Livro-GEPEJA-2005-10-17
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ABRINDO DILOGOS NA EDUCAO DE JOVENS E ADULTOS
Equipe Adelazir Drago de Arajo Adriana Medeiros Farias Eliane Aparecida Torres
Lindalva M Pereira de Oliveira Maria Emlia Marques
Maria Fernanda Perusso Turina Paulo Romualdo Hernandes
Romildo Cssio Siloto Shirley Costa Ferrari
Silmara de Campos Sonia Giubilei (Coord.)
Teresa Cristina Loureiro Peluso Valria Aparecida Vieira Veles
GEPEJA/FE/UNICAMP 2005
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SUMRIO
Apresentao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 01
Prlogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 03
I. Contribuindo para a reflexo da EJA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 06 1. Iniciando a conversa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 06 2. Avaliando um caminho contnuo e transformador . . . . . . . . . . . . 27
II. Apontando caminhos para a prtica na EJA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
III. Currculo: continuando o dilogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
IV. Conversando com o educador da EJA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
V. Conhecendo o educando da EJA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
VI. Revisitando a histria da EJA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
Posfcio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121
Sobre os autores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124
Bibliografia Comentada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132
Participantes do Encontro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144
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APRESENTAO
Este livro prope-se oferecer a educadores que desenvolvem trabalho docente na
Educao de Jovens e Adultos (EJA), ensino mdio, nas instituies escolares pblicas do Estado de So Paulo, algumas reflexes sobre essa forma de educao especfica, desde a
conceituao da EJA e o seu correspondente processo avaliativo, passando pela
identificao do professor, do aluno jovem e adulto, pela especificidade de um currculo e por uma metodologia que melhor atenda, essa educao, culminando com o seu histrico.
Os autores so membros do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educao de Jovens
e Adultos (GEPEJA), da Faculdade de Educao da UNICAMP e do Projeto Educativo de Integrao Social (PEIS)1, cujo objetivo o atendimento a adultos desejosos de retornar aos estudos, mas que enfrentam uma srie de limitaes, dentre elas pode-se apontar as
condies de adaptao a uma escola presa ainda ao uso de lousa, livro didtico,
questionrio, exames terminais.
As situaes relatadas em alguns textos foram experienciadas pelos professores no
PEIS, o que d maior colorido aos relatos e favorece uma fundamentao terica s vrias
pesquisas, temas dos relatos. Importa salientar que todos, indistintamente, so educadores
que passaram pela experincia docente e/ou coordenao pedaggica na EJA, o que lhes
permite fazer afirmaes, apontar caminhos e demonstrar a esperana para novos rumos
______________________
1 Projeto de Extenso ligado Pr-Reitoria de Extenso e Assuntos Comunitrios da UNICAMP, que atende
adultos acima dos 18 anos, que desejam retornar aos estudos mas encontram obstculos para esse retorno desde o limitado nmero de vagas em classes de suplncia na Rede Pblica de Ensino at dificuldades nos estudos. As aulas so ministradas aos sbados nas dependncias da Escola Tcnica da UNICAMP.
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tendo em vista a teoria e a prtica na Educao de Jovens e Adultos, no Estado de So
Paulo e por que no no Brasil?
A equipe participou em So Paulo de um encontro nos dias 28, 29 e 30 de junho de 2005 com professores, diretores e especialistas com atividades em EJA que analisaram o
livro e apresentaram sugestes para sua melhoria (relao em anexo). A equipe alimenta o desejo de realizar encontros, nas diversas regies do Estado de
So Paulo, com professores do ensino mdio da EJA que tenham tido acesso a este livro,
com a finalidade de discutir as idias nele expressas, uma vez que a caminhada s se
efetiva no dilogo, aprendendo por meio dele e retomando-o a todo momento, quando se
fizer necessrio.
Sonia Giubilei
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PRLOGO
Quando o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educao de Jovens e Adultos
(GEPEJA) decidiu participar do processo seletivo para elaborao de material de estudos para Educao de Jovens e Adultos (EJA) Ensino Mdio, em parceria com a SEE/SENP/PROMED, vislumbrou que esta seria uma oportunidade para apresentar aos
professores da rede estadual, ensino mdio, as reflexes e estudos que vem desenvolvendo
nos ltimos anos.
O Grupo no apresenta aos colegas educadores frmulas ou receitas prontas a
serem seguidas, pois tem convico de no ser garantia, ao assim proceder, de que todas
as dvidas estaro resolvidas e o resultado assegurado. Quando muito seria um modelo
reproduzido, mesmo porque de conhecimento que cada escola possui sua realidade
peculiar. O aluno de EJA um universo a ser desvendado, a ser conquistado e a ser
apreendido.
Buscou-se o tom de conversa, de dilogo com voc, professor da rede estadual de
ensino, porque voc tem vivncia e experincia e, com certeza, j experimentou muitos caminhos visando a atingir seu aluno da melhor maneira possvel.
Por essa e demais razes, a proposta deste livro insere-se no ttulo: Abrindo
dilogos na Educao de Jovens e Adultos, cujo objetivo maior contribuir para a reflexo sobre a prtica educativa em EJA.
Iniciando a conversa pe o foco em algumas dificuldades, caractersticas dessa
modalidade de ensino. Relata o percurso vivido por um professor e as transformaes
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acontecidas ao longo do tempo na prtica pedaggica. Se acaso voc se identificar com
alguma das passagens descritas, sorria, voc no est sozinho.
Avaliando um caminho contnuo e transformador foi inserido logo no comeo do
livro, para que se reflita sobre o tema Avaliao, comumente considerada como a ltima
etapa da prtica educativa. A proposta aqui sugerida no sentido de se abandonar posturas
rgidas e de trazer luz do debate, os fenmenos da classificao e da incluso.
Alguns caminhos para a prtica na EJA. O texto discorre sobre os caminhos
metodolgicos que podem facilitar a aprendizagem do educando jovem e adulto. O primeiro refere-se ao ensinar e ao aprender com base na experincia. O segundo a aprendizagem
com base na participao, e o terceiro na interdisciplinaridade. Mostra que os caminhos
podem municiar-se por estratgias de ensino, culminando com os procedimentos
metodolgicos: Tema Gerador e Estudo do Meio, no fechando a referncia, mas abrindo
novos caminhos retomando o processo.
O texto Currculo: continuando o dilogo faz uma reflexo pertinente
organizao curricular, promovendo uma discusso sobre a concepo de currculo voltado
para EJA, ensino mdio, cuja construo fruto de um trabalho coletivo dos sujeitos envolvidos no processo.
Discute ainda, que no existe um modelo nico ou mesmo ideal de organizao
curricular, que possa ser aplicado em qualquer unidade de ensino, porm considera que
toda proposta pedaggica deve traduzir os interesses e as necessidades do grupo, estar em
constante mutao, passando sempre que for necessrio, por revises e reformulaes,
tendo o dilogo como pressuposto.
Conversando com o Educador da EJA centra a ateno sobre a pertinncia da
reflexo na prtica educativa especfica dos que atuam na Educao de Jovens e Adultos.
Trata-se de focar dois eixos, conseqentemente imbricados, inerentes ao processo
formativo inicial e permanente dos educadores. O primeiro eixo refere-se construo de
saberes, mediados pela indagao, pesquisa e reflexo sobre a ao pedaggica
desenvolvida pelo educador no seu espao de organizao do trabalho docente. O segundo
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eixo instiga o educador ao debate sobre sua condio de pesquisador como elemento
importante para a identificao de pistas que possam contribuir para uma prtica educativa
de qualidade.
No texto Conhecendo o Educando da EJA, pretende-se discutir o educando da
EJA enquanto sujeito scio, histrico, poltico e psicolgico diferenciando o jovem e o adulto em suas especificidades, necessidades e expectativas. Reflete sobre a insero do jovem e oferece caminhos para o trato com essa faixa etria.
O texto tambm discute o papel da escola, enquanto locus de acolhimento das
necessidades afetivas, motoras, sociais e cognitivas do jovem e do adulto. Por fim, Revisitando a Histria da Educao de Jovens e Adultos pontua alguns
dos condicionantes econmicos, polticos e sociais que determinaram o contexto da EJA no
Brasil, com especial referncia, quanto a sua trajetria, no estado de So Paulo. Aponta para as proposies e aes decorrentes da LF 5692/71 e LDBEN 9394/96, devido ao
impulso que a EJA recebeu nas ltimas dcadas do sc. XX e incio do sc. XXI.
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I. CONTRIBUINDO PARA A REFLEXO DA EJA
1. Iniciando a conversa
Paulo Romualdo Hernandes
O Brasil democrtico dos nossos dias busca inserir-se na nova ordem econmica,
poltica e social mundial, no universo globalizado e atrair para seu presente e futuro, com
toda a rapidez, o intenso desenvolvimento cientfico de que tem sido, de uma certa forma,
excludo por longo tempo. No h dvida que a escola um caminho para a incluso nesse
universo de conhecimento sistematizado.
Ao tentar incluir-se nessa nova ordem econmica mundial globalizada e promover o
desenvolvimento, os governos democrticos brasileiros tm se deparado com muitas
dificuldades. Uma delas e talvez a mais preocupante justamente o baixo nvel de escolarizao do brasileiro. H um grande contingente dos que no tm escolarizao
mnima, nmero que aumenta em nveis superlativos no que diz respeito educao bsica
incompleta.
Nesse sentido, surgiram grandes dificuldades para os jovens e adultos que por um motivo ou outro no puderam iniciar ou completar os estudos em todos os nveis. Por todos
os lados enfrentam a dificuldade de no terem os conhecimentos formais proporcionados
pela escola, no seu dia a dia, no trabalho, na difcil leitura e interpretao das novas
exigncias de sinais, de signos, enfim as complexas formas de comunicao em suas
modernas linguagens. De uma hora para outra se viram obrigados a sair em busca de
escolarizao para poder ser includo nesse universo.
Afastados por um longo tempo dos bancos escolares quando mais velhos, ou ento
os jovens que enfrentaram muitas dificuldades de compreenso do que seja uma escola, uma sala de aula, voltam agora, tmidos e amedrontados pelo que iro se defrontar.
