Livro 3 - O Pescador de Homens

download Livro 3 - O Pescador de Homens

of 137

Transcript of Livro 3 - O Pescador de Homens

Rafael Buarque Montenegro Autor de Segundo a Sua Boa Vontade e O Desafio da F

O Pescador de Homens

Vinde aps Mim, e Eu vos farei pescadores de homens...

Publicaes O Pequenino Poeta

Montenegro, Rafael Buarque O Pescador de Homens - 1ed. - Joo Pessoa: Publicaes O Pequenino Poeta, 2010

Todos os direitos reservados, no Brasil, para Publicaes O Pequenino Poeta.

Siga-nos no Twitter: www.twiter.com/rbmontenegro Visite os nossos sites: www.jovensmv.com www.opequeninopoeta.webnode.com.br

Publicaes O Pequenino Poeta

Sumrio Agradecimentos Dedicatria O Pescador de Homens Introduo O Primeiro Chamado O Segundo Chamado Aprendendo a Pescar Desvendando os Mistrios Aprendendo a Perdoar Tempestades a Vista As Negativas de Marcelo A Verdadeira Converso Fazendo os Preparativos O Sermo de Marcelo 11 13 23 35 45 57 77 91 101 113 121 5 7

|3

AgradecimentosAgradeo a Deus pela salvao que me oferecida atravs do sacrifcio do Seu Filho Jesus na cruz. Agradeo pela inspirao a mim concedida. Ele o Supremo Autor da literatura da minha vida. Agradeo ao apstolo Pedro. Ele muito me ensinou na sua impulsividade, e principalmente com o testemunho de sua verdadeira converso as margens do mar de Tiberades. Quero, pela graa de Jesus, ter a oportunidade de agradecer pessoalmente a este discpulo, impulsivo e autosuficiente, que veio a se tornar um Pescador de Homens. Agradeo aos meus pais, Montenegro e Denise, e ao meu irmo Gabriel, pelo apoio constante e pelo amor a mim dispensado. Amo vocs e agradeo a Deus todos os dias por t-los em minha vida. E agradeo a todos aqueles que contriburam, direta ou indiretamente, para a realizao deste trabalho. Que Deus abenoe a todos vocs.

Rafael Buarque Montenegro

|5

Dedicatria

Dedico esta obra todas as pessoas que se acham autosuficientes, todas as pessoas impulsivas e muitas vezes orgulhosas e at ignorantes. Dedico esta obra para pessoas como Pedro, Marcelo, eu. Que tenhamos a certeza de que com Cristo seremos feitos Pescadores de Homens.

|7

O Pescador de Homens

Vinde aps Mim, e Eu vos farei pescadores de homens...

|9

IntroduoEu sempre fui muito ligado a Bblia. Antes do meu nascimento minha me j narrava para mim s lindas e profundas histrias contidas nas Escrituras Sagradas. Desde criana, quando fui aprendendo as primeiras letras, minha ateno foi voltada para aquele Livro de capa preta, que contm as maravilhosas verdades da vida eterna. E como toda criana curiosa eu fui desvendando os incrveis mistrios contidos nas pginas Sagradas. Quantas maravilhas eu descobri em meu estudo. Meus olhos foram voltados para um Deus Infinito, Criador e Mantenedor de tudo, um Deus to grande, mas que me ama tanto, a ponto de dar o Seu prprio Filho para me salvar de uma morte terrvel. Aprendi que Jesus, como Filho do Eterno, humilhou-se at a morte, e morte de cruz, e tudo isso em meu lugar. Quanto mais eu lia e estudava a Palavra de Deus, mas eu a amava. Foi nela que eu conheci a histria de Pedro. Aquele rude pescador que foi chamado por Jesus para uma misso aparentemente impossvel. Pescar homens. Como isso pode ser possvel? Eu me perguntava. Ser que Pedro teria que jogar a sua rede de pesca em cima das pessoas, para assim poder pesc-las? Ou talvez ele necessitasse usar um anzol especial, eu pensei. Mas ao continuar a leitura, eu descobri que no era sobre isso que Jesus estava falando. Jesus chamou a Pedro para transmitir vida s pessoas. Eu sou a ressurreio e a vida, diz o Mestre. Em outras palavras, Jesus chamou a Pedro para que pregasse a Ele, e assim atrasse todos at a Fonte. E eu tenho que confessar que a histria de Pedro sempre me fascinou. Um rude pescador ignorante, bravo, um cabra-macho de pea, como dizem os mais antigos de minha terra, um homem impulsivo e autoconfiante. Este era Pedro. E devo confessar que dos discpulos de Jesus, Pedro o que mais se assemelhava comigo. Talvez por isso que gosto tanto|11

| O Pescador de Homens

do seu exemplo. O modo como seguiu o Mestre, as suas lutas pessoais, a sua covardia ao negar Jesus, e a sua verdadeira entrega de corao a beira-mar, so fatos que sempre me impressionaram e me impressionam at hoje. Talvez por isso tenha surgido a idia de escrever sobre ele. Contar um pouco das suas experincias atravs de uma tica semelhante a sua, eis um verdadeiro desafio. E o resultado deste desafio o livro que o leitor tem em mos. Nessas pginas, o leitor ir conhecer Marcelo, um jovem impulsivo, auto-confiante e ambicioso. Um Pedro moderno. E assim como o apstolo, Marcelo precisa ardentemente de um Amigo. Algum que lhe mostre o verdadeiro sentido da vida, que d calma a sua existncia. E Marcelo ir conhecer esse Amigo, justamente atravs da histria de um velho pescador galileu, que ele descobriu ter muito em comum com ele prprio. Mas esta estria o leitor descobrir nas prximas pginas. Que ao ler a estria de Marcelo e conseqentemente a histria de Pedro, o leitor possa buscar em Deus a sabedoria para discernir em que pontos ainda se parece com o primeiro Pedro e o primeiro Marcelo, e buscar atravs do Esprito Santo, as foras necessrias para tornar-se qual o segundo, transformado de glria em glria, a semelhana de Cristo Jesus. Um pescador de homens.

O Autor

12|

O Primeiro ChamadoEste achou primeiro a seu irmo Simo, e disse-lhe: Achamos o Messias (que, traduzido o Cristo). E levou-o a Jesus. E, olhando Jesus para ele, disse: Tu s Simo, filho de Jonas; tu sers chamado Cefas (que quer dizer Pedro). Joo 1:41 e 42 (Bblia Sagrada, edio Corrigida e Revisada, SBTB) 5:30 da manh. O despertador soou estridente no pequeno quarto do apartamento nmero 212, do Edifcio Palace. Marcelo o desligou com um safano e levantou-se rapidamente murmurando. - Droga. J amanheceu e no pude dormir direito. disse ele indo em direo ao banheiro. - Malditas olheiras! exclamou observando no espelho sujo as manchas negras abaixo de seus olhos castanhos. Seus olhos no escondiam a vermelhido proveniente da ressaca e seu hlito ainda cheirava muito a vodca, cerveja e refrigerante. Estivera em uma festa da comunidade de estudantes da qual fazia parte, e bebera muito. Esse no era seu hbito, mas de uns tempos para c, estava se tornando cada vez mais freqente. Principalmente nas festas da Comunidade Fraterna Dos Futuros Advogados, a CFFA. A festa da noite passada ocorrera na casa de um dos membros mais ricos da comunidade, o Douglas, que era o vice-presidente atual. Depois da aula, todos foram para a noitada, com direito a som alto, bebidas, drogas e sexo. E Marcelo estava l. Chegara em casa as quatro da manh e dormira apenas uma hora. - Como eu disfaro isso?! pensou ele em voz alta. As sete e meia ele tinha que estar no escritrio de advocacia onde trabalhava h trs anos, fora|13

| O Pescador de Homens

o estgio, pois j havia se formado no curso de Direito e estava cursando um Mestrado na rea de Direito Civil. As olheiras pareciam grandes demais para se disfarar. - Droga. Isso no vai sair. Vou ter que ir assim mesmo. falou ele. E quer saber? Doutor Fontes no tem que reclamar. Ou ele nunca foi jovem? Ser que ele nunca se divertiu na vida? E de mais a mais, eu sou o melhor funcionrio daquele escritrio e ele sabe disso. Marcelo estava agora na cozinha preparando o caf. Estava fazendo bem forte, pois serviria para acord-lo definitivamente e para tirar um pouco mais o gosto da bebida de sua boca. Enquanto mexia o p do caf e preparava-se para co-lo, revirou uma Bblia que estava em cima da mesa da pequena cozinha. Estava aberta no livro de Joo, no primeiro captulo. Naquele momento algo pareceu chamar a ateno de Marcelo. Havia um trecho intitulado: Os Primeiros Discpulos. Leu alguns versos. Sua ateno foi voltada para o verso 42: E levou-o a Jesus. E, olhando Jesus para ele, disse: Tu s Simo, filho de Jonas; tu sers chamado Cefas (que quer dizer Pedro). Joo 1:42. Por um momento ele pensou em continuar a leitura, mas desviou o pensamento, estava atrasado. O trnsito na cidade onde ele morava era terrvel e ele precisava sair s seis e quinze se quisesse chegar ao trabalho na hora certa. Eram quinze para as seis, e ele ainda precisava engomar a roupa que iria vestir, revisar alguns pontos do trabalho que iria entregar aquela noite na universidade e escanear alguns documentos que iria usar em uma audincia que teria a tarde no trabalho. Tudo isso em meia hora. A Bblia podia esperar. Ademais, pensou ele, a Bblia era um livro antigo e desnecessrio. Pelo menos naquele momento. Suas prioridades eram outras. Ele correu o quanto pde, e s seis e dezessete da manh, o pequeno Wolkswagen Gol, modelo Gerao 5, recm comprado, saia da garagem do Edifcio Palace.14|

Cap. 1 - O Primeiro Chamado |

O Edifcio Palace, apesar do sugestivo nome, no tinha nada de palcio. Era um grande prdio de apartamentos populares, com um e dois quartos, onde moravam cerca de 350 famlias. Um prdio comum na maioria das grandes cidades existentes por a. Em um desses pequenos apartamentos de um quarto, morava o jovem Marcelo Ferreira de Souza, filho nico do comerciante do interior Jonas Ferreira e da dona de casa Maria Antnia de Souza. Desde pequeno, Marcelo demonstrara insatisfao em morar no interior. Dizia que sua vida ia ser grande e que no interior ele no iria conseguir isso. Que aquele lugar atrasado, de pessoas atrasadas, no era pra ele. At mesmo dos amigos de escola e da pequena igrejinha evanglica que ele freqentava desde criana ele desdenhava. - Eu no vou ser como eles. dizia. Nem como vocs. falava referindo-se aos pais. Eu vou ser um grande advogado. Vou aparecer na televiso e vou ganhar muito dinheiro. - Ento estude meu filho. diziam os pais. - Eu estudo sim. respondia ele sorrindo. Sou o mais inteligente da classe! E assim crescia Marcelo, em meio ao estudo, sonhos de advogado e grandes ambies, ele mudou-se sozinho para a Capital de seu estado quando tinha dezesseis anos. Teve que trabalhar para se manter, mas concluiu o Ensino Mdio na data certa e prestou vestibular para Direito, sendo aprovado em Terceiro Lugar. Ligou para os pais todo orgulhoso. - Eu no disse a vocs que conseguiria?! exclamava ao telefone. Isso s o comeo! Vocs ainda vo ouvir falar de mim! dizia Marcelo radiante. E com isso comeou o curso. Aos poucos foi se destacando pelo seu esforo e dedicao. Mas ao mesmo tempo, ia se tornado antiptico e competitivo. Via em cada colega um adversrio e vangloriava-se quando|15

| O Pescador de Homens

obtinha alguma vitria. Conseguiu um estgio em um escritrio de advocacia, sendo contratado um ano depois pela sua competncia. L aconteceu a mesma coisa. Tratava os outros com desconfiana e desdm, e em diversas vezes para ele s importava a sua opinio. Mas mesmo assim, conseguiu se manter no emprego devido a sua competncia. Aos poucos foi esquecendo a sua religio. Fora criado desde pequeno no Evangelho, mas nunca se dedicara de verdade. Nunca gostara muito de ler a Bblia, ou cantar os corinhos que cantavam na igreja, mas mesmo assim vangloriava-se entre os jovens da igreja por ter lido a Bblia trs vezes, e porque, em muitas reas da Bblia, possua mais conhecimento do que eles. Um conhecimento, que embora muito vasto, Marcelo nunca permitira que o transformasse verdadeiramente. Quando se mudou para a Capital, isso s piorou. O trabalho e o estudo fizeram com que a sua freqncia nos cultos da igreja que passou a freqentar diminussem bruscamente. E o mesmo ocorreu com a sua leitura da Bblia. Se antes no tinha prazer em ler a Palavra de Deus, agora ele no tinha tempo. Apenas de vez em quando, ele abria a Bblia e lia algum trecho que para ele ainda era conhecido. Todo aquele conhecimento que adquirira da Palavra de Deus, se perdera nos oito anos em que j estava morando na Capital. Quando pensava em parar e ler a Bblia, ou estava cansado demais, ou estava atrasado. Sempre arrumava um pretexto para no ler. E assim foi naquela manh. Estava muito atrasado e no tinha tempo para Deus. E como ele mesmo disse: a Bblia era um livro antigo e antiquado, ele no precisava dela. No naquele momento. Mas aquele verso que ele lera estava martelando em sua cabea. Tu s Simo, e sers chamado Pedro, dissera Jesus. Marcelo no se lembrava muito bem da histria de Pedro, alis, lembrava apenas que este fora um discpulo de Jesus. Mas lembrava um pouco mais da histria de Jesus. O Filho de Deus que veio morrer pelos pecadores e que ressuscitou. Essa lembrana ainda estava vvida na16|

