Lola rey - os collingwood 02 - não apenas um sonho

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Lola Rey

Não Apenas um Sonho Collingwood 2

Tradução/Pesquisa: GRH

Revisão Inicial: Marilda

Revisão Final e Formatação: Ana Paula G.

GRH

Romances

Históricos

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Resumo

A névoa de Londres ocultou um encontro: uma mulher corre, aparentemente, fugindo de algo.

Um homem decide frear sua carruagem, fazê-la subir, afastá-la do que a persegue. Alheios às

circunstâncias, e ignorando o segredo que a moça esconde, ambos se entregam ao que a

noite e seus próprios corpos necessitam.

Na manhã seguinte, ele, Tyler Collingwood, irmão do conde de Kent, acorda atordoado,

confuso, achando que tudo foi apenas um sonho. Apenas algumas ausências materiais

demonstram que não foi bem assim.

Dois anos depois, ele não pode acreditar que ela está diante dele, na residência do conde, e

que insiste em vê-lo, dizendo que se chama Edmée Gordon, determinada a fazê-lo conhecer

um filho de ambos, que é a imagem e semelhança de seu pai. A desconfiança e a cautela

apoderam-se dele, porém, decidido a descobrir o motivo da fuga da moça, permite que ela

fique na mansão. A partir disso, sua vida mudará completamente, e tanto Edmée quanto Tyler

terão que enfrentar seus receios, eliminar os obstáculos e demonstrar que o que viveram não

foi apenas um sonho, e que esse sonho pode continuar.

Comentário da Revisora Marilda:

No livro anterior, Nunca Ninguém Mais, fiquei apaixonada pelo Tyler, o mocinho desse livro.

Apesar de Tyler mostrar um pouco do seu lado “bad”, ainda assim, continua fofo.

Livrinho bacana, gostei e recomendo!

Comentário da Revisora Ana Paula G:

Gostei do Tyler no livro anterior, um verdadeiro gentleman...Neste, ele está um pouquinho

mau..hauahha...Mas o livro prende a atenção. Como me disseram (não vou contar quem!) que

só vejo o defeito dos mocinhos...bem, esta heroína também não é tão santa! Depois do que fez,

não podia esperar outra coisa! Pronto, Marilda...eu vi o lado do Tyler (já contei quem!!hauah)!!!

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Prólogo

Londres, 1877

Edmée corria pelas ruas desertas sem perceber aonde seus pés a levavam. O pânico que

havia sentido algumas horas atrás, aumentava a cada segundo; corria desesperadamente, tentando

interpor certa distância física ao horror que havia presenciado. O medo que sentia era superior ao cansaço

e a noção de perigo ao qual uma jovem bela como ela, sozinha nas ruas vazias da cidade estaria exposta.

Quase não podia respirar, e havia escorregado algumas vezes devido a umidade na calçada,

mas apenas quando sentiu uma dor profunda, decidiu parar por alguns segundos para recuperar o fôlego.

Sua respiração áspera e entrecortada impediu que ouvisse o estalar de uma carruagem até que a viu ao

seu lado, e então, percebeu que estava perdida. Considerou render-se e aceitar seu destino, porém,

resolveu não sucumbir tão rápido, voltando a correr.

Foi inútil, facilmente a carruagem a alcançou, parando ao seu lado, e uma mão enluvada

puxou-a pelo braço.

— Shh! Tudo bem, acalme-se.

Edmée se retorcia e gritava freneticamente, porém, a mão que a segurava era tão eficaz

quanto uma algema, e ela logo percebeu que seria impossível escapar. Elevou os olhos, disposta a lutar

com todas as suas forças quando se deparou com dois lindos olhos azuis emoldurados por cílios espessos

que a observavam fixamente. Ela acalmou-se levemente, pois não era o rosto que tanto temia. Mais

tranquila, fixou seu olhar na carruagem: um veículo escuro com quatro portas e um brasão, e suspirou

aliviada. Não era quem ela pensava que fosse.

— Ora, Tyler! Quem é essa? Por acaso vamos nos divertir com uma prostituta de rua quando

na casa de madame Greyland nos esperam as garotas mais apetitosas de toda Londres?

O jovem não respondeu. Olhava embevecido à moça, admirando seus enormes olhos cinza

e o cabelo que, na escuridão da noite, parecia negro como a asa de um corvo. Parecia muito jovem, jovem

e assustada.

