Livro 100 Anos Forca de Submarinos Spread

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100 ANOS FOR A de submarinos

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Edição histórica sobre os 100 anos da Força de Submarinos da Marinha do Brasil

Transcript of Livro 100 Anos Forca de Submarinos Spread

  • 100 ANOS

    FORA desubmarinos

  • EDITORIAL

    Realizao

    Fundao Getulio Vargas

    Coordenao Editorial

    Melina Bandeira Manuela Fantinato

    Orientao de Criao

    Paulo Herkenhoff Silvia Finguerut

    Agradecimento Especial

    Irapoan Cavalcanti

    Projeto Grfico e Diagramao

    Patricia Werner Camila Senna Fernanda Macedo

    Pesquisa e Reviso

    Cloves Dottori Juliana Gagliardi Fernanda Corra Isabel Maciel Cristina Romanelli

    Pesquisa Iconogrfica

    Joice Souza

    Fotos e Imagens

    Felipe Fitipaldi CIAMA DPHDM

    FUNDAO GETULIO VARGAS

    Primeiro Presidente Fundador

    Luiz Simes Lopes

    Presidente

    Carlos Ivan Simonsen Leal

    Vice-Presidentes

    Sergio Franklin Quintella Francisco Oswaldo Neves Dornelles Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque

    FGV PROJETOS

    Diretor

    Cesar Cunha Campos

    Diretor Tcnico

    Ricardo Simonsen

    Diretor de Controle

    Antnio Carlos Kfouri Aidar

    Diretor de Qualidade

    Francisco Eduardo Torres de S

    Diretor de Mercado

    Sidnei Gonzalez

    Diretores-adjuntos de Mercado

    Carlos Augusto Costa Jos Bento Carlos Amaral

    MARINHA DO BRASIL E FORA DE SUBMARINOS

    Comandante da Marinha

    Almirante-de-Esquadra Julio Soares De Moura Neto

    Comandante de Operaes Navais

    Almirante-de-Esquadra Wilson Barbosa Guerra

    Comandante em Chefe da Esquadra

    Vice-Almirante Ilques Barbosa Junior

    Vice Chefe do Estado Maior da Armada

    Vice-Almirante Glauco Castilho Dallantonia

    Comandante da Fora de Submarino

    Contra-Almirante Marcos Sampaio Olsen

    Comandante do CIAMA

    Capito-de-Mar-e-Guerra Thadeu Marcos Orosco Coelho Lobo

    Imediato do CIAMA

    Capito-de-Fragata Robson Conde de Oliveira

    Chefe de Departamento de Ensino do CIAMA

    Capito-de-Fragata Charles Alan da Silva

    Encarregada da Biblioteca Mello Marques do CIAMA

    Primeiro-Tenente (RM2-T) Roberta Reis Alves

    FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA MARIO HENRIQuE SIMONSEN/FGV

    100 anos da Fora de Submarinos do Brasil / FGV Projetos. Rio de Janeiro : FGV Projetos, 2014.

    200 p. : il.

    Publicado em parceria com a Marinha do Brasil e Fora de Submarinos. Inclui bibliografia.

    ISBN: 978-85-64878-21-1

    1. Brasil. Marinha. Fora de Submarinos. 2. Brasil Defesa. 3. Brasil Histria naval. 4. Poder naval. I. FGV Projetos. II. Brasil. Marinha. III. Brasil. Marinha. Fora de Submarinos.

    CDD 359.9383

    100 ANOS

    FORA desubmarinos

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    SUMRIOIntroduoA Tradio Martima do BrasilConstruindo o Poder Naval Brasileiro

    O Imaginrio e a Potica dos Submarinos

    A Fora de Submarinos do Brasil

    Linha do Tempo

    Formao e Doutrina

    O Caminho do Submarino Nuclear Brasileiro

    O Futuro

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    Navios

    Personalidades

    Homenagens

    ComForS

    Agradecimentos

    ndice Remissivo de Iconografia

  • 7Contar a histria dos 100 anos da Fora dos Submarinos no tarefa trivial. Participar deste projeto motivo de orgulho para a Fundao Getulio Vargas. A construo dos primeiros submarinos brasileiros e do submarino de propulso nuclear, com recursos recentemente includos no Programa de Acelerao do Crescimento (PAC) do governo federal, mostra a importncia dada no Pas defesa de nosso territrio e o peso que os submarinos representam nesse contexto. Alm da incluso do Brasil no seleto grupo de pases com conhecimento e tecnologia para projetar e construir submarinos nucleares, ao lado de Frana, Estados unidos, Inglaterra, China e Rssia, e da consequente importncia que assumir no cenrio internacional, essa deciso traz incalculvel retorno para a sociedade. A exigncia de nacionalizao da maior parte da cadeia produtiva relacionada construo dos nossos submarinos desencadeia um enorme progresso tcnico e tecnolgico que influenciar diversas reas.

    A FGV foi criada h 70 anos para avanar nas fronteiras do conhecimento e, assim, contribuir para o desenvolvimento socioeconmico do Brasil. Essa misso se renova anualmente pelo intercmbio de conhecimento tcnico e cientfico com a sociedade. A Marinha, por sua vez, dedica-se a proteger nossas riquezas e cuidar de nossa gente, zelando pelas bases que tornam possvel o contnuo progresso do Brasil. Juntas, essas duas instituies vm trabalhando para a formao e o aperfeioamento de pessoal, oferecendo cursos para oficiais e desenvolvendo projetos para a eficincia da administrao

    naval. Complementando seus saberes e competncias, fortalecem suas misses, em um ciclo virtuoso que beneficia o Pas como um todo.

    Assim, ao falar em defesa, estamos falando tambm em pessoas. Neste livro, especial ateno foi dada dimenso humana das atividades da Fora de Submarinos, que, desde sua origem, foi marcada pela iniciativa de seus profissionais. Por trs de cada deciso e de cada ao, existe o empenho de homens e mulheres, cujo trabalho rduo representa o exemplo de esforo que nos impulsiona a seguir em frente, na direo de um futuro promissor.

    Tendo esse norte como misso, o livro atravessa a histria da tradio martima do Pas em uma viagem rumo ao futuro, lanando luz em como a Fora de Submarinos se desenvolveu tcnica e operacionalmente, participando das intensas transformaes e modernizaes observadas nos ltimos 100 anos. Essa histria, por sua vez, descortina o processo de consolidao do Brasil no cenrio mundial, o que possibilitou que o Pas tenha ganhado a importncia internacional que atualmente tem.

    A produo deste livro comemorativo celebra e consolida a parceria de longa data entre a FGV e a Marinha do Brasil, o que se traduz, aqui, no engajamento maior de ambas com a histria do Pas, seu desenvolvimento e sua memria. Recuperamos e divulgamos essa histria, que de toda a nao, no intuito de que o conhecimento sobre o cotidiano e os feitos da Fora de Submarinos engajem toda a sociedade neste tema to importante.

    PRESIDENTEDA FUNDAO

    GETULIO VARGASCARLOS IVAN SIMONSEN LEAL

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    O mar um dos protagonistas da histria e do progresso do Brasil. Fomos descobertos e colonizados a partir do oceano que, de igual maneira, foi decisivo na consolidao da nossa Independncia e nos processos de integrao nacional.

    Na imensa costa que possumos, com cerca de 8.500 km de extenso, situam-se 17 Estados, 16 capitais, alm de 37 portos pblicos e 99 terminais privados. Nas suas proximidades, at 200 km do litoral, concentram-se 80% da populao e 85% do parque industrial, so produzidos em torno de 90% do Produto Interno Bruto (PIB) e consumidos 85% da energia eltrica gerada no Pas.

    Sob o ponto de vista econmico, constata-se que em torno de 95% do nosso comrcio exterior so transportados por via martima, o que, em 2013, envolveu valores da ordem de uS$ 482 bilhes.

    Cabe ressaltar a grande quantidade de riquezas existentes em nossas guas, com a produo diria de 1,88 milhes de barris de petrleo e de 56,8 milhes de m3 de gs natural, a partir de 767 poos martimos, correspondendo, respectivamente, a 92% e 71% do resultado total. Esses montantes tm sido incrementados

    com o incio da explorao das reservas do Pr-Sal, estimadas em 35 bilhes de barris.

    Em 2013, grande parte da produo pesqueira extrativista, de 944.000 ton, foi oriunda da pesca marinha. Releva mencionar as possibilidades de explorao mineral dos ndulos polimetlicos e das crostas cobaltferas, como tambm o grande potencial do segmento de lazer nutico, com destaque para o turismo e as atividades esportivas.

    A parcela do Atlntico Sul, equivalente s nossas guas jurisdicionais, engloba uma rea aproximada de 4,5 milhes de km2, que, devido sua relevncia geopoltica, s riquezas nela contidas e imperiosa necessidade de garantir a sua proteo, passou a ser denominada, pela Marinha, de Amaznia Azul, buscando alertar a sociedade sobre os seus incalculveis recursos naturais, a sua gigantesca biodiversidade e a sua real vulnerabilidade.

    O Poder Martimo o resultado da integrao das capacidades de que dispe a Nao para a utilizao do mar e das guas interiores, quer como instrumento de ao poltica e de defesa, quer como fator de desenvolvimento econmico e

    COMANDANTEDA MARINHAALMIRANTE-DE-ESQUADRA

    julio soares de moura neto

    social. nossa Instituio, cabe o preparo e o emprego do Poder Naval, que a componente militar do Poder Martimo e cuja atuao contribui, decisivamente, para a consecuo dos objetivos nacionais.

    A Estratgia Nacional de Defesa (END), aprovada em 18 de dezembro de 2008 e cuja reviso foi ratificada, pelo Congresso Nacional, em 25 de setembro de 2013, estabeleceu que as Tarefas Bsicas do Poder Naval fossem desenvolvidas de modo conjunto, porm desigual, estabelecendo, como prioritria, a de negar o uso do mar ao inimigo. Os submarinos, por sua caracterstica intrnseca de ocultao, so unidades especialmente indicadas para atuar em reas onde o oponente exerce algum grau de controle, sendo, portanto, essenciais para a consecuo dessa tarefa.

    Em consonncia com as diretrizes da END, a Fora continuar priorizando o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSuB), que prev a construo, no Brasil, de quatro submarinos convencionais e do primeiro com propulso nuclear, a ser por ns projetado, alm da implantao de um Estaleiro e de uma Base em Itagua (RJ).

    Assim, enquanto os primeiros 100 anos de vida da Fora de Submarinos (1914-2014) tm afianado a sua maturidade e capacidade operacional, o futuro, cada vez mais prximo, mostra-se auspicioso em funo da previso de obteno de instalaes e meios modernos, do estado da arte e, principalmente, pela insero do Pas no seleto grupo de naes que dispem de submarinos com propulso nuclear, detentores de indiscutvel importncia estratgica.

    Nossos Marinheiros at debaixo dgua, dotados de notveis e comprovados atributos de coragem e valor, sempre foram motivo de orgulho para a nossa Instituio e, desde 1914, tm consolidado a complexa capacidade de operar submersos.

    Dessa forma, ao celebrar esse histrico Centenrio, uno-me aos submarinistas, mergulhadores, mergulhadores de combate e mdicos hiperbricos de ontem, de hoje e de sempre, orgulhosos do passado, atuantes no presente e cada vez mais comprometidos em dotar a Marinha de uma Fora de Submarinos de envergadura, compatvel com a estatura poltico-estratgica do Brasil.

    Parabns a todos!

    Glria Flotilha!

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    N a busca por resguardar os caros interesses da nossa gente, uma estratgia de defesa consistente e sustentvel condio primordial para uma estratgia nacional de desenvolvimento.

