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Livro do Prof. Itamar Freitas

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  • DIDTICA PARA LICENCIATURAS

  • Conselho editorial Fbio Alves dos Santos Luiz Carlos Fontes Jorge Carvalho do NascimentoJos Afonso do NascimentoJos Rodorval RamalhoJustino Alves Lima

  • ITAMAR FREITAS

    Aracaju-SE2014

    DIDTICA PARA LICENCIATURAS

  • Freitas, ItamarF862d Didtica para licenciaturas/ Itamar Freitas. Ara-

    caju: Criao, 2014. 130 p. ISBN. 978-85-8413-006-1

    1. Didtica. 2. Cultura. 3. Aprendizagem. I. Ttulo.

    CDU 37 (37.01)

    Editorao Eletrnica e capa: Adilma MenezesFoto da Capa: DreamstimeReviso: Jos Douglas Alves dos Santos

    Ficha catalogrfica elaborada na Fonte

    Proibida a reproduo total ou parcial, por qualquer meio ou processo, com finalidade de co-mercializao ou aproveitamento de lucros ou vantagens, com observncia da Lei de regncia. Poder ser reproduzido texto, entre aspas, desde que haja expressa marcao do nome do autor, ttulo da obra, editora, edio e paginao.A violao dos direitos de autor (Lei n 9.619/98) crime estabelecido pelo artigo 184 do Cdigo penal.

  • PAPO INICIAL

    Ol colegas,Sou Itamar Freitas, licenciado e mestre em Histria e doutor em Educao. Vejam que a minha formao mista. Estou nos dois la-dos da moeda, como pensam milhares de profissionais e alunos. A cara, representando os contedos conceituais de uma especia-lidade (no meu caso, a Histria). A coroa, sendo o smbolo das habilidades responsveis pela transmisso desses contedos con-ceituais. De um lado o saber e do outro o como fazer para os alunos saberem. Sei que muitos alunos da graduao pensam dessa maneira. Mas, vou tentar argumentar que possvel pensar e agir de outro modo em relao aos conhecimentos ditos pedaggicos. Se esse no o seu caso, vira a pgina, por favor. Mas, se for, peo que conti-nue a leitura deste livro.Bom trabalho e obrigado pela companhia!

  • SUMRIO

    Didtica para quem necessita de Didtica 9Uma didtica para formar o cristo 21Uma didtica para a formao do gentleman 33A formao do homem moral 43Racionalidade e eficcia na Didtica dos objetivos 57Tecnologia de ensino a servio da Didtica comportamentalista 69A didtica da aprendizagem por descoberta 83A didtica cognitiva verbal significativa 97A didtica das competncias para a formao cidad 109Didtica e profisso docente 121

  • 1DIDTICA PARA QUEM

    NECESSITA DE DIDTICA

    Metas

    Apresentar os objetos e questes-chave da Didtica.

    Fornecer uma viso geral sobre este livro.

    Avaliar os conhecimentos prvios do aluno.

    Objetivos

    Recordar os sentidos das palavras: aprendizagem, ensino, contedos e avaliao.

    Avaliar o conhecimento que possui sobre as questes-chave da Didtica.

    Compreender a transitoriedade das respostas oferecidas pela Didtica.

    Identificar os critrios de escolha da matria deste livro.

    Pr-requisitos

    Disposio para conhecer os objetivos e o contedo deste livro.

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    DIDTICA PARA LICENCIATURAS | Itamar Freitas

    1. Sobre o sentido da Didtica nos cursos de licenciaturaSei que muitos entendem a formao inicial docente nos seguin-tes termos: os contedos conceituais das especialidades de um lado e os contedos procedimentais da Pedagogia do outro. Em tambm j pensei assim um dia! J teci comentrios nada abonadores sobre os professores de Didtica, Prtica de Ensino, Estgio, Psicologia da Aprendizagem e Psicologia do Desenvolvimento, por exemplo. Hoje, tenho conscin-cia dos motivos e posso at listar alguns: 1. a incapacidade de o professor de Didtica demonstrar a rele-vncia do curso para a formao em cada rea e para o uso no cotidiano docente; 2. a ocupao excessiva do tempo na construo e/ou uso de ar-tefatos empregados em situao de ensino (planos de aula, retro-projetores, por exemplo), desconectados de quaisquer teorias do ensino e da aprendizagem; 3. o total desconhecimento dos rudimentos da minha especiali-dade; 4. o preconceito dos meus mestres de Histria em relao aos mestres das reas ditas pedaggicas;5. a imagem da atividade docente como profisso precarizada (baixos salrios, trabalho insalubre etc.).Evidentemente, vrias dessas mazelas estavam presentes em muitas disciplinas cursadas no Departamento de Histria. Mas, o nascente esprito de corpo (de historiador) no me deixava com-preender que os meus professores de Histria, antes de serem de Histria, eram professores. E, como professores, deveriam, no mnimo para usar a pobre metfora que me orientava poca , dominar algumas estratgias de como fazer para os alunos sabe-rem (a coroa).Entretanto, apesar de reclamar de vez em quando Professor fulano sabe muito, mas sabe s para ele! , costumava perdoar

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    DIDTICA PARA QUEM NECESSITA DE DIDTICA

    os pesquisadores da Histria e condenar os professores da Educao. Em resumo, eu tambm no gostava de Didtica e sempre espe-rei ler algum texto que me convencesse sobre a sua funcionalidade na formao inicial do ofcio de professor. Hoje, como me encontro na condio de professor de Didtica, fui forado pelas circunstncias a produzir tal texto. Por isso, come-o afirmando que ningum obrigado a gostar de Didtica. O gosto algo aprendido. Conheo dezenas de alunos que, literalmente, odeiam Teoria da Histria, Clculo e Lingustica... . Mas com as minhas pesquisas e a observao cotidiana posso afirmar que impossvel exercer ho-nestamente o ofcio de professor de Histria, Matemtica e de Ln-gua Portuguesa, entre os adolescentes e adultos, sem conhecer os rudimentos de algumas disciplinas ditas pedaggicas nos cursos de graduao.Assim penso em relao Didtica. Seus objetos e problemas devem ser discutidos na formao inicial. Estou convencido de que o domnio desses objetos pode fazer a diferena na sua futura atuao profissional. No entanto, quem vai decidir se voc deve ou no estudar os ob-jetos e questes-chave da Didtica, se a Didtica ou no relevante para a formao inicial do professor (seja ele de Geografia, Artes, Qumica, Biologia, entre outras) voc.Eu, apenas, contribuirei pra essa tomada de deciso, fazendo, neste momento, quatro perguntas. Se voc conseguir responder com objetividade e coerncia, em vinte minutos, sem o auxlio do Google ou de colegas experientes na docncia, direi que no h ne-cessidade de prosseguir com a leitura. Nesse caso, voc faz par-te de um minsculo grupo de pessoas minimamente habilitadas a refletirem sobre a docncia. Aconselho-o, imediatamente, partir para as leituras sugeridas no final e solicitar o reaproveitamento de crditos junto ao Departamento que gerencia o seu curso de licenciatura.

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    Se, no entanto, voc encontrar dificuldades, se no conseguir responder dentro dos critrios sugeridos, pode dar uma chance aos meus escritos e, por curiosidade, continuar seguindo este captulo e este livro. Eles foram elaborados, exatamente, para aquele aluno que no tem a mnima pacincia com assuntos da rea, que no sabe o lugar da disciplina na formao do licenciado, enfim, para quem acha que as disciplinas oferecidas pelas faculdades e departamentos de Educao as disciplinas pedaggicas devem ser substitudas pelas disciplinas de contedo relacionados sua futura rea de atuao, sem nenhum prejuzo para a formao docente. Est pronto? Ento, tente responder:1. O que aprender?2. O que ensinar?3. O que contedo?4. O que avaliar?2. Oito maneiras de responder s clssicas questes da Di-dticaAt aqui, voc deve ter percebido que a Didtica sobre a qual es-tou tratando uma disciplina universitria, componente de cursos de formao inicial de professores, que tem como principais objetos prioritrios o ensino, a aprendizagem, os contedos e a avaliao. Didtica tambm um campo de investigaes e, como tal, pos-sui suas controvrsias, linhas, tendncias, correntes, paradigmas e modelos. Qual Didtica vou usar para responder s perguntas anun-ciadas no incio deste livro? As respostas s clssicas perguntas da Didtica sero fornecidas por oito tericos da educao, cujas obras foram (e so) direta ou in-diretamente empregadas na experincia brasileira: Joo Ams Come-nius, John Locke, Johann Friedrich Herbart, F. Burrus F. Skinner, Ralph W. Tyler, Jerome Bruner, David Ausubel e Philippe Perrenoud. Desses autores, enfatizo o tratamento atribudo aos contedos conceituais e

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    proposicionais que so os tipos dominantes apresentados aos alunos dos anos finais do ensino fundamental e do ensino mdio.Mas, por que oito? Por que no responder o que ensinar, apren-der, como selecionar contedos e o que avaliar ao modo do professor Itamar Freitas? Simplesmente porque fao parte de uma classe docente que entende a teoria como um instrumento que os humanos criaram para entender o seu entorno e orientar a sua vida cotidiana. Os huma-nos so criativos, engajados, limitados e, consequentemente, divergen-tes. Por esse raciocnio, no existe, portanto, a teoria da Didtica. Outros professores incluiriam os objetivos, planejamento e rela-o professor-aluno (Oliveira, 2000; Cunha, 1993), planejamento (Lo-pes, 1993), progresso (Freitas, 2014) e livro didtico (Caporalini, 1993) ou os substituiriam pelo fenmeno do ensino as mudanas nos sistemas escolares e na formao de professores (Pimenta, 2000, p. 71), o fenmeno da aula as interaes, as funes e as lingua-gens verbal e no verbal que ocorrem na sala de aula (Soares, 1986) ou a apropriao crtica dos contedos entendidos como a expres-so complexa da vida material, intelectual, espiritual dos homens de um determinado perodo da histria (Gasparin, 2002, p. 3).Por que no h consensos duradouros sobre as teorias educacio-nais ou sobre os modos de ensinar? A reflexo sobre a Didtica altera--se ( histrica) porque, com o passar do tempo, as sociedades e os tericos modificam seus interesses e esses interesses exigem novas explicaes sobre o seu entorno, resultando em novas perguntas e, com isso, novas respostas...e novas perguntas e novas respostas.3. Uma viso geral do nosso livroAs respostas para os sentidos de ensinar, aprender, contedos e avaliao sero anunciadas em ordem cronolgica, ou seja, sequen-cialmente, de acordo com a data em que as obras foram publicadas pela primeira vez, em lngua original. Esta disposio ajuda a reforar a percepo das diferenas de posio entre os autores e tambm das continuidades ou das cr-

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    ticas e ressignificaes de conceitos e procedimentos defendidos por cada um. Evidentemente, voc pode planejar os seus estudos de outra maneira, iniciando por qualquer captulo. Mas, sugiro, an-tes, conhecer.As falas dos tericos, uma para cada captulo, foram agrupadas em trs tendncias, que refletem posies dominantes sobre a natureza e o funcionamento da mente, e o controle do comportamento humano.

    O primeiro exemplifica trs modos de compreender o ensinar e o aprender no momento em que a Filosofia e as cincias naturais ditavam as teorias sobre a educao escolar. So os casos da didtica de Come-nius e Locke no sculo XVII e da didtica de Herbart no sculo XIX.

