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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL – ULBRA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGEDU

LINHA DE PESQUISA: CURRÍCULO E PEDAGOGIAS CULTURAIS

ONDE CANTA O SABIÁ:

REPRESENTAÇÕES CULTURAIS E PEDAGOGIAS FRANCESAS NO DIÁRIO

DE VIAGEM DE ADÈLE TOUSSAINT-SAMSON

Mestranda: Maria Lúcia Brunelli

Orientadora: Maria Angélica Zubaran

Canoas, agosto de 2009

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MARIA LÚCIA BRUNELLI

ONDE CANTA O SABIÁ:

REPRESENTAÇÕES CULTURAIS E PEDAGOGIAS FRANCESAS NO DIÁRIO

DE VIAGEM DE ADÈLE TOUSSAINT-SAMSON

Orientadora: Dra. Maria Angélica Zubaran

Canoas, agosto de 2009

Dissertação apresentada como requisito para obtenção do grau de Mestre em Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação, na Universidade Luterana do Brasil, do Rio Grande do Sul.

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MARIA LÚCIA BRUNELLI

ONDE CANTA O SABIÁ:

REPRESENTAÇÕES CULTURAIS E PEDAGOGIAS FRANCESAS NO DIÁRIO

DE VIAGEM DE ADÈLE TOUSSAINT-SAMSON

Orientadora: Dra. Maria Angélica Zubaran

Aprovada em _____ de ______________de 2009.

Banca examinadora:

___________________________________________ Doutor Edgar Kirchof (ULBRA)

___________________________________________ Doutora Maria Lúcia Castagna Wortmann (ULBRA) ___________________________________________ Doutora Marise Basso Amaral (UFRGS)

Dissertação apresentada como requisito para obtenção do grau de Mestre em Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação, na Universidade Luterana do Brasil, do Rio Grande do Sul.

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Dedico este trabalho à minha mãe, incansável e criativa educadora, que sempre me inspirou e que tanta falta me faz.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha orientadora, profa. Dra. Maria Angélica Zubaran, exemplo de mestra, que ao longo de sua carreira tem estimulado permanentemente o aprendizado e o olhar investigativo de muitos alunos. Agradeço a ela pelos valiosos ensinamentos, os quais jamais esquecerei, assim como, pela dedicação e incentivo na construção e continuidade deste trabalho.

À minha filha Manoella, pela imposição constante da subtração em nossas horas de convívio.

Ao Carlos Augusto, companheiro de todas as horas, pela paciência.

À tia Bita, pelo carinho e apoio incondicional, amplo e irrestrito.

A todos os amigos, colegas e alunos, que nessa trajetória me

acompanharam, fazendo toda a diferença.

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Uma parte de mim é todo mundo

Outra parte é ninguém, fundo sem fundo

Uma parte de mim é multidão

Outra parte, estranheza e solidão

Uma parte de mim pesa, pondera

Outra parte delira

Uma parte de mim almoça e janta

Outra parte, se espanta

Uma parte de mim é permanente

Outra parte, se sabe de repente

Uma parte de mim é só vertigem

Outra parte, linguagem.

Traduzir uma parte na outra parte

Que é uma questão de vida e morte

Será arte?

(Ferreira Gullar, Traduzir-se)

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RESUMO

O presente trabalho analisa o diário de viagem da francesa Adèle Toussaint- Samson, Uma Parisiense no Brasil, publicado inicialmente na França e no Brasil em 1883, nos EUA em 1891 e 2001, e reeditado no Brasil em 2003. O objetivo desse trabalho é mapear as representações culturais mais recorrentes dessa viajante francesa sobre Si e sobre o Outro(a), mulheres e negros(as), nas suas narrativas de viagem. Examino seus relatos de viagem enquanto artefatos culturais e pedagógicos, que fizeram circular possíveis ensinamentos, que contribuíram na constituição de identidades culturais de brasileiros e europeus. Trata-se de uma abordagem teórica no âmbito dos Estudos Culturais em Educação. Pretendo salientar a importância das narrativas de viagem como fonte de estudo para o entendimento dos encontros culturais e a influência dos cruzamentos discursivos na formação de sujeitos híbridos nas zonas de contato. Este estudo dialoga com autores dos Estudos Culturais tais como: Henry Giroux, Maria Lúcia Wortmann, Marise Basso Amaral, Stuart Hall, Shirley Steinberg, e Tomaz Tadeu da Silva. Esse trabalho articula-se ainda, com as discussões de autores Pós-coloniais como: Ella Shohat, Mary Louise Pratt, e Robert Stam. Aproprio-me também dos estudos de historiadores culturais como Lilia Moritz Schwarcz, Luciana Martins, Maria Angélica Zubaran, Peter Burke e Sandra Pesavento. Em termos metodológicos, trata-se de uma análise cultural dos múltiplos discursos que atravessaram as narrativas de viagem de Adèle, entre eles, o discurso imperial, o discurso romântico, o discurso do racismo científico e de genêro e as suas representações culturais mais recorrentes. Entre os resultados desse trabalho salienta-se que ao longo de sua narrativa a autora revela-se um sujeito híbrido, atravessada por múltiplos discursos que constroem imagens e representações múltiplas de si e do Outro (a). Entre as possíveis lições que suas narrativas pretenderam ensinar aos brasileiros (as), destaca-se: a defesa da integridade física dos escravos e das mulheres brasileiras oprimidas por seus maridos e as lições de sociabilidade na convivência pública respeitável entre homens e mulheres nas ruas do Rio de Janeiro da época.

Palavras- chave: narrativas de viagem, representações, identidades culturais, pedagogias culturais, hibridismo.

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ABSTRACT

This thesis analyzes Adèle Toussaint-Samson´s travel journal, Uma

Parisiense no Brasil, first published in France and Brazil, in 1883; in the USA in

1891 and 2001, and launched again in Brazil in 2003. The aim of this work is to

map the most recurrent cultural representations of this French female traveler

concerning herself and the Other(s) --women and blacks in her travel writings.

Here I examine Toussaint-Samson´s travel writings while cultural and pedagogical

artifacts, which enabled the circulation of information in the construction of

Brazilian and European cultural identities. The theoretical approach is based on

the Cultural Studies in Education. I intend to highlight the importance of travel

writings as source of study for the understanding of cultural encounters and the

discursive intersections in the construction of hybrid subjects in the contact zones.

This paper establishes a dialogue with Cultural Studies theoreticians such as

Henry Giroux, Maria Lúcia Wortmann, Marise Basso Amaral, Stuart Hall, Shirley

Steinberg, and Tomaz Tadeu da Silva. It also refers to discussions from

postcolonial authors such as Mary Louise Pratt, Ella Shohat and Robert Stam. I

also make use of studies of cultural historians such as Peter Burke, Sandra

Pesavento, Luciana Martins, Lilia Moritz Schwarcz and Maria Angélica Zubaran.

As to methodological aspects, this work refers to the cultural analysis of the

multiple discourses that permeate Adèle´s travel writings like the imperial

discourse, the romantic one, the scientific racist one, the gender one and their

most recurrent cultural representations. It is possible to observe along the

narrative the female author as a hybrid subject crossed by multiple discourses that

build images and multiple representations of herself and the Other(s). Among the

possible teachings found in her travel writings concerning Brazilians, one could

point out the following ones: the defense for the physical integrity of slaves and

Brazilian women oppressed by their husbands and the lessons of sociability

regarding the level of respectability in the relationships between men and women

in the streets of Rio de Janeiro of that epoch.

Key words: travel writing, representation, cultural identities, cultural pedagogies,

hybridism

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.........................................................................................................2

1 - PERCORRENDO DISTÂNCIAS.........................................................................7

1.1 Construindo um Caminho: Minha Própria Viagem.............................................7

1.2 Viajantes Estrangeiras no Brasil......................................................................11

1.3 O Gênero da Literatura de Viagem................................................................. 19

1.4 Os Franceses no Rio de Janeiro e a Chegada de Adèle.................................23

1.5 O Contexto do Rio de Janeiro..........................................................................26

1.6 Breve Biografia de Adèle Toussaint-Samson..................................................27

2 – ROTEIROS TEÓRICOS..................................................................................32

2.1 Os Estudos Culturais, o Pós-Colonial e as Pedagogias Culturais...................32

2.2 Discutindo as Contribuições da Teoria Pós-Colonial......................................38

3 – TRADUÇÕES NA ZONA DE CONTATO........................................................44

3.1 O Relato Autobiográfico ou Escrita de Si.........................................................44

3.2 Representações Culturais sobre os Outros (as)............................................. 58

3.3Pedagogias Francesas.....................................................................................78

3.4 Encerrando outra Etapa do Caminho...............................................................85

REFERÊNCIAS.....................................................................................................91

ANEXO A...............................................................................................................99

ANEXO B.............................................................................................................102

ANEXO C.............................................................................................................106

ANEXO D.............................................................................................................108

ANEXO E.............................................................................................................110

ANEXO F.............................................................................................................112

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INTRODUÇÃO

Este estudo analisará o diário de viagem da viajante francesa Adéle

Toussaint-Samson, Uma Parisiense no Brasil, produzido quando da sua volta

definitiva para a França em 1870, após uma estada de 12 anos no Rio de Janeiro.

O livro foi publicado originalmente em Paris, em 1883, e simultaneamente, no

Brasil. Pretende-se mapear as representações culturais de Adèle sobre si mesma

e sobre os Outros brasileiros (as) e apontar o papel educativo do seu relato de

viagem na constituição da sua subjetividade e identidade, assim como na

construção das identidades culturais dos Outros brasileiros (as).

O objetivo central desta pesquisa é investigar como essa viajante francesa,

a partir do contato com a diversidade cultural brasileira, transculturou o Brasil e os

brasileiros para audiências européias e como traduziu-se e hibridizou-se

culturalmente a partir do encontro com o Brasil e os brasileiros (as). Nesse

sentido, trata-se de mapear a multiplicidade de representações culturais que

atravessam as narrativas de viagem de Adèle, tanto aquelas sobre as mulheres

brasileiras e sobre os africanos e afro-descendentes, como as representações

sobre si mesma, como mulher viajante e estrangeira no Brasil. Num sentido mais

amplo, trata-se de examinar como as narrativas de viajantes estrangeiros

contribuíram para a construção das identidades de europeus e não-europeus e

como pretenderam ensinar aos brasileiros (as), valores e normas de

comportamento e conduta, como referenciais de cultura e de civilização.

Que conjunto de saberes esse artefato cultural colocou em circulação

sobre as múltiplas identidades que representou? Quais foram as representações

mais recorrentes sobre o Outro (a) brasileiro(a), mulheres e negros, nos relatos

dessa viajante estrangeira? Como o contato com a diversidade cultural brasileira

contribuiu na construção/reinvenção da própria identidade de Adèle, como mulher

e como estrangeira? Que produtividades pedagógicas podemos apontar nos seus

relatos sobre o Brasil? Que aspectos de uma possível pedagogia francesa são

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visíveis nos relatos de viagem de Adéle Toussaint-Samson? Essas são algumas

das questões que este estudo pretende examinar.

Vários autores destacaram o quanto os relatos de viagem foram

importantes na constituição de um modo de ver e de conceber a paisagem do

Brasil e os Outros brasileiros (as). Flora Süssekind, quando refere-se à prancha

do pintor francês Debret1, o pano de boca pintado para o teatro carioca, afirma:

“As pranchas do pintor-viajante não só figuram um Brasil, como ensinam a figurá-

lo, a descrevê-lo, a defini-lo” (SÜSSEKIND, 2000, p.38 ). A autora afirma que o

olhar do viajante francês ensina a ver e a organizar a paisagem brasileira para os

olhos nativos. Também Marise Basso Amaral destacou o caráter pedagógico da

literatura de viagem, quando afirmou que um relato de viagem tem importante

papel educativo na formação da visão de si e do Outro, dos entornos e dos seus

conteúdos, implicando ter sempre uma ação civilizatória a ser exercida. A autora

aponta que é preciso marcar o quanto esses relatos foram importantes na

constituição de um novo modo de ver e de conceber a paisagem, ensinando ao

colonizador a ler suas riquezas, seu potencial, suas particularidades, suas

utilidades e, muitas vezes, a sua “natural” vocação. (AMARAL, 2007, p. 248).

Este estudo dialoga com os textos de alguns autores pós-coloniais como,

Ella Shohat (2006), Mary Louise Pratt (1999), e Robert Stam (2006), com suas

análises sobre as representações do olhar imperial, assim como com as

interpretações de historiadores culturais como Lilia Moritz Schwarcz (2008),

Luciana Martins (2001), Peter Burke (2002), Maria Angélica Zubaran (2000) e

Sandra Pesavento (2005), no que se refere à interpretação dos relatos de viagem

como fontes de estudo para o entendimento dos encontros culturais. Também se

articula com os autores dos Estudos Culturais, que discutem representações,

identidades culturais e pedagogias culturais. Destacam-se entre eles, Henry

Giroux (2004), Maria Lúcia Wortmann (2007), Marise Basso Amaral (2007),

Shirley Steinberg (1997), Stuart Hall (1997, 2003) e Tomaz Tadeu da Silva (1995).

A abordagem teórica situa-se no campo dos Estudos Culturais,

particularmente, na discussão da centralidade da cultura e da linguagem na

1 Artista viajante francês que chegou ao Brasil com a Missão Francesa, em 1816, e que permaneceu no Rio de Janeiro durante 15 anos, onde tornou-se o pintor oficial da Corte Portuguesa.

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produção de significados e na constituição de subjetividades e identidades. Na

perspectiva dos Estudos Culturais, o relato de viagem de Adèle Toussaint-

Samson será analisado como um artefato cultural produtor de representações,

que inventam sentidos e que colocam em circulação, nas arenas culturais, uma

multiplicidade de significados sobre os europeus e sobre os Outros brasileiros

(as), contribuindo na constituição de suas subjetividades e identidades. De acordo

com Flora Süssekind (2000) no século XIX, era de fora, através do olhar dos

estrangeiros, que se construía a imagem do Brasil e dos brasileiros (as).

Também é central, nessa análise, o conceito de Pedagogias Culturais, aqui

entendido na perspectiva de Henry Giroux (2004) e de Shirley Steinberg (1997),

de uma forma ampla, para além dos muros da escola, incluindo outras instâncias

do cultural como pedagógicas. Nessa perspectiva ampliada das pedagogias,

serão examinados os possíveis ensinamentos ou pedagogias francesas,

presentes nas narrativas da viajante francesa Adéle Toussaint sobre o Brasil, as

formas pelas quais essa viajante francesa ao narrar o país pretendeu também

produzi-lo, criticando, na cultura, aquilo que distanciava os Outros brasileiros (as)

dos valores auto-referentes euroimperiais e valorizando os aspectos que os

aproximavam da cultura européia.

O primeiro capítulo iniciará com a apresentação de minha própria viagem,

relatando parte da minha trajetória pessoal, acadêmica e profissional e situando

meu interesse pelo tema da literatura de viagem e, particularmente, pelo diário de

Adéle Toussaint-Samson. Prossigo, analisando a questão das mulheres viajantes

estrangeiras no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro do século XIX, cujas

narrativas, segundo Miriam Moreira Leite (1997), apresentam um duplo

testemunho, por referirem-se tanto à condição das mulheres européias, como às

observações sobre as outras mulheres brasileiras. Nesse mesmo capítulo, será

discutido o gênero da literatura de viagem, que tornou-se popular no mercado

editorial europeu, em expansão no século XIX. Segundo Peter Burke (2002), esse

gênero da literatura se constituiu em documentos preciosos de tradução dos

encontros culturais, resguardando-se o cuidado de não tomá-los como pretensão

de verdade. Para contextualizar a chegada de Adèle Toussaint-Samson no Rio de

Janeiro, serão tecidas algumas considerações a respeito da vinda dos primeiros

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viajantes franceses e de sua instalação no Brasil, com destaque especial à vinda

da Missão Francesa em 1816. Será apresentada ainda, uma análise do cenário

urbano do Rio de Janeiro, a partir da transferência da corte portuguesa para lá e

das transformações ocorridas naquela cidade, bem como uma breve biografia de

Adéle Toussaint até o momento da sua chegada no Brasil.

O segundo capítulo relacionará meu objeto de estudo com as discussões

dos teóricos dos Estudos Culturais e serão analisadas as contribuições teórico-

metodológicas de alguns de seus autores, particularmente, Henry Giroux (1995),

Luís Henrique Sommer (2003), Maria Lúcia Wortmann (2002-2005-2007), Marisa

Vorraber Costa (2002-2003-2005), Marise Basso Amaral (2003-2007), Rosa Maria

Silveira (2002-2003-2005) e Tomaz Tadeu da Silva (1995-2000-2005). Destacar-

se-á a importância do conceito de Representações Culturais de Stuart Hall (2003)

para esse trabalho, assim como o conceito de Pedagogias Culturais, no sentido

empregado por Shirley Steinberg (1997), como “ferramentas” teóricas

fundamentais para o desenvolvimento do estudo.

O terceiro capítulo tratará da análise das narrativas de Viagem de Adéle

Toussaint-Samson, seu relato auto-biográfico ou escrita de si, quando essa

viajante-autora mescla episódios pitorescos e dramas típicos de uma sociedade

escravista, com reflexões sobre si mesma e sobre seus sentimentos e sensações

enquanto mulher viajante francesa no Rio de Janeiro imperial. Destacar-se-ão

também as representações culturais de Adéle sobre os Outros (as),

particularmente, os negros (as) e as mulheres brasileiras e serão analisados os

múltiplos discursos que mediaram esse olhar, entre eles, o discurso euro-imperial,

o discurso romântico, o discurso do racismo científico e as convenções de gênero

femininas da época.

Examinar-se-á ainda, o potencial pedagógico dos relatos de viagem de

Adèle, os possíveis ensinamentos ou pedagogias francesas que seu diário de

viagem fez circular no Rio de Janeiro da época. Entre esses ensinamentos,

estarão salientadas algumas possíveis lições que essa viajante francesa

pretendeu ensinar aos brasileiros (as). Em primeiro lugar, seu romantismo

revolucionário manifestou-se na defesa intransigente da integridade física dos

escravos, intervindo contra os castigos corporais de escravos no Rio de Janeiro.

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De outro lado, a conjunção dos discursos da missão civilizadora com o discurso

de gênero enquanto mulher reformadora social, manifestou-se pedagogicamente,

na defesa das mulheres brasileiras que sofriam a opressão e a desmoralização

por parte de seus maridos, levando-a a intervir contra essas atitudes, na busca da

elevação da dignidade e do status moral dessas mulheres.

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1. PERCORRENDO DISTÂNCIAS

1.1 CONSTRUINDO UM CAMINHO: MINHA PRÓPRIA VIAGEM

Minha trajetória no Programa de Mestrado em Educação esteve articulada

à busca de uma visão mais ampla da cultura, uma visão que me permitisse

entender melhor os cruzamentos e as articulações entre as diferentes

contribuições culturais das várias regiões e dos vários segmentos sociais e

culturais que formam a cultura brasileira; uma perspectiva aberta aos

questionamentos que evitasse as fórmulas prontas e as velhas certezas. Em

diferentes etapas da minha vida, tenho ocupado diversos espaços sociais e talvez

isso me autorize a pensar que possuo uma identidade híbrida e multifacetada.

Nesse momento, sou professora, aluna, artista, coreógrafa, advogada,

coordenadora, pesquisadora, mãe, companheira e irmã. Nessa caminhada por

diversos campos do saber que me formaram, disciplinaram, inspiraram e me

autorizaram a ocupar esses lugares, sigo me perguntando sobre os significados

que tenho atribuído às minhas diferentes identidades e como as venho

construindo. Nessa busca, sempre me interessei pela chamada área das ciências

humanas, que, com seus arcabouços teóricos, foi me proporcionando novas

lentes para ler o mundo e a minha própria trajetória.

Fui bailarina por muitos anos, e a dança enriqueceu intensamente a minha

existência, mantendo-se pulsante em mim e no meu cotidiano, até hoje, de

múltiplas formas. Assim, aproximei-me e me inseri na área da cultura, que é de

onde falo.

O início foi aos 10 anos de idade, quando estudava em Porto Alegre, em

um colégio religioso, cuja a congregação acreditava na arte e suas expressões

como forma complementar ao ensino tradicional. Ali aprendi a dançar e, aos

poucos, fui me aprimorando não só na técnica do movimento, como também na

organização de grupo, cenários, figurinos, tendo sido escolhida para ser

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assistente da professora. Aos poucos, orientada pela mestra, comecei a ensinar

as alunas iniciantes e a esboçar minhas primeiras experiências coreográficas.

Percebi que aos poucos, fazia descobertas e construía um método próprio de

trabalho. A partir daí, fui buscar o conhecimento de outras linguagens da dança;

me aproximei de grandes mestres, não só aqui, como em outros estados do país

e também no exterior. Minhas inquietações levaram-me a estudar dança em Nova

York e, após voltar ao Brasil, ingressei na faculdade de Direito, em parte porque

me fascinava a teoria jurídica e também porque me negava a cursar Educação

Física, única opção que restava aos interessados em estudos sobre a dança.

Naquela época, ainda não existiam cursos superiores de dança e o campo de

atuação profissional para os bailarinos era bastante restrito. Enquanto cursava

Ciências Jurídicas e Sociais, estudei idiomas, integrei diversos grupos de dança

e, com eles, viajei e fiz apresentações em vários estados do Brasil e no exterior.

Foi através da mestra e educadora artística Nilva Pinto, fundadora e diretora do

conjunto de folclore internacional “Os Gaúchos”, que me aproximei e estreitei

laços com as manifestações da cultura popular e passei a dedicar muito do meu

tempo a pesquisas sobre dança, música e saberes populares. Para compreender

melhor essas manifestações culturais, dialoguei com outras áreas do

conhecimento, como a Antropologia Cultural, a História, a Geografia, a Sociologia,

as Artes, a Filosofia e o Folclore. Transitei por cursos, oficinas, workshops,

encontros e palestras, acompanhados de pesquisas bibliográficas e de campo,

como assistente e, em seguida, passei à direção artística de muitos projetos

culturais. No final dos anos 80 e até 1990, atuei como coordenadora técnica da

Fundação Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore, na época dirigido pela doutora

em etnomusicologia, Rose Garcia, a quem devo o aprendizado em pesquisas

folclóricas. Realizamos projetos que tinham como principais objetivos a educação

e a formação de multiplicadores docentes para a rede escolar. Quando me

aventurei pelos domínios da cultura gaúcha, lancei novos olhares sobre a

tradicionalidade do povo do Rio Grande do Sul, o que causou inquietude aos

membros mais tradicionais do Movimento Tradicionalista Gaúcho, entidade

reguladora e normativa que se intitulava responsável pela salvaguarda das

tradições sul-riograndenses. Prosseguindo nessa trajetória, nos anos 90, trabalhei

na Comissão 300 Anos, junto ao IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e

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Artístico Nacional), quando foram realizadas inúmeras ações na direção da

salvaguarda, manutenção e divulgação das Missões Jesuítico-Guaranis do Rio

Grande do Sul, patrimônio cultural da Humanidade (Unesco). Aprendi sobre a

importância da preservação do patrimônio histórico e sobre a diferença entre

patrimônio material e patrimônio imaterial, entre os bens culturais tangíveis e os

intangíveis, uma nova categoria do patrimônio cultural criada para dar conta dos

saberes e fazeres populares. A seguir, fui chamada para atuar no CODEC, que

viria a ser transformado na primeira Secretaria de Estado da Cultura do Rio

Grande do Sul e lá trabalhei com o Secretário Carlos Jorge Appel em projetos

culturais especiais, onde o foco era o trabalho com comunidades. Em seguida,

participei do Centro de Formatividade em Dança, projeto elaborado por uma

comissão de estudos sobre a dança, que resultou na implantação de dois núcleos

de ensino/aprendizagem da arte. Era um projeto que assumia um “gesto

formativo”, orientado para formar com base no fazer que, enquanto fazia,

inventava o modo de fazer e confrontava o formalismo e a formalização. O Centro

de Formatividade em Dança funcionou ao longo de dois anos, aberto a crianças

da comunidade e para a qualificação profissional de bailarinos selecionados que

buscavam profissionalização e inserção no mercado de trabalho. A idéia de

propiciar as inter-relações entre aluno-professor, artista-obra de arte, arte-cultura

através da configuração de um espaço permanente aberto ao intercâmbio das

pluralidades e voltado para o estudo e a pesquisa da dança me absorveu

totalmente. Minha atuação se deu tanto no núcleo de criação do projeto, como

docente e, como diretora adjunta do Centro. O centro plantou importantes

sementes no cenário cultural, entre elas o início de cursos superiores de dança e

também de especialização nas universidades do Rio Grande do Sul. Mais tarde,

em parceria com outras três colegas do Centro de Formatividade, investi na

criação de um espaço privado de investigação, formação e criação em Dança,

onde me dediquei ao diálogo entre as danças populares e as demais linguagens

da dança, e incorporei ao trabalho, a experimentação com crianças e jovens.

