Livro presença das juventudes pernambucanas pdf

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Michel Zaidan Filho

Otávio Luiz Machado (Organizadores)

PRESENÇA DAS JUVENTUDES PERNAMBUCANAS:

um diálogo com os jovens brasileiros

NEEPD Olinda-PE

2010

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Copyright © 2010 by Michel Zaidan Filho Otávio Luiz Machado

Impresso no Brasil

Printed in Brazil

Editor Tarcísio Pereira

Diagramação

Laís Mira

Design da Capa

Manoel Felipe Batista da Fonseca

Fotografias da Capa e Contra-Capa

Plano Estadual de Juventude (Governo do Estado de Pernambuco, Agosto de 2008)

Projeto Gráfico Sérgio Siqueira

Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia (NEEPD) está ligado ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, da UFPE e faz pesquisas, publica estudos políticos, oferece cursos de capacitação e pós-graduação em Ciência

Política. Endereço Av. Prof. Moraes Rego, 1235 - Cidade Universitária, Recife - PE - CEP: 50670-901. E-mail:

[email protected]

Diretoria:

Coordenador: Prof. Dr. Michel Zaidan Filho (UFPE)

Vice-Coordenador: Prof. Ms. Clóvis Myiachi (UPE)

Secretário-Executivo: Otávio Luiz Machado (NEEPD) Assessor jurídico: Ricardo Gueiros Júnior (RG Consultoria Jurídica)

Corpo de Pesquisadores e Assistentes de Pesquisa: Sídia Lima Porto, Fábio Andrade Bezerra, Heli Ferreira, Otávio Luiz

Machado, Alexandre da Silveira Lins, Andrine Souza Silva, Anna Paula Pereira Pinto, Erivania Vitalino Ferreira da Silva, Girleide de Sá Menezes, Jullyanne Campos Martins, Manoel Felipe Batista da Fonseca, Monyke Cabral e Silva, Niedja de

Lima Silva e Tatiane Helena Lins dos Santos.

Revisão

Dos Organizadores

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Ficha Catalográfica

P933 Presença das juventudes pernambucanas: um diálogo com os jovens brasileiros. /Michel Zaidan Filho; Otávio Luiz Machado (org.).- Olinda: Livro Rápido, 2010. 198 p; Inclui Bibliografia ISBN: 978-85-7716-918-4 1. Juventude pernambucana. 2. Movimentos juvenis. 3. Formação cidadã do jovem. I. Zaidan Filho, Michel (org.). II. Machado, Otávio Luiz (Org.). III. Título.

323.1 CDU (1997) Fabiana Belo – CRB-4/1463

Livro Rápido – Elógica Rua Dr. João Tavares de Moura, 57/99 Peixinhos Olinda-PE CEP: 53230-290 Fones: (81) 2121-5300 Fax: (81) 2121-5333 www.livrorapido.com

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TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial,

por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos,

microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos e videográficos.

Vedada a memorização e/ou recuperação total ou parcial em qualquer

sistema de dados e a inclusão de qualquer parte da obra em qualquer

programa juscibenético. Essas proibições aplicam-se também as

características gráficas da obra e à sua editoração.

Pesquisa “Aspectos da Memória das Juventudes Pernambucanas: Novas

Configurações e Transmutações (1973-1985)” (apoiado pelo CNPq e UFPE)”

Coordenadores do projeto: Michel Zaidan Filho e Otávio Luiz Machado

Pesquisadores-Colaboradores: Marília Pontes Sposito (Programa de Pós-

Graduação em Educação da USP), Marcelo Siqueira Ridenti (Programa de

Pós-Graduação em Sociologia da Unicamp), Maria Ribeiro do Valle

(Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UNESP/Araraquara), José Luis

Sanfelice (Programa de Pós-Graduação em Educação da Unicamp), Janice

Tirelli Ponte de Sousa (Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSC),

José Alberto Saldanha (Programa de Pós-Graduação em História da UFAL),

Luis Antônio Groppo (Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Educação

da UNISAL), João Roberto Martins Filho (Programa de Pós-Graduação em

Sociologia da UFSCar), Ângelo Emílio da Silva (Programa de Pós-Graduação

em História da UFPB), Carla de Sant´Anna Brandão (Departamento de

Psicologia da UEPB), Marcos Ribeiro Mesquita (Departamento de Psicologia

da UFAL), Ellen Spielmann (Departamento de Literatura da University of

Düsseldorf, Alemanha) e Elísio Estanque (Centro de Estudos Sociais da

Universidade de Coimbra, Portugal).

Estudantes: Alexandre da Silveira Lins (Ciência Política), Andrine Sousa

(Serviço Social), Erivânia Vitalino Ferreira da Silva (Ciência Política),

Girleide de Sá Menezes (Serviço Social), Manoel Felipe Batista da Fonseca

(História), Niedja de Lima Silva (Serviço Social)

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SUMÁRIO 7 Dados dos Autores

11 Agradecimentos

13 Introdução

15 Violência nas Escolas: Como Pensar em Juventudes,

Democracia, Direitos Humanos e Cidadania sem se Preocupar com tal Questão? Otávio Luiz Machado

43 Música e Sociabilidade entre Jovens Negros no Recife: os

Maracatus Nação Isabel Cristina Martins Guillen

59 Pensar os Jovens dos Novos Movimentos de Juventude:

Contribuições Teóricas à Construção de uma Categoria Adjair Alves

92 As Juventudes, uma experiência em uma periferia do Recife

Severino Vicente da Silva

103 Juventude, política e consumo: imagens juvenis na publicidade

brasileira a partir de 1964 Maria Eduarda Rocha

123 Educação, Cultura e Política

Janice Tirelli Ponte de Sousa

135 Juventude em Transe: o cinema novo e a invenção do jovem na

cultura visual brasileira

Paulo Carneiro da Cunha Filho

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155 Políticas Públicas, escola e direitos multiculturais Michel Zaidan Filho

185 O DEBATE SOBRE EDUCAÇÃO E JUVENTUDE DURANTE OS

TRABALHOS PARA A ELABORAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 Otávio Luiz Machado

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DADOS DOS AUTORES

ADJAIR ALVES: Doutor em Antropologia, professor da

Universidade de Pernambuco (UPE).

ALEXANDRE DA SILVEIRA LINS: Graduando em Ciência Política

da UFPE. Foi participante do Projeto “Memória das Juventudes

Pernambucanas da UFPE” (Projeto Proext-Bex-Recife).

Integrante do projeto “Aspectos da Memória das Juventudes

Pernambucanas: Novas Configurações e Transmutações (1973-

1985)” com bolsa Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de

Pernambuco (FACEPE).

ANDRINE SOUSA: Graduanda em Serviço Social da UFPE. Foi

bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de

Pernambuco (FACEPE). Integrante do projeto “Aspectos da

Memória das Juventudes Pernambucanas: Novas Configurações

e Transmutações (1973-1985)” com bolsa da Propesq-UFPE.

ANÍSIO BRASILEIRO: Professor do Departamento de Engenharia

Mecânica do Centro de Tecnologia e Geociências da

Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). É Pró-Reitor da

Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa (Propesq) da UFPE.

BRUNO MEDEIROS: Mestrando do PPG em Psicologia Social

(UFPB).

CARLA DE SANT’ANA BRANDÃO: Professora nos Cursos de

Graduação em Psicologia do Centro Universitário de João

Pessoa (UNIPE) e da UEPB. Mestre em Psicologia Social (UFPB)

e Doutora em Sociologia (UFPE).

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ERIVÂNIA VITALINO FERREIRA DA SILVA: Graduanda em

Ciência Política da UFPE. Foi participante do Projeto “Memória

das Juventudes Pernambucanas da UFPE” (Projeto Proext-Bex-

Recife). Integrante do projeto “Aspectos da Memória das

Juventudes Pernambucanas: Novas Configurações e

Transmutações (1973-1985)” com bolsa da Fundação de

Amparo à Pesquisa no Estado de Pernambuco (FACEPE).

GIRLEIDE DE SÁ MENEZES: Graduanda em Serviço Social da

UFPE. Foi bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa no

Estado de Pernambuco (FACEPE) e participante do Projeto

“Memória das Juventudes Pernambucanas da UFPE” (Projeto

Proext-Bex-Recife). Integrante do projeto “Aspectos da

Memória das Juventudes Pernambucanas: Novas Configurações

e Transmutações (1973-1985)” com bolsa da Propesq-UFPE.

ISABEL CRISTINA MARTINS GUILLEN: Professora do

Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em

Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco

(UFPE).

JANICE TIRELLI PONTE DE SOUSA: Professora do

Departamento de Sociologia e Ciência Política, do PPG em

Sociologia, e Coordenadora do Núcleo de Estudos da Juventude

Contemporânea da UFSC.

MARCOS RIBEIRO MESQUITA: Professor do Departamento de

Psicologia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

MARIA EDUARDA ROCHA: Professora do PPG em Sociologia da

UFPE. Autora de O consumo precário – pobreza e cultura de

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consumo em São Miguel dos Milagres (Edufal, 2002), e de A

nova retórica do capital: a publicidade brasileira em tempos

neoliberais (Edusp, 2010).

MICHEL ZAIDAN FILHO: Professor do Departamento de História

e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da

Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

NIEDJA DE LIMA SILVA: Graduanda em Serviço Social da UFPE.

É participante do Projeto “Memória das Juventudes

Pernambucanas da UFPE” (Projeto Proext-Bex-Recife).

Integrante do projeto “Aspectos da Memória das Juventudes

Pernambucanas: Novas Configurações e Transmutações (1973-

1985)”. É bolsista da Proext-UFPE.

OTÁVIO LUIZ MACHADO: Pesquisador do Núcleo de Estudos

Eleitorais, Partidários e da Democracia do Programa de Pós-

Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de

Pernambuco (NEEPD-UFPE). Coordenador do Programa sobre

Juventudes, Democracia, Direitos Humanos e Cidadania na

UFPE. Pesquisador do projeto “Aspectos da Memória das

Juventudes Pernambucanas: Novas Configurações e

Transmutações (1973-1985)” (financiado pelo CNPq) na

instituição. Possui bolsa do CNPq no referido projeto

PAULO CARNEIRO DA CUNHA FILHO: É professor do Programa

de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de

Pernambuco. Doutor em Artes pela Universidade de Paris 1

(Panthéon-Sorbonne), pesquisa atualmente as forma de

representação cinematográficas do Nordeste do Brasil.

Publicou, recentemente, A Utopia Provinciana: Cinema,

Recife, Melancolia, pela Editora Universitária da UFPE.

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SEVERINO VICENTE DA SILVA: Professor Adjunto do

Departamento de História da UFPE; membro do Colegiado do

Programa de Pós-Graduação em História da UFPE; Membro da

Comissão de Estudos de História da Igreja da América Latina,

CEHILA; Membro do Instituto Histórico de Olinda.

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AGRADECIMENTOS

Num trabalho de tal magnitude seria importante agradecer nominalmente a todos os que colaboraram com o Projeto em todas as suas etapas, mesmo sabendo que o esquecimento de muitos nomes é previsível. Mas seria uma tarefa difícil. Então pensamos em agradecer inicialmente às instituições, pois aí todas as pessoas poderão se sentir igualmente honradas com a obra produzida coletivamente e de interesse dos brasileiros e brasileiras. A UFPE criou boas condições para a realização do trabalho, assim como os diversos homens e mulheres que nos ajudaram a construir as bases do nosso projeto fora desse ambiente. À Propesq, à Proacad, à Proext e diversos órgãos da UFPE que sempre se prontificaram a colaborar com o presente projeto. Também agradecemos a FACEPE pelas bolsas disponibilizadas aos nossos estudantes.

O apoio do CNPq foi essencial, pois através do projeto “Aspectos da Memória das Juventudes Pernambucanas: Novas Configurações e Transmutações (1973-1985)” (apoiado pelo CNPq e UFPE)”,

Agradecemos nossa equipe de bolsistas que estiveram envolvidos diretamente na organização do evento e no projeto propriamente dito, bem como aos monitores e demais colaboradores das atividades. Agradecemos a cada pesquisador-colaborador que se dispôs a falar no Seminário Nacional sobre Juventudes Pernambucanas, que sem eles os nossos projetos nunca teriam o respaldo necessário.

Quando pautamos as nossas ações pela ética pública, o interesse da sociedade, a preocupação com o aprendizado de cidadania de cada membro envolvido e o avanço da ciência, também não podemos deixar de lembrar que o povo brasileiro é o grande financiador de parte dos nossos estudos e trabalhos, pois foi a partir daí que foram abertas as condições de fazê-los

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com os privilégios essenciais para o seu pleno desenvolvimento.

Um dos trabalhadores brasileiros que contribuiu em muito com as nossas atividades chamava-se Severino Ramos (o Biu), que faleceu recentemente em um trágico acidente. A homenagem que fazemos nesse livro em nome de toda a nossa comunidade do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) da UFPE.

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INTRODUÇÃO

Os textos aqui publicados foram produzidos durante o

Seminário Nacional sobre Juventudes Pernambucanas: um Balanço a Partir do Século XX e no decorrer do projeto de pesquisa financiado pelo CNPq intitulado “Aspectos da Memória das Juventudes Pernambucanas: Novas Configurações e Transmutações - 1973-1985”). O Seminário foi realizado entre os dias 29 e 30 de abril de 2010, na UFPE. Com apoio da Proext, da Propesq e do CNPq (por meio do projeto o evento trouxe diversos estudiosos para debater a questão juvenil nos seus múltiplos aspectos.

Com a presença de pesquisadores e professores com vasta contribuição no campo das ciências humanas e sociais – e de um público interessado em trocar conhecimentos e experiências –, o balanço que pode ser feito é o mais positivo possível, ao considerarmos que discutimos a situação das nossas juventudes focando na questão da formação cidadã, da visibilidade da juventude, do protagonismo juvenil, da escolarização, da violência e de outras questões que se encontram na ordem do dia.

O evento contribuiu para consolidar mais uma vez uma linha de pesquisa sobre Sociologia da Juventude na UFPE, contribuindo assim na formação de diversas juventudes da própria UFPE, sem contar a extensão dos resultados aos gestores de políticas públicas específicas para os jovens, membros de ONGs, militantes juvenis e pessoas que estão se voltando à questão da juventude no seu trabalho cotidiano.

A nossa equipe é composta por bolsistas dos cursos de Ciência Política, Serviço Social e Ciências Sociais, que atuam na execução e promoção de eventos, pesquisas e demais atividades acadêmicas de interesse da sociedade. O empenho, a motivação, o compromisso público e o interesse em aprender é algo muito forte do nosso grupo.

Como são poucos os espaços para que possamos apresentar os principais resultados do resgate da memória da

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juventude pernambucana (e para pedir aos possuidores de documentos históricos sobre a juventude que doem algum tipo de material para a pesquisa em curso), também esperamos impulsionar junto à sociedade uma reflexão e a ação urgente em prol dos nossos jovens através do envolvimento com as atividades educativas que desenvolvemos.

Recife, 28 de outubro de 2010 Os organizadores

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VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS: COMO PENSAR EM

JUVENTUDE, DEMOCRACIA, DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA SEM SE PREOCUPAR COM TAL QUESTÃO?1

Otávio Luiz Machado

As juventudes tem sido um dos temas fortes nas nossas agendas de pesquisas e reflexões na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

A educação é um dos instrumentos de diferenciação social, pois podemos considerá-la um canal de integração dos indivíduos na sociedade

2. O que se observa na realidade

1 Algumas reflexões dos textos foram construídas a partir dos

projetos de Pesquisa “Aspectos da Memória das Juventudes Pernambucanas: Novas Configurações e Transmutações (1973-1985)” (financiado pelo CNPq) e “Estudos Interdisciplinares sobre Juventude, Democracia, Direitos Humanos e Cidadania” (Financiado pela Propesq-UFPE). O tema foi uma preocupação anterior ao início dos referidos projetos, mas é trazido aqui mais como uma instigação do que como resultados ou conclusões de pesquisas. 2 A luta pelo acesso à educação é histórica no Brasil, embora

“A escola oficial e pública, que na década de 40 foi objeto de duras lutas políticas para torná-la universal, passou a ser posta sob suspeita de ser agente da dominação. A escola estaria a serviço da reprodução da ordem social desigual vigente e da legitimação do Estado opressor e do estamento técnico-burocrático. Por causa disso projetos educacionais informais, conceituados como educação popular ou alternativa, tomaram conta da imaginação política dos intelectuais brasileiros” (ZALUAR, 1994, p. 30). A escola tem sido colocada em xeque segundo pesquisas ao não responder satisfatoriamente às expectativas imediatas dos jovens, mesmo sendo “considerada inadequada em parte porque não sabe responder às aspirações

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brasileira é o aumento do ingresso dos jovens no ensino formal, com uma maior demanda por educação das camadas populares, embora também os índices elevados de repetência, de fracasso, de evasão ou de expulsão dos alunos possam ser considerados significativos (GOMES, 1997; LAHIRE, 1997; PAIVA, 1992; SOUZA e SILVA, 2003)

3, além do analfabetismo

juvenil no Brasil, que conta com cerca de meio milhão de jovens analfabetos, sendo 66% do total provenientes da Região Nordeste (SEJE, 2008)

4.

Mas simultaneamente, também, o fenômeno social da violência tem atingido enormemente os jovens, pois dados divulgados em diversos estudos demonstram que a juventude é cada vez mais atingida pela violência, bem como o grupo que também mais pratica violência (SEJE, 2008; UNESCO, 2002; ZALUAR, 1992, 1993, 1994, 2004; ABRAMOVAY, 1998, 2001; WAISELFISZ, 2004)

5. E a violência tem ocupado cada vez mais

espaços em locais fundamentais para a socialização dos jovens, como é o caso da escola, o que permite considerar que um dos seus canais importantes de transição para a vida adulta também seja permeado pela violência (ABRAMOVAY e AVANCINI, 2003).

populares nem dialogar com suas várias linguagens, ou seja, porque inexiste, da parte do educador, o conhecimento e o respeito pela cultura do educando” (idem, p. 31). 3 O Brasil tem alcançado níveis significativos de matrículas na

última década. Além a universalização e da meta da educação como “direito de todos”, a carta da Constituição de 1988 incluiu, além dos direitos políticos e civis, os direitos sociais (SCHWARTZMAN, 2004b). Apoiando-se nesse Documento, o debate atual sobre políticas públicas de juventude insiste na inclusão da juventude como sujeito de direitos. 4 SEJE: Secretaria de Juventude e Emprego do Estado de

Pernambuco. 5 UNESCO: Organização das Nações Unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura;

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A violência escolar passou a ganhar visibilidade com a publicação e divulgação pela UNESCO em 2002 do documento Violências nas Escolas (ABRAMOVAY e RUA, 2002). É o que também diversos estudos acadêmicos ou produzidos por escolas, sindicatos de professores

6 ou pelos órgãos públicos

destacam mais recentemente, embora os dados vão além, ao apresentar especificamente o crescimento de agressões contra professores (as) nos seus mais diversos graus (CNTE, 2004; ABRAMOVAY, 2006; SINTEPE, 2006; SINPRO/RS, 2007; APEOESP, 2008)

7. Os dados de uma pesquisa realizada pelo SINTEPE e

publicada no Diário de Pernambuco revelam que 31% dos casos de violência escolar em Recife relaciona-se com a agressões praticadas pelos estudantes contra educadores (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 24/10/2008).

Com dados mais específicos sobre violência escolar na região metropolitana de Recife, Maria José de Oliveira Maciel em sua tese – produzida na área de Sociologia – analisou 186 escolas municipais e estaduais a partir de uma abordagem institucional, constatando que a violência faz parte da realidade das escolas e se manifesta de diversas formas. A autora partiu da hipótese de que existia “uma relação estatisticamente significativa entre grau de violência nas escolas e a adoção de medidas institucionais que repercutem na organização escolar das instituições públicas de ensino da atualidade” (OLIVEIRA MACIEL, 2004, p. 87), o que permitiu concluir que várias ações no próprio ambiente escolar tenderiam a diminuir a violência escolar.

Com tais indicadores que apresentam a baixa preocupação com a produção de estudos sobre os jovens que

6 Quando nos referirmos ao termo “professores” também

abrangemos as profissionais do sexo feminino (“professoras). 7 CNTE: Confederação Nacional dos Trabalhadores em

Educação; SINPRO/RS: Sindicato dos Professores do Rio Grande do Sul; SINTEPE: Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco; APEOESP: Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo.

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agridem professores, a relevância de uma pesquisa sobre o tema corporifica-se na análise da juventude na sociedade contemporânea, onde um cotidiano de violências nas escolas passou a ser associada a um comportamento de jovens marcados pela exclusão social. É preciso ir além da identificação da violência escolar, mas analisar o que pensam as diversas juventudes que freqüentam as nossas escolas, suas percepções sobre tais tipos de violências cotidianas e o diálogo desse discurso com as falas dos professores vitimizados. Com o estudo de Abramovay e Avancini (2003)

8, quando se analisou as

8 Outra pesquisa apoiada pela UNESCO também pode nos fazer

melhor pensar a questão, especificamente por meio da análise de três indicadores. Trata-se da “Pesquisa Nacional Violência, Aids e Drogas nas Escolas” (Unesco, 2001). Um dos dados da pesquisa indicou que a proporção de alunos dos Ensinos Fundamental (5ª a 8ª) e Médio que presenciaram o uso de drogas dentro da escola em diversas capitais brasileiras (em 2000) foi a seguinte: em menor intensidade em Belém (15,7%); e maior em Florianópolis (35,1%). Em Recife constatou-se 22,1%. Questionados os alunos sobre relatos de violência sexual e/ou estupros no ambiente da escola, 5% dos estudantes do Pará, Ceará e Espírito Santo disseram saber algo a respeito, enquanto 12% no Mato Grosso. 6% de Pernambuco responderam positivamente sobre a ocorrência de violência sexual nas escolas. Noutra parte referiu-se ao “Uso e porte de armas”. Os alunos das capitais das Unidades da Federação, Quanto ao testemunho de porte de armas de fogo e de outras armas por alunos, professores ou pais no ambiente da escola, 18% dos estudantes do Distrito Federal e 9% da Amazônia e do Pará. As respostas dos alunos de Pernambuco foram de 12%. Quanto a outros tipos de armas (faca, Porrete, estilete etc.), 15% no Mato Grosso e 10% de Pernambuco presenciaram outros tipos de armas. A pesquisa conclui que “as armas, mesmo quando não acionadas, impõem respeito entre os jovens e simbolizam poder, status e masculinidade. A presença de qualquer tipo de

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percepções dos diversos atores em escolas das diversas regiões brasileiras, foi possível traçar suas experiências, expectativas e perspectivas. O que chamou a atenção foram os mais diversos tipos de manifestação de violência nas escolas, tais como a física, a simbólica e o que as autoras chamaram de incivilidades. Os dados foram analisados relacionando-os com realidade social de pobreza e exclusão social não só cercam as escolas, mas afeta enormemente o seu dia-a-dia. A pesquisa também identificou a violência sexual nas escolas, que “vão desde ´brincadeiras´, que podem gerar constrangimento àqueles a que são dirigidas, até estupros” (idem).

Conforme dados preliminares da Pesquisa de Vitimização nas Escolas 2003, realizada pela UNESCO em escolas da rede pública de cinco capitais (Belém, Salvador, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo), 83,4% dos alunos entrevistados afirmaram existir violência na escola; 69,4% disseram sobre a ocorrência de furtos no ambiente escolar; cerca de 37% alegam ter sido furtados uma ou mais vezes. Além disso, 21,7% dizem já ter visto canivetes no ambiente escolar e 12,1%, revólveres (WERTHEIN, 2004).

Os dados conclusivos dessa pesquisa, publicados em 2006, apontaram que a direção da escola dificilmente tomou providências independentemente de quem fosse o alvo de violências nas escolas (aluno, professor ou outro adulto) (ABRAMOVAY, 2006, p. 166), levando-se em consideração que, no caso de ameaças de agressão física a professores pelos alunos, em sua maioria as motivações relacionam-se com o rendimento escolar ou em recusa da dinâmica cotidiana da escola.

É preciso considerar que

As ameaças são, muitas vezes, minimizadas e consideradas parte da comunicação entre os jovens,

armamento na escola aponta a banalização do uso de armas e a possibilidade de episódios de violência efetiva”.

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sendo associadas a expressões verbais que não se concretizam necessariamente em agressão física. Contudo, no plano de uma ética de civilidade, em particular em ambiências escolares, elas merecem atenção singular. Há que também levar em conta que esse tipo de ocorrência pode ser um aviso, uma etapa pré-agressão física, sendo, portanto, um momento importante para intervenção dos adultos da escola. A importância das ameaças na vida social é também reconhecida, tanto que tipifica um delito sujeito à punição prevista no artigo 147 do Código Penal (idem, p. 145).

Mas um consenso entre os mais diversos autores é que a

violência atinge significativamente os mais jovens9, seja na

condição de vítima, seja na condição de autores, também considerando que são eles o grupo social mais identificado quando abordamos o tema da violência (ZALUAR, 1993; SPOSITO, 1994; CASTRO, 2001; ABRAMOVAY, 2004; NOVAES, 2006; DIÓGENES, 2008). O Brasil é o quinto colocado no ranking internacional em homicídios na população jovem. Rio de Janeiro, Pernambuco e Espírito Santo configuram-se como os estados mais violentos, cujos indicadores para as causas são multidimensionais

10.

9 A violência escolar tem sido tratada em diversos estudos. É o

caso da pesquisa da ONG inglesa Plan, que lançou recentemente a campanha mundial “Aprender Sem Medo”. Algumas conclusões foram: 84% dos cerca de 12 mil estudantes de seis estados pesquisados consideraram suas escolas violentas; 70% afirmaram ter sido vítimas de violência escolar; e um terço dos estudantes afirmou estar envolvido em bullying, como agressor ou como vítima. 10

Por exemplo, na década de 1980 foram assinadas 11,7 pessoas em cada 100 mil habitantes no País. Entre 1991 e 1998, houve um aumento da taxa de mortalidade por causas externas em todas as regiões do País exceto na região sul, com

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Muitos autores ao explicar a violência a partir do espaço escolar sob a ótica da exclusão social consideram que a presença na escola não reduz a vulnerabilidade social de adolescentes e jovens que estão afastados do mercado de trabalho:

As desigualdades foram se aprofundando, mas havia mobilidade. Hoje, os jovens não possuem, em geral, condições melhores de trabalhos e de vida que seus pais. Os filhos dos pobres estão ficando mais pobres que os pais, os filhos dos ricos estão menos ricos que os pais. Não por acaso, a diminuição das possibilidades de mobilidade social gera pessimismo

acentuada mortalidade masculina (cinco vezes mais que a feminina), predominando os homicídios na região Norte, Nordeste e Sudeste. Em 1998 os Homicídios passaram a ocupar o primeiro lugar na região Centro-oeste (Organização Pan-Americana de Saúde, 2004). Em 2000, esse número chegou a 28, 7, mostrando um aumento de 100% em relação à década anterior. Em 2004, foram assinados 200 jovens por 100.000 habitantes, o que a Nações Unidas considerou um resultado de situação de guerra. As três capitais Brasileiras com os maiores índices de criminalidade foram: Rio de Janeiro, São Paulo e Recife (RIQUE, 2005). Em Pernambuco, as vítimas de homicídios que foram agredidas e mortas são jovens e significativamente do sexo masculino. “A faixa etária predominante foi a dos 20 a 29 anos (41% do total), seguida da dos 30 a 39 anos (21%). Os jovens de 15 a 19 anos constituíram 19% do total” (Pacto pela Vida, 2007). 83% das mortes masculinas ocorreram na faixa etária dos 15 aos 39 anos. Segundo dados do Ministério da Saúde divulgados no Plano Estadual de Juventude de Pernambuco (2008), a juventude – 15 a 29 anos de idade – é vítima de 47% das mortes violentas (lesões, acidentes, homicídios, entre outras) no Estado de Pernambuco.

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e ausência de perspectiva em relação ao futuro (NOVAES, 2006, p. 108).

No Rio Grande do Sul, segundo o relatório do SINPRO (RS), 92,0% dos respondentes informaram já ter sofrido ou presenciado violência no ambiente de trabalho (Sinpro, jan. 2007). Dentre os fatos vivenciados pelos professores que trabalham na Grande Porto Alegre estão os seguintes: agressão física, agressão via internet, assédio sexual, relativização das agressões dos alunos e outras (idem, p. 5). Segundo pesquisa da Apeoesp sobre os professores da rede estadual que trabalham em Campinas, numa amostra de 580 entrevistados (num universo de 6.600 professores), 24% sofreram violência física, 43% já foi alvo de xingamentos, 30% sofreram humilhações, 20% foram vítimas de agressões verbais e 7%, de outros tipos de agressão, como intimidação. A pesquisa ainda perguntou sobre objetos pessoais danificados por alunos. A resposta foi a seguinte: 42% afirmaram que houve danos a seus carros, 30% citaram danos a livros, 8% a celulares e 20% mencionaram outros danos (FSP, 25/09/2008). Também foi divulgada uma pesquisa pelo Conselho Tutelar de Cariacica em escolas públicas das redes estadual e municipal de ensino, que constatou haver constatado violência contra professores na maioria delas (REDE GAZETA, 02/09/2007). Em outros casos de violências contra professores estão envolvidos ex-alunos das escolas, como ocorreu em Recife com uma professora da Escola Estadual Vidal de Negreiros, que foi seqüestrada por quatro jovens que haviam estudado na escola Em quase todos os casos de violências contra professores, nos seus mais diversos níveis, a grande dificuldade é a ausência de registros, levando-se em consideração que os dados geralmente não são notificados.

O debate sobre juventude tem tido marcado pela multiplicidade de visões, sendo a mais usual a que trata a categoria juventude a partir de um ciclo biológico e psicológico (faixa de idade, período de vida, mudanças psicológicas etc)

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(ABRAMO, 1995, p. 1). Mas no campo da sociologia tem prevalecido a visão da juventude como categoria social (ABRAMO, 1994, 1995; GROPPO, 2000; PAIS, 1999; SOUSA, 1999).

Assim, ao discutirmos juventude também analisamos a diferenciação das sociedades modernas, pois “a acentuada divisão de trabalho e a especialização econômica, a segregação da família das outras esferas institucionais e o aprofundamento das orientações universalistas agudizam a descontinuidade entre o mundo das crianças e o mundo adulto” (ABRAMO, 1994, p. 3).

Para a categoria juventude precisamos recorrer a noções como transitoriedade (período de preparação para a vida adulta), que está relacionada à idéia de suspensão da vida social, “dada principalmente pela necessidade de um período escolar prolongado, como um tempo para o treinamento da atuação futura” (ABRAMO, 1994, p. 12). Outra noção é a de individuação, na questão da identidade própria, de recusa de valores e normas considerados fundamentais pelos pais e a importância dos grupos de pares. Também poderíamos recorrer à noção de crise potencial, ou mesmo de socialização, porque

... o destaque do grupo de idade correspondente à adolescência, na sociedade moderna, aparece como fruto do desenvolvimento da sociedade industrial que, ao criar a disjunção entre a infância e a maturidade, tornou necessário um segundo processo de socialização. Esta consiste, fundamentalmente, na preparação dos jovens para a assunção dos papéis modernos relativos à profissão, ao casamento, à cidadania política etc, que os coloca diante da necessidade de enfrentar uma série de escolhas e decisões. Dessa maneira, por ocupar um status ambíguo, between and betwixt, os jovens constroem redes de relações particulares com seus companheiros de idade e de instituição, marcadas por uma forte afetividade, nas quais, pela similaridade de condição, processam juntos a busca de definição dos

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novos referenciais de comportamento e de identidade exigidos por tais processos de mudança (ABRAMO, 1994, p. 17).

Ao tratarmos a noção de juventude – ao invés do seu

caráter geracional e biológico – no aspecto histórico, social e cultural, trazemos o debate para a compreensão como “parte de grupos sociais e culturais específicos“ (CARDOSO & SAMPAIO, 1995, p. 18.) Ou seja:

A juventude só pode ser entendida em sua especificidade, em termos de segmentos de grupos sociais mais amplos. Os jovens passam, assim, a ser vinculados a suas experiências concretas de vida e adjetivados de acordo com o lugar que ocupam na sociedade. Não se fala mais em juventude em abstrato, como uma espécie de energia potencial de mudanças, ainda que culturalmente construída, mas das múltiplas identidades que recortam a juventude (idem, p, 18).

A juventude geralmente foi enxergada como

vivenciadoras de situações ditas de risco e dotadas de uma rebeldia típica da juventude. Não se consideravam alguns aspectos relacionados à família, à escolaridade e à situação de classe desde o seu início, pois abordagem dada pela Sociologia à juventude esteve inicialmente associada à desordem, conforme estudos realizados nos Estados Unidos pela chamada Escola de Chicago entre os anos 1920 e 1940

11. Tais estudos

focaram os conflitos e as violências entre as gangues,

11

Alguns dos estudantes produzidos pela Escola de Chicago foram: THRASHER, Frederick M. The Gang. Chicago: The University of Chicago Press, 1927; MCKAY, Henry e SHAW, Clifford R. Juvenile Delinquency in urban areas. Chicago: The University of Chicago Press, 1942; FIGLIO, Robert, SELLIN, Thorten e WOLFGANG, Marvin E. Delinquency in a Birth Cohort. Chicago: The University Press, 1972.

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inicialmente (WAISELFISZ, 1998; ABRAMOVAY, 2004; ZALUAR, 2004).

Para Abramovay (2004, p. 92-93), “a Escola de Chicago fornece os primeiros postulados de uma ´sociologia da delinqüência juvenil´, referindo-se aos problemas de integração das microcomunidades, distanciadas das normas dominantes na sociedade”, pois seus interesses não estavam voltados ao tema juventude especificamente, mas no efeito do acelerado crescimento urbano, na ausência de integração nesses novos espaços sociais e no comportamento dos moradores dos locais em que surgiram rapidamente inúmeras gangues, organizações criminosas ou bandos com forte presença de jovens. Para Zaluar (2004), “pela primeira vez, falou-se das zonas ecológicas e dos territórios da cidade, e fez-se associação entre desorganização social e violência, zona de transição e criminalidade, violência urbana e juventude”. Por outro lado,

... esse aparecimento pela contraposição aos padrões dominantes é dado também pelos grupos delinqüentes ou ligados à criminalidade, compostos por jovens das “classes baixas”, que suscitam o tema do desvio no processo de integração dos jovens à vida social. Esse é o foco dos trabalhos realizados nos anos 20 e 30 pela Escola de Chicago, os quais constituem uma das primeiras e mais importantes séries de pesquisa sociológica sobre juventude. Esses pesquisadores, preocupados com os problemas decorrentes da desorganização social provocada pelo crescimento das metrópoles, voltam a atenção para os street gang boys, rapazes de bairros de imigrantes que vivem a maior parte de seu tempo nas ruas, fora dos espaços institucionais adequados à uma socialização “sadia”, e que acabam por desenvolver comportamentos “em desconformidade com as normas sociais”, muitas vezes inspirados ou

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vinculados ao mundo da criminalidade (ABRAMO, 1994, p. 10).

Com um amplo leque de estudos abordando o desvio e da delinqüência juvenil inspirados nos estudos da Escola de Chicago

12, a Sociologia norte-americana focou no universo

cultural da marginalidade e da criminalidade, cujo principal modelo teórico foi o de cunho funcionalista, que estudou os jovens em sua maioria de classes de baixa renda em condições sociais anômalas, sobretudo no pós Segunda Guerra Mundial. A Sociologia preocupava-se com as chamadas “subculturas juvenis”, pois alguns grupos juvenis marcados pelo desemprego e o consumo de drogas, como os membros das gangues, eram facilmente identificados como jovens “desviantes”.

Para analisarmos a violência juvenil nos espaços escolares das periferias da cidade de Recife, cremos que a perspectiva teórica ou conceitual da Sociologia da Juventude que se orienta pela noção de culturas juvenis de José Machado Pais será a mais factível para orientarmos a questão do ponto de vista da existência de diversas “juventudes” que se interagem no espaço escolar. Ao tratar o conceito de juventude visando se distanciar de uma homogeneidade e superando a noção como “transição para a vida adulta”, Pais considera que as vivências juvenis são múltiplas e relativiza a análise focada nas gerações, pois para ele cada jovem tem um percurso próprio onde os comportamentos e atitudes são vistos

12

Com a publicação de Delinquent boys por Albert Cohen (1955) tal tradição é mantida, ao defender “a idéia de que os meninos da classe baixa trabalhadora que estão frustrados com sua situação de vida frequentemente se unem a subculturas delinqüentes, como gangues. Essas subculturas rejeitam os valores da classe média, substituindo-os por normas que celebram o desafio, tais como a delinqüência e outros atos de não-conformidade” (idem, 2005, p. 177).

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dentro de relações sociais e de práticas sociais singulares (PAIS, 1993).

De acordo com Novaes (2006), Novaes e Vanucci (2004) e Velho (2006), para a compreensão da inserção do jovem no espaço social precisamos considerar as aproximações, as diferenças, as trajetórias etc. Estar ou não estar na escola implica em inclusão ou exclusão, mas certamente não se pode afirmar com precisão que a educação será um canal de mobilidade social para o conjunto da juventude, pois precarização do trabalho, o grau de vulnerabilidade e de estigma dos jovens oriundos das camadas populares dificulta a integração dos mesmos a oportunidades iguais usufruídas por outras juventudes.

Pais (1994) atribuiu aos jovens na contemporaneidade como membros de “geração yô-yô”, levando-se em consideração as idas e vindas dos jovens à escola, ao trabalho ou à casa dos pais, quando buscam construir formas próprias de sociabilidade e de ingresso ao mundo adulto. No tocante ao interesse pela escola, que pode ser entendido como espaço de inclusão social, Pais também tem suas restrições:

E já agora, por que muitos jovens faltam às aulas ou ficam satisfeitos quando os professores faltam? É porque encaram a escola como um espaço cerrado, estriado. Tantas vezes designadas como “culturas de margem”, o que estas culturas juvenis reclamam é inclusão, pertencimento, reconhecimento. Daí suas perfomatividades, que não por acaso se ritualizam nos domínios da vida cotidiana mais libertos dos constrangimentos institucionais – os do lazer e do lúdico (“espaços lisos”) (PAIS, 2007, p. 14-15):

Uma nova perspectiva surge quando a expressão da violência passa a ser reconhecida como forma alternativa de visibilidade, de reconhecimento e de ocupação do espaço urbano pelas mais diversas juventudes que são excluídas, porque a presença das gangues ou das galeras demonstram a

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organização e a presença dos jovens nos mais diversos espaços sociais, o que também pode explicar o aumento do fenômeno social da violência:

A violência é uma certa modalidade disciplinada de auto-realização, de produção de si e de relacionamento. É uma modalidade de organizar a experiência da sociabilidade, ainda que cabe dissipando as condições mesmas da experiência de sociabilidade (SOARES, 2006, p. 126).

A questão da instituição escolar merece atenção, pois

passou ser um novo espaço de segmentação e de elaboração das identidades e das relações solidárias necessárias à transição de uma faixa etária para outra, pois sua função “é a transmissão de conhecimentos e valores para o desempenho da vida futura, inclusive profissional” (ABRAMO, 1994, p. 3). Ariès (2006) correlaciona condição juvenil à separação social imposta pela escola, o que nos permite pensar a construção social da juventude como problema surgido na sociedade moderna e intensamente ligado à educação:

É como um fenômeno da sociedade moderna, portanto, que a juventude emerge como tema para a sociologia. Na verdade, esta disciplina se interessa pela juventude na medida em que determinados setores juvenis parecem problematizar o processo de transmissão das normas sociais, ou seja, quando se tornam visíveis jovens com comportamentos que fogem aos padrões de socialização aos quais deveriam estar submetidos (ABRAMO, 1994, p. 8).

