LIVRO FRAUDES NO VOTO ELETRÔNICO

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Livro que trata sobre as fragilidades e possibilidades de fraudes no voto eletrônico.

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Eu sei em quem votei, Eles tambm, Mas s eles sabem quem recebeu meu voto.

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Brunazo Filho, Amlcar Fraudes e defesas no voto eletrnico / Amlcar Brunazo Filho e Maria Aparecida Cortiz. So Paulo: All Print Editora, 2006. Bibliograa ISBN 85-7718-030-1 1. Defesa (Processo civil) - Brasil 2. Fraude eleitoral - Brasil 3. Justia eleitoral - Brasil 4. Voto eletrnico - Brasil I. Cortiz, Maria Aparecida. II. Ttulo. 06-5379 CDD-324.660981

ndices para catlogo sistemtico: 1. Brasil : Fraudes no voto eletrnico : Eleies : Cincia poltica 324.660981 2. Brasil : Voto eletrnico : Fraudes : Eleies : Cincia poltica 324.660981

2006 SO PAULO BRASIL

FRAUDES E DEFESAS NO VOTO ELETRNICO COPY LEFT 2006 A reproduo parcial do material deste livro permitida sem alterao do contedo, exclusivamente para redistribuio gratuita e desde que acompanhada da transcrio desta licena Copy Left e dos crditos referentes a autoria e origem. Todos os demais direitos de reproduo so reservados aos autores.

Projeto grco, editorao e impresso:

www.allprinteditora.com.br [email protected] (11) 5574-5322 CAPA: IDIA ORIGINAL: Fernando Barboza ILUSTRAO E DESIGN: Fernando Augusto Alves

VENDAS EM: www.votoseguro.org/livros CONTATO COM AUTORES: [email protected] [email protected]

Em Memria

Dedica-se este livro memria do Engenheiro Leonel de Moura Brizola. Desde sua experincia constrangedora com o Caso Proconsult, nas eleies de 1982, Brizola lutava pelo aperfeioamento, por mais conabilidade e por mais transparncia do sistema eletrnico de votao e foi com seu apoio que os autores puderam desenvolver o conhecimento do sistema brasileiro e, em nome do seu partido PDT, propor inmeras correes que hoje esto incorporadas ao sistema. Pela sua compreenso clara das vantagens e das limitaes da nova tecnologia de informtica, Brizola tornou o PDT o nico partido poltico brasileiro tecnicamente habilitado a vericar a integridade dos programas de computador que foram utilizados na Totalizao dos Votos das Capitais em 2004. Muitos aperfeioamentos ainda precisam ser trazidos ao sistema eleitoral brasileiro e, para honrar o esprito lutador e incansvel de Brizola, os autores continuaro propugnando as melhorias que um sistema eleitoral convel exige. Sentimos o passamento de um poltico digno e coerente e muito nos honrou desfrutar de seu descortino.

SumrioAgradecimentos ..................................................................... 9 Prefcio de Paulo Henrique Amorim ......................................11 Prefcio de Srgio Srvulo da Cunha ......................................13 1. Introduo .......................................................................151.1 1.2 1.3 1.4 Termo de Manuteno de Sigilo ..............................................15 Objetivos e Metodologia .........................................................16 Denio de Alguns Termos ...................................................18 Pontos de Ataque Viso Geral ..............................................20

2. Aspectos Scio-Culturais ..................................................232.1 2.2 2.3 2.4 Um Pas do Zersimo Mundo .................................................23 A Seita do Santo Baite ............................................................28 Acmulo de Poderes ...............................................................30 A Gnese das Fraudes .............................................................36

3. As Fraudes e as Defesas .....................................................413.1 Regras Gerais .........................................................................41 Planejamento e Controle ................................................................41 Treinar e apoiar os Fiscais ..............................................................42 Sinergia dos Grupos .......................................................................43 Apurar o Instinto ...........................................................................43 Respeitar todos os agentes................................................................43 Enfrentar o Autoritarismo ..............................................................44 Conhecer toda a Legislao Pertinente .............................................45 Entender a Lgica do Processo ........................................................45 Ter Muita Calma ..........................................................................46 3.2 Fraudes no Cadastro Eleitoral .................................................47 O Eleitor Fantasma .......................................................................47 3.3 Fraudes na Votao .................................................................50 Clonagem de Urnas-E ...................................................................50 Voto de Cabresto Ps-Moderno .......................................................54

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Compra de Votos.............................................................................59 Engravidar Urnas-E .....................................................................60 O Eleitor Anulado..........................................................................62 O Golpe do Candidato Nulo ...........................................................64 O Candidato de Protesto ................................................................65 3.4 Fraudes na Apurao ..............................................................68 Adulterao dos Programas das Urnas-E ........................................68 Programas Descontrolados ..............................................................74 3.5 Fraudes na Totalizao ............................................................78 O Voto Cantado .............................................................................78 O Ataque Final..............................................................................79

4. Adendos ...........................................................................824.1 Manifesto sobre o Sistema Eleitoral Brasileiro .........................82 Alerta Contra a Insegurana do Sistema Eleitoral Informatizado....... 83 Alguns Apoios Importantes .............................................................87 4.2 Resumo e Propostas do Frum do Voto-E ...............................89 Principais Defeitos do Atual Sistema Eleitoral Informatizado Brasileiro ................................................................89 Solues Propostas para Minimizar os Riscos ...................................90 4.3 Pensamentos recolhidos pelo Frum do Voto-E.......................91 Ignorncia e Poder .........................................................................91 Segurana de Dados .......................................................................91 Transparncia Eleitoral..................................................................91 O que mais importante? ...............................................................92 Pensando melhor... .........................................................................92 Alm do Estado da Arte ..................................................................92 Jogando Palitinho por Telefone .......................................................93 Votar em Caa-nqueis ...................................................................93 S Eles Sabem ................................................................................93 Voto X Dinheiro Eletrnico ............................................................94 Lema escolhido pelo Frum do Voto-E .............................................94

AgradecimentosOs autores agradecem aos jornalistas, juristas e professores universitrios que tm colaborado de forma inestimvel ao longo destes anos em que, como um verdadeiro Exrcito de Brancaleone, temos enfrentado at a difamao nascida da incompreenso e a m disposio de alguns membros da Justia Eleitoral. Nosso obrigado a: Professores Universitrios: Prof. Dr. Walter Del Picchia EPUSP, Prof. Dr. Jorge Stol UNICAMP, Prof. Dr. Michael Stanton UFF, Prof. Pedro Dourado Rezende UNB, Prof. Dr. Clvis Torres Fernandes ITA. Juristas: Celso Antnio Bandeira de Mello, Srgio Ferraz, Srgio Srvulo da Cunha, Amrico Loureno Masset Lacombe. Jornalistas: Paulo Henrique Amorim SP, Osvaldo Maneschy RJ, Marcelo Soares RS. Polticos (que ousaram enfrentar a inrcia e at ameaas da Justia Eleitoral): Leonel Brizola PDT-RJ, Roberto Requio PMDB-PR, Romeu Tuma PFL-SP, Sergio Miranda PDTMG, Jovino Candido PV-SP, Maringela Duarte PT-SP, Gilson Meneses PL-SP, Washington Neves PFL-BA, Edivaldo Freitas da Silva PPB-BA, Chico Leitoa PDT-MA. Tambm agradecem a todos os colegas, novos e antigos, do Frum do Voto Eletrnico, que vm colaborando com informaes, debate de idias, divulgao e apoio desde 1996. Colegas antigos do Voto-E: Roger Chadel, Mrcio Coelho Teixeira, Paulo Mora de Freitas, Paulo Castelani, Benjamin Azevedo, Evandro Luiz de Oliveira, Luiz Ezildo Silva, Paulo Gustavo Sampaio Andrade, Rejane Luthemaier, Leamartine Pinheiro de Sousa, Cludio Rego e muitos outros...

Prefcio de Paulo Henrique AmorimNo cone no computador! Ele tambm mente!Em 1982, na primeira eleio direta para governador depois do regime militar, Leonel Brizola, ao voltar do exlio, se candidatou a governador do Rio. O SNI, que hoje se chama ABIN; uma parte importante da Justia Eleitoral, que contratou uma empresa de computao chamada Proconsult; uma parte da Polcia Federal; e as Organizaes Globo, atravs da televiso, do jornal e da rdio todas essas instituies, atravs de um instrumento chamado diferencial delta, que consistia em pegar no computador votos para o Brizola, especialmente na Baixada Fluminense e na zona oeste do Rio, e convert-los em votos brancos e nulos, se organizaram para fraudar a eleio. A tinha como objetivo impedir a eleio de Brizola e eleger o candidato dos militares, o ento deputado federal Moreira Franco. A operao levaria a um impasse entre a apurao dessa empresa, a Proconsult, e apuraes alternativas, como a apurao feita pela Rdio Jornal do Brasil, que o Jornal do Brasil usava. Foi essa a primeira vez em que se usou o computador numa eleio brasileira a, no caso, para totalizar os votos contados manualmente. O objetivo da fraude era criar um impasse que ser arbitrado pela Justia Eleitoral. E a Justia Eleitoral daria a vitria ao candidato dos militares. Isso no uma especulao irresponsvel. Sabemos o que aconteceu em 2000, nos Estados Unidos, quando houve um impasse entre vrios tipos de apurao, e uma emissora de televiso, a FOX, saiu na frente, e disse que George Bush ganhara a eleio no estado da Florida. As outras emissoras foram atrs e disseram que o Bush ganhou a eleio. Criou-se o fato consumado. Depois de instncias e instncias de deciso judicial, a Suprema Corte decidiu, com juzes da maioria republicana, dar a vitria ao candidato George Bush. Recontagens muito posteriores demonstraram que Bush no ganhou na Florida.