    Esse perodo foi marcado por uma infinidade de hipteses sobre a localizao, o funcionamento e as formas de otimizao das facul-dades mentais ou dos estados de conscincia. Acreditava-se que o movimento da alma ou da mente fornecia ordem ideal para a ela-borao de mtodos de ensino, programas e currculos.O segundo bloco explora a experincia da Filosofia da Educa-o de Tyler e da Psicologia experimental de Skinner. Vivencian-

    do a utopia positivista da cincia (quantificar, generalizar, prever e controlar), no incio do sculo XX, esses autores no mais estavam preocupados com o que acontecia na mente. Seus interesses, embora diferenciados, deslocaram-se para o ambiente. Queriam conhecer as melhores estratgias para condicio-nar o comportamento das pessoas, programar situaes de apren-dizagem que lhes garantissem a moldagem do comportamento pro-gramado como objetivo educacional.No ltimo bloco esto os psiclogos Bruner, Ausubel e o soci-logo Perrenoud. Eles escrevem a partir dos anos 1950, quando a teoria comportamentalista j se tornava insuficiente para explicar a aprendizagem humana. Nesse tempo, que alcana a nossa experin-cia atual, reina o cognitivismo, representando um certo retorno s preocupaes com o funcionamento da mente.

    Um retorno, porm, dentro de novas conquistas cientficas. Hoje no mais se entende o ensino e a aprendizagem em termos de se-

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    DIDTICA PARA QUEM NECESSITA DE DIDTICA

    mentes divinas, exerccio de faculdades, conflitos de conscincia ou ao/recompensa. As respostas sobre o ensinar, aprender, selecionar contedos e avaliar so construdas a partir de um melhor conhecimento do c-rebro (e no mente) e de suas funes (e no faculdades). Os trs autores reconhecem, por fim, que as condies sociais, desejos in-conscientes e uma srie considervel de outros fatores interferem nos processos e nos resultados individuais da escolarizao. 3. ConclusoA Didtica uma disciplina fundamental na formao inicial e no cotidiano profissional docente. Ela problematiza e oferece respostas e fundamenta a reflexo sobre os sentidos de ensinar, aprender, sele-cionar contedos e avaliar a aprendizagem. Mas, quem deve decidir sobre a relevncia da matria voc, a partir da avaliao sobre as suas prprias respostas s quatro questes que propus. Neste livro, tentarei convenc-lo de que a problematizao sobre o ensinar, aprender, con-tedos e avaliao alcana vrios sculos e inmeras obras, das quais apresentarei, apenas, as principais proposies de oito autores. 4. Resumo

    Convivi durante muito tempo com os conflitos entre saberes hist-ricos e saberes pedaggicos. A vida de professor e as pesquisas com o prprio ensino de Histria me mostraram que as separaes equvocas (ensino/pesquisa, matrias de contedo/matrias pedaggicas) impedem formao e atuao honesta do profissional docente. Neste livro, tentarei convenc-lo de que a reflexo sobre esses clssicos obje-tos da Didtica (ensinar, aprender, selecionar, e organizar contedos e avaliar) atravessa cinco sculos, aproximadamente e constitui um rico acervo disposio dos professores. Mas importante ter em mente que os modelos so ensaios tericos que responderam as questes do seu tempo. Aqui eles foram organizados em trs blocos que corres-

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    pondem s posies dominantes sobre a natureza e funcionamento da mente, e o controle do comportamento humano.5. RefernciasLIBNEO, Jos Carlos. Educao: Pedagogia e Didtica o campo investiga-tivo da Pedagogia e da Didtica no Brasil: esboo histrico e buscas de iden-tidade epistemolgica e prossional. In: PIMENTA, Selma Garrido (org.). Didtica e formao de professores: percursos e perspectivas no Brasil e em Portugal. 3 ed. So Paulo: Cortez, 2000. p. 77-130. LOPES, Antonia Osima. Planejamento do ensino numa perspectiva crtica da educao. In: VEIGA, Ilma Passos Alencastro (coord.). Repensando a Di-dtica. 8 ed. Campinas: Papirus, 1993. p. 41-52. OLIVEIRA, Maria Rida Neto Sales. A pesquisa em Didtica no Brasil: da tecnologia de ensino teoria pedaggica. In: Selma Garrido. Para uma resignicao da Didtica cincias da educao, pedagogia e didtica (uma reviso conceitual e uma sntese provisria). In: Didtica e formao de professores: percursos e perspectivas no Brasil e em Portugal. 3 ed. So Paulo: Cortez, 2000. p. 131-157.

    PIMENTA, Selma Garrido. Para uma resignicao da Didtica cincias da educao, pedagogia e didtica (uma reviso conceitual e uma sntese pro-visria). In: Didtica e formao de professores: percursos e perspectivas no Brasil e em Portugal. 3 ed. So Paulo: Cortez, 2000. p. 19-76. SOARES, Magda. Didtica, uma disciplina em busca de sua identidade. Revis-ta da ANDE, So Paulo, n. 9, 1986.6. Auto-avaliao1. Por que h tantos modelos didticos nossa disposio?2. Quais os principais condicionantes para a escolha das fontes (autores e obras) e contedos deste livro?SOLUES

    1. lugar comum reconhecer que as sociedades se modificam e, com ela, tambm so alteradas as formas de transmisso

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    DIDTICA PARA QUEM NECESSITA DE DIDTICA

    da cultura. A escola, os alunos, os professores, os cursos de formao de professores e a pesquisa sobre a escola, os alu-nos e a formao de professores tambm modificam-se, pois so gerados no interior das sociedades. So essas mudanas que do origem a variedade de discursos sobre a natureza e os modos de aprender, ensinar, conceber contedos e avaliar.2. Os autores, as obras e as proposies veiculadas foram selecio-nadas a partir de trs condicionantes: 1) as idias sobre a natu-reza e o funcionamento da mente (disciplina formal, compor-tamentalismo e cognitivismo); 2) os autores e obras que foram e/ou so direta ou indiretamente empregados na experincia educacional brasileira; e 3) as proposies que discutem, mini-mamente os objetos clssicos da Didtica abordados por este livro (aprendizagem, ensino, contedo e avaliao).

    7. Prximo captuloNo captulo 2, apresentarei as principais caractersticas dos modelos didticos estudados na primeira unidade deste livro. Em seguida, comentarei sobre os sentidos de aprendizagem, ensino e contedos veiculados na Didtica magna, de Joo Ams Comenius.

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    UMA DIDTICA PARA FORMAR O CRISTO

    VISO GERALSOBRE A UNIDADE I

    Nesta unidade 1, conheceremos as posies de trs filsofos sobre

    a aprendizagem, ensino, contedos e avaliao. Tratarei das teorias

    educacionais elaboradas por Joo Ams Comenius, John Locke e Johann

    Friedrich Herbart.

    Os dois primeiros escreveram no sculo XVII e o ltimo no incio do sculo XIX.

    Sugiro que preste bastante ateno dos dois ltimos. Locke e Herbart criaram

    modelos de entendimento humano que penetraram profundamente nas

    prticas de ensino dos professores brasileiros. Eles produziram as primeiras

    teorias modernas da aprendizagem.

    Os trs, entretanto, fazem parte de um perodo no qual a Filosofia dominava

    os estudos sobre ensino e aprendizagem. Ainda no se haviam especializado,

    por exemplo, a Psicologia e a Pedagogia, como tambm no estavam

    institucionalizadas as cincias da Antropologia, Sociologia, Histria entre

    outras cincias humanas e sociais que condicionaram os modos de entender

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    DIDTICA PARA LICENCIATURAS | Itamar Freitas

    os objetos clssicos da Didtica. Esse fato somente vai ocorrer na segunda

    metade do sculo XIX.

    O resultado dessa reflexo, anterior pesquisa sistemtica sobre ensino

    e aprendizagem, um conjunto de hipteses sobre a localizao e poderes

    da alma e da mente, e a natureza inata ou adquirida do conhecimento, por

    exemplo.

    isso que vermos nesses trs captulos. Cada filsofo com o seu entendimento

    de homem, educao e mente sugere um modelo didtico. Para Comenius o

    ensino deve seguir a ordem da natureza ser fcil, rpido e slido; para Locke

    o segredo est no exerccio das faculdades; e, por fim, para Herbart, o papel

    do professor ampliar o horizonte temporal e espacial do aluno, ou seja,

    enriquecer o seu crculo de idias.

    Vamos comear examinando as proposies de um militante religioso: o

    Pastor Joo Ams Comenius. Que contribuies a Teologia traria para a

    criao de uma Didtica Geral?

  • 2UMA DIDTICA PARA FORMAR O CRISTO

    Metas

    Apresentar as idias de homem, natureza, de Joo Ams Comenius e os seus

    desdobramentos para as finalidades da educao escolar.

    Apresentar os sentidos de aprendizagem, ensino e contedos, veiculados na

    Didtica magna de Comenius.

    Objetivos

    Identificar a ideia de homem e a finalidade da educao escolar.

    Comentar a correspondncia entre a concepo de faculdades mentais e os

    critrios de escolha dos contedos escolares.

    Pr-requisitos

    Disposio para rememorar a sua experincia como aluno da escola primria

    (ou nas sries iniciais do ensino fundamental).

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    DIDTICA PARA LICENCIATURAS | Itamar Freitas

    1. IntroduoA Didtica magna (1627), de Joo Ams Comenius (1590-1670)1 o objeto do segundo captulo. Este autor tem lugar especial nos es-tudos sobre Didtica por dois motivos. Ele coloca a disciplina (Did-tica) no ttulo da obra e se esfora para metodizar os procedimentos do ofcio de professor.Mas no somente por isso. A Didtica de Comenius um exem-plo didtico de como as hipteses sobre a ideia de homem e a na-tureza da mente orientaram a elaborao de currculos, mtodos e ensino e de formas de avaliao. tambm uma demonstrao de que determinados princpios educacionais podem atravessar scu-los, mesmo que os seus usurios nunca tenha lido a obra desse pas-tor tcheco que viveu no sculo XVII. 2. Humanidade e educaoA obra iniciada com a noo de homem: a mais elevada, per-feita e excelsa das criaturas (Comenius, 2006, p. 41). O homem imagem e semelhana de Deus. Possui as sementes da razo, vir-tude e religio. Isso significa que o homem tem o poder de conhecer todas as coisas designar, classificar e entender as razes; dominar as coisas e a si mesmo por meio de costumes honestos, e recondu-zir a si mesmo e s coisas para Deus atravs da piedade.

    Ainda que esteja marcado pela expulso do den, seu fim ltimo no est na vida vegetativa (uterina) ou animal (terrena). Esse mun-do apenas uma preparao para a vida intelectual/espiritual, eter-na (celeste). O sentido da vida mundana, portanto, est em servir 1 Joo Ams Comenius (1590-1670) nasceu na Morvia (Repblica Checa), estudou Teologia e atuou como sacerdote, professor universitrio e reitor. Entre os trabalhos publicados, esto: O labirinto do mundo e o paraso da alma (1623), Didtica Magna

    (1627), Prdromo da pansofia (A reformation of schooles) (1647), O mundo ilustra-do, A escola ldica (1650), Orbis sensualium pictus (1658) e Manual da Bblia sagrada (1660) (Kulesza, 1992, p. 15-18).

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    UMA DIDTICA PARA FORMAR O CRISTO

    a Deus, s criaturas e a ns mesmos, e gozar do prazer que emana de Deus, das criaturas e de ns mesmos (Comenius, 2006, p. 97). Se superior o sentido da existncia humana, aceitvel que a tarefa educativa tambm o seja. Educar combater a corrupo hu-mana, realizar a obra de Deus, preparar os homens para conviverem na eternidade por meio do desenvolvimento integrado da razo, vir-tude e piedade. Esses sinais da excelncia de Deus razo, virtude e piedade so, inclusive, a chave para o entendimento da idia de conheci-mento. Para Comenius, o homem conhece porque Deus onisciente e dotou-lhe de razo e de sentidos. O desejo e a capacidade de ad-quirir a cincia das coisas (Comenius, 2006, p. 58), so, portanto, inerentes, inatos, naturais. E a natureza (para fechar a equao) a realizao da bondade e da sabedoria divinas.

