Lobão: Carta aberta para Caetano, Gil e Chico
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Fonte: https://www.facebook.com/Lobaooficial/posts/992295540853782
De Lobão
Carta Aberta para Caetano, Gil e Chico
Caros amigos,
Decidi escrever uma carta aberta a vocês por inúmeros motivos, mas confesso que
dentre todos esses tais motivos que me moveram, estava lá, para minha surpresa, no
fundo do meu peito a me gritar, o maior e mais importante deles todos: o meu amor
por vocês.
Não poderia haver momento mais emblemático, um domingo de Páscoa, me permitir
(não sem alguma resistência) ser flagrado em minhas próprias contradições.
Pois bem.
Na madrugada de hoje, tomei fôlego e sintonizei o programa do Serginho Groisman no
intuito (um tanto beligerante) de verificar as declarações do Caetano que vazaram na
imprensa sobre as passeatas, a situação política etc. e tal, imaginando colher não
somente o que foi dito, mas como foi dito, gesticulado e contextualizado.
Até então, o clima era de afiar unhas e dentes.
Contudo, algo muito possante tomou conta de mim, uma força estranha foi me
conduzindo para áreas da minha memória afetiva e quando dei por mim, estava lá eu
olhando para a TV inundado de carinho e amor, com um enorme sentimento de
parentesco por aquelas duas figuras (Caetano e Gil) que há tantos anos venho me
digladiando e divergindo.
Essa tal força estranha também dragou uma outra figura, na tela ausente, para a
ribalta do meu coração: o Chico.
E a partir daquele instante me vi numa tremenda sinuca de bico:
Se estou eu lutando pela verdade dos fatos, por alguma razoabilidade nos gestos, por
justiça, honestidade intelectual, tolerância e entendimento, cabe a mim adotar esse
rigor, antes de mais nada, a mim mesmo e por isso mesmo venho a público pedir
minhas desculpas por ter sido, durante todos esses anos, desonesto a diminuir o
talento de vocês três por pura birra, competição, autoafirmação ou até, vá lá, uma
discordância genuína quanto a princípios ideológicos, políticos e metodológicos.
Vocês três fazem parte, queira eu ou não, do meu DNA artístico e afetivo, do meu
imaginário poético e são sim, artistas muito fora da curva, tanto na excelência das
canções como na criatividade, na beleza e na inspiração de seus versos. Portanto, peço
humildemente o perdão de vocês, Caetano, Gil e Chico.
Sendo assim, desde então, livre para vos amar, admirar e respeitar, voltemos à vaca
fria, a esse momento grave de colapso de governo, de ódio generalizado entre os
brasileiros.
Caetano, me corrija se eu estiver errado, mas ao observar seu posicionamento sobre
as passeatas e os movimentos sociais notei na sua mímica, mais até do que no que
você dizia, uma angústia cravada de dúvidas em relação a essa torrente de
acontecimentos insólitos, surpreendentes a nos deixar atônitos e desnorteados. E
havemos de acrescer de mais angústia ainda ao contabilizá-la, uma vez que o
programa já havia sido gravado duas semanas antes! Ou seja, há priscas eras, quando
nossas preocupações ainda eram criancinhas de pré primário diante das atuais!
E a grande preocupação atual é o fato de todos nós sermos forçados a concordar sem
a menor sombra de dúvida, que esse governo já não vigora mais como tal , que ele
mesmo se deliquesceu no esplendor duvidoso de sua ruína moral, arrastado para a
seara da pura e simples criminalidade e que será necessário de agora em diante muita
serenidade ,sabedoria e união de todos nós para recomeçar tudo de novo.
A minha proposta é simples e singela: nos concedermos a oportunidade de revermos
nossos pontos de vista, nossas metas, de conversarmos como pessoas crescidas que
estão nessa luta por um Brasil mais justo, cada um a sua maneira, com toda disposição
de melhorar as condições do país em todos os sentidos. Começaríamos, como não
poderia deixar de ser, pela nossa classe que tanto precisa ser reavaliada, repensada e
reorganizada não somente entre as nossas relações pessoais enquanto colegas mas
como também nas políticas culturais (ou não).
Quem sabe nesse momento sombrio esteja, justamente, a nossa brecha cósmica de
mudanças de paradigmas nefastos tão profundamente enraizados em nossas almas,
em nosso imaginário e principalmente, em nossa forma de agir.
E que ironia do destino, numa data tão emblemática como esses idos de março, num
fechamento de ciclo iniciado em 64 que se prenuncia ameaçador, latejando em nossos
corações como uma tempestade a nos colher de hora marcada, seja agora o instante
de rechaçarmos de vez essa tenebrosa repetição de padrão que nos condenaria para
todo o sempre a criaturas imunes aos efeitos da tentativa e erro.
Está em nossas mãos, enquanto artistas sempre com forte penetração no coração da
alma brasileira, não permitir que sejamos reféns de nossa inépcia, de nossas paixões,
dos nossos cacoetes e de nossa vaidade.
Quem sabe, nessa hora das mais escuras, seja esse o momento de erradicarmos para
sempre aquelas vicissitudes mesquinhas do que (não) entendemos por esquerda e
direita, sobre o que é desigualdade e quais suas causas em suas mazelas reais? Quem
sabe, tenha chegado o esperado momento em que finalmente deixemos de ser essa
província de terrores brandos e esmaecidos por nossa fantasia delirante de teimar ser
um povo macunaimicamente escolhido nos condenando ao parasitismo, ao
clientelismo, ao coronelato e a ideólogos cretinos a nos conduzir por toda eternidade?
Quem sabe seja nessa hora amarga de desmoronamentos de sonhos e anseios, o
terreno mais fértil para nos ouvirmos e nos desfrutarmos com mais proveito, com mais
sabor e daí surgir um oceano de novas revelações?
Portanto, meus caros amigos, clamo a vocês, de todo o coração, para que
conversemos, discutamos, discordemos que seja, mas encaremos essa crise com
determinação e confiança em cada um de nós, para que possamos descortinar novos
horizontes com a real possibilidade da elaboração de novas formas de pensar e agir
para fazer valer a pena tantas décadas de erros infantis, sempre com a certeza de
sermos homens de boa vontade, que sob os mais variados vieses de pensamento,
queremos mais justiça, mais fartura, mais amor, progresso e paz nessa terra tão
devastada por paixões e cacoetes infrutíferos .
A hora é essa, meus caros amigos, recebam pois o meu amor, meu carinho e respeito,
convictos de que haverá em mim uma criatura plena de vontade de cooperar com
humildade e dedicação por um Brasil melhor e que não há razão nem espaço para
conflitos, convulsões sociais nem revoluções. Nossa transformação será através do
crédito moral, do afeto e dessa nova aliança que, tenho fé, permeará esse novo e
maravilhoso Brasil que se vislumbra.
Topam?
Um beijo pra vocês três. Love, Love, Love!
Lobão (SP, 27 de março de 2016)