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Aqui, o papel da TV Globo era o mesmo da Fox: produzir um j ganhou e preparar a opinio pblica para a vitria do candidato dos militares. Desde a eleio de 1982, Leonel Brizola defendeu a tese do cad o papelzinho?. Cad o papelzinho ? O que Brizola queria dizer naquela linguagem rstica de engenheiro formado em Porto Alegre, mas que usava uma linguagem de agricultor do interior do Rio Grande do Sul ele preservava isso provavelmente por motivos polticos , Brizola dizia que, sem o papelzinho, a eleio no pode ser recontada. Muito se disse que o Brizola era jurssico, era pr-paleocnico. No verdade. No h nenhuma possibilidade de se conferir uma eleio no computador, se no houver o papelzinho; se no houver a contraprova fsica do voto que o eleitor deu. Sobre a eleio para governador do Rio, em 1982, recomendo o livro que escrevi com Maria Helena Passos, pela editora Conrad: Plim-Plim A Peleja de Brizola contra a Fraude Eleitoral. Sobre como fraudar eleies no Brasil - e evitar que isso acontea - recomendo este livro de Amlcar e Maria Aparecida, mestres na matria e incansveis batalhadores pela verdade do voto, no Brasil. Porque, no se esquea do papelzinho. Ou, como disse o professor Jorge Stol, ilustre catedrtico de Cincia da Computao da Universidade de Campinas, num recente seminrio na OAB de So Paulo: Hoje, quando voc vota no computador no Brasil, tudo o que voc faz entregar o seu voto ao arbtrio do programador do software daquela apurao. Paulo Henrique Amorim

Prefcio de Srgio Srvulo da CunhaEste livro de fazer cair o queixo. Ele imprescindvel para juzes, dirigentes partidrios, advogados e scais eleitorais. O teor das suas denncias, porm, deve ser conhecido por todos os eleitores, por todos que se aproximam de uma urna eletrnica convencidos de que esto participando de um processo honesto. No fundo, ele suscita uma questo que no exclusiva do Direito Eleitoral: como podem ser utilizadas seguramente, pelo poder pblico, tcnicas sosticadas, pertinentes a domnios de conhecimento restrito? Amlcar Brunazo Filho e Maria Aparecida Cortiz demonstram que o modelo de urna eletrnica utilizado no Brasil vulnervel a fraudes e que tem sofrido fraudes; essas fraudes poderiam ser prevenidas e evitadas em grande parte mediante uma disciplina e uma prtica mais responsvel, principalmente por parte da Justia Eleitoral. Perante essas evidncias, no mais se justica a omisso dos partidos polticos, o silncio de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil, e, sobretudo, do Tribunal Superior Eleitoral. Passados trs anos, no se deu qualquer resposta ao manifesto assinado por especialistas, juristas e intelectuais, e que se acha reproduzido nas pginas nais. O povo brasileiro merece, ao menos, uma explicao. Santos, junho de 2006 Srgio Srvulo da Cunha

1. Introduo at irnico que estas mquinas de votar, que supostamente deveriam resolver os problemas causados pelos sistemas eleitorais antiquados, esto simplesmente tornando os problemas invisveis para o eleitor. Penny M. Venetis Professora de Direito na Rutgers University, NJ, USA

1.1 Termo de Manuteno de SigiloOs autores deste livro atuam como representantes de alguns Partidos Polticos junto Justia Eleitoral brasileira, onde ganharam acesso a informaes tcnicas sobre o projeto do sistema eleitoral informatizado brasileiro. Para tanto, tiveram que assinar um Termo de Compromisso de Manuteno de Sigilo1 perante o Tribunal Superior Eleitoral, TSE, de maneira que no podem divulgar informaes que obtiveram dentro daquele rgo ocial. Desta forma, as informaes sobre o sistema eleitoral brasileiro aqui apresentadas so apenas aquelas que podem ser obtidas em documentos e em procedimentos pblicos como: 1. Resolues e Instrues do TSE; 2. Descritivos tcnicos includos nos editais de concorrncia para o fornecimento de urnas eletrnicas; 3. Relatrios tcnicos ociais apresentados por entidades acadmicas (UNICAMP, SBC e COPPE-UFRJ) 2;

1. O modelo do Termo de Sigilo pode ser visto em anexo do Relatrio SBC em: http://www.votoseguro.org/textos/relatoriosbc1.htm 2. Estes relatrios tcnicos ociais podem ser encontrados a partir de: http://www.votoseguro.org/textos/relatindex.htm

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4. Artigos tcnicos de terceiros apresentados em Congressos de Informtica e na Internet; 5. Atos pblicos nas Juntas Eleitorais como as Cerimnias: de Gerao de Mdias, de Carga e Lacrao de Urnas-E, de Recuperao de Dados e de Ocializao da Totalizao; 6. Laudos de Percias em processos na Justia Eleitoral.

1.2 Objetivos e MetodologiaEleitores brasileiros so obrigados a declarar seus votos em mquinas nas quais tero que conar nos resultados sem saber direito como elas garantem a lisura do pleito. Por isto, destina-se este livro aos eleitores em geral e aos scais e delegados de Partidos Polticos, interessados em conhecer melhor os riscos do sistema eleitoral informatizado brasileiro. Descrevem-se as formas pelas quais as falhas de segurana do Sistema Eletrnico de Eleies podem ser exploradas para produzir fraudes na votao e na apurao dos votos e quais os atos de scalizao necessrios para se procurar evitar estas possveis fraudes. Tambm se faz uma anlise das caractersticas socioculturais que levaram a uma situao peculiar no Brasil, onde a grande maioria dos eleitores aceita e at se orgulha de votar num sistema eleitoral que est sendo rejeitado no resto do mundo desenvolvido por causa de suas falhas de segurana. Considere-se que existem dois tipos bsicos de mquinas eletrnicas de votar ou de urnas eletrnicas: a. Mquinas de Voto Real (Urna-E Real) que emitem o voto impresso para ser conferido pelo eleitor, permitindo assim a recontagem dos votos e a auditoria da apurao eletrnica, como aquelas que so usadas nas eleies da Venezuela3 e em mais da metade dos Estados nos EUA4;3. Ver mais em: http://www.votoseguro.org/textos/venezuela1.htm 4. Ver a relao atual dos Estados nos EUA que j exigem o voto impresso em Urnas-E em: http://www.veriedvoting.org/

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b. Mquinas de Voto Virtual (Urna-E Virtual) que no emitem comprovantes materializados do voto para ser conferido pelo eleitor, impossibilitando auditoria do seu resultado, como as usadas no Brasil e no Paraguai. Desde a adoo das Urnas-E Virtuais no Brasil em 1996, a propaganda ocial insistentemente repete que o sistema 100% seguro e que fraudes eleitorais acabaram, inuenciando a maioria do eleitorado brasileiro que manifesta aceitao e conana na tecnologia aqui escolhida. Porm, esta conana parece cega e arriscada para uma minoria de eleitores que fundaram um frum de debates5 na Internet e outros que tm apoiado um manifesto6 apresentado por Professores Titulares de importantes universidades. So apenas um pouco mais de dois milhares de eleitores, entre eles especialistas em informtica, advogados e juristas renomados, professores universitrios, engenheiros, jornalistas, estudantes, preocupados em entender como se daria a segurana do seu voto informatizado. Surge, ento, a questo: Como os brasileiros aceitaram a novidade eletrnica, sem se dar conta que esto votando num sistema que no lhes permite conferir a apurao? Para respond-la, no Captulo 2 se analisa a ordenao jurdica e as peculiaridades scio-culturais que favoreceram o surgimento desta situao atual, na qual tantos eleitores conam num sistema eleitoral cujas caractersticas de segurana no conhecem e nem entendem de fato. A compreenso destes fatores scio-culturais que afetam diretamente nossa ordenao institucional eleitoral importante para os scais e delegados de Partidos Polticos, pois neste meio cultural que tero que encontrar as solues para os problemas que enfrentaro. J os scais, os delegados e os leitores interessados apenas em conhecer a parte prtica das fraudes e das defesas contra elas pode seguir direto ao Captulo 3 onde se descreve de que forma as falhas5. Frum do Voto-E: http://www.votoseguro.org 6. Alerta dos Professores: http://www.votoseguro.com/alertaprofessores

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de segurana do sistema eletrnico de eleio podem ser exploradas em fraudes e se ensina at onde podemos nos defender. Esta descrio das fraudes possveis, propositadamente no ser minuciosa para no dar orientaes a quem apenas esteja interessado em aprender como fraudar as eleies eletrnicas, mas ser clara o suciente para no deixar dvidas sobre a existncia de riscos graves. Ao nal, nos Adendos, so postas informaes complementares que podem interessar a alguns de nossos leitores.

1.3 Denio de Alguns TermosPara esclarecer algumas confuses freqentes relacionadas ao processo eleitoral eletrnico, apresenta-se a denio de alguns termos: Apurao: a contagem dos votos dados em uma urna eletrnica. processada na Seo Eleitoral pela prpria urna eletrnica logo ao nal da votao s 17 h. O resultado da apurao registrado no Boletim de Urna. Boletim de Urna BU: Documento que contm a relao dos votos que cada candidato obteve numa urna eletrnica. Pode estar gravado em arquivos digitais, para ser transmitido em disquetes para os computadores de totalizao, ou pode ser impresso para permitir a auditoria da totalizao. Antigamente era chamado de Mapa de Urna. Totalizao: a soma dos Boletins de Urna. processada nos computadores dos Cartrios Eleitorais e dos Tribunais e fornecem o resultado geral da eleio. No confundir com a Apurao. Seo Eleitoral: o local onde o eleitor se apresenta para votar. Contm uma e somente uma urna eletrnica administrada pelos mesrios. aqui que feita a Apurao dos Votos e emitido cada Boletim de Urna, na forma impressa e gravado ainda em disquete. Zona Eleitoral: o agrupamento em torno de 200 sees eleitorais de uma mesma regio contgua. Sempre presidida por um Juiz Eleitoral. Pode haver mais de uma Zona Eleitoral na mesma cidade. Cartrio Eleitoral: a sede fsica de uma Zona Eleitoral onde feito o cadastramento de eleitores e a administrao local do

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processo eleitoral. aqui que so recepcionados os Boletins de Urnas em disquetes para serem remetidos Totalizao. Junta Eleitoral: um grupo de cidados, nomeados pelo Juiz Eleitoral de cada Zona Eleitoral, encarregados de acompanhar e supervisionar os trabalhos eleitorais. A centralizao e a especializao da administrao das eleies, propiciada pelo voto eletrnico, tem esvaziado as funes da Junta Eleitoral. Tribunal Regional Eleitoral TRE: Segunda Instncia da Justia Eleitoral. Existe um em cada Estado e congregam todos os Cartrios Eleitorais do Estado. Tribunal Superior Eleitoral TSE: Instncia judicante mxima da Justia Eleitoral, sediado em Braslia, tambm o rgo que, apesar de nomeado tribunal, o responsvel pela execuo e administrao do processo eleitoral. Carga de Urnas: a gravao dos programas de computador ociais e dos dados da eleio (eleitores e candidatos) nas memrias internas das urnas eletrnicas. Deve sempre ser feita em cerimnia pblica obrigatria onde, ainda, feito um teste de funcionamento em uma urna depois de carregada. Teste de Penetrao: a denominao tcnica para testes de resistncia contra ataques intencionais em sistemas informatizados complexos, onde se permite que pessoas capazes possam tentar burlar as defesas de segurana do sistema. A nalidade do teste descobrir falhas de segurana ignoradas pelos projetistas. Existem normas tcnicas internacionais e brasileiras que estabelecem os Critrios Bsicos de Avaliao da Segurana em Sistemas Informatizados, como a ISO 15.408, que sugerem o uso de testes de penetrao como ferramenta importante na determinao da conabilidade dos sistemas. Voto Impresso Conferido Pelo Eleitor: uma forma de materializao do voto que diferencia as Urnas-E Reais das Urnas-E Virtuais (brasileiras). Urnas-E Reais permitem que se possa proceder a uma auditoria da apurao pela recontagem dos votos impressos. Os votos impressos podem ser automaticamente depositados em urnas comuns acopladas s urnas eletrnicas ou

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podem ser entregues ao eleitor para que este pessoalmente o deposite em urnas comuns na presena dos mesrios. Zersima: uma lista impressa com os nomes dos candidatos ociais ladeados pelo nmero zero, que emitida pelas urnas eletrnicas imediatamente antes do inicio da votao. Equivocadamente tem sido entendida como garantia de lisura na apurao.