    ATIVIDADE N. 1Voc conhece algum colega de curso que pensa o homem e o potencial humano para o conhecimento da mesma for-ma que Comenius? Que voc pensa a respeito da posio desse colega?3. Como os homens conhecem o mundo?Sobre o processo de conhecer, Comenius segue Aristteles. Compara a mente humana a uma tbula rasa na qual tudo pode ser impresso. Basta que as coisas (os objetos) sejam apresentadas ao homem por meio da observao e da demonstrao. Os sentidos, rgos emissrios ou observadores viso, audio, olfato, pala-dar e tato , captam imagens, sons, cheiros, sabores e texturas e os enviam ao crebro, que as representa e as retm (Comenius, 2006, p. 60, 62, 231-242).

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    Assim, tal e qual cera quente, moldada sob a presso do sinete, o crebro juvenil (e, portanto, ainda mole) marcado por impresses deixadas pelas imagens dos objetos, transmitidas atravs dos sentidos. Em outra passagem, no entanto, Comenius afirma a natureza in-terior do conhecimento, coerente com a sua ideia de homem:A mente do homem quando chega ao mundo oportuna-mente comparada a uma semente ou a um ncleo em que, embora no exista em ato a forma da erva ou da planta, sem dvida contm em si a erva ou a planta: de fato, uma vez enterrada, a semente expande para baixo as razes e para cima os brotos, que, em seguida, pela forma da natureza, se transformam em ramos e fronde, cobrem-se de folhas,

    adornam-se com flores e frutos. Portanto, o homem nada recebe do exterior, mas s precisa expandir e desenvolver as coisas que j traz implcitas em si, mostrando a natureza de cada uma (Comenius, 2006, p. 59).Conhecer, como vemos, no somente uma atividade corpo-ral e exterior. Alm da ao dos sentidos externos, que captam e enviam as formas e qualidades das coisas ao crebro, a operao cognitiva envolve os poderes da alma, o intelecto, a vontade e a memria que, por sua vez, habitam o corpo e dele fazem seu ins-

    trumento. Essas trs faculdades so as responsveis finais pela produo, dizemos hoje, dos significados, alm de condicionarem o trabalho do professor: A essncia da alma composta por trs faculdades (que correspondem Trindade incriada): intelecto, vontade e memria. O intelecto aplica-se observao da diversidade dos objetos (at as pequenssimas mincias). A vontade pro-

    v opo, ou seja, escolha das coisas profcuas e rejeio das nocivas. A memria retm para uso futuro as coisas que antes ocuparam o intelecto e a vontade, recordando alma a

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    UMA DIDTICA PARA FORMAR O CRISTO

    sua dependncia de Deus e suas misses: sob esse aspecto, chama-se tambm conscincia (Comenius, 2006, p. 96).[...] se o educador cuidar sobretudo da raiz da cincia, ou seja, do intelecto, o vigor passar depois facilmente para o tronco, que a memria; a seguir nascero as flores e os frutos, o uso fluente da lngua e a prtica das coisas (Come-nius, 2006, p. 156, grifos nossos).As duas primeiras tarefas ou etapas do ensino entender e me-morizar eram comuns nas escolas do seu tempo, embora no fos-sem executadas nessa ordem e nem respeitassem a espontaneidade da natureza. A terceira o exerccio de expresso e de uso , no en-tanto, deveria ser reforada, segundo Comenius. Por ela, percebemos que o sentido da slida, fcil e rpida aprendizagem poderia estar, em primeiro lugar, na compreenso das coisas apresentadas (proposi-es, acontecimentos entre outros) e, em seguida, na repetio e no exerccio. Isso o que revela a passagem intitulada de mtodo dos exerccios ou a maneira de ensinar tudo o que aprendido.[...] em um dado momento, depois de proposto brevemente o assunto por ser aprendido, esclarecido distintamente o significado das palavras e mostrada a todos a utilidade da coisa, pede-se a um aluno que se levante para repetir na mes-ma ordem (como se ele fosse o professor dos outros) todas as coisas ditas pelo mestre, para explicar as regras com as mes-mas palavras e mostrar seu usos com os mesmos exemplos, sendo corrigido pelo mestre quando errar. Depois, pede-se a um segundo que se levante e faa o mesmo, enquanto os outros escutam, e depois a um terceiro, um quarto, e a quan-tos for necessrio, at se perceber que todos entenderam de maneira correta e que podem repetir e ensinar. No aconse-lho, nesse caso, a seguir dada ordem, a no ser a de pedir primeiro aos mais inteligentes que falem, para que os mais

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    DIDTICA PARA LICENCIATURAS | Itamar Freitas

    tardos, fortalecidos pelo exemplo deles, possam acompanh--los mais facilmente (Comenius, 2006, p. 200-201).Podemos concluir, ento, que o aprender estava diretamente relacionado s habilidades de entender, memorizar, exercitar (pra-ticar) e o ensinar consistiria em apresentar as coisas ao intelecto, dirigir a vontade e estimular a memria visando a preparao do cristo vida eterna. As maneiras fceis, slidas e rpidas de exer-citar e desenvolver os sentidos externos e as faculdades da alma, por sua vez, estariam fundadas em princpios e regras extrados da ordem da natureza e constituiriam o mtodo propriamente dito da arte comeniana de ensinar.ATIVIDADE N. 2Tente recordar a sua experincia como aluno da escola primria (ou das sries iniciais do ensino fundamental). Voc j fez uso de algum dos procedimentos sugeridos por Comenius? Que pensa, agora, a respeito desse uso?

    4. Os princpios da natureza e o novo mtodo de ensino--aprendizagemO mtodo de ensino-aprendizagem fundamenta-se na ordem das coisas naturais, que so sempre fceis e espontneas. Se o pssaro no se reproduz no inverno (frio), vero (quente) ou outono (sem vitalida-de) e sim na primavera (ensolarada e vvida), diz Comenius, a instruo da criana no deve iniciar-se nos primeiros dias de vida ou na velhice. Esse exemplo explicita a extrao de um princpio a natureza aguarda o momento propcio e de duas regras aplicveis ao ensino: deve-se dar incio formao do homem durante a infncia e as horas matinais so as mais propcias aos estudos (Comenius, 2006, p. 148).

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    UMA DIDTICA PARA FORMAR O CRISTO

    Na obra, dezenas de princpios, desdobrados em dezenas de regras, constituem o mtodo criado para superar os cinco maiores obstculos ao conhecimento e aprendizagem: 1. a brevidade da vida; 2. quantidade e variedade de coisas a conhecer; 3. falta e oca-sio para aprender; 4. incerteza e insegurana das observaes e dos experimentos; e 5. dificuldade do juzo sobre as coisas.

    Para a primeira classe de necessidades, prolongar a vida, a fim de aprender tudo o que necessrio, os princpios defender o cor-po das doenas e da morte, dispor a mente a fazer tudo com sabe-doria e as regras alimentar-se com moderao, exercitar o corpo, administrar bem o tempo so especficos. Nas quatro restantes, os princpios e as regras so intercambi-veis. Entre os mais conhecidos, inclusive no sculo XXI, esto:Quadro n. 1 Princpios do mtodo comeniano

    Obstculos Necessidades Princpios4Incerteza e insegurana das observaes e dos experimentosEnsinar e aprender de modo fcil

    Ensinar cedo, proceder do geral para o particular, do fcil para o difcil, das coisas para as palavras, ensinar o til, de forma gradual, com assiduidade, com o mesmo mtodo.

    5 Dificuldade do juzo sobre as coisas Ensinar e aprender solidamente

    Estudar assuntos teis, ensinar por slidos e aprofundados princpios, respeitar os encadeamentos, tornar claros os objetivos a serem atingidos, relacionar intelecto, memria e lngua e consolidar a aprendizagem por exerccios constantes.2 Quantidade e variedade de coisas a conhecer Ensinar de forma rpida e concisa Prover um preceptor para cada escola, um autor para cada matria, um mtodo para todas as classes e disciplinas, partir sempre dos rudimentos e de modo breve, manter nexos e progresso entre os ensinamentos.3Falta e ocasio para aprender Ensinar e aprender com certeza de atingir o objetivoAguardar o momento certo, proceder de forma clara, operar da parte interna para a parte externa, do geral para o particular, de forma gradual, ininterrupta, evitando as coisas nocivas.Fonte: Produzido pelo autor baseado em Comenius (2006).

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    DIDTICA PARA LICENCIATURAS | Itamar Freitas

    Agir com mtodo seria, portanto, seguir os princpios da na-tureza: reunir todos esses princpios e regras e aplic-los, cotidia-namente, em sala de aula, no trabalho com todas as cincias, artes, lnguas, e com os preceitos da moral e da religio. Este seria o papel do professor. Numa das afirmaes metafricas mais controvertidas do livro,

    Comenius chega a afirmar que qualquer coisa poderia ser inscrita na mente do aluno, mesmo que a tbua fosse rugosa. Se o aluno no aprendesse, o problema estaria no mestre.5. Escolarizao pblica, graduada e enciclopdicaJ vimos que a educao preparao para a vida eterna e tal preparao se faz ensinando segundo princpios e regras extradas da ordem natural. Mas, o que ensinar para cumprir essa finalidade educativa? Que tipo de escola contribuiria para a correo da juven-tude e a elevao das criaturas?O projeto reformador de Comenius, que viabilizar a obra de Deus, da Igreja e da Ptria, fundamenta-se nas idades da vida, no desenvolvimento dos sentidos do corpo e das faculdades da alma e no aproveitamento gradual dos contedos cincias, letras, lnguas, moral e religio por parte de todos os viventes homens e mulhe-res, pobres e ricos, cristos e pagos. As idades so quatro: infncia, meninice, adolescncia e juven-tude. A cada uma delas corresponde um tipo de escola que conduz o aluno por um perodo de 6 anos. A educao do jovem cristo, por-tanto, consome 24 anos da sua vida, cumprindo um trajeto que in-clui o ambiente familiar (escola materna), comunidades, burgos ou aldeias (escola verncula), cidades (escola latina ou ginsio), reinos e provncias maiores (academia).

    As escolas possuem suas especificidades em termos de destina-o e de desenvolvimento das potencialidades do corpo e da alma. A materna e a verncula so reservadas s crianas de ambos os sexos. Aquela exercita os sentidos externos viso, audio, olfato,

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    UMA DIDTICA PARA FORMAR O CRISTO

    paladar e tato ; e essa as faculdades da imaginao e da memria com seus respectivos instrumentos: a mo e a lngua. Na escola latina estudam os que aspiram trabalhos mais ele-vados que os manuais (Comenius, 2006, p. 322), exercitando a inteligncia e o juzo. Nas academias, por fim, estudam os futuros dirigentes das escolas, da Igreja e do Estado professores, pastores, mdicos e profissionais do Direito. As academias formam as coisas que pertencem vontade, ensinando a manter os sentidos do corpo e as faculdades da alma em harmonia (Comenius, 2006, p. 321).Sobre os contedos conceituais, como se pode acompanhar no quadro abaixo, todas as escolas trabalham com as cincias, artes, lnguas, alm dos elementos da moral e da religio.Quadro n. 2 As matrias-objeto do currculo comeniano

    Escola Materna Escola Verncula Escola Latina AcademiaMetafsica, Cincias fsicas, ptica, Astronomia, Geografia, Cronologia, Histria, Aritmtica, Geometria, Esttica, Mecnica, Dialtica, Gramtica, Retrica, Potica, Msica, Economia domstica, Poltica, Moral e Religio.

