Livro-GEPEJA-2005-10-17

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  ABRINDO DIÁLOGOS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS  Equipe Adelazir Drago de Araújo Adriana Medeiros Farias Eliane Aparecida Torres Lindalva Mª Pereira de Oliveira Maria Emília Marques Maria Fernanda Perusso Turina  Paulo Romualdo Hernandes Romildo Cássio Siloto Shirley Costa Ferrari Silmara de Campos Sonia Giubilei (Coord.) Teresa Cristina Loureiro Peluso Valéria Aparecida Vieira Veles GEPEJA/FE/UNICAMP 2005

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educação jovens adultos

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  • ABRINDO DILOGOS NA EDUCAO DE JOVENS E ADULTOS

    Equipe Adelazir Drago de Arajo Adriana Medeiros Farias Eliane Aparecida Torres

    Lindalva M Pereira de Oliveira Maria Emlia Marques

    Maria Fernanda Perusso Turina Paulo Romualdo Hernandes

    Romildo Cssio Siloto Shirley Costa Ferrari

    Silmara de Campos Sonia Giubilei (Coord.)

    Teresa Cristina Loureiro Peluso Valria Aparecida Vieira Veles

    GEPEJA/FE/UNICAMP 2005

  • SUMRIO

    Apresentao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 01

    Prlogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 03

    I. Contribuindo para a reflexo da EJA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 06 1. Iniciando a conversa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 06 2. Avaliando um caminho contnuo e transformador . . . . . . . . . . . . 27

    II. Apontando caminhos para a prtica na EJA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

    III. Currculo: continuando o dilogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62

    IV. Conversando com o educador da EJA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70

    V. Conhecendo o educando da EJA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82

    VI. Revisitando a histria da EJA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95

    Posfcio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121

    Sobre os autores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124

    Bibliografia Comentada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132

    Participantes do Encontro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144

  • 1

    APRESENTAO

    Este livro prope-se oferecer a educadores que desenvolvem trabalho docente na

    Educao de Jovens e Adultos (EJA), ensino mdio, nas instituies escolares pblicas do Estado de So Paulo, algumas reflexes sobre essa forma de educao especfica, desde a

    conceituao da EJA e o seu correspondente processo avaliativo, passando pela

    identificao do professor, do aluno jovem e adulto, pela especificidade de um currculo e por uma metodologia que melhor atenda, essa educao, culminando com o seu histrico.

    Os autores so membros do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educao de Jovens

    e Adultos (GEPEJA), da Faculdade de Educao da UNICAMP e do Projeto Educativo de Integrao Social (PEIS)1, cujo objetivo o atendimento a adultos desejosos de retornar aos estudos, mas que enfrentam uma srie de limitaes, dentre elas pode-se apontar as

    condies de adaptao a uma escola presa ainda ao uso de lousa, livro didtico,

    questionrio, exames terminais.

    As situaes relatadas em alguns textos foram experienciadas pelos professores no

    PEIS, o que d maior colorido aos relatos e favorece uma fundamentao terica s vrias

    pesquisas, temas dos relatos. Importa salientar que todos, indistintamente, so educadores

    que passaram pela experincia docente e/ou coordenao pedaggica na EJA, o que lhes

    permite fazer afirmaes, apontar caminhos e demonstrar a esperana para novos rumos

    ______________________

    1 Projeto de Extenso ligado Pr-Reitoria de Extenso e Assuntos Comunitrios da UNICAMP, que atende

    adultos acima dos 18 anos, que desejam retornar aos estudos mas encontram obstculos para esse retorno desde o limitado nmero de vagas em classes de suplncia na Rede Pblica de Ensino at dificuldades nos estudos. As aulas so ministradas aos sbados nas dependncias da Escola Tcnica da UNICAMP.

  • 2

    tendo em vista a teoria e a prtica na Educao de Jovens e Adultos, no Estado de So

    Paulo e por que no no Brasil?

    A equipe participou em So Paulo de um encontro nos dias 28, 29 e 30 de junho de 2005 com professores, diretores e especialistas com atividades em EJA que analisaram o

    livro e apresentaram sugestes para sua melhoria (relao em anexo). A equipe alimenta o desejo de realizar encontros, nas diversas regies do Estado de

    So Paulo, com professores do ensino mdio da EJA que tenham tido acesso a este livro,

    com a finalidade de discutir as idias nele expressas, uma vez que a caminhada s se

    efetiva no dilogo, aprendendo por meio dele e retomando-o a todo momento, quando se

    fizer necessrio.

    Sonia Giubilei

  • 3

    PRLOGO

    Quando o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educao de Jovens e Adultos

    (GEPEJA) decidiu participar do processo seletivo para elaborao de material de estudos para Educao de Jovens e Adultos (EJA) Ensino Mdio, em parceria com a SEE/SENP/PROMED, vislumbrou que esta seria uma oportunidade para apresentar aos

    professores da rede estadual, ensino mdio, as reflexes e estudos que vem desenvolvendo

    nos ltimos anos.

    O Grupo no apresenta aos colegas educadores frmulas ou receitas prontas a

    serem seguidas, pois tem convico de no ser garantia, ao assim proceder, de que todas

    as dvidas estaro resolvidas e o resultado assegurado. Quando muito seria um modelo

    reproduzido, mesmo porque de conhecimento que cada escola possui sua realidade

    peculiar. O aluno de EJA um universo a ser desvendado, a ser conquistado e a ser

    apreendido.

    Buscou-se o tom de conversa, de dilogo com voc, professor da rede estadual de

    ensino, porque voc tem vivncia e experincia e, com certeza, j experimentou muitos caminhos visando a atingir seu aluno da melhor maneira possvel.

    Por essa e demais razes, a proposta deste livro insere-se no ttulo: Abrindo

    dilogos na Educao de Jovens e Adultos, cujo objetivo maior contribuir para a reflexo sobre a prtica educativa em EJA.

    Iniciando a conversa pe o foco em algumas dificuldades, caractersticas dessa

    modalidade de ensino. Relata o percurso vivido por um professor e as transformaes

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    acontecidas ao longo do tempo na prtica pedaggica. Se acaso voc se identificar com

    alguma das passagens descritas, sorria, voc no est sozinho.

    Avaliando um caminho contnuo e transformador foi inserido logo no comeo do

    livro, para que se reflita sobre o tema Avaliao, comumente considerada como a ltima

    etapa da prtica educativa. A proposta aqui sugerida no sentido de se abandonar posturas

    rgidas e de trazer luz do debate, os fenmenos da classificao e da incluso.

    Alguns caminhos para a prtica na EJA. O texto discorre sobre os caminhos

    metodolgicos que podem facilitar a aprendizagem do educando jovem e adulto. O primeiro refere-se ao ensinar e ao aprender com base na experincia. O segundo a aprendizagem

    com base na participao, e o terceiro na interdisciplinaridade. Mostra que os caminhos

    podem municiar-se por estratgias de ensino, culminando com os procedimentos

    metodolgicos: Tema Gerador e Estudo do Meio, no fechando a referncia, mas abrindo

    novos caminhos retomando o processo.

    O texto Currculo: continuando o dilogo faz uma reflexo pertinente

    organizao curricular, promovendo uma discusso sobre a concepo de currculo voltado

    para EJA, ensino mdio, cuja construo fruto de um trabalho coletivo dos sujeitos envolvidos no processo.

    Discute ainda, que no existe um modelo nico ou mesmo ideal de organizao

    curricular, que possa ser aplicado em qualquer unidade de ensino, porm considera que

    toda proposta pedaggica deve traduzir os interesses e as necessidades do grupo, estar em

    constante mutao, passando sempre que for necessrio, por revises e reformulaes,

    tendo o dilogo como pressuposto.

    Conversando com o Educador da EJA centra a ateno sobre a pertinncia da

    reflexo na prtica educativa especfica dos que atuam na Educao de Jovens e Adultos.

    Trata-se de focar dois eixos, conseqentemente imbricados, inerentes ao processo

    formativo inicial e permanente dos educadores. O primeiro eixo refere-se construo de

    saberes, mediados pela indagao, pesquisa e reflexo sobre a ao pedaggica

    desenvolvida pelo educador no seu espao de organizao do trabalho docente. O segundo

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    eixo instiga o educador ao debate sobre sua condio de pesquisador como elemento

    importante para a identificao de pistas que possam contribuir para uma prtica educativa

    de qualidade.

    No texto Conhecendo o Educando da EJA, pretende-se discutir o educando da

    EJA enquanto sujeito scio, histrico, poltico e psicolgico diferenciando o jovem e o adulto em suas especificidades, necessidades e expectativas. Reflete sobre a insero do jovem e oferece caminhos para o trato com essa faixa etria.

    O texto tambm discute o papel da escola, enquanto locus de acolhimento das

    necessidades afetivas, motoras, sociais e cognitivas do jovem e do adulto. Por fim, Revisitando a Histria da Educao de Jovens e Adultos pontua alguns

    dos condicionantes econmicos, polticos e sociais que determinaram o contexto da EJA no

    Brasil, com especial referncia, quanto a sua trajetria, no estado de So Paulo. Aponta para as proposies e aes decorrentes da LF 5692/71 e LDBEN 9394/96, devido ao

    impulso que a EJA recebeu nas ltimas dcadas do sc. XX e incio do sc. XXI.

  • 6

    I. CONTRIBUINDO PARA A REFLEXO DA EJA

    1. Iniciando a conversa

    Paulo Romualdo Hernandes

    O Brasil democrtico dos nossos dias busca inserir-se na nova ordem econmica,

    poltica e social mundial, no universo globalizado e atrair para seu presente e futuro, com

    toda a rapidez, o intenso desenvolvimento cientfico de que tem sido, de uma certa forma,

    excludo por longo tempo. No h dvida que a escola um caminho para a incluso nesse

    universo de conhecimento sistematizado.

    Ao tentar incluir-se nessa nova ordem econmica mundial globalizada e promover o

    desenvolvimento, os governos democrticos brasileiros tm se deparado com muitas

    dificuldades. Uma delas e talvez a mais preocupante justamente o baixo nvel de escolarizao do brasileiro. H um grande contingente dos que no tm escolarizao

    mnima, nmero que aumenta em nveis superlativos no que diz respeito educao bsica

    incompleta.

    Nesse sentido, surgiram grandes dificuldades para os jovens e adultos que por um motivo ou outro no puderam iniciar ou completar os estudos em todos os nveis. Por todos

    os lados enfrentam a dificuldade de no terem os conhecimentos formais proporcionados

    pela escola, no seu dia a dia, no trabalho, na difcil leitura e interpretao das novas

    exigncias de sinais, de signos, enfim as complexas formas de comunicao em suas

    modernas linguagens. De uma hora para outra se viram obrigados a sair em busca de

    escolarizao para poder ser includo nesse universo.