1.4 Pontos de Ataque Viso GeralQuando se conversa sobre fraudes eleitorais comum as pessoas limitarem o debate a apenas uma ou duas formas de fraude que conhecem e dominam a tecnologia. Mas os tipos de fraudes possveis so inmeros e ajudar na compreenso deste livro se tivermos uma viso ampla de todo o processo eleitoral, identicando todos os pontos do processo que so passveis de virem a ser atacados por pessoas mal intencionadas. A gura a seguir mostra as etapas do processo eleitoral e dos respectivos pontos de controle e scalizao em eleio com UrnasE Reais e com Urnas-E Virtuais. A diferena bsica nos controles com os dois tipos de urnas eletrnicas que os votos virtuais que cam gravados nas memrias das urnas no tm como serem vistos nem pelo eleitor e nem pelos scais, perdendo-se assim a possibilidade de auditoria da apurao dos votos. No demais, os dois processos se assemelham. Existem 4 etapas bsicas: o Cadastramento de Eleitores, a Votao, a Apurao e a Totalizao. Entre estas etapas a informao sempre transmitida por documentos materiais ou virtuais. Cada uma destas etapas ou documentos um ponto de ataque onde possvel se introduzir fraudes mais ou menos abrangentes. O cadastro, a votao, a apurao e a totalizao poder ser burlados e os documentos do eleitor, os ttulos, os votos, os boletins de urnas podem ser falsicados. Como estas burlas e falsicaes podem ser aplicadas e evitadas o que se apresenta a seguir.

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2. Aspectos Scio-CulturaisAndei sobre as guas, como So Pedro, Como Santos Dumont, fui aos ares sem medo, Fui ao fundo do mar, como o velho Picard, S pra me exibir, s pra lhe impressionar.- Paulo Vanzolini

2.1 Um Pas do Zersimo MundoA vontade de pertencer ao Primeiro Mundo aparece em muitos momentos na sociedade brasileira. uma postura psicossocial eticamente aceita e tambm um fator que estimula a evoluo e o desenvolvimento. Um exemplo citado com freqncia da caminhada do Brasil para o primeiro mundo seria nossa liderana mundial em eleies eletrnicas, ou seja, nossas Urnas-E Virtuais. Desde a dcada de 80, a Justia Eleitoral brasileira ensaiava o uso da informtica, mas nem todos os passos foram rmes e exemplares. Em 1982, ocorreu a malfadada tentativa do TRE-RJ de informatizar a totalizao dos votos e que acabou num grande asco, o Caso Proconsult7. To traumtica foi esta experincia, que nossa Justia Eleitoral tem procurado reneg-la, excluindo-a de sua histria ocial8. Oportunamente a memria nacional foi recuperada em 2005 com o lanamento do livro PLIM-PLIM9 pelos jornalistas Paulo Henrique Amorim e Maria Helena Passos.

7. Ver Proconsult, um Caso Exemplar, do jornalista Procpio Mineiro em: http://www.votoseguro.org/noticias/cad3mundo1.htm 8. Pode-se procurar exaustivamente nos stios virtuais do TSE e do TRE-RJ, que nada ser encontrado a respeito do Caso Proconsult. 9. Amorim, P.H. e Passos, M.H. Plim-Plim, A Peleja de Brizola Contra a Fraude Eleitoral Conrad Livros, So Paulo. 2005

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Em 1986, houve a informatizao do cadastro de eleitores quando, em tempos de desburocratizao, se teve a pssima idia eliminar a foto no Ttulo Eleitoral, o que at hoje facilita a fraude da compra de voto. Em 1996, com a adoo da Urna Eletrnica, foram automatizadas a identicao do eleitor no ato de votao, a prpria votao e a apurao dos votos nas sees eleitorais. A Urna-E Virtual brasileira foi implantada em trs etapas nas eleies de 1996, 1998 e 2000, atingindo um tero do eleitorado de cada vez. Em 2000 o Brasil se tornou o primeiro pas do mundo a ter 100% dos eleitores votando num processo 100% informatizado, comeando pelo cadastro de eleitores, passando pela a identicao do eleitor, pela votao propriamente dita, pela apurao dos votos de cada urna e pela totalizao dos votos. E, para muitos, este um motivo de inegvel orgulho, uma prova do nosso desenvolvimento tecnolgico. Mas para muitos outros, ca uma dvida: Por que outros pases, econmica e tecnologicamente mais desenvolvidos que o Brasil, ainda no informatizaram todo o processo eleitoral, especialmente a votao e a apurao dos votos? Em menos de 2 anos, desde maro de 2004, mais da metade dos Estados dos EUA10 e Quebec no Canad instituram leis eleitorais onde se permite o uso de Urnas-E Reais, mas probem o uso de Urnas-E Virtuais, do tipo da brasileira, cujo resultado no pode ser recontado. Por isto, talvez o Brasil no esteja na linha de frente do domnio da tecnologia de informatizao do voto e sim tenha ultrapassado esta linha de maneira precipitada e imprudente! O que se coloca aqui um convite ao eleitor brasileiro para que reita com calma, e sem ufanismo simplrio, se o caminho da informatizao do processo eleitoral brasileiro est sendo construdo sobre bases slidas ou se sobre mitos e iluses.10. Ver a relao atual dos Estados dos EUA que j proibiram o uso de Urnas-E Virtuais em: http://www.veriedvoting.org/

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O argumento da invulnerabilidade do sistema eleitoral brasileiro, to propagandeado, insustentvel principalmente depois da publicao, em 2006, dos resultados de dois Testes de Penetrao11 desenvolvidos sobre Urnas-E Virtuais. Em maio de 2006 foi divulgado a segunda parte do Relatrio Hursti12 pela ONG Black Box Voting, onde se apresentam os resultados de Testes de Penetrao desenvolvidos sobre Urnas-E modelo TSx da empresa multinacional Diebold vendidos nos EUA e no Canad. Os testes demonstraram que perfeitamente possvel se adulterar os programas daqueles modelos de forma a desviar votos numa eleio normal. O grave para ns brasileiros, que a empresa Diebold tambm a fornecedora de 375 mil das 426 mil urnas eletrnicas que sero utilizadas nas eleies presidenciais brasileiras de 2006, as quais possuem esquema de segurana muito similar13 aos modelos americanos. natural que se a Diebold soubesse como fazer Urnas-E Virtuais invulnerveis para fornecer ao Brasil, tambm as venderia nos EUA e Canad. Por bvio, se a Diebold no vende urnas invulnerveis l, porque tambm no sabe faz-las aqui. Um outro Teste de Penetrao, realizado sobre urnas eletrnicas brasileiras do modelo 96 utilizadas nas eleies de fevereiro de 2006 no Paraguai, foi divulgado em vdeo14, em junho de 2006. Foi um teste desenvolvido sem autorizao ocial uma fez que a Justia Eleitoral brasileira, que cedeu as urnas, no permite que eles sejam testadas abertamente. Este vdeo do Paraguai foi desenvolvido de forma bastante didtica, mostrando como um programa adulterado pode trocar o voto do eleitor depois que ele digita a tecla CONFIRMA e antes de ser gravado na memria da urna.

11. Ver mais em: http://www.votoseguro.org/textos/penetracao1.htm 12. Rel. Hursti II: http://www.blackboxvoting.org/BBVtsxstudy.pdf 13. Ver comparao entre a Urna-E Virtual brasileira e a americana em: http://www.votoseguro.org/textos/relatoriohursti1.htm 14. Acessar a partir de: http://www.votoseguro.org/textos/penetracao2.htm

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Mas, apesar destas demonstraes, a invulnerabilidade do sistema eleitoral brasileiro continua sendo o mote de toda a propaganda ocial, no Brasil e no Paraguai. Poucos juzes e funcionrios graduados da Justia Eleitoral acreditam de fato na invulnerabilidade, mas entendem que manter a credibilidade do eleitor no sistema eleitoral to importante que justicaria mant-los sob o jugo goebelsiano da propaganda enganosa. Uma reportagem15 de junho de 2006 publicada no Jornal A Tarde de Salvador, BA, revelou as combinaes entre os presidentes dos TSE e do TRE-BA, em 2002, para manter em segredo do pblico uma quebra de segurana ocorrida 40 dias antes da eleio, quando desapareceram 8 mil cartes de memria das Urnas-E. Assim, bem mais grave que as quebras de segurana no processo eleitoral a deciso consciente da Justia Eleitoral de escond-las da sociedade. Uma conseqncia perversa desta prtica que acaba por adormecer o instinto de investigao dos scais, da imprensa e at da comunidade acadmica. at curioso ver como scais eleitorais, que ignoram completamente as entranhas daquelas mquinas por onde correm os bits portadores dos votos que deveriam scalizar, rapidamente se declaram satisfeitos com demonstraes absolutamente incuas de bom funcionamento do sistema. Palavras mgicas proferidas em verdadeiros rituais tecnomsticos, como assinatura digital, resumo criptogrco (hash), embaralhamento pseudo-aleatrio e zersima, so pronunciados na frente de scais totalmente despreparados, que ignoram no s as limitaes destas tcnicas como tambm ignoram a regulamentao jurdica que as restringe ainda mais. Zersima um neologismo criado pelo TSE para designar a lista impressa pela urna eletrnica, no incio do processo de votao, onde o nome de cada candidato aparece ladeado com o nmero zero. Segundo os porta-vozes da Justia Eleitoral, a zersima a garantia

15. Jornal A Tarde O Segredo das Eleies 2002, publicado em 04/06/2006, pg. 18.

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de que no existem votos previamente depositados nas memrias da urna eletrnica. Mas ser mesmo uma garantia? Se for, porque o TSE recusa sistematicamente permisso para testes livres16, similares aos feitos nas urnas Diebold nos EUA e nas urnas brasileiras no Paraguai, que possam conrmar esta assertiva? Mas, certamente, a zersima no garantia. Os testes nos EUA e no Paraguai comprovam o que qualquer programador de computador, mesmo iniciante, sabe: possvel se imprimir qualquer coisa, como o nmero zero ao lado do nome do candidato, e ainda assim haver votos guardados na memria do computador. Tambm possvel comear o processo de votao e apurao com zero votos para os candidatos e depois ir desviando uma porcentagem dos votos conforme estes forem sendo dados. Cabe, assim, a pergunta: Ser que um sistema eleitoral que no pode ser testado livremente e no permite auditoria da apurao, coisa de Primeiro Mundo?. Como na msica do Paulo Vanzolini, que encabea este captulo, a ansiedade de muitos brasileiros s pra se exibir e s pra impressionar f-los correr riscos desmedidos. Para sentirem-se no Primeiro Mundo, ignoraram a falta de garantais reais das Urnas-E Virtuais e aceitaram a Zersima como cone de integridade do sistema eletrnico de eleio. Em vez de ingressarmos no Primeiro Mundo, onde idealmente apurao de eleio deveria ser transparente e auditvel, a nossa Urna Eletrnica Virtual remete o Brasil, juntamente com o Paraguai, diretamente ao Zersimo Mundo, onde o eleitor no pode ver o seu prprio voto e os scais no tem como scalizar a apurao. e o Zersimo Mundo qualquer coisa, uma democracia virtual talvez, mas no uma democracia verdadeira.