Cap. 1 - O Primeiro Chamado |

lembrana de Marcelo. - Mas no sou pecador, pensou. E ademais, pecado relativo. Aqueles que matam e roubam so pecadores. E com este pensamento saiu de casa em direo ao trabalho. Sua mente ainda estava pensando no texto do evangelho de Joo, e em como ele no era pecador, quando, em meio ao movimentado trnsito da Capital, uma senhora cruza na frente de seu carro. Marcelo pisa no pedal do freio com fora e o carro para a poucos centmetros da senhora que grita assustada. Os dois carros que vinham atrs dele no tiveram tempo de frear, e bateram com fora em sua traseira. A pancada foi forte, e se Marcelo no estivesse usando o cinto de segurana teria se machucado feio. Depois de alguns segundos o susto passou e a sua raiva veio tona. Desceu do carro disposto a xingar a pobre velhinha, o motorista do carro que bateu nele, e qualquer um que aparecesse em seu caminho. - A senhora louca?! gritou ele em direo a senhora que o olhava espantada. A senhora no tem medo de morrer?! O que lhe deu atravessando a rua desse jeito? Os outros carros j estavam buzinando atrs do acidente. - E voc?! gritou Marcelo para a motorista do Fiat Uno, que batera em sua traseira. S podia ser mulher mesmo! No sabe andar a uma distncia segura?! - Calma a meu amigo! gritou o motorista do terceiro carro, visivelmente alterado. O errado aqui voc! Foi voc que freou bruscamente. - A culpa minha?! esbravejou Marcelo. A culpa dessa velha maluca que apareceu na minha frente. Ela apareceu do nada. Mas se voc quer me insultar pode vir. Eu sou muito homem pra me defender. ele disse isso e estava indo em direo ao homem que no se intimidou e tambm vinha em sua direo. A motorista do Uno gritou, temendo o que poderia|17

| O Pescador de Homens

ocorrer ao ver Marcelo e o outro cidado com os punhos cerrados dispostos a brigar. Marcelo ia esbofetear o homem quando uma voz o parou. Era a voz da velhinha, que at aquele momento no havia dito nenhuma palavra. - Pedro?! gritou ela em direo a Marcelo. - Pedro? essa mulher deve estar louca... Marcelo no pode terminar o seu pensamento. A pesada mo do outro motorista estava agora em sua face. O soco fez com que ele rodopiasse e casse de joelhos atordoado. No imaginou que o seu oponente fosse to forte. Estava se preparando fsica e mentalmente para reagir quando a voz da senhora o parou novamente. - Pedro?! perguntou ela. Marcelo parou e levantou-se. Virando-se para o seu agressor esbravejou: - Voc est ferrado cara! Eu sou advogado. Vou te processar e voc j era! exclamou Marcelo. Virando-se para a senhora Marcelo disse: - Pedro? Que Pedro? Meu nome no Pedro, sua velha. A culpa disso tudo sua. Eu devia te processar tambm. Voc anda por a sem prestar ateno em nada, seu lugar em um asilo, pra gente velha e surda! - que voc se parece muito com meu filho Pedro. repetiu a senhora. - Mas eu no sou esse seu filho! gritou Marcelo extremamente estressado. O outro motorista havia chegado perto dele e percebera as olheiras em seu rosto e seu jeito alterado. - Pare de gritar com essa senhora! Voc um bbado que quase atropelou a coitada. - Eu? Bbado? Eu devia te processar meu amigo. Quer saber? Eu18|

Cap. 1 - O Primeiro Chamado |

vou te processar. Voc vai se ferrar na minha mo. Neste momento um carro de polcia encosta junto ao acidente. Dois policiais descem e procuram saber o que tinha acontecido. - Foi esta velha. esbraveja Marcelo. Ela entrou em minha frente do nada. Eu freei o carro e estes dois imbecis bateram atrs de mim. - Tenha calma senhor. pede o policial mais jovem educadamente. No precisa se alterar. - No preciso me alterar?! Como no preciso me alterar? Eu estou atrasado para o trabalho, e me acontece isso. Tenho uma audincia importantssima hoje e voc me diz para no me alterar?! - O senhor andou bebendo? pergunta o policial mais velho, chamado Barreto, como estava escrito na identificao. - No! responde Marcelo com raiva. - Andou sim! fala o outro motorista. Isso ntido pelo hlito dele. E pelas olheiras. Eu no sei como algum vai trabalhar assim. Policial, eu sou o juiz federal Antnio da Costa Filho, eu quero que voc prenda esse homem por desacato, direo perigosa e por dirigir embriagado. - Me prender? grita Marcelo para o homem, sem se importar que ele fosse juiz. Voc que deveria ser preso. Voc me agrediu e quer me prender? Que juiz bandido que voc ? - Baixe seu tom de voz, meu amigo. diz o policial mais velho. Outra viatura encosta perto do acidente. Descem mais trs policias. O policial mais jovem que chegara no primeiro carro vai falar com a velhinha. - A senhora est bem? pergunta ele. - Estou sim meu filho. responde ela. - Qual o seu nome? - Eu me chamo Carmelita Gonalves da Rocha. - Onde a senhora mora? pergunta o policial. - Eu moro em um asilo de idosos que fica aqui perto. respondeu.|19

| O Pescador de Homens

- A senhora pode me dizer tudo o que aconteceu aqui? Com o mximo de detalhes, se possvel. - Tudo bem meu filho. responde ela ao policial. Eu posso sim. Enquanto a senhora Carmelita conta o que tinha acontecido ao policial, o sargento Barreto diz a Marcelo que ele teria que fazer o teste do bafmetro. - Olha aqui! diz Marcelo alterado. Eu no vou fazer teste coisa nenhuma! Eu sei dos meus direitos. Voc no pode me forar a fazer isso! - Eu posso sim rapaz. Se eu achar que voc precisa fazer o teste voc vai faz-lo. responde o policial. E de todo modo, o juiz aqui est pedindo gentilmente que voc faa o teste. Se eu fosse voc eu obedecia. - Eu no vou fazer teste nenhum! responde Marcelo. - Ento eu vou ter que lhe levar em custdia, pra voc fazer o teste na delegacia. - Quem voc pensa que ? Marcelo ia terminar a frase quando foi agarrado por dois policias que o empurraram contra o seu prprio carro. O sargento Barreto retirou a carteira de Marcelo do bolso de trs da sua cala. - Voc Marcelo Ferreira de Souza? Filho de Jonas Ferreira? - Sou sim. responde Marcelo contrariado e ardendo em raiva por dentro. Aquilo no podia estar acontecendo. Tudo culpa daquela velha, pensou. - Voc est preso. Preso por desacato a autoridade e por dirigir embriagado. Voc deve saber a que tem direito, no ? o policial soltou uma gargalhada. Ao fundo o juiz tambm riu. - Vo se ferrar. Marcelo pensou. Vocs me pagam. Enquanto Marcelo, que fora algemado, era colocado no banco traseiro da viatura que o levaria at a delegacia, onde o juiz e a outra motorista iriam prestar queixa, o policial perguntava senhora se ela gostaria de prestar uma queixa contra ele. Ele pde ouvir claramente quando ela respondeu:20|

Cap. 1 - O Primeiro Chamado |

- Eu no vou querer no, meu filho. Ele um jovem impulsivo. disse ela. Depois completou: - Ele se parece tanto com meu filho Pedro...

|21

O Segundo ChamadoE vendo isto Simo Pedro, prostrou-se aos ps de Jesus, dizendo: Senhor, ausenta-te de mim, que sou um homem pecador. E disse Jesus a Simo: No temas; de agora em diante sers pescador de homens. Lucas 5:8 e 10(ltima parte)/(Bblia Sagrada, Edio Corrigida e Revisada, SBTB) Marcelo estava deitado no pequeno quarto de seu apartamento. Estava refletindo sobre as duas ltimas semanas que tivera. Aquelas haviam sido as duas semanas mais conturbadas de sua vida, desde que se mudara para a Capital. Os problemas pareciam se amontoar em suas costas, formando um peso que ele duvidava que fosse capaz de suportar. Ele tentou relembrar o que havia acontecido. Tudo comeou com aquele acidente e aquela velhinha. Marcelo foi levado pelos policiais at a delegacia, onde o juiz e a motorista do Uno prestaram queixa contra ele. Ele tambm prestou queixa contra o juiz, mas devido ao testemunho do mesmo, e dos policiais que fiscalizaram a ocorrncia, o mesmo processo foi arquivado. Passou o restante do dia e a noite preso, sendo libertado na manh seguinte, quando o Doutor Fontes, seu chefe, pagou a fiana e o liberou. Mas antes ele no tivesse feito isso. Devido ao acontecido, Marcelo havia perdido a audincia que tinha marcada, e por conta disso, o seu cliente o processara. J no bastava o processo por causa do acidente, ainda mais essa. O seu carro foi levado para o estacionamento do servio de trnsito e ele precisaria pagar uma alta quantia se quisesse liber-lo. Alm disso, ele levou sete pontos em sua carteira de motorista, pois todas as testemunhas do acidente falaram contra ele.|23

| O Pescador de Homens

Ele ainda teve que agentar toda a zombaria e crtica dos colegas de escritrio. - Seu irresponsvel, diziam eles. Voc no to melhor do que ns? Como voc faz uma besteira dessas? Isso queima totalmente o nome do escritrio. No fundo Marcelo sabia que eles tinham razo. Havia passado dos limites. Mas no aceitava que falassem isso dele. No aquelas pessoas. Elas no tinham moral nenhuma pra falar dele. Ele se achava superior a elas. Ele ia se virar, ia dar a volta por cima e ele que ia rir dos seus colegas. Mas no foi isso que aconteceu. Na semana seguinte ao acontecido, Marcelo chegou ao escritrio pela manh e ao passar por Danilo, um colega seu, o ouviu comentar com algum: - O bbado chegou. Tomara que ele no atropele ningum hoje. - O que voc disse? esbravejou Marcelo virando-se para Danilo. - Eu no disse nada! mentiu ele. - Seu mentiroso desgraado! gritou Marcelo. Vocs todos ficam falando nas minhas costas. Isso inveja! - Fica quieto rapaz! interviu Marcos. A merda quem fez foi voc, agora agenta. Marcelo no conseguiu se conter. - Eu vou lhe mostrar a merda... disse ele indo em direo a Marcos. Instantes depois os dois homens estavam caindo no cho brigando. Doutor Fontes apareceu pra separar. Dois outros funcionrios seguraram os briges enquanto eles se ofendiam verbalmente. - Mas que porcaria est acontecendo aqui? disse Dr. Fontes. Quem vocs pensam que so fazendo essa baguna no meu escritrio? - A culpa toda dele! disse Marcos. Foi esse Marcelo que comeou tudo Dr. Comeou com aquela besteira que ele fez batendo naquela velha.24|