Esperam encontrar, no seu retorno, a escola tradicional com o professor discursando
frente da sala e ele, de preferncia, calado e escondido atrs da carteira, dos seus colegas,
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no querendo ser importunado s lhe interessando muitas vezes, no final de tudo, o
certificado objetivo quase sempre nico de seu retorno escola. A realidade desses alunos ter sobrevivido sem precisar da escola at aquele
momento. Quando so forados a voltar a estudar tm muitas dificuldades de entender as
explicaes do professor, o qu os livros contm e o qu do contedo que esto
aprendendo, ou tentando compreender, est associado a sua experincia de vida. Um
exemplo simples o estudo da Matemtica que no tem relao com seu cotidiano.
Nesse difcil quadro, jovens e adultos que por presso social e econmica voltam a estudar, se vem quase sempre frustrados nesse retorno sem compreender ao certo o que
fazer em uma sala de aula. Medrosos daquela escola que abandonaram ou da qual foram
expulsos, temem, por serem mais velhos, no conseguirem acompanhar os estudos. O que
encontram nessa volta? Uma escola que no entendem e aulas que no lhes fazem o
menor sentido.
Por outro lado, o educador de jovens e adultos ao se deparar com esses alunos quase sempre passivos no que diz respeito efetiva participao em sala e que o vem
como algum que ir manifestar a verdade absoluta, sente-se com responsabilidade em
satisfazer as expectativas de seus alunos promovendo uma educao tradicional,
discursando um contedo que est, quase sempre, muito distante da compreenso de seu
educando. Sem dvida, no entanto, esse educador que muitas vezes no teve a preparao
especfica e adequada para trabalhar com esse educando, encontra dificuldades e depara
com situaes que o fazem sentir-se to frustrado quanto seu aluno.
Tendo em vista essa realidade da educao de jovens e adultos, ser posto em foco o relato de uma prtica educativa, seu comeo frustrante, seu desenvolvimento, as
dificuldades encontradas at chegar a algumas pistas para essa educao, como por
exemplo, o dilogo e o aproveitamento dos conhecimentos trazidos pelos alunos de suas
experincias de vida.
Esta prtica que ser relatada aconteceu em uma Universidade, no ano de 1992,
em um projeto de educao de adultos promovido pela Faculdade de Educao dessa
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Universidade. O objetivo desse projeto que acontecia aos sbados era a preparao aos exames supletivos, sendo procurado, quase sempre, por alunos em busca do estudo de
disciplinas do ento primeiro e segundo graus para prestar os exames supletivos realizados
pelos Estados de So Paulo ou de Minas Gerais (Poos de Caldas). Os professores eram alunos das vrias licenciaturas da Universidade, alguns
voluntrios, outros tinham as horas que passavam ali validadas como estgio
supervisionado. Eram preparados para trabalhar no projeto por meio de reunies, no entanto, foi diferente no caso que ser relatado a seguir. O professor de Histria que
iniciaria o curso havia tido um problema e outro professor, a partir de agora chamado de
professor H, foi convidado de ltima hora para substitu-lo, assim os alunos no ficariam
sem aula no primeiro dia do curso.
Um tanto quanto emocionado e ansioso com o convite, pois seria sua primeira
experincia como educador, o professor H perguntou sobre o contedo de Histria exigido
para o exame ao pessoal da administrao do projeto. Aps, dirigiu-se biblioteca e recolheu todos os livros disponveis sobre a pr-histria. Lugar e tempo que em sua viso se
inicia a Histria da Humanidade. Estava convicto que prepararia a melhor aula possvel.
Nem mesmo os alunos dos cursos de Histria, pensava, teriam uma aula to sofisticada.
Com todos os livros que encontrou, trancou-se em sua torre de marfim e ali, s, preparou A
Aula.
Quando o professor H entrou em sala de aula, pareceu-lhe ter uma platia de
Teatro Municipal o aguardando. Na verdade, para seu nervosismo tanto fazia; podia ter oito
alunos ou oitenta que certamente veria uma multido e, o que pior, silenciosa, aguardando
a sua voz, a voz da verdade. Havia preparado A Aula sobre a pr-histria e sentia que
todos naquela sala, uma multido imaginria, muda e esttica esperava toda a verdade.
Iniciou a aula dizendo bom dia e ouviu em unssono: Bom dia! Olhou para seu
texto sobre a mesa e ele que se gabava de enxergar at o que no estava escrito, no
enxergava nada que escrevera em seu texto. Na sala, a "multido" silenciosa aguardava a
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palavra do professor. Olhou novamente para o texto e lembrou-se do ensaio que tinha
praticado em casa para iniciar A Aula. Olhou para a sala e pronunciou:
Iniciaremos o estudo de Histria pela pr-histria, do perodo mais atrasado no tempo e no desenvolvimento tecnolgico at o desenvolvimento das primeiras formas de civilizao.
Pronunciou tudo isto, mas a voz no saiu ou, se saiu, foi to baixa que ele mesmo
no pode ouvi-la, quanto mais seus alunos. No difcil imaginar a expresso em seus
alunos vendo-o ali apenas mexendo os lbios e mudo. Olhou para o quadro negro para
desviar a ateno, quem sabe se quando voltasse o olhar eles tivessem ido embora,
desaparecido. Olhou para a classe e l estavam eles, todos mudos, mais de mil em sua
imaginao aguardando algo acontecer. Deu um berro:
A aula de hoje...
Sentiu que os alunos ficaram aliviados, algo tinha acontecido e ento, deu a aula
berrando. Berrava e berrava: o homem do paleoltico, o homem da pedra lascada, foram
encontrados o Australopiteco... E os alunos mudos olhavam para ele, no entendiam nada,
mas o admiravam. Ele era um professor com P maisculo, pois sabia muito, muito mesmo,
um gnio. Exatamente como um gnio, um professor que sabe grego, por exemplo. Como
possvel algum saber tanta coisa? Berrava a pr - histria e, l ia aos berros: o neoltico,
a Idade dos metais, o Homem de cro-magnon....
Em um determinado momento, uma das estagirias de pedagogia da administrao
do projeto foi at a sua sala para saber por que ele estava gritando com os alunos. O professor H olhou-a e sem interromper a aula para no perder o fio da meada, continuou
berrando a pr-histria. Felizmente, a estagiria percebera que ele no estava berrando
com os alunos.
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Aps hora e meia gritando a pr histria em um verdadeiro pronunciamento para
uma multido muda e esttica tinha a impresso de que seus alunos iriam aplaudi-lo talvez
at em p. Para os alunos, aquela aula era algo to distante como uma viagem a Marte. Eis
que uma inesquecvel aluna corajosamente levanta a mo e, tambm mexendo com os lbios quase sem voz, faz uma pergunta sobre o fim da pr-histria. Eis a pergunta:
Professor, em que lugar surgiu a escrita hitita?
O professor H, que se sentia um professor com P maisculo, percorre o seu texto,
seu pensamento, suas anotaes e nada encontra. No faz a menor idia do que a
inesquecvel aluna estava falando. Dirigiu-se at a carteira em que estava a aluna
esperando por uma resposta e disse:
Isso no importante, afinal nomes so nomes, o que importa a
histria no seu todo.
Ela ento olhou com surpresa seu professor de apenas uma aula e disse:
No importante, mas caiu em uma prova que eu fiz.
O professor H jamais viu a moa novamente, essa seria sua aluna inesquecvel de apenas uma aula e uma nica questo, mas que o faria despencar de seu plpito e refletir
sobre sua prtica.
O professor tinha percebido que sua aula fora um fracasso, nada do que havia
pronunciado aos berros fazia sentido para seus primeiros e pobres alunos, em que a nica
pergunta que lhe fora feita no conseguira responder. Mesmo assim, sentiu que queria ser
um professor. Na verdade, sentiu-se desafiado a encontrar o equilbrio entre o que queria
ensinar e o que seria importante para seu aluno aprender. Queria ser um educador, algum
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que, como aprendera em suas aulas de Filosofia da Educao, transformasse a vida do
aluno, que fizesse despertar nele o senso crtico, o seu ser cidado, poltico.
Mas, pensava o professor H consigo mesmo: como transformar aqueles alunos que
ficaram calados por mais de uma hora, ouvindo algo sobre a pr-histria, sem nada
entender? Refletiu: De que forma poderia transformar a vida do seu aluno, se ficara em uma
torre de marfim para compor uma aula como se fosse um tratado cientfico sobre a pr-
histria?
Descobriu com suas reflexes que deveria preparar uma aula para eles os alunos
e no para si, ou melhor, no para que ele, segundo seu julgamento, fosse o melhor professor do planeta. Fez ento, aquilo que deveria ter sido feito de incio: no lugar de
trancar-se com livros de pr-histria, foi conversar com outros professores mais antigos e
experientes do projeto. Tambm foi dialogar com os professores do curso de graduao que freqentava, sobretudo com o professor da disciplina Didtica, extremamente experiente no
ensino de Histria.
Foi o professor de Didtica que lhe disse aquilo que era bvio, mas que na tentativa
de ser o melhor, o mais sbio de todos eles, o professor H havia esquecido:
Aproxime o mximo suas aulas da realidade de seu aluno. Comece pela Histria do Brasil.
Dialogando com outros educadores, percebeu que relacionar suas aulas de Histria
com a realidade dos seus alunos era a maneira de faz-los compreender e participar da
aula. Isso era algo que ele j sabia; ento, por que no o fizera? O professor H percebeu naquele momento que as coisas que se sabe na teoria nem
sempre se consegue realizar na prtica. Havia um contedo pedido e exigido pelo exame
que deveria, pelo menos em sua cabea, ser seguido. Havia a pr-histria no contedo
programtico, a histria das civilizaes antigas, como a Egpcia e a Grega. Como fazer
com que a realidade do aluno se aproximasse do Egito antigo? Essa era uma questo que o
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intrigava e o incomodava. Iniciaria ento, as aulas pela Histria do Brasil, quando chegasse
a hora de falar das civilizaes distantes e da pr-histria, pensaria em algo que pudesse
aproximar-se da realidade de seus alunos.
Preparou, ento, uma aula sobre Histria do Brasil. Para a sua tristeza, na aula
seguinte mais da metade da sala havia se evadido, inclusive a moa que o questionou sobre
a escrita hitita.
O problema que ao no conseguir aprender, ao no entender o professor, ao no
conseguir compreender o livro, o texto, tem certeza de que o culpado por essa no
aprendizagem ele e ento, se evade. Esses que desaparecem dessa forma dificilmente
voltaro a buscar a escola novamente.