Em 2003, ingressei no primeiro curso de pós-graduação/especialização em

dança na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, PUCRS, que

conclui em 2004. Minha monografia tratou das questões ligadas à identidade

cultural de um grupo que dirijo há quatorze anos e do qual estou à frente até hoje,

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sediado na cidade de Nova Prata, no interior do Rio Grande do Sul. Seus

integrantes, jovens de ambos os sexos, de idade entre 15 e 28 anos e

descendentes de italianos, decidiram ampliar seus conhecimentos sobre a

diversidade cultural de outras regiões do Brasil, principalmente, através da dança

e da música. As dificuldades foram enormes, mas, aos poucos, o interesse e a

dedicação resultaram em muitas conquistas, tanto por parte dos bailarinos, como

também dos jovens músicos, que passaram a familiarizar-se com a percussão

dos atabaques africanos e ao som da sanfona do baião nordestino. No ano

seguinte, fui convidada a lecionar no curso de Graduação Tecnológica em Dança,

recém criado na Universidade Luterana do Brasil, ULBRA, hoje transformado em

Licenciatura em Dança pelo MEC. Em seguida, ingressei como docente no curso

de especialização em Dança na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande

do Sul, PUCRS, atividades que exerço até o presente momento.

O próximo desafio, foi ingressar em um mestrado, que me permitisse

continuar investigando a temática das identidades e diversidades culturais e as

relações com as identidades regionais e nacional. O mestrado em Educação com

concentração em Estudos Culturais pareceu-me a melhor opção, pois tratava-se

de uma perspectiva interdisciplinar, com um entendimento de educação e de

cultura mais amplo, para além dos limites da escola e da sala de aula. Aos

poucos, fui questionando a idéia da cultura como algo pronto, naturalizado e

começando a pensá-la como algo construído historicamente. Comecei a

problematizar certas idéias a respeito da cultura popular e aprendi que não

existem significados prontos e acabados, mas que os significados são produzidos

na cultura, a partir das representações sempre em jogo e em permanente disputa

e movimento. Então, surgiu o dilema: qual seria o tema de pesquisa para a

dissertação? Depois de explorar muitas possibilidades, comecei a questionar-me

a respeito das primeiras interpretações produzidas sobre a cultura brasileira.

Partindo do pressuposto de que a identidade do Brasil e dos brasileiros fora

inicialmente construída de fora, pelo olhar dos viajantes estrangeiros, intrigava-me

saber como teriam ocorrido esses primeiros encontros entre europeus e

brasileiros, quais teriam sido os critérios que influenciaram suas leituras do Brasil.

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Foi assim que me interessei pela trajetória das mulheres viajantes

estrangeiras que escreveram relatos das suas viagens e das situações vividas no

encontro com a cultura brasileira. Repensar as trajetórias dessas mulheres

viajantes tinha a ver também com as minhas próprias vivências pessoais como

mulher viajante, que, através das viagens que realizou, buscou permanentemente

um melhor entendimento da sua própria cultura. Foi nas muitas viagens que

realizei, que melhor aprendi sobre mim mesma e sobre os brasileiros. Por outro

lado, os Estudos Culturais em Educação e a centralidade das análises culturais

neste campo teórico, me possibilitariam pensar os relatos dos viajantes

estrangeiros como textos culturais, que traduziam o encontro entre culturas e que

construíram as primeiras representações sobre os sujeitos brasileiros e suas

práticas culturais, além de contribuírem para a construção das identidades dos

europeus. Foi com essa perspectiva, que mergulhei no universo cultural da

viajante Adèle Toussaint-Samson, que passarei a examinar no estudo que segue.

Os teóricos dos Estudos Culturais Giroux e McLaren (1995) me auxiliaram nesse

entendimento, ao afirmarem que é através das práticas culturais, que os

indivíduos compreendem a si mesmos e ao mundo que os rodeia.

1.2 VIAJANTES ESTRANGEIRAS NO BRASIL

Com a transferência da corte portuguesa para o Brasil, especificamente

para o Rio de Janeiro, em 1808, como conseqüência da ocupação napoleônica

em Portugal, o Imperador D. João VI abriu os portos brasileiros para as nações

amigas. A partir de então, foi significativo o aumento da entrada de europeus de

outras nacionalidades no Brasil, o que contribui para diminuir o isolamento cultural

em que o país vivia até aquele momento em função do pacto colonial. Com a

abertura oficial dos portos, a colônia passou a receber não apenas produtos

europeus, mas também visitantes europeus, que se dirigiam para o Rio de

Janeiro, sede da monarquia portuguesa nos trópicos. O país passou a receber, de

forma regular, viajantes estrangeiros que aportavam em busca de informações

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científicas ou na tentativa de fazer fortuna; eram religiosos, artistas, cientistas,

professores, engenheiros, cartógrafos, representantes diplomáticos,

comerciantes, marinheiros, oficiais e turistas. De acordo com Luciana Martins, “o

Brasil que era descoberto pelos viajantes europeus além de um novo mercado,

tornava-se também um vasto laboratório para as ciências e artes européias”

(MARTINS, 2001, p.46).

Os viajantes do século XIX e as expedições científicas que realizaram

tinham como objetivo mapear a flora e a fauna brasileira, categorizar e trazer

amostras e informações do Novo Mundo. Como lembra Miriam Moreira Leite

(2000), foi o naturalista alemão Alexander von Humboldt que, ao traçar um projeto

de exploração e mapeamento do globo e dos continentes no fim de século XVII,

enumerou a necessidade de pesquisar as plantas, os animais e os minerais, sem

esquecer do estudo sobre os homens, costumes e línguas encontrados. Neste

sentido, a maioria dos viajantes do século XIX foi motivada e inspirada pelo estilo

de narrativa da obra de Humboldt neste projeto global de pesquisa. Karen Lisboa

afirma que Humboldt criou um novo estilo de descrição de viagens científicas,

elegendo os trópicos “como lugar privilegiado para comunhão da natureza com a

vida espiritual do homem” (LISBOA, 1997, p. 40). De acordo com a autora, a

viagem humboldtiana uniu dois pólos que se cristalizaram ao longo do século

XVIII, um deles sendo a missão científica apresentada na forma de relatos

baseados no pensamento enciclopedista e o outro, a viagem sentimental, na linha

que o inglês Lawrence Sterne2 introduzira na sua publicação de 1768: o fascínio

pelas belezas naturais no sentido de que elas representavam um espaço para a

digressão da alma dos autores-viajantes.

Humboldt escreve, em 1807, Ansichten der Natur (quadros da natureza),

cujo sentido era compreender e sentir a natureza na sua totalidade, transmitindo

ao leitor a sensação prazerosa de estar na natureza tropical. Além de sinalizar os

rumos da produção científica naturalista da primeira metade do século XIX, o

naturalista alemão também contribuiu para o processo da criação de imagens

sobre o Novo Mundo, apresentando inúmeras particularidades. Por isso, era

2 Lawrence Sterne, novelista inglês, em 1768 escreveu o livro Sentimental Journey trought France and Italy,

onde descreve sua viagem através de um ponto de vista sentimental.

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considerado um guia dos projetos de missões destinadas à América e

praticamente todos os naturalistas e viajantes de expedições científicas que

vieram ao Brasil, desimpedidos com a abertura dos portos aos estrangeiros,

inspiraram-se no estilo de viagem e de narrativa de Alexander Von Humboldt.

Tânia Quintaneiro (1995) aponta que os deslocamentos dos viajantes

europeus rumo aos trópicos, do qual fizeram parte cientistas, diplomatas,

negociantes, religiosos, intelectuais e mesmo pessoas comuns, significou uma

“redescoberta da América”. A autora menciona que as mulheres viajantes, embora

minoritárias, fizeram parte desse grupo de viajantes europeus que visitaram o

Brasil na primeira metade do século XIX. No entanto, a estudiosa destaca que

muitas eram as limitações enfrentadas pelas mulheres nas suas viagens

transatlânticas. Não era recomendável a uma mulher viajar sozinha e enfrentar os

perigos das viagens para terras distantes no século XIX, mas algumas européias

estiveram à frente de seu tempo e viajaram para a América do Sul. Elas

assumiram os riscos das longas viagens marítimas, das moléstias tropicais, dos

desconfortos, das estranhezas de costumes, revelando grande capacidade de

enfrentamento das dificuldades e mantendo uma permanente curiosidade e

capacidade de observação.

Miriam Moreira Leite (2000) argumenta que essas mulheres estrangeiras,

seja qual fosse sua origem ou o ambiente em que vivessem em seus países,

recusaram o papel prescrito para elas naquela época, qual seja o de conservarem-

se restritas às atividades domésticas e à criação dos filhos. De acordo com Miriam

Moreira Leite, o espaço para as mulheres nas viagens transatlânticas foi

conquistado muito lentamente, com a modernização dos transportes marítimos,

mas as viagens longas para lugares distantes conservaram-se como área

predominantemente masculina (LEITE,1997, p. 16). Segundo Leite, entre os 80

livros de viagem pesquisados no período de 1800 e 1850, apenas cinco foram

escritos por autoras femininas. Já de 1850 a 1900, entre as 92 obras examinadas,

17 eram de mulheres. Esse aumento ocorreu possivelmente devido à criação de

linhas normais de navegação a vapor, mais rápidas, seguras e baratas a partir do

declínio dos navios à vela, mais sujeitos aos naufrágios e à pirataria.

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A autora norte-americana June E. Hahner, na sua obra Women through

Women’s Eyes (1998), reflete sobre as viajantes européias e norte-americanas

que visitaram a América Latina durante o século XIX. Hahner observa que a

motivação feminina podia ou não ser comparada à masculina, em relação às

viagens. Para a autora, os viajantes masculinos deslocavam-se devido às suas

atribuições ocupacionais, aventurando-se pela América Latina como

comerciantes, cientistas, militares, homens de negócios e missionários e também

como jornalistas, diplomatas, artistas e aventureiros, enquanto as mulheres

viajavam como esposas e assistentes, acompanhando e auxiliando seus maridos

ou escrevendo diários que se tornaram base para relatos de viagem, além de

virem para “ [...] ensinar, como missionárias, para desenvolver habilidades

artísticas, recuperar-se da saúde ou males do espírito, procurar a auto-realização

ou por razões financeiras (HAHNER, 1998, p. 83), como foi o caso de Adèle, que

foi para o Rio de Janeiro, na tentativa de fazer fortuna.

De acordo com June Hahner (1998), além das dificuldades naturais

decorrentes da escolha de uma viagem rumo a lugares exóticos e de cultura

distinta da sua, a posição de subordinação das mulheres européias restringia

suas chances de escrever e publicar. Havia temas considerados impróprios para

as mulheres e, nesse sentido, elas não ganhavam o aval de editores ou do

público leitor, pois poderiam dar a impressão de estarem intrometendo-se no

universo de atividades destinadas aos homens. Essa situação foi vivida por Adèle

Toussaint e descrita por ela no prólogo do seu livro, quando, após ter retornado

para França e submetido sua obra aos editores obteve a declaração que: “ minha

obra não podia convir ao gênero de publicação da casa, mas que o estilo era

agradável. Eu era mulher, não se podia conceder-me mais; era já muita honra que

se me fazia” (SAMSON, 2003, p.48). Tal análise nos permite verificar que a

tradição de tratar a escrita feminina como marginal incluiu também a literatura de

viagem.

Os autores que discutem a literatura produzida pelas viajantes, têm

salientado a importância do olhar da mulher no entendimento do universo

feminino, tão pouco considerado até meados do Século XX. Os pesquisadores

destacam que é através desse olhar das viajantes estrangeiras que surge uma

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diversidade de mulheres latino-americanas, como lavadeiras, freiras, mulheres do

mercado, escravas das fazendas, esposas e filhas de proprietários e políticos e

vivandeiras. Segundo Hahner (1998), “estes relatos em primeira mão iluminam

questões de diferenças de gênero, vida familiar, religião , trabalho das mulheres,

educação” e auxiliam a revelar costumes, atitudes e práticas nas inter-relações

entre homens e mulheres (HAHNER, 1998, p.81)

As questões de gênero na literatura de viagem foram discutidas por Susan

Bassnett (2000), em seu texto Narrativas de Viagem e a Questão de Gênero. De

acordo com Bassnett, um dos desdobramentos da volta do feminismo no início

dos anos setenta foi a redescoberta dos relatos das mulheres viajantes. Susan

apresenta uma cuidadosa revisão bibliográfica sobre o tema e que parece

oportuna para o presente estudo. Segundo a autora, foi nessa época que a

editora feminista britânica Virago reeditou livros clássicos de viagens de mulheres,

tais como o de Isabella Bird e Mary Kingsley, enquanto um número de antologias

e estudos das viajantes da época vitoriana começaram a surgir. Apesar de

elogiarem seus esforços e realizações, os autores deram a entender que essas

mulheres viajantes eram ligeiramente excêntricas, focalizando suas histórias

incomuns, suas originalidades e suas recusas em aceitar as normas sociais da

época. De acordo com Bassnett, a impressão que fica destes volumes é que a

mulher viajante estava de alguma forma fugindo de algo, procurando escapar das

amarras da sua família ou da sociedade. Nessa perspectiva, de sublinhar as

diferenças dos relatos de viagem relacionada ao gênero, Jane Robinson publicou

uma antologia de narrativas de viagem escritas por mulheres, intitulada

Unsuitable for Ladies(1994), (Impróprio para senhoras), em que sublinhava que

elas escreviam em oposição aos seus colegas homens, focalizando as diferenças

de estilo e ênfase dos seus relatos. Também Sara Mills, no seu estudo pioneiro

sobre narrativas de viagem de mulheres e colonialismo, Discourses of Difference

(1991), (Discursos da diferença), apontou “o posicionamento menos autoritário

que as viajantes assumem em relação à voz narrativa”. Apesar de Robinson e

Mills abordarem as escritoras sob perspectivas diferentes, ambas enfatizaram a

riqueza de detalhes nos relatos de viagem de mulheres bem como uma tendência

a escrever sobre relacionamentos pessoais e contrastaram estes relatos com o

discurso mais público dos viajantes homens. Susan Bassnett aponta que há o

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perigo de essencialismo neste argumento e muito do conhecimento feminista

pioneiro sofreu de uma tendência a ver as “mulheres” como uma categoria

unitária e fazer presunções baseadas numa categorização indiferenciada. Ainda

assim, a pergunta básica permanece: os relatos escritos por mulheres diferem

daqueles escritos por homens de alguma forma específica? Essa questão tornou-

se mais complexa devido às perspectivas pós-coloniais, que suscitaram

discussões sobre o papel e a condição das viajantes brancas na época do

imperialismo. De acordo com Bassnett, num apanhado geral, pode-se chegar à

conclusão de que os textos de viagens escritos por homens tendem a uma maior

cientificidade, enquanto que muitas das narrativas das viajantes refletem um

interesse em atividades filantrópicas características dos primórdios do feminismo,

o que Mary del Priore chama de “reformadoras sociais”. Foi esse tipo de ativismo

que motivou muitas européias e americanas a denunciar a escravidão, as

condições de trabalho desumanas para mulheres e crianças e os abusos dos

direitos humanos. A denúncia contra a escravidão nos trópicos também está

presente nos relatos da viajante francesa Adèle.

Bassnett sublinha a necessidade de apontar diferenças entre os relatos

femininos em relação às posições que ocupavam nas sociedades coloniais, o que

segundo a autora, produzia variações significativas nos seus textos. No caso de

Adèle Toussaint, a diferença não estava apenas no fato de ser francesa, mas

também nos seus diferentes papéis como esposa, mãe e professora. Nesse

sentido, o trabalho de Cheryl McEwan (2000) aponta a necessidade de se

reconhecer a diversidade de relatos entre as narrativas de viagem das mulheres

viajantes. Nem todas eram de classe média, nem todas dividiam as mesmas

perspectivas ideológicas. Também Gillian Rose, no seu estudo Feminism and

Geography(1993), (Feminismo e geografia), indica que o mapeamento do espaço

das outras culturas realizado pelos viajantes masculinos tinha como intenção

circunscrever, definir e, portanto, controlar o mundo, ao passo que os relatos das

viajantes pareciam apresentar um mapeamento alternativo, que consistia em

traçar padrões de eventos cotidianos dos mais banais e triviais de forma a criar

uma ênfase no pessoal. O livro da viajante May French-Sheldon, Sultan to Sultan.

Adventures Among the Massai and Other Tribes of East Africa (1892) pode ser

um exemplo, oferecendo ao leitor fotografias, desenhos, conversas e relatos de

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incidentes envolvendo pessoas que ela encontra na sua jornada em detrimento de

uma análise científica. Também o livro de Adéle Toussaint traz oito lâminas com

fotos de mulheres e de paisagens do Rio de Janeiro, entre os anos de 1850 a

1862, período em que ela viveu e trabalhou no Rio de Janeiro, apresentando um

foco bem acentuado nos eventos cotidianos e nas questões familiares.

O que parece ser quase consenso entre as autoras estudadas por Bassnett

é o fato de as narrativas de viagem de mulheres viajantes apresentarem traços de

sua feminilidade; tanto pela atenção aos detalhes das roupas, dos relatos da vida

doméstica, quanto pela inclusão de episódios de relacionamentos interpessoais. A

autora destaca que a necessidade de as mulheres viajantes reinventarem-se na

idade do império resultava de suas reações à sua posição marginal numa

sociedade hierarquizada e de oportunidades desiguais. A procura pela auto-

expressão e a reformulação da identidade eram elementos comuns no trabalho de

muitas das viajantes discutidas e estavam firmemente enraizados na experiência

do dia-a-dia e na autoreflexidade que confirmava a identidade de gênero desses

relatos apesar de nenhuma dessas narrativas alegar status especial ou

excepcionalidade (BASSNETT, 2000).

Por outro lado, como destaca Miriam Moreira Leite (1997), os relatos das

viajantes no Brasil nos ensinaram como elas se auto-representavam e produziam

observações específicas sobre a sua condição, estado e dificuldades como

mulher, esposa, profissional e viajante, ao lado do testemunho a respeito das

outras mulheres que encontraram no Brasil. Nesse sentido, essas européias

contribuíram para a história da mulher do século XIX em forma de um duplo

testemunho: tanto através das reflexões sobre a sua condição de mulher

estrangeira vinda da Europa, como também através das observações sobre as

outras mulheres brasileiras. Por outro lado, a autora destaca que a literatura de

viagem permite uma leitura de seu conteúdo latente através do conteúdo

manifesto. A leitura do conteúdo latente emanaria das indicações sobre o autor,

do período de sua permanência no local visitado e das suas abordagens sobre o

Outro estrangeiro. Para Miriam Moreira Leite (2000), uma característica dos

relatos das mulheres viajantes é sua grande capacidade de observação,

indicando que “todas têm grande cuidado e atenção às condições da vida do dia-

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a-dia, quando comparam as situações vividas, no local de origem, com aquelas

que procuram descrever e interpretar” (LEITE, 2000 p.132).

Também Tânia Quintaneiro (1996) comenta que o olhar feminino

apresentava certas vantagens se comparado ao olhar masculino dos viajantes.

Para essa autora:

(...) as mulheres estrangeiras tinham melhores possibilidades de conhecer um pouco os desejos, frustrações e sentimentos de suas congêneres e partilhar de certo modo da vida feminina no Brasil, enquanto boa parte dos viajantes do sexo masculino era forçada a deter-se nos relatos das maneiras, vestimentas, das características físicas, comparando-as com as das moças de seu país (QUINTANEIRO, 1995, p 36).

A viajante Ina von Binzer, no seu livro de viagens sobre o Brasil3, destacou

que as mulheres viajantes, particularmente as professoras, levavam vantagem

nos relatos sobre os brasileiros, pois, diferentemente dos viajantes homens,

gozavam da liberdade de penetrarem no interior das suas casas. De acordo com

Ina:

Nós, professoras, levamos vantagem em relação aos comerciantes e outros europeus dentre os quais muito poucos se afastam das cidades marítimas e a maioria depois de 10 ou 20 anos retorna à Europa sem conhecer o resto do país e muito menos a vida real dos brasileiros, ao passo que, convivendo na intimidade deles, temos ocasião de observar de perto toda a trama. (BINZER, 1980, p.12)

As viajantes estrangeiras, especialmente quando prolongavam sua

permanência no Brasil, como aconteceu com Maria Graham4, Elizabeth Agassiz5

e também com Adéle Toussaint-Samson, tiveram oportunidades ímpares de

acesso ao interior das casas dos brasileiros (as), podendo, assim, manter

conversas privadas com as mulheres das famílias e observar hábitos e costumes

domésticos, que envolviam também os negros e negras escravos (as). Elas

conseguiram estabelecer contatos além do superficial, fornecendo, em seus

3 BINZER, Ina Von. Os meus Romanos: Alegrias e Tristezas de uma Educadora Alemã no Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1994. 4 GRAHAM, Maria. Diário de uma Viagem ao Brasil. Belo Horizonte:Editora Itatiaia/ Editora da Universidade de São Paulo, 1990. 5 AGASSIZ, Elizabeth. A Naturalist’s Wife and Educator in Brasil In Hahner, June E. Women though Women’s Eyes: Latin American women in nineteenth-century travel accounts. Wilmington, USA, 1998 .

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relatos, valiosas reflexões a respeito da vida feminina e dos afrodescendentes no

Brasil. É sobre esse gênero da literatura de viagem que passamos a tecer

algumas considerações.

1.3 O GÊNERO DA LITERATURA DE VIAGEM

De acordo com Boris Kossoy (1994), a literatura de viagem sobre a

América Latina data do século XVI, quando viajantes, colonizadores ou

catequizadores vieram ao Brasil em busca da confirmação do que imaginavam

ser o Novo Mundo. Esses relatos de cronistas dos séculos XVI e XVII revelam o

perfil de um observador curioso, surpreso diante da monumentalidade do mundo

descoberto. Enquanto esse período expressa as inquietações e utopias do

homem europeu diante do misterioso e do fantástico, o século XIX caracterizou-se

pela preocupação com o progresso científico, com a coleta de dados e a

divulgação do conhecimento sobre o Novo Mundo. Nesse século, os viajantes

estrangeiros foram além de exploradores, observadores da natureza e do Outro e

seu olhar se fez sob o prisma da ilustração e das teorias raciais então

dominantes.

De acordo com Quintaneiro (1995), entre os viajantes estrangeiros que

empreenderam viagens pela América do Sul no início do século XIX, muitos

deixaram testemunho sobre as suas experiências, dando origem a “um gênero

pitoresco e fascinante que, apoiado por um florescente mercado editorial, ajudou

a fomentar a cultura de uma classe média em expansão” (QUINTANEIRO, 1995,

p. 17). Para a autora, uma das vantagens da literatura de viagem como fonte de

pesquisa relaciona-se ao fato do viajante estrangeiro ter suas percepções

estimuladas pelo que se apresenta como novo e singular. Na qualidade de

estrangeiro, como não faz parte do grupo cultural visitado, tem condições de

perceber aspectos, incoerências e contradições da vida cotidiana que o próprio

habitante não percebe por ter uma vivência comum ao grupo. Nesse sentido, os

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viajantes estrangeiros “ [...] captaram aspectos de nossa sociedade que

passavam despercebidos para os de “dentro” (QUINTANEIRO, 1995, p. 22 ).

Conforme Quintaneiro, desenvolveu-se, a partir de então, um mercado

consumidor desse tipo de literatura que se tornou muito popular, particularmente

entre a classe média européia ávida de informações e de aventuras sobre povos

desconhecidos ou exóticos. Lilia Schwarcz comenta sobre a popularidade dos

livros de viagem no século XIX, quando os relatos de experiências pessoais sobre

“viagens pitorescas” em diferentes áreas do Novo Mundo e de colonização recente

tornaram-se grande sucesso, pois descreviam o “pitoresco, as colônias, os

nativos, a terra do leite e do mel, a fertilidade do solo e as maravilhas da natureza

e da vida selvagem” (SCHWARCZ, 2007, p. 49).

A historiadora Miriam Moreira Leite (1997), em sua obra Livros de Viagem,

alerta que o gênero da literatura de viagem apresenta-se de diversas formas:

como livros, diários, correspondência dirigida a amigos e à família, escritos com ou

sem a intenção de publicação ou, ainda, como relatórios científicos e álbuns

ilustrados. A autora observa que o gênero da literatura de viagem compõe-se de

uma constelação de autores, em que uma matriz dá origem a inúmeras outras,

algumas vezes repetindo-se as mesmas figuras de retórica, sendo bastante

comum que alguns viajantes citassem outros ou até editassem obras de outros

viajantes. Para Miriam Moreira Leite, os livros de viagem podem ser considerados

fontes primárias, porque se constituem em depoimentos a respeito de situações

testemunhadas, nos quais os viajantes preocupam-se em descrever

minuciosamente suas observações. Nesse sentido, a autora destaca que uma das

características desse gênero literário é a preocupação com a objetividade dos

fatos narrados. No relato de viagem de Adèle, encontramos explícita a

preocupação com a veracidade dos fatos, a intenção de uma escrita verídica,

exata, que se diferencia daquela realizada por viajantes anteriores, que, na sua

percepção, produziam uma escrita fantasiosa. No prólogo de seu Diário de

Viagens, ela comenta que as notas que escrevera sobre o Brasil, durante sua

longa estada no Rio de Janeiro, tinham como mérito “a mais pura veracidade”

(SAMSON, 2003, p. 43) e manifesta seu interesse em “provar que tudo o que tinha

escrito era verdade” (SAMSON, 2003, p.49). Também quando escreve sobre a

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sua viagem da França para o Rio de Janeiro e sobre a vida a bordo do clíper

Normandia, enfatiza novamente essa pretensão de veracidade ao declarar: “nunca

lhes direi nada que não tenha visto, desejando que estas notas sobre o Brasil, na

falta de outro mérito, tenham ao menos o de ser de uma inteira veracidade”

(SAMSON,2003, p.68 ).