Outro referencial a ser adotado é o da Sociologia do Crime e da Violência, quando o comportamento “desviante” passa a ser observado não mais a partir das motivações individuais e relacionadas às instituições, mas a partir de análises multidimensionais que tentam ir além do

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comportamento “desviante”, indicando causas que possibilitam enxergar o “desvio” dentro de uma variedade de contextos sociais e culturais. E uma das teorias que poderá nos oferecer um referencial teórico para analisar as violências produzidas pelos estudantes contra professores será a interacional, sobretudo a Teoria da Rotulação de Howard Becker

13. O desvio

é visto a partir dessa teoria como um processo de interação entre desviantes e não-desviantes e não uma divisão entre os “normais” e os “desviantes”

14, o que torna seu estudo um

diferencial nos estudos criminológicos, pois quando consideramos que

... a proposição do modelo interacional é que o comportamento desviante ocorre em um processo interacional dinâmico. Desse modo, mais do que perceber a delinqüência como uma conseqüência de um conjunto de fatores e processos sociais, a perspectiva interacional procura entendê-la simultaneamente como causa e conseqüência de uma variedade de relações recíprocas desenvolvidas ao longo do tempo (CERQUEIRA e LOBÃO, p. 246-247).

Para Becker (1977, p. 53), todos os grupos sociais estabelecem regras sociais e esperam que sejam seguidas, levando-se em consideração que elas definem situações sociais e os diversos tipos de comportamentos pretensamente apropriados. Os indivíduos que não concordam com tais regras

13

As traduções da publicação original em português de Becker (1977) utilizaram os termos desviantes e marginais ao invés de outsiders, que foi considerada em Becker (2008). 14

Muitos estudos criminológicos produzidos do início até meados do século XX preocupavam-se em entender os desviantes dos não desviantes. Alguns desses autores são: LOMBROSO, HAKEEM, HEALY e GLUECK, 1918.

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são vistos como marginais ou desviantes. Mas o autor analisa que

... a pessoa que recebe o rótulo de marginal pode ter uma visão diferente da questão. Ela pode não aceitar a regra em função da qual está sendo julgada e pode não considerar aqueles que a julgam como competente ou legitimamente autorizados para julgá-la. Conseqüentemente, surge um segundo significado do termo: a pessoa que quebra as regras pode sentir que seus juízes são desviantes (idem).

O autor considera desviante, portanto, o indivíduo que, permanecendo fora do círculo de membros “normais” do grupo, diferem das regras formais consideradas realmente apropriadas pela maioria das pessoas (idem, p. 65). Mas o importante da teoria de Becker é a consideração de que a definição de um ato desviante ou não desviante está relacionada à reação dos outros indivíduos, pois seu conceito de desvio a ser utilizado na pesquisa relaciona-se com as interações cotidianas e as construções dos “rótulos” a partir daí. No caso da agressão contra os professores, então como pensar que alguns estudantes são levados a ameaçar e a agredir professores de diversas formas e outros não? A explicação preliminar de alguns estudantes jovens contatados são a baixa capacidade de punição (uma faixa deles são protegidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente), a desestruturação familiar e a incapacidade da escola de oferecer-lhes as condições que a família não provem ou mesmo a avaliação dos custos (são protegidos por gangues ou criminosos da áreas e assim pressionam os membros escolares a não acionar a polícia). Outras percepções de outros indivíduos também merecerão análises mais aprofundadas. Além da Teoria da Rotulação, também é importante mencionar uma série de pesquisas brasileiras que também poderão nos dar suporte teórico. É o caso de Alba Zaluar

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(1985), pois “com seu trabalho pioneiro baseado em pesquisas etnográficas em favelas e comunidades, verificou uma série de elementos que associariam o contexto social nessas comunidades aos fenômenos da violência e criminalidade, lançando luz sobre a questão” (CERQUEIRA e LOBÃO, p. 254). Como tratamos de escolas localizadas em áreas limítrofes à concentração de pontos de convergência de uma estrutura de crime organizado, também é relevante perceber, como apontou Zaluar e Leal (2001, p. 153), o mesmo como uma instância de poder que afeta não apenas o cotidiano dos moradores dos bairros e favelas, mas que também afeta as relações entre professores e estudantes e entre estes e a própria escola, pois coloca em xeque um sistema de sociabilidades onde a escola teria sido o seu grande expoente. Para as autoras:

Os depoimentos e os dados apresentados ressaltam o confronto entre a violência física extramuros (na rua) e a violência intramuros, praticada na escola, demonstrando que as formas tradicionais de educação moral, até então presentes nas escolas públicas, não têm sido suficientes para impedir a invasão da escola pelos códigos e práticas que dominam as ruas das áreas pobres. O saldo desse confronto, que pode ser identificado nas estatísticas oficiais de mortalidade e nas violências as mais diversas cometidas contra a população jovem dessas áreas, sem registro, tem sido favorável aos responsáveis pela destruição de laços de civilidade e de vidas.

A pesquisa realizada pelas autoras vem demonstrar que a violência não está restrita a alguns espaços sociais pré-determinados, mas que faz parte de uma rede de relações que alcançam vários limites:

Os dados que apresentaremos revelam como a escola está tomada pela violência física

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extramuros, gerando dificuldades para que se produzam os efeitos esperados pelos teóricos do poder simbólico. Além disso, a violência psicológica suposta em qualquer atividade pedagógica precisa ser melhor delimitada para que não se confunda a socialização necessária ao viver em grupo com o esmagamento e o silenciamento daqueles que deveriam estar sendo formados para se tornarem sujeitos com capacidade de argumentação na defesa de seus pontos de vista e interesse. Em que medida isso também acontece dentro do sistema escolar?

Também questionam a cidadania que deveria ser

promovida pela escola, mas que a violência também reproduz o fracasso escolar:

A evasão aparece mais nos depoimentos de alunos do CIEP (22%) do que nos da escola de tempo parcial

(12%). Nesta última, as razões mais apresentadas pelos estudantes para terem deixado de freqüentá-la foram em

ordem decrescente: os problemas decorrentes da

mudança de moradia, a violência na escola e a necessidade de trabalhar. Para os alunos do CIEP, a ordem é diferente: primeiro, a violência na escola. São eles também que mencionaram a discriminação de aluno

pobre e a violência no bairro como responsáveis por dificuldades na escola e no entorno, embora em percentuais baixos (5%).

Embora a violência esteja relacionada aos jovens

pobres das periferias das cidades, como no caso de “gangues” e galeras e a diferenciação dos agrupamentos juvenis nesses locais, sua proliferação estão de alguma forma associadas à violência (DIÓGENES, 2008). Um fenômeno importante a considerar na violência urbana hoje é a existência de “gangues”, que utiliza-se da “prática de atos de transgressão e

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violência juvenil a partir de arranjos associativos específicos, dotados de identidade própria” (ABRAMOVAY, 2004, p. 13). O comportamento “desviante” dos membros dessas “gangues” é considerado como ajustamento e contraste com a ordem estabelecida. Também precisamos observar tais grupos quando refletimos sobre a violência nas escolas.

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MÚSICA E SOCIABILIDADE ENTRE JOVENS NEGROS NO RECIFE: OS MARACATUS NAÇÃO

Isabel Cristina Martins Guillen Resumo: Este artigo discute as transformações ocorridas nos maracatus nação do Recife devido em grande parte ao sucesso que alcançaram nas duas últimas décadas. Analisa alguns fenômenos da espetacularização nos grupos de modo geral, e esmiúça, avaliando, os seus efeitos em um maracatu-nação em particular, o Cambinda Estrela, concluindo com algumas considerações a respeito do que é ser jovem e como se organizam neste maracatu.

“Eu tinha vinte anos. E ninguém me diga que esta foi a

melhor fase da minha vida.” O autor da frase acima (ou algo muito semelhante) é Paul Nizan. Quando fui convidada a esboçar estas linhas fiquei pensando no grande desafio que é, para nós professores universitários, exercermos um atividade crítica acerca de um ator social com quem lidamos cotidianamente. Acredito que temos lidado com certa dificuldade com as mudanças que tem ocorrido com os anseios e angústias dos jovens que entram na universidade. Forçosamente teríamos que pensar sobre a condição do jovem no mundo de hoje, como se constrói esse lugar social, quais as sociabilidades que lhe estão postas na definição das identidades, principalmente o papel que a cultura tem exercido nessa definição.

Quando pensamos em jovem, a idéia de rebeldia, de inquietação, de estar sempre pensando em um mundo novo, de estar desafiando as regras, surge como primeira associação. Mas esta é uma referência da minha geração, que tinha 1968, e todos os acontecimentos que circundam este ano, como parâmetro. O que pensam e o que desejam os jovens hoje? Muitos estudos têm apontado para a criação de um lugar em que consumo e atitudes se interligam na definição do ser jovem no mundo contemporâneo. Aos jovens da atualidade se atribui alguns estereótipos, dentre os quais de destaca o da

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alienação advindo do consumo, o descomprometimento com a política, e com a construção da cidadania. Estaríamos vivendo sob a égide de uma geração pós coca-cola, super informada graças ao acesso à internet, com tecnologias diversas à sua disposição, mas acima de tudo descomprometidos. Temos que concordar com isso? Trata-se de estereótipos, e não se pode objetar a condição de protagonista que os jovens vêm assumindo no mundo contemporâneo, em diversos segmentos. (Martin-Barbero, 2008). Inclusive se pode discutir se a geração de 1968, que tomamos como parâmetro, era assim tão comprometida...

Dentre muitos aspectos que poderíamos apontar na construção das identidades entre os jovens no mundo contemporâneo, a cultura tem assumido uma grande importância, principalmente a musical, que aparece como central na própria definição do que é ser jovem. Esta cultura musical não aparece apenas aos jovens como produtos a serem consumidos, pois estes têm construído novas sensibilidades musicais, novas linguagens estão sendo criadas ou ressignificadas.

Ao mesmo tempo, a cultura musical que tem sido criada pelos jovens tem proporcionado a construção de novos espaços de sociabilidade, de elaboração de identidades, tanto individuais quanto coletivas, espaços estes que, por sua vez, permitem a formulação e eleição de valores e posturas de vida. Através da música, pode-se afirmar, estes jovens têm criado espaços de sociabilidade em que elegem um estilo de vida, um modo de ver e se posicionar no mundo, bem como de expressar esse posicionamento (Abramo, 2008; Dayrell, 2002).

Jovens e maracatus na cena cultural recifense Os maracatus têm se mostrado um espaço de

criatividade e mobilização entre os jovens recifenses. A batida do maracatu, desde que Chico Science e o Nação Zumbi fincaram a parabólica na lama, tem sido central em Pernambuco para se pensar os movimentos culturais na cidade,

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e como os jovens têm se posicionado na cena cultural. Os maracatus hoje expressam aquilo que é mais pernambucano, que é símbolo da pernambucanidade, que expressa uma idéia de ser de Pernambuco. Aliás, isso já foi dito por Katarina Real, na década de 1960, quando afirmou que “ser de Pernambuco é sentir o maracatu” (Real, 1990). Só que no momento que Katarina Real disse isso, os maracatus passavam por uma grande crise, a ponto desta antropóloga prognosticar o seu desaparecimento. Como eram considerados tradições que vinham da África estavam, neste sentido, fadados a desaparecer, a não terem continuidade, porque os velhos -que transmitiam a tradição- estavam morrendo. Não haveria, portanto, como repassar essa tradição antiga e imemorial, porque os negros também estariam desaparecendo no Brasil, uma vez que se tomava como verdade inquestionável os ideais de mestiçagem presentes no mito da democracia racial.

Então, desde o início do século XX até a década de 1960 os maracatus estariam fadados ao desaparecimento, o que não condiz com a história e com a vitalidade de cada um deles na contemporaneidade. Assim, se os maracatus nação hoje têm uma vitalidade própria, não é dessa forma que foram vistos pelos intelectuais, pelos folcloristas de uma forma geral, que proclamaram por década os perigos que a tradição vinha sofrendo de desaparecer completamente. Isso não impede que reconheçamos que se adentrou os anos de 1970 e 1980 com pouquíssimos maracatus nação em atuação na cidade. Não mais do que seis grupos foram os que conseguiram se manter em atividade, desfilando no carnaval, ou simplesmente desenvolvendo atividades em suas comunidades (Indiano, Leão Coroado, Estrela Brilhante, Cambinda Estrela, Porto Rico do Oriente e Almirante do Forte).

Esse quadro começa a se modificar já nos anos oitenta com a recriação de três novos maracatus (Porto Rico em 1981; Sol Nascente em 1985; Elefante em 1986) que até então estavam desarticulados ou sem desfilar há alguns anos. Esse ressurgimento dos maracatus ocorreu em função, em parte, da própria ação dos maracatuzeiros, que em virtude das

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divergências nos seus grupos optaram pela recriação de outros maracatus que estavam “guardados no museu”. Em parte é fundamental considerar a ação do movimento negro em Pernambuco - que se articula em torno dessas manifestações culturais que são definidoras de uma identidade, de uma negritude, principalmente no final da década.

Esses maracatus nação ganharam uma nova força. Em 1986, por exemplo, o Maracatu Nação Elefante, que foi o maracatu da famosa Dona Santa (Guillen, 2006; Lima e Guillen, 2007), foi “retirado” do museu e propiciou um reviver desta manifestação cultural. Os maracatus se tornaram mais visíveis para a cena cultural do mundo todo quando, no início dos anos noventa, Chico Sciense e o Nação Zumbi usam a afaya e seus toques, propagando a batida do maracatu para todo o mundo.

Não se pode atribuir este reviver dos maracatus exclusivamente à ação de Chico Sciense, mas também à própria ação do Movimento Negro e dos maracatuzeiros que vão colocar o maracatu nação numa cena cultural mais ampla do que a das passarelas do carnaval (Lima, 2010). Assim sendo, ao final dos anos noventa a batida do maracatu se espalhava por todo o mundo. O maracatu deixava de ser uma manifestação da cultura popular pernambucana, feita nas favelas e nos morros da cidade do Recife para chegar no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul. Em quase todas as capitais do Brasil (se não em todas) há jovens que têm um grupo musical que chamam de maracatu. Se é maracatu - legítimo ou autêntico - ou não, é uma outra controvérsia. Mas eles tocam essa música que chamam de maracatu, muitos deles influenciados pelos toques dos grandes grupos de maracatu nação de Pernambuco. Para além disso, uma série de produtores culturais tem levado os grandes grupos de maracatus nação para fora do Brasil, contribuindo para que hoje existam grupos que tocam maracatu na França, Inglaterra, Alemanha, Rússia, Japão e Canadá, dentre outros países. Assim sendo, temos jovens que não são brasileiros necessariamente, e que tocam maracatu. Este ano, por exemplo, no mês de julho realiza-se na França

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um encontro internacional de maracatus, que já vai em sua quinta edição.

Na cidade do Recife, surgiu um grande número de grupos que tocam maracatu, comumente formados por jovens de classe média, que mantém essas atividades como entretenimento, mas que têm contribuído para afirmar uma pernambucanidade na contemporaneidade. Ainda hoje, circulando pelo bairro do Recife nos finais de semana, podemos encontrar pelas ruas e esquinas grupos de jovens carregando suas “afayas” (ou tambores) ao encontro de outros jovens, para simplesmente tocar maracatu. Estes grupos se caracterizam por serem formados por jovens, em sua grande maioria pertencentes à classe média, brancos e brancas, que moram em diversos lugares da cidade – o que demonstra a não vinculação com uma comunidade – e os instrumentos musicais utilizados pelo grupo são, via de regra, dos membros que se encontram para tocar Há ainda aqueles grupos que, mesmo os jovens sendo donos de seus instrumentos, pagam uma mensalidade para deles fazerem parte (Lima e Guillen, 2007).

Neste novo panorama, fazer maracatu se tornou uma espécie de atividade eminentemente jovem? Uma manifestação cultural feita pelos jovens e para os jovens? O que é esse maracatu que foi descrito? Alerto ao leitor e à leitora que não podemos denominar estes grupos que se formaram fora de Pernambuco, recentemente, ou mesmo aqui, de maracatu nação, mas sim de grupos percussivos. Preferimos diferenciar essas atividades dos maracatus nação efetivamente, que são aqueles grupos possuidores de práticas e costumes compartilhados e que, grosso modo, possuem a maior parte de seus integrantes em uma só comunidade. Nestes maracatus os instrumentos musicais pertencem ao grupo, e o pertencimento à religião (candomblé, jurema e umbanda) é fundamental na definição da identidade. Além do mais, os maracatus nação são caracterizados não apenas pelo conjunto musical, mas também pela corte de súditos de um rei e rainha, corte esta que é composta por uma série de figuras ou personagens. Até bem recentemente, quando se falava em

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maracatu lembrava-se imediatamente do rei ou da rainha. O batuque acompanhava a corte, e o conjunto constituía um maracatu nação. Lembramos que a corte não está presente na grande maioria dos grupos percussivos, pois o que interessa verdadeiramente a estes agrupamentos é a música. Nem por isso estes grupos percussivos deixam de ser considerados espaços de sociabilidade e definição de identidades, mas não se pode – definitivamente – confundi-los com os maracatus nação.

O lugar dos jovens nos maracatus nação O maracatu nação, ainda hoje, é tido como o lugar da

tradição. Ele foi representado como um espaço de sociabilidade em que os velhos transmitiam um determinado saber aos mais jovens, compartilhando um lugar no mundo, enquanto negros e negras que viviam nas favelas e morros da periferia do Recife. Até recentemente os maracatus não eram tidos como espaços de sociabilidade para os jovens. Ao contrário, os maracatus nação eram considerados manifestações culturais em que pais e mães de santo de senioridade reproduziam seu poder e autoridade, e aos mais jovens destinava-se o lugar de aprendizes, sobretudo lugares secundários. Quando se toma como parâmetro um maracatu nação considerado tradicional, como o Elefante de Dona Santa, percebemos que mesmo no batuque (orquestra percussiva) havia uma predominância de homens formados, e não de jovens. Essa configuração começa a mudar no final dos anos oitenta, quando encontramos com mais facilidade jovens integrandos os maracatus, a exemplo do Elefante de Dona Madalena e o Leão Coroado de Luis de França, este último em menor proporção.

Na atualidade, assistimos a um fenômeno interessante, em que a corte é tida como um espaço dos mais velhos, no qual pais e mães de santo continuam a exercer sua autoridade, ao contrário do batuque que é predominantemente formado

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por jovens. E os mais velhos sequer têm espaço, ou conseguem deles participar. Este fenômeno tem chegado aos mestres, que a cada dia são mais jovens, o que era inconcebível nos maracatus nação algumas décadas atrás. Atualmente há um visível rejuvenescimento do maracatu nação. Num universo de vinte e cinco maracatus nação existentes hoje no grande Recife, apenas quatro mestres têm mais de cinqüenta anos (Walter do Estrela Brilhante do Recife, Toinho do Encanto da Alegria, Geraldo do Gato Preto e Antônio Roberto do Nação de Luanda).

Os maracatus nação têm sofrido com o fenômeno da espetacularização da cultura popular. A convivência entre as pessoas, outrora comunitária, propiciava que o aprendizado ocorresse no quotidiano, de modo informal, e o saber se transmitia acima de tudo, fazendo e se observando fazer. E se aprendia não apenas a tocar um instrumento, mas a construí-lo e afiná-lo. E aprendia-se também a exercer outras funções de modo que um mestre era considerado aquele que detinha esse saber. Consoante à espetacularização ocorre contemporaneamente uma desritualização do maracatu que se transforma em “música” que pode ser ensinada e aprendida em oficinas e workshops (Carvalho, 2007). Paga-se e recebe-se para se aceder ao saber musical.

O maracatu nação expressa muitos conflitos advindos dessa relação com o mercado cultural e as demandas que este impõe aos maracatuzeiros. Ele continua a se manter como uma comunidade orgânica e que tem vinculação com as religiões afro-descendentes, No entanto, no âmbito da reprodução do saber fazer o mestre teve seu lugar transformado. Não mais se mantém enquanto mestre simplesmente porque detém o saber, mas devido a qualidades performáticas, adequando-se às necessidades de se produzir o espetáculo. Alguns mestres de maracatu, mais antigos, têm expressado uma dificuldade muito grande em fazer oficinas, em ensinar jovem a tocar maracatu, porque tem outra forma de transmissão do saber, diferente da lógica em que se organizam esses cursos. Essa diferença se expressa no tempo de formação de um batuqueiro. No modo

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tradicional levavam-se anos, passava-se por todo um processo de iniciação para se aprender a tocar todos os instrumentos. Atualmente, com apenas uma oficina muitos jovens conseguem executar alguns toques básicos.

Nesse sentido, o maracatu nação sintetiza diversas questões e contradições: qual é o lugar do jovem e qual é o lugar do velho? Se o maracatu é ainda símbolo da tradição, como essa herança cultural tem sido transmitida de modo tão moderno? O que é que os velhos mestres de maracatu querem transmitir aos jovens? Podemos observar, por exemplo, que alguns mestres de maracatu se sentem extremamente angustiados com essas questões. Assim sendo, no interior dos maracatus nação claramente há uma tensão entre o lugar do jovem e do velho, entre os modos como se dá a transmissão do saber nessa expressão cultural.

O Maracatu Nação Cambinda Estrela Fundado no Alto Santa Isabel, bairro de Casa Amarela,

em 1935, o Cambinda Estrela surgiu como maracatu de baque solto (também conhecido como maracatu de orquestra ou rural) e nessa modalidade atuou até provavelmente o início dos anos 1960. O Cambinda Estrela foi fundado por trabalhadores migrantes da mata norte do Estado de Pernambuco, e que na zona norte da cidade do Recife reconstruíram fortes redes de sociabilidade. Nas lembranças de Dona Leinha, filha de um dos fundadores do maracatu, o convívio entre parentes e amigos fazia o quotidiano mais suportável e o Cambinda o lugar da alegria e da diversão. Muitos moradores idosos do Alto Santa Isabel ainda se lembram com saudades do maracatu, e de seu famoso articulador, Tercílio, considerado um mestre de primeira categoria por sua capacidade de improvisação e beleza das toadas que compunha. Tercílio criou fama entre os maracatuzeiros de ser um excelente versejador. “Como ele não tinha igual!”, afirma o senhor Zezinho, morador do Alto, e que quando jovem saia no grupo como caboclo de lança.

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Enquanto maracatu de baque solto o Cambinda Estrela foi objeto de estudo do maestro César Guerra Peixe, um dos primeiros estudiosos a diferenciar as modalidades de maracatu bem como a respeitá-la em sua diversidade. As observações de Guerra Peixe em seu livro Maracatus do Recife (1981) atestam a importância do Cambinda no universo dos maracatus. Não obstante, como maracatu de orquestra, o Cambinda Estrela sofreu as mesmas pressões que existiram sobre esta modalidade rítmica, e que impeliram vários grupos para a mudança de baque, a exemplo do Indiano. Não se pode precisar com certeza quando esta mudança ocorreu, mas a transformação do baque não acarretou a desestruturação do grupo. O maracatu se re-configurou para receber novos membros, destacando-se a atuação do famoso carnavalesco Mário Miranda, também afamado pai-de-santo da comunidade do Alto Santa Isabel, mais conhecido como Maria Aparecida. O Cambinda Estrela, nesses anos, conquistou espaços, e alguns títulos. Nas décadas de 1960 e 1970 encontramos o Cambinda Estrela em atuação no carnaval da cidade, disputando concursos, ou mesmo sendo homenageado, a exemplo de Abelardo da Hora que em meados da década de 1960 tomou seu símbolo (o peixe) como motivo para a decoração carnavalesca da cidade do Recife.

O Cambinda Estrela foi perdendo seu brilho ao longo dos anos 1980, sobretudo após a morte do Sr. Tercílio e Dona Inês, que era a rainha. Em 1997, ressurgiu com sede em Chão de Estrelas, graças ao trabalho de um grupo de pessoas que congregava estudantes, pais e mães de santo e moradores das comunidades. Desde esse momento o Cambinda Estrela abrigou uma variedade de terreiros e comunidades, bem como de interesses e concepções acerca do que define um maracatu nação, e para resolver as tensões inerentes à forma como se deu seu ressurgimento o grupo optou por instituir fóruns de decisão que, esperava-se, pudessem dirimir conflitos e disputas. O Cambinda Estrela é, na atualidade, um maracatu que possui uma diretoria organizada e que efetivamente dirige

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os trabalhos necessários para manter o grupo, tanto no carnaval, mas principalmente no restante do ano.

No início da década de 2000 estabeleceu-se uma parceria com o grupo de maracatu da Alemanha, o Nation Stern der Elbe, sediado em Hamburgo, e que contribuía financeiramente com alguns projetos que começaram a ser desenvolvidos na ocasião, tais como aulas de alfabetização para jovens e adultos, oficinas de percussão para crianças e jovens da comunidade. O projeto com o maracatu alemão se encerrou, mas o Cambinda Estrela não deixou de atuar de forma decisiva entre os jovens de Chão de Estrela. Daquele tímido início para os dias de hoje o Cambinda Estrela progressivamente ampliou sua ação, e contribui financeiramente para que os meninos e meninas, de seu batuque e corte, estudem em escolas particulares da região, bem como mantém alguns jovens na universidade. Alguns desses jovens que estão na universidade acompanham o maracatu desde que eram garotos e participaram das primeiras aulas comunitárias. São eles que hoje coordenam as atividades do batuque do Cambinda.

Do ponto de vista do espetáculo que delineamos acima, o Cambinda Estrela destoa de muitos dos maracatus nação mais “tradicionais”. Seja devido à atuação de seu mestre, ou à própria composição da diretoria, o maracatu é conhecido na cena cultural recifense por ter uma performance mais politizada e engajada, e traz em sua camiseta a frase Festa e Luta, como uma espécie de “palavra de ordem”. Isto porque nos últimos anos se notabilizou por discutir publicamente, em suas apresentações, o respeito pela diferença (gênero, sexual e geracional), bem como por claramente lutar contra o racismo e a homofobia. Neste ano de 2010, no show de abertura do carnaval, que ocorre no Marco Zero e é conduzido por Naná Vasconcelos acompanhado do batuque de dezessete maracatus nação, o Cambinda Estrela se apresentou com uma grande bandeira verde, amarela e vermelha, na qual estava estampado: “contra o apartheid brasileiro: quotas raciais para negros e negras na UFPE, UFRPE e UPE”. Além da bandeira o

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grupo entoou a canção “Nkosi si ke le la”, reconhecido hino do CNA (Congresso Nacional Africano) e que nos anos oitenta foi consagrado na luta contra o racismo no Brasil.

Esta é uma performance que tem caracterizado o Cambinda Estrela ao longo de suas apresentações. Suas toadas aludem a reivindicações do grupo, às lutas nas quais o Cambinda tem se engajado. Essas toadas têm contribuído para a afirmação da identidade do grupo, reforçando a auto-estima e o orgulho de pertencerem à “nação”. A identidade do grupo, portanto, tem se definido a partir de uma ressignificação da África para o maracatu, a politização da religião com o enaltecimento de Malunguinho (entidade da jurema) e forte apelo à consciência política.

A África aparece não de forma difusa e homogênea, como o lugar da tradição e da origem, mas de fonte de inspiração na luta contra o racismo e a discriminação. Líderes e personagens históricos como Chaka Zulu e Steve Biko, tem seus nomes gravados nos muros do bairro misturados aos nomes de Martin Luther King, Zapata, Xangô, Acotirene, Zumbi e outros. Estes nomes aparecem constantemente nas toadas, como referências para a construção de identidade. A África, neste contexto, não é aludida de forma genérica, mas é tratada como lugar em que uma história de luta se desenvolveu. A Etiópia é referida como exemplo: “o único pais que não sucumbiu aos colonizadores”.

Malunguinho, entidade da jurema, também tem sido ressignificado. Por ter sido um líder quilombola, tem a sua história contada e seus pontos são constantemente cantados. Diga-se de passagem que foi gravado nos dois CDs do grupo. Por outro lado, os quilombos, de modo geral, servem de referência nessa formação de identidade, e quando o grupo conseguiu uma apresentação em Salgueiro, durante a semana pré-carnavalesca, não perdeu a oportunidade de levar seus membros para se apresentarem em Conceição das Crioulas, um dos mais conhecidos e organizados “remanescentes” de quilombos do Estado. Não sem antes ter visitado uma das maiores favelas de Salgueiro e lá ter conhecido um terreiro de

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jurema. Desse modo, nessas ações, percebemos que o Cambinda Estrela tem afirmado sua identidade de “quilombola”, de “favelado” e de ser formado por negros e negras.

Esse esforço de construção de identidades está bastante presente nas toadas. Uma delas define bem a tentativa do grupo em traduzir-se: “construímos nossa casa para todo o povo cantar. Só não pode ter elite nem senhor neste lugar.” Outra toada com letra definidora dos caminhos trilhados pelo grupo afirma um pertencimento social e uma crítica política quando afirma: “falei e disse, vou cantar com alegria, o Cambinda é uma mosca na sopa da burguesia.” Diante desta performance pode-se entender porque o Cambinda Estrela não é o maracatu que mais atrai os jovens de classe média para tocar no seu batuque. Ao contrário! A entrada de jovens de classe média no batuque tem gerado acaloradas discussões.

No contexto em que fazer maracatu tem forte apelo entre os jovens da classe média, o Cambinda Estrela tem se notabilizado por debater o branqueamento que os maracatus nação têm sofrido, discutindo em seus fóruns a entrada ou não de pessoas que não são da comunidade no seu batuque. Em uma de suas toadas afirma: “eu sou do asfalto eu sou da lama, gente rica não me engana, Cambinda tem orgulho de ser do Vasco da Gama.” Dessa forma afirma positivamente o pertencimento ao lugar onde mora. Em outras, à religião e à negritude.

Ser jovem no Cambinda Estrela Chão de Estrelas é um bairro que se caracteriza, como

tantos outros da periferia do Recife, pela carência de equipamentos culturais e dificuldade de acesso aos bens culturais, como teatros ou mesmo cinema. Para os jovens do Cambinda Estrela o maracatu tem se mostrado um espaço de

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criatividade e mobilização, motivando os jovens a participar de certos espaços de debate público e de alguns canais de participação política, a exemplo da inserção no orçamento participativo, nos debates sobre a igualdade racial e o combate ao racismo.

A atuação dos jovens no maracatu tem propiciado que exercitem sua criatividade e sua capacidade de realizar eventos e projetos. São eles os responsáveis pela organização das aulas de percussão, bem como de todo o batuque na época do carnaval. O mestre têm se submetido aos fóruns de decisão coletivos, e todos os aspectos que envolvem a organização do batuque são discutidos em “assembléias”. A performance da bandeira não foi diferente uma vez que passou por um intenso processo de discussão e preparação, inclusive do aprendizado da letra da canção Nkosi si ke le la, cantada em três línguas diferentes. Há um claro reforço à atuação coletiva, e o maracatu tem se tornado um pólo de referência para os jovens que não participam diretamente dele. Podemos citar outros grupos culturais, como o Gambiarra que agia fazendo pequenos curtas-metragens sobre a atuação dos jovens em Chão de Estrelas. Mesmo para os jovens que pertencem ao Cambinda a atuação mais destacada de alguns deles também se constitui numa referência. O que podemos observar ao longo destes anos é que tem aumentado a procura para ingressar na universidade bem como para concluir seus estudos, seja o ensino médio ou o fundamental.

Estes jovens que atuam no maracatu têm um claro protagonismo social e cultural, pois formaram outro grupo musical, o Coco dos Pretos, no qual atuam paralelamente às atividades que exercem no maracatu. Pode-se sem sombra de dúvidas afirmar que há uma aposta do grupo maior do Cambinda Estrela na potencialidade criativa dos jovens, no seu desenvolvimento pessoal e social. Nesse sentido, o maracatu Cambinda Estrela tem demonstrado habilidade para atuar como instrumento auxiliar na formação educativa dos jovens, evitando desvios na formação e no desenvolvimento desses jovens, pois tem conseguido ocupá-los positivamente e evitado

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que permaneçam no ócio e à mercê dos perigos da rua e da delinqüência, principalmente o tráfico de drogas.

As oficinas oferecidas pelo Cambinda Estrela ocorrem todos os sábados no período vespertino, em sua sede, e dela participam principalmente jovens da comunidade de Chão de Estrelas e regiões adjacentes. Não são ministradas pelo mestre, mas por jovens que dirigem o batuque, e que atuam como contra-mestres durante o período do carnaval. Estes jovens tem atuado no Cambinda Estrela há muitos anos, e alguns deles que estão no grupo desde garotos passaram por um longo processo de aprendizado. Hoje, o Cambinda Estrela é talvez o único maracatu nação que tem mais de um “mestre” jovem, e que têm condições de substituir em apresentações diversas o mestre Ivaldo Marciano. Adriano, Wanessa, Jefferson e Madson são jovens que estão no grupo há mais de dez anos, e que hoje tem condições de conduzir o batuque sem a presença de outro mestre. Ao longo desse processo de aprendizado tornaram-se protagonistas do batuque, dirigindo-o e discutindo suas formas de atuação e identidade.

Estes jovens discutem intensamente os processos de transmissão do saber entre os maracatus nação, e tem se posicionado criticamente quanto à questão da oferta de oficinas pagas pelos que desejam aprender a tocar maracatu. Sempre que surge um convite para se oferecer oficinas, discute-se internamente quem irá ministrá-la e em que condições, e via de regra os proventos recebidos revertem em parte para o maracatu. Instituiu-se um sistema de rodízio entre os contra-mestres de modo a que todos possam participar desse processo de aprendizado de se tornar mestre. Normalmente a função de oficineiro é reservado ao mestre, que agrega além dos proventos que recebe, capital simbólico ao seu nome.

Se as oficinas são intensamente discutidas e organizadas pelos jovens, as atividades do batuque na época do carnaval não ficam atrás. Durante o processo de preparação do maracatu para as apresentações do período momesco, o batuque ensaia semanalmente, e na medida em que se

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aproxima o carnaval mais de uma vez na semana. Os ensaios são coordenados pelos jovens acima referidos, e o mestre invariavelmente propicia que haja um revezamento entre os que podem ocupar esta posição. Discute-se em assembléias o valor da ajuda de custo que cada batuqueiro receberá pelas apresentações feitas, qual o modelo da fantasia a ser adotada, a disciplina e as regras a serem obedecidas por todos a respeito do consumo de bebidas alcoólicas ou outras drogas, bem como outras questões que regulamentam o convívio dos jovens. É necessário se observar que no período do carnaval o batuque assume proporções muito grandes, chegando a ser composto por mais de cem batuqueiros. Não se trata de organizar a apresentação de uma banda!

O Cambinda Estrela não atua com vista a impedir que o jovem se torne um problema, tirando-o da rua, mas postula radicalmente o direito ao protagonismo sócio-cultural e junto com esse protagonismo o enriquecimento enquanto pessoas através do alargamento e acesso aos meios de informação, meios de intervenção e participação no universo simbólico da sociedade. Na medida em que discutem corriqueiramente o que é ser negro nesta sociedade, e através de suas manifestações culturais postulam um modo positivo de ser jovem e negro, têm contribuído para criar identidade, um modo de ser jovem na periferia do Recife. Não se trata simplesmente de “ser jovem”, mas de, através destas atuações culturais, se posicionarem como atores e interlocutores dos debates que se processam na sociedade de modo mais amplo.

BIBLIOGRAFIA ABRAMO, Helena. Retratos da juventude brasileira. São Paulo, Perseu Abramo, 2006.

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PENSAR OS JOVENS DOS NOVOS MOVIMENTOS DE

JUVENTUDE: CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS À

CONSTRUÇÃO DE UMA CATEGORIA

Adjair Alves 15

Resumo: Pensar os movimentos de juventude na contemporaneidade significa pensar a juventude em suas novas configurações. Isso implica que os jovens já não aceitam mais serem jovens do futuro. Os jovens não querem mais ser um projeto de futuro. Este é o significado do discurso da juventude de que “eles não são levados a sério”. No presente artigo, refletimos alguns caminhos para se pensar a juventude tendo como ponto de apoio as diferentes concepções da juventude enquanto categoria de análise, concluindo pela noção de um construto social e ao mesmo tempo, um dado concreto da realidade social. Partimos assim, da teorização para uma análise de diferentes subjetividades juvenis situadas em contexto específico. Palavras-chave: juventude, movimento social, cultura, hip-hop. Abstract: Thinking on youth movements in our days means thinking on youth in its new configurations. This implies that young people no long accept being the young for the future. Young people no long want to be a project for the future. This is what young people mean when they say that they are not been taken for serious. In this paper, we reflect on some ways to think about youth based on different concepts on youth as an analysis category, concluding for the notion of a social construct and, at the same time, an actual data from social

15

Doutor em Antropologia, professor da Universidade de Pernambuco.

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reality. We start, therefore, from theorizing to an analysis of different youth subjectivities situated at a specific context. Keywords: youth, social movement, culture, hip-hop.

Introdução

Toda temática de pesquisa, no campo próprio das

ciências sociais, compreende um problema social e político, não fosse, a investigação científica, um modo específico de inserção e participação dos investigadores sociais na sociedade. Questões sociais são problemas que emergem de uma realidade material e social, para cuja solução é forçoso pensá-la de forma distinta. No presente caso, a reflexão referencia-se nas diferentes linguagens e performances juvenis no interior do Movimento Hip-hop, tendo o contexto sociocultural da comunidade do Morro Bom Jesus e do Bairro Centenário em Caruaru/PE., como campo. Partimos da analise das dissidências no interior do movimento juvenil, seus antagonismos e cumplicidades com a existência cotidiana, estabelecidas como campo de luta por reconhecimento. Partimos do pressuposto de que os jovens nestas localidades trafegam entre os extremos “visibilidade/invisibilidade” e talvez aí, possa encontrar explicações para as motivações para suas ações e linguagens.

Nesse processo suas performances, dado a inacessibilidade de suas significações no conjunto da estrutura social, acabam por ser vista como envolvidas em um jogo de legalidade/ilegalidade, mesmo quando os “conflitos” com a lei não estejam acentuados, visto que tais ações se encontram

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possuídas de uma significação que vai além do que aparentam ser (GEERTZ, 1989).

A análise, proposta, enquanto forma de problematização da realidade, dirige-se essencialmente às interrogações sobre as relações sociais, naquele contexto, buscando compreendê-las do ponto de vista relacional (BOURDIEU, 1996); o que elas constituem? Como estão caracterizadas? Por que falar em cumplicidade com o crime quando se referem às produções culturais, relativos àqueles jovens? Qual o sentido das produções e linguagens dos jovens, quando retratam a violência? Pode-se falar em homogeneidade de sentidos, quando se trata dos discursos e das ações dos jovens? Qual o sentido das dissidências internas nos movimentos de juventude? Sempre houve essas dissidências, quais as suas causas? Estas são questões de natureza teórica, que contribuem para a relativa negação de um dado real, porque o cria como dimensão problemática, numa construção artificial que se reduz a qualquer finalidade prática.

Como problemática científica, o objeto aqui passa a ser uma construção teórica, e como tal; objetiva estabelecer rupturas com as representações correntes sobre a juventude – a “doxa” hegemônica – buscando desenvolver em relação à realidade social construída – que é a juventude – outra “doxa”, mais sólida que a espontânea, sem que hesite em tornar-se “paradoxa”.

16 Que as teorias científicas são efeitos de

manipulação, isto é fato. A juventude é uma categoria socialmente manipulada (BOURDIEU, 1983:112-21). Esse é o sentido paradoxal das teorizações sobre essa categoria científica, como assinala José Machado Paes (1993: 22):

Nas representações correntes da juventude, os jovens são tomados como fazendo parte de uma cultura juvenil „unitária‟. No entanto, questão que se coloca à Sociologia da Juventude é a de explorar não apenas as

16

Ver, para melhor esclarecimento, José Machado PAES. Culturas Juvenis. 1993 p.22.