    Assim, com a magnitude da responsabilidade atribuda Marinha do Brasil na defesa dos interesses do Pas em nossa Amaznia Azul parcela do Atlntico Sul sob jurisdio brasileira , priorizamos assegurar os meios para impedir o estabelecimento ou a explorao indesejvel de nossa rea martima, e, para tal, contamos com uma Fora de Submarinos capaz de conferir ao Poder Naval uma atitude dissuasria no grau requerido a desencorajar ou demover uma eventual agresso.

    A Fora de Submarinos remonta ao Programa de Construo Naval de 1904, com a encomenda, a estaleiros italianos sediados em La Spezia, de trs submarinos da classe Foca e um tender de apoio. Ato contnuo e sob o comando do ento Capito-de-Fragata Filinto Perry, foi criada em 17 de julho de 1914 a Flotilha de Submersveis.

    Neste sculo de existncia, os trabalhos desenvolvidos pelos Marinheiros at debaixo dgua proporcionaram uma trajetria evolutiva consistente e continuada por diversas classes de submarinos, o que incluiu a incorporao das atividades de mergulho, socorro e salvamento e medicina hiperbrica, reunindo conhecimento e normatizando procedimentos genunos de preparo e emprego.

    Por reconhecimento e na ocasio em que alcana 100 anos de Boa Caa, o Setor Operativo rende queles que integram esse importante componente do Poder Naval uma justa homenagem pelo seu legado, traduzido por abnegao e amor nossa Instituio.

    Bravo Zulu

    Viva a Marinha!

    comandante-em-chefeda esquadra

    Na realidade das relaes internacionais, sempre observamos a interdependncia entre os pases, sobretudo quando consideramos a magnitude do emprego do trfego martimo no comrcio internacional, o aproveitamento e as disputas pelas riquezas dos oceanos e o elenco de possibilidades de emprego de foras navais, aeronavais e de fuzileiros navais. Assim, estamos inseridos em conjuntura poltico-estratgica, que inclui a possibilidade de ocorrerem tenses oceanopolticas em espaos martimos de interesse do Brasil.

    H 100 anos, a Esquadra Invicta do Marqus de Tamandar conta com a audaz e aguerrida Fora de Submarinos para contribuir para a dissuaso estratgica. Nesse contexto, desde os submarinos da classe F at o submarino da classe Tikuna, constatamos a marcante excelncia profissional e destemor desses singulares marinheiros, que fortalecem a Esquadra, ao agregarem incontestvel valor militar ao nosso Poder Naval.

    A independncia dos fatores ambientais da superfcie, a capacidade de permanecer oculto por longos perodos e o elevado poder de destruio caracterizam a Fora de Submarinos como destinada, em especial, execuo da tarefa bsica do Poder Naval negar o uso do mar ao inimigo.

    No entanto, ainda temos na Fora de Submarinos, as atividades de mergulho e de medicina hiperbrica acrescentando, com coragem e elevada tcnica, importante capacidade de combate

    e robustez logstica s operaes de Guerra Naval; o que amplia as opes para a obteno de resultados superiores ao esforo despendido.

    O complexo naval de Mocangu Grande abriga esses marinheiros zelosos de uma brilhante histria, orgulhosos de seu ofcio e possuidores de um arraigado e altaneiro esprito de corpo.

    Dessa forma, honrados, o Comandante-em-Chefe da Esquadra, a Fora Aeronaval, Fora de Superfcie, Comando da 1a Diviso da Esquadra, Comando da 2a Diviso da Esquadra, Centro de Adestramento Almirante Marques de Leo, Base Naval do Rio de Janeiro, Centro de Apoio a Sistemas Operativos e Centro de Manuteno de Embarcaes Midas fazem coro aos submarinistas, mergulhadores de combate, mergulhadores, aos envolvidos nas atividades hiperbricas e servidores civis, para celebrar os 100 anos da Fora de Submarinos.

    Estamos convictos de um futuro promissor devido incorporao de novos submarinos convencionais e transformao de nosso Poder Naval, por meio de uma Esquadra dotada de submarinos com propulso nuclear; mas, principalmente, pela convico da permanente prontido da Fora de Submarinos, para bem cumprir a sua misso e respaldar os interesses do Brasil na Amaznia Azul.

    Usque Ad Sub Acquam Nauta Sum!

    comandante deoperaes navaisALMIRANTE-DE-ESQUADRA

    WILSON BARBOSA GUERRA

    VICE-ALMIRANTE

    ILQUES BARBOSA JUNIOR

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    A obstinao do homem em possuir um barco dotado de capacidade de ocultao para surpreender e destruir precede prpria concepo do Princpio de Arquimedes sculo III a.C. Os sculos XVI, XVII, XVIII e, notadamente, o sculo XIX foram palco de experimentaes, as mais diversas, de dotar um navio da propriedade de submergir com o propsito de possibilitar o seu emprego blico.

    O Brasil no passou alheio ao desenvolvimento da tecnologia de submarinos. Destaco o gnio inventivo de um dos precursores no projeto de submersveis no Pas, o Tenente Engenheiro Naval Emlio Jlio Hess, que cedo discerniu que o valor militar que justifica o submarino e define sua importncia como arma de guerra. O Programa de Construo Naval de 1904, por entender assim, comportou a encomenda ao estaleiro italiano Fiat Saint Giorgio, sediado em La Spezia, de trs submersveis da Classe Foca e um Navio Tender.

    Em 17 de julho de 1914 era criada, por decreto do Exmo. Sr. Almirante Alexandrino de Alencar, a Flotilha de Submersveis, ficando subordinada administrativamente ao ento Comando da Defesa Mvel do Porto do Rio de Janeiro. Em 1928, foi alterado o seu nome para Flotilha de Submarinos e, por fim, no ano de 1963, denominada Fora de Submarinos.

    Esta secular Organizao Militar singrou uma existncia de densa e efetiva evoluo na operao e manuteno de variadas classes de submersveis e submarinos, logrou assimilar o controle das atividades de escafandria, mergulho saturado, mergulho de combate, socorro e salvamento de submarinos sinistrados e medicina hiperbrica e, ainda, a formao, o aperfeioamento e a especializao do seu pessoal, acumulando conhecimento e desenvolvendo capacidade prpria de emprego da arma.

    O avano tecnolgico observado no desenrolar da Primeira Guerra Mundial propiciou profunda transformao no submarino, que no mais se confinava ao papel defensivo afirmara-se como arma dissuasria por excelncia. As Aes de Submarinos exploram a capacidade de deteco passiva e poder de destruio deste meio naval e concorrem para a consecuo das Tarefas Bsicas do Poder Naval, sendo a negao do uso do mar a que hoje organiza, antes de atendidos quaisquer outros objetivos, a estratgia de defesa martima do Brasil. Tais Aes podem ser atribudas a qualquer submarino de ataque, convencional ou nuclear, armado com torpedos e/ou msseis tticos e minas. O confinamento da tripulao em espaos reduzidos e o exerccio de atividades de risco por tempo prolongado constituem fatores relevantes.

    Comandante daFora DE SubmarinosCONTRA-ALMIRANTE

    MARCOS SAMPAIO OLSEN

    O mergulho, por sua vez, teve sua expanso fortemente associada ao salvamento e ao emprego militar. O desenvolvimento mais necessrio compreende aumentar a capacidade do mergulhador de permanecer submerso e em condies de realizar trabalho. O mergulho de combate emprega tcnicas operacionais no usuais em ambientes litorneos e ribeirinhos. O sigilo, a rapidez, a surpresa e a agressividade so caractersticas essenciais para o xito no exerccio desta complexa atividade.

    No que concerne medicina hiperbrica, a Marinha do Brasil, por meio da Fora de Submarinos e de seu sistema de sade, reconhecida como a entidade no Pas mais antiga e tradicional de realizao e referncia neste tipo de rea de atuao mdica, com aplicao intensiva em acidentes especficos de mergulho que necessitam de tratamento recompressivo para tratar doenas descompressivas e embolia traumtica pelo ar.

    Os submarinistas e mergulhadores no guardam semelhana com nenhum outro profissional. A adaptabilidade a condies de desconforto de qualquer natureza, um acurado esprito cooperativo e camaradagem so habilidades desenvolvidas que terminam por nos fazer um tanto destemidos em presena do risco.

    A Fora de Submarinos , pois, morada da abnegao, da devoo extrema, do amplo sacrifcio em prol do aprestamento adequado ao cumprimento de sua destinao. Sua trajetria centenria est marcada por sobrepujar desafios e a reside o que nos credencia a absorver a preparao e a capacitao requeridas para operar o primeiro submarino com propulso nuclear projetado e construdo no Pas, por brasileiros.

    A presente obra comemorativa produto de Termo de Cooperao celebrado entre o Comando da Fora de Submarinos e a Fundao Getulio Vargas. A construo de sua linha editorial coube a civis experimentados, de modo especial acadmicos, inspirados por um rol intrmino de faanhas incrveis protagonizadas por Marinheiros at debaixo dgua. Com efeito, para alm de rememorar caras, fatos e tradies, o livro 100 anos da Fora de Submarinos rene pginas impressas que reverenciam um legado valoroso de coraes e mentes que conformam a cultura da arte paciente e silenciosa da caa.

    Boa Caa!

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    introduo

    Este livro marca as comemoraes pelos 100 anos da Fora de Sub-marinos. Foi quase um ano de pesquisa, reunindo bibliografia e docu-mentos, alm de entrevistas com diversas personalidades. A preocupao em nar-rar essa histria de sucesso que atraves-sou o sculo XX e, com ele, as intensas transformaes no cenrio geopoltico do Pas e do mundo foi acompanhada do cuidado em compreender a dinmica do complexo trabalho que realiza essa Instituio e, sobretudo, o que une seus apaixonados profissionais.

    Nos ltimos anos, as Foras Armadas tm se aproximado mais da sociedade, sobre-tudo atravs do conhecimento acadmico. Seu preparo e atuao esto expressos por um conjunto de Polticas e Estratgias que, encadeadas, emprestam robustez estrutura militar de defesa brasileira. Esse esforo de sistematizao contribui para a confiabilidade e credibilidade das Foras Armadas, facilitando sua articulao com outras esferas da sociedade, na dimenso nacional, e contribuindo para a insero do Brasil no concerto internacional.

    O progresso econmico e social vivenciado de forma responsvel levou o Brasil a pos-suir maior voz nos fruns internacionais, participando ativamente de debates e sendo reconhecido como importante interlocutor. O crescimento econmico e o aumento de seu peso internacional justificam, cada vez mais, a necessidade de Foras Arma-das acreditadas, para atuarem em conso-nncia com a Poltica Externa brasileira, localmente ou de forma expedicionria.

    A Poltica Nacional de Defesa expressa claramente que a defesa do Pas no pode ser compreendida separadamente do seu desenvolvimento; ela seu sustentculo e sua proteo. Esse documento estabe-lece, ainda, o Atlntico Sul como rea de interesse, devendo ser vigiada e protegida pelo Brasil. O domnio de nossa Zona Eco-nmica Exclusiva, a chamada Amaznia Azul, garante a permanncia necessria explorao de nossos recursos. Na Es-tratgia Nacional de Defesa se encontram as diretrizes para o emprego das Foras Armadas, chamando ateno para a sua necessidade de reorganizao, moderniza-o e reaparelhamento. Tendo em vista o

    cenrio atual do Pas, os recursos dispon-veis e a abrangncia de sua misso, define tambm que a Marinha dever se pautar num desenvolvimento desigual e conjunto na maneira de se conceber a relao entre as tarefas bsicas do Poder Naval, contro-lar reas martimas, negar o uso do mar ao inimigo, projetar poder sobre terra e con-tribuir para a dissuaso. Nesse contexto, a negao do uso do mar ao inimigo tem prioridade. O instrumento mais indicado para realizar esta tarefa o submarino. Sua capacidade de ocultao permite que navegue discretamente, mesmo em guas controladas pelo inimigo, impedindo ou dificultando a presena de foras inimigas. O submarino leva a vantagens polticas e estratgicas, mas representa tambm um enorme esforo nacional.