16. Ver a recusa aos testes livres na Informao 035/2004-SI/DG do TSE em: http://www.votoseguro.org/textos/penetracao1.htm#5a

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2.2 A Seita do Santo BaiteO advento de novas tecnologias provoca diversas reaes. Desde a tecnofobia at a tecnofascinao, passando pela indiferena e pela aceitao ponderada. Em 2003, Pedro Dourado Rezende, matemtico e professor de Cincias da Computao na Universidade de Braslia, escreveu um artigo sobre segurana do voto eletrnico no Brasil. Inspirado no nome do grupo mstico Seita do Santo Daime, cunhou o termo Seita do Santo Baite17 e o aplicou queles cidados que, maravilhados com a tecnologia, apostam seu dinheiro em Mquinas de Jogos de Azar e depositam seus votos em Urnas-E Virtuais sem se aperceberem de que tais mquinas podem burlar tanto o resultado do jogo como da apurao dos votos.

A respeito da similaridade entre mquinas eletrnicas de jogos de azar e as Urnas-E Virtuais brasileiras que lhes foram oferecidas pela empresa Diebold-Procomp, o Juiz Federal Manuel Blanco da Provncia de Buenos Aires na Argentina disse:O voto eletrnico s uma idia extravagante. Para o resultado do escrutnio como jogar numa mquina caa-nqueis18. Uma caracterstica dos is da Seita do Santo Baite que para serem modernos aceitam a tecnologia por pura f, longe de entenderem como funciona e os riscos que traz. No sabem, por exemplo, que computadores no so capazes de sortear ou embaralhar nada, e que somente podem calcular valores por rotinas signicativamente chamadas de pseudo-aleatrias. At a perda de direitos civis, duramente conquistados em geraes anteriores, cegamente tolerada como no Brasil onde se aceitou o m do direito conferncia da apurao. Carl Sagan, astrnomo, divulgador cientco e autor do famoso 2001, Uma Odissia no Espao, que no d para ser chamado de17. Ver em: http://www.cic.unb.br/docentes/pedro/trabs/azeredo.htm 18. Reportagem Prueba Piloto En Municipios Bonaerenses, Jornal O Clarn de Buenos Aires, em 24/09/1999.

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tecnofbico, em outro livro seu, O Mundo Assombrado pelos Demnios 19 , escreveu sobre os riscos da tecnofascinao: Ns criamos uma civilizao global em que elementos mais cruciais os transportes, as comunicaes e todas as outras indstrias, a agricultura, a medicina, a educao, a proteo ao meio ambiente e at a importante instituio democrtica do voto dependem profundamente da cincia e da tecnologia. Tambm criamos uma ordem em que quase ningum compreende a cincia e a tecnologia. uma receita para o desastre. Podemos escapar ilesos por algum tempo, porm mais cedo ou mais tarde essa mistura inamvel de ignorncia e poder vai explodir na nossa cara. Os defensores do uso de Urnas-E Virtuais, leigos ou informatas, argumentam que o voto impresso um retrocesso tecnolgico e que as modernas tecnologias de informao, como Criptograa e Assinatura Digital, seriam sucientes para dar-lhes garantia de uma eleio honesta. Curioso notar que mais de 99% destes defensores nem mesmo conhecem quais so os recursos criptogrcos utilizados e nem quais so suas limitaes tcnicas. Do outro lado, a favor das Urnas-E Reais e da impresso do voto, se encontram justamente os maiores especialistas mundiais em Criptograa e Assinatura Digital, inclusive os principais inventores nestas reas, como Ronald Rivest20, Bruce Schneier21 e David Chaum22. O Brennan Center for Justice da Faculdade de Direito da New York University montou uma grande equipe composta pelos maiores expoentes mundiais na rea de segurana de dados, de criptograa19. Sagan, Carl O Mundo Assombrado pelos Demnios (The Demon-haunted World), Cia. das Letras, 1997, So Paulo. Cap. 2. 20. Ronald Rivest, um dos inventores da tcnica de Assinatura Digital. Ver: http://www.votoseguro.org/textos/rivest-voting1.pdf 21. Bruce Schneier, o mais premiado inventor de sistemas criptogrcos. Ver: http://www.schneier.com/crypto-gram-0404.html#4 22. David Chaum, inventor do sistema patenteado de Dinheiro Virtual. Ver: http://www.chaum.com/ Sobre seu sistema eleitoral criptogrco, ver referncia em: http://www.votoseguro. org/textos/chaum-voting1.htm

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e do voto eletrnico, e em junho de 2006 apresentou o Relatrio Brennan23 onde a principal recomendao a adoo do voto impresso conferido pelos eleitores como forma de atenuar os riscos de fraude em mquinas eletrnicas de votar. Tambm no d para taxar de tecnofbicos estes superespecializados tcnicos em segurana de dados, que recomendam a materializao do voto como nica forma de obter defesas ecazes contra fraudes informatizadas em eleies. muito importante para os scais eleitorais entenderem este caldo psicossocial que fertiliza o meio-ambiente eleitoral no qual trabalharo. Devem compreender que a delidade de muitos eleitores e scais brasileiros Seita do Santo Baite que levou nosso Pas ao Zersimo Mundo, onde garantias virtuais so tidas como reais. Assim, a primeira lio conceitual que se d aos scais eleitorais que querem aprender a scalizar o voto eletrnico enfrentar sem vergonha e excomungar os mitos da Seita do Santo Baite, despertar o instinto de investigao adormecido e partir em busca de garantias reais, mais precisamente, partir em busca de garantias que possam compreender como funcionam.

2.3 Acmulo de PoderesAlm de compreender os aspectos psicossociais que afetam o seu meio de trabalho, tambm muito importante para o scal eleitoral conhecer os fatores jurdico-institucionais, que contribuem na modelagem do nosso sistema eleitoral. O principal destes fatores a ser compreendido o acmulo de poderes pela Justia Eleitoral brasileira. O estudo n 143/200024, da Consultoria Legislativa do Senado Federal, feito a pedido do ento senador Roberto Requio apresenta uma anlise comparativa entre a ordenao juridico-institucional23. Ver em: http://www.votoseguro.org/textos/brennan1.htm 24. Este estudo no se encontra disponvel para consulta. Para cpias, dirigir-se diretamente Consultoria Legislativa do Senado Federal.

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do processo eleitoral nos seguintes pases: Brasil, Estados Unidos, Alemanha, Itlia, Frana, Finlndia, Chile, Uruguai e Argentina. Muitas so as maneiras de se distribuir os poderes e as funes entre os atores do processo eleitoral. Em alguns pases existe a Justia Eleitoral dentro do Poder Judicirio, em outros no. Nos EUA, o contencioso eleitoral decidido na Justia Comum. No Uruguai decidido por uma corte especial nomeada pelo Poder Legislativo. A administrao do processo eleitoral (Poder Executivo) pode car nas mos do executivo municipal, como na Itlia e Frana, ou do executivo estadual, como nos EUA, ou do executivo federal, como na Alemanha e Finlndia, ou ainda ser independente dos trs Poderes tradicionais, como no Chile. Mas no Brasil, uma nica autarquia federal concentra os trs poderes republicanos e, apesar de ter a palavra tribunal no seu nome (Tribunal Superior Eleitoral) e por isto ser chamada de Justia Eleitoral, ela exerce tambm toda administrao executiva e a normatizao legislativa do processo eleitoral. O Paraguai tambm adota estrutura similar a brasileira. L, o Tribunal Superior de Justia Eleitoral, TSJE, acumula as funes administrativa e normativa das eleies. Esta situao, incomum no resto do mundo desenvolvido, foi construda ao longo de nossa histria eleitoral. A criao do TSE em 1932 visava democratizar as eleies brasileiras marcando o m da poca conhecida como a do Voto Bico de Pena e da Poltica Caf-com-Leite. Vrios conceitos que so essenciais numa democracia moderna, como o voto universal, a inviolabilidade do voto e a transparncia do processo, foram aperfeioados com o advento do TSE, mas o Princpio de Tripartio do Poderes foi abandonado. O acmulo de poderes do TSE est consubstanciado logo no artigo primeiro do nosso Cdigo Eleitoral de 1965: CE, Art. 1 Este cdigo contm normas destinadas a assegurar a organizao e o exerccio de direitos polticos, precipuamente os de votar e ser votado. Pargrafo nico. O Tribunal Superior Eleitoral expedir instrues para sua el execuo.

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Neste pargrafo nico est clara a delegao de poderes legislativos a um tribunal que, por meio das tais instrues, regulamenta como seus membros atuaro na administrao das eleies e, numa clara anomalia institucional, regulamenta at os limites de atuao da scalizao que atuar sobre seus prprios atos administrativos. Quanto ao voto eletrnico, o Art. 152 e o Art. 173 do Cdigo Eleitoral reforam ainda mais os poderes do TSE deixando a seu exclusivo critrio o uso e regulamentao de mquinas de votar e de apurar. Art. 152. Podero ser utilizadas mquinas de votar, a critrio e mediante regulamentao do Tribunal Superior Eleitoral. Art. 173. Pargrafo nico. Na apurao, poder ser utilizado sistema eletrnico, a critrio do Tribunal Superior Eleitoral e na forma por ele estabelecida. O Tribunal Superior Eleitoral o nico rgo integrante da Justia Brasileira que detm funes administrativa e legislativa que extrapolam seu mbito jurisdicional. Pode-se contar nos dedos de uma s mo os pases onde um s rgo acumula tantos poderes sobre o processo eleitoral como o nosso TSE. O Paraguai um destes pases. Num equvoco inegvel, deixou-se com a Justia Eleitoral o poder de regulamentar a scalizao e ainda o controle de todos os recursos oramentrios ociais em eleies. Toda a verba da Unio para as eleies, inclusive eventual verba para scalizao deste processo, destinada e controlada por este superrgo. um caso clssico kafkaniano onde o scalizado manda no scal. Como, numa espcie de teorema social, em terreno adubado com o acmulo de poderes, crescem sempre, como ervas daninhas, o autoritarismo, o corporativismo e a falta de transparncia. Nosso processo eleitoral sofre destes males. Assim, tambm importante que o scal eleitoral compreenda esta ordenao autoritria e centralizadora sob a qual dever atuar. Em processos jurdicos normais perante a Justia Eleitoral, como em casos relativos publicidade, pesquisas e abusos de poder econmico, existem os tradicionais plo ativo (o denun-