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possíveis ou relativas similaridades entre jovens ou grupos de jovens (em termos de situações, expectativas, aspirações, consumos culturais, por exemplo), mas também – e principalmente – as diferenças sociais que entre eles existem.

O que a Sociologia da juventude tem afirmado segundo

Paes (Ibid. p. 23), é, por um lado, como pertencente a uma “fase da vida”, encontrar aspectos uniformes e homogêneos que a caracteriza. Aspectos que fariam parte de uma cultura juvenil específica, portanto, uma geração definida em termos etários; e por outro, a juventude tomada como diversidade, “perfilando-se diferentes culturas juvenis em função de diferentes pertenças de classes, situações econômicas, parcelas de poder, interesses, oportunidades ocupacionais, etc.”. Segundo Paes, seja por um lado ou por outro, é possível encontrar os paradoxos da juventude.

A expressão cultura juvenil, nesse sentido, refere-se a uma construção social que existe, mais como representações sociais do que como realidade. Daí porque alguns jovens vão se situar nesta ou naquela representação social. Como, ainda assinala o pesquisador português (Idem, p 52), o conceito de cultura associado ao de juventude pode ser compreendido sob dois ângulos da sociologia da juventude. Nas correntes „geracionais‟ e „classistas‟ o conceito de culturas juvenis “são uma forma de „resistência‟ à cultura de „classe dominante‟. Quando não, mesmo, a sua expressão linear, as culturas juvenis são conceituadas como comportamentos desviantes, como incapacidade dos jovens ajustarem-se às normas de comportamentos dominantes, aqui representado pelo adulto.

A juventude é um mito ou quase mito que os próprios medias ajudam a difundir e as notícias que estes veiculam a propósito da cultura juvenil ou de aspectos fragmentados dessa cultura (manifestações, modas,

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delinqüências, etc.) encontram-se afetadas pela forma como tal cultura é socialmente definida.

17

A juventude, quando relacionada a um processo que se

desenvolve numa referida fase da vida, isto é, que se inscreve em determinado período histórico é uma descoberta que envolve uma convergência de fatores culturais.

Geralmente, são os indivíduos quem, no dia a dia, tomam consciência de determinadas características específicas a um período da sua vida. Se estas características afetam um universo considerável de indivíduos pertencentes a uma geração, elas são culturalmente incorporadas em determinados modos de vida. Se essas características, específicas a um determinado período de vida se apresentam como expressão de determinados „problemas‟ sociais, atraem a atenção dos poderes públicos, podendo surgir medidas legislativas ou de „terapêutica‟ social – que por via institucional, consigam dar resolução parcial a esses problemas. Estas medidas interferem, por sua vez, na vida quotidiana dos indivíduos podendo influenciar o timing das transições de uma para outra fase da vida.

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É, a partir dessas considerações que afirmamos, que

enquanto categoria sociológica, a juventude constitui-se de uma complexidade que lhe é própria, de modo que, compreendê-la implicaria, em primeiro lugar, despojar-se de qualquer “pré-noção”, para apreendê-la num dado contexto, isto é, na realidade social e histórica (BOURDIEU, 1996: 46-81). Muito do que se tem produzido sobre a juventude tem mostrado sua fragilidade, sobretudo, por se pautar mais pelas influências de uma “doxa” comum, que pelo esforço de superação das dificuldades no campo próprio de sua

17

José machado PAES, Op. Cit. p 27. 18

Idem, p29.

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complexidade. O senso comum pode ser muito útil como revelador de determinadas nuanças que a realidade possua, mas ele deve ser apenas um ponto de partida, jamais o fim da investigação científica. Como assinala Alvim (2001: 189 – 203), “essa é uma influência que necessita ser cuidada com maior atenção, para se evitar precipitações”. Cabe, portanto, refletir sobre as possibilidades de se entender o fenômeno da juventude situado em um campo específico, buscando superar toda doxa comum encontrada.

1. A Juventude e o discurso social homogeneizador.

Uma tendência quase comum nos estudos sobre juventude tem sido a construção de um discurso homogeneizador dessa categoria sociológica. Trata-se de uma característica oriunda dos critérios adotados por alguns estudos onde se elege uma classificação, quase sempre, de caráter biológico, ocultando-se as peculiaridades aos diferentes grupos de jovens. Nas tendências em que o critério biológico é tomado como elemento classificatório diferenciador, a juventude aparece como um “fato social intrinsecamente instável” (LEVI e SCHIMTT. 1996: 7 – 17), que intermedeia a passagem da infância, idade em que o grupo familiar marca seu papel fundamental, e a fase adulta, cujos papéis extrapolam os limites das relações familiares. A juventude é, desse ponto de vista, uma “fase de transição”.

Segundo Abramo (1994), os estudos que partem dessa caracterização concebem essa transição como uma fase de preparação para a vida posterior, isto é, adulta, o que implicaria uma moratória, isto é, a “suspensão da vida social.” Esse tempo constitui um período escolar prolongado em que o jovem encontra-se fora do sistema de produção (MANNHEIM, 1968). Para Margulis (2000: 15), essa condição social da juventude, proposta por algumas produções sociológicas, incorporam em suas análises a diferenciação social e, até certo ponto, a cultura. Aí se diz que a juventude depende de um

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espacio de possibilidades abierto a ciertos sectores sociales y limitado a determinados períodos históricos. Esta é a razão pela qual a juventude é vista como estando à margem do processo social.

Os talentos e potencialidades da juventude não são aproveitados socialmente; os jovens permanecem alijados dos processos de poder de decisão e mesmo de criação social. É uma situação de „moratória‟, um tempo ou prolongamento de um tempo em que o jovem é tomado por um ensaio de experimentações que muitas vezes o induz ao erro dado à relativização da aplicação das normas sobre seu comportamento.

19

Tomando a categoria de “moratória” para representar

esse “estágio de transição”, estes estudos acabam por não incluírem os jovens oriundos das classes trabalhadoras, dada à dificuldade de se imaginar que aqueles jovens possam ficar fora da produção, tempo ocioso, onde possam se habilitar para a assunção da vida adulta. A juventude aparece aí como uma categoria homogeneizadora e, como assinala Bourdieu (1983), “entre estas posições extremas, o estudante burguês e, do outro lado, o jovem operário que nem mesmo tem adolescência, podemos encontrar hoje todas as figuras intermediárias”.

A idéia de “fase” significando “movimento”, no qual “o jovem ensaia um percurso que leva do domínio da casa para o da rua”, é analisada por Salem (1986: 30-33), como representando o “mundo do trabalho, das amizades, do namoro e do casamento, que, fechando o círculo, insere o jovem numa nova casa”. Esse “movimento” assinala segundo essa autora,

19

As conclusões tiradas daí por aquele autor, acabam por incorrer nos mesmos vícios que sua crítica aponta, de modo que a referência ao mesmo serve apenas como lembrança da existência de sua posição.

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Um processo de individuação dos filhos com respeito aos pais, isto é, a demarcação de um território próprio e de uma identidade mais singularizada – fenômeno que envolve a possibilidade de recusa dos valores e normas consideradas fundamentais aos mais velhos.

Salem (idem) afirma ainda que,

Embora o ciclo da vida que vai do nascimento à morte seja fato biológico universal, o recorte desse „continuum‟, a consciência de singularidade de cada fase como dotada de características próprias e distintas, e mesmo a maior atenção concedida a uma ou a outra apresentam notória variações segundo épocas, sociedades e culturas.

Seguindo as considerações de Ariès (1986:29-49), para

quem, as “fases etárias” são em muitas civilizações, uma “noção bastante obscura”, essa idéia estava associada, a uma “concepção rigorosa da unidade da natureza”. Que prevaleceu durante muito tempo nas ciências. Na concepção de Foracchi (1972: 26, 7) a idade, enquanto categoria social, possui uma formulação qualitativamente precária, pontilhada por crises que se localizam tanto entre passagem, como dentro dela mesma. Diz essa pesquisadora:

O hiato entre jovens e adultos em nossa sociedade, não pode ser compreendido meramente em função de diferenças ou limites de idade, [...] Distância entre as gerações que se manifestam socialmente sob a forma de rebelião ou de conflito é, sem dúvida, marcada por um ato de contestação que é puramente sintomático.

Esse ato, pode representar uma recusa ao modo

convencional de ser e tratar a forma como a sociedade define o adulto, “a rebeldia contra a coação externa das normas”,

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embora seja com os adultos que o jovem aprende ser adulto. No dizer de Keniston (apud. FORACCHI, Idem. p. 28), os jovens „são especialmente sensíveis às contradições entre a norma e a ação efetiva‟.

Cabe ainda considerar, aqui, as reflexões de Bourdieu (1983) que, ao analisar a categoria juventude, considera que classificações por idade, sexo e classe “acabam por impor limites e produzir uma ordem em que cada um deve se manter, em relação à qual cada um deve se manter em seu lugar”. Para esse autor, as divisões entre as idades são arbitrárias, variando inteiramente e sendo objeto de manipulação. “Juventude e velhice não são dados, mas construídos socialmente na luta entre jovens e velhos”. Diz ainda que, se partirmos dos dados biológico-sociais para distinguirmos essa categoria, seria preciso analisar as diferenças entre as diversas juventudes.

Comparar sistematicamente as condições de vida, o mercado de trabalho, o orçamento do tempo, entre outros, de jovens que trabalham e de adolescentes de mesma idade (biológica) que são estudantes, e encontraríamos diferenças essenciais, que passariam, evidentemente, pela condição de classe social. [...] subsumir num mesmo conceito universos sociais que praticamente não possuem nada em comum, significaria um abuso de linguagem. E nesse sentido, ela seria apenas uma palavra.

A idéia de transição como uma condição juvenil

necessita ser relativizada, sobretudo porque não podemos precisar o tempo em que essa individuação ocorre. Além do mais, ela não pode ser generalizada. Que dizer dos chamados “adolescentes tardios”? Muitos chegam até mesmo a abdicar do direito de constituírem suas próprias famílias, permanecendo com seus pais durante toda a vida. Outros a constroem, mas não estabelecem um processo de mudança. Então, que crise? Que moratória? Que transição? De que

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estágio, para que estágio? Fica claro, portanto, a fragilidade do argumento que define a “juventude” a partir do ciclo da vida, recortando um “instante” como representação dessa categoria, naturalizando-a, e/ou generalizando-a. Como afirma, ainda, Bourdieu (1996: 16-23) trata-se de: “um modo de pensar substancialísta”.

2. Juventude e ação política.

É comum ouvirmos a expressão “alienada” para caracterizar uma pessoa que se mantém apático em relação à vida política, aqui compreendida como “militância” ideológico-partidária. É comum, sobretudo nos meios políticos partidários referir-se a juventude dos anos de 1980, freqüentemente associada ao adjetivo “alienado”. Essa é uma característica que, também, teve lugar na análise sociológica. Esse discurso, segundo Abramo (1994: 21 – 26), toma como fundamento uma perspectiva de análise comparativa com os movimentos juvenis da década de 1960, para fixar perfil dos grupos juvenis que surgiram em São Paulo por volta dos anos de 1980.

20 Segundo

essa pesquisadora, a geração de 1960 compreendia jovens com características diferenciadas da juventude atual. “Eram militantes dos movimentos estudantis, protagonistas de uma participação efetiva nos movimentos sociais contra a ditadura militar”. Essa geração estava imbuída do espírito de realização política cujas bases eram as grandes utopias universais. Vale ressaltar, ainda, que se tratava de jovens de classe média, possuídos de um capital cultural, social e econômico (BOURDIEU, 1983) diferenciado. Esses mesmos estudos procuram referir-se a juventude dos anos de 1980, como caracterizada por um espírito de rebeldia, incapaz de formular propostas de transformação social, circundada em seu cotidiano por questões individualistas, pragmáticas e, em

20

A referência aqui é mais aos jovens que circundam em torno do rock paulista.

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alguns casos, hedonistas; como assinala Abramo (Op. Cit. p. xiii.):

É a partir dessa ótica que a geração jovem mais recente aparece principalmente marcada pela negatividade, pela ausência de capacidade de reflexão crítica da ordem social, pela passividade em relação aos valores e práticas inscritas nas tendências sociais da época, pela falta de empenho transformador ou de imaginação utópica; essas ausências revelariam assim um desvio, uma traição da própria essência da condição juvenil.

Nos estudos em que essa comparação é estabelecida, a

participação política é focada como ativismo político-partidário, isto é, só tem sido considerada como participação quando configura um direcionamento ideológico e/ou institucional. Assim, não se reconhece que a política é inerente às ações culturais e que a mobilização e envolvimento da juventude na construção da realidade, na contemporaneidade, tem se dado muito mais pelas artes e expressões culturais, linguagens, que pela militância em organizações político-partidária, o que não significa dizer que não haja parcela da juventude presente neste tipo de participação. Refletindo um pouco sobre os jovens dos novos movimentos sociais, o movimento hip-hop, por exemplo. Penso que esses jovens podem ser compreendidos a partir da perspectiva assinalada por Queiroz (2004: 15), quando essa pesquisadora afirma, que:

Os jovens contemporâneos vêm utilizando a música e outras manifestações culturais como forma predominante de expressar sua experiência geracional. É através destas manifestações que os jovens falam sobre a sociedade contemporânea e suas relações de poder, sobre suas perspectivas de vida e esperanças/desesperança de futuro.

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As expressões culturais têm sido as formas mais presentes da participação política. Os hoppers, por exemplo, recriam formas de apropriação simbólica, de seu mundo, sobre as quais atuam, objetivando uma ação política efetiva na sua luta pelo reconhecimento, sem, contudo abandonarem a luta pela distribuição (FRASER, 2001 e HONNETH, 2003). O elemento que liga esses jovens seja nos guetos americanos, seja nas favelas brasileiras, está na leitura que eles produzem da exclusão social enfrentada por eles, nos guetos e/ou nas favelas. É aí que se acentua o caráter da participação política. A luta pela educação, o laser, a cultura e a questão econômica estão consubstanciadas em suas performances e expressões. É isso o que vai estabelecer o recorte que essas manifestações culturais vão apresentar. O que traduz o sentido da expressão muito repetida por estes jovens de que: “periferia é periferia em qualquer lugar”. Estas expressões/representações culturais não estão presentes apenas nas formas discursivas, mas também, nos estilos de vida adotados por estes jovens, destacando-se a forma de vestir, a musicalidade e atitudes que vão de encontro aos modelos convencionais de sua época.

E aqui, outra vez aproprio-me das considerações de Abramo (Op. Cit. p. xv), quando se referindo, mais especificamente a uma categoria de jovens inseridos em movimentos culturais que surgiram e atuaram em São Paulo durante a primeira metade da década de 1980, jovens punks e aqueles que atuaram em torno do „rock paulista‟ e que ficou conhecido, pela designação „darks‟. Diz aquela pesquisadora:

Articulam uma fala, com suas figuras carregadas de signos, com sua circulação pelas ruas da cidade, com suas músicas, levantando questões e buscando provocar respostas, simultaneamente, sobre sua condição juvenil, sobre a ordem social e sobre o mundo contemporâneo. Não estão, assim, restritos ao âmbito do privado; e seu significado não se reduz ao caráter simbólico da crise social vigente, pois eles se produzem intencionalmente

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como emblema e é exatamente nisso que reside sua atuação crítica.

Na perspectiva de Foracchi (1972: 11), tratando agora

dos jovens inseridos mais especificamente em movimentos estudantis afirma, que esses jovens:

Não se restringe às indagações, não se mantém prisioneiro das dúvidas e ansiedades que marcaram a sua adolescência, mas imprime-lhes, com acerto ou erro, adequação ou não de meios e fins, com compaixão ou com impiedade, um sentido ativo de engajamento.

A diferença é posta, aí, como traço característico da

participação na construção da realidade social. Diferença, como traço cultural e político, que está presente também nas composições e performances apresentadas pelos jovens do hip-hop. Diferença que se apresenta como um processo de afirmação que se dá pelo reconhecimento do outro, não como superior ou inferior, mas, como diferente. Foi assim com a luta dos jovens excluídos nos guetos americanos, embora sua situação ainda esteja longe de ser reconhecida como uma vida realmente emancipada. Tem sido assim também na luta dos jovens espalhados nas favelas brasileiras, que não querem ver-se como “futuro”, pois entendem que este nega suas condições de sujeitos, como assinalam Eduardo, líder da banda Facção Central

21 e DJ Nino da Família MBJ, nos fragmentos abaixo,

respectivamente:

Futuro do país não cola mais, dá um tempo! [...] a gente vive com isso todo dia, quase toda hora; roleta russa, cinco balas num tambor de seis. Se não for hoje é amanhã. A gente nunca tem vez! Nossa revolta é por aí,

21

Somos assim, juventude de atitude – Facção Central. Documento em áudio.

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nós somos vítimas sim, mas juventude de atitude até o fim. Por que o sistema não quer nos ver como capazes de decidir quilo que cada um entende ser? Por que estão sempre nos tratando como futuro, que eles querem que seja? Eu mesmo já disse: parem de nos ver como incapazes de decidir por nós, parem de nos ver como futuros do país, nós somos o presente! Então antes de decidir por nós, consulte-nos sobre o que queremos!...

3. Juventude e produção cultural.

O surgimento da expressão “cultura juvenil” se dá por

volta dos anos de 1950. Segundo Abramo (Op. Cit. p.27), surge como uma expressão genérica “que designa todo o universo comportamental juvenil e que é de alguma forma partilhada pelos diferentes setores e grupos que compõem a juventude.” Essa pesquisadora entende que a referida denominação apresenta algumas dificuldades, porque ela esconde “condições sociais e experiências diversas”, mas, ainda assim, compreende sua utilidade “como uma referência para designar um „campo de acontecimentos‟ que permite enfocar aquelas manifestações que não aparecem necessariamente sob a forma de movimentos sociais”. A configuração e problematização da juventude sofrem uma ampliação significativa no período pós-segunda Guerra Mundiais. Conforme Abramo (Idem) O principal sinalizador desta mudança é a

Emergência de uma cultura juvenil ampla e internacional, ligada ao tempo livre e ao lazer, que abarca novas atividades e espaços de diversão bem como novos padrões de comportamento, especificamente juvenis, que produzem uma série de atritos e conflitos com as normas e instituições e seus representantes.

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E, é aí que os temas da “rebeldia juvenil” e “conflitos familiares” aparecem como “padrão generalizado ligado à juventude”. É nesse bojo de mudanças, que tem origem uma “cultura juvenil”. Ao que parece, pelos dados apresentados, essa “cultura juvenil” estaria associada à “cultura de massa”, provocada por todo um processo de mudanças sociais desencadeado como conseqüência de fatores ligados, fundamentalmente, ao tempo de lazer. Conclusão que também se apóia nas considerações de Edgar Morin (1997: 137-140), que se refere a uma “cultura juvenil-adolescente” como parte de uma cultura de massa. Diz ele: “queremos essencialmente destacar, aqui, o nascimento e a formação de uma cultura adolescente no seio da cultura de massas, a partir de 1950”. Esta expressão cultural, segundo esse autor, é ambivalente.

Ela participa da cultura de massas que é a do conjunto da sociedade e, ao mesmo tempo, procura diferenciar-se. Está economicamente integrada na indústria cultural capitalista, que funciona segundo a lei de mercado. E é, pois, um ramo de um sistema de produção-distribuição-consumo que funciona para toda a sociedade, levando a juventude a consumir produtos materiais e produtos espirituais, incentivando os valores da modernidade, felicidade, lazer, amor etc. Mas, por outro lado, sofre a influência da dissidência e da revolta, ou mesmo da recusa da sociedade de consumo.

A categoria “adolescente-juventude” possui, segundo

esse autor, um caráter de “indeterminação/determinação”; a primeira estaria relacionada ao “estado incerto que vem da coexistência, da imbricação e também da distância entre o universo infantil e o universo adulto”, enquanto a segunda, constitui “o que vem preencher esta zona incerta”. Esse elemento preenchedor, a que se refere Morin, é a “cultura”, por um lado e, a “condição de estudante ou escolaridade prolongada”, por outro. Essa cultura “adolescente-juvenil” se

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constitui por volta de 1955, e tem como elementos de base a indústria cinematográfica e fonográfica. Como assinala esse mesmo pensador (Op. Cit. p. 138, 9):

Aí se cristalizam não apenas um gosto juvenil por uma música e uma dança particularmente intensas, mas quase uma cultura, como o exprime muito bem o sentido do termo „yê-yê-yê‟ que, na França, encobre, não apenas um domínio musical, mas certa maneira de ser.

O desenvolvimento desta cultura estaria ligado a uma

conquista de autonomia dos adolescentes no seio da família e da sociedade.

A aquisição de relativa autonomia monetária (dinheiro para o gasto diário dado pelos pais nas sociedades avançadas e, alhures, dinheiro para o diário conservado pelos adolescentes que ganham a vida e entregam tudo que ganham aos pais) e de relativa liberdade no seio da família (o que nos conduz ao problema da liberalização, aqui, da desestruturação, acolá, da família) permitem aos adolescentes adquirir o material que lhes insuflará sua cultura (transistor, toca-discos e mesmo violão), que lhes dá sua liberdade de fuga e de encontro (bicicleta, motocicleta, automóvel) e lhes permitirá viver sua vida autônoma no lazer e pelo lazer. Esta cultura, esta vida aceleram, em contrapartida, as reivindicações dos adolescentes que não se satisfazem com a semiliberdade adquirida, e fazem crescer sua contestação a propósito de um mundo adulto cada vez menos semelhante ao deles (Idem.).

Edgar Morin (Idem, p. 141) entende que, cada vez

mais, afirma-se, no jovem, uma tendência precoce à emancipação que permitirá que ele se torne igual aos adultos em direito e em liberdade. Mas, segundo ele, trata-se de “uma reivindicação difusa e não cristalizada em ideologia

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doutrinalmente constituída.” Deste modo esse pesquisador chega mesmo a falar em “classe de idade adulto-juvenil” como um fenômeno oriundo da cultura adolescente-juvenil, “no sentido em que esta cultura cristaliza virtualidades provocadas pelo conjunto do processo social”. A noção de classe de idade, segundo ele, “não pode ser assimilada à classe social, tanto mais que se superpõe às classes sociais.” No entanto, insiste na manutenção do termo, afirmando sua ambivalência: “a noção de idade – segundo ele – conduz ao transitório (a evolução de qualquer indivíduo), e, de outra parte a noção de classe designa, neste fluxo constante, uma categoria estável.”.

A juventude recortada aí enquanto categoria social que intervém como ator histórico no seio do mais recente devir, é afirmada pela sua ênfase às ações culturais como elemento catalisador dos anseios de um grupo social determinado. E é, nesse sentido, que se tem uma “cultura juvenil.” E, ainda, ela se caracteriza pelas ações do grupo. Esta perspectiva, pelo que tenho percebido, não descarta o caráter de homogeneidade da categoria juventude. Ela não pluraliza a juventude, ao contrário, toma-a no singular. Compreendo que essa “cultura juvenil” significa um movimento de busca incessante de redescoberta do mundo das vivências, um experimentalismo, uma hiper-atividade, a rebeldia ao sistema, e isso, pelo que me parece, não está presente na realidade, de forma singularizada, como sugere Morin, mas varia quanto aos seus atores e contexto. E aí reside a fragilidade dos argumentos aludidos.

Posto isto, temos que confirmar a defesa do argumento, já apresentado no início desse capítulo, em que configura a posição de Paes (Op. Cit, p. 22) para quem a juventude é uma categoria, sociologicamente manipulada, e este é o sentido paradoxal da Sociologia da Juventude e, em última instância, da teoria científica. Como se quer deixar claro, a expressão “cultura juvenil”, nesse sentido, refere-se a uma construção social que existe mais como representação social do que como realidade. Daí porque alguns jovens vão se

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situar nesta ou naquela representação social. Segundo esse pesquisador, ainda, é preciso transitar pela realidade, pois ela é capaz de nos revelar facetas antes desconhecidas. E esse tem sido o nosso caminho. 4. A construção histórico-social da categoria de

juventude.

Percorrer toda a trajetória construída pela “sociologia da juventude”, ao mesmo tempo em que possibilita um momento de aprendizagem, constitui, por assim dizer, também, um processo revelador do quanto a atividade científica pode ser arbitrária, quando uniformiza a linguagem, sobretudo, quando trata de objetos culturais. Como diria Michel de Certeau (1995: 34):

O desígnio de um grupo, sua luta por existir, traduz-se por uma constelação de referências, muitas vezes ocultas, não reconhecidas exteriormente, uma espécie de acordos tácitos. São espécies de crenças que permitem uma elaboração comum. Uma linguagem, uma vez falada – a condição de ser suportável –, implica pontos de referência, fontes, uma história, uma iconografia, em suma uma articulação de „autoridades‟. O gesto que desmistifica poderes e ideologias cria heróis, profetas e mitos. Não há uma manifestação „sócio-cultural‟ que não esteja fundamentada em signos críveis, referências que permitem seu comércio, não necessariamente exteriorizados.

Assim características diversas na nomeação da

juventude podem ser encontradas no curso da história. No início do séc. XX, a juventude é percebida como um sujeito social específico, com experiências, questões e formulações particulares, dadas pela sua condição etária e gerencial. No entre-guerras, a juventude é marcada por um niilismo. Mas

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também é identificada como vanguardista. Outras tendências na abordagem da categoria juventude têm estado preocupadas com os processos de transmissão de normas comportamentais, atitudes de grupos que fogem a padrões considerados “normais” não factíveis de controle social: aparições excêntricas, grupos de delinqüência ou contestadores, uma vida “autônoma e inventiva” em que se cria um processo de auto-educação. A visibilidade da juventude e sua tematização como problema constrói-se, também, pela acentuação da „anormalidade‟ como comportamento de grupos de jovens reconhecidos como “delinqüentes, excêntricos, ou contestadores”, implicando todos, embora de formas diferentes, um contraste com os padrões vigentes (ABRAMO. Op. Cit. p. 8-10).

É, no entanto, os argumentos de “rebeldia ao sistema”, a contraposição aos padrões dominantes incorporados por grupos “delinqüentes” ligados à criminalidade, mas também por jovens participantes das culturas de rua, que mais tem sido utilizado como ilustração aos estudos atuais como características dominantes da juventude. Como assinala Rosilene Alvim (2001):

Essa tendência a ver o jovem como perigo, está mais associada a um imaginário estereotipado, cujo fundamento é um etnocentrismo oriundo tanto da forma como a mídia tem tratado as questões ligadas ao mundo da juventude, dando destaque a aspectos especificamente negativos, quanto do processo educacional, seja escolar, seja familiar, que tem olhado as produções culturais dos jovens, sobretudo do gueto, como subcultura, posta aqui com um sentido negativo, associando o comportamento juvenil à delinqüência.

Esta mesma pesquisadora (2002: 43), seguindo a

perspectiva teórica de Pierre Bourdieu (1983), tem se posicionado contrária a esta tendência e insistência de grande parte das pesquisas em destacar, em primeiro lugar, apenas

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aspectos negativos da juventude e, em segundo lugar, a uniformização do discurso sobre essa categoria. Alvim (2000: 9) tem insistido, ainda, em que a categoria juventude não pode ser pensada senão a partir de uma pluralidade, uma “polissemia dos conceitos”. Diz ela:

Tratar a categoria juventude utilizando-se do critério „unívoco‟ como forma classificatória, significa anular qualquer diferença nas formas de manifestação do fenômeno da juventude. Erigida e nomeada a partir daí, tal realidade impede que se construam sujeitos sociais historicamente diversos, com trajetórias diferenciadas, como grupos e indivíduos que participam da delimitação de um campo como protagonistas em movimento.

Daí se depreende que a juventude não pode ser

pensada como um grupo homogêneo, marcado por uma classificação etária, ou por uma adjetivação, seja positiva, seja negativo. Não, ao menos, como atores histórico-sociais. Noutro lugar (ALVIM, 2002), diz essa pesquisadora:

É impossível pensar a categoria juventude sem se considerar o campo no qual ela se situa, ou seja, quem são os jovens de que falamos e „assistimos‟? Trata-se do conjunto de jovens da sociedade ou são os jovens pobres?

A juventude é concebida, nesta perspectiva, como uma

construção histórico-social, portanto, gestada num processo social e histórico. Deste modo, é necessário distinguir de que jovem ou juventude está se falando; jovens burgueses, operários, estudantes, trabalhadores, galeras, patricinhas e mauricinhos, entre outros. Ou, ainda, retornando as considerações de Machado Paes (Op. Cit. p. 27),

A juventude é um mito ou quase mito, que os próprios medias ajudam a difundir e as notícias que estes veiculam a propósito da cultura juvenil ou de aspectos

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fragmentados dessa cultura (manifestações, modas, delinqüências, etc) encontram-se afetadas pela forma como tal cultura é socialmente definida.

Os jovens hoppers,

22 e aqui estou recortando mais

especificamente aqueles jovens estudados, é, portanto, uma categoria no quadro de análise cujas características culturais e de ação os diferenciam, mas também os aproximam dos demais jovens sem, contudo, simplificá-los a uma única representação. Trata-se de jovens residentes numa periferia urbana de uma cidade de porte médio do interior de Pernambuco. Eles formam uma organização social juvenil designada pelos mesmos de Família MBJ (sigla oriunda das iniciais do bairro onde residem; Morro Bom Jesus). Foram, no presente estudo, recortados como objeto de análise, dado a influência que exercem entre os jovens de periferias urbanas, tanto locais, isto é, da cidade de Caruaru, como regional, isto é, das periferias das demais cidades da Mesorregião do Agreste de Pernambuco.

23

22

Termo usado para designar os jovens do movimento hip hop, uma cultura juvenil, de origem norte-americana que remonta aos anos 60, mais especificamente, em 1968, quando o negro Afrika Banbaataa, inspirado na forma cíclica pela qual a cultura do gueto norte-americano era transmitida bem como no estilo da dança mais popular da época, fora criado com o objetivo de apazigua os ânimos, resultantes dos conflitos sociais no gueto, a princípio, uma forma de divertimento, logo transformado em manifesto cultural e político. Esse período se destaca historicamente pelo surgimento de grandes líderes na luta contra a apartheid social. Martin Luther King, Malcom X, e Panteras Negras. Disponível em: <http://newhiphop.8m.com/about.html> acesso em: 05/12/2001. 23

Estes jovens ganharam em 2008, prêmio Hutuz como melhor rap Norte-Nordeste do Brasil. Prêmio oferecido pela Central Única da Favela – CURFA/Rio de Janeiro.

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Conclusão “Hoppers” é a designação com que são tratados os

jovens que integram o movimento hip-hop. Os jovens cujas ações culturais foram por mim estudadas, quando os conheci em agosto do ano 2002, estavam em situação de maior desvantagem do ponto do capital cultural (BOURDIEU, 2002). A maioria, fora da escola, ainda na educação básica. O mais velho deles havia abandonado a escola, ainda, no que chamamos hoje de segundo ano do ensino fundamental.

24

Apesar desta desvantagem do ponto de vista do capital cultural, aqueles jovens desenvolveram uma habilidade para lidar com a realidade social, capazes de perceber de forma crítica que a questão social que os envolvia, extrapola os limites da periferia.

Para eles, ser jovem significa enfrentar riscos com criatividade e coragem. É como diz Ed-Rock

25 “você tem que

está preparado, pois um vacilo agora, derrota amanhã. Coragem agora, sucesso amanhã.” Afirmação que indica que, no contexto da periferia, os estímulos oferecidos pela vida cotidiana podem se tornar uma armadilha que comprometerá toda a vida. Por isso, esses jovens estão atentos para não cair naquilo que eles identificam como “parada errada”.

Não quero ver mendigo catar fruta podre pela feira / Nem ver o moleque se matar por uma carteira / Uma oração pra Santa Maria / Converso com ela, tire todos dessa trilha / Pois essa é a vida de muitos da periferia /

24

Eu, a partir daquele momento procurei dedicar-me a convencê-los a voltar à escola. Hoje, o mais velho deles está concluindo o segundo grau. 25

Um dos líderes dos Racionais MC‟s.

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Mesmo que eu não queira, o Sistema me obriga / Assalto a banco, herói pai de família / Que daqui uns dias, vai ta c‟a boca cheia de formiga / Ver de longe seu filho seguir a mesma vida / Assaltar a burguesa ou morrer na mão da polícia / É foda, essa vida de ladrão! Ta na mão de Deus a solução! [...], espera chegar o sábado / O dia nasceu, leva pro “troca” vamos fazer rolo / De olho nos ligados, logo é descoberto / Está quase ganhando passaporte pro inferno / Mas se não morre leva sorte fica aleijado / Ta de novo na quebra, mais um viciado / condenado a viver a favor do diabo / Sobe o gás, os irmãos ficam revoltados / O mesmo rumo ta disposto a seguir / Tudo maquina metendo fita não ta nem aí / Esta vida está perto do fim / De um jeito ou de outro, a casa vai cair / Será que vai mudar, estou com Deus, só resta esperar.

26

É difícil não admitir que parte deles já tenha algum

tipo de envolvimento com a criminalidade, mas é igualmente difícil aceitar que, o simples fato de serem moradores da favela, seja o suficiente para serem rotulados como criminosos.

Você vê; o boy se for pego com um baseado é usuário, o jovem da periferia não. Se for pego é traficante, criminoso. O jovem da periferia, do hip-hop, da rua, do skate, por causa do seu dialeto, de sua roupa e, até de sua cor, é tratado como um criminoso. Mas nós não somos isto. Essa é uma forma preconceituosa do sistema ver o jovem da periferia. Uma forma muito errada.

27 Há

muitos jovens por aí envolvido em tretas, 28

fazendo coisas erradas, mas não por ser jovem, por que isso não é ser jovem. Juventude é compromisso, é responsabilidade com a vida, com o trabalho, com o

26

Poder Negro. 27

BLACK–OUT – do Alto da Balança. (29/06/2004). 28

Problemas com drogas.

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futuro. É expressar sinceridade para com os outros, é ter atitude.

29

Andam aos bandos, em grupo, através do qual

desenvolvem suas atividades artísticas. Atividades representadas nos quatros elementos do hip-hop: discotecagem (DJ), música (rap ou MC), a dança (break, street dance) e grafite. Trabalham na perspectiva de serem reconhecidos como artistas da periferia. Mas não são sempre visto desse modo, ao contrário, têm sido alvo dos mais diversos olhares estigmatizados, associados aos aspectos negativos da vida cotidiano.

Sabe o que significa você sair ao asfalto e, ser obrigado a assistir pessoas se encolherem, como se algum coisa tivesse para acontecer? Senhoras que se encolhe, escondendo a bolsa como se a gente fosse roubá-la, e isso por quê? Os boy e as patricinhas que mudam de lado com medo de serem atacados por nós, porque para eles, nós somos uma ameaça, um perigo. Você sabe o que é conviver com isso?

30

Estas desconfianças estão, quase sempre, relacionadas

à forma como se vestem, mas também, à forma como a favela aparece nos meios de comunicação; sempre associada ao crime, ao tráfico de drogas, a esconderijos de traficantes e ladrões. Seres humanos, tratados como “escórias” da sociedade,

31 marcados pelos trajes, ou visuais, não

29

SUSPEITO – jovem do movimento hip hop do Morro Bom Jesus. (31/01/2004). 30

BLACK–OUT – da banda Consciência Nordestina. (29/06/2004) 31

Por ocasião do encontro regional dos agentes de conselhos tutelares e conselho da infância e da juventude, que se realizou em Caruaru no mês de julho de 2003, a Secretaria da infância e da juventude desse município, naquela ocasião, saldou os participantes com a seguinte expressão: “... vocês

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importando com quem estejam. Nem mesmo em companhia de seus parentes mais próximos. Pai, mãe, e até namoradas, são obrigados a passarem por constrangimentos. Nem mesmo à porta da suas residências, escapa a toda forma de violência e humilhação.

32

É o que significa ser preto pobre e da favela, como se isso fosse crime. O rap é isso; é essa forma de dizer ao mundo o que a gente sente. Então o sistema não aceita, porque ele ver nessa atitude do jovem da periferia, uma rebeldia contra o sistema. Então você já sabe a resposta, não é? Quer dizer, violência!

33

Eles percebem a existência dos conflitos sociais e os

deixam evidentes no seu “rythm and poetry”, como uma situação cultural, racial, associada à sua condição de classe, porque esse conflito abarca todas as dimensões da vida cotidiana e está presente no próprio seio da favela. Não há, por assim dizer, uma doutrina a ser seguida; um comportamento ou uma única visão do cotidiano. Do modo particular como cada um, individualmente, ou mesmo o grupo age em sua comunidade, espera-se está contribuindo, de uma forma ou de outra, como exemplo a ser seguido. É como se

que trabalham com a escória da sociedade...” Ela pode até nem ter percebido o que houvera pronunciado, mas, consciente ou não, o fato ficou registrado. É a força do hábito cultural. Como diz Mano Brown: “... Já é natural”. 32

Como afirma Black-out, “uma vez estava à porta da casa da minha namorada, já estava me despedindo dela, quando fui abordado pelos gambés (policiais) que me deram um baculejo. Eles nem respeitaram o fato de eu está com minha namorada, me fizeram passar o maior vexame, e isso é muito comum aqui na quebrada da gente”. 33

BLACK–OUT – da banda Consciência Nordestina. (29/06/2004)

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pode observar nas palavras de Dexter à revista Rap Brasil. 34

Falando sobre a importância do “rap”, ele diz acreditar poder “auxiliar na transformação da juventude, que está seguindo pelo caminho da criminalidade, a não cair em vacilo.” Eles têm essa preocupação quando estão escrevendo suas composições e, por vezes, discutem no coletivo, uma ou outra composição, sobretudo quando tratam de questões mais críticas. Para eles, não basta que alguém faça um discurso social contestatório, mesmo que coincida com o que eles pensam; é preciso sentir na pele o que se passa para merecer credibilidade. Assim é o rap; uma composição que fala da experiência do corpo. “Resolvi falar sobre a sociedade e o meu cotidiano, minha quebrada. Todos sabem que há muita hipocrisia na sociedade, na forma como somos tratados pela burguesia, mas eu quis dizer do jeito que eu sinto que ela é. O rap não é fantasia, aqui não é novela, nem estamos em Hollywood.”

35 Ao falar dos seus sentimentos, suas percepções,

estes jovens se sentem estimulados a interferirem na realidade social, como sujeitos, e assim eles acreditam poder transformar o cotidiano. “O rap tem um compromisso com a realidade em que vivemos” eles afirmam, como a querer assinalar um dever social.

Mas eles estão o tempo todo preocupados com as implicações de suas ações na periferia e fora dela. A manifestação do desejo por ascender socialmente torna-se muitas vezes um conflito, em virtude da forma como seus pais os cobram sobre o o futuro. Evidentemente, esses confrontos são decorrentes da forma como o sistema social estruturou o modelo ideal de sucesso. Mas eles também estão presentes nas ofertas constantes feitas por traficantes para resolver situações cotidianas, bem como propostas de sucesso fácil que

34

Do mundão ao cárcere. Rap Brasil – a revista da cultura hip-hop. Ano II – n. 17. Editora Escala. São Paulo. Dexter é um rapper do grupo 509-E. 35

MC Irmão J. – O rap ao qual ele se refere é: “Que Brasil é este”.

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lhes são apresentadas pelo mundo do crime. Eles sonham com um futuro melhor e sabem que esse sonho está indissociavelmente ligado ao presente.