Cap. 2 - O Segundo Chamado |

- Minha culpa?! defendeu-se Marcelo. Vocs sempre tiveram inveja de mim e o primeiro deslize que cometo vocs j comeam a malhar o pau em cima de mim. Vocs no prestam. Marcos tentou se desvencilhar para partir pra cima dele, mas foi impedido. - Eu quero os dois na minha sala agora! disse o Dr. Fontes. - Mas Dr. Fontes... comeou Marcelo. - Sem mais nem menos. Quero vocs na minha sala agora! Foram os dois cabisbaixos para a sala do chefe. No fundo, Marcelo j sabia o que o aguardava. Mas tentava ter pensamentos positivos. Infelizmente, esses pensamentos no se concretizaram. - Bem, - comeou Dr. Fontes. Vocs sabem muito bem a poltica que temos aqui no escritrio. Sabem que eu no tolero brigas e xingamentos. Sabem que o respeito a palavra de ordem. - Dr. Fontes... Marcos tentou se explicar. - Sem explicaes Marcos. Voc sabe qual a conseqncia. Vai ser multado em um salrio, e se houver reincidentes ser demitido. Se achar que foi injustiado, pode ficar a vontade para procurar outra empresa. - No, Dr. Fontes. respondeu ele. - Voc pode sair da sala agora. Marcos saiu da sala cabisbaixo e envergonhado deixando Marcelo sozinho com o chefe. Marcelo que at aquele momento estava na defensiva, viu uma boa oportunidade para ganhar o apoio do chefe. - Dr. Fontes, o senhor tem toda razo. Se no houver respeito, no h nada. Os funcionrios tm que aprender a respeitar o outros. O senhor tem que ver que eu agi em legtima defesa, pois... Marcelo no pode terminar a frase. - Marcelo, no precisa gastar a sua saliva tentando se defender. Voc j fez isso muitas vezes desde que chegou aqui no escritrio, mas agora no|25

| O Pescador de Homens

ser necessrio. Dr. Fontes fez uma pausa, olhou bem fundo nos olhos de Marcelo e continuou: - Voc um bom funcionrio. dedicado e esforado, isso eu no posso negar. Mas voc no sabe trabalhar em equipe Marcelo. Pra voc, s vale a sua opinio e a de mais ningum. At eu tinha dificuldades para lidar com a sua natureza egosta e prepotente, mas isso nunca havia causado algum mal irremedivel. Agora eu sinto que esse mal foi causado. O clima aqui na empresa ficou pssimo entre voc e seus colegas. E no estou me referindo apenas ao acidente. Falo de modo geral, voc tornou impossvel a sua presena nesse escritrio. - Voc est me demitindo? perguntou Marcelo atnito. Dr. Fontes, voc est me mandando embora? Justo eu? Seu melhor funcionrio? Esforado e dedicado, como o senhor mesmo disse... - Marcelo, voc se diz ser o melhor funcionrio. Dr. Fontes prosseguiu. Eu nunca lhe disse isso. Voc um timo funcionrio, mas o seu jeito de ser dificulta a sua relao em uma empresa. Eu sugiro que voc mude. - Mudar... Marcelo disse consigo mesmo. - Isso mesmo Marcelo. Mudar. E quanto a sua pergunta, eu poderia lhe demitir por justa causa, mas no farei isso. Vou lhe pagar todos os seus encargos e farei uma carta de indicao pra voc. - Ainda vai se gabar de ter me feito um favor no ?! Marcelo disse com raiva. Eu no preciso de sua ajuda. Marcelo levantou-se da cadeira e foi em direo a porta para ir embora, quando a voz do Dr. Fontes o parou. - Marcelo. Ele virou-se. - Voc precisa de ajuda. E precisa passar a ajudar as pessoas. Se no mudar esse seu jeito de ser, no importa o emprego que voc v, isso nunca vai mudar. disse o doutor Fontes.26|

Cap. 2 - O Segundo Chamado |

Marcelo bateu a porta do escritrio sussurrando: Dane-se! Ele saiu do escritrio de advocacia sem saber o que fazer. Com o carro guinchado, dirigiu-se a um ponto de nibus e pegou o primeiro nibus que passou, sem prestar ateno no destino. Foi parar em outro ponto da cidade e quando desceu procurou um banco em uma praa para se sentar e arejar as idias. Estava sentado l quando um garoto lhe entregou um papel e disse sorridente: Jesus te ama! Antes que ele pudesse responder o garoto j havia sado correndo em direo a sua me que o estava esperando mais adiante. Marcelo olhou o papel em suas mos. Era um pequeno folheto onde estava escrito: Pescadores de Homens. Marcelo ficou olhando aquele pequeno pedao de papel por um longo tempo at que decidiu l-lo. O folheto falava do chamado de Jesus ao seus discpulos a beira-mar. Estava escrito: Certo dia Jesus estava na praia do lago da Galilia, e a multido se apertava em volta dele para ouvir a mensagem de Deus. Ele viu dois barcos no lago, perto da praia. Os pescadores tinham sado deles e estavam lavando as redes. Jesus entrou num dos barcos, o de Simo, e pediu que ele o afastasse um pouco da praia. Ento sentou-se e comeou a ensinar a multido. Quando acabou de falar, Jesus disse a Simo: - Leve o barco para um lugar onde o lago bem fundo. E ento voc e os seus companheiros joguem as redes para pescar. Simo respondeu: - Mestre, nos j trabalhamos a noite toda e no pescamos nada. Mas, j que o senhor est mandando jogar as redes, eu vou obedecer. Quando eles jogaram as redes na gua, pescaram tanto peixe, que as redes estavam se rebentando. Ento fizeram sinal para os companheiros que estavam no outro barco a fim de que viessem ajud-los. Eles foram e encheram os dois barcos com tanto peixe, que|27

| O Pescador de Homens

os barcos quase afundaram. Quando Simo Pedro viu o que havia acontecido, ajoelhou-se diante de Jesus e disse: - Senhor, afaste-se de mim, pois eu sou um pecador! Simo e os outros que estavam com ele ficaram admirados com a quantidade de peixes que haviam apanhado. Tiago e Joo, filhos de Zebedeu, que eram companheiros de Simo, tambm ficaram muito admirados. Ento Jesus disse a Simo: - No tenha medo! De agora em diante voc vai pescar gente. Eles arrastaram os barcos para a praia, deixaram tudo e seguiram Jesus. Lucas 5:1-11 (Bblia Sagrada, Nova Traduo na Linguagem de Hoje, SBB) Marcelo ficou olhando aquele folheto pensativo. O texto terminava fazendo um apelo para que o leitor abandonasse os prazeres deste mundo, deixasse tudo e seguisse Jesus. Foi como se ele estivesse ouvindo a voz da sua me, pois ela sempre lhe havia dito isto. Marcelo ficou pensando como seria possvel algum pescar gente. Lembrou-se que j havia ouvido esta histria na classe bblica da igreja, quando era pequeno. Mas no se lembrava do que a professora havia dito sobre pescar pessoas. Enquanto refletia, olhou o relgio. Quase duas da tarde. Seu estmago comeava a reclamar e o sol comeava a bater em sua cabea, pois a sombra onde ele estava sentado havia se dissipado. Levantou-se e foi para casa. No caminho passou por uma lixeira, onde depositou o pequeno folheto que havia recebido. Mas a histria de Pedro e de sua estranha pesca de pessoas ainda martelava o seu pensamento. Quando Marcelo chegou ao seu apartamento, do outro lado da cidade, um senhor esperava por ele. Apresentou-se como Emanuel, oficial de justia do II Tribunal de Pequenas Causas da Capital, e tinha uma intimao para ele.28|

Cap. 2 - O Segundo Chamado |

- Intimao?! perguntou Marcelo. Meu dia est cada vez melhor, pensou ele com sarcasmo. - Isso mesmo, senhor Marcelo. O senhor est sendo intimado para comparecer ao II Tribunal de Pequenas Causas da Capital as 10:00hs da manh da prxima tera-feira, onde ser julgado pelas acusaes de direo perigosa, desacato e direo sobre efeito de drogas. - Mas j?! exclamou ele. Como assim? O julgamento j ser na tera-feira? - Isso mesmo. Estamos adiantando alguns processos e o seu foi incluso na lista, por ser um processo simples. respondeu o oficial. - Processo simples?! Vocs esto loucos. Isso impossvel. Nunca vi um julgamento acontecer to depressa. Isso culpa daquele juiz que me acusou. - O senhor no pode afirmar isso, pode? disse o oficial. Gostaria que assinasse aqui, por favor. Marcelo assinou o documento e pegou a intimao. Subiu at o seu apartamento e entrou em casa. Sentou-se na poltrona que tinha na sala. Mas rapidamente foi at a cozinha. Quando voltou, trazia uma garrafa de vinho nas mos. Era a nica bebida que tinha em casa. Afundou-se na poltrona e abriu a garrafa. A cada gole, ele amaldioava aqueles a quem considerava culpados por tudo aquilo que havia acontecido com ele. A idosa senhora que cruzou em seu caminho, seus colegas invejosos, seu chefe fraco, aquele juiz idiota que o estava acusando, seus colegas na universidade, tudo era contra ele. At Deus, pensou ele. Principalmente Deus. Deus no se importa comigo, pensou. Naquele momento de dor e solido, pensamentos suicidas vieram em sua mente. uma tima maneira de acabar com os problemas, ele pensou. Perdi|29

| O Pescador de Homens

o emprego, vou me ferrar nesse processo, ningum gosta de mim e eu sou um porre egosta e prepotente. Se eu morrer ningum vai sentir minha falta, pensou. Levantou-se da cadeira e foi at a janela da sala. Seu apartamento ficava no 13 andar do prdio. Uma queda e tanto, ele pensou. Andava da sala at a cozinha, pensativo. Em uma dessas idas deixou a garrafa de vinho sobre a mesa da cozinha. Foi novamente at a janela. Havia tomado a deciso. Iria se matar. Empurrou a poltrona para junto da parede e abriu a janela. Uma lufada de vento gelado bateu forte em seu rosto. Subiu na poltrona e colocou um dos ps no parapeito da janela. Sua boca estava seca. - Preciso de vinho, disse consigo mesmo. Desceu e foi at a cozinha para pegar a garrafa. Quando chegou, viu que em cima da mesa, ao lado da garrafa de vinho, estava a velha Bblia, ainda aberta. Vamos ver o que esse livro me diz, pensou. Olhou para o primeiro versculo que a sua viso conseguiu captar. A Bblia estava aberta em Lucas captulo 22, e Marcelo leu os versos 31 e 32. Estava escrito: Disse tambm o Senhor: Simo, Simo, eis que Satans vos pediu para vos cirandar como trigo; mas eu roguei por ti, para que a tua f no desfalea; e tu, quando te converteres, confirma teus irmos. Marcelo ficou extasiado. No conseguia se mover naquele momento. Uma voz lhe dizia que voltasse a janela e se jogasse, todavia, ele no tinha mais foras para fazer isso. Seus olhos estavam fixos naquele texto. Sentouse na mesa. As palavras de Jesus pareciam ecoar em sua mente: Simo, Simo. Marcelo, Marcelo. Satans vos pediu, mas Eu roguei por ti, para que a tua f no desfalea. Ele no conseguia compreender, mas aquelas palavras, e aquela30|

