Livro cnj 10 anos

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  • CONSELHO NACIONAL DE JUSTIA

    Presidente Ministro Ricardo Lewandowski

    Corregedora Nacional de Justia Ministra Nancy Andrighi

    Conselheiros Ministro Lelio Bentes Corra Carlos Augusto de Barros Levenhagen Daldice Maria Santana de Almeida Gustavo Tadeu Alkmim Bruno Ronchetti de Castro Fernando Csar Baptista de Mattos Carlos Eduardo Oliveira Dias Arnaldo Hossepian Salles Lima Junior Jos Norberto Lopes Campelo Luiz Cludio Silva Allemand Emmanoel Campelo de Souza Pereira Fabiano Augusto Martins Silveira

    Secretrio-Geral Fabrcio Bittencourt da Cruz Diretor-Geral Fabyano Alberto Stalschmidt Prestes

    EXPEDIENTE Secretaria de Comunicao Social Secretria de Comunicao Social Giselly Siqueira Projeto grfico Eron Castro Capa Taylor Carvalho Reviso Carmem Menezes

    2015

    CONSELHO NACIONAL DE JUSTIA

    Endereo eletrnico: www.cnj.jus.br

  • CNJ 10 ANOS1 edio

    Braslia2015

  • Sumrio 6 APRESENTAO

    9 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIA: PRESENTE EFUTURORicardo Lewandowski 23 CNJ: JOVEM E J AFIRMADA INSTITUIO REPUBLICANAPaulo Luiz Schmidt 29 LIMITES DE ATUAODO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIA VEDAO AO EXERCCIO DE JURISDIO CONSTITUCIONAL NA VIAADMINISTRATIVAAlexandre de Moraes 47 CNJ COMO INSTNCIA DE SUPORTE AOS MAGISTRADOS NA COMPLEXIDADE DECISRIA: O CASO DOS DIREITOS SOCIAIS EECONMICOSAndr Ramos Tavares 67 O PAPEL DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIA NA PROTEO DO MEIOAMBIENTEVladimir Passos de Freitas 87 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIA: AVANOS E DESAFIOS NO MBITO DA JUSTIA FEDERALAntnio Csar Bochenek 103 CNJ: AVANOS E DESAFIOS NO MBITO DA JUSTIA ESTADUALJoo Ricardo dos Santos Costa

  • Sumrio 6 APRESENTAO

    9 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIA: PRESENTE EFUTURORicardo Lewandowski 23 CNJ: JOVEM E J AFIRMADA INSTITUIO REPUBLICANAPaulo Luiz Schmidt 29 LIMITES DE ATUAODO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIA VEDAO AO EXERCCIO DE JURISDIO CONSTITUCIONAL NA VIAADMINISTRATIVAAlexandre de Moraes 47 CNJ COMO INSTNCIA DE SUPORTE AOS MAGISTRADOS NA COMPLEXIDADE DECISRIA: O CASO DOS DIREITOS SOCIAIS EECONMICOSAndr Ramos Tavares 67 O PAPEL DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIA NA PROTEO DO MEIOAMBIENTEVladimir Passos de Freitas 87 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIA: AVANOS E DESAFIOS NO MBITO DA JUSTIA FEDERALAntnio Csar Bochenek 103 CNJ: AVANOS E DESAFIOS NO MBITO DA JUSTIA ESTADUALJoo Ricardo dos Santos Costa

  • 6ANDR RAMOS TAVARES

    ApresentaoEsta obra constitui coletnea de artigos sobre a atuao do Conselho Nacional de Justia (CNJ) em celebrao aos dez anos de sua instalao.

    A linha metodolgica abrange manifestaes realizadas sob perspectivas externas ao rgo, viabilizando-se abordagem eminentemente crtica.

    Alexandre de Moraes articula sobre os limites de atuao do CNJ, especialmente quanto vedao ao exerccio de jurisdio constitucional na via administrativa. Para o autor, Desde sua criao, o CNJ vem demonstrando o acerto de sua criao pelo Congresso Nacional, porm no excluiu em diversas oportunidades a necessidade de manifesta-o do Supremo Tribunal Federal sobre os limites constitucionais de suas importantes competncias.

    Andr Ramos Tavares, tomando como base o caso dos direitos sociais e econmicos, aborda a atuao do CNJ como instncia de suporte aos magistrados na complexidade decisria, porquanto As funes constitucionais do Conselho Nacional de Justia no s autorizam, mas impelem uma atuao administrativa de suporte atividade juris-dicional em questes de ordem tcnica e multidisciplinar que demandam um conheci-mento alm do formalismo jurdico.

    Vladimir Passos de Freitas estuda o papel do CNJ na proteo do meio ambiente, afir-mando que face ao contido no artigo 225 da Constituio e ao poder administrativo que o rgo detm como condutor da poltica judiciria nacional, sobram-lhe meios de poder atuar neste sentido.

    Alm do vis acadmico, o livro conta com a participao de articulistas responsveis pela conduo das trs maiores associaes de magistrados do Pas.

    Antnio Cesar Bochenek, Presidente da Associao dos Juzes Federais do Brasil (AJUFE), explora os avanos e os desafios do CNJ na Justia Federal. Sob sua perspectiva, so ali-cerces estruturantes a valorizao da magistratura e a democratizao do sistema de justia, a serem potencializadas ao mximo pelo CNJ, de modo a representar os pila-res de sustentabilidade de mudanas e transformaes relevantes do sistema estatal e da prestao jurisdicional.

    Joo Ricardo dos Santos Costa, Presidente da Associao dos Magistrados Brasileiros (AMB), examina os avanos e os desafios do CNJ na Justia Estadual. Para ele, apesar das relevantes conquistas advindas da atuao do CNJ nos campos do diagnstico de atua-o e de estratgia do Poder Judicirio, ainda no se atingiu a capacidade de blindar o

  • 7CNJ COMO INSTNCIA DE SUPORTE AOS MAGISTRADOS NA COMPLEXIDADE DECISRIA: O CASO DOS DIREITOS SOCIAIS E ECONMICOS

    sistema judicial brasileiro do seu uso predatrio, o que se deve em boa parte ausncia da noo estratgica de sua atuao.

    Paulo Schmidt, quando ainda no exerccio da Presidncia da Associao Nacional dos Magistrados da Justia do Trabalho (ANAMATRA), apresentou abordagem contextual, referindo-se ao papel fundamental do CNJ na apurao da conduta tica dos magis-trados brasileiros e advertindo que os seus compromissos com o Poder Judicirio so e devem ser mais amplos do que essa pauta, focados no planejamento estratgico e na induo de mudanas, a partir de uma viso moderna de dilogo e participao demo-crtica dos atores da cena judiciria, especialmente os juzes.

    O desfecho da obra, realizado pelo Ministro Enrique Ricardo Lewandowski, Presidente do CNJ, envolve a anlise conjuntural do rgo na atualidade e o balizamento de pos-sveis caminhos a trilhar. Segundo entende, o futuro do Conselho Nacional de Justia, a meu ver, tem por palavras de ordem planejamento estratgico, dilogo e participa-o. E como principais orientaes a desjudicializao, a modernizao tecnolgica, a gesto de demandas processuais de massa e a firme considerao dos direitos humanos na poltica judiciria criminal.

    Fabrcio Bittencourt da Cruz

  • CONSELHO NACIONAL DE JUSTIA: PRESENTE EFUTURORICARDO LEWANDOWSKIPresidente do Supremo Tribunal Federal, do Conselho Nacional de Justia e Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo

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    PAULO LUIZ SCHMIDT

    IntroduoO Conselho Nacional de Justia (CNJ) completa uma dcada de existncia. Neste ponto de inflexo, a sua histria pode ser divisada e descrita sob diferentes perspectivas.

    Neste artigo, todavia, no almejo proceder narrativa dos fatos que deram origem criao do Conselho e que levaram aprovao da Emenda Constitucional n. 45/2004 ou, ainda, relembrar feitos do rgo nesses ltimos dez anos, os quais, indubitavelmen-te, promoveram importantes avanos institucionais no Judicirio.

    O quadro retrospectivo da atuao do CNJ vem sendo analisado por estudiosos do di-reito e da administrao da justia, e ainda o ser por cientistas sociais e historiadores. Neste momento, creio que ser mais proveitoso examinar as aes que presentemente leva a efeito e que balizaro a sua atuao futura.

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    CNJ: JOVEM E J AFIRMADA INSTITUIO REPUBLICANA

    Planejamento estratgicoO CNJ um rgo bastante heterogneo, composto por integrantes dos diversos seg-mentos do Judicirio, do Ministrio Pblico, alm de representantes da advocacia e da sociedade civil. Conta, outrossim, com a presena do Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do Procurador-Geral da Repblica. Nesse am-biente democrtico e plural que so discutidas e elaboradas as diretrizes estratgicas cujo escopo coordenao institucional do Judicirio e que conferem um mnimo de harmonia e unidade atuao da magistratura nacional.

    Com essa convico, ao assumir a Presidncia do CNJ, defini 12 diretrizes programticas de gesto que traduzem o aprofundamento de seu papel como rgo de planejamento estratgico, sem prejuzo do controle disciplinar dos juzes, a cargo de uma Corregedoria Nacional de Justia prestigiada e independente.

    Entre tais diretrizes, institudas pela Portaria CNJ n. 16/2015, permito-me destacar aque-las que reputo mais importantes: impulsionar o uso de meios eletrnicos para a tomada de decises; desestimular os processos de ndole temerria ou protelatria; promover a comunicao e o compartilhamento de informaes entre os diversos rgos judi-cantes; aperfeioar os filtros da repercusso geral e dos recursos repetitivos; incentivar a desjudicializao mediante a adoo de formas alternativas de soluo de conflitos; incrementar a justia restaurativa; propor a edio de atos normativos que favoream a celeridade processual, o aperfeioamento da jurisdio e a melhoria das condies de trabalho dos magistrados; desenvolver polticas para o sistema penitencirio e socioe-ducativo, tendo como norte a efetivao dos direitos dos presos; combater a cultura do encarceramento desnecessrio, em especial levando em conta o nmero excessivo de prises provisrias; e, por fim, envidar esforos para a permanente valorizao dos ma-gistrados e dos servidores do Judicirio.

    Alm das diretrizes da gesto, estamos dando especial nfase ao planejamento estrat-gico. Organizamos, em novembro de 2014, em Florianpolis, o frutfero 8 Encontro Na-cional do Poder Judicirio, que reuniu representantes de todos os tribunais, da advocacia e das associaes, no qual foram fixadas, de forma consensual e participativa, alm de outras metas, a priorizao do julgamento das aes mais antigas, dos processos relativos corruo e improbidade administrativa e dos feitos que apresentem carter coletivo. Alm disso, decidimos estimular a conciliao, a mediao e a arbitragem, para acelerar a soluo dos mais de 100 milhes de processos em trmite no Brasil.

