de mulheres, adoles-centes e crianças.

Uma maior visibilidade do TSH junto à mídia impressa pode ser verifi cada a partir de 2003, ano de lançamento do rela-tório PESTRAF, que ampliou a repercussão do tema no Brasil, trazendo este assunto para o campo de discussão da sociedade, também através da mídia impressa (Silva & François, 2005).

A pesquisa demonstrou que o TSH é visível no RS em todas as conexões que o envolvem do ponto de vista dos seus condicionantes e das tramas societárias que articula, não sendo, entretanto, objeto de ações estruturadas quanto ao seu enfrenta-mento, sendo a parceria entre o Ministério da Justiça, o UNODC e a Secretaria de Justiça e Segurança do Estado do Rio Grande do Sul um passo importante para o agendamento público do TSH neste Estado.

Para esta confi guração, concorre o foco de atenção sobre a violência sexual no RS estar fortemente marcado pela aborda-gem do abuso sexual, contando também com ações relevantes no que se refere à exploração sexual, em particular, de crianças de adolescentes. Isto se justifi ca na medida em que uma criança é violentada a cada oito horas no Estado do Rio Grande do Sul e em 65% dos casos o agressor é familiar. Estes dados constam

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no relatório fi nal da subcomissão da Assembléia Legislativa so-bre exploração sexual infantil no Estado, lançado em outubro de 2003, gerando, a partir daquele ano, várias frentes de trabalho para a sensibilização da sociedade frente a este problema e a ca-pacitação de agentes do poder público e da rede de atendimento social.

Além do Programa Sentinela do governo federal, presente nos municípios de Pelotas, Rio Grande, Novo Hamburgo, Caxias do Sul e Porto Alegre, o Rio Grande do Sul tem organizado várias ofi cinas de capacitação de agentes para o melhor atendimento das vítimas de violência sexual, como por exemplo o Centro de Referência ao Atendimento Infanto-Juvenil (CRAI) e o Departa-mento Médico Legal, este último no sentido de humanizar as pe-rícias realizadas em crianças e adolescentes vítimas de violência. Outros exemplos são a estruturação de uma política específi ca para o acolhimento e assistência às vítimas de violência sexual e seus familiares, lançada em maio de 2003, na rede pública de saúde. O governo do Estado lançou também neste mesmo ano um plano de combate à prostituição infantil. Estas ações demons-tram a preocupação por parte do poder público local em relação à violência sexual.

O TSH, em que pese a existência de inquéritos e o levanta-mento da Polícia Rodoviária Federal, revelando rotas de prosti-tuição infantil no RS, nas rodovias BRs 116 (Pelotas - Jaguarão), 472 (Uruguaiana - Barra do Quaraí) e 471 (Santa Vitória do Pal-mar - Chuí) e uma rota nova de tráfi co infantil para o exterior, com destino ou passagem para na Argentina e o Uruguai, não é abordado especifi camente em ações de capacitação, prevenção ou atendimento às vítimas.

A pesquisa realizada no Rio Grande do Sul, além de de-monstrar a presença e relevância de TSH no Estado, demonstra que a sociedade gaúcha se encontra sensibilizada para a concre-tização de ações para o seu enfrentamento. Esta sensibilidade também se apresenta entre os agentes governamentais, que se

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encontram em condições de desencadear processos de capacita-ção institucional e de mobilização social com vistas ao enfren-tamento do TSH no Estado, conforme demonstrou o seminário realizado pela pesquisa.

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A Polí� ca Nacional de Enfrenta-mento ao Tráfi co de Pessoas8

Para unir e aperfeiçoar esses esforços já em marcha, o Bra-sil iniciou, em outubro de 2005, o processo de construção de uma política nacional de enfrentamento ao tráfi co de pessoas, com-preendido como uma questão que demanda ações integradas.

O texto inicial foi discutido no âmbito do Poder Executivo Federal e depois levado à consulta pública, de forma a conferir legitimidade e garantir a participação e mobilização da sociedade civil. Esse processo de elaboração e participação culminou na re-alização do Seminário Nacional “A Política Nacional de Enfren-tamento ao Tráfi co de Pessoas”, em junho de 2006, em Brasília. Como resultado de toda essa construção, foi aprovada a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfi co de Pessoas, mediante o Decreto n° 5.948, de 26 outubro de 20069.

A Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfi co de Pesso-as traz um conjunto de diretrizes, princípios e ações norteadoras da atuação do Poder Público nesse tema. O texto está estruturado em três grandes eixos, considerados estratégicos para o enfrenta-mento ao tráfi co de pessoas: 1) prevenção; 2) repressão ao tráfi co e responsabilização de seus autores; e 3) atenção às vítimas.

A defi nição de tráfi co de pessoas que consta da Política Nacional é a mesma que está prevista no Protocolo de Palermo, englobando todas as formas de exploração. A principal diferença é que se considera irrelevante o consentimento da vítima em toda

8 Texto extraído do Manual de Capacitação sobre o Enfrentamento ao Tráfi co de Pessoas, da OIT.Brasil,20099 O texto completo da Política Nacional de Enfrentamento ao tráfi co de Pessoas, está disponível para baixar

no site do Ministério da Justiça, www.mj.gov.br

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e qualquer situação na qual estiver confi gurado o delito (Art. 2º, § 7º). No momento em que a Política foi formulada, houve o entendimento de que as vítimas do tráfi co fazem parte de grupos altamente vulneráveis, cujo consentimento tende a ser viciado, em razão de condicionantes econômicas e sociais. Deste modo, o foco para a caracterização do tráfi co está na ação com fi nalidade de exploração e violação de direitos de outrem. Também se con-ceituou o tráfi co interno (Art. 2°, § 5º) e o tráfi co internacional (Art. 2°, § 6º), demonstrando a preocupação do governo federal em enfrentar as duas ramifi cações do problema.

Na parte referente a Princípios e Diretrizes (Capítulo II), são arrolados os princípios de direitos humanos norteadores da Política Nacional e aplicáveis a todas as suas diretrizes e ações, sendo, portanto, estruturantes. Vale destacar, neste ponto, a ên-fase especial dada à transversalidade da dimensão gênero e à não discriminação, elementos fundamentais para uma política efi caz, especialmente no ponto de atenção às vítimas. O tex-to traz também diretrizes que são comuns para todas as ações, como a atuação conjunta e articulada de todas as esferas de governo, a articulação com ONGs nacionais e internacionais, a proteção e atendimento às vítimas no exterior e em território nacional, bem como a realização de pesquisas e capacitação de profi ssionais.

Por fi m, são traçadas diretrizes específi cas para cada eixo estratégico da Política: 1) diretrizes de prevenção ao tráfi co de

pessoas, como a inserção de medidas preventivas nas políticas públicas, a realização de campanhas e o apoio à mobilização da sociedade civil; 2) diretrizes específi cas de repressão ao tráfi co

e responsabilização de seus autores, a exemplo da cooperação policial nacional e internacional, cooperação jurídica internacio-nal, sigilo dos procedimentos e integração com políticas e ações de repressão a crimes correlatos e 3) as diretrizes específi cas de atenção às vítimas, com destaque para a assistência e proteção às vítimas, a reinserção social, a proteção da intimidade e da

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identidade das vítimas, bem como a estruturação de uma rede coesa de retaguarda formada por governo e sociedade civil.

Finalmente, a Política Nacional tem também um capítulo dedicado a ações. Trata-se de um rol - não exaustivo - de ações, distribuídas por áreas específi cas de atuação: Justiça e Seguran-ça Pública, Relações Exteriores, Educação, Saúde, Assistência Social, Promoção da Igualdade Racial, Trabalho e Emprego, De-senvolvimento Agrário, Direitos Humanos (em especial a prote-ção de crianças e adolescentes), Proteção e Promoção dos Direi-tos da Mulher, Turismo e Cultura. Como ponto de partida para a construção dessas ações, foi feito um levantamento das princi-pais atividades do governo federal desenvolvidas nessas áreas. Assim, vale ressaltar que essas ações estão agrupadas, na medida do possível, de acordo com as competências de cada ministério. Além disso, elas contemplam os três eixos estratégicos e servem de base para elaboração do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfi co de Pessoas.