Cap. 2 - O Segundo Chamado |

estranha ligao que ele estava tendo com o personagem de Pedro mexiam com o seu corao. Sentiu uma estranha paz naquele momento. Embora no conseguisse entender tudo aquilo, ele sentia uma gigantesca tranqilidade quando pensava no assunto. E isso o tirava de tempo. Era como se ele perdesse o controle. Voltou at a sala, mas desta vez fechou a janela e colocou a poltrona no lugar. Voltou cozinha, colocou um marca-pgina na Bblia, marcando o texto que havia lido e foi deitar-se. Nos dias que se seguiram ele no tornou a pegar a Bblia para ler. Mas os pensamentos suicidas haviam se afastado de sua mente. E ele estava relativamente mais tranqilo do que de costume. Pelo menos ficou assim at a tera-feira. Dia do seu julgamento. Marcelo chegou ao II Tribunal de Pequenas Causas da Capital com meia-hora de antecedncia. Ele mesmo iria se defender e queria se livrar logo daquilo. No imaginava como fora possvel aquele julgamento ocorrer to rpido e sabia que suas chances de vitria eram muito pequenas. Mas estava ansioso para reduzir sua pena a uma pequena multa ou a prestao de servios comunitrios. As 10:00hs da manh em ponto, o julgamento comeou. Depois de lidos todos os autos, comearam os depoimentos das testemunhas de acusao. A motorista do Uno, o juiz agressor e os policias que fizeram a ocorrncia. A idosa senhora no quis registrar queixa. Marcelo ouviu com desdm todas as acusaes das testemunhas. Em certos pontos, sua risada sarcstica era ouvida na sala do tribunal. Ao meio-dia, findo o depoimento das testemunhas de acusao, o juiz decretou um recesso de uma hora para o almoo. Voltaria as 13:00hs. Marcelo no reclamou. J sabia qual seria o resultado daquilo. Quando retornaram, ele foi indagado sobre as testemunhas de defesa.|31

| O Pescador de Homens

- No tenho nenhuma! disse ele. E mesmo que tivesse, no faria nenhuma diferena. disse em tom sarcstico. O juiz no respondeu aquela indireta. Quando chegou a hora de Marcelo fazer a sua explanao final em sua defesa, ele foi curto e grosso, e permitiu novamente que o seu gnio tomasse lugar nas suas atitudes: - Vossa Excelncia a de convir, que a minha explanao de defesa no necessria. Apenas tomaria o seu tempo e o tempo de todos aqui. Nesses quatro anos de advocacia, eu nunca vi um processo ser julgado to rpido. Isso uma prova ntida de que esse julgamento no justo e honesto. Reparo no fato de que o juiz desse caso amigo pessoal de um dos meus acusadores. O que no mnimo conveniente... - O que o senhor est sugerindo? perguntou o juiz irritado. Veja bem o que vai falar. - No se preocupe Excelncia, sua reputao no ser manchada. Eu sou apenas um advogadozinho de merda sem emprego. Tanto faz que eu seja injustiado e vtima de um julgamento comprado. - Ordeno que se cale, senhor! esbravejou o juiz. No permitirei que me faa acusaes sem nenhum sentido. Se insistir, ter sua fala suspensa e serei obrigado a prend-lo por desacato! - Tudo bem, Excelncia. Eu no tenho mais nada a dizer. Fique com a sua conscincia. disse Marcelo sentando-se. Em seguida, o advogado de acusao fez a sua explanao. Vinte minutos depois de terminada a explanao do advogado, o juiz lia a sua sentena: - Visto que o cidado Marcelo Ferreira de Souza foi acusado de desacato, direo perigosa e de dirigir sobre efeito de drogas ilcitas, fatos que ficaram devidamente comprovados neste tribunal, pelo depoimento de honrosas testemunhas; visto que o cidado Marcelo Ferreira de Souza manifesta um forte sentimento de egosmo, sarcasmo e prepotncia,32|

Cap. 2 - O Segundo Chamado |

sentimentos que vo contra a poltica de um bom cidado, e que no ajudam em nada ao convvio natural da sociedade; visto que o mesmo no apresentou fatos concretos em sua defesa, e ainda usou de ironia para com este juiz e este tribunal, condeno-o de acordo com as leis de nosso pas, a restituir todo o valor gasto no concerto de seus automveis, ao senhor Antnio da Costa Filho e a senhora Julia de Almeida, e a pagar uma indenizao de R$ 6.800,00 a cada um, alm de ficar obrigado a doar cinqenta cestas bsicas ao Asilo de Idosos Lar Feliz, e tambm prestar servios de ajuda comunitria nesse asilo durante trs meses, duas vezes por semana, durante o perodo de 4 horas. A sentena entra em vigor a partir da data de sua publicao no Dirio Oficial do II Tribunal de Pequenas Causas da Capital, e no permite recurso. Marcelo estava calado. No imaginara que teria que pagar to caro. O concerto dos carros e as indenizaes j consumiriam quase todo o valor do seu beneficio que recebera quando foi demitido. E aquelas cestas bsicas. Isso no estava em seus planos. E o juiz fora inflexvel. No cabia recurso. - Senhor Marcelo Ferreira de Souza? perguntou o juiz. Est ciente de sua sentena? - Estou. respondeu. - Muito bem. Declaro esta seo terminada. disse o juiz. Marcelo se virou para sair do tribunal e olhou com dio para o juiz que o acusara. Ele me paga, pensou. - Senhor Marcelo. falou o juiz do tribunal. Marcelo virou-se. - Se me permite dar-lhe um conselho, voc deveria baixar a guarda. Parar de receber das pessoas e passar a dar. Essa uma boa oportunidade de voc pescar pessoas, ajudando-as. Marcelo pensou no ter ouvido direito. Pescar pessoas? O juiz estava ficando louco? Como ele iria pescar pessoas? Na sua mente veio o texto da|33

| O Pescador de Homens

Bblia que lera no folheto. Mas de agora em diante, voc vai pescar gente. Disse Jesus a Pedro. Marcelo deixou o tribunal pensativo. No dia seguinte a sentena foi publicada e Marcelo teve que pagar o conserto dos carros e tambm as indenizaes. Tudo lhe custou R$ 21.319,70. Do que tinha recebido do escritrio de advocacia, sobrara apenas R$ 6.500,00. Ainda tinha que retirar o seu carro do Dep. De Trnsito e pagar as multas, alm de pagar o concerto. Ainda tinha que comprar as cinqenta cestas bsicas e fazer trs meses de servio comunitrio em um asilo de velhos. Ele no merecia aquilo, pensou. Mas sua mente no conseguiu deixar de pensar no que o juiz havia lhe falado no fim do julgamento. Est na hora de voc pescar pessoas. Lembrou-se do que Jesus havia falado a Pedro e de como as coisas estavam acontecendo em sua vida. Aquela comparao com o discpulo o estava incomodando. Mas por qu? Ele no entendia. No se lembrava muito da vida de Pedro. Ento, deitado em seu pequeno apartamento, decidiu procurar entender um pouco mais.

34|

Aprendendo a PescarMas ele respondeu: As coisas que so impossveis aos homens so possveis a Deus. E disse Pedro: Eis que ns deixamos tudo e te seguimos. Lucas 18: 27 e 28 (Bblia Sagrada, Edio Corrigida e Revisada, SBTB) s oito horas da manh da segunda-feira seguinte Marcelo chegava ao Asilo de Idosos Lar Feliz, para comear a cumprir a sua pena de trs meses de servio comunitrio. Foi falar diretamente com o diretor do asilo, um senhor simptico chamado Manoel, que aparentava ter uns cinqenta e cinco anos. - Ol Marcelo! disse seu Manoel sorridente. Nos avisaram que voc viria. - Eu imagino que sim. respondeu Marcelo secamente. Vou ser bem sincero com voc, eu estou aqui por que me obrigaram. Esta a minha condenao. Quanto mais rpido terminarem estes trs meses, ser melhor pra mim. - Agradeo a sua sinceridade Marcelo. respondeu o diretor. Fico feliz com ela. Isso um ponto positivo. Assim Deus poder ajud-lo. Mas, vamos ao que interessa no ? As suas ocupaes. Marcelo estranhou a resposta do diretor, mas no conseguiu encontrar uma resposta para ela. S pode responder balanando a cabea e seguindo o diretor instalaes adentro. Aquele asilo era diferente de todos os outros que ele j tinha visto. Tudo era limpo e bem asseado. O ambiente era leve e feliz. Os idosos conversavam animadamente em um ptio interno cheio de plantas, ou jogavam domin e gamo em umas mesinhas espalhadas pelos corredores, e havia tambm oficinas de costura, ginstica e uma sala de TV. Todos os|35

| O Pescador de Homens

quartos eram divididos em duplas e homens e mulheres ficavam separados. Tudo muito limpo e asseado. Ao todo, cinqenta e seis idosos moravam no asilo. - Seu trabalho, Marcelo. disse o diretor educadamente. Consistir em limpar todos os quartos masculinos. Voc ir varr-los e depois encerlos. Ao terminar, ir ajudar a servir o almoo. Depois pode almoar conosco ou ir embora. - Creio que vou preferir ir embora. respondeu Marcelo. - Como quiser. disse Manoel. Mas a nossa comida muito boa. Vou lhe mostrar onde esto os materiais de limpeza. Marcelo seguia Manoel por entre os corredores do asilo at a pequena sala onde eram guardados todos os materiais de limpeza. No caminho ele cruzou com uma senhora idosa que morava no asilo. Ele no a reconheceu mas ela o fez prontamente. - Pedro?! exclamou a senhora. Marcelo se virou. Viu que aquela era a mesma senhora que ele quase tinha atropelado. Ela tinha causado todos aqueles seus problemas. Tinha causado aquela confuso no trnsito, a sua demisso, e ele ainda tivera que pagar uma indenizao exorbitante como conseqncia. Sua vontade era de xingar aquela pobre velhinha. - Olhe aqui minha senhora. comeou ele. Eu no sou esse Pedro que a senhora fala. Meu nome Marcelo. E pare de me chamar de Pedro que eu no sou ele. Tambm no sou o apstolo que tem esse nome. Eu nem sou crente! esbravejou. No me chame mais assim. - Desculpe... disse a senhora. Voc no mesmo Pedro. Mas voc muito parecido com ele... disse ela retirando-se. - Se voc vai trabalhar aqui, precisa se adequar as normas. disse o diretor. Isso no deve se repetir. Entendo que tenha raiva, mas... - Raiva? Foi essa mulher que me causou tudo isso! exclamou36|

Cap. 3 - Aprendendo a Pescar |

Marcelo. - Lembre-se meu jovem, Deus tem um propsito por trs de todas as coisas. - No me venha falar de Deus, diretor. Eu estou aqui para cumprir a minha pena e no para ser evangelizado. - Tudo bem. Eu compreendo. respondeu o diretor. Agora voc no deve tratar os idosos dessa maneira. Se isso se repetir, eu terei que avisar o oficial de justia. Estamos entendidos? - Sim. respondeu Marcelo a contragosto. - Muito bem. disse o diretor. Agora vamos. A sala de limpeza por aqui. Marcelo caminhou em silncio ao lado do diretor. A insistncia daquela senhora em compar-lo com o filho chamado Pedro o irritava. E talvez o que mais o irritava era a comparao que existia entre ele e o apstolo. Marcelo havia lido um pouco sobre a histria de Pedro. Percorreu os evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas e no achou boas referncias a respeito dele. Em sua opinio, Pedro era um fraco. Um pescador ignorante que no servia como discpulo para Jesus. Quando Jesus mais precisou dele, o que ele fez? O negou. Pedro era um covarde. Alm de ser egosta e prepotente. Pedro era um porre, pensou. No lhe veio mente que suas atitudes eram idnticas a do discpulo. Que ele tambm era arrogante e prepotente, e muitas vezes ignorante. Mas a sua caminhada estava apenas comeando. Chegaram sala onde eram guardados os materiais de limpeza. O diretor entregou-lhe um carrinho onde havia vassoura, rodo, panos, cera de piso e desinfetantes. Entregou-lhe tambm um avental. Que timo, pensou Marcelo. Agora sou um autntico faxineiro. - Vou lhe mostrar os quartos. disse o diretor.|37

| O Pescador de Homens

Fizeram o caminho de volta passando por um grande ptio interno bem arborizado. O local era realmente muito agradvel. Do outro lado do ptio, sentada calmamente em um banco, estava simptica velhinha que teimava em chamar Marcelo de Pedro. Quando ela os viu passar, sorriu para eles. Marcelo no devolveu o sorriso. - Ela se chama Carmelita. disse o diretor. Ns a chamamos de Carminha. - Eu no quero saber. respondeu Marcelo. - Ela tem Alzheimer. continuou Manoel sem se importar com o que Marcelo havia dito. Est conosco h sete anos. Ela veio com o marido, mas ele morreu dois anos depois que chegaram. Tinham um nico filho chamado Pedro, como voc j sabe. Ele morreu uns dez anos antes de virem para c. Apesar do Alzheimer causar esquecimento, ela no se esquece do filho. - Eu sinceramente no quero saber. respondeu Marcelo duramente. Eu no sou esse filho que ela perdeu. Eu no sou esse Pedro! - Voc devia ver a foto dele. disse o diretor. Voc realmente parecido com ele. E pelo que ela fala dele, voc se parece realmente com ele, no apenas na aparncia. Marcelo ficou calado empurrando o carrinho de limpeza. Chegaram ao setor dos quartos masculinos. - aqui, disse o diretor. Voc pode comear deste quarto e seguir para o prximo. Os quartos que estiverem trancados no tm ningum e voc pode passar por eles. O diretor j estava se retirando quando se lembrou de uma coisa e voltou. Olhou nos olhos de Marcelo e perguntou: - Porque voc detesta tanto quando chamado de Pedro? O que voc tem contra este nome em particular? Voc no conhece a histria do apstolo?38|