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ciante) e plo passivo (o denunciado) que sero julgados por um juiz independente. Mas na grande maioria dos processos sobre irregularidades detectadas pela scalizao eleitoral, o plo passivo o agente administrativo responsvel pelo problema que se questiona, ou seja, o prprio juiz eleitoral! Assim, no raro acontecer que um juiz eleitoral julgue causa em que ele prprio , por extenso de comando, o ru. Inmeros so os exemplos deste conito jurdico, como o j citado Caso Proconsult onde todo o inqurito foi desenvolvido sob ordem dos mesmos juzes responsveis administrativos pela deciso de usar e pelo uso do sistema burlado. Apesar de terem sido forados pelas evidncias a anular a apurao inicial, recontar os votos e inverter o resultado fraudado25, concluram ocialmente que no houve tentativa de fraude26 e absolutamente ningum foi responsabilizado ou punido. Outro exemplo clssico do problema causado por esta mistura de acmulo de poderes com a tecnofascinao o Caso de Araoiaba da Serra27, pequeno municpio de So Paulo, que nem foi o caso de fraude, apenas de um erro. Na eleio municipal de 2000, ociais do Cartrio Eleitoral de responsabilidade administrativa do Juiz da Comarca, esqueceram de incluir o nome de alguns candidatos a vereador no arquivo de dados carregados nas urnas eletrnicas. Os agentes ociais e os scais eleitorais crentes do Santo Baite anestesiados pela propaganda ocial da infalibilidade do sistema no conferiram nem scalizaram coisa nenhuma e no detectaram a falta de alguns nomes na extensa lista de candidatos chamada Zersima.25. Amorim, P.H. e Passos, M.H. Plim-Plim, A Peleja de Brizola Contra a Fraude Eleitoral Conrad Livros, So Paulo. 2005 26. Porto, Walter. C. A Mentirosa Urna Livraria Martins Fontes Editora, So Paulo, 2004 27. Ver em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1553

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No dia da eleio, os candidatos esquecidos no puderam ser votados. A soluo bvia seria o juiz anular a eleio, porque viciada. Mas, para tanto, o juiz teria que reconhecer erro cometido sob sua prpria administrao e comando. A soberba e o instinto de autodefesa, uma vez que juzes tambm so seres humanos sujeitos as nossas mazelas, no lhe permitiram reconhecer o erro. Julgando onde era o ru, indeferiu todos os pedidos de anulao que lhe foram apresentados, inclusive pelo Ministrio Pblico. Na instncia estadual prevaleceu o esprito de corpo e todos os recursos tambm foram negados. Somente na instncia superior prevaleceu o bom senso e, 3 anos depois, a eleio foi anulada. Um erro que poderia ter sido detectado antes da eleio, no fosse a tecnofascinao que cegou os scais e os agentes ociais, ou que poderia ter sido corrigido em 30 dias com uma nova eleio, no fosse o acmulo de poderes que cegou o juiz eleitoral, s foi corrigido mais de 3 anos depois. Os novos vereadores regularmente eleitos tiveram menos de 12 meses de mandato. Uma reportagem do Jornal do Brasil28, de junho de 2006, mostra mais uma conseqncia do acmulo de poderes dos juzes eleitorais: o pr-julgamento sem pejo. H um inqurito na Polcia Federal para apurar possveis fraudes nas eleies do Rio de Janeiro em 2002. Antes mesmo do inqurito se concluir, retardado que foi pela demora de sete meses do TRE-RJ em entregar os cartes de memria das urnas para percia, o presidente do TRE-RJ, juiz e responsvel administrativo direto no processo investigado, j decretou a sentena armando, na reportagem: a investigao servir para demonstrar quanto as urnas so seguras. Recentes exemplos de abuso de poder sobre a scalizao, so as decises do TSE de no respeitar alguns artigos da lei eleitoral 9.504/97 como: a. o Art. 66: no apresentando aos scais dos partidos os programas de computador que utiliza em eleies suplementares;

28. Matria Em xeque, segurana da urna eletrnica, Jornal do Brasil, 11/06/2006

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b. o Art. 68: no entregando cpias dos Boletins de Urnas29 aos scais dos partidos que as solicitarem. Para no alongar demais esta lista, apenas se faz referncia a outros exemplos pblicos sobre as diculdades de scalizao conseqentes do acmulo de poderes da Justia Eleitoral: a) a impugnao do software eleitoral em 200030; b) o Caso de So Domingos31, GO, em 2000; c) o Caso de Marlia32, SP, em 2004; e d) o impedimento de Testes de Penetrao33. importante compreender o papel fundamental da acumulao de poderes do TSE no Brasil e do TSJE no Paraguai no processo que levou estes dois pases a ingressarem no Zersimo Mundo. Fiis do Santo Baite existem em todos os pases, mas foi nestes, onde a tecnofascinao pde associar-se ao autoritarismo eleitoral, que primeiro ocorreu a adoo precipitada de Urnas-E Virtuais sem garantias reais. Na Argentina, por exemplo, onde a Justia Eleitoral no acumula tantos poderes, juzes eleitorais impediram o uso ocial de UrnasE Virtuais, oferecidas gratuitamente pelo TSE e OEA ao agente administrador das eleies provinciais em 1999 e 2003. A soluo para esta situao jurdica anmala no Brasil, onde o ru pode ser o prprio juiz, bvia, mas no simples de ser construda. Dever-se-ia desconcentrar os poderes eleitorais. Criar, no Congresso Nacional, uma comisso de regulamentao da scalizao eleitoral, tirando este poder do TSE. Criar um rgo executivo eleitoral independente do comando direto dos poderes tradicionais, como no Chile, por exemplo. Criar um rgo scalizador composto pelos Partidos, mas com verba ocial prpria.29. O Art. 42 da Resoluo TSE 22.154 de maro de 2006 conita com a lei, restringindo a entrega de BU aos scais e impedindo a defesa contra fraudes na Totalizao. Foi questionada a validade deste Art. 42. Mas sua validade ser decidia pelos mesmos juzes que, legislando, criaram o artigo questionado. 30. Ver em: http://www.votoseguro.org/textos/unicamp1.htm 31. Ver em: http://www.votoseguro.org/textos/evandro1.htm 32. Ver em: http://www.votoseguro.org/arquivos/marilia2004.zip 33. Ver em: http://www.votoseguro.org/textos/penetracao1.htm

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Manter no TSE apenas a funo judiciria e, preferencialmente, que seus juzes no fossem os mesmos de instncias superiores, evitando que recursos contra suas decises voltassem a cair nas suas prprias mos ou nas mos de seus pares. Mas enquanto esta soluo ideal no vem e deve demorar ainda muito a vir porque nossa sociedade nem conscientizada do problema est fortemente recomendado que os advogados de Partido Poltico que atuarem em processos regulares, de publicidade, pesquisas, etc., NO ATUEM tambm em processos de scalizao do voto-E. Pois o advogado que atuar na scalizao eleitoral ter que ser treinado para enxergar e tratar o juiz eleitoral como o seu scalizado, um funcionrio pblico administrativo passvel de sofrer e esconder mazelas, e no como um ente imparcial e isento de interesses.

2.4 A Gnese das FraudesNos anos 90, grassou o Mito da Tecnologia Redentora entre os is do Santo Baite, que acreditavam que recursos da informtica, como a criptograa e a assinatura digital, seriam capazes de erradicar qualquer possibilidade de fraudes e golpes em cadastros informatizados, como os de empresas, os de bancos, o da previdncia e o eleitoral. No incio de 1994, Bruce Schneier, j citado, autor dos maiores best-sellers sobre segurana de dados, escreveu o livro Aplied Cryptography onde descrevia uma utopia: novas tcnicas matemticas que permitiriam criar em ambientes informatizados, coisas como jogos conveis, autenticao no-falsicvel, dinheiro virtual annimo e at eleies seguras. Logo depois, em dezembro de 1994, imbudo neste mito, o Min. Carlos Velloso na sua posse como presidente do TSE comunicou sua deciso monocrtica de imediatamente implantar a informatizao do voto, ou seja, as Urnas Eletrnicas, para erradicar as fraudes no processo eleitoral brasileiro. Textualmente o Min. Velloso disse:

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Estamos convencidos que estas fraudes sero banidas do processo eleitoral brasileiro no momento em que eliminarmos as cdulas, as urnas e os mapas de urnas, informatizando o voto. ou no apologia do Mito da Tecnologia Redentora? Assim, no foi por acaso que no Brasil foi adotada a Urna-E Virtual que no emite o voto impresso conferido pelo eleitor. Mas a crena de Schneier e do Min. Velloso era iluso. No nascer do novo milnio cou claro para a comunidade de segurana que fraudes vm das pessoas e no das tecnologias. Logo em 2001, em novo best-seller chamado Secrets and Lies 34, Schneier humildemente reconheceu o seu erro conceitual e declarou que os problemas de segurana em sistemas informatizados no seriam resolvidos pela tecnologia digital.

J no prefcio de seu novo livro, ele disse:Acreditou-se que a criptograa era um tipo de p mgico da segurana, que poderia ser espalhado pelo software para que se tornasse seguro. Que poderiam invocar palavras mgicas como chave de 128 bits e infraestrutura de chaves pblicas. Segurana um projeto, e no um produto. Nenhum sistema perfeito; nenhuma tecnologia a Resposta. Se voc acredita que a tecnologia pode resolver seus problemas de segurana, ento voc no conhece os problemas e nem a tecnologia. ou no exorcismo do Mito da Tecnologia Redentora? S que nossas autoridades eleitorais no tiveram a mesma humildade do criptgrafo americano. As Urnas-E Virtuais criadas sob este mito, esto sendo banidas em todo o mundo desenvolvido, mas continuam sendo usadas no Brasil. Em qualquer sistema eleitoral, seja manual ou informatizado, para ocorrncia de fraudes essencialmente necessrio que trs tipos de agentes tenham comportamento comprometedor:34. Schneier, Bruce. Segurana.com, Segredos e Mentiras sobre a proteo na vida digital. Editora Campus, Rio de Janeiro, 2001.

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1. Candidatos: deve haver ao menos um candidato inescrupuloso disposto a burlar a segurana do sistema; 2. Funcionrios do processo eleitoral: preciso a participao, ativa ou passiva, de funcionrios muito incompetentes ou que cedam corrupo; 3. Fiscais dos Partidos: necessrio erro, omisso ou intimidao dos scais dos candidatos honestos. A primeira condio acima bvia. Para que haja fraude necessrio existir algum disposto a atacar o sistema. A segunda condio fundamental, pois nas eleies os funcionrios da Justia Eleitoral dispem de recursos e poderes para tentarem impedir ataques e fraudes. Somente quando eles cedem corrupo e aceitam se omitir ou a agir maliciosamente que fraudes se viabilizam. A terceira condio tambm fundamental. Por exemplo, no sistema tradicional de voto manual onde tantas fraudes aigiam. O Cdigo Eleitoral concedia acesso aos scais dos partidos a todos locais e momentos que eram necessrios para detectar e inibir fraudes e, por isto, as fraudes s ocorriam quando, por qualquer motivo, a scalizao falhava. Os scais podiam: 1. Ter conhecimento prvio do cadastro de eleitores; 2. Ter conhecimento prvio dos mesrios indicados; 3. Estar presente na lacrao das urnas vazias; 4. Acompanhar a identicao dos eleitores e a votao; 5. Acompanhar o transporte das urnas com votos at o local da apurao; 6. Ficar a um metro de distncia dos escrutinadores; 7. Anotar o resultado de cada mapa de urna. E, apesar disto tudo, ocorriam fraudes em todos estes sete momentos. Eleitores fantasmas eram cadastrados e votavam, mesrios ligados a candidatos eram admitidos, urnas eram engravidadas antes da votao, eleitores regulares eram constrangidos ou induzidos