    Na 1 Reunio Preparatria para o 9 Encontro Nacional do Poder Judicirio, edio de 2015, propusemos ainda o dilogo sobre temas estratgicos para impulsionar a anlise

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    PAULO LUIZ SCHMIDT

    e a soluo de problemas recorrentes. Foram abordadas a repercusso geral, os recursos repetitivos, as demandas coletivas; a desjudicializao e a justia restaurativa; o com-bate cultura de encarceramento desnecessrio; o processo judicial eletrnico; e foram feitas reflexes sobre o novo Cdigo de Processo Civil. O Encontro dele resultante, rea-lizado em novembro deste ano, refletiu, em razo de seu xito, essa intensa preparao da qual participaram tribunais, juzes e servidores de todo o pas.

    Buscando proporcionar dados mais precisos para implementar melhor gesto dos pro-blemas que afetam a magistratura brasileira, o CNJ aperfeioou a Resoluo CNJ n. 76/2009 e introduziu modificaes substantivas nos indicadores do Sistema de Estatsti-cas do Poder Judicirio (SIESPJ), expostos no Relatrio Justia em Nmeros.

    Entre as principais inovaes introduzidas pela mencionada Resoluo, foram acrescidos os seguintes indicadores: tempo de durao dos processos, ndices de conciliao, nme-ros de aes sobrestadas ou suspensas em razo da incidncia da repercusso geral e dos recursos repetitivos, taxa de congestionamento lquida (na qual se descontam os pro-cessos suspensos ou em arquivo provisrio), dados sobre acesso Justia, entre outros.

    Processo judicial eletrnico e avanos tecnolgicosA implantao do Processo Judicial Eletrnico (PJe) em todos os tribunais do pas uma das metas prioritrias do CNJ. Ocorre que, diante da grande diversidade de usurios e dos enormes desafios tcnicos a ser enfrentados, a implantao vem sendo feita de forma gradativa.

    Estabelecemos novo modelo para o desenvolvimento do sistema, que se baseia em uma construo coletiva. Funda-se no dilogo com todos aqueles que fazem ou faro uso do processo eletrnico, o que inclui juzes, advogados, membros do Ministrio Pblico, alm de outros usurios. O modelo tambm busca implementar as melhores prticas de acessibilidade, ensejando, por exemplo, que pessoas com deficincia visual possam utiliz-lo sem maiores dificuldades.

    De acordo com o ltimo levantamento feito pelo Departamento de Tecnologia da Infor-mao do CNJ, a Justia brasileira j tem 5,274 milhes de aes tramitando no PJe, o que abrange cerca de 2,3 mil rgos judicantes.

    A Justia do Trabalho a maior usuria do sistema, com mais de 3,5 milhes de feitos processados, que envolvem 1,2 mil julgadores. Na Justia Estadual, o PJe est implanta-do em 16 tribunais, com cerca de um milho de processos tramitando por esse meio. O principal operador estadual do sistema o Tribunal de Justia do Estado de Pernambuco (TJPE), que o adotou em maro de 2011. Atualmente, o TJPE processa quase 360,3 mil

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    CNJ: JOVEM E J AFIRMADA INSTITUIO REPUBLICANA

    feitos em 185 rgos judicantes. Outros trs Tribunais de Justia planejam migrar para o PJe ainda em 2015.

    Na Justia Federal, o PJe est funcionando no Tribunal Regional Federal da (TRF) 1 Re-gio, no TRF da 5 Regio e no Conselho da Justia Federal (CJF), com destaque para as atividades da Turma Nacional de Uniformizao. Em 2015, h previso de implantao do sistema no TRF da 3 Regio. O PJe tambm comea a ser utilizado pelos juzes cas-trenses, a comear pelos Tribunais de Justia Militar de Minas Gerais e de So Paulo. E, no mbito dos Tribunais Superiores, o sistema ser implantado em 2015 no Tribunal Superior Eleitoral e no Superior Tribunal Militar.

    A principal iniciativa para a incluso dos advogados no sistema o projeto Escritrio Digital, concebido pelo CNJ com o apoio do Conselho Federal da OAB. Cuida-se de uma plataforma que permite aos advogados o acesso aos diversos sistemas eletrnicos de gesto de processos, empregados pelos distintos tribunais.

    O Escritrio Digital utiliza o Modelo Nacional de Interoperabilidade, uma ferramenta instituda pelo CNJ e pelo CNMP. Constitui protocolo nico de comunicao entre os vrios sistemas eletrnicos que ainda convivem no Brasil, facilitando o trabalho dos profissionais que atuam em diferentes tribunais enquanto o PJe no estiver completa-mente implantado em todo o Brasil.

    Ainda em 2015, o CNJ lanar importantes projetos no mbito da tecnologia da informa-o, com o objetivo de aprimorar e agilizar os servios judicirios. Destaco o sistema de gravao audiovisual de audincias e o sistema nacional de videoconferncias. Ambos tm como foco facilitar o trabalho dos juzes de primeiro grau, responsveis pelo conta-to inicial com os jurisdicionados.

    O caminho traado foi o de oferecer novos instrumentos de trabalho aos magistrados que permitiro tornar mais simples e rpidas as audincias, sobretudo quando envol-vam partes ou testemunhas que devam ser ouvidas distncia. Estima-se que haver sensvel reduo no tempo de durao das audincias e, por consequncia, uma presta-o jurisdicional mais clere.

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    PAULO LUIZ SCHMIDT

    Poltica judiciria criminalO Brasil, lamentavelmente, o quarto pas com a maior populao carcerria, com cer-ca de 600 mil presos, ocupando essa embaraosa posio logo depois dos Estados Uni-dos da Amrica, China e Rssia. Desses detentos, cerca de 40% so presos provisrios. O Departamento de Monitoramento e Fiscalizao do Sistema Carcerrio e do Sistema de Execuo de Medidas Socioeducativas (DMF), rgo de monitoramento dos estabe-lecimentos prisionais do CNJ, vem trabalhando em vrios projetos para modificar tal situao, os quais giram em torno de dois eixos principais: o primeiro o combate cultura do encarceramento; o outro corresponde ao reconhecimento e efetivao dos direitos dos encarcerados.

    Como expresso do primeiro eixo de atuao, estabelecemos o inovador projeto inti-tulado Audincias de Custdia, destinado a aprimorar as decises sobre a converso de prises em flagrante em preventivas ou, alternativamente, em liberdade provisria, mediante condies. Com isso pretendemos instituir um filtro mais eficaz j na porta de entrada do sistema prisional. Entendemos que s devem permanecer detidos os presos que ofeream perigo para a sociedade. Aqueles que so acusados de delitos de menor potencial ofensivo, praticados sem violncia ou grave ameaa, podem responder aos respectivos processos criminais em liberdade.

    Elas consistem, basicamente, na apresentao de uma pessoa presa a um juiz no prazo de 24 horas. Essa providncia alis, prevista no Pacto de San Jos da Costa Rica, do qual o Brasil signatrio desde 1992 traz como bnus a possibilidade de se garantir, de maneira mais eficaz, a integridade fsica do preso contra a eventual prtica de torturas ou maus-tratos antes de sua apresentao ao magistrado.

    O lanamento do projeto Audincias de Custdia se deu em So Paulo, em fevereiro de 2015. Na ocasio, anunciamos a inteno de levar o projeto a outros estados. As articu-laes at agora realizadas permitem antever que as audincias de custdia sero uma realidade concreta em todos os tribunais do pas at o final deste ano, j tendo sido implantadas, em carter experimental, nas 27 unidades da Federao.

    Tendo em conta a amplitude do projeto, em abril de 2015, o CNJ, o Ministrio da Justia e o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) assinaram trs acordos, com o objetivo incentivar a difuso das audincias de custdia em todo o territrio nacional, dissemi-nando a ideia da aplicao de alternativas priso, alm de promover a elaborao de diretrizes e incentivos para a poltica de monitorao eletrnica.

    O primeiro acordo de cooperao tcnica celebrado, mediante o Termo n. 007/2015, estabelece a conjugao de esforos entre os signatrios visando implantao das Audincias de Custdia nos diversos entes federados. O acordo prev apoio tcnico e financeiro aos estados para a implantao de Centrais de Monitorao Eletrnica e de Centrais Integradas de Alternativas Penais, por meio de repasses feitos pelo Ministrio da Justia.

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    CNJ: JOVEM E J AFIRMADA INSTITUIO REPUBLICANA

    O objetivo do segundo ajuste, firmado por meio do Termo n. 006/2015, ampliar a utili-zao de medidas alternativas priso com enfoque na justia restaurativa, em substi-tuio s medidas que impem privao de liberdade. As medidas alternativas, quando adequadas, podem ser aplicadas pelos juzes em substituio priso preventiva, oca-sio em que so impostas as medidas tambm denominadas de cautelares, que so as medidas introduzidas no artigo 319 do Cdigo de Processo Penal pela Lei n. 12.403/2011, como uso de tornozeleiras, recolhimento domiciliar noite, proibio de sair da comar-ca ou deixar de frequentar certos lugares.

    O terceiro ajuste, formalizado mediante o Termo n. 005/2015, tem por objetivo tornar vivel a poltica de monitorao eletrnica. Segundo informaes do Departamento Pe-nitencirio Nacional do Ministrio da Justia (Depen), o monitoramento eletrnico usado hoje em 18 estados, principalmente na execuo de penas alternativas priso ou como medida cautelar antes da sentena condenatria. O acordo busca incentivar o uso das tornozeleiras em duas situaes especficas: no acompanhamento de acusados de qualquer crime, quando no presentes os requisitos para decretao da priso pre-ventiva, e no monitoramento de medidas protetivas de urgncia aplicadas a acusados de crime que envolva violncia domstica contra mulheres, crianas, adolescentes, ido-sos, enfermos ou pessoas com deficincia.

    Alm desses dois projetos, cogitamos do Sistema Eletrnico de Execuo Unificado, desenvolvido a partir de experincia exitosa e com o apoio do Tribunal de Justia do Estado do Paran (TJPR), objetivando permitir o acompanhamento permanente, rpido e efetivo de todas as informaes e intercorrncias relativas ao cumprimento das penas, propiciando alertas eletrnicos que permitam aos juzes responsveis por sua execuo a imediata anlise de eventuais direitos dos detentos, especialmente progresso de regime ou liberdade condicional.

    Direitos humanos e cidadaniaNesse domnio, criamos recentemente o projeto Cidadania nos Presdios, que consiste em novo modelo de gesto dos benefcios prisionais, focado na otimizao de atos e decises processuais concernentes aos detentos. Essa iniciativa complementada pela reestruturao dos programas destinados integrao social do egresso, de modo a emprestar maior qualidade porta de sada do sistema prisional.

    O projeto ser desenvolvido segundo metodologia diferente do modelo anterior, a meu ver j esgotado, dos mutires carcerrios, os quais estavam focados apenas na ava-liao dos processos de execuo dos presos. Ademais, eram implementados de forma espordica e assistemtica e nem sempre contavam com um engajamento maior das autoridades locais. A maior lacuna que no previam o acompanhamento dos egressos, ou seja, o seu acompanhamento na fase em que reingressam na sociedade.