Cap. 3 - Aprendendo a Pescar |

Marcelo pensou um pouco e respondeu: - Primeiro este no o meu nome. E depois, eu conheo a histria desse Pedro da Bblia. - Conhece? insistiu o diretor. - Conheo sim. Ao contrrio do que voc pensa, eu j li a Bblia. - Eu no penso nada, Marcelo. Voc que est dizendo isso. E eu acredito quando voc diz que j leu a Bblia. E o que achou da histria de Pedro? - Eu no me lembro muito bem. disse Marcelo. Faz tempo que li a Bblia toda. Mas, na semana passada eu andei revisando. - E o que descobriu ento? perguntou o diretor interessado. - Eu descobri que esse Pedro era um covarde. Alm de ser um bruto ignorante, egosta e prepotente. respondeu prontamente Marcelo. - E voc no? perguntou o diretor. Marcelo no soube responder ao diretor. A franqueza e a ousadia do diretor o surpreenderam. Estranhou o fato de no ter uma resposta na ponta da lngua. Ele queria esbravejar e gritar com o diretor, mas havia algo de diferente naquele homem. Uma paz e tranqilidade que Marcelo percebeu que no conseguiria afetar. - Pense nisso Marcelo. falou por fim o diretor e retirou-se, deixando Marcelo com os seus pensamentos. O restante da manh foi cansativo para Marcelo. Ele no estava acostumado aquele servio pesado. Seu ambiente de trabalho era outro, e quando ele terminou o ltimo quarto j estava na hora do almoo. Marcelo foi at a cozinha para ajudar a servir o almoo. Estranhou quando viu o diretor do asilo na cozinha, vestido com um avental xadrez, se preparando para servir o alimento. - Ol Marcelo! disse o diretor com um sorriso quando o viu entrar. Seja bem-vindo a nossa cozinha. Como foi o trabalho?|39

| O Pescador de Homens

- Cansativo. respondeu Marcelo secamente. - Pois bem. Espero que j tenha lavado as mos e os braos. - Sim. respondeu. - Tudo bem. disse o diretor. Coloque aquele avental e aquela touca. Voc ir servir o suco. Marcelo encheu as duas grandes jarras com que iria servir. Havia dois tipos de sucos. Abacaxi e manga. Ele teria que perguntar a cada um dos idosos qual a sua preferncia e assim servi-los. A fila do almoo comeou a se formar. Um a um, os idosos enchiam as suas bandejas com o alimento e depois passavam por Marcelo para receber o copo de suco. Marcelo procurava ser gentil, mas no conseguia disfarar a sua insatisfao. Quando um idoso agradecia gentilmente, Marcelo respondia com um seco de nada. Isso quando ele respondia. No fim da fila, Carmelita aguardava a sua vez de pegar o suco. Marcelo olhou-a enquanto se aproximava. L vem ela, pensou ele. - Oi meu filho. disse ela quando chegou junto mesa em que ele estava. - Oi. respondeu ele. - Que sabor que a senhora vai querer? - Abacaxi, meu filho. Por favor. ela falou com um sorriso. Marcelo encheu o copo com o suco e a entregou. - Aqui est seu suco. - Muito obrigada meu filho. Seu nome Marcelo no ? Voc me desculpe se eu esquecer. Eu sou meio esquecida. - No tem problema. Pode esquecer quantas vezes quiser. disse Marcelo querendo cortar o assunto. - Mas voc se parece muito com ele... ela disse olhando nos seus olhos e depois saiu.40|

Cap. 3 - Aprendendo a Pescar |

Marcelo quis lhe responder, mas pensou melhor. Olhou para o diretor. Ele estava rindo. Veio at onde ele estava e disse: - Vejo que voc est fazendo amizade rpido. - Muito engraado. disse Marcelo. - No importa. Venha, sente-se comigo e almoce. Voc deve estar cansado. E a comida est uma delcia. Alm do mais, eu gostaria de lhe mostrar algo. A comida estava realmente muito convidativa e Marcelo no rejeitou o convite. Ademais, estava curioso para saber o que o diretor queria lhe mostrar. Comeu com um apetite que h muito no comia. Quando terminaram o almoo, o diretor levou Marcelo at a sua sala. Na parede, havia um quadro com um texto bblico: Por que Deus amou o mundo de tal maneira, que deu seu Filho unignito, para que todo aquele que nele cr no perea, mas tenha a vida eterna. Joo 3:16 - um belo texto no ? perguntou o diretor. - No sei, disse Marcelo. Pra quem acredita sim. - E voc acredita? - Eu tambm no sei. respondeu Marcelo. Mas era isso que voc queria me mostrar? Porque se era, eu j vi. Ento estou indo embora. - No Marcelo. No era isso. Sente-se, por favor. disse o diretor apontando para uma cadeira confortvel em frente a sua escrivaninha. Marcelo sentou-se e perguntou: - O que voc tem para me mostrar ento? - Vejo que voc tambm ansioso? disse o diretor. Gosta de ver tudo resolvido as pressas. Gosta de estar no controle. - . Eu gosto sim de estar no controle de minha vida. Olha aqui, foi para isso que voc me chamou aqui? Para me servir de psiclogo? - No Marcelo. Eu queria lhe mostrar algo. O diretor pegou uma bela Bblia em sua escrivaninha. Era realmente uma Bblia muito bonita.|41

| O Pescador de Homens

Tinha capa de couro com letras douradas. - Voc me disse que tinha lido a histria de Pedro. continuou o diretor. Ento, presumo que voc tambm tenha lido o seu ltimo encontro com Jesus a beira mar e a sua real converso. - Onde est isso? perguntou Marcelo duvidando. - No evangelho de Joo. Captulo 21. Marcelo se lembrou de que em seu recente estudo no havia chegado a procurar no evangelho de Joo. O que ser que diria l? Ser que esse relato limparia a imagem de Pedro? - Voc quer ler? perguntou o diretor. Marcelo pegou a Bblia das mos do diretor e leu. O ttulo do trecho que comeava no verso quinze dizia assim: Pedro restaurado por Jesus. Leu com interesse os cinco versos seguintes. E, depois de terem jantado, disse Jesus a Simo Pedro: Simo, filho de Jonas, amas-me mais do que estes? E ele respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe: Apascenta os meus cordeiros. Tornou a dizer-lhe segunda vez: Simo, filho de Jonas, amasme? Disse-lhe: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe: Apascenta as minhas ovelhas. Disse-lhe terceira vez: Simo, filho de Jonas, amas-me? Simo entristeceu-se por lhe ter dito terceira vez: Amas-me? E disse-lhe: Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo. Jesus lhe disse: Apascenta as minhas ovelhas. Na verdade, na verdade te digo que, quando eras mais moo, te cingias a ti mesmo, e andava por onde queiras; mas, quando j fores velho, estenders as tuas mos, e outro te cingir, e te levar para onde tu no queiras. E disse isso, significando com que morte ele havia de glorificar42|

Cap. 3 - Aprendendo a Pescar |

a Deus. E, dito isto, disse-lhe: Segue-me. Joo 21:15-19 (Bblia Sagrada, Edio Corrigida e Revisada, SBTB) Marcelo estava estupefato. No se lembrava dessa histria. Esse fato na histria de Pedro era totalmente novo para ele. No podia acreditar que Jesus aceitara aquele homem. Um pescador inculto e ignorante que o havia negado. - Mas ele seguiu a Jesus? Pedro foi fiel? perguntou Marcelo ao diretor. - Voc pode descobrir isso lendo o livro de Atos. E as duas epstolas de Pedro. Mas eu posso lhe adiantar que ele foi fiel sim. - Eu duvido! exclamou Marcelo. Ele havia negado a Jesus dias antes. Aposto com voc que se o apertassem de novo ele O negaria novamente. Eu aposto! O diretor sorriu tranquilamente. - Marcelo, havia uma diferena agora na vida de Pedro. - Que diferena? Eu no vejo nenhuma. - Mas havia uma grande diferena. disse Manoel. Ele agora havia reconhecido os seus erros. E reconheceu que precisava urgentemente de Jesus. Agora Jesus podia entrar completamente em sua vida e fazer a obra de transformao. E se voc quer mesmo saber. Pedro foi fiel at a morte. - Voc est brincando? - No estou no, meu amigo. A histria nos mostra que Pedro morreu como mrtir, sendo crucificado de cabea para baixo, por no se achar digno de morrer como o Salvador. E em vida, ele foi aoitado e humilhado vrias vezes por causa de Cristo. Marcelo no conseguia acreditar no que Manoel lhe dizia. Pedro havia se redimido. E aquele pescador ignorante havia sido aceito por Jesus. Como isso podia acontecer?|43

| O Pescador de Homens

Em seu apartamento aquela noite, Marcelo leu avidamente em sua Bblia o ltimo captulo do livro de Joo e os primeiros captulos do livro de Atos. Pesquisou na internet sobre a morte dos apstolos. Em especial a de Pedro. E ficou impressionado ainda mais, pois constatou que tudo o que o diretor havia lhe dito era a mais pura verdade. Pedro se redimira...

44|

Desvendando os MistriosSabendo que no foi com coisas corruptveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados da vossa v maneira de viver que por tradio recebestes dos vossos pais, mas com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e incontaminado, O qual, na verdade, em outro tempo foi conhecido, ainda antes da fundao do mundo, mas manifestado nestes ltimos tempos por amor de vs. I Pedro 1:18-20 (Bblia Sagrada, Edio Corrigida e Revisada, SBTB) Os dias que se seguiram foram tranqilos para Marcelo. Todas as segundas, quartas e sextas-feiras ele passava a manh no asilo, ajudando na limpeza, podando as plantas e servindo o almoo. Depois que almoava, tomava banho e ia direto para a universidade, onde estava concluindo o seu mestrado em Direito Civil. Estava pagando as suas contas apenas com o que recebia na bolsa de estudo do mestrado. Por enquanto, o valor estava dando para as suas despesas, mas ainda no tinha pagado a multa no Dep. de Trnsito e o seu carro ainda estava detido. Sem contar que teria que pagar caro para consert-lo. E esses pensamentos o estavam irritando profundamente. Marcelo no tinha mais conversado com o diretor do asilo sobre assuntos de religio. Apenas algumas conversas rpidas e triviais, pois tanto Marcelo como Manoel, andaram muito ocupados nas duas semanas que se seguiram. O mesmo no se dava com os idosos do asilo. Marcelo aos poucos ia fazendo uma amizade discreta. Trocavam algumas palavras durante o horrio de trabalho de Marcelo e durante o almoo. Com quem mais Marcelo conversava era o senhor Camilo, que j estava morando no asilo h doze anos, e tinha oitenta e um anos de idade. Apesar da avanada idade, seu|45

| O Pescador de Homens

Camilo era lcido e tinha uma tima memria, por isso Marcelo gostava de conversar muito com ele. Alm do mais, seu Camilo havia sido um bom advogado, e Marcelo achou que poderia pegar algumas dicas com ele. Alm do senhor Camilo, Marcelo conversava com outros idosos do asilo, mas uma idosa em especial, ele evitava ao mximo. Era dona Carmelita. Ela no o estava mais chamando de Pedro, e esquecia constantemente o seu nome, embora sempre o reconhecesse quando o visse, e o saudasse com um lindo sorriso no rosto. Marcelo sempre cruzava com ela na hora do almoo, e era unicamente ali que trocavam algumas palavras. - Ol meu filho! exclamava ela contente. - Oi. respondia Marcelo. - Como o seu nome mesmo? ela perguntava. Eu sei que no Pedro. Mas eu sou meio esquecida. - Eu me chamo Marcelo. - Marcelo. um belo nome sabia? Obrigado pelo suco, querido. - De nada, respondia Marcelo, feliz por ela j ter se afastado. Havia algo naquela senhora, que Marcelo no sabia identificar bem o que era, mas que o incomodava profundamente. Era algo parecido com o que ele sentia quando conversava com o diretor Manoel sobre assuntos de religio. Uma paz que ele no conseguia explicar e que embora o incomodasse, ainda assim ele gostava de senti-la. E assim, embora no gostasse de conversar com Carmelita, ele ficava aguardando todos os dias no horrio do almoo, quando ela vinha pegar o seu copo de suco e perguntar novamente o seu nome. Por isso que naquela quarta-feira, j perto de completar um ms de trabalho comunitrio no asilo, Marcelo estranhou quando os idosos estavam se servindo e ele no viu dona Carmelita na fila. Esperou at que todos eles se serviram e foi falar com o diretor. - Diretor. disse ele. Eu no vi dona Carmelita na fila hoje.46|