Marise Basso Amaral comentou sobre essa pretensão de verdade do

viajante estrangeiro, que, por estar lá, por testemunhar e vivenciar outras culturas

acreditava estar dizendo o que realmente acontecia, sem levar em consideração

que seus relatos eram mediados por suas representações culturais: ”A crença na

possibilidade de uma experiência não mediada, autorizada pela vivência direta e

legítima de quem esteve lá, de quem experimentou de fato as delícias e as

mazelas da viagem e seus entornos” (AMARAL, 2007, p.254)

Assim, alguns estudiosos têm discutido as limitações desse tipo de fonte

quando interpretadas de forma positivista, como transparência do que “realmente”

aconteceu. Quintaneiro afirma que é preciso tomar cuidado com o uso da literatura

de viagem como fonte de pesquisa, uma vez que, no confronto com o diverso, o

mais provável é que o viajante estrangeiro fortaleça sua própria identidade cultural

e imponha sua visão de mundo. A falta de conhecimento da cultura alheia poderia

levar o viajante a repetir velhos estereótipos da sua própria cultura. Segundo

Quintaneiro (1995), aí se encontram os limites destes registros, já que as

percepções dos viajantes estrangeiros apresentam-se muitas vezes marcadas

pelos preconceitos da época e acabam por reproduzir velhas representações que

ainda prevaleciam na sua cultura de origem. Também Maria Angélica Zubaran

(1999) sublinhou que é preciso uma leitura cuidadosa dos relatos de viajantes

europeus, que, até pouco tempo atrás, eram interpretados na historiografia

tradicional, como “transparências empíricas da realidade”. Para a autora, mais

recentemente, as narrativas de viagem têm sido analisadas na perspectiva da

História Cultural e dos estudos Pós-Coloniais, a partir do conceito de

representação. Também Peter Burke (2000), historiador cultural, destacou que,

“desde que se aprenda a usá-los”, os relatos de viagem são documentos

preciosos de tradução dos encontros culturais, revelando ao mesmo tempo a

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percepção da distância cultural e a tentativa de tentar traduzi-la em algo mais

conhecido.

A antropóloga Ilka Boaventura Leite, em sua obra A Antropologia da

Viagem (1996), também discutiu a questão do gênero da literatura de viagem,

argumentando que esse gênero passou a ter um status diferenciado no mercado

editorial do século XIX, principalmente, no mercado europeu, pelo fato de

diferenciar-se dos ensaios históricos e da literatura ficcional, sobretudo por resultar

de vivências diretas, sem a intermediação de documentos e, por revelar,

descobertas recentes e inéditas. A autora considera que é fundamental pensar a

literatura de viagem “enquanto veículo de expressão ou manifestação de uma

cultura, enquanto tentativa de interpretar e compreender o Outro” (LEITE,1996).

Nessa perspectiva, pretende-se, neste trabalho, explorar a riqueza textual da

literatura de viagem como mais uma referência de construção da alteridade de

sujeitos europeus e coloniais, na pós-colonialidade.

1.4 OS FRANCESES NO RIO DE JANEIRO E A CHEGADA DE ADÈLE

De acordo com a antropóloga e historiadora Lilia Moritz Schwarcz (2007),

em seu estudo sobre os artistas que participaram da Missão Francesa no Rio de

Janeiro, após a transferência da Corte portuguesa para o Brasil, a França não

estava ainda incluída no rol das nações amigas e, somente depois de 1815, após

um acordo de paz, chegariam os primeiros viajantes franceses ao país. Era

comum a esses franceses, no primeiro contato com o país tropical, declararem-se

maravilhados com a natureza exuberante e privilegiada, com o clima agradável,

as riquezas do solo e com o exotismo de tudo que os rodeava, mas revelavam-se

surpresos com “a ignorância da realidade física, econômica e humana do país...”.

(SCHWARCZ, 2007, p. 46).

Lilia Schwarcz comenta sobre os relatos de um dos primeiros viajantes

franceses a publicar uma obra geral em língua francesa sobre o Brasil, Alphonse

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de Beauchamp, em 1817. Beauchamp destacava o clima aprazível e a posição

geográfica privilegiada do Brasil no caminho das Índias, que apresentava um

terreno fértil para a produção de muitas riquezas, apostando num futuro promissor

a partir da vinda da Família Real, descrevendo-a como “uma monarquia nada

precária, mas brilhante, incrustada bem no meio da América” (SCHWARCZ, 2007,

p.47). Beauchamp apostava que a transferência do governo imperial português

para o Rio de Janeiro possibilitaria, ao novo império, “as mais brilhantes

esperanças e os mais altos destinos, tornando-se poderoso e magnífico”

(SCHWARCZ, 2007, p.46).

De acordo com Karen Lisboa, foi somente com o restabelecimento da paz

no continente europeu, a partir de 1816, que as missões oficiais dos franceses

desembarcaram no Brasil. O naturalista Augustin de Saint-Hilaire aproveitou uma

estada de seis anos do duque de Luxemburgo, financiada pelo governo francês, e

integrou sua comitiva para fazer pesquisas científicas e enviar coleções ao Museu

de História Natural de Paris. Em sua obra de nove volumes, deixou narrativas e

imagens que tiveram conseqüências importantes no imaginário de europeus e

brasileiros (LISBOA,1997). O modelo europeu de sociabilidade, principalmente o

francês depois da queda de Napoleão em 1814, passou a ser implantado no

Brasil; o bom gosto e o luxo penetravam na cidade do Rio de Janeiro e os

costumes franceses, presentes na tentativa de sofisticar o Brasil, simbolizavam o

que era ser chique. Iniciou um processo de civilizar a sede da Corte trazendo a

influência européia, particularmente francesa, no modo de vestir, falar, no

mobiliário, na maneira de morar, no comportamento social, nas obras de arte e

literatura, na freqüência aos salões e saraus e até mesmo na modelação das

instituições culturais, como o Instituto Histórico e Geográfico (1838) e a Academia

Brasileira de Letras (1897). Os velhos casarões deram lugar a novos palácios e

edifícios públicos de gostos neoclássicos, demonstrando o grande impacto

francês no campo da arquitetura.

No entanto, o acontecimento que provocou o mais profundo impacto na

cultura brasileira da época foi a vinda da chamada Missão Francesa, em 1816,

trazendo um padrão estético e imprimindo o gosto cosmopolita francês, que

dominou a cultura urbana brasileira do século XIX. De acordo com Madeira e

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Veloso, esse acontecimento foi muito significativo no sentido de reafirmar a

constituição do nosso olhar pelo olhar estrangeiro. Conforme as autoras, a

França, naquela época, era considerada o país difusor da cultura ocidental,

chegando a assumir o papel de mediação entre o pensamento britânico e alemão

e os países latinos e americanos.

A França se estabeleceu também como o pólo de produção e de difusão

cultural mais importante, como parâmetro civilizatório universal. A chamada

missão francesa que veio para o Brasil era composta de artistas de profissão que

tinham como objetivo implantar as artes e os aspectos da civilização francesa no

Brasil colônia. A missão comandada por Joachim Lebreton6 chegou a bordo do

navio Calphe e era composta por artistas e artífices que se destacaram no

período napoleônico e que, depois da queda, caíram em desgraça na França.

Entre eles, estavam pintores, arquitetos, escultores e músicos e os principais

nomes eram Nicolas Taunay, Jean Baptiste Debret, Felix Taunay, Marc Ferrez,

Auguste Grandjean de Montigny e Charles Pradier. A socióloga Lúcia Lippi de

Oliveira, ao tratar sobre o tema, revela que Lebreton morreu no Rio em 1819, mas

que havia trazido consigo, da França, uma coleção de obras de arte que se tornou

o núcleo do acervo do futuro Museu Nacional de Belas Artes. Com a chegada da

missão artística francesa, foi criada a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios,

efetivada somente em 1820. Naquela época, as artes eram consideradas

indispensáveis para a civilização e instrução dos povos.

Taunay, artista famoso, deixou, ao retornar à França, em 1821, importantes

telas, que fixaram a paisagem urbana do Rio do início do século XIX. Seu filho

Félix foi o diretor da futura Academia Imperial de Belas Artes, permanecendo no

Brasil até morrer em 1886. Debret, que ficou no Brasil de 1816 a 1831, era pintor

de história e pintou retratos da família real e de seus ministros. Foi ele também

quem desenhou, em 1822, a bandeira, primeiro símbolo da nova nação. Ao

retornar à França, dedicou-se a organizar o material produzido no Brasil e

publicou os três volumes do livro Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, que

contém aproximadamente 150 imagens do Brasil oitocentista.

6 Joachim Lebreton, artista francês, organizou e liderou a Missão Francesa em 1816 e, trouxe para o Brasil,

uma coleção de obras de arte, que serviram de modelo para os estudantes da Academia Imperial e depois, foi o núcleo inicial do acervo do Museu de Belas Artes.

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Para Debret, a marcha da civilização na terra brasilis era dependente da

vinda da família real, processo que testemunhou e do qual participou como pintor

de história. Pode-se mesmo dizer que a representação que temos hoje da

sociedade brasileira do século XIX está relacionada aos desenhos, aquarelas e

pinturas produzidas por Debret e pelos demais membros da Missão Francesa.

Assim, Debret, Taunay e Montigny são vistos como os cenógrafos do

império dos Bragança nos trópicos. A arte fixou os principais momentos da

história do país, e os artistas deixaram de ser considerados simples artesãos,

passando à categoria de intelectuais, comparáveis aos poetas e literatos. Essa

experiência de transplante cultural tornou a França hegemônica culturalmente no

Brasil por mais de um século (OLIVEIRA, 2008, p.30).

Na segunda metade do século XIX, Ferdinand Denis foi um dos franceses

mais importantes, ao revelar o Brasil aos europeus e aos próprios brasileiros. Foi

ele que estabeleceu a separação entre as literaturas portuguesa e brasileira e

publicou, em francês, a Carta de Pero Vaz de Caminha, em 1821.

1.5 O CONTEXTO DO RIO DE JANEIRO

O historiador Jeffrey Needell, em sua obra Belle Époque Tropical, analisou

o processo de europeização da cultura do Rio de Janeiro no final do século XIX e

observou que, por ocasião do estabelecimento da Corte Imperial Portuguesa no

Rio de Janeiro, entre 1808 a 1821, foram realizadas várias melhorias com o

objetivo de aprimorar o estado da cidade e promover seu embelezamento para a

corte exilada. Naquela época, pavimentaram-se as ruas, instalou-se a iluminação

pública, construíram-se novos molhes, armazéns e chafarizes, além de serem

inaugurados novos bairros residenciais e ser concluído o aterro de Santana. O

sistema educacional era precaríssimo e a única instituição de ensino era a Escola

Militar, fundada em 1808. A cidade cresceu e acelerou suas transformações a

partir da metade do século, desde a coleta regular do lixo, em 1847; o início das

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obras do porto, em 1851; a instalação do primeiro telégrafo em, 1852; as

primeiras ferrovias e os primeiros lampiões de rua, em 1854; o sistema

subterrâneo de esgotos, a iluminação a gás em edifícios particulares, em 1857;

além da primeira empresa de bondes puxados por burro, em 1859, que

funcionaria definitivamente depois de 1868. Os meios de transporte coletivos,

principalmente o bonde, facilitaram o acesso das elites às áreas mais afastadas,

transformando-as em bairros residenciais. O autor observa que os viajantes

europeus representavam o Rio de Janeiro como um lugar exótico, com muitas

quintas, uma vegetação luxuriante e uma multidão de trabalhadores e vendedores

ambulantes negros. (NEEDELL, 1993).

1.6 BREVE BIOGRAFIA DE ADÈLE TOUSSAINT-SAMSON

É nesse cenário do Rio de Janeiro, de 1849-1850, que desembarcaram o

casal Adèle e Jules Toussaint com seu filho Paul, de um ano e meio de idade, o

qual era amamentado, vindos de Paris, num período conturbado da história da

França. De acordo com o prefácio de Maria Inez Turazzi, Adèle Toussaint-

Samson foi criada no meio artístico cultural parisiense do século XIX, tendo

convivido com gente de teatro, das letras, das artes. Tinha uma mentalidade

avançada diante dos costumes de uma época em que as jovens mulheres da

sociedade só liam romances e iam ao teatro com a aprovação dos pais. Habituou-

se a ouvir debates sobre as questões sociais, políticas, literárias e artísticas na

casa de seu pai, Joseph-Isidore Samson (1793-1871), ator, professor de teatro,

diretor e autor teatral muito popular e reconhecido socialmente na capital francesa

da época. Integrante da Comèdie Française, sede do Thèatre Français, a mais

antiga companhia de teatro do mundo, ainda hoje em atividade, Isidore foi ainda

criador do Palais Royal (1831) e um dos fundadores da Société des Artistes

Dramatiques, entidade de amparo aos artistas.

Adèle nasceu em 1826, em Paris, no mesmo ano em que o jornal Le Figaro

foi lançado. Casou-se aos vinte anos com Jules Toussaint, um dançarino de

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teatro, filho de franceses, nascido no Brasil entre os anos de 1815 e 1821. Com a

revolução socialista de 1848 e a epidemia de cólera que assolou a França em

1849, a vida ficou mais difícil, especialmente para os artistas, que dependiam do

público para viver. Assim, Adéle e Jules decidiram embarcar para o Brasil, na

tentativa de ganhar a vida e fazer fortuna. Sobre a partida do porto de Havre para

o Brasil, assim se manifesta Adèle em seu livro de viagem:

(...) às oito horas da manhã subíamos a bordo do Normandia. Logo cada viajante chegou com sua bagagem, que era preciso descer ao porão com a ajuda de um cabrestante. Fazia-se aguada, embarcava-se carvão, recebiam-se as provisões; era um rumor, uma confusão, um tumulto impossível. Muitos amigos ou parentes acompanhavam os viajantes até a última hora, de sorte que não se ouviam mais do que estas palavras: “Escreva-me logo que chegar”. “Dá-me teu endereço o mais depressa possível”. “Não me esqueças”! “Boa Viagem; Voltem ricos”! “Que Deus os guarde”! E durante a meia hora que precedeu a partida, foram abraços, choros, soluços, misturados aos gritos dos marinheiros, às ordens dos oficiais, ao rangido do cabrestante e ao rumor surdo da vaga batendo nos costados do navio (SAMSON,2003, p.56)

O casal chegou por volta de 1849-1850 no Rio de Janeiro, onde muitos

franceses já residiam, incentivados pela abertura dos portos aos estrangeiros,

realizada por D. João VI.

A partir de pesquisa realizada no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, em

2008, localizou-se, junto ao registro de entrada de estrangeiros no país em 1832,

o nome de José Maria Toussaint, francês e também professor de dança, o tio de

Jules, cuja permanência no Brasil estimulou a viagem do jovem casal ao Brasil,

em busca das novas oportunidades para o ensino da dança e de outros hábitos

franceses tão apreciados pela aristocracia brasileira da época. Assim se

manifestou Adéle sobre seu tio:

Tínhamos um tio na América e não da América, o que muda muito. No entanto, tendo esse valente tio feito uma boa fortuna no Brasil, tivemos a idéia de tentar, como ele, a aventura. Em dez anos, diziam-nos, deveríamos estar ricos. Dez anos de exílio, era realmente alguma coisa, mas o país era tão belo, e voltaríamos tão jovens ainda! Houve muitas hesitações da minha parte, muito choro derramado; em seguida, enfim, tomamos nossa resolução e, depois de ter abraçado parentes e amigos, subimos no vagão. Íamos ao Havre, onde deveríamos embarcar para a América do Sul (SAMSON,2003p.53)

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Na capital do Império, Jules se estabeleceu e trabalhou como professor de

dança, tendo, inclusive, em 1856, sido contratado pelo então Imperador D. Pedro

II, como mestre de dança da família imperial e de suas duas filhas, as princesas

Isabel e Leopoldina. Isso rendeu ao casal um bom incremento na renda e também

muitos convites para que eles freqüentassem os salões da Corte. Madame

Toussaint, como Adèle figurava no Almanaque Laemmert, ministrava aulas de

francês e italiano, levando uma vida difícil por enfrentar o preconceito de sair

sozinha às ruas para ensinar fora do seu domicílio, o que não era visto com bons

olhos pela sociedade local.

Por volta de 1860, Adéle teve seu segundo filho e retornou à França por

um ano. Em 1864, Jules solicitou autorização para residir na França enquanto

seus serviços não fossem necessários na Corte, o que foi concedido pelo

Imperador , bem como a continuidade do recebimento de seu ordenado por

inteiro. Adèle menciona em seu prefácio à autobiografia do pai que a família

Toussaint voltou a residir em Paris em 1870, tendo morado por 12 anos no Brasil

e feito cinco viagens à França.

Em abril de 1881, Adéle enviou a D. Pedro II e também à princesa Isabel,

no Brasil, dois exemplares do seu livro Les Chemins de La Vie, agradecendo ao

imperador a acolhida dela e do marido no país e informando seu luto pela morte

dele. Portanto, antes da publicação do seu diário de viagem sobre o Brasil, Adéle

já havia publicado um livro de poesias na França e continuaria a escrever após

essa publicação. Nesse sentido, o livro sobre o Brasil não é uma produção isolada

da autora. De volta ao seu país, Adéle passou a escrever como colaboradora para

o Le Figaro, onde lançou fragmentos de seu livro sobre o Brasil, no formato de

folhetim.

Em 1883, lançou seu livro sobre o Brasil com o título Une Parisienne au

Brésil, que foi traduzido no Brasil no mesmo ano. Em 1891, o livro foi traduzido e

publicado nos Estados Unidos. Esquecido por mais de um século, em 2001,

reapareceu nos Estados Unidos e, em 2003, foi reeditado no Brasil. Esta última

edição de seu livro no Brasil apresenta um prefácio com um esboço biográfico de

Adèle, de autoria de Maria Inez Turazzi. O livro está dividido em quatro capítulos

assim intitulados: A Vida de Bordo, Rio de Janeiro, A Fazenda e Entre as Gentes.

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Seu relato de viagem sobre o Brasil está repleto de observações sobre o

universo feminino, assim como sobre o cotidiano da vida privada no Rio de

Janeiro, o que não era comum na literatura de viagem escrita por homens

viajantes. Seu livro relata desde a partida do porto de Havre na França, até seu

retorno definitivo a Paris, após ter vivido por 12 anos no país tropical, que tantas

lembranças lhe deixou. Adéle relata a vida a bordo e descreve com muitos

detalhes a cidade do Rio de Janeiro do século XIX e também sua experiência em

uma fazenda do interior. A autora narra o cotidiano da vida na cidade, os

costumes das mulheres brasileiras, dos escravos e comenta, ainda, o dia-a-dia

em uma fazenda que visitou com sua família. No final de seu livro de viagem,

expressou as dificuldades que teve em acostumar-se de novo à vida parisiense, e

o sentimento de nostalgia que passou a sentir da exuberante natureza brasileira,

sensação tão cara aos românticos da época:

Lembrava-me daquelas léguas inteiras percorridas no Brasil, no qual a natureza sozinha encarregava-se de ser pródiga, onde o desafortunado podia colher à vontade banana, laranja e palmito, sem ser perturbado por quem quer que fosse, beber a água fresca da fonte sem que lha regateassem,dormir na floresta sem que um gendarme viesse prendê-lo! (SAMSON, 2003, p. 180).

O último parágrafo de seu livro expressa o intenso processo de

transculturação vivido por essa viajante francesa no Rio de Janeiro, a ponto de

declarar que, antes de morrer, desejaria voltar ao Brasil:

(...) quando se viveu em um país banhado de sol, não se pode mais viver em outra parte, e de que, quando a alma impregnou-se fortemente da presença das grandes obras de Deus, não se pode mais compreender a vida fatídica de nossas cidades. É isso que faz que eu sempre tenha saudade, como dizem os brasileiros, da América do Sul e que desejasse revê-la mais uma vez antes de morrer (SAMSON, 2003, p. 181).

Em 12 de outubro de 1911, o Le Figaro, em Paris noticiou o triste acidente

que tirou a vida de Madame Toussaint, aos oitenta e dois anos, com queimaduras

de brasas caídas da lareira da sua sala, onde se aquecia, fato informado por seu

filho, que, segundo o jornal, era um excelente tesoureiro da Comèdie Française. A

seguir apresento um quadro com as publicações de Adèle.

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Publicações de Adéle Toussaint-Samson na França, no Brasil e nos Estados

Unidos:

Autora/viajante

Adèle Toussaint- Samson (1826-1911)

Publicações na França

Poésie de Mle. Adèle Samson. Paris: Imprimerie de Jules-Juteau, 1843.

Publicações no Brasil

Uma Parisiense no Brasil. trad. Antonio Estevão da Costa e Cunha; Rio de Janeiro: tipografia de Jules Villeneuve, 1883.

Publicações nos E.U.A

A Parisian in Brazil, trad. Emma Toussaint. Boston: James H. Earle, 1891.

Essais d’après une note manuscrite. Paris: Imprimerie de Jules-Juteau, 1843.

Uma Parisiense no Brasil. trad. Maria Lúcia Machado; prefácio de Maria Inez Turazzi; São Paulo:Capivara, 2003. (Esta é a edição que utilizo no presente trabalho).

A Parisian in Brazil. Reedição da trad. de Emma Toussaint. Boston: James H. Earle, 2001.

Les chemis de la vie. Paris: E. Dentu, 1880. Premiado pela Acadèmie Française.

Une Parisienne au Brésil. Paris: Paul Ollendorff Èditeur, 1883.

La Comtesse Diane. Paris: Veuve E. Vert, 1884.

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2. ROTEIROS TEÓRICOS

2.1 OS ESTUDOS CULTURAIS, O PÓS- COLONIAL E AS PEDAGOGIAS

CULTURAIS

Neste capítulo, discuto a articulação do estudo dos Relatos de Viagem com

as perspectivas teóricas dos Estudos Culturais, das análises Pós-Coloniais e das

Pedagogias Culturais. Os teóricos dos Estudos Culturais têm destacado a

importância de se analisar o conjunto da produção cultural de uma sociedade,

seus diferentes textos e práticas culturais. Para esses estudiosos, todas as

expressões culturais que carregam e produzem significados, como um filme, um

quadro, uma canção, uma pintura, uma foto, um mapa, um relato de viagem, um

traje, uma peça publicitária ou de artesanato, podem ser considerados textos

culturais. Por outro lado, como destacam Costa, Silveira e Sommer (2003), nos

Estudos Culturais, o termo cultura ganhou novo significado, não mais o de uma

concepção elitista, domínio exclusivo da erudição, de padrões estéticos elitizados,

em que a cultura é um certo “estado cultivado do espírito”, mas passou a

contemplar também o gosto das multidões, dos populares, das experiências

cotidianas.

Costa (2000) sugere que a realização mais importante dos Estudos

Culturais é a de celebrar o fim de um elitismo edificado sobre distinções arbitrárias

de cultura, admitindo, assim, que está em atividade, neste final do século XX, um

novo campo de estudos em que a cultura deixa de ter um papel meramente

reflexivo e assume um papel constitutivo em todos os aspectos da vida social.

Nesse sentido, o conceito comporta uma ampla diversificação, tais como a cultura

de massa, cultura surda, culturas juvenis, culturas indígenas e toda a extensão do

termo onde se incluam atividades e significados das pessoas em grupos,

valorizando seus saberes e contemplando seus interesses. Esse posicionamento

dos Estudos Culturais sobre a cultura se contrapõe aos trabalhos dos seus

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precursores, como Mathew Arnold, principal teórico de uma tradição de análise da

cultura fortemente marcada por posições elitistas e hierárquicas.

É a partir da chamada virada cultural e das discussões de Stuart Hall

(1997) sobre a centralidade da cultura, como local privilegiado de construção e

circulação de representações e de produção de significados, que o estudo da

linguagem e do poder passa a ocupar lugar central nas análises dos teóricos dos

Estudos Culturais. Assim, considera-se que um noticiário de televisão, peças

publicitárias, imagens e gráficos de um livro didático, músicas de grupos de

determinado estilo musical, por exemplo, são mais do que simples manifestações

culturais, são artefatos produtivos que inventam sentidos e que colocam em

circulação nas arenas culturais uma multiplicidade de significados que são

negociados nas esferas de poder.

Para Stuart Hall (1997), é na esfera cultural que se dá a luta pela

significação, na qual os grupos subordinados procuram fazer frente à imposição

de significados sustentada pelos mais poderosos e, nesse sentido, os textos

culturais são o próprio local onde o significado é negociado e fixado.

Entre as características dos Estudos Culturais está a tomada de distância

em relação às narrativas mestras eurocêntricas, ao cientificismo, à alta cultura, ao

conhecimento disciplinar (Giroux e McLaren (1995). Sob esse olhar, Henry Giroux

e Peter McLaren salientam que o mundo atual mostra-se cada vez mais

hibridizado e apresenta uma grande diversidade de fenômenos culturais e sociais.

Para os autores, não é mais possível ignorar as múltiplas narrativas de uma

sociedade multicultural e multirracial. Portanto, a análise da gama dos lugares

diversificados de aprendizagem é um dos aspectos centrais dos trabalhos que

articulam Estudos Culturais e Educação.

Os Estudos Culturais caracterizam-se ainda por transitar em diferentes

campos teóricos e metodológicos e, na expressão de Heloisa Buarque de

Holanda ( apud Costa, 2003), constituir-se-iam como uma “teoria viajante”, pois

possuem a vocação de transitar por variados universos simbólicos e culturais, por

vários campos temáticos e teorias, produzindo sempre novas problematizações.