    Ao falar da histria dos submarinos no Brasil, tem-se como pano de fundo as evo-lues poltica, econmica, social, intelec-tual e tecnolgica do ltimo sculo. A ati-vidade submarina costuma envolver certo mistrio, e, ao torn-la pblica, este livro satisfaz aos anseios de levar sociedade o conhecimento de algo que estratgico

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    em termos de defesa e, portanto, de paz. Sobretudo a partir da opo pela constru-o do submarino de propulso nuclear, de fundamental importncia inserir a sociedade em tema de seu interesse, que resulta em enorme salto de desenvolvi-mento, afetando positivamente todas as esferas da nao.

    A narrativa dividida em sete captu-los. Os dois primeiros tratam da tradio martima do Pas, ou seja, da criao e do desenvolvimento da Marinha do Brasil. No terceiro captulo, mergulha-se dire-tamente no tema, tratando do histrico dos submarinos no mundo para chegar s primeiras experincias brasileiras, na virada do sculo XX. O captulo seguinte dedicado criao e ao desenvolvi-mento da Fora de Submarinos no Brasil, que nasce em 1914 como Flotilha de Sub-mersveis, com a chegada dos primeiros submersveis F italianos. A aquisio de submarinos demandou outras ativi-dades e, sobretudo, muito conhecimento especfico e tangencial. O captulo cinco, portanto, dedicado ao tema da formao, desde seu desenvolvimento at chegar estrutura hoje existente, produzida uni-camente por brasileiros. O sexto captulo trata especificamente do Programa de Desenvolvimento de Submarinos, que j transforma a Marinha, preparando-a para a construo do primeiro submarino bra-sileiro de propulso nuclear. Finalmente, o ltimo captulo aponta para o futuro, j iniciado no mbito da Fora de Submari-nos, que vive s voltas com uma intensa rotina de repensar o preparo e emprego de seus meios.

    Foram priorizadas na pesquisa as fontes da Marinha do Brasil. Para isso, contou--se com a longa tradio e cuidado de sua Diretoria do Patrimnio Histrico e Documentao da Marinha no acervo e produo de conhecimento, que ainda responsvel pela publicao de uma s-rie de tomos sobre Histria Naval, alm de diversos peridicos acadmicos e de divulgao. A Fora de Submarinos, por meio do Centro de Instruo e Adestra-mento Almirante ttila Monteiro Ach, abriu as portas de sua Biblioteca Mello Marques para consulta de fontes e todo tipo de pesquisa, empreendendo grande esforo de reunio e catalogao de fotos e documentos. Para auxiliar na pesquisa, foi tambm utilizado o material arquivado atravs de um projeto de memria oral, que vem coletando entrevistas com os mais antigos e representativos profissionais que passaram pela Fora, de modo a registrar o que so os valores e tradies prprios da instituio. Entrevistas com autoridades em atividade foram imprescindveis para dar o tom do livro. Alm disso, as equipes da FGV e da Fora de Submarinos promo-veram grupos de trabalho e reuniram-se em incontveis encontros para debater e pensar sobre os caminhos e resultados da pesquisa, visitando espaos e desenvol-vendo atividades conjuntas.

    O Livro dos 100 Anos da Fora de Subma-rinos , portanto, resultado da intensa troca de experincias e conhecimentos entre duas instituies que tm como base comum a misso de atuar em prol do desenvolvi-mento do Brasil. Essa unio de esforos e competncias reflexo da preocupao de ambas com a produo de conhecimento e reverncia ao seu vasto legado.

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    Sou marinheiro e outra coisa no quero ser.Almirante Tamandar

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    A tradiomartima do Brasil

    O Brasil nasce pelo mar:as razes da Marinha nacional e o poder martimo

    Aexpanso martima europeia teve Portugal como pas pioneiro. Desde o sculo XIII, a experin-cia de comrcio internacional ressaltava a tendncia do pas de lanar-se para fora, estimulada por suas caractersticas geogrficas, delimitado ao sul e ao oeste pelo Oceano Atlntico. A busca de espe-ciarias motivou a expanso que, por sua vez, impulsionou o desenvolvimento das tcnicas de navegao: o aprimoramento de instrumentos, de cartas nuticas e da arquitetura naval.

    Em 1500, os portugueses chegaram s terras que iriam compor, mais tarde, o Brasil, e que tambm eram, em grande parte, voltadas para o mar. Durante as trs primeiras dcadas, como o princi-pal interesse da monarquia portuguesa estava no Oriente, a explorao das no-

    vas terras se restringiu s expedies de reconhecimento do litoral. A extrao do pau-brasil, madeira tintorial que pde suprir a demanda por tintura at ento importada do Oriente, foi a primeira atividade econmica a se desenvolver. Para realiz-la, foram estabelecidas as feitorias, que funcionavam, ao mesmo tempo, como lugares fortificados e de-psitos da madeira.

    Aps esse perodo, a Coroa portuguesa, atenta aos indcios da cobia dos pases que questionavam os tratados que divi-diam as terras a serem descobertas entre Portugal e Espanha, percebeu que era necessrio colonizar as novas terras para no perd-las. Era esse o objetivo das ca-pitanias hereditrias. Tomando o litoral como referncia, a Coroa estabeleceu 15 faixas, que se estendiam at a linha de

    Tordesilhas, e as entregou aos donat-rios, a quem caberia a tarefa de povoar e desenvolver a terra prpria custa. A Coroa esperava, com essa medida, iniciar a efetiva ocupao do territrio.

    Como essa iniciativa no mostrou, na prtica, os resultados esperados, Portugal centralizou a administrao da colnia enviando o Governador-Geral Tom de Souza, que se estabeleceu em Salvador, Bahia, em 1549. Embora houvesse o es-foro de centralizar a administrao da colnia, a articulao entre os primei-ros ncleos de ocupao era dificultada pela extenso do territrio. A nica via possvel para manter a unidade territo-rial era o mar.

    Tambm pelo mar viriam os primeiros invasores.

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    Invases estrangeiras:as ameaas francesas

    Os pases que no foram includos na partilha do territrio estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas questionavam a legitimidade de Portugal sobre as terras do Novo Mundo. A ameaa se concreti-zou em 1555, quando Nicolas Durand de Villegagnon, Vice-Almirante da Bretanha regio Noroeste da Frana desem-barcou na Baa de Guanabara, fundando a chamada Frana Antrtica.

    Aproveitando-se das dificuldades de co-municao entre as capitanias, Villegagnon permaneceu na regio por mais de uma dcada, perodo marcado por intensas lu-tas entre portugueses e franceses. Somente em 1567 chegaram ao Rio de Janeiro as tropas do ento Governador-Geral Mem de S, travando-se, em 20 de janeiro, a ba-talha decisiva contra os invasores. Toda a ao se desenvolveu no mar ou a partir dele. ndios aliados, usando embarcaes a remo, lutaram ao lado dos portugueses nessa primeira ao organizada contra uma agresso ao territrio do Brasil.

    Os franceses, derrotados na Baa de Gua-nabara, no desistiram de seus empreen-dimentos no Brasil, desviando o curso dos seus interesses para o litoral norte. Suas expedies limitavam-se ao comrcio e explorao da costa, at que, sob a liderana de Daniel de la Ravardire, fundaram, em 1610, a cidade de So Lus, que se tornou a capital da Frana Equinocial.

    A retomada desse territrio ocorreu em 1615, quando Jernimo de Albuquerque Maranho, primeiro brasileiro nato a co-mandar foras na defesa do territrio, usou pequenos e leves barcos de madeira extre-mamente simples, que se transformavam em fora apenas pelas armas e tcnicas da sua tripulao. Participaram, ainda, do processo de expulso dos franceses: Alexandre de Moura, de nacionalidade portuguesa, encarregado da expedio, e Martim Soares Moreno, nascido no Brasil, comandante da barca Santa Cata-rina. Os franceses, assim como na queda da Frana Antrtica, foram expulsos por foras navais integradas por portugueses, por descendentes de portugueses nascidos no Brasil e por ndios.

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    As relaes comerciais entre Portugal e os Pases Baixos se intensificaram com a expanso martima, uma vez que os co-merciantes flamengos eram os principais distribuidores das especiarias trazidas do Oriente pelos portugueses. Essa relao se ampliou quando teve incio a produo de acar no Brasil, financiada por capitais dos holandeses, que tambm ficaram res-ponsveis pela distribuio do produto no mercado europeu.

    Com a unio das Coroas Ibricas (1580-1640), essa relao se modificou completamente. A Espanha inimiga dos Pases Baixos , adotou medidas para impedir o acesso dos comerciantes flamengos aos portos portu-gueses. Impossibilitados de comprar o a-car brasileiro em Lisboa, os Pases Baixos decidiram atuar diretamente nas reas produtoras. Foi esse o objetivo deste pas ao criar a Companhia das ndias Ocidentais, que passou a monopolizar o comrcio e a navegao na frica e na Amrica.

    Sob a orientao dessa Companhia, no dia 8 de maio de 1624, uma fora naval com-posta de 26 navios, 1.600 marinheiros e 1.700 soldados, sob o comando do almirante Jacob Willekens, adentrou a Baa de Todos os Santos. No dia seguinte, eles atacaram Salvador, destruindo os fortes que defen-diam a cidade. O propsito do empreendi-mento holands era controlar a produo de acar do Recncavo Baiano, impedindo as exportaes para Lisboa, o que iria des-montar a estrutura criada por Portugal e, com isso, o papel que o pas desempenhava no comrcio europeu.

    Para expulsar os invasores, partiu de Lis-boa, no dia 22 de novembro de 1624, uma fora naval com 25 galees, dez naus, seis caravelas, dois patachos e quatro navios menores, sob o comando de D. Fadrique de

    Toledo Osrio, marqus de Villanueva de Valdueza. Com 12.500 marinheiros e solda-dos, era a maior fora naval que, at ento, havia atravessado o Atlntico. A armada chegou a Salvador no dia 29 de maro de 1625 e as tropas holandesas foram derro-tadas por completo.

    Em 1630, a Companhia das ndias Oci-dentais invadiu Pernambuco com uma fora naval de 70 navios, comandada pelo General-do-Mar Hendrick Corneliszoon Lonck. A resistncia luso-brasileira, orga-nizada em grupos guerrilheiros, usando a seu favor o fator surpresa e o melhor co-nhecimento do terreno, no foi capaz de impedir que os holandeses consolidassem suas posies, dominando, sem maiores problemas, Olinda e Recife. Ainda que te-nham sido enviadas, entre 1631 e 1640, trs esquadras luso-hispnicas para expulsar os invasores, a superioridade militar dos ho-landeses impediu a retomada do territrio.

    Com o fim da unio Ibrica, em 1640, e a restaurao de Portugal, graas ascen-so ao trono de D. Joo IV, alterou-se pro-fundamente o quadro poltico europeu. Ao mesmo tempo em que Portugal procurava restabelecer sua tradicional aliana com a Holanda, no Brasil, em razo das mudan-as impostas pela Companhia das ndias Ocidentais nas suas relaes com os do-nos de engenho, eclodiu uma insurreio contra a presena holandesa. A revolta se ampliou rapidamente, reunindo lideranas que representavam os principais segmentos da sociedade colonial portuguesa. Aps as vitrias dos luso-brasileiros nas batalhas em terra, uma frota enviada por Lisboa, sob o comando de Pedro Jacques de Magalhes, conseguiu bloquear Recife. As posies holandesas foram conquistadas uma aps outra, at que, em janeiro de 1654, os inva-sores anunciaram sua rendio.