Aps a aula trocando idias com seus colegas sobre essa evaso, o professor H
notou que essa no era uma dificuldade somente sua, era uma preocupao geral.
Percebeu, que todos se sentiam desafiados por isso e que ningum, assim como ele,
descansaria enquanto no transformasse essa realidade.
O aluno jovem e adulto, algumas vezes com muitos anos de experincia de trabalho, extremamente politizado e partcipe das questes de sua comunidade, considera-se um
incompetente na escola, pois, mudo na sala de aula nada entende sobre o tal do Paleoltico.
Cabisbaixo, pensa que a escola no mesmo para ele; pois como j sabia era burro mesmo. No faz idia que aquele professor que o maravilhara por sua sabedoria lera e
relera o livro sobre a pr-histria antes da aula. No percebeu ou talvez cego diante da aula,
no ouviu que o professor nada sabia sobre a escrita hitita, j que esta no estava nos manuais que consultara.
Fracasso, esse o sentimento que atinge esse aluno diante dessa situao, ou
dessa presso sobre ele. Sentindo-se derrotado, muitas vezes, abandona novamente no
somente a escola, mas o emprego antes mesmo de esgotado o tempo dado pela empresa a
fim de que ele cumpra as exigncias de qualificao, por medo da humilhao de
demonstrar aquilo que acredita ser seu fracasso. Ou, para aqueles que esto
desempregados, resta a busca por sub-empregos que no exijam os tais certificados. Afinal
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no preciso saber sobre a escrita hitita, que, nem mesmo o professor de Histria sabe. A
grande maioria que desistiu se sentiu com certeza incapaz de aprender a pr-histria e,
portanto, de concluir os estudos.
Apesar de ter ouvido os educadores mais experientes e ter mudado sua prtica, o
professor de nosso relato perceberia nas aulas seguintes que a educao de jovens e adultos se constri pouco a pouco, ao longo do tempo. O professor H, como veremos a
seguir, teria um longo caminho a percorrer para aproximar-se de uma educao
transformadora e participativa, aproveitando a experincia de vida e os conhecimentos
prticos trazidos por seus alunos, pois educao uma construo. O interessante nesse
depoimento entender que as transformaes vo acontecendo ao longo do tempo e que
nunca se est pronto. Mas o primeiro grande passo a ser dado pelo educador perceber
que a educao exige troca de idias, debates, dilogos; algo que se faz com e no
trancado em uma torre de marfim, procurando preparar uma aula apenas discursiva e
ancorada nos contedos. Para perseguir o sonho de ser um timo e importante educador
para seus educandos preciso estar sempre disposto a construir a prtica educativa com o
outro, sobretudo no dilogo, no debate, na troca de idias com o educando.
Dialogar, debater, trocar idias com o aluno que aparentemente pode parecer
evidente, no entanto, como veremos a seguir, no assim to bvio e simples.
No projeto que o professor H participava, o sentimento de todos os envolvidos era unssono: precisava-se mudar a prtica. Parece que era uma concluso generalizada, pois
havia espao para se refletir em torno das aulas que pareciam ser a principal causa da
evaso.
Ser um educador de adultos realmente transformador e que desperte o senso crtico,
o cidado, o ser poltico nos alunos no to fcil na prtica como entender o que isso
significa na teoria. Para mudar a prtica preciso algo que fundamental: ser crtico com as
prprias aulas, estar disposto a transformar a prpria prtica pedaggica.
Apesar da boa vontade de todos os participantes do projeto reconhecida at mesmo pelos alunos, a evaso era sempre muito grande, mesmo com o sentido de todos os
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envolvidos em estar cada vez mais prximos da realidade de vida dos adultos, era o que
atestava o professor H. Essa evaso ainda os incomodava sobremaneira. Os alunos que
permaneciam no projeto, segundo o professor, tinham um imenso sentimento de gratido por todos e pelo trabalho. Nas suas aulas de Histria, agora do Brasil, aps alguns
semestres ainda se sentia totalmente distante entre o sonho de ser um educador
transformador e o professor que realmente era.
Alguns alunos vinham felizes contar que uma ou duas questes de Histria que cara
no exame supletivo, tinham visto com ele em sala. Mas o professor H ento se perguntava o
que isso significava, duas questes em uma prova de Histria, diante daquilo que realmente
importava que era o despertar da conscincia crtica, o debate sobre como transformar a
realidade social, de faz-los lutar por suas causas?
Em uma certa aula, ainda incomodado com sua prtica pedaggica e com o baixo
resultado que sentia, no que suas aulas haviam provocado nos educandos, depois de fazer
muitas relaes e de ouvir seus alunos sobre o perodo de colonizao do Brasil, resolveu
fazer uma pergunta simples que havia comentado na aula vrias vezes. Eis a questo: Se
os espanhis foram os primeiros povos a atravessarem o Oceano Atlntico e a colonizarem
o novo mundo, por que foram os portugueses que colonizaram o Brasil? Colocou na lousa
essa pergunta e pediu para os alunos copiarem e responderem por escrito. Depois de algum
tempo, nada, silncio, canetas e lpis nos lbios, nada no caderno. Aps mais algum tempo,
incomodado com aquela situao, perguntou se eles tinham entendido a questo e foi
explicando-a passo a passo. Ento, um dos alunos corajosamente revelou-lhe o que acontecia.
Professor, eu no sei o que o Oceano Atlntico. E os demais o apoiaram.
Fora a gota dgua para ele perceber que algo de muito srio era preciso mudar nas
suas aulas, pois ainda havia uma distncia imensa entre o professor dos contedos e
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aquele educador transformador que queria ser. Essa era uma das ltimas aulas do perodo.
O professor H refletiu sobre todo seu caminhar naquele semestre, tinha feito muitas
mudanas e havia comeado a estudar a histria pela histria de vida do seu aluno, depois
a histria da cidade, at chegar colonizao do Brasil pelos portugueses. Imaginava que
assim estaria fazendo educao dialtica partindo da realidade de vida deles mediatizada
com os contedos significativos e concludos com um conhecimento que era conhecimento
renovado. No entanto, a dialtica acontecia apenas na sua imaginao.
O fato de no responderem sobre o Atlntico no incomodara tanto o professor
quanto perceber que ainda mantinha um monlogo, sobre o que achava ser importante na
Histria para a realidade de seus alunos. No mantinha um dilogo com o educando para
perceber qual era sua efetiva necessidade e, principalmente, seu conhecimento em relao
aos contedos sistematizados. Nesse caso, a idia que tinha a priori era de que seu aluno
tinha conhecimento sobre o Oceano Atlntico.
Agora seu aluno ouvia atento um contedo que lhe era prximo, sobre a histria de
sua cidade, sobre sua biografia tendo em vista a escravido ou a colonizao portuguesa ou
ainda a imigrao italiana. At entendia a relao de sua descendncia portuguesa, italiana,
africana, compreendia a sua migrao ou de sua famlia do Nordeste brasileiro, de Minas
Gerais, do Paran, mas no seu dia a dia era uma outra histria que acontecia, uma outra
colonizao que interessava, visto a deparar-se com a leitura de manuais em Ingls ou uma
outra migrao: a dos bairros urbanos para as favelas nas periferias das cidades.
No estar sozinho, esta foi a principal razo do professor H mudar cada vez mais.
Vrias reunies e debates aconteciam aps o horrio das aulas entre professores e equipe
pedaggica do projeto. Idias novas surgiam e iam tomando corpo. Ouvido atento e boa vontade era preciso, pois muitas idias novas estavam surgindo na prtica desenvolvida
pelos professores e contribuies trazidas para as reunies pela equipe pedaggica. O
professor H procurava acrescentar sua prtica as idias e aprendizados dos debates que
aconteciam nas reunies pedaggicas para transform-la. Um exemplo disso tem a ver com
a disposio fsica da sala de aula. Para que o seu aluno no fosse apenas um ouvinte e
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participasse ativamente das aulas, dos dilogos, era necessrio mudar a disposio das
cadeiras que enfileiradas eram mais apropriadas para ouvintes. Era preciso coloc-las em
crculo, afinal esta era a forma em que aconteciam as reunies pedaggicas.
O professor H tomou o cuidado, antes de transformar a sala de aula em um crculo,
em ir acostumando os alunos com as mudanas na disposio da sala. Aps algumas aulas
de preparao, promovendo trabalhos em grupos pequenos, depois em um pouco maiores,
pediu, enfim, para seus alunos que o ajudasse a colocar as carteiras em crculo. Feito isso, alguns alunos sentaram-se frente da sala, no sem um certo desconforto, e os outros, os
mais tmidos esconderam-se em um segundo crculo que se formava atrs do primeiro,
mostrando que ainda havia dificuldades com essa nova disposio das carteiras. O
professor ficou exatamente no lugar que estava habituado, ou seja, na frente da sala, de costas para a lousa. Era o centro das atenes, demonstrando que aquela mudana
tambm o desnorteara.
Com os alunos em um semi-crculo (ningum estava ao lado do professor) foi tentado um debate, mas a atitude silenciosa dos alunos incomodava o professor que, ento,
respondia s questes por ele prprio formuladas. Os alunos, tambm incomodados com as
perguntas e aliviados por no ter que respond-las, abaixavam a cabea, viravam para o
lado, escreviam algo em seus cadernos.
O resultado dessa experincia foi levado para a reunio pedaggica daquele dia.
Primeiramente, ao propor uma atividade, por exemplo, debate, em que se espera contar
com a participao de todos, fundamental que os envolvidos tenham antes o roteiro para
poderem preparar sua participao e assim sentirem segurana. O outro aprendizado est
relacionado ao silncio, que segundo Paulo Freire1 preciso que o professor saiba suportar
o silncio que incomoda no s a ele mas tambm ao aluno.
Para a aula seguinte preparou um pequeno texto roteiro sobre o assunto a ser
debatido. Exps inicialmente o que seria proposto colocando na lousa os passos que seriam
1 Palestra proferida por Paulo Freire no Simpsio do Pensamento Paulo Freire. Poos de Caldas, 09/1992.
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seguidos. Dividiu os alunos em pequenos grupos que estudaram o texto e se prepararam
para uma plenria final. Iniciaram o debate com a apresentao do relator de cada grupo
das concluses a que chegou. Ainda assim o silncio se impunha. Era preciso suport-lo.