    Ler, escrever (Gramtica), contar (Aritmtica), medir (Geometria), cantar (Msica), decorar salmos e hinos, conhecer a Sagrada Escritura (Religio), Moral, Economia familiar, Poltica, Historia, Cosmografia, Mecnica.

    Gramtica, Fsica, Matemtica, tica, Dialtica, Retrica e Histria.Teologia, Filosofia, Medicina e Jurisprudncia.

    Fonte: Produzido pelo autor, baseado em Comenius (2006).6. ConclusoPor ser imagem e semelhana de Deus, segundo Comenius, o ho-mem estaria originalmente capacitado a conhecer tudo (entender, reter e reproduzir) j que possua as sementes da razo, virtude e religio. Ao professor, caberia a tarefa de agir de forma fcil, rpida e slida no ato de apresentar as coisas (o currculo enciclopdico) ao intelecto, dirigir a vontade e estimular a memria do aluno.

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    DIDTICA PARA LICENCIATURAS | Itamar Freitas

    7. ResumoA Didtica magna, de Joo Ams Comenius, foi elaborada para formar o cristo, ou seja, preparar os homens para a vida eterna. O currculo adequado a essa finalidade compreendia dezenas de co-nhecimentos e de habilidades distribudos ao longo de 24 anos, sec-cionados em quatro etapas, que correspondiam s pocas do desen-volvimento humano. O mtodo de ensino foi elaborado a partir da observao da natureza e estruturado em regras e princpios, cujos fundamentais eram ensinar fcil, slido e com rapidez. A aprendi-zagem estava condicionada ideia de desenvolvimento natural de capacidades fornecidas por Deus: razo, virtude e piedade.RefernciasCOMENIUS, Joo Ams. Didtica magna. So Paulo: Martins Fontes, 2006.COVELLO, Sergio Carlos. Comenius: a construo da Pedagogia. So Paulo: Sociedade Educacional Joo Ams Comenius, 1991.GASPARIN, Joo Luiz. Comnio ou da arte e ensinar tudo a todos. So Paulo: Papirus, 1994._____. Comenio: a emergncia da modernidade na educao. 2 ed. Petrpolis: Vozes, 1997.KULESZA, Wojciech A. Comenius: a persistncia da utopia em educao. Campinas: Editora da Unicamp, 1992.LOPES, Edson Pereira. O conceito de Teologia e Pedagogia na Didtica mag-na de Comenius. So Paulo: Manckenzie, 2003.

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    UMA DIDTICA PARA FORMAR O CRISTO

    8. Autoavaliao

    1. Quais os desdobramentos da definio de homem difundida por Comenius para a distribuio do direito educao da populao crist do seu tempo?2. Que relao pode ser estabelecida entre a concepo de faculda-des mentais e os critrios de escolha dos contedos escolares?SOLUES1. Para Comenius, o homem era a imagem e a semelhana de Deus. Se era a imagem e semelhana de Deus e se Deus era onisciente , o homem poderia a tudo conhecer. Apesar de t-

    bula rasa, o poder de conhecer a sua mente era infinito. Uma das conseqncias dessa concepo de homem era o reconhe-cimento do potencial de educabilidade de todos os cristos e, consequentemente, a extenso do direito escola para todos. 2. Podemos estabelecer uma correspondncia entre a sua con-cepo de homem como um agregado de faculdades mentais e o formato enciclopdico do currculo para os alunos dos 6 aos 12 anos. Comenius afirmou que a essncia da alma compos-ta por trs faculdades: intelecto, vontade e memria. Mais que representar um elemento da Santssima Trindade, intelecto, por exemplo, pode ser traduzido como a dimenso do pensar. Para educar o pensar (dimenso intelectual), selecionar-se-iam as disciplinas escolares que refletiam todos os saberes cientfi-cos do seu tempo, dando origem a um currculo enciclopdico.

    9. Prximo captuloNo captulo 3, apresentarei as principais caractersticas do mo-delo didtico conhecido como disciplina formal, sugerido pelo filsofo John Locke. Em seguida, informarei sobre os sentidos de aprendizagem, ensino, contedos e avaliao veiculados nos Ensaios do entendimento humano (1690) e Pensamentos sobre a educao (1693), escritos pelo filsofo ingls.

  • 3UMA DIDTICA PARA A

    FORMAO DO GENTLEMAN

    Metas

    Apresentar as principais caractersticas do modelo didtico conhecido como disciplina

    formal, sugerido pelo filsofo John Locke.

    Apresentar os sentidos de aprendizagem, ensino, contedos e avaliao veiculados nos

    Ensaios do entendimento humano (1690) e Pensamentos sobre a educao (1693),

    escritos pelo filsofo ingls.

    Objetivos

    Identificar as finalidades do ensino de conhecimentos cientficos no perodo de vivncia

    escolar.

    Estabelecer diferenas entre as formas de adquirir conhecimento propostas por

    Comenius e Locke.

    Pr-requisitos

    Disposio para rememorar as prticas de ensino dos seus professores na escola primria (ou

    nas sries iniciais do ensino fundamental) e para opinar sobre os fins da educao escolar.

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    DIDTICA PARA LICENCIATURAS | Itamar Freitas

    1. IntroduoVimos que a Didtica comeniana estruturou-se como um con-junto de princpios fundados na divina ordem da natureza: ensinar de modo fcil, rpido e slido. Na modelo apresentado neste captu-lo, o ensino constitui-se, fundamentalmente, em treino de faculda-des mentais. Seu mentor, o filsofo ingls John Locke (1632-1704),1 era um crtico da educao escolar e estava muito mais preocupado com

    os fins da educao individual destinada ao filho dos negociantes e de futuros ocupantes das carreiras do Estado ingls. No entanto, os seus escritos sobretudo os Ensaios do entendimento humano (1690) e Pensamentos sobre a educao (1693) , ganharam o ca-minho inverso, inspirando muitos didatas dos sculos XVIII e XIX. Hoje, no muito difcil encontrar quem ainda pronuncie suas m-ximas no interior das escolas.Algumas das razes para a permanncia das idias de Locke so-bre ensino e aprendizagem esto relacionadas consistncia da sua argumentao sobre a natureza do conhecimento e a ao das facul-dades mentais nos processos de transmisso de cultura.Para ele, o conhecimento constitudo por idias e essas idias tem origem exterior. Elas penetram na mente (so apreendidas) por dois caminhos: 1) observao externa sensao/percepo que os objetos provocam nos sentidos; 2) a observao e inter-na, ou seja, a mente observando suas prprias operaes (Locke, 2005, p. 58).

    1 John Locke (1632-1704), nasceu em Wrington e faleceu em Essex, ambas na Ingla-terra. Publicou em vida: Cartas sobre la tolerancia (1689), Dos tratados sobre el go-bierno civil (1690), Ensayo sobre el entendimiento humano (1690), Consideraciones sobre las consecuencias de la disminuicin de los impuestos y del aumento del valor de las monedas (1691), La adecuacin del cristianismo a la razn (1695), Defensa (1695), La direccin Del entendimiento (1697). So publicaes pstumas: Carta so-bre la tolerancia (1706), Epistolario (1708) e Elementos de Filosofia natural (1751). (Enguita, 1986, p. 5-7).

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    UMA DIDTICA PARA A FORMAO DO GENTLEMAN

    Ora, se os princpios de cincia, por exemplo, so constitudos por ideias e se todas elas so adquiridas da experincia, sejam as coisas materiais externas como objeto da sensao (amarelo, frio, amargo), sejam as operaes de nossas prprias mentes, como ob-jeto da reflexo (duvidar, crer, raciocinar), no h como admitir a existncia de princpios inatos, tais como a justia e a f, como se acreditava at ento (Locke, 2005, p. 49, 51, 58).Suponhamos pois, que a mente , como dissemos, um papel em branco, desprovida de todos os caracteres, sem nenhu-ma ideia; como ela ser suprida? De onde lhe provm este vasto estoque, que a ativa e ilimitada fantasia do homem

    pintou nela com uma variedade quase infinita? De onde apreende todos os materiais da razo e do conhecimento? A isso respondo, numa palavra: da experincia. Todo o nosso conhecimento est nela fundado, e dela deriva fundamen-talmente o prprio conhecimento (Locke, 2005, p. 57).Mas, onde entra o treino das faculdades mentais?

    Locke afirma que todos os homens so potencialmente capazes de tudo. Todos podem conhecer. Salvo os casos patolgicos, todos nascem com os mesmos poderes do corpo e da alma. A diferena en-tre as pessoas, em termos de habilidades e de destrezas, tem origem no hbito (ou na ausncia do hbito) de exercitar e de expandir as faculdades. Dessa forma, como queria formar um bom burgus, e o burgus lockeano era, fundamentalmente, um homem de boas maneiras, prudente, temente a Deus, toda instruo teria por fim exercitar suas faculdades, ocupar seu tempo, afastando-lhe da preguia e da vadiagem [...] estimulando-lhe o gosto pelas coisas que deve acabar de aprender por sua prpria conta (Locke, 1986, p. 132).

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    DIDTICA PARA LICENCIATURAS | Itamar Freitas

    2. Exercitar as faculdades do corpo e da almaComo se v, era uma educao utilitria, que prezava as virtu-des compatveis com a posio de futuro cavalheiro. Em decorrncia dessas ideias de educao e de mente, reforou-se a concepo de ensino como exerccio das faculdades do corpo e da alma. As pri-meiras faculdades eram as mais nobres: memria, vontade e razo. Dessas, o raciocnio (o exerccio da razo) foi considerada a mais importante. Consistia em verificar o grau de confiana de qualquer verdade, examinando os seus princpios e o encadeamento das idias (Locke , 1986, p. 290). O emprego da razo evitava o erro por presuno, preguia, precipitao. Para exercitar e ampliar a o raciocnio, nada melhor que as mate-mticas. Elas ensinavam a observar as idias, suas conexes e cadeia de consequncias. Ensinavam a separar as partes e a extrair uma concluso de cada uma delas. A razo evitava, ainda, o ceticismo e a crena ingnua (Locke , 1986, 304). Para o exerccio da memria, a Histria foi conhecimento bastante indicado. Isso quer dizer ento, que o mestre seria um prodgio em termos de razo e de memria, portador de grandes conhecimentos cien-tficos? Para Locke, tais qualidades no eram to importantes. Isso porque o ensino intelectual (a instruo das cincias) ocupava um lugar subalterno, em relao educao moral. Ao invs de possuir erudio, o preceptor deveria ser bem edu-cado e conhecedor do mundo, ou seja, sabedor dos vcios e virtudes humanas. Sua funo era moldar a conduta e formar o esprito; es-tabelecer em seu discpulo os bons hbitos, os princpios da virtude e da sabedoria; dar a conhecer, gradualmente, uma idia do mundo; desenvolver na criana a tendncia a amar e a imitar tudo o que bom, fazendo-o vigoroso, ativo e industrioso (Locke , 1986, p. 132).