Minha mãe muitas vezes me pergunta sobre o que eu tenho ganhado com o rap. Ela não entende que eu faço rap porque eu gosto e não porque eu queira ganhar alguma coisa. Mas eu sonho um dia ser um rapper famoso e ganhar dinheiro e ajudar as pessoas na minha quebrada, fazendo rap, mas não é isso que me estimula a continuar no movimento, nem a fazer rap. O rap é uma maneira de me expressar, de dizer aos outros como eu vejo o mundo, e não se faz isso para ficar rico, se faz isso porque essa é a vida.

36

É comum terem que ouvir discursos que os tratam como

malandros, ou preguiçosos por não aceitarem à submissão ao trabalho explorado. Às vezes um subemprego, já que suas atividades culturais e artísticas não são reconhecidas como sendo um trabalho. O hip-hop é por onde eles têm demonstrado a esperanças de sucesso. E, aí, eles espelham-se nos mais bem sucedidos artistas do Rap brasileiro. O fato é que não é fácil, para eles, sonharem com a possibilidade de vencer as dificuldades diante das pressões sociais, sobretudo do mercado, mas também da necessidade de superarem as fronteiras da favela, como assinala Regina Novaes (1999: 69).

Enquanto participam de centenas de grupos existentes, os jovens sonham sobreviver através da música, sonham entrar neste mercado. Sonham com o sucesso de vendas, querem vender uma mensagem, mas não „querem se vender‟. Todo o tempo se fazem uma mesma pergunta: entregar ou não entregar o Rap para a indústria fonográfica? Vender onde e para quem? Depois de um contrato, as letras estão ou não mais palatáveis „ao

36

JC. MBJ. 15/05/2003.

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sistema‟? Como definir as fronteiras entre „ganhar dinheiro com ética‟ ou „fazer uns baratos escrotos para ganhar dinheiro‟?

37

Embora se situem, mais especificamente, no sudeste do

país, onde o hip-hop já adquiriu o reconhecimento, e, alia-se a este fato a presença dos grandes líderes do hip-hop, Regina Novaes (Idem.) deixa claro estar tratando de uma realidade nacional e, portanto, bastante heterogênea. Por outro lado, levando-se em consideração os desafios do jovem no Nordeste do país, a situação agrava-se, pois, junto à questão econômica, soma-se, a questão do capital simbólico, da forma como as questões de gênero são tratadas nesta Região do país: “a virilidade do nordestino”. Um jovem pobre, de pele escura, de baixa escolaridade, favelado, não pode querer sobreviver da música, da dança e do grafite, numa região como esta, onde homem que se preza tem de trabalhar no pesado, ser “cabra macho”. É assim que a vida tem sido para eles, muito mais dura.

Como assinala Regina Novaes (Op. Cit. p. 66), quando trata do conteúdo do Rap, diz aquela pesquisadora: “Sem a munição do „local‟, não há letras, não há „poesia‟ para este ritmo seco, marcado e, de certa forma, previsível.” Em „Sobrevivendo no Inferno‟, Mano Brown faz referência ao rap como sendo “duro e desalinhado”. Em „vida louca‟, ele afirma: “... eu sou problema de montão, (...) homem da selva, sou leão, eu sou demais pro seu quintal, (...) eu sou o mano, homem duro do gueto, (...) aquele louco que não pode errar, aquele que você odeia amar (...)”.

O que esses jovens dos novos movimentos de juventude desejam, com a leitura “seca” da realidade, não é estabelecer um clima de violência e ódio; o jovem periférico conhece o peso da lei e sabe, muito bem, que violência só gera violência.

37

Conforme notas inseridas no texto citado, as expressões entre aspas simples, pertencem a Mano Brown, dos Racionais MC‟s.

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O que eles fazem é, muito mais, uma manifestação do desejo e afirmação da cidadania, bem como o cultivo da auto-estima. Retratando o cotidiano da favela, a saga de um parceiro no mundo do crime, ele cria rede de relações e conquista a adesão dos seus pares, além de promover a consciência sobre os riscos da vida bandida. Assim eles trabalham a subjetividade dos seus pares na favela e os exortam a seguir outros caminhos. Embora se apresente num dado momento, como a festa na periferia, como a suprir a ausência do lazer, o hip-hop é uma cultura direcionada a outros sujeitos epistêmicos; entende que o jovem sonha em construir um futuro promissor, mas esse mesmo jovem não encontra senão o caminho do crime pela frente. Assim através do rap, ele é levado a explorar outras subjetividades e, nessa construção da subjetividade, acaba por construir enfrentamentos sociais de classe, ou de confrontos sociais e violência.

Hoje decidi conversar com eles sobre política. Visto tratar-se de um ano eleitoral, queria saber como eles avaliavam a conjuntura política, e, mais que isto, como eles viam o fato de jovens da favela que reclamavam da ausência de políticas públicas na favela estarem divididos fazendo campanhas política dos mais diversos candidatos. Um jovem me disse: “eu já fiz campanha para muitos candidatos, mas não votei em nenhum deles, pois não acredito neles, pois eles só fazem prometer. Mas como eu precisava do dinheiro para sobreviver, eu precisava me alimentar, então tive que trabalhar para um deles...” Nem havia acabado de falar, quando um outro o interrompeu, dizendo: “pra você vê como é a situação aqui da periferia, todos trabalham em função de certos favores, é como diz GOG – citando um rappers do Distrito Federal – „o que me dói mais é ver meu povo caindo na cilada, trabalhando em campanhas milionárias por migalhas‟. Como se pode perceber, de certo modo, está aí, presente, um embate social de classe”. (Diário de campo – 10/10/2004)

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“Cada um é cada um”. Essa é uma expressão muito

presente nas conversas de roda. Parece não haver uma preocupação com a manutenção de uma uniformidade de discurso ou ação nesse mundo de becos e vielas intermináveis, de fatos inusitados e escassez de quase tudo. Na favela, cada jovem tem de encontrar uma forma de sobrevivência e será respeitado pelas escolhas que tiver feito, pois ele é considerado único responsável pelas escolhas que vier fazer. De fato essa compreensão desenvolvida na relação que estabelecem com o cotidiano parece-nos paradoxal levando-se em conta que o hip-hop busca estabelecer uma unidade de ação que possibilite a estes jovens a superação de seu próprio mundo. Mas é preciso dizer que a disponibilização de capital cultural e simbólico (BOURDIEU, 1999), nesse contexto, não se dá uniformemente, mas de forma fragmentada. As escolhas assinaladas por cada um desses sujeitos são marcadas por essas disposições de capitais. Compreendo que essa discrepância na construção simbólica do mundo social não só impõe uma ação frente à realidade social, como acaba por se reproduzir no campo da linguagem interna ao movimento.

Hoje numa roda de conversa decidi falar com eles sobre um tema que está sempre presente na televisão: a chamada “lei do silêncio”, que, segundo o discurso apresentado pelas emissoras de TV, tem sido imposto à favela pelo tráfico. Um jovem interrompeu minha fala afirmando não se tratar de “lei de silêncio”, mas de “respeito” às escolhas que marcam a existência de cada um na favela, como parte do jogo pela sobrevivência. Uma espécie de “acordo tácito”. “Cada um é responsável pela escolha que faz. Se eu escolho o caminho da criminalidade, da vida bandida, do tráfico, eu não posso afirmar que fui levado ou obrigado por alguém a fazer essa escolha. Por ela, só cabe a eu mesmo responder. Se tivéssemos que culpar alguém pelas escolhas erradas que, por acaso, tivesse feito na vida, esse alguém seria

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eu mesmo. É claro que o sistema, a ganância dos ricos, que não deixa alternativa ao povo da periferia, é que é o grande culpado, mas eu posso me posicionar contra tudo isto, que é o que faço. A vida bandida surge aí, como alternativa, visto que não há outra saída à favela. Nós do hip-hop procuramos mudar isto, mas isto é um processo, não se faz num passo de mágica, mas não querem entender e por isso somos discriminados”.

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“Aqui na periferia, a gente procura passar a idéia de que ser jovem é saber curtir a vida sem se envolver com a marginalidade. O jovem periférico não está preso à sua quebrada, ele está sempre circulando por todos os espaços da cidade; aí, ele está sempre observando as coisas, aprendendo com elas e se inspirando nelas. Ele tem inteligência e a vida é sua escola. Ele quer se divertir, mas está aprendendo com tudo o que está ao seu redor”. (Dj Nino – cf. registro em meu Diário de Campo).

Essa assunção da responsabilidade individual da escolha

que cada um faz está retratada na desterritorialidade estabelecida pelo fluxo da vida na favela, como acentua Adad (2002), ao afirmar uma circulação desses jovens expressa na instabilidade da desterritorialização e do reagrupamento contínuo, que se poderia chamar de estratégia de rua, características dos bandos nômades, evidenciadas nas suas ações informais. Eles não sabem informar, quando solicitados, sobre o paradeiro dos outros. Trata-se de uma vagabundagem que possui sentido positivo para eles. Assumir essa individualidade é, assim, uma estratégia; uma forma de assimilar as estruturas impostas pelo sistema social. São os novos movimentos de juventude.

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Depoimento do rapper “Suspeito do MBJ” – conforme registro do meu Diário de campo – 06/03/2004

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AS JUVENTUDES, UMA EXPERIÊNCIA EM UMA PERIFERIA DO RECIFE39

Severino Vicente da Silva

APRESENTANDO O TEMA O seminário do qual estamos a participar tem como

título Juventudes Pernambucanas. A mim esse tema é muito simpático; primeiro porque ele é posto no plural, o que pode nos levar a pensar em juventudes ao longo do tempo, numa linha cronológica, como a que diz: geração 45, geração 65, geração 75, geração 95, e assim por diante. A cada vinte anos uma juventude aparece. Esta semana eu li artigo de Marcus D‟Moaris louvando o bom relacionamento entre a Livraria Livro 7 e a Geração de 65

40, os poetas daquela geração: aqueles que

conseguiam ler, escrever e conheciam as pessoas que tinham editoras e publicavam e faziam lançamentos de livros.

Outra forma de entender esse plural aplicado ao nome do seminário é aceitar que não há uma geração a cada 20 anos, mas várias gerações existem em cada geração. Em cada tempo em uma sociedade, embora as pessoas que nele vivem tenham muito em comum; há mundos paralelos, e alguns deles jamais se encontram ou se tocam tangencialmente; e esses mundos possuem objetivos e problemas diferentes a resolver. São muitos os mundos existentes em cada cidade simultaneamente e, por isso, são muitas as juventudes em cada momento.

Quando nos dedicamos a ler o que sido escrito sobre a juventude, essa entidade que vem existindo desde o início dos

39

Anotações para mesa-redonda no Seminário Nacional sobre Juventudes Pernambucanas: um balanço a partir do século XX. Promovido pelo Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia da UFPE. Ocorrência no dia 29 de abril 2010. 40

http://www.antoninojr.blogspot.com/ acessado em 25 de abril de 10, O Livro 7 e a Geração 65.

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tempos modernos,41

essa parcela da população que não é mais criança, mas, que ainda dela não se exige as responsabilidades de mando no mundo dos negócios e do poder, vemos que ela se torna mais explicitamente presente em nossa sociedade brasileira apenas a partir do final dos anos quarenta do século passado. E isso ocorre, talvez, porque é a partir da década anterior, que jovens de grupos econômica e socialmente dominantes passaram a trocar os espaços parisienses pelas alamedas da Faculdade de Ciências e Letras de São Paulo. Não se fala de uma juventude brasileira na época do dandi Joaquim Nabuco circulava em Londres. Mesmo quando foi criada a tradição dos estudantes de direito, no dia da criação dos cursos de Direito, não se falava de juventude, mas de Estudantes de Direito. Ainda não havia espaço para uma juventude no Brasil. Os que estavam nos cursos de direito mais pareciam estudantes das universidades européias dos séculos iniciais dos tempos modernos. Todos possuíam lugares definidos na sociedade, não seriam obrigados a conquistar seus espaços na sociedade Talvez, por essa experiência, quase somos levados a entender que “juventude” é um termo sinônimo de “estudante”; e isso em um país que não possuía uma rede nacional de ensino, uma rede escolar, nem uma legislação para balizar a educação no país

42. Havia, como ainda hoje há no Brasil, mais jovens que

estudantes, ou seja, há mais jovens fora das salas de aulas que no seu interior. Entretanto, não incomum a confusão acadêmico-política entre movimento estudantil com movimentos de juventude.

Embora seja certo que foram os jovens ricos e os de classe média os primeiro a verem ser respeitada a sua juventude, ou seja, eles foram os primeiros a quem foi

41

HISTÓRIA DOS JOVENS, da antiguidade à era Moderna. Giovanni LEVI e Jean-Claude SCHIMITT. (Organizadores), São Paulo: Companhia das Letras, 1996. Ver também História da Infância e da família, de Phellipe Arriés. 42

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil. Petrópolis: Voes, 1989. p 32ss

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permitido deixar explodir as suas insatisfações com o modelo social que lhe era imposto, deve-se verificar a existência de jovens em outros grupos sociais. Quase sempre esses só eram notados como estatística policial ou fenérea.

SER JOVEM NO BRASIL Sempre me causou estranheza essa idéia matriz no

pensamento sociológico brasileiro, pensamento que foi herdado pela historiografia, de tratar como jovens apenas os que se encontravam nas escolas. Quando eles estavam nas fábricas já não eram jovens, eram operários, pois já haviam sido postos no mundo dos adultos, independente a sua idade.

Atentando mais ainda na percepção do que ocorreu no país após 1964, com a desmobilização dos sindicatos, e, na França em 1968, a idéia de juventude, entre nós, ficou mais restrita ao que acontecia nas universidades ou nas escolas secundaristas. Agora, esse conceito de juventude nos dá a impressão que a juventude consumou-se ao consumir o que lhes ofertavam. E o que lhe ofertaram pós-68 foi a ausência de projeto, a acomodação social em um momento em que os jovens vivem a desacomodação biológica. Talvez por isso disseram que “o sonho acabou”.

Vou aproveitar essa oportunidade que me foi dada para conversar, refletir em voz alta, sobre a experiência de um jovem que estudava, mas não fez parte do chamado “movimento estudantil” e, portanto não parece ter feito parte do movimento de juventude de seu tempo. Aproveito a oportunidade para dizer que este não é uma reflexão totalmente científica, seja do ponto de vista da filosofia, da sociologia ou da história, embora essas ciências possam aproveitar-se dele, como delas me aproveito. Digamos que esse estudo seja uma reflexão sobre a minha experiência, compartilhada, com outros da minha idade, em Nova Descoberta, então parte da grande Casa Amarela, no período entre 1965 e 1980. Creio que pode ser uma contribuição para se verificar que existiam outras juventudes, além daquela mais

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falada, a filha dileta dos estudiosos que dela provém, da Bossa Nova, da Tropicália, dos TUCAS, e outros movimentos, Armoriais ou não.

Há uma foto famosa, publicada em uma das revistas semanais

43 que apresenta um instantâneo da famosa Passeata

dos Cem mil, ocorrida após o assassinato de um rapaz no Calabouço, um restaurante para estudantes universitários. O jovem era um dos trabalhadores do local e, também um estudante secundarista. A foto nos mostra o semblante sério dos jovens e todos vestidos de maneira bem européia tradicional. Os ventos juvenis da Europa insatisfeita ainda não haviam chegado como um todo por aqui. Mas na foto não podem ser encontrados facilmente jovens negros e jovens pobres. Na maioria, os estudantes da revolta estudantil daqueles anos, era gente branca de classe média. Aquela foto é uma representação do que se entendia como jovem naquele momento, parecia não haver outros jovens que aqueles representados na passeata dos Cem Mil. Além de todos bem penteados, estavam de paletó, gravata e eram sérios.

Cresci em uma região da cidade do Recife que estava sendo ocupada desde o final dos anos quarenta com pessoas migradas da Zona da Mata Norte. Em sua maioria eram pessoas que se trabalhado ao corte de cana, alguns pequenos agricultores de algodão, ou comerciantes que viviam no serviço de algum engenho que havia sido desativado recentemente. Os que ocupavam os morros da Zona Norte do Recife foram forçados a migrar para o litoral. Entre os anos cinqüenta e setenta cresceu bastante a população de Casa Amarela e, nela, Nova Descoberta. As crianças dos anos cinqüenta tornaram-se jovens na segunda metade dos anos sessenta.

MOBILIZAÇÃO

43

Essa foto pode ser encontrada em um número da Revista Veja que comemora os 40 anos daquela passeata, em 2008.

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A primeira grande mobilização de jovens em Nova Descoberta ocorreu quando eu estava na idade de quinze anos. Em 1965 ocorreu uma cheia do Rio Capibaribe, acompanhada com chuvas. A formação de barreiras, típica da região, foi atingida por deslizamentos, além disso, o transbordamento do Rio de Brejo afetou alguns moradores dos Córregos da Areia, do Córrego do Passo Nu, hoje Córrego do Joaquim. Os jovens, a juventude local foi acionada principalmente pela ação da Igreja Católica, renovada no governo da arquidiocese com a chegada de Dom Hélder Câmara

44 e, na paróquia, com a recém

chegada equipe de padres e freiras vindos dos EUA45

. Formaram-se grupos para auxiliar na organização da distribuição dos materiais que chegavam para a construção de novas casas. Dessas ações surgiu a Operação Esperança

46, com

atuação em vários bairros do Recife, inclusive nos novos bairros, como Jordão, IPSEP, Dois Carneiros, e outros.

Ligado à Operação Esperança começaram a se formar os Conselhos de Moradores. O Conselho de Moradores de Nova Descoberta foi o primeiro deles. A mobilização ocorria em setores que já estavam organizados e, no caso, organizados em sua igreja, no caso, a Igreja Católica. Não devemos nos esquecer que no ano anterior havia ocorrido a desarticulação dos sindicatos e partidos políticos pelo movimento militar de Primeiro de Abril.

44

Dom Hélder Câmara foi designado Arcebispo de Olinda e Recife nos primeiros dias de abril de 1964, logo após o Golpe de Estado realizado por aliança civil militar. 45

Sobre esse tema ler meu livro Entre o Tibre e Capibaribe: os limites da igreja progressista na arquidiocese de Olinda e Recife. Recife: Editora Universitária UFPE: REVIVA, 2006. 46

Hilda Elaine Barros da Silva. Dinamismo e Devoção: a atuação de Dom Hélder Câmara na Operação Esperança (1965-1987). 2006. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em História) - Universidade Federal de Pernambuco. Orientador: Severino Vicente da Silva.

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JOVEM DESEMPREGADO É JOVEM? Tempos antes havia havido uma grande atuação dos

jovens católicos com a Juventude Operária Católica - JOC. Devia ter havido muitos jovens atuando nas fábricas de tecidos estabelecidas no Recife naquele período, como a Fábrica da Macaxeira e a da Torre, indústrias próximas de Nova Descoberta. Os trabalhadores dessas indústrias vinham do interior e, de camponeses que eram, tornavam-se operadores de máquinas de tecelagem. Para muitos as fábricas representavam o futuro para seus filhos. A existência dessas fábricas atraía novos migrantes, o que garantia a reposição e reprodução da mão de obra, tanto no presente quanto no futuro. Nos anos do Milagre Brasileiro, os anos da ditadura militar, essas fábricas fecharam e havia uma juventude desempregada e com perspectivas de futuro diminuídas em um bairro que até então era de operários. A possibilidade de organizar uma juventude operária desaparece com o fechamento das fábricas, o fenecimento dos sindicatos e da classe operária no bairro.

Entretanto a Igreja Católica nesse período empreende uma ação, ainda não estudada, que foi a Pastoral de Juventude do Meio Popular

47, que parece ter querido ser uma tentativa de

ocupar o antigo espaço jocista, assim como a Ação Católica Operária voltava-se para os homens e mulheres da classe operária.

Com a desativação das fábricas, a juventude do hoje

bairro de Nova Descoberta ficou com a alternativa de se preparar para o setor de serviços, e jovens podiam ser

47

Para essas notas teria sido interessante uma entrevista com o padre Adriano, que foi vigário da Matriz da Macaxeira e teve como auxiliar o padre Reginaldo Veloso. Adriano Jansen, laicizou-se e se tornou motorista de táxi. Atualmente está bastante afetado em sua memória, mas foi um dos organizadores do MJPM.

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encontrados em algum dos vários cursos de datilografia que havia no bairro. Por entender que uma das atividades profissionais para as moças do bairro era o serviço doméstico, no Conselho de Moradores havia cursos de Arte Culinária, além de cursos de Bordados. Dessa maneira a comunidade se organizava e se preparava para um dos futuros possíveis para as moças. O Conselho de Moradores acionava reuniões para jovens onde se debatia a organização de lista de abaixo assinados para que fosse feita uma escadaria, colocada mais uma “pena d‟água” em um dos muitos morros do local, ou seja, discutia-se o cotidiano da comunidade empobrecida e com limites escassos de futuro. Não havia água encanada para a população até o final dos anos setenta. A rua principal só veio a ser calçada no início dos setenta. Os jovens participavam de campanhas educativas para a coleta de lixo, incentivando a população a descer os morros, pela manhã, com sacos para os por nos locais de coleta ou em fornos que a prefeitura utilizou em um determinado momento. Uma outra atuação da juventude do bairro ocorria na mobilização para as campanhas de vacinação. Ou seja, no bairro havia a possibilidade de envolver a juventude em ações diretas e do interesse imediato do bairro. Não há debates sobre movimento estudantil, não há debate sobre lutas de classes sociais.

LAZER Mas havia a questão do lazer da juventude. No final dos

cinqüenta e início dos anos sessenta o futebol sempre foi uma diversão operária. Assim no bairro havia o Flamengo Futebol Clube e também o Fluminense. Esses times eram apoiados, de alguma maneira, pelos interesses das fábricas que lhes concedia terrenos para a prática das peladas; e havia torneios entre eles e os clubes dos bairros vizinhos, como Vasco da Gama, Macaxeira e Buriti, cada um deles com seus clubes e atletas.

Um pouco para a superação dessas questões, ocorreu a iniciativa da criação de uma quadra de esportes, onde se

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pudesse fazer jogos de voleibol e futebol de salão. E então se conseguiu o terreno e foram realizadas campanhas para a conquista do material. Jovens passaram a utilizar o final de semana no trabalho de aplainamento do terreno para a quadra e a colocação do cimenta. Foi uma tarefa que tomou quatro meses. Claro que havia a cooperação dos mais velhos do Conselho de Moradores, mas não se conseguiu o envolvimento das pessoas que moravam na proximidade da quadra que, inclusive estava sendo construída em frente ao campo do Fluminense Futebol Clube. A quadra terminou não sendo muito utilizada, pois ela estava distante da rua principal e os jovens que estavam ativos no Conselho de Moradores não se moviam tanto na direção da quadra que, com tempo foi desativada. Também não conseguiram, os jovens da rua principal manter relações com os jovens da localidade, já na proximidade de Passarinho e Guabiraba

Alguns daqueles clubes tinham sede onde realizavam “bailes de dança”, verbete usado na época. O Flamengo em Nova Descoberta; o Veneno no Beco do Quiabo, hoje Avenida Eurico Chaves; o Treze do Vasco da Gama, além do Recreio da Fábrica da Macaxeira e o Sesi do Vasco, todos eram ponto de encontro das juventudes daqueles logradouros. Mas o fechamento das fábricas fez diminuir o patrocínio e começaram a escassear os bailes. Os clubes foram cerrando as suas portas.

Houve um período em que o Conselho de Moradores promovia festas – os antigos bailes – que substituíram uma prática dos “assustados”. Por conta desses bailes um grupo de jovens organizou uma pequena banda de rock, seguindo o modelo que se impunha na sociedade. Por sua ligação com a Operação Esperança, o Conselho de Moradores de Nova Descoberta fazia parte de uma rede que atingia quase todo o município; e isso gerava, para os jovens e adultos participantes, um conhecimento maior do que aquele que eles recebiam nas escolas por eles freqüentadas, mesmo aquelas localizadas nos bairros centrais da cidade.

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Uma outra atividade de lazer, que combinava com a formação foi a criação de grupo de teatro e, imitando a televisão, concursos de cantores. Foram feitas peças como a montagem de Um Operário em Construção, uma adaptação da peça Morte e Vida Severina, além de júris populares, nas Semanas Santas, quando foram realizados julgamentos de Judas, Pilatos, Pedro. Essas ações atraiam o interesse da população e sempre havia audiência e público para esses eventos, realizados a céu aberto, com os jovens locais e semanas de estudo e preparação anterior.

TENTATIVA DE FORMAÇÃO INTELECTUAL O crescimento do êxodo rural dos anos setenta

começou a promover o inchamento populacional e o crescimento desordenado dos morros. Uma nova juventude virá a ser formada nos anos seguintes, mas ainda nos anos setenta, O Conselho de Moradores cuidava da formação, com o oferecimento de cursos supletivos e com alguns seminários que ocorriam aos sábados ou domingos à tarde. Os seminários tinham um caráter de formação política, e eram organizados por jovens estudantes que vinham atuar no bairro, como animadores das ações do Conselho de Moradores. Assim, ao lado de serviços de saúde que eram prestados por estudantes de medicina que freqüentavam o Conselho de Moradores, um grupo de jovens recebia a possibilidade de debater questões políticas nos debates filosóficos que então se realizava. Um jovem de classe média estabeleceu moradia em Nova Descoberta, era estudante de História e em sua casa havia muitas reuniões e debates informais

48. A Operação Esperança

tinha um dos seus funcionários, um sociólogo, morando no bairro. O Conselho de Moradores de Nova Descoberta foi, durante algum tempo, um lugar de formação de cidadania no

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Estou me referindo a Denis Bernardes, atualmente professor desta universidade, no Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Departamento de Serviço Social.

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mais amplo sentido e no mais vertical possível naquela situação.

Um outro aspecto que pode ser notado na experiência de jovens de Nova Descoberta é que parece haver uma relação entre o que se fazia nos grupos de jovens católicos e nos grupos de jovens do Conselho. Havia um grupo de jovens que participava das duas ações, o que significa que havia interação e influências recíprocas

49. Os jovens católicos faziam reuniões

de grupos em casas de algum jovem, sempre em torno de 10 jovens por casa e discutiam um tema diferente em catorze sessões. Eram temas voltados para relacionamentos e posturas morais, visando a formação de jovens capazes de assumir as responsabilidades de uma família. Não havia, inicialmente, uma ênfase na moral social, o que veio a ocorrer mais tarde, já quando esses jovens estavam saindo da juventude e ingressando no mundo adulto, ou seja, no mundo do trabalho e da responsabilidade familiar. E embora não debatesse questões políticas, quando pessoas ligadas ao Conselho de Moradores e da Operação Esperança foram aprisionadas, ao longo do ano de 1973

50, a comunidade católica fez várias noites de oração e

vigílias pelo fim do seu encarceramento.

49

Fui um desses jovens que tinha os pés nas duas tendências educativas. Com o assassinato de Padre Henrique, o Monsenhor Ernani pediu que eu acompanhasse de perto os jovens, moradores do Parnamirim que haviam sido acompanhados por ele. Assim foi que ocorreu uma dilatação do meu mundo, inclusive com acompanhamento de jovens católicos ligados ao Mosteiro de São Bento, em Olinda. 50

Na verdade as prisões começaram no ano anterior, com o aprisionamento de Tibúrcio Santos, morador do bairro, bancário do Banco do Nordeste; posteriormente, em 1973, foram presos, Severino Vicente da Silva, Custódio Amorim, Josefa Maria da Silva, irmã de Severino Vicente da Silva, Marco Aurélio, Antonio Bezerra. A prisão dessas pessoas, todas engajadas nas ações do Conselho de Moradores e da Operação

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DEMOCRACIA E COOPTAÇÃO Parece estranho, e precisa ser verificado por pesquisas

e estudos, mas à medida que se aproximava a superação do regime ditatorial, o crescimento desordenado da população do bairro foi acompanhado pelo incremento dos índices de violência e marginalização social

51. Ainda que tenha

aumentado o número de escolas, ele não foi suficiente para atender nem mesmo a demanda gerada pelo crescimento vegetativo da população; por outro lado após a conquista da terra, que havia sido ursupada por uma família tradicional do Recife que durante décadas engordou a sua conta bancária cobrando foro, o Estado concede títulos mas não cria sistema de esgotos e, lamentavelmente, retira o a delegacia local. Mas cresce o número de cabos eleitorais, o número de Conselhos de Moradores, e com eles a mobilização sai da população local para ser orientada por interesses partidários.

Bibliografia

SILVA, Severino Vicente da. Entre o Tibre e Capibaribe: os limites da igreja progressista na arquidiocese de Olinda e Recife. Recife: Editora Universitária UFPE: REVIVA, 2006.

Esperança, deve ter sido uma das razões do arrefecimento posterior do movimento. 51

Talvez seja interessante refletir no sucedeu com esses movimentos após a chegada de Gustavo Krause ao governo da cidade do Recife. Ele introduziu os chamados “tupamaros”, formados por pessoas que haviam sido ligadas à Operação Esperança e aos Conselhos de Moradores, facilitando a sua política de inserção da administração da cidade nos bairros. Talvez por aí comece a efetiva cooptação dos movimentos sociais, posteriormente assumido pelas prefeituras seguintes.

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A IDADE DO CONSUMO: IMAGENS DE JUVENTUDE NA PUBLICIDADE BRASILEIRA

Maria Eduarda da Mota Rocha

I - Ética romântica e juventude A valorização da “juventude” em detrimento da

“velhice” é típica em sociedades modernas, em que a “tradição” é deslocada pela “novidade” e as energias humanas parecem estar mais voltadas para as promessas do futuro do que para o legado do passado. O jovem, como encarnação do novo, parece estar mais apto a ser socializado segundo os hábitos, técnicas e conhecimentos que o desenvolvimento das forças produtivas e os processos de racionalização cultural não cessam de criar.

Entretanto, até o romantismo, a centralidade do jovem na moderna cultura ocidental ainda carecia de uma justificação moral e de uma matriz estética. Não por acaso, o romantismo também foi a matriz cultural que consolidou o modo de consumo moderno, chamado por Collin Campbell de “hedonismo imaginativo” ou “auto-ilusório”. Esse autor mostra como uma ética que justifica moralmente o consumo foi formada entre as classes médias inglesas no século XVIII, a partir do próprio protestantismo. Não cabe aqui retomar o seu longo percurso argumentativo, mas apenas assinalar que as raízes do hedonismo moderno podem ser localizadas no pietismo, no deísmo sentimental, no sentimentalismo e, finalmente, na ética romântica. Isso porque, cada um deles a sua maneira, estimulou e justificou moralmente o controle das emoções que, uma vez manipuladas com o propósito de obtenção de prazer, caracterizam o modo de consumo moderno. A sua marca maior seria o “sonhar acordado” (day dreaming), a atividade mental na qual vívidas imagens são trazidas à mente ou elaboradas para, em seguida, serem exploradas no intuito de maximizar o prazer (Campbell, 1987: 82).

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A prática do “sonhar acordado” expressava o desgosto romântico com a vida ordinária e a desilusão com a modernização, que levavam os artistas a eleger, como inimigos, o utilitarismo e o racionalismo de uma sociedade que havia se tornado “o reino de forças econômicas frias e impessoais” (Campbell, 1987: 179). Vale salientar que o interesse, tanto para Campbell como neste trabalho, não reside no movimento estético circunscrito aos séculos XVIII e XIX, e sim numa “ética romântica” que conformou uma matriz cultural de amplo alcance nas sociedades ocidentais, desde então. Esteve presente, por exemplo, entre boêmios, modernistas, beats e hippies. Hoje, é central em muitos anúncios da publicidade brasileira (Rocha, 2010), em que o jovem aparece como a encarnação mais perfeita da figura do hedonista, já com certa autonomia comparativamente às crianças, mas ainda liberto das obrigações conjugais, parentais, laborais que pesam sobre o pai e a mãe de família.

Ainda assim, a compreensão dos usos que a publicidade brasileira faz de figuras juvenis exige que passemos desse nível de generalidade, em que pesa a centralidade da juventude para a cultura e o consumo modernos desde o romantismo, até a consolidação do capitalismo monopolista no Brasil, a partir dos anos 1950, e os processos políticos que lhe deram direções discrepantes antes e depois de 1964. Não se trata de apontar o apelo “natural” das imagens de juventude nos anúncios, mas de mostrar como esse apelo cresce e muda de significado com a adesão da publicidade brasileira a um ethos hedonista a partir da segunda metade do século XX, ethos este correlato ao aumento vertiginoso da produção industrial e ao sufocamento dos valores políticos progressistas após o Golpe de 1964.

Avançando nessa direção, esse artigo analisa a assimilação da “juventude” pela publicidade brasileira em um movimento simultâneo e coordenado que contemplou, por um lado, a acomodação das pretensões libertárias dos próprios jovens publicitários no interior da indústria e, por outro lado, a ressignificação dessas pretensões em figuras juvenis que representam, nos anúncios, a ruptura com a vida sóbria do

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trabalho e do cotidiano rotinizado, em vez de um questionamento mais amplo da ordem política, econômica e social.

II – “Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada” Este slogan já foi usado para vender um jeans famoso e

para dar título ao trabalho de Anna Figueiredo sobre a disseminação de um ethos hedonista na publicidade brasileira, mesmo antes do Golpe de 1964 (Figueiredo, 1998). Aqui, interessa-me mostrar o paralelo entre a assimilação de modelos de comportamento juvenis pela publicidade e a assimilação das pretensões libertárias dos próprios jovens publicitários pela indústria.

Os publicitários, especialmente os profissionais de criação e de pesquisa, eram, muitas vezes, jovens que haviam sido marcados pelo clima de mobilização política que antecedeu o Golpe e, mesmo ingressos na indústria da publicidade, não escapavam da influência das contraculturas dos anos 1960. Muitos tinham pendores progressistas, fossem eles definidos à moda classista ou contracultural, ou por uma combinação entre ambos. Vejamos, a esse respeito, a disputa travada pelos jovens publicitários, muitos dos quais oriundos das universidades e dos circuitos de produção cultural independente, contra os limites que o governo militar tentava impor à publicidade em nome da “moral e dos bons costumes” (Rocha, 2010).

A afinidade com o Regime Militar demonstrada por empresários do publicitário setor não era endossada pelos trabalhadores mais qualificados das agências: os profissionais de criação e os especialistas em pesquisa. Estes últimos eram recrutados entre os egressos das faculdades de ciências humanas, especialmente as de sociologia. Foi o caso de profissionais que ainda chefiam departamentos e consultorias de planejamento e pesquisa, como Clarice Herzog, Célia Belém e Jaime Troiano. A crise de consciência era aplacada pela falta de opção acadêmica nos anos de Ditadura e pela visão da

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publicidade como uma ocupação passageira. “Eu, mexer nessa sujeira? Deveria ser professor e pensar na sociedade”, dizia Troiano, que, em 1978, assinou com outros sociólogos o manifesto “Publicitários pela Anistia” (Propaganda, n˚ 558, dez./97).

O caráter conservador e capitalista da atividade publicitária associada ao Regime Militar também incomodava os profissionais de criação, em sua maioria, de esquerda

52. Em

1968, Geraldo Alonso, empresário conservador, contratou para a Norton um grupo de criativos autodenominados de “os subversivos”, que, até 1978, usaram a publicidade para protestar contra a falta de liberdade de opinião. O mais marcante destes protestos foi a série de anúncios para a gráfica Repro, veiculada entre 1969 e 1979. Em cartões de natal, a figura de Cristo aparecia a cada ano sob uma nova sentença: “Procurado...”, ou “não esqueçam que o menino que está nascendo agora vai ser barbudinho, cabeludo e vai mudar tudo”. A ousadia estava em arrancar Cristo do registro conservador e retratá-lo como um libertário. De pouco servia a agência ensaiar uma explicação para o nome incômodo do grupo, dizendo que teria surgido “para revolucionar a criação publicitária” (Anuário de Propaganda, 1969). Isto porque o primado da inovação criativa, naquele momento, era indissociável do protesto não só contra as formas correntes do discurso publicitário, mas sobretudo contra os valores cristãos conservadores apregoados pela propaganda do Regime e em nome dos quais a censura era praticada.

A década de 60 foi sacudida pelos movimentos contraculturais e seus valores libertários e isso foi usado como recurso estratégico por agências que se contrapunham às estabelecidas. Nos Estados Unidos, matriz da publicidade mundial, acontecia o que se convencionou chamar de

52 Em sua coluna na revista Propaganda, Armando Ferrentini dá um

testemunho sobre o período em que constata os arroubos esquerdistas dos

profissionais de criação. Propaganda, n˚ 589, jun./00, p. 99.

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“revolução criativa” provocada pelas “boutiques criativas”, agências até então sem muita tradição cujo diferencial eram a inventividade e a ousadia, à maneira da DDB, de William Bernbach e da Wieden&Kennedy, fundada por dois ex-beatnicks para “levar a contracultura à publicidade” (Klein, 2002: 329). No Brasil, a DPZ já surgiu inspirada nessa tendência, à qual a Norton aderiu ao contratar os “suversivos” e fazer deles o seu cartão-de-visitas. No Anuário de 1971, outros tentavam neutralizar este discurso, acusando as “criativas” de falta de compromisso com o negócio dos clientes. A Thompson, que até os anos 60 liderava o mercado e se promovia como uma agência de especialistas, “finalmente revela o que ela é capaz de criar”, apoiando-se no sucesso do anúncio do Chantilly Royal, que não agradou aos “publicitários”, mas resultou em grande aumento de vendas. Outro anúncio do mesmo Anuário se contrapunha explicitamente à Norton: “Quando alguém diz que um anúncio tem que ser antes de tudo criativo, esse alguém está subvertendo uma verdade: antes de tudo, um anúncio tem de comunicar. E comunicar para vender. Agora, se você quiser aceitar os argumentos dos subversivos, o problema é seu. Mas não se queixe quando o seu produto for cassado do mercado. Promark – Propaganda e Marketing”. A disputa entre as agências dominantes e as recém-chegadas assumia, assim, a forma de uma oposição entre conservadores e libertários, sendo os jovens pesquisadores e profissionais de criação associados a estes últimos.

Apesar das contestações, no discurso interno ao campo publicitário, a ousadia e a criatividade despontaram como recursos indispensáveis para o prestígio das agências no final da década de 60, indicando o movimento de translação pelo qual passava a publicidade brasileira, ao menos parcialmente. A julgar pelo primeiro Anuário de Propaganda, de 1969, o atestado de liberdade criativa era obtido mediante a oposição explícita aos valores cristãos de matiz conservador, justamente aqueles em cuja defesa se

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empenhava Octávio Costa, em seu esforço para enquadrar o discurso publicitário em nome do Regime Militar (Fico, 1997). Impressiona a predominância de um mesmo recurso nos anúncios das agências: o uso deslocado de máximas cristãs, como “junta-te aos bons e serás um deles”, da Standard, referindo-se aos seus 133 clientes satisfeitos. Mais uma vez, foi uma agência pequena quem formulou de modo mais extremo esta estratégia de autopromoção: “Deus que nos perdoe. Pecar é humano. E nós pecamos. Todo santo dia. Para sermos ainda mais francos, somos pecadores profissionais. Quando temos de anunciar um produto feminino – é impossível não cogitar da mulher do próximo. E nem sempre podemos guardar castidade, pois muitas vezes o apelo erótico é valido. E, ainda por cima, inserido no contexto do mercado. Ah, nós pecadores cobiçamos desesperadamente as coisas alheias. Quando, por exemplo, uma fatia de mercado ainda está nas mãos da concorrência de um cliente nosso. Valha-nos Deus na hora de nossa morte, mas dos 7 pecados capitais só da preguiça e da mentira não somos culpados. Nossos clientes são nossas testemunhas. Agora e no juízo final. E você, anunciante que nos lê, porque não entra na nossa irmandade? Amém. Marcus Pereira Publicidade”.