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Ele imaginava que Louis Fergusson estava certo, provavelmente a garota não passava de

uma rameira – não haveria outra explicação para o fato de estar sozinha tarde da noite – mas também

parecia que estava verdadeiramente aterrorizada. Sem parar para pensar, tomou uma decisão.

— Suba, levá-la-ei a um lugar seguro.

Edmée hesitou por um instante, mas em seguida, disse a si mesma que esse homem de

penetrantes olhos azuis e queixo firme não poderia ser pior que aquele de quem fugia, e que aceitar seu

oferecimento seria sua única oportunidade real de escapar de seu perseguidor. Decidida, aceitou a mão

que ele oferecia, subiu na carruagem de quatro portas, e jogou-se no assento, aliviada.

Dentro da confortável carruagem, a moça percebeu que o homem de olhos azuis não estava

sozinho. Um rapaz alto e de ombros largos, olhava para ela com um sorriso malicioso. Uma ponta de

inquietação a fez remover-se no assento.

— Bem, agora compreendo por que você parou; realmente, a pompinha é uma

preciosidade.

Tyler continuou em silêncio, enquanto observava a jovem atentamente. Era muito bela. Seu

cabelo que caía em mechas desordenadas, emoldurava um rosto oval que se destacava pelos enormes e

assustados olhos, e lábios suaves e tentadores. Apesar de ser magra, seus seios generosos e apetecíveis

enchiam o vestido simples que usava.

— Como é seu nome?

— Edmée, senhor. — E, em seguida, abaixou o olhar envergonhada.

— Belo nome. Eu sou Louis, para servi-la e agradá-la.

A moça, temerosa, olhou ao homem que havia agarrado sua mão e depositado um beijo

indecentemente longo na parte interna de seu pulso.

Sem motivo aparente, Tyler sentiu-se afetado, e tomou uma decisão: apenas ele desfrutaria

dessa jovem. Louis notou o olhar desafiante de seu amigo, e elevou as sobrancelhas com surpresa,

achando melhor não abrir mais a boca, embora não pudesse deixar de lançar olhares ardentes para a

jovem, e de imaginar o quanto poderiam desfrutar com ela.

Tyler procurava diversão após romper com sua última amante: uma bela e fogosa viúva com

quem esteve durante dois anos, até que ela havia começado a exigir mais do que ele estava disposto a

dar. Amava as mulheres, considerava-as seres maravilhosos, criados para o deleite dos sentidos, mas não

acreditava que pudesse ser feliz com apenas uma. Quem ficaria satisfeito comendo sempre o mesmo

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prato, mesmo que fosse o mais saboroso? Ele conhecia apenas um homem completamente fiel a sua

esposa, e esse homem era seu irmão, cuja devoção por ela era absoluta.

A carruagem parou, e Tyler rompeu o silêncio que manteve até o momento.

— Já chegamos, Louis; espero que você se divirta.

— Como assim? — O rosto do rapaz demonstrava seu desapontamento de uma maneira

quase cômica. — Você não vem comigo?

— Não, acabo de decidir que não gosto de passar a noite em claro.

Louis moveu a cabeça com um sorriso, e aceitou a mensagem de seu amigo, em seguida,

desceu da carruagem com elegância.

— Até a próxima, mon ami, e divirta-se com sua pombinha.

Quando a carruagem partiu, Tyler ficou surpreso ao perceber que a jovem havia jogado a

cabeça para trás e mantinha os olhos fechados. Será que estava adormecida?

— Edmée? — Repetiu várias vezes até que ela abriu os olhos.

O olhar turvo da jovem indicava que estava cochilando, por puro esgotamento. Pensou em

interrogá-la, porém, logo desprezou a ideia. Não queria se envolver com os problemas dessa jovem, não

queria sentir compaixão por ela, nem conhecer as tristes circunstâncias que a levaram a prostituição;

queria apenas levá-la a sua cama e se perder nesse corpo tentador.

— Você está com fome?

Edmée lembrou-se que estava a muitas horas sem comer e, apesar de sentir-se cansada,

confusa e assustada, assentiu. Não sabia por que, mas esse cavalheiro parecia querer ajudá-la, e ela não

tinha ideia de quando poderia se alimentar outra vez. A única certeza que possuía era que deveria

continuar fugindo até encontrar um esconderijo seguro, pois seu perseguidor a perseguiria até matá-la,

por isso, assentiu, e voltou a fechar os olhos. Seria maravilhoso dormir e, ao despertar, perceber que tudo

não passava de um pesadelo. Entretanto, sabia que todos os acontecimentos eram reais e que sua vida, a

partir desse dia, já não seria mais a mesma.