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    UMA DIDTICA PARA A FORMAO DO GENTLEMAN

    ATIVIDADE N. 3

    Tente lembrar os fins da educao escolar defendidos por pessoas prximas (pai, me, responsvel, companheiro ou companheira). Localizou algum que pensa como Locke pensava? Voc concorda que toda a educao escolar deve ser utilitria? Defenda sua posio.3. Aprender de memriaO aprender tambm era mediado pelo exerccio das faculdades mentais, com relevncia para a memria. Mas, foi o prprio Locke quem questionou e respondeu: ser preciso aprender de memria? Somente de memria, no. Era necessrio conhecer as disposies naturais da infncia, sua estrutura mental, os critrios para a seleo do que de-veria ser retido e lembrado e os mtodos aceitveis de memorizao.Dever-se-ia aprender de memria, somente o que fosse til (ins-trutivo) e divertido, que fundamentasse e estimulasse a reflexo do aluno (quando maduro). O preceptor deveria limpar o crebro da criana dos demais pensamentos, atrair a sua ateno, argumentan-do sobre as utilidades e as vantagens de se aprender. As aes principais, entretanto, no diferiam do seu tempo e mesmo da escola que ele tanto criticava: ler, recordar, repetir, recor-dar e repetir obedecendo ordem original dos escritos. O aprendi-zado iniciava-se pelas idias simples e encadeadas, uma de cada vez. O aluno lia a mesma fbula e a sua traduo, todos os dias, para com-preender o sentido das palavras. Depois, passaria prxima fbula, repetindo este processo. Em seguida, voltava fbula j aprendida para refrescar a memria.Dominados os conhecimentos, deveria o aluno ensin-los aos seus colegas. Esse procedimento ajudava a fixar as lembranas na mem-ria e a ampliar os estudos. Locke tambm recomendou uma estrat-gia indireta de memorizao dos contedos histricos, por exemplo,

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    DIDTICA PARA LICENCIATURAS | Itamar Freitas

    e de verificao de aprendizagem: cada vez que o aluno apresentasse uma lio sobre um historiador latino, deveria o preceptor perguntar em que ano do calendrio Juliano foi fundada Roma, e quando fosse um historiador grego, em que ano do calendrio Juliano foi a primeira Olimpada, e assim por diante (Locke, 1986, p. 354).

    ATIVIDADE N. 4Tente recordar as prticas dos seus professores dos anos finais do ensino fundamental. Voc j foi submetido a al-gum dos procedimentos sugeridos por Locke? Que pensa, agora, a respeito do mtodo do seu antigo professor?

    4. Um currculo enciclopdicoA instruo contribuiria com a aquisio das virtudes e deveria ser til vida do cavalheiro. Mas, Locke, como j afirmei, desacon-selhava a experincia dos colgios, seja em termos de mtodos de ensino, seja em termos de componentes curriculares. Em seu tempo, o currculo para os adolescentes era constitu-do pelas sete artes liberais, ou seja, Gramtica, Dialtica e Retrica, Aritmtica, Geometria, Msica e Astronomia. Ele criticava o ensino da Gramtica e da Dialtica, e exclua a Msica, sempre pensando no futuro cavalheiro. Alm de apontar os defeitos curriculares dos colgios, Locke prescreveu uma enorme lista de conhecimentos que assemelha s nossas contemporneas enciclopdias. A Estenografia, permitiria ao futuro gentleman escrever mais rpido e ocultar os seus registros, e o desenho possibilitaria o registro dos artefatos (mquinas, monu-mentos, trajes) observados em suas viagens. As lnguas vivas, na-cional e estrangeira (Ingls e Francs), viabilizariam a comunicao cotidiana e o comrcio com outros povos.

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    UMA DIDTICA PARA A FORMAO DO GENTLEMAN

    Das artes liberais, o menino estudaria Geografia daria a conhe-cer o globo terrestre, limites dos reinos e regies, nome dos rios. Era um exerccio da memria e de observao, sobretudo, por meio de mapas. Em seguida, estudaria a Aritmtica ou o exerccio de contar e o domnio da arte dos nmeros, que ajudava no avano do ensino da Geografia. O conhecimento da terra abriria caminho ao estudo dos planetas, posies, distncias e rbitas (Astronomia). Somados os conhecimentos da Terra e dos demais planetas, es-taria o menino em condies de estudar a Geometria (o estudo das esferas), sem que fosse necessrio ler os seis primeiros livros de Euclides. Alm desses conhecimentos, deveria o futuro burgus es-tudar o calendrio e as pocas mais significativas da humanidade (Cronologia) fundamental para o entendimento da Histria , co-nhecer os rudimentos do Direito Civil (do homem, das sociedades, relaes entre as naes) e noes sobre a Constituio e o governo da Inglaterra. Por fim, Locke prescreve o ensino das artes de ador-no: dana, msica, esgrima e equitao.5. ConclusoA teoria da disciplina formal fundamentou um tipo de Didtica, no qual ensinar seria exercitar faculdades mentais. O aprender e o aferir a aprendizagem, da mesma forma, consistiria em repetir leitu-ras, escritos e falas do professor com vistas reteno pela memria e ao aumento da capacidade de reteno da memria. O currculo, por fim, deveria ser utilitrio e enciclopdico.

    6. ResumoA educao do gentleman, codificada por John Locke, destinava-se formao do homem virtuoso, em detrimento da erudio cientfica. Essa finalidade se refletiu nas duas dezenas de conhecimentos uti-litrios selecionados como currculo. Para o filsofo, o conhecimen-to era adquirido via sensao e reflexo. No havia idias inatas. Tal

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    DIDTICA PARA LICENCIATURAS | Itamar Freitas

    compreenso o levou a pensar a educao e o ensino como treino das faculdades mentais, entre as quais destacavam-se a razo, memria e a vontade. O professor, deveria ser um homem virtuoso e conhece-dor do mundo e o aluno um disciplinado repetidor e memorizador de exposies, escritos e tarefas compatveis com o seu estado mental.RefernciasLOCKE, John. Pensamientos sobre la educacin. Madrid: Akal, 1986.______. Sobre El empleo del entendimiento (1690). In: Pensamientos sobre la educacin. Madrid: Akal, 1986. p. 779-350.a______. Borrador de uma carta de Locke a la Condesa de Peterborough (1697). In: Pensamientos sobre la educacin. Madrid: Akal, 1986. p. 351-354.b______. Algunas ideas acerca de la lectura y el estdio para um Caballero (1703). In: Pensamientos sobre la educacin. Madrid: Akal, 1986. p. 355-361.c______. Del estdio (1677). In: Pensamientos sobre la educacin. Madrid: Akal, 1986. p. 363-381.d______. Ensaio acerca do entendimento humano. So Paulo: Nova Cultural, 2005.ENGUITA, Mariano Fernndez. Prlogo. In: LOCKE, John. Pensamientos so-bre la educacin. Madrid: Akal, 1986. p. 9-23.eGHIGGI, Gomercindo e OLIVEIRA, Avelino da Rosa. O conceito de disciplina em John Locke: o liberalismo e os pressupostos da educao burguesa. Por-to Alegre: EDUPUCRS, 1995.

    7. Autoavaliao

    1. Quais eram as finalidades da aprendizagem de contedos conceituais, proposicionais e procedimentais fornecidos pe-los saberes cientficos, segundo John Locke?2. Comenius e Locke disseram que a mente era um espao va-zio. Compare as duas afirmaes e aponte uma caractersti-

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    UMA DIDTICA PARA A FORMAO DO GENTLEMAN

    ca que distancia o pensamento de Locke do pensamento de Comenius.SOLUES1. Para John Locke, os saberes selecionados como materiais de ensino deveriam cumprir uma funo utilitria. Ele estava preocupado com a formao dos futuros cavalheiros da Ingla-terra. Homens devotados ao comrcio e preparados para as-sumirem os mais altos cargos do Estado deveriam se ocupar apenas com os assuntos que contribuiriam diretamente com o bom desempenho nessas reas.2. Comenius via a mente da criana ao nascer como uma tbu-

    la rasa e Locke a definia como uma pgina em branco. As afir-maes so apenas aparentemente semelhantes, se pensarmos que no pensamento de Comenius o homem j nascia com as sementes da instruo, das virtudes e da religio, que seriam desenvolvidas no decorrer da vida. No pensamento de Locke, ao contrrio, todo o conhecimento, por exemplo, proviria da expe-rincia, ou seja, da percepo e da observao do mundo fsico.

    8. Prximo captuloNo captulo 4, apresentarei os fundamentos do modelo didtico conhecido como os quatro passos formais, sugerido pelo pensador Johan Friedrich Herbart. Tambm anunciarei os sentidos de apren-dizagem, ensino, contedos e avaliao veiculados na Pedagogia geral derivada dos fins da educao (1806) e no Esboo de lies pe-daggicas (1835).

  • 4A FORMAO DO HOMEM MORAL

    Metas

    Apresentar as principais caractersticas do modelo didtico conhecido como os quatro

    passos formais, sugerido pelo pensador Johann Friedrich Herbart.

    Apresentar os sentidos de aprendizagem, ensino, contedos e avaliao veiculados na Pedagogia

    geral derivada dos fins da educao (1806) e Esboo de lies pedaggicas (1835).

    Objetivos

    Relacionar critrios de seleo de disciplinas e condio scio-econmica dos alunos,

    segundo a teoria educacional de Herbart.

    Estabelecer diferenas entre as formas de aquisio do conhecimento propostas por Locke

    e por Herbart.

    Pr-requisitos

    Disposio para rememorar as prticas de ensino dos seus professores no ensino superior

    e para opinar sobre os critrios de seleo das disciplinas escolares na elaborao dos

    currculos do ensino fundamental.

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    DIDTICA PARA LICENCIATURAS | Itamar Freitas

    1. Introduo

    Nas dois captulos anteriores, afirmei que as aes de ensinar ga-nharam a forma de princpios naturais (ensinar fcil, rpido e slido) e de exerccio das faculdades. Aqui, veremos que uma nova concepo de mente vai originar a organizao do ensino como quatro passos formais: clareza, associao de idias, sistematizao e aplicao. Esta foi uma das contribuies do pensador alemo Johann Friedrich Her-bart (1776-1841)1 construo da Pedagogia como cincia e da Did-tica como disciplina para a formao de professores.Herbart pensava o homem ideal a ser formado como aquele ca-paz de, por si prprio, distinguir o bem do mal, escolher o primeiro e afastar-se do segundo em suas aes cotidianas. Dessa forma, se a educao era processo de formao do homem, e homem moral, caberia educao, portanto, transmitir valores que orientassem a sua conduta uma conduta caracterizada pelas aes dignas de aprovao (o bem).

    Claro que Herbart no resumiu as finalidades da educao formao do carter. Ele mencionou alguns fins determinveis, de livre escolha do educando (aquilo que se quer tolerar ou que se quer realizar). No entanto, o que determinava o ideal educativo eram, efetivamente, os fins morais: perfeio, justia, bondade e liberdade interior. Essas ideias deveriam ser incutidas em todas as pessoas durante o processo de formao, sobretudo pelos pais e mestres.Como faz-lo ento? Para Herbart, cumprir a tarefa principal da educao exigiria rigor, estudo e controle por parte dos educadores. Numa palavra, a educao deveria ser cientfica. Tal concepo do trabalho educativo resultou na elaborao de uma obra cujo ttu-1 Johann Friedrich Herbart (1777-1841) nasceu em Oldenburg Alemanha, dedicou-se

    Filosofia e atuou como preceptor e professor universitrio. Publicou, entre outros trabalhos, Pedagogia geral derivada dos fins da educao (1806), A filosofia prtica geral (1808), Psicologia como cincia fundada, segundo um mtodo novo, na experi-ncia, na metafsica e na matemtica (1824/1825) e Esboo de lies de Pedagogia (1835/1841). (Gomes, 2003, p. xiii-xl).