A possibilidade de autopromoção das agências como “criativas” resultou em um maior prestígio para os profissionais desta área, alimentando suas pretensões artísticas e seus ímpetos oposicionistas. No I Encontro de Criação, realizado como parte do III Congresso de Propaganda, em 1978, Roberto Duailib surpreendeu-se ao constatar que “ao invés dos supostos profissionais alienados, revelou-se profissionais preocupados com a função social de seu trabalho e com a organização de seus interesses comuns” (Propaganda n˚ 261, abr./78). O que Eloy Simões tachou de um encontro político pareceu, ao olhar de um observador externo e sarcástico como Ziraldo, uma “psicoterapia de grupo”, pois evidenciava o quanto a subordinação de sua criatividade ao mercado angustiava os

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criadores (Propaganda n˚ 261, abr./78). “Somos empregados do sistema. E, que eu saiba, ninguém deixa a consciência no cabide na hora de ir trabalhar”, diria Neil Ferreira no II Encontro Nacional de Criação, realizado um ano depois. Na mesma ocasião, Ricardo Guimarães constatou que “o verdadeiro tema do encontro é a divisão do homem de criação entre a sua teoria social e política e a sua prática profissional. Um assunto velho, chato... e, parece, até hoje não resolvido” (Meio e Mensagem, n˚ 28, ago/79).

O III Congresso e o II Encontro de Criação foram palcos de acalorados debates sobre a função social da propaganda e a posição política dos publicitários, questões quase sempre levantadas pelos profissionais de criação. A publicidade ainda não havia passado “da visão romântica” ao pragmatismo da década de 90. Em 1979, Duda Mendonça, em carta aberta na qual cobrava um comportamento ético a Roberto Duailib, afirmava ter largado negócios mais rentáveis para se dedicar a “aventura” da propaganda, essa “coisa de hippie” que só valia a pena porque tinha também “funções sociais, políticas e culturais” (Propaganda, n˚ 263, jun/78). Assim, através dos profissionais de criação, a efervescência política das décadas de 60 e 70 adentrava o campo publicitário. Os criativos inspiravam-se em outros grupos cuja produção cultural expressava uma esperança de mudança da sociedade brasileira, grupos esses cujos membros tinham uma trajetória social semelhante a deles: indivíduos de classe média urbana produzindo para um público também urbano de classe média (Ortiz, 1988: 102). José Mário Ortiz Ramos mostra como a publicidade foi refúgio de profissionais que não encontravam condições favoráveis para a realização de suas capacidades criativas em outros setores, como o cinema, por exemplo (Ramos, 1990).

A percepção inflada de sua própria autonomia dentro do negócio da propaganda por parte dos “criativos” deveu-se, sobretudo, a uma conjuntura de rearranjo do

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campo publicitário nacional e de valorização da ousadia como estratégia de autopromoção das agências, sob forte influência da matriz norte-americana e sob a proteção do Regime Militar. A este respeito, José Carlos Durand também menciona o surgimento de premiações e a crescente visibilidade dos profissionais de propaganda entre os fatores que até hoje alimentam o “fascínio da publicidade como domínio de „criação‟” (Durand, s./d.: 6). Some-se a isto, no período em questão, a autonomia circunstancial que dava aos criativos outras razões para pensar que, através de sua atividade, poderiam fazer valer suas posições políticas tendencialmente antagônicas ao “sistema”. Só assim é possível explicar a visão da publicidade como “coisa de hippie”, que desapareceu com o avanço da racionalização e da cobrança por resultados pelos anunciantes, no final dos anos 80. Na verdade, o “culto excessivo da criatividade”, o “excesso de uma criação de barba, cabelo comprido e iê-iê-iê” foi criticado desde o seu surgimento, em contraposição a uma propaganda eficiente, como exemplificado nessas palavras de John Straiton, da Ogilvy & Mather do Canadá, publicadas na revista Propaganda (n˚ 166, mar./70).

Os pudores cristãos ligados ao sexo e às relações familiares eram os principais tabus questionados, embora esse questionamento provocasse reação, não apenas do Governo Militar, mas de autoridades do próprio setor publicitário. Em 1973, Fernando Almada, um dos principais criativos dos anos 70, criticou um anúncio da Fotoptica que dizia: “O melhor presente que você pode dar para o seu filho é parar de encher o saquinho dele”. Segundo o publicitário, além da linguagem inapropriada, o anúncio pecava também na representação da relação entre pai e filho, em que o respeito ao primeiro era desencorajado (Propaganda, n˚ 207, out./73). Apesar de enfrentar alguma resistência no interior do próprio campo publicitário, a liberação sexual e o questionamento da autoridade patriarcal estavam muito ao gosto do período. Mas a crítica tendia a se converter em simples reivindicação por mais liberdade criativa, ostentada no distanciamento em

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relação aos pudores cristãos. Do lado do Regime, apesar dos protestos em nome dos bons costumes, a “tradição” e a “família” mostraram-se menos importantes do que a “propriedade”. E, neste ponto, o discurso publicitário era totalmente convergente ao dos setores conservadores da sociedade brasileira, ainda que não se possa subestimar o papel dos jovens profissionais de criação e pesquisa como focos de resistência no interior do setor.

Sendo assim, no tocante ao estatuto da criação na produção publicitária, a especificidade da década de 70 estava nas implicações políticas da defesa da autonomia criativa por profissionais „esquerdistas‟. Ela se desdobrava numa crítica ao cerceamento da liberdade de expressão, quer fosse feito em nome da eficácia da publicidade, quer em defesa do conservadorismo cristão. Eis a principal fonte de conflito entre o Regime Militar e o campo publicitário. Por sua causa, foi um senador do partido governista que, em 1978, conseguiu aprovação do Senado para um projeto que propunha limitar a atividade publicitária, tornando definitiva a pré-censura dos anúncios, restringindo a publicidade de medicamentos e de outros bens de consumo, e exigindo a referência ao certificado de inspeção e às fórmulas de composição dos produtos dos ramos de alimentos, higiene e limpeza. A revista Meio e Mensagem registrou a “repulsa geral ao projeto” n˚ 40/72, do senador José Lindoso, da Arena do Amazonas, e a defesa da lei 4680 como o instrumento de regulamentação do setor (Meio e Mensagem, n˚ 8, ago./ 78). Já no espírito da abertura do final da década, chegou ao ponto de perguntar “até quando os reacionários deste país vão querer enquadrar tudo na „segurança nacional‟?” (Meio e Mensagem, n˚ 11, out./78). E, como era de se esperar, veio dos criadores a manifestação mais extrema de repúdio ao projeto. Ironizando o caráter autoritário do Regime, o Clube de Criação de São Paulo publicou anúncio feito pela DPZ em que “saúda o presidente Figueiredo por ter sido eleito ontem”, aludindo à eleição de Luiz Celso Piratininga Figueiredo para a presidência da Associação Paulista da Propaganda. E prometia “apoio para

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fazer o projeto Lindoso cair do cavalo” (Meio e Mensagem, n˚ 12, nov./78).

A acidez desses protestos destoa das concessões feitas às pressões do executivo federal. O medo da regulamentação externa há muito era o elemento agregador do campo publicitário. Já no I Congresso de Propaganda, em 1957, os agentes marcaram posição contra a intervenção do governo (Propaganda, n˚ 24, fev./58). Mas, somente em abril de 78, o código de auto-regulamentação foi aprovado, sob a ameaça do projeto Lindoso. Desde 1969, os anúncios sofriam censura prévia, o que o Senador propunha institucionalizar de modo definitivo. O código sinalizou para o governo a disposição do campo em coibir internamente os “abusos”, entendidos como referências ao sexo, à violência, ao conflito. Contentando-se com este instrumento, o Regime suspendeu a censura prévia aos comerciais de rádio e TV, ainda em 1978 (Meio e Mensagem, n˚ 13, dez./78). A ABAP, que havia feito lobby em Brasília, comemorou este “voto de confiança à publicidade (que) traz esperança de que o governo federal não apóie o projeto Lindoso em tramitação” (Meio e Mensagem, n˚ 13, dez./78) na Câmara. De fato, o governo acabou por barrar o projeto. Foi este o contexto de surgimento do CONAR, como instrumento de auto-regulamentação das atividades publicitárias com base no código, e contra a iniciativa governamental. Apesar de responder imediatamente à tentativa de regulamentação por parte do governo autoritário, o CONAR, implementado efetivamente em 1980, na verdade tem também como causa a democratização por que passava a sociedade brasileira desde o final da década de 70. Parte integrante deste processo, a crescente visibilidade da defesa dos direitos do consumidor e a criação de órgãos municipais e estaduais dedicados ao tema incomodavam particularmente o setor porque, desde o início dos anos 70, esta questão costumava aparecer na cena pública vinculada a reivindicações pela restrição da publicidade (Taschner, s./d.: 62-64). A auto-regulamentação, mais retórica do que qualquer outra coisa, foi

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a resposta do campo a essa dupla ameaça, do governo autoritário e de uma sociedade civil mais mobilizada.

No plano dos anúncios, os anseios de liberdade que a figura do jovem passava a encarnar convergiam para a consolidação do consumo como o âmbito natural de seu exercício, o que não parece restrito ao caso brasileiro. A ressignificação de experiências, símbolos e matrizes culturais dos movimentos juvenis da década de 1960 pela indústria da publicidade foi registrada, por exemplo, também nos Estados Unidos (Silvulka, 1998). No Brasil, tratou-se mesmo de uma reconstrução positiva da imagem de uma geração que, até então, para muitos, era sinônimo de ameaça à ordem social e aos bons costumes (Abramo, 1997: 31). Mas, de significado cultural mais abrangente foi a transformação gradual da juventude em um signo publicitário preferencial, quando os seus pendores de contestação passaram a ser assimilados por uma versão consumista do hedonismo, em decorrência de uma transformação global da sociedade, a começar pela mudança da estrutura produtiva e dos padrões de consumo que deram sustentação ao incremento técnico, financeiro e discursivo da própria publicidade. Isso está na raiz da consolidação da indústria da publicidade, que lhe permitiu incorporar aqueles jovens profissionais. Além disso, convém considerar também o silenciamento de atores políticos contestadores e a gradativa substituição dos circuitos independentes de produção e consumo pela indústria cultural, o que demandou a profissionalização do artista e do intelectual em níveis antes desconhecidos, delimitando as condições para as estratégias de reconversão social que encaminhou muitos daqueles jovens ao setor publicitário.

Um anúncio de 1968 dirigido especificamente a profissionais da publicidade, em uma revista do meio, ilustra a maneira como eventuais crises de consciência poderiam ser tratadas, no novo contexto. Ele ironizava os rebeldes do período e aderia sem reservas ao consumo como a razão maior da existência. O cenário era um pátio diante de uma mansão, onde pessoas elegantemente vestidas observavam um homem

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jovem junto a seu carro. “Eles riram quando eu lhes contei meu salário. Mas quando entrei no meu Galaxie!”. Outros dois homens comentam: “Será que ele é mesmo tão importante e ganha tanto dinheiro? Claro, olha ele entrando no Galaxie.”. O arremate é explícito: “Com talento e com trabalho, você é hoje um publicitário importante... Com o Galaxie, você vai botar a cabeça acima da multidão. Vai sair da rotina. Vai agradar mais do que entendido em Marcuse em festa de barbudinho” (Propaganda, n˚ 149, out./68). A desqualificação da barba e de um dos teóricos mais influentes nos movimentos juvenis dos anos 60 tenta promover um modelo de jovem bem-sucedido profissional e financeiramente, em detrimento de um modelo “alternativo”, de juventude contestadora ligada às contraculturas. Essa disputa se prolonga até hoje, e o discurso publicitário tende a oscilar entre a representação do jovem como sinônimo de liberdade, correndo numa trilha paralela à vida ordinária do trabalho e das obrigações familiares, e a representação do consumidor ideal como jovem, integrado à vida ordinária sem perder o viço da juventude. É o que veremos a seguir. III – A convergência entre as figuras do “jovem” e do “consumidor ideal”

Nos anúncios, a década de 1960 parece marcar o declínio da representação então corrente do consumidor como o pai de família compenetrado e o momento a partir do qual a juventude passou a ser um “conceito” cada vez mais associado aos produtos, na publicidade brasileira de ponta. Uma peça do Ford Corcel do começo dos anos 1970 ilustra essa situação. Quatro pessoas estão de pé ao lado de quatro carros, todos do mesmo modelo. Sob a foto, lê-se: “Estamos do lado dele. Eu estou do lado dele. É jovem, eu sinto isso. Eu... Valeu o dinheiro. Eu... Me sinto segura, ele transmite força. Eu... No Corcel, a gente sente que está dirigindo... Eu mudei, estou mais novo. Deve ser o carro – declarou um homem de meia idade, bem vestido e sorridente... Timidamente, a jovem dona

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de casa externou sua opinião – a gente é mais respeitada aqui dentro. Insistimos – bom, ele deixa a gente mais bonita. E não dá problema... Ford Corcel. O carro jovem” (Anuário de Propaganda, 1971). O slogan apenas explicita uma centralidade da classificação etária que transparece ao longo de todo o texto do anúncio, e a positividade associada à juventude em detrimento da maturidade, o que fica evidente nos trechos grifados.

Na década de 1980, o apelo à juventude já se espraiava pelo conjunto do discurso publicitário, abrangendo diferentes ramos e produtos, muitos dos quais, estiveram associados desde cedo a um modo de vida juvenil, como os esportes e as motocicletas. Nos anúncios que adotavam tal estratégia, o jovem aparecia como o indivíduo livre para usufruir a “emoção de viver”, como sugeria a Honda (Veja, 20/06/84). O esporte e a aventura despontavam como fontes de prazer e como exercício de liberdade. Roupas e calçados especialmente dedicados a estas atividades encontravam nelas mesmas o seu principal apoio promocional. A Nike vendia “a vida na sua melhor forma” e a Topper, o próprio esporte a que se dedicava, o “walking” (Veja, 20/06/84). A marca de roupas Tucano contava a história de “um cara chamado aventura”, fotografado no topo de uma montanha, o tipo de gente “que corre atrás dos sonhos com tração 4 rodas. Porque vai ver a vida é mesmo essa aventura que o Kiko, tão obstinadamente, procura pelos 4 cantos do mundo” (Veja, 19/08/87). Nesses anúncios, a juventude representava a possibilidade ou o desejo de libertação de uma vida ordinária, associada às obrigações cotidianas que o adulto tem mais dificuldade de evitar.

Mas tais apelos à liberdade ainda conviviam com outro tipo de anúncio também pautado na “juventude”, nos quais ela se combinava ao prestígio para promover o produto. O Monza Hatch mostrava-se como “um esporte para quem conquistou o seu espaço” (Veja, 20/03/85). A Marlboro, ao divulgar sua equipe de motociclismo, não esquecia de lembrar que era “o número 1 no mundo” (Veja, 23/09/87). O Hobby, versão esportiva do Corcel II, retratava um tenista e um veleiro, para

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não deixar dúvidas sobre o tipo de „esportista‟ que estava em foco (Veja, 13/02/80). Nestes casos, a “juventude” era uma maneira nova de retratar o “prestígio”, o que fica evidente na famosa série de anúncios que a agência DPZ fez para os cigarros Hollywood, em que “o sucesso” traduzia-se na prática de esportes radicais, como um salto de pára-pente sobre as dunas da Namíbia (Veja, 19/10/83). Ser bem-sucedido equivalia, então, a ter tempo e dinheiro para escapar da vida ordinária, como sugerido em anúncio dos cigarros John Player Special (Veja, 10/03/82). Assim, em muitas peças publicitárias, o apelo à “juventude” tinha seu caráter libertário acomodado ao recurso do status.

Entretanto, havia casos em que este apelo redundava em uma crítica às convenções do “paletó e gravata”, tal como no comercial da Hering em que jovens sentados à mesa de uma sala de reuniões usavam cortes de cabelo extravagantes e camisetas de malha, anunciando solenemente um novo tempo de direito à diferença e de recusa da formalidade: “os anos 90 vêm aí. De camiseta Hering”. O texto complementar é ainda mais contundente: “Desculpa, tio. Mas a idéia é fazer tudo diferente. A gente aprendeu muito com vocês, pode crer. Mas algumas coisas precisam mudar e o senhor sabe disso. No dia em que a gente estiver aí no seu lugar, ninguém mais vai trabalhar feito um louco, todo engravatado, sem tempo para curtir a vida e os filhos que a gente quer ter. Dinheiro é bom. Mas só quando traz felicidade. A gente quer mais é vestir uma camiseta e ficar livre e solto para ser até um homem sério na hora que precisar. Desculpa, tio. Mas o sonho não acabou” (Veja, 12/04/89). A referência direta aos movimentos contraculturais aparece nessa última frase e, no conjunto do anúncio, a juventude reivindica a condição de portadora dos valores românticos da liberdade e da autenticidade. Para os que podem pensar ser essa a tônica das marcas de roupas juvenis, lembro que, ainda nos anos 80, a Wrangler e a US Top apelavam para o prestígio em seus anúncios, a última, inclusive, com a célebre campanha do “bonita camisa, Fernandinho”, cujo slogan resumia: “o mundo trata melhor

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quem se veste bem” (Veja, 30/05/84 e 27/06/84, respectivamente)

O anúncio da Hering sinaliza a presença de uma imagem romântica da juventude na publicidade, em detrimento de uma visão utilitária de ser humano. De acordo com essa imagem, a liberdade juvenil pode ser vista como uma resistência à massificação, uma vez que a juventude aparece como a idade da busca pela diferença e pela individualização. Duvido que outra marca tenha sido tão feliz nessa associação quanto a dos cigarros Free. Lançado como uma marca de baixos teores, o Free apresentava-se nos anos 80 como “uma simples questão de bom senso” (Veja, 30/01/85). Uma mulher jovem de tênis, muito à vontade em uma varanda, garantia: “nós temos alguma coisa em comum”. O apelo ao “bom senso” voltou no final da década de 90 para divulgar a diminuição ainda maior dos teores de nicotina e alcatrão do produto (Veja, 15/01/97).

Nos anos 90, a suavidade diferenciada de Free deu lugar à “liberdade”, como conceito central de seus anúncios. A marca passou a encarnar uma atitude que assumiu o centro das peças publicitárias. Uma delas dizia: “Liberdade. Nunca me tire esse gosto da boca. Se tentar, eu mordo”. O slogan “cada um na sua, mas com alguma coisa em comum” (Veja, 28/02/96) atiçava um senso de individualidade, ao mesmo tempo em que não descartava o espírito de grupo atribuído aos jovens, já presente no anúncio da década de 80. A novidade, agora, é uma aguçada carência de individualidade expresso no “cada um na sua”. Nos anúncios, ela assumia a forma da história de diferentes “personagens”, todos jovens e “autênticos”. Em 1999, um deles dizia: “minha cabeça está aberta 24 horas por dia. Para grandes saques e depósitos interessantes” (Veja, 24/03/99).

Em 2000, a campanha apresentava seus protagonistas com uma pequena ficha onde se lia o seu gênero, idade e profissão, quase todos jovens e ocupados no domínio da arte, como cenógrafo, coreógrafa, diretora de arte, artista plástico e fotógrafo. Campbell assinalou que a juventude e a arte

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convergem para os valores românticos, dentre os quais, a “individualidade genuína”, representada pela figura do poeta maudit, que se recusava a ceder às pressões sociais em nome do cultivo do self. Vejamos, então, as respostas destes protagonistas à questão “qual é a sua?”, para delas extrair os conceitos mais específicos a cada anúncio. No primeiro deles, uma coreógrafa tatuada e de ponta a cabeça dizia: “a melhor parte da minha vida é o improviso” (Veja, 26/07/00). Expressava-se, assim, o privilégio de uma ocupação que permite a criação livre de qualquer outra finalidade. Em outro anúncio, um cenógrafo de 25 anos sintetizava: “felicidade é não ter tempo para ser infeliz” (Veja, 02/08/00). Aqui se inverte o valor atribuído à falta de tempo, quando ocupado em um trabalho que é oportunidade de auto-expressão. A idéia de realização pelo trabalho encontra na arte alguma plausibilidade, como domínio onde o trabalhador ainda é criador. Ela é apresentada também como a possibilidade de “fazer a diferença”, de afirmar o valor individual em um mundo de forças impessoais agigantadas. Pelo menos é o que afirmava o artista plástico, em outro anúncio: “Não quero passar pela vida sem um arranhão. Quero deixar a minha marca” (Veja, 06/09/00). Por fim, também o espírito gregário era celebrado nesta campanha de inspiração romântica: “Eu coleciono amigos. O resto é descartável”, dizia o fotógrafo em outra peça publicitária (Veja, 25/10/00). Assim foi encerrada a participação de Free na grande mídia, uma vez que a publicidade de cigarros foi proibida no final daquele mesmo ano. O uso da juventude como sinônimo de liberdade é muito presente também na publicidade de automóveis, especialmente, os modelos off-road. Nesses casos, o carro é um recurso para que se rompa com as amarras das necessidades cotidianas e, até mesmo, dos constrangimentos sociais. Em anúncio exemplar, a opção por um rally no deserto é assim justificada: “Minha mãe queria que eu tivesse aulas de piano. O meu pai queria que eu estudasse em Harvard. O meu professor queria que eu fosse advogado. A minha mulher quer

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que eu fique em casa. Por isso, aqui estou eu”. O texto menor é uma verdadeira conclamação a autenticidade e liberdade pessoais: “Quando você vai fazer alguma coisa, as pessoas sempre esperam que você faça da forma que elas querem. E você acaba sempre fazendo. Mas, até quando o seu eu verdadeiro vai se deixar levar pela vontade dos outros? Os seus desejos não contam? Para responder à sua voz interior, a Mitsubishi criou veículos esportivos e de lazer como o espetacular Pajero. São máquinas criadas exclusivamente para impressionar a si mesmo. E a mais ninguém” (Veja, 03/01/96). Em todos esses casos, a juventude é um recurso para ancorar os anúncios nos valores românticos da liberdade e da autenticidade pessoais, tendência que extrapola os ramos da produção voltados ao público jovem e alcança o conjunto da publicidade brasileira de ponta, ainda que, pela própria necessidade de diferenciação entre os concorrentes em cada mercado, as estratégias narrativas sejam forçadas a algum grau de diversificação. A abrangência do apelo à juventude deve-se ao fato de que é correlato a uma mudança no conjunto da publicidade brasileira, em que o fascínio pela industrialização antes manifesto na ênfase na “tecnologia” e no “prestígio”, dentro dos anúncios, foi cedendo espaço para o recurso à “qualidade de vida”, de que a jovialidade, a liberdade e a autenticidade são ingredientes indispensáveis. Como indicativo da amplitude desse apelo, podemos tomar o caso de uma das marcas mais importantes do planeta, a Coca-cola. A tendência começou a ser ensaiada nos produtos menos importantes da marca. Em 1989, um anúncio da Diet Coke mostrava um pai com um bebê na cama e sugeria: “voltar a ser criança. Busque esta sensação. E descubra o sabor de Diet Coke”. O slogan explicitava à referência ao rejuvenescimento que, na cena, estava misturada ao tom emocional da relação entre pai e filho: “o sabor de viver em forma” (Veja, 25/01/89). A vida cheia de emoções aparece ainda mais nitidamente em anúncio posterior que dava, para a imagem de um casal numa praia ao pôr do sol, a seguinte legenda: “Hotel cinco estrelas numa versão Diet Coke”. E conclamava os que

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pudessem resistir a esta nova versão do “luxo”: “refresque suas idéias” (Veja, 04/01/95). Outro anúncio da mesma campanha descrevia, como “executivos em viagem de negócios”, um grupo de surfistas divertindo-se numa praia. A tônica era a de atribuir o prazer a momentos descontraídos, por oposição à formalidade de um hotel de luxo ou de uma reunião de trabalho (Propaganda, n˚ 506, out./94). Foi somente a partir de 2001 que a emoção prometida enveredou para a experiência de consumo da Coca-Cola comum e assumiu a forma de uma vida cuja qualidade repousa nos “momentos” vividos entre amigos e familiares. Na Veja, uma série de três cenas dava forma ao slogan: “gostoso é viver” (Veja, 02/05/01). Na primeira delas, um pai descia uma ladeira no skate do filho que o observava. Na seguinte, jovens riam em um bar casual, todos com uma Coca-Cola na mão. A presença indispensável do refrigerante nos “momentos felizes” é reforçada na última cena, em que uma criança retira uma Coca-Cola da prateleira de um supermercado. Deste modo é diluída a oposição entre o cotidiano da rotina e o dos momentos extraordinários, sendo o produto e sua onipresença a garantia de prazer, alegria e felicidade intensamente associados, senão à juventude como faixa etária, pelo menos, a uma atitude juvenil de descontração, informalidade, paixão, liberdade e autenticidade. Todos esses anúncios são indicativos da forte presença de uma matriz romântica na publicidade, assimilada por publicitários e pelos anúncios, em que o jovem encarna uma promessa de felicidade e um desejo de mudança hoje perfeitamente integrados à sociedade capitalista. O jovem, que na sociologia costuma ser tratado a partir do problema da ordem e da socialização, desde o romantismo teve a sua condição social instável ressignificada em termos muitos positivos, tornando-se supostamente o portador da vontade de transformação social e último reduto da resistência ao “reino das forças econômicas frias e impessoais”. Como mostrou Campbell, a ética romântica convergiu para a justificação moral do consumo e assim se integrou aquele mesmo reino a

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que se opunha inicialmente. Aqui, mostramos que não somente romantismo e consumo são convergentes, como também, em um plano bem mais específico, a concepção romântica de juventude é a matriz de muitos anúncios da publicidade brasileira desde a década de 1960. Além disso, sugerimos que a imagem juvenil associada às marcas, nessa publicidade, pode ser explicada, em parte, como a projeção diluída dos ímpetos contestadores de jovens artistas e intelectuais convertidos em profissionais de criação e pesquisa a serviço do mercado. Nas décadas de 1960 e 1970, a racionalização da indústria da publicidade ainda não havia se completado e as “ilusões românticas” não haviam cedido ao pragmatismo instaurado a partir de 1980. Mas quando veio a crise econômica e os interesses imediatos dos anunciantes pesaram para valer na relação com as agências, esses ímpetos contestadores cederam diante da “lógica cultural do capitalismo tardio” (Jameson, 1996). Parafraseando Perry Anderson, é como se, na publicidade, as utopias fossem como lindos fogos de artíficio, que enchem o céu de luz e cor mas, ao final, nos deixam com “esta” história. (Anderson, 1999) Referências Bibliográficas ABRAMO, Helena. “Considerações sobre a tematização da juventude no Brasil”. In Revista Brasileira de Educação. nº 5, mai./ago., 1997. ANDERSON, Perry. As origens da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 1999. CAMPBELL, Colin. The Romantic Ethic and the Spirit of Modern Consumerism. Oxford: Basil Blackwell, 1987. DURAND, José Carlos. Educação e “Talento”no Mundo da Publicidade. Mimeo, s.d.. FICO, Carlos. Reinventando o Otimismo – Ditadura, Propaganda e Imaginário Social no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1997. FIGUEIREDO, Anna Cristina Camargo Moraes. Liberdade é uma Calça Velha, Azul e Desbotada – Publicidade, Cultura de

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Consumo e Comportamento Político no Brasil (1954-1964). São Paulo: Hucitec, 1998. KLEIN, Naomi. Sem Logo – a Tirania das Marcas em um Planeta Vendido. Rio de Janeiro: Record, 2002. JAMESON, Fredric. Pós-modernismo - A Lógica Cultural do Capitalismo Tardio. São Paulo: Ática, 1996. ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira – cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo: Brasiliense, 1988. RAMOS, José Mário Ortiz. Cinema, Televisão e Publicidade: o Audiovisual e a Ficção de Massa no Brasil. Tese de Doutoramento, PUC-SP, 1990. ROCHA, Maria Eduarda da Mota. A nova retórica do capital – a publicidade brasileira em tempos neoliberais. São Paulo: Edusp, 2010. SIVULKA, Juliann. Soap, Sex, and Cigarettes – a Cultural History of American Advertising. Nova Iorque: Wadsworth ed., 1998. TASCHNER, Gisela. Proteção do Consumidor: um Estudo Comparativo Internacional. Mimeo, s.d. Periódicos citados: Propaganda, n˚ 207, out./73. Veja, 30/05/84. Propaganda, n˚ 149, out./68. Veja, 27/06/84. Propaganda, n˚ 506, out./94. Veja, 30/01/85. Anuário de Propaganda, 1971. Veja, 15/01/97. Veja, 20/06/84. Veja, 28/02/96. Veja, 11/05/88. Veja, 24/03/99. Veja 04/11/87. Veja, 26/07/00. Veja, 19/08/87. Veja, 02/08/00. Veja, 20/03/85. Veja, 06/09/00. Veja, 23/09/87. Veja, 25/10/00. Veja, 13/02/80. Veja, 03/01/96. Veja, 19/10/83. Veja, 25/01/89. Veja, 10/03/82. Veja, 04/01/95. Veja, 12/04/89. Veja, 02/05/01. Veja, 12/04/89.

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HIJOS – PELA VERDADE, JUSTIÇA E MEMÓRIA Janice Tirelli Ponte de Sousa

“O gesto de tudo esquecer e perdoar, privativo de quem sofreu a injustiça, acaba advindo dos partidários daqueles que praticaram a injustiça”. (Theodor Adorno)

Nos tempos modernos, é grande o esforço para que a

liquidação da memória, do tempo e da lembrança histórica não seja um gesto imperceptível, como quer a racionalização progressiva da vida sob produção industrial. Esta instituiu uma cultura cuja aprendizagem não considera mais o tempo de aquisição da experiência em cada ato de produzir os bens materiais ou culturais atuais. O debate sobre a memória histórica dos países da América Latina se insere no contexto da restituição da experiência na vida social em geral quando trata o passado como um ato que vai além de um resgate, ou uma tomada de consciência de situações de horror e tensão social vividas na primeira pessoa do singular e do plural, mas como forma de impedir a possibilidade de seu retorno. A lembrança desse período, para muitos, porém, é forma de ser entre aqueles que viveram a tensão de uma época e, em alguns casos, como no Paraguai, no Chile, no Brasil, na Argentina e em outros países da América Latina, tem sido objeto de organização política.

Também no Brasil, como em todos os países latino-americanos marcados durante anos pela violência das ditaduras militares, grande parte de uma geração de jovens absorveu o mesmo drama, o terror e a incerteza de futuro, por serem militantes de organizações revolucionárias contra o regime deste período, e ainda ficaram marcas profundas entre os seus filhos.

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No contexto de um conjunto de expressões e obras de comunicação

53 – e o cinema tem sido um meio crítico para

levantar a questão da interdição política dos anos ditatoriais na América Latina –, há um movimento na direção do resgate dos elementos comuns entre as biografias desses jovens, aproximadas pelos sentimentos e fatos históricos que criaram relações e trajetórias individuais, aparentemente isoladas.

O desejo de libertar-se do passado existe para uma parcela dos jovens latino-americanos, portanto, como uma necessidade de eliminar a condição de viver à sombra dele e do horror presente na sua lembrança, como se permanecesse vivo (Adorno, 1995). A denúncia do terror do passado como marca ainda do presente está nas suas vozes, aquelas que herdaram diretamente o sofrimento causado e esquecido, insensivelmente, por uma realidade social que reedita, deliberadamente, a vida, ocultando a sua história.

Quando nos detemos nas circunstâncias dessa parcela de juventude que viveu sua infância sob um regime ditatorial, vamos avivando a consciência da história de um país que joga com o esquecimento social, e dificilmente não nos identificamos com a necessidade de uma repactuação histórica sobre fatos ainda não absorvidos pela sociedade, porque não esclarecidos – por isso mesmo, muitas vezes aparentemente sem nenhuma identificação com o presente.

Uma grande parte dos filhos da geração militante nos anos 1960-1970 aguarda respostas que expliquem as circunstâncias e os sentimentos vividos por suas famílias: o sentido de ausência dos pais, a imaterialidade que toma a morte pela ausência de um corpo a ser enterrado e, também,

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1996 foi o ano da premiação do documentário “15 Filhos”, dirigido por Marta Nehring e M. Oliveira, filhas de militantes políticos brasileiros cujos pais integraram a guerrilha urbana contra a ditadura militar e foram cruelmente assassinados. Resgatam este período através de depoimento dos jovens que tiveram suas vidas marcadas pela tortura e pelo desaparecimento de seus parentes.

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de uma vida que não pôde ser partilhada; a compreensão tardia dos sentimentos de incerteza e insegurança em momentos da infância; a humilhação e isolamento sofridos como filhos de homens e mulheres cujo compromisso e atuação políticos foram, e ainda são, estereotipados como terrorismo e violência, sem qualquer referência ao sentido emancipatório da militância (esta sim contra o terror de Estado). O inconformismo com a amnésia social imposta sobre os acontecimentos históricos nos quais os pais estiveram envolvidos e vitimados pela repressão como ideologia em nome da segurança nacional, foram e são sentimentos e situações que caem num vazio inexplicável de cumplicidades oficiais e institucionais.

Estes e outros elementos se conjugaram no enfrentamento manifesto e ações políticas organizada por jovens argentinos que, ao lado de outras organizações, constituíam em causa e motivo de luta pelos direitos humanos como resistência, denúncia pela reparação histórica e, também, como ideologia para a transformação social e histórica.

HIJOS contra o esquecimento social

O movimento de resgate histórico do grupo HIJOS

guarda os mesmos sentidos traumáticos revelados pelos jovens cujos pais desapareceram sob o terrorismo de estado nos países latino-americanos. Voltado para a reparação histórica, se inscreve na luta pelos direitos humanos contra as consequências das ditaduras instaladas na Argentina, se desdobrando na organização de jovens que, após a ditadura, ainda são vítimas e importantes protagonistas na sua denúncia. A gênese do grupo tem sua raiz numa juventude que vive um processo de envolvimento com a responsabilidade política coletiva a partir da história presente na dimensão individual de suas vidas. Muitos desses jovens aderem como militantes da causa cujos pressupostos podem ser localizados no convívio coletivo em centros clandestinos durante a

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ditadura militar. Também chamados pelos militantes de “campos de concentração”, eram acampamentos armados para crianças com idade de 10 – 12 anos, onde se encontravam filhos daqueles militantes que não puderam sobreviver. As crianças eram levadas para encontros, ocasião em que outros militantes foram se dando conta das dificuldades que as crianças apresentavam:

[...] por ejemplo en el colegio o determinados juegos que hacíamos, que tenía que ver con la presencia de la ausencia, por ejemplo escondíamos cosas y cosas eran de mucho valor, valor económico, toda la familia estaba alterada buscando esa cosa de valor, en realidad lo que nosotros estábamos queriendo decir ahí era „busquen al que falta, por ejemplo mi padre‟, que era mi caso. Eso después lo entendimos, muchos años después [...]. (militante de HIJOS).

Em meados dos anos 1990, uma sequência de

homenagens aos desaparecidos políticos, durante a ditadura instaurada de 1976 a 1983 com o golpe militar na Argentina, reúne filhos de desaparecidos, exilados ou assassinados e de presos políticos, em diferentes pontos da capital Buenos Aires. Jovens que, após 30 anos desses acontecimentos, seguiam buscando a restauração da identidade de 500 “hermanos” nascidos em cativeiro e que lutavam contra a impunidade para que se fizesse justiça por 30.0000 pessoas que foram detidas e desaparecidas, vítimas de crime de lesa-humanidade.

Este encontro permitiu que as lembranças da infância e dos dramas familiares saíssem do âmbito pessoal, vividas como sentimentos contidos sob o cuidado de se falar sobre as histórias de seus pais, das suas famílias. Permitiu que fosse um encontro com a história de seus pais que tiveram suas histórias individuais interditadas, isolando as pessoas num período, também, de interdição da liberdade política. Ali começou uma série de reuniões para falar, conversar, contar as histórias pessoais, num espaço de descontração de quem vinha de um

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contexto em que muitos não podiam falar sobre sua própria infância e deviam ter cuidado para que nas suas escolas não transparecesse qualquer coisa que os denunciasse, mesmo não conhecendo suas próprias histórias em profundidade:

[...] cuando nos empezamos a juntar, nos pasaron cosas increíbles, o sea, no podía separarnos, queríamos estar todo el tiempo juntos, era reconocernos, era la primera vez que podíamos hablar con alguien, nosotros habíamos estado todo el colegio teniendo que ocultar nuestra verdadera identidad, no pudiendo decir quienes eran nuestros padres o porque no estaban o siempre inventando fantasías que nuestras familias nos contaban para poder sobrevivir, una doble desaparición; entonces cuando nos encontramos entre nosotros era una cosa increíble, era mirarnos a los ojos y reconocernos y poder hablar con otras personas que vivieron lo mismo y recordar con otras personas que vivieron el secuestro de sus padres. Hubo socas que eran realmente indignantes, los militares le daban balas (caramelos) a los niños para que entretengan mientras en la otra habitación torturaban a los padres por ejemplo, o en mismo lugar donde ellos estaban, eso pasó en muchos casos, era algo muy común. [...]. (militante de HIJOS).

A origem destes encontros leva à formação do grupo

H.I.J.O.S. – Hijos por la Identidad y Justicia contra el Olvido y el Silencio –, jovens adolescentes, que não se contentavam com os encontros de conversas quase que terapêuticas, já envolvidos por uma relação de amizade que provocou um auto-reconhecimento comum e desdobrando-se, posteriormente, na decisão de organização sob uma sigla que manifestasse a consciência e o entendimento que tinham dessa visão particular sobre os direitos humanos, adquirida de suas próprias experiências.

Em 1995, começam os trabalhos com o respaldo e apoio logístico de organismos históricos de Direitos Humanos da Argentina, como o Abuelas e as Madres de la Plaza de Mayo, nos locais onde familiares de presos e desaparecidos políticos

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se reuniam e se organizavam. Com uma inserção social importante, e um reconhecimento em todo o país pelo caráter crítico e descrente com a política, as pessoas de um modo geral têm, na organização, referência e respeito. Com alta credibilidade junto à população argentina, o movimento que se instaurou agrupa jovens originados de quatro condições próximas de vitimados pela ditadura militar: filhos de desaparecidos, filhos de assassinados, filhos de presos políticos, filhos de exilados, calculados em números de aproximadamente 100 mil, cuja situação e condição dos filhos a maioria desconhece. Integram também a organização, jovens que não têm nenhum familiar afetado diretamente pela repressão da ditadura militar, mas que se identificam com os pontos básicos da luta política e de sua forma de expressão. Na pauta da organização inscrevem-se as lutas contra a impunidade, pela reconstrução da história sem mentiras, pela restituição da identidade dos filhos adotados/apropriados por famílias e/ou famílias de militares durante a ditadura

54; a

reivindicação das lutas de seus pais e companheiros; a prisão efetiva e perpétua de todos os genocidas da última ditadura militar, incluindo seus cúmplices, instigadores e beneficiários. Organizada nacionalmente, tem 16 regionais em cidades estrangeiras, formando uma rede que se reúne em encontros periódicos e congressos anuais para discutir políticas.

HIJOS se constituiu, assim, como uma organização com uma visão particular da luta pelos Direitos Humanos, um organismo independente proposto a abrir os organismos históricos como uma estrutura horizontalizada, sem dirigentes, sem comissões diretivas, voltada para o consenso e praticando-o nas discussões voltadas para a síntese coletiva.

54

Foram muitas as mulheres que estavam grávidas ao serem detidas e desaparecidas em sequestros pelas forças militares ou sequestradas junto com seus filhos pequenos ou ainda bebês. Estas crianças, hoje adultos, nunca foram devolvidas para suas famílias biológicas, ficando com famílias dos militares ou amigos.