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na hora de votar, mesrios introduziam votos extras nas urnas, a urna com votos era trocada durante o transporte, a apurao era fraudada e os resultados nos mapas de urnas eram adulterados. Na realidade, havia uma verdadeira competio de fraudes onde umas se sobrepunham a outras. E tudo isto acontecia porque os scais falhavam em cumprir suas tarefas. Muitas vezes falhavam porque eram intimidados pelo autoritarismo de funcionrios corruptos, que impediam o livre acesso dos scais bem no momento onde eles mesmos iriam burlar. O abuso de poder por agentes eleitorais, inclusive por juzes, costuma ser um bom indcio de fraudes em andamento. Em resumo, a gnese das fraudes eleitorais est no comportamento de pessoas. Onde houver candidatos e funcionrios desonestos e scais incompetentes tentativas de fraude brotaro. muito ingnuo pensar, como pensou o Min. Velloso em 1994, que a informatizao do voto sozinha, como um passe de mgica, tivesse o condo de acabar com a ao de candidatos inescrupulosos, funcionrios corruptos e scais incompetentes. Com o advento da eletrnica no sumiram estas pessoas. Elas continuam existindo e atuando em eleies. A tecnologia pode adicionar diculdades e custos s fraudes, mas assim que a tecnologia de fraude for dominada e os custos compensarem, as fraudes ressurgiro. Por exemplo, na primeira eleio com urnas eletrnicas em 1996 se dizia que a nova tecnologia no permitia que mesrios introduzissem votos extras nas urnas eletrnicas. Mas logo, nas eleies seguintes, os mesrios foram descobrindo como isto era possvel e a prtica fraudulenta foi crescendo a cada eleio. Em 2005, o ministro Carlos Velloso, novamente ocupando a presidncia do TSE, nalmente reconhecendo a gravidade do problema, mas ainda embevecido pelo Mito da Tecnologia Redentora, anunciou que agora iria implantar os modernos recursos de biometria (impresso digital do eleitor) nas urnas-E para acabar com o ltimo reduto da fraude eleitoral.

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Lembre-se de que ele tinha dito exatamente isso em 1994 quando decidiu implantar as Urnas-E Virtuais. Felizmente a implantao da biometria foi suspensa para melhores estudos, depois de denunciada sua ineccia ao Tribunal de Contas da Unio pelo PDT. Assim, a lio deste captulo que s a boa scalizao pode atenuar as fraudes eleitorais e no a tecnologia em si como pleiteava o Min. Velloso. A boa scalizao pode se valer da boa tecnologia, iniciando por entend-la, mas repudiar o Mito da Tecnologia Redentora obrigatrio para o bom scal eleitoral. A partir do prximo captulo, passa-se a explicar: a) como fraudes podem ser introduzidas nas diversas etapas e momentos do processo eleitoral eletrnico como no cadastro, na votao e na apurao; b) como os scais devem atuar para tentar impedir estas fraudes; e c) como as tecnologias podem afetar esta relao fraudeXdefesas para um lado ou para o outro.

3. As Fraudes e as DefesasNo campo do adversrio bom jogar com muita calma, esperando pela brecha, pra pode ganhar. Lus Gonzaga Jr.

3.1 Regras GeraisNo atual sistema eleitoral informatizado, com limitaes auditoria plena impostas por regras equivocadas, muitos tipos de fraudes podem acontecer. Certos tipos, principalmente as de baixa tecnologia, viabilizam-se por falta de uma scalizao atenta e consciente. Se os scais atuarem com competncia, boa parte destas fraudes podero ser detectadas a tempo de neutraliz-las. Existem algumas regras gerais que devem ser sistematicamente seguidas pelos scais eleitorais para que possam enfrentar e impedir os ataques ao sistema eleitoral que porventura partirem de candidatos e funcionrios eleitorais desonestos.

Planejamento e ControleO processo de scalizao de uma eleio no deveria ocorrer somente nos dias prximos da eleio. A scalizao do Cadastro de Eleitores nos Cartrios Eleitorais deve ser permanente, mesmo em anos nos quais no haja eleio. Participar da elaborao das resolues do TSE que estabelecem as regras de scalizao, apresentando sugestes que facilitem a vida do scal e viabilizem seu trabalho, deve ser desenvolvida j no ms de janeiro do ano de eleies. A scalizao dos programas de computador que sero utilizados em eleies em outubro deve ser desenvolvida a partir do ms de abril junto ao TSE em Braslia.

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Os programas de computador para anlise e apoio scalizao devem ser desenvolvidos a partir de maio/junho. O treinamento dos scais que atuaro nas eleies deve comear em agosto/setembro. E tudo isto deve ser coordenado e planejado por uma equipe ecltica, onde elementos especializados em informtica e advogados tenham participao igualitria35.

Treinar e apoiar os FiscaisA falta de recursos nanceiros e fsicos nos diretrios municipais dos partidos polticos uma realidade constante. Como, tambm, no existe nenhuma verba ocial da Unio destinada a scalizao das eleies, dicilmente se consegue montar uma equipe de scalizao prossional. Normalmente os scais eleitorais so voluntrios motivados, mas so, quase sempre, amadores despreparados e sem apoio logstico. Pior do que no scalizar, scalizar equivocadamente deixando passar as fraudes e ainda lhes dando a legitimidade de terem sido fiscalizadas. O Partido Poltico, interessado em se defender de fraudes, deve sempre dar algum treinamento aos seus voluntrios para que, no mnimo, conheam a legislao e as peculiaridades do processo, e saibam o que e porque esto fazendo, para evitar serem enganados. Dar-lhes apoio logstico, como equipamentos, materiais, conduo e at alimentao, tambm importante. Por exemplo, muito comum a scalizao nos locais de votao comear animada pela manh do dia de votao, mas no nal do dia, sem apoio e alimentao, no momento mais propcio para a Fraude de Engravidar Urnas-E36, estar desatenta, quando no, ausente.35. exatamente por este motivo que este livro foi escrito em conjunto por um tcnico em segurana de dados e uma advogada eleitoral. 36. Descrita no captulo 3.3.

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Sinergia dos GruposUma forma de enfrentar a carncia de recursos para a scalizao a associao entre partidos ans. Por exemplo, cada partido pode no conseguir colocar 3 scais (nmero ideal) em cada seo eleitoral e ainda arcar com os custos de treinamento. Coordenando esforos de vrios partidos num projeto centralizado, mas dividindo tarefas de forma planejada e disciplinada, pode-se valer da sinergia que faz um grupo funcionar melhor que a soma de cada parte individual. Alis, de maneira geral, scais eleitorais podem e devem tratar os scais dos outros partidos como aliados e no como oponentes. Na maioria dos casos, h muita convergncia de interesses entre os scais de partidos diferentes.

Apurar o InstintoSo inteis os scais que, entorpecidos pelo Mito da Tecnologia Redentora ou pela propaganda ocial sobre a invulnerabilidade do sistema eleitoral, se tornarem crentes da Seita do Santo Baite e passarem a atuar como se a tecnologia, que no dominam, substitusse seus servios. Devem ser afastados do grupo de scais, os voluntrios de qualquer nvel que acreditam no discurso ocial de que tal ou tal tipo de fraude no possa ocorrer, pois pela brecha que eles deixam aberta podem passar muitos votos falsos. Desconar sempre que algo errado possa estar acontecendo obrigao dos scais e para isto eles devem aguar o seu instinto investigativo procurando imaginar como se poderia burlar a etapa do processo sob sua scalizao.

Respeitar todos os agentesSaber que a ocorrncia de fraudes depende da conivncia de funcionrios eleitorais no os torna todos desonestos. Pelo contrrio, a maioria estar agindo corretamente, dentro de suas atribuies.

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Por isto, regra de ouro respeitar todos os agentes pblicos tratando-os com a deferncia devida. O bom trato abre muitas portas e disto o que o scal mais necessita. Jamais levantar a voz, ofender ou agredir os representantes ociais, mesmo quando se descona de sua honestidade. Uma atitude impensada de um scal permite que ele venha a ser rotulado de impertinente e acaba por dar mais munio ao inimigo. Quando se encontrar perante algum que supostamente esteja participando de um esquema fraudulento, procurar ajuda, procurar testemunhas, procurar registrar o fato detalhadamente em atas ociais, fotos ou o que for possvel, e, em seguida, levar o problema para instncias superiores.

Enfrentar o AutoritarismoRespeito no submisso. Os scais possuem direitos de acesso estabelecidos por leis e resolues do TSE que regem todo o processo eleitoral e devem exigir seus direitos nos momentos oportunos. O comportamento autoritrio em agentes eleitorais muito exacerbado por causa do acmulo de poderes da Justia Eleitoral. At simples cidados, levados funo de mesrios sentem-se otoridades e abusam disto procurando negar direitos de acesso aos scais. No raro amea-los de priso. Tambm os juzes eleitorais, humanos que so, freqentemente cedem soberba, seduzidos pelos inditos poderes executivos e legislativos que recebem quando adentram Justia Eleitoral. Lembrar que o autoritarismo pode ser um forte sinal de fraude em andamento. Por isto, o scal eleitoral deve compreender que os juzes e os funcionrios eleitorais so seus scalizados e nunca deve abrir mo de direitos ou aceitar ser afastado de locais em momentos nos quais a lei garante sua presena.

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Conhecer toda a Legislao PertinenteObviamente, para exigir o respeito a seus direitos de acesso, o scal deve conhec-los todos e muito bem. Assim, no treinamento prvio dos scais deve-se, necessariamente, incluir aulas da legislao que digam respeito scalizao eleitoral e tambm sobre a ordenao jurdica de todo o processo. O scal deve entender claramente quais so os nveis hierrquicos na Justia Eleitoral e quais so as relaes e as diferentes atribuies dos Tribunais, dos Cartrios, das Juntas e das Sees eleitorais. Tambm importante que conhea, em detalhes, seus direitos de acesso, seu direito absoluto de peticionar perante rgos pblicos, a proibio de ser detido por motivo de scalizao e as penas que recaem sobre quem o impedir. conveniente, inclusive, que os scais sejam munidos de um Kit de Direitos, que contenha cpias das leis e das resolues do TSE pertinentes, para lanarem mo quando envolvidos numa situao em que uma atitude autoritria possa cerce-los. Isto aumenta muito a autoconana do scal e pode inibir atos autoritrios que estejam encobrindo fraudes.

Entender a Lgica do ProcessoFiscais que no entenderem muito bem o funcionamento do processo scalizado, nem como este se encaixa em todo o resto do processo eleitoral, sero constantemente enganados pelo interessado em burlar. Por exemplo, os scais devem entender claramente que, para impedir a Clonagem de Urnas-E37 ou as fraudes de totalizao38, a coleta do BU impresso deve ser feita no exato momento de sua emisso pelas urnas eletrnicas na Seo Eleitoral. Colet-lo

37. Descrita no captulo 3.3. 38. Descrita no captulo 3.5.

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posteriormente, no Cartrio Eleitoral, intil, pois j pode ter chegado l trocado. Porm so muito freqentes casos em que juzes provocam a quebra da segurana na totalizao porque estimulam os partidos a obter suas cpias dos BU somente com o Comit Interpartidrio no Cartrio Eleitoral, com argumentos de invulnerabilidade (impossibilidade da troca) e da diminuio de custos para todos. H casos at de Desembargadores de Tribunais Regionais que patrocinaram acordos formais entre os representantes dos partidos em que estes, no entendendo a engrenagem da scalizao, abriram voluntariamente mo do direito de ter acesso ao BU no momento de sua emisso. Neste caso, estavam abrindo mo de poder scalizar com efetividade a totalizao dos votos em troca de absolutamente nada. Se o scal no entender um mnimo de informtica, ser invariavelmente enganado por inecazes rituais de scalizao, verdadeiros shows de ilusionismo, como a emisso da Zersima, as votaes simuladas e as vericaes de assinatura digital mostradas na tela da prpria mquina sob anlise.