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    PAULO LUIZ SCHMIDT

    O novo sistema diferencia-se do anterior por ter carter permanente e por buscar re-sultados mais abrangentes, sobretudo criando uma cultura de dilogo entre os vrios atores do sistema de justia criminal, visando a tornar realidade a reinsero do preso na sociedade, que o fim ltimo da pena, hoje um objetivo meramente terico.

    Pretende-se explorar vrios vetores: aproveitar o potencial dos decretos de indulto; in-centivar a realizao de avaliaes permanentes dos problemas carcerrios com a for-mulao de solues adequadas, incorporando-as ao dia a dia dos tribunais; fortalecer as estruturas locais, com a reorganizao dos grupos de monitoramento existentes, sob a coordenao do DMF; instituir rotinas procedimentais e criar de ferramentas eletrni-cas para racionalizar o gerenciamento do sistema prisional por magistrados e servido-res; estimular a prtica de audincias por videoconferncia; estabelecer a observncia do chamado princpio da capacidade prisional taxativa, como forma de alcanar equi-lbrio entre o nmero de presos que ingressam no sistema e o de vagas existentes no sistema prisional; capacitar juzes e servidores para lidarem melhor com os problemas carcerrios; por derradeiro, promover articulaes com agentes e organizaes sociais com vistas reinserir o egresso na comunidade, proporcionando-lhe a oportunidade de capacitar-se profissionalmente, conseguir um emprego e reconstruir a sua vida familiar.

    Alm desse projeto, o CNJ est prestes a lanar um ambicioso programa, de cunho hu-manitrio, que compreende a implantao de um conjunto sistemtico de aes desti-nadas valorizao da dignidade da pessoa humana no ambiente prisional, sobretudo com a adoo de medidas que visam melhoria da sade fsica e mental dos detentos.

    Entre outras aes relacionadas a direitos humanos e cidadania, assinei, na autoridade de Presidente do CNJ, uma Carta de Intenes com a Comisso Interamericana de Direi-tos Humanos (CIDH) voltada para a capacitao de juzes e servidores na rea de atua-o daquele organismo internacional. Um dos objetivos do protocolo firmado divulgar, entre os magistrados brasileiros, a jurisprudncia da Corte Interamericana de Direitos Humanos, bem como as decises e os debates travados no mbito da Comisso.

    Alm disso, em 2015, o CNJ publicou alguns atos que regulamentam a reserva de no mnimo 20% das vagas ofertadas em concursos de servidores e juzes para candida-tos negros. Tais normas tm como base a deciso do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre cotas raciais e a Lei n. 12.990, de 9 de junho de 2014. Trata-se de esforo para tornar o Judicirio mais permevel a um grupo social que representa mais de 50% da populao brasileira.

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    CNJ: JOVEM E J AFIRMADA INSTITUIO REPUBLICANA

    Desjudicializao e justia restaurativaO CNJ est apostando firmemente no instituto da mediao e conciliao. Em sua 9 edi-o, a Semana Nacional de Conciliao fechou mais de 150 mil acordos e movimentou cerca de R$1 bilho em valores homologados. Entre 24 e 28 de novembro de 2014, quase 700 mil pessoas foram atendidas em mais de 283 mil audincias espalhadas pelos 46 tribunais que aderiram ao mutiro. Em todo o pas, participaram mais de 17 mil pessoas, entre magistrados, juzes leigos, conciliadores, servidores e colaboradores.

    Esse trabalho agora ganhar fora e se tornar permanente com as inovaes trazidas pelo novo Cdigo de Processo Civil, que prestigia essa formas de resoluo de conflitos. Tambm estamos investindo em outras mtodos alternativos de soluo de controvr-sias, como a mediao. No campo criminal e no mbito familiar, incentivamos a Jus-tia Restaurativa, que privilegia o amparo s vtimas de ilcitos e a restaurao, tanto quanto possvel, do estado anterior ao rompimento da ordem jurdica. Esse enfoque representa outra vertente promissora, sobretudo no que concerne pacificao social.

    Combate ao nepotismo nos fruns e tribunaisUma das inovaes mais relevantes na seara da moralizao das prticas forenses foi a aprovao, pelo Plenrio do CNJ, da Resoluo CNJ n. 200/2015, destinada a impedir a atuao de magistrados em processos patrocinados por advogados que sejam seus pa-rentes consanguneos ou afins, ainda que atuem de forma oculta, sem procurao nos autos, antecipando-se vigncia do novo CPC.

    Poltica socioambientalRecentemente, o CNJ aprovou a Resoluo CNJ n. 201/2015, que tem por foco a gesto socioambiental pelos rgos do Judicirio. Pretende a criao de estruturas, plano de logstica sustentvel e ainda o estmulo reflexo e mudana dos padres de compra, consumo e gesto de documentos e outros materiais empregados pelo Judicirio.

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    PAULO LUIZ SCHMIDT

    Ateno prioritria ao primeiro grauEm dezembro de 2014, criamos o Comit Gestor da Poltica Nacional de Ateno Prio-ritria ao Primeiro Grau de Jurisdio, ao nomear os integrantes do grupo e formalizar suas atribuies, por meio da Portaria CNJ n. 295/2014. A poltica, instituda pela Reso-luo CNJ n. 194/2014, tem como escopo aprimorar o relevante servio prestado pelos magistrados de primeira instncia, atualmente sobrecarregados pelo excesso de aes e pelo permanente dficit de pessoal, sobretudo melhorando suas condies de trabalho.

    Com a atuao do Comit, em maio de 2015, foi realizada a 1 Reunio da Rede de Prio-rizao do Primeiro Grau, que ocorreu em conjunto com a 1 Reunio Preparatria para o 9 Encontro Nacional do Poder Judicirio. O encontro visou ao compartilhamento de experincias dos juzes e ao dilogo sobre as medidas para a implementao da poltica de priorizao. Em continuidade, o CNJ elabora metodologias de apoio aos magistrados da primeira instncia, alm de promover dilogo permanente com essa categoria histo-ricamente relegada ao abandono.

    Observncia da jurisprudncia e celeridade processualRecentemente, por meio da Portaria n. 191/2015, foi criado o Conselho da Presidncia do CNJ destinado a estabelecer canais de comunicao no Judicirio brasileiro para difundir a jurisprudncia dos tribunais superiores, em especial a do STF. O principal objetivo da medida contribuir para maior celeridade na tramitao processual, j que os julgadores de instncias inferiores podero solucionar os respectivos proces-sos mais celeremente com base na jurisprudncia j pacificada das cortes superiores. Ademais, a medida contribuir para desestimular a interposio de recursos fadados ao insucesso perante o Supremo, o Superior Tribunal de Justia (STJ) e demais tribu-nais situados em Braslia.

    Gesto de precatriosO CNJ, em parceria com o Tribunal de Justia do Estado de So Paulo (TJSP), realizou, em fevereiro de 2015, o II Encontro Nacional dos Precatrios. O objetivo da reunio foi dis-cutir, com os Comits Estaduais de Precatrios, solues para o pagamento das dvidas

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    CNJ: JOVEM E J AFIRMADA INSTITUIO REPUBLICANA

    do setor pblico, j reconhecidas pela Justia. A primeira providncia foi quantificar o montante desse dbito. E, segundo o ltimo levantamento feito pelo CNJ, a dvida total da Unio, dos estados e dos municpios com precatrios, at junho de 2014, correspon-dia a R$97,3 bilhes.

    Poltica judiciria de sadeO CNJ promoveu, em maio de 2015, na cidade de So Paulo, a II Jornada de Direito da Sade para difundir as boas prticas adotadas pelos tribunais brasileiros em resposta ao fenmeno da judicializao do setor, da qual participaram magistrados, membros do Ministrio Pblico, profissionais, gestores e acadmicos. Nesse encontro, foram dis-cutidos e aprovados enunciados para apoiar os magistrados na tomada de decises sobre o tema, evitando decises que podem causar danos ao sistema pblico e priva-do de sade, evidentemente, sem afetar os direitos fundamentais dos jurisdicionados nesse mbito.

    Em agosto de 2015, considerando a diretriz estratgica aprovada no 8 Encontro Nacio-nal do Poder Judicirio, aplicvel a todos os rgos do Poder Judicirio, de zelar pelas condies de sade de magistrados e servidores, com vistas ao bem-estar e qualidade de vida no trabalho, foi aprovada ainda a Poltica de Ateno Integral Sade de Magis-trados e Servidores do Poder Judicirio.

    A referida poltica define princpios, diretrizes, estratgias e parmetros para a imple-mentao de programas, projetos e aes institucionais voltados promoo e preser-vao da sade fsica e mental de magistrados e servidores. Alm disso, prov orienta-es para coordenao e integrao das aes em sade e institui a Rede de Ateno Sade, priorizando-se o compartilhamento de experincias e a uniformizao de crit-rios, procedimentos e pronturios, respeitadas as peculiaridades locais.

    Perspectivas de futuroH uma dcada, as demandas que exigiam a atuao do Conselho eram diferentes das atuais. Ao verificarmos os objetos das resolues, por exemplo, possvel constatar dife-rentes focos na atuao do Conselho ao longo do tempo. Nota-se a transio gradual de uma atuao dirigida a organizao e controle para nova governana da Justia, que se fundamenta em planejamento estratgico e gesto de polticas judicirias. Esse novo paradigma no implicou, no entanto, reduo da atividade de fiscalizao e correio, porquanto o CNJ conta com o trabalho de uma Corregedoria Nacional diligente, alm da atuao do Plenrio.

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    PAULO LUIZ SCHMIDT

    A evoluo dos papis do CNJ, a meu ver, resulta de um processo natural de aquisio de maturidade institucional, em que os avanos da fase antecedente oportunizaram condies para atuao mais empreendedora de administrao da Justia brasileira.

    Nesse contexto, ganham espao as discusses em torno da governana, da coordenao do planejamento estratgico e da implementao de polticas judicirias e das formas de participao democrtica. Sob essa perspectiva, as redes de governana e os conse-lhos consultivos assumem papel primordial para assegurar o dilogo e a gesto partici-pativa, valores fundamentais da gesto pblica contempornea, que no podem faltar administrao da justia.

    Assim, em maro de 2015, criamos dois conselhos consultivos: um formado pelos Tri-bunais de Justia e outro pelas associaes de juzes de mbito nacional, a Associao dos Magistrados Brasileiros (AMB), a Associao dos Juzes Federais do Brasil (Ajufe) e a Associao dos Magistrados da Justia do Trabalho (Anamatra).

    A deciso de criar o primeiro conselho consultivo, da Justia Estadual, pretende assegu-rar que a atuao do CNJ em relao a este segmento de Justia seja consentnea com os anseios dos que nele labutam. O segundo conselho, por sua vez, tem por papel auxi-liar a Presidncia do CNJ nas tomadas de decises mais sensveis que digam respeito magistratura brasileira.