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No entanto, no fim da década de 1990, a militância no agrupamento, concomitantemente àquela junto aos partidos políticos que se reuniam em torno das mesmas questões e pautas de luta, provocou um rompimento interno importante devido à eleição da Aliança. Ou seja: o governo De la Rúa promove a cisão entre as organizações de oposição, repercutindo no interior do HIJOS, fundamentalmente porque vários militantes eram de agrupamentos que estavam no interior da Frepaso

55. As diferenças políticas se evidenciaram

na divisão de posicionamento sobre a criação dos monumentos aos desaparecidos.

Em 1999, a ruptura está configurada e se manifesta em dois tipos de expectativas entre os militantes do agrupamento que, segundo depoimentos, se reconheciam/identificavam com os objetivos do grupo, ora na sua sustentação como espaço mais terapêutico, ora como uma atuação política.

Assim os HIJOS partem-se em dois: os H.I.J.O.S. com pontos, que assumem o nome de origem “Hijos por la Identidad y la Justiça contra el Olvido y el Silencio” e o agrupamento HIJOS sem pontos. Ambas mantêm as características de organização horizontal, sem dirigentes, liberdade de organização e pertencimento a partidos políticos ou organização política.

As distinções entre ambas são relevantes, menos pelas práticas políticas organizadas distintamente e enfatizadas nas adesões maiores ou menores por ações diretas, e mais pela concepção social e política que encaminham e conduzem seus jovens militantes para as ruas. No Fórum Social Mundial de 2002 e, posteriormente, no de 2004, mantive contatos com o Agrupamento HIJOS e somei algumas horas de conversa com

55

Frente País Solidario (FREPASO) uma coalizão de partidos políticos na Argentina constituida en 1994 pela Frente Grande, o partido PAIS (Política Aberta para a Integração Social), a Unidade Socialista, o partido Socialista Popular e Socialista Democratico, e o Partido Democrata Cristão. Foi dissolvido logo após a crise política de dezembro de 2001.

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alguns de seus aguerridos ativistas, que me ensinaram o sentido de suas ações coletivas no conjunto da luta pela reparação histórica.

Segundo integrantes do HIJOS, o agrupamento não se define como organismo de Direitos Humanos, mas como organização política classista na luta pelos Direitos Humanos. A definição classista é a afirmação de posições de não transigir diante de conjunturas que levaram a população, por diversas vezes, no início dos anos 2000, a defender governos que não representavam a quebra com um Estado que agia sob o desdobramento da lógica dos anos autoritários. Segundo os HIJOS, não se pode defender os Direitos Humanos, porque estes são indefensáveis. Sob o capitalismo, não há direitos humanos a serem defendidos, mas a serem conquistados. Por isso, o norte do grupo é o socialismo como única via possível de realização dos direitos humanos.

A separação do agrupamento passa, também, por diferenças de alinhamentos políticos em torno do entendimento sobre a defesa dos presos políticos. Defendem a todos os presos políticos, independentemente das “táticas” assumidas, ou motivos que os levaram à prisão. Primeiro a defesa, por companheirismo, e depois a crítica; enquanto qualquer militante está refém do sistema, há que se defender e denunciar a sua prisão, a exemplo do que foi feito com a prisão de companheiros do Movimento Todos por La Pátria, na tomada do quartel de La Tablada, em 1989. Esta característica de ampliar o leque de solidariedade se estende à própria base de militância do agrupamento, que se compõe tanto por filhos de desaparecidos, quanto por jovens que aderem à mesma bandeira e política de manifestações:

Ellos son hijos porque tomaron la lucha también, [...] tomaron la causa de nuestros padres y ahora estan en el mismo camino que nosotros andamos, la misma senda [...] o sea, nosotros no hacemos esa distincion. (militante de HIJOS)

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A noção de continuidade histórica está presente no agrupamento, que entende os direitos humanos como horizonte de luta não esgotado na reparação como revanche, mas como objeto da consciência de classe, de um caminho que emerge de uma definição ideológica que se identifica com as lutas históricas e revolucionárias empreendidas por seus pais e pelas quais deram suas vidas:

[...] nuestros padres lucharon por la revolución socialista, entonces nosotros no podríamos decir que reivindicamos la lucha de nuestros padres o que triunfen, nosotros de una vez decíamos que triunfe la lucha por la que dieron la vida nuestros padres y compañeros, si nosotros dijéramos esto y no tuviéramos como objetivo el socialismo no estaríamos jugando con la verdad, no estaríamos reivindicando en completo: nuestros padres dieron la vida por um proyeto político y social [...]” (militante de HIJOS)

Diferentes dos H.I.J.O.S., que se filiam aos demais organismos de Direitos Humanos, o agrupamento considera que correm riscos por optarem pela política revolucionária, tal como seus pais. Não consideram seus pais vítimas, mas revolucionários que sabiam o que estavam fazendo e puseram suas vidas a serviço do povo e da classe que fracassaram.

Ao adotar uma linha política com o princípio na “desobediência civil”, os jovens militantes não veem contradição em fazer acordos concretos, tácitos e desenvolver atividades conjuntas com outros setores que tenham identidade teórica e prática, ainda que conjunturalmente, convencidos de que se sustentam nas ações, com “seu corpo”, “como dizia El Che”. É desta forma que o agrupamento se articula para as mobilizações, participa de acordos com outras organizações para a efetivação de manifestações identificadas pelo ser caráter anticapitalista, antiimperialista e antifascista e, especialmente, pelos direitos humanos, a partir de uma rede nacional e internacional, que vem se desdobrando ao longo dos últimos anos. Os escraches são adotados na sua gênese, com sentido de denúncia e constrangimento de quem

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está impune, desnudando a público os atos praticados por militares torturadores e/ou genocidas da ditadura, responsáveis pela violência praticada.

Os caminhos chegam ao mesmo fim As diferenças entre as duas formas de atuação do segmento

de jovens engajados na luta contra o esquecimento – os HIJOS e os H.I.J.O.S. – por fim não os impedem de se aproximar na ação coletiva. Embora mantendo linhas políticas próprias, ambos os agrupamentos se constituem com independência de partidos políticos e se posicionam dentro de um quadro de acordos, com eles e outras organizações, de forma concreta em atividades conjuntas. Sua proximidade reside na factualidade da condição de ser um HIJO, o que é um elemento significativo para desencadear a ação coletiva juvenil, transformando-a em sujeito do conflito. Reside, também, naquilo que os conduz à prática de alianças com outros setores do campo de resistência contra o esquecimento histórico, ou seja, na identificação da forma de pensar e partir para a ação.

Outros aspectos podem ser lembrados para efeito desta breve análise da prática juvenil de resistência pelos direitos humanos: a reparação histórica como luta, que levanta o debate sobre como estes jovens estão se estruturando, formando a explicação de si próprios através da ação política, e como esta estruturação está sendo feita e que sentido tem esta prática para outros jovens que não viveram ou não sofreram consequências diretas da realidade dos regimes autoritários.

Os (as) jovens cujos pais morreram sob a repressão nos anos 1960-70 foram socializados sob o sentimento permanente da ausência, quer pela prática cotidiana da doação dos pais à militância, quer, posteriormente, pela sua morte, na maioria das vezes acompanhada de mistérios. A reparação pela morte de seus pais ganhou um duplo significado: o de uma reivindicação de direito numa dimensão privada pela repercussão em suas vidas como dor individual e familiar, e,

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também, numa dimensão pública e histórica. Ao transformarem este sentimento complexo e de natureza irremovível – como um “estado” de ser –, dão um passo importante para o seu reconhecimento como sujeito político, ao tornarem pública a sua manifestação. Ou seja, desenvolvem na prática o elemento da política, negando-o como o polo oposto à privacidade, mas ao contrário, explicitando que na vida moderna esta última cria relações de contrapoder, gera durabilidade pela continuidade dos processos que cria e alastram-se em vínculos. Prova contundente deste fato é que o grupo conta com a adesão de jovens que não sofreram em suas famílias a ação do braço armado do Estado, mas, nas reivindicações por direitos como os da reparação histórica, afirmam o reconhecimento que ultrapassa a situação e demonstram a possibilidade da consciência generalizada, que, guiada por interesses, ganha determinação e duração supraindividual (Negt; Kluge, 1999).

As sequelas deixadas pelo medo espalhado como cultura, no período das ditaduras militares, não podem ser ocultadas, para que a sociedade se atualize e entenda que os fatos identificados nos relatos das trajetórias e vivências individuais quase que intransferíveis, antes de tudo, são desdobramentos da opção feita por um projeto coletivo inscrito na história do país. Eles não devem ficar no passado, mas como parte da constituição do que se tornou o presente. O reconhecimento sobre este processo leva diretamente ao entendimento da reparação na sua dupla face, o que independe da concordância das protagonistas do presente.

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56

Segundo Marta Nehring, em debate promovido na 32ª Reunião da Anpocs - Associação Nacional de Pós Graduação em Ciências Sociais sobre os documentários: “15 Filhos” (Nehring & Oliveira) e “Universidade em crise” (Renato Tapajós), “temos uma prestação de contas com a nossa história [...] é preciso abrir os arquivos da ditadura e descriminalizar os torturados [...]”.

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Outro aspecto a ser destacado é que a contestação feita por estes jovens ativistas tem como tema o passado, na busca de sua reparação, mas vem sob o signo das novas ações coletivas, na forma de organização horizontalizada, descentralizada, sem lideranças, num questionamento da hierarquia na organização coletiva. A adesão à causa de seus pais não acompanha os métodos por eles adotados e vínculos por eles desenvolvidos. Guardam assim as características de uma geração cujo agir político busca, também, superar a sua forma de tradição, ainda que mantenham seus horizontes e utopias. A adesão à ação direta absorve a tradição dos escraches e atualiza seu sentido contra a impunidade. A partir de certos objetivos e com grande criatividade, vão aos bairros, na casa dos cúmplices da repressão militar e os denunciam, contam a sua história verdadeira para que os vizinhos ouçam e saibam quem mora ao lado. Não é à toa que muitos deles, principalmente no governo Menem, terminaram em repressão e prisões.

Finalmente, poder-se-ia indagar sobre o impacto intergeracional que o movimento pela verdade, justiça e memória causa junto aos jovens latino-americanos nascidos na democratização e sob uma cultura que reedita este período sem a conexão direta e imediata do presente com o passado. Esta geração vive uma socialização fortemente apoiada no “refúgio” da vida privada, que sobrecarrega a responsabilidade do individuo desligado da vida pública como lugar de realização da condição de ser social, e o reconhecimento desse processo remete a uma tensão que precisa ser enfrentada. O fato a ser considerado é que cada um se aproxima da história a seu modo, conforme seu “repertório de experiências” que está diretamente relacionado à importância da formação política conduzida com a mediação dos educadores, tendo como fonte a experiência dos movimentos sociais, que olham de frente o drama político envolvido neste debate e que, ainda, não está encerrado.

Bibliografia

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ADORNO, Theodor. Educação e Emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. CARDOSO, I. Memória de 68: Terror e interdição do Passado. Tempo Social. Revista de Sociologia da USP. Volume 2, n.2, 1990. MARTINS, Luciano. A geração AI-5. Um ensaio sobre autoritarismo e alienação. Ensaio de Opinião, volume II. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. NEGT, Oskar; KLUGE, Alexander. O que há de político na política. São Paulo: Editora da Unesp, 1999. RIDENTI, Marcelo. O fantasma da Revolução Brasileira. São Paulo: Editora da Unesp, 1993. WWW.hijos-capital.org.ar- consultado durante o mês de janeiro de 2009. WWW.hijos.org.ar – consultado durante o mês de janeiro de 2009.

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JUVENTUDE EM TRANSE: O CINEMA NOVO E A INVENÇÃO DO JOVEM NA CULTURA VISUAL BRASILEIRA

Paulo Carneiro da Cunha Filho

Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder? [...] A mesma juventude que vai sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem! Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada. Hoje não tem Fernando Pessoa! [...] Vocês estão por fora! Vocês não dão pra entender. Mas que juventude é essa, que juventude é essa? Vocês jamais conterão ninguém! Vocês são iguais sabe a quem? São iguais sabe a quem? - tem som no microfone? - Àqueles que foram ao Roda Viva e espancaram os atores. Vocês não diferem em nada deles, vocês não diferem em nada! E por falar nisso, viva Cacilda Becker! Viva Cacilda Becker! Eu tinha -me comprometido em dar esse “viva” aqui, não tem nada a ver com vocês. [...] Se vocês em política forem como são em estética, estamos feitos!

Trechos do desabafo de Caetano Veloso, no TUCA de São Paulo, diante das vaias à música É proibido proibir, defendida por ele no festival da cancão, em 28 de setembro de 1968.

1. Introdução

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Este texto pretende discutir duas questões. De um lado, a dúvida sobre o contexto histórico em que adolescentes brasileiros pretenderam se constituir culturalmente como um grupo social homogeneamente estruturado; de outro lado, a necessidade de pensar na ideia dessa homogeneidade a partir da provocação do sociólogo Pierre Bourdieu, para quem «a juventude é apenas uma palavra». O território de operação escolhido para concatenar as duas discussões é o processo de construção de Terra em Transe (1967), filme de Glauber Rocha (1939-1981), tomado como exemplo de um modelo de representação da juventude na década de 1960.

Diante do seu aspecto polêmico, e para evitar reduzir tudo a uma fórmula, vale a pena iniciar pelo segundo ponto. Como se sabe, em 1978, Bourdieu concedeu uma entrevista a Anne-Marie Métalié, publicada no livro Os Jovens e o Primeiro Emprego

57 e republicado posteriormente em Questions de

sociologie58

. Bourdieu começa por lembrar que, do ponto de vista sociológico, a divisão etária dos grupos sociais é sempre arbitrária. “A fronteira entre juventude e velhice é, em todas as sociedades, um desafio de luta”. O sociólogo vai ressaltar o paradoxo de Pareto, segundo o qual nunca se sabe a idade em que começa a velhice, e aquilo que ele considera estereótipos da filosofia, como a separação das paixões entre a adolescência (amor) e a maturidade (ambição) em Alain. “As classificações por idade (mas também por sexo e, é claro, por classe...) recaem sempre na imposição de limites e na produção de uma ordem à qual todos devem se dobrar e na qual todos devem encontrar o seu lugar”.

Assim, para Bourdieu, as separações etárias, de gênero ou de classe são resultados de negociações (mais do que isso, de manipulações) - e nunca consistem em fórmulas concretas ou estáveis, mas em construções sociais de campo, que germinam a partir da tensão entre “idade social” e “idade biológica”:

57

Bourdieu, 1978, pp. 520-530. 58

Bourdieu, 1984, pp.143-154.

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Cada campo, como eu demonstrei a propósito da produção artística e literária, tem suas leis específicas de envelhecimento: para saber como se recortam neles as gerações, é necessário conhecer as leis específicas de funcionamento do campo, os desafios do conflito, as divisões que esse conflito opera.

Na visão de Bourdieu, a juventude seria uma espécie de

no man's land social, relativamente confortável, inclusive - período ingênuo e descompromissado, na medida em que os jovens seriam adultos para certas coisas e crianças para outras coisas. De um ponto de vista burguês, um território de irresponsabilidades. “Parece que um dos efeitos mais potentes da situação de adolescente decorre dessa espécie de existência simbolicamente separada que o coloca socialmente fora de jogo”.

No entanto, aquilo que para o jovem burguês é um conforto, para o jovem proletário pode paracer um peso (Bourdieu vai se referir ao filho de mineiros que quer terminar logo a escola para descer à mina o mais rapidamente possível, ou seja, para entrar de vez no mundo adulto). Seria possível, na mesma perspectiva, pensar no caso brasileiro e nas crianças dos canaviais, velhos aos 10 anos de idade, cortando cana e queimando a palha, adultos antes da hora e sem percorrer o intervalo da juventude. Na famosa entrevista em que repensa o conceito de juventude, Bourdieu vai afirmar:

Há períodos onde se intensifica a procura do “novo” através da qual os “recém-chegados” (que são também, na maioria das vezes, os mais jovens biologicamente) empurram os “já chegados” para o passado, ao ultrapassado, à morte social (“ele está acabado”). E, concomitantemente, as lutas entre as gerações atingem a sua maior intensidade. São momentos em que as trajetórias dos mais jovens se

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concentram, em que os “jovens” aspiram “mais cedo” a sucessão.

A fórmula polêmica de Bourdieu (“La jeunesse n‟est

qu‟un mot”) procura, portanto, relativizar a ideia de juventude, associando-a a uma construção, ao resultado das tensões que surgem em determinados campos sociais. A juventude não teria consistência em si mesma já que a divisão em idades é relativa, contextual, definida e alterada na diacronia. Impossível e estranho, segundo Bourideu, definir a priori - para toda e qualquer sociedade - que a juventude começasse aos 15 ou aos 18 anos e que se concluísse aos 25 ou 30 anos. Aquilo que pode efetivamente marcar um espaço-tempo da juventude é um conjunto de critérios vagos e mutantes: anos de formação, escolar ou não; postura romântica diante das relações pessoais e profissionais; o niilismo ou o arrojo político a serviço da contestação do status quo; a leitura poética dos signos do mundo concreto. Esses traços são exacerbados em alguns momentos particulares da História. Em 1969, num de seus textos mais contudentes, o cineasta italiano Pier Paolo Pasolini sintetizava essa dimensão fluida da juventude ao afirmar:

Que sentido tem viver se não formos fiéis, de modo desesperado e talvez mesmo obtuso, à primeira e grosseira ideia de liberdade que, quando somos jovens, nos impele a agir?

59

É possível lembrar, aliás, da análise feita por Luís

Nazário sobre como a própria ideia de juventude esteve associada ao contexto do assassinato do cineasta Pier Paolo Pasolini por um jovem proletário da periferia de Roma:

O assassínio de Pasolini, se não foi político no sentido de uma conspiração neofascista, de uma

59

Psasolini, 1982, pp. 168-169.

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armadilha montada pela extrema-direita, de um crime planejado e executado por profissionais, a serviço de grupos poderosos, incomodados por suas denúncias, foi político no sentido de demonstrar a verdade das coisas horríveis que ele vinha experimentando em seu corpo, sentindo aí, como nenhum outro intelectual, as transformações pelas quais passava a juventude italiana. Pasolini amava tanto esta juventude que não podia suportar sua mutação, operada pela economia política. Os últimos livros que leu, ou ainda lia, foram encontrados em seu carro: Sobre o futuro de nossas escolas, de Nietzsche; e 1843 - Cartas do jovem Marx aos seus amigos. O futuro da juventude, sua educação, a revolução da escola e da sociedade foram as suas preocupações, até o fim.

60

A juventude, afinal, não existe, a não ser como um

artefato, construção social que condensa, em determinados períodos da História, uma vontade intensa de mudança. No sentido que lhe atribui trabalhado Bourdieu, a juventude, como fator etário, é uma ilusão.

2. O jovem na cultura brasileira do pós-guerra

A definição de um momento histórico em que os jovens brasileiros pretenderam se constituir como um grupo social homogeneamente estruturado é um dos mais polêmicos da história contemporânea brasileira. Muitos pesquisadores têm cometido o erro de retardar em demasia este protagonismo, empurrando-o para o final do século 20, quando é mais fácil perceber as consequências de uma cultura autodefinida como juvenil em diversos momentos anteriores da nossa história, desde o período colonial. Há jovens protagonizando ideias e ações na luta pela abolição da escravatura, nas guerras

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Nazário, 1995, s/p.

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anticolononiais, nas revoltas separatistas regionais, entre outros.

Mas um conjunto de dados elaborados mais recentemente merece ser destacado, na medida em que está vinculado não só ao processo de industrialização do Brasil, como ao crescimento vertiginoso da população urbana (acompanhado por um forte aumento populacional), que marcam o país a partir dos anos 1940. Diversos estudos vem demonstrando que esse processo complexo vai alterar sensivelmente as engrenagens de participação da juventude na sociedade brasileira, que passam a operar dentro de um quadro com diversos níveis: (a) surgem modos inéditos de ascensão social - ou demandas para a implantação desses modos; (b) modifica-se os padrões de empregabilidade, com o surgimento de oportunidades qualificadas de mão-de-obra; (c) amplia-se e diversifica-se o contingente de instituições públicas e empresas privadas exigentes de novos quadros; (d) as cidades se segregam abertamente, isolando a nova classe média e a burguesia tradicional dos grandes contingentes pobres e miseráveis oriundos da migração rural. Outros elementos podem ser acrescentados a esse processo complexo, notadamente a importância central da formação universitária como garantia de acesso ao topo da hierarquia burocrática:

As classes médias urbanas passaram a definir o topo das burocracias públicas e privadas como alvo da ascensão. Como essas burocracias eram organizadas de forma hierárquica, utilizando os graus escolares como um dos requisitos de admissão e promoção, houve um aumento da demanda por escolarização em todos os níveis. A incapacidade da estrutura universitária em atender essa procura por escolarização provocou, no início da década de 1960, uma crise no sistema universitário, que passou a ter sua estrutura questionada pelos setores sociais interessados em sua reformulação.

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61

Dias Cunha, 1983, 61.

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Essas transformações não se restringiram apenas ao

cenário brasileiro. Mudanças drásticas no quadro internacional também vão repercutir entre os jovens brasileiros - e tanto a descolonização da África (com destaque para a revolução argelina e para a retomada do canal de Suez pelos egípcios) quanto os levantes latino-americanos (entre 1940, com a reforma agrária mexicana de Lázaro Cárdenas, e 1959, com a revolução cubana, passando pela queda de Jacobo Arbenz Guzmán na Guatemala em 1954 e pela revolta do MNR na Bolívia em 1952), vão contribuir para fazer vingar um sentimento novo de pertencimento da juventude ao território público. Fazem parte ainda desse processo a inflexão à esquerda de entidades como a União Nacional dos Estudantes, que acrescenta ao tom moderadamente existencialista e sartreano do pensamento juvenil, um conjunto de ideias oriundas da reflexão nacionalista anticolonial (Franz Fanon) e da igreja popular (Concílio Vaticano II). De um ponto de vista mais abrangente, é possível verificar a chegada ao cenário de debate da sociedade brasileira, nesse mesmo período, das mulheres secundaristas e universitárias - quebrando uma hegemonia masculina arraigada no campo político.

Nesse caldo, surgem críticas ao modelo do ensino superior no Brasil que se mesclaram a uma concepção crescentemente esquerdizante e nacionalista da solução para os problemas brasileiros e a uma visão existenciadora do indivíduo: ser e estar no mundo, participar e se realizar tornaram-se vertentes de um projeto unificado. É nesse contexto que, desde o final dos anos 1950, se insere a reivindicação de mais vagas no ensino superior brasileiro, cujo mote central foi a luta contra os chamados “excedentes” - na verdade, estudantes que, mesmo tendo obtido notas suficientes nas provas dos vestibulares, ficavam excluídos por falta de vagas. A existência dos “excedentes” vinha, por outro lado, fundamentar a visão de uma formação universitária elitista (e não meritocrática, como poderia se supor), sensação particular de onde, no entanto, derivava a visão geral de uma

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sociedade igualmente elitista. No bojo dessa concepção trágica do Brasil, aparecem os temas recorrentes e palavras programáticas que vão frequentar o vocabulário da juventude por anos, como “fome”, “favela”, “reforma”, “subdesenvolvimento”, “imperialismo” e algumas outras.

Em 1962, por exemplo, a União Nacional dos Estudantes, através do Centro Popular de Cultura, lança um vinil (long-play, dizia-se então) chamado O Povo Canta e, como afirmava o texto da capa, cujas músicas, “elementos autênticos da expressão coletiva, são utilizadas para, através delas, chegar a uma forma de comunicação eficaz com o povo, esclarecendo-o, ao mesmo tempo, a respeito de problemas atuais que o atingem diretamente”. Uma das canção, escrita por Carlos Lyra e Francisco de Assis, dizia, entre outras coisas:

Mas data houve em que se acabaram Os tempos duros e sofridos Pois um dia aqui chegaram Os capitais dos países amigos País amigo desenvolvido Amigo do subdesenvolvido E nossos amigos americanos Com muita fé Nos deram dinheiro e nós plantamos Só café, só café... É uma terra em que se plantando tudo dá Mas eles resolveram que nós deveríamos plantar Só café, só café... Começaram a nos vender e nos comprar Comprar borracha - vender pneu Comprar minério - vender navio Pra nossa vela - vender pavio Só mandaram o que sobrou de lá Matéria plástica, que entusiástica, que coisa elástica, que coisa drástica Rock balada, filme de mocinho Ar refrigerado e chiclet de bola

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E coca-cola O povo brasileiro embora pense Dance e cante como o americano Não come como americano Não bebe como americano Vive menos sofre mais Isso é muito importante Muito mais do que importante Pois difere o brasileiro dos demais Personalidade sem igual Porém Subdesenvolvida, subdesenvolvido Essa é que é a vida nacional.

Assim, também no campo da produção cultural, essas temáticas vão se instalar e gerar uma espécie de valorização estética da juventude - do corpo trágico, romântico, libertário; da mentalidade transformadora e rebelde. Espécie de vontade de mudar e de radicalizar, num mergulho quase cego no engajamento. Ser jovem consistia basicamente em escapar do excesso de prudência da maturidade. São comuns, a partir desse momento, os discursos caracterizadores de uma nova posição dos jovens: de um lado, são marginalizados, apartados do tecido social por conta de suas práticas “exclusivas” e “peculiares”; de outro lado são valorizados, privilegiados pelo caráter vigoroso das ações que protagonizam. Essas marcas estarão na publicidade, nas reportagens de comportamento, nas músicas, na programação da ainda nova televisão. De tal modo que, no passagem dos anos 1950 para os anos 1960, começa a ser instituído um imaginário cujo elemento central é a figura do jovem. Nesse imaginário, o jovem é representado com todo o seu peso mítico (força, arrojo, transformação, empoderamento). O jovem é o ser em ascensão, o o que se descola da tradicão para reinventar o mundo. Rimbauds tropicais, os jovens brasileiros assumem o potencial do desastre diante da aventura.

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3. A juventude do cinema moderno no Brasil

As imagens dos filmes participam desse modelo construído de forma negociada gerando simulacros identitários. Aos poucos, diversas formas de estar no mundo aparecem nos filmes associadas às características trágicas e hedonistas da juventude, ou de certa ideia da juventude. São muitos os exemplos (em países diferentes, a partir do olhar de diferentes cineastas) que certa sensibilidade ganhará uma representação visual extremamente convincente da revelação de um mundo dominado pela juventude. Se imaginarmos a contribuição, entre o final dos anos 1950 e meados da década 1960, de A Bout de Souffle (Acossado), de Jean-Luc Godard, e o esplendor da personagem interpretada por Jean Seberg; do clássico de Federico FelliniLa Dolce Vita (A Doce Vida) ou o impacto de estrelas como Brigitte Bardot ou Audrey Hepburn, já se terá um primeiro esboço das múltiplas facetas dessa sensibilidade. É nesse contexto multifacetado que a sensualidade de Ursula Andress explode no filme de 007, que um jovem Dustin Hoffman tem sua iniciação sexual em Mrs. Robinson e que Michelangelo Antonioni coloca em cena Jane Birkin em Blow Up. Jane Fonda torna-se Barbarella e o trio formado por Peter Fonda, Dennis Hopper e Jack Nicholson protagoniza um dos mais impactantes filmes dos anos 1960, Easy Rider (Sem Destino).

No caso brasileiro, o cinema desse período absorve os efeitos da transformação do processo de industrialização e do crescimento das novas camadas médias urbanas e universitárias, de onde surgem os intelectuais e artistas que sistematizarão uma nova representação do Brasil, em torno da sensibilidade reformista, trágica, de um país subdesenvolvido, dominado pelo colonialismo. Embora essa sistematização possa ser aproximada do que corre em outros lugares do mundo, o cinema brasileiro vai se concentrar em construir uma ideia de

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representação nacionalista, apartada das demais cinematografias do mundo, mesmo quando essas se situavam na esquerda. Como pano de fundo desse cinema, aparece a necessidade de desenvolver soberanamente o Brasil, superando o quadro de espoliação internacional percebido pela nova elite intelectual.

Esse é o programa tanto do cinema brasileiro da época, em particular, quanto dos setores ligados ao Partido Comunista Brasileiro, a partir da afirmação progressista ou vanguardista da cultura de massa. Com efeito, entre o fim da Segunda Guerra Mundial e a radicalização armada da esquerda em 1968, o PCB, mesmo ilegal, vai definir um desenho para a cultura brasileira que resultará nas representações cinematográficas do Cinema Novo inicial - fortemente marcado pelo CPC da União Nacional dos Estudantes, mesmo se este durou apenas entre 1962 e 1964. O modelo central, como adiantamos, seria empregar aspectos da cultura popular brasileira (como garantia de uma visão nacional) para politizar as camadas populares (como garantia de um programa capaz de superar a alienação).

Nesse projeto, o cinema brasileiro vai ser adotado pelos jovens cineastas surgidos das novas camadas médias e universitárias como um meio de contribuir para o processo de transformação do Brasil. Mesmo informados e em grande medida apaixonados pelo cinema praticado em outros países, se preconizará uma visão nacionalista na forma e no conteúdo: nem deve o cinema brasileiro contar as histórias que os outros contam, nem o cineasta brasileiro deve fazer cinema como os outros o fazem. Na teoria, na crítica e na realização efetiva dos filmes, aparece a defesa do enfrentamento da produção estrangeira, que ocupa de maneira colonial a mente do espectador brasileiro. Ser jovem, no cinema brasileiro, passa a ser defender a trágica condição subdesenvolvida da nossa produção e de se lançar na aventura romântica de resgatar o olhar dos brasileiros, que desaprenderam a ver e a ouvir por conta da ocupação das nossas salas de exibição pelo cinema estrangeiro.

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O fator básico que explica a “situação colonial” do cinema brasileiro é o fato de que o “produto importado” ocupa o seu lugar. Trata-se, portanto, de uma definição de ordem econômica que será metaforicamente transposta para o campo da cultura. Importamos não apenas objetos manufaturados, mas idéias prontas - e formas, modelos, estruturas de pensamento - forjadas em função de realidades diversas que correspondem mal a nossa própria realidade. Estas idéias ocupam um tal espaço em nossas mentes que pouco sobra para que nelas se desenvolvam idéias próprias. Além de produtos industriais, os filmes são também produtos culturais. Juntamente com os filmes, importamos uma concepção de cultura - e uma concepção de cinema que identifica com o próprio cinema o cinema estrangeiro. Nisto reside o cerne da “colonização” cultural: a “situação colonial” - cuja marca cruel e inescapável é a mediocridade - se configura quando se adota um modelo importado que não se tem condições de igualar.

62

Quando o jovem Glauber Rocha convoca por carta o

igualmente jovem Paulo César Saraceni, então estudando cinema em Roma, para se engajar nesse projeto de revisão do cinema brasileiro, ele usa os termos de uma guerra em andamento: “[...] estamos recriando nosso cinema e você precisa voltar para ser soldado nesta luta. Não quero que você fique mais tempo na Itália”.

63 Em outra carta, fica ainda mais

explícita a ligação com outras referências da juventude politizada da época:

Acho que devemos fazer revolução. Cuba é um acontecimento que me levou às ruas, me deixou sem dormir. Precisamos fazer a nossa aqui. [...] Vamos agir

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Galvão e Bernardet, 1983, 166-7. 63

Saraceni, 1993, 94-95.

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em bloco, fazendo política. [...] Precisamos quebrar tudo. Do contrário eu me suicido.

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O sentimento romântico que se percebe nas cartas de

Glauber Rocha, está presente na maior parte dos projetos cinematográficos novos na virada nos anos 1950 e as duas décadas seguintes serão marcadas por um sentimento análogo de tomada do poder de fabulação e de representação cinematográficos por parte da juventude universitária: a Nouvelle Vague francesa (Godard), os novos cinemas italiano (Bertolucci), alemão (Fassbinder) ou polonês (Wajda), o cinema independente norte-americano (Cassavetes) - são expressões mundiais de um mesmo fenômeno de empoderamento da cultura visual juvenil. 4. O transe faustino-glauberiano

Glauber Rocha inicia o projeto de Terra em Transe logo após o retumbante sucesso crítico de Deus e o Diabo na Terra do Sol. Seu longa de estreia (na medida em que Barravento, sua primeira assinatura, fora a conclusão do filme iniciado por Luis Paulino dos Santos, na Bahia) foi rodado num dos períodos mais caóticos da vida política brasileira: o filme foi rodado em 1963, no auge da crise do reformismo janguista, e foi lançado em 1964, nos primeiros momentos da ditadura militar. As cartas de Glauber Rocha no período de filmagem de Deus e o Diabo e na época do lançamento são reveladoras do estado de espírito da juventude intelectual brasileira naquele instante. O cineasta tinha 24 anos na época do lançamento de Deus e o Diabo. Não há dúvida de que o roteiro de Terra em Transe nasce para tentar dar conta do estarrecimento de Glauber Rocha diante do colapso do populismo no Brasil e do surgimento de um regime estruturado no pensamento de extrema direita.

Eis a história que o roteiro conta: Porfírio Diaz, um fascista que carrega permanentemente umas bandeira negra e um crucifixo, é o representante em Eldorado (nome do país

64

Saraceni, op.cit., 101.

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fictício onde se passa a história) da Compañia de Explotaciones Internacionales. Personagem composto a partir de diversos modelos reais (Carlos Lacerda, sobretudo), o senador Diaz não apenas odeia os pobres como tem a pretensão de coroar-se imperador de Eldorado. Seu antagonista é o personagem Vieira, governador de Alecrim (nome de uma provícia fictícia de Eldorado), demagogo populista eleito com o apoio de operários e camponeses depois abandonados por ele. Há ainda Don Julio Fuentes, o capitalista de Eldorado, proprietário de diversas empresas e que representa a burguesia progressista, naturalmente esmagada pelo poderio imperialista da Compañia de Explotaciones Internacionales. Há ainda Sara, una intelectual comunista incapaz de agir, pregando a prudência permanente. Esses personagens engalfinham-se permanentemente, seja associando-se uns aos outros, seja traindo-se para fazer os inimigos sucumbirem aos seus interesses particulares.

Entre eles, opera o personagem principal, um jornalista e poeta, Paulo Martins, que procura entender e participar do caos político e acaba por resumir a consciência em transe de Eldorado. Todas as tentativas do personagem, no sentido de participar, de acreditar nas diversas facetas do poder de Eldorado acabam fracassando: o poeta é incapaz de contribuir - ou seja, de colocar racionalidade e ordem no processo político de Eldorado. O cerco vai se fechando, a possibilidade de controlar as tensões se esgota, a democracia parece incapaz de permitir as articulações. Quase louco, o delirante poeta parte para a luta armada: com uma metralhadora, investe sozinho contra os soldados, sendo ferido de morte. Terra em Transe, aliás, é contado como o resultado do delírio de morte do poeta Paulo Martins. Alterego de Glauber Rocha e de grande parte da intelectualidade brasileira dos anos 1960, o poeta Paulo Martins é igualmente uma representação da juventude brasileira. De parte dela, sobretudo: aquela que, oriunda da urbanização, da expansão universitária, da ampliação do consumo para a classe média, percebia que o projeto populista se esgotara e esbarrava

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na ausência de outras formas de articulação política que produzissem as mudanças necessárias naquele contexto. O psicanalista Hélio Pellegrino publicou no Jornal do Brasil, em 30 de agosto de 1981, trechos de um texto escrito na ocasião do lançamento do filme onde descrevia Terra em Transe:

Vigorosa e visionária alegoria política sobre o Brasil e a América Latina tendo como temas centrais o populismo, as utopias libertárias de esquerda e o concerto barroco de diversas culturas (africana, índia, branca), Terra em Transe tem um entrecho ficcional que já antecipa o questionamento de Glauber аs noções ainda resistentes de trama e narrativa. Abolindo a ordem cronológica e adotando um acento fortemente operístico e carnavalizante, é um dos filmes-manifesto do Cinema Novo.

A ideia de alegoria de Pellegrino pode ser acatada pela

transição entre o projeto estético entre Deus e o Diabo na Terra do Sol e Terra em Transe: no primeiro caso, a encenação ainda oscila entre influências explícitas do russo Eisenstein, do americano Ford e do neo-realismo italiano, notadamente Rosselini e Visconti; já em Terra em Transe, mesmo sem renegar essas influências, Glauber Rocha inaugura um modelo que se destaca pela originalidade: a câmera participante, evoluindo entre os atores-personagens, dialogando com eles, numa coreografia complexa. A descontinuidade narrativa, com o tempo caótico articulado em torno do delírio de morte do personagem Paulo Martins; a abertura à produção aberta do sentido, sem privilegiar um ou outro modo de interpretação; a fragmentação das sequências.

Mas, fundamentalmente, a alegoria que se articula nas cenas de Terra em Transe são a da juventude brasileira dos anos 1950, enlouquecida diante do seu primeiro fracasso. Se Deus e o Diabo na Terra do Sol estava marcado pelo janguismo nacionalista do período pré-golpe, Terra em Transe é uma carta desesperada diante do golpe militar que derrubou João Goulart e que desestruturou a utopia juvenil nascida nas

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décadas anteriores de inserir a nova classe média urbana, ao mesmo tempo em que reformava o país, livrando-o de suas injustiças históricas. É suficiente elencar algumas réplicas do personagem Paulo Martins, na verdade o representante dessa mentalidade da juventude brasileira do tempo: “Não anuncio cantos de paz, nem me interessam as flores do estilo" ou "Todos somos simpáticos, desde que ninguém nos ameace". Ou mesmo as estrofes do poema Balada (em memória de um poeta suicida), de Mário Faustino, usado parcialmente como epígrafe ao filme: Não conseguiu firmar o nobre pacto Entre o cosmos sangrento e a alma pura. Porém, não se dobrou perante o fato Da vitória do caos sobre a vontade Augusta de ordenar a criatura Ao menos: luz ao sul da tempestade. Gladiador defunto, mas intato (Tanta violência, mas tanta ternura).

A citação de Mário Faustino não é gratuita, já que ele foi um dos poetas mais exigentes do início da segunda metade do século 20 no Brasil. "Vida toda linguagem" – dizia ele num verso de abertura de um de seus poemas mais conhecidos. Vivendo atentamente o crescimento das cidades brasileiras e a eclosão da sociedade de consumo, Faustino reiterava a necessidade da utopia, do mito, da exigência poética. Mário Faustino tinha outra marca que o levara a representar o desespero da juventude: tinha só 32 anos quando morreu num desastre aéreo, em 1962. Antes viveu com devoção certa liderança entre os ainda mais jovens intelectuais que atraía como crítico do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, no qual Glauber Rocha escreveu diversas vezes. Uma característica forte da poesia de Mário Faustino está no modelo alegórico de Terra em Transe: a grandiloquência. Por isso, nesse sentido, o filme de Glauber foi descito por inúmeros

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críticos como sendo “operístico”. A etiqueta é verdadeira, na medida em que tanto os enquadramentos quanto a interpretação dos atores evocam a encenação estranha das óperas. Do mesmo modo, estava na poesia de Mário Faustino e acabou no filme de Glauber Rocha um tipo muito particular de engajamento, propriamente juvenil, que se baseia na descrença das instituições formais (partidos, governos, sindicatos) e exalta a resistência da ação direta sobre o mundo. Assim, Terra em Transe também foi considerado, a justo título, como precursor do fenômeno que atingiu boa parcela da juventude estudantil do Brasil a partir de 1968, a corrida à luta armada. Há, no filme, reflexos do amor desesperado da poesia de Faustino (“Amor feito de insulto e pranto e riso”) e do evidente gesto temerário da juventude: "Não morri de mala sorte, / Morri de amor pela Morte". 5. Conclusão: um mergulho no coração da juventude

Difícil imaginar um exemplo mais bem acabado, na cultura brasileira, da representação do sentimento de uma parcela da juventude brasileira nos anos 1960. Terra em Transe gritava, pela boca do moribundo Paulo Martins: "Precisamos resistir, resistir!. E eu preciso cantar, eu preciso cantar!” Como se fora um imenso flash-back, que se inica no momento em que Paulo Martins é metralhado, logo no começo do filme, e só se conclui com sua morte, Terra em Transe encena o desespero, a agonia da geração de jovens brasileiros que ainda não compreendia como um projeto tão generoso, de expandir a cultura urbana no Brasil e de reformar o projeto nacional de desenvolvimento, podia ter terminado com a derrota do populismo e a inauguração do poder da extrema direita. O filme deixa transparecer a sensação, evocada pelo peraonagem Paulo Martins, quando esse se dirige à comunista Sara: política e poesia eram demais para uma única geração, o projeto era grandioso demais e as forças que dormiam na alma profunda do Brasil ainda eram fortes demais, conservadoras

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demais. Ao se lançar na aventura de se constituir como grupo participante e predominante da política e da cultura nacionais, a juventude esbarrou na maioria silenciosa e direitista que se assustara com a rebelião dos mais jovens. Em Terra em Transe, o poeta Paulo Martins diz ter "a fome do absoluto", ou seja, procurava conciliar a transformação da sua alma com a transformação da sociedade brasileira, sem meios termos. O fracasso da juventude brasileira nos anos 1960 foi do tamanho da sua utopia - e a atrofia seus sonhos será gritada mais adiante por Caetano Veloso, descobrindo a incompatibilidade que havia entre poesia e política: “Se vocês em política forem como são em estética, estamos feitos!”