    Afastados por um longo tempo dos bancos escolares quando mais velhos, ou ento

    os jovens que enfrentaram muitas dificuldades de compreenso do que seja uma escola, uma sala de aula, voltam agora, tmidos e amedrontados pelo que iro se defrontar.

    Esperam encontrar, no seu retorno, a escola tradicional com o professor discursando

    frente da sala e ele, de preferncia, calado e escondido atrs da carteira, dos seus colegas,

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    no querendo ser importunado s lhe interessando muitas vezes, no final de tudo, o

    certificado objetivo quase sempre nico de seu retorno escola. A realidade desses alunos ter sobrevivido sem precisar da escola at aquele

    momento. Quando so forados a voltar a estudar tm muitas dificuldades de entender as

    explicaes do professor, o qu os livros contm e o qu do contedo que esto

    aprendendo, ou tentando compreender, est associado a sua experincia de vida. Um

    exemplo simples o estudo da Matemtica que no tem relao com seu cotidiano.

    Nesse difcil quadro, jovens e adultos que por presso social e econmica voltam a estudar, se vem quase sempre frustrados nesse retorno sem compreender ao certo o que

    fazer em uma sala de aula. Medrosos daquela escola que abandonaram ou da qual foram

    expulsos, temem, por serem mais velhos, no conseguirem acompanhar os estudos. O que

    encontram nessa volta? Uma escola que no entendem e aulas que no lhes fazem o

    menor sentido.

    Por outro lado, o educador de jovens e adultos ao se deparar com esses alunos quase sempre passivos no que diz respeito efetiva participao em sala e que o vem

    como algum que ir manifestar a verdade absoluta, sente-se com responsabilidade em

    satisfazer as expectativas de seus alunos promovendo uma educao tradicional,

    discursando um contedo que est, quase sempre, muito distante da compreenso de seu

    educando. Sem dvida, no entanto, esse educador que muitas vezes no teve a preparao

    especfica e adequada para trabalhar com esse educando, encontra dificuldades e depara

    com situaes que o fazem sentir-se to frustrado quanto seu aluno.

    Tendo em vista essa realidade da educao de jovens e adultos, ser posto em foco o relato de uma prtica educativa, seu comeo frustrante, seu desenvolvimento, as

    dificuldades encontradas at chegar a algumas pistas para essa educao, como por

    exemplo, o dilogo e o aproveitamento dos conhecimentos trazidos pelos alunos de suas

    experincias de vida.

    Esta prtica que ser relatada aconteceu em uma Universidade, no ano de 1992,

    em um projeto de educao de adultos promovido pela Faculdade de Educao dessa

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    Universidade. O objetivo desse projeto que acontecia aos sbados era a preparao aos exames supletivos, sendo procurado, quase sempre, por alunos em busca do estudo de

    disciplinas do ento primeiro e segundo graus para prestar os exames supletivos realizados

    pelos Estados de So Paulo ou de Minas Gerais (Poos de Caldas). Os professores eram alunos das vrias licenciaturas da Universidade, alguns

    voluntrios, outros tinham as horas que passavam ali validadas como estgio

    supervisionado. Eram preparados para trabalhar no projeto por meio de reunies, no entanto, foi diferente no caso que ser relatado a seguir. O professor de Histria que

    iniciaria o curso havia tido um problema e outro professor, a partir de agora chamado de

    professor H, foi convidado de ltima hora para substitu-lo, assim os alunos no ficariam

    sem aula no primeiro dia do curso.

    Um tanto quanto emocionado e ansioso com o convite, pois seria sua primeira

    experincia como educador, o professor H perguntou sobre o contedo de Histria exigido

    para o exame ao pessoal da administrao do projeto. Aps, dirigiu-se biblioteca e recolheu todos os livros disponveis sobre a pr-histria. Lugar e tempo que em sua viso se

    inicia a Histria da Humanidade. Estava convicto que prepararia a melhor aula possvel.

    Nem mesmo os alunos dos cursos de Histria, pensava, teriam uma aula to sofisticada.

    Com todos os livros que encontrou, trancou-se em sua torre de marfim e ali, s, preparou A

    Aula.

    Quando o professor H entrou em sala de aula, pareceu-lhe ter uma platia de

    Teatro Municipal o aguardando. Na verdade, para seu nervosismo tanto fazia; podia ter oito

    alunos ou oitenta que certamente veria uma multido e, o que pior, silenciosa, aguardando

    a sua voz, a voz da verdade. Havia preparado A Aula sobre a pr-histria e sentia que

    todos naquela sala, uma multido imaginria, muda e esttica esperava toda a verdade.

    Iniciou a aula dizendo bom dia e ouviu em unssono: Bom dia! Olhou para seu

    texto sobre a mesa e ele que se gabava de enxergar at o que no estava escrito, no

    enxergava nada que escrevera em seu texto. Na sala, a "multido" silenciosa aguardava a

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    palavra do professor. Olhou novamente para o texto e lembrou-se do ensaio que tinha

    praticado em casa para iniciar A Aula. Olhou para a sala e pronunciou:

    Iniciaremos o estudo de Histria pela pr-histria, do perodo mais atrasado no tempo e no desenvolvimento tecnolgico at o desenvolvimento das primeiras formas de civilizao.

    Pronunciou tudo isto, mas a voz no saiu ou, se saiu, foi to baixa que ele mesmo

    no pode ouvi-la, quanto mais seus alunos. No difcil imaginar a expresso em seus

    alunos vendo-o ali apenas mexendo os lbios e mudo. Olhou para o quadro negro para

    desviar a ateno, quem sabe se quando voltasse o olhar eles tivessem ido embora,

    desaparecido. Olhou para a classe e l estavam eles, todos mudos, mais de mil em sua

    imaginao aguardando algo acontecer. Deu um berro:

    A aula de hoje...

    Sentiu que os alunos ficaram aliviados, algo tinha acontecido e ento, deu a aula

    berrando. Berrava e berrava: o homem do paleoltico, o homem da pedra lascada, foram

    encontrados o Australopiteco... E os alunos mudos olhavam para ele, no entendiam nada,

    mas o admiravam. Ele era um professor com P maisculo, pois sabia muito, muito mesmo,

    um gnio. Exatamente como um gnio, um professor que sabe grego, por exemplo. Como

    possvel algum saber tanta coisa? Berrava a pr - histria e, l ia aos berros: o neoltico,

    a Idade dos metais, o Homem de cro-magnon....

    Em um determinado momento, uma das estagirias de pedagogia da administrao

    do projeto foi at a sua sala para saber por que ele estava gritando com os alunos. O professor H olhou-a e sem interromper a aula para no perder o fio da meada, continuou

    berrando a pr-histria. Felizmente, a estagiria percebera que ele no estava berrando

    com os alunos.

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    Aps hora e meia gritando a pr histria em um verdadeiro pronunciamento para

    uma multido muda e esttica tinha a impresso de que seus alunos iriam aplaudi-lo talvez

    at em p. Para os alunos, aquela aula era algo to distante como uma viagem a Marte. Eis

    que uma inesquecvel aluna corajosamente levanta a mo e, tambm mexendo com os lbios quase sem voz, faz uma pergunta sobre o fim da pr-histria. Eis a pergunta:

    Professor, em que lugar surgiu a escrita hitita?

    O professor H, que se sentia um professor com P maisculo, percorre o seu texto,

    seu pensamento, suas anotaes e nada encontra. No faz a menor idia do que a

    inesquecvel aluna estava falando. Dirigiu-se at a carteira em que estava a aluna

    esperando por uma resposta e disse:

    Isso no importante, afinal nomes so nomes, o que importa a

    histria no seu todo.

    Ela ento olhou com surpresa seu professor de apenas uma aula e disse:

    No importante, mas caiu em uma prova que eu fiz.

    O professor H jamais viu a moa novamente, essa seria sua aluna inesquecvel de apenas uma aula e uma nica questo, mas que o faria despencar de seu plpito e refletir

    sobre sua prtica.

    O professor tinha percebido que sua aula fora um fracasso, nada do que havia

    pronunciado aos berros fazia sentido para seus primeiros e pobres alunos, em que a nica

    pergunta que lhe fora feita no conseguira responder. Mesmo assim, sentiu que queria ser

    um professor. Na verdade, sentiu-se desafiado a encontrar o equilbrio entre o que queria

    ensinar e o que seria importante para seu aluno aprender. Queria ser um educador, algum

  • 11

    que, como aprendera em suas aulas de Filosofia da Educao, transformasse a vida do

    aluno, que fizesse despertar nele o senso crtico, o seu ser cidado, poltico.

    Mas, pensava o professor H consigo mesmo: como transformar aqueles alunos que

    ficaram calados por mais de uma hora, ouvindo algo sobre a pr-histria, sem nada

    entender? Refletiu: De que forma poderia transformar a vida do seu aluno, se ficara em uma

    torre de marfim para compor uma aula como se fosse um tratado cientfico sobre a pr-

    histria?

    Descobriu com suas reflexes que deveria preparar uma aula para eles os alunos

    e no para si, ou melhor, no para que ele, segundo seu julgamento, fosse o melhor professor do planeta. Fez ento, aquilo que deveria ter sido feito de incio: no lugar de

    trancar-se com livros de pr-histria, foi conversar com outros professores mais antigos e

    experientes do projeto. Tambm foi dialogar com os professores do curso de graduao que freqentava, sobretudo com o professor da disciplina Didtica, extremamente experiente no

    ensino de Histria.

    Foi o professor de Didtica que lhe disse aquilo que era bvio, mas que na tentativa

    de ser o melhor, o mais sbio de todos eles, o professor H havia esquecido:

    Aproxime o mximo suas aulas da realidade de seu aluno. Comece pela Histria do Brasil.

    Dialogando com outros educadores, percebeu que relacionar suas aulas de Histria

    com a realidade dos seus alunos era a maneira de faz-los compreender e participar da

    aula. Isso era algo que ele j sabia; ento, por que no o fizera? O professor H percebeu naquele momento que as coisas que se sabe na teoria nem

    sempre se consegue realizar na prtica. Havia um contedo pedido e exigido pelo exame

    que deveria, pelo menos em sua cabea, ser seguido. Havia a pr-histria no contedo

    programtico, a histria das civilizaes antigas, como a Egpcia e a Grega. Como fazer

    com que a realidade do aluno se aproximasse do Egito antigo? Essa era uma questo que o

  • 12

    intrigava e o incomodava. Iniciaria ento, as aulas pela Histria do Brasil, quando chegasse

    a hora de falar das civilizaes distantes e da pr-histria, pensaria em algo que pudesse

    aproximar-se da realidade de seus alunos.