    Invases estrangeiras:os holandeses no Brasil

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    O territrio brasileiro, que , atualmente, trs vezes maior do que aquele que per-tencia a Portugal segundo o Tratado de Tordesilhas, foi ampliado graas ao dos bandeirantes, missionrios, milita-res e pecuaristas, que, aproveitando a momentnea unio das coroas ibricas, deslocaram a fronteira para oeste. Graas iniciativa da diplomacia portuguesa, essa expanso foi confirmada pelos su-cessivos tratados assinados na segunda metade do sculo.

    A descoberta de ouro nos ltimos anos do sculo XVII provocou significativas mudanas na administrao colonial. A notcia se espalhou rapidamente, o que provocou um grande fluxo migratrio para a regio das minas atrado pela possibilidade de rpido enriquecimento.

    Situada no interior da regio Centro-Sul, a rea era de difcil acesso. O escoamento

    O sculo XVI I I

    era feito por tropas de burros at Paraty, de onde, por via martima, alcanava o Rio de Janeiro. A abertura do caminho novo permitiu que a viagem entre as Gerais1 e o porto do Rio de Janeiro se realizasse em um perodo que variava entre 12 e 17 dias, segundo o ritmo da marcha. A vantagem possibilitada pelo caminho novo era evidente, o que veio a valorizar o porto do Rio de Janeiro, o principal ponto de escoamento do ouro em direo metrpole.

    Como a atividade mineradora deslocou o centro econmico da colnia, das ca-pitanias do Nordeste para a regio das minas, na gesto do Marqus de Pom-bal, a capital do Brasil foi transferida de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763, com o objetivo de tornar a administrao mais eficiente.

    1 Nome pelo qual era conhecida a regio que atualmente corresponde a Minas Gerais.

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    sculo XIX: Da Marinha no Brasil Marinha do Brasil

    Em 1808, a Famlia Real portuguesa se transmigrou para o Brasil em razo da ocupao do territrio portugus por tropas francesas. Chegando ao Brasil, D. Joo VI estabeleceu a Corte no Rio de Janeiro e decretou a abertura dos portos s naes amigas, pondo fim exclu-sividade metropolitana que, at ento, restringia o comrcio externo do Brasil.

    Ainda em 1808, ele reorganizou a Secre-taria de Estado dos Negcios da Marinha, criada em 1736 como Ministrio da Mari-nha e Domnios ultramarinos, e nomeou D. Joo Rodrigues de S e Menezes para administr-la. Com a vinda da Famlia Real, vieram tambm a Brigada Real da Marinha a partir da qual se originou o atual Corpo de Fuzileiros Navais , e a Academia Real de Guardas-Marinha, embrio da Escola Naval. Tambm nessa poca, em represlia invaso de Portu-gal, o Prncipe-Regente declarou guerra Frana e preparou um ataque Guiana Francesa. A cidade de Caiena foi tomada pela Brigada Real da Marinha, perma-necendo sob controle portugus at 1815.

    Desde a transferncia da Corte portu-guesa para o Brasil, a situao poltica de Portugal era marcada por incerteza. Mesmo aps a expulso dos franceses, D. Joo VI, rei de Portugal, continuava no Brasil. Os Tratados de Comrcio de 1810, que concediam amplas vantagens aos comerciantes ingleses, prejudica-vam seriamente a economia portuguesa. A ausncia da Famlia Real e a crise econmica impulsionaram o episdio conhecido como Revoluo Liberal, iniciada em 1820 como um levante na cidade do Porto, mas que rapidamente se espalhou por todo o territrio, per-durando at 1826. Temeroso de perder o trono, D. Joo VI retornou para Por-

    tugal com sua Corte em 1821, deixando no Brasil seu filho e herdeiro, D. Pedro, como Prncipe Regente. Antes de deixar o Brasil, agora elevado a Reino unido a Portugal e Algarves,2 indicou o Chefe--de-Esquadra Manoel Antnio Farinha como Secretrio de Estado da Repartio da Marinha no Brasil.

    Em 7 de setembro de 1822, D. Pedro vol-tava com sua comitiva de So Paulo para o Rio de Janeiro, quando se encontrou, nas proximidades do riacho Ipiranga, com emissrios que o informaram que as cortes exigiam seu retorno imediato a Lisboa. Discordando dessa exigncia, D. Pedro tomou a deciso de tornar o Brasil independente e assim o declarou no dia 1 de dezembro de 1822, tornando-se o primeiro Imperador do Brasil.

    Com o fim de eliminar a resistncia in-terna autoridade do novo imperador, rechaar qualquer tentativa de recoloni-zao por parte de Portugal e garantir a unidade nacional, D. Pedro criou, ainda em 1822, a Armada Nacional e Imperial do Brasil. A fora naval deveria prote-ger a poro martima de interesse do Imprio, garantir a consolidao da in-dependncia e evitar a fragmentao do territrio especialmente nas provncias ainda leais ao trono portugus. As sedes da estrutura naval j existente, incluindo os navios e as instalaes navais, como o Arsenal de Marinha da Corte, foram mantidas no Rio de Janeiro. O Capito--de-Mar-e-Guerra Luiz da Cunha Mo-reira foi nomeado Ministro e enfrentou o grande desafio de preparar a nova Armada. No dia 5 de dezembro de 1822, o Ministro Cunha Moreira criou uma comisso para perguntar aos 160 oficiais estabelecidos no Brasil desde 1808 se es-tariam dispostos a servir ao Brasil ou se

    2 Em 1815 o Brasil foi elevado categoria de Reino unido a Portugal e Algarves, com uma estrutura estatal similar do Reino unido da Gr-Bretanha e Irlanda do Norte. Com isso, perdia o status de colnia, embora no se tornasse independente.

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    permaneceriam ligados a Portugal. Do to-tal de oficiais, 94 definiram-se pelo Brasil, passando a responder ao novo Imperador.

    Como a escassez de recursos, a falta de equipamentos e a baixa qualificao da mo de obra dificultavam a reconstruo da frota, foi lanada, em janeiro de 1823, uma subscrio pblica nacional, com aes no valor de 800 ris cada, com o objetivo de obter recursos para aparelhar a Esquadra brasileira. No total, a campanha conseguiu 33 mil contos de ris, contando com sig-nificativa contribuio do prprio Impera-dor, que comprou o Brigue Caboclo para doar Armada, alm de 250 aes. Esses recursos permitiram um salto tcnico ao Arsenal de Marinha da Corte.

    Ao mesmo tempo, D. Pedro autorizou a obteno de emprstimos no exterior para a compra de navios e munies, alm do recrutamento de oficiais e marinheiros estrangeiros. um desses homens, James Thompson, ex-oficial da Royal Navy, foi o primeiro comandante da Fragata Prn-cipe Imperial, construda para atender s necessidades da recm-criada Armada Imperial. Outro nome ligado cena foi o de Alexander Thomas Cochrane, oficial britnico que participou das guerras na-polenicas como Comandante de Fragata. Cochrane aceitou a proposta de comandar a Esquadra brasileira, sendo nomeado Pri-meiro-Almirante posto criado em carter excepcional e trouxe consigo mais quatro oficiais britnicos, entre eles John Pascoe Grenfell. A Marinha Imperial do Brasil recrutou ainda outros oficiais estrangei-ros, como David Jewett, que servira como oficial na marinha dos Estados unidos, e John Taylor, oficial da ativa da Royal Navy.

    O governo imperial estava empenhado na construo de uma esquadra capaz de impedir a reinterveno, negando aos portugueses a possibilidade de deslocar suas tropas com rapidez, cortando suas linhas de suprimento e de reforo. Estava, assim, empenhado na consolidao do recm-declarado Imprio. Graas a esse esforo, em 23 de outubro de 1823, sob presso da Fragata Tetis e de cinco es-cunas comandadas pelo Capito-de-Mar--e-Guerra Pedro Antnio Nunes, a fora naval portuguesa se rendeu na Provncia Cisplatina, atual uruguai.

    Afastada a possibilidade de reinterven-o, faltava unificar o Pas. Os movimen-tos que eclodiram nas provncias, tanto durante o reinado de D. Pedro I, quanto no perodo da Regncia, ora se opondo poltica imperial, ora defendendo a formao de repblicas independentes, ameaavam a integridade do Imprio. A Armada Nacional e Imperial participou ativamente da manuteno da unidade nacional, atuando em todos os conflitos que ocorreram nas primeiras dcadas de consolidao da independncia.

    O Brasil foi descoberto pelo mar, e tambm por ele combateu as ameaas estrangei-ras. A Marinha foi a principal fora na defesa do territrio e na construo da nova nao, sendo, portanto, instituio fundamental na integrao nacional. Com esse fim, em um pas de dimenses conti-nentais, a Marinha trabalhou na reativa-o de rotas fluviais e martimas traadas desde o perodo colonial, ligando a Corte do Rio de Janeiro s demais provncias do territrio brasileiro.

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    O Poder Martimo a capacidade resultante dos recursos de que dispe a Nao para a utilizao do mar e das guas interiores, quer como instrumento de ao poltica e militar, quer como fator de desenvolvimento econmico e social.3 A extenso do litoral brasileiro contribuiu para tornar e manter indispensvel a atuao martima. Entre as vrias dimenses que a relao entre a nao e o mar comporta, trs so de destaque imediato: a poltica (territorial), a estratgica (segu-rana) e a econmica. Sendo assim, tudo que tem relao com o mar e a capacidade que uma sociedade tem para explor-lo e utiliz-lo compe seu Poder Martimo. Incluem-se a no apenas o Poder Naval, o componente militar, mas tambm a marinha mercante, as indstrias afins e toda a infraestru-tura martima e hidroviria, a indstria da pesca, os meios e as instituies de pesquisa e todo o pessoal envolvido em cada um desses setores.

    Embora a Organizao das Naes unidas, desde a dcada de 1950, discuta a elaborao de diretrizes para a atuao mar-tima, apenas em 1982 conseguiu acordar a realizao da Con-veno das Naes unidas para o Direito do Mar (CNuDM). Nesse longo perodo entre o incio das discusses e a rea-lizao da Conveno, tornou-se cada vez mais evidente a necessidade de estabelecer uma regulao capaz de definir a soberania sobre o uso do mar, medida que se ampliava o potencial de riqueza (biolgica ou mineral) oferecido.

    Da Conveno, resultaram importantes resolues, como a regulao dos limites do mar, especialmente do Mar Terri-torial (MT), da Zona Contgua (ZC) e da Zona Econmica Ex-

    clusiva (ZEE), que compem as guas jurisdicionais de um pas reas estratgicas de importncia prioritria.

    A CNuDM estabeleceu os limites do Mar Territorial em 12 mi-lhas a partir da costa. Nele, cada pas costeiro plenamente soberano. A ZEE acrescenta 188 milhas nuticas aos limites do MT. Nela, o Estado costeiro soberano na explorao, no uso e na gesto dos recursos naturais. Como a ZEE cobre um territrio extremamente rico em recursos vivos e no vivos, notadamente os combustveis fsseis, ela passa a ser um com-ponente importante do jogo poltico contemporneo.