Ter Muita CalmaO scal eleitoral vai ter que atuar num ambiente em que os scalizados mandam. Naturalmente isto pode criar diculdades e no se pode desistir ou perder a pacincia por isto. Como disse o Gonzaginha: No campo do adversrio bom jogar com muita calma, esperando pela brecha, pra pode ganhar.

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3.2 Fraudes no Cadastro EleitoralO Eleitor FantasmaIncluir nomes de eleitores inexistentes no Cadastro Nacional de Eleitores, ou manter como ativos eleitores j falecidos, para que de alguma forma algum, de carne-e-osso, vote no lugar deles, uma modalidade de fraude que persistiu mesmo depois do advento da eletrnica no processo eleitoral. Alias, piorou muito com a informatizao do Cadastro de Eleitores em 1986, pois na sua regulamentao, pela Lei 7.444/85, eliminou-se a foto do Ttulo de Eleitor, erro ttico que facilitou tremendamente a votao em nome dos Eleitores Fantasmas. A adoo das urnas eletrnicas em 1996 no dicultou em nada a vida dos gasparzinhos. Trata-se uma modalidade de fraude onde necessria a participao de funcionrios dos cartrios eleitorais e de juzes, desatentos ou venais, pois so estes que tm que assinar os ttulos falsos. Normalmente so estes mesmos agentes pblicos desonestos que cam de posse dos ttulos falsos para venderem votos durante as eleies. Os autores deste livro, em suas andanas por cartrios eleitorais em todo Brasil, tiveram oportunidade de vrias vezes verem, guardados em gavetas ou caixotes, ttulos eleitorais em branco j assinados pelos juzes para descomplicar a emisso dos ttulos de novos eleitores. uma situao onde s falta um passo para a fraude acontecer. Os que pensam que eleitores fantasmas s existem em pequenos e afastados rinces, se enganam. A partir de 1998, graas a um fabuloso trabalho de coleta de provas por Douglas Rocha e Jos Roberto Rocha, ento membros do PPS de Camaari na Bahia, cou comprovado que milhares de eleitores fantasmas haviam votado em eleies naquela cidade, que um municpio bem grandinho, plo industrial bem prximo da Capital e segundo maior oramento municipal da Bahia. Nos grossos volumes de provas colhidas tinha at fotos de lpides em cemitrios gravadas com os nomes de eleitores que votaram anos aps sua prpria morte!

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Para se limpar este cadastro ctcio de eleitores, foram necessrios trs recadastramentos, pois at estes eram fraudados39 pelos mesmos agentes internos corruptos que controlavam o Cartrio Eleitoral. As urnas eletrnicas, utilizadas excepcionalmente como mquinas de recadastramento naquela ocasio, facilitaram enormemente o repique da fraude. Chegou-se a encontrar dezenas de casos de eleitores fantasmas recadastrados em ordem alfabtica taxa de cinco a seis por minuto40. Num dia em que compareceram pouco mais de 100 eleitores para o recadastramento, mais de 700 foram recadastrados fraudulentamente. Durante a correio promovida pelo TSE em 2002, chegou-se a encontrar 1.300 eleitores fantasmas como moradores em um nico endereo de uma casa. Colocar a foto nos Ttulos de Eleitor em muito ajudaria a dicultar esta fraude, pois o eleitor, que fosse apresentar o ttulo ao mesrio e ao scal, teria ao menos que ter alguma semelhana com a foto. Mas, para isto, necessrio mudar a Lei 7.444/85 que explicitamente desobriga o eleitor de fornecer sua foto ao cadastro eleitoral. Com a quase completa paralisia, que j dura anos, do Congresso Nacional pelo trancamento de pauta por medidas provisrias do Poder Executivo, no se deve esperar a volta da foto do eleitor para breve. Outra tentativa de soluo idealizada pelo TSE, anunciada em abril de 2005, era acoplar recursos de biometria s urnas eletrnicas. O projeto inicial era recolher as impresses digitais de 120 milhes de eleitores e colocar leitores de impresso digital em 400 mil urnas eletrnicas. Pareceu bom para muitos is do Santo Baite que ainda esperam tecnologias mgicas para resolver problemas de segurana. Mas uma anlise mais detalhada do processo revelou que era apenas mais uma forma de gastar muito dinheiro e continuar com o problema de segurana inicial quase intacto. Pessoas poderiam ter at 10 ttulos diferentes, um para cada dedo da mo, e ainda poderiam ter ttulos extras, com nenhum dedo39. Ver detalhes em: http://www.votoseguro.org/textos/camacari1.htm 40. Ver em: http://www.votoseguro.org/textos/camacari1.htm#4a

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registrado, bastando apresentarem-se como sem-digitais (mos enfaixadas, por exemplo) no cadastramento. A defesa verdadeira contra Eleitores Fantasmas, como sempre, a boa scalizao. Mas neste caso tem ecincia varivel dependendo muito da persistncia dos scais eleitorais que devem atuar em dois momentos: a) no cadastramento, para impedir a incluso dos fantasmas; e b) na votao, para impedir que os fantasmas votem. necessrio credenciar scais permanentes, mesmo fora de perodo eleitoral, junto aos Cartrios Eleitorais para, valendo-se dos direitos de scalizao determinados pelos artigos 27 e 28 da Resoluo TSE 21.538/03, acompanharem e examinarem os documentos relativos aos pedidos de alistamento, transferncia, reviso, segunda via e reviso de eleitorado. Como se trata de ato de scalizao continua junto ao Cartrio Eleitoral, muito importante que se procure desenvolver relao de convivncia amistosa, mas no de conana cega, com o juiz eleitoral. Procurar estabelecer regras claras e transparentes para o acesso documentao e aos relatrios informatizados do cadastro, inclusive vericando se o nmero de novos eleitores confere com o de pedidos e de documentao pessoal apresentada. A atuao persistente nos Cartrios, para impedir que os fantasmas surjam, importante porque, na outra ponta da fraude, para se impedir que os fantasmas votem, pode ser complicado. Normalmente, as pessoas portando ttulos de eleitores fantasmas votam dez, vinte vezes a cada eleio, mas apenas uma vez em cada Seo Eleitoral, de forma que os scais nas sees, em virtude dos ttulos sem foto, cam sem elementos para desconar de determinado eleitor.

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3.3 Fraudes na VotaoClonagem de Urnas-EClonagem de urnas talvez no seja um termo preciso para designar esta fraude, mas tem apelo e por isto pegou. A fraude consiste em trocar as urnas eletrnicas verdadeiras, preparadas com o programa original e ocialmente registradas nas Tabelas de Correspondncias Esperadas por outras urnas, tambm verdadeiras e tambm preparadas com o programa original, mas no registradas nas Tabelas de Correspondncia. A preparao das Urnas-E no registradas possvel a partir de cpias idnticas da o nome clonagem dos Flashs de Carga41, que so tiradas em qualquer computador equipado com leitor de cartes tipo ash-card. As Urnas-E no registradas sero levadas s Sees Eleitorais para receberem os votos dos eleitores verdadeiros. As Urnas-E registradas ociais so levadas a um outro local onde, no momento oportuno, so carregadas com votos falsos, gerando uma documentao ocial (Zersima, Boletins de Urna e Disquete) que sero aceitos sem problemas pelo Sistema de Totalizao, burlando todos os seus bloqueios lgicos e criptogrcos. O ltimo passo da fraude trocar a documentao produzida nas Sees Eleitorais pela documentao falsa produzida com as urnas registradas. Esta Fraude de Clonagem de Urnas-E que, como todas as demais fraudes contam com a omisso dos scais, perfeitamente possvel, mas necessita da participao ativa dos funcionrios do Cartrio Eleitoral que controlam a logstica de distribuio das Urnas-E e a coleta da documentao na totalizao. A histria de fraudes anteriores ao voto eletrnico comprova que existiam elementos corrompidos dentro dos Cartrios Eleitorais que41. Flash de Carga o nome de cartes de memria, tipo ash-cards, usados para a carga dos programas ociais nas urnas eletrnicas.

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viabilizavam a troca de urnas e o mapismo42. difcil crer que tais elementos deixaram de existir agora s porque o voto foi informatizado. Existem duas variaes nas escolhas das urnas que substituiro as registradas. Pode-se usar a mesma Urna-E duas vezes: 1. Carregam-se Urnas-E sem a presena de scais; 2. Registra-se esta carga nas Tabelas de Correspondncia; 3. Adianta-se a data das urnas para iniciar a votao; 4. Introduzem-se os votos desejados para gerar a documentao falsa; 5. S ento, convocam-se os scais para assistirem a uma nova carga de urnas feitas com ash de carga clonados. Estas urnas sero levadas s Sees Eleitorais, mas tero seus resultados verdadeiros trocados pelos falsos. 6. Se quiser sosticar e limpar vestgios, o fraudador apaga dos arquivos de eventos43 as referncias a eventos que possam indicar a fraude como a carga no registrada, o reajuste da hora para votao antecipada, etc.; Outra alternativa usar Urnas-E diferentes quando h quantidade disponvel44. Algumas urnas-E so carregadas na frente dos scais sem se registrar suas correspondncias e sero levadas s Sees. Outras so carregadas parte, para serem registradas como as vlidas e para produzirem a documentao falsa a ser trocada.42. Mapismo era uma modalidade de fraude muito praticada em eleies com apurao manual dos votos. Consistia em modicar os Mapas de Urna onde eram registrados os resultados da apurao. 43. Arquivo de eventos, ou arquivo de log, o nome de arquivos digitais onde so registrados a data e hora de eventos controlados de um sistema. No sistema eleitoral h os arquivos de log das Urnas-E, os do Sistema de Gerao de Mdias e os de Totalizao. 44. As urnas-e so distribudas em funo da quantidade de sees eleitorais de cada local. Depois, sees com poucos eleitores so agrupadas, sobrando urnas-e. Outro exemplo: na eleio renovada em Campos de Goytacases, RJ, em maro de 2006, havia 1300 urnas-e disponveis no Plo de Carga, mas apenas 780 sees eleitorais.