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Anexo 1Ex 3, 7-10 (Adaptado por Frei Jean Marie Xavier)

E Javé Deus disse:

“Eu vi muito bem a miséria do meu povo que está nas fa-zendas, nas lavouras e nas carvoarias, na região de cá e na região de lá, na terra do meio, e de norte a sul deste país...

Eu vi muito bem a miséria do meu povo trabalhador, tra-balhadora migrante, trafi cado, vendido, descartado, humilhado, desaparecido.

Nas rodovias, nos canaviais, nos prostíbulos, nos canteiros de obras, nas ofi cinas clandestinas, nos porões da cidade, seguin-do seu sonho de uma vida farta; nas barragens, nas carvoarias, no Brás ou nos resorts,

Na região de cá e na região de lá, e na terra do meio, e de norte a sul deste vasto mundo...

Ouvi o seu clamor contra seus opressores, e conheço os seus sofrimentos.

Por isso, desci para libertá-lo do poder dos seus escravi-

zadores, seus aliciadores e seus gatos mentirosos

E para fazê-lo subir dessa terra para uma terra fértil e es-paçosa, Terra onde corre leite e mel, onde há justiça, liberdade e dignidade,

O território dos lavradores, peões, sem-terra, boia-fria

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O chão das mulheres e dos homens livres...O clamor dos fi lhos e das fi lhas da terra deste continente

chegou até mim,E eu estou vendo a opressão com que os atormentam.

Por isso vá! Eu lhe chamei, aqui, por seu nome e agora envio você

Para tirar da escravidão o meu povo, Os fi lhos e fi lhas da terra daqui e de lá Vá, seja feliz na tua caminhada, Caminhe e entre na terra que lhe preparei, servidor, ser-

vidora fi el, e que não haja mais escravo , nem escrava no teu meio!

Amém!

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Anexo 2Tempo de construir Redes

É tempo de construir redes E fortalecer elos

Os fi os se encontram e desencontramConstruindo redes de solidariedadeE desconstruindo redes de opressãoFios adentram realidades desafi antes

Fios se rompem, se partem e se integram...Nossa rede grita E grita pela vida!

Basta!Basta de violência!Basta de exploração

Meninas, meninos gritamMulheres, homens gritam...

E gritam pela vida.E no grito construímos redesNo grito clamamos pela vida

Na ação-refl exão promovemos e defendemos a Vida

Rompemos fronteiras e construímos pontes.E assim seguimosEntrelaçando elosE tecendo redes...

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Tecendo sonhosFazendo a história

Enquanto escutamos partilhas e buscas...Sigamos então...

Somos a REDE em cotidiana missãoSigamos! Avancemos rumo a meta maior: Erradicar o Tráfi co

Humano pela Solidariedade na defesa da vida!

Poema de Fernanda Priscila Alves da Silva (adaptado por Euri-des Alves de Oliveira)

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Anexo 3Sensibilizar e socializar informações sobre o Tráfi co de

Seres Humanos; capacitar multiplicadores, multiplicadoras para ações educativas de prevenção e e intensifi car a luta por políticas públicas de enfrentamento desta realidade. É a tarefa que tem sido assumida pela Rede “Um Grito pela Vida” desde março de 2006.

A Rede Um grito pela vida é Intercongregacional, consti-tuída por religiosas de diversas Regionais e Congregações. Um espaço de articulação e ação solidária da Vida Religiosa Consa-grada do Brasil. É parte constitutiva da CRB Nacional. Aberta e atua de forma descentralizada e articulada com as organizações e iniciativas afi ns nas diversas localidades Estados e municípios. Integra a Rede Talitakun, a Rede internacional da VR no enfren-tamento ao Tráfi co Humano, coordenada pela UISG – União In-ternacional das superioras Maiores.

As religiosas que integram a Rede Um grito pela Vida, atu-am nas diversas regiões do país, articuladas em núcleos, integra-das com as organizações eclesiais e civís, fomentando, promo-vendo e/ou participando de atividades e processos de prevenção,

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assistência às vítimas e intervenção política que contribuam para instruir e instrumentalizar a sociedade, e coibir o crescimento da inserção de vítimas neste mercado do crime. Hoje, a Rede conta com 11 núcleos articulados, que se encontram periodicamente e organizam ações conjuntas e 06 Estados onde há integrantes da REDE, atuando, mas ainda não há grupos constituídos.