  • 45

    A FORMAO DO HOMEM MORAL

    lo revela as concepes de homem e de educao e tambm a sua inteno de reservar Pedagogia os status de saber sistematizado: Pedagogia geral derivada dos fins da educao (1806). Na Pedagogia geral de Herbart, os instrumentos da tarefa edu-cativa so: governo, instruo e disciplina. O governo um conjun-to de procedimentos que subjuga a impetuosidade das crianas, preservando-as e tambm aos seus pares. exercido pelos pais por meio da autoridade e do amor. A instruo (assunto principal deste captulo) apresenta os co-nhecimentos fornecidos pela cincia e estimula o interesse pelos homens. E a disciplina, por fim, tem a funo de preparar o estado de esprito do aluno para que ele receba a instruo. Ela exercida por meio da presso, obrigao e castigo.2. Apresentar e refletirA instruo tambm pode ser chamada de Didtica. E foi nessa parte da Pedagogia e, tempos depois, do Esboo, onde o autor melhor explicitou as suas noes de ensino e de aprendizagem. Mas o fez, re-pito como todos os outros tericos que lhe seguiram , a partir de uma compreenso singular do funcionamento do pensar humano.Para Herbart, nossos pensamentos, sentimentos e aes no se-riam governados por um conjunto de faculdades isoladas, como se defendia poca: a memria, imaginao, inteligncia, juzo esttico entre outros. Vejam que ele faz essa afirmao em 1806, mas, ainda hoje, ouvimos pessoas dizerem que fulano de tal sofre das faculda-des mentais ou que tem problemas com a faculdade da memria. Em lugar de vrios rgos trabalhando independentemente, o que existia na alma das pessoas eram apenas conjuntos de idias em conflito: idias novas querendo se estabelecer e idias j estabe-lecidas na conscincia defendendo o seu espao. Essas hipteses o conduziram concepo de que ensinar algo a algum seria apre-sentar-lhes objetos (ou formas, sinais) com a finalidade de ampliar o seu crculo de idias. importante destacar aqui o papel das idias.

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    DIDTICA PARA LICENCIATURAS | Itamar Freitas

    Para Herbart, elas geram sentimentos que, por sua vez, determinam as maneiras de agir da pessoa.Para ensinar algo a algum de forma controlada, ou seja, com mtodo, portanto, o professor deveria conduzir o aluno a descrever (observar) as coisas (a natureza, em sua variedade, regularidade e relaes estticas), analisar e sintetizar. O ato de apresentar os obje-tos aos alunos de dar a conhecer o seu entorno era dividido em quatro etapas que correspondiam ordem psicolgica ou ao movi-mento da alma. Este, por sua vez, alternava momentos de concen-trao (clareza e associao de idias) e de reflexo (sistematizao e mtodo). Para que o esprito se mantenha sempre unido, prescreva-

    mos antes a seguinte regra para o ensino: no mais nfimo grupo dos seus objetos devemos atribuir direito idntico [concentrao] e reflexo; portanto, clareza de cada as-sunto, associao de multiplicidade de assuntos, ordena-o do que foi associado e um treino sucessivo e regular no progresso atravs desta ordenao. nisto que se baseia a limpeza que tem de prevalecer em tudo o que se ensina (Herbart, 2003, p. 86).Esses quatro momentos (clareza, associao, sistema e mtodo), caractersticos do pensar humano, constituam os quatro passos formais do ensino. Com a morte de Herbart, seus seguidores repar-tiram o primeiro passo (clareza) em dois (preparao e apresenta-o) e ajudaram a disseminar os, ento, cinco passos formais nos manuais de Didtica do incio do sculo XX. Vejam no quadro n. 1 o detalhamento do mtodo geral de ensino produzido por Herbart.

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    Quadro n. 1 - O mtodo dos passos formais no ensino

    Passos Descrio

    1PREPARAOO professor prepara o esprito do aluno para a recepo do assun-to ou tema da lio. A apresentao feita reavivando e evocando com clareza na mente do aluno as idias j adquiridas que tm alguma relao com as idias novas, de modo que por sua seme-lhana as expliquem ou ajudem a endend-las.2APRESENTAO D a conhecer o assunto da lio. Pode ser feita oralmente ou por escrito, em forma interrogativa, mediante demonstrao, etc. 3ASSOCIAO Reune idias novas e as compara entre se e com as anteriormente adquiridas comparar e combinar o novo e o velho.

    4RECAPITULAOConduz o aluno a descobrir o que h de geral e abstrato nas coisas individuais e concretas. Por meio de perguntas habilmente dirigi-das o mestre far ressaltar o princpio, conceito, lei ou regra geral, livre de suas aplicaes particulares, e reduzir o conhecimento a uma forma verbal definida.

    5APLICAO Cria situaes para que o aluno ponha a servio da vida o que se adquiriu nos passos anteriores. Consiste numa srie de exerccios ou prtica do material aprendido. Pode, tambm versar sobre uma lio ou srie de lies intuitivas.Fonte: Elaborado pelo autor, a partir de Charles de Garmo, citado por Aguayo (1954, p. 85-6).

    ATIVIDADE N. 5Tente recordar a sua vivncia como aluno na Universida-de. Em qual(is) disciplina(s) encontrou essa sequncia de momentos didticos? Imagine-se no lugar desse(s) professor(es). De qual maneira voc apresentaria a mes-ma matria aos seus alunos na Universidade?3. Conhecer a natureza e amar aos homensVimos at agora que o ensinar, para Herbart, era um conjunto de procedimentos que visava ampliar o crculo de idias dos alunos, promovendo, sobretudo, o interesse pelo conhecimento da nature-za. Para tanto, deveria o professor seguir em sua aula os momentos

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    didticos de preparao, apresentao, associao, recapitulao e aplicao. Mas, e quanto ao aprender? E sobre as matrias e as for-mas de avaliao, que disse o pensador alemo a respeito?Herbart escreve pouco sob o ponto de vista dos alunos. No en-tanto, possvel inferir que o ato de aprender constitui-se em adqui-rir conhecimentos que lhe permitam agir retamente. As habilidades envolvidas na aquisio do conhecimento so mediadas pelo estgio de desenvolvimento (as suas potencialidades mentais). Seguem, as-sim, uma progresso por complexidade. De 4 a 8 anos, para aprender necessrio intuir os objetos a partir do contato pelos sentidos, por exemplo, da viso e da audio. Dos 8 anos adolescncia, fundamental compreender o sentido das pala-vras dar sentido s mesmas, partindo da sua prpria experincia. De forma geral, o aprender tambm mediado pelas habilida-des de descrever (observar), analisar (compartimentar observar e comparar partes e relaes) e sintetizar (reunir generalizar). dessa forma que pode o aluno fixar os principais eventos na me-mria, imprimir noes exatas [de geografia antiga] no esprito, inculcar profundamente a noo de proporo, fazer o conheci-mento aritmtrico penetrar na massa total [das suas] idias (Her-bart, 1894, p. 319, 320, 328, 330). As habilidades mobilizadas no aprender obedecem tambm ao curso do movimento da mente que vimos no tpico anterior. No exemplo a seguir, fica mais claro que o aprender herbartiano ad-quirir, mas tambm aplicar os conhecimentos em sua vida prtica. Um jovem ouve a um dos seus amigos a narrao do que viu na jaula dos felinos de um jardim zoolgico (preparao). Terminada a descrio oral, o jovem vai observar pesso-almente as feras (apresentao), compara-as entre si (as-sociao), estabelece os traos caractersticos dos felinos

    (recapitulao), e aplica a definio a um gato que encontra (aplicao). Sem o perceber o rapaz ministrou a si prprio uma lio herbartiana (Aguayo, 1954, p. 85).

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    Em resumo, aprender adquirir conhecimentos cada vez mais ampliados sobre a natureza e sobre os homens, no tempo (da anti-guidade idade moderna) e no espao (da vila nao), por meio do amor, intuio, compreenso das palavras, reteno de idias na memria e uso dessas mesmas idias no governo da sua prpria vida.4. Religio, Humanidades, Matemtica e Cincias Naturais em conjuntoAprender adquirir conhecimentos. Mas, aprender o qu? Ob-viamente, o primeiro critrio de seleo das matrias est descrito nas finalidades da educao e da Didtica: formar o homem moral por meio do conhecimento da natureza e do amor aos homens.Para despertar o interesse pelos homens a simpatia (amor) pelos indivduos, sociedades e por Deus , Herbart indicava o ensino da Reli-gio. Para o conhecimento da natureza ou do mundo que cercava o aluno, o currculo herbartiano previa o ensino de Histria, Matemtica e Cin-cias Naturais, Geografia, Lngua Maternal, Lngua Grega e Lngua Latina.Todas eram importantes. Mas Herbart acentua os valores da His-tria e da Geografia. Lembram que a funo do ensino era ampliar o crculo de ideias dos alunos no tempo e no espao? Agora vemos porque tais matrias ganham destaque. Alargar a experincia tem-poral significava, entre outros atributos, conhecer os modos de sen-tir e agir dos homens desde a Grcia clssica ao incio do sculo XIX. Estender o conhecimento do espao, da mesma forma, implicava em partir da descrio do local de origem (da vila, da cidade natal do aluno) e chegar ao domnio da forma e do movimento dos pla-netas. E no era s isso. A Geografia estava na base de vrios outros estudos, conectando, por exemplo Cincias Naturais, Astronomia, Histria e Matemtica (Herbart, 1884, p. 337).Mas todos deveriam aprender tudo? Para Herbart a resposta : sim e no. Sim, porque o conhecimento da natureza estava disperso por vrias cincias. Os contedos e mtodos de ensino da Geografia, por exemplo, estariam em relao direta com os contedos e m-

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    todos da Matemtica, Astronomia e Cincias Naturais. O ensino de Histria, por sua vez, alimentaria o ensino das lnguas Grega e Lati-nas e no seria bem sucedido se no lanasse mo dos contedos e mtodos da Geografia. Por outro lado, nem todos estudariam todas as matrias com o mesmo grau de aprofundamento. Aqui entra o segundo critrio de seleo: o status scio-econmico ocupado pelos alunos. Herbart constata que bem mais difcil estender o horizonte intelectual no domnio do passado que no domnio do presente. Da, justifica a nfase diferenciada na distribuio do tempo e do nvel de aprofun-damento das citadas matrias: a Geografia mais importante para a educao das mulheres e das classes inferiores. Tal afirmao nos d a entender que a Histria ganharia maior espao e aprofun-damento no ensino dos homens e das elites.A Histria teve mesmo grande peso na sua Didtica. Herbart considerava o relato sobre a experincia humana como o grande preceptor da humanidade (Herbart, 1894, p. 322), ou seja, o conhe-cimento sobre o que aconteceu ensinava a moldar o futuro (evitar erros, construir bons modelos de conduta). Tal importncia expli-ca a forma de distribuir os contedos ao longo da vida escolar. As lnguas clssicas, por exemplo, deveriam preceder as lnguas mo-dernas e o ensino de Histria deveria contemplar os historiadores gregos e, somente depois, os historiadores contemporneos.

    ATIVIDADE N. 6Qual a sua posio sobre o pensamento de Herbart? Voc considera que alguma(s) disciplina(s) tm o poder de desen-volver determinadas habilidades que sero fundamentais aprendizagem de todas as disciplinas do currculo do ensi-no fundamental? Quais as disciplinas que, sob o seu ponto de vista, deveriam ser excludas dos currculos? Argumente a sua posio e discuta com os seus colegas a respeito.

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    5. Aplicar, demonstrar, fazer uso do aprendidoNo tpico anterior citei uma rpida passagem onde Herbart em-prega os termos inculcar profundamente e penetrar na massa de idias do aluno. Essa ideia de transferir e acomodar os conhecimen-tos adquiridos na escola em uma regio mais profunda da mente s vezes expressa por meio da expresso aprender de memria. O que essas metforas podem informar sobre a sua ideia de avaliao da aprendizagem?Como Herbart no explora muito o assunto, responderei a partir de conjecturas. Avaliar o aluno seria, ento, verificar se ele apren-deu ou no, isto , se foi retido ou no determinado conhecimen-to nas zonas mais profundas da mente. E a forma de verificar essa acomodao na memria era fazendo-o repetir oralmente ou por escrito, de forma intercalada, durante uma aula, ou s vsperas de introduzir um novo assunto, os principais rudimentos da matria. A forma clssica de avaliao no modelos herbartiano corres-ponde ao quinto passo do mtodo, anunciado no quadro n. 1. Na aplicao, o professor criaria situaes para que o aluno pusesse a servio da vida o que se adquiriu nos passos anteriores. A avaliao com o sentido de verificao da aprendizagem consistiria numa srie de exerccios orais ou de repetio de experincias realizadas pelo professor ou pelos prprios alunos, nas quais fosse possvel medir no apenas o grau de reteno de idias (resultados), mas tambm o estgio de desenvolvimento de determinadas habilida-des como as descritas no tpico anterior: compreenso, observao, anlise e sntese. 6. Concluso

    A Didtica herbartiana previa o ensino por etapas (ao e refle-xo) desdobradas em cinco momentos didticos: preparao, apre-sentao, associao, recapitulao e aplicao. A seleo do curr-culo dependeria, entre outros fatores, do status scio-econmico do

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    aluno. As matrias seriam distribudas cronologicamente, e minis-tradas de forma integrada de modo que o aluno as inculcasse por meio da memorizao. A verificao da aprendizagem consistiria no quinto passo do mtodo de ensino: aplicao dos conhecimentos adquiridos por via oral, escrita ou experimental.7. ResumoHerbart pensava a educao como formao moral. Homem mo-ral seria o indivduo capaz de, por si s, agir orientado pelo bem e afastar-se do mal. Essa concepo de educao foi expressa em Pedagogia geral derivada dos fins da educao (1806) e no Esboo de lies pedaggicas (1835) que apresentavam a educao como tare-fa tripartite: governo, instruo e disciplina. A instruo (Didtica) previa um mtodo de ensino etapista, assemelhado aos movimentos da alma (ao e reflexo), uma aprendizagem fundada em processos de inculcao, impresso e reteno de conhecimentos (via re-petio de falas, leituras e experincias conduzidas pelo professor), e a avaliao como repetio das atividades no meio dos estudos ou na introduo de novas matrias, selecionadas para cumprir as finalidades educativas: a Religio para estimular a simpatia (amor) pelos homens e a Histria, Geografia, Matemtica, Cincias Naturais, Lngua Materna, Lngua Grega e Lngua Latina para dar a conhecer a natureza que cercava o aluno.RefernciasHERBART, Johann Friedrich. Esquisse de leons pdagogiques. In: Principa-les euvres pdagogiques (Pdagogie gnrale, Esquisse de leons pdagogi-ques, Aphorismes et extraits divers). Paris: Flix Alcan, 1894. p. 291-381.______. Antologia. Buenos Aires: Losada, 1946.______. Pedagogia general derivada Del fin de la educacin. Madrid: La Lec-tura, s.d.______. Pedagogia Geral. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 2003.

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    ORTEGA y GASSET, Prlogo. In: HERBART, Johann Friedrich. Pedagogia ge-neral derivada Del fin de la educacin. Madrid: La Lectura, s.d. p. 7-58.LUZURIAGA, Lorenzo. Herbart. In: HERBART, Johann Friedrich. Antologia. Buenos Aires: Losada, 1946. p. 7-16.MAUXION, Marcelo. La educacin por la instruccin y las teorias pedaggi-cas de Herbart. Madrid: Daniel Jorro, 1927.FRITZSCH, Theodor. Joan Frederico Herbart. Barcelona: Labor, 1932.HILGENHEGER, Norbert. Johann Friedrich Herbart (1776/1841). Pers-pectives Revue Trimestrielle deducation compare, Paris, v. 23, n. 3-4, p. 669-684, 1993.8. Autoavaliao1. Em que medida as condies de gnero e de status scio-econ-mico dos alunos interferem na seleo das disciplinas escolares?2. Que diferenas podem ser listadas entre as formas de adquirir conhecimento propostas por Locke e por Herbart?

    SOLUES1. Para o filsofo alemo, nem todos os alunos devem estudar todas as disciplinas. Segundo Herbart, instruir fazer ampliar o horizonte temporal e espacial dos alunos. O professor deve estimul-lo a se interessar e conhecer o passado longnquo

    (ampliao temporal) e as caractersticas fsicas de lugares distantes da sua terra natal (ampliao espacial) um dos ob-jetivos da Didtica. No entanto, mulheres e pobres tem maio-res dificuldades com a Histria. Na elaborao dos currculos, essa constatao deve ser considerada.2. Locke defende o conhecimento do mundo mediante exerc-cio das faculdades e o emprego dos sentidos. Para ele, apren-der est condicionado aos exerccio e ampliao dos poderes mentais e corporais. Herbart tambm d importncia a ao dos sentidos, mas entende como relevante o conflito entre as idias j estabelecidas e as novas idias apresentadas aos alu-

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    nos. Em Locke a nfase est no exerccio das faculdades. Em Herbart, essa nfase deslocada para a ampliao do crculo de idias dos alunos. 9. Prximos captulos

    Nos captulos 5 e 6, apresentarei algumas ideias produzidas no mbito de comportamentalismo, a segunda grande tendncia explo-rada neste livro. Tratarei, especificamente, dos modelos didticos de Burrhus Skinner e de Ralph Tyler, que entendiam a aprendizagem como mudana de comportamento.

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    A FORMAO DO HOMEM MORAL

    VISO GERALSOBRE A UNIDADE II

    Na primeira unidade deste livro, apresentei algumas teorias de ensino

    anunciadas por metforas ainda hoje em uso, tais como: desenvolver

    sementes divinas (Comenius), exercitar faculdades (Locke) e fazer

    adquirir idias (Herbart).

    Apesar das diferenas de nfase ou de direo (formar o homem de dentro

    para fora ou de fora para dentro), essas teorias, das quais se originaram

    alguns modelos didticos, faziam referncias a faculdades, estados de

    conscincia, enfim, mentes. Estaria nos modos de funcionamento da mente

    a explicao para as diferentes formas de pensar, agir e sentir humanos e,

    consequentemente, para as posies sobre o ensinar e o aprender.

    Entre dcadas de 1920 e 1940, perodo de hegemonia da psicologia

    behaviorista, a mente foi substituda pelo comportamento. Afinal, pensavam

    os tericos, como observar o conflito de idias? Como medir o que acontecia

    no interior da mente? Seguindo o paradigma das cincias naturais, os

  • behavioristas (comportamentalistas) afirmavam que apenas os fatos

    objetivos, observveis e quantificveis poderiam ser examinados como

    objeto de cincia. A meta da nova Psicologia era, ento, prever e controlar o

    comportamento (Gardner, 2003, p. 123-124).

    Esse discurso, que agradava grandes parcelas da sociedade estadunidense

    (cientistas, empresrios, gestores pblicos, entre outros), migrou para a

    educao escolar e a ao de ensinar passou a ser entendida como induo

    mudana do comportamento dos alunos.

    Dois tericos, bastante lidos no Brasil nos anos 1970, se empenharam na

    aplicao das conquistas do comportamentalismo ao ensino de adolescentes

    e adultos: Burrhus Frederich Skinner (1904-1990) e Ralph Winfred Tyler

    (1902-1994). O primeiro destacou-se na defesa de uma ensino fundado

    na instruo programada. O segundo, ps bastante nfase na elaborao,

    cumprimento e avaliao dos objetivos educacionais.

  • 5RACIONALIDADE E EFICCIA

    NA DIDTICA DOS OBJETIVOS

    Metas

    Apresentar, introdutoriamente, as mudanas ocorridas na Didtica, desencadeadas com o

    fortalecimento do comportamentalismo.

    Apresentar os sentidos de aprendizagem, ensino, contedos e avaliao, veiculados nos

    Princpios bsicos de currculo e ensino de Ralph Tyler (1948).

    Objetivos

    Compreender o valor estratgico dos objetivos educacionais para a eficincia da educao

    escolar, segundo Tyler.

    Reconhecer diferenas entre as atividades do aluno no modelo didtico sugerido pela

    disciplina formal e as atividades do aluno dentro dos princpios difundidos por Tyler.

    Pr-requisitos

    Disposio para vivenciar procedimentos de orientao comportamentalista e para opinar

    sobre a sua aplicabilidade no nosso cotidiano.

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    DIDTICA PARA LICENCIATURAS | Itamar Freitas

    1. IntroduoRalph Winfred Tyler1 considerado um comportamentalista. Mas diferencia-se de Burrhus Skinner em alguns pontos. Atentem, sobretudo para o papel do professor e as estratgias de apresentar dos contedos disciplinares. Nos seus princpios, o mestre o orga-nizador das experincias de aprendizagem, enquanto que na teoria de Skinner, a figura do programador assume essa funo. Ambos, entretanto, entendem o aprender como mudana de comportamento.2. Planejar objetivos educacionais para modificar o compor-tamento dos alunosTyler entendia comportamento como aes, sentimentos e pen-samento. Ele dizia ser uma compreenso ampliada de comporta-mento. No era apenas a ao manifesta humana.

    Se voc fizer um exerccio de rememorao do estudou em dis-ciplinas como Sociologia, Antropologia, Poltica e Histria, no ser difcil constatar que, apesar de no se referir ao conceito, Tyler estava definindo o comportamento como cultura, ou seja, modos padronizados de pensar, agir e sentir (Tyler, 1977, p. 5, 30). Eram comportamentos, por exemplo, pensar criticamente, desenvolver sensibilidades e desenvolver atitudes sociais. Como behaviorista, ele acreditava na possibilidade de contro-lar/modificar os modos de agir, pensar e sentir humanos, ou seja, educar as pessoas dentro de padres desejveis pela sociedade (aprofundaremos esse tema no prximo captulo). Surge da a pri-meira dificuldade e a principal orientao do seu modelo didtico: como formular objetivos educacionais teis e claros? Quem define os objetivos educacionais? 1 Ralph Winfred (1902-1994) nasceu em Chicago/ Illinois e viveu em Nebraska. Foi docente das universidades da Carolina do Norte, Ohio, Massachusetts e Stanford. Seu trabalho mais conhecido (1948) foi traduzido no Brasil como Princpios bsicos de currculo e ensino.

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    RACIONALIDADE E EFICCIA NA DIDTICA DOS OBJETIVOS

    Essa tarefa ele enfrentou no primeiro captulo do livro Princpios b-sicos de currculo e ensino, publicado em 1948, nos Estados Unidos e tra-duzido no Brasil em 1974. Nessa obra, objetivo educacional definido como uma exposio das mudanas que devem operar-se nos alunos, j que a finalidade da educao escolar suscitar modificaes signi-ficativas no padro de comportamento do aluno (Tyler, p. 1977, p. 40).Para ser claro o objetivo no deve resumir-se ao comporta-mento. Tem tambm que indicar o contedo ou a rea de vida em que deve operar esse comportamento, como nesse exemplo: Es-crever relatrios claros e bem organizados [comportamento] de projetos de Estudos Sociais [reas de vida] (Tyler, p. 1977, p. 42).E sobre a origem dos objetivos, que critrios empregar? Tyler sugere que os elaboradores de currculo investiguem os interesses dos alunos, as necessidades (vitais) da sociedade, at mesmo as justificativas dos especialistas de cada disciplina (bilogos, litera-tos). Mas a palavra final estar sob a tutela das Filosofia e Teoria da aprendizagem adotadas pela escola.