    Para assegurar o foco precpuo como rgo de planejamento estratgico do Judicirio Nacional, entendo que o CNJ no deveria debruar-se sobre questes individuais, salvo no que concerne a processos disciplinares. Por essa razo, anunciamos, na 202 Sesso Ordinria do CNJ, que est em estudo a incluso, em seu Regimento Interno, de uma clusula que permita que o Conselho negue seguimento a matrias que no apresen-tem interesse geral.

    Com essa medida, acreditamos, ser possvel abrir novo horizonte de atuao para o CNJ, para que se concentre em polticas, programas e projetos que promovam novos avanos institucionais na Administrao da Justia, com resultados efetivos para a so-ciedade.

    O futuro do CNJ, a meu ver, tem por palavras de ordem planejamento estratgico, dilogo e participao. E como principais orientaes a desjudicializao, a moderni-zao tecnolgica, a gesto de demandas processuais de massa e a firme considerao dos direitos humanos na poltica judiciria criminal.

  • CNJ: JOVEM E J AFIRMADA INSTITUIO REPUBLICANAPAULO LUIZ SCHMIDTJuiz do Trabalho na 4 Regio (RS) e conselheiro do CNJ na primeira composio (2005-2007).

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    PAULO LUIZ SCHMIDT

    A Emenda Constitucional n. 45 (EC 45), promulgada em dezembro de 2004 e conhecida como a Reforma do Judicirio, trouxe como principal novidade a criao do Conselho Nacional de Justia (CNJ). O novel rgo, com a composio proposta pelo Parlamento, motivou as mais diversas reaes dos magistrados e de suas associaes representati-vas. Pela presena de conselheiros externos aos quadros do Poder Judicirio, temiam os juzes de todos os ramos do Judicirio a perda da sua independncia funcional.

    A questo da composio do CNJ mereceu intenso debate na Cmara e do Senado, com a participao das associaes, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entre outras en-tidades. O processo poltico produziu, por fim, o Conselho com a moldura hoje existente, de composio mista (interna e externa), predominando os membros da Magistratura, ainda que no eleitos diretamente pelos seus pares, como defende o movimento associa-tivo da Magistratura, da mesma forma como faz para os cargos diretivos dos tribunais.

    Integrei a primeira composio desse Conselho, instalado em 14 de junho de 2005, sob a presidncia do ministro Nelson Jobim. Essa primeria composio cumpriu o papel his-trico de apresentar, sociedade brasileira, a moldura de nova instituio republicana.

    Entre as incompreenses sobre o papel do CNJ e a certeza da necessidade de assegurar a independncia da Magistratura, a composio pioneira do CNJ cumpriu a tarefa de mol-dar o novo rgo nos limites constitucionais e traduzir o papel que deveria desempe-nhar, nas balizas do julgamento da Ao Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 3.367, que pontuou a sua natureza de rgo exclusivamente administrativo, com atribuies de controle financeiro e disciplinar da Magistratura e com competncia em relao aos rgos e juzes situados, hierarquicamente, abaixo do Supremo Tribunal Federal (STF), o que no era e no pouco, considerando-se, a alcanados, os tribunais superiores.

    Naquele ano de 2005, sob o impacto na novidade, depois que um Regimento Interno foi proposto e aprovado com urgncia pois tudo era novo e partia do zero , era necessrio apresentar o novo rgo sociedade, aos tribunais, aos juzes e s demais instituies republicanas. Para isso, foi fundamental discutir e deliberar sobre matrias relevantes que se encontravam represadas, aprovando resolues de carter estratgico, focadas nos princpios constitucionais que regem a Administrao Pblica e voltadas para a va-lorizao da instituio judiciria, da Magistratura e da gesto eficiente e transparente.

    Foram nesse sentido, por exemplo, as diversas resolues que trataram da vedao s sesses secretas nos tribunais, da aferio do merecimento dos juzes para promoo (atacando o compadrio reinante em muitos tribunais), do nepotismo nos rgos do Ju-dicirio, da vedao do exerccio de cargos nos tribunais da justia desportiva por parte de membros do Poder Judicirio e da criao do Justia em Nmeros, sistema de coleta e tratamento dos dados estatsticos a respeito do Judicirio nacional. E nesse ponto um

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    CNJ: JOVEM E J AFIRMADA INSTITUIO REPUBLICANA

    destaque necessrio: embora a paternidade reivindicada por diferentes atores da cena judiciria, a primeira edio do Justia em Nmeros veio ao mundo ainda em 2005, fruto do trabalho coordenado pelo gabinete extraordinrio integrado pelos juzes Flvio Dino, Alexandre Azevedo e Elton Martinez, gabinete esse que fora criado no STF pelo ministro Nelson Jobim, para preparar a instalao do novel Conselho.

    Ainda em 2006, antes de o CNJ completar um ano de funcionamento, com a sano da lei (Lei n. 11.143/2005) que instituiu o valor do subsidio de ministro do STF e que passa-ria a ser o teto remuneratrio nacional, foram editadas as Resolues n. 13 e n. 14 (sobre a aplicao do teto remuneratrio constitucional e do subsdio mensal dos membros da Magistratura), atos normativos cuja espinha dorsal ainda persiste e que serviu e serve de farol e de baliza para os mais diversos rgos da administrao pblica, inspirado-ras inclusive de normas legais em vrias esferas de governo.

    Passada a fase de implantao e estabilizao do CNJ, em paralelo iniciava tambm o Conselho a dar ateno sua atividade correcional e censria, em especial em relao aos magistrados das cortes de apelao e superiores, visto que esses, diferentemente dos juzes de primeiro grau, no estavam submetidos a rgos correcionais ordinrios em matria disciplinar. Infelizmente, essa importante competncia, em determinadas composies do rgo, foi agigantada e transformada em escada miditica, de tal modo que a sua priorizao, de fato, amesquinhou as atribuies principais do rgo, que so as de planejamento, integrao e envolvimento dos atores judicirios e de induo de mudanas das prticas, algumas centenrias.

    Mesmo com a crescente importncia conferida pauta disciplinar, que sempre rendeu generosas manchetes na mdia, ainda em 2008 o Conselho deu-se conta de que tambm precisava dar ateno gesto judiciria, o que pode ser traduzido pela Carta do Judi-cirio e pelos resultados dos Encontros Nacionais. A propsito, foi no segundo Encontro Nacional que teve por finalidade o delineamento do Planejamento Estratgico do Po-der Judicirio para 2009-2014 que os tribunais brasileiros traaram, pela primeira vez, dez metas conjuntas de nivelamento.

    A partir da, pode-se atribuir, como fruto desses encontros, a edio da Resoluo n. 70, que dispe sobre o Planejamento e a Gesto Estratgica no mbito do Poder Judicirio e d outras providncias, comprometida com a participao democrtica das entidades associativas na elaborao e na execuo de suas propostas oramentrias, algo que nunca se efetivou por falta de interesse dos tribunais (alguns deles nunca marcaram sequer uma reunio das comisses respectivas) e ausncia de controle e de efetiva von-tade poltica do CNJ.

    Esse conjunto de intenes, metas e atos normativos nunca logrou produzir os resultados esperados. oportuno que se indague, depois desses primeiros dez anos, o que fez o CNJ perder-se no emaranhado de grupos de trabalho, comits e comisses de todo gnero que, muitos integrados pelos prprios conselheiros, pouco dialogam entre si e que, cada um a seu tempo e modo, tentam pautar o Plenrio com a sua agenda particular. Esse fenmeno que produz resolues, recomendaes e toda sorte de atos administrativos que impem metas, prazos, formulrios a preencher e defesas em processos administrativos por vezes manifestamente descabidos, tem razes que os explicam, mas no os justificam.

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    PAULO LUIZ SCHMIDT

    Se os primeiros anos foram de necessrio enfrentamento de temas nacionais inadiveis, no menos verdade que a grandeza dos objetivos institucionais do Conselho foi se per-dendo ao longo do perodo. Especialmente pela seduo da pauta disciplinar (por vezes com vis moralista, que felizmente vem sendo abandonado e se espera definitivamente quando for empossada a sua sexta composio), coadjuvado pelo fetiche de metas im-postas, sem dilogo interno com a magistratura, o que tem produzido resultados dano-sos entre aqueles que foram alijados do processo de discusso.

    Nesse sentido, no se pode esquecer que em certa quadra o CNJ foi usado, custa da ho-norabilidade da Magistratura, indistintamente, para viabilizar propaganda pr-eleitoral de personagem cujos interesses polticos futuros to bvios logo foram revelados. Avisos de todos os cantos no faltaram, mas o apoio irrefletido da grande mdia aneste-siou de tal modo a sociedade que afetou at o discernimento dos mais sensatos.

    O CNJ tem papel fundamental na apurao da conduta tica dos magistrados brasilei-ros, no que sempre teve apoio do conjunto da Magistratura e de suas entidades repre-sentativas. Mas no menos verdade que os seus compromissos com o Poder Judicirio so e devem ser mais amplos do que essa pauta, focados no planejamento estratgico e na induo de mudanas, a partir de viso moderna de dilogo e participao democr-tica dos atores da cena judiciria, especialmente os juzes.

    Assim, ainda que a proposta de gesto e planejamento integrados do Poder Judicirio tenha propsito relevante e virtuoso, a execuo de algumas das medidas propostas, especialmente a definio e a cobrana de cumprimento de metas, comprovou o equ-voco dessa poltica. Isso porque a imposio das metas desacompanhada de reapare-lhamento, inclusive pela falta de dilogo com os principais agentes responsveis pelo seu cumprimento, no poderia produzir os resultados esperados. E no poderia ser di-ferente: imposio autoritria e, por isso mesmo, sem os meios materiais e humanos necessrios, trouxe consigo o pressgio do fracasso.

    No se trata de nenhum exagero, mas o fato que em todos esses anos os mais de 16 mil juzes em atividade tm convivido com metas votadas, apenas, pelos presidentes dos tribunais, votao essa que no passa de mera chancela daquilo que j vem previamen-te definido, geralmente, pelas instncias burocrticas internas do prprio Conselho. Isso o mesmo que tratar a Magistratura brasileira, composta de magistrados altamente qualificados, como mo de obra alienada, subordinada e incapaz de contribuir com os destinos do Poder que integram. Dito de outra forma, estamos delegando burocracia, distante e divorciada da vivncia das lides forenses dos diversos ramos e das mais am-plas e variadas realidades regionais, que ela paute a forma de dilogo e o que seja ou no estratgico para o Poder Judicirio.

    Diante disso foroso concluir que o isolamento poltico da Magistratura de um lado e a imposio de metas alm da capacidade estrutural (humana e material) das uni-dades de primeiro grau de outro tudo em um ambiente de ferramentas processuais arcaicas no poderia produzir resultado proveitoso para o enfrentamento da altssima e crescente demanda por justia. Impe-se, portanto, tirar os atores essenciais do isola-mento, chamando a Magistratura e os servidores para o debate e deciso sobre o destino das questes que mais de perto interessam jurisdio e que lhes so prprias.