Cap. 4 - Desvendando os Mistrios |

Aconteceu alguma coisa? - Aconteceu sim, mas no se preocupe. Ela j est bem. respondeu o diretor. Ela teve uma crise de Alzheimer ontem. Muitas dores, voc sabe como . Mas o mdico j esteve aqui e j a medicou. Ela est bem. Vamos servir o almoo em seu quarto hoje. - O senhor se incomodaria se eu levasse a bandeja? perguntou Marcelo. - No nosso costume, mas voc pode acompanhar a enfermeira Rose que ir levar o almoo e os remdios. - Obrigado diretor. respondeu Marcelo agradecido. - Voc ficou preocupado com ela, no foi? - Mais ou menos... Marcelo respondeu meio sem jeito. Eu estranhei quando ela no apareceu para o almoo. S quis saber se estava tudo bem... - Sei... sorriu Manoel. Marcelo irritou-se. O modo como o diretor falava com ele e parecia compreend-lo completamente o deixava atordoado. Aquele homem que ele nunca tinha conhecido antes parecia conhec-lo muito bem, era como se ele lesse os seus pensamentos. E a ousadia com que ele falava com Marcelo, era o que mais o impressionava. Apenas seu pai havia sido to franco e aberto com ele, e mesmo assim da ltima vez que isso havia acontecido terminara em uma acalorada discusso. Foi preciso a interveno da me para que eles no brigassem. Desde ento, Marcelo no falava mais com o pai. Isso acontecera h quase trs anos. E ainda era uma ferida aberta na vida de Marcelo. Mas o diretor Manoel falava com ele com franqueza e ousadia. E isso o perturbava, mas ele no tinha foras para responder como queria. Era como se o diretor Manoel emitisse as palavras com uma fora superior, que Marcelo no entendia o que era. Era um mistrio para ele.|47

| O Pescador de Homens

Ainda estava pensando sobre isso quando chegou junto com a enfermeira Rose ao quarto da dona Carmelita. Ela estava deitada em sua cama dormindo. Estava muito plida e mais magra do que de costume, que por um momento Marcelo pensou que ela estivesse morta. incrvel o quanto a doena pode desgastar uma pessoa, pensou. Naquele momento, Marcelo sentiu algo em relao aquela velhinha. No foi pena, como ele constatou depois, mas foi um sentimento parecido com compaixo e amizade. Teve vontade de poder aliviar o seu sofrimento de alguma forma. A enfermeira Rose acordou carinhosamente a dona Carmelita. Ao contrrio do que Marcelo pensou, quando ela acordou, acordou com um enorme sorriso nos lbios, que ficou ainda maior quando ela o viu. - Ol meu filho! ela disse e sorriu. - Oi dona Carmelita. disse Marcelo ainda meio sem jeito. O sorriso dela o desprevenia. - Voc sabe que eu sou meio esquecida, no ? Como o seu nome mesmo? - Marcelo. - respondeu. - Marcelo. um bonito nome, sabia? - Muito obrigado. Eu vim ver como a senhora estava... disse Marcelo. A senhora no apareceu para pegar o suco e eu... Marcelo no sabia como dizer... - Voc... atalhou ela, enquanto se sentava na cama para almoar e tomar os seus remdios. - Eu fiquei preocupado. disse Marcelo afinal. Pensei que poderia ter acontecido alguma coisa com a senhora. Mas vejo que a senhora est bem. Ento eu j vou embora. Ele disse isso e foi se retirando, mas a voz da senhora o parou. - Pedro! disse ela. Eu quero lhe mostrar o meu filho Pedro. Fique por favor. Eu j vou lhe mostrar.48|

Cap. 4 - Desvendando os Mistrios |

- Tudo bem. Marcelo respondeu, se surpreendendo com a sua resposta. No fundo ele queria realmente ver se esse Pedro era parecido com ele. Sentou-se em uma cadeira ao lado da cama da senhora e esperou enquanto ela almoava. Ela no demorou muito e depois de terminar e tomar os remdios, a enfermeira Rose disse que tinha de se retirar para ver outros pacientes e levar a bandeja, e Marcelo pediu para ficar um pouco mais. Ela consentiu. Ficaram ss, no quarto, Marcelo e Carmelita. - Pronto. ela falou. Voc pode pegar para mim, meu filho, um lbum de fotografias que est dentro da gaveta desta cmoda? Marcelo abriu a gaveta da cmoda e viu que dentro havia um velho lbum de fotografias esbranquiado pelo tempo. - Puxe sua cadeira para junto da cama. disse Carmelita. Poderemos ver juntos. Marcelo obedeceu. Sentou-se junto cama da idosa anci e juntos abriram o velho lbum. Ele se surpreendeu ao ver um homem jovem, aparentemente da mesma idade que ele ou s alguns anos mais velho, e realmente muito parecido com ele. Estava abraado com uma senhora que ele reconheceu ser Carmelita. S que ela estava bem mais jovem e ainda no havia contrado a doena. Eles pareciam estar felizes. - Este o Pedro? perguntou. Lgrimas escorreram dos olhos daquela senhora. Parecia que naquele momento todas as lembranas vieram a sua mente. - Sim. respondeu ela. Este era meu filho Pedro. Ele no era parecido com voc? disse ela enxugando as lgrimas. - Era sim. Marcelo no pode negar. O homem parecia mesmo com ele. Mesma altura, mesmo tipo fsico, mesma cor de olhos e cabelos, o rosto fino como o dele. Algum que no os conhecesse poderia jurar que eram irmos. Mas no eram. E aquela era a primeira vez que ele o estava vendo.|49

| O Pescador de Homens

- Eu sempre gostei da histria do apstolo Pedro. ela continuou. Eu gosto muito do exemplo dele. Foi por isso que coloquei o nome do meu filho de Pedro. Ele era meu primeiro filho e queria colocar um nome bblico. Pedro era um nome bonito. lgrimas escorreram novamente de seu rosto marcado pela dor e pelas rugas. - um nome muito bonito mesmo. comentou Marcelo. Marcelo continuou virando as pginas. Todas as fotos mostravam este rapaz e sua me. Em algumas aparecia um senhor austero, que Marcelo achou que fosse o pai. - Era seu esposo? perguntou ele. - Acho que sim. respondeu ela com o olhar distante. - Meu filho sempre foi muito impulsivo. Carmelita continuou. Impulsivo e cheio de autoconfiana. Mas ele era um bom filho. Era to parecido com o Pedro da Bblia. Cheio de si, muitas vezes. s vezes, chegava a ser chato. Mas no comigo, no com sua me. Eu sabia como lidar com ele. At que ele morreu. Marcelo ficou em silncio. No sabia o que dizer. Mas no estava se sentindo desconfortvel em estar ali. Estava gostando daquele momento. - Faz muito tempo, eu acho. ela disse. Eu no me lembro bem. Sou muito esquecida como voc deve saber. Mas sei que j faz muito tempo que Pedro morreu. Ainda di muito sabia? s vezes, eu queria esquecer isso tambm. Ela fez uma longa pausa. Sua voz embargava. - No precisa me contar, se no quiser. disse Marcelo. - No. Eu vou falar. Pelo menos o que eu me lembro. ela sorriu. Ele tinha trinta anos e iria se casar. Foi em um acidente de carro. o que eu me lembro. Ento Pedro se foi... Ela no conseguiu conter as lgrimas. - No chore... falou Marcelo. Estranhou ao perceber que a sua voz50|

Cap. 4 - Desvendando os Mistrios |

tambm estava embargada. Uma teimosa lgrima escorreu de seu rosto. - Voc tem razo. disse ela. Voc deve estar me achando uma velha doente e boba. ela sorriu enquanto dizia: - Que fica chorando pelos cantos por um fato que ela nem se lembra quando aconteceu... - Eu no acho nada. respondeu Marcelo. Eu achava, mas no acho mais... Carmelita enxugou as lgrimas com um leno de seda que tinha no bolso de sua camisola. - Ainda mais. ela disse. Eu irei v-lo novamente. Marcelo riu. Agora ela estava falando como um doida, pensou. Ver o filho morto novamente. No que ser que ela acreditava? Que quando morresse iria se tornar um anjinho e ir para o cu? Ela percebeu a sua risada e disse: - Passe esta pgina do lbum, por favor. Marcelo obedeceu. Na pgina seguinte havia alguns textos bblicos escritos com uma linda letra cursiva e uma caneta dourada. - Leia o primeiro. Em voz alta. Marcelo obedeceu. O primeiro texto era da I Epstola de Pedro, captulo 1 e versculos 18 aos 20. Estava escrito: Sabendo que no foi com coisas corruptveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados da vossa v maneira de viver que por tradio recebestes dos vossos pais, mas com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e incontaminado, O qual, na verdade, em outro tempo foi conhecido, ainda antes da fundao do mundo, mas manifestado nestes ltimos tempos por amor de vs. - Eu acredito nisso. ela disse. Acredito que Jesus morreu por ns. E que teremos nova vida se o aceitarmos. Voc no acredita? - Eu no sei. respondeu Marcelo pensativo. - Pois deveria. ela falou. Leia o prximo verso.|51

| O Pescador de Homens

Novamente, Marcelo leu o texto bblico. O Senhor no retarda a sua promessa, ainda que alguns a tm por tardia; mas longnimo para conosco, no querendo que alguns se percam, seno que todos venham a arrepender-se. Mas ns, segundo a sua promessa, aguardamos novos cus e nova terra, em que habita justia. II Pedro 3: 9 e 13 (Bblia Sagrada, Edio Corrigida e Revisada, SBTB) Os olhos de Carmelita estavam fechados e um tranqilo sorriso cobria seus lbios. Uma paz que Marcelo nunca havia sentido enchia aquele quarto. Ficaram em silncio por alguns momentos, at que ela quebrou o silncio. - Essa a minha esperana, meu filho. Tenho esperana de encontrar meu Pedro novamente. Poder abra-lo. Beij-lo. Dizer como eu esperei por esse momento. a minha esperana. E agradecer a Jesus por tornar isso possvel, o que eu quero fazer. - A senhora realmente acredita nisso tudo? perguntou Marcelo. - A cada momento, meu filho. Essa a minha esperana. algo que eu no esqueo. ela falou com um sorriso no rosto. Voc tem alguma esperana? Algum sonho? Marcelo ficou atordoado com a pergunta. Ouvira o desabafo da senhora, mas no esperava ele prprio falar de sua vida. E ele se surpreendeu ainda mais quando comeou a falar. - Eu sempre achei que tinha sonhos. Sonhos grandes. Eu queria ser um grande advogado e ganhar muito dinheiro. disse ele com o olhar distante. - E conseguiu? perguntou Carmelita. - Eu achei que sim. Achei que estava no caminho certo. Mas aconteceu uma coisa que mudou tudo. Tive um acidente... - Acidente? ela perguntou sem se lembrar do que tinha ocorrido h52|