Dar um basta ao Tráfi co de Seres Humano, é tarefa de to-dos, é dever do Estado e da sociedade. A Rede um Grito pela Vida é um caminho que nos permite ampliar alianças Intercongrega-cionais em prol da vida ameaçada e ferida das pessoas trafi ca-das e violentadas em seus direitos. Caminho que nos possibilita ensaiar passos de encarnação em novos espaços sociais, políti-cos e teológicos, para incidirmos neste fenômeno, que cresce de maneira assustadora sutil e vorazmente vai ceifando os sonhos e a vida das crianças e adolescentes, juventudes e mulheres de nos-sas comunidades. A REDE UM GRITO PELA VIDA é um espa-ço aberto e espera encontrar nas Congregações, nas Regionais e Organizações afi ns, adesão, apoio e empenho no enfrentamento desta realidade de agressão aos Direitos Humanos e ao próprio Deus.

Gestos simples desencadeiam ações de libertação: colo-car a questão em pauta em todos os espaços possíveis: igrejas, escolas, hospitais, inserções, obras e projetos sociais, em vista da formação da consciência e ações de intervenção na realidade. Articular forças – atuar em redes e parcerias com a sociedade civil e o poder público. Somar na luta por políticas públicas para a juventude e mulheres. Rezar e aprofundar esta realidade, à luz da Palavra de Deus. Esta tem sido a ciranda de reagir e agir per-manente das religiosas da Rede um Grito pela Vida e da TALI-TAKUN nos diversos núcleos e localidades do país e do mundo. Sensibilize-se, informe-se e participe. Some nesta missão.

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Fique de Olho!Informe-se!

É preciso Reagir e Agir para Erradicar o Tráfi co de Pessoas

Sensibilize-se, troque informações, estude ,

pesquise sobre o Tráfi co de Pessoas.

Acesse os Links:

ADITAL – www.adital.com.br

Ministério da Justiça – www.mj.gov.br

OIT Brasil - www.oitbrasil.org.br

UNODC - www.unodoc.org.br.

Sodireitos – www.sodireitos.org.br

Projeto Trama - www.projetotrama.org.br

Chame - www.chame.org.br

Repórter Brasil – www.reporterbrasil.org.br

Associação Brasileira em defesa da mulher, infância e juventude - www.asbrad.org

Realize atividades informativas e formativas –

atue na prevenção a esse crime:

Coloque a questão em pauta em todos os espaços possíveis – Família, Escolas, Igrejas,

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Meios de Comunicação...Realize e/ou participe de campanhas, ofi cinas,

seminários sobre o temaAssista os fi lmes – Anjos do Sol, Tráfi co Humano, Cinderelas,

Lobos e o Príncipe Encantado

Some na luta por Políticas Públicas voltadas para as

mulheres, a juventude e as crianças:

Conheça a Política e o Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfi co de Pessoas

Reivindique do Estado a Criação de Núcleos edo Plano Estadual de Enfrentamento ao Tráfi co de Pessoas

Articule-se, faça parceria, insira-se nas Rede de

Enfrentamento ao Tráfi co de Pessoas

Denuncie pelos telefones: Disque Denuncia – 100

Disque Mulher -180

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SIGLAS

CECRIA - Centro de Referencia, Estudos e Ações sobre Crian-ças e Adolescentes

CRB - Conferencia dos Religiosos do BrasilECA - Estatuto da Criança e AdolescenteESCCA - Exploração Sexual Comercial de Criança e Adoles-

cente IDESE - Índice de Desenvolvimento SocioeconômicoOIM - Organização Internacional da MigraçãoOIT - Organização Internacional do TrabalhoONU - Organização das Nações UnidasOGs - Organizações Governamentais ONGs - Organização Não Governamentais PESTRAF - Pesquisa sobreTráfi co de Mulheres, Crianças e

Adolescentes para fi ns de exploração sexual UISG - União Internacional dos Superiores MaioresUNODC - Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime