Livro Ecologia de Populacoes e Comunidades

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Ecologia de Populaes e Comunidades

Ecologia de Populaes e ComunidadesNivaldo Peroni Malva Isabel Medina Hernndez

Florianpolis, 2011.

Governo FederalPresidente da Repblica Dilma Vana Rousseff Ministro de Educao Fernando Haddad Coordenador Nacional da Universidade Aberta do Brasil Celso Costa

Comisso Editorial Viviane Mara Woehl, Alexandre Verzani Nogueira, Odival Csar Gasparotto, Selvino Neckel de Oliveira

Projeto Grfico Material impresso e on-lineCoordenao Prof. Haenz Gutierrez Quintana Equipe Henrique Eduardo Carneiro da Cunha, Juliana Chuan Lu, Las Barbosa, Ricardo Goulart Tredezini Straioto

Universidade Federal de Santa CatarinaReitor Alvaro Toubes Prata Vice-Reitor Carlos Alberto Justo da SilvaSecretrio de Educao Distncia Ccero Barbosa

Pr-Reitora de Ensino de Graduao Yara Maria Rauh Mller Pr-Reitora de Pesquisa e Extenso Dbora Peres Menezes Pr-Reitora de Ps-Graduao Maria Lcia Camargo Pr-Reitor de Desenvolvimento Humano e Social Luiz Henrique Vieira da Silva Pr-Reitor de Infra-Estrutura Joo Batista Furtuoso Pr-Reitor de Assuntos Estudantis Cludio Jos Amante Centro de Cincias da Educao Wilson Schmidt

Equipe de Desenvolvimento de MateriaisLaboratrio de Novas Tecnologias - LANTEC/CED Coordenao Geral Andrea Lapa Coordenao Pedaggica Roseli Zen Cerny Material Impresso e HipermdiaCoordenao Laura Martins Rodrigues, Thiago Rocha Oliveira Adaptao do Projeto Grfico Laura Martins Rodrigues, Thiago Rocha Oliveira Diagramao Andrezza Pereira Ilustraes Amanda Woehl, Camila Fernandez, Talita vila Nunes, Cristiane Amaral Reviso gramatical Daniela Piantola

Curso de Licenciatura em Cincias Biolgicas na Modalidade a DistnciaDiretora Unidade de Ensino Sonia Gonalves Carobrez Coordenadora de Curso Maria Mrcia Imenes Ishida Coordenadora de Tutoria Leila da Graa Amaral Coordenao Pedaggica LANTEC/CED

Design Instrucional Coordenao Vanessa Gonzaga Nunes Design Instrucional Cristiane Felisbino Silva,Joo Alfaya dos Santos

Copyright 2011 Universidade Federal de Santa Catarina. Biologia/EaD/UFSC Nenhuma parte deste material poder ser reproduzida, transmitida e gravada sem a prvia autorizao, por escrito, da Universidade Federal de Santa Catarina. P453e Peroni, Nivaldo. Ecologia de populaes e comunidades / Nivaldo Peroni e Malva Isabel Medina Hernndez Florianpolis : CCB/EAD/UFSC, 2011. 123 p. : il. inclui bibliografia. Licenciatura em Cincias Biolgicas na Modalidade a Distncia do Centro de Cincias Biolgicas da UFSC. ISBN 978-85-61485-39-9 1. Biogeografia. 2. Diversidade biolgica. 3. Biologia - Populao. I. Hernandez, Malva Isabel Medina. II. Titulo. CDU: 574.9 Catalogao na fonte elaborada na DECTI da Biblioteca Universitria da Universidade Federal de Santa Catarina.

Sumrio

Apresentao....................................................................................... 7 1. Nveis em Ecologia e seus conceitos ............................................. 91.1 Ecologia e seus nveis de organizao ..................................................................11 1.2 Populao como unidade de estudo ....................................................................13 1.3 Conceito de comunidades e ecossistemas ......................................................... 16 Resumo.............................................................................................................................. 18 Leitura recomendada..................................................................................................... 18

2. Fatores limitantes da distribuio e abundncia dos organismos vivos ...................................................................212.1 Introduo .................................................................................................................. 23 2.2 Limites de tolerncia ............................................................................................... 23 2.3 Evoluo ..................................................................................................................... 24 2.4 Fatores abiticos ....................................................................................................... 26 2.5 Recursos ..................................................................................................................... 31 2.6 Disperso de populaes de espcies................................................................. 32 Resumo.............................................................................................................................. 36 Leitura recomendada..................................................................................................... 37

3. Parmetros demogrficos ............................................................393.1 Introduo .................................................................................................................. 41 3.2 Mtodos de estimativa do tamanho populacional .......................................... 41 3.3 Fatores envolvidos no crescimento populacional ............................................ 46 3.4 Estrutura etria ......................................................................................................... 48 Resumo.............................................................................................................................. 56 Leitura recomendada..................................................................................................... 57

4. Modelos de crescimento populacional.......................................594.1 Introduo .................................................................................................................. 61 4.2 Modelos de crescimento populacional ............................................................... 61 Resumo.............................................................................................................................. 69 Leitura recomendada..................................................................................................... 69

5. Componentes estruturais e funcionais de comunidades .........715.1 Medidas de diversidade .......................................................................................... 73 5.2 Padres de diversidade em gradientes............................................................... 79 Resumo.............................................................................................................................. 85 Leitura recomendada..................................................................................................... 86

6. Conceito de nicho .........................................................................896.1 Definio e histrico ................................................................................................ 91 6.2 Nicho fundamental e nicho efetivo ..................................................................... 93 6.3 Sobreposio e diferenciao de nichos entre espcies coexistentes ........ 95 Resumo.............................................................................................................................. 98 Leitura recomendada..................................................................................................... 98

7. Influncia da competio, da predao e da perturbao na estrutura de comunidades ...................................................1017.1 Influncia da competio na estrutura de comunidades .............................. 103 7.2 Influncia da predao na estrutura de comunidades ..................................104 7.3 Influncia da perturbao na estrutura de comunidades ............................ 107 7.4 Complexidade e estabilidade de comunidades .............................................. 107 Resumo.............................................................................................................................111 Leitura recomendada....................................................................................................111

8. Sucesso ecolgica .....................................................................1138.1 Respostas das comunidades s perturbaes ..................................................115 8.2 Modelos de sucesso ............................................................................................117 8.3 Sucesso primria e secundria...........................................................................118 Resumo............................................................................................................................ 122 Leitura recomendada .................................................................................................. 122

Referncias ......................................................................................123

Apresentao

Este livro ir fornecer ao aluno conhecimentos sobre Ecologia de Populaes e de Comunidades, capacitando-o no uso de ferramentas analticas de modelagem de populaes e descrio de estruturas de comunidades. A partir do desenvolvimento do uso da matemtica no estudo da Ecologia, esperamos promover um aumento na capacidade de compreenso e descrio da natureza. Estudaremos os fatores limitantes da distribuio e abundncia dos organismos, a disperso de populaes, os parmetros demogrficos, alm de mtodos de estimativa do tamanho populacional e fatores envolvidos no crescimento populacional. Posteriormente, analisaremos os componentes estruturais e funcionais das comunidades, os padres de diversidade em gradientes, a sobreposio e a diferenciao de nichos entre espcies coexistentes e a influncia da competio, da predao e da perturbao na estrutura de comunidades, finalizando com os modelos de sucesso ecolgica. Assim, com a integrao de contedos tericos e aplicados voltados ao desenvolvimento do senso crtico em relao temtica ecolgica, pretendemos que o aluno faa parte das discusses relacionadas s polticas de conservao da biodiversidade e ao manejo de reas protegidas. Nivaldo Peroni Malva Isabel Medina Hernndez

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Desenvolvimento Regulao Evoluo Comportamento Ecosfera Energtica Integrao Diversidade

Bioma

Paisagem

Ecossistema

Comunidade

Populao

Organismo

Sistemas de rgos

rgo

Tecido

Clula

Nveis em Ecologia e seus conceitosEste captulo tem por objetivo fazer uma introduo ao estudo da Ecologia. Ao l-lo voc ser capaz de reconhecer as diferenas existentes entre os vrios nveis de organizao (indivduos, populaes, comunidades e ecossistemas) com nfase na diferena de abrangncia da Ecologia de Populaes e da Ecologia de Comunidades. Inicialmente so definidos os modos de abordagem dos estudos populacionais, incluindo a abordagem descritiva, a abordagem funcional e a abordagem evolutiva. Posteriormente, apresentada uma pequena introduo aos estudos de comunidades, os quais sero vistos em detalhes em captulos posteriores.

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1.1 Ecologia e seus nveis de organizaoEcologia uma palavra que foi usada pela primeira vez em 1869, por Ernest Haeckel. Ele definiu Ecologia como o estudo cientfico das interaes entre os organismos e seu ambiente. Posteriormente, C. J. Krebs, em 1972, definiu a Ecologia como o estudo cientfico das interaes que determinam a distribuio e abundncia dos organismos. Mesmo que a palavra ambiente no esteja inserida nesta definio, a ideia faz parte das interaes, j que o ambiente consiste nas influncias externas exercidas sobre o organismo, podendo ser por fatores abiticos e biticos. Segundo M. Begon e colaboradores (2007), uma definio atual de Ecologia remete ao estudo cientfico da distribuio e abundncia dos organismos e das interaes que determinam a distribuio e abundncia. De uma maneira mais operacional, a Ecologia pode ser definida como o estudo das interaes que determinam a distribuio e a abundncia dos organismos atravs do tempo. Para tanto, a Ecologia procura integrar abordagens focadas em nveis de organizao diferentes, tais como o estudo de indivduos, de populaes, de comunidades e de ecossistemas. Dentre essas abordagens, temos o estudo da Ecologia de Populaes e Comunidades, que visa oferecer uma abordagem funcional das interaes existentes entre os organismos em nvel de populaes e a totalidade dos fatores fsicos e biolgicos que os afetam e que por eles so afetados em nvel de comunidades. A partir de estudos como esse, os eclogos debatem sobre os fatores que determinam a coexistncia entre es-

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pcies e os motivos que levam variao da riqueza de espcies entre diferentes hbitats. Alm disso, tentam compreender como as interaes de espcies influenciam a estrutura e o funcionamento das comunidades. Uma noo mais elementar de indivduo remete ideia de um organismo individual, e este a unidade mais fundamental em Ecologia. Porm, quando encontramos um conjunto de indivduos, algumas propriedades particulares so evidenciadas e podem ser melhor entendidas no contexto de uma populao. Em Ecologia, uma populao pode ser definida como um grupo de indivduos da mesma espcie que ocupam uma determinada rea em um determinado momento do tempo e que apresentam alta probabilidade de cruzamentos entre si, em comparao com a probabilidade de cruzamentos com indivduos de outra populao. Como exemplos, podemos citar a populao de borboletas do Parque Nacional de Itatiaia no Rio de Janeiro, a populao de araucrias do Parque Estadual de So Joaquim em Santa Catarina ou mesmo a populao humana da Amrica Latina. Apesar de conceitualmente simples, uma populao pode apresentar uma heterogeneidade interna. Nos organismos com reproduo sexuada, por exemplo, a populao pode ainda ser subdividida em grupos com maiores chances de cruzamento entre si. Esses grupos so chamados de demes, que a menor unidade coletiva de uma populao de plantas ou animais. Como os indivduos de uma deme tm maiores chances de se encontrarem e reproduzirem, podem ser chamados de uma populao gentica. Populaes, assim definidas, podem ser separadas de outras populaes pela distncia, por exemplo, ou, como seria melhor dizer, apresentam algum grau de isolamento espacial. Em razo dessas particularidades, h grande dificuldade em determinar os limites de uma populao, tanto no espao como no tempo. Alis, esses limites so muitas vezes vagos, e no incomum nos perguntarmos onde comea e onde termina uma populao. Muitas vezes temos de considerar certo julgamento arbitrrio do pesquisador.Indivduos de uma populao com uma quantidade substancial de trocas gnicas, ou seja, que efetivamente se entrecruzam ou so potencialmente entrecruzveis.

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1.2 Populao como unidade de estudoQuando pensamos em populao surge a pergunta: o que Ecologia de Populaes e o que distingue o estudo de populaes do estudo da Ecologia de Comunidades? No h respostas padronizadas para essas questes, mas basicamente procuramos nossas respostas em trs componentes essenciais: escala, foco do estudo e histrico. Em Ecologia de Populaes, a escala um ou vrios grupos de organismos relacionados taxonomicamente ou funcionalmente. um ramo da Ecologia especializado no tratamento do impacto numrico de interaes ecolgicas sobre um conjunto especfico de indivduos que ocorre numa rea geogrfica definida. Dessa forma, abundncia, distribuio e fatores que regulam sobrevivncia e reproduo so considerados elementos-chave na Ecologia de Populaes. Podemos tambm pensar em trs componentes fundamentais que devem ser considerados como foco do estudo de populaes, crescimento, sobrevivncia e reproduo, alm de como esses fatores so afetados pelas inter-relaes com outros organismos, atravs de competio e predao, por exemplo. O histrico ou a tradio de como se deu o desenvolvimento dessa rea da Ecologia baseia-se na conjugao de teoria, testes em laboratrio e trabalhos de campo. Estes ltimos tm ganhado destaque nos ltimos anos, em decorrncia da necessidade de darmos respostas aplicadas a questes de manejo e conservao. Para manejar uma populao, devemos compreender sua dinmica e como as populaes de espcies diferentes se relacionam no nvel da comunidade e do ecossistema. Podemos compreender o conceito de manejo em termos do grau de influncia humana num sistema ecolgico. H aes humanas que incidem no controle de fatores como o favorecimento de nascimentos em uma populao ou, por outro lado, o controle do nmero de mortes. Todo cuidado deve ser tomado quando se pretende manejar populaes de uma espcie.

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No devemos esquecer que a manuteno de grandes reas protegidas, onde se garante que no haver perturbao severa nas populaes das espcies, tambm pode ser uma ao de manejo, que favorece, por exemplo, a preservao total de amostras representativas do ecossistema para a conservao da diversidade biolgica. Para a compreenso de como funciona um ecossistema importante conhecermos as interaes em nvel populacional, uma vez que estamos considerando que os nveis de organizao ganham complexidade medida que consideramos conjuntos de indivduos, de populaes e de espcies.

1.2.1 Modos de abordagem no estudo de populaesDe modo geral, na Ecologia e em particular na Ecologia de Populaes, quando focamos no estudo de populaes, podemos pensar em trs modos complementares de abordagem: abordagem descritiva; abordagem funcional, energtica, ou numrica; e abordagem evolutiva. A abordagem descritiva baseada principalmente na descrio do mundo natural, sendo um dos fundamentos de toda a cincia ecolgica. Est focada na descrio de grupos vegetacionais e faunsticos. Atualmente, ocorrem discrepncias nesta descrio, pois muitos lugares do mundo tiveram seus grupos animais e vegetais extensivamente descritos, enquanto os de outros so muito pouco conhecidos. A abordagem funcional est relacionada dinmica energtica e tambm numrica dos sistemas ecolgicos. Essa abordagem est focada em mecanismos que podemos considerar como causas imediatas que influenciam as dinmicas das populaes e as condies ambientais. Nesse tipo de abordagem, estamos interessados em entender basicamente como os sistemas funcionam e o modo como operam. O interesse principal, nessa abordagem, est em questes do tipo como?, ou seja, h uma nfase em tentar descrever os sistemas na sua forma de funcionamento. Pergunta-

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mos, por exemplo, como esse sistema funciona?, Como essas populaes so afetadas pelas variaes do ambiente?, ou Como as exploses populacionais so causadas pelos fatores que observamos numa escala ecolgica?. A terceira abordagem a evolutiva, ou da dinmica adaptativa em sistemas ecolgicos, e est focada nos mecanismos remotos que explicam comportamentos de populaes. Nesse caso, os efeitos de condies ambientais so interpretados em termos evolutivos, com nfase nas consequncias sobre a sobrevivncia e a reproduo dos indivduos dentro das populaes. Nesse tipo de abordagem dada nfase para as questes do tipo por que?, ou seja, estamos interessados em descobrir quais os fatores que levaram as populaes queles padres que observamos no presente. Interessa-nos inferir sobre os aspectos evolutivos que originaram os modos de vida atuais. Nessa abordagem, perguntamos, por exemplo: Por que a seleo natural favoreceu esse grupo de indivduos dessa populao em particular?, Por que algumas populaes das espcies so mais e outras menos abundantes?. Podemos ento destacar que mecanismos imediatos tratam de como os sistemas ecolgicos funcionam, e mecanismos remotos tratam do motivo pelo qual eles evoluram at chegar a um determinado tipo de funcionamento. Essas duas abordagens so complementares e nos auxiliam a ter uma viso mais completa da complexidade que envolve o estudo de Ecologia de Populaes e de Comunidades. Para se utilizar de uma abordagem evolutiva em Ecologia, necessrio integrar os princpios bsicos da Ecologia e de Evoluo, sendo essencial compreender claramente as bases da Teoria Evolutiva, principalmente da seleo natural. Uma das bases do estudo de evoluo est justamente na compreenso dos fatores que determinam mudanas no comportamento das espcies, como flutuaes no nmero de indivduos, variaes na distribuio espacial e na tolerncia em relao s variaes ambientais, e processos de adaptao. Esses fatores podem ser estudados em nvel de populaes, enquanto outros mecanismos operam em nvel de comunidades.

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1.3 Conceito de comunidades e ecossistemasNa natureza, os indivduos e as populaes de espcies no sobrevivem isoladamente. Eles so sempre parte de grupos de populaes de espcies diferentes que ocorrem juntas no espao e no tempo e que esto conectados uns aos outros por suas relaes ecolgicas, formando um complexo chamado de comunidade. Assim, a Ecologia de Comunidades procura entender a maneira como agrupamentos de espcies so distribudos na natureza e as formas pelas quais esses agrupamentos podem ser influenciados pelo ambiente abitico e pelas interaes entre as populaes de espcies. Para descobrir como indivduos, populaes e comunidades funcionam, devemos entender os limites aos quais esses diferentes nveis de organizao esto sujeitos, sob os pontos de vista da tolerncia e da adaptao. Sabemos ento que uma comunidade composta por indivduos e populaes, mas no estudo de comunidades podemos identificar propriedades coletivas, como a diversidade de espcies ou a biomassa da comunidade. Os organismos interagem em processos de mutualismo, parasitismo, predao e competio, mas as comunidades apresentam propriedades emergentes, que so a soma das propriedades dos organismos mais suas interaes. Por esse motivo, a natureza da comunidade no pode ser analisada somente como a soma das suas espcies constituintes. Uma comunidade pode ser definida em qualquer escala dentro de uma hierarquia de hbitats, dependendo do tipo de questo. Se a comunidade for espacialmente definida, ela incluir todas as populaes dentro de suas fronteiras. Assim, o eclogo pode utilizar o conhecimento das interaes entre organismos para tentar explicar o comportamento e a estrutura de uma comunidade. As principais perguntas a serem respondidas por um eclogo de comunidades so: Como os agrupamentos de espcies esto distribudos? Como so influenciados pelos fatores abiticos e biticos? Por outro lado, a ecologia de ecossistemas tambm estuda a estrutura e o comportamento dos mesmos sistemas, mas com foco

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nas rotas seguidas pela energia e pela matria, que se movem atravs de elementos vivos e no vivos. Esta categoria de organizao definida como o Ecossistema, o qual inclui a comunidade junto com o ambiente fsico (Figura 1.1). Um ecossistema tem todos os componentes necessrios para funcionar e sobreviver a longo prazo e no possvel tratar os componentes de forma separada, um a um. Os sistemas biolgicos so sistemas abertos, com entradas e sadas de matria, embora possam permanecer constantes por longos perodos de tempo. O sol a fonte de energia fundamental para a biosfera, mantendo a maioria dos ecossistemas. Outras fontes de energia so o vento, a chuva, as mars e os combustveis fsseis. A energia tambm flui para fora do sistema em forma de calor, matria orgnica ou contaminantes. A gua, o ar e os nutrientes necessrios vida entram e saem do ecossistema, assim como os organismos, atravs da imigrao e emigrao.

S Sol ou outras fontes de energia Entrada de matria (nutrientes) e organismos A H H H H

Fronteira do ecossistema

S

Exportao de matria

Sumidouro de calor

Estrutura bitica: COMUNIDADE

Figura 1.1 Diagrama funcional mostrando a relao entre comunidade e ecossistema. A fronteira do ecossistema est delimitada pelo quadrado tracejado e a comunidade se encontra dentro dele, incluindo somente a parte bitica. A: organismos auttrofos; H: organismos hetertrofos; S: stock, ou armazenamento. (Adaptado de: ODUM; SARMIENTO, 1998).

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ResumoNeste captulo aprendemos a reconhecer as diferenas entre vrios nveis de organizao: organismos (ou indivduos), populaes, comunidades e ecossistemas, observando diferentes formas de focar esses nveis quando analisados dentro da teoria ecolgica. Reconhecemos que no h limites claros e definidos no conceito de populaes e que os estudos nesta rea dependem da escala, do foco do estudo e da forma histrica com que foram tratados. Posteriormente, foi apresentada uma introduo ao estudo de populaes e seus modos de abordagem: descritivo, funcional e evolutivo. Ao final do captulo, foi feita uma pequena introduo aos estudos de comunidades e ecossistemas.

Leitura recomendadaKREBS, C. J. Introduction to the science of ecology. In: Ecology: the experimental analysis of distribution and abundance. San Francisco: Pearson, 2000. TOWNSEND, C. R.; BEGON, M.; HARPER, J. L. A ecologia e como estud-la. In: ______.Fundamentos em ecologia. Porto Alegre: Artmed, 2006.

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Fatores limitantes da distribuio e abundncia dos organismos vivosNeste captulo sero discutidos os principais fatores que limitam a distribuio e a abundncia de uma espcie, alm das escalas de anlise e os padres gerais que observamos na natureza. Uma pergunta bsica que queremos desenvolver neste captulo : por que os organismos de uma espcie particular esto presentes em alguns locais e ausentes em outros?.

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2.1 IntroduoA compreenso sobre a distribuio e a abundncia (nmero de indivduos) das espcies envolve um conjunto de fatores complexos. Entre eles a histria da espcie (evoluo), os recursos de que essa espcie necessita para sobreviver e se reproduzir, as taxas individuais de natalidade, mortalidade e migrao (Captulo 3) e as interaes que ocorrem entre indivduos da mesma espcie (interaes intraespecficas) e entre espcies diferentes (interaes interespecficas).

2.2 Limites de tolernciaPodem-se compreender os limites de tolerncia em termos das condies ambientais e dos recursos que influenciam o funcionamento dos organismos vivos. Alm disso, entenda que cada fator limitante pode ser considerado uma dimenso e, sendo assim, diversas so as dimenses que uma espcie pode enfrentar para sobreviver e se reproduzir. Dentre os fatores limitantes, temos os fatores abiticos, como a temperatura, a umidade, o pH, a salinidade e a concentrao de poluentes, os quais, ao contrrio dos recursos, so condies e por isso no so consumidos ou esgotados pelos organismos. Todas essas condies so fundamentais para entender as tolerncias e necessidades dos organismos quanto ao seu o nicho ecolgico, conceito esse que ser visto no Captulo 6 deste livro.

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Alm dos limites de tolerncia s variaes ambientais, o funcionamento dos organismos vivos pode apresentar nveis timos de desempenho, que podem ser entendidos como aqueles em que o organismo tem seu melhor desempenho. Sob o ponto de vista evolutivo, o nvel timo aquele em que se est mais adaptado, ou seja, no qual os organismos melhor sobrevivem e deixam o maior nmero de descendentes. Assim, importante relacionarmos os limites de tolerncia em termos evolutivos e reforar os conceitos de evoluo e seleo natural.

2.3 EvoluoA evoluo o conceito central e unificador da Biologia. Entretanto, como todos os conceitos importantes, a evoluo gera controvrsias. Seus princpios, s vezes, so mal interpretados. A evoluo muitas vezes compreendida como sinnimo de progresso, o que no correto. Em seu sentido mais amplo, evoluo corresponde simplesmente a mudana. Evoluo biolgica a mudana nas propriedades das populaes dos organismos, que transcendem o perodo de vida de um nico indivduo. O desenvolvimento de um nico indivduo desde seu nascimento at sua morte, assim como todas as mudanas pelas quais ele passa, no considerado evoluo. Organismos individuais no evoluem. As mudanas evolutivas acontecem no nvel populacional e so herdveis atravs de material gentico, de uma gerao para outra. O principal cientista associado evoluo Charles Darwin, que sugeriu a hiptese da evoluo por seleo natural. Antes da teoria de seleo natural de Darwin, acreditava-se que os caracteres adquiridos por um indivduo numa gerao poderiam ser herdados, conforme postulou Lamarck.

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Lamarck injustamente lembrado como algum que estava errado. Apesar das suas ideias sobre a herana de caracteres adquiridos terem sido rejeitadas, ele foi o primeiro cientista que destemidamente advogou a evoluo. Aps Lamarck, Darwin estendeu aos seres vivos e prpria espcie humana a ideia de que a mutabilidade, e no a estase, a ordem natural.

2.3.1 Evoluo e seleo naturalAtualmente, a Ecologia possui poucas leis consistentes e unificadoras. O nico conceito que se aproxima dessa condio dentro da Ecologia (bem como dentro de toda a Biologia) a seleo natural. Apesar de no ser um conceito difcil, com frequncia a seleo natural entendida erroneamente. Um dos principais equvocos a concepo da seleo natural como sinnimo de evoluo. A evoluo refere-se s mudanas temporais de qualquer tipo, enquanto que a seleo natural explica uma maneira em particular com que essas mudanas acontecem. H outros mecanismos importantes de evoluo, dentre eles as mutaes, que so entendidas como fundamentais para gerao de diversidade gentica Diversidade gentica a variedade presente nos organismos num grupo de estudo, por exemplo, populaes, espcies ou grupos de espcies. Ela expressa em muitos caracteres dos organismos, entre eles os padres de colorao de flores, as diferenas em protenas, enzimas e sequncias de DNA de quase todos os organismos. Sem diversidade gentica os organismos no tm como responder e se adaptar s mudanas do ambiente.a seleo natural s pode ocorrer se existirem os seguintes ingredientes: variabilidade entre os indivduos: os indivduos devem ter caractersticas que os diferenciem; sucesso reprodutivo, ao longo da vida, diferente entre os indivduos; herana gentica das caractersticas individuais.

Outra concepo errnea a de que a seleo natural ocorre principalmente mediante diferenas entre os ndices de mortalidade dos organismos, ou mortalidade diferencial. Entretanto, sempre que um organismo deixa mais descendentes do que outro, com o tempo seus genes iro dominar o conjunto gnico daquela populao. Consequentemente, em ltima anlise, a seleo natural opera somente em funo do xito reprodutivo diferencial.

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Muitos so os fatores que influenciam o xito reprodutivo diferencial e a capacidade das populaes de tolerar certos limites para atingir esse xito. Vamos ento analisar alguns fatores abiticos que so importantes para determinar como as populaes das espcies se distribuem.

2.4 Fatores abiticos2.4.1 TemperaturaA condio mais importante para a vida dos organismos a temperatura, e ela pode atuar em qualquer estdio do ciclo de vida e limitar a distribuio de uma espcie atravs de seus efeitos na sobrevivncia, na reproduo, no crescimento e na interao com outras formas de vida (competio, predao, parasitismo e doenas).Os efeitos da temperatura podem ser muitas vezes indiretos, e algumas condies de temperatura podem favorecer a disperso de infeces. Um estudo de uma populao de milho nos Estados Unidos, durante uma epidemia da ferrugem-do-milho, causada pelo Helminthosporium maydis, mostrou que as plantas sombreadas por rvores prximas foram afetadas mais fortemente, indicando que a variao local da temperatura teve forte influncia na ocorrncia da doena dentro da populao de milho. Veja a figura 2.1 sobre a incidncia da ferrugem-domilho. As plantas de milho mais prximas das rvores, e portanto mais sombreadas, foram as mais afetadas pela doena. (Fonte: BEGON et al., 2007).

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Nmero das leiras de milho a partir das rvores dispostas no limite da lavoura Figura 2.1 Incidncia da ferrugem-do-milho sobre uma populao de milho crescendo em distncias variveis em relao s rvores que proporcionavam sombra sobre os indivduos. (Adaptado de: BEGON et al., 2007).

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A temperatura age limitando a distribuio, mas qual aspecto da temperatura mais relevante: temperaturas mximas, temperaturas mnimas ou temperaturas mdias? A resposta que no h uma regra a ser aplicada, e a mensurao mais importante depende do mecanismo pelo qual a temperatura age e das espcies consideradas. Tanto plantas como animais respondem diferentemente s mesmas variaes ambientais durante as diversas fases do ciclo de vida. Por tal razo, as temperaturas mdias nem sempre esto relacionadas com os limites de distribuio da espcie estudada, mesmo que a temperatura seja aquela condio crtica para a espcie. H um considervel montante de trabalhos na literatura apresentando os efeitos da temperatura em diversos processos fisiolgicos, tais como a germinao de sementes, o florescimento em plantas e a velocidade do desenvolvimento em insetos. No h dvidas de que a temperatura afeta a fisiologia dos organismos, entretanto a questo formulada por uma abordagem ecolgica se os efeitos da temperatura explicam uma parte dos limites de distribuio das espcies. Para muitas espcies as distribuies so mais bem explicadas pelos valores extremos de temperatura, em especial pelas temperaturas letais, que impedem a existncia dos organismos. Um estudo realizado nos Estados Unidos visando investigar os efeitos da temperatura na determinao dos limites de distribuio de uma espcie de pinheiro (Pinus taeda) (Figura 2.2) demonstrou a sua suscetibilidade seca de inverno. Isso ocorre porque as baixas temperaturas congelam o solo e as razes das plantas, impossibilitando a absoro de gua. Dessa forma, as populaes da espcie tm sua distribuio limitada em regies com invernos mais rigorosos.Figura 2.2 Pinus americano (Pinus taeda).

A temperatura determina padres globais de distribuio, tais como unidades vegetais, como as tundras e florestas tropicais, e grupos de espcies animais, como peixes de gua fria e peixes de gua quente. No entanto h uma enorme dificuldade em aplicar a viso global para os detalhes da distribuio de uma espcie em particular, ou seja, em determinar a real influncia da temperatura na distribuio das espcies, indivi-

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dualmente. Atualmente, devido aos efeitos das mudanas climticas, tem se discutido quais sero os efeitos do aumento da temperatura mdia da Terra na distribuio das espcies. Voc j se perguntou sobre quais seriam as consequncias de um aumento mdio de 2C na temperatura global? Pesquise e pense sobre isso em relao regio onde voc mora.

2.4.2 Umidade, pH e salinidadeA umidade outro fator bsico que limita a distribuio de plantas e de animais. Os gegrafos reconheceram a importncia da umidade elaborando classificaes climticas baseadas na distribuio da vegetao. O papel da umidade mais evidente em uma escala global, pois a maneira detalhada de ao sobre as espcies em escalas locais no sempre clara. A disponibilidade de gua o fator crtico dos efeitos da umidade sobre as plantas, e a seca ocorre quando no esto presentes e disponveis quantidades adequadas de gua. O solo pode estar saturado de gua, mas se a gua estiver congelada, no ser absorvida e as plantas podero sofrer o efeito da seca. Muitos dos efeitos sobre a distribuio atribudos temperatura podem estar operando atravs do balano hdrico das plantas. A umidade pode tambm determinar os limites de distribuio de algumas espcies, conforme a altitude, em reas montanhosas. A resistncia seca , portanto, uma importante caracterstica ecolgica e no necessariamente invarivel dentro de uma espcie. Tanto organismos de gua doce como organismos de gua salgada podem ser afetados em suas respectivas distribuies pela qumica da gua em que vivem. Em mar aberto, a salinidade no varivel e consequentemente no limita os organismos marinhos, mas perto da costa ou em esturios de rios a diluio da gua salgada por correntes de gua doce pode reduzir a salinidade para nveis crticos. Dentre as vrias propriedades qumicas da gua estudadas, o pH uma condio que pode exercer uma forte influncia sobre a distribuio e a abundncia dos organismos. Muita ateno tem sido destinada tambm a trabalhos visando relacionar a distribuio deAcidez e alcalinidade so medidas numa escala de pH que corresponde ao negativo do log da concentrao do on hidrognio, em moles por litro. Assim, o pH da gua pura definido como neutro e 7, ou seja, significa que a concentrao de ons de hidrognio de 10-7 (0,0000001) moles por litro.

Fatores limitantes da distribuio e abundncia dos organismos vivos

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uma determinada espcie ao pH em ambientes aquticos. A maior parte dos organismos vivos, por exemplo, no tolera pH abaixo de 3 ou acima de 9. Algumas bactrias, por outro lado, tm seus limites de tolerncia em extremos de pH. A bactria Spirulina platensis ocorre em lagos alcalinos com pH at 11 (Figura 2.3), e a Thiobacillus ferrooxidans (Figura 2.4) ocorre em resduos de processos industriais e tolera pH igual a 1, podendo crescer em pH 0.

Figura 2.3 Spirulina platensis

Figura 2.4 Thiobacillus ferrooxidans

Alm disso, a influncia do pH pode ser indireta, desfavorecendo uma determinada fonte alimentar para uma espcie. Normalmente o pH de riachos est em torno de 7,0 (Figura 2.5), entretanto h estudos que mostram que o crescimento de fungos em riachos que apresentam pH baixo, pH 1 interpretamos que h a tendncia de aumento por gerao; se R0 = 1 , h uma tendncia de estabilidade, pois espera-se que a cada indivduo morto seja reposto por apenas um, na mdia, na prxima gerao; e finalmente, para R0 < 1 h uma tendncia de reduo ou declnio da populao, pois as taxas de fertilidade combinadas s taxas de sobrevivncia no so capazes de fazer com que a populao cresa e nem se mantenha com o mesmo nmero de indivduos. No exemplo da Tabela 3.1, o valor de R0 nos mostra que cada indivduo produz em mdia 1,4 (representado na tabela como 1.400) indivduos ao longo de uma gerao, o que indica a tendncia de aumento nessa populao. Tabela de vida esttica Em relao a muitos organismos, especialmente animais mveis e com grande longevidade, muito difcil o acompanhamento de todos os membros de uma coorte durante suas vidas. Entretanto, quando possvel determinar claramente as idades dos indivduos (mediante, por exemplo, o desgaste dos dentes em espcies de cervdeos), podemos, em um nico momento amostral, descrever

Bx / ax , pois assim teremos o nmero mdio de sementes produ-

Parmetros demogrficos

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os nmeros de sobreviventes de diferentes idades, formando assim uma tabela de vida esttica. A tabela de vida esttica pode ser vista como uma foto instantnea da populao, onde os dados so similares aos de uma tabela de vida de coorte: uma srie de diferentes nmeros de indivduos em diferentes classes etrias. Porm, a utilizao desse modelo esttico apresenta uma restrio: devemos assumir que os padres de mortalidade (ou sobrevivncia) e natalidade especficos por idade permaneceram constantes entre o nascimento dos indivduos mais velhos e o dos mais novos, o que raramente acontece. A Tabela 3.2 apresenta uma tabela de vida esttica de uma populao fictcia de roedor, cuja idade determinada pelo peso e colorao da pelagem. Assim como na tabela de vida, dinmica, os valores de sobrevivncia ( lx ) e mortalidade ( d x e qx ) so facilmente calculados. Caso a fecundidade ( Bx ) da espcie estudada seja conhecida, tambm possvel calcularmos a fertilidade individual ( mx ) e a taxa de reproduo lquida ( R0 ).tabela 3.2 tabela de vida de uma espcie fictcia de roedor Idade (anos) x 1 2 3 4 5 6 7 8 N de vivos em cada idade Sobrevivncia de idade em relao a a0 N de mortos em cada idade Proporo da mortalidade em cada idade

ax412 375 327 248 156 68 4 3

lx1.000 0.910 0.794 0.602 0.379 0.165 0.010 0.007

dx37 48 79 92 88 64 1 3

qx0.090 0.128 0.242 0.371 0.564 0.941 0.250 1.000

Alguns desdobramentos da tabela de vida Uma das razes da utilizao de tabelas de vida para monitorar propores (percentuais) por idade que elas nos possibilitam descobrir modelos e padres de nascimento e de mortalidade comuns a uma srie de espcies e a uma variedade de circunstncias. Isso

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Ecologia de Populaes e Comunidades

nos permite descobrir as propriedades comuns compartilhadas pelas diversas populaes, levando-nos a um entendimento mais profundo da dinmica populacional em geral. Usando a coluna dos valores da taxa de sobrevivncia das classes etrias ( lx ) no eixo y, numa escala logartmica, e as classes etrias no eixo x, podemos produzir grficos conhecidos como grficos de curvas de sobrevivncia. A Figura 3.6 ilustra trs comportamentos padronizados que usamos para entender o comportamento da sobrevivncia ou da mortalidade numa populao.1000 100 10 1 Tipo III 0 Idade Figura 3.6 Modelos de curvas de sobrevivncia, representando a distribuio das curvas do Tipo I, do Tipo II e do Tipo III. Tipo II Tipo I

Por conveno consideramos essas trs curvas como Tipos I, II e III. A curva do Tipo I descreve a situao na qual a mortalidade concentrada no final da vida. Muitas populaes humanas no mundo desenvolvido e de animais criados em zoolgicos apresentam esse perfil de sobrevivncia. Observe que, apesar de ser uma curva com os valores de sobrevivncia, podemos interpretar o perfil em termos da mortalidade, que neste caso acentuada quando a populao vai ficando mais velha. Na outra curva, chamada de Tipo II, a probabilidade de morte permanece constante com a idade, conduzindo a sobrevivncia a um declnio linear. Podemos interpretar, por sua vez, que a mortalidade neste caso independe da idade, ou seja, no maior nas idades mais avanadas nem menor nas idades iniciais da vida dos organismos. Esse um caso observado, por exemplo, em sementes enterradas no solo de muitas populaes de plantas. Aps a dis-

Sobrevivncia

Parmetros demogrficos

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perso de sementes e seu enterramento no solo, a viabilidade das sementes vai caindo aos poucos, de maneira constante. Por fim, na terceira curva, ou do Tipo III, h uma queda drstica na sobrevivncia nos primeiros intervalos de idade, ou, por outro lado, uma alta mortalidade no incio. Com o passar do tempo, os indivduos sobreviventes mantm-se vivos por longo perodo de tempo. Uma queda suave nos ndices de sobrevivncia se observa ao final da vida da populao. Muitos peixes marinhos que produzem milhes de ovos, dos quais poucos indivduos sobrevivem para se transformar em adultos, exibem esse tipo de curva em suas populaes. importante destacar que determinadas espcies podem apresentar mais de uma curva. Muitas espcies de gramneas, por exemplo, apresentam a curva de sobrevivncia do Tipo III no estdio de plntulas, mas, quando essas plntulas se desenvolvem e se transformam em plantas adultas, a curva do Tipo II passa a prevalecer. Na Figura 3.7 podemos observar as curvas de sobrevivncia para duas populaes de cervo (Odocoileus hemionus) (Figura 3.8) vivendo nos chaparrais da Califrnia, EUA. A populao de alta densidade est numa rea com manejo mantida por queimadas controladas, enquanto que a populao de baixa densidade est numa rea sem manejo, e no queimada h 10 anos. Observe como as duas populaes so afetadas diferentemente pelas condies a que esto expostas e as mudanas que estas acarretam no comportamento da sobrevivncia de cada uma.Baixa densidade Alta densidade

1000 500 Sobreviventes (log)

100 50

A anlise da curva de sobrevivncia da populao combinada anlise dos parmetros da tabela de vida permite aos eclogos de populaes terem uma ideia muito boa do comportamento da histria de vida de uma populao. Analisando essas informaes po-

1

0

2

4 Anos

6

8

10

Figura 3.7 Curvas de sobrevivncia para duas populaes de cervo (Odocoileus hemionus) em condies de manejo e fogo (populao de alta densidade 64 cervos por 2,6 km2) e em condies sem manejo e sem fogo (populao de baixa densidade 27 cervos por 2,6 km2). (Adaptado de: ODUM; BARRET, 2007).

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demos tomar decises, por exemplo, que ajudem determinadas populaes a aumentarem suas taxas de sobrevivncia, favorecendo um nmero maior de reprodues bem-sucedidas, que resultem em indivduos sadios e reprodutivos. Alm disso, podemos com essas informaes reduzir o nmero de mortes, por um cuidado maior com as fases iniciais da vida de organismos que por algum impacto antrpico, por exemplo, esto com suas taxas de mortalidade aumentadas. Sob outro ponto de vista, podemos pensar tambm no controle de populaes de espcies introduzidas (ou exticas) num ambiente sem predadores e competidores especficos, que aumentaram muito suas taxas de reproduo tornando-se danosas ao desenvolvimento de populaes de espcies nativas.

Figura 3.8 Cervo (Odocoileus hemionus).

ResumoNeste captulo foram estudados alguns dos parmetros populacionais essenciais, como a distribuio etria, a densidade populacional, e a natalidade e mortalidade de populaes, e os mtodos de estimativa de tamanho populacional mais comuns. Duas abordagens no estudo de tabelas de vida foram ilustradas: as tabelas de vida dinmicas que envolvem o acompanhamento de uma coorte com o momento do nascimento conhecido e as tabelas estticas que compreendem fotos instantneas dos sobreviventes em uma populao. Tambm foram apresentados trs tipos de curvas de sobrevivncia formadas a partir dos desdobramentos das tabelas de vida. A curva do Tipo I descreve a situao na qual a mortalidade concentrada no final do ciclo de vida. Na curva do Tipo II, a probabilidade de morte permanece constante com a idade, conduzindo a sobrevivncia a um declnio linear. Por fim, na terceira curva, ou do Tipo III, h uma queda drstica na sobrevivncia nos primeiros intervalos de idade, ou, por outro lado, uma alta mortalidade no incio.

Parmetros demogrficos

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Leitura recomendadaBEGON, M.; MORTIMER, M. Population ecology: a unified study of animals and plants. Oxford: Blackwell, 1986. 220 p. Captulo 1: Describing populations. BEGON, M.; TOWNSEND, C.R.; HARPER, J. Ecologia: de indivduos a ecossistemas. Oxford: Blackwell, 2006. 759 p. Captulo 4: Vida, morte e histria de vida. KREBS, C.J. Ecology: the experimental analysis of distribution and abundance. San Francisco: Pearson, s/d. 655 p. Captulo 8: Population, parameters and demographic techniques. ODUM, E.P.; BARRET, G.W. Fundamentos de ecologia. So Paulo: Thomson Learning, 2007. 612 p. Captulo 6: Ecologia de populaes.

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Modelos de crescimento populacionalNeste captulo sero estudados os principais fatores determinantes de densidade e sero analisados dois modelos de crescimento populacional usados para projetar o crescimento de uma populao no futuro e estudar seu comportamento.

c a p t u lo 4

Modelos de crescimento populacional

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4.1 IntroduoPara comear este captulo, precisamos entender o conceito de estratgias bionmicas (bos = relativo vida, noms = regra ou lei). As caractersticas relativas ao crescimento e reproduo seriam bionmicas, pois definem o ciclo de vida ou um conjunto de regras para reproduo e crescimento. Para estudar essas regras, vamos entender os modelos de crescimento populacional, uma das formas mais tradicionalmente usadas pelos eclogos para estudar o comportamento de populaes do ponto de vista numrico.

4.2 Modelos de crescimento populacionalVoc deve ter percebido que uma parte da Ecologia de Populaes essencialmente quantitativa e procura descrever o que acontece com as populaes em termos demogrficos. Para isso, os eclogos utilizam modelos para simplificar a realidade. Por um lado, buscam-se modelos que faam generalizaes, mas, por outro, h uma enorme variao nas estratgias de histria de vida dos organismos.Segundo Charles J. Krebs, um renomado eclogo, modelos so uma declarao verbal ou matemtica de uma hiptese. O que ele quer dizer com isso? Pesquise!

H um importante eclogo chamado Robert Levins que em 1968 publicou um artigo em que dizia que o modelo perfeito deveria ser geral, realista, preciso e simples ao mesmo tempo. Ele mesmo sabia que isso impossvel, pois generalidade e simplicidade sacrificam a preciso e o realismo de um modelo, que nada mais

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Ecologia de Populaes e Comunidades

que uma simplificao da realidade, para facilitar seu entendimento, e que podem gerar formulaes que imitam um fenmeno do mundo real. Podemos encontrar diversos autores explicando o que vem a ser um modelo. Ronaldo Angelini e Luiz Carlos Gomes destacam no livro O arteso de ecossistemas: construindo modelos com dados (ANGELINI; GOMES, 2008) que um modelo matemtico uma representao quantitativa dos processos e trocas que ocorrem num sistema, permitindo seu estudo sem uma anlise experimental, isto , sem impactar o ambiente e que o modelo nunca conter todas as nuances do sistema real, mas deve necessariamente possuir caractersticas essenciais do problema a ser resolvido ou descrito. Sabemos que, apesar de trabalharmos com modelos que carecem de preciso, esses modelos possibilitam a compreenso de tendncias populacionais bsicas. Alm disso, como veremos adiante, eles so teis para entender conceitos como capacidade suporte, regulao populacional, efeitos de dependncia de densidade, entre outros. Em Ecologia h dois tipos bsicos de modelos que descrevem matematicamente o crescimento de populaes. Muitos alunos, ao abrirem os livros-texto de Ecologia e se depararem com esses modelos, j pressupem que so modelos complicados e que dificilmente refletem o que ocorre na natureza. Precisamos desmitificar a matemtica por detrs desses modelos, pois eles, na verdade, so bastante simples. Os dois modelos bsicos que descrevem o crescimento de populaes so o modelo exponencial e o modelo logstico. Vamos ver a seguir como cada um deles funciona.

4.2.1 Crescimento exponencialEsses modelos bsicos assumem algumas condies iniciais, ou premissas. A primeira delas que estamos lidando com uma nica populao, em um ambiente simples, e essa populao est isolada. Outra caracterstica deste modelo de estudo de crescimento que

Modelos de crescimento populacional

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consideramos que ele independente da densidade, ou seja, consideramos que os processos populacionais no so afetados pela densidade (ou tamanho) corrente da populao. Nessa nossa nica populao, a varivel N equivale ao tamanho da populao, ou ao seu nmero de indivduos. O ndice t corresponde a um dado tempo t. Portanto, N t ser o nmero de indivduos da populao no tempo t. Por exemplo, suponha que contamos, no incio do estudo, 200 indivduos em uma populao de roedores. Voltamos ao local um ano depois e contamos 300 roedores dessa populao. Sendo assim, N 0 = 200 e N1 = 300. Geralmente, os modelos iniciam considerando um t = 0 (tempo inicial). As unidades de t variam conforme o organismo de estudo, sendo geralmente medidas em anos. Assim, t1 o tempo transcorrido aps 1 ano, t2 o tempo transcorrido aps 2 anos e assim por diante. Entretanto, esse tempo pode ser medido em dcadas (por exemplo, para as tartarugas marinhas) ou em minutos (para as bactrias ou protozorios, por exemplo). importante compreender que o objetivo do modelo prever o tamanho futuro da populao ( N t +1 ) a partir do tamanho presente ( N t ). Lembre-se que no captulo anterior vimos que os processos populacionais envolvidos no crescimento populacional so nascimento, morte, emigrao e imigrao. Assim, para prever o tamanho populacional em um momento futuro ( N t +1 ) a partir do tamanho presente ( N t ), poderamos utilizar a relao abaixo:N t +1 = N t + B M + E I

Onde B = nascimentos, M = mortes, E = emigrao e I = imigranascimentos mortes o. Vamos voltar s premissas: estamos lidando com uma nica populao e essa populao est isolada. Assim, tanto E quanto I sero iguais a zero, podendo ser eliminados da equao, resultando na equao abaixo:N t +1 = N t + B M

Para saber a mudana no tamanho da populao vamos ento representar essa mudana pela diferena entre N t +1 e N t :N t +1 N t = B M

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Ecologia de Populaes e Comunidades

Considerando que N t +1 N t expressa uma mudana, podemos representar essa mudana por N [Este smbolo ( ) a letra grega delta e lemos ento delta N], que representa a mudana no nmero de indivduos. Esse smbolo poderia ser usado tambm para representar uma mudana entre o tempo t = 0 e t = 1 , ou seja, t0 e t1 , t . Considerando essas duas taxas de mudanas, ou seja, da mudana do nmero de indivduos ( N ) e da variao de tempo ( t ), agora poderamos calcular a taxa mdia de mudana no nmero de organismos por tempo, ou seja, dividir as duas taxas de mudana, N / t . Essa taxa resultante, entretanto, uma mdia, e poderamos nos perguntar qual seria uma taxa instantnea de crescimento, ou seja, quando t to pequeno que teoricamente teramos um valor de crescimento num momento qualquer da histria de vida daquela populao que estamos estudando. Vamos considerar ento que o crescimento da populao que estamos querendo modelar contnuo e que queremos achar um valor dentro de um momento muito pequeno de tempo: isso significa que o intervalo de tempo entre N t e N t +1 infinitamente pequeno. Para fazer isso matematicamente, preciso derivar a equao acima e substituir o smbolo pela letra d, o que equivale a dizer:dN / dt = B M

L-se estritamente: a derivada de N pelo tempo t igual a nascimentos menos mortes, porm este um termo tcnico e pouco usual. Voc deve entender que a maneira de representar uma taxa de mudana, neste caso a mudana do nmero de indivduos pelo tempo. Veja neste caso como importante ter muito claro o que so, quais so, e quantos so os indivduos da populao em estudo. Observe que dN / dt uma maneira de expressar que h uma mudana no nmero de indivduos por unidade de tempo. Lembre-se que no captulo anterior vimos a diferena entre nmero de nascimentos e taxa de natalidade, e nmero de mortes e

Modelos de crescimento populacional

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taxa de mortalidade. Vamos passar agora a resolver o B e o M da equao acima. Vamos considerar que:B = bN e M = mN

Onde b igual taxa de natalidade instantnea, por indivduo, e m igual taxa de mortalidade instantnea, tambm por indivduo. Assumindo que b e m so constantes, podemos fazer as seguintes relaes, substituindo os valores de B e de M:dN / dt = B M ou dN / dt = (b m) N

Essa parte da equao acima que est entre parnteses ( b m ) vamos chamar de r:r =bm

O parmetro r tambm conhecido como taxa de crescimento instantnea, ou taxa intrnseca de crescimento, ou ainda parmetro malthusiano, ou de Malthus.Milicientero Thomas Robert Malthus (Figura 4.1) nasceu em fevereiro de 1766, na Inglaterra, e faleceu em 1834. Ficou conhecido como reverendo, economista e demgrafo, principalmente aps ter publicado em 1798, anonimamente, Um Ensaio sobre a Populao (An essay on the principle of population). Nessa obra ele afirmava que a populao crescia em progresso geomtrica, enquanto a produo de alimentos aumentava em progresso aritmtica. O modelo de crescimento exponencial descreve esse crescimento geomtrico.

Figura 4.1 Thomas Robert Malthus.

Esse nosso modelo, sintetizado na equao dN / dt = rN , descreve o crescimento exponencial de uma populao, sem limitaes impostas pela sua densidade ou por seu tamanho. O valor de r determina se uma populao vai aumentar exponencialmente (r > 0), permanecer constante ( r = 0 ) ou diminuir at a extino ( r < 0 ).

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Ecologia de Populaes e Comunidades

De acordo com a equao de crescimento exponencial, as populaes naturais crescem exponencialmente, sem limites para o crescimento, como exemplificado na Figura 4.2. A equao anterior nos permite medir a taxa de crescimento populacional, mas no o tamanho dessa populao. Entretanto, usando clculo diferencial e integral, podemos expressar a equao de crescimento populacional tambm pela relao abaixo:N t = N 0 e rtNmeros N

A

Curva em forma de J

Tempo Figura 4.2 Curva de crescimento exponencial hipottica. (Adaptado de: ODUM; BARRET, 2007).

Onde N 0 o tamanho da populao inicial, N t o tamanho da populao em um dado tempo t e e uma constante, base do logaritmo neperiano (aproximadamente igual a 2,717). Nesse modelo, a populao cresce indefinidamente, pois no h efeito de dependncia da densidade: isso supe que no h limitao de recursos para o crescimento da populao e que no est ocorrendo competio intraespecfica, ou seja, entre indivduos da mesma espcie dentro da populao.

William Petty (Figura 4.3), um agrimensor ingls que viveu entre 1623-1683, j tentava estudar parmetros de populaes humanas. Ele fez intrigantes estimativas. Considerando que 8 pessoas estavam na Arca de No, e que elas abandonaram a arca em 2700 a.C., segundo Petty, a populao em sua poca, sculo XVII, seria de 320.000.000. Como agrimensor estimou a rea da Terra e ento conclui que haveria uma pessoa por hectare, 100.000m, no mundo. Como precursor de Malthus, ele tambm no considerava em suas estimativas fatores que poderiam restringir o crescimento de uma populao. Esses fatores s foram includos muitos anos depois. Volte agora para o item seguinte e aprenda ento como fatores limitantes podem influenciar o crescimento populacional.Figura 4.3 William Petty.

4.2.2 Crescimento logsticoNa natureza sabe-se que h fatores que limitam o crescimento populacional. As populaes no crescem exponencialmente, salvo raras excees, tais como um intervalo de tempo em que se acompanha o crescimento populacional de bactrias em laboratrio.

Modelos de crescimento populacional

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Sabemos que as taxas de natalidade e mortalidade dependem do tamanho da populao, ou seja, h um efeito de dependncia de densidade. Um nmero maior ou menor de indivduos convivendo num mesmo local e usando recursos em comum sofrer influncia nas suas taxas de natalidade e mortalidade. Assim, precisamos inserir alguma modificao em b e m, de modo a refletir o fato de que a taxa de natalidade per capita deve diminuir conforme a populao cresce e a taxa de mortalidade per capita deve aumentar medida que a populao cresce. Vamos assumir que essas mudanas em b e m so lineares. Uma soluo simples para resolver essas modificaes seria considerar que agora a nossa taxa de natalidade dada por um fator b modificado, que chamaremos de b, e a taxa de mortalidade modificada dada por m. O que modifica essas taxas so as constantes a e c:b ' = b aN e m ' = m + cN

Onde b a taxa de natalidade per capita, m a taxa de mortalidade per capita, b a natalidade em condies ideais (sem efeito do crescimento populacional), m a mortalidade em condies ideais, a o efeito da dependncia de densidade sobre a natalidade, c o efeito da dependncia de densidade sobre a mortalidade e o N continua sendo igual ao tamanho da populao. Inserindo b ' = b aN e m ' = m + cN na equao de crescimento exponencial, podemos definir uma constante K, que igual a (b m) / (a + c) . Nossa equao ficar ento a seguinte:Pierre Franois Verhulst (18041849) foi um matemtico belga que iniciou o uso do termo logstico quando dizia que uma populao cresce continuamente, at um limite superior. Na poca, Verhulst foi grandemente ignorado por seus colegas e seu modelo s foi redescoberto na dcada de 1920, por Raymond Pearl e Lowell Reed.

dN / dt = rN (1 N / K )

Isso quer dizer que o tamanho (ou densidade) populacional aumenta at alcanar um limite mximo, relativamente estvel, que conhecido como capacidade de carga, ou capacidade suporte, medido pelo fator K. Essa equao conhecida como equao de crescimento logstico, ou equao de Verhulst-Pearl, e est representada pela Figura 4.4.

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Ecologia de Populaes e Comunidades

Curva em forma de S B Capacidade suporte mxima (K)

Nmeros N

Figura 4.4 Curva de crescimento logstico. (Adaptado de: ODUM; BARRET, 2007). Tempo

Nessa equao, a populao para de crescer quando r igual a zero ou N igual a zero, mas tambm quando N = K (capacidade suporte). O conceito de capacidade suporte vem da Ecologia de Populaes e definido como a densidade populacional que representa um equilbrio estvel. medido por um parmetro representado pela letra K e representa o tamanho de uma populao que os recursos do ambiente podem manter, sem a tendncia de aumentar ou diminuir. Esse segundo modelo de crescimento populacional aplica-se para situaes bastante simplificadas, onde a competio interespecfica, ou seja, entre populaes de espcies diferentes, e a dependncia da densidade populacional so os fatores preponderantes. Para populaes naturais, h flutuaes populacionais imprevisveis, pois os indivduos so afetados por muitos outros fatores alm das interaes entre espcies. No mundo real, o parmetro K deve corresponder muito mais a uma faixa de valores do que a um nico valor numrico. Logstica (mais rpido) Na maioria dos casos, seria de esperar que a maioCrescimento intermedirio Logstica (mais lento) ria das populaes seguisse um padro intermedirio, ou seja, hora sofrendo menos limitaes, hora sofrendo mais limitaes. A Figura 4.5 ilustra esse Figura 4.5 Curva de crescimento exponencial tipo de padro. e logstico considerando a parte sombreadaque representa a rea dentro da qual recaem as formas de crescimento da maioria das populaes. (Adaptado de: ODUM; BARRET, 2007).

Modelos de crescimento populacional

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Apesar dessas limitaes para a aplicao prtica do conceito de capacidade suporte, a sua essncia foi absorvida pelas discusses sobre sustentabilidade ambiental. Algumas definies de sustentabilidade ambiental, por exemplo, preconizam que o desenvolvimento sustentvel aquele em que a melhora na qualidade de vida humana no compromete a capacidade suporte dos ecossistemas.

ResumoNeste captulo foram estudados dois dos modelos mais simples de crescimento populacional. No modelo de crescimento exponencial, lidamos com uma nica populao, em um ambiente simples, e isolada. Nesse modelo assumimos que o estudo de crescimento independente de densidade, ou seja, consideramos que os processos populacionais no so afetados pela densidade (ou tamanho) corrente da populao. Foi estudado tambm o modelo de crescimento logstico. Neste caso foi analisado como se d o comportamento do crescimento quando includo um fator de dependncia de densidade.

Leitura recomendadaBEGON, M.; TOWNSEND, C. R.; HARPER, J. Ecologia: de indivduos a ecossistemas. Oxford: Blackwell, 2006. 759 p. Captulo 4: Vida, morte e histria de vida. KREBS, C. J. Ecology: the experimental analysis of distribution and abundance. San Francisco: Pearson, 2000. 655 p. Captulo 9: Population growth. ODUM, E. P.; BARRET, G. W. Fundamentos de ecologia. So Paulo: Thomson Learning, 2007. 612 p. Captulo 6: Ecologia de populaes.

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70 60 50 40 30 20 10 0 10 30 20 40 50

0 20 40 60

Componentes estruturais e funcionais de comunidadesEste captulo tem como objetivo descrever a estrutura de comunidades atravs de medidas ecolgicas como abundncia de indivduos, riqueza de espcies e ndices de diversidade. Tambm pretende oferecer ferramentas para medir a semelhana entre diferentes comunidades e mostrar a distribuio da riqueza de espcies no planeta, tanto em gradientes latitudinais como altitudinais, e quais so os principais fatores, incluindo os fatores biticos e abiticos, que influenciam na diversidade.

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Componentes estruturais e funcionais de comunidades

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5.1 Medidas de diversidadeComo medir a diversidade de uma comunidade? Para responder a essa pergunta necessrio encontrar medidas que descrevam a grande complexidade de interaes que existem entre os seres vivos e que permitam comparar a enorme diversidade biolgica. As variaes espaciais e temporais da diversidade de espcies estimulam as pesquisas, e as medidas aparecem como indicadoras do bom funcionamento dos ecossistemas. A descrio de uma comunidade biolgica pode ser realizada a partir da composio taxonmica das espcies que a compem, produzindo uma lista de espcies. Isso pode parecer simples, mas uma tarefa difcil em grupos pouco conhecidos taxonomicamente, como os insetos, entre os quais ainda h muitas espcies desconhecidas para a cincia. Por exemplo, um estudo realizado no ano de 2008 com besouros escarabeneos no Parque Municipal da Lagoa do Peri (Florianpolis, Santa Catarina) conseguiu fazer um levantamento de 18 espcies (das quais seis ainda no foram descritas), sendo, portanto, essas espcies as que compem a comunidade. Outra forma de descrever uma comunidade a partir do nmero de espcies que coexistem dentro da comunidade, conceito conhecido comoBesouro escarabeneo

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riqueza de espcies. Pode se pensar que contar o nmero de espcies de um determinado local seja uma tarefa fcil para o eclogo, indo a campo e fazendo uma coleta dos organismos ali presentes. Mas, na maioria das vezes, quando realizada uma amostragem, h espcies que no aparecem na amostra. Assim, para quantificar o nmero de espcies presentes em um determinado local fundamental que o desenho amostral seja apropriado, com rplicas em cada amostra, j que o nmero de espcies vai depender do nmero de amostras que so colhidas ou do tamanho do hbitat que est sendo explorado. Como exemplo, quando foi realizado o estudo dos escarabeneos, foi necessrio colocar dez pontos de amostragem ao longo de um transecto de 2 km, ou seja, dez rplicas. Um dos mtodos utilizados para saber se o nmero de coletas realizadas em um local foi suficiente para obter um nmero de espcies prximo ao que existe realmente consiste na observao das curvas de acumulao de espcies. A Figura 5.1 mostra duas curvas de acumulao de espcies em dois hbitats diferentes: comunidade A, com uma riqueza acumulada de sete espcies, e comunidade B, com trs espcies no total das dez amostras. Como se observa na figura, o nmero de espcies vai aumentando medida que mais amostras vo sendo colhidas. As espcies comuns so provavelmente registradas em primeiro lugar, e as espcies mais raras sero adicionadas cada vez que aumenta o nmero de amostras. Por esses motivos, a riqueza de espcies de diferentes comunidades deve ser comparada somente se for baseada em amostras do mesmo tamanho ou de igual intensidade. O 8 7 pesquisador deve amostrar at que o nme6 ro de espcies alcance um valor constante, 5 formando um plat na curva de acumulao, 4 obtendo assim uma suficincia amostral. Essa 3 2 suficincia de amostragem pode ser observa1 da na comunidade B da Figura 5.1, em que na 0 0 2 stima coleta j se atinge o total de trs espcies da comunidade.Nmero de espcies observadas

Comunidade A

Comunidade B

6 8 4 Nmero de rplicas

10

Descrever a comunidade somente a partir do nmero de espcies no leva em conta se

Figura 5.1 Curva de acumulao de espcies, ou curva do coletor.

Componentes estruturais e funcionais de comunidades

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as espcies esto distribudas entre um grande nmero de indivduos ou entre poucos. Assim, para resolver essa questo, os eclogos inventaram ndices de riqueza que observam o nmero de espcies em relao ao total de indivduos amostrados, ou abundncia total. Esses ndices aumentam medida que o nmero de espcies maior em relao ao nmero total de indivduos em um hbitat determinado.

ndices de riqueza de espciesndice de Margalef: D = ( S 1) / ln N ndice de Menhinick: D = S /

N

onde S o nmero de espcies e N o nmero total de indivduos.

Seguindo o exemplo dos besouros escarabeneos, as coletas realizadas dentro do parque em um ambiente conhecido como Morro teve uma riqueza ( S ) de 16 espcies e uma abundncia ( N ) de 1491 indivduos, obtendo um ndice de riqueza de Margalef de 2,05. J o ambiente Lagoa teve uma riqueza um pouco menor, com 14 espcies em 1200 indivduos, obtendo um ndice de riqueza de Margalef de 1,83. Um aspecto importante da estrutura de uma comunidade ignorado quando a composio da comunidade descrita simplesmente em termos do nmero de espcies presentes em relao abundncia total de indivduos: algumas espcies so abundantes e outras so raras! conhecido na natureza que existem espcies que tm muitos indivduos (conhecidas como espcies abundantes) e outras que tm poucos indivduos (espcies raras). Por isso, alm da riqueza, anlises complementares incluem a construo de diagramas de distribuio de abundncia, com a abundncia relativa de cada uma das espcies, que uma ferramenta til para observar e comparar comunidades. A Figura 5.2 mostra a distribuio de abundncia de espcies de besouros escarabeneos em ambas as reas, Morro e Lagoa. Este diagrama foi construdo organizando as espcies de acordo com a sua abundncia, da mais abundante mais rara, sendo possvel ob-

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Ecologia de Populaes e Comunidades

servar duas espcies muito abundantes, vrias espcies com abundncia intermediria e finalmente vrias espcies raras, com um nmero de indivduos muito pequeno.

700 Nmero de Indivduos 600 500 400 300 200 100

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 Espcies Figura 5.2 Distribuio de abundncia das espcies de besouros escarabeneos no Parque Municipal da Lagoa do Peri em duas reas (Morro e Lagoa). Observe a grande abundncia das duas primeiras espcies e a grande quantidade de espcies que tm poucos indivduos.

Com base na constatao de que em uma comunidade sempre existem espcies mais abundantes que outras, os eclogos constroem esses diagramas a partir do nmero de indivduos, da rea coberta por indivduos ssseis ou da biomassa com que cada espcie contribui para a comunidade. Os mtodos que descrevem comunidades e que so baseados na estrutura da comunidade, ou seja, na distribuio de abundncia das espcies, utilizam toda a informao acumulada na comunidade, sendo uma descrio matemtica mais completa dos dados. Assim, existem descritores conhecidos como ndices de diversidade, que, em geral, so utilizados para conjuntos de organismos similares (taxocenose) em vrias localidades que diferem em alguma caracterstica ambiental. Comunidades com o mesmo nmero de espcies podem ter distribuies de abundn-

Componentes estruturais e funcionais de comunidades

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cia diferentes, sendo uma mais equitativa que a outra, ou seja, suas espcies possuem abundncias similares. Comunidades com uma equitabilidade maior so, portanto, mais diversas; assim, riqueza e equitabilidade combinam-se para determinar a diversidade de uma comunidade. Os ndices de diversidade mais utilizados incluem o ndice de Simpson e o ndice de Shannon-Wiener, dos quais o de Simpson mais sensvel a mudanas nas espcies mais abundantes e o de Shannon-Wiener mais sensvel a mudanas nas espcies raras da comunidade, sendo mais utilizado em programas de manejo e conservao. ndices de diversidadendice de Simpson: D = 1

pi

2

ndice de Shannon-Wiener: H =

pi log

2

pi ,

onde pi a proporo de indivduos da i -sima espcie.

Seguindo nosso exemplo, aps calcular a proporo de indivduos para cada espcie em relao ao total de indivduos coletados em cada ambiente, possvel calcular os ndices de diversidade de Shannon da comunidade de besouros escarabeneos do ambiente Morro ( H = 2,41) e do ambiente Lagoa ( H = 2,16), os quais mostram que a comunidade do primeiro ambiente mais diversa. O eclogo Whittaker, em 1972, classificou diferentes nveis de diversidade: a diversidade Alfa ( ) aquela que se refere diversidade local de uma comunidade; a diversidade Beta ( ) uma medida da diferena (ou da semelhana) entre comunidades de hbitats diferentes, em termos da variao de espcies encontradas neles; e a diversidade Gamma ( ) diz respeito diversidade regional, incluindo a riqueza de espcies do conjunto de comunidades que integram uma paisagem. Assim, para medir a similaridade entre comunidades so utilizadas medidas de similaridade, que analisam a -diversidade. So grandezas numricas que quantificam o grau de associao

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Ecologia de Populaes e Comunidades

ou semelhana entre pares de localidades ou entre momentos diferentes. Essas medidas recebem o nome de ndices de similaridade e so independentes do tamanho amostral e do nmero de espcies, aumentando desde um nmero mnimo fixo (zero, nenhuma similaridade) at um mximo (um ou cem, similaridade total), que representa que as duas comunidades so iguais. Os ndices de similaridade (ou coeficientes) podem ser binrios, incluindo somente os dados de presena/ausncia das espcies, sem levar em conta a abundncia, se as espcies so raras ou comuns; ou podem ser quantitativos, incluindo as medidas de abundncia relativa das espcies. ndices de similaridade Binrios:Coeficiente de Jaccard: S j =

Quantitativos:a a+b+c 2a 2a + b + cPorcentagem de similaridade:

P = mnimo ( P i , P2i ) 1onde: P = % similaridade entre amostra 1 e 2;

Coeficiente de Sorensen: S s = onde:

a o nmero de espcies em comum, que existem em ambas as comunidades analisadas (1 e 2); b o nmero de espcies que existem na amostra 1 e que no existem na amostra 2; c o nmero de espcies que existem na amostra 2 e que no existem na amostra 1. Esses ndices variam de 0 (sem similaridade) a 1 (iguais).

P = % da espcie i na amostra 1 da 1i comunidade;comunidade.

P2i = % da espcie i na amostra 2 da

Esse ndice varia de 0 (sem similaridade) a 100 (iguais) e muito utilizado. Cada comunidade padronizada em porcentagem, as abundncias relativas somam 100% em cada amostra.

A similaridade, calculada pelo coeficiente de Jaccard, entre as comunidades de besouros do nosso exemplo foi de 0,66 (ou, dito de outra forma, foi de 66%), j que houve 12 espcies em comum nas duas reas ( a ), quatro espcies que s foram coletadas na rea Morro ( b ) e duas espcies que s apareceram na rea Lagoa ( c ) ( S j = 12 / 12 + 4 + 2 ). A porcentagem de similaridade calculada entre as comunidades das duas reas foi de 84,7%. Esse alto valor indica uma grande se-

Componentes estruturais e funcionais de comunidades

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melhana na composio e na abundncia relativa das espcies de ambas as comunidades.

5.2 Padres de diversidade em gradientesO conhecimento da distribuio espacial da riqueza de espcies essencial para priorizar esforos de conservao. Assim, entender os padres de diversidade no planeta ao longo de gradientes espaciais de fundamental importncia. Mas antes disso devemos nos perguntar quantas espcies existem ou quantas espcies j foram descritas pela cincia. Atualmente, temos o registro de mais de 1 milho e meio de espcies, embora esse nmero represente menos de 15% da estimativa da real riqueza existente. A maior parte dessa diferena dada pela falta de conhecimento dos invertebrados, principalmente do grupo megadiverso dos insetos (veja a Tabela 5.1).tabela 5.1 Nmero de espcies descritas por grupo taxonmico e estimativa global. (adaptado de: coX; MooRE, 2009). Grupo taxonmico Insetos Fungos Aracndeos Vrus Nematdeos Bactrias Plantas vasculares Protozorios Algas Moluscos Crustceos Vertebrados Total Nmero de espcies descritas 950.000 70.000 75.000 5.000 15.000 4.000 250.000 40.000 40.000 70.000 40.000 45.000 1.604.000 Estimativa global 8.000.000 1.000.000 750.000 500.000 500.000 400.000 300.000 200.000 200.000 200.000 150.000 50.000 12.250.000 Porcentagem conhecida do grupo 12 7 10 5 3 1 83 20 20 35 27 90

Os fatores que afetam a riqueza de espcies no planeta podem ser divididos em abiticos e biticos. Entre os fatores abiticos, os mais importantes esto relacionados a fatores geogrficos como latitude, altitude e profundidade (em ambientes aquticos).

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Ecologia de Populaes e Comunidades

Os gradientes latitudinais apresentam um aumento na riqueza de espcies dos polos para os trpicos, sendo este aumento observado em muitos grupos taxonmicos, tanto em hbitats terrestres como marinhos e de gua doce. Um exemplo disso pode ser observado na Figura 5.3, que mostra o gradiente latitudinal na riqueza de espcies de borboletas rabo-de-andorinha em diversos continentes, existindo um maior nmero de espcies nas regies tropicais e uma gradual diminuio em direo s regies polares do planeta. Explicaes para entender esse padro envolvem fatores climticos, j que a temperatura e os regimes hdricos dos trpicos levam a uma grande produo de biomassa, havendo um aumento da produtividade dos polos para o equador. Alm disso, os regimes luminosos em reas tropicais, desde o cho at o dossel, conduzem a uma elevada riqueza em espcies vegetais e animais. Outra explicao para o aumento de riqueza em regies tropicais envolve fatores biticos, de interao entre espcies, j que a maior intensidade de predao nos trpicos, com predadores mais especializados, reduz a importncia da competio e aumenta a sobreposio de nichos. Os gradientes altitudinais apresentam, em geral, um decrscimo da riqueza de espcies com o aumento da altitude, o que pode ser explicado tanto por fatores climticos (diminuio da tempera-

Latitude

Latitude

70 4 60 11 50 18 40 21 30 30 20 64 10 80 0 80 10 73 30 48 20 10 40 0 50 0 20 40 60 80

N de espcies

70 5 60 9 50 23 40 29 30 6 20 18 10 52 0 58 10 50 30 29 20 5 40 0 50 0 20 40 60

Latitude

N de espcies

70 5 60 11 50 33 40 86 30 95 20 85 10 108 0 123 10 38 30 15 20 8 40 0 50 0 20 40 60 80 100 120

N de espcies

Figura 5.3 Riqueza de espcies de borboletas Papilionidae (conhecidas como rabo-de-andorinha, ou espadinha) ao longo de gradientes latitudinais em vrios continentes. (Adaptado de: COX; MOORE, 2009).

Componentes estruturais e funcionais de comunidades

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A

n

o

tura) como pela disponibilidade de recursos, j que em regies elevadas as reas ocupadas pelas espcies so menores e mais isoladas. Os gradientes de profundidade em ambientes aquticos atuam de forma semelhante ao gradiente terrestre altitudinal na mudana da riqueza de espcies, havendo menor quantidade de espcies nas profundidades do que em guas superficiais. Em lagos maiores, o fundo do ambiente frio, escuro e pobre em oxignio. J no ambiente marinho, as plantas encontram-se na zona ftica, onde podem realizar fotossntese (cerca de 30 m), de modo que h uma diminuio da riqueza com a profundidade. Dentre os fatores biticos que podem influenciar a quantidade de espcies em um determinado local, vrios processos ecolgicos podem vir a aumentar a riqueza de espcies, os quais podem estar relacionados com o aumento da quantidade de recursos; a maior especializao; a maior sobreposio de nichos; ou a explorao mais completa dos recursos. Esses modelos de aumento de riqueza de espcies so apresentados na Figura 5.4. Outro fator bitico importante na riqueza de espcies dentro de uma comunidade a influncia da heterogeneidade espacial, ou arquitetnica, gerada pelos prprios organismos. Podemos esperar que ambientes mais heterogneos contenham mais espcies, j que proporcionam uma maior variedade de micro-hbitats, uma gama mais ampla de microclimas, mais refgios contra predadores, etc. Na prtica, h um aumento da amplitude do recurso (equivalente Fi-

R

R Mais espcies devido maior gama de recursos (valor maior de R)

B

Mais espcies porque cada uma mais especializada (n menor)

C

Mais espcies por que cada uma se sobrepe mais com suas vizinhas (o maior)

D

Mais espcies por que o eixo de recursos explorado de modo mais completo (comunidade mais saturada)

Figura 5.4 Modelos de riqueza de espcies. Cada espcie usa uma parte n dos recursos (R), sobrepondo-se a outras espcies em um grau o. (Adaptado de: BEGON et al., 2006).

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Ecologia de Populaes e Comunidades

gura 5.4a): quanto mais heterogneo for o ambiente, maior ser a quantidade de recursos distribudos em um mosaico de hbitats. Um exemplo do aumento de riqueza em relao ao aumento da complexidade ambiental pode ser observado na Figura 5.5, que mostra a relao entre o nmero de espcies de aves e o nmero de camadas da vegetao estratificada de uma floresta tropical mida, com maior quantidade de espcies de aves nas reas da floresta onde h maior cobertura vegetal. Outro fator que deve ser levado em conta quando observamos o nmero de espcies em um determinado local a relao entre a riqueza e o tamanho da rea. Esse fator muito importante quando pensamos no tamanho das reas que precisamos manter para a conservao da biodiversidade, como reas de proteo e Unidades de Conservao. A teoria do equilbrio de biogeografia de ilhas (MACARTHUR; WILSON, 1967) mostra que tanto o tamanho de uma ilha como o grau de isolamento exercem importantes papis na riqueza de espcies, podendo ser considerados ilhas os topos das montanhas, os fragmentos de florestas, os locais com tipos geolgicos particuA50 45 40 35 30 25 20 18 16 14 12 10 8,0 6,0 5,5 5,0 4,5 4,0 3,5 3,0 2,5 2,0 1,5 1,0 0,5

BNmero de espcies

30

20

Nmero de espcies

10

1

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

Nmero de camadas

0

10

20

30

40 50 60 70 80 Nmero de camadas

90 100

Figura 5.5 (a) Perfil de uma floresta tropical mida com os percentuais de cobertura dos dossis registrados em diferentes alturas sobre o solo. (b) Relao entre o nmero de espcies de aves e o nmero de camadas da vegetao estratificada.

Componentes estruturais e funcionais de comunidades

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APrxima, grande ( Taxa de imigrao ) Nmero de espcies das reas-fonte Nmero de espcies residentes Distante, pequena

lares, etc. A teoria prediz que o nmero de espcies existentes em ilhas decresce de acordo com a diminuio do tamanho da rea e o aumento do isolamento. O isolamento maior quanto maior for a distncia da ilha at o continente ou de um fragmento isolado de floresta at uma rea fonte de espcies. Nessa teoria existe um balano dinmico entre migrao e extino, j que as espcies vo se extinguindo e recolonizando as ilhas atravs da migrao. A taxa de imigrao ser elevada se uma ilha est vazia, j que qualquer indivduo que chegar ser uma nova espcie. A taxa chega a zero quando todas as espcies do continente (ou da fonte) esto presentes na ilha (Figura 5.6. a). J a taxa de extino menor quanto menor for a riqueza, j que quando no h espcies na ilha, a taxa prxima a zero (Figura 5.6 b). Quando aumenta a riqueza, cresce a taxa de extino, j que aumenta a excluso competitiva. Portanto, a taxa de extino maior em ilhas pequenas, pois as populaes sero menores. Reunindo os efeitos da imigrao e da extino, a teoria de biogeografia de ilhas permite estimar que a riqueza de espcies obtm um equilbrio dinmico onde as curvas se sobrepem ( S * ) (Figura 5.6 c). Abaixo deste ponto de equilbrio S * , a riqueza aumenta, j que a imigrao excede a extino, e acima de S * a riqueza diminui, uma vez que a extino excede a imigrao.Figura 5.6 (a) Relao entre a taxa de imigrao e a riqueza de espcies em ilhas de tamanho pequeno (ou distantes) e de tamanho grande (ou prximas ao continente). (b) Relao entre a taxa de extino e a riqueza de espcies em ilhas de tamanho pequeno (ou distantes) e de tamanho grande (ou prximas ao continente). (c) Teoria de biogeografia de ilhas, mostrando os pontos de equilbrio do nmero de espcies residentes em ilhas pequenas e grandes. (Modificado de: TOWNSEND; BEGON; HARPER, 2006).

B( Taxa de extino ) Ilhas pequenas Ilhas grandes Nmero de espcies residentes

CPrxima, grande ( ( Taxa de imigrao Taxa de extino ) ) S* Pequena ou distante Distante, pequena Pequena

Grande

S* Grande ou prxima

Nmero de espcies residentes

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Ecologia de Populaes e Comunidades

Sabemos que a taxa de extino atualmente mil vezes maior que nos perodos passados da Terra. A fauna ameaada no Brasil inclui uma enorme quantidade de espcies, de insetos a mamferos. A principal atividade humana que coloca as espcies em risco de extino a destruio da natureza, que degrada e fragmenta os hbitats, aumentando assim o isolamento e diminuindo o tamanho das reas de vida dos organismos. O desafio da conservao da biodiversidade reduzir as presses negativas sobre as espcies e seu hbitat e, com isso, aumentar a sua probabilidade de sobrevivncia.

Componentes estruturais e funcionais de comunidades

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As previses da teoria so que a riqueza de espcies em uma ilha se torna constante ao longo do tempo, e esta constncia resultado da substituio de espcies, com a extino de algumas e imigrao de outras. Assim, ilhas grandes (ou fragmentos grandes) suportam maior riqueza, e a riqueza de espcies diminui com o grau de isolamento. No caso de fragmentos de florestas, o grau de isolamento entre reas pode diminuir consideravelmente com a presena de corredores ecolgicos entre elas, provocando uma maior taxa de imigrao e favorecendo a riqueza de espcies. O conceito de biodiversidade procura referir e integrar toda a imensa variedade que encontramos em organismos vivos, nos mais diferentes nveis, incluindo os genes, que pertencem aos organismos, que compem as populaes, que pertencem a espcies, cujos conjuntos formam comunidades e que fazem parte dos ecossistemas. To importante quanto esses componentes a maneira como eles esto organizados e como interagem. Assim, as interaes e os processos entre os organismos, as populaes, as comunidades e os ecossistemas fazem preservar sua estrutura.

ResumoNeste captulo aprendemos a diferenciar a composio de uma comunidade e a estrutura de uma comunidade, sendo esta ltima descrita a partir de medidas ecolgicas, como o nmero de indivduos (abundncia), o nmero de espcies (riqueza) e a relao entre ambos (ndices de diversidade). Alm disso, estudamos uma forma de comparar comunidades, utilizando medidas de similaridade, e observamos quais so os fatores que afetam a riqueza de espcies: entre os fatores abiticos descrevemos os gradientes latitudinais e altitudinais (em ambientes terrestres) e de profundidade (em ambientes aquticos); entre os fatores biticos, descrevemos como a complexidade do ambiente, criada pelos prprios organismos, pode aumentar o nmero de espcies e como o tamanho da rea pode diminuir o nmero de espcies que podem viver em um local devido competio. Finalmente, vimos a importncia desses fatores no desafio da conservao de espcies em vias de extino.

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Leitura recomendadaCOX, C. B; MOORE, P. D. Biogeografia: uma abordagem ecolgica e evolucionria. Rio de Janeiro: LTC, 2009. 398 p. Captulo 3: Padres de biodiversidade. TOWNSEND, C. R.; BEGON, M. HARPER, J. L. Fundamentos em ecologia. Porto Alegre: Artmed, 2006. 592 p. Captulo 10: Padres na riqueza em espcies. TOWNSEND, C. R.; BEGON, M. HARPER, J. L. Fundamentos em ecologia. Porto Alegre: Artmed, 2006. 592 p. Captulo 14: Biologia da Conservao.

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Conceito de nichoEste captulo tem por objetivo definir o nicho ecolgico das espcies, diferenciar os conceitos de nicho fundamental e efetivo e compreender a importncia da diferenciao de nicho entre espcies coexistentes, que possibilita o aumento da diversidade de espcies em comunidades.

c a p t u lo 6

Conceito de nicho

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6.1 Definio e histricoO conceito de nicho um dos pilares do pensamento ecolgico, j que fornece uma ideia, um conceito, que resume as tolerncias e necessidades de um organismo. Assim, para compreender a distribuio e a abundncia de uma espcie devemos conhecer sua histria, os recursos necessrios, as suas taxas de natalidade, mortalidade e migrao, as relaes intra e interespecficas e os efeitos das condies ambientais. Elton, em 1933, utilizou inicialmente a palavra nicho para descrever como um organismo vive, ou seja, seu modo de vida. A expresso nicho ecolgico frequentemente mal empregada, sendo confundida com o local onde o organismo vive, ou seja, seu hbitat. Na verdade, cada hbitat proporciona nichos muito diferentes para diferentes organismos. Hutchinson, em 1957, se referiu ao nicho como as maneiras pelas quais a tolerncia e a necessidade interagem na definio de condies e recursos necessrios a um indivduo ou a uma espcie, a fim de cumprir seu modo de vida. Por exemplo, se a temperatura limita o crescimento e a reproduo dos organismos, sendo que eles toleram faixas diferentes de temperatura, essa faixa uma dimenso do nicho ecolgico (Figura 6.1 a). Como existem muitas dimenses do nicho de uma espcie, o nicho real de uma espcie multidimensional, assim considera-se o nicho como um hipervolume n-dimensional (duas dimenses na Figura 6.1 b e trs dimenses na Figura 6.1 c).

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AOxyria digyna Picea abies Quercus pubescens 0 5 10 15 20 Temperatura ( C) 25 30 Figura 6.1 Nicho ecolgico de: (a) uma dimenso (faixa de temperatura na qual cada espcie consegue sobreviver); (b) duas dimenses (salinidade e temperatura); (c) trs dimenses (temperatura, pH e disponibilidade de alimento). (Adaptado de: BEGON et al., 2006).

B25 Temperatura ( C)

Mortalidade 100% Mortalidade 50%

20 Mortalidade 0%

pH

10

0

5

10 15 20 25 30 35 40 45 Salinidade (%)

Di

sp

Uma espcie pode potencialmente ocorrer e persistir em um determinado local desde que haja certas condies dentro de limites aceitveis e, alm disso, o local contenha todos os recursos necessrios espcie. Vale lembr