A desmesura que torna, ainda hoje, Terra em Transe um filme polêmico, estava presente no projeto de inserção da juventude brasileira no começo da segunda metade do século 20. Essa juventude a um só tempo construiu e foi construída pela ficção glauberiana, como um dos resultados mais palpáveis das tensões que surgiramno Brasil com a expansão das cidades, das classes médias e da formação superior. no filme, estão os anos de formação dos universitários brasileiros nascidos no final dos anos 1930 e no início dos anos 1940, o arrojo romântico associado ao niilismo. A poesia da sociedade brasileira, entre a generosidade igualitária perseguida pelos jovens e a brutalidade conservadora dos detentores do poder.

Bibliografia BOURDIEU, Pierre. Les jeunes et le premier emploi. Paris: Association des Ages, 1978. BOURDIEU, Pierre. Questions de sociologie. Paris: Editions de Minuit, 1984. COSTA, Flavio Moreira et alii. Cinema moderno/Cinema Novo. Rio de Janeiro: José Álvaro Editor, 1966. DIAS CUNHA, Janaína. A política educacional da ditarua civil-militar brasileira e a reforma universitária de 1968: aportes teórico-metodológicos para umestudo de caso sobre a

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reestruturação da UFRGS. In: www.ceamecim.furg.br/vi_pesquisa/trabalhos/147.doc. FABRIS, Mariarosaria. Nelson Pereira dos Santos: um olhar neo-realista? SP: EDUSP, 1994. GALVÃO, Maria Rita. Burguesia e cinema: o caso Vera Cruz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/EMBRAFILME, 1981. GALVÃO e BERNARDET, Jean-Claude. Cinema: repercussão em caixa de eco ideológica. São Paulo: Brasiliense, 1980. NAZÁRIO, Luiz. Pasolini. Revista de Cultura Vozes, Petrópolis, v. 6, n. 89, 1995. NEVES, David E. Cinema Novo no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1966. PASOLINI, Pier Paolo. Caos: crônicas políticas, Brasiliense, 1982. ROCHA, Glauber. Revisão crítica do cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963. ROCHA, Glauber. Revolução do Cinema Novo. Rio de Janeiro:Alhambra/EMBRAFILME, 1981. SALLES GOMES, Paulo Emílio. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. Rio de Janeiro:Paz e Terra/EMBRAFILME, 1980. SARACENI, Paulo César. Por dentro do Cinema Novo: minha viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. XAVIER, Ismail. Alegorias do desengano: a resposta do Cinema Novo à modernização conservadora, tese de Livre-docência, ECA/USP, 1989. Ficha técnica de Terra em Transe Ficção, longa-metragem, 35mm, preto e branco, Rio de Janeiro, 1967. 3.100 metros, 115 minutos. Companhias produtoras: Mapa Filmes e Difilm; Distribuição: Difilm; Lançamento: 8 de maio de 1967, Rio de Janeiro; Produtor executivo: Zelito Viana; Produtores associados: Luiz Carlos Barreto, Carlos Diegues, Raymundo Wanderley, Glauber Rocha; Gerente administrativo: Tácito Al Quintas; Diretor: Glauber

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Rocha; Assistentes de direção: Antônio Calmon, Moisés Kendler; Argumentista e roteirista: Glauber Rocha; Diretor de fotografia: Luiz Carlos Barreto; Câmara: Dib Lufti; Assistente de câmara: José Ventura; Fotógrafos de cena: Luiz Carlos Barreto, Lauro Escorel Filho; Trabalhos fotográficos: José Medeiros; Eletricistas: Sandoval Dória, Vitaliano Muratori; Engenheiro de som: Aluizio Viana; Montador: Eduardo Escorel; Assistente de montagem: Mair Tavares; Montadora de negativo: Paula Cracel; Cenógrafo e Figurinista: Paulo Gil Soares; Trajes de Danuza Leão: Guilherme Guimarães; Letreiros: Mair Tavares; Carta: Luiz Carlos Ripper; Música original: Sérgio Ricardo; Regente: Carlos Monteiro de Sousa; Quarteto: Edson Machado; Vozes: Maria da Graça (Gal Costa) e Sérgio Ricardo; Música: Carlos Gomes (O Guarani), Villa-Lobos (Bachianas n.3 e 6), Verdi (abertura de Othelo); canto negro Aluê do candomblé da Bahia, samba de favela do Rio; Locações: Rio de Janeiro e Duque de Caxias (RJ); Laboratório de imagem: Líder Cine Laboratórios; Estúdio de som: Herbert Richers; Prêmios: Prêmio da FIPRESCI (Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica) e Prêmio Luis Bunuel no XX Festival Internacional do Filme, em Cannes/1967; Golfinho de Ouro para Melhor Filme - Rio de Janeiro/1967; Coruja de Ouro para melhor ator coadjuvante (José Lewgoy) Rio de Janeiro/1967; Prêmio Air France de Cinema para melhor filme e melhor diretor - Rio de Janeiro, 1967; Prêmio da Crítica, Grande Prêmio Cinema e Juventude - Locarno, Itália; Prêmio da Crítica (Melhor Filme) - Havana, Cuba; Melhor Filme, Menção Honrosa (Melhor Roteiro), Melhor Ator Coadjuvante (Modesto de Sousa), Prêmio Especial a Luiz Carlos Barreto (pela fotografia e produção) - Juiz de Fora (MG). Elenco: Jardel Filho - PauloMartins; Paulo Autran - D. Porfírio Diaz; José Lewgoy - D. Filipe Vieira; Glauce Rocha - Sara; Paulo Gracindo - D. Júlio Fuentes; Hugo Carvana - Álvaro; Danuza Leão - Sílvia; Jofre Soares - Padre Gil; Modesto de Sousa - senador; Mário Lago - secretário de segurança; Flávio Migliaccio - homem do povo; Telma Reston - mulher do povo; José Marinho - Jerônimo; Francisco Milani - Aldo; Paulo César Pereio - estudante;

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Emanuel Cavalcanti - Felício; Zózimo Bulbul - Repórter; Antonio Câmera- índio; Echio Reis, Maurício do Valle, Rafael de Carvalho, Ivan de Souza; Participações especiais: Darlene Glória, Elizabeth Gasper, Irma Álvares, Sônia Clara, Guide Vasconcelos; Figuração de época: Clóvis Bornay.

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POLÍTICAS PÚBLICAS, ESCOLA E DIREITOS MULTICULTURAIS65

Michel Zaidan Filho 1. A agenda social-liberal do governo FHC Quando, em fins de 1993, cogitou-se pela primeira vez, de uma aliança política entre o Partido da Frente Liberal (PFL) e o PSDB tendo em vista a sucessão presidencial do ano seguinte, houve quem saudasse com entusiasmo aquela aliança, acentuando para o surgimento de um fato novo na vida do país representado por uma espécie de “terceira via” à brasileira. É dessa época, aliás, a cantilena européia da “3ª via” produzida pela junção das palavras “liberalismo” e “social”, “socialismo” e “mercado”. Ou seja, a conversão do pensamento de direita ao evangelho social, e o da esquerda ao credo liberal, criando um pensamento de “centro-direita”. Nem esquerda, nem direita, social-liberal ou liberal-social, como gostam de se definir uns e outros, para demarcar a sua diferença em relação ao velho liberalismo e à defunta social-democracia européia.

Mas em que consiste a agenda dessa política “moderna”, feita do casamento entre velhos oligarcas da política brasileira e os modernos social democratas da 3ª via? Primeiro, em que a “globalização” dos mercados é um fato, gostem ou não dela. Portanto, cabe nós a busca de uma

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O presente texto foi publicado inicialmente no seguinte livro. Prefeitura da Cidade de Recife. Secretaria de Educação. Diretoria Geral de Ensino. Tempos de Aprendizagem, identidade cidadã e organização da educação escolar em ciclos. Recife: A Secretaria: Ed. Universitária da UFPE, 2003. A organização achou por bem utilizar esse texto em detrimento da transcrição de sua fala no Seminário Nacional sobre Juventudes Pernambucanas por considerar sua sistematicidade e a apresentação de outros elementos fundamentais para o debate propriamente fundamental objetivado pela publicação.

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forma de “integração competitiva” com esses mercados, sob pena de sermos condenados ao isolamento econômico e à impotência sócio-cultural. Segundo, a busca dessa “integração competitiva” implica reconhecer os limites do Estado-Nacional em sua capacidade de fazer política (monetária, cambial, tributária, trabalhista, previdenciária, etc), o que impõe aos governantes uma inadiável “reforma do Estado” e da própria forma de “gestão” pública, que se denomina “gerencial” ou “regulatória” ou “empresarial”, cujo principal objetivo é combater o déficit das contas públicas e aumentar a eficácia, a eficiência e a efetividade das políticas públicas (governança). (A chamada “gestão gerencial” varre a política da administração pública e reduz o papel de gestores à mera criação de “um clima ótimo” para investidores externos). São os gestores técnicos ou “salesmen”, como os chama a revista inglesa “The economist”.

Terceiro aspecto relevante dessa reforma é o que se chama “publicização das políticas sociais”, entregues agora ao chamado “setor público não-estatal” ou “terceiro setor”. Argumenta-se que não é mais função exclusiva do Estado a produção e distribuição de bens de utilidade pública (saúde, educação, pesquisa científica, cultura, etc), e que a produção e a oferta de tais bens serão feitas com menores recursos, maior qualidade e rapidez se forem transferidas para a família, a comunidade ou mercado, através de parcerias virtuosas entre o Estado, o terceiro setor e o mercado, criando-se uma economia altruísta ou de serviços sociais, baseado no voluntariado, na renúncia fiscal e na compra e venda dos serviços de utilidade pública.

Quarto ponto importante é o novo formato das políticas sociais do “Estado gerencial”, submetidas a uma espécie de “taylorismo social” ou estética da produtividade ou da quantidade. Segundo esse critério, o aumento a curto prazo e a acessibilidade desses bens deve obedecer a uma multiplicidade de ofertas (pública, privada, filantrópica, comunitária, pública não estatal), com fontes variadas de

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receita, com clientelas preferenciais, submetidas à avaliação de desempenho a partir de indicadores quantitativos da prestação de serviços. Ou seja, ao invés de modelo único, público-estatal, com financiamento integral e permanente, e universal, ter-se-ia uma heterogeneidade de agentes prestadores de serviços.

Quinto, a isso se some a questão da descentralização dos serviços públicos e sua gestão municipalizada através da constituição dos conselhos de usuários. Este é, sem dúvida nenhuma, o principal atrativo da reforma, pela delegação ou devolução dos poderes à comunidade destinatária dos serviços e ao famoso “controle social”. O processo de descentralização das políticas sociais, no bojo da reforma mais ampla do aparelho de Estado, é saudado com entusiasmo por todas as correntes do espectro político, como processo virtuoso e responsável por uma “cultura cívica” de mais participação e interesse pelos bens públicos. Em síntese, pode-se definir esta nova forma estatal como “Estado-rede” ou “soberania compartilhada”, em que o núcleo do Estado se encarrega de “vender” as oportunidades de investimentos e de grandes negócios a investidores estrangeiros, e a sociedade civil se incumbe da prestação de serviços de utilidade pública, a partir de um verdadeiro mercado, no qual os bens de serviço de utilidade têm preço e qualidade variáveis, de acordo com a renda do “cidadão-consumidor”. 2. A agenda “mudancista” das administrações democráticas e populares A par da ingovernabilidade fiscal e administrativa do Estado brasileiro, sobretudo nos 80, foi-se gestando uma agenda política diferenciada nas prefeituras e, hoje, em alguns estados da federação. A nova institucionalidade democrática oriunda da Constituição Federal de 1988, no contexto da crise fiscal dos anos 90, levou prefeitos (e depois governadores) a

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buscarem alternativas de gestão num quadro federativo ainda mais debilitado pela agenda neo-liberal do governo Collor e FHC. Abandonados à própria sorte, sem política de desenvolvimento urbano integrada, ante uma centralização fiscal-tributária, queda na arrecadação municipal, com desemprego, violência, infra-estrutura urbana precária, favelização e exclusão social, os prefeitos optaram pela “municipalização” da gestão pública – aliás muito incentivada pelo FMI, a mídia e o próprio governo federal. Nesse ponto, é necessário distinguir dois tipos de “municipalização”: uma perversa e outra virtuosa. 2.1. O discurso participativo esconde projetos diferentes 2.1.1. Agenda da “reforma urbana” A municipalização “virtuosa” inspira-se em vários princípios e elementos da agenda do movimento da “reforma urbana”, como: orçamento participativo, políticas sociais (de corte universalista e estruturador), direito ao acesso às informações públicas, gestão democrática dos recursos públicos, participação no desenvolvimento urbano e econômico, criação/potencialização de canais de participação, programas de geração de emprego e renda, direito à terra, moradia, saneamento e transporte, serviço de saúde eficaz e acessível a todos e educação pública de qualidade. Em maior ou menor grau, as administrações “mudancistas” incorporam esses princípios : orçamento participativo, conselhos populares como gestores de políticas públicas, programa de renda mínima (bolsa-escola), municipalização e descentralização das ações de saúde, Banco do Povo, programa de mutirões ou auto-construção de habitações populares modelo redistributivo de desenvolvimento urbano, inversão de prioridade no investimento público, etc.

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2.1.2. Agenda Perversa

Mas ao lado desse último modelo, é preciso considerar também um outro, de ampla aceitação e divulgação através da mídia impressa e eletrônica em nosso país. É o que se vem chamando de “hobbesianismo municipal”, por se assentar numa ruptura ou quebra das redes de solidariedade clássicas que formam o Estado-Nação, a classe social, a região etc. esse modelo caracteriza-se pelo seu “aspecto gerencial”, “técnico”, “apolítico” no trato das reivindicações pontuais de cada comunidade e na figura do “tocador de obras”, decididas estas, muitas vezes, ao talante do prefeito municipal. Elementos básicos desse modelo: renúncia/isenção fiscal como estímulo a investimento privado, terceirização ou privatização dos serviços públicos, modelo de desenvolvimento urbano assentado no terciário, favorecendo a concentração de renda e a precarização das relações de trabalho, marketização agressiva das tradições culturais, do folclore e a história local simulacro de participação social através de espetacularização de uma política, privando os cidadãos de decidirem os chamados “investimentos estruturadores”. Esses são exemplos de gestões despolitizadoras e despolitizadas que transformam os canais de participação em mero instrumento de “produção de consenso” em torno da administração municipal, cooptando lideranças comunitárias e instalando a cizânia nas comunidades. E o que é pior, banindo a intermediação político-partidária na relação Estado-Sociedade. Esse modelo acentua a fragilização do Estado e das próprias classes sociais, fragmentando ainda mais o espaço geopolítico da cidade (corporativismo territorial). Modelo cuja ética social está intimamente associada ao individualismo exacerbado de nossos dias, que se vai transferindo em escala crescente para o Estado e Região, destruindo qualquer possibilidade de projeto intercepto de desenvolvimento urbano ou regional. Modelo compatível com a globalização financeira de mercado e o

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desemprego estrutural (ver “o mito da cidadania municipal”, DP, 22/10/96).

Na verdade, tanto a agenda de reforma urbana, como as diversas modalidades do “empresarialismo urbano” praticados entre nós, apontam nesse final de milênio para um outro modelo de cidadania e ética social. Estamos transitando para um outro modelo de sociedade, em que nem o mercado ou Estado podem sozinhos definir mais o perfil civilizatório- Ocaso ou Renascimento? As cidades como atores políticos estratégicos, na era da globalização. Elos desgarrados de uma cadeia mundial de exploração ou de um novo Renascimento Civilizatório? 3. A escola pública numa era de exclusão social A escola pública-estatal que nós temos se baseia numa visão triunfalista da vida e da história. Numa visão da conquista ou do sucesso pessoal e profissional, a qualquer preço. Essa escola – que já foi chamada de uma “fábrica de Pinóquio às avessas” – reforça a dimensão manipulatória e instrumental da racionalidade humana – é a escola do/para trabalho, a escola da improvável formação “empregabilidade”, “multifuncionalidade”, “multicompetência”, inibindo ou mutilando o desabrochar de outras dimensões fundamentais da inteligência humana. Tal escola só tem concorrido para uma ética do individualismo exacerbado e da competição de todos contra todos, produzindo uma espécie de solipsismo social. O entorno à escola não deve também ser ignorado, pois a violência e a delinqüência juvenil não se resume/explica pela indisciplina escolar. Está relacionada à mudança do papel do Estado na sociedade, que de provedor e financiador dos serviços públicos passa a gerente e regulador, estimulando, através da renúncia fiscal de grandes empresas, a refilantropização da solidariedade, ao transferir o ônus da prestação dos serviços públicos para a família, a comunidade ou mercado. O conceito de cidadania correspondente a esse tipo de Estado é o cidadão-consumidor, o cidadão capaz de

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exercitar o seu direito de escolher entre essa ou aquela marca, bem ou serviço, desde que possa pagar por ele.

A escola de que precisamos é aquela que sem abandonar o ideal de uma formação humanística integral, preocupe-se, acima de tudo, com a recuperação da auto-estima de seus alunos, como pré-requisito para o exercício de suas capacidades intelectuais. Uma escola que não criminalize ou medicalize a violência, a sexualidade e o uso de drogas. A escola do nosso tempo e lugar tem de saber articular as redes comunitárias de solidariedade, ao invés de permanecer um corpo estranho e hostil na comunidade, beneficiando-se (e contribuindo para) de articulação institucional das várias políticas sociais destinadas a combater a exclusão social. É necessário combater a fragmentação desses programas e ter um papel ativo na vida das comunidades. Uma escola que não se especialize em ser um mero criatório de mão-de-obra para um inexistente mercado de trabalho desregulamentado, mas que integre as múltiplas linguagens no processo de aprendizagem, ampliando seu programa formativo. Enfim, uma escola capaz de desenvolver uma ética e uma pedagogia centrada na tolerância, no cuidado mútuo, no respeito às diferenças e ao pluralismo cultural dos nossos dias. Uma escola que produza um novo cidadão, nem faber nem consumidor, mas um cidadão vox ou ludens, que vocalize direito ou produza nossos significados pelo uso criativo das linguagens. Esta, sim, seria a escola adequada à globalização (e sua sociedade civil planetária) e ao caldeirão multi e intercultural dos nossos dias.

Bibliografia MELO, M. A. Os efeitos perversos da descentralização. Política e Contemporaneidade no Brasil. Recife: MCP, 1998. OLIVEIRA, L. Os excluídos existem? Política e Contemporaneidade no Brasil. Recife: MCP, 1998.

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ZAIDAN, M. Discurso parecido, práticas diferentes. Repente (órgão da Polis), out. 1996, p. 6. ZAIDAN, M. O mito da cidadania municipal. Diário de Pernambuco, 22 out. 1997 (texto apresentado na capacitação da rede). ZAIDAN, M. Cidade, violência e segurança. Diário de Pernambuco, 20 set. 1999. ZAIDAN, M. Escola, territorialidade e cidadania. Diário de Pernambuco, 21 out. 1999 ZAIDAN, M. Escola, territorialidade e cidadania. Diário de Pernambuco, 21 out. 1999, p. 3 (Intervenção no Congresso Brasil-Portugal-2000). ZAIDAN, M. Violência, sociabilidade e escola pública. Folha de Pernambuco, Recife, 15 fev. 2001, p. 4 (texto preparado para capacitação da rede). ZAIDAN, M. Globalização, cidadania e escola do futuro. Diário de Pernambuco, 07 fev. 2001, p. 3. (aula inaugural da UNIVERSO). ZAIDAN, M. A reprodução da oligarquia política de Pernambuco. Folha de Pernambuco, 20 abr. 2001. ZAIDAN, M. A pedantocleptomania nacional. Diário de Pernambuco, 08 jun. 2001. ZAIDAN, M. Nova aliança política nos anos 90. Pernambuco na história. Jornal do Commercio. S/d. ZAIDAN, M. Ideologias acima de qualquer suspeita. Diário de Pernambuco (apresentado na capacitação da rede). s/d. ZAIDAN, M. Crise da República. Folha de Pernambuco. s/d. ZAIDAN, M. O mito da cidadania municipal. Política e contemporaneidade no Brasil. Recife, MCP. 1998.

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JUVENTUDE, LIBERDADE E RESPONSABILIDADE: ANÁLISE DAS EXPECTATIVAS E PREOCUPAÇÕES DE JOVENS NA CIDADE DE JOÃO PESSOA/PB66

Carla de Sant‟Ana Brandão Bruno Medeiros

- Breve trajetória dos recentes estudos sobre a juventude brasileira

As transformações sociais ocorridas nas últimas décadas colocam em evidência as desigualdades sociais existentes entre diversos grupos. Neste contexto, a condição juvenil vem ocupando lugar de destaque em recentes debates sobre violência, saúde e políticas públicas dirigidas aos jovens, devido às situações de risco a que estes estão expostos. Neste sentido, vários programas sociais foram constituídos a fim de oferecer maior suporte social ao jovem e minimizar as situações de risco, violência e desamparo social na vida destes.

Desde a década de 1990 vários trabalhos vêm abordando questões pertinentes a juventude no Brasil incluindo neste debate o jovem em diversas situações sociais como, por exemplo, na constituição de grupos culturais (ABRAMO, 1994), nos movimentos políticos (MISCHE, 1997), na participação social e nos movimentos contra a violência (PAIVA, 2000; NOVAES, 2000), nas relações de preconceito contra a juventude produzidas pela mídia (ALVIM, 2000) e na inserção no mercado de trabalho (BOCK, 2000; MARTINS, 2000). Alguns destes estudos enfocam, de modo mais específico, as emergentes preocupações do jovem (CARDOSO, 1984; MELUCCI, 1997) visando compreender as relações entre estas, o contexto sócio-econômico brasileiro e suas interfaces com as expectativas da juventude contemporânea.

66 Uma versão mais completa do texto pode ser encontrada aqui: http://sejarealistapecaoimpossivel.blogspot.com/2009/02/texto-completo-de-carla-brandao-no.html

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Entre agosto de 2003 e maio de 2004 o Instituto Cidadania promoveu o programa denominado Projeto Juventude, no qual foram realizados estudos, pesquisas e debates em vários estados brasileiros sobre diferentes temáticas relacionadas ao jovem. O Resultado destes estudos e debates foi, no ano de 2004, publicado em um documento de conclusão para fins de revisão e ajustes. Posteriormente, duas obras sobre a juventude brasileira foram publicadas pelo referido instituto em parceria com editoras. Na primeira delas

67, publicada em 2004, os debates enfocaram a juventude

em diferentes contextos, como a família, o trabalho, estudos, políticas públicas, dentre outros. Já a segunda, publicada em 2005

68, foi constituída por diversas pesquisas realizadas com

jovens brasileiros de vários estados. Ambas as publicações, dentre outras aqui mencionadas, revelam a importância e interesse de se debater diferentes aspectos que envolvem a juventude brasileira contemporânea, desde questões ligadas a violência, saúde, trabalho e educação, participação social, política, lazer, relações familiares, afetividade e sexualidade, etc.

Através de estudos como estes, que possibilitam um olhar mais amplo sobre as juventudes, suas principais dificuldades e particularidades vinculadas aos contextos sociais específicos, é possível melhor compreendermos as mudanças comportamentais e relacionais na sociedade atual que, em geral, emergem com maior nitidez em grupos juvenis, bem como intervir sobre os problemas decorrentes de práticas específicas em determinados grupos e, nesta mesma direção, atuar de modo preventivo nos aspectos que representam risco

67 NOVAES, Regina e VANNUCHI, Paulo (Org.). Juventude e Sociedade: trabalho, educação, cultura e participação. São Paulo: Perseu Abramo, 2004. 68 ABRAMO, Helena W. e BRANCO, Pedro Paulo M. (Org). Retratos da Juventude brasileira: análises de uma pesquisa nacional. São Paulo: Instituto Cidadania e Fundação Perseu Abramo, 2005.

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social na vida dos jovens, em especial nos campos da saúde e da educação.

Grande parte dos estudos até então publicados têm como referência principal os grupos juvenis da região sudeste (VIANNA, 1997; MINAYO, 1999; ALVIM e PAIM, 2000; ABRAMO, FREITAS e SPOSITO, 2000). Entretanto, haja vista a pluralidade incorporada na concepção da condição juvenil, assim como as peculiaridades contextuais e culturais que fomentam as formas de expressão da juventude, tomamos como foco de estudo compreender as expectativas e projetos de vida de jovens da cidade João Pessoa – PB.

- A delimitação do estudo: questões teóricas e metodológicas

No percurso deste estudo três questionamentos nortearam as análises que serão apresentadas: a) o que é ser jovem; b) as atuais dificuldades percebidas pelos jovens nos diferentes aspectos de suas vidas; c) as expectativas em relação ao trabalho atual ou futuro.

Dado o interesse em constituir uma amostra heterogênea, foram contatados jovens em diferentes localidades da cidade, de ambos os sexos, com idade podendo variar entre 15 e 24 anos. O limite de 24 anos como critério para compor a amostra tomou como referência o marco estabelecido pela Organização Internacional da Juventude, que afirma ser jovem aquele que se encontra no ínterim dos 15 aos 24 anos. Tal delimitação não considera marcos biológicos e transformações físicas como aspectos definidores da juventude, os quais são mais característicos da adolescência. Diferente da concepção de adolescência, a noção de juventude não decorre de aspectos biológicos e transformações físicas, pois, está prioritariamente atrelada a formas de expressão, comportamentos, opções e estilos de vida (MINAYO, 1999). Assim, compreendemos a juventude através da diversidade juvenil, adotando, portanto, a perspectiva postulada por Groppo (2000), que sugere o uso do termo no plural:

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“juventudes”. Tal pluralidade reflete a necessidade de considerar as „diferenças‟ decorrentes da raça, da religião, costumes e classe social que se apresentam como características de determinados jovens que participam de um determinado grupo, em uma determinada época e contexto específico, diferenciando-o, portanto, daqueles que participam de outros grupos. Neste sentido, entende-se a juventude como uma construção na qual os aspectos socioculturais, as condições sociais, políticas e econômicas de cada grupo devem orientar a compreensão do que vem a ser (cada) juventude (MINAYO, 1999), evidenciando as diferenças entre as juventudes de uma mesma geração.

Assim, além de considerar que cada geração se define a partir dos acontecimentos macros que marcam uma época e refletem as forma específicas de comportamentos característicos de cada momento histórico – social (ABREU, 1997), é indispensável o entendimento sobre as experiências diferenciadas dos jovens de uma mesma geração em virtude dos distintos universos sociais do qual fazem parte (BOURDIEU, 1984). Aspectos como, casamento, emprego fixo, autonomia, maternidade/ paternidade e responsabilidades com a família são considerados indicadores da fase adulta e, portanto, término da juventude. Porém, sabemos que, atualmente, vários destes aspectos podem ser constituintes da vida de alguém que se encontra na faixa etária dos 15 ou 16 anos, por exemplo, ou, ao contrário, podemos observar pessoas com mais de 30 anos de idade que não apresentam nenhuma destas características, moram com os pais e não tem autonomia financeira.

Partindo destas considerações acerca da compreensão de juventude, os 21 jovens foram contatados em associações culturais, grupos religiosos e em instituições públicas e privadas de ensino fundamental e superior da cidade de João Pessoa, a fim de favorecer o acesso a jovens com diferentes realidades sociais. Na delimitação do número de entrevistados tomamos como recurso metodológico o “ponto de saturação”, através do qual se considera que, após a realização de algumas

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entrevistas, a observação de conteúdos repetitivos nas entrevistas subseqüentes indica que a amostra poderá ser considerada completa (TURATO, 2003).

As entrevistas, realizadas individualmente, subsidiadas por um roteiro composto por questões abertas e por um gravador para o registro das informações. Todas as entrevistas foram transcritas na íntegra e, posteriormente, submetidas à dois métodos de análise. Primeiro, a fim de caracterizar a amostra foi realizada a análise quantitativa (teste de freqüência) das questões referentes aos dados sócio demográficos (gênero, grau de escolaridade, trabalho). Depois, as questões abordadas nas entrevistas foram categorizadas por temas e tiveram seus conteúdos analisados qualitativamente, seguindo as etapas do método de análise de conteúdo

69

(BARDIN, 1979; citado por TRIVINÕS, 1987). Alguns temas foram também submetidos ao teste de freqüência a fim de ilustrar a predominância dos conteúdos analisados. - Perfil dos jovens entrevistados

Por meio das informações sócio demográficas dos jovens traçamos um breve perifil a fim de evidenciar suas principais características. A intenção inicial de obter percentual equivalente entre o gênero dos participantes não foi levada à risca por não haver a pretensão de realizar comparações entre jovens de ambos os sexos. Assim, na amostra constituída aleatoriamente em 66.7% por rapazes e 33.3% por moças, verificamos que todos eram estudantes, inclusive aqueles contatados fora de instituições de ensino. Mais da metade encontrava-se cursando série do ensino médio (52.4%) e um

69 Pré-análise (organização e leitura ampla do material); descrição analítica (estudo aprofundado dos documentos que constituem a pesquisa sob a orientação dos referenciais teóricos adotados); interpretação referencial (reflexão e análise propriamente dita dos documentos selecionados embasada nos referenciais teóricos norteadores).

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terço (33.3%) em curso de nível superiror. Os demais (14.3%) estudavam série do ensino fundamental.

Excetuando uma das participantes, os demais são solteiros, sem filhos e moram com a família de origem. Este aspecto explica, em parte, o fato de apenas 23.8% (N=05) trabalhar concomitante aos estudos, apesar desta ser uma das principais preocupações entre estes jovens, como veremos em análises mais adiante, principalmente se tratando das possibilidades de trabalho no futuro. - Ser jovem é:

Os conteúdos das duas categorias constituídas a partir do questionamento sobre o que é ser jovem evidenciam, entre outros aspectos, a preocupação do jovem com o seu futuro. A primeira categoria indica que ser jovem é estar em um momento da vida no qual se pode ter mais liberdade do que quando criança, mas também o momento em que é necessária a responsabilidade frente a tal liberdade, embora ainda não tendo a mesma responsabilidade que o adulto. Nesta categoria, denominada de Etapa da Vida com liberdade e responsabilidade, os conteúdos das respostas dos entrevistados (76.4 %) indicam concepção de juventude que independe da idade, assemelhando-se às considerações de alguns autores sobre a noção de juventude (BOURDIEU, 1984; MINAYO, 1999; GROPPO, 2000) vinculada a formas de comportamentos e modos de expressão.

“Ser Jovem, pra mim não é idade. Por exemplo, é fazer o que quer, entre aspas, né! Ele pode ter idade elevada e praticar o que o jovem faz, ir pra uma festa, fazer tudo o que o jovem na idade tem direito. Pra isso é ter sua liberdade”.(S14 - Fem. 20 anos). “Acho que a juventude é uma fase da vida. Não é exatamente ser... mas estar... você pode ser jovem a qualquer época (...). ... acho que ser jovem é sentir um pouco mais de liberdade, querer explorar aquilo que ainda você não conhece, aquilo que você não sabe, sentir novas

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sensações e sentimentos... é uma fase de exploração. (...) é um estado de espírito, não é exatamente você „ser, mas estar jovem‟ naquele momento”. (S8 – Fem. 17 anos)

Para estes jovens, uma das mais marcantes

manifestações da juventude é a liberdade, a possibilidades de ter experiências novas. Contudo, suas falas são assaz reveladoras da concomitante importância atribuída a responsabilidade, espcificamente em relação as atuais escolhas e as implicações destas no futuro:

“Liberdade. Mas hoje em dia ter responsabilidades. O jovem tem muitas responsabilidades cedo”. [refere-se ao vestibular]. ( S4 – Masc. 17 anos). “Ser jovem é o belo, eu acho que é a fase mais bonita da juventude, mas também é um compromisso, é uma responsabilidade, e o pensamento no futuro, acima de tudo, uma expectativa do futuro”. (...) sempre se fala que a juventude é a fase mais bela, a fase que você tem mais liberdade para conhecer o belo, não tem tantos compromissos (...)”. (S21- Fem. 20 anos) “É uma fase que você tem que construir o que quer para o futuro, construção do que será sua identidade, futuro, o que você quer ser. (...) Uma fase de descobertas sobre o que você quer fazer, namoro, vida sexual e muita responsabilidade”. (S17 – Fem. 20 anos)

A noção de liberdade do jovem aparece envolta por um encanto com as possibilidades de viver plenamente as experiências novas desta fase concomitamente a necessária responsabilidade com as escolhas realizadas, suas conseqüências e a necessidade de planejar o futuro, principalmente no que se refere a vida profissional. Há uma clara articulação entre o passado (a liberdade que não tinham na infância), o presente (a liberdade atual e as escolhas

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realizadas) e o futuro (as conseqüências das escolhas e as preocupações com o futuro profissional/ trabalho). Na segunda categoria sobre o „que é ser jovem‟, denominada de Etapa de Aprendizagem, Preparação para fase adulta e Preocupação com o futuro, não são percebidos conteúdos que referendam a liberdade, conforme na anterior, mas, mais nitidamente os jovens (23.6%) indicam sua preocupação com o futuro próximo:

“Momento de preocupações... Me preocupo muito se vou me formar, em que vou atuar, se vou ter trabalho, se vou conseguir boa renda, futuramente casar e poder sustentar minha casa e meus filhos. É preocupação em geral... o que vai ser no futuro, tanto pessoal quanto profissionalmente.” (S9 – Fem. 20 anos). “É a pessoa estar adquirindo aprendizagem, crescimento, aprendendo com as pessoas mais velhas”. (S6 – Fem. 16 anos) “É uma fase da vida que você vai se preparando para chegar à fase adulta”.(S10- Masc. 17 anos)

Dentre os conteúdos que constituem as duas categorias

observamos que presente e futuro são apresentados de modo entrelaçado haja vista ser, no entendimento dos jovens, a liberdade para viver novas experiências e a responsabilidade ao fazer escolhas os propiciadores de uma preparação para a vida adulta, quando deverão assumir outras responsabilidades, inclusive pelas resultantes das escolhas realizadas. O foco sobre a responsabilidade dos jovens decorre das preocupações relacionadas aos estudos, ao trabalho, profissão, estabilidade financeira e possibilidade de constituir e manter suas famílias no futuro. A percepção dos jovens acerca deste momento é, portanto, fortemente pautada pela recente necessidade de assumir responsabilidade para com sua própria vida; a possibilidade e necessidade de fazer escolhas relativamente definidoras de seu futuro. A responsabilidade e as preocupações com o futuro são tão evidentes nas preocupações

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cotidianas dos jovens assim como a liberdade e a possibilidade de novas experiências e descobertas nesse período da vida. Tais preocupações não emergem neste contexto de modo aleatório, pois, sem dúvida, refletem a inauguração de atribuições decorrentes de novos papéis assumidos nas relações familiares e sociais e o impactos destes frente as incertezas e inseguranças sociais da contemporaneidade.

A pluralidade da juventude, considerada relevante na nossa perspectiva, deve ser analisada, inclusive, sob o ponto de vista do impacto das mudanças sociais globais. Sobre este aspecto, cabe-nos lembrar sobre o efeito das transformações decorrentes do processo de globalização, aqui entendida por meio da“ intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos a muitas milhas de distância e vice-versa” (GIDDENS, 1993; p.69). O fenômeno globalizante, dado o seu caráter de transformação local decorrente de inúmeros outros eventos – conhecidos ou não – evidencia a emergência de novas oportunidades, mas também de novas formas de exclusão social que atingem principalmente o jovem, pois, as desigualdades sociais resultantes da globalização os atingem de diferentes formas evidenciando novos e inesperados riscos e gerando incertezas sociais. Giddens (1991), quando reflete sobre o impacto das mudanças na contemporaneidade menciona o conceito de risco, sobre o qual considera que “(...) os resultados inesperados podem ser uma conseqüência de nossas próprias atividades ou decisões, ao invés de exprimirem significados ocultos da natureza ou intenções inefáveis da Deidade...” (p. 38). O risco se presentifica no discurso dos jovens que experimentam a responsabilidade pelas primeiras escolhas de modo mais autônomo, como, por exemplo, a escolha da profissão, a busca de meios para viabilizar o ingresso no trabalho e a preparação para aquisição da independência financeira e constituição de um novo núcleo familiar.

A falta de segurança em relação as condições sócio- econômicas futuras demonstram que o impacto das mudanças

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sociais conduzem o jovem a perceber-se em condição desprivilegiada para o acesso a determinados domínios e conhecimentos que gradativamente se tornaram exigência básica para a inclusão em quaisquer profissões, como o uso da informática, o domínio de línguas, o acesso a novas modalidades em tecnologia e seu manuseio na comunicação virtual.

- Percepção dos jovens acerca das suas atuais dificuldades

As evidências da preocupação dos jovens com o futuro tornam-se ainda mais explícitas quando estes, ao serem indagados sobre a percepção de suas dificuldades atuais nos diferentes aspectos de suas vidas, respondem ser as “Preocupações com o futuro e com as Responsabilidades da Vida Adulta” (45 %) o aspecto preponderante:

“Medo... medo de não passar no vestibular. Medo do que possa acontecer quando ficar mais adulta, se vou conseguir me dar bem”. (S2- Fem. 17anos). “... acho que é principalmente de como enfrentar o mundo, porque eu estou na beira da fase adulta, vou deixar de depender de meus pais pra cuidar de mim, então eu acho que é isso que ta me preocupando mais nesse momento ... como eu vou me preparar?... Quais vão ser as minhas armas pra poder lutar contra o mundo?”. (S8 – Feminino, 17 anos) “... Preocupação, como eu disse, com o futuro (...) eu acho que a construção do futuro é agora em nossa juventude...né? Nossas expectativas agora em relação ao futuro, estudos, começam agora pra poder ter um resultado depois” (S9 – Fem. 20 anos).

Embora a questão abordada se remeta às dificuldades na vida atual do jovem, suas falas se dirigem às preocupações com o futuro, especificamente com relação as possibilidades de obtenção de autonomia e êxito por meio dos estudos, da

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profissionalização e do trabalho. Tais preocupações da juventude contemporânea são, de acordo com Melucci (1997), o reflexo das incertezas características das sociedades modernas decorrentes do acelerado ritmo de transformação social que gera inseguranças relacionadas ao acesso a educação de qualidade, a formação adequada ao mercado de trabalho e a inserção neste mediante a profissionalização. O dinamismo que orienta a inclusão de jovens no mercado de trabalho, regulado pela atualização de conhecimentos adequados às demandas emergentes, a capacitação pertinente ao domínio das novas tecnologias e o conhecimento especializado, dentre outros elementos, exclui principalmente os jovens das camadas médias e baixas da sociedade. Devido a isso, as incertezas destes jovens em relação ao futuro estão diretamente relacionadas às poucas condições sócio-economicas de fomentar o desenvolvimento de habilidades e competências profissionais favoráveis ao ingresso no mundo do trabalho.