De acordo com a autora, as pesquisas realizadas neste campo teórico utilizam-se

da etnografia, da análise textual e do discurso, da psicanálise e de muitos outros

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caminhos investigativos que são inventados para compor seus objetos de estudo.

Para Costa (2000), o que se observa nos Estudos Culturais é uma intensa

permeabilidade à diversidade de ênfases, problemáticas, geografias, e pelo

debate amplo, pela divergência e pela intervenção. Os Estudos Culturais

surpreendem pela diversificação de temáticas culturais. Os estudos feministas

sobre racismo e sobre sexualidade, são algumas das arenas da política cultural

nas quais as discussões adquiriram grande visibilidade e tiveram as suas

possibilidades de estudo ampliado.

No que diz respeito à articulação dos Estudos Culturais com a Educação,

de acordo com Costa, Silveira e Sommer (2003), uma das mais importantes

contribuições é o entendimento mais amplo do conceito de pedagogia e a forma

plurifacetada de entender a própria educação e os sujeitos que ela envolve. Pode-

se dizer que os Estudos Culturais em Educação constituem uma ressignificação

e/ou uma nova forma de abordagem do campo pedagógico.

Para Tomaz Tadeu da Silva (2005), outras instâncias do cultural também

são pedagógicas e os processos culturais extra-escolares são tão importantes

quanto os processos escolares. Essa extensão da noção de educação, pedagogia

e currículo, para além dos muros da escola, tem ressignificado as questões

pedagógicas e, as práticas escolares, têm sido problematizadas e constituídas

sob uma ótica cultural.

Nessa direção, Steinberg e Kincheloe (2001) entendem as pedagogias

culturais como os lugares onde o poder é organizado e difundido, tais como

bibliotecas, televisão, cinemas, jornais, revistas, brinquedos, propagandas,

videogames, livros e esportes. De acordo com Costa, Silveira e Sommer (2003),

“nesses lugares se tem buscado esquadrinhar seus “ensinamentos”, como as

lições sobre o bem e o mal, sobre o que é ser mulher, o que é ser índio, o que é

a nação, a natureza, sobre a tecnologia, sobre o nosso corpo, sobre a genética,

sobre como nossa relação com os animais nos constitui humanos, etc.” (COSTA,

SILVEIRA e SOMMER, 2003, p. 56).

De acordo com Shirley Steinberg, no seu texto “Kindercultura: a construção

da infância pelas grandes corporações”, “o termo ‘pedagogia cultural’ refere-se à

idéia de que a educação ocorre numa variedade de locais sociais, incluindo a

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escola, mas não se limitando a ela” (STEINBERG, 1997, p. 101). Na mesma

direção, Henry Giroux (1995) salienta que os Estudos Culturais analisam lugares

diversificados de aprendizagem, tais como a mídia, a cultura popular, o cinema, a

publicidade, as comunicações de massa e as organizações religiosas, entre

outras, assim, ampliando nossa compreensão do pedagógico e de seu papel fora

da escola como o local tradicional de aprendizagem.

O autor destaca que, nos Estudos Culturais, a pedagogia é definida de

forma ampla em termos culturais. De acordo com Giroux, a pedagogia representa

um modo de produção cultural implicado na forma como o poder e o significado

são utilizados na construção e na organização de conhecimento, desejo, valores.

Nesse sentido, a pedagogia é definida como uma prática cultural e tem que se

responsabilizar ética e politicamente pelas histórias que produz, pelas

proposições que faz sobre as memórias sociais e pelas imagens do futuro que vai

legitimar. Giroux (1995) alerta também para a necessidade de examinar-se tanto

a escola quanto as pedagogias culturais para que possamos compreender os

processos educacionais do final do século XX.

Também Tomaz Tadeu da Silva, na discussão sobre “a pedagogia como

cultura e a cultura como pedagogia”, destaca que,“tal como a educação, outras

instâncias culturais também são pedagógicas, também têm uma pedagogia,

também ensinam alguma coisa.Tanto a educação quanto a cultura em geral estão

envolvidas em processos de transformação de identidade e da subjetividade”

(SILVA, 2005, p. 139) ). O autor sugere que, mesmo sem o objetivo explícito de

ensinar, outras instâncias culturais também ensinam, transmitindo uma variedade

de formas de conhecimento que são vitais na formação da identidade e da

subjetividade dos sujeitos. Nessa direção, o autor exemplifica que um noticiário,

uma peça publicitária na televisão não pode ser analisada simplesmente como

informação ou entretenimento, mas do ponto de vista pedagógico, trata-se de

formas de conhecimento que trarão influências no comportamento das pessoas,

até de maneiras cruciais.

É nessa perspectiva que instâncias, instituições e processos culturais

aparentemente tão diversos quanto exibições de museus, filmes, livros de ficção,

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turismo, ciência, televisão, publicidade, medicina, artes visuais, música, contêm

ensinamentos e instituem maneiras de ser.

De acordo com os autores acima referidos, a educação se dá em

diferentes espaços do mundo contemporâneo, sendo a escola apenas um deles.

Somos educados também por filmes, imagens, propagandas, textos escritos,

charges, jornais e pela televisão, onde quer que estes artefatos estejam. É a partir

desse entendimento amplo das práticas pedagógicas, que pretendo analisar as

narrativas de viagem de Adèle Toussaint Samson sobre o Brasil do final do século

XIX, como textos pedagógicos que fazem circular vários ensinamentos sobre o

europeu e o Outro brasileiro (a).

A viajante francesa Adèle Toussaint-Samson, através das suas narrativas

sobre o Outro colonial, redefine-se a si própria, enquanto mulher, branca e

estrangeira que lança um “olhar imperial” sobre os costumes dos brasileiros(as)

da época. Essa perspectiva de estudos permite entender a literatura de viagem

como produzindo ”ensinamentos” sobre o Outro colonial e sobre o próprio sujeito

europeu. Henry Giroux & Peter L. McLaren, no texto “Por uma Pedagogia Crítica

da Representação” (In: SILVA, 1995), sugerem que existe pedagogia em qualquer

lugar em que o conhecimento é produzido, em qualquer lugar em que existe a

possibilidade de traduzir a experiência e construir verdades, ainda que estas

pareçam redundantes, superficiais e próximas ao lugar-comum. De acordo com

os autores, todas as pedagogias produzem certos efeitos de significado e geram

um luta em torno desses significados. Os teóricos destacam a importância do

conceito de representação para uma pedagogia crítica. Segundo eles, as

representações são sempre produzidas dentro dos limites culturais e fronteiras

teóricas e, como tais, estão implicadas em economias particulares de verdade,

valor e poder. Giroux e McLaren enfatizam a idéia de que as interpretações

surgidas de representações dadas são sempre parciais e mutáveis, sendo sua

autoridade provisória.

Nesse sentido, torna-se fundamental uma pedagogia crítica da

representação, um questionamento das várias formas em que a cultura está

inscrita através de representações que a produzem e, ao mesmo tempo,

legitimam-na, no interior de relações particulares de poder/saber.

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Maria Lúcia Wortmann, no seu estudo sobre o conceito de representação,

vale-se de Stuart Hall para defender uma abordagem construcionista da

representação onde “a representação de alguma coisa não se faz pela

coincidência ou correspondência com essa “coisa”, mas por representá-la por

meio de um significante como diferente de outras coisas”, salientando que este

conceito exerce um papel constitutivo e não simplesmente reflexivo. Na direção

apontada por Stuart Hall, Wortmann entende as representações como

constituidoras de significados, sugerindo que em muitos casos as representações

deixam de ser questionadas e ganham estatutos de verdades (Wortmann, 2002).

Assim, uma pedagogia crítica da representação contribuirá para dissolver a

prática recorrente de essencializar o sujeito histórico, seja este afro-americano,

porto-riquenho, mulher ou branco, e destacar a enorme diversidade de

experiências históricas e culturais desses sujeitos através das suas múltiplas

representações nos mais variados discursos. Sob essa perspectiva, investigo, nos

relatos de viagem de Adèle Toussaint-Samson, como esta viajante representou o

Brasil, a natureza brasileira, as pessoas que encontrou na cidade do Rio de

Janeiro e no interior. Examino como o discurso euro-imperial, o discurso

romântico e as narrativas de gênero e de raça mediaram a construção da sua

identidade e da alteridade dos Outros no Rio de Janeiro. Acredito que a

abordagem teórica dos Estudos Culturais e das Pedagogias Culturais apresentam

possibilidades estimulantes para o estudo dos relatos de viagem da francesa

Adéle Toussaint Samson sobre o Rio de Janeiro imperial.

2.2 DISCUTINDO AS CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA PÓS–COLONIAL

Como sugere Tomaz Tadeu da Silva (2001), a teoria pós-colonial mostra-

se interessante para a análise literária, particularmente, para análise de obras

produzidas do ponto de vista europeu sobre os povos de outros continentes. Na

teoria pós-colonial são analisadas as relações de poder entre as diferentes

nações que têm em comum a herança da conquista colonial européia,

considerando-se como marco histórico do pós-colonialismo a expansão marítima

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ocorrida desde o século XV. Tomaz Tadeu (2001) destaca que nas análises

literárias pós-coloniais examina-se tanto as obras literárias escritas do ponto de

vista dos dominadores, como dos dominados. Nesse prisma, as narrativas

européias imperiais constroem o Outro colonial como um sujeito subalterno,

enquanto a literatura produzida pelos colonizados apresenta a resistência ao olhar

e ao poder imperiais.

O autor sustenta que na teoria pós-colonial não é possível separar a

análise estética de uma análise das relações de poder, onde a curiosidade e a

fascinação pelo Outro, que é tido como exótico e diferente, traz o impulso de

dominá-lo como objeto de saber e de poder. Desse modo, o conceito de

representação é um dos focos centrais na teorização pós-colonial pois é no

discurso, na linguagem, que o Outro é representado e significado. Em outras

palavras, a construção do Outro colonial é também fundamental na construção do

sujeito metropolitano, que “torna-se na sua estranheza e exotismo, um importante

ponto de referência para a definição e redefinição do próprio sujeito imperial”

(SILVA, 2001).

A pesquisadora Mary Louise Pratt (1999) desenvolve em seus estudos, o

conceito de transculturação, argumentando que ao mesmo tempo em que a

metrópole é vista como produzindo a “periferia”, esta última é concebida também

como constituindo a “metrópole”. Outro conceito fundamental de sua análise é o

de “zona de contato”, entendido como “espaços sociais onde culturas díspares se

encontram, se chocam, se entrelaçam uma com a outra, freqüentemente em

relações extremamente assimétricas de dominação e subordinação- como o

colonialismo, o escravagismo ou seus sucedâneos ora praticados em todo o

mundo”.

O conceito de zona de contato é também fundamental para interpretação

do encontro cultural vivido pela francesa Adéle Toussaint, no Brasil, a fim de

considerar as dimensões interativas e improvisadas dos encontros coloniais,

evidenciando como os sujeitos são constituídos nas e pelas suas relações uns

com os outros.

Por outro lado, Pratt descreve o olhar do viajante europeu como o “olhar

imperial” e reforça o aspecto político dos relatos de viagem, que são vistos como

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parte do projeto do expansionismo cultural europeu e contribuindo para o domínio

do euroimperialismo ocidental, através da missão civilizadora nas zonas de

contato. A ênfase na pretensa superioridade do europeu frente à suposta

inferioridade do Outro não-europeu torna-se a marca registrada do discurso euro-

imperial. No entanto, Pratt foi criticada por sustentar um sujeito imperial que tudo

abarca, tudo descreve sem deixar espaço para a surpresa, para o imprevisível.

Luciana de Lima Martins, em seu livro que analisa o olhar britânico sobre o

Rio de Janeiro (2001) critica o uso que Pratt faz do conceito de transculturação.

Para Luciana Martins, Pratt falha na avaliação de como os europeus se

modificaram internamente no encontro com a América, mesmo que Pratt

reconheça que a transculturação é um processo de mão dupla. Luciana Martins

enfatiza que nos encontros culturais os indivíduos são transformados e

transformam-se a si mesmos e ao mundo ao seu redor. Também Marise Basso

Amaral reforça a crítica feita a Mary Louise Pratt. Para Amaral, Pratt promove um

“certo aprisionamento” dos viajantes estrangeiros, afirmando a natureza do seu

olhar só eurocêntrico, só imperialista, sem que seja tocado e perpassado pelas

culturas e sujeitos diferentes, pertencentes à outras culturas, consideradas

inferiores (AMARAL, 2007).

Leandro Guimarães (2007), ao interpretar os textos de Euclides da Cunha

sobre a Amazônia, renova as críticas ao conceito de transculturação como

proposto por Mary Louise Pratt e observa que este conceito “escamoteia as

estratégias do poder colonial quando incorpora a alteridade em uma gramática

que lhe é própria” (GUIMARÃES 2006, p. 89). A diferença que Guimarães aponta

entre a transculturação e a hibridação é no sentido de que, enquanto a

transculturação opera uma síntese conciliatória de significados, a partir da língua

de quem traduz, a hibridação enfatiza os conflitos e as ambigüidades.

É a partir do conceito de entre-lugar que Guimarães posiciona-se a favor

do uso do conceito de hibridação em detrimento do conceito de transculturação

para o entendimento dos encontros interculturais. Para o autor, tais encontros

entre diferentes culturas possibilitariam muitos cruzamentos, resultantes de

intercâmbios, que Nestor Canclini chamou de processos de “hibridação”. Nesse

sentido, Guimarães apropria-se de Canclini para enfatizar a hibridação resultante

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dos encontros culturais, nos quais “estruturas ou o práticas discretas, que

existiam separadamente, se combinam gerando novas estruturas, objetos e

práticas” numa complexa relação de poder em que tanto a cultura dominante

como a dominada se vêem profundamente modificadas (CANCLINI, 2003).

Canclini elabora de forma mais detalhada suas reflexões sobre o conceito

de hibridação no artigo Notícias recientes sobre la hibridación, quando diz que

“entiendo por hibridación procesos socioculturales em los quales estructuras o

práticas discretas, que existían en forma separada, se combinam para generar

nuevas estructuras, objetos y práticas” (CANCLINI, 2003). O autor lembra que tais

mesclas culturais existem há muito tempo e se multiplicaram espetacularmente

durante o século XX, já que no século XIX a hibridação era vista com

desconfiança porque supunha-se que prejudicava o desenvolvimento social. De

acordo com o autor, a hibridação aparece hoje como um conceito que permite

leituras abertas e plurais das mesclas culturais e contribui para identificar e

explicar múltiplas alianças fecundas, como por exemplo, do imaginário pré-

colombiano com o hispânico dos colonizadores, das culturas étnicas nacionais

com as das metrópolis, pondo em evidência, muitas mesclas interculturais. Às

vezes, isso se dá como resultado imprevisto de processos migratórios, turísticos

ou de intercâmbio econômico.

Freqüentemente, a hibridação surge da criatividade individual e coletiva,

não apenas nas artes, como também na vida cotidiana e no desenvolvimento

tecnológico. Procura-se transformar um patrimônio (uma fábrica, uma capacitação

profissional, um conjunto de saberes e técnicas) para reinserí-lo em novas

condições de produção e mercado.

Desse modo, Canclini sustenta que o objeto de estudo não é a hibridez,

mas os processos de hibridação, que interessam tanto aos setores hegemônicos

como aos populares. O autor vai mais adiante, dizendo que esses processos

incessantes e variados de hibridação levam a relativizar a noção de identidades

homogêneas e totalizantes e encerram a pretensão de se estabelecer identidades

”puras” ou “autênticas”. O pensador sugere que o conceito de hibridação

evidencia o risco de se delimitar identidades locais e autocontidas ou que

pretendam afirmar-se como radicalmente opostas à sociedade nacional ou da

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globalização. Canclini chama atenção para o fato de que os estudos sobre

narrativas identitárias produzidos a partir de enfoques teóricos que levam em

conta os processos de hibridação evidenciam que não é possível falar das

identidades como se tratasse de um conjunto de traços fixos, nem afirmá-las

como a essência de uma etnia ou nação.

Igualmente, Canclini sugere deslocar o objeto de estudo da identidade para

o das hibridações interculturais, ou seja, para as maneiras diferentes com que os

membros de cada etnia, classe ou nação se apropriam do repertórios

heterogêneos de bens e mensagens disponíveis nos circuitos transnacionais,

gerando novas formas. O autor sustenta que estudar processos de migrações e

deslocamentos culturais, serve para conhecer formas de situar-se em meio à

heterogeneidade e entender como se produzem a as hibridações. Nas palavras

do pensador: “así como las fronteras y las ciudades dan contextos peculiares para

hibridarse, los exílios y las migraciones son considerados fecundos para que

ocurran estas mesclas” (CANCLINI, 2003).

Também as discussões de Stuart Hall sobre a questão multicultural e a

desestabilização da cultura contribuem para nossa análise do conceito de

hibridação. Para Hall, como resultado da globalização, as culturas se tornaram

formações mais “híbridas”, cada vez mais mistas e diaspóricas. Portanto,

argumenta que o hibridismo é outro termo para a lógica da tradução cada vez

mais evidente nas diásporas multiculturais. De acordo com Hall, a tradução

aparece marcada pela ambivalência e antagonismos resultantes da negociação

com a diferença do Outro e revela uma insuficiência de nossos próprios sistemas

de significado e significação. Stuart Hall cita Homi Bhabha para salientar os

momentos ambíguos e ansiosos de transição, “que acompanham nervosamente

qualquer modo de transformação social” (HALL, 2006, p. 71 e 72).

Sérgio Costa, no seu recente estudo Dois Atlânticos, discute a idéia de

hibridismo adotada por Bhabha. Para Costa, com a globalização se multiplicaram

as possibilidades de perceber o mundo e não há chances para qualquer

absolutismo étnico. A globalização da diversidade e a multiplicação e

interpenetração dos modos disponíveis de organização nas diferentes esferas

sociais favorece o surgimento da mélange global, processos de interpenetração

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cultural com novas misturas culturais. Seguindo esse raciocínio, a hibridação, que

tem lugar na globalização, corresponde a uma “mistura de misturas”, onde os

intercâmbios culturais são fluídos, descentrados e transculturais, levando assim, à

interpenetração cultural, à mélange global ou hibridação (COSTA, 2006, p. 95-96).

Também Hall ao analisar as identidades culturais no mundo globalizado

argumenta que essas identidades “retiram seus recursos, ao mesmo tempo, de

diferentes traduções culturais, que são o produto desses complicados

cruzamentos e misturas culturais”... (HALL, 1998, p. 88). Nessa concepção de

encruzilhada discursiva, a própria noção de centro e de periferia se torna difusa,

pela improvisação e novidade que os encontros interculturais colocam para os

sujeitos que os vivem. Para Hall, à medida em que as culturas tornam-se mais

expostas a influências externas é difícil conservar as identidades culturais

intactas. Quanto mais a vida social se torna mediada por lugares, imagens e

viagens, mais as identidades se tornam desvinculadas de tempos, lugares,

histórias e tradições específicas. Para esse autor, num mundo globalizado, somos

confrontados por uma gama de diferentes identidades, fazendo apelos a

diferentes partes de nós.

Nesse sentido, os sujeitos híbridos renunciam a qualquer tipo de pureza

cultural “perdida”, são produtos de novas diásporas criadas pelas migrações pós-

coloniais e habitam, no mínimo, duas identidades, falam duas linguagens culturais

e traduzem e negociam a multiculturalidade (HALL, 2004, p. 74-89). No presente

trabalho, na direção apontada por Stuart Hall e Canclini, entendo a construção da

identidade de Adèle Toussaint enquanto um sujeito híbrido, atravessada por

cruzamentos discursivos, interculturais e intertextuais que produzem múltiplas

representações sobre si e sobre o outro colonial.

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3. TRADUÇÕES E HIBRIDAÇÕES NA ZONA DE CONTATO

Na análise do diário de Adèle Toussaint-Samson examino como seu texto

foi mediado por uma encruzilhada de discursos, por uma pluralidade de vozes,

que marcaram suas representações sobre si e sobre os Outros, sobre a sua

cultura e a cultura estrangeira. Pretendo mostrar que as narrativas de Adèle estão

atravessadas, particularmente, pelo discurso euro-imperial, pelo discurso

romântico e pelas construções de gênero e de raça. Os efeitos desses

cruzamentos discursivos que atravessaram e marcaram Adèle Toussaint e seu

texto, contribuiram para a constituição de um sujeito híbrido e para a produção de

uma pluralidade de representações e significados sobre o Brasil, os europeus e

os brasileiros. Nas narrativas desses sujeitos híbridos, onde se justapõem

múltiplas discursividades, é possível se vislumbrar uma pluralidade de imagens.

3.1 O RELATO AUTOBIOGRÁFICO OU ESCRITA DE SI

Primeiramente, analiso os momentos em que as narrativas de Adèle

tomam forma de um relato autobiográfico, quando a viajante-autora mescla

episódios pitorescos e dramas típicos de uma sociedade escravista, com

reflexões sobre si mesma e sobre seus sentimentos e sensações enquanto

mulher viajante francesa no Rio de Janeiro imperial.

Para o psicanalista Contardo Caligaris, o relato autobiográfico é um

espaço no qual o sujeito se constrói para legar um certa imagem de si à

posteridade. De acordo com o autor, “Falando e escrevendo, literalmente ele [o

sujeito] se produz. Narrar-se não é diferente de inventar-se uma vida.”

(CALLIGARIS,1998, p. 28-30). Calligaris entende que o ato autobiográfico tende a

constituir o sujeito naquele momento e lugar e vê o diário como um instrumento

de construção da subjetividade (CALLIGARIS, 1998, p. 55).

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A historiadora Angela de Castro Gomes (2004) entende o gênero que

abarca diários e autobiografias, como práticas culturais de “escrita de si”, como

uma escrita auto-referencial, que deliberadamente produz uma memória de si. O

ponto central é que, através dessas práticas culturais, o indivíduo constitui uma

identidade para si. Essa “produção do eu” exprime-se pela primeira pessoa do

singular e traduz a intenção de revelar dimensões íntimas do indivíduo que

assume sua autoria. Embora se possa considerar que toda escrita de si deseja

reter o tempo, constituindo-se em um “lugar de memória”, cabe observar que

“certas circunstâncias e momentos da história de vida de uma pessoa, estimulam

essa prática, como o caso dos textos que se voltam para o registro de fases

específicas de uma vida, como nas viagens..” (GOMES, 2004, p. 18).

Este estudo busca examinar como Adèle Toussaint ao narrar suas viagens,

reinventou a si mesma, no contato com a diversidade cultural e os costumes das

populações locais; tenta perceber como transculturou-se no encontro com os

Outros (as). Spitta (apud Martins, 2001) contribui para um melhor entendimento

desse complexo processo de tradução cultural dos sujeitos viajantes na zona de

contato:

No contínuo toma-lá-dá-cá do contato com a cultura, indivíduos são transformados transformam-se a si mesmo bem como ao mundo circundante.O sujeito transculturado então, é alguém que está consciente e inconscientemente situado entre pelo menos duas culturas, dois mundos, duas línguas, e duas definições de subjetividade, e que, constantemente medeia entre todos eles – ou, para dizer de outra forma, cujo “aqui” é problemático e talvez indefinível (MARTINS, 2007, p.251).

Segundo Burke (2003), a idéia de “tradução cultural” vem sendo cada vez

mais usada para descrever o mecanismo pelo qual os encontros culturais

produzem formas novas e híbridas, especialmente em situações nas quais o

encontro se dá entre pessoas de culturas diferentes. Na mesma direção, o autor

refere que o que acontece nesses encontros é uma “tradução” das imagens da

Outra cultura para termos familiares, recorrendo-se aos esquemas visuais ou

esteriótipos correntes de sua própria cultura. (BURKE, 2003).

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Também Flora Süssekind observou, em sua obra O Brasil não é Longe

Daqui (2006), o processo de tradução vivido pela viajante inglesa Maria Graham,

quando de seu retorno à terra estrangeira, por onde passara doze anos antes,

quando teve a nítida impressão de que ocorrera uma mudança, seja na paisagem,

seja nela própria. Ao olhar o desenho da paisagem feito por ela mesma nos anos

passados, Graham percebeu que a paisagem estava lá idêntica, mas que sua

observadora é que havia mudado. A mudança que ocorrera era uma mudança de

contornos íntimos, que sugere um movimento auto-reflexivo, que distingue o

diário das mulheres dos demais relatos de viagens sobre o Brasil na primeira

metade do século XIX. Maria Angélica Zubaran analisou, no diário desta viajante

inglesa, essas passagens auto-reflexivas, quando a viajante/autora voltava-se

para as suas próprias vivências como estrangeira e revela seus sentimentos em

contato com o Outro(a) brasileiros (as).

De acordo com Robert Aldrich, a vida tropical foi muito difícil para as

mulheres estrangeiras, sujeitas às várias doenças tropicais, à escassez de

médicos e à precária medicina, que as fazia correr grandes riscos. Adéle

Toussaint vivenciou algumas das dificuldades apontadas por Robert Aldrich nas

suas vivências na província do Rio de Janeiro, tendo narrado em seu diário,

momentos como o que enfrentou quando ela e seu marido contraíram a febre

amarela quando moravam na rua do Rosário no centro da cidade:

Foi lá que meu marido e eu caímos doentes de febre amarela, que grassou no Brasil, pela primeira vez, no ano de nossa chegada. Até então, o país fora muito são. Quando essa horrível doença abateu-se sobre o Rio de Janeiro, atingiu em primeiro lugar os estrangeiros, depois os negros, em seguida a classe pobre e, enfim, os próprios brasileiros abastados, mas em número muito pequeno. (SAMSON, 2003, p. 93).