    Preparou, ento, uma aula sobre Histria do Brasil. Para a sua tristeza, na aula

    seguinte mais da metade da sala havia se evadido, inclusive a moa que o questionou sobre

    a escrita hitita.

    O problema que ao no conseguir aprender, ao no entender o professor, ao no

    conseguir compreender o livro, o texto, tem certeza de que o culpado por essa no

    aprendizagem ele e ento, se evade. Esses que desaparecem dessa forma dificilmente

    voltaro a buscar a escola novamente.

    Aps a aula trocando idias com seus colegas sobre essa evaso, o professor H

    notou que essa no era uma dificuldade somente sua, era uma preocupao geral.

    Percebeu, que todos se sentiam desafiados por isso e que ningum, assim como ele,

    descansaria enquanto no transformasse essa realidade.

    O aluno jovem e adulto, algumas vezes com muitos anos de experincia de trabalho, extremamente politizado e partcipe das questes de sua comunidade, considera-se um

    incompetente na escola, pois, mudo na sala de aula nada entende sobre o tal do Paleoltico.

    Cabisbaixo, pensa que a escola no mesmo para ele; pois como j sabia era burro mesmo. No faz idia que aquele professor que o maravilhara por sua sabedoria lera e

    relera o livro sobre a pr-histria antes da aula. No percebeu ou talvez cego diante da aula,

    no ouviu que o professor nada sabia sobre a escrita hitita, j que esta no estava nos manuais que consultara.

    Fracasso, esse o sentimento que atinge esse aluno diante dessa situao, ou

    dessa presso sobre ele. Sentindo-se derrotado, muitas vezes, abandona novamente no

    somente a escola, mas o emprego antes mesmo de esgotado o tempo dado pela empresa a

    fim de que ele cumpra as exigncias de qualificao, por medo da humilhao de

    demonstrar aquilo que acredita ser seu fracasso. Ou, para aqueles que esto

    desempregados, resta a busca por sub-empregos que no exijam os tais certificados. Afinal

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    no preciso saber sobre a escrita hitita, que, nem mesmo o professor de Histria sabe. A

    grande maioria que desistiu se sentiu com certeza incapaz de aprender a pr-histria e,

    portanto, de concluir os estudos.

    Apesar de ter ouvido os educadores mais experientes e ter mudado sua prtica, o

    professor de nosso relato perceberia nas aulas seguintes que a educao de jovens e adultos se constri pouco a pouco, ao longo do tempo. O professor H, como veremos a

    seguir, teria um longo caminho a percorrer para aproximar-se de uma educao

    transformadora e participativa, aproveitando a experincia de vida e os conhecimentos

    prticos trazidos por seus alunos, pois educao uma construo. O interessante nesse

    depoimento entender que as transformaes vo acontecendo ao longo do tempo e que

    nunca se est pronto. Mas o primeiro grande passo a ser dado pelo educador perceber

    que a educao exige troca de idias, debates, dilogos; algo que se faz com e no

    trancado em uma torre de marfim, procurando preparar uma aula apenas discursiva e

    ancorada nos contedos. Para perseguir o sonho de ser um timo e importante educador

    para seus educandos preciso estar sempre disposto a construir a prtica educativa com o

    outro, sobretudo no dilogo, no debate, na troca de idias com o educando.

    Dialogar, debater, trocar idias com o aluno que aparentemente pode parecer

    evidente, no entanto, como veremos a seguir, no assim to bvio e simples.

    No projeto que o professor H participava, o sentimento de todos os envolvidos era unssono: precisava-se mudar a prtica. Parece que era uma concluso generalizada, pois

    havia espao para se refletir em torno das aulas que pareciam ser a principal causa da

    evaso.

    Ser um educador de adultos realmente transformador e que desperte o senso crtico,

    o cidado, o ser poltico nos alunos no to fcil na prtica como entender o que isso

    significa na teoria. Para mudar a prtica preciso algo que fundamental: ser crtico com as

    prprias aulas, estar disposto a transformar a prpria prtica pedaggica.

    Apesar da boa vontade de todos os participantes do projeto reconhecida at mesmo pelos alunos, a evaso era sempre muito grande, mesmo com o sentido de todos os

  • 14

    envolvidos em estar cada vez mais prximos da realidade de vida dos adultos, era o que

    atestava o professor H. Essa evaso ainda os incomodava sobremaneira. Os alunos que

    permaneciam no projeto, segundo o professor, tinham um imenso sentimento de gratido por todos e pelo trabalho. Nas suas aulas de Histria, agora do Brasil, aps alguns

    semestres ainda se sentia totalmente distante entre o sonho de ser um educador

    transformador e o professor que realmente era.

    Alguns alunos vinham felizes contar que uma ou duas questes de Histria que cara

    no exame supletivo, tinham visto com ele em sala. Mas o professor H ento se perguntava o

    que isso significava, duas questes em uma prova de Histria, diante daquilo que realmente

    importava que era o despertar da conscincia crtica, o debate sobre como transformar a

    realidade social, de faz-los lutar por suas causas?

    Em uma certa aula, ainda incomodado com sua prtica pedaggica e com o baixo

    resultado que sentia, no que suas aulas haviam provocado nos educandos, depois de fazer

    muitas relaes e de ouvir seus alunos sobre o perodo de colonizao do Brasil, resolveu

    fazer uma pergunta simples que havia comentado na aula vrias vezes. Eis a questo: Se

    os espanhis foram os primeiros povos a atravessarem o Oceano Atlntico e a colonizarem

    o novo mundo, por que foram os portugueses que colonizaram o Brasil? Colocou na lousa

    essa pergunta e pediu para os alunos copiarem e responderem por escrito. Depois de algum

    tempo, nada, silncio, canetas e lpis nos lbios, nada no caderno. Aps mais algum tempo,

    incomodado com aquela situao, perguntou se eles tinham entendido a questo e foi

    explicando-a passo a passo. Ento, um dos alunos corajosamente revelou-lhe o que acontecia.

    Professor, eu no sei o que o Oceano Atlntico. E os demais o apoiaram.

    Fora a gota dgua para ele perceber que algo de muito srio era preciso mudar nas

    suas aulas, pois ainda havia uma distncia imensa entre o professor dos contedos e

  • 15

    aquele educador transformador que queria ser. Essa era uma das ltimas aulas do perodo.

    O professor H refletiu sobre todo seu caminhar naquele semestre, tinha feito muitas

    mudanas e havia comeado a estudar a histria pela histria de vida do seu aluno, depois

    a histria da cidade, at chegar colonizao do Brasil pelos portugueses. Imaginava que

    assim estaria fazendo educao dialtica partindo da realidade de vida deles mediatizada

    com os contedos significativos e concludos com um conhecimento que era conhecimento

    renovado. No entanto, a dialtica acontecia apenas na sua imaginao.

    O fato de no responderem sobre o Atlntico no incomodara tanto o professor

    quanto perceber que ainda mantinha um monlogo, sobre o que achava ser importante na

    Histria para a realidade de seus alunos. No mantinha um dilogo com o educando para

    perceber qual era sua efetiva necessidade e, principalmente, seu conhecimento em relao

    aos contedos sistematizados. Nesse caso, a idia que tinha a priori era de que seu aluno

    tinha conhecimento sobre o Oceano Atlntico.

    Agora seu aluno ouvia atento um contedo que lhe era prximo, sobre a histria de

    sua cidade, sobre sua biografia tendo em vista a escravido ou a colonizao portuguesa ou

    ainda a imigrao italiana. At entendia a relao de sua descendncia portuguesa, italiana,

    africana, compreendia a sua migrao ou de sua famlia do Nordeste brasileiro, de Minas

    Gerais, do Paran, mas no seu dia a dia era uma outra histria que acontecia, uma outra

    colonizao que interessava, visto a deparar-se com a leitura de manuais em Ingls ou uma

    outra migrao: a dos bairros urbanos para as favelas nas periferias das cidades.

    No estar sozinho, esta foi a principal razo do professor H mudar cada vez mais.

    Vrias reunies e debates aconteciam aps o horrio das aulas entre professores e equipe

    pedaggica do projeto. Idias novas surgiam e iam tomando corpo. Ouvido atento e boa vontade era preciso, pois muitas idias novas estavam surgindo na prtica desenvolvida

    pelos professores e contribuies trazidas para as reunies pela equipe pedaggica. O

    professor H procurava acrescentar sua prtica as idias e aprendizados dos debates que

    aconteciam nas reunies pedaggicas para transform-la. Um exemplo disso tem a ver com

    a disposio fsica da sala de aula. Para que o seu aluno no fosse apenas um ouvinte e

  • 16

    participasse ativamente das aulas, dos dilogos, era necessrio mudar a disposio das

    cadeiras que enfileiradas eram mais apropriadas para ouvintes. Era preciso coloc-las em

    crculo, afinal esta era a forma em que aconteciam as reunies pedaggicas.

    O professor H tomou o cuidado, antes de transformar a sala de aula em um crculo,

    em ir acostumando os alunos com as mudanas na disposio da sala. Aps algumas aulas

    de preparao, promovendo trabalhos em grupos pequenos, depois em um pouco maiores,

    pediu, enfim, para seus alunos que o ajudasse a colocar as carteiras em crculo. Feito isso, alguns alunos sentaram-se frente da sala, no sem um certo desconforto, e os outros, os

    mais tmidos esconderam-se em um segundo crculo que se formava atrs do primeiro,

    mostrando que ainda havia dificuldades com essa nova disposio das carteiras. O

    professor ficou exatamente no lugar que estava habituado, ou seja, na frente da sala, de costas para a lousa. Era o centro das atenes, demonstrando que aquela mudana

    tambm o desnorteara.

    Com os alunos em um semi-crculo (ningum estava ao lado do professor) foi tentado um debate, mas a atitude silenciosa dos alunos incomodava o professor que, ento,

    respondia s questes por ele prprio formuladas. Os alunos, tambm incomodados com as

    perguntas e aliviados por no ter que respond-las, abaixavam a cabea, viravam para o

    lado, escreviam algo em seus cadernos.

    O resultado dessa experincia foi levado para a reunio pedaggica daquele dia.

    Primeiramente, ao propor uma atividade, por exemplo, debate, em que se espera contar

    com a participao de todos, fundamental que os envolvidos tenham antes o roteiro para

    poderem preparar sua participao e assim sentirem segurana. O outro aprendizado est

    relacionado ao silncio, que segundo Paulo Freire1 preciso que o professor saiba suportar

    o silncio que incomoda no s a ele mas tambm ao aluno.