    Atualmente, o Brasil detm espaos martimos que somam, aproximadamente, 3,6 milhes de km2 e pleiteia, junto Comis-so de Limites da Plataforma Continental (CLPC) da CNuDM, a extenso nos locais em que a plataforma continental se es-tende alm dos limites de 200 milhas nuticas estabelecidas para a ZEE. Isso significa que o Pas passaria a deter cerca de 4,5 milhes de km2, que equivaleriam, no mar, a uma rea maior do que a Amaznia. A esse territrio foi dado o nome de Amaznia Azul, marca registrada pela Marinha do Brasil, em seu esforo de criao de uma conscincia martima com-patvel com a vocao brasileira para o mar.

    O Poder Naval, parcela militar do Poder Martimo, mostra-se fundamental no apenas para a defesa do territrio nacional, mas tambm para auxiliar a consecuo dos objetivos nacionais, respaldando a poltica externa e contribuindo para o desenvol-vimento econmico. O smbolo da Amaznia Azul renova o compromisso da Marinha do Brasil com a soberania nacional, firmado desde os primrdios da construo da Nao.

    O Poder Martimo do Brasil

    3 Doutrina Bsica da Marinha, p. 1.

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    Aquele que comanda o mar, comanda o comrcio;Aquele que comanda o comrcio do mundo, comanda as riquezas do mundo, e consequentemente o prprio mundo.4

    Sir Walter Raleigh

    4 Traduzido livremente do original em ingls: Whoever commands the sea, commands the trade; whoever commands the trade of the world commands the riches of the world, and consequently the world itself.

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    Os desafios da nova nao

    Proclamada a independncia, o desafio da nova Esquadra era ga-rantir a unidade da nova nao, que tinha na via martima o principal meio de comunicao. uma srie de re-voltas internas eclodiu nas provncias da Bahia, Maranho, Gro-Par e Cis-platina, e era preciso deslocar rapida-mente tropas para conter as resistncias e impedir o apoio das foras portuguesas que mantinham navios no litoral. Eram necessrios meios e homens, e, o mais importante, recursos para mant-los. Na subscrio pblica que criou a Armada Nacional e Imperial, foram comprados navios e contratados marinheiros.

    Nesse perodo, a Europa vivia relativa paz com o fim das Guerras Napolenicas e, no Reino unido, oficiais experientes foram dispensados, ficando disponveis para serem contratados por novas naes que, como o Brasil, lutavam por sua in-dependncia. Sob o comando de Lorde Cochrane, a Esquadra brasileira elimi-nou os focos de resistncia ao novo go-verno, garantindo a independncia. Isso permitiu ao Imperador concentrar seus esforos na institucionalizao do Pas, o que fez ao convocar a Assembleia que deveria elaborar a primeira Constituio do Imprio, em 1824, e ao reorganizar o Ministrio da Marinha para se preparar para os novos desafios da nao.

    Construindo o PoderNaval brasileiro

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    O desenvolvimento do Poder Naval

    A construo naval e a capacidade de reparo de embarcaes um importante fator para a consolidao do Poder Naval. No Brasil, a construo de embarcaes de grande porte s se tornou sistemtica com a criao do Arsenal Real da Ma-rinha, em 1763, no Rio de Janeiro, que viria a se chamar, posteriormente, Ar-senal de Marinha da Corte.

    A primeira nau construda no Arsenal Real, chamada So Sebastio, ficou pronta em 1767 e serviu Armada por-tuguesa durante muitos anos. Aps a sua construo, o Arsenal passou a realizar atividades de reparo e manuteno dos navios da Esquadra Real, que aportavam no Rio de Janeiro.

    O Arsenal de Marinha da Corte, ao longo do sculo XIX, impulsionou a constru-o naval no Brasil, propiciando, ao seu redor, o surgimento de diversos outros

    estaleiros e atividades relacionadas ao setor, que atendiam s demandas dos na-vios ancorados no porto do Rio de Janeiro e no prprio Arsenal. O aglomerado de estaleiros na Baa de Guanabara criou um sistema propcio para o fortaleci-mento de estabelecimentos comerciais, pequenas fundies e, sobretudo, de qualificao de fora de trabalho. A Ma-rinha constantemente enviava oficiais para a Europa para estudar engenharia naval, o que contribuiu para que se de-senvolvesse um sistema de inovao na indstria de construo do setor.

    Assim, os efeitos das revolues indus-triais, que trouxeram Europa a mquina a vapor e o ao, logo foram sentidos no setor naval brasileiro, mesmo antes da consolidao de uma indstria capaz de operar em larga escala. No meio na-val, essas transformaes resultaram

    na substituio dos navios a vela por navios movidos a hlice, acionada por combusto, e nos navios encouraados.

    Em funo da participao brasileira na Guerra do Paraguai (1864-1870), por exem-plo, teve incio um grande programa de construo naval no Arsenal de Marinha da Corte, o que resultou em diversos novos meios, armamentos e instrumentos. At ento, a Marinha era dotada de embar-caes ocenicas, capazes de percorrer o longo litoral. Mas a guerra desenrolou-se em ambiente ribeirinho, o que deman-dava meios distintos. Alm de trs navios encouraados, Tamandar, Barroso e Riachuelo, investiu-se na construo de navios de pequeno porte, os monitores. Construdas s pressas, essas embarca-es supriram a necessidade urgente de navegao fluvial. Na mesma poca, tam-bm se recorreu aquisio de meios da

    Frana e da Inglaterra, como pequenos navios encouraados, navios-transporte e canhoneiras.

    A Guerra do Paraguai representou um enorme esforo da Marinha em otimizar o desenvolvimento de seu Poder Naval. Mesmo com o fim da guerra, foram pro-duzidos, de 1870 a 1890, 15 navios para guarnecer as foras navais como o Cruzador Tamandar, que ficou pronto em 1893 e adquiridas importantes em-barcaes do exterior, como os encou-raados Riachuelo e Aquidab. No perodo de paz, no entanto, os navios pouco se deslocavam, ficando muito tempo sem operar. Como parte do esforo para mant-los operantes, foi criada, em 1882, a Esquadra de Evolues, uti-lizando todos os navios do porto do Rio de Janeiro, que estivessem em condies para isso, na realizao de exerccios de

    defesa. At 1885, quando foi dissolvida, a Esquadra de Evolues manteve uma intensa atividade realizou manobras e exerccios que incluram o lanamento de torpedos e tiros de artilharia.

    Contudo, no contexto da ecloso do movimento militar que implantou a Repblica no Brasil, em 1889, a ento Armada Nacional no recebia os inves-timentos necessrios. Somou-se a isso o fato de o Pas viver uma intensa crise econmico-financeira, que comprome-teu a capacidade de manuteno naval e o investimento em pessoal.

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    Questo Christie

    Em 1861, o veleiro britnico Prince of Wales encalhou na costa do Rio Grande do Sul, teve sua carga saqueada e mem-bros de sua tripulao mortos sem que fosse apresentada qualquer explicao. O Embaixador britnico William Christie exigiu do Imperador brasileiro um pedido formal de desculpas e uma indenizao pelos danos, o que no foi atendido. No ano seguinte, dois integrantes da Mari-nha Real Britnica, supostamente em-briagados, se envolveram em uma briga com marinheiros brasileiros no Rio de Janeiro e foram presos por policiais. Em-bora todos os ingleses residentes do Brasil fossem, poca, julgados pela justia de seu prprio pas, o Imperador pediu para que os marinheiros britnicos tivessem um julgamento local, o que, alm de ter sido negado, acirrou o desgosto do Em-baixador Christie.

    A combinao desses dois episdios gerou uma crise internacional, que culminou com o corte das relaes entre os dois pases. Em 1862, uma esquadra britnica bloqueou o porto do Rio de Janeiro, apreendeu cinco navios da marinha mercante e exigiu a indenizao pelos prejuzos causados no caso do Prince of Wales e a punio dos responsveis pela priso do marinheiros. A resposta de D. Pedro II, que recebeu am-plo apoio da sociedade civil, foi levantar as mesmas exigncias que os ingleses e se preparar para uma possvel guerra. A questo teve de ser arbitrada pelo Rei Le-opoldo I, da Blgica.

    Surpreendentemente, o Rei belga advogou pelo Brasil. Acreditando que a deciso seria favorvel Inglaterra, no entanto, D. Pedro II j havia pagado a indeniza-o, que nunca foi ressarcida. O pedido de desculpas da Inglaterra veio apenas dois anos depois.

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    A Guerra do Paraguai

    Consolidada a Independncia, o primeiro grande desafio in-ternacional enfrentado pela Armada Imperial foi a Guerra do Paraguai, maior conflito ocorrido na Amrica do Sul, opondo, de um lado, a Trplice Aliana, formada por Argentina, Bra-sil e uruguai e, do outro, o Paraguai. O conflito comeou em 1864, com a invaso da provncia do Mato Grosso por tropas paraguaias, sob as ordens do Presidente Francisco Solano Lopez, e se estendeu at 1870.

    Como a Bacia Platina no tinha estradas, o Imprio necessi-tava da livre navegao pelos rios Paran, Paraguai e uru-guai, para acessar o sudoeste da provncia de Mato Grosso e o oeste das provncias do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paran. A invaso de Mato Grosso foi uma ao militar secundria. O principal teatro de operaes da Guerra do Pa-raguai foi o baixo e o mdio cursos dos rios Paraguai, Paran e uruguai. Quem dominasse os rios, ganharia a guerra da a importncia da Batalha do Riachuelo.

    A Esquadra brasileira iniciou a guerra com 45 navios armados, entre embarcaes a vela e de propulso mista a vela e a vapor. As embarcaes, no entanto, no eram adequadas para operar nas condies de navegabilidade restrita e de guas pouco profundas, como as dos rios Paran e Paraguai. Alm do perigo de encalhe, os navios possuam casco de madeira, vulnerveis artilharia posicionada nas margens. A Esquadra paraguaia, por sua vez, possua 32 navios, incluindo embar-caes do Brasil e da Argentina retidas no incio da guerra, mas apenas um, o Taquari, podia ser considerado um na-vio de guerra. Diante da necessidade de equipamentos mais eficientes, os paraguaios desenvolveram embarcaes com um fundo achatado as chatas , sem propulso, equipadas com um canho de seis polegadas de calibre. Como a borda dessa embarcao ficava prxima da linha dgua, apenas a boca do canho ficava vista. Alm disso, construram um

    forte esquema de artilharia nas margens dos rios, posicio-nando tropas de infantaria para dificultar a passagem das embarcaes inimigas.

    Com o avano das tropas paraguaias em Corrientes, na Argen-tina, o Vice-Almirante e Comandante-em-Chefe da Esquadra Imperial, Joaquim Marques Lisboa, Visconde de Tamandar, determinou o bloqueio do rio Paraguai.

    No dia 11 de junho de 1865, a Fora Naval brasileira, coman-dada pelo Almirante Francisco Manuel Barroso da Silva estava fundeada no rio Paran, pronta para o combate. A Esquadra paraguaia, comandada pelo Capito-de-Fragata Pedro Igncio Mezza, rebocava seis chatas com canhes para aumentar seu poder de fogo. Suas foras ocuparam a ponta de Santa Catalina, prxima foz do rio Riachuelo, afluente do rio Paraguai.

    A Batalha foi iniciada pela manh, sob o fogo da artilharia situada s margens. O Almirante Barroso teve a iniciativa de investir com seu Capitnia, a Fragata Amazonas, contra os navios paraguaios, usando-a como um arete, inspirado na estratgia naval usada por Roma contra Cartago, nas Guerras Pnicas. A manobra inesperada surtiu resultado, e a Esqua-dra brasileira infrigiu, ainda no primeiro ano de guerra, uma pesada derrota aos paraguaios. Ainda que a Guerra tenha se estendido at 1870, a atuao da Esquadra e de seus homens foi decisiva na definio do conflito. Ao final da Batalha do Riachuelo, a Esquadra paraguaia estava praticamente ani-quilada, e as rotas de recebimento de armamentos do exte-rior, bloqueadas.