De acordo com Adèle Toussaint, havia luto por todo o lado na cidade do

Rio de Janeiro, porque a mortalidade era enorme e os cemitérios estavam cheios,

não havendo mais lugar para o enterro dos mortos. Adèle relata que os

estrangeiros eram os primeiros atingidos pela doença e que, dos vinte e oito que

haviam feito a travessia com ela, o marido e o filho, dezessete já haviam

sucumbido, quando ela mesma sentiu os sintomas. O médico homeopata com

quem tentaram socorrer-se também caíra doente e, em seguida, a negra que

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haviam alugado e em seguida seu marido. Ela fala da dificuldade de estar

contaminada como uma epidemia como a febre amarela, sem conhecer ninguém

na cidade, sem médico, sem criados, com muito pouco dinheiro e um filho de

dezoito meses que acabara de desmamar, que felizmente não fora atingido

(SAMSON, 2003, p. 95). Sem outras alternativas, Adéle conta que se auto-

medicou e tratou de seu marido, usando uma caixa de homeopatia dada pelo

próprio Dr. Samuel Hahnemann, médico alemão fundador da homeopatia e

instalado em Paris desde 1835. Com a medicação e cuidados alimentares

especiais, conseguiu curar-se e a seu marido e nunca mais foram atingidos pela

terrível doença no tempo em que permaneceram no país.

Ana Maria Belluzzo afirma que, de modo geral, o ambiente urbano do Rio

de Janeiro era visto como um signo negativo pelos viajantes estrangeiros, que

não poupavam críticas e compartilhavam as imagem de “imundície e de

insalubridade” da cidade (BELLUZZO, 1999). A viajante francesa manifestou esse

sentimento de distanciamento com relação à cidade do Rio de Janeiro e

representou a rua do Rosário, onde morava, no centro da cidade, como um lugar

triste, sombrio, fétido e estreito como observa-se no relato que segue:

(...) depois de ter percorrido toda a cidade, encontramos o que queríamos apenas na rua do Rosário. Ai! Que rua para parisienses habituados a todo o conforto e todo o luxo de nossa capital! Ela é estreita, triste e por todo o estabelecimento comercial, não tem mais que vendas no térreo das casas, isto é, sombrias lojas onde se amontoam montanhas de carne secca, bacalhao [carne seca, bacalhau], os sacos de feijões e de arroz, bem como os queijos de Minas”. (...) “dizer-lhes que cheiro horrível exalam daquele bacalhau e aquela carne seca é impossível! Imaginem que a rua é estreita, jamais varrida ou molhada, que o sol dos trópicos a aquece incessantemente e tentem fazer uma idéia das emanações que dali se despreendem! (SAMSON, 2003, p. 92 e 93).

Acredita-se que o Romantismo, enquanto movimento cultural,

particularmente o romantismo intimista e abolicionista, tenha mediado muitas das

auto-reflexões e auto-representações de Adèle Toussaint. Lúcia Lippi Oliveira, em

seu recente livro Cultura é Patrimônio, aponta que a viagem e seu relato estão em

conexão com os gêneros literários do século XIX, seja o romance de formação, o

de viagem e a autobiografia. De acordo com a autora, “compartilhar sentimentos,

opiniões e conhecimentos com os leitores, passou a ser uma demanda marcante

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na época” (OLIVEIRA, 2008, p 39). De acordo com Lippi, o Romantismo

transplantado para o Brasil foi um movimento cultural das elites e esteve às voltas

com as questões de natureza e civilização. Para os chamados românticos, a fonte

da verdadeira originalidade do Brasil estava na sua natureza tropical. Lúcia Lippi

Oliveira aponta que o movimento romântico forneceu os fundamentos para a

formação simbólica da nacionalidade de países recém independentes ou recém

constituídos, como ocorreu no Brasil.

Para Angélica Madeira e Mariza Veloso, em Leituras Brasileiras, o

movimento Romântico, surgido na Alemanha, Inglaterra e França, disseminou-se

por toda a Europa e foi absorvido no Brasil por intermédio de sua vertente

francesa. As autoras apontam que a França teve grande impacto cultural e social

sobre os países falantes da língua latina que não tinham acesso à produção

intelectual anglo-germânica, o que contribuiu para explicar a hegemonia cultural

francesa, apesar do domínio econômico inglês. Naquela época, a literatura era a

expressão por excelência dos Estados nacionais e estava comprometida como o

projeto de construção da nacionalidade. O projeto literário das gerações

românticas é revelador dessa necessidade de criar representações para a nação

brasileira, ligadas ao ideal patriótico e nativista. Para Madeira e Veloso, o

Romantismo produziu, no Brasil, representantes do mais puro subjetivismo, a

idealização de um passado heróico e a proliferação de uma concepção de

natureza grandiosa e exuberante articulada à construção da identidade nacional

(MADEIRA e VELOSO, 1999).

Antonio Candido, na obra Formação da Literatura Brasileira, destacou que

foi graças às viagens e aos relatos dos viajantes que a literatura do ocidente

realizou uma experiência básica no Romantismo: “No contato com países

diversos, o deslocamento no espaço oferece material novo e novas linhas à

meditação. A experiência da viagem é transfiguradora e ofereceu o vivo

sentimento do lugar como fonte de emoções e incentivo a meditar, o que inspirou

umas das linhas românticas por excelência na poesia”. Aponta também, que a

viagem movia o viajante em busca da idéia de Deus, fosse a evocar emoções

passadas ou a reconstruir acontecimentos ali ocorridos. Partindo da vivência

imediata de um local, o viajante se alçava à filosofia, refazia a história,

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dissolvendo o espaço no tempo-dimensão essencial ao espírito romântico.

(CANDIDO, 1975). O autor chama atenção que o viajante sensível experimentava

outras emoções no contato com a diversidade, tais como a nostalgia da pátria e a

reativação de tudo que está diretamente ligado ao eu: “O viajante se descobre a

cada passo, seja no reavivar-se da vida interior, pela liberação da emotividade e

pelas bruscas erupções do passado, desencadeadas por mínimos estímulos

presentes”. (CANDIDO, 1975, p.60).

Também Afrânio Coutinho em sua obra A Literatura no Brasil, discute o

movimento Romântico e suas nuanças. De acordo com o escritor, da França o

Romantismo se espalhou por toda a Europa e América caracterizando-se como

um conjunto de traços e qualidades, cuja combinação o identifica, em oposição ao

clássico ou ao realista. Segundo Coutinho, é durante a fase da permanência da

corte portuguesa no Brasil que o Rio de Janeiro tornou-se a capital literária do

país, desencadeando um intenso movimento na imprensa que mistura literatura e

política, numa feição bem típica da época. Coutinho aponta também, que o influxo

do Romantismo proveniente da França marcou fortemente a identidade dos

brasileiros e dominaria grande parte da nossa atividade literária.

Na direção apontada por esses autores, destacam-se alguns traços do

discurso romântico que atravessam a narrativa de Adèle Toussaint. Entre eles,

salienta-se o subjetivismo romântico, que segundo Coutinho, revela uma atitude

pessoal e íntima, com um foco no mundo interior. Ainda o reformismo,

caracterizado pelo sentimento revolucionário, ligado aos movimentos libertários e

democráticos da época, que no caso particular de Adèle, está relacionado ao

movimento abolicionista e aos sentimentos e atitudes dela contra a escravidão e

os castigos corporais aplicados aos escravos no Brasil.

Do mesmo modo, o culto à natureza, tendo como fonte de inspiração as

paisagens exóticas e incomuns e a estética do pitoresco, que se revela no gosto

pelas florestas, pelas terras selvagens, ou simplesmente pelas diferentes

fisionomias e costumes, é outra marca romântica nas narrativas de Adèle

Toussaint, quando relata seus sentimentos diante da natureza brasileira. De

acordo com Coutinho, “o pitoresco e a cor local tornam-se um meio de expressão

lírica e sentimental do sujeito romântico” (COUTINHO, 2004).

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Nos relatos de viagem de Adèle Toussaint Samson, observa-se o quanto

essa francesa encantou-se e emocionou-se com a beleza e a riqueza natural do

Rio de Janeiro, surpreendendo-se com traços e costumes dos brasileiros. Já nas

primeiras impressões de Adèle sobre o Brasil, quando olha do mar para a costa

do Rio de Janeiro, o Brasil é representado numa perspectiva humboltiana, por

meio das bananeiras, palmeiras e montanhas:

Enfim, eis o Brasil, que surge com suas matas de bananeiras e de palmeiras. Começa -se a distinguir a cadeia de montanhas chamada Gigante, que de fato, representa bastante bem o homem de estatura colossal estendido em todo o seu comprimento, e cujo perfil, assemelha-se ao de Luís XVI (SAMSON, 2003, p. 71).

Desse modo, as primeiras impressões da natureza brasileira seguem as

convenções dos livros de viagem, que destacam os principais acidentes

geográficos ao longo da costa. Na verdade, muitos foram os viajantes que

compartilharam descrições da baía do Rio de Janeiro. De um lado, a repetição de

imagens entre os viajantes criava um repertório que tornava possível para o

estrangeiro traduzir, através delas, a sua experiência com o desconhecido. De

outro lado, como aponta Ana Maria Belluzzo, o cenário brasileiro concorria com

uma ampla oferta de motivos para a realização das possibilidades estéticas do

pitoresco. Adèle revela-se atravessada por esse discurso romântico do pitoresco

ao expor, ao público, particularidades regionais inusitadas e desconhecidas. Era

costume, especialmente entre os visitantes ingleses, realizarem cavalgadas ao

Corcovado em busca de sensações provocadas pela apreciação da paisagem

vista do alto e divisando abaixo o grande panorama. Os viajantes estrangeiros

parecem ter construído um vocabulário da paisagem no Rio de Janeiro, onde o

Corcovado e o Pão de Açúcar aparecem como ícones dos passeios pitorescos ao

redor da cidade. Como refere Adèle, “era preciso ir ao Corcovado!” Na excursão

que participa ao Corcovado, revela-se atravessada pelo discurso romântico da

natureza exuberante e do pitoresco:

Volte-se então, e admire! A seus pés, estende-se a magnífica baía do Rio de Janeiro, com suas embarcações de todos os países, suas montanhas tão pitorescamente recortadas, suas ilhotas verdes, que parecem bosquezinhos desabrochados nas ondas. Vê-se de um lado, a cidade toda multicolorida, depois, bem ao longe, o alto mar.” (...) “Diante de uma natureza tão grande,

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nossas sociedades, ditas civilizadas, parecem bem pouca coisa! Ali, toda coisa humana desaparece e, não devemos lembrar mais que de Deus. (SAMSON 2003, p. 88).

No passeio de Adèle Toussaint ao Corcovado, a natureza é representada

ao mesmo tempo, como selvagem, virgem, gigantesca, perigosa. A grandiosidade

está representada nas grandes árvores:

Eis as grandes árvores que começam a aparecer: primeiro a mangueira, de copa frondosa; o tamarindeiro, a fruta-pão; depois, nos planaltos, a bananeira, de frutas substanciais e saborosas; o coqueiro, a laranjeira, que sacode sobre nós seu adereço perfumado; o cafeeiro, com suas pequenas sementes vermelhas e suas folhas de um verde escuro e lustroso; a palmeira, de um efeito tão pitoresco na paisagem brasileira; os limoeiros, os algodoeiros... que sei eu? (SAMSON 2003, p. 88- 90).

Já o perigo aparece associado às cobras e aos escorpiões, que, sempre

escondidos, ameaçam os estrangeiros: “O veneno oculta-se sob as mais belas

flores e sob as frutas mais saborosas: alguma cobra de picada mortal talvez

rasteje sob essa relva de que tem a cor; um escorpião está ali, à sua espera para

causar uma ferida sem remédio. Lembre-se de que está no Brasil, desconfie

estrangeiro, e continue subindo!” (SAMSON 2003, p. 90).

A representação da natureza virgem está associada às florestas que aos

olhos dos europeus, e também na narrativa de Adèle, fazem um contraste com a

civilização e despertam sentimentos, a uma só vez, de admiração e de terror:

Enfim chegamos à Mãe d’água. Ali, o europeu pode ter uma idéia daquelas belas florestas virgens ceifadas, na maior parte, por nossa implacável civilização; então todo rumor humano cessou, não se ouve mais que um sussurro sem nome, dominado de vez por outra pelo canto agudo e estridente da cigarra: ali, cada talo de relva é habitado, cada árvore cada folha esconde um mundo; vemo-nos sós e, no entanto, sentimos que uma multidão de seres agita-se à nossa volta; mal podemos avistar o topo das árvores seculares que nos rodeiam; é um caos inextricável e grandioso, que impressiona, e fiquei em êxtase diante daquela natureza selvagem e gigantesca, que me inspirava a uma só vez terror e admiração. (SAMSON 2003, p. 91-92).

Para Afrânio Coutinho, o sentimento de atração pela natureza, pela beleza

selvagem, hostil e majestosa exerceram grande fascinação sobre os escritores.

De acordo com o autor, esse sentimento transformou-se em um dogma, em um

culto, mobilizando a capacidade humana de espantar-se diante da grandiosidade

e mistério da natureza tropical (COUTINHO, 2004). Enquanto passeia pelo interior

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da província do Rio de Janeiro Adèle Toussaint revela esse encantamento do

estrangeiro diante de uma natureza. Sua descrição da paisagem, que mais

parece descrever uma pintura artística, segue as regras da estética do pitoresco:

divisar a paisagem do alto da montanha, encontrar a luminosidade perfeita

através dos efeitos dos raios de sol e revelar, na paisagem, o traço pitoresco

local, aqui marcado pela imagem da cascata, outro ícone da paisagem brasileira

para os estrangeiros.

O dia mal raiava no horizonte, uma cor melancólica envolvia a paisagem. Do alto da montanha, atrás da fazenda, uma cascata bonita jorrava os seus lençóis de água prateada e esta montanha estava coberta com vegetação onde frutas e flores se entrelaçavam numa confusão encantadora. (SAMSON, 2003, p.120).

Também em suas viagens pelo interior, ao desembarcar no porto da

Piedade para seguir a cavalo até a Fazenda São José, Adèle Toussaint revela

essa sensação de encantamento que a natureza brasileira provocava nos

viajantes estrangeiros já desde os cronistas do século XVI. No contato com a

“natureza selvagem” Adèle representa-se alegre e imensamente feliz esquecendo

as mazelas dos trópicos:

Todo o caminho, não é mais que encantamento. É uma confusão de folhas, de flores, de frutos, mais encantadora que tudo que o homem arranja ou, antes, desarranja. Eu não me cansava de admirar.(...) Com que prazer recordo minhas corridas a cavalo, quando o vento agitava meus cabelos e me enviava o perfume das magnólias e das laranjeiras em flor! Confesso que a natureza deu-me grandes alegrias no Brasil, e foi sempre com um imenso sentimento de felicidade que me vi a cavalo, galopando no meio daquela região selvagem. (SAMSON, 2003, p.113).

No entanto, suas referências ao panorama cultural brasileiro são negativas

e os brasileiros são representados como incapazes de manter uma conversação.

Embora o povo brasileiro seja inteligente, ignora ainda o que é conversação, liam pouco. As questões filosóficas não o interessavam muito nessa época, e jamais levantavam-se questões religiosas.(...) Com exceção da música, as outras artes não eram muito apreciadas de maneira alguma no Brasil enquanto ali moramos; não eram abundantes os assuntos de conversação. (SAMSON, 2003, p.166-168).

Dessa maneira, Adèle Toussaint colocou-se de forma crítica com relação

aos relatos de outros viajantes sobre as tradições artísticas no Brasil. Assim

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manifestou-se: “a despeito do que se diga em diversas obras sobre o Brasil, os

povos da América do Sul ainda estão muito atrasados sobre o aspecto artístico”

(SAMSON, 2003, p. 172). Apesar disso, Adèle Toussaint destacou dois poetas

românticos no panorama artístico brasileiro: Gonçalves Dias e Fagundes Varela e

salientou “a graça que domina[va] o caráter de sua poesia”. Adéle transcreveu

uma poesia de cada um desses poetas românticos “como exemplo”, no apêndice

de seu livro. Trata-se dos poemas, A Canção do Exílio e O Escravo. Estes versos

revelam também a influência de algumas vertentes do Romantismo na narrativa

de Adèle, particularmente, a vertente nacionalista, representada por Gonçalves

Dias e a vertente intimista, por Fagundes Varela.

Vale destacar, de acordo com Antonio Candido, que Gonçalves Dias

pertenceu ao panorama da primeira fase romântica, demonstrando ainda um

apego à harmonia neoclássica, herdada dos setecentistas e primeiros românticos

portugueses. Segundo Candido, Gonçalves Dias foi chamado de “criador da

poesia nacional”, revelador do Brasil aos brasileiros (CANDIDO, 1993). Sua

poesia, A Canção do Exílio, é considerada como uma fundação mítica da

nacionalidade brasileira e marca a idéia romântica de pátria como vínculo a um

território e, da nostalgia, quando esse território é deixado para trás.

Também Margarida Patriota salientou que o mérito de levar a escola do

romantismo a desabrochar e dar frutos saborosos, coube ao poeta maranhense

Gonçalves Dias (1823-1863), que cultivou com brilho os grandes temas

românticos da fusão com a natureza e da exaltação da pátria e fixou para sempre

a imagem da nação brasileira em sua famosa “Canção do Exílio”, composta em

Coimbra, Portugal, no ano de 1843 (PATRIOTA, 2006). A autora Lúcia Lippi

esclarece que Gonçalves Dias morreu em um naufrágio, quando voltava de

Portugal, nas costas do Maranhão, sem ter tido a graça de ouvir os sabiás do seu

poema. Transcrevo abaixo a poesia de Gonçalves Dias, que Adèle Toussaint

selecionou para encerrar suas narrativas sobre o Brasil. O texto remete

novamente às características da primeira fase do discurso romântico,

particularmente, ao fascínio pela natureza nacional e a nostalgia da pátria.

Canção do Exílio

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Gonçalves Dias

Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá;

As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas tem mais flores, Nossos bosques têm mais vida,

Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho à noite, Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores, Que tais não encontro eu cá;

Em cismar - sozinho, à noite – Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá;

Sem que desfrute os primores Que não encontro por cá;

Sem qu’inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá.

Adéle transcreveu, também, como anexo no seu Diário, o poema O

Escravo, de Fagundes Varela. Esse poeta surge na vida literária de São Paulo

por volta de 1860 e pertenceu à última fase do Romantismo, absorvendo várias

tendências anteriores, entre elas, os aspectos patriótico, religioso, amoroso e o

bucólico (CANDIDO, 1993). Segundo Terezinha Chaves (2007), a transcrição do

poema poderia ser uma forma de expressar a indignação da autora pela

escravidão que presenciou e condenou no Brasil. Talvez fosse também, um

exercício de intertextualidade, em que através das palavras do poeta, Adèle

Toussaint manifesta seu próprio reformismo romântico e sua revolta à escravidão

e aos castigos e punições corporais. O culto romântico da liberdade individual não

poderia conviver com a barbárie do cativeiro dos negros, praticada em todos os

rincões do Império brasileiro e, o Romantismo brasileiro tomou para si, o

compromisso de denunciar os horrores da escravatura e reivindicar sua abolição.

Destacarei aqui um fragmento do poema O Escravo (V. ANEXO A na íntegra).

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O Escravo

Fagundes Varela

Dorme! Bendito o arcanjo tenebroso Cujo dedo imortal

Gravou-se sobre a testa bronzeada O sigilo fatal!

Dorme! Se a terra devorou sedenta De teu rosto o suor,

Mãe compassiva agora te agasalha Com zelo e com amor.

Ninguém te disse adeus na despedida, Ninguém chorou por ti!

Igualmente, outro tema presente na narrativa de Adéle Toussaint, que

marcou sua escrita de si, foi a escravidão e os maus tratos de escravos. No

entanto, diferente da natureza brasileira, que lhe encantou e surpreendeu, a

escravidão de africanos no Rio de Janeiro imperial, despertou-lhe horror e

sofrimento. Semelhante à reação da inglesa Maria Graham, que se chocara com

os leilões e mercados de escravos no Rio de Janeiro (ZUBARAN 2003, p. 252), a

viajante francesa Adèle Toussaint relatou, no seu diário de viagem, que o

espetáculo da venda dos escravos nos leilões e suas punições corporais,

revoltaram sua alma e presenciá-los, foi um dos piores suplícios da sua vida no

Brasil. Abaixo, transcrevo a passagem de seu livro de viagem, onde Adèle

Toussaint manifesta seus sentimentos íntimos diante da escravidão e dos

castigos corporais que marcavam o cotidiano dos escravos, representando-se

revoltada e enraivecida pelo “espetáculo dos leilões de escravos”. O excerto

ilustra:

Esse espetáculo da escravidão foi, durante os primeiros anos de minha estada no Brasil, um dos tormentos da minha vida e que contribuíram para que eu sentisse saudades do meu país. A todo o momento meu coração revoltava-se ou sangrava quando eu passava por um dos leilões onde os pobres negros que ficavam em pé sobre uma mesa, eram colocados à venda e examinavam-se os seus dentes e pernas como cavalos ou mulas ou quando eu via que o leilão acabara e que uma jovem mulata era entregue a um fazendeiro para seus “serviços particulares” enquanto o filho era vendido a um outro dono. Diante de

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todas essas cenas de barbárie, o meu coração se revoltava e uma raiva tomava conta de mim e eu me sentia constrangida por não gritar a palavra “carrasco” para todos aqueles homens que praticavam o tráfico humano assim como eu tinha feito com a espanhola. Mal conseguira acalmar-me e, alguns passos adiante encontrava um pobre negro usando uma máscara de ferro. Essa era a punição para o alcoolismo há 12 ou 15 anos. Os que bebiam eram condenados a usar uma máscara de ferro, que era colocada na parte detrás da cabeça por meio de uma corrente e que era apenas removida durante as refeições. Não se pode avaliar a impressão causada por estes homens com máscaras de ferro nas cabeças. Era assustador! E imagine que suplício naquele calor dos trópicos! Os que tinham fugido eram amarrados por uma perna a um poste; outros carregavam um colar de ferro nos seus pescoços, um tipo de canga, como aquelas colocadas nos bois; outros eram enviados para a “Correção” onde após estarem amarrados a um poste, seriam chicoteados quarenta, cinqüenta ou mesmo sessenta vezes. Quando o sangue corria, parava-se; colocavam vinagre nas feridas e, no dia seguinte, começava tudo de novo. (SAMSON, 2003, p.98-99).

Na primeira oportunidade que a família Samson teve de conhecer o interior

do país, mudança de ares sugerida por prescrição médica, foram visitar uma

fazenda chamada São José, perto da cidade de Mauá, onde conviveram próximos

aos escravos e às senzalas. Adèle Toussaint relata que foi então que teve a

dimensão das misérias da escravidão e representa-se chocada pelos maus tratos

infligidos aos escravos, no fragmento a seguir:

Numa noite de sábado, numa fazenda na Província do Rio de Janeiro, o dono da propriedade disse ao capataz, “chama os negros para uma reza”... A chamada do proprietário fez com que se visse uma multidão de fantasmas, cada um saindo de sua cabana, um tipo de cabana feita de argila e lama, com folhas de bananeira secas que serviam de telhado onde a água penetrava quando chovia, onde o vento soprava de todos os lados e de onde se via uma fumaça horrível quando os negros preparavam a refeição porque a cabana não tinha nem chaminé, nem janelas de forma que o fogo era feito de vara verde, aceso no centro da cabana. Os negros cruzavam o pasto e subiam os dois lances de escada até a varanda onde um tipo de armário tinha sido aberto, formando um altar em um dos cantos. Esse momento expunha as misérias da escravidão em todo o seu horror e feiúra. As mulatas cobertas de trapos, outras meio despidas, tendo um lenço amarrado as suas costas e peito, que mal tapava as suas gargantas e uma saia de algodão, que através das rendas, mostrava os seus corpos fracos e magros; alguns negros, com uma aparência parda e meio apalermados, chegavam e se ajoelhavam nas lajes de mármore da varanda. A maioria carregava nos ombros a marca das cicatrizes que o chicote tinha infligido; vários estavam acometidos de doenças horríveis tais como elefantíase ou lepra. Tudo isso era muito sórdido, repulsivo e chocante. A visão daquelas misérias e daqueles sofrimentos, e aquele grito de desespero que me parecia elevar-se até Deus, tudo aquilo era espantoso e de uma horrível beleza, mesmo do ponto de vista artístico.” (SAMSON 2003, p.120).

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Pode-se observar que o relato auto-biográfico, ou escrita de si, de Adèle

Samson no seu Diário de Viagem, apresenta-se marcado por uma dupla

significação do discurso romântico, tanto no seu aspecto de atração pela natureza

brasileira, que lhe provocaram sentimentos de alegria, felicidade e encantamento,

como na sua expressão de reformismo social, expressa nos sentimentos de

indignação, sofrimento e repulsa frente às cenas de escravidão.