    Para a aula seguinte preparou um pequeno texto roteiro sobre o assunto a ser

    debatido. Exps inicialmente o que seria proposto colocando na lousa os passos que seriam

    1 Palestra proferida por Paulo Freire no Simpsio do Pensamento Paulo Freire. Poos de Caldas, 09/1992.

  • 17

    seguidos. Dividiu os alunos em pequenos grupos que estudaram o texto e se prepararam

    para uma plenria final. Iniciaram o debate com a apresentao do relator de cada grupo

    das concluses a que chegou. Ainda assim o silncio se impunha. Era preciso suport-lo.

    Alguns progressos eram visveis, mas algumas limitaes foram notadas: a participao s

    vezes desmedida dos relatores, sobretudo quando o silncio afligia, o debate seguia uma

    direo para longe do assunto que interessava, muitas vezes despencando para opinies de

    senso comum. Questes que precisariam de muitas reunies, debates, experincias para

    serem equacionadas.

    Vrias transformaes iriam acontecer no projeto proveniente, dos debates e relatos de experincias estimulando a todos, conta professor H. O professor de Fsica levava os

    alunos para a avenida central da cidade a fim de estudar o movimento, o tempo ou a

    trajetria. O professor de Matemtica ensinava a partir do custo de vida, da inflao. O professor de Biologia trabalhava a partir de insetos, animais, plantas, drogas, chs. Em

    Qumica, estudavam as vrias misturas a partir da produo de bolos, pes etc... No era

    difcil perceber que os contedos dessas disciplinas estavam ganhando vida, saindo dos

    livros e indo s ruas, aos jornais, rondando a sala e a vida dos alunos cuja experincia comeava a fazer parte da aula.

    A professora de Qumica relatava nas reunies pedaggicas que foi inesquecvel

    quando uma aluna de setenta anos, que at ento fora sempre calada passara a ensinar e

    aprender Qumica com aquilo que mais gostava de fazer: bolos e pes.

    preciso dizer que todas as mudanas acontecidas ao longo do tempo foram importantes. Muito embora o professor H sentisse, que no era aquele professor freireano

    que gostaria de ser, da dialtica, do dilogo havia no entanto, em sala de aula, transformado

    muito a sua prtica e alguns resultados interessantes tinha o estudo. Seus alunos no o

    viam mais como um gnio a relatar fatos da pr-histria e nomes desconhecidos e ao se

    aproximar ao mximo da realidade de vida de seus educandos, conseguira com que

    participassem e se sentissem menos fracassados. Percebia que estava mais prximo de

    chegar ao dilogo transformador com seus alunos.

  • 18

    Quando os alunos o questionaram sobre o Oceano Atlntico, revelaram que com

    suas colocaes, seriam os norteadores fundamentais para a realizao da prtica

    educativa. Muito mais que constatar que suas aulas ainda eram um monlogo, o professor H

    percebeu que quem deve dar o norte para as aulas so os alunos e o dilogo efetivo, pois

    essa prtica tornou-se um instrumento valioso para conduzir o trabalho do educador de

    jovens e adultos. Percebera, ainda, que o senso comum era na verdade assunto de interesse comum e que ele, enquanto professor, deveria com os conhecimentos

    sistematizados, colaborar para que os alunos transformassem em senso crtico.

    Em uma das aulas, aps uma boa conversa sobre as diferenas entre a vida no

    campo e a vida na cidade, o professor H fez uma relao com a histria do surgimento do

    comrcio na Europa: o movimento que o comrcio provocava na pacata vida agrria dos

    Feudos. Estudou-se tambm a Reforma Protestante o que interessou em muito os alunos.

    Resolveu provoc-los dizendo que os levaria a conhecer um Burgo. Ficaram curiosos para

    que esse dia chegasse. Antes, no entanto era preciso prepar-los para tal. Pediu aos alunos

    que conheciam a vida no campo que a contassem aos outros. Aps, pediu para os alunos

    que eram comerciantes, por exemplo, feirantes, que contassem um pouco de suas vidas, de

    seu trabalho. E, obviamente, contou a eles o surgimento do Burgo, das feiras e das cidades.

    Fizeram algumas relaes entre os Feudos, os Burgos do final da Idade Mdia europia

    com a vida atual no Brasil.

    Finalmente, em um belo sbado de sol, l foram todos conhecer um Burgo: o

    mercado central e a praa da Catedral. Foram premiados com um teatro popular. Todos os

    alunos passavam constantemente por aquele lugar, alguns assistiam missa naquela igreja, mas poucos tinham notado sua construo imponente em meio praa e quo imponente

    deveriam ser as Igrejas Catlicas no centro dos Burgos para o miservel fiel da Idade Mdia.

    Como foi dito anteriormente, para ser um educador preciso que ele esteja disposto a ser crtico e a transformar a sua prtica educativa. Essas mudanas so um processo

    contnuo, pois educar vida e a vida transforma-se constantemente. Assim, cada educador

  • 19

    tem de pensar e re-pensar sua prtica educativa para que ela acompanhe a realidade social

    do educando. No h e no pode haver uma receita pronta e acabada para a educao de

    jovens e adultos. Se o norte para essa educao o dilogo efetivo com o educando, ento ele tem de acontecer aula a aula, sem isolamento.

    No projeto, as atitudes iniciadas pelos professores de Fsica, de Matemtica e de Biologia contaminaram a todos. Eram turmas voltando do Burgo, indo feira, outras com

    atividades em sala de aula preparando bolos, lendo e recortando jornais etc. As coordenadoras pedaggicas do projeto sentiram que o momento era nico para

    promover a integrao de todas as disciplinas e de todos os estudos. Muitas reunies

    aconteceram para formalizar essa integrao at chegar-se a uma idia: realizar oficinas

    com um tema gerador. Essa idia pareceu brilhante a todos, sobretudo ao professor H.

    Qual seria o tema gerador? Muitas idias foram propostas at que foi sugerido como

    tema Aquarela do Brasil de Ary Barroso. importante ressaltar que o tema seria debatido em todas as disciplinas durante as aulas. Os alunos e os professores foram divididos em

    seis turmas, uma para cada oficina; msica, expresso corporal, campo, artes plsticas,

    teatro, literatura e desenvolveriam essas atividades alternadamente at que todos (alunos e professores) tivessem passado por todas as oficinas. No final do semestre, realizou-se uma apresentao de todos os trabalhos, alunos e professores em conjunto e em assemblia fizeram uma avaliao das oficinas.

    O sentimento no grupo de educadores, aps essa assemblia de avaliao, que

    estavam no caminho certo. Perceberam que a evaso diminura, mas, sobretudo, que

    muitos alunos tmidos e calados nas salas de aula demonstraram uma participao bastante

    ativa nas oficinas e, principalmente, na assemblia. Na avaliao final do semestre algo

    comoveu a todos: uma aluna das mais caladas levantou a mo para manifestar-se, dizendo

    que as oficinas tinham feito com que ela enfrentasse as coisas mais de frente. Disse ainda

    que na oficina de campo, ao se deparar com uma Igreja Catlica, ela que era evanglica, no quisera entrar, j que o pastor e o marido a proibiam, mas que o professor de Histria

  • 20

    dissera-lhe que, naquele momento, a Igreja era um monumento histrico e que poderia entrar sem medo. Ela, ento, ao entrar na igreja, sentiu-se muito feliz, pois vencera o medo.

    Nessa avaliao outras manifestaes indicaram que realmente o caminho era esse,

    algumas avaliaes crticas embora contrrias realizao das oficinas eram feitas na

    assemblia pelos alunos, ou porque o tema era muito repetitivo (no final ningum queria mais ouvir falar da msica e do tema gerador, nem mesmo as professoras de Portugus que

    o propuseram), ou avanava no horrio das outras aulas e do ensino dos contedos que cairiam nas provas.

    Ver e ouvir aquelas crticas por parte dos alunos era algo que muito alegrava a todos,

    em especial ao professor H. Ora, para aquele professor que em sua primeira aula vira uma

    multido calada diante de sua aula sobre a pr-histria, e na aula seguinte alunos

    desistindo por sentirem-se incapazes de acompanh-la, agora, vendo-os criticando algo que

    ele achara brilhante, era realmente constatar que os alunos estavam se posicionando

    criticamente. E, no era esse o seu sonho enquanto educador? Ver seus alunos colocarem-

    se de forma crtica na sociedade.

    E foi a partir das crticas feitas s oficinas por todos os participantes do projeto, sobretudo os alunos, que essa idia se transformou. As oficinas deixaram de herana no

    projeto a integrao dos contedos com a realidade social, atravs do Tema Gerador. Ele deixaria de ser realizado por oficinas, para ser a ponte de ligao entre todas as disciplinas

    e delas com a realidade social. Assim, estudava-se um mesmo assunto surgido da realidade

    social, focado pelas vrias disciplinas, preservando-se as suas especificidades.

    Estabelecido o tema gerador para ser estudado em todas as disciplinas, o passo

    seguinte foi estudar esse tema fora da sala de aula. No se tratava mais de um professor

    diferente saindo s ruas com seus alunos, cada qual estudando algum aspecto de sua

    disciplina. Agora, todo um semestre era dedicado s disciplinas a focalizarem o mesmo

    assunto tendo o Estudo do Meio como pice da realizao desses estudos.

    No incio, o Estudo do Meio era uma sada para longe do lugar em que estava

    acontecendo as aulas. Assim saa-se de Campinas para ir ao Memorial da Amrica Latina,

  • 21

    em So Paulo, para estudar o tema Mercosul, ou ento ia-se Porto Feliz, pois o estudo era

    em torno das cidades histricas. Deslocava-se at a cidade de Arcadas, para visitar uma

    determinada fazenda e estudar a vegetao, o equilbrio ecolgico.

    Aps debates, reunies, afinal percebeu-se, segundo o professor H, que o Estudo do

    Meio poderia focalizar o lugar em que se estava estudando ou suas proximidades. Essa

    seria uma grande descoberta para alguns: a possibilidade de se fazer estudo do meio sem

    sair da escola. Podia-se trazer, a partir da realidade de cada um, o meio para dentro da sala

    de aula. Assim o tema gerador poderia ser sade pblica, por exemplo, os alunos trariam

    informaes em torno desse tema de suas experincias de vida para a aula. O professor

    poderia contribuir com conhecimentos sistematizados e especialistas no assunto poderiam

    ser convidados a fazer palestras. O estudo do meio poderia culminar com o estudo da sade

    pblica na escola e no seu entorno.

    preciso que o educador de jovens e adultos faa desabrochar prticas pedaggicas envolventes em sua aula que, se no eliminam a evaso, pelo menos, faa

    com que haja maior participao dos alunos nas aulas, nos estudos, nos debates. A sala de aula tem que ser o lugar privilegiado para o debate sobre as questes de interesse dos

    alunos ao mesmo tempo em que o educador coloca em pauta a aprendizagem dos

    contedos sistematizados.