    A Batalha do Riachuelo significou a consolidao do Poder Naval brasileiro como parcela fundamental de seu Poder Martimo. O 11 de Junho passou a ser a data magna da Ma-rinha do Brasil.

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    Novos desafios da nao moderna

    No incio do sculo XX, quando Campos Sales assumiu a Presidncia (1898-1902), tomou uma srie de medidas para o sane-amento financeiro do Brasil. O processo de recuperao econmica trouxe esperanas de prosperidade. No contexto de transio, havia apenas uma ameaa: o estado de ten-so que se constitua entre a Argentina e o Chile em relao s regies da Patagnia, do Estreito de Magalhes e da Terra do Fogo. Enquanto os pases vizinhos investiam no poder naval, a Marinha do Brasil ainda se recuperava dos desafios dos conflitos inter-nos e externos que havia enfrentado desde a Independncia.

    Em 1904, o deputado Laurindo Pita apre-sentou, no Congresso Nacional, a proposta de um poderoso Programa Naval, que refle-tia concepes estratgicas relacionadas ao poder combatente da Esquadra. Concebido pelo Almirante Jlio de Noronha, ento Ministro da Marinha, o programa previa a construo de trs encouraados, trs cruzadores-encouraados, seis contrator-pedeiros, seis torpedeiros de alto mar, seis torpedeiros de porto, trs submersveis, um navio carvoeiro e um arsenal terrestre. Dois anos mais tarde, em 1906, o novo Ministro, Almirante Alexandrino de Alencar, em parceria com o Ministro do Exterior, Baro do Rio Branco, fez alteraes significativas nas demandas explicitadas no programa.

    No ano anterior, a Batalha de Tsushima, travada entre a Rssia e o Japo, havia demonstrado mundialmente que o calibre dos canhes e a maior cadncia de tiro prevaleceriam frente s couraas dos na-vios, isto , fez valer o maior poder de fogo naval. As novas mudanas empreendidas no programa de 1906 visavam mais do que dotar a Marinha de poder regional na Amrica do Sul; tinham o objetivo de co-locar o Pas ao lado das naes mais avan-adas do mundo, possibilitando projeo internacional. Sob influncia dos ensina-mentos de Tsushima, foi dada nfase aos

    calibres e maior quantidade de canhes. Os cruzadores-encouraados foram subs-titudos por pequenos cruzadores e foram escolhidos contratorpedeiros dotados de maior deslocamento e em maior nmero. As embarcaes compreendidas eram trs encouraados Dreadnought da Inglaterra o Minas Gerais, o So Paulo e o Rio de Janeiro (este no chegou a ser entregue), cuja pesada blindagem representava enorme diferencial militar, trs cruzadores Scouts, dez contratorpedeiros e trs submersveis.

    Embora o Programa Naval do Almirante Alexandrino no tenha sido aplicado por completo, possibilitou Marinha destaque no cenrio internacional. Por causa dele, em 1910, tornou-se a terceira maior Marinha do mundo em tonelagem. Quando eclodiram as guerras mundiais que envolveriam as principais naes do mundo, o Pas estava preparado para defender seu territrio e pde prestar apoio aos envolvidos.

    A Primeira Guerra Mundial teve incio em 1914, mesmo ano em que chegou o primeiro submersvel encomendado Itlia a partir do Programa Naval do Almirante Alexan-drino. O Brasil procurou manter-se neutro em um primeiro momento, apesar de boa parte da opinio pblica ter simpatia pelos pases Aliados (Frana, Rssia e Gr-Bre-tanha). Inicialmente, a atuao brasileira no conflito se restringiu a prestar auxlio aos aliados com gneros e transporte ma-rtimo. Em 1918, no entanto, a campanha submarina alem atingiu navios mercantes brasileiros, e o Pas assumiu o compromisso de enviar uma Fora Naval para patrulhar a costa africana entre Dakar e Gibraltar. um dos maiores desafios enfrentados foi a gripe espanhola, que se alastrou por Dakar dificultando muito a operao. A doena fez 176 vtimas fatais.

    A atuao do Brasil na Segunda Guerra foi mais ampla. Em agosto de 1942, navios mercantes brasileiros foram atacados em

    guas nacionais, o que motivou a declara-o de guerra e o envolvimento no conflito mundial. A Marinha do Brasil participou, ento, da srie de operaes realizadas no Atlntico Sul, atuando na defesa dos portos, no patrulhamento ocenico e na escolta de comboios martimos, de forma isolada ou integrando a 4 Esquadra americana.

    Durante a Segunda Guerra Mundial, a Marinha incorporou caas-submarino e contratorpedeiros comprados dos Estados unidos pelo Lend and Lease Act,5 espe-cializados em guerra antissubmarino e proteo de comboios, e adaptou diversas embarcaes para o mesmo fim. O Rio de Janeiro foi protegido por uma rede de ao antissubmarino colocada entre a Ilha de Villegagnon e a Praia de Boa Viagem, em Niteri, alm de minas flutuantes lana-das e recolhidas a partir da Fortaleza de Santa Cruz.

    Em funo das intensas atividades realiza-das durante a guerra, como adestramentos, destruio de minas, salvamentos e aes de escolta e proteo, a Marinha teve um grande salto qualitativo em sua doutrina nos campos de organizao, equipamento, formao e operaes, atuando em ao conjunta com o Exrcito e a Aeronutica.

    As evolues que ocorreram no campo naval, na primeira metade do sculo XX, foram de grande importncia para que o Pas tomasse conhecimento do grau de de-senvolvimento tcnico e das ameaas que poderia vir a enfrentar dali para a frente, a partir do mar. A insero do Brasil em con-flitos internacionais de grandes propores reforou a importncia do Poder Naval como um brao fundamental da poltica externa da nao. Todas as transformaes da de-correntes foram essenciais para impulsio-nar o Pas em direo ao aprimoramento e ao reforo de seu prprio Poder Naval, de modo a deix-lo altura da necessidade de defesa do Pas.

    5 A Lei de Emprstimos e Arrendamentos foi o instrumento pelo qual os Estados unidos forneceram emprstimos a algumas naes aliadas para a compra de armas e outros suprimentos durante a Segunda Guerra Mundial.

    Diretrizes para a defesa do Brasil

    Segundo a Estratgia Nacional de Defesa, a tarefa de negao do uso do mar ao inimigo , hoje, prioritria, organiza a estratgia de defesa martima brasileira e direciona a con-figurao de nosso Poder Naval. Consiste em dificultar ou impedir que um oponente seja capaz de acessar ou controlar determi-nada rea martima e o principal meio para realizar essa tarefa o submarino.

    Com sua capacidade de ocultao, pode estar sempre presente, sem ser detectado,

    em guas brasileiras ou controladas pelo inimigo, e constitui uma ameaa constante para qualquer fora que cruze a rea mar-tima de interesse. O seu desenvolvimento como arma de guerra, no entanto, teve uma longa histria, repleta de desafios, sempre envolvidos numa aura de mistrio e poder. No Brasil, essa trajetria vem acompa-nhando a histria do desenvolvimento do Pas em dilogo constante, porm silencioso, com as demandas da nao.

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    o valor militar que justifica o submarino e define sua importncia como arma de guerra.Tenente Engenheiro Naval Emlio Julio Hess

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    O imaginrio ea potica dos

    submarinos

    A alma da arma

    O submarino uma arma envolta numa aura de mist-rio. Ao longo de sculos e ao redor do mundo, foram inmeras as tentativas de conferir valor militar sua concepo. O resultado foi uma mquina com caractersticas intrnsecas de ocultao, relativa autonomia, mobilidade tri-dimensional, capacidade de deteco passiva e enorme poder de destruio. Aliado a um extraordinrio grau de ofensivi-dade, cada submarino possui uma alma pulsante, formada por homens valentes, que, pela convivncia intensa, desen-volvem um companheirismo nico que lhes forja o carter. A audcia e camaradagem desses marinheiros fazem, mais do que qualquer recurso tecnolgico, a fora dos submarinos.

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    Breve histrico doemprego de submarinos

    uma embarcao que pudesse submer-gir na gua fazia parte do imaginrio humano desde, pelo menos, o perodo do Renascimento, quando Leonardo Da Vinci fez os primeiros desenhos de um submersvel muito embora existam lendas contando que, em torno de 332 a.C., Alexandre, o Grande, tenha mergu-lhado em um barril de vidro para estudar a vida marinha. Como arquiteto militar de Veneza, a proposta de Da Vinci era a de um engenho que, submerso, pudesse afundar outros navios.

    Esses primeiros projetos permaneceram escondidos durante muito tempo e no pareciam ter paralelos com a mecnica conhecida naquele perodo. A primeira vez em que, de fato, foram publicados estudos complexos sobre o tema foi em 1578, no livro Inventions or Devises, do matem-tico ingls William Bourne. Nesta obra, Bourne descreve o princpio segundo o qual, a partir da alterao do volume da embarcao, ela poderia submergir e re-tornar superfcie. No entanto, foi apenas em torno de 1620 que o holands Corne-lius van Drebbel, inventor da Corte de Jaime I da Inglaterra, construiria o pri-meiro barco capaz de submergir, movido propulso de 12 remadores. No se sabe ao certo como era feita a circulao de ar dentro do Drebbel I, tampouco como eram estruturados os remos para impe-dir a entrada da gua, mas o invento era coberto de couro untado e havia relatos de ao menos uma viagem pelo Tmisa.

    Ainda no sculo XVII, o padre francs Marin Mersenne teorizou a respeito dos

    materiais e formas necessrias para que um submersvel funcionasse adequada-mente sob presso: ele deveria ser de co-bre e ter o formato cilndrico. Durante a primeira Guerra Anglo-Holandesa (1652-1654), o francs Louis de Son construiu um semissubmersvel especialmente para atacar os navios ingleses sem ser visto: o Rotterdam Boat. Porm, tudo indica que o barco se mostrou impossvel de mano-brar. At o sculo XIX, houve pouco pro-gresso no aperfeioamento desse tipo de embarcao, embora estudos e prottipos similares tenham surgido em diversos locais da Europa.

    A Revoluo Industrial (1760-1780) co-locou em cena uma srie de progressos, como a inveno da mquina a vapor, a mecanizao da indstria e o desen-volvimento dos sistemas de transporte e comunicao, que diminuram as dis-tncias do mundo.

    O primeiro submersvel com capacidade de ataque foi criado justamente nesse pe-rodo, durante a Guerra de Independn-cia Americana (1776-1783). Foi projetado e construdo pelo ento aluno da uni-versidade de Yale, David Bushnell, que se dedicava tambm a estudar a criao de torpedos submarinos. Embora se cha-masse Turtle, tinha o formato de uma noz e era pilotado manualmente por apenas uma pessoa, a qual deveria manejar uma complexa combinao de manivelas que o moviam vertical e horizontalmente. Era feito de madeira de carvalho, e funcio-nava a partir de um compartimento que era inundado por meio de uma abertura

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    operada por uma vlvula para submergir, havendo tambm uma espcie de conduto para a circulao do ar. Para atacar, deveria se colocar abaixo do navio inimigo e fixar em seu casco um torpedo acionado por um fusvel-relgio, o que permitia ao Turtle fugir antes da exploso. O nico ataque aconteceu em 1776, provavelmente ao navio britnico Eagle, mas a opera-o no foi bem-sucedida.