3.2 REPRESENTAÇÕES CULTURAIS SOBRE OS OUTROS (AS)

A seguir, discuto as representações culturais mais recorrentes sobre os

Outros brasileiros (as) nos relatos de Adèle, sobre as outras mulheres e sobre os

negros (as) escravos (as), na tentativa de mapear como se deu a construção da

alteridade nos relatos dessa viajante estrangeira. Marise Basso Amaral destacou

que, “no processo de viajar por regiões desconhecidas, existem diferentes modos

de produção do “outro”, ou quem sabe melhor, há diferentes “graus” de alteridade,

seja nos modos de representar os negros escravos e libertos, as mulheres, os

índios e os brancos americanos”. (AMARAL, 2007, p. 252).

Parto do pressuposto de que, para melhor entender o olhar de Adéle

Toussaint sobre os Outros brasileiros(as), torna-se importante conhecer os

projetos culturais que circulavam naquela época e que, possivelmente, mediaram

o seu Olhar e a sua leitura do Outro (a). Destaco, particularmente, o discurso do

racismo científico na conformação desse olhar francês sobre os Outros (as)

brasileiros (as) e sobre suas culturas, assim como as análises do discurso euro-

imperial e etnocêntrico sobre a cultura do Outro (a).

Na perspectiva de Ella Shohat e Robert Stam, entendo o discurso euro-

imperial como o processo através do qual os poderes europeus.atingiram

posições de hegemonia econômica, militar, política e cultural cobrindo os períodos

de 1870 a 1914, quando a conquista dos territórios esteve ligada a uma busca por

mercados e à exportação expansionista de capital. Esse processo teve início em

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expansões internas na Europa, deu um salto gigantesco com as “viagens de

descobrimento” e a instituição do escravismo, e atingiu seu apogeu com o

imperialismo da virada do século. De acordo com Tzvetan Todorov (1993) o

etnocentrismo constitui-se:

(...) a maneira indevida de erigir em valores universais os valores próprios à sociedade a que pertenço; (...) é por assim dizer a caricatura natural do universalista: este, em sua aspiração ao universal, parte de um particular, que se empenha em generalizar; e tal particular deve forçosamente lhe ser familiar, quer dizer, na prática, encontrar-se em sua cultura (TODOROV,1993, p.21).

No que se refere às representações de Adèle Toussaint sobre os negros

(as) do Rio de Janeiro, me parece que suas representações são ambíguas e

ambivalentes. De um lado, Adéle representou a escravidão brasileira, como

terrível e desumana e manifestou-se, veementemente, contra os maus tratos de

escravos. Diferente da maioria dos viajantes estrangeiros, Adèle relatou com

detalhes etnográficos, aspectos relativos às condições de vida dos escravos em

uma fazenda no interior do Rio de Janeiro, sua alimentação e vestimenta e

revelou os maus tratados recebidos pelos escravos no Brasil, contradizendo a

noção de uma escravidão brasileira patriarcal e benevolente. A seguir transcrevo

seus relatos sobre o cotidiano dos escravos na fazenda:

Às nove horas, o sino tocou para o café da manhã dos negros e eu tinha curiosidade para saber sobre a distribuição das rações. Há sempre duas cozinheiras nas lavouras, - uma para os brancos e uma para os negros – e há inclusive duas cozinhas. Reparei na sala grande enfumaçada que levava à cozinha dos negros e lá eu vi duas negras que tinham diante delas imensos caldeirões, um deles continha feijões e o outro angu (feito de mandioca e água fervente|). Cada escravo chegava cedo, tigela na mão. A cozinheira colocava uma porção grande de feijões, adicionando um pouco de carne seca da pior qualidade, bem como espalhava um pouco de farinha de mandioca; a outra distribuía o angu para os velhos e crianças. Os pobres escravos murmuravam que a carne estava podre e que não havia comida suficiente. Nossos cães por certo, não iam querer saber daquela comida.Os negrinhos de três ou quatro anos, inteiramente nus, arrotavam suas rações de feijões, que seus frágeis estômagos mal podiam digerir; por isso, quase todos tinham barrigas grandes,cabeças enormes, braços e pernas franzinos, enfim, todos os sinais de raquitismo. Dava pena vê-los; e eu jamais entendi, sob o ponto de vista especulativo, que esses negociantes de carne humana não cuidassem melhor da sua mercadoria. Felizmente, garantiram-me que não era assim em toda a parte, e que, em várias fazendas, os escravos eram

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muito bem tratados. Quero crê-lo; quanto a mim, digo o que vi. (SAMSON, 2003, p.122-123).

Sob esse olhar, Adèle Toussaint representa o cotidiano desses escravos

com uma visão crítica e diferenciada da maioria dos viajantes estrangeiros que

lhe antecederam e que foram responsáveis pela construção da noção de uma

escravidão mais branda no Brasil do que em outros lugares da América, o que,

mais tarde, comprovou-se ter sido uma visão idealizada das condições de vida

dos escravos no Brasil.

Por outro lado, sua narrativa sobre os negros (as), que circulavam nas ruas

do Rio de Janeiro, apresenta-se atravessada pelo discurso do racismo científico.

De acordo com Roberto Ventura (1991), o racismo científico foi adotado de forma

quase unânime entre as elites brasileiras a partir de 1880, refreando as

tendências igualitárias e democratizantes do liberalismo da época. A proclamada

inferioridade das raças não brancas, a crítica de Gobineau à miscigenação e a

previsão de esterilidade dos mestiços, pelos naturalistas Louis e Elisabeth

Agassiz, colocavam um dilema para a elite brasileira, que oscilava entre o

liberalismo e o racismo.

As teorias racistas apresentavam a cultura popular como uma cultura

atrasada e degenerada e, portanto, muito depreciada. Desse modo, a teoria

racista não evidenciou apenas interesses colonialistas e imperialistas, mas

também os interesses de grupos nacionais identificados à modernidade ocidental.

O racismo científico transformou-se em instrumento conservador e autoritário de

definição da identidade social da classe senhorial e dos grupos dirigentes, perante

uma população considerada étnica e culturalmente inferior. As concepções

racistas se tornaram parte da identidade das elites em uma sociedade

hierarquizada, com grande participação de escravos, libertos e imigrantes no

trabalho produtivo. A recepção e a transformação das teorias raciais européias,

forneceram parâmetros para a reflexão sobre a natureza tropical e as raças

brasileiras.

Como Maria Eunice Maciel (1999) aponta, as idéias sobre hierarquia racial

estavam baseadas, principalmente, em determinados autores europeus que no

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final do século XIX deram corpo teórico ao chamado racismo científico. Neste

sentido, Lilia Schwarcz (2001) refere que, desde os anos de 1870, as teorias

raciais de análise passam a ser largamente adotadas no país, sobretudo a

tradução de autores darwinistas sociais, que destacavam o caráter essencial das

raças e o lado nefasto da miscigenação. O Brasil surgia representado, a partir da

particularidade de sua miscigenação.

De acordo com Schwarcz, essa interpretação realista surgia em oposição

ao projeto romântico, cujos autores inverteram os termos da equação, ao destacar

os “perigos da miscigenação” e a impossibilidade da cidadania. Em 1888, o

famoso médico Nina Rodrigues, da escola baiana, assinava um artigo polêmico

que sairia em vários jornais brasileiros, no qual concluía que os homens não

nascem iguais e, assim, solapando o discurso da lei, logo após a abolição formal

da escravidão, passava a desconhecer a igualdade e o próprio livre arbítrio em

nome de um determinismo científico e racial. Segundo Lilia Schwarcz, o médico

advogava também a existência de dois códigos no país – um para negros, outro

para brancos. A adoção desses modelos implicava uma nação de raças mistas

como a nossa, inviável e fadada ao fracasso. Lilia Schwarcz afirma que, aos olhos

de fora, o Brasil, há muito tempo, era visto como uma espécie de laboratório

racial, como um local onde a mistura das raças era mais interessante de ser

observada, do que a própria natureza.

Agassiz, um suíço que esteve no Brasil em 1865, declarou em seu relato

que qualquer um que duvidasse dos males da mistura de raças viesse ao Brasil,

pois, assim, não poderia negar a deterioração decorrente da amálgama das

raças, mais geral aqui do que em qualquer lugar do mundo. Isso vai apagando,

rapidamente, as melhores qualidades do branco, do negro e do índio, deixando

um tipo indefinido, híbrido, deficiente em energia mental.

O conde de Gobineau, que permaneceu no Brasil durante quinze meses,

como enviado francês, queixava-se de que a população brasileira, totalmente

mulata, era viciada no sangue e no espírito e, assustadoramente feia. Nesse

contexto, a mestiçagem existente no Brasil não era só descrita, como adjetivada,

constituindo uma pista para explicar o atraso, ou uma possível inviabilidade da

nação. Dessa forma, tomava força, nos finais do século XIX, um modelo racial de

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análise e a questão racial parecia se converter, aos poucos, em um tema central

para a compreensão dos destinos dessa nação (SCHWARCZ, 2001, p. 21-23). No

excerto que segue, na análise sobre a população do Rio de Janeiro, Adèle

Toussaint revela-se impregnada pelo discurso racista:

Quanto à raça brasileira, mistura de sangue europeu, americano e africano, tem toda a indolência crioula, é fraca, abastardada, muito inteligente e não menos orgulhosa. É evidente que é ao comércio com os negros que se deve em parte a deterioração dessa raça. (SAMSON, 2003, p. 100). O mais assustador é a raça mulata. È evidente que ela é que será chamada a governar o país um dia. Tem, ao que se diz, as qualidades e os defeitos das duas raças de que é oriunda, e dá provas de uma inteligência notável (SAMSON, 2003, p. 103).

Desde o momento em que chegou ao porto de Rio de Janeiro, Adèle

Toussaint revelou seu estranhamento e distanciamento com relação ao Outro

negro (a). O sentimento de estranheza, que manifestou diante dos corpos nus e

das cicatrizes dos negros remadores que a receberam e transportaram até o cais

quando chegou na baía do Rio de Janeiro e, suas representações desses negros,

como bestas, revelam traços característicos do discurso racista da época:

Essas faluas, uma espécie de grandes barcas com uma altíssima vela latina, são tripuladas geralmente por cinco negros robustos; o patrão mantêm-se no leme, enquanto os quatro outros remam lentamente , em cadência, erguendo-se de seu banco a cada remada e voltando a sentar-se para levantar-se de novo. Essa foi uma das minhas primeiras surpresas, aqueles negros nus até a cintura, de cara achatada e bestial, sulcada por largas cicatrizes (quando são negros Minas), o suor escorrendo pelo corpo, impassíveis como estátuas, olhando sem curiosidade e sem espanto, e não parecendo preocupar-se nem com você nem com nada no mundo além de comer e de dormir; aquelas faces estranhas me impressionaram (SAMSON, 2003, p. 72).

Miriam Moreira Leite (1997), em seu estudo da iconografia dos viajantes

estrangeiros, destacou que a nudez e as deformações corporais constituíram as

diferenças culturais que mais perturbaram os europeus e marcaram a iconografia

desses viajantes no encontro com os americanos: “a nudez, as deformações

corporais constituíram as diferenças culturais entre brancos e negros, que mais

levaram os europeus a personificar o demônio nas populações da América e

dificultar a representação dos grupos sociais encontrados” (LEITE, 1997, p. 234).

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Quando descreveu as ruas da cidade do Rio de Janeiro, Adéle observou e

narrou as negras escravas que circulavam nas ruas da capital. Num primeiro

momento, talvez constrangida pelas construções de gênero daquela época,

concentrou-se na indumentária das escravas, narrando com riqueza de detalhes

as roupas e os acessórios usados pelas negras minas:

Ao longo de toda a rua, nos degraus das igrejas ou à porta das lojas, estão acocoradas grandes negras Minas (os Minas são originários da província de Mina, na África ocidental), ornadas de seus mais belos enfeites; uma fina blusa, guarnecida de renda, mal esconde seu colo, e uma saia de musselina branca, com babados, posta sobre uma outra de cor vistosa, formam todo seu traje; elas tem os pés nus numa espécie de chinelas com saltos altos, chamadas tamancas, onde deve entrar apenas a ponta do pé; seu pescoço e seus braços estão carregados de colares de ouro, de fileiras de coral e de todo tipo de fragmentos de marfim e de dentes, uma espécie de manitus que, segundo elas, devem conjurar a má sorte; uma grande peça de musselina é enrolada duas ou três vezes em volta de sua cabeça, em forma de turbante, e uma outra peça de pano raiado é lançada sobre seus ombros para as cobrir quando sentem frio ou para cingir suas costas quando carregam um filho (SAMSON 2003, p. 80).

Fotos extraídas do livro de Adèle Toussaint-Samson, Uma Parisiense no Brasil, Rio de Janeiro: Editora Capivara, 2003, p. 83 e 77.

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No entanto, na seqüência de sua narrativa, Adèle Toussaint revela um

olhar marcado pelas representações étnico-raciais estereotipadas que circulavam

nos relatos de outros viajantes brancos, cujo racismo associava os corpos negros

a traços grosseiros, apontados como suas características naturais e inatas. Disse

Adèle: “muitos homens acham belas estas negras; quanto a mim, confesso que a

lã crespa que lhes serve de cabeleira, sua testa baixa e côncava, seus olhos

injetados de sangue, sua enorme boca de lábios bestiais, de dentes separados

como os das feras, assim como seu nariz achatado, nunca me pareceram

constituir mais que um tipo bastante feio”. (SAMSON 2003, p. 82).

Mais uma vez, a narrativa de Adèle Toussaint mostra-se visivelmente

atravessada pelas máximas do racismo científico, que impregnavam os debates

culturais naquela época. Adéle representa as negras minas como feras bestiais e

salienta a feiura dos seus traços físicos. Como refere Miriam Moreira Leite, além

das referências aos traços físicos e à indumentária, também eram freqüentes as

observações a respeito da moralidade das negras, nos relatos das mulheres

viajantes(LEITE,1997, p. 58).

Nesse sentido, em mais de uma ocasião, Adèle teceu críticas à moralidade

das mulheres negras na cidade do Rio de Janeiro, particularmente das mulatas,

que representou como devassas: “Não há nada mais devasso que essas mulatas

minas; elas são responsáveis pela depravação e corrupção dos jovens no Rio de

Janeiro; não é raro ver estrangeiros, especialmente os ingleses, as manterem e

arruinarem-se por causa delas...” (SAMSON, 2003, p. 82). Entretanto, ela não fez

nenhuma menção ao fato de muitas prostitutas no Rio de Janeiro da época

serem francesas.

O historiador norte-americano, Robert Slenes, chamou atenção sobre os

estereótipos étnico-raciais de viajantes europeus que, no Brasil, consideravam os

negros como seres sexualmente desregrados, vivendo em promiscuidade sexual

como “gado nos pampas”. De acordo com o autor, as escravas, em geral, eram

representadas pelos viajantes europeus, como vivendo em concubinato e na

devassidão. (SLENES, 1999, p.134 -135).

Nessa direção, Stuart Hall interpreta as representações estereotipadas e

racializadas dos brancos como práticas significantes, com efeitos

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essencializantes, reducionistas e naturalizantes. Entre os principais traços do

estereótipo que aponta, o primeiro argumento é de que o estereótipo reduz,

essencializa, naturaliza e estabelece a “diferença”. Em segundo lugar, o

estereótipo situa uma estratégia de “partição”, separando o normal e o aceitável,

do anormal e inaceitável. Na sua análise, um terceiro ponto do estereótipo é uma

prática de “clausura” e exclusão, que, simbolicamente, estabelece limites e exclui

tudo que não lhe pertence (HALL, 1997, p. 25-26). É a partir desse entendimento

que analisarei os estereótipos étnico-raciais nas narrativas de Adèle Toussaint.

Entre as representações estereotipadas do Outro negro, Hall destaca a

representação branca do negro hipersexualizado: “os brancos freqüentemente

fantasiavam, quanto ao apetite sexual exagerado e a destreza do homem negro,

assim como o caráter lascivo, supersexualizado da mulher negra, que eles tanto

temiam, quanto secretamente invejavam” (HALL, 1997, p. 29). De acordo com o

autor, a fantasia primária do grande pênis negro projetava o medo de uma

ameaça, não apenas à feminidade branca, mas à civilização em si, como angústia

resultante da miscigenação (HALL, 1997, p. 29-30).

Os viajantes europeus, freqüentemente, reproduziram esse estereótipo dos

negros (as) hipersexualizados e, sobre eles, projetaram as regras de conduta

européias, como regras morais universais, que deveriam ser seguidas também

pelos povos não europeus. No trecho que segue, Adèle Toussaint revela essa

representação estereotipada das negras que trabalhavam como escravas

domésticas, como mulheres sexualmente disponíveis, com uma tendência à

prostituição e, cujo comportamento sexual provocava conflitos entre brancos e

negros:

Também não é raro ouvir falar de facadas dadas nos brancos pelos negros ciumentos. Quando essas criaturas são desejadas, não se precisa mais que lhes fazer um sinal, e elas o seguem. Algumas tive em minha casa que, terminado seu serviço, desapareciam à noite para entregar-se a este belo comércio e achavam muito estranho que as repreendesse por isso. Respondiam simplesmente: É preciso que eu vá ganhar com que comprar uma peça de renda! Nossas patroas brasileiras não são como a senhora e nos deixam algumas horas para isso toda a noite.” (SAMSON 2003, p. 84).

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Nesse texto, Adèle Toussaint usa a voz das próprias negras para atribuir,

às senhoras brasileiras, um comportamento conivente com a prostituição de suas

escravas negras, como se fora uma prática amplamente aceita. De outro lado, da

parte dessas negras, a prostituição aparece associada a uma preocupação com a

vaidade, a indumentária e a aparência, ou seja, implicitamente, as negras se

prostituíam por motivos fúteis.

A postura etnocêntrica de Adèle Toussaint revela-se também nas suas

análises das práticas culturais dos negros (as). É interessante observar, os

comentários de Adèle sobre a dança do Lundu7 nas festas de São João, em que

ela destaca a dança, sendo executada por “damas brasileiras”, “como uma dança

de origem negra rapidamente absorvida pelos festejos da sociedade” como uma

“dança nacional”, apesar da sabida europeização da cultura brasileira no Rio de

Janeiro, o que revela uma avaliação positiva dessa prática negra. Entretanto, de

forma ambígua, Adèle também representa o Lundu de maneira estereotipada e

atribui aos seus participantes, características de uma prática licenciosa e lasciva,

reduzindo e simplificando seus movimentos: “o homem, de alguma maneira, não

faz mais do que girar em volta da dama e persegui-la, enquanto ela se entrega a

toda espécie de movimentos de gata dos mais provocantes” (SAMSON, 2003,

p.105-106).

O pesquisador José Ramos Tinhorão, no seu livro Os Sons dos Negros no

Brasil, refere-se ao Lundu como um coro improvisado e acompanhado de palmas

entusiasmadas, porém não se furta de mencionar que alguns relatos de viajantes

estrangeiros caracterizaram o Lundu como indecente e lascivo, cuja execução da

ondulação dos corpos é licenciosa. (TINHORÃO, 2008, p.66).

Ainda referindo-se às danças de origem africana, Adéle Toussaint refere-se

a uma festa dos negros escravos, como uma “festa estranha”, que aconteceu

quando esteve com sua família na fazenda São José, para o batismo do filho do

proprietário, de quem ela e o marido foram padrinhos. Mais uma vez, Adéle

manifesta seu olhar eurocêntrico e representa a dança do batuque de forma

7 Segundo Câmara Cascudo (2001), o Lundu é uma dança e canto de origem africana, trazido pelos escravos bantos, especialmente de Angola para o Brasil. È o exemplo típico do fenômeno de difusão de uma manifestação folclórica,pois percorreu os caminhos do popular ao erudito, com plena aceitação de todas as camadas da sociedade brasileira.

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estereotipada, como uma “dança selvagem”, onde as “negras entregavam-se a

um movimento de quadris dos mais acentuados” e os “cavalheiros negros giravam

em redor delas saltando sobre um pé, com as mais grotescas contorções”,

enquanto o velho músico “agitava suas baquetas com frenesi, parecendo querer

incitá-los à dança e ao amor” e, a platéia “acompanhava o batuque com palmas

que lhe acentuavam o ritmo de uma maneira estranha” (SAMSON, 2003, p.132).

Com relação à dança do batuque, trata-se de uma prática cultural sobre a

qual se debruçaram a maioria dos viajantes estrangeiros que vieram ao Brasil no

século XIX. Câmara Cascudo destaca que os portugueses generalizaram como

batuque todas as danças de negros e representaram-nas como “indecorosas, por

apresentar movimentos lascivos, principalmente a umbigada”. De acordo com

Tinhorão, pelo começo do século XIX, os batuques já se dividiam em três

diferentes tipos, refletindo, no plano cultural, uma nacionalização e branquização

das danças introduzidas pelos africanos. O autor aponta que a divisão se dava a

partir da estrutura sócio-econômica: os africanos e seus descendentes dançariam

nos terreiros das senzalas; os negros livres formariam suas rodas diante de uma

de suas choupanas e os brancos da classe média, imitariam os dois em suas

salas, abrandando a força da percussão. (TINHORÃO, 2008, p.68).

Os estudos sobre a corporeidade e a dança européia consideram que tal

estranhamento resultava da diferença dessas práticas com relação às danças de

salão européias, que não permitiam qualquer tipo de aproximação entre os

corpos, que fosse além de um breve toque de mãos e raramente um roçar de

braços, durante a execução de minuetos e quadrilhas ao som de instrumentos de

cordas, como ocorria nos bailes da Corte ou nos encontros da alta sociedade

européia. A dança européia era conhecida como “dança de extremidades”, porque

não movimentava mais do que braços e pernas durante seu desenvolvimento,

além de suaves cumprimentos de cabeça.

É nesse sentido que podemos imaginar o estranhamento que as danças

dos negros escravos africanos causavam nos viajantes europeus, pois

desenvolviam-se a partir das batidas de tambores, acompanhadas pelos

dançarinos com movimentos do corpo totalmente livres e fora dos padrões

coreográficos conhecidos pelos brancos europeus. As danças negras integram o

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grupo das danças “proximais”, onde os integrantes tocam-se, esfregam-se e

interagem, numa demonstração de comunhão com o companheiro, o que

surpreendia tanto os europeus e provocava, muitas vezes, suas reações de

repulsa e seus comentários estereotipados, representando-as como “primitivas “ e

“selvagens”. A característica maior dessa dança trazida da África era a umbigada,

movimento considerado obsceno e imoral, quando um negro(a) escolhia outro(a)

para substituí-lo(a), no meio da roda, pelo toque dos umbigos, o que

impressionava e repugnava os brancos.

No entanto, é importante salientar que essas leituras racistas e/ou

etnocêntricas não dão conta de tudo que se passa na relação de Adèle Toussaint

com o Outro (a). Há momentos em que, atravessada pelas construções de

gênero, e adequando-se aos comportamentos construídos como próprios para as

mulheres daquela época, ela intercede pelo Outro (a) e assume a posição de

reformadora social.

Esse engajamento das mulheres viajantes européias na vida social dos

países que visitavam foi discutido por Mary Louise Pratt, quando analisou as

narrativas de Maria Graham, no Chile e, de Flora Tristan, no Peru. A autora

aponta que os relatos das mulheres viajantes apresentam ênfases diferenciadas

com relação aos relatos dos homens. De acordo com a autora, as mulheres

viajantes européias de classe média urbana demonstraram um forte interesse

etnográfico e uma atividade especificamente exploratória no século XIX. Como

reformadoras sociais, visitavam prisões, orfanatos, hospitais, fábricas, cortiços e

outros lugares. Para essa autora, tratava-se de outro ramo da missão civilizatória,

que constituiu uma forma de intervenção feminina na zona de contato (PRATT,

1999 p. 275 e 276).

Adèle Toussaint-Samson demonstrou, em alguns momentos das suas

vivências no Rio de Janeiro, essa atitude de reformadora social, particularmente,

nos momentos em que denunciou os maus tratos de escravos (as) e quando

engajou-se na defesa de mulheres brasileiras, que viviam situações de opressão,

seja de seus maridos ou de seus senhores, que as agrediam ou puniam

covardemente. Essa postura de ativismo social das mulheres de classe média do

século XIX marcou as atitudes da viajante francesa Adèle no Rio de Janeiro.

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Inicialmente Adéle relata o momento em que, de sua casa, ouviu os gritos de uma

escrava que estava sendo espancada por uma vizinha e decidiu intervir, para

interromper os maus tratos infligidos à escrava:

Nós tínhamos como vizinha na rua do Rosário [no Rio], no andar de cima, uma senhora espanhola que tinha a seu serviço três ou quatro escravas. Todos os dias as cenas mais horríveis aconteciam acima das nossas cabeças. Pela menor omissão ou falha de qualquer uma delas, a senhora as batia ou dava pancadas com a palmatória (um tipo de palheta com furos) e nós ouvíamos os gritos dessas pobres mulatas que se jogavam aos pés da senhora gritando, “Obrigada, senhora”. Mas, a patroa nunca se apiedava e lhes dava tantas pancadas quanto necessárias. Essas cenas me sensibilizavam muito.Um dia quando o chicote estava sendo usado de forma dura e quando os gritos eram mais agoniados, levantei-me de súbito e, dirigindo-me a meu marido, que, nascido no Brasil de pais franceses, falava o português como sua própria língua: “Como se diz bourreau?”, perguntei-lhe. “Carasco”!, respondeu-me ele, sem compreender por que eu lhe fazia aquela pergunta. Imediatamente, precipito-me na escada, subo correndo, abro a porta da minha vizinha e lanço-lhe esta única palavra: “Carasco”! Essa foi minha primeira palavra em português. (SAMSON, 2003, p.97).