    Foi com esse intuito que o professor H iniciou em uma de suas aulas um debate

    sobre Poltica, j que naquele ano haveria eleies municipais. Dissera aos alunos que estudariam o nascimento da poltica e seu desenvolvimento na histria. Antes, contudo,

    preparou um roteiro para ser trabalhado, organizou os alunos em crculo e perguntou quem

    gostava de Poltica. Para sua surpresa apenas um aluno a apreciava. Os outros no, nem

    mesmo os mais velhos, mesmo aqueles que tinham vivenciado graves crises polticas no

    Brasil: suicdio de Getlio Vargas e o golpe de 1964. A outra questo feita:

    Qual de vocs se lembra do candidato a vereador que votou nas eleies

    passadas?

  • 22

    Em um grupo de trinta alunos, apenas trs se lembraram. Um deles porque

    trabalhara para o vereador em questo, o outro, porque o vereador era filho de uma

    benzedeira conhecida do bairro e o terceiro, tinha uma participao poltica intensa. O

    professor H distribuiu um texto em que apresentava de forma simples a semelhana que h

    entre ser poltico e cidado, j que ningum se considerava poltico, mesmo o mais politizado deles, mas todos se consideravam cidados. Ensinou aos alunos que polticos

    para os gregos antigos eram todas aquelas pessoas que pertenciam a uma cidade (polis em grego) sentindo-se responsveis por ela, cuidariam, ento, dessa cidade, do mesmo modo ou at melhor que de suas prprias casas, de suas famlias.

    Aproveitou o momento para relatar a eles sobre o nascimento de uma forma de

    poltica, ou seja, de se cuidar de uma cidade que perdura (com diferenas) at os nossos dias: a democracia. Ensinou que foi na Grcia antiga, em Atenas, que surgiu essa maneira

    de se governar uma cidade com a participao de todos os polticos (cidado) ativamente na conduo dela. A Democracia ateniense surgira de uma grave crise econmica e social,

    isto no sculo VII antes de Cristo, que fez com que os tradicionais e poderosos governantes,

    os aristocratas rurais, enfrentassem problemas sendo confrontados pelo povo, e pelos

    comerciantes, que, descontentes com a crise e o sofrimento que passavam, alijaram-nos do poder. Foi ento, que legisladores, sbios atenienses que pertenciam ou tinham afinidades

    com os comerciantes, entre eles Slon e Clstenes, dividiram a cidade de Atenas em demos

    (parecida com bairros nas nossas cidades) para que ficasse mais fcil resolver os seus problemas e assim todos poderiam participar diretamente da sua conduo. Quando os

    problemas eram comuns a todas as demos, os polticos se reuniam na praa central da

    cidade para deliberar sobre o assunto. Em um certo momento da democracia ateniense, no

    podendo todos os cidados reunir-se ao mesmo tempo na praa central da cidade, para

    discutir, debater e deliberar sobre os problemas, os cidados que participariam passaram a

    ser escolhidos por sorteios, nas vrias demos (bairros) a que pertenciam. Os escolhidos deveriam ir a praa central de Atenas, ciente dos desejos e anseios dos cidados de sua Demo a fim de represent-los.

  • 23

    Mostrou a eles que uma das diferenas entre a democracia grega e a atual que os

    cidados (polticos) escolhidos por sorteio em sua comunidade, em Atenas, se dirigiam para a praa central da cidade e aps os debates sobre as questes a serem resolvidas, votavam

    eles mesmos, diretamente, com os braos estendidos sobre essas questes, enquanto nos

    nossos dias as questes a serem resolvidas so debatidas por representantes (vereadores, deputados, senadores, etc) escolhidos pelos cidados atravs do voto. Assim os polticos que escolhemos para vereador, por exemplo, nada mais so do que representantes dos

    cidados, da comunidade qual fazem parte.

    Com esse referencial o professor H iniciou, em uma de suas aulas, um debate sobre

    Poltica, escolhido como tema gerador tendo em vista as eleies municipais daquele ano.

    Segundo o professor H, os alunos ficaram intrigados e queriam saber o porqu dos

    representantes serem escolhidos por sorteio e no pelo voto. Foi-lhes dito que os

    legisladores atenienses, que criaram as leis da democracia, achavam que ao escolher por

    meio de sorteio aqueles que participariam dos debates e decises polticas na praa, no

    aconteceria de algum representante defender apenas os seus prprios interesses ou os

    interesses de seu grupo e no da sociedade. Nesse momento foram dados depoimentos

    dos alunos sobre como essa situao era comum no Brasil, os polticos defendem apenas

    seus prprios interesses e no os da populao. Ento, um depoimento foi marcante:

    Sabe, professor, disse o aluno, ns l no nosso bairro, votamos e elegemos um morador do nosso bairro, um menino muito conhecido, filho da benzedeira, que amiga de todos e nem nos importamos como ele nos representaria.

    E qual foi a atitude do vereador em defesa dos interesses do seu bairro e da sua cidade? perguntou o professor.

    Sabe, professor, a primeira coisa que ele fez quando ganhou a eleio, na verdade, foi mudar-se do bairro, saiu da casa da me e foi morar em um bairro melhor que o nosso, do outro lado da cidade. A atuao dele, ns nem sabemos, pois ele apareceu novamente l apenas este ano, pedindo para que votssemos nele mais uma vez.

  • 24

    Na aula seguinte o professor H falou da poltica enquanto participao do homem

    grego na conduo de sua cidade, fez nova explanao sobre o ser poltico e ser cidado. A

    sala estava em crculo e o professor H, na lousa, colocava as informaes sobre a

    democracia na Grcia e sua relao com os acontecimentos no Brasil democrtico de

    nossos dias para posterior debate. Em um dos momentos do debate, uma aluna que vivia

    em um assentamento de sem-terras, relatou:

    Se poltica participao da gente nas coisas do nosso bairro, ento, ns, l do assentamento, somos todos muito polticos, afinal temos que brigar por tudo.

    O professor H confirmou que fazer poltica assim mesmo. A aluna continuou...

    E olha que ns temos um representante l igual a esses de Atenas, afinal, ele est sempre na prefeitura brigando por todo mundo, para conseguir as coisas para ns e todos ns confiamos muito nele.

    A classe, aps esse relato, apresentou vrios casos de participao poltica dos

    moradores de um bairro que fizeram o motorista de um transporte coletivo parar o nibus

    em frente prefeitura, em sinal de protesto, para exigir mais transportes, relatado

    justamente pela aluna que antes havia apontado seu desprezo pela poltica. E assim, estudava-se histria por meio da poltica e poltica a partir da histria.

    Nesse mesmo sentido, um outro relato do professor H talvez possa servir de exemplo para

    essa ponte entre o contedo e a realidade, entre fatos distantes e a realidade do aluno na

    sala de aula. Quando essa turma citada anteriormente estudava o Imprio romano o assunto

    girava em torno do poder que tinham os imperadores. O professor H contou aos alunos

    sobre o imperador romano Calgula que nomeou para senador seu cavalo. Inicialmente

    todos acharam graa, mas no deixaram de ficar abismados com essa situao. Como

    algum podia escolher para senador um cavalo? No ficavam dvidas, por essas e outras

    razes debatidas em sala, para os alunos, que a democracia era forma de governo melhor

  • 25

    que a monarquia, o poder na mo de um s podia gerar as idias do imperador romano. O

    professor lembrou da ditadura militar no Brasil, que na verdade no era assim, como o

    imprio romano, mas que afinal tinha l suas semelhanas.

    Alguns lembraram ento que o ex-presidente Figueiredo dizia que preferia os cavalos

    ao povo e, ento, o debate passou a tratar sobre o perodo da ditadura militar no Brasil. Os

    mais velhos lembraram do golpe de 1964 e a confuso que se deu, contando isso para os

    ouvidos atentos e curiosos dos alunos mais jovens. A partir desse relato de experincia da prtica educativa em EJA possvel propor

    algumas pistas.

    importante ter como ponto de partida a pedagogia do dilogo. Uma educao que faa o aluno partcipe do processo e que no o leve a sentir-se oprimido, incompetente "uma

    educao [...] determinada atravs de uma prxis dialgica e problematizante, que reconhece que a libertao dos educandos s possvel pela sua prpria libertao, e que

    por isso procura mtodos que fazem dos educandos sujeitos de seu processo educacional. Schimied-Kowarzik (1983, p. 71) No se liberta os homens, alienando-os, doutrinando-os ou manipulando-os, mas a libertao autntica a humanizao em processo (FREIRE apud Schimied-Kowarzik, 1983, p. 71)". Assim, a EJA na perspectiva do Gepeja constitui-se a partir do dilogo entre os partcipes da educao, educandos e educadores, a fim de se

    construir os caminhos para a "educao formal", mas que faa sentido na vida e na

    realidade de todos.

    importante lembrar que os contedos sistematizados so fundamentais, pois so eles, a herana do desenvolvimento cultural da humanidade e, obviamente no se pode

    desprezar esses conhecimentos. A diferena est em como trabalhar sem dissoci-los da

    realidade, afinal esses conhecimentos contriburam historicamente para transform-la e

    compreend-la. Em outras palavras, o contedo estudado em sala de aula tem que fazer

    sentido para a vida do educando e no girar em torno de si mesmo, como algo autnomo

    sem ligaes ou relaes com a realidade.

  • 26

    E , justamente a sala de aula, o espao apropriado para o encontro de cidados em busca da apropriao de conhecimentos em que, a realidade social dos educandos, suas

    experincias de vida e seus conhecimentos faam parte dos estudos, da aula que, refletidos

    luz dos contedos historicamente produzidos pela humanidade, transformem o

    entendimento da realidade social, ao mesmo tempo em que possibilitem a aprendizagem de

    contedos significativos para todos. nesse espao, a sala de aula, que acontece a Educao de Jovens e Adultos, espao socializador e de dilogo entre todos os envolvidos

    no processo educativo.

    Mas, e os exames, concursos, provas que cobram do educando o conhecimento da

    escrita hitita? Esses exames no fazem parte de uma viso de educao que certamente

    ter que mudar?

    Referncia Bibliogrfica

    SCHMIED-KOWARZIK, Wolfdietrich. Pedagogia Dialtica. De Aristteles a Paulo Freire. Traduo Wolfgang Leo Maar. So Paulo: Brasiliense, 1983.

  • 27

    2. Avaliando um Caminho Contnuo e Transformador

    Maria Fernanda Perusso Turina

    O texto anterior pretende levar o leitor reflexo sobre o processo educativo em que

    a avaliao um tema especial, particularmente na Educao de Jovens e Adultos, por j terem muitos dos educandos passado por processos de avaliao classificatria e seletiva.

    Algumas questes significativas sobre esse tema sero abordadas nesse nosso dilogo.