Alguns progressos eram visveis, mas algumas limitaes foram notadas: a participao s
vezes desmedida dos relatores, sobretudo quando o silncio afligia, o debate seguia uma
direo para longe do assunto que interessava, muitas vezes despencando para opinies de
senso comum. Questes que precisariam de muitas reunies, debates, experincias para
serem equacionadas.
Vrias transformaes iriam acontecer no projeto proveniente, dos debates e relatos de experincias estimulando a todos, conta professor H. O professor de Fsica levava os
alunos para a avenida central da cidade a fim de estudar o movimento, o tempo ou a
trajetria. O professor de Matemtica ensinava a partir do custo de vida, da inflao. O professor de Biologia trabalhava a partir de insetos, animais, plantas, drogas, chs. Em
Qumica, estudavam as vrias misturas a partir da produo de bolos, pes etc... No era
difcil perceber que os contedos dessas disciplinas estavam ganhando vida, saindo dos
livros e indo s ruas, aos jornais, rondando a sala e a vida dos alunos cuja experincia comeava a fazer parte da aula.
A professora de Qumica relatava nas reunies pedaggicas que foi inesquecvel
quando uma aluna de setenta anos, que at ento fora sempre calada passara a ensinar e
aprender Qumica com aquilo que mais gostava de fazer: bolos e pes.
preciso dizer que todas as mudanas acontecidas ao longo do tempo foram importantes. Muito embora o professor H sentisse, que no era aquele professor freireano
que gostaria de ser, da dialtica, do dilogo havia no entanto, em sala de aula, transformado
muito a sua prtica e alguns resultados interessantes tinha o estudo. Seus alunos no o
viam mais como um gnio a relatar fatos da pr-histria e nomes desconhecidos e ao se
aproximar ao mximo da realidade de vida de seus educandos, conseguira com que
participassem e se sentissem menos fracassados. Percebia que estava mais prximo de
chegar ao dilogo transformador com seus alunos.
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Quando os alunos o questionaram sobre o Oceano Atlntico, revelaram que com
suas colocaes, seriam os norteadores fundamentais para a realizao da prtica
educativa. Muito mais que constatar que suas aulas ainda eram um monlogo, o professor H
percebeu que quem deve dar o norte para as aulas so os alunos e o dilogo efetivo, pois
essa prtica tornou-se um instrumento valioso para conduzir o trabalho do educador de
jovens e adultos. Percebera, ainda, que o senso comum era na verdade assunto de interesse comum e que ele, enquanto professor, deveria com os conhecimentos
sistematizados, colaborar para que os alunos transformassem em senso crtico.
Em uma das aulas, aps uma boa conversa sobre as diferenas entre a vida no
campo e a vida na cidade, o professor H fez uma relao com a histria do surgimento do
comrcio na Europa: o movimento que o comrcio provocava na pacata vida agrria dos
Feudos. Estudou-se tambm a Reforma Protestante o que interessou em muito os alunos.
Resolveu provoc-los dizendo que os levaria a conhecer um Burgo. Ficaram curiosos para
que esse dia chegasse. Antes, no entanto era preciso prepar-los para tal. Pediu aos alunos
que conheciam a vida no campo que a contassem aos outros. Aps, pediu para os alunos
que eram comerciantes, por exemplo, feirantes, que contassem um pouco de suas vidas, de
seu trabalho. E, obviamente, contou a eles o surgimento do Burgo, das feiras e das cidades.
Fizeram algumas relaes entre os Feudos, os Burgos do final da Idade Mdia europia
com a vida atual no Brasil.
Finalmente, em um belo sbado de sol, l foram todos conhecer um Burgo: o
mercado central e a praa da Catedral. Foram premiados com um teatro popular. Todos os
alunos passavam constantemente por aquele lugar, alguns assistiam missa naquela igreja, mas poucos tinham notado sua construo imponente em meio praa e quo imponente
deveriam ser as Igrejas Catlicas no centro dos Burgos para o miservel fiel da Idade Mdia.
Como foi dito anteriormente, para ser um educador preciso que ele esteja disposto a ser crtico e a transformar a sua prtica educativa. Essas mudanas so um processo
contnuo, pois educar vida e a vida transforma-se constantemente. Assim, cada educador
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tem de pensar e re-pensar sua prtica educativa para que ela acompanhe a realidade social
do educando. No h e no pode haver uma receita pronta e acabada para a educao de
jovens e adultos. Se o norte para essa educao o dilogo efetivo com o educando, ento ele tem de acontecer aula a aula, sem isolamento.
No projeto, as atitudes iniciadas pelos professores de Fsica, de Matemtica e de Biologia contaminaram a todos. Eram turmas voltando do Burgo, indo feira, outras com
atividades em sala de aula preparando bolos, lendo e recortando jornais etc. As coordenadoras pedaggicas do projeto sentiram que o momento era nico para
promover a integrao de todas as disciplinas e de todos os estudos. Muitas reunies
aconteceram para formalizar essa integrao at chegar-se a uma idia: realizar oficinas
com um tema gerador. Essa idia pareceu brilhante a todos, sobretudo ao professor H.
Qual seria o tema gerador? Muitas idias foram propostas at que foi sugerido como
tema Aquarela do Brasil de Ary Barroso. importante ressaltar que o tema seria debatido em todas as disciplinas durante as aulas. Os alunos e os professores foram divididos em
seis turmas, uma para cada oficina; msica, expresso corporal, campo, artes plsticas,
teatro, literatura e desenvolveriam essas atividades alternadamente at que todos (alunos e professores) tivessem passado por todas as oficinas. No final do semestre, realizou-se uma apresentao de todos os trabalhos, alunos e professores em conjunto e em assemblia fizeram uma avaliao das oficinas.
O sentimento no grupo de educadores, aps essa assemblia de avaliao, que
estavam no caminho certo. Perceberam que a evaso diminura, mas, sobretudo, que
muitos alunos tmidos e calados nas salas de aula demonstraram uma participao bastante
ativa nas oficinas e, principalmente, na assemblia. Na avaliao final do semestre algo
comoveu a todos: uma aluna das mais caladas levantou a mo para manifestar-se, dizendo
que as oficinas tinham feito com que ela enfrentasse as coisas mais de frente. Disse ainda
que na oficina de campo, ao se deparar com uma Igreja Catlica, ela que era evanglica, no quisera entrar, j que o pastor e o marido a proibiam, mas que o professor de Histria
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dissera-lhe que, naquele momento, a Igreja era um monumento histrico e que poderia entrar sem medo. Ela, ento, ao entrar na igreja, sentiu-se muito feliz, pois vencera o medo.
Nessa avaliao outras manifestaes indicaram que realmente o caminho era esse,
algumas avaliaes crticas embora contrrias realizao das oficinas eram feitas na
assemblia pelos alunos, ou porque o tema era muito repetitivo (no final ningum queria mais ouvir falar da msica e do tema gerador, nem mesmo as professoras de Portugus que
o propuseram), ou avanava no horrio das outras aulas e do ensino dos contedos que cairiam nas provas.
Ver e ouvir aquelas crticas por parte dos alunos era algo que muito alegrava a todos,
em especial ao professor H. Ora, para aquele professor que em sua primeira aula vira uma
multido calada diante de sua aula sobre a pr-histria, e na aula seguinte alunos
desistindo por sentirem-se incapazes de acompanh-la, agora, vendo-os criticando algo que
ele achara brilhante, era realmente constatar que os alunos estavam se posicionando
criticamente. E, no era esse o seu sonho enquanto educador? Ver seus alunos colocarem-
se de forma crtica na sociedade.
E foi a partir das crticas feitas s oficinas por todos os participantes do projeto, sobretudo os alunos, que essa idia se transformou. As oficinas deixaram de herana no
projeto a integrao dos contedos com a realidade social, atravs do Tema Gerador. Ele deixaria de ser realizado por oficinas, para ser a ponte de ligao entre todas as disciplinas
e delas com a realidade social. Assim, estudava-se um mesmo assunto surgido da realidade
social, focado pelas vrias disciplinas, preservando-se as suas especificidades.
Estabelecido o tema gerador para ser estudado em todas as disciplinas, o passo
seguinte foi estudar esse tema fora da sala de aula. No se tratava mais de um professor
diferente saindo s ruas com seus alunos, cada qual estudando algum aspecto de sua
disciplina. Agora, todo um semestre era dedicado s disciplinas a focalizarem o mesmo
assunto tendo o Estudo do Meio como pice da realizao desses estudos.
No incio, o Estudo do Meio era uma sada para longe do lugar em que estava
acontecendo as aulas. Assim saa-se de Campinas para ir ao Memorial da Amrica Latina,
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em So Paulo, para estudar o tema Mercosul, ou ento ia-se Porto Feliz, pois o estudo era
em torno das cidades histricas. Deslocava-se at a cidade de Arcadas, para visitar uma
determinada fazenda e estudar a vegetao, o equilbrio ecolgico.
Aps debates, reunies, afinal percebeu-se, segundo o professor H, que o Estudo do
Meio poderia focalizar o lugar em que se estava estudando ou suas proximidades. Essa
seria uma grande descoberta para alguns: a possibilidade de se fazer estudo do meio sem
sair da escola. Podia-se trazer, a partir da realidade de cada um, o meio para dentro da sala
de aula. Assim o tema gerador poderia ser sade pblica, por exemplo, os alunos trariam
informaes em torno desse tema de suas experincias de vida para a aula. O professor
poderia contribuir com conhecimentos sistematizados e especialistas no assunto poderiam
ser convidados a fazer palestras. O estudo do meio poderia culminar com o estudo da sade
pblica na escola e no seu entorno.
preciso que o educador de jovens e adultos faa desabrochar prticas pedaggicas envolventes em sua aula que, se no eliminam a evaso, pelo menos, faa
com que haja maior participao dos alunos nas aulas, nos estudos, nos debates. A sala de aula tem que ser o lugar privilegiado para o debate sobre as questes de interesse dos
alunos ao mesmo tempo em que o educador coloca em pauta a aprendizagem dos
contedos sistematizados.