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    CNJ: JOVEM E J AFIRMADA INSTITUIO REPUBLICANA

    No ao largo, mas por dentro dessa discusso, merece registro o legado ideolgico da gesto do ministro Joaquim Barbosa, representado pela interdio autoritria e discri-minatria da participao poltica igualitria nos conselhos criados pelas Resolues n. 194, n. 195 e n. 198. O isolamento poltico da Magistratura e de suas entidades represen-tativas, de uma maneira geral quanto aos processos decisrios, fato lastimvel e de grande atraso na convivncia democrtica e institucional. Afinal, como lembra Norberto Bobbio, em reflexo que tambm cabe para o Conselho, uma das caractersticas da for-ma democrtica de governo o aumento de sujeitos que agem politicamente, vale dizer, que colaboram direta ou indiretamente na formao das decises coletivas.

    Se, na realidade anterior, os tribunais no davam efetividade aos comandos da Reso-luo n. 70 e o Conselho no adotava providncias a respeito o quadro normativo atual do CNJ ainda de chancela da quebra da participao democrtica construtiva da democracia interna do Judicirio. Felizmente, os tempos sinalizam mudanas a partir de iniciativas do ministro Lewandowski que restabelecem o dilogo em todas as direes e formalizam canais de consulta s entidades associativas da Magistratura que j de-ram mostras bastantes de que no carregam, somente, demandas corporativas. Diante da omisso histrica dos tribunais, as associaes de juzes por muito tempo foram, e muitas vezes continuam sendo, a voz poltica da Magistratura na defesa da autonomia do Poder Judicirio e da independncia dos juzes.

    Ao largo dessa viso crtica, h espao para reconhecer que, ao longo desses dez anos de histria, o CNJ debruou-se sobre temas importantes que o aproximou da sociedade, en-tre outros o combate ao nepotismo, como citado anteriormente, o incentivo conciliao, a Jornada Maria da Penha, a criao do Cadastro Nacional de Adoo, o projeto Comear de Novo, o programa Pai Presente, a preocupao com as regras para a viagem ao exterior de crianas e adolescentes, o casamento civil homoafetivo, o enfrentamento do trfico de pessoas e, mais recentemente, as audincias de custdia. Iniciativas como essas compro-vam que h muito mais alm da competncia correicional e que apontam para aquilo que a sociedade e a Magistratura esperam do CNJ: que pense estrategicamente o Poder Judicirio e atue em prol da melhoria da prestao jurisdicional para a sociedade.

    O CNJ, rgo republicano com apenas dez anos de existncia, j est com a sua legiti-midade afirmada na sociedade brasileira. Mas, como toda construo humana, ainda procura a sua verdadeira identidade e o lugar que a Constituio lhe reservou no cen-rio poltico e institucional. O CNJ pode muito mais do que hoje ele . Seguir, passo a passo. Mas precisa, urgentemente, compreender que precisa ser um rgo inclusivo, de planejamento e indutor de mudanas, sob pena de vir a se tornar mais uma instncia de justia s partes.

  • LIMITES DE ATUAODO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIA VEDAO AO EXERCCIO DE JURISDIO CONSTITUCIONAL NA VIAADMINISTRATIVAALEXANDRE DE MORAESDoutor e Livre-docente em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo, onde professor associado, tendo sido Chefe do Departamento de Direito do Estado (binio 2012-2014). Professor titular da Universidade Presbiteriana Mackenzie, da Escola Paulista da Magistratura e da Escola Superior do Ministrio Pblico. Atualmente, exerce o cargo de Secretrio de Estado da Segurana Pblica de So Paulo. Foi Promotor de Justia/SP (1991-2002), Secretario Estadual de Justia e Defesa da Cidadania (2002-2005), Membro da 1 Composio do Conselho Nacional de Justia (binio 2005-2007) e Secretrio Municipal de Transportes e Servios da Capital/SP (2007-20010). Autor de diversas obras jurdicas, entre elas, Direito Constitucional, Constituio do Brasil Interpretada e Legislao Constitucional, Jurisdio Constitucional e Tribunais Constitucionais, Direitos Humanos Fundamentais.

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    ALEXANDRE DE MORAES

    IntroduoA Emenda Constitucional (EC) n. 45/2004 concedeu ao Conselho Nacional de Justia (CNJ) a elevada funo de realizar o controle da atuao administrativa e financeira do Poder Judicirio e do cumprimento dos deveres funcionais dos juzes, estabelecen-do constitucionalmente suas atribuies administrativas, em especial competindo-lhe zelar pela autonomia do Poder Judicirio e pelo cumprimento do Estatuto da Magistra-tura, pela observncia dos princpios da administrao pblica e pela legalidade dos atos administrativos praticados pelos rgos do Poder Judicirio e realizar a fiscalizao tico-disciplinar de seus membros.

    A atuao constitucional do CNJ, portanto, direciona-se para duas importantes misses, quais sejam o planejamento e o controle da atuao administrativa e financeira do Po-der Judicirio e o controle do cumprimento dos deveres funcionais dos juzes, tendo a EC n. 45/2004 estabelecido instrumentos de efetivo controle centralizado da legalidade sobre a atuao dos diversos juzos e tribunais, sem prejuzo, obviamente, dos controles administrativos de cada tribunal e do controle jurisdicional.

    A primeira dcada de existncia do CNJ confirmou o acerto de sua criao e o forta-lecimento das esperanas de mudana, de renovao e a possibilidade de verdadeira reforma estrutural do Poder Judicirio, realizada de dentro para fora, sem ingerncias poltico-partidrias ou ideolgicas.

    Igualmente, porm, demonstrou a necessidade de aperfeioamento no funcionamento do mais importante rgo administrativo desse Poder Estatal e, ainda, a necessidade de maior compatibilidade entre o exerccio de suas competncias constitucionais e a auto-nomia dos Tribunais, igualmente prevista pelo Texto Constitucional.

    Desde sua criao, o CNJ vem demonstrando o acerto de sua criao pelo Congresso Nacional, porm no excluiu em diversas oportunidades a necessidade de manifestao do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre os limites constitucionais de suas importantes competncias como rgo de cpula administrativa e disciplinar do Poder Judicirio, pois sua criao reforou a necessidade democrtica de constante aprimoramento entre os poderes e instituies de Estado na prtica da harmonia exigida textualmente pelo artigo 2 da Constituio, sob pena de deflagrao de embates to nocivos Repblica.

    Na prtica, a atuao do CNJ, nessa primeira dcada, demonstrou-se extremamente ampla, em virtude dos enunciados genricos e principiolgicos do texto da Constituio Federal (CF), e, em face dessa amplitude de atuao, no raras vezes a doutrina e os pr-prios Ministros do STF foram conflitantes ao interpretar os limites de atuao do CNJ.

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    LIMITES DE ATUAODO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIA VEDAO AO EXERCCIO DE JURISDIO CONSTITUCIONAL NA VIAADMINISTRATIVA

    A definio dos limites constitucionais das importantes competncias administrativas do CNJ imprescindvel para o bom funcionamento do rgo e para manuteno de sua legitimidade constitucional, salientando-se que suas competncias originrias, assim como ocorre h mais de 210 anos em relao Corte Suprema Americana e h mais de 120 anos em relao s competncias originrias do STF, so taxativamente previstas pelo texto constitucional, no devendo ser ampliadas de ofcio pela interpretao do prprio rgo, pois as competncias originrias dos rgos de cpula do Poder Judici-rio exigem previso expressa e taxativa, conforme princpio tradicional nascido com o prprio constitucionalismo norte-americano em 1.787 e reconhecido no clebre caso Marbury v. Madison (1 Cranch 137 1803) e entre ns, desde o incio da Repblica (RTJ 43/129, 44/563, 50/72).

    Esse foi o princpio adotado pelo Congresso Nacional ao editar a EC n. 45/2004, e es-tabelecer as competncias originrias do Conselho Nacional de Justia, somente no mbito de atuao administrativa, e tornando-as excepcionais, inclusive em relao autonomia dos tribunais, permitindo o controle jurisdicional a ser exercido pelo STF e no as confundindo com o exerccio da funo jurisdicional pelos juzes e tribunais, nem tampouco autorizando qualquer tipo de invaso nas competncias fixadas aos demais rgos e Instituies do Estado, mantendo-se, dessa maneira, a independncia e harmonia entre os Poderes como princpio basilar da Repblica protegido por diversos mecanismos de controles recprocos que precisam, efetivamente, ser utilizados evitan-do dessa forma, a tentativa de criao inconstitucional de mecanismos que induzam a possibilidade de guerrilha institucional.

    No presente ensaio, trago colao o estudo da impossibilidade de o CNJ, como rgo administrativo de cpula do Poder Judicirio, exercer o papel reservado constitucional-mente aos rgos jurisdicionais do Poder Judicirio, qual seja, o controle de constitucio-nalidade de leis e atos normativos do poder pblico, em respeito necessria compati-bilizao e harmonizao do Estado de Direito e Estado Democrtico, como consagrados pelo Texto Constitucional.

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    ALEXANDRE DE MORAES

    1 Estado Constitucional e Supremacia da LegalidadeO fortalecimento do constitucionalismo surgiu como importante instrumento de evolu-o do papel do Estado, com a funo de racionalizao e humanizao, trazendo con-sigo a necessidade da proclamao de declaraes de direitos e garantia da supremacia da legalidade e visando ao combate ao arbtrio. 1

    As lies de Pontes de Miranda apontam o surgimento do Estado, tal qual conhecemos hoje, somente no sculo XV, enquanto Jorge Miranda aponta o sculo XVI como o mar-co inicial do Estado,2 diferenciando-os das organizaes anteriores, como lembra Pablo Lucas Verd.3 So vrias as teorias que justificam sua existncia, explicando-o pela legi-timidade da criao do mais forte (teoria do poder de Hobbes), dos laos jurdico-socio-lgicos (Pacto social de Rousseau e Kant), da vontade divina (Santo Agostinho), ou ainda, da necessidade moral (Plato, Aristteles e, mais recentemente, Hegel). Igualmente, ou-tras tantas teorias pretendem justificar os fins do Estado, apontando-o como necessrio conservao das instituies (Stahl), realizao e aperfeioamento moral (Hegel), realizao do direito (Locke, Kant), criao e assegurao da felicidade (Cristiano Wol-ff e Bentham), ou ainda, como apontam a teoria do materialismo histrico estalinista, para a realizao da igualdade econmica. Kelsen, dentro do estrito formalismo, justifi-ca o Estado como o fim em si-mesmo.

    As teorias so complementares, pois o Estado sempre almeja fins, ainda que difusos, definveis e mutveis e para o pensamento poltico-constitucional trata-se de uma ca-tegoria estruturante. 4

    O Estado de Direito, porm, passou a ser consagrado com o constitucionalismo liberal do sculo XIX, se destacando a Constituio de Cdis, de 19/3/1812, a 1a Constituio Portuguesa, de 23/9/1822, a 1a Constituio Brasileira, de 25/3/1824 e a Constituio Belga, de 7/2/1831; seguidos pela Declarao de Direitos da Constituio Francesa de 4/11/1848, texto percursor do Sculo XX, por consagrar princpios de liberdade, igualda-de e fraternidade e ampla proteo ao cidado.