Após cerca de vinte minutos, a carruagem parou diante de uma impressionante casa em um

dos melhores bairros de Londres, embora Edmée quase não pudesse reparar nos detalhes por causa do

esgotamento. Ao descer da carruagem, cambaleou, e Tyler segurou seu braço. Durante alguns segundos,

nenhum dos dois disse nada; ambos limitaram-se a olhar nos olhos um do outo, e ela hesitou quanto a

aceitar a generosidade desse homem alto e atraente que olhava para ela como um predador. Como se

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adivinhasse sua reticência, ele a acompanhou com suavidade até a porta e, depois de dar um golpe seco

com a aldrava, um criado muito rígido a abriu, e inclinou-se diante do homem sem demonstrar nenhuma

surpresa ao vê-lo acompanhado.

Alguns minutos depois, encontravam-se em uma acolhedora saleta. Uma criada gordinha e

séria havia colocado uma bandeja com um prato de sopa fumegante e uma fatia de bolo de carne diante

da jovem.

— Quer um pouco de vinho?

Edmée havia começado a tomar a sopa ignorando a temperatura, que quase queimava sua

língua. Descobriu que sentia sede e assentiu. Quando o líquido vermelho e escuro atravessou sua garganta,

uma estranha calmaria apoderou-se de seus membros. A sensação era desconhecida e prazerosa, e,

portanto, não recusou quando ele voltou a encher sua taça.

Tyler a observava atentamente, surpreso pelo intenso desejo que essa jovem,

aparentemente inocente, despertava nele. Jamais aceitara os serviços de uma prostituta de rua, pois sabia

que era a forma mais segura de adquirir alguma doença desagradável. Costumava manter uma amante

fixa ou, no caso de não dispor de uma, procurava frequentar o estabelecimento de madame Greyland: um

bordel famoso no qual a proprietária, pessoalmente, garantia a saúde de suas empregadas submetendo-

as a exames periódicos.

Mas, no instante em que seu olhar entediado se fixou nessa jovem que nesse momento

entrecerrava os olhos e recostava-se indolentemente sobre uma das poltronas, havia sentido um impulso

possessivo, um desejo de sentir esse corpo pequeno e exuberante sob o seu. Finalmente, havia chegado

esse momento.

Sem proferir qualquer palavra, apertou-a entre seus braços, e ela, surpresa pelo gesto

inesperado, agarrou o pescoço dele com muita força. Um aroma de sabão perfumado encheu as narinas

de Tyler, que ficou surpreso e alegre, pois esperava sentir o aroma habitual de perfume forte, e não essa

fragrância simples e fresca. Sem poder evitar, apoderou-se dos lábios da moça, que permaneciam

entreabertos. Não havia dúvida que a jovem estava relaxada graças ao vinho; não devia estar acostumada

a beber já que com apenas duas taças sua resistência estava totalmente aniquilada. Estava começando a

considerar se ela estaria inconsciente no momento em que aprofundou o beijo, e ela se agarrou com mais

força ainda ao seu pescoço, soltando um gemido suave que provocou uma ereção imediata. Não, não

estava adormecida, a retribuição ao seu beijo demonstrava claramente que ela também o desejava.

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A jovem beijava com ardor, embora os movimentos vacilantes de seus lábios revelassem

sua falta de experiência. Entretanto, ele não achou estranho, não era comum que as prostitutas beijassem

ou fossem beijadas. Nem sequer compreendia esse impulso que o levou a apoderar-se dessa boca

suculenta que agora devorava com frenesi, ansioso por penetrar em sua carne com a mesma intensidade.

Quando estavam em seu quarto, deitou-a na cama e tirou as roupas dela apressadamente,

enquanto continuava beijando todas as partes de seu corpo que ficavam descobertas. Quando a jovem

estava completamente nua, contemplou-a por alguns instantes, maravilhado e absorto.

A pele pálida parecia acetinada, soberba em sua beleza, e os seios eram duas esferas

perfeitas. Os quadris arredondados proclamavam que ela era uma mulher feita e perfeita, apesar de sua

juventude, e sua cintura provocou-lhe um desejo infantil de tentar rodeá-la com as duas mãos, de tão

estreita que parecia.

Tyler percebeu perplexo, que a desejava com um furor que jamais havia sentido e,

observando o olhar dela, turvo pelo desejo, e os lábios entreabertos e úmidos por seus beijos, soube que

não poderia esperar mais.