Cap. 4 - Desvendando os Mistrios |

mais de um ms atrs. - Sim. disse Marcelo. Tive um acidente de trnsito. - E voc se machucou? - Felizmente no. Mas aconteceram coisas piores. Eu perdi o meu emprego, tive que pagar uma multa horrvel e fui obrigado a prestar uma droga de servio comunitrio em um... Marcelo no terminou a frase. Na verdade, acho que eu estraguei tudo... - Meu filho era assim como voc, sabe? Era impulsivo e estressado. Tambm tinha muitos sonhos, eu acho. Mas quando ele deixou que Jesus entrasse em sua vida ele mudou. Tornou-se calmo e em paz. Sua vida transformou-se. - Isso funciona para alguns. Marcelo disse desculpando-se. - Eu creio que funciona para todos, meu filho. ela respondeu. Creio que funciona para todos. - Talvez... disse Marcelo. Eu preciso ir. - Mas j? Carmelita perguntou. - Sim. Tenho que ir para universidade. E ainda quero perguntar algo ao diretor. - Tudo bem, meu filho. Pode ir. - Eu vou guardar o lbum na gaveta, pode ser? perguntou Marcelo. - Tudo bem. Marcelo guardou o lbum na gaveta de cima da cmoda e recolocou a cadeira que havia posto junto cama em seu devido lugar. Quando estava saindo, Carmelita o chamou. Quando ele se aproximou da cama, ela se levantou um pouco e chegando perto de seu rosto, beijou-o e disse: - Que Deus o acompanhe, meu filho. Marcelo sorriu e deixou o quarto em silncio. Estava pensativo. Foi direto para a sala do diretor Manoel. Quando chegou, o diretor estava falando ao telefone, mas sinalizou para Marcelo que ele poderia entrar.|53

| O Pescador de Homens

Quando Manoel terminou a ligao, perguntou para Marcelo: - Estou vendo que a conversa foi boa, no foi? - Pode se dizer que sim. respondeu Marcelo. Eu gostaria de fazer uma pergunta. - Se eu souber, terei prazer em responder. - Muito bem... comeou Marcelo. Eu posso usar a sua Bblia? - Claro Marcelo. Aqui est. Manoel estendeu o grande Livro preto para Marcelo. Ele folheou a Bblia rapidamente e encontrou o texto que estava procurando. - Aqui est. Marcelo estendeu a Bblia para Manoel. Este texto. Manoel viu que a Bblia estava aberta na II Epstola de Pedro, no captulo 3, verso 9. O diretor leu em voz alta: O Senhor no retarda a sua promessa, ainda que alguns a tm por tardia; mas longnimo para conosco, no querendo que alguns se percam, seno que todos venham a arrepender-se. Quando terminou a leitura perguntou a Marcelo: - Qual o problema? disse ele meio confuso. Voc tambm acredita nisso? - Onde viu esse texto, Marcelo? - Dona Carmelita me mostrou junto ao seu lbum de fotografias. respondeu Marcelo. Ela disse que era a sua maior esperana. Que iria ver seu filho novamente. - E ela vai sim. respondeu o diretor. Se ela for fiel, e se o Pedro foi fiel at a ocasio de sua morte, por ocasio da volta do Senhor, eles iro se encontrar. - Ento voc acredita nisso... falou Marcelo. - Claro que sim. Essa tambm a minha esperana. Voc j imaginou Marcelo, se no tivssemos um futuro. Se realmente a morte fosse o fim. Se54|

Cap. 4 - Desvendando os Mistrios |

Deus no nos proporcionasse uma esperana de uma vida eterna e feliz no porvir? Quando Cristo voltar? - No haveria sentido algum em viver... murmurou Marcelo. - Voc est certo. Absolutamente certo. disso o diretor. Deixe-me ler para voc um texto do captulo um de I Pedro. Versos 18, 19 e 20. Sabendo que no foi com coisas corruptveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados da vossa v maneira de viver que por tradio recebestes dos vossos pais, mas com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e incontaminado, O qual, na verdade, em outro tempo foi conhecido, ainda antes da fundao do mundo, mas manifestado nestes ltimos tempos por amor de vs. - Entende? disse Manoel. A nossa salvao estava traada desde antes da fundao do mundo. Que amor maravilhoso, voc no acha? A cada dia Deus nos oferece uma nova oportunidade de mudana. Uma nova oportunidade de crescimento. De nos tornarmos melhores em Jesus. Algumas lgrimas escorriam teimosamente no rosto de Marcelo. Em sua mente vinham as lembranas de sua infncia, na pequena cidadezinha do interior, dos cultos na pequena igrejinha evanglica, dos hinos que cantavam. Um deles veio especialmente a sua memria: Faze-me ouvir bem manso, Em suave murmurar: Na cruz verti meu sangue, Para te libertar Fala-me cada dia, Fala com terno amor, Segreda-me ao ouvido: Tu tens um Salvador Ele no percebeu mais estava solfejando a msica baixinho.|55

| O Pescador de Homens

- um belo hino. Eu gosto muito. disse Manoel. - Eu costumava cantar na igreja, h muito tempo atrs. Quando eu morava em uma cidadezinha no interior. disse Marcelo. Mas hoje... As coisas mudaram, o tempo passou, e eu no sei mais voltar... - O problema no saber voltar, Marcelo. O problema querer voltar. Muitas pessoas que esto a fora, elas tambm no sabem voltar. Mas se elas decidem voltar, e lutar a luta que Cristo nos prope, Ele mostrar o caminho. - Voc acha? perguntou Marcelo. - Eu tenho certeza. respondeu o diretor. Essa a mais pura verdade. Voc tem de decidir se quer voltar. Se quiser, se entregue de corao, e Jesus lhe mostrar o caminho. Faa como Pedro. S no espere para negar a Jesus primeiro. Entregue-se logo. sorriu Manoel. Marcelo tambm sorriu. A mesma paz que sentira no quarto de Carmelita ele estava sentindo agora. E estava muito feliz. Como havia muito no estava. As idias ainda no estavam muito claras em sua mente. Mas de uma coisa ele tinha certeza, ele no queria que essa paz e essa felicidade fossem embora.

56|

Aprendendo a PerdoarEnto Pedro, se aproximando dele, disse: Senhor, at quantas vezes pecar meu irmo contra mim, e eu lhe perdoarei? At sete? Jesus lhe disse: No te digo que at sete; mas, at setenta vezes sete. Mateus 18:21 e 22 (Bblia Sagrada, Edio Corrigida e Revisada, SBTB) A vida de Marcelo estava mudando consideravelmente. Aquele homem irritadio e arrogante, prepotente e egosta, aos poucos se transformava em um homem calmo e gentil. As noitadas e bebedeiras que ele freqentava antigamente j no aconteciam mais. Uma transformao pequena, mas constante, estava acontecendo na vida daquele rapaz. E a sua experincia em trabalhar no asilo estava contribuindo grandemente para isso. Deus estava usando uma velhinha simptica e esquecida para tocar o corao daquele rapaz frio e arrogante. Suas conversas com dona Carmelita haviam se tornado constantes e todas as manhs em que Marcelo estava no asilo eles aproveitavam o tempo livre para uma boa conversa. Aos poucos dona Carmelita contava o que ainda lembrava-se de sua vida para Marcelo. Aos poucos, Marcelo ia contando um pouco de sua histria para dona Carmelita. Contou sobre quando veio morar na Capital, e as dificuldades que ele enfrentou. De como passou no vestibular e as coisas que ocorreram durante o curso. Falou de seus planos e ambies. E ao ouvir dona Carmelita falar, Marcelo percebia que era realmente muito parecido com o filho dela. Ele e Pedro tinham realmente muito em comum. Principalmente nos defeitos de carter. No pouco que Carmelita lhe contara, Marcelo percebeu que o filho dela tambm era muitas vezes arrogante e prepotente, e que assim como ele, tinha uma autoconfiana|57

| O Pescador de Homens

muito elevada. O que nem sempre lhe ajudara. E quanto mais Marcelo lia a Bblia, em especial a experincia pessoal do apstolo Pedro, mais ele percebia como eles eram parecidos. Marcelo percebeu aos poucos que possua a mesma impacincia de Pedro, a mesma autoconfiana, gostava de estar no controle. E quando sua vida lhe saia do controle, era um verdadeiro caos. - Voc precisa lutar contra isso, meu amigo. dizia Manoel. Quando ns entregamos a vida a Jesus, ele faz de ns morada atravs do Seu Santo Esprito. Ento podemos dizer como Paulo, j estou crucificado com Cristo; e vivo, no mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na f do Filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim. Glatas 2:20 (Bblia Sagrada, Edio Corrigida e Revisada, SBTB) - Pois Manoel... respondia Marcelo. Eu no sei se estou pronto para isso. No sei se estou pronto para perder o controle de minha vida deste modo. Isso me soa estranho sabe. como se eu perdesse a minha individualidade... - De modo nenhum Marcelo. Manoel argumentava. Vou lhe dar um exemplo. Quando voc era apenas uma criana, e saia na rua com seus pais, porque voc deixava que eles segurassem a sua mo? Marcelo pensou um momento. Sorriu para Manoel e respondeu: - Acho que sei onde est querendo chegar. Mas vou responder. Eu permitia que eles segurassem minha mo porque eu confiava neles. Eu sabia que eles iriam tomar conta de mim e no iriam me machucar ou me fazer chorar. Afinal, eles eram meus pais. - Pois bem. respondeu Manoel com um sorriso no rosto. Voc permitia porque confiava em seus pais. Voc cria que eles queriam o seu bem-estar, no estou certo? - Absolutamente. Marcelo respondeu.58|

Cap. 5 - Aprendendo a Perdoar |

- Ento, deixe-me ler para voc um trecho da Bblia. Manoel foi at a sua sala e Marcelo o seguiu. Chegando l, Manoel pegou a sua linda Bblia e abriu em Mateus, captulo 7 e versculo 11. Escute bem Marcelo. falou Manoel sorrindo. Se vs, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que est nos cus, dar bens aos que lho pedirem? - Voc entendeu? perguntou Manoel. - Entendi sim. - Ento me explique. pediu ele. - Tudo bem. Marcelo comeou a falar. Eu devo entregar a minha vida inteiramente nas mos de Deus, pois Ele o meu Pai Celeste. E se o meu pai terrestre me ama e quer o melhor para mim, quanto mais Deus que o meu Pai Celestial? - Muito bem Marcelo! ria Manoel. Bravo! Marcelo tambm ria junto. Um riso de felicidade como h muito no sentia. - Isso soa bem melhor. No como se eu perdesse a minha individualidade. falava Marcelo por fim. - Esta vendo meu amigo? uma bno entregar a vida nas mos de Deus. Ele s quer o nosso bem, e quando voc sentir a presena de Deus encher a sua vida, voc no vai mais querer outra coisa. - Pode ser... Mas eu no sei se estou preparado para isso... - E quem sabe Marcelo. murmurava Manoel. E quem sabe... e deixou Marcelo sozinho com seus pensamentos. Mas aos pouquinhos, essa mudana comeava se sentir na sua vida. E uma prova de fogo para essa mudana ainda estava para acontecer. Faltando cerca de vinte dias para a sentena de Marcelo terminar, o diretor Manoel encontrou Marcelo nos corredores do asilo e comearam a|59

| O Pescador de Homens

conversar. Apenas conversas triviais at que o diretor perguntou: - Voc j doou sangue, Marcelo? - No diretor. Nunca pensei nisso. respondeu. Mas porque a pergunta? - Por nada Marcelo. Eu sou um doador voluntrio e estou indo doar agora. Pensei que gostaria de me acompanhar. - Mas eu estou em horrio de trabalho, se esqueceu diretor? respondeu Marcelo. - No se preocupe, eu no irei fazer questo desse tempo. Alm do mais, gostaria de ter companhia hoje. E voc tambm poderia doar. - No sei... respondeu Marcelo. No sou muito amigo daquela agulhas. - No vai me dizer que voc est com medo, homem de Deus! brincou Manoel. - Se voc prefere chamar de medo... Os dois riram e Marcelo foi rapidamente guardar os aventais e materiais de limpeza, enquanto trocava de roupa e pegava a mochila, pois depois iria diretamente universidade. O seu mestrado estava no fim e em dois meses ele iria defender a sua tese. Se aprovado, receberia o certificado e teria que ir atrs de emprego novamente. Com o resto do dinheiro que ele tinha juntando com a bolsa do mestrado, ele conseguiu retirar o seu carro do Dep. de Trnsito. Estava agora juntando dinheiro para pagar o conserto do carro. Ele estava com a carta de indicao que o Dr. Fontes, o seu antigo chefe, havia lhe dado. Ainda no sabia como iria procurar um novo emprego, estava receoso se o fato de haver sido julgado e derrotado o iria atrapalhar. Mas ele se surpreendia, pois aquilo no o estava preocupando como antigamente. Em outros tempos, ele praguejaria e murmuraria dia aps dia, at60|