    1 Surgem as novas declaraes de Direitos, com a Declarao de Direitos da Virgnia, de 16 de junho de 1776, a Declarao de Independncia dos Estados Unidos da Amrica, de 4 de julho de 1776, e a Constituio dos Estados Unidos, de 17 de setembro de 1787, com suas dez primeiras emendas aprovadas em 25 de setembro de 1789 e ratificadas em 15 de dezembro de 1791. Conferir importantssima coletnea do Professor Jorge Miranda: Textos histricos do direito constitucional. 2. ed. Lisboa: Imprensa Nacional, 1990.

    2 MIRANDA, 1990, t. 3, p. 20 ss.

    3 VERD, 2007. p. 23.

    4 Como tivemos oportunidade de salientar em nosso Direito constitucional (2010. p. 2 ss).

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    LIMITES DE ATUAODO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIA VEDAO AO EXERCCIO DE JURISDIO CONSTITUCIONAL NA VIAADMINISTRATIVA

    A necessidade de racionalizao e humanizao fez que os textos escritos exijam que todo o mbito estatal esteja presidido por normas jurdicas, que o poder estatal e a atividade por ele desenvolvida se ajustem ao que determinado pelas previses legais, ou seja, a submisso de todos ao Estado de Direito e a necessidade de edificao de sua construo jurdica, com salientado por Maurice Hariou e Leon Duguit. 5

    Igualmente, no sculo XIX, o manifesto comunista de Karl Marx passou a embasar teo-ricamente o movimento dos trabalhadores, e, juntamente, com os reflexos do cartismo na Inglaterra e Comuna de 1871, na Frana, passam a minar as at ento slidas bases do Estado Liberal, que no previa proteo aos Direitos Sociais.

    A partir da Constituio de Weimar (1919), que serviu de modelo para inmeras outras constituies do primeiro ps-guerra, e apesar de ser tecnicamente uma constituio consagradora de uma democracia liberal trouxe a crescente constitucionalizao dos direitos sociais, elevados categoria de princpios constitucionais protegidos pelas ga-rantias do Estado de Direito.

    O Estado de Direito, j com a constitucionalizao dos direitos sociais e econmicos, no perodo anterior 2a Grande Guerra foi criticado por autores nacional-socialistas (Reinhard Hohn) e definido como a anttese do Estado bolchevique (Koellreutter), mas tambm j foi denominado Estado tico, no constitucionalismo italiano, imediatamente ps-guerra (1947 Felice Battaglia).

    A evoluo do Estado consagrou a necessidade da frmula Estado de Direito, que, con-forme salientado por Pablo Lucas Verd, ainda exerce particular fascinao sobre os juristas. Essa frmula aponta a necessidade do Direito ser respeitoso com as liberdades individuais tuteladas pelo Poder Pblico.

    Essa evoluo foi acompanhada pela consagrao de novas formas de exerccio da de-mocracia representativa, em especial, com a tendncia de universalizao do voto e constante legitimao dos detentores do Poder, fazendo surgir a ideia de Estado Demo-crtico, pautado por regras constitucionais. A importncia dessa evoluo ressaltada tanto por Jorge Miranda,6 quanto por Canotilho.7

    O Estado Constitucional configurou-se, portanto, como uma das grandes conquistas da humanidade, e, para ser um verdadeiro Estado de qualidades no constitucionalismo moderno caracterizou-se como Estado democrtico de direito.

    Dessa forma, so duas as grandes qualidades do Estado Constitucional: Estado de Di-reito e Estado Democrtico.

    O Estado de Direito caracteriza-se por apresentar as seguintes premissas: (1) primazia da lei, (2) sistema hierrquico de normas que preserva a segurana jurdica e que se concretiza na diferente natureza das distintas normas e em seu correspondente mbito de validade; (3) observncia obrigatria da legalidade pela administrao pblica; (4)

    5 DUGUIT, [s.d.], p. 9.

    6 MIRANDA, 1990, t. 1, p. 13-14.

    7 CANOTILHO, 2009, p. 87.

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    separao de poderes como garantia da liberdade ou controle de possveis abusos; (5) reconhecimento da personalidade jurdica do Estado, que mantm relaes jurdicas com os cidados; (6) reconhecimento e garantia dos direitos fundamentais incorporados ordem constitucional; (7) em alguns casos, a existncia de controle de constituciona-lidade das leis como garantia ante o despotismo do Legislativo.

    Assim, existir o Estado de Direito onde houver a supremacia da legalidade, ou para o direito ingls a The Rule of Law, para o direito francs o tat Legal, para o direito alemo o Rechtsstaat, ou ainda, a always under law do direito norte-americano.

    A interpretao da The Rule of Law, apesar de sua evoluo e variaes histricas, pode ser apontada em suas quatro dimenses: (1) observncia do devido processo legal (Magna Charta de 1215); (2) predominncia das leis e dos costumes do pas perante a dis-cricionariedade do poder real; (3) sujeio de todos os atos do executivo soberania do Parlamento; (4) igualdade de acesso aos tribunais para defesa dos direitos consagrados.

    Ltat legal consagrou-se no constitucionalismo francs com a construo de hierarquia na ordem jurdica, prevendo no vrtice da pirmide as declaraes de direitos e, poste-riormente, o texto constitucional.

    O Rechtsstaat, surgido no incio do sculo XIX na Alemanha, pretendeu substituir a ideia de Estado de Polcia, onde tudo regulamento e controlado pelo Estado, pela ideia de Estado de Direito, no sentido de proteo a ordem e segurana pblica, porm com liber-dade ao particular nos campos econmicos e sociais, e, garantindo-se um amplo modelo protetivo de jurisdio ordinria.

    Por outro lado, e de maneira complementar, a defesa de um Estado Democrtico pre-tende, precipuamente, afastar a tendncia humana ao autoritarismo e concentrao de poder. Como ensina Giuseppe de Vergottini, o estado autoritrio, em breve sntese, caracteriza-se pela concentrao no exerccio do poder, prescindindo do consenso dos governados e repudiando o sistema de organizao liberal, principalmente a separao das funes do poder e as garantias individuais.8 Maurice Duverger, ao analisar a com-plexidade da conceituao da Democracia, aponta a definio mais simples e mais realista de Democracia: regime em que os governantes so escolhidos pelos governados; por intermdio de eleies honestas e livres.9

    O Estado Democrtico de Direito, caracterizador do Estado Constitucional, significa que o Estado se rege por normas democrticas, com eleies livres, peridicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades pblicas aos direitos e s garantias fundamentais, proclamado, por exemplo, no caput do art. 1o da Constituio da Repblica Federati-va do Brasil, que adotou, igualmente, em seu pargrafo nico, o denominado princpio democrtico ao afirmar que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de re-presentantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituio, para mais adiante, em seu art. 14, proclamar que a soberania popular ser exercida pelo sufrgio universal

    8 VERGOTTINI, 1981, p. 589.

    9 DUVERGER, 1970, p. 387.

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    e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I plebiscito; II referendo; III iniciativa popular.

    O princpio democrtico exprime fundamentalmente a exigncia da integral partici-pao de todos e de cada uma das pessoas na vida poltica do pas, a fim de garantir o respeito soberania popular.10

    Nos Estados Unidos da Amrica, houve grande avano na harmonizao entre o Estado de Direito e o Estado Democrtico, com a efetivao da Supremacia da Constituio, como Carta proclamada pela vontade popular. Isso somente foi possvel com a aplica-o prtica da ampla reviso judicial, no clebre caso Marbury v. Madison (1803), quando a Corte Suprema, conduzida pelo Juiz-Presidente Marshal, proclamou a superioridade das normas constitucionais sobre todo o restante do ordenamento jurdico, inclusive sobre os atos do Poder Legislativo, corroborando, dessa forma, as afirmaes anteriores de Hamilton, que apontou sobre o tema:

    Esta concluso no supe de modo algum uma superioridade do poder judicirio sobre o legislativo. Supe apenas que o poder do povo superior a ambos, e que, quando a vontade do legislativo, expressa em suas leis, entre em oposio com a do povo, expressa na Constituio, os juzes devem ser governados por esta ltima e no pelas primeiras. Devem regular suas decises pelas leis fundamentais, no pelas que no so fundamen-tais. (The federalist papers LXXVIII).11

    A supremacia da legalidade e superioridade absoluta do texto constitucional, portanto, como clusula imprescindvel plena efetividade do Estado Constitucional, encontra, na existncia do controle de constitucionalidade, previso especificamente consagrada no texto constitucional, garantia contra eventual desrespeito s normas fundamentais e decorrente possibilidade de despotismo do Legislativo; ensejando o moderno equil-brio entre os Poderes.

    10 Cf. em relao ao estudo da necessidade do equilbrio democrtico perante o Presidencialismo, nossa obra: Presidencialismo. So Paulo: Atlas, 2004. Conferir, ainda: CANOTILHO, e MOREIRA, 1991. p. 195; CAETANO, 1987, v. 1, p. 169.

    11 Conferir amplo estudo sobre Jurisdio Constitucional em nosso: Jurisdio constitucional e tribunais constitucionais (2010).

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    2 Consagrao dos rgos jurisdicionais como competentes para o exerccio da Jurisdio ConstitucionalNo Brasil, houve claro fortalecimento da Jurisdio Constitucional pela Constituio de 1988, principalmente, pela previso de novos e complexos mecanismos de controle de constitucionalidade e pelo vigor dos efeitos de suas decises, em especial os efeitos erga omnes e vinculantes nas aes constitucionais, nas Smulas Vinculantes e na uti-lizao da repercusso geral, somados inrcia dos Poderes Polticos em efetivar total-mente as normas constitucionais, vem permitindo que novas tcnicas interpretativas ampliem a atuao jurisdicional em assuntos tradicionalmente de aladas dos Poderes Legislativo e Executivo.

    A possibilidade do STF conceder interpretaes conforme Constituio, declaraes de nulidade sem reduo de texto, e, ainda, mais recentemente, a partir da edio da Emenda Constitucional n. 45/2004, a autorizao constitucional para editar, de ofcio, Smulas Vinculantes no s no tocante vigncia e eficcia do ordenamento jurdico, mas tambm em relao sua interpretao, acabaram por permitir, no raras vezes, a transformao da Corte em verdadeiro legislador positivo, completando e especificando princpios e conceitos indeterminados do texto constitucional; ou, ainda, moldando sua interpretao com elevado grau de subjetivismo.

    Essa realidade surgida com o texto constitucional de 1988 tornou cada vez mais neces-sria a compatibilizao e harmonizao das referidas grandes qualidades existentes no moderno Estado Constitucional Estado de direito e Estado Democrtico , com regras constitucionais bem definidas sobre o exerccio da Jurisdio Constitucional em especial, sobre quais os rgos constitucionalmente competente para exerc-la , de maneira a impedir que haja preponderncia de um poder de Estado sobre o outro.