Foi com esse intuito que o professor H iniciou em uma de suas aulas um debate
sobre Poltica, j que naquele ano haveria eleies municipais. Dissera aos alunos que estudariam o nascimento da poltica e seu desenvolvimento na histria. Antes, contudo,
preparou um roteiro para ser trabalhado, organizou os alunos em crculo e perguntou quem
gostava de Poltica. Para sua surpresa apenas um aluno a apreciava. Os outros no, nem
mesmo os mais velhos, mesmo aqueles que tinham vivenciado graves crises polticas no
Brasil: suicdio de Getlio Vargas e o golpe de 1964. A outra questo feita:
Qual de vocs se lembra do candidato a vereador que votou nas eleies
passadas?
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Em um grupo de trinta alunos, apenas trs se lembraram. Um deles porque
trabalhara para o vereador em questo, o outro, porque o vereador era filho de uma
benzedeira conhecida do bairro e o terceiro, tinha uma participao poltica intensa. O
professor H distribuiu um texto em que apresentava de forma simples a semelhana que h
entre ser poltico e cidado, j que ningum se considerava poltico, mesmo o mais politizado deles, mas todos se consideravam cidados. Ensinou aos alunos que polticos
para os gregos antigos eram todas aquelas pessoas que pertenciam a uma cidade (polis em grego) sentindo-se responsveis por ela, cuidariam, ento, dessa cidade, do mesmo modo ou at melhor que de suas prprias casas, de suas famlias.
Aproveitou o momento para relatar a eles sobre o nascimento de uma forma de
poltica, ou seja, de se cuidar de uma cidade que perdura (com diferenas) at os nossos dias: a democracia. Ensinou que foi na Grcia antiga, em Atenas, que surgiu essa maneira
de se governar uma cidade com a participao de todos os polticos (cidado) ativamente na conduo dela. A Democracia ateniense surgira de uma grave crise econmica e social,
isto no sculo VII antes de Cristo, que fez com que os tradicionais e poderosos governantes,
os aristocratas rurais, enfrentassem problemas sendo confrontados pelo povo, e pelos
comerciantes, que, descontentes com a crise e o sofrimento que passavam, alijaram-nos do poder. Foi ento, que legisladores, sbios atenienses que pertenciam ou tinham afinidades
com os comerciantes, entre eles Slon e Clstenes, dividiram a cidade de Atenas em demos
(parecida com bairros nas nossas cidades) para que ficasse mais fcil resolver os seus problemas e assim todos poderiam participar diretamente da sua conduo. Quando os
problemas eram comuns a todas as demos, os polticos se reuniam na praa central da
cidade para deliberar sobre o assunto. Em um certo momento da democracia ateniense, no
podendo todos os cidados reunir-se ao mesmo tempo na praa central da cidade, para
discutir, debater e deliberar sobre os problemas, os cidados que participariam passaram a
ser escolhidos por sorteios, nas vrias demos (bairros) a que pertenciam. Os escolhidos deveriam ir a praa central de Atenas, ciente dos desejos e anseios dos cidados de sua Demo a fim de represent-los.
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Mostrou a eles que uma das diferenas entre a democracia grega e a atual que os
cidados (polticos) escolhidos por sorteio em sua comunidade, em Atenas, se dirigiam para a praa central da cidade e aps os debates sobre as questes a serem resolvidas, votavam
eles mesmos, diretamente, com os braos estendidos sobre essas questes, enquanto nos
nossos dias as questes a serem resolvidas so debatidas por representantes (vereadores, deputados, senadores, etc) escolhidos pelos cidados atravs do voto. Assim os polticos que escolhemos para vereador, por exemplo, nada mais so do que representantes dos
cidados, da comunidade qual fazem parte.
Com esse referencial o professor H iniciou, em uma de suas aulas, um debate sobre
Poltica, escolhido como tema gerador tendo em vista as eleies municipais daquele ano.
Segundo o professor H, os alunos ficaram intrigados e queriam saber o porqu dos
representantes serem escolhidos por sorteio e no pelo voto. Foi-lhes dito que os
legisladores atenienses, que criaram as leis da democracia, achavam que ao escolher por
meio de sorteio aqueles que participariam dos debates e decises polticas na praa, no
aconteceria de algum representante defender apenas os seus prprios interesses ou os
interesses de seu grupo e no da sociedade. Nesse momento foram dados depoimentos
dos alunos sobre como essa situao era comum no Brasil, os polticos defendem apenas
seus prprios interesses e no os da populao. Ento, um depoimento foi marcante:
Sabe, professor, disse o aluno, ns l no nosso bairro, votamos e elegemos um morador do nosso bairro, um menino muito conhecido, filho da benzedeira, que amiga de todos e nem nos importamos como ele nos representaria.
E qual foi a atitude do vereador em defesa dos interesses do seu bairro e da sua cidade? perguntou o professor.
Sabe, professor, a primeira coisa que ele fez quando ganhou a eleio, na verdade, foi mudar-se do bairro, saiu da casa da me e foi morar em um bairro melhor que o nosso, do outro lado da cidade. A atuao dele, ns nem sabemos, pois ele apareceu novamente l apenas este ano, pedindo para que votssemos nele mais uma vez.
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Na aula seguinte o professor H falou da poltica enquanto participao do homem
grego na conduo de sua cidade, fez nova explanao sobre o ser poltico e ser cidado. A
sala estava em crculo e o professor H, na lousa, colocava as informaes sobre a
democracia na Grcia e sua relao com os acontecimentos no Brasil democrtico de
nossos dias para posterior debate. Em um dos momentos do debate, uma aluna que vivia
em um assentamento de sem-terras, relatou:
Se poltica participao da gente nas coisas do nosso bairro, ento, ns, l do assentamento, somos todos muito polticos, afinal temos que brigar por tudo.
O professor H confirmou que fazer poltica assim mesmo. A aluna continuou...
E olha que ns temos um representante l igual a esses de Atenas, afinal, ele est sempre na prefeitura brigando por todo mundo, para conseguir as coisas para ns e todos ns confiamos muito nele.
A classe, aps esse relato, apresentou vrios casos de participao poltica dos
moradores de um bairro que fizeram o motorista de um transporte coletivo parar o nibus
em frente prefeitura, em sinal de protesto, para exigir mais transportes, relatado
justamente pela aluna que antes havia apontado seu desprezo pela poltica. E assim, estudava-se histria por meio da poltica e poltica a partir da histria.
Nesse mesmo sentido, um outro relato do professor H talvez possa servir de exemplo para
essa ponte entre o contedo e a realidade, entre fatos distantes e a realidade do aluno na
sala de aula. Quando essa turma citada anteriormente estudava o Imprio romano o assunto
girava em torno do poder que tinham os imperadores. O professor H contou aos alunos
sobre o imperador romano Calgula que nomeou para senador seu cavalo. Inicialmente
todos acharam graa, mas no deixaram de ficar abismados com essa situao. Como
algum podia escolher para senador um cavalo? No ficavam dvidas, por essas e outras
razes debatidas em sala, para os alunos, que a democracia era forma de governo melhor
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que a monarquia, o poder na mo de um s podia gerar as idias do imperador romano. O
professor lembrou da ditadura militar no Brasil, que na verdade no era assim, como o
imprio romano, mas que afinal tinha l suas semelhanas.
Alguns lembraram ento que o ex-presidente Figueiredo dizia que preferia os cavalos
ao povo e, ento, o debate passou a tratar sobre o perodo da ditadura militar no Brasil. Os
mais velhos lembraram do golpe de 1964 e a confuso que se deu, contando isso para os
ouvidos atentos e curiosos dos alunos mais jovens. A partir desse relato de experincia da prtica educativa em EJA possvel propor
algumas pistas.
importante ter como ponto de partida a pedagogia do dilogo. Uma educao que faa o aluno partcipe do processo e que no o leve a sentir-se oprimido, incompetente "uma
educao [...] determinada atravs de uma prxis dialgica e problematizante, que reconhece que a libertao dos educandos s possvel pela sua prpria libertao, e que
por isso procura mtodos que fazem dos educandos sujeitos de seu processo educacional. Schimied-Kowarzik (1983, p. 71) No se liberta os homens, alienando-os, doutrinando-os ou manipulando-os, mas a libertao autntica a humanizao em processo (FREIRE apud Schimied-Kowarzik, 1983, p. 71)". Assim, a EJA na perspectiva do Gepeja constitui-se a partir do dilogo entre os partcipes da educao, educandos e educadores, a fim de se
construir os caminhos para a "educao formal", mas que faa sentido na vida e na
realidade de todos.
importante lembrar que os contedos sistematizados so fundamentais, pois so eles, a herana do desenvolvimento cultural da humanidade e, obviamente no se pode
desprezar esses conhecimentos. A diferena est em como trabalhar sem dissoci-los da
realidade, afinal esses conhecimentos contriburam historicamente para transform-la e
compreend-la. Em outras palavras, o contedo estudado em sala de aula tem que fazer
sentido para a vida do educando e no girar em torno de si mesmo, como algo autnomo
sem ligaes ou relaes com a realidade.
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E , justamente a sala de aula, o espao apropriado para o encontro de cidados em busca da apropriao de conhecimentos em que, a realidade social dos educandos, suas
experincias de vida e seus conhecimentos faam parte dos estudos, da aula que, refletidos
luz dos contedos historicamente produzidos pela humanidade, transformem o
entendimento da realidade social, ao mesmo tempo em que possibilitem a aprendizagem de
contedos significativos para todos. nesse espao, a sala de aula, que acontece a Educao de Jovens e Adultos, espao socializador e de dilogo entre todos os envolvidos
no processo educativo.
Mas, e os exames, concursos, provas que cobram do educando o conhecimento da
escrita hitita? Esses exames no fazem parte de uma viso de educao que certamente
ter que mudar?
Referncia Bibliogrfica
SCHMIED-KOWARZIK, Wolfdietrich. Pedagogia Dialtica. De Aristteles a Paulo Freire. Traduo Wolfgang Leo Maar. So Paulo: Brasiliense, 1983.
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2. Avaliando um Caminho Contnuo e Transformador
Maria Fernanda Perusso Turina
O texto anterior pretende levar o leitor reflexo sobre o processo educativo em que
a avaliao um tema especial, particularmente na Educao de Jovens e Adultos, por j terem muitos dos educandos passado por processos de avaliao classificatria e seletiva.
Algumas questes significativas sobre esse tema sero abordadas nesse nosso dilogo.