    Na verdade, vive-se avaliando. Todas as nossas decises, preferncias ou escolhas

    refletem aquilo que subjetivamente avaliamos. Quando preferimos o azul ao amarelo, estamos selecionando dentre os vrios matizes que j temos classificados, a cor que mais gostamos. Por que gostamos do azul? A resposta pode estar alicerada em tantos outros

    porqus, porm objetivamente no conseguiramos responder. Faz parte da natureza humana fazer seleo, classificao e avaliao.

    Traos subjetivos tambm interferem em nossa avaliao de mundo: o modo de olhar, de falar1, a forma de se vestir, o tom de voz, a cor, a aparncia, o gnero etc.

    Entretanto, o ser humano, muitas vezes, consegue tirar as mais variadas concluses, nas

    suas impresses, naquilo que chamaremos de cultura, nossa cultura social.

    O professor tambm faz isto. Embora este seja um exerccio involuntrio, fazemos uma avaliao prvia de nossos alunos, mesmo antes de conhec-los. Talvez, por esse

    motivo, precisamos da avaliao escrita, que teoricamente seria um instrumento neutro,

    imparcial, entretanto, ao trmino de um perodo letivo, na maior parte das vezes, nossa

    avaliao a priori fica confirmada. Aquela seleo intuitiva revela-se em notas, conceitos,

    fortemente relacionados.

    Estudos da Psicologia poderiam elucidar vrias dessas questes, mas o fato que

    h muito se tenta mudar ou transformar nossa postura frente avaliao ou se preferirem,

    1 Mais sobre questes de linguagem conferir Bagno, Marcos em Preconceito Lingustico o que , como se faz,

    So Paulo Edies Loyola, 1999.

  • 28

    frente prova. Como tambm h muito escutamos que a escola elitista; que a escola

    exclui; e, provavelmente, por esta ou por outras razes os preceitos legais orientam para

    modificaes nesta rea.

    Na dcada de 70, comeam as primeiras tentativas. Quem j no ouviu uma expresso semelhante a esta: Repeti o ano por meio ponto!. Ento, substituram notas por

    conceitos: A, B, C, D, E, devidamente acompanhados de legendas. No adiantou muito, o

    professor continuou corrigindo a prova, utilizando-se de somas, divises, nmeros inteiros

    ou decimais e, aps uma verdadeira equao matemtica, transcrevia da legenda, o

    conceito correspondente. A idia era para que se abandonasse a nota, mas ela continuava

    ali. A idia era para que se modificassem posturas rgidas, que fatalmente determinavam a

    auto-estima de muitos, reforando aquilo que os tericos afirmavam: a escola elitista. Os

    alunos provenientes de extratos sociais mais baixos continuavam a no ter muita chance

    neste tipo de escola.

    Ao longo dessas ltimas dcadas, uma verdade pode ser constatada: tcnicos e

    dirigentes educacionais tentaram modificar a avaliao com base nas legislaes vigentes.

    E o professor? O professor tenta se adequar, j que dificilmente esse tema tratado nos cursos de licenciatura. Muitas vezes, o professor acaba repetindo um modelo aprendido ao

    longo de sua escolarizao.

    Talvez, o maior equvoco que sempre estamos a cometer seja o de considerar a avaliao apenas enquanto um instrumento e, em grande parte, um instrumento neutro a

    servio da homogeneizao. Sem perceber, ignoramos na prtica educativa aquilo que

    sabemos por vivncia ou observao: se a sociedade no homognea, a escola pouco

    pode fazer para proceder tal modificao, pois as condies dos alunos nem sempre so

    semelhantes, outros fatores tambm so preponderantes.

    E na Educao de Jovens e Adultos? Reduto de tanta diversidade social, cultural,

    financeira, etria...

  • 29

    Discutir avaliao para ns, como educadores, um grande desafio, pois, muitas

    vezes geram-se dvidas de como avaliar? Quando avaliar? Quem avaliar? Onde avaliar?

    Por que avaliar e, particularmente, o que avaliar?

    H muito, a avaliao tem sido considerada em seus aspectos examinatrios e

    punitivos. Pretendemos romper com avaliaes desta natureza, em que notas e provas so

    aplicadas no final do processo, de tipo classificatria, que enquadra o educando num

    determinado patamar, lembrando que esse tipo de avaliao contribui novamente para a

    excluso do jovem e do adulto da sala de aula, uma vez que, em algum momento de sua trajetria escolar ele j fora excludo do sistema.

    Para Hoffmann (1993, p. 74) Avaliar no medir (quantificar), avaliar dinamizar oportunidades de ao reflexo, a busca incessante de compreenso das dificuldades

    do aluno e dinamizao de oportunidades e construo de conhecimentos.

    As avaliaes quantitativas classificam os alunos por suas notas e mdias, que so

    muitas vezes prticas ameaadoras, autoritrias e seletivas. Ameaadoras, por

    sistematizarem o contedo do processo educativo a uma nica oportunidade de promoo

    ou reprovao. Autoritria porque considera o educador apto e o nico responsvel no

    processo de julgamento da aprendizagem do educando, ou seja, quais foram os contedos memorizados por eles. Enfim, seletiva por serem avaliaes em que quase sempre existem

    apenas duas possibilidades: a aprovao ou a reprovao.

    Ser por esse, e por tantos outros motivos, que pretendemos romper com o carter

    punitivo das avaliaes, com atribuies de notas, provas a serem aplicadas como produto

    final, entre outros.

    O que pretendemos, portanto, seria otimizar uma perspectiva avaliativa como

    mediao em que se oportuniza a reorganizao do saber num movimento dialgico em que

    educador e educando buscam coordenar seus pontos de vista, trocam idias e as

    reorganizam. Concebemos, assim, a avaliao desvinculada da verificao do que certo

    ou errado, encaminhando-a num sentido investigativo e reflexivo sobre as manifestaes do

  • 30

    educando, estabelecendo uma tomada de conscincia sobre seu processo de

    aprendizagem, sua compreenso.

    Neste movimento, cabe-nos compreender o processo de avaliao do ensino-

    aprendizagem como uma provocao em que os desafios superados so passveis de

    continuidade ou retomados em seu percurso de construo do conhecimento em que se

    priorize o entendimento e no a simples memorizao.

    O quadro a seguir foi adaptado das idias apresentadas por Hoffman (2001):

    Onde estamos Para onde vamos

    De uma avaliao a servio da classificao. avaliao a servio da aprendizagem e formao para a cidadania.

    De uma atitude de reproduo, alienao e cumprimento de ordens.

    mobilizao, inquietao e busca de sentido para a ao.

    Da realizao prognostica, somativa e resultados finais.

    Da realizao de acompanhamento permanente, de mediao, de interveno para melhoria da aprendizagem.

    Da viso centrada no professor e na fragmentao disciplinar.

    viso dialgica, de negociao entre os dois plos do processo (educando e educador).

    Do privilgio homogeneidade, classificao, competio.

    Ao respeito individualidade, confiana na capacidade do outro, interao.

    Romo (1998, p.55) descreve a contradio entre as intenes proclamadas e o processo efetivamente aplicado nas avaliaes. Educadores que proclamam realizar

    avaliaes dialgicas, mas acabam esbarrando em sistemas de promoo e a classificao

    dos alunos.

    O processo de avaliao na Educao de Jovens e Adultos dever ser construdo

    coletivamente, entre educando-educador, educandos-educandos e educadores-educadores,

    partindo das situaes dialgicas que envolvem a integrao em diferentes espaos.

    Comunicar-se por meio de dilogos diferente de emitir comunicados, visto que os

    dilogos fazem refletir sobre a concepo de mundo do outro, como pensou e construiu sua

  • 31

    aprendizagem, sempre num constante refazer de conhecimentos. Os dilogos podem

    propiciar situaes de conflitos, entre o eu e o outro; so passveis de avanos na

    construo de conhecimentos, mas, em nenhum momento, trazem a obrigatoriedade de um

    consenso entre os diferentes saberes.

    No haver avaliao dialgica sem a construo de prticas metodolgicas

    norteadoras que garantam a participao real dos alunos, envolvendo-os nas decises

    polticas, administrativas e pedaggicas do processo educativo. Em outras palavras, no se

    pode falar de avaliao enquanto processo de toda a prtica educativa se ela no for

    tambm um espao de participao de todos os envolvidos e o lugar da construo coletiva

    do ensino e da aprendizagem.

    Freire (1987, p.119) afirma que simplesmente, no posso pensar pelos outros nem para os outros, nem sem os outros. Igualmente Romo (1998, p.101) declara que [...] da mesma forma, no podemos avaliar pelos alunos, nem para os alunos, nem sem os alunos.

    Algumas etapas norteadoras identificadas por Romo (1998, p.102), no processo avaliativo, levando a uma reflexo problematizadora coletiva, para que retomem juntos o processo de aprendizagem:

    investigao da identidade sociocultural da comunidade escolar;

    os planos de cursos devero ser feitos coletivamente (roteiros de objetivos e procedimentos);

    periodicidade dos registros dos resultados de desempenho, auto-avaliao dos

    educandos, considerando o tempo de aprendizagem de cada um;

    a participao dos educandos no processo avaliativo de fundamental importncia.

    utilizando a escala de notas de zero a dez, ou qualquer outro tipo de conceito,

    estabelece-se patamares de aspectos quantitativos.

    verificando os objetivos definidos, tais como: conhecimento, compreenso, aplicao ... verificam-se os aspectos qualitativos.

  • 32

    a anlise dos resultados subentende uma discusso coletiva e no uma exposio dos

    erros cometidos. Isso servir de reviso do planejamento do trabalho previsto e executado at o momento.

    As prticas so propostas, com base nas definies dos temas-geradores escolhidos

    pelo grupo, nos levantamentos de materiais de estudo pesquisados durante o processo,

    culminando com o estudo do meio, tambm realizado com base nas decises e

    disponibilidades do coletivo.

    A avaliao dialgica que tambm diagnstica, se constitui em um instrumento

    auxiliar da aprendizagem, uma forma de entender, propor e realizar a auto-compreenso do

    educando e do educador.

    Alguns procedimentos avaliativos podero nortear a avaliao dos educandos e

    educadores na EJA:

    Avaliao diagnstica: avaliao pelo dilogo, conhecer cada aluno, sua realidade, sua

    vivncia, at mesmo suas limitaes em relao aos aspectos fsicos como: viso,

    audio, fala...

    Avaliao de interesses: no dilogo entre educador e educando surgiro temas de

    interesse de ambos, denominados temas geradores que orientaro os diferentes

    componentes curriculares.

    Avaliao norteadora: podero fazer parte da avaliao norteadora, trs etapas: a) as atividades desenvolvidas durante o processo ensino-aprendizagem, com base em temas

    geradores; b) o estudo do meio e a identificao na prtica do tema gerador; c) a auto-avaliao, em que o educando e o educador podero refletir sobre o processo, momento

    em que o educando pode fornecer pistas para o educador redimensionar seu trabalho.