    Do outro lado do Atlntico, um engenheiro e inventor americano residente em Paris, Robert Fulton, props a Napoleo a cons-truo de um submersvel para afundar os navios britnicos. O Nautilus foi construdo entre 1800 e 1801, e trouxe consigo duas importantes inovaes: o formato cilndrico feito em co-bre e ferro, com uma estrutura de lemes horizontais e verticais e uma garrafa de ar comprimido que permitia um suprimento de cinco horas de oxignio. O Nautilus tambm era movido a manivela, como o Turtle, mas tinha um enorme mastro para navegar na superfcie, o que o tornava nada invisvel aos ini-migos. Por isso, acabou sendo rejeitado pelos franceses, o que levou Fulton a se voltar para a Inglaterra. Entretanto, apesar dos testes bem-sucedidos, a Marinha Real Britnica no apoiou seu projeto, e o Nautilus foi abandonado.

    O sucesso no emprego dos submersveis como arma de guerra s ocorreu durante a Guerra de Secesso Americana (1861-1865). Ambos os lados do confronto construram seus prottipos, que variaram da propulso a remo at motores elementares a combusto, mas coube aos Estados Confederados do Sul, em 1864, com o submersvel Hunley, a faanha de destruir o navio Housatonic no que foi o primeiro xito em ataque de um submersvel. O Hunley, a quarta embarcao construda por um consrcio liderado pelo empresrio de algodo Ho-race Hunley, era armado com um lana-torpedos. O primeiro submersvel a concluir um ataque no sobreviveu ao.

    Apenas na virada do sculo XX, graas s inovaes tecnolgi-cas da Segunda Revoluo Industrial como o motor, a bateria eltrica, a combusto interna, o uso do ao como matria-prima, bem como a automatizao de mquinas de diversos tipos , foi possvel construir o navio precursor dos atuais submari-nos. Aps anos de pesquisas e experincias, coube ao irlands John Phillip Holland, radicado nos Estados unidos e conhecido como pai do submarino moderno, a criao do submersvel que serviria de exemplo e modelo durante os 50 anos seguintes: a classe Holland. Os submersveis desse tipo possuam um casco fusiforme e circular, cmaras de fundo duplo de lastro lquido, dois tanques de lastro nas extremidades da proa e da popa para equilibr-las quando imersas, lemes horizontais localizados na popa, complementados, s vezes, com mais dois pares localiza-dos na proa e com reserva de flutuabilidade de 13 a 25%.

    Da em diante, diversos pases se empenharam na construo de submersveis. Em 1914, ao eclodir a Primeira Guerra Mundial, a Inglaterra j tinha a maior frota de submarinos do mundo, com 74 embarcaes em servio, 31 em construo e mais 14 sendo projetadas. A Frana, pioneira na construo de submarinos com motor a diesel para propulso de superfcie e motor eltrico para operaes submersas, possua 62 em servio e nove em construo. A Rssia contava com 48 embarcaes, enquanto a Alemanha tinha 28 em servio e 17 sendo construdas, Estados unidos, Itlia, Japo e ustria somavam, respectivamente, 30, 21, 13 e seis em servio, e dez, sete, trs e duas em construo.

    Esses primeiros submersveis modernos ainda atingiam baixa velocidade e possuam pouca capacidade de manobra quando submersos, precisando emergir para atacar. No h unanimi-dade quanto ao momento e s caractersticas que fizeram com que esses navios, sobretudo a partir da Segunda Guerra Mun-dial, passassem a se chamar submarinos, e em alguns idiomas dificilmente se encontrar essa distino.

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    O emprego da arma

    Em uma poca em que uma marinha era valorizada pelo seu ta-manho e pelo poderio de seus navios, o submarino surgiu como arma ultrajante e desonrosa. O ataque quase invisvel, incapaz de graduar fora, era tido como digno de naes mais fracas. Po-rm, durante a Primeira Guerra, a Alemanha o empregou estra-tegicamente, em apoio Esquadra. O modelo U-Boat6 possua 139 ps de comprimento, deslocava 239 toneladas, tinha uma velocidade de superfcie de 11 ns e uma velocidade submersa de nove ns. Essas potentes mquinas furaram o bloqueio im-posto pela Inglaterra, fazendo com que a marinha inglesa per-desse o domnio do Mar do Norte. O submarino teve, ento, sua efetividade comprovada.

    A viso do submarino como ameaa se consolidou de tal modo que a Inglaterra, dona da maior esquadra do mundo, tentou proibir sua construo por outras naes. No entanto, apesar das regras impostas para o controle de armas, o uso do sub-marino se ampliou e muitas marinhas do mundo o adotaram, inclusive a do Brasil. O motor a diesel, combinado com o motor eltrico, passou a ser o padro empregado.

    A Segunda Guerra Mundial marcou o emprego extensivo de submarinos, que ia desde o treinamento de foras antissub-marino at a defesa de costa, alm de diversas operaes de oposio aos submarinos do Eixo. O esnrquel um sistema de admisso de ar e descarga de gases em imerso, que tornava possvel a recarga das baterias sem necessidade de voltar superfcie aparece como um dos principais avanos tecno-lgicos que tornava o submarino independente da navegao na superfcie, alcanando plenamente seu propsito.

    6 Abreviao para Unterseeboot que, em alemo, significa barco debaixo de gua.

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    Os primrdios dos submarinos no Brasil

    Na virada do sculo XIX para o XX, o Brasil era uma jovem Repblica, cuja ori-gem colonial, ainda bastante prxima, o deixava um pouco margem dos grandes avanos percebidos a partir da Segunda Revoluo Industrial, que tanto impulsio-naram a cincia e a tecnologia. O Brasil, Pas majoritariamente rural, vivia uma grave crise financeira e ainda precisava viver sua prpria Revoluo Industrial para que pudesse ser reconhecido ao lado das grandes naes civilizadas no mundo. Em 1898, Campos Salles assumiu a pre-sidncia, impondo uma srie de medidas em busca de estabilizao poltica e de crescimento econmico, gerando um ciclo de prosperidade que impulsionou diver-sos setores, sobretudo o naval.

    Nesse perodo, as principais teorias de estratgia naval defendiam a aquisio de grandes encouraados de ao e atribu-am pouca importncia aos submersveis. Isso no impediu que alguns oficiais da Marinha do Brasil se dedicassem apai-xonadamente pesquisa e construo de prottipos, ao mesmo tempo em que as principais Marinhas do mundo in-vestiam para dotar suas Armadas deste instrumento de guerra.

    Desde 1891, o ento Tenente Filinto Perry promovia uma campanha naval para aquisio de submersveis para o Brasil. Suas publicaes na imprensa trouxeram o assunto para o centro do debate sobre o reaparelhamento naval da poca, des-pertando o interesse da Marinha, da Di-plomacia e do Senado brasileiro. Alguns

    oficiais defendiam a aquisio de submer-sveis para a Marinha de Guerra e sua incluso no programa de aparelhamento.

    Durante quase duas dcadas, Lus Jacinto Gomes, Oficial-de-Marinha, desenvolveu um projeto de submarino. Seus modelos foram testados e tiveram um sucesso to grande que, em 1901, a Marinha autorizou a construo de um prottipo no Arsenal de Marinha. A falta de verbas, no entanto, im-possibilitou sua realizao. No mesmo ano, o ex-Oficial Lus de Mello Marques cons-truiu um modelo de submarino Holland modificado. Contudo, o projeto mais notvel foi o do ento Tenente Engenheiro Naval Emlio Jlio Hess, que, com um aguado raciocnio militar, se empenhou na aplica-o eficiente do submarino como arma de guerra. Sua principal inovao foi a Caldeira Hess, uma tecnologia para motor a vapor que unificava os modos de navegao em superfcie e em imerso. O projeto do sub-mersvel Hess foi aceito pela Marinha em 1905 e interessou a consrcios internacio-nais, mas como seus precursores, tambm no foi concludo.

    Apenas em 1914 o Brasil entrou no grupo dos pases capazes de operar a nova tec-nologia, com a chegada dos primeiros submersveis encomendados Itlia, em meio a um grande Programa de Construo Naval que, desde 1904, vinha fortalecendo o Poder Naval do Pas. Ao longo do sculo seguinte, a nova arma impulsionaria uma srie de transformaes na estrutura da Marinha brasileira, silenciosamente for-talecendo o desenvolvimento nacional.

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    O imaginrio e a potica da vida submersa

    Ao navegarem invisveis e silenciosos, os submarinos so os meios indicados para negar aos inimigos o uso do mar e, com isso, uma das mais poderosas armas do mundo contemporneo. Para fazer frente a um nico submarino, preciso reunir uma fora composta de unidades em n-mero e capacidade que assegurem grau de proteo aceitvel.

    rico o imaginrio em torno dos sub-marinos. A perspectiva de no ser visto e poder, portanto, estar em qualquer lu-gar, aliada habilidade de se mostrar somente quando necessrio, contribuem para envolv-los em uma aura de mistrio e temor. Para alm de sua capacidade de destruio, a mera possibilidade da pre-sena de um submarino basta para evitar um conflito e promover a paz.

    Se o imaginrio rico, a operao ex-tremamente complexa e pressupe uma estrutura madura e eficaz para adminis-tr-la. um pas que domine tecnologia e capacidade de projetar e construir uma arma desse porte pressupe uma indstria capaz de forjar materiais pesados e lidar com tecnologias caras e especializadas; ou seja, a existncia de um Poder Naval forte e estruturado. Mas, alm disso, preciso ter tcnicos das mais diversas especiali-dades, equipes e meios de resgate, salva-mento e socorro, mdicos habilitados com infraestrutura adequada ao tratamento em condies particulares, a capacidade de levar a cabo operaes especiais e contar, sobretudo, com apoio logstico; tudo fun-cionando segundo slida doutrina.

    Atrs da arma esto, portanto, pessoas. So elas que operam, apoiam e asseguram o funcionamento de todos os sistemas empregados nos submarinos. A opera-o submersa um risco constante e, por isso, a coeso do grupo fundamental. A conduo dessas armas extremamente complexa e cada elemento de uma tripu-lao tem um papel a cumprir para seu bom andamento do marujo respons-vel pela manobra da vlvula correta ao cozinheiro que zela pelo bem estar do grupo; do Comandante, que idealiza a operao, ao Oficial que participa de sua conduo. Qualquer erro pode ser fatal e preciso muito preparo e sintonia para orquestrar a sinfonia silenciosa que um submarino no mar.

    Os submarinos reinam onde poucas ou-tras mquinas podem operar: nas pro-fundezas dos oceanos. na escurido abaixo dgua, onde a ausncia de viso compensada pelos mais diversos instru-mentos, que eles apresentam sua melhor performance. Submersos, so invisveis; a discrio sua maior fora. S podem ser detectados por sonares e possuem comunicao seletiva com o mundo ex-terior. So concebidos para permanecer assim por longos perodos, nos quais dia e noite se confundem, e o cotidiano dos tripulantes balizado pelos turnos de trabalho e pelas refeies, sempre em prontido e atentos sobrevivncia e ao bem estar do grupo. Se a vida em confi-namento e a ateno constante impem regras de convivncia bastante duras,

    elas fortalecem o esprito de equipe des-ses homens treinados para a escurido. Os submarinistas possuem um esprito de camaradagem que pauta seu com-portamento e sua tica, mesmo fora do mar. So conhecidos por sua franqueza, pelo zelo que tm uns pelos outros so prximos e amigos, conhecem-se pelo nome, sabem de suas foras e fraquezas e, mais ainda, pela vocao.