Na verdade, vive-se avaliando. Todas as nossas decises, preferncias ou escolhas
refletem aquilo que subjetivamente avaliamos. Quando preferimos o azul ao amarelo, estamos selecionando dentre os vrios matizes que j temos classificados, a cor que mais gostamos. Por que gostamos do azul? A resposta pode estar alicerada em tantos outros
porqus, porm objetivamente no conseguiramos responder. Faz parte da natureza humana fazer seleo, classificao e avaliao.
Traos subjetivos tambm interferem em nossa avaliao de mundo: o modo de olhar, de falar1, a forma de se vestir, o tom de voz, a cor, a aparncia, o gnero etc.
Entretanto, o ser humano, muitas vezes, consegue tirar as mais variadas concluses, nas
suas impresses, naquilo que chamaremos de cultura, nossa cultura social.
O professor tambm faz isto. Embora este seja um exerccio involuntrio, fazemos uma avaliao prvia de nossos alunos, mesmo antes de conhec-los. Talvez, por esse
motivo, precisamos da avaliao escrita, que teoricamente seria um instrumento neutro,
imparcial, entretanto, ao trmino de um perodo letivo, na maior parte das vezes, nossa
avaliao a priori fica confirmada. Aquela seleo intuitiva revela-se em notas, conceitos,
fortemente relacionados.
Estudos da Psicologia poderiam elucidar vrias dessas questes, mas o fato que
h muito se tenta mudar ou transformar nossa postura frente avaliao ou se preferirem,
1 Mais sobre questes de linguagem conferir Bagno, Marcos em Preconceito Lingustico o que , como se faz,
So Paulo Edies Loyola, 1999.
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frente prova. Como tambm h muito escutamos que a escola elitista; que a escola
exclui; e, provavelmente, por esta ou por outras razes os preceitos legais orientam para
modificaes nesta rea.
Na dcada de 70, comeam as primeiras tentativas. Quem j no ouviu uma expresso semelhante a esta: Repeti o ano por meio ponto!. Ento, substituram notas por
conceitos: A, B, C, D, E, devidamente acompanhados de legendas. No adiantou muito, o
professor continuou corrigindo a prova, utilizando-se de somas, divises, nmeros inteiros
ou decimais e, aps uma verdadeira equao matemtica, transcrevia da legenda, o
conceito correspondente. A idia era para que se abandonasse a nota, mas ela continuava
ali. A idia era para que se modificassem posturas rgidas, que fatalmente determinavam a
auto-estima de muitos, reforando aquilo que os tericos afirmavam: a escola elitista. Os
alunos provenientes de extratos sociais mais baixos continuavam a no ter muita chance
neste tipo de escola.
Ao longo dessas ltimas dcadas, uma verdade pode ser constatada: tcnicos e
dirigentes educacionais tentaram modificar a avaliao com base nas legislaes vigentes.
E o professor? O professor tenta se adequar, j que dificilmente esse tema tratado nos cursos de licenciatura. Muitas vezes, o professor acaba repetindo um modelo aprendido ao
longo de sua escolarizao.
Talvez, o maior equvoco que sempre estamos a cometer seja o de considerar a avaliao apenas enquanto um instrumento e, em grande parte, um instrumento neutro a
servio da homogeneizao. Sem perceber, ignoramos na prtica educativa aquilo que
sabemos por vivncia ou observao: se a sociedade no homognea, a escola pouco
pode fazer para proceder tal modificao, pois as condies dos alunos nem sempre so
semelhantes, outros fatores tambm so preponderantes.
E na Educao de Jovens e Adultos? Reduto de tanta diversidade social, cultural,
financeira, etria...
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Discutir avaliao para ns, como educadores, um grande desafio, pois, muitas
vezes geram-se dvidas de como avaliar? Quando avaliar? Quem avaliar? Onde avaliar?
Por que avaliar e, particularmente, o que avaliar?
H muito, a avaliao tem sido considerada em seus aspectos examinatrios e
punitivos. Pretendemos romper com avaliaes desta natureza, em que notas e provas so
aplicadas no final do processo, de tipo classificatria, que enquadra o educando num
determinado patamar, lembrando que esse tipo de avaliao contribui novamente para a
excluso do jovem e do adulto da sala de aula, uma vez que, em algum momento de sua trajetria escolar ele j fora excludo do sistema.
Para Hoffmann (1993, p. 74) Avaliar no medir (quantificar), avaliar dinamizar oportunidades de ao reflexo, a busca incessante de compreenso das dificuldades
do aluno e dinamizao de oportunidades e construo de conhecimentos.
As avaliaes quantitativas classificam os alunos por suas notas e mdias, que so
muitas vezes prticas ameaadoras, autoritrias e seletivas. Ameaadoras, por
sistematizarem o contedo do processo educativo a uma nica oportunidade de promoo
ou reprovao. Autoritria porque considera o educador apto e o nico responsvel no
processo de julgamento da aprendizagem do educando, ou seja, quais foram os contedos memorizados por eles. Enfim, seletiva por serem avaliaes em que quase sempre existem
apenas duas possibilidades: a aprovao ou a reprovao.
Ser por esse, e por tantos outros motivos, que pretendemos romper com o carter
punitivo das avaliaes, com atribuies de notas, provas a serem aplicadas como produto
final, entre outros.
O que pretendemos, portanto, seria otimizar uma perspectiva avaliativa como
mediao em que se oportuniza a reorganizao do saber num movimento dialgico em que
educador e educando buscam coordenar seus pontos de vista, trocam idias e as
reorganizam. Concebemos, assim, a avaliao desvinculada da verificao do que certo
ou errado, encaminhando-a num sentido investigativo e reflexivo sobre as manifestaes do
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educando, estabelecendo uma tomada de conscincia sobre seu processo de
aprendizagem, sua compreenso.
Neste movimento, cabe-nos compreender o processo de avaliao do ensino-
aprendizagem como uma provocao em que os desafios superados so passveis de
continuidade ou retomados em seu percurso de construo do conhecimento em que se
priorize o entendimento e no a simples memorizao.
O quadro a seguir foi adaptado das idias apresentadas por Hoffman (2001):
Onde estamos Para onde vamos
De uma avaliao a servio da classificao. avaliao a servio da aprendizagem e formao para a cidadania.
De uma atitude de reproduo, alienao e cumprimento de ordens.
mobilizao, inquietao e busca de sentido para a ao.
Da realizao prognostica, somativa e resultados finais.
Da realizao de acompanhamento permanente, de mediao, de interveno para melhoria da aprendizagem.
Da viso centrada no professor e na fragmentao disciplinar.
viso dialgica, de negociao entre os dois plos do processo (educando e educador).
Do privilgio homogeneidade, classificao, competio.
Ao respeito individualidade, confiana na capacidade do outro, interao.
Romo (1998, p.55) descreve a contradio entre as intenes proclamadas e o processo efetivamente aplicado nas avaliaes. Educadores que proclamam realizar
avaliaes dialgicas, mas acabam esbarrando em sistemas de promoo e a classificao
dos alunos.
O processo de avaliao na Educao de Jovens e Adultos dever ser construdo
coletivamente, entre educando-educador, educandos-educandos e educadores-educadores,
partindo das situaes dialgicas que envolvem a integrao em diferentes espaos.
Comunicar-se por meio de dilogos diferente de emitir comunicados, visto que os
dilogos fazem refletir sobre a concepo de mundo do outro, como pensou e construiu sua
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aprendizagem, sempre num constante refazer de conhecimentos. Os dilogos podem
propiciar situaes de conflitos, entre o eu e o outro; so passveis de avanos na
construo de conhecimentos, mas, em nenhum momento, trazem a obrigatoriedade de um
consenso entre os diferentes saberes.
No haver avaliao dialgica sem a construo de prticas metodolgicas
norteadoras que garantam a participao real dos alunos, envolvendo-os nas decises
polticas, administrativas e pedaggicas do processo educativo. Em outras palavras, no se
pode falar de avaliao enquanto processo de toda a prtica educativa se ela no for
tambm um espao de participao de todos os envolvidos e o lugar da construo coletiva
do ensino e da aprendizagem.
Freire (1987, p.119) afirma que simplesmente, no posso pensar pelos outros nem para os outros, nem sem os outros. Igualmente Romo (1998, p.101) declara que [...] da mesma forma, no podemos avaliar pelos alunos, nem para os alunos, nem sem os alunos.
Algumas etapas norteadoras identificadas por Romo (1998, p.102), no processo avaliativo, levando a uma reflexo problematizadora coletiva, para que retomem juntos o processo de aprendizagem:
investigao da identidade sociocultural da comunidade escolar;
os planos de cursos devero ser feitos coletivamente (roteiros de objetivos e procedimentos);
periodicidade dos registros dos resultados de desempenho, auto-avaliao dos
educandos, considerando o tempo de aprendizagem de cada um;
a participao dos educandos no processo avaliativo de fundamental importncia.
utilizando a escala de notas de zero a dez, ou qualquer outro tipo de conceito,
estabelece-se patamares de aspectos quantitativos.
verificando os objetivos definidos, tais como: conhecimento, compreenso, aplicao ... verificam-se os aspectos qualitativos.
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a anlise dos resultados subentende uma discusso coletiva e no uma exposio dos
erros cometidos. Isso servir de reviso do planejamento do trabalho previsto e executado at o momento.
As prticas so propostas, com base nas definies dos temas-geradores escolhidos
pelo grupo, nos levantamentos de materiais de estudo pesquisados durante o processo,
culminando com o estudo do meio, tambm realizado com base nas decises e
disponibilidades do coletivo.
A avaliao dialgica que tambm diagnstica, se constitui em um instrumento
auxiliar da aprendizagem, uma forma de entender, propor e realizar a auto-compreenso do
educando e do educador.
Alguns procedimentos avaliativos podero nortear a avaliao dos educandos e
educadores na EJA:
Avaliao diagnstica: avaliao pelo dilogo, conhecer cada aluno, sua realidade, sua
vivncia, at mesmo suas limitaes em relao aos aspectos fsicos como: viso,
audio, fala...
Avaliao de interesses: no dilogo entre educador e educando surgiro temas de
interesse de ambos, denominados temas geradores que orientaro os diferentes
componentes curriculares.
Avaliao norteadora: podero fazer parte da avaliao norteadora, trs etapas: a) as atividades desenvolvidas durante o processo ensino-aprendizagem, com base em temas
geradores; b) o estudo do meio e a identificao na prtica do tema gerador; c) a auto-avaliao, em que o educando e o educador podero refletir sobre o processo, momento
em que o educando pode fornecer pistas para o educador redimensionar seu trabalho.