Cap. 5 - Aprendendo a Perdoar |

conseguir um novo emprego. Mas agora ele estava mais confiante. No nele mesmo, mas em Algum maior do que ele, que o podia ajudar. Eles foram de txi at o Hemocentro da Capital, pois depois da doao existe um tempo mnimo para se poder dirigir. Chegaram rapidamente, pois o Hemocentro ficava a cerca de quinze minutos do asilo. Era um prdio branco, moderno e imponente, e tinha escrito na fachada: BANCO DE SANGUE E HEMOCENTRO DA CAPITAL. Entraram. Logo em frente porta de entrada estava a recepo, onde os doadores faziam o registro inicial antes de irem para a sala de espera, e antes dos exames de rotina para saber se o doador estava em condio de realizar a doao. Foi Manoel que foi logo falando, dirigindo-se a recepcionista: - Eu e esse rapaz gostaramos de fazer uma doao. - Ser uma doao dirigida? perguntou a moa. - A minha no. E voc Marcelo? Tem algum pra quem queira doar? - No tenho no. Ser uma doao aleatria. Para o Banco de Sangue. - Tudo bem. disse a recepcionista. Vocs j doaram sangue antes? - Eu j. respondeu o diretor. Mas ele no. - Ento terei que preencher a ficha dele primeiro. disse a atendente. Sente-se aqui, por favor. Marcelo sentou-se e entregou a moa o seu documento de identificao. Ficou aguardando enquanto respondia as perguntas da mesma sobre os seus dados. Foi ento que a recepcionista falou: - O senhor gostaria de se cadastrar no nosso programa de doao de medula ssea? - Medula ssea? perguntou Marcelo espantado. - Isso mesmo. ela respondeu. Estamos cadastrando novos doadores. No tem problema nenhum. A sua amostra ser coletada juntamente, na hora de sua doao.|61

| O Pescador de Homens

- E que riscos isso apresenta? Marcelo parecia apreensivo. Eu vou ter que doar? - No Marcelo. atalhou o diretor Manoel. muito difcil achar algum compatvel. - Isso mesmo. a recepcionista falou. Geralmente, para doadores que no so parentes prximos, as chances so de uma para cada cem mil. - Uma para cada cem mil? espantou-se Marcelo. - Isso mesmo. E se aparecer algum compatvel voc no ser obrigado a doar. Quando voc for contatado ter a opo de no doar. Esse cadastro que estamos fazendo apenas um cadastro de reserva. - Eu sou doador. disse o diretor. Mas no apareceu ningum compatvel com a minha medula. E j faz seis anos que me cadastrei. realmente difcil. - Tudo bem. respondeu Marcelo. Eu vou me cadastrar. A moa terminou de preencher a ficha de Marcelo no computador e marcou a opo possvel doador de medula ssea. Mal sabia Marcelo que aquela atitude marcaria sua vida. Findo os procedimentos iniciais, eles foram encaminhados para uma sala de espera onde j esperavam cerca de trinta doadores. Passaram pela triagem mdica e depois que foram liberados pelo mdico foram liberados para doao. Depois de um pequeno lanche feito na cantina do HEMOCENTRO, pois necessrio antes da doao, eles foram para a sala de coleta. O procedimento no demorou muito, embora o diretor pudesse perceber algumas caretas no rosto de Marcelo, quando a enfermeira foi colocar a agulha em seu brao. Quinze minutos depois, j haviam deixado o Hemocentro. O diretor voltou ao asilo e Marcelo foi direto para a universidade. No dia seguinte o brao de Marcelo j no estava mais dolorido e a lembrana da doao no62|

Cap. 5 - Aprendendo a Perdoar |

passava de uma pequena marca em seu antebrao. Ele s voltaria a se lembrar desse dia dois meses depois. O ltimo ms de Marcelo no asilo passou rpido, e logo havia terminado. No dia final da sentena, no turno da tarde, ele tinha que se apresentar ao juiz junto com o diretor do asilo, para apresentar um relatrio de sua sentena, que teria que ser validado pelo diretor do asilo, como testemunha. Na manh da ltima sexta-feira que ele passou no asilo, Marcelo trabalhou normalmente. Fez a limpeza dos quartos, regou as plantas e recolheu o lixo. Na hora do almoo, como de costume, serviu o suco aos idosos. Quando terminou de servir a todos e sentou-se para comer, teve uma baita surpresa. O diretor Manoel veio at a frente do refeitrio e comeou a falar: - Todos ns sabemos que hoje o ltimo dia do Marcelo trabalhando conosco. No comeo, ele andava meio arredio e insatisfeito, mas aos poucos, todos ns sentimos a transformao que Deus operou na vida deste rapaz. Ainda no uma transformao completa, mas j uma transformao bastante visvel. Em nome de todos os idosos eu gostaria de agradecer a ele pela ajuda que nos deu durante esses trs meses, e principalmente pela sua amizade. Marcelo no podia acreditar, estava emocionado. Todos os idosos bateram palmas para ele. Marcelo levantou-se para ir at a frente, mas o diretor o conteve. - Calma meu jovem. Ainda tem mais... - Ainda tem mais? disse Marcelo emocionado. Vocs querem mesmo me fazer chorar, no ? Naquele momento um grupo de idosos foi at a frente, entre eles dona Carmelita. Foi ela que falou primeiro. - Em homenagem a este jovem, ns gostaramos de cantar um hino.|63

| O Pescador de Homens

Marcelo pode ouvir o coro de suas vozes e uma indizvel paz encheu o seu corao. Enquanto eles cantavam Mais perto quero estar, Meu Deus de ti, lgrimas rolavam do rosto de Marcelo. Terminado o hino, Marcelo foi at a frente e abraou a cada um dos idosos que cantaram, detendo-se especialmente em dona Carmelita. Aquela simptica senhora esquecida estava conquistando cada vez mais a sua afeio. Outro senhor levantou-se e foi at a frente. O senhor Andr, como ele se chamava, disse para Marcelo: - Marcelo, meu jovem. Ns sabemos que voc advogado. E que perdeu o emprego devido a um triste incidente. Por isso ns todos gostaramos de ajud-lo. Aceite esse nosso presente, pelo seu trabalho e amizade. pouquinho, mas de corao. O senhor Andr estendeu um envelope para Marcelo que o pegou emocionado. Dentro havia um cheque de R$ 8.500,00. - Eu no posso aceitar. disse Marcelo com a voz embargada. No posso mesmo. - Pode sim. respondeu o senhor Andr. Pode e vai. Todos aqui colaboraram. Voc pode usar para ajudar a montar um escritrio para voc. Pode comear de novo. - Eu no sei como agradecer... - Voc pode agradecer estando conosco amanha, no culto. disse o senhor Camilo. Todos os sbados pela manh ns nos reunimos aqui no asilo para cantar e louvar a Deus. A no ser que voc se importe de estar no meio de velhos, acho que voc vai gostar. - No me importo no. disse Marcelo rindo. - Ento est combinado. disse o diretor Manoel Amanh voc estar conosco.64|

Cap. 5 - Aprendendo a Perdoar |

- Se Deus quiser. respondeu Marcelo. - Ento... disse Manoel. J podem trazer o bolo. As cozinheiras apareceram com um lindo bolo confeitado feito especialmente para a despedida de Marcelo. - Espero que voc goste. disse uma delas. - Est maravilhoso! respondeu Marcelo que no sabia se ria ou se chorava novamente de emoo. Muito obrigado a todos! Depois do almoo e da sobremesa, Marcelo abraou a todos os idosos e confirmou novamente a sua presena para o culto do sbado. Depois, ele e o diretor Manoel foram de carro at o II Tribunal de Pequenas Causas da Capital, onde seria a audincia com o juiz. s duas horas em ponto, eles j estavam l. Foram encaminhados para a sala do juiz que havia julgado o processo, onde Marcelo apresentaria o relatrio do trabalho, e assinaria o termo de cumprimento da sentena. Quando entraram na sala, alm do juiz e de um secretario, havia outro homem na sala. Era o juiz federal Antnio da Costa Filho. - Voc aqui?! exclamou Marcelo sentindo um misto de indignao e raiva. - Sim. respondeu ele. Eu vim me certificar de que voc cumpriu a sentena direitinho. - Ora seu... O diretor o puxou pelo brao e Marcelo se conteve. - Muito bem. disse o juiz do caso. Creio que voc tem o relatrio. - Sim meritssimo. Aqui est. Marcelo entregou a o juiz o relatrio que havia imprimido. Olhou de soslaio para o outro juiz. Ele o odiava. No bastou ter-lhe processado, ele ainda estava ali para fazer pouco caso dele. - Gostaria que voc resumisse. disse o juiz. Em cerca de quinze minutos, Marcelo explanou com clareza e objetividade o modo como trabalhou e prestou o servio comunitrio no Asilo de Idosos Lar Feliz, e terminou dizendo como aquele experincia foi|65

| O Pescador de Homens

lhe vlida e enriquecedora. - Vejo que cumpriu corretamente o seu papel. disse o juiz do caso. Parabns. O diretor Manoel corroborou tudo o que Marcelo havia dito, e o juiz entregou a Marcelo o termo de cumprimento de sentena para que ele o assinasse. - Pode assinar. disse-lhe. Era o que faltava para voc completar a sentena. Espero que tenha aprendido e no volte a cometer os erros que cometeu. - Sim senhor. disse Marcelo. Quando estava saindo da sala, o juiz Antnio da Costa Filho, sorriu para Marcelo e disse: - Espero que tenha se sentindo bem servindo a sociedade... Marcelo lanou-lhe um olhar de desprezo. - Eu o odeio. disse ele ao diretor Manoel. Ele que me processou, alm de ter-me agredido, e agora vem aqui para me humilhar. - Marcelo. disse o diretor. Voc no pode deixar que o que as pessoas fazem e dizem interfira em seu carter. dio um sentimento muito ruim que afasta as pessoas de Deus. Cristo tem que fazer a diferena em sua vida. - Eu sei diretor. respondeu ele. Mas desde a primeira vez que eu vi esse cara que eu o detesto. Ele arrogante, prepotente e ignorante. E quer ser mais do que realmente ... - Ele parece com Pedro ento? perguntou-lhe o diretor. Marcelo ficou em silncio. Naquele momento percebeu o quanto ele j teria magoado as pessoas, e como Jesus j estava fazendo a diferena em sua vida. - Voc precisa aprender a perdoar Marcelo. isso o que Cristo nos ensina. disse-lhe Manoel.66|

Cap. 5 - Aprendendo a Perdoar |

Na manh seguinte, Marcelo estava reunido com os idosos em um alegre culto de adorao a Deus. Isso passou a se repetir nos sbados seguintes e Marcelo passou a freqentar regularmente as reunies no asilo. Passava o sbado inteiro em companhia dos idosos. E aos domingos ia ajudar o diretor no asilo. Voluntariamente. Com o dinheiro que ainda tinha guardado no banco, mais os R$ 8.500,00 que os idosos haviam lhe dado, ele terminou de pagar as multas do seu carro e fez um acordo com um dono de oficina. Vendeu o seu carro para ele, ainda sem estar consertado, em troca de um Gol, modelo 1998, em bom estado de conservao, e mais R$ 3.000,00. Juntou todo o dinheiro que possua e foi luta. Terminou o mestrado, alugou uma pequena sala em um prdio empresarial no centro, pagando seis meses adiantados, mobiliou-a e depois de realizar todos os trmites jurdicos, inaugurou a Ferreira da Silva & Associados, Advocacia Civil. Um colega de mestrado na universidade juntou-se a ele neste empreendimento. E assim Marcelo voltou a uma rotina agitada. Agitada, mas diferente. Acordava todos os dias as 5:30hs da manh, lia a Bblia e cantava um hino. Tomava banho, vestia-se e saa para o escritrio as 6:30hs. Passava o dia e s vezes parte da noite