Outra ocasião em que sobressai a atitude de Adèle Toussaint como

reformadora social e ativista contra as punições corporais aplicadas aos escravos

(as) no Rio de Janeiro, foi durante a visita que fez à fazenda São José, no interior

da província. Adèle intercede em favor de uma escrava negra, pedindo ao seu

senhor pelo perdão da escrava, que carregava como castigo, por suas tentativas

de fuga, uma argola fixada no tornozelo e atada a uma corrente amarrada em sua

cintura, cujo peso, segundo a própria escrava, maltratava-lhe o corpo. Adèle

apiedou-se e pediu ao proprietário que perdoasse a jovem escrava, “o que não

teve dificuldade em obter, pois um brasileiro nunca recusa um favor pedido para

um escravo, principalmente quando é pedido por uma mulher madrinha de um de

seus filhos, já que o título de compadre e de comadre é quase um laço de

parentesco no Brasil” (SAMSON, 2003, p. 125 e 127)

Sobre as mulheres brancas da elite, Adèle Toussaint representou de forma

ambígua e ambivalente. Em algumas passagens de seu texto, reproduziu alguns

estereótipos freqüentemente apresentados por viajantes estrangeiros, tais como o

fato das mulheres brasileiras exibirem uma aparência descuidada e pouco

aprazível, vestirem-se mal, não terem charme e não saberem comportar-se em

público. Nessa direção, assim se manifestou Adèle:

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Não se pode afirmar que as brasileiras sejam belas, embora em geral, tenham belos olhos e magníficos cabelos. Por certo, há algumas muito bonitas; mas na maior parte, são ou muito magras ou muito gordas, e o que lhes falta, sobretudo é o charme. Geralmente, vestem-se mal, desconhecem os négligés elegantes e esses mil pequenos nadas que tornam a parisiense tão sedutora. A expressão de seu rosto é altiva e desdenhosa. Acreditam assim, dar-se um ar comme il faut, ignorando que, ao contrário, as verdadeiras grandes damas são simples, afáveis e da mais delicada polidez. São mesmo habitualmente bem insolentes, se não se assume um modo mais arrogante que o delas. O dinheiro é a única superioridade que elas reconhecem; assim, o mais eminente artista é bem pouco considerado no Rio, quando não tem vintém. É preciso ver com que ar a gente do país diz, falando de alguém que não é rico: “Coitadinho dele”! Algo que não podemos traduzir em francês (SAMSON, 2003, p. 158).

Em outros momentos de sua narrativa, a viajante francesa Adèle

reproduziu o estereótipo da mulheres brasileiras, isoladas e enclausuradas,

tratadas pelos seus maridos como bonecas, como no fragmento que segue:

Quanto às brasileiras, encerradas por seus esposos no fundo de suas casas, no meio dos filhos e dos escravos, não saindo nunca senão acompanhadas, para ir à missa ou às procissões, não se deve acreditar que sejam por isso mais virtuosas que outras! Apenas, têm a arte de parecê-lo. Quando o brasileiro volta da rua, reencontra no lar uma esposa submissa, que ele trata como criança mimada, trazendo-lhe vestidos, jóias e enfeites de toda a espécie; mas essa mulher não é por ele associada nem aos seus negócios, nem às suas preocupações, nem aos seus pensamentos. É uma boneca, que ele enfeita eventualmente e que, na realidade, não passa da primeira escrava da casa, embora o brasileiro do Rio de Janeiro, nunca seja brutal e exerça seu despotismo de uma maneira quase branda (SAMSON, 2003, p. 153-154).

No entanto, Adèle Toussaint salienta que essa forma dos maridos tratarem

suas mulheres como bonecas era temporária e mudava radicalmente assim que

suas esposas atingiam mais de 30 anos, o que na opinião de Adèle, contribuía

para que se tornassem “desleixadas” ao atingirem essa idade:

Desconhece-se, no Brasil, o que é galanteria; toda a mulher que passou dos trinta anos é uma velha, e não terão receio de dizer-lhe que está “acabada”. Assim, as brasileiras chegadas a essa idade, geralmente se tornam desleixadas. Prendem o cabelo sem cuidado, de qualquer jeito e quase já não freqüentam a sociedade, e passam o dia inteiro de penhoares soltos e sem corpete. (SAMSON, 2003, 166-167).

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A construção do mito da mulher brasileira, passiva e ociosa, passou

generalizado às mulheres de diferentes classes sociais e etnias, nos estudos de

medicina do século XIX e também no discurso de viajantes estrangeiros. O

viajante Charles Expilly, que foi o único viajante estrangeiro a tratar mais

especificamente sobre a condição da mulher brasileira em seu livro Mulheres e

Costumes do Brasil (1935), representou-as como subordinadas diante do homem

e desvalorizadas enquanto mulher.

A historiadora Miriam Moreira Leite, no artigo O Espaço Feminino (1800-

1850), repensando a reclusão da mulher brasileira no século XIX, argumenta que

nem a reclusão era tão rígida quanto alguns autores deram a entender, nem a

situação das européias que visitaram o Brasil diferia tanto quanto a literatura

deixava supor. De acordo com Leite, o que parecia, aos viajantes, reclusão das

mulheres brasileiras, era antes uma participação social em esferas distintas da

vida da comunidade e da família. Na direção apontada, a análise de algumas

obras revela que o espaço social das mulheres era constituído por recintos

abrigados ou internos e demonstrou que a abertura dos espaço público, quando

ocorria, era feita sempre através da mediação masculina.

Andréa Lisly Gonçalves afirma que a longa tradição histórica do caráter

bipolar masculino/feminino assumiu no século XIX um caráter renovado. A casa

passou a ser representada em termos naturais como feminina, enquanto a esfera

pública se constituiu como masculina. Diz a autora: “tratava-se de um traço

vitoriano, do qual emerge o dualismo público/privado, reafirmando o privado como

espaço da mulher, ao destacar a maternidade como necessidade e, o espaço

privado, como lócus da realização das potencialidades femininas” (MATOS, Apud

GONÇALVES 2006, p. 48).

Por outro lado, a reclusão, como padrão ideal de comportamento feminino

para a época, encontrou inúmeras formas de ser burlada e, algumas delas, eram

proporcionadas pela própria família, ou pela Igreja, que, através de celebrações

bastante regulares, ofereciam oportunidades de rompimento da reclusão (LEITE,

1997, p. 29). Acrescente-se que a mulher não participava unicamente das

cerimônias religiosas. No teatro de ópera, embora não fossem admitidas na

platéia, freqüentavam os camarotes, reprodução provisória da casa de família,

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onde ficavam abrigadas (LEITE, 1997, p.60). Há também que se destacar que as

mulheres reclusas mencionadas pelos viajantes eram principalmente a

portuguesa branca de classe alta. Bem diferente era o espaço das mulheres

negras, que povoavam as ruas do Rio de Janeiro. Dessa forma, a rua não era o

local adequado para a mulher branca de elite, do lar, doméstica. A rua era o

domínio da escrava e também das mulheres estrangeiras e, particularmente, das

francesas.

Miriam Moreira Leite comenta a situação de algumas mulheres viajantes

estrangeiras, que escreveram diários de viagem e cita Maria Graham e Ida

Pfeiffer, ambas viúvas, que relatam as limitações dos domínios a que tinham

acesso, ou que lhes estavam reservados. Ainda que a condição de mulher viúva e

de meia idade lhes assegurasse uma posição menos cerceada, sempre tiveram

que recorrer à proteção, ou pelo menos, à companhia de acompanhantes

diplomáticos e compatriotas.

Nas obras de Rose de Freycinet, de Langlet-Dufresnoy e da Baronesa de

Langsdorff aparece nitidamente a reprovação que sentiram por terem rompido a

esfera privada com a viagem. Embora essas viajantes tenham transposto os

padrões impostos pela sociedade global e pela família consangüínea, realizando

a viagem (o distanciamento) e escrevendo os livros (transpondo os limites do

isolamento familiar), parecem ter incorporado, mesmo que parcialmente, os

padrões de gênero de seu tempo (LEITE, 1993).

Ana Lúcia Almeida Gazolla, em seu texto Mulheres à Deriva: Viajantes

Anglo-Americanas no Brasil (1995), enfatiza que a categoria mulher é construída

e, portanto, instável, ressaltando a indeterminação e a recusa a qualquer

essencialização e posicionalidades fixas em justaposições binárias nessa

definição. Gazolla destaca que a produção feminina do século XIX, bem como os

vários discursos sobre essa produção, constituem um espaço de luta em que se

cruzam formulações discursivas conflitantes, que revelam as tensões que

caracterizaram a condição feminina no período. De acordo com a autora, a mulher

viajante é uma figura que vive on the edge, deslizando nos pontos de intersecção

cultural e se situa numa rede complexa de relações de dominação e

subordinação, assumindo posições contraditórias de sujeito, em lugares de poder

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(ou falta de poder), que se encontram em processo constante de deslocamento e

mutação.

Gazzola considera que o ideal feminino do período se baseava em quatro

virtudes cardiais: piedade, pureza, submissão e domesticidade e o papel feminino

era definido pelo espaço da casa, o que reforçava os limites rígidos entre a esfera

pública,e a privada, entre a casa e o espaço externo de trabalho. A construção

oitocentista do gênero é, portanto, uma ideologia restritiva, que reforçava os

padrões de discriminação econômica e considerava anti-naturais as mulheres que

rejeitavam os limites impostos pelo sexo, ou que, por carência, ou necessidade,

entravam no mercado de trabalho.

Todos os discursos reforçavam a redução da mulher ao espaço doméstico

e definiam sua função social de forma instrumental. A representação do sujeito

feminino era, portanto, construída em termos da família, da propriedade, e da

perpetuação da espécie. Quanto mais distante da esfera doméstica fossem suas

atividades, maior o repúdio social. Algumas profissões eram consideradas mais

adequadas à mulher, por constituírem extensões do trabalho, na esfera

doméstica: a professora, por exemplo, apenas estenderia a outras crianças sua

atividade de educar os próprios filhos. A figura da professora não ameaça a

ideologia da domesticidade, inclusive porque, inicialmente, as aulas eram dadas

em sua casa. A passagem para a sala de aula pública foi gradual.

A produção literária era considerada uma das poucas profissões

adequadas às mulheres de classe média, como escritoras ou tradutoras,

principalmente, pelo fato de que o trabalho podia ser desenvolvido na esfera

privada. A utilização dos pseudônimos masculinos era uma das estratégias

usadas para evitar o confronto com as imagens de feminilidade que circulavam na

época, uma vez que a circulação das obras colocava as autoras em contato com

a esfera pública. Também na literatura de viagem, observa-se uma tensão por

partir da premissa de um deslocamento literal e simbólico da mulher e, segundo

Miriam Moreira Leite, uma “dupla documentação”, ao retratar a condição feminina

no país visitado e no país de origem.

Pode-se então, falar em um texto feminino de viagem? Gazolla acredita

que há uma marca de gênero na significação, tanto das viagens, quanto dos

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relatos escritos por mulheres, e as pressões decorrentes da posição feminina

marcam uma diferença com relação à produção masculina.

As ênfases em assuntos considerados femininos, nos relatos de viagem de

mulheres viajantes, revelaram, freqüentemente, sua adesão aos

constrangimentos de gênero e aos comportamentos socialmente aceitos como

femininos. Uma das marcas mais freqüentes desses padrões de feminilidade, na

narrativa das mulheres viajantes, era o interesse pela aparência e as referências

constantes às roupas apropriadas, às vestimentas, à etiqueta e ao

comportamento social inadequado das mulheres brasileiras. Assim se refere

Adèle:

Fui convidada à casa de um negociante francês para ver passar, a procissão de Quinta-feira Santa, e mais tarde a de São Jorge. Todas as janelas da cidade, nesses dias, embandeiravam-se de cortinas de damasco vermelho, azul e amarelo e, em cada janela, exibiam-se as brasileiras em grande toalete, isto é, de vestido de seda negra, decotado e de mangas curtas, o pescoço e as orelhas carregados de diamantes; perto delas, estavam seus filhos, cercados de mulatinhos, e de negrinhos e, atrás, postavam-se as amas secas (SAMSON 2003, p. 103).

Essas observações expressam, muitas vezes, uma tendência etnocêntrica

das mulheres viajantes, ao confundirem as regras de conduta da cultura burguesa

da Europa, na primeira metade do século XIX, com as vivências das mulheres

brasileiras. No entanto, apesar desse etnocentrismo, como destacou Miriam

Moreira Leite (1997), as mulheres estrangeiras e escritoras parecem ter

compreendido as condições de vida da mulher brasileira melhor do que os

viajantes homens, pois tinham acesso à intimidade da casa das brasileiras e

conviveram com elas em diferentes situações sociais. Além de terem contribuindo

com um duplo testemunho para a história da mulher do século XIX: as reflexões

sobre a sua condição de mulher européia e as observações sobre a mulher

brasileira.

A pesquisadora Margareth Rago, em seu trabalho sobre a sexualidade

feminina, também destaca a maneira ambígua com a qual a mulher brasileira do

século XIX era acolhida no espaço público, que a aceitava como ornamento,

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acompanhante, ou auxiliar do pai ou do marido, sempre numa posição secundária

e subordinada a deles; sua principal função era a de ser esposa e mãe. Ela era

vista como consumidora, enquanto ao homem cabia a posição de produtor.

A autora analisa o que denomina o mito da ociosidade e passividades da

mulher brasileira, buscando referências nas informações dos viajantes

estrangeiros, que estiveram no país e que as representavam como

“essencialmente ociosas, más donas-de-casa, gordas preguiçosas que viviam

descansando nas redes, desfrutando dos cafunés de suas subordinadas.”

(RAGO, 1991, p. 58). As fazendeiras eram vistas como desleixadas e mal-

arrumadas e a burguesa, no espaço urbano, muito fútil, preocupava-se apenas

com as aparências sem nenhuma densidade espiritual ou intelectual, tratando

apenas de enfeitar-se e exibir seu status privilegiado através do corpo; recebiam

uma educação voltada apenas para as tarefas mais elementares da vida

doméstica, empobrecendo-lhes o espírito. Rago trata, ainda, da distinção entre

dois tipos diferentes de mulheres brasileiras; de um lado, a mulher tradicional,

reservada, fechada no lar e, de outro, a que se modernizava, no início da década

de 1860, segundo os moldes europeus de comportamento e representada como

“fútil” e censurada pelos olhares masculinos. Segundo a autora, os próprios

viajantes reforçavam a imagem da fragilidade feminina, da vida sedentária e da

ociosidade das mais ricas, que aparentavam ser débeis e doentias, por não

fazerem exercícios físicos, evitarem que o sol lhes queimasse a pele e não serem

boas donas-de-casa.(RAGO, 1991).

Adéle Toussaint rompeu com essa imagem recorrente da mulher brasileira

ociosa e representou as mulheres brasileiras da elite como senhoras habilidosas

que administravam com energia inúmeras tarefas em seu lar:

Uma das opiniões mais geralmente creditadas à dama brasileira é que ela é preguiçosa e que não faz nada o dia inteiro. Não é bem assim: a brasileira não faz nada, pois têm outros que fazem por ela; ela sente grande orgulho em nunca ser vista exercendo qualquer tipo de ocupação. Entretanto, quando se é admitido em sua intimidade, podemos vê-la, de manhã, de tamancas, numa camisola de musselina, presidindo a feitura de doces (geléias de todos os tipos), cocadas e distribuindo-os no tabuleiro o qual os negros e negras carregam para vender, na cidade, os doces, as frutas, as verduras da plantação. Depois de eles terem saído, a senhora prepara a costura que as mulatas fazem; porque quase todas as roupas dos filhos, dos donos e

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das senhoras são feitos em casa. Também há guardanapos e lenços feitos no ponto crivo, que são feitos para a venda como o resto. Cada um dos escravos chamado de “ganho” deve trazer a sua patroa uma soma designada ao final de cada dia e muitos são surrados quando retornam à casa sem o dinheiro. Isso é o que se constitui na mesada das senhoras brasileiras, e lhes permite satisfazer suas fantasias. (SAMSON, 2003, p. 156-157).

Adèle Toussaint parece ter entendido que tal atitude não era uma

prerrogativa feminina, mas ligava-se à desvalorização do trabalho manual na

sociedade escravista brasileira:

Uma dama brasileira coraria de ser surpreendida em uma ocupação qualquer, pois professam o mais profundo desprezo por tudo que trabalha. O orgulho do sul americano é extremo. Todo mundo quer ser senhor; ninguém quer servir. Não se admite no Brasil, outra profissão que não a de médico, de advogado ou de negociante atacadista (SAMSON, 2003, p. 157).

Na perspectiva do discurso euro-imperial, Adéle considerou que as

mulheres brasileiras mais bem educadas eram aquelas que recebiam educação

européia, francesa ou inglesa, porém, de forma contraditória, admitia que as

brasileiras eram inteligentes e podiam superar suas mestras européias:

As brasileiras de hoje, educadas em colégios franceses ou ingleses, ali adquiriram pouco a pouco nossos hábitos e nossa maneira de ver; de sorte que, muito lentamente, conquistam sua liberdade. Ora, como sua inteligência é muito viva, creio que em pouco tempo terão superado seus mestres (SAMSON, 2003, p. 155).

De outro lado, é também interessante explorar as representações de Adèle

sobre as outras mulheres estrangeiras que viviam no Rio de Janeiro naquela

época, particularmente as francesas. Robert Aldrich comenta sobre as

discriminações sofridas pelas mulheres francesas no ambiente colonial e a

respeito das normas e distinções pessoais e profissionais. Também Adèle

queixou-se dos preconceitos e dos comentários masculinos quando caminhava

sozinha pelas ruas do Rio de Janeiro para ir até as casas de seus alunos, quando

era chamada de “Madame”, no sentido de cortesã. Adéle refere que nas ruas da

cidade as mulheres brancas eram apenas as francesas e inglesas, porque as

brasileiras, naquela época, jamais saíam sozinhas às ruas. Por esse motivo, elas

se viam expostas a muitas aventuras, já que os brasileiros as consideravam como

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cortesãs, e a exportação de cortesãs francesas para o estrangeiro era muito

comum; os negociantes desse gênero faziam encomendas aos correspondentes

em Paris. Sendo assim, sobre as francesas, fossem casadas ou não, pesava um

estigma que as levava a serem constantemente importunadas, com cumprimentos

e olhares maldosos; bilhetes com propostas indecorosas, sem a menor cerimônia,

por parte dos homens brasileiros, que circulavam pelas ruas do Rio de Janeiro.

Assim sendo, as representações mais recorrentes sobre o Outro (a) negro

(a) e sobre as outras mulheres brasileiras aparecem marcadas por ambigüidades

e ambivalências, às vezes, até mesmo por contradições, que se articulam na

multiplicidade de discursos que atravessam as suas narrativas de viagem, tais

como o discurso euro-imperial, o discurso romântico e o discurso racista.

3.3 PEDAGOGIAS FRANCESAS

Passo a examinar as pedagogias do olhar francês, particularmente, do

olhar feminino francês, os possíveis ensinamentos produzidos por essa mulher

viajante francesa no Rio de Janeiro. Os valores e normas de comportamento e

conduta que, como francesa, pretendeu ensinar aos brasileiros (as), como

padrões referenciais de cultura e civilização. Inicio com o pressuposto de que, os

possíveis ensinamentos articulados por essa viajante francesa, apresentam-se

mediados pelo discurso da chamada missão civilizadora, pelo discurso romântico

e também pelas construções de gênero da época. A seguir, acompanho as

reflexões de alguns estudiosos sobre o tema, para instrumentalizar-me na

interpretação das pedagogias francesas.

De acordo com o pesquisador Robert Aldrich em seu livro Greater France:

A History of French Overseas Expansion (1996), durante os séculos XVIII e XIX,

França e Inglaterra brigaram pela supremacia colonial em terras estrangeiras. A

GrãBretanha embora tenha perdido sua grande colônia que se tornou

posteriormente os Estados Unidos da América, conquistou a Índia e a Austrália,

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por volta de 1700. A França, por sua vez, conservou territórios na África e no

Pacífico, mesmo com seu império reduzido a ruínas, após Napoleão haver

perdido a batalha de Waterloo em 1815. Desde a conquista da Algéria em 1830,

até a sua descolonização em 1962, a França suportou diversas agitações

políticas internas, muitas revoluções e a passagem por vários regimes políticos.

Nesse tempo, o país promoveu profundas mudanças econômicas e sociais,

incluindo uma revolução industrial, o surgimento de uma nova elite e um novo

proletariado, uma urbanização significativa, além de muitos outros progressos

chamados de ‘modernização’ (ALDRICH, 1996).

Segundo o autor, a expansão colonial sugeria naquela época a

superioridade cultural, moral e biológica dos europeus e a responsabilidade dos

mesmos em trazer a civilização para os incivilizados, a chamada missão

civilizadora, elevando os considerados povos inferiores ao nível dos europeus. O

autor lembra que a expansão colonial, qualquer que fosse sua forma, trazia

implícita a noção da superioridade cultural. Europeus eram considerados

superiores na Indochina, em países negros da África, Malásia e Oceania, ou seja,

onde os povos e toda a sua população não praticassem as religiões cristãs, o

legado da ciência moderna, da economia capitalista e do povo de pele branca.

Para Norbert Elias, o conceito de civilização expressou a consciência que o

Ocidente tinha de si mesmo, correspondendo à noção de que a sociedade

européia ocidental dos últimos três séculos se julgava superior às demais

sociedades, orgulhando-se do seu nível de tecnologia, da natureza das suas

maneiras, do desenvolvimento do seu conhecimento científico e da sua visão de

mundo. A civilização foi compreendida como um processo que se movimenta

permanentemente para frente e o resultado era a consciência de sua própria

superioridade, como justificativa do seu domínio (Apud LISBOA,1997). De acordo

com Karen Lisboa, o conceito de civilização expressava uma visão eurocêntrica,

cuja única forma de conceber o mundo era a partir do seu próprio universo,

impondo-se ao mundo em nome da cultura mais perfeita, que era a da raça

caucásica, a qual possuiria naturalmente uma superioridade psíquica e física em

relação aos demais povos.

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Para pensar o Brasil e descrever seu “estado” na história do gênero

humano, os viajantes europeus usaram muitas vezes o termo civilização, como

um movimento que ultrapassaria as fronteiras européias e se imporia ao resto do

mundo como uma “cultura perfeita”. Conforme a análise de Norbert Elias, o

conceito de civilização, para os ingleses e franceses, representava “o orgulho pela

importância de suas nações para o progresso do Ocidente e da humanidade”. De

acordo com o autor, os europeus compreendiam a civilização como resultado de

um processo, que se movimentava incessantemente “para frente”, constituindo-se

na consciência da sua própria superioridade. No olhar dos viajantes estrangeiros

europeus, o conceito de civilização sinalizava a possibilidade do processo

civilizador nos trópicos, apesar dos negros e mulatos que destoavam da

paisagem civilizada. O Brasil era visto pelos viajantes estrangeiros como uma

terra do porvir, um país que, conduzido pelo gênio europeu, entraria no cenário da

história, afinal na ótica euro-imperial, o “verdadeiro europeu leva a sua pátria para

todos os cantos, todos os mares e todas as regiões” ( LISBOA, 1997, p.184).

A presença do homem branco nos trópicos, representando a verdadeira

humanidade e, por isso, gozando de superioridade sobre as demais raças,

cumpria a sua missão de difundir a civilização. Esse processo, para eles, dava-se

em razão da instalação da monarquia no país, por um lado, e, por outro, em

virtude de o novo sangue europeu estar redescobrindo e transformando o reino

nesses trópicos. Porém, nesse esforço civilizador depararam-se com a própria

contradição do processo civilizador, onde a civilização pode aniquilar a natureza,

ameaçando a própria humanidade.

Robert Aldrich afirma que o colonialismo sugeriu uma cultura, uma

moralidade e uma prova biológica da superioridade européia. Os europeus

assumiram a responsabilidade de introduzir uma civilização para não civilizados, a

“missão civilizadora” e, com isso, a missão de levar a civilização para os

selvagens, a religião aos pagãos ignorantes e a modernidade aos primitivos.

(ALDRICH, 1996, p. 92). Aldrich cita como exemplo das idéias imperialistas

francesas, as idéias de Jules Ferry (1832-1893), advogado, jornalista e político

republicano francês, primeiro ministro em 1885, que defendeu o colonialismo e a

expansão ultramarina no parlamento francês e apresentou três motivos para tal

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expansão, tendo seus argumentos firmado uma ideologia do colonialismo francês

ao final dos anos do século XIX. Ferry, que também foi Ministro da Educação

(Instruction Publique), disse inicialmente que a “exportação era um fator essencial

para a prosperidade pública” e defendeu que “uma nação que deseja sobreviver,

deve competir em ambos os fóruns (dentro e fora da Europa). O outro postulado

da doutrina de Ferry estava ligado ao aspecto humanitário e civilizatório. Ele

argumentava que a França teria abolido a escravidão a partir da Revolução

Francesa, mas que somente em 1848 Paris tomou a responsabilidade de eliminá-

la na África. Ferry justificou a iniciativa como sendo um dever da França espalhar

a civilização nos povos estrangeiros, uma vez que era um país civilizado

(ALDRICH, 1996 p. 99). É nesse contexto, da missão civilizatória francesa no

Brasil no século XIX, que pretendo examinar as possíveis pedagogias francesas

nas narrativas de Adèle, as possíveis lições que ela, como mulher francesa nos

trópicos, tentou ensinar aos brasileiros/as no Rio de Janeiro.