    Ressalte-se que o processo avaliativo se d ao longo da trajetria ensino-aprendizagem, em que o aluno no o nico envolvido.

  • 33

    medida que os conhecimentos forem elaborados com base nos dilogos entre educandos, educadores e demais profissionais, constri-se uma discusso a partir dos

    resultados efetivos da aprendizagem e no uma discusso abstrata.

    O educador de jovens e adultos deve ser o coordenador de conversas, aquele que promove a troca de idias e aquele que contribui com contedos significativos de sua

    formao para o enriquecimento da viso da realidade dos educandos.

    As vivncias revelam a importncia da busca do conhecimento coletivo, partindo-se

    da realidade dos educandos, por isso os caminhos metodolgicos escolhidos pelos

    educadores vo nortear a avaliao. No se pode falar em avaliao dialgica, sem que

    antes o educando tenha vivenciado a prtica do dilogo.

    Freire (1987) nos ensina que a avaliao no deve ser bancria, fazendo do aluno um depositrio do saber. A avaliao deve ser o resultado global de uma prtica educativa

    dialgica, de conquista por parte de todos os envolvidos educadores-educandos, a partir das

    experincias promovidas durante a prtica educativa nos debates, nas discusses e nos

    dilogos.

    A escola para os jovens e adultos no pode ser o espao de presso e de excluso. em suas vidas, na busca de uma ltima tentativa de completar seus estudos. A avaliao, se

    feita da maneira tradicional, pode fazer com que aquele com mais dificuldade para aprender,

    para estudar, seja levado a abandonar os estudos, portanto, sendo excludo novamente.

    Referncias Bibliogrficas

    FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.

    HOFFMAN, Jussara. Avaliar para Promover. Porto Alegre, Mediao, 2001.

    _____________ Avaliao mediadora: uma prtica em construo da pr-escola

    Universidade. Porto Alegre, Educao & Realidade, 1993.

    ROMO, Jos Eustquio. Avaliao Dialgica: desafios e perspectivas. So Paulo, Cortez,

    1998.

  • 34

    II. APONTANDO CAMINHOS PARA A PRTICA NA EJA

    Sonia Giubilei Romildo Cssio Siloto

    O trabalho educacional com adultos apresenta uma diferenciao significativa

    daquele desenvolvido com a criana e adolescente, tomando por base o levantamento das

    circunstncias sociais e culturais da vida cotidiana desses adultos.

    Duas so as concepes que podem nortear o trabalho educacional com jovens e adultos. A primeira concepo, autoritria, distingue o ensinar do aprender como dois

    momentos nitidamente separados, determinando papis rgidos para o educador e o

    educando: o educador seria aquele que sabe e ensina o educando que no sabe, como no

    exemplo do professor H relatado anteriormente. A segunda concepo, participativa, o

    educador converte-se em educando que, por sua vez, transforma-se em educador do

    educador. O eixo desta tese indica o carter criador da ao de conhecer e, nesse sentido,

    a refleo um fator fundamental que procura estimular a curiosidade e desafiar a

    capacidade dos educandos na busca incessante para o conhecimento. Freire (2000a, p. 19) ensina-nos que

    aprender e ensinar fazem parte da existncia humana, histrica e social, como dela fazem parte a criao, a inveno, a linguagem, o amor, o dio, o espanto, o medo, o desejo, a atrao pelo risco, a f, a dvida, a curiosidade, a arte, a magia, a cincia, a tecnologia, e ensinar e aprender cortando todas estas atividades humanas.

    Falar em educao de adultos pela perspectiva freireana falar de participao

    cujo norte o construir junto, coletivamente, numa mesma direo. Esta linha de raciocnio leva os educadores a repensarem e reformularem as suas bases tericas e prticas,

    incentivando um envolvimento efetivo dos alunos, buscando desenvolver novos

    conhecimentos, distanciando-se do esquema apostilas, mdulos, livro didtico, livro do

    professor que, por tradio, programam, em detalhes, o que os professores devem ensinar,

    quando e como faz-lo.

  • 35

    Assim, parece pertinente clarificar o que se entende por participao e o desafio

    que esta faz s estruturas vigentes. Segundo Clad (1989, p. 62) participao [...] a ao ou conjunto de aes coletivas, acordada reflexivamente e orientada para a auto-gesto na soluo dos problemas e a satisfao das necessidades onde se instauram princpios de

    cooperao, solidariedade e ajudas mtuas. So duas as formas de participao: a primeira real e a segunda, aparente. A

    participao real ocorre quando os membros de uma instituio ou grupo exercem, por meio

    de suas aes, o poder em todos os processos da vida institucional e/ou grupal como, por

    exemplo, nas tomadas de deciso em diferentes nveis, tanto na poltica geral da instituio,

    quanto na determinao de metas, estratgias e alternativas especficas de ao e na

    instrumentao das decises e avaliao permanente do funcionamento no s da

    instituio como do grupo-classe. A participao aparente assume duas dimenses: a

    primeira ao se referir a aes pelas quais no se exerce, ou se exerce, em grau mnimo,

    uma influncia no funcionamento institucional e a segunda dimenso ocorre ao criar-se nos

    indivduos e grupos a iluso de exercer um poder inexistente. Nela distribuem-se

    informaes, recebem-se sugestes, mas o processo de tomada de deciso continua

    concentrado nas mos de poucos que selecionam as informaes.

    A participao real constitui um longo e difcil caminho de aprendizagens as quais

    modificam os modelos de relaes humanas e representaes sociais. Para superar os

    obstculos, a participao real demanda processos educativos que procuram o

    reconhecimento da participao como uma necessidade humana, bem como a modificao

    das prticas individualistas em favor da aprendizagem por meio das vivncias do cotidiano

    dos grupos de alunos jovens e adultos. Trata-se, portanto de ...uma educao em que a liberdade de criar para que seja vivel necessariamente tem de estimular a superao do medo da aventura responsvel, tem de ir mais alm do gosto medocre da repetio pela repetio, tem de tornar evidente aos educandos que errar no pecado mas um momento normal do processo gnosiolgico. (FREIRE, 2000b, p.100).

    De maneira geral, pode-se encontrar uma srie de componentes inibidores da

    participao real nos grupos educativos em instituies como, por exemplo, as escolas. O

  • 36

    primeiro dentre tais componentes seria a prevalncia de estilos consumistas de aes

    educativas, em detrimento de uma produo criativa e reflexiva; o segundo seria o baixo

    reconhecimento das necessidades, interesses e condies efetivas dos educandos jovens e adultos; o terceiro seria as dificuldades enfrentadas por grande parte dos educadores de

    adultos tendo em vista saber selecionar estratgias de ensino que venham a facilitar a

    insero do adulto em aes participativas no trato do conhecimento; o quarto o

    desconhecimento, que podem ter os educadores, de que o adulto , em verdade, um

    educando que traz para a sala de aula suas vivncias e experincias que devem ser

    reconhecidas e respeitadas.

    Esses fatores inibidores podem criar dificuldades na implementao de um

    processo participativo. Freqentemente, podem constatar-se conflitos derivados do choque

    de opinies, identificadores da insegurana que o novo carrega, ameaando a continuidade

    de um trabalho com professor e alunos em razo da carncia de um grau mnimo de

    conhecimento da proposta e do contedo das disciplinas, em se tratando de escola e sala

    de aula, por perceberem, tanto diretores quanto professores, o novo como um grande

    desafio na medida em que essa nova demanda necessariamente acarreta mudanas no s

    institucionais como grupais e individuais.

    Em uma administrao centralizada, as situaes de abertura participao, neste

    caso, so facilmente percebidas como uma conseqncia que o poder constitudo outorga e

    no como uma necessidade e direito de uma pessoa a ser partcipe das decises que

    afetam sua vida, particularmente as que digam respeito sua educao. Parece existir,

    cada vez mais, consenso entre os educadores que vm discutindo a importncia da

    participao na educao de adultos no Brasil na utilizao de estratgias que a ela melhor

    se adequem.

    O significado que tem o desenvolvimento de estratgias para a educao de jovens e adultos uma condio sine qua non para que a participao real efetivamente se instale

    na escola e, em especial, na sala de aula. Pela possibilidade que essa participao real traz,

    pode-se criar um clima de confiana em que o dilogo permeie o compreender, o saber

  • 37

    escutar e o saber estimular. No somente o professor que tem experincias a relatar. Os

    jovens e adultos tambm as tm e desejam muito repartir sua vivncia com o outro, com aqueles que sabem e esto dispostos a escutar. Quando este clima de confiana estiver

    instaurado, o educando dessa modalidade de ensino perceber que nem os colegas e muito

    menos o professor ficam impacientes com sua lentido na aprendizagem, que no lhe vo

    trazer danos e consegue perceber que todos esto no mesmo processo do caminhar

    coletivo, o que poder provocar maior rapidez na aprendizagem movida pela solidariedade o

    que impede a impacincia to comum em classes com educandos de menos idade.

    Nesta forma de aprendizagem participativa, as definies de termos podem no ser

    to precisas como as do dicionrio, porm oferece maior riqueza de informaes e se

    mostra mais til trazendo conseqncias imediatas para uma ao mais desenvolta.

    Um cuidado a tomar o de se considerar o adulto como um cooperador da escola

    por meio das aes auxiliares em festas, na qualidade de ouvinte acrtico de reunies,

    enfim, tomando-o como colaborador na mo-de-obra que nada mais representa do que a

    participao aparente. A viso generalizada que outro tipo de participao do adulto, no

    caso, seja impossvel, dada a sua considerada falta de capacidade e interesse. Assim, vo-se operando processos de reforo das representaes de uma cultura que toma o fracasso

    escolar como normal, e o xito como fato extraordinrio. Tambm se acredita que o adulto

    no aprende porque passou da idade e, portanto, deve-se deixar os velhinhos morrerem

    em paz, numa aluso fala do Professor Darci Ribeiro por ocasio do encerramento do

    Congresso Brasileiro desenvolvido pelo Grupo de Estudos e Trabalhos em Alfabetizao em

    1990.

    A participao aparente pode corporificar-se por meio de aes paternalistas,

    assistencialistas na resoluo dos problemas que impedem a percepo de solues pelo

    prprio grupo, alm da viso fantasiosa de um estado-benfeitor e no como um direito

    constitucional, que lhe deve esse mesmo estado ou, ento, como imagens de criao ou de

    reflexo, privilgio de uns poucos que podem levar tanto educador quanto educando

    supervalorizao da cultura acadmica, prpria de um nvel de educao formal a qual

  • 38

    tratada sob a forma exclusivamente expositiva, dissertativa, indo do superior ao

    subordinado, educao bancria na viso de Paulo Freire.