    Ao transformar o submarino em um espao de convvio, a tripulao passa a realizar, paralelamente s atividades operacionais, suas prticas navais, cul-turais e religiosas. A motivao um elemento crucial para manter a coeso e a confiana do grupo e trabalhada e estimulada atravs da tradio naval. Os cascos de ao guardam a valentia e a coragem de homens cuja paixo pelo ofcio empresta s mquinas seus valores e caractersticas. O amor pela profisso o que os une na distncia das famlias e do conforto do lar, na coragem frente s adversidades e na gana de superao.

    A vida submersa traz consigo uma po-tica particular, que mistura confiana, cumplicidade, dedicao e fora, con-tagiando seu entorno. Entre o fascnio pelo trabalho e as adversidades que en-frentam os submarinistas, cria-se uma relao de identidade, intimidade e per-tencimento que os faz marinheiros at debaixo dgua, como no lema usque ad sub acquam nauta sum.

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    Todas as vezes em que mergulho num assunto refe-rente Fora de Submarinos, seja envolvendo seus meios navais, ou mesmo as organizaes subordina-das, move-me um sentimento de profundas saudades. Os anos dos quais desfrutei na honrosa carreira que escolhi ora embarcado, comandando, servindo na Base Almirante Castro e Silva (BACS), no Estado-Maior, como instrutor, ou nos cursos e comisses realizadas na US Navy e na Royal Navy trazem-me belas recordaes, que me inspiram a usar novamente os imaculados uniformes que tive o orgulho de vestir por mais de 45 anos.

    Sem dvida alguma, o submarino, como elemento surpresa, uma poderosa arma de guerra. uma de suas principais tare-fas negar ao inimigo o uso do mar. Embora a nossa Fora de Submarinos no possua, atualmente, todos os meios de que precisaria para enfrentar, simultaneamente, as vrias mis-ses que lhes so pertinentes, eu diria que ela muito rica em exemplos e tradies, dentre os quais se destaca a constante dedicao s suas causas. dessa forma que costumo defini-la.

    A Fora sempre foi e ser da maior importncia para o nosso Poder Naval. Estou seguro de que este componente da Es-quadra vem sendo sustentado, ao longo dos anos, por um arraigado esprito de corpo bastante especial, mesmo em situaes difceis. Seus servidores, oficiais e subalternos, tm a ventura de pertencer, sem qualquer modstia, a uma das elites da nossa Marinha.

    Vejo a tripulao de um submarino podendo ser comparada a um time no qual seus jogadores no devem falhar. Em outras palavras, o sucesso de um submarino depende fundamen-talmente do trabalho em equipe, cujo aprendizado deve ser constantemente aprimorado e atualizado. Cada exerccio, cada manobra, pode comprometer a segurana ou mesmo custar a

    vida de uma tripulao, caso no sejam executados com pre-ciso. Tudo isso inspira uma grande confiana naqueles que so adestrados, treinados para desempenhar as complexas e diversas fainas e atividades. A segurana, enfatizo, tem sem-pre prioridade em quaisquer circunstncias.

    Poderamos dizer que da surgem as diferenas que distinguem os homens treinados para operar submarinos, muito embora no se considerem melhores nem piores que seus colegas e companheiros de superfcie. Sendo diferentes e tendo se en-gajado na Fora como voluntrios, vibram com muita intensi-dade em todas as manobras ou fainas que porventura realizem e, vivendo num ambiente fechado, confinado, durante longos perodos de tempo, sobressai uma forte unio entre eles. Desta forma, suas amizades parecem ser eternas e o companheirismo torna-se sensacional.

    Por outro lado, comportam-se com marcante cuidado e pro-fundo respeito, sempre demonstrando entusiasmo, coragem, tenacidade, audcia e habilidade para contornar as dificul-dades e os desafios com os quais eventualmente se deparam.

    Por tudo isso, os que esto servindo ou iro servir em Mo-cangu Grande devero manter aquele especial esprito de corpo e, confiantes num futuro promissor para a Marinha do Brasil, enorme dedicao. Devero visar constantemente o engrandecimento, sobretudo frente incorporao do pri-meiro submarino de propulso nuclear, desde h muito uma das principais aspiraes do Pas.

    Este ano um momento de jbilo, quando se comemora o Centenrio da Fora de Submarinos. Nesta ocasio, tambm devem ser lembrados aqueles que motivaram as Autoridades Navais do passado a decidirem pela criao desse to necess-rio e importante componente da Marinha: Emilio Hess, Mello Marques e Jacinto Gomes.

    Almirante-de-Esquadra

    Alfredo Karam

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    Nunca engenho de destruio fez dar ao homem mais largo passo para os seus ideais de civilizao.Almirante Filinto Perry

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    O Brasil entrandono contexto mundial

    Embora a maior parte da populao brasileira, no incio do sculo XX, vivesse nos campos, as elites intelec-tuais e polticas sempre mantiveram intensa troca de conhecimento e experincias com o resto do mundo. Tradi-cionalmente, eram enviadas para estudar nas grandes uni-versidades europeias e muitas vezes se mantinham mais pr-ximas das discusses e debates ambientados na Frana ou na Inglaterra, por exemplo, do que no interior do Brasil. Assim, no de se admirar que brasileiros tenham, desde o final do XIX, dedicado-se a desvendar os mistrios da construo e da operao de embarcaes que pudessem submergir, em sintonia com as mais modernas teorias em desenvolvimento ao redor do mundo.

    O Brasil, ansioso por finalmente tomar parte no grupo das naes ditas modernas, empreende uma srie de transfor-maes para fortalecer sua economia e, com ela, assumir um papel de maior destaque no mundo. A deciso de dotar o Pas com submarinos se deu nesse contexto. Ao longo do sculo, o uso do submarino se consolidou e se desenvolveu, prestando valiosos servios nao e confundindo-se com a histria de seu progresso.

    A Fora de Submarinos do Brasil

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    Da criao da Flotilha deSubmersveis Flotilha de Submarinos

    Os primeiros submersveis chegaram ao Brasil em 1914, no mbito de programas que vinham, desde 1904, aparelhando a Marinha para resolver o problema do atraso tecnolgico vivido pelo Poder Na-val desde o final do sculo XIX.

    As embarcaes foram encomendadas ao estaleiro Fiat San Giorgio, em La Spezia, Itlia. Em 1911, o Capito-de-Corveta Filinto Perry foi nomeado chefe da subcomisso que deveria fiscalizar a construo dos trs submersveis que seriam trazidos para o Brasil, bem como estudar capaci-dades e os procedimentos relacionados ao emprego dos novos navios. Afinal, no bastava encomendar as novas armas, era preciso saber oper-las. No dia 11 de ju-nho de 1913, Perry participou, na Itlia, da cerimnia de entrega do primeiro desses submersveis, o F1, que chegou ao Brasil transportado pelo navio francs, Kan-garoo, especialmente construdo para transporte de submarinos por grandes distncias. Os outros F como ficaram conhecidos os outros submersveis da classe Foca , F3 e F5, s chegaram ao Brasil no ano seguinte.

    Assim, em 17 de julho de 1914, foi criada a Flotilha de Submersveis, comandada por Filinto Perry, subordinada ao Comando da Defesa Mvel e sediada na Ilha de Mocangu Grande, em Niteri. Com sua criao, iniciaram-se os preparativos para tambm fundar a Escola de Submersveis, que formou a primeira turma de oficiais submarinistas em 1915.

    Os F eram submersveis costeiros, de defesa do porto, com 370 toneladas, movi-dos a propulso diesel-eltrica, munidos com dois tubos de torpedos. Eles submer-giam cerca de 40 metros, navegavam a at nove ns quando mergulhados e atu-aram, principalmente, no treinamento e no adestramento das tripulaes, alm de participarem de comisses de vigilncia e patrulhamento dos arredores do porto do Rio de Janeiro durante a Primeira Guerra Mundial.

    A fim de servir de base de apoio mvel para os submersveis, tanto para salva-mento quanto para reparos, a Flotilha incorporou, em 1917, o Tender Cear. As instalaes da Escola de Submersveis foram transferidas para o Tender, onde permaneceram at 1937. Este navio, o nico do tipo no Pas, foi construdo para permitir que os submersveis pudessem entrar pela sua popa e l permanecerem docados para testes e reparos. Contudo, no h registro de docagem de um F no interior do Cear.

    Em 1928, a Flotilha de Submersveis e a Escola de Submersveis passaram a se chamar, respectivamente, Flotilha de Sub-marinos e Escola de Submarinos, j que a Armada aguardava a chegada de um sub-marino ocenico encomendado Itlia. O Submarino-de-Esquadra Humayt era um submarino mineiro de grande porte para a poca e chegou ao Brasil em 18 de julho de 1929, aps ter cumprido uma travessia de 5.100 milhas nuticas, de La

    Spezia ao Rio de Janeiro, sem comboio ou escalas. Assim que chegou Baa de Guanabara, aps 23 dias de percurso, foi recebido por jornalistas, altos oficiais da Marinha e pelo embaixador da Itlia no Brasil, Bernardo Attolico.

    A diferena entre submersveis e sub-marinos reside na autonomia quando submersos. Embora a distino no seja to clara em outras lnguas, o termo sub-marino usado para diferenciar as em-barcaes dotadas de grande autonomia embaixo dgua. Na maioria das vezes, os submersveis mergulhavam apenas para atacar, passando a maior parte do tempo navegando na superfcie em funo da disponibilidade de ar respirvel.

    Em 1933, os F foram desativados e a Flotilha de Submarinos, extinta. Seus cascos foram afundados para servir de alicerce para o cais da Escola Naval. No entanto, o Tender Cear e o Submarino Humayt permaneceram em atividade sob a administrao do Comando da De-fesa Mvel do Porto do Rio de Janeiro, subordinado ao Chefe do Estado-Maior da Armada. Em 1937, a incorporao dos submarinos da classe Perla, tambm de origem italiana, motivou a recriao da Flotilha de Submarinos. A classe ficaria conhecida como T, em razo dos nomes de suas embarcaes: Tupy, Tymbira e Tamoyo.

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    Base Almirante Castro e Silva

    Com a chegada da Classe T, a Escola e a Flotilha foram transferidas para a Ilha das Cobras, na Baa de Guanabara. No dia 6 de maio de 1941, foi criada a Base da Flotilha de Submarinos, ainda sem sede prpria. Em 1943, comearam as obras de construo das instalaes da Base, que, trs anos depois, passaria a se chamar Base Almirante Castro e Silva (BACS), em homenagem pstuma ao Almirante Jos Machado de Castro e Silva, antigo Comandante da Flotilha de Submersveis e do Tender Cear. Concludas as obras, a BACS se instalou, em janeiro de 1947, na Ilha de Mocangu Grande. O Sub-marino Tupy foi o primeiro a atracar na nova Base.

    Durante a dcada de 1970, a BACS passou por importantes transformaes. A partir da aquisio do Humait, submarino da classe Oberon, seu cais sofreu uma ampliao. As obras tiveram incio em 1972 e o cais passou a dispor de mais de 70 metros. A construo da Ponte Pre-sidente Costa e Silva, que ligou o Rio de Janeiro a Niteri, alterou significativa-

    mente a vida da BACS, que teve que se adaptar s obras e ser urbanizada para a passagem de viaturas.

    Outro marco se deu ainda nos anos 1970, quando foi criada a Estao Naval do Rio de Janeiro, em 1977, que posteriormente mudou sua designao para Base Naval do Rio de Janeiro, na Ilha de Mocangu Pequeno. A Estao inspirou a criao do Complexo de Mocangu, cujo Plano Piloto de 1981 estabelecia a ampliao das tarefas da BACS. De reparos a ma-nuteno dos submarinos, a Base ficou tambm responsvel pelos reparos de segundo escalo de todos os navios com sede no Rio de Janeiro.

    A BACS tem a misso