Adèle Toussaint comenta que as francesas eram tratadas pelos brasileiros

como mulheres “fáceis” e narra um fato pitoresco de uma disputa entre um oficial

e outro brasileiro, que competiram para saber qual dos dois conquistaria uma

compatriota francesa, assunto que suscitou apostas na cidade. Para Adèle, talvez

o fato de as francesas rirem naturalmente e conversarem tanto quanto os

homens, os levassem a crer que fossem todas “madames”, mulheres negociáveis,

mesmo aquelas que, sob o sol escaldante, andavam pelas ruas da cidade,

desempenhando a função de professoras particulares, como era o caso de Adéle.

No entanto, a autora refere que, com o passar dos anos, os brasileiros parecem

ter se acostumado à presença das mulheres brancas nas ruas e afirma que esse

deve ter sido um dos ensinamentos das francesas aos homens brasileiros:

À força de pequenas lições desse gênero, os sul-americanos compreenderam, enfim, que há mulheres que, por ir a pé, sozinhas, ganhar a vida a ensinar sob aquele sol de fogo, não são por isso menos honradas, e começam a não dizer mais, com aquele ar de profundo desdém: “É uma Madame!”, porque mais de uma madame os ensinou a viver. (SAMSON, 2003, p. 153).

Esse confronto entre os homens brasileiros e as mulheres francesas que

circulavam pelas ruas do Rio de Janeiro, articulava-se aos conflitos entre modelos

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que se constituíam como próprios ao comportamento feminino no Brasil do século

XIX e o dia-a-dia das mulheres de carne e osso, nesse caso, as professoras

francesas, que como Adèle, saíam às ruas para lecionar nas casas de seus

alunos.

Os anseios civilizadores de Adèle Toussaint projetaram-se,

particularmente, contra os obstáculos representados pela escravidão e pela

condição de opressão vivida por algumas mulheres brasileiras. Um desses

momentos ocorreu na ocasião de sua visita a fazenda São José. Transcrevo o

diálogo que Adèle narrou entre ela e a mulher do administrador da fazenda e

destaco, particularmente, sua interpretação sobre os possíveis ensinamentos

morais que julgou ter proporcionado a essa jovem mulher branca brasileira:

[Na fazenda] eu havia notado, na noite anterior, uma jovem mulher, branca, ou, antes, amarela, de grandes olhos com olheiras, de cabelos mal penteados, que andava descalça, vestida com uma saia malfeita, uma criança pela mão e outra no colo, e supusera que bem poderia ser a mulher do administrador que, no entanto, tinha roupa fina, um traje decente e um verniz de letras e de ciência. Ora, antes de partir, quis tirar as coisas a limpo. (...) Resolvi então satisfazer minha curiosidade, enquanto meus filhos comiam e nossos cavalos eram selados, notando em seu rosto traços de profundo sofrimento:

- Parece triste, senhora, disse-lhe. - Sou bem infeliz, senhora, respondeu ela. - Não é a mulher do administrador? - Para minha desgraça. - Como? - Ele me trata indignamente. Aquelas mulatas, acrescentou ela,

apontando-me uma, é que são as verdadeiras senhoras da fazenda;por elas, meu marido me cobre de ultrajes.

- Por que suporta isso? - Meu marido me força a receber essas criaturas até em minha

cama; e é lá, debaixo dos meus olhos, que lhes dá suas carícias. - É horrível! - Quando me recuso a isso, ele me bate e suas amantes me

insultam. - Como continua com ele? Abandone-o. Ela olhou-me com profundo espanto. - Abandonar meu marido!,fez ela, e como viveria? - Trabalhando. - Não sei ganhar dinheiro; e meus filhos? - O pai será obrigado a educá-los, mas não pode deixá-los

mais tempo com semelhante espetáculo sob os olhos. Uma mãe não deve tolerar que a ofendam diante dos filhos. Para que eles a respeitem, faça-se respeitar.

A pobre mulher escutava-me com muita atenção, tentando compreender abrindo os seus grandes olhos espantados.

- Isso é muito bom para as francesas, disse ela enfim, que sabem como ganhar seu pão; mas nós, a quem não se ensinou nada, somos obrigadas a ser como criadas de nossos maridos.

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- Pois bem, faça como quiser; mas quando tiver sofrido bastante e sentir que esgotou suas forças, lembre-se da francesa que passou uma noite na fazenda e vá procurá-la ela lhe dará os meios de viver de seu trabalho. Aqui está meu endereço (...)

Três meses depois, bateram à minha porta. Era a senhora Maria, a mulher do administrador, que vinha, com um dos filhos nos braços, pedir que cumprisse a promessa que lhe fizera, e a contratei como empregada para fiscalizar os domésticos negros e cuidar da roupa da casa. Meu objetivo fora alcançado, eu desenvolvera em sua alma o sentimento da dignidade humana, e ensinara-lhe a trabalhar para viver; reabilitara-a moralmente e a curara fisicamente. A senhora Maria jamais me pôde esquecer, estou certa disso (SAMSON, 2003, p. 142-143-144).

Foto extraída do livro de Adèle Toussaint-Samson, Uma Parisiense no Brasil, Ed. Capivara, Rio de Janeiro: 2003, p.139.

Ao longo de sua narrativa, Adèle Toussaint revela-se um sujeito híbrido

atravessado por múltiplos discursos que revelam imagens e representações

múltiplas. No que se refere aos efeitos pedagógicos das suas narrativas,

destacam-se algumas possíveis lições que essa viajante francesa pretendeu

ensinar aos brasileiros (as). Em primeiro lugar, seu romantismo revolucionário

manifestou-se na defesa intransigente da integridade física dos escravos,

intervindo contra os castigos corporais de escravos no Rio de Janeiro. De outro

lado, a conjunção dos discursos da missão civilizadora com o discurso de gênero

enquanto mulher reformadora social, manifestou-se pedagogicamente, na defesa

das mulheres brasileiras, que sofriam a opressão e a desmoralização por parte de

seus maridos, levando-a a intervir contra essas atitudes, na busca da elevação da

dignidade e do status moral dessas mulheres. Adèle Toussaint pretendeu também

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ensinar, os homens brasileiros, a respeitarem a presença pública das mulheres

estrangeiras, que saiam às ruas para trabalhar e, como ela mesmo diz, com o

tempo, eles acostumaram-se às suas presenças e pararam de importuná-las.

Nesse sentido, se por um lado Adèle aderiu às orientações da missão civilizadora

francesa, de outro lado, suas pedagogias foram marcadas por sua própria

condição de gênero, enquanto mulher viajante, que na posição de reformadora

social, questionou os pressupostos da sociedade patriarcal brasileira da época.

3.4 ENCERRANDO OUTRA ETAPA DO CAMINHO

Encerro essa análise, repensando o processo de hibridação que a viajante

francesa Adèle Toussaint parece ter vivido, após sua estadia de quase 12 anos

no Rio de Janeiro, no final do século XIX. Talvez sua própria condição

ambivalente, como uma européia que participava de um projeto imperial francês,

posicionada no centro e, como mulher, na periferia, parece ter lhe permitido

relativizar as hierarquias do discurso imperial francês, questionar alguns de seus

pressupostos e, ressignificar o Brasil e a sua própria terra natal, a França. Sigo

aqui a direção apontada por Canclini, de que os estudos sobre a hibridação não

devem limitar-se a descrever mesclas interculturais, mas interpretá-las, nas suas

novas significações e relações de sentido, que resultem dessas mesclas.

Com relação aos relatos de viagem produzidos por mulheres no século

XIX, cabe ressaltar que as autoras, freqüentemente, viram-se movidas em

direções textuais contrárias, entre os imperativos do discurso euro-imperial e os

discursos de feminilidade, permanentemente negociando o estatuto autoritário do

discurso euro-imperial e as convenções e expectativas do gênero feminino

socialmente definidas, com as possibilidades de transgressão desses discursos.

Cabe salientar que as tensões e contradições discursivas funcionam como vozes

contra-hegemônicas, gerando fissuras e inconsistências, que resultam em uma

instabilidade de sentido. Entretanto, para usar a metáfora de Mary Louise Pratt,

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nem por isso, seus olhos deixam de ser imperiais; comparações e julgamentos

emitidos a partir de uma posição imperial são recorrentes em seu texto.

Adèle Toussaint mantém como referência o padrão de gosto francês e,

mesmo mostrando-se interessada em conhecer os costumes brasileiros e

aprender o português, declara: “não conheceu ninguém, de nenhum sexo, que lhe

lembrasse os homens e senhoras bem educados da Europa” (SAMSON, 2003, p.

150) Nesse sentido, com frequência, Adèle reafirma, em seu texto, valores

europeus e a posição de superioridade européia, a partir da qual julga a cultura do

Outro (a).

No entanto, por outro lado, vale destacar que os efeitos dessa participação

marginal das mulheres, no empreendimento colonial, de sua posição de

submissão na sociedade patriarcal e da necessidade de aderirem, mesmo que de

forma parcial, às expectativas de feminilidade, acabam por marcar seus textos

com uma perspectiva menos assertiva e definitiva. Isso funciona como um fator

de relativização do discurso euro-imperial e produz fissuras na fixação de sujeitos

e sistemas de diferenças, como se pode observar no excerto transcrito abaixo

quando refere-se ao português falado no Brasil:

A língua brasileira, com todos os seus diminutivos, tem uma graça toda crioula, e jamais a ouço sem lhe descobrir um grande encanto. A língua mãe abastardou-se, evidentemente. Não importa! Todas as suas denguices lhe caem bem e dão à língua brasileira um não-sei-que que seduz mais o ouvido que a pura língua de Camões (SAMSON, 2003, p.173).

Adèle produz novos deslocamentos de sentido no discurso euro-

imperial, quando salienta diversas vantagens que usufruiu vivendo no

Brasil, em contraste com as limitações do modo de vida dos europeus.

O brasileiro é muito hospitaleiro. Sua mesa está aberta a todos. Em nossos países, isso parece absolutamente principesco.No Rio de Janeiro, nem sequer se nota. Habituada a ocupar sozinha uma grande casa, onde podia dar hospitalidade a oito pessoas sem me constranger, tive muita dificuldade em me acostumar de novo à nossa vida parisiense, tão estreita, tão luxuosa na aparência, e, no fundo, tão apertada, onde cada bocado é contado em nossas mesas, onde se hesita em trocar a roupa branca todos os dias, onde mesmo o ar lhe é medido. No entanto, é nos países ricos, diziam-me, que tudo isso é produzido”. Admito, mas então prefiro os que são chamados pobres,

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onde a vida é larga, onde o ar e o sol não lhe são contados, onde não se corta uma fruta em quatro, onde se toma banho todos os dias e onde, por quase nada, pode-se comprar, não um pedacinho de terra, mas léguas de país (SAMSON, 2003, p. 180).

Os relatos de viagem escritos por mulheres parecem produzir uma certa

instabilidade de significados que desloca a posição monolítica do discurso euro-

imperial. Essa instabilidade aparece marcada pela presença de um tom mais

pessoal e íntimo, no texto das mulheres viajantes, o que contribui para que se

conforme mais aos modelos aceitáveis dos papéis feminino tradicionais. Na

transcrição abaixo, pode-se observar que, em algumas passagens de seu texto,

Adèle mostra-se comprometida com esses papéis femininos dominantes e

representa-se, a partir do espaço doméstico da sua casa, na perspectiva da

mulher-mãe, mulher-esposa, mulher-enfermeira que cozinha e cuida de seu filho

e marido:

Chegados havia apenas três meses, sem conhecer ninguém na cidade, quase não vendo os parentes com os quais nos hospedáramos ao chegar, sem médico,sem criado, com muito pouco dinheiro e um filho de dezoito meses que eu acabara de desmamar, assim era a nossa situação.. Meu marido teve que ficar acamado e eu o tratava como tratava a mim mesma. Tive a felicidade de nos salvar a ambos, e entramos em convalescença. Eu a conduzi à minha maneira, com caldo gordo no qual lançava um punhado de azedas cozidas; um pouco de cozido e de arroz preparado na água, completavam a refeição. Graças a esse regime, nosso estômago recuperou-se perfeitamente e depois, toda vez que a febre amarela grassou no país, durante os doze anos em que vivemos lá, nunca mais fomos atingidos por ela. (SAMSON, 2003, p. 94-95).

De acordo com Andréia Lisly Gonçalves (2006), o século XIX teria

estimulado, como em nenhuma época passada, a criação de uma série de

mecanismos de controle sobre as sensações e os sentimentos femininos. A Era

Vitoriana na Inglaterra (1837 a 1901) foi um longo período conservador, onde o

modelo do anjo do lar pôde implantar-se com facilidade e, as mulheres das

classes remediadas, tiveram a possibilidade de voltar-se inteiramente às

atividades domésticas, revalorizando o espaço privado. A época vitoriana foi um

período de valorização da família, quando o comportamento das mulheres foi

sistematizado em um sem número de manuais e códigos e o mínimo que se

esperava delas, era que se constituíssem em verdadeiros “dragões da virtude”.

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A autora segue sua análise, esclarecendo que, muitas vezes, as mulheres

eram alvos de representações idealizadas, mesmo ao desempenharem suas

tarefas cotidianas e, assim, eram apresentadas a partir de modelos construídos

pela imaginação masculina. Essa imagem feminina idealizada pelo homem

realçava as mulheres compassivas, cumprindo seus destinos de penélopes,

tecendo, bordando, fiando, em noções bastante previsíveis do que se esperava

do comportamento feminino. A autora destaca ainda que, com o estabelecimento

do que mais tarde seria conhecido como o “culto à domesticidade”, o papel de

dona de casa seria essencial à conservação das famílias e à perpetuação da

sociedade. A partir de então, o lar e a família passaram a ser representados em

termos naturais, e a maternidade, tornou-se a suprema realização feminina.

(GONÇALVES, 2006, p.37-42).

Outra marca do relato de viagem de Adèle Toussaint são as referências

irônicas aos textos dos viajantes do sexo masculino, cujas observações ela

questiona, “se eles te[riam] razão” e, até mesmo Humboldt é criticado por

interpretar incorretamente a realidade estrangeira. Observo também um

deslocamento de sentido nos relatos de viagem de Adèle, quando comparados

aos dos viajantes estrangeiros, com relação à escravidão no Brasil. Atravessada

pelo discurso romântico, humanitário e reformista, Adèle criticou a representação

de uma escravidão amena e branda no Brasil e salientou os maus tratos aos

escravos.

No que diz respeito às representações do outro negro (a), a narrativa de

viagem de Adèle Toussaint expressa uma ambivalência entre posições

etnocêntricas e racistas e uma posição romântica humanitária e abolicionista. Os

condicionamentos do gênero feminino, particularmente o papel da missão

reformadora e moralizadora das mulheres, permitiu que Adèle se aproximasse

das mulheres e interviesse a seu favor, tanto no caso de forçar a suspensão de

aplicação de castigos corporais nas escravas, como na defesa da dignidade da

mulher branca humilhada pelas traições e pelo desrespeito do marido. Adèle

dialoga com elas, quer ouvi-las, como no diálogo com a escrava que fora punida

na fazenda e com a mulher do administrador da fazenda.

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Sendo assim, é importante sublinhar que não interpreto o processo de

interpenetrações culturais vivenciado por Adèle Toussaint, no Brasil, na

perspectiva de um testemunho somente eurocêntrico, fixo, imutável, sem

contradições. Ao contrário, busco traduzir os possíveis ensinamentos desse Olhar

francês, articulados aos deslocamentos que o eurocentrismo da autora sofre e

que transforma sua visão sobre o “incivilizado mundo dos trópicos” e sobre seus

próprios conceitos. Também na representação da alteridade, apesar de uma

relativização limitada, ressalto a identificação do olhar da viajante francesa Adèle

Toussaint a uma posição de superioridade cultural. Há uma lealdade entre a

mulher viajante e o ideal civilizatório herdado do Iluminismo, associado aos

projetos de expansão eurocêntrica. Logo, toda viagem envolve um

remapeamento, uma realocação de fronteiras, uma negociação entre a casa e o

lugar distante, entre a própria cultura e a cultura do Outro. Parece que a viagem,

assim como a escrita, representam para a mulher uma forma de dissidência.

Conforme Ana Lúcia Gazzola (1995), nesse lugar híbrido, liminar, fronteiriço, o

olhar feminino desliza, ao mesmo tempo cúmplice e resistente, ancorado e à

deriva, enraizado e deslocado, “estrangeiro a si mesmo”.

É nesse sentido que encerro provisoriamente minha análise, com alguns

depoimentos de Adéle Toussaint, após retornar à França, quando revela um certo

desencantamento com a civilização européia e uma nostalgia das vivências no

Brasil:

Contudo, muitas surpresas e muitas desilusões me aguardavam no regresso. Meu país, que permanecera tão belo na minha lembrança, pareceu-me estéril, triste, cinzento, em comparação com aquele que acabava de deixar. Quando avistei da janela do vagão nossos campos recortados em pequenos canteiros de toda cor, aquilo me causou o efeito de tapetes caseiros costurados uns aos outros. Longe de extasiar-me (como talvez devesse fazê-lo) com a cultura dessa terra [a França], cujo menor canto é semeado e produz, aquilo me chocou e me pareceu de uma mesquinharia inaudita. Este país, onde nem uma polegada de terreno era perdida, onde nada era dado, onde a menor parcela de terra era comprada, apertava-me o coração contra a vontade (SAMSON, 2003, p.179). Quantas vezes lamentei a perda daqueles imensos horizontes que engrandecem a alma e o pensamento; meus banhos de mar ao luar na praia fosforescente;minhas corridas a cavalo na montanha; aquela baía esplêndida, para a qual davam as janelas de minha habitação e onde, à noite, barcos de pescadores passavam agitando suas tochas sobre as ondas! (SAMSON, 2003, p. 180).

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Como quer que seja, adquiri a convicção de que, quando se viveu em um país banhado de sol, não se pode mais viver em outra parte, e de que, quando a alma impregnou-se fortemente da presença das grandes obras de Deus, não se pode mais compreender a vida factícia de nossas cidades. É isso que faz com que eu sempre tenha saudade, como dizem os brasileiros, da América do Sul e que desejasse revê-la mais uma vez antes de morrer (SAMSON, 2003, p. 181).

Como avaliarmos esses excertos? Possível crítica da viajante francesa ao

processo civilizador? Possível nostalgia romântica de uma sociedade primitiva

mais feliz? Essas questões permanecem em aberto, sem respostas definitivas.

Aponto, provisoriamente, que as representações culturais de Adéle Toussaint-

Samson, sobre si e sobre o Outros (as), assim como os efeitos pedagógicos das

suas narrativas, aparecem articuladas a uma encruzilhada discursiva, que

atravessa e marca seus relatos de viagem, produzindo múltiplas representações e

fissuras nas significações dos discursos hegemônicos, que mediaram seu texto e

que estarão sempre sendo renegociados, a cada nova leitura.

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ANEXO A Poema O Escravo, de Fagundes Varela

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O Escravo

Fagundes Varela

Dorme! Bendito o arcanjo tenebroso Cujo dedo imortal

Gravou-se sobre a testa bronzeada O sigilo fatal!

Dorme! Se a terra devorou sedenta De teu rosto o suor,

Mãe compassiva agora te agasalha Com zelo e com amor.

Ninguém te disse adeus na despedida, Ninguém chorou por ti!

Embora! A humanidade em teu sudário Os olhos enxugou!

A verdade luziu por um momento De teus irmãos à grei:

Se vivo foste, escravo, és morto...livre Pela suprema lei!

Tu suspiraste como hebreu cativo Saudoso do Jordão,

Pesado achaste o ferro da revolta, Não o quiseste, não!

Lançaste-o sobre a terra inconsciente Do teu próprio poder!

Contra o direito, contra a natureza, Preferiste morrer!

Do augusto condenado as leis são santas, São leis porém de amor:

Por amor de ti mesmo e dos mais homens Preciso era o valor...

Não o tiveste! Os ferros e os açoites Mataram-te a razão!

Dobrado cativeiro! A teus algozes Dobrada a punição!

Por que nos teus momentos de suplício, De agonia ede dor,

Não chamaste das terras Africanas O vento assolador?

Ele traria a força e a persistência À tu’alma sem fé,

Nos rugidos dos tigres de Benguela, Dos leões de Guiné!...

Ele traria o fogo dos desertos, O sol dos areais,

A voz dos teus irmãos viril e forte, O brado dos teus pais!

Ele te sopraria às moles fibras A raiva do suão

Quando agitando as crinas inflamadas Fustiga a solidão!

Então erguerás resoluto a fronte, E grande em teu valor,

Mostrarás que em teu seio ainda vibrava A voz do Criador!

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Mostrara que das sombras do martírio Também rebenta a luz!

Oh! Teus grilhões seriam tão sublimes, Tão santos como a cruz!

Mas morreste sem lutas, sem protestos, Sem um grito sequer!

Como a ovelha no altar, como a criança No ventre da mulher!

Morreste sem mostrar que tinhan’alma Uma chispa do céu!

Como se um crime sobre ti pesasse! Como se foras réu!

Sem defesas, sem preces, sem lamentos, Sem círios, sem caixão,

Passaste da senzala ao cemitério! Do lixo à podridão!

Tua essência imortal, onde é que estava? Onde as leis do Senhor?

Digam-no o tronco, o látego, as algemas E as ordens do feitor!

Digam-no as ambições desenfreadas, A cobiça fatal,

Que a a eternidade arvoram nos limites De um círculo mortal!

Digam-no o luxo, as pompas e as grandezas, Lacaios e brazões,

Tesouros sob o sangue amontoados, Paços sobre vulcões!

Digam-no as almas vis prostitutas, O lodo e o cetim,

O demônio do jogo, a febre acesa Em ondas de rubim!...

E no entanto tinhas um destino, Uma vida , um porvir,

Um quinhão de prazeres e venturas Sobre a terra a fruir!

Eras o mesmo ser, a mesma essência Que teu bárbaro algoz;

Foram seus dias de rosada seda, Os teus de atros retrós!...

Pátria, família, idéias, esperanças, Crenças, religião,

Tudo matou-te em flor no íntimo d’alma, O dedo da opressão!

Tudo, tudo, abateu sem dó, nem pena! Tudo, tudo, meu Deus!

E teu olhar à lama condenado Esqueceu-se dos céus!...

Dorme! Bendito o arcanjo tenebroso Cuja cifra imortal,

Selando-te o sepulcro, abriu-te os olhos À luz universal!

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ANEXO B O documento apresentado neste anexo refere-se a uma carta, escrita de próprio

punho, por Adèle Toussaint-Samson, no ano de 1881, tendo já retornado à

França, seu país de origem. A viajante francesa escreve à Condessa de Barral,

preceptora das princesas imperiais Izabel e Leopoldina, filhas do Imperador D.

Pedro II, com quem travara conhecimento, ao freqüentar a Corte, no Rio de

Janeiro, durante o tempo que morou na cidade. A pesquisa de localização do

documento foi realizada por mim, nos arquivos históricos do Museu Imperial de

Petrópolis, no Rio de Janeiro, em 2008.Transcrevo a seguir, a tradução da carta.

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2 de junho de 1881

Cara Senhora,

Conhecendo o afetuoso interesse que vós sempre quisestes me demonstrar,

venho vos anunciar que a Académie Française honrou meu livro: Les chemis

de la vie com um prêmio chamado Mombine, no valor de mil francos. O prêmio

da Académie, que nos dá um destaque literário, vai ajudar muito na minha

carreira e nada poderia me ser mais agradável.

Desejei todas as semanas ir eu mesma saber notícias do Sr. Conde de

Barral, mas me faltou absolutamente o tempo para fazê-lo. Eu estaria,

entretanto, muito desejosa de tê-las e vós seríeis muito amável, em dá-las.

Queira receber, cara senhora, a expressão de meus melhores sentimentos e

rogo-lhe que faça chegar minhas lembranças ao vosso filho.

Vossa tão devotada

Adéle Toussaint

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ANEXO C O documento reproduzido no Anexo D foi encontrado durante a pesquisa da

autora ao Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Casa Real e Imperial Mordomia

mor, Caixa 16, pac 3 doc. 45, em 2008. Ofício de José Liberato Barbosa,

Ministro dos Negócios do Império, a Paulo Barbosa da Silva, comunicando-lhe

a permissão concedida pelo Imperador para Jules Toussaint, mestre de dança

de Sua Alteza Imperial, voltar a residir na França, enquanto não fosse

necessária sua presença na Corte. Concede-lhe ainda o pagamento de sua

remuneração por inteiro, durante o tempo em que estivesse fora, conforme

portaria de 10 de novembro de 1864.

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ANEXO D Folha de rosto da edição original do livro Une Parisienne au Brésil, de Adèle

Toussaint-Samson, publicado em 1883, pelo editor Paul Ollendorff, Paris.

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ANEXO E Capa e folha de rosto do livro Uma Parisiense no Brasil, de Adèle Toussaint-

Samson, publicado em 2003, pela editora Capivara, Rio de Janeiro. Traduzido

do original francês por Maria Lucia Machado, com prefácio de Maria Ines

Turazzi. EsSa foi a publicação utilizada para a realização do presente

trabalho de dissertação.

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ANEXO F

Folha de rosto da edição do livro Uma Parisiense no Brasil, de Adèle

Toussaint-Samson, publicado em 2003, pela Editora Capivara, RJ.

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