    Os professores, na linha de uma participao aparente, tendem a converter os

    meios em fins. A principal tenso criadora dos processos participativos est na implcita

    superioridade que do os professores ao saber tcnico, acadmico, sobre o saber do

    educando jovem e adulto, saber esse vivido, experienciado, calcado, portanto, na cotidianidade de sua existncia.

    O desafio para uma participao real grande, e muito mais em se tratando de

    uma educao para jovens e adultos cujo envolvimento ansiosamente esperado. Parece existir uma disposio dos administradores escolares e dos professores de adultos, que com

    eles trabalham, de assumirem aes educativas mais condizentes com os anseios dos que

    tentam voltar a estudar e encontrar nos estudos respostas para suas vrias indagaes. A

    participao real no se d do dia para a noite. um processo longo de avanos e retrocessos. Importa, todavia, reconhecer que o processo leva a um comprometimento

    efetivo de professores e alunos jovens e adultos, mesmo quando as estruturas institucionais no tenham se modificado conforme o esperado.

    Que caminhos para uma participao real tem o professor sua disposio, os

    quais melhor venham atender s peculiaridades do jovem e adulto em sua aprendizagem? A seguir so descritos alguns desses caminhos metodolgicos e um esquema

    representativo de como podem ser utilizados (Quadro 1), que no se excluem mas que se interpenetram.

  • 39

    Quadro 1 Representao esquemtica da utilizao de caminhos metodolgicos na Educao de Jovens e Adultos.

    O esquema demonstrado no Quadro 1 indica os caminhos metodolgicos possveis

    para a EJA (Experincia, Participao e Interdisciplinaridade) que permitem maior envolvimento de educadores e educandos com base em estratgias de aprendizagens

    direcionados a procedimentos metodolgicos representados pelo Tema Gerador, cuja culminncia o Estudo do Meio.

    O primeiro caminho refere-se ao ensinar e ao apreender com base na experincia. A

    adoo dessa sistemtica de trabalho permite que os educandos jovens e adultos tragam para a sala de aula o relato de momentos vividos, na qualidade de experincia, e nela o

    professor perspicaz conseguir identificar o contedo em uma das unidades do programa de

    sua disciplina. O resultado que a aula ser mais dinmica e profundamente instigadora

    para outros relatos que tenham similitude com o que deu incio ao depoimento.

    O segundo caminho j amplamente analisado e definido no incio deste texto a referente aprendizagem com base na participao. Feita a distino entre participao real

    e participao aparente, fica esclarecido que a primeira tende levar a um maior

    envolvimento dos participantes no processo educativo (educador e educandos jovens e

    Estudo do Meio

    Caminhos Metodolgicos

    Participao

    Interdisciplinaridade

    Experincia

    Estratgias

    de

    Aprendizagem

    Estudo em Grupo

    Biblioteca

    Elaborao de Texto

    Debate

    Seminrio

    Informtica

    Estudo Dirigido

    Pesquisa Bibliogrfica

    Procedimentos Metodolgicos

    Tema Gerador

  • 40

    adultos), tanto no que diz respeito ao direito quanto ao dever, ao passo que na segunda forma de participao a aparente , em sntese, participa-se mediante aes paternalistas,

    dificultando-se aes coletivas, tomando-se como certo: quem detm o conhecimento o

    professor que deve ensin-lo aos alunos.

    O terceiro caminho a aprendizagem com base na interdisciplinaridade que, em

    princpio, no nega as disciplinas, mas as pressupe, dando um passo mais alm, no

    caminho do no se encerrarem em si mesmas. Na interdisciplinaridade, vive-se ou exercita-

    se, fundada em uma atitude feita de curiosidade, de descobrimento com base na integrao

    dos contedos entre si.

    No caminho interdisciplinar no se nega as disciplinas mas garante-se as suas

    identidades, corroborando para que a integrao no curso das investigaes se estabelea

    nos procedimentos de ensino. O conhecimento especfico de cada disciplina (disciplinar) permite ao aluno identificar a particularidade de um determinado contedo e o conhecimento

    interdisciplinar permite-lhe fazer as relaes significativas entre os contedos. Em realidade

    um no existe sem o outro. Ambos se interpenetram, se completam, permitindo ampliar o

    horizonte do aluno.

    Que procedimentos metodolgicos podero os professores de EJA adotar a fim de

    levar o aluno a tomar contato com o complexo vivo, com um conjunto significativo da natureza e cultura? O primeiro seria o Tema Gerador, considerado [...] um meio atravs do qual podem ocorrer tanto a apropriao como a construo do conhecimento. (TORRES, 2002, p. 116). A raiz dessa atividade est no trabalho desenvolvido por Paulo Freire no nordeste brasileiro, na dcada de 60, em que se experienciou a utilizao de palavras

    geradoras na alfabetizao de adultos socialmente marginalizados. A base de sua proposta

    est situada em uma prxis libertadora, objetivando tornar os educandos cidados crticos e atuantes.

    Cabe aqui um esclarecimento do que se entende por Projeto e por Tema Gerador. Projeto uma propositura do que se pretende realizar e Tema Gerador, como o prprio nome diz um tema, assunto, que vai nortear o estudo durante um determinado tempo.

  • 41

    Enquanto documento ambos no se distanciam ou se excluem. Os dois tm propostas de

    ao. No entanto, se se tomar o caminho da concretizao h uma identificao mais ntida.

    Enquanto no Projeto existe uma proposta definida e pensada pelo professor ou conjunto de professores e executada pelos alunos, no Tema Gerador escolha conjunta, educador(es) e educandos, cuja responsabilidade de planejamento, execuo e avaliao ser de todos os envolvidos quer se trate do(s) educador(es) quer de seus educandos e, em hiptese alguma pensado em gabinetes.

    A seleo de um tema gerador s tem sentido para uma escola/classe determinada.

    O que identifica o tema gerador o interesse e a motivao que o tema desperta nos alunos

    para um estudo mais aprofundado dos diferentes assuntos/elementos que o compem.

    Pensar um tema gerador como sugesto a ser seguida por todo um sistema educacional,

    quer seja municipal quer estadual, pode acarretar uma srie de dificuldades, uma vez que, para muitos alunos-adultos, o tema proposto no coincide com seus interesses e

    motivaes, razo pela qual mais adequado que se identifiquem junto ao grupo/classe de jovens e adultos, temas cujos contedos lhes proporcionem a motivao necessria ao seu estudo e aprofundamento.

    O tema gerador traz como pr-requisito o envolvimento das disciplinas da

    turma/srie que, numa ao integrada, dialgica e participativa de professores e alunos da

    srie conseguem desenvolver um trabalho pedaggico, buscando estudar o tema em suas

    vrias dimenses e aprofundamento, alm de utilizar formas variadas de abordagem como:

    estudo em grupo, atividades individuais, debates, filmes, pesquisa na biblioteca, etc.

    A anlise para identificao de temas toma por base o levantamento de

    circunstncias sociais, culturais, polticas do cotidiano dos alunos que so a

    representatividade de suas experincias. Essa sistemtica subentende um trabalho de

    participao real e integrado de todos os professores da classe e/ou srie, uma vez que os

    temas indicaro o contedo curricular correspondente.

    uma forma diferenciada de abordagem dos contedos, uma vez que se baseiam em situaes de vida real, dos problemas e das preocupaes dos alunos (TORRES, 2002,

  • 42

    p. 114) tornando o todo atraente, motivador e estimulador do pensar e construir junto, com o outro

    A importncia do dilogo no estudo coletivo do tema gerador permite apontar para a

    autovalorizao e o ensino solidrio do jovem e adulto. Constata-se que os conhecimentos no so adquiridos unicamente pela voz do professor ou de um livro, mas, acima de tudo,

    pela prpria experincia que o educando traz para a sala de aula. Nela aprende-se,

    dividindo-se os saberes com os colegas e o professor. Em grupo, aprendem-se os temas e

    as mensagens que no se entendem nos livros. Na forma participativa concreta, todos os

    educandos opinam sobre a soluo mais efetiva, chegando a corrigir os prprios erros mais

    facilmente sem medo e ou vergonha de se expor.

    Para a contextualizao dos contedos exige-se dos educadores da EJA um

    esforo para estudar teorias e prticas educativas e desenvolver pesquisas que lhes daro o

    conhecimento da realidade que iro estudar/conhecer. Alm disso, a contextualizao dos

    contedos, sua seleo e organizao vo requerer um professorado que se aproprie dos

    conhecimentos e deles se inteire o mais diretamente possvel.

    Saliente-se que os contedos tal qual se apresentam nos livros didticos podem

    no ter a mesma seqncia em se tratando de tema gerador, mas eles estaro

    certamente, nessa abordagem, sendo contemplados no fim do estudo, quer seja no bimestre, quer no semestre.

    Um segundo procedimento seria o Estudo do Meio, atividade experienciada em

    diferentes situaes, por educadores no Estado de So Paulo a partir da dcada de 60 do

    sculo XX.1 Percurso natural do estudo do tema gerador o estudo do meio, ocasio em

    que os envolvidos no processo podero tomar contato in loco de como a natureza e a

    cultura se harmonizam. Este foi um recurso muito utilizado pelos professores dos ginsios

    vocacionais j indicados anteriormente.

    1 Experincia marcante que fundamentou seu trabalho tanto em tema gerador quanto em estudo do meio foi o

    vivido pelos Ginsios Vocacionais no perodo de 1962 a 1969 sob a Coordenao Geral da Prof Maria Nilde Mascellani.

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    Segundo Balzan (1974, p. 123) o Estudo do Meio , antes de mais nada, uma atividade no livresca. Inicia-se na prpria sala de aula, quando proposto e planejado a partir de um problema mais geral e termina tambm na sala de aula, quando os resultados

    so explorados em profundidade e avaliados.

    Essa forma de trabalho, muito mais que outras, exige um estudo prvio e profundo

    do assunto em sala de aula, demandando aula expositiva, pesquisa, discusso em grupo,

    plenrias, construo coletiva de textos e planejamento de cada etapa do estudo, etc., culminando com a ida ao meio selecionado e a correspondente avaliao de todo o

    processo.

    O estudo do meio no significa o deslocamento para outros lugares distantes da

    escola e ou cidade onde a instituio se localiza. Pode ser a prpria escola, a comunidade

    onde ela se encontra, os locais histricos da cidade, o setor econmico (fbrica, empresas), educacional, da sade etc. Subtemas podero servir de norte para o tema gerador e,

    conseqentemente, levariam culminncia do estudo do meio. Balzan (1974, p.116) diz que a comunidade sempre rica quanto s possibilidades que oferece para os