Tirou a roupa apressadamente, deitou-se sobre ela e, com uma mão separou seus joelhos

e penetrou-a. Em seguida, parou, assustado.

Essa mulher era muito estreita para ser uma prostituta; nem sequer parecia muito

experiente. Um pensamento terrível cruzou sua mente ao ouvir os inconfundíveis gemidos de dor. Retirou-

se lentamente, e para sua surpresa, percebeu que esse movimento provocou-lhe uma sensação prazerosa;

sem sair completamente, constatou que, sobre as brancas coxas dela, deslizava um fio de sangue que

confirmou seus piores temores.

— Meu Deus! Você é virgem!

Edmée quase não tinha consciência do que estava ocorrendo. O vinho havia subido à sua

cabeça com potência; sem dúvida, seu efeito fora acentuado pela fome e pela situação traumática que

vivera algumas horas antes. Rapidamente, havia se sentido lânguida, calafrios percorriam todo o seu

corpo, e uma excitação desconhecida dominava todo o seu ser. Foi quando uma dor ardente começou a

dissipar o efeito confuso que a bebida provocara.

Tyler sentia-se desconcertado e levemente envergonhado, recordando a resposta

apaixonada da jovem aos seus beijos, como poderia suspeitar que fosse virgem? Entretanto, seu corpo

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clamava por liberação. Decidiu continuar. Se ela pedisse, ele pararia, mas a desejava muito para separar-

se dela sem conseguir alcançar o prazer.

Começou a mover-se lentamente enquanto utilizava todo o autocontrole que não sabia que

possuía. A resposta dela foi arregalar os olhos e em seguida, entrecerrá-los, enquanto gemia brandamente

e umedecia seus lábios inconscientemente. Ele percebeu que ela não sentia mais nenhum resquício de

dor, e não pôde evitar incrementar o movimento de seus quadris até sentir um clímax tão intenso que

conseguiu atordoá-lo. Prendeu o fôlego com força e, ao olhar à moça, viu que permanecia com os olhos

fechados. Ainda aturdido pelo forte orgasmo que acabava de experimentar, retirou-se lentamente de seu

corpo e depositou um beijo suave sobre os lábios dela.

Em seguida, adormeceu enquanto se perguntava sonolento, se o que acabava de sentir

junto a essa moça não seria um sonho.

“Não quero acordar se for um sonho”, foi seu último pensamento consciente.

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Capítulo 1

Riverland Manor, condado do Kent, 1879.

Alexander Collingwood, sétimo conde de Kent, observava com um sorriso satisfeito, seu

irmão mais jovem, Tyler, que elevava Christie em seus braços, sua filha de três anos, enquanto seu filho

mais velho agarrava suas pernas.

— Ora, ora! — Exclamou Tyler contente. — Como cresceram meus sobrinhos favoritos!

— Tio, somos seus únicos sobrinhos.

— Tem razão, Robert, mas não posso imaginar crianças melhores.

Robert, com a transparência própria da infância, esboçou um amplo sorriso satisfeito

enquanto Christie lançava gritinhos de prazer. Tyler os abraçou, beijou e acariciou, enquanto fazia

perguntas que eles respondiam encantados. Apesar de vê-lo menos do que desejavam, adoravam seu tio.

Brincava com eles, e nunca se esquecia de trazer um presente emocionante quando voltava de suas

viagens.

Alexander também observava Tyler com afeto evidente em seu olhar. Ele havia cuidado de

seu irmão mais jovem, já que a mãe deles havia falecido quando ele era apenas uma criança, e o pai de

ambos, falecido há dez anos, nunca foi atencioso nem presente. Depois de terminar seus estudos em

Oxford, Tyler havia manifestado o desejo de colaborar nos negócios do irmão, e ele havia aceitado

encantado. Tyler comandava todos seus negócios em Londres, onde a Collingwood Colonial Company tinha

os escritórios principais. A inteligência de Tyler e seu carisma revelaram-se muito eficientes para os

negócios, e em pouco tempo ele se converteu em alguém indispensável à companhia. Apesar de sua

aparente amabilidade, o rapaz poderia ser um inimigo temível, pois era implacável na hora de resolver um

problema, e Alexander era consciente disso.

— Saiam, crianças. Quero conversar em particular com seu tio.

As crianças, entre protestos, afastaram-se enquanto seu pai revolvia seus cabelos

carinhosamente.