Ressalte-se que o processo avaliativo se d ao longo da trajetria ensino-aprendizagem, em que o aluno no o nico envolvido.
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medida que os conhecimentos forem elaborados com base nos dilogos entre educandos, educadores e demais profissionais, constri-se uma discusso a partir dos
resultados efetivos da aprendizagem e no uma discusso abstrata.
O educador de jovens e adultos deve ser o coordenador de conversas, aquele que promove a troca de idias e aquele que contribui com contedos significativos de sua
formao para o enriquecimento da viso da realidade dos educandos.
As vivncias revelam a importncia da busca do conhecimento coletivo, partindo-se
da realidade dos educandos, por isso os caminhos metodolgicos escolhidos pelos
educadores vo nortear a avaliao. No se pode falar em avaliao dialgica, sem que
antes o educando tenha vivenciado a prtica do dilogo.
Freire (1987) nos ensina que a avaliao no deve ser bancria, fazendo do aluno um depositrio do saber. A avaliao deve ser o resultado global de uma prtica educativa
dialgica, de conquista por parte de todos os envolvidos educadores-educandos, a partir das
experincias promovidas durante a prtica educativa nos debates, nas discusses e nos
dilogos.
A escola para os jovens e adultos no pode ser o espao de presso e de excluso. em suas vidas, na busca de uma ltima tentativa de completar seus estudos. A avaliao, se
feita da maneira tradicional, pode fazer com que aquele com mais dificuldade para aprender,
para estudar, seja levado a abandonar os estudos, portanto, sendo excludo novamente.
Referncias Bibliogrficas
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
HOFFMAN, Jussara. Avaliar para Promover. Porto Alegre, Mediao, 2001.
_____________ Avaliao mediadora: uma prtica em construo da pr-escola
Universidade. Porto Alegre, Educao & Realidade, 1993.
ROMO, Jos Eustquio. Avaliao Dialgica: desafios e perspectivas. So Paulo, Cortez,
1998.
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II. APONTANDO CAMINHOS PARA A PRTICA NA EJA
Sonia Giubilei Romildo Cssio Siloto
O trabalho educacional com adultos apresenta uma diferenciao significativa
daquele desenvolvido com a criana e adolescente, tomando por base o levantamento das
circunstncias sociais e culturais da vida cotidiana desses adultos.
Duas so as concepes que podem nortear o trabalho educacional com jovens e adultos. A primeira concepo, autoritria, distingue o ensinar do aprender como dois
momentos nitidamente separados, determinando papis rgidos para o educador e o
educando: o educador seria aquele que sabe e ensina o educando que no sabe, como no
exemplo do professor H relatado anteriormente. A segunda concepo, participativa, o
educador converte-se em educando que, por sua vez, transforma-se em educador do
educador. O eixo desta tese indica o carter criador da ao de conhecer e, nesse sentido,
a refleo um fator fundamental que procura estimular a curiosidade e desafiar a
capacidade dos educandos na busca incessante para o conhecimento. Freire (2000a, p. 19) ensina-nos que
aprender e ensinar fazem parte da existncia humana, histrica e social, como dela fazem parte a criao, a inveno, a linguagem, o amor, o dio, o espanto, o medo, o desejo, a atrao pelo risco, a f, a dvida, a curiosidade, a arte, a magia, a cincia, a tecnologia, e ensinar e aprender cortando todas estas atividades humanas.
Falar em educao de adultos pela perspectiva freireana falar de participao
cujo norte o construir junto, coletivamente, numa mesma direo. Esta linha de raciocnio leva os educadores a repensarem e reformularem as suas bases tericas e prticas,
incentivando um envolvimento efetivo dos alunos, buscando desenvolver novos
conhecimentos, distanciando-se do esquema apostilas, mdulos, livro didtico, livro do
professor que, por tradio, programam, em detalhes, o que os professores devem ensinar,
quando e como faz-lo.
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Assim, parece pertinente clarificar o que se entende por participao e o desafio
que esta faz s estruturas vigentes. Segundo Clad (1989, p. 62) participao [...] a ao ou conjunto de aes coletivas, acordada reflexivamente e orientada para a auto-gesto na soluo dos problemas e a satisfao das necessidades onde se instauram princpios de
cooperao, solidariedade e ajudas mtuas. So duas as formas de participao: a primeira real e a segunda, aparente. A
participao real ocorre quando os membros de uma instituio ou grupo exercem, por meio
de suas aes, o poder em todos os processos da vida institucional e/ou grupal como, por
exemplo, nas tomadas de deciso em diferentes nveis, tanto na poltica geral da instituio,
quanto na determinao de metas, estratgias e alternativas especficas de ao e na
instrumentao das decises e avaliao permanente do funcionamento no s da
instituio como do grupo-classe. A participao aparente assume duas dimenses: a
primeira ao se referir a aes pelas quais no se exerce, ou se exerce, em grau mnimo,
uma influncia no funcionamento institucional e a segunda dimenso ocorre ao criar-se nos
indivduos e grupos a iluso de exercer um poder inexistente. Nela distribuem-se
informaes, recebem-se sugestes, mas o processo de tomada de deciso continua
concentrado nas mos de poucos que selecionam as informaes.
A participao real constitui um longo e difcil caminho de aprendizagens as quais
modificam os modelos de relaes humanas e representaes sociais. Para superar os
obstculos, a participao real demanda processos educativos que procuram o
reconhecimento da participao como uma necessidade humana, bem como a modificao
das prticas individualistas em favor da aprendizagem por meio das vivncias do cotidiano
dos grupos de alunos jovens e adultos. Trata-se, portanto de ...uma educao em que a liberdade de criar para que seja vivel necessariamente tem de estimular a superao do medo da aventura responsvel, tem de ir mais alm do gosto medocre da repetio pela repetio, tem de tornar evidente aos educandos que errar no pecado mas um momento normal do processo gnosiolgico. (FREIRE, 2000b, p.100).
De maneira geral, pode-se encontrar uma srie de componentes inibidores da
participao real nos grupos educativos em instituies como, por exemplo, as escolas. O
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primeiro dentre tais componentes seria a prevalncia de estilos consumistas de aes
educativas, em detrimento de uma produo criativa e reflexiva; o segundo seria o baixo
reconhecimento das necessidades, interesses e condies efetivas dos educandos jovens e adultos; o terceiro seria as dificuldades enfrentadas por grande parte dos educadores de
adultos tendo em vista saber selecionar estratgias de ensino que venham a facilitar a
insero do adulto em aes participativas no trato do conhecimento; o quarto o
desconhecimento, que podem ter os educadores, de que o adulto , em verdade, um
educando que traz para a sala de aula suas vivncias e experincias que devem ser
reconhecidas e respeitadas.
Esses fatores inibidores podem criar dificuldades na implementao de um
processo participativo. Freqentemente, podem constatar-se conflitos derivados do choque
de opinies, identificadores da insegurana que o novo carrega, ameaando a continuidade
de um trabalho com professor e alunos em razo da carncia de um grau mnimo de
conhecimento da proposta e do contedo das disciplinas, em se tratando de escola e sala
de aula, por perceberem, tanto diretores quanto professores, o novo como um grande
desafio na medida em que essa nova demanda necessariamente acarreta mudanas no s
institucionais como grupais e individuais.
Em uma administrao centralizada, as situaes de abertura participao, neste
caso, so facilmente percebidas como uma conseqncia que o poder constitudo outorga e
no como uma necessidade e direito de uma pessoa a ser partcipe das decises que
afetam sua vida, particularmente as que digam respeito sua educao. Parece existir,
cada vez mais, consenso entre os educadores que vm discutindo a importncia da
participao na educao de adultos no Brasil na utilizao de estratgias que a ela melhor
se adequem.
O significado que tem o desenvolvimento de estratgias para a educao de jovens e adultos uma condio sine qua non para que a participao real efetivamente se instale
na escola e, em especial, na sala de aula. Pela possibilidade que essa participao real traz,
pode-se criar um clima de confiana em que o dilogo permeie o compreender, o saber
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escutar e o saber estimular. No somente o professor que tem experincias a relatar. Os
jovens e adultos tambm as tm e desejam muito repartir sua vivncia com o outro, com aqueles que sabem e esto dispostos a escutar. Quando este clima de confiana estiver
instaurado, o educando dessa modalidade de ensino perceber que nem os colegas e muito
menos o professor ficam impacientes com sua lentido na aprendizagem, que no lhe vo
trazer danos e consegue perceber que todos esto no mesmo processo do caminhar
coletivo, o que poder provocar maior rapidez na aprendizagem movida pela solidariedade o
que impede a impacincia to comum em classes com educandos de menos idade.
Nesta forma de aprendizagem participativa, as definies de termos podem no ser
to precisas como as do dicionrio, porm oferece maior riqueza de informaes e se
mostra mais til trazendo conseqncias imediatas para uma ao mais desenvolta.
Um cuidado a tomar o de se considerar o adulto como um cooperador da escola
por meio das aes auxiliares em festas, na qualidade de ouvinte acrtico de reunies,
enfim, tomando-o como colaborador na mo-de-obra que nada mais representa do que a
participao aparente. A viso generalizada que outro tipo de participao do adulto, no
caso, seja impossvel, dada a sua considerada falta de capacidade e interesse. Assim, vo-se operando processos de reforo das representaes de uma cultura que toma o fracasso
escolar como normal, e o xito como fato extraordinrio. Tambm se acredita que o adulto
no aprende porque passou da idade e, portanto, deve-se deixar os velhinhos morrerem
em paz, numa aluso fala do Professor Darci Ribeiro por ocasio do encerramento do
Congresso Brasileiro desenvolvido pelo Grupo de Estudos e Trabalhos em Alfabetizao em
1990.
A participao aparente pode corporificar-se por meio de aes paternalistas,
assistencialistas na resoluo dos problemas que impedem a percepo de solues pelo
prprio grupo, alm da viso fantasiosa de um estado-benfeitor e no como um direito
constitucional, que lhe deve esse mesmo estado ou, ento, como imagens de criao ou de
reflexo, privilgio de uns poucos que podem levar tanto educador quanto educando
supervalorizao da cultura acadmica, prpria de um nvel de educao formal a qual
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tratada sob a forma exclusivamente expositiva, dissertativa, indo do superior ao
subordinado, educao bancria na viso de Paulo Freire.