    ATIVIDADE N. 7Em 1962, Robert Mager elaborou um manual para auxi-liar os professores a construrem objetivos educacionais. Ele afirmava que um bom objetivo educacional deveria responder a trs perguntas: 1. o que quero que os alunos sejam capazes de fazer? 2. Quais as condies importan-tes, ou mesmo as limitaes, dentro das quais o desem-penho deve ocorrer? 3. Qual a qualidade (preciso, velo-cidade, padro etc.) que espero do desempenho do aluno para consider-lo competente? (Mager, 1962, p. 4, 87).Apresento abaixo um exemplo de objetivo educacional onde as trs condies estabelecidas por Mager foram cumpridas. Tente produzir um ou mais objetivos educa-

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    cionais dentro das orientaes comportamentalistas e co-mente sobre a sua pertinncia em nosso tempo.Modelo - O estagirio de prtica de ensino dever ser ca-paz de observar os momentos didticos de uma aula de Qumica (1), numa classe do 9 ano do ensino fundamen-tal e durante 50 minutos (2), produzindo um relatrio claro e coerente que dever conter entre 3000 e 4000 caracteres com espaos (3).

    3. O que ensinar e como ensinar para modificar o comporta-mento dos alunos?Vimos que os principais constituintes dos objetivos educacio-nais so o comportamento, o contedo ou a rea de vida em que deve operar esse comportamento. Um programa de estudos, por-tanto, seria constitudo por uma srie de experincias de aprendi-zagens, as quais reuniriam, tanto o(s) comportamento(s), quanto os conceitos, proposies disseminados pelas disciplinas escolares.Dos comportamentos, Tyler chama a ateno para a necessidade de se estabelecer certa taxonomia e alguma progresso. Os compor-tamentos gerais so os mais desejveis. Ele mesmo sugeriu 10 cate-gorias para determinada escola secundria:1. Adquirir informao2. Desenvolver hbitos de trabalho e aptides de estudo

    3. Desenvolver maneiras eficientes de pensar4. Desenvolver atitudes sociais5. Desenvolver interesses6. Desenvolver apreciaes7. Desenvolver sensibilidades8. Desenvolver ajustamento social do indivduo9. Conservar a sade fsica10. Desenvolver uma filosofia de vida (Tyler, 1975, p. 52)

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    RACIONALIDADE E EFICCIA NA DIDTICA DOS OBJETIVOS

    Cada uma dessas categorias, evidentemente, envolve outros comportamentos. Tomemos como exemplo a categoria n. 3 desen-volver maneiras eficientes de pensar. Ela envolve os comportamen-tos de relacionar (idias), inferir por induo (partindo de informa-es diversas), e inferir por deduo (aplicando generalizaes).Sobre os contedos disciplinares, Tyler explcito. Nem todas as disciplinas devem compor todos os currculos, pois nenhuma delas possui valor em si mesma. Ao planejar um currculo o histo-riador, gegrafo, matemtico ou qumico pode mesmo ser consul-tado. No entanto, seguindo os critrios de elaborao dos objetivos educacionais (utilidade e clareza), os especialistas devero per-guntar: Com que pode contribuir a sua disciplina para a educao de jovens que no se destinam a ser especialistas no seu campo; qual pode ser a contribuio da sua disciplina para o leigo, o cida-do comum? (Tyler, 1977, p. 24).Conhecidos os contedos, ou seja, os comportamentos, as disci-plinas e reas de atuao, Tyler aborda a organizao das sequn-cias didticas. Ele entende que as experincias devem ser dispostas no programa de maneira a se reforarem umas s outras. ne-cessrio que conceitos e comportamentos sejam repetidos ao longo das sries de um programa (continuidade). Que sejam distribudos em progresso dos mais simples para os mais complexos (sequ-ncia). necessrio tambm que os comportamentos e conceitos dialoguem horizontalmente, entre as disciplinas:Por exemplo, ao desenvolver a aptido para solucionar problemas quantitativos em Aritmtica tambm impor-tante que se considerem as maneiras pelas quais essas ap-tides podem ser utilizadas eficazmente nos Estudos So-ciais, nas Cincias, no laboratrio e em outros campos, de modo que no sejam desenvolvidos simplesmente como comportamentos isolados a exercer num s curso, mas se agreguem cada vez mais s capacidades totais do estudan-

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    DIDTICA PARA LICENCIATURAS | Itamar Freitas

    te, que este aplicar nas variadas situaes da sua vida di-ria (Tyler, 1075, p. 79).

    Resta por fim tratar do mestre. Qual o seu papel em sala de aula? O professor um manipulador do ambiente. Ele cria situaes que estimulem a ateno do aluno. Atrado, o aluno toma a deciso de participar da atividade. Participando, ele interage com o ambien-te e reage, ou seja, modifica o seu comportamento. Essa sequncia didtica encerra vrias proposies. 1 O professor no apresenta contedos;2 O aluno no repete contedos apresentados pelo pro-fessor;3 O professor organiza experincias de aprendizagens;4 O aluno, experimentando, aprende sozinho.Com essas inovaes, Tyler deseja afastar os alunos, por exem-plo, de antigos mtodos memorsticos, consolidados com as didti-cas sugeridas pela disciplina formal (captulo 3).H vrias sugestes que podem ser seguidas quando pla-nejamos experincias de aprendizagem para anular esses defeitos [aprender de cor] na aquisio da informao. Em primeiro lugar, mostrou-se que a informao pode ser adquirida ao mesmo tempo que os estudantes aprendem a solucionar problemas. Portanto, mais econmico criar situaes de aprendizagem em que a informao obtida como parte de um processo total de soluo de problema, do que estabelecer experincias especiais de aprendiza-gem unicamente para memorizar a informao. Alm disso, quando a informao adquirida como parte da soluo de um problema, a sua utilidade e as razes para obt-la so bem claras. Isso tem menos probabilidade de resultar numa

    aprendizagem de cor (Tyler, 1975, p. 67).

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    RACIONALIDADE E EFICCIA NA DIDTICA DOS OBJETIVOS

    As mudanas nas estratgias do professor e na atuao do aluno, entretanto, no se fazem sem problemas. Se cada aluno aprende sozinho reagindo diferentemente mesma experin-cia organizada para toda a turma , o professor se defronta com um grande problema: deve criar experincias de aprendizagem atrativas para todos ou fornecer uma experincia para cada alu-no da sala? (Comentarei, no captulo 6, a soluo de Skinner para este problema, ou seja, a defesa da instruo programada e das mquinas de ensinar).4. Mensurar a mudana de comportamentoAvaliar um dos quatro pilares dos seus Princpios bsicos de currculo e ensino. Significa, exatamente, determinar em que medi-da os objetivos educacionais esto sendo realmente alcanados pelo programa do currculo e do ensino ou, ainda, determinar o grau em que essas mudanas de comportamento esto realmente ocor-rendo (Tyler, 1975, p. 98-99). Para Tyler, devem ser alvo da avaliao as teorias que orientam a organizao e desenvolvimento do currculo, os professores, o curr-culo e os programas da escola. Todos os desempenhos (a capacidade de cumprir os objetivos) devem ser medidos, sobretudo, em termos de pontos fortes e fracos (o escore insuficiente). Mas ele retruca: avaliar no submeter o aluno a testes com lpis e papel (Tyler, 1975, p. 100).O teste (discursivo, de mltipla escolha etc.) apenas um instru-mento e bastante limitado. Serve bem para avaliar comportamentos expressos verbalmente. Para avaliar ajustamento pessoal-social, por exemplo, o meio mais adequado a observao dos alunos em situaes que envolvam relaes sociais.Outros mecanismos tambm podem ser utilizados: a observa-o da reao do aluno, quando indagado sobre determinado tpi-co do programa (avaliao por amostragem), entrevista, questio-nrios, os resultados concretos das atividades dos alunos (o que

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    DIDTICA PARA LICENCIATURAS | Itamar Freitas

    escrevem, os artefatos que produzem), registros de emprstimos da biblioteca, informaes sobre os lanches escolhidos, fichas m-dicas, em suma: qualquer meio de obter dados sobre as espcies de comportamento representadas pelos objetivos educacionais da escola ou faculdade um procedimento apropriado de avaliao (Tyler, 1975, p. 101).

    Por fim, quantas vezes se deve avaliar? Para perceber a mudan-a, no mnimo, duas avaliaes devem ser providenciadas: uma na fase inicial do programa educacional e outra em alguma ocasio posterior (Tyler, 1975, p. 99) Curiosa esta ltima informao em qualquer ocasio poste-rior. Ela chama a ateno porque abre a possibilidade de se estabe-lecerem tantas avaliaes quantas forem necessrias afim de acom-panhar o rendimento do aluno. , talvez, o incio de uma mudana na lgica avaliativa centenria da avaliao finalista da promoo escolar para a avaliao formativa, a servio da aprendizagem do aluno (veremos este tipo de avaliao no captulo 9).A avaliao tambm pode ser continuamente usada durante

    o ano, como base para identificar pontos particulares a que seja necessrio dar mais ateno com certos grupos de es-tudantes e como base para prestar ajuda individual ou pla-nejar programas individuais para estudantes luz de seus progressos particulares no programa educacional.

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    RACIONALIDADE E EFICCIA NA DIDTICA DOS OBJETIVOS

    ATIVIDADE N. 8Acima informei que Tyler defendia o emprego de registros de emprstimos da biblioteca, dados sobre os lanches es-colhidos, fichas mdicas como instrumentos de avaliao. Tente colocar-se na posio do autor e responda: que tipo de informao poderia o professor adquirir examinando os documentos citados? Em que medida essas informa-es subsidiariam um programa de avaliao focado na(s) aprendizagem(ns) do(s) aluno(s)?

    5. Concluso

    Avaliar , portanto, medir pontos fortes e pontos fracos, verifi-car se os comportamentos foram modificados, mas tambm um recurso posto a servio da aprendizagem. A avaliao constitui os quatro elementos da didtica comportamentalista ao modo de Ty-ler, juntamente com a ideia de moldar comportamentos (ensinar), interagir e reagir (aprender) s experincias de aprendizagem (con-tedos), organizadas sobre comportamentos e saberes socialmente desejados.6. Resumo

    O psiclogo Ralph Tyler acreditava ser possvel modificar os modos de agir, pensar e sentir dos alunos, em direo a padres de comportamento socialmente necessrios. Para tanto, era necessrio reformular os currculos, privilegiando a construo de objetivos educacionais teis e claros, experincias educacionais que contem-plassem contedos disciplinares e comportamentos, organizados de maneira progressiva e integrada e submetidos constante ava-liao. Ele considerado um terico comportamentalista e o seu li-

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    DIDTICA PARA LICENCIATURAS | Itamar Freitas

    vro Princpios bsicos de currculo e ensino foi bastante utilizado no Brasil entre as dcadas de 1970 e 1980.

    RefernciasGARDNER, Howard. A nova cincia da mente: uma histria da revoluo cognitiva. 3 ed. So Paulo: Editora da USP, 2003.MAGER, Robert F. A formulao de objetivos de ensino. 5ed. Porto Alegre: Globo, 1983.TYLER, Ralph Winfred. Princpios bsicos de currculo e ensino. 4 ed. Porto Alegre: Globo, 1977.

    7. Autoavaliao1. Os objetivos educacionais so os principais instrumentos de um programa de ensino eficaz. Com base nos argumento de Tyler, justifique esta proposio.2. Compare e indique uma di