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A nica defesa eciente contra esta fraude a coleta dos Boletins de Urna (BU) no momento em que so impressos nas Sees Eleitorais. De nada adianta receber cpia do BU entregue ao Comit Interpartidrio no Cartrio Eleitoral, pois, apesar das negativas da propaganda ocial, este j poder vir trocado. Por isto, deve ser repelida qualquer tentativa de Juzes Eleitorais que, alegando economia de papel ou de trabalho, sugiram entregar cpia do BU apenas no Cartrio. to importante ter acesso ao BU nas Sees Eleitorais que bastante recomendado, inclusive, tomar medidas preventivas para garantir o seu recolhimento, como enviar previamente ofcio aos Juzes das Zonas Eleitorais, comunicado que o Partido ir recolher os Boletins de Urna diretamente nas Sees Eleitorais de acordo do Art. 68 da Lei. 9.504/97. Para as eleies de 2006 surgiu mais um forte empecilho para os partidos poderem se defender da Clonagem de Urnas-E. Em mais um evidente exemplo de abuso de poderes, onde o scalizado manda no scal, o TSE em deciso unilateral emitiu em maro de 2006 a Resoluo 22.154/06 em cujo artigo 42 restringe a entrega de cpias de BU impressos aos scais dos partidos nas Sees Eleitorais. Em 2004, os scais de partido tinham disponveis 9 cpias do BU para compartilharem. Agora, pela nova norma de 2006, os presidentes da mesa s entregaro uma nica via do BU impresso a um representante do Comit Interpartidrio e mais nenhuma aos scais de cada partido. O problema no falta de papel para imprimir BU, porque o TSE decidiu ainda que representantes da imprensa tenham disponveis at 4 vias do BU para retirarem nas sees eleitorais se quiserem. Enm, no se consegue vislumbrar nenhum outro objetivo desta nova norma do TSE alm de se querer dicultar a scalizao dos partidos. Como este Art. 42 da Res. TSE 22.154/06 conita diretamente com o Art. 68 da Lei 9.504/97, um partido poltico, o PDT, iniciou contatos com o TSE visando reverter a restrio distribuio de cpias de BU impresso.

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No se sabe se at as eleies este quadro, tenebroso para a scalizao, ser corrigido. Se no for, restar aos scais dos partidos apresentarem-se como jornalistas para tentar obter uma das cpias do BU destinadas a estes. humilhante e indigno este comportamento a que o scal eleitoral ter que se submeter para defender a sociedade de fraudes eleitorais, mas ser o necessrio em vista da situao criada por causa do acmulo de poderes da Justia Eleitoral. Como o recolhimento de BU pode falhar, por restrio ocial, por falta de scais ou por intimidao destes pelos mesrios, pode-se tentar detectar a Clonagem de Urnas nos registros do sistema onde provas podero aparecer, como: a. a data e hora da carga da Urna-E registrada na Tabela de Correspondncia Esperada que no ser a mesma da carga feita na frente dos scais45; b. o arquivo de eventos (log) da urna carregada duas vezes, acusar este fato46. Mas 99.999% dos scais dos partidos ignoram totalmente a existncia destes recursos de auditoria que muitas vezes podem indicar fraudes. Rarssimas vezes comparecem Cerimnia de Gerao das Mdias, que nem sabem para o que serve, ou Cerimnia de Carga e Lacrao das Urnas, e quando comparecem nem percebem o risco do monte de cartes ash-cards que entram e saem dos bolsos de funcionrios temporrios que no conhecem. Praticamente nunca solicitam, no momento correto, os dados de controle do sistema. Por exemplo, de nada adianta receber cpias das Tabelas de Correspondncia Esperadas depois das eleies totalizadas, pois, se tiver ocorrido a Fraude de Clonagem de Urnas, estas tabelas tambm podero ser adulteradas, depois da totalizao, para esconder a fraude.45. A no ser que, numa sosticao incomum, a carga extra das urnas seja feita simultaneamente em outro local. 46. A menos que, num cuidado extra, o fraudador apagar, dos Flash Cards Internos das Urnas-E, o arquivo de eventos com a carga falsa registrada.

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Um exemplo desta situao o Caso Guarulhos, um grande municpio do Estado de So Paulo. Nas eleies de 2004, os Boletins de Urna no foram recolhidos como deviam. Depois das eleies, diante de resultado que contrariava as pesquisas, iniciouse a garimparem dos arquivos do sistema. Na realidade houve, primeiro, que se dispender um bom tempo para treinar os scais sobre o que poderia ser procurado. O resultado da procura foi apresentado num relatrio47 que aponta inmeras inconsistncias nos arquivos de eventos analisados, como a carga de urnas-e diferentes com o mesmo carto ash-decarga no mesmo instante. Esta situao sicamente impossvel e s se explica pela duplicao dos ash-de-carga, primeiro passo para a clonagem de urnas.

Voto de Cabresto Ps-ModernoO voto de cabresto uma modalidade de fraude eleitoral de natureza psicolgica, onde algum procura coagir eleitores desprotegidos a votar em determinado candidato, sob o argumento de que quebrar o sigilo do voto podendo identicar em quem o eleitor votou. No sistema de votao tradicional existia uma forma muito difundida de se conseguir quebrar o sigilo do voto de eleitores intimidados. Era chamado de voto-carreirinha e se valia do fato do eleitor depositar seu voto em papel nas urnas. Consistia em fazer que cada eleitor levasse consigo uma cdula ocial j preenchida quando entrasse para votar, a depositasse na urna e trouxesse sua cdula vazia para fora da seo eleitoral. A primeira cdula para dar partida no processo era obtida com um mesrio conivente. A tcnica para impedir esta fraude era numerar as cdulas externamente, de 1 a 5 por exemplo, d-las em seqncia aos eleitores e vericar se este depositava a mesma cdula que recebeu. Mas no era uma prtica que a Justia Eleitoral impunha aos mesrios47. Ver em: http://www.votoseguro.org/textos/guarulhos04.pdf

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de forma que a fraude persistiu at que, com a adoo das urnas eletrnicas, o eleitor deixou de depositar o voto em urnas de lona, desarticulando o esquema. Esta qualidade das urnas eletrnicas foi muito utilizada na sua propaganda: ela teria acabado com o voto de cabresto. Tambm foi utilizado como argumento pelo TSE para pressionar os senadores a modicar um projeto de lei que tornava obrigatrio o uso de Urnas-E Reais no Brasil. Dizia-se que, com o voto impresso nas mos dos eleitores, voltaria a possibilidade do voto-carreirinha. A soluo dada pelo Sen. Romeu Tuma, relator do projeto de lei, para impedir o voto-carreirinha em Urnas-E Reais, foi a de que o voto impresso seria mostrado ao eleitor atravs de um visor transparente e, depois de conrmado pelo eleitor, seria depositado automaticamente numa sacola acoplada Urna-E, sem que o eleitor pudesse manuse-lo. Mas, ser que a Urna-E Virtual brasileira acabou mesmo com o voto de cabresto? No acabou, pois o agente coator no precisa de fato conseguir quebrar a sigilo do voto do eleitor coagido, basta que consiga convenc-lo de que conseguiria, da a natureza psicolgica desta fraude. E, neste aspecto, o mtodo de liberao do voto nas nossas urnas eletrnicas, que consiste em se digitar o nmero do Ttulo do Eleitor na mesma mquina e no mesmo momento em que o eleitor digita o seu voto, ajuda muito a se difundir a idia de que o voto poder ser identicado posteriormente. J na segunda eleio com urnas eletrnicas, em 1998, surgiu forte boato entre os funcionrios de empresas estatais do Rio Grande do Sul de que a digitao do nmero do ttulo simultnea digitao do voto seria usada para identicar os funcionrios pblicos que no votassem na chapa da situao. Era uma modalidade nova de golpe eleitoral que chegou com a urna eletrnica: o voto de cabresto em massa.

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To grave chegou a ser a situao antes das eleies que o TRERS teve que apresentar repetidos esclarecimentos pela imprensa48, tentando desconvencer os eleitores intimidados pelo boato. No se sabe avaliar como o conito psicolgico interno, entre o boato e o contra-boato, se resolveu nas mentes dos eleitores. Mas a situao do voto de cabresto ps-moderno piorou muito em 2003 com a aprovao ligeira e ilegtima da Lei 10.740/03, a Lei do Voto Virtual s Cegas49, sob o rolo compressor da Justia Eleitoral que conseguiu impedir seu debate ou emenda. A lei acabava com a auditoria automtica da apurao dos votos nas urnas eletrnicas a ser efetuada a partir das eleies de 2004 por meio do voto impresso conferido pelo eleitor. No tendo absolutamente nada a oferecer em troca do m da auditoria da apurao, o TSE procurou seduzir os parlamentares com a inveno do Registro Digital do Voto, intil para a scalizao, que permitiria aos polticos desenvolverem estudos de correlao, para determinar como os eleitores combinaram os seus votos nos diversos cargos, se as coligaes foram respeitadas pelo eleitor, etc. O Registro Digital do Voto nada mais que o conjunto dos votos de cada eleitor escrito numa linha de um arquivo digital que gravado em 3 vias nas memrias da Urna-E. Assim que a lei foi aprovada, Jorge Stol, Professor Titular do Instituto de Computao da UNICAMP, anunciou como a possibilidade dos tais estudos de correlao tambm viabilizava a identicao do voto de eleitores coagidos. Era, exatamente, uma verso informatizada do voto de cabresto, que ressurgia com a nova lei. Nesta prxima eleio de 2006, o Voto de Cabresto Ps-Moderno pode ser aplicado, por exemplo, por um candidato a deputado federal que queira garantir os votos de eleitores sobre os quais tenha poder de presso psicolgica, com os seguintes procedimentos:

48. Reportagem Justia Eleitoral Garante Sigilo do Voto, Jornal ZeroHora, 23/10/1998 - pg. 20. 49. Ver mais em: http://www.votoseguro.org/textos/PLazeredo.htm

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1. O agente coator escolhe candidatos inexpressivos, que tero poucos votos, para presidente, para governador, para senador e para deputado estadual. sempre possvel se conseguir um punhado de candidatos a deputado que com certeza no tero votos em determinada regio; 2. Com estes nomes, monta combinaes incomuns de votos, todas diferentes entre si. Isto possvel com uma boa escolha de deputados sem voto; 3. Copia, em duas vias, estas combinaes diferentes e inclui o seu prprio nome no cargo ao qual concorre; 4. Entrega uma via com uma relao diferente para cada eleitor coagido. Como o TSE estimula o uso de colas, nada chamar ateno dos scais. Na segunda via da cola, anota o nome do eleitor e guarda; 5. Aps a eleio, basta obter acesso ao arquivo com os Registros Digitais dos Votos, que estaro gravados em inmeros locais, como nos cartes de memria interno e externo das urnas eletrnicas, nos disquetes que cam nos cartrios e nos computadores da rede. Este arquivo tambm poder ser impresso pela prpria Urna-E com o uso de um disquete especial chamado SIBVD50. 6. No arquivo, os conjuntos com os votos de cada eleitor estaro em linhas embaralhadas, mas podero ser localizados pelas combinaes incomuns, pois dicilmente haver outra combinao igual no mesmo arquivo; 7. Se alguma combinao esperada, faltar, pune-se o respectivo eleitor.50. SIBVD signica Sistema de Impresso do Boletim do Voto Digital. um programa disparado por um disquete especial que imprime a relao de todos os votos dados naquela urna. A inutilidade deste disquete SIBVD para qualquer outra funo alm de facilitar o voto de cabresto ps-moderno, levou o PDT a peticionar a sua excluso do rol de programas instalados nas Urnas-e. A excluso ser decidida pelos mesmos que idealizaram o programa questionado.

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Depois que o prof. Stol anunciou este roteiro que explora falha de segurana criada pela Lei do Voto Virtual, o TSE tentou contornar o problema que criou e, pela R