Os professores, na linha de uma participao aparente, tendem a converter os
meios em fins. A principal tenso criadora dos processos participativos est na implcita
superioridade que do os professores ao saber tcnico, acadmico, sobre o saber do
educando jovem e adulto, saber esse vivido, experienciado, calcado, portanto, na cotidianidade de sua existncia.
O desafio para uma participao real grande, e muito mais em se tratando de
uma educao para jovens e adultos cujo envolvimento ansiosamente esperado. Parece existir uma disposio dos administradores escolares e dos professores de adultos, que com
eles trabalham, de assumirem aes educativas mais condizentes com os anseios dos que
tentam voltar a estudar e encontrar nos estudos respostas para suas vrias indagaes. A
participao real no se d do dia para a noite. um processo longo de avanos e retrocessos. Importa, todavia, reconhecer que o processo leva a um comprometimento
efetivo de professores e alunos jovens e adultos, mesmo quando as estruturas institucionais no tenham se modificado conforme o esperado.
Que caminhos para uma participao real tem o professor sua disposio, os
quais melhor venham atender s peculiaridades do jovem e adulto em sua aprendizagem? A seguir so descritos alguns desses caminhos metodolgicos e um esquema
representativo de como podem ser utilizados (Quadro 1), que no se excluem mas que se interpenetram.
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Quadro 1 Representao esquemtica da utilizao de caminhos metodolgicos na Educao de Jovens e Adultos.
O esquema demonstrado no Quadro 1 indica os caminhos metodolgicos possveis
para a EJA (Experincia, Participao e Interdisciplinaridade) que permitem maior envolvimento de educadores e educandos com base em estratgias de aprendizagens
direcionados a procedimentos metodolgicos representados pelo Tema Gerador, cuja culminncia o Estudo do Meio.
O primeiro caminho refere-se ao ensinar e ao apreender com base na experincia. A
adoo dessa sistemtica de trabalho permite que os educandos jovens e adultos tragam para a sala de aula o relato de momentos vividos, na qualidade de experincia, e nela o
professor perspicaz conseguir identificar o contedo em uma das unidades do programa de
sua disciplina. O resultado que a aula ser mais dinmica e profundamente instigadora
para outros relatos que tenham similitude com o que deu incio ao depoimento.
O segundo caminho j amplamente analisado e definido no incio deste texto a referente aprendizagem com base na participao. Feita a distino entre participao real
e participao aparente, fica esclarecido que a primeira tende levar a um maior
envolvimento dos participantes no processo educativo (educador e educandos jovens e
Estudo do Meio
Caminhos Metodolgicos
Participao
Interdisciplinaridade
Experincia
Estratgias
de
Aprendizagem
Estudo em Grupo
Biblioteca
Elaborao de Texto
Debate
Seminrio
Informtica
Estudo Dirigido
Pesquisa Bibliogrfica
Procedimentos Metodolgicos
Tema Gerador
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adultos), tanto no que diz respeito ao direito quanto ao dever, ao passo que na segunda forma de participao a aparente , em sntese, participa-se mediante aes paternalistas,
dificultando-se aes coletivas, tomando-se como certo: quem detm o conhecimento o
professor que deve ensin-lo aos alunos.
O terceiro caminho a aprendizagem com base na interdisciplinaridade que, em
princpio, no nega as disciplinas, mas as pressupe, dando um passo mais alm, no
caminho do no se encerrarem em si mesmas. Na interdisciplinaridade, vive-se ou exercita-
se, fundada em uma atitude feita de curiosidade, de descobrimento com base na integrao
dos contedos entre si.
No caminho interdisciplinar no se nega as disciplinas mas garante-se as suas
identidades, corroborando para que a integrao no curso das investigaes se estabelea
nos procedimentos de ensino. O conhecimento especfico de cada disciplina (disciplinar) permite ao aluno identificar a particularidade de um determinado contedo e o conhecimento
interdisciplinar permite-lhe fazer as relaes significativas entre os contedos. Em realidade
um no existe sem o outro. Ambos se interpenetram, se completam, permitindo ampliar o
horizonte do aluno.
Que procedimentos metodolgicos podero os professores de EJA adotar a fim de
levar o aluno a tomar contato com o complexo vivo, com um conjunto significativo da natureza e cultura? O primeiro seria o Tema Gerador, considerado [...] um meio atravs do qual podem ocorrer tanto a apropriao como a construo do conhecimento. (TORRES, 2002, p. 116). A raiz dessa atividade est no trabalho desenvolvido por Paulo Freire no nordeste brasileiro, na dcada de 60, em que se experienciou a utilizao de palavras
geradoras na alfabetizao de adultos socialmente marginalizados. A base de sua proposta
est situada em uma prxis libertadora, objetivando tornar os educandos cidados crticos e atuantes.
Cabe aqui um esclarecimento do que se entende por Projeto e por Tema Gerador. Projeto uma propositura do que se pretende realizar e Tema Gerador, como o prprio nome diz um tema, assunto, que vai nortear o estudo durante um determinado tempo.
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Enquanto documento ambos no se distanciam ou se excluem. Os dois tm propostas de
ao. No entanto, se se tomar o caminho da concretizao h uma identificao mais ntida.
Enquanto no Projeto existe uma proposta definida e pensada pelo professor ou conjunto de professores e executada pelos alunos, no Tema Gerador escolha conjunta, educador(es) e educandos, cuja responsabilidade de planejamento, execuo e avaliao ser de todos os envolvidos quer se trate do(s) educador(es) quer de seus educandos e, em hiptese alguma pensado em gabinetes.
A seleo de um tema gerador s tem sentido para uma escola/classe determinada.
O que identifica o tema gerador o interesse e a motivao que o tema desperta nos alunos
para um estudo mais aprofundado dos diferentes assuntos/elementos que o compem.
Pensar um tema gerador como sugesto a ser seguida por todo um sistema educacional,
quer seja municipal quer estadual, pode acarretar uma srie de dificuldades, uma vez que, para muitos alunos-adultos, o tema proposto no coincide com seus interesses e
motivaes, razo pela qual mais adequado que se identifiquem junto ao grupo/classe de jovens e adultos, temas cujos contedos lhes proporcionem a motivao necessria ao seu estudo e aprofundamento.
O tema gerador traz como pr-requisito o envolvimento das disciplinas da
turma/srie que, numa ao integrada, dialgica e participativa de professores e alunos da
srie conseguem desenvolver um trabalho pedaggico, buscando estudar o tema em suas
vrias dimenses e aprofundamento, alm de utilizar formas variadas de abordagem como:
estudo em grupo, atividades individuais, debates, filmes, pesquisa na biblioteca, etc.
A anlise para identificao de temas toma por base o levantamento de
circunstncias sociais, culturais, polticas do cotidiano dos alunos que so a
representatividade de suas experincias. Essa sistemtica subentende um trabalho de
participao real e integrado de todos os professores da classe e/ou srie, uma vez que os
temas indicaro o contedo curricular correspondente.
uma forma diferenciada de abordagem dos contedos, uma vez que se baseiam em situaes de vida real, dos problemas e das preocupaes dos alunos (TORRES, 2002,
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p. 114) tornando o todo atraente, motivador e estimulador do pensar e construir junto, com o outro
A importncia do dilogo no estudo coletivo do tema gerador permite apontar para a
autovalorizao e o ensino solidrio do jovem e adulto. Constata-se que os conhecimentos no so adquiridos unicamente pela voz do professor ou de um livro, mas, acima de tudo,
pela prpria experincia que o educando traz para a sala de aula. Nela aprende-se,
dividindo-se os saberes com os colegas e o professor. Em grupo, aprendem-se os temas e
as mensagens que no se entendem nos livros. Na forma participativa concreta, todos os
educandos opinam sobre a soluo mais efetiva, chegando a corrigir os prprios erros mais
facilmente sem medo e ou vergonha de se expor.
Para a contextualizao dos contedos exige-se dos educadores da EJA um
esforo para estudar teorias e prticas educativas e desenvolver pesquisas que lhes daro o
conhecimento da realidade que iro estudar/conhecer. Alm disso, a contextualizao dos
contedos, sua seleo e organizao vo requerer um professorado que se aproprie dos
conhecimentos e deles se inteire o mais diretamente possvel.
Saliente-se que os contedos tal qual se apresentam nos livros didticos podem
no ter a mesma seqncia em se tratando de tema gerador, mas eles estaro
certamente, nessa abordagem, sendo contemplados no fim do estudo, quer seja no bimestre, quer no semestre.
Um segundo procedimento seria o Estudo do Meio, atividade experienciada em
diferentes situaes, por educadores no Estado de So Paulo a partir da dcada de 60 do
sculo XX.1 Percurso natural do estudo do tema gerador o estudo do meio, ocasio em
que os envolvidos no processo podero tomar contato in loco de como a natureza e a
cultura se harmonizam. Este foi um recurso muito utilizado pelos professores dos ginsios
vocacionais j indicados anteriormente.
1 Experincia marcante que fundamentou seu trabalho tanto em tema gerador quanto em estudo do meio foi o
vivido pelos Ginsios Vocacionais no perodo de 1962 a 1969 sob a Coordenao Geral da Prof Maria Nilde Mascellani.
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Segundo Balzan (1974, p. 123) o Estudo do Meio , antes de mais nada, uma atividade no livresca. Inicia-se na prpria sala de aula, quando proposto e planejado a partir de um problema mais geral e termina tambm na sala de aula, quando os resultados
so explorados em profundidade e avaliados.
Essa forma de trabalho, muito mais que outras, exige um estudo prvio e profundo
do assunto em sala de aula, demandando aula expositiva, pesquisa, discusso em grupo,
plenrias, construo coletiva de textos e planejamento de cada etapa do estudo, etc., culminando com a ida ao meio selecionado e a correspondente avaliao de todo o
processo.
O estudo do meio no significa o deslocamento para outros lugares distantes da
escola e ou cidade onde a instituio se localiza. Pode ser a prpria escola, a comunidade
onde ela se encontra, os locais histricos da cidade, o setor econmico (fbrica, empresas), educacional, da sade etc. Subtemas podero servir de norte para o tema gerador e,
conseqentemente, levariam culminncia do estudo do meio. Balzan (1974, p.116) diz que a comunidade sempre rica quanto s possibilidades que oferece para os