    No Brasil, a opo do legislador constituinte pelos rgos jurisdicionais, como competen-tes para o exerccio da jurisdio constitucional, longe de configurar um desrespeito vontade popular emanada por rgos eleitos, seja no Executivo seja no Legislativo, consti-tui um delicado sistema de complementaridade entre a Democracia e o Estado de Direito (Garca de Enterra), em defesa da efetiva proteo aos Direitos Fundamentais, pois a lei como obra do legislador e expresso da vontade soberana do povo, que consiste em tradi-

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    o do sculo XIX, tornou-se mera fico (Mauro Cappelletti), seja em virtude da flagrante crise da Democracia representativa, seja pelo fortalecimento do poder poltico dos grupos de presso, que acarretam, no raras vezes, a dissonncia entre a lei e a vontade popular, ou ainda, entre a lei e os Direitos Fundamentais, com o claro desvio de finalidade legis-lativo no sentido de favorecimento de alguns poucos, mas poderosos, grupos de presso.

    O nascimento, o fortalecimento e a concretizao da Jurisdio Constitucional tiveram por finalidade, basicamente, a defesa dos Direitos Fundamentais do Homem e dos direi-tos das minorias, tornando absolutamente necessrio o surgimento de tribunais que ve-lassem pela compatibilidade dos atos do poder pblico com as normas constitucionais, pois, como bem destacado pelo Ministro Celso de Mello,

    [...] a jurisdio constitucional qualifica-se como importante fator de conteno de eventuais excessos, abusos ou omisses alegadamente transgressores do texto da Cons-tituio da Repblica, no importando a condio institucional que ostente o rgo estatal por mais elevada que seja sua posio na estrutura institucional do Estado de que emanem tais condutas (MS 27.931-1/DF).

    O direito norte-americano em 1803, no clebre caso Marbury v. Madison, relatado pelo Chief Justice da Corte Suprema John Marshall afirmou a supremacia jurisdicional sobre todos os atos dos poderes constitudos, inclusive sobre o Congresso dos Estados Uni-dos da Amrica, permitindo-se ao Poder Judicirio, mediante casos concretos postos em julgamento, interpretar a Carta Magna, adequando e compatibilizando os demais atos normativos com suas superiores normas.

    Posteriormente, em 1920, a Constituio austraca criou, de forma indita, um tribunal Tribunal Constitucional com exclusividade para o exerccio do controle judicial de constitucionalidade das leis e atos normativos, em oposio ao sistema adotado pelos Estados Unidos da Amrica, pois no se pretendia a resoluo dos casos concretos, mas a anulao genrica da lei ou ato normativo incompatvel com as normas constitucio-nais (Hans Kelsen).

    Porm, a consagrao efetiva da necessidade de sujeio da vontade parlamentar s normas constitucionais, com a consequente criao dos Tribunais Constitucionais eu-ropeus, ocorreu aps a constatao de verdadeira crise na democracia representativa e do consequente distanciamento entre a vontade popular e as emanaes dos rgos legislativos, duramente sentida durante o perodo nazista.

    A inexistncia de um controle jurisdicional de constitucionalidade das leis e dos atos normativos e de mecanismos que impedissem a criao de uma ditadura da maioria auxiliaram na criao do Estado Totalitrio alemo, sem que houvesse quebra da lega-lidade formal, demonstrando a necessidade da adoo do judicial review pela Lei Funda-mental alem de 1949, como ensinado por Otto Bachof, ao afirmar que:

    [...] o facto de haver sido justamente um acto do legislativo a chamada lei de autori-zao que desarticulou (aus den Angeln geboben bat) definitivamente, e sob uma apa-rncia de preservao da legalidade, a Constituio da Repblica de Weimar pode ter contribudo para dotar o Tribunal Constitucional Federal, como guarda da Constituio,

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    de poderes extraordinariamente amplos precisamente face ao legislador (Otto Bachof, Gilmar Mendes, Franois Luchaire).

    Essa mesma referncia histrica apontada por Garca de Enterra, ao relembrar que:

    [...] o fracasso do sistema weimariano de justia constitucional (especialmente visvel no famoso juzo de 1932, sobre o chamado golpe de Estado do Reich contra a Prssia de Von Papen, legitimado nas Ordenaes presidenciais autorizadas pelo famoso artigo 48 da Constituio) levou a Repblica Federal alem, surgida no segundo ps-guerra, sen-sibilizada pela perverso do ordenamento jurdico ocorrido no nazismo, a adotar, com algumas variantes importantes, o sistema kelsiano.

    Dentro dessa perspectiva, acentua-se a necessidade de conjugarem-se e compatibiliza-rem-se as ideias de Democracia, que se manifesta basicamente pela forma representa-tiva, por meio dos Parlamentos e Legislativos, e de Estado de Direito, que se manifesta pela consagrao da supremacia constitucional e o respeito aos direitos fundamentais efetivados por rgos com funo jurisdicional, tornando-se, portanto, clara a legitimi-dade da Justia constitucional e a necessidade de existncia de seus rgos, dotados de plena independncia e que possam instrumentalizar a proteo dos preceitos e direitos constitucionais fundamentais (Manuel Aragn Reyes).

    O fundamento bsico da legitimidade material da Justia Constitucional est na ne-cessidade de consagrao e efetivao de um rol de princpios constitucionais bsicos e direitos fundamentais tendentes a limitar e controlar os abusos de poder do prprio Estado e de suas autoridades constitudas e a consagrao dos princpios bsicos da igualdade e da legalidade como regentes do Estado moderno e contemporneo (Pierre Bon), pois, nos Estados onde o respeito efetividade dos direitos humanos fundamen-tais no for prioridade, a verdadeira Democracia inexiste (Javier Perez Royo), como en-sina Norberto Bobbio ao afirmar que sem respeito s liberdades civis, a participao do povo no poder poltico um engano, e sem essa participao popular no poder estatal, as liberdades civis tm poucas probabilidades de durar (Norberto Bobbio).

    Exatamente com a finalidade de almejar a conquista da verdadeira liberdade como projeto maior de um Estado Democrtico de Direito (Proscoe Pound), consagrando-se oportunidade para que se respeitem os direitos fundamentais (Capelletti), nosso tex-to constitucional previu forte jurisdio constitucional a ser exercida repressivamente, com exclusividade, por rgos judicirios, no exerccio de funo jurisdicional.

    Sob essa perspectiva, e demonstrando a necessidade de compatibilizao das ideias de Democracia e de Estado de Direito, com absoluto respeito Separao de Poderes com a finalidade de concretizao dos Direitos Fundamentais e defesa das minorias, a CF/1988, portanto, a Constituio de 1988 manteve a natureza hbrida de nosso sistema de jurisdio constitucional, preservando o tradicional controle difuso de constitucio-nalidade trazido pela 1 Constituio Republicana de 1891, a ser realizado por todos os juzes e tribunais mediante a existncia de uma caso concreto e fortalecendo o controle abstrato a ser exercido pelo Supremo Tribunal Federal; no prevendo e to pouco per-mitindo a possibilidade de exerccio de jurisdio constitucional por rgos administra-tivos, independentemente de sua importncia institucional.

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    4. Natureza administrativa do Conselho Nacional de Justia E VEDAO AO EXERCCIO DE JURISDIO CONSTITUCIONAL

    Dentro da perspectiva constitucional de sua criao e organizao, inconcebvel a hi-ptese de o CNJ, rgo administrativo sem qualquer funo jurisdicional, passar a exer-cer controle difuso de constitucionalidade nos julgamentos de seus procedimentos, sob o pretenso argumento de que lhe seja defeso em virtude de sua compete administrativa para zelar pela observncia dos princpios e regras da Administrao Pblica previstos no artigo 37 (CF, art. 103-B, 4, II).

    Assim como outros importantes rgos administrativos previstos na Constituio Fede-ral com atribuies expressas para defender princpios e normas constitucionais (Minis-trio Pblico CF, art. 129, II compete ao Ministrio Pblico zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Pblicos e dos servios de relevncia aos direitos assegurados nesta Cons-tituio, promovendo as medidas necessrias a suas garantias e Conselho Nacional do Ministrio Pblico, cuja previso constitucional de atribuio idntica ao CNJ CF, art. 130-A, 2, II Compete ao CNMP zelar pela observncia do artigo 37), no exerccio de sua misso e finalidades previstas no texto maior, compete ao CNJ exercer na plenitude todas suas competncias administrativas, sem obviamente poder usurpar o exerccio da fun-o de outros rgos, inclusive a funo jurisdicional de controle de constitucionalidade.

    O exerccio dessa competncia jurisdicional pelo CNJ acarretaria triplo desrespeito ao texto maior, atentando tanto contra o Poder Legislativo, quanto contra as prprias compe-tncias jurisdicionais do Judicirio e as competncias privativas de nossa Corte Suprema.

    O desrespeito do CNJ em relao ao Poder Judicirio consubstanciar-se-ia no alarga-mento de suas competncias administrativas originrias, pois estaria usurpando fun-o constitucional atribuda aos juzes e tribunais (funo jurisdicional) e ignorando ex-pressa competncia do prprio Supremo Tribunal Federal (guardio da Constituio).

    A declarao incidental de inconstitucionalidade ou, conforme denominao do Chief Justice Marshall (1 Chanch 137 1803 Marbury v. Madison) a ampla reviso judicial, so-mente permitida de maneira excepcional aos juzes e tribunais para o pleno exerccio de suas funes jurisdicionais, devendo o magistrado garantir a supremacia das normas constitucionais ao solucionar de forma definitiva o caso concreto posto em juzo.

    Trata-se, portanto de excepcionalidade concedida somente aos rgos que exercem de funo jurisdicional, aceita pelos mecanismos de freios e contrapesos existentes na se-parao de poderes e no extensvel a qualquer outro rgo administrativo (cf. Henry Abraham, Thomas Cooley, Lawrence Baum, Bernard Shawartz, Carl Brent Swisher, Ker-mit L. Hall, Jethro Lieberman, Herman Pritchett, Robert Goldwin, entre outros).

    A possibilidade de exerccio do controle difuso pelo CNJ mais grave que somente a configurao de usurpao de funo jurisdicional por rgo administrativo, em virtude da extenso dos efeitos de suas decises em procedimentos administrativos relativos aos diversos tribunais.

    O controle difuso exercido administrativamente pelo CNJ traria consigo a transcendn-cia dos efeitos, pois, na maioria das vezes, ao declarar a inconstitucionalidade ou, eu-

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    femisticamente, afastar incidentalmente a aplicao de uma lei federal ou estadual de organizao judiciria, de regulamentao dos servios judicirios ou regramento funcional da magistratura, o CNJ no s estaria julgando o caso concreto, mas tambm acabaria determinando aos rgos de administrao dos referidos Tribunais que dei-xassem de aplicar essa mesma lei para todos os demais casos idnticos, extrapolando os efeitos concretos e intrapartes e tornando-os erga omnes e vinculantes no mbito daquele tribunal.