As preocupações com o futuro e com as responsabilidades da vida adulta se intensificam mediante as regras, reponsabilidades e cobranças dos familiares aos jovens. Neste sentido, alguns deles (35%) apontam, dentre suas dificuldades atuais, as Relações Interpessoais e Familiares:

“Quando queremos sair, os pais proíbem porque falam que somos menores ainda. A dificuldade dos pais aceitarem a fase da juventude” (S3 – Fem. 17 anos) “Cobrança da família em relação ao vestibular”.(S4 – Masc. 17 anos) “Tem o conflito familiar que eu acho que é o principal, porque querem que você seja uma coisa e não te dão espaço para ser essa coisa. Querem que você seja uma eterna criança, embora exijam que você seja um adulto”. (S20 – Fem. 18 anos).

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O impacto das transformações sociais reflete não apenas nas questões educacionais e no mercado de trabalho, mas também nas relações familiares, na construção da identidade pessoal e nas novas formas de interação social. As cobranças por parte da família em relação aos estudos revelam que as preocupações dos jovens com o futuro são, em parte, oriundas das pressões familiares. Muitos dos limites impostos aos filhos jovens tem como fator subjacente a cobrança por maior investimento nos estudos, já que a incerteza em relação ao futuro destes é, primeiro, uma preocupação dos pais. Por um lado, os jovens, ao mesmo tempo em que cultuam a liberdade ampliada por não mais serem crianças, ainda lidam com determinados limites regulados pela família, haja vista não terem a autonomia de adultos. Por outro lado, também são exigidas responsabilidades que alguns jovens sentem como precoces em suas vidas, como a escolha da profissão, em virtude dos desdobramentos e repercussões que esta poderá ter no futuro.

Apesar da cobrança da família em relação aos estudos ser um incômodo para determinados jovens, observamos que a condição econômica das famílias pode representar uma vantagem, na medida em que existam meios reais para manter o investimento na educação – investimento estes cada vez mais em longo prazo - e fomentar cursos e aquisição de materiais fonte de conhecimentos. Para alguns jovens (20%), as Dificuldades Financeiras das famílias são percebidas como um impedimento que conduz a perda de espaço no acesso ao mercado de trabalho. Nestes casos, trabalhar é uma necessidade que se impõe para o custeio de parte de suas despesas e contribuição nas despesas familiares. Portanto, para estes a preocupação com a autonomia e estabilidade financeira não ocorre apenas na dimensão futura, mas principalmente no presente. Tal condição conduz a uma diminuição nas expectativas de sucesso e de ascensão social por se perceberem em condição desigual e sem os privilégios que outros possuem:

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“Principalmente na iniciação do mercado de trabalho... os jovens estão muito ... de alguma forma, excluídos por causa da falta de experiência, de novas possibilidades ou aberturas de cursos gratuitos, porque tudo o que você vai fazer, principalmente agora, é tudo pago, tudo tem que ter um dinheiro na frente”. (S21 – Fem. 20 anos). “A partir do momento que é jovem tem que pensar em trabalhar, arranjar emprego... É difícil.” (S10 – Masc. 17 anos) “Dificuldades de estudo. Não tenho muitas fontes de estudo, só os livros da escola que são doados pelo Estado”. (S11 – Fem. 15 anos).

Para estes jovens a educação formal é o caminho mais

seguro para um futuro mais estável economicamente. Contudo, a emergência de um emprego é imposta pela necessidade de manter-se ou, em alguns casos, de custear a própria educação. A educação aparece no discurso dos jovens como elemento central, já que a maioria considera a formação superior um meio de ascensão social e econômica. Durante décadas a aquisição de uma formação superior representou para algumas camadas sociais brasileiras – principalmente a classe média – a possibilidade de ascensão social. Porém, as mudanças sociais ocorridas nas últimas décadas do século XX contribuíram para um processo de transformação social do qual emergem novas necessidades e exigências que aumentam as diferenças frente as oportunidades sociais e as incertezas (GIDDENS, 1991). - Expectativas e projetos dos jovens em relação ao trabalho

Tais desigualdades sociais dificultam o acesso das minorias aos benefícios tecnológicos, sociais e educacionais, os quais, apesar de serem considerados fundamentais para o acesso a informações relevantes, para a qualificação educacional e a competência profissional dos jovens, não representam mais a garantia de espaço no mercado de trabalho, especialmente quando se trata do primeiro emprego.

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Entretanto, grande parte dos jovens (52.5%) quando perguntados sobre suas expectativas e projetos em relação ao trabalho (atual ou futuro), apontam como meta principal “Obter um curso superior”.

“Quero me formar, fazer especialização. (...) Eu quero fazer doutorado, essas coisas assim”. (S20 – Fem. 18 anos) “No trabalho atual, nenhuma expectativa. No futuro pretendo morar fora. Desenvolver minha carreira profissional [turismo] fora do Brasil” (S17 – Fem. 20 anos) “(...) me formar em engenharia de alimentos (...). Se tiver que fazer especialização (...) vou atrás. Tudo que for prá melhor, a especialização melhor (...) eu vou por que hoje em dia está muito difícil” (S6 – Fem. 16 anos) “(...) Penso ser advogada (...) Às vezes penso em fazer Design e Arquitetura. Penso em fazer Publicidade também” (S2- Fem. 17 anos).

Apesar da crença na educação como um fator fundamental para uma melhor formação profissional e ampliação das possibilidades de ascensão social, verificamos que para estes jovens o curso superior não é considerado suficiente para fins de uma formação profissional com competência e adequação as necessidades e exigências da contemporaneidade. Em muitas das falas observamos a ênfase na necessidade de cursar uma pós graduação. De acordo com Bock (2000), a difusão de informações que indicam não bastar ter uma boa qualificação, mas, ser polivalente ou generalista para ampliar as possibilidades de trabalho, faz com que o jovem busque diversos cursos e especializações que favoreçam as condições de ingresso no trabalho.

No extremo oposto aos que buscam o máximo de possibilidades para enriquecemento da formação profissional com estudos em longo prazo estão aqueles jovens (33.3%) que devido a falta de meios para se capacitarem e frente a

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necessidade emergencial de obter emprego, quando questionados sobre seus projetos em relação ao trabalho, indicam como expectativa a realização de uma capacitação profissional rápida. Nesta categoria, “Preparação para o Mercado de Trabalho e Obtenção de Emprego”, observamos a emergência da necessidade de obter emprego independente da conclusão de curso de nível superior e sem a indicação de expectativas de realização profissional, pois, a maior necessidade é a garantia de meios para subsidiar as necessidades atuais.

“Conseguir meu trabalho, comprar minha casa (...)” (S14 – Fem. 20 anos) “Estou estudando para isso... pra arranjar um emprego, ajudar a família em casa” (S10 Masc. 17 anos). “Fazer um curso de computação e me atualizar cada vez mais para ingressar num futuro... pensar em um futuro melhor” (S12 – Masc. 18 anos).

No campo do mercado de trabalho, por exemplo,

observamos que o jovem diversas vezes encontra-se em uma realidade que o distancia dos seus projetos, optando por trabalhar ou seguir profissões que não seriam prioritárias dentro do seu rol de escolhas, mas que possibilitam um retorno financeiro mais elevado ou mais rápido.

Além de refletir as imposições decorrentes das transformações sociais atuais, a preocupação dos jovens com a escolha de uma profissão que possibilite retorno financeiro mais rápido também contribui para que este limite o seu campo de possibilidades de atuação em virtude dos valores que a escola, a família e a sociedade empregam sobre determinadas profissões ou campos de atuação, influenciando nos seus projetos e expectativas (FILOMENO, 1997; LEMOS, 2001). Tais aspectos estão presentes no bojo de preocupações dos jovens contemporâneos que vêem tanto no trabalho como

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na educação meios de minimizar as preocupações e dificuldades relacionadas aos fatores socioeconômicos atuais e às suas expectativas em relação ao futuro.

Desta forma, com o foco na aquisição de competências consideradas favoráveis ao ingresso no trabalho formal, a realização profissional parecer ser um elemento pouco considerado quando se trata das expectativas dos jovens em relação ao trabalho. A categoria “Retorno financeiro com realização profissional” foi constituída por apenas três jovens (14.2%) que indicaram ter expectativas de obter um trabalho no qual se realizassem.

“...com relação ao meu trabalho eu quero fazer um trabalho puro, um trabalho sincero, simples, sem grandes enfeites (...) e poder exercer o que eu pretendo, que é ajudar, de cumprir e de esclarecer, acho que esse é o principal”. (S21 – Fem. 20 anos)

“(...) Ter uma boa formação agora (...) atuar bem na área que vou escolher (...) poder me realizar (...) me preocupa também a questão financeira (...) Minhas expectativas são essas: ter um bom trabalho e um bom salário (...) que seja um trabalho que me dê satisfação”. (S9 – Fem. 20 anos) “Quero ser feliz com o que quero fizer. (...) começar a trabalhar e estar feliz com aquilo que eu estou fazendo. Não ser obrigado” (S8 – Fem. 17 anos). O crescente desemprego que, a partir dos anos de 1980,

desestabilizou os setores mais dinâmicos da sociedade e elevou os níveis de subemprego contribuiu para a queda nos padrões de vida da classe trabalhadora (MADEIRA E RODRIGUES, 1998). Paulatinamente, as preocupações com o desemprego, antes predominantes nas camadas mais baixas da sociedade, passaram a afetar também os jovens das camadas sociais médias e alta da população brasileira, acarretando significativas mudanças na construção de seus projetos de vida. Neste sentido, as preocupações com a garantia de um

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lugar no mundo do trabalho, de fato, minimizam a importância da satisfação no exercício laboral.

A crença de que o capital cultural70

das famílias de classe média possibilitaria um ingresso de seus membros no mercado de trabalho, favorecendo dessa forma a uma estabilidade financeira, não encontra solidez no atual contexto social. O alto nível de desemprego diminui a importância do capital cultural impulsionando os indivíduos a optarem por outras estratégias de ingresso no mercado de trabalho (BOCK, 2000) e busca de meios mais garantidos de estabilidade financeira. Grande parte dos jovens, por exemplo, ocupam-se em aprimorar a sua formação educacional e profissional por terem esta alternativa como sendo a mais segura e garantidora de retorno e via de acesso ao trabalho, entretanto, este caminho, assim como nenhum outro, é condutor de garantias no futuro. Considerações Finais

A discussão acerca das questões emergentes em termos das preocupações e expectativas da juventude teve como interesse promover uma reflexão sobre as principais dificuldades e preocupações de jovens na cidade de João Pessoa, situando-as em um cenário mais amplo e possibilitando, portanto, identificarmos os impactos das mudanças sociais nos projetos de vida dos jovens.

A compreensão dos jovens entrevistados acerca do que significa “ser jovem” revela tanto concepções pautadas em princípios mais tradicionais que enquadram o ser jovem como sendo aquele que se encontra em um momento de maior liberdade alcançada com a saída da infância e da recente adolescência e ampliação das possibilidades de descobertas; assim como concepções que, imbuídas das incertezas da contemporaneidade, refletem as necessidades emergentes na

70 Capital cultural: cadeia de relações pessoais que a família mantém de forma a proporcionar um ingresso mais fácil de seus membros no mercado de trabalho. Esta cadeia de relações é também oriunda do capital financeiro das famílias (BOCK, 2000).

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sociedade e as pressões e preocupações vividas pelo jovem deste início de século.

Nos seus estudos clássicos sobre juventude, Mannheim (1968) anunciara ser nesta fase que muitas experiências são vividas pela primeira vez. Para ele, a infância é caracterizada por experiências, valores e atitudes pertencentes a esfera familiar, e por ela regulada. Somente na adolescência e juventude ocorrem os primeiros contatos, de modo mais autônomo, com a vida pública, com hábitos e valores diferentes daqueles até então conhecidos. Deste modo, seria na juventude o primeiro momento em que as experiências sociais são vividas de forma consciente e pessoal. O contato com novas experiências, ou pelo menos de modo diferenciado de momentos anteriores, é bastante ressaltado pelos jovens ao compreenderem a juventude como um período de maior liberdade, o qual possibilita descobertas e novas experiências.

Por outro lado, associada à liberdade tão exaltada neste período da vida, notamos a responsabilidade que estes afirmam ter que assumir ao fazer escolhas considerando que estas irão interferir no seu futuro. A responsabilidade presente no discurso dos jovens remete às questões ligadas aos estudos, trabalho e escolha profissional, estes considerados por eles como sendo fundamentais para garantir estabilidade financeira e melhoria das condições sociais. O trabalho e a profissão futura são apresentados pelos jovens como conseqüência do investimento pessoal em uma formação superior coerente com as demandas sociais atuais. Vale salientar que, apesar das expectativas e preocupações dos jovens serem conseqüências de um amplo ciclo de mudanças sociais que perpassou grande parte do século XX e adentrou o século XXI, o que observamos é que a busca por alternativas para enfrentamento das incertezas sociais tem sido balizada por uma trajetória cada vez mais individualizada, alicerçada na expectativa de ser a formação de nível superior, seqüenciada por cursos de pós graduação, o percurso mais seguro para a obtenção da autonomia e estabilidade social e financeira através da possibilidade de ingresso no mercado de trabalho formal.

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Não é de hoje que os jovens têm na educação superior um meio de ascensão social. Aliás, na década de 1960 este foi o elemento catalisador de inúmeras manifestações estudantis organizadas maciçamente por jovens da classe média (FORACCHI, 1972, 1977; VENTURA, 1988; DIRCEU e PALMEIRA, 1998; BRANDÃO, 2004). Contudo, o que observamos aqui não é apenas a preocupação do jovem em ter uma formação de nível superior, mas a preocupação em obter níveis mais elevados de titulação através dos cursos de pós- graduação. Verificamos isso, inclusive, no discurso de alguns que ainda não definiram o curso superior no qual se graduará, mas já anunciam a intenção e necessidade de cursar especialização, mestrado e doutorado.

A preocupação em ser especializado profissionalmente indica a insegurança em que o jovem atual se encontra em relação a possibilidade de autonomia financeira no futuro. Este é um problema que eles vivem desde já e tentam se antecipar como forma de viabilizar meios mais garantidos de sobrevivência, considerando os riscos sociais e mudanças que ameaçam a satisfação de necessidades básicas e de realização pessoal como casar, ter filhos e comprar uma casa. Sem nenhum demérito as oportunidades decorrentes de uma formação especializada - aliás, inúmeros estudos evidenciam que quanto maior o grau de capacitação maiores as oportunidades de trabalho, ainda que este não seja uma garantia para todos – o que merece atenção, neste caso, é a responsabilidade que sobrecai aos jovens e se reverte em pressão, tanto por parte da sociedade como da família e, consequentemente, deles próprios, para obtenção de sucesso, em muitos casos desconsiderando os problemas sociais que dificultam a oportunidade de estudo, o acesso a educação de qualidade e aos conhecimentos e desenvolvimento de habilidades necessários para a ocupação de espaços no mundo do trabalho, dificultando, portanto, o ingresso no mercado de trabalho forma, o sucesso profissional e a ascensão social tão desejada por estes jovens. Seria a não conquista de inclusão no

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mundo trabalho formal considerada por estes um problema social ou um fracasso pessoal?

Mais uma vez, ressaltamos que as observações realizadas partiram do questionamento sobre as dificuldades atuais do jovem. Entretanto, o que obtivemos não indica apenas problemas ou dificuldades no atual momento destes, mas, pré-ocupações, preocupações com o futuro. É o contexto social atual quem anuncia as preocupações nas quais eles devem se deter e estes assumem o presente prioritariamente direcionado para as realizações futuras. O foco dos jovens nas questões profissionais futuras é motivo de tensão e, em alguns casos, de conflitos familiares, já que a família também o pressiona para que ele invista no seu futuro através de cobranças em relação ao vestibular e ingresso no mercado de trabalho.

Apesar das tensões decorrentes da necessidade de segurança e de garantias no futuro, observamos que estas preocupações contribuem para o esforço e busca de obtenção de uma formação profissional coerente e competente para atender as demandas da sociedade. Porém, nas falas dos destes jovens poucos anunciam a intenção de obter realização profissional, a qual parece ser encoberta por preocupações outras consideradas mais emergenciais. Referências Bibliográficas: ABRAMO, Helena Wendel. Cenas Juvenis: punks e darks no espetáculo urbano. São Paulo: Scritta/ Página Aberta, 1994. ABRAMO, Helena W. e BRANCO, Pedro Paulo M. (Org). Retratos da Juventude brasileira: análises de uma pesquisa nacional. São Paulo: Instituto Cidadania e Fundação Perseu Abramo, 2005. ABRAMO, Helena W; FREITAS, Maria Virgínia e SPOSITO, Marília P. (Org.) Juventude em Debate. São Paulo: Cortez, 2000. ABREU, Alzira. “Quando eles eram jovens revolucionários”, in Hermano Vianna (Org.), Galeras Cariocas. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997. ALVIM, Rosilene & PAIM, Eugênia. “Os Jovens Suburbanos e a mídia: conceitos e preconceitos”, in Rosilene Alvim e Patrícia

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O DEBATE SOBRE EDUCAÇÃO E JUVENTUDE DURANTE OS TRABALHOS PARA A ELABORAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 198871

Otávio Luiz Machado Introdução

Considerando a possibilidade de incentivar mais estudos sobre os mecanismos de funcionamento do Estado em sua relação com as políticas sociais, o principal foco de análise foi o tema da Educação na Constituinte de 1988, sob a perspectiva do sociólogo Florestan Fernandes, importante intelectual que militou em Defesa da Escola Pública com qualidade.

Cremos que, após cerca de vinte anos do início daqueles debates, quando o tema da educação esteve muito presente e resultou em algumas conquistas que herdamos, a apresentação do texto num livro sobre juventude seria justificado, considerando a importância da compreensão histórica que certos fenômenos sociais que provocaram mudanças sociais significativas nos trazem.

Assim, analisaremos um pouco da trajetória da Lei de Educação com a participação de Florestan, até o embate final e sua perda para o Projeto Darcy Ribeiro, tratando as adversidades, a conjuntura e os problemas enfrentados, inclusive com as próprias dificuldades do PT (Partido dos Trabalhadores) em articular melhor suas idéias educacionais, em forma de Projeto, e em sua atuação no interior do Parlamento.

A análise do que aconteceu nos trabalhos da Comissão de Educação, pela perspectiva de Florestan Fernandes, fornece uma visão histórica de um momento que parecia de ruptura,

71 O texto recuperou algumas conclusões da pesquisa “A Educação na Assembléia Nacional Constituinte sob a Ótica de Florestan Fernandes: um Estudo da participação popular nos quadros da democracia da Nova República”

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transformação e superação da realidade existente, o que sempre acontece em momentos cruciais, como os de transição política, econômica ou cultural de um país.

O Parlamento tem criado uma esperança, e também criado decepções ao longo da História, ou melhor, uma decepção coletiva, quando se mostra pouco interessado nas questões dos “de baixo”, ao assumir inescrupulosamente seu papel de advogado das elites. E o momento de transição instaurado pela Nova República foi prolongado, porque teoricamente terminaria com a posse do Presidente eleito democraticamente e empossado em 1990, que foi o Governo Collor, cuja permanência durou apenas dois anos, sendo assegurada depois com a posse de Fernando Henrique Cardoso. Florestan pensa que isto ocorre porque

Na verdade, a „Nova‟ República paga pelo pecado original. Filha da ditadura e sua herdeira fiel, ela está presa à „transição lenta, gradual e segura‟ e não pode nem denunciar as origens da crise econômica e tão pouco evadir-se da maldição da dívida e da subordinação ao imperialismo, por mais que se diga o contrário (Fernandes, 1989c, p. 68).

É sabido que o lugar da educação no pensamento

sociológico de Florestan, na década de 1960, estava próximo da “proposta manheiminiana da sociedade planejada, na qual a educação e a ciência teriam, através de seus agentes (os cientistas, intelectuais e educadores), um papel preponderante na promoção do desenvolvimento”. (Freitag, 1986, 169).

Por isso, resolvi resgatar a condição da Educação na criação de sua legislação, de suas diretrizes e bases, do norte que é dado pelo poder que deveria, realmente, respeitar a necessidade, a vontade de seus atores. A importância de se estudar Florestan neste contexto é que ele pensava a educação na dimensão da sociedade, e a situava em uma órbita sócio-histórica, como via de democratização da sociedade e na sua transformação.

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A derrota do Projeto de Florestan, construído democraticamente e com a participação das entidades educacionais e estudantis, para um outro sem passado e sem respaldo pelas entidades, faz crer que a história se fechou aos anseios populares, e que os representantes de esquerda não souberam, também, trabalhar no limite exigido pelo processo, porque muitas barreiras surgiram dentro do próprio âmbito destes representantes. A centralização do estudo no aspecto político que está envolvido confere uma posição de destaque à percepção da sociedade a partir do poder, centro decisório e agregador de diversos problemas e concepções.

O início dos anos 1980, no campo político, é marcado pela abertura do regime militar, através da liberdade para a composição dos partidos políticos, anistia a presos políticos e a presença muito forte da campanha pela volta de eleições diretas para Presidente da República.

Uma aliança de conservadores, com o apoio dos progressistas, monta a “Aliança Democrática” e concorre no Colégio Eleitoral ao cargo de Presidente da República. Mesmo sendo de forma indireta (no ano de 1984 foi rejeitada a Emenda Dante de Oliveira que restabelecia a eleição direta para Presidente), a maioria política considerava um avanço, única condição que se tinha para tirar o Brasil do marasmo político e para se tomar o rumo democrático definitivo.

Ganha Tancredo Neves, que adoece e morre logo em seguida, assumindo seu Vice José Sarney, um político ligado aos militares e aos círculos conservadores. Sua função principal é coordenar a transição lenta, gradual e segura do poder militar ao dos civis e a um regime democrático.

A crise assolava o país, com a deterioração dos salários, inflação alarmante, fazendo oscilar os preços e os juros. Para a contenção desta crise, no dia 28 de fevereiro de 1986 é instituído o Plano Cruzado, com um critério e uma justificativa econômicos, mas a farsa escondia o interesse político, pois visava as eleições do mesmo ano. A comprovação disto é que cinco dias após as eleições o Plano Cruzado acaba, e os governistas conseguem uma assombrosa vitória nas urnas.

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Consolida-se mais ainda a supremacia do PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro).

O monitoramento por parte do Governo Sarney nos trabalhos da Constituinte e no interesse dos velhos aliados conservadores é parte de toda uma ideologia gerada pela Nova República em criar um certo “jogo democrático”, pois a propaganda governamental foi grande ao dar ao cidadão um ar de cidadania, inclusive com os chamados “fiscais do Sarney”, quando donas de casas e aposentados iam para os supermercados “fiscalizar” a atuação dos especuladores, dos sonegadores que não cumpriam o tabelamento dos preços proposto pelo Governo e o congelamento dos preços de outros produtos.

Enfim, a transição deste período foi programada para iniciar com o Governo eleito no Colégio Eleitoral, a criação e a efetivação dos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, as eleições diretas para Presidente da República em 1989 e terminar com a nomeação do Presidente no ano de 1990, que conduziria o país à normalidade do regime democrático, defendendo e aplicando a Constituição. O projeto educacional de Florestan Fernandes (e do PT), o Fórum em Defesa da Escola Pública e sua Inserção na Constituinte

O projeto de educação defendido na Câmara dos Deputados na Constituinte pelo PT contempla diversos itens. Dentre eles:

O ensino público, gratuito e obrigatório, estipulando que o “ensino é dever do Poder Público, devendo ser prestado de forma gratuita em todos os níveis”. Fixa o limite desse ensino entre os seis e os dezesseis anos, incluindo na gratuidade o material escolar e a alimentação básica indispensáveis e estendendo a contribuição do Poder Público à manutenção de creches e de escolas maternais para menores de seis anos. Por outro lado, opõe-se à transferência de recursos públicos para as escolas privadas,

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limitando-se a manutenção de provimentos concedidos atualmente a fundações e associações sem fins lucrativos até dez anos após a promulgação da Carta Magna (Discurso de Florestan proferido na Sessão da Assembléia Nacional Constituinte em 15-08-1987).

O projeto defendido pelo PT tem interlocução com o movimento surgido no final dos anos 80, o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, e às vezes se confunde como seu exclusivamente por ter a participação de setores petistas na sua elaboração, como o próprio Florestan na Campanha em Defesa da Educação pública (década de 50-60). O Fórum e a Campanha possuem convergências, já que “em ambas estavam presentes os ideais de democratização das oportunidades educacionais, a liberdade e a gratuidade do ensino público, a descentralização do poder” (Fernandes, 1989c, p. 107).

Florestan percebia que o Fórum deveria agir com uma estratégia agressiva para continuar a sua luta após 1990, ganhando posições e corrigindo falhas para de alguma forma avançar no Projeto de LDB. O Fórum era composto de 15 entidades nacionais, representativas de diversos setores da sociedade (ANDE, ANDES, ANPAE, ANPED, CEDES, FENOE, UBES, SEAF, CGT, CPB, CUT, OAB, UNE e FASUBRA), e apresentou uma proposta à Constituinte intitulada “Proposta Educacional para a Constituição”, transformada em Emenda Popular.

Quanto às causas defendidas, colocou nas sessões a realidade fora do parlamento, alertando para a feitura de uma Constituição que superasse todos os exemplos dados ali, como a crise permanente da UnB (Sessão de 16-3-87); apoio à luta dos professores, a amargura e a humilhação desta luta na melhoria das condições de trabalho e salário (Sessão de 22-4-87); Urutus, soldados armados atacando cidadãos indefesos em Belo Horizonte, e a hipocrisia do Governo em falar de democracia (Sessão de 14-5-87); agressão aos trabalhadores na cidade de São Paulo (Sessão de 21-5-87); protesto contra o governo, através da parlamentar carioca Benedita da Silva que falou que “A maior violência é a permanência de Sarney na Presidência” (Sessão de 26-6-87); Homenagem à SBPC na

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defesa da Educação e da Ciência do Brasil (Sessão de 17-7-87); Autonomia dos Poderes, contra a interferência do Governo Sarney na Constituinte (Sessão de 24-8-87); ocupação militar da USP (Sessão de 16-9-87); os aposentados (Sessão de 28-9-87).

Às 15 horas e 54 minutos do dia 5 de outubro de 1988, o Deputado Ulysses Guimarães declarou promulgada a nova Constituição. Eis algumas opiniões de alguns constituintes: “A nova Constituição representa a vontade da maioria e deve ser respeitada” (Fernando Henrique Cardoso); “Apesar de tudo, o povo venceu no essencial” (Roberto Freire, líder do PCB

72); “...

ainda não será desta vez que a sociedade brasileira, a maioria dos marginalizados, vai ter uma Constituição em seu benefício através da democratização das relações do capital” (Lula, sobre o voto contrário do PT à aprovação do texto constitucional).

A Constituição de 1988, como nos diz Sales Pinheiro (1991, p. 288), foi composta de “mistura”, contendo avanços e retrocessos, “retrata o lado retrógrado da sociedade e o seu lado mais moderno”, no qual “as leis aprovadas resultaram de um jogo de forças políticas presentes no interior da Constituinte e das pressões exercidas pela sociedade” (Sales Pinheiro, 1991, p. 14). O 1º projeto de LDB apresentado, o original da Câmara dos Deputados: o caminho do projeto de Educação no período pós-constituinte

O primeiro projeto que resultou do debate constitucional foi apresentado à Câmara Federal pelo Deputado Federal Octávio Elísio em dezembro de 1988, ou seja, logo depois da promulgação da Constituição, fixando as diretrizes e bases da educação nacional.

O projeto considerou as propostas da XI Reunião Anual da ANPEd (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação), realizada de 25 a 29-04-88, em Porto Alegre

72 Partido Comunista Brasileiro.

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(RS), seguido de mais alguns artigos. Neste Projeto de LDB “A Educação é direito de todos e será promovida e incentivada por todos os meios legítimos disponíveis na sociedade” (Saviani, 1997, p. 43).

O projeto original é contemplado com a 1ª emenda no dia 15 de dezembro de 1988, de autoria do próprio Octávio Elísio, que posteriormente encaminha mais duas. O Projeto é aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Redação em 29 de junho de 1989.

Em março de 1989, o Presidente da Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara, Deputado Ubiratan Aguiar, constitui um grupo de trabalho da LDB sob a coordenação de Florestan Fernandes, tendo sido indicado relator o Deputado Jorge Hage. (Saviani, 1997, p. 57).

De outubro de 1992 a dezembro de 1994, foi o período em que este projeto teve apoio do Governo Itamar Franco, na figura de seu Ministro da Educação, Murilo Hingel. Saviani, pesquisador do tema, considera os seguintes aspectos como positivos do “substitutivo Jorge Hage” ao Projeto de LDB: a) a abrangência da lei; b) a tentativa de se configurar um sistema nacional de educação; c) a regulamentação da pré-escola (educação infantil); d) algum avanço no ensino médio; e) a redução da jornada de trabalho ao estudante-trabalhador; f) acompanhar melhor as aulas no ensino noturno; g) a instituição do salário-creche; h) a delimitação do que pode e do que não pode ser considerado como despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino; Os aspectos que Saviani considerou que deveriam ser revistos eram: a) O conceito de Sistema Nacional de Educação; b) O Conselho Nacional de Educação (no tocante à representação por entidades ou por níveis ou tipos de instituições de ensino, que acaba conferindo ao órgão uma composição de caráter corporativo);

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c) O Fórum Nacional de Educação – um dos pontos seria a dificuldade de sua instalação por não estarem consignados recursos ao seu funcionamento; d) O Conselho Nacional de Formação Profissional; e) A questão da organização da Cultura Superior; f) Credenciamento e avaliação da educação superior; g) Educação à distância; h) Carreira do professor; i) Recursos para escolas particulares.

A trajetória final do Projeto da Câmara foi o seguinte:

Aprovado na Comissão de Educação em 28-06-90, o substitutivo Jorge Hage ainda teria pela frente um longo percurso na Câmara dos Deputados, passando pela Comissão de Finanças no 2º semestre de 1990, indo ao Plenário no 1º semestre de 1991 e retornando às comissões onde ficaria até o 1º semestre de 1993 quando logrou aprovação final na sessão plenária da Câmara de 13-05-93 (Saviani, 1997, p. 127). Com esta aprovação, o Projeto da Câmara (Lei nº 1.158-

B, de 1988), entra no Senado sob a relatoria de Cid Sabóia de Sampaio, também relator do Projeto Darcy Ribeiro.

As inseguranças eram muitas, pois não se sabia quais os critérios que seriam utilizados a partir dai, para a manutenção de pelo menos a essência do mesmo. O relator do Senado continuou a promover as audiências públicas e a obter a contribuição das entidades, que resultou um novo substituto que preservava a estrutura do projeto aprovado na Câmara, tendo incorporado aspectos aceitáveis do PLS (Projeto de Lei do Senado) n.º 67 de 1992, de autoria de Darcy Ribeiro.

A partir de 1995, com o Governo Fernando Henrique Cardoso, por meio de seu Ministro da Educação Paulo Renato de Souza, o projeto Darcy Ribeiro conta com precioso apoio, pois muitos que estão no primeiro escalão deste Ministério participaram da assessoria ao seu projeto.

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O projeto de LDB apresentado ao Senado Em 1992, deu entrada na Comissão de Educação do

Senado um projeto de LDB de autoria do Senador Darcy Ribeiro, e assinado pelos Senadores Maurício Correa e Marco Maciel, e indicado como relator o Senador Fernando Henrique Cardoso. A votação do substituto Darcy Ribeiro e sua aprovação deu-se na reunião da Comissão de Educação do dia 02/02/1993, no Senado Federal, com a presidência da referida Comissão com o Senador Lourenberg Nunes Rocha, e relatoria do Senador Cid Sabóia.

A sessão é aberta e registra o exame do Projeto de Lei do Senado n.º 67/92, que fixa as diretrizes e bases da educação nacional, com a discussão do relatório e do parecer do Senador João Calmon, tecendo considerações sobre o Projeto da Câmara e elogios ao Senador Darcy Ribeiro.

A tese central de Calmon foi a de que, “quando esse trabalho se iniciou na Câmara dos Deputados, ainda não havia ocorrido no mundo uma das revoluções mais importantes da história da humanidade, a derrocada do comunismo na antiga União Soviética”

73, ou seja, as transformações ocorridas

naquele momento deviam mudar o rumo do conteúdo da LDB ora apresentada. Diz mesmo que a Constituição “foi elaborada em outro clima, antes da ocorrência da revolução que acarretou a derrocada do comunismo”

74, e tece modificações a

serem feitas, como na aposentadoria dos professores, precocemente segundo ele.

Em seguida fala o autor do Projeto, Senador Darcy Ribeiro, reafirmando sua proposta, e agradecendo os elogiosos comentários de Calmon sobre ele, a quem o chama de “meu queridíssimo Senador da Educação”, e complementa: “eu adoro que v. exª. me elogia, assim, tão astronomicamente, chamando-me de estrela, de astro, eu gosto muito”

75.

73 SENADO FEDERAL. Subsecretaria de taquigrafia. CC-3 02-02-93. 74 Idem. 75 Idem, CC-05.

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Em maio de 1993 chegou ao Senado o PL N. 1.258/88, sob o número 101/93, sob a relatoria do Senador Cid Sabóia de Sampaio, que deu o parecer de número 250/94, em forma de substitutivo.

Os trabalhos do Senado são retomados nos moldes dos ocorridos na Câmara, com a realização de audiências públicas, e respeitando as conquistas na forma do conteúdo do Projeto da Câmara. Em novembro de 1994, o Senado, via a sua Comissão de Educação, dá seu primeiro parecer (o de N. 250/94), que é aprovado, e foi incluído na Ordem do Dia de 30 de janeiro de 1995, último dia de trabalho da legislatura, e, portanto, com possível falta de quorum.

Em documento da Liderança do PT no Senado, “„Artifícios‟ políticos foram criados para designação de nova relatoria, sendo o Senador Darcy Ribeiro designado o novo relator”, que apresentou 4 versões de Parecer.

Nos primeiros, o Parecer principal era sobre o PLC N. 45/91, absorvendo toda matéria do PLC N. 101/93, o que gerou uma grande dificuldade para se acompanhar e participar do processo, uma vez que o PLC 45/91 não tinha a pretensão de estabelecer diretrizes e bases para a educação nacional. [...] A Comissão de Educação já havia se pronunciado sobre o mérito, a de Justiça, regimentalmente, não deveria falar sobre este aspecto, entretanto, o fez, e o plenário acatou (idem),

aprovando o Parecer do Senador Darcy Ribeiro em 04-05-95. Indo a plenário recebeu um número significativo de emendas de plenário, em face do que a matéria teve de retornar às Comissões (CCJ e Educação), para novo exame, discussão e votação, onde recebeu dois novos pareceres de mérito por parte do Relator, Senador Darcy Ribeiro. Após a aprovação nas referidas Comissões destes últimos pareceres, o item voltou a plenário, sendo votado no dia 25.10.96 (idem).

O embate entre Florestan e Darcy é só uma parte do quadro de discussão iniciada no Congresso e levada à sociedade civil. As interferências do Governo Federal no processo de

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tramitação da LDB são evidentes, pois é de seu interesse contemplar leis que vão de encontro a seu Projeto Político, não importando o que de avanço estas leis representam. Abaixo, mostramos alguns pontos que contrastam os dois Projetos, e depois os pontos que achamos mais negativos do Projeto Darcy Ribeiro. Foram alguns pontos negativos no Projeto Darcy Ribeiro: 1) Desconsideração do debate de 6 anos entre a sociedade civil, parlamentares e partidos políticos diversos, que resultou no “Projeto da Câmara”; 2) Restrição ao direito universal de acesso à educação pública e gratuita, ao reduzir o dever do Estado para com a Educação, e abrangendo a obrigatoriedade e a gratuidade ao ensino fundamental, dos 7 aos 14 anos (enquanto que o de Florestan previa o ensino fundamental dos 7 aos 16 anos); 3) Feriu a gestão democrática do ensino, ao delegar poderes ao Governo Federal de legislar sobre o ensino por meio de medidas provisórias; 4) Restrição do conceito de “profissionais da Educação” somente aos professores, excluindo os demais trabalhadores do setor, constituindo assim um ataque ao direito conquistado com grande mobilização, e acesso aos movimentos sociais.

No caso da LDB da Câmara, no seu período de tramitação, o projeto veio a sofrer ameaças por parte de algumas iniciativas no Senado em “desviar” a discussão, perdendo muito do que já se havia conquistado. As discussões em torno da Educação não cessaram no período de tramitação no Congresso, principalmente, com questionamentos a respeito do Ensino Público. A questão é colocada de forma uniforme neste período: a imprensa, vozes no Parlamento e na sociedade civil, atraídos pela onda e pela ideologia neoliberal falam uma só língua. Considerações Finais

Tais debates iniciais da Comissão de Educação da Câmara marcaram um momento de intenso debate no movimento estudantil, na participação dos jovens na construção de um projeto educacional e na perspectiva de

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mudança da realidade provocada pela Constituição de 1988, o que não foi possível no momento seguinte quando o projeto entrou no Senado. A perda da influência intelectual e ideológica da esquerda brasileira foi evidente durante o período constituinte, com novas tendências de centro com um discurso mais democratizante e moderno, por exemplo, nas alas progressistas do PMDB e do PSDB. A queda brutal e a conseqüente “crise de identidade” da esquerda ocorreu, indubitavelmente, após a queda do Muro de Berlim e do Socialismo Real.

A esquerda teve sérias necessidades de fazer mudanças institucionais, de atuar no processo político por meio da negociação. A dificuldade de interferir no novo contexto criou sérios problemas por não haver um projeto objetivo, já que não achava lugar na pauta de mudanças do país. A sua inserção se deu de forma problemática, pois não se queriam arranhões. A conjuntura histórica da Constituinte poderia ser favorável ao Projeto da esquerda se ela tivesse revisto sua atuação. A crença absoluta na mudança, na não continuidade, e na relação do presente com o passado colonial e os problemas do Brasil nos faz crer que “são velhos problemas, sempre presentes e nunca definitivamente resolvidos” (idem). As dificuldades encontradas pelo Partido dos Trabalhadores na sua atuação no Parlamento para construção da LDB da Educação Nacional foram sentidos, inclusive, dentro do próprio partido, tanto em decorrência das divergências políticas internas que desfavoreciam um consenso, como da inflexibilidade em dialogar ou rever alguns pontos que de alguma forma não feriam a “essência” de suas idéias, de seu Projeto.

Conforme o trabalho de Adriana Vale dos Reis, na UnB, “[...] as indefinições sobre seu papel político na atualidade, seu duplo caráter de movimento e instituição, as imprecisões conceituais, a falta de clareza sobre seu projeto político são alguns fatores que contribuem para explicar uma certa inconsistência das propostas” (Reis, 1992, p. 62) do PT.

O Brasil tem alcançado níveis significativos de matrículas na última década. Além a universalização e da meta

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da educação como “direito de todos”, a carta da Constituição de 1988 incluiu, além dos direitos políticos e civis, os direitos sociais (Schwartzman, 2004b). Apoiando-se nesse Documento, o debate atual sobre políticas públicas de juventude e de educação insiste na inclusão da juventude como sujeito de direitos.

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