    A deciso do CNJ configuraria, portanto, alm de exerccio no permitido de funo jurisdicional, clara hiptese de transcendncia dos efeitos do controle difuso, com usur-pao cumulativa das competncias constitucionais exclusivas tanto do Supremo Tri-bunal Federal (controle abstrato de constitucionalidade, CF, art. 102, I, a), quanto do Senado Federal (mecanismo de ampliao dos efeitos da declarao incidental de in-constitucionalidade, CF, art. 52, X).

    Tome-se como exemplo, eventual procedimento de controle administrativo onde de-terminado candidato a cargo de servidor do Poder Judicirio requer ao CNJ a nulidade do concurso em virtude da presena de suposta inconstitucionalidade da lei estadual, vigente e eficaz, que o regulamenta. Ao declarar incidentalmente essa inconstitucio-nalidade e decretar a nulidade do concurso, o CNJ estar impedindo a aplicao da lei estadual pelos rgos de administrao do Judicirio local, no somente para o referido candidato que impugnou o concurso, mas tambm para o concurso atual e os posterio-res, ou seja, a deciso ter efeitos erga omnes e vinculantes no mbito daquele rgo do Poder Judicirio, a quem se aplica a lei.

    Trata-se da denominada transcendncia dos efeitos do controle difuso que o prprio STF no permitiu a si mesmo, autolimitando-se no julgamento da Reclamao n. 4.335/AC, julgada em 16 de maio de 2013, por entender que a Corte Suprema no poderia in-vadir competncia constitucional do Senado Federal, prevista no artigo 52, X, do texto atual, pois a Constituio Federal previu mecanismo especfico de ampliao dos efeitos da declarao incidental de inconstitucionalidade pelo STF, autorizando que a Cmara Alta do Congresso Nacional edite resoluo para suspender a execuo, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional incidentalmente por deciso definitiva do STF.

    Em verdade, nas hipteses de afastamento incidental da aplicao de lei especfica no mbito de determinado rgo do Judicirio, o CNJ, por via reflexa, estaria automati-camente aplicando a transcendncia dos efeitos do controle difuso e desrespeitando frontalmente a competncia para o exerccio do controle concentrado reservada com exclusividade ao Supremo Tribunal Federal pelo texto constitucional, pois estaria obri-gando, a partir de um caso concreto, aquele rgo Judicirio a deixar de aplicar uma lei em todas as situaes idnticas (efeitos vinculantes).

    A transformao do controle difuso em concentrado em virtude da transmutao de seus efeitos, com patente usurpao da competncia exclusiva do STF, no admitida em nosso ordenamento jurdico constitucional nem mesmo em mbito jurisdicional, quanto mais em mbito administrativo.

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    Em hipteses semelhantes, no mbito do exerccio de funo jurisdicional, o STF no entende possvel que a deciso jurisdicional e incidental de inconstitucionalidade de juiz ou tribunal em um caso concreto extrapole seus efeitos entre as partes e passe a gerar reflexos erga omnes.

    Veda-se, portanto, a utilizao de instrumentos processuais que visem obteno de feitos gerais nas declaraes de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no im-portando se essa declarao constar como pedido principal ou como pedido incidental, pois, mesmo nessa ltima hiptese, a declarao de inconstitucionalidade poder no se restringir somente s partes daquele processo. o que se probe, por exemplo, em al-guns casos onde se pretende a declarao incidental de inconstitucionalidade em sede de ao civil pblica como sucedneo de ao direta de inconstitucionalidade, a fim de exercer controle concentrado de constitucionalidade (STF/Rcls. 633, 554, 2224).

    No bastasse a configurao do desrespeito funo jurisdicional e a competncia exclu-siva do STF, essa hiptese fere as funes do Legislativo, pois a possibilidade de o CNJ de-clarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder pblico incidentalmente em seus procedimentos administrativos atentaria frontalmente contra os mecanismos recprocos de freios e contrapesos (check and balances) estabelecidos no texto constitucio-nal como pilares Separao de Poderes e que se consubstancia em clusula ptrea em nosso sistema normativo, nos termos do artigo 60, 4, III, da Constituio Federal, pois ausente a necessria legitimidade constitucional a que esse, ou qualquer outro rgo administrativo, possa afastar leis devidamente emanadas pelo Poder Legislativo.

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    ConclusoA vedao ao CNJ, inclusive de ofcio, de exercer controle de constitucionalidade, mesmo que difuso, em relao s leis federais e estaduais de regncia do Poder Judicirio, com consequente transcendncia dos efeitos de suas decises vinculando todos os rgos de administrao judiciria daquele determinado rgo, decorre da prpria Constituio Federal, que no lhe permite o reconhecimento de novas e perigosas competncias ori-ginrias de carter jurisdicionais no previstas no texto constitucional, em usurpao s competncias do STF,12 e desrespeito ao sistema de harmonizao entre o Estado de Direito e Estado Democrtico.

    Aceitar a possibilidade de exerccio de controle difuso pelo CNJ seria reconhecer subs-tancial e inconstitucional acrscimo sua competncia de controle da atividade admi-nistrativa e financeira do Judicirio e controle tico-disciplinar de seus membros (ADI 3367), apesar da inexistncia dessa previso na EC n. 45/2004, transformando-o de rgo de cpula administrativa em verdadeiro Tribunal Constitucional no mbito do Poder Judicirio e concedendo-lhe a possibilidade de analisar de ofcio ou por provocao de qualquer pessoa (legitimidade popular), todas as leis estaduais ou federais de incidncia na atividade administrativa, financeira ou tico-disciplinar do Judicirio, com efeitos vinculantes de suas decises em relao aos rgos administrativos dos demais Tribu-nais, que no poderiam negar aplicao quela deciso.

    Mesmo que a deciso do CNJ fosse restrita ao mbito da legislao do Poder Judicirio, a Constituio Federal no admite qualquer hiptese de controvrsia sobre a exclusivida-de do STF como o rgo detentor da grave misso constitucional de Guardio da Cons-tituio, com ampla possibilidade de utilizao das tcnicas de interpretao constitu-cional como instrumento de mutao informal de seu texto, mediante compatibilizao de seus princpios com as exigncias e transformaes histricas, sociais e culturais da sociedade, principalmente para concretizao e defesa integral e efetividade mxima dos direitos fundamentais e dos princpios da administrao pblica.

    Trata-se da efetivao da ideia de Hans Kelsen, exposta por esse em artigo publicado em 1930 (Quem deve ser o guardio da Constituio?), onde defendeu a existncia de uma Justia constitucional como meio adequado de garantia da essncia da Democracia, efetivando a proteo de todos os grupos sociais proteo contra majoritria e con-

    12 No sentido da impossibilidade de realizao de controle incidental de constitucionalidade pelo CNJ, conferir: STF, Pleno, MS 32.582/DF, medida cautelar, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 11.2.2014; STF, Pleno, MS 32.865-MC/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 5.6.2014; STF, 2 T, MS 30793/DF, rel. Min. Crmen Lcia, 5.8.2014; STF, Pleno, MS 32824, medida cautelar, Rel. Roberto Barroso, 14-4-2014. No mesmo sentido, em julgamento suspenso por pedido de vistas, salientou o Ministro Luiz Fux, em relao ao CNMP, que por ser rgo de natureza administrativa cuja atribuio adstringir-se-ia ao controle de legiti-midade dos atos administrativos praticados por membros ou rgos do Ministrio Pblico federal ou estadual (CF, art. 130, 2), o CNMP no ostentaria a competncia para efetuar controle de constitucionalidade de lei. Afirmou que o CNMP, ao declarar a inconstitucionalidade do mencionado diploma normativo, exorbitara de suas funes (STF, 1 T, MS 27744/DF, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 6.5.2014).

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    tribuindo com a paz social, pois a Assembleia Nacional Constituinte consagrou nosso Poder Judicirio, no exerccio da funo jurisdicional, como guardio final do texto cons-titucional, e o STF como seu maior intrprete, protegendo essa escolha com o manto da clusula ptrea da separao de Poderes (CF, artigo 60, pargrafo 4, III).

    Haveria nessa hiptese inaceitvel subverso constitucional, pois o texto constitucional no prev essa competncia jurisdicional ao CNJ, que, igualmente, no se submete s regras de freios e contrapesos previstas pela Constituio Federal ao STF para interpretar seu texto (legitimidade taxativa, pertinncia temtica, clusula de reserva de plenrio, qurum qualificado para modulao dos efeitos, qurum qualificado para edio de s-mulas vinculantes etc.), e que acabam por ponderar, balancear e limitar esse poder.

    A Constituio Federal no permite, sob pena de desrespeito aos artigos 52, inciso X, 102, I, a e 103-B, ao CNJ o exerccio do controle difuso de constitucionalidade, mesmo que, repita-se, seja eufemisticamente denominado de competncia administrativa de deixar de aplicar a lei vigente e eficaz no caso concreto com reflexos para os rgos da Magistratura submetidos ao procedimento administrativo, sob o argumento de zelar pela observncia dos princpios da administrao pblica e pela legalidade dos atos ad-ministrativos praticados por membros ou rgos do Poder Judicirio, pois representaria usurpao de funo jurisdicional, invaso competncia exclusiva do STF e desrespei-to ao Poder Legislativo.

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    ALEXANDRE DE MORAES

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  • CNJ COMO INSTNCIA DE SUPORTE AOS MAGISTRADOS NA COMPLEXIDADE DECISRIA: O CASO DOS DIREITOS SOCIAIS EECONMICOSANDR RAMOS TAVARESProfessor Titular da Faculdade de Direito da USP e Professor da PUC/SP, Presidente do Conselho Consultivo da Presidncia do CNJ, Presidente da Associao Brasileira de Direito Processual Constitucional.

    * O presente artigo integrou a exposio realizada em Conferncia proferida a convite da Universidade de Cambridge, em 20 de novembro de 2014, e integra a linha de pesquisa fomentada no mbito do Edital CAPES/CNJ n. 020/2010.

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    ANDR RAMOS TAVARES

    IntroduoInicialmente, pretendo situar, ainda que de maneira muito breve e, por isso mesmo, ge-nrica, o Conselho Nacional de Justia (CNJ), que ocupa uma posio central nesta an-lise crtica. Esse rgo foi criado, no Brasil, para integrar o Poder Judicirio, pela Emenda Constitucional n. 45 de dezembro de 2004, institudo em 2005. Conta, neste momento, com uma dcada de vivncia, e permite-se confront-lo com sua prpria imagem e pro-jees, da sociedade, dos usurios do sistema judicial e, finalmente, projees do prprio Poder Judicirio.1

    Como explicitei em meu Manual do Poder Judicirio brasileiro, as funes primrias do CNJ, a exemplo de conselhos existentes em muitos pases, podem ser sintetizadas nos seguintes tpicos: exercer o controle da atuao administrativa e financeira do Poder Judicirio e zelar pelo cumprimento dos deveres profi