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— Senhorita Graham, encarregue-se deles. — Disse a jovem preceptora que permanecia

afastada da cena.

— É claro, milorde. — Lançou um olhar para o relógio que sempre mantinha pendurado na

cintura, e acrescentou. — Além disso, já está na hora da leitura.

As crianças seguiram a mulher como pintinhos atrás de uma galinha. A severidade da

preceptora era apenas simulação; tratava-se de uma pessoa excepcionalmente culta e carinhosa que

adorava as crianças, e em quem os condes de Kent confiavam totalmente.

— Bem, Tyler. - Disse quando as crianças se afastaram. — Vamos ao escritório, servirei uma

taça e poderemos conversar tranquilamente sobre a sua viagem ao continente.

Já na sala ampla que servia de escritório, Alexander serviu uma taça de conhaque a seu

irmão enquanto sorria feliz por tê-lo de volta a casa. Embora estivesse ausente por apenas três meses,

todos sentiram muita falta dele, pois Tyler era o tipo de pessoa que fazia com que uma festa nunca fosse

aborrecida.

— Vamos, sente-se e me conte tudo o que houve nesse período.

Tyler sentou-se confortavelmente e, antes de responder, sorveu um grande gole de sua

taça, estalando a língua ao apreciar o intenso sabor da bebida. Durante alguns segundos, desfrutou do

calor do conhaque e do conforto do sofá. Em seguida, encarou seu irmão, e um largo sorriso iluminou seu

rosto.

— Nunca pensei que diria isso, mas senti sua falta.

— Eu também senti a sua. Mas não saia pela tangente, conte-me suas aventuras.

— Todas? — Ao detectar o brilho zombador nos olhos azuis de seu irmão, Alexander fez

uma careta.

— Não, as que envolverem as saias das damas pode guardar para você mesmo.

Tyler lançou uma breve gargalhada e respondeu piscando um olho:

— Essas são as mais interessantes.

— Não duvido, mas curiosamente são as que menos me interessam.

Fazendo um gesto vago com a mão, Tyler começou a falar. O motivo da viagem era contatar

possíveis clientes na Itália e na França, burgueses empreendedores que desejavam ampliar o horizonte de

seus negócios e, em geral, todas as entrevistas que participara obtiveram resultados favoráveis.

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Alexander escutava com atenção, contente pelo êxito da viagem e profundamente

orgulhoso do homem no qual seu irmão se transformou. Tinha consciência que muitas pessoas o

consideravam frívolo e superficial, mas essa percepção ocorria porque não conseguiam enxergar além de

seu aparente hedonismo. Ele o conhecia bem, sabia que era um homem responsável e leal ao qual

confiaria sua vida e a de sua família sem duvidar nem sequer por um instante.

— E, definitivamente, — Tyler continuou explicando — Acredito que os italianos ficaram

bastante convencidos; já sabe que são comerciantes por natureza. E, quanto aos franceses, concordaram

em manter contato comigo através de seus administradores, apesar disso, tenho razões poderosas para

suspeitar que a resposta seja positiva.

Alexander elevou a taça:

— A você!

Tyler sorriu.

— Também tive oportunidade de conhecer melhor à população feminina.

— Você insiste em me contar suas aventuras.

Piscando um olho, continuou dizendo:

— Em Paris descobri que, ao contrário do que imaginava, não sabia tanto quanto acreditava

sobre o beau sexe, não senhor. Na verdade, conheci duas excelentes professoras. Mulheres experientes e

livres, essas parisienses. — Revirou os olhos em um gesto teatral enquanto tomava outro gole da taça. —

Em Roma, irmãozinho, é onde se concentram mais mulheres bonitas por metro quadrado: ah, belle donne,

na verdade, as romanas! — Novamente, sob o olhar divertido de seu irmão, acariciou a taça como se

recordasse os encantos das damas que havia conhecido. — Muito mais recatadas que as parisienses, mas

apaixonadas como poucas.

— E alguma delas despertou interesse suficiente em você para considerá-la uma possível

futura esposa?

Tyler o olhou fingindo-se horrorizado.

— Está brincando, não é?

— Algum dia terá que assentar sua cabeça.

— Felizmente, estou liberado da responsabilidade de proporcionar um herdeiro ao título.

— Por acaso você acha que ter um herdeiro é a única vantagem do casamento?

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— Acredite-me, nem todos os casamentos são como o seu. — Seu irmão e sua cunhada

Gabriele formavam um dos casais mais felizes que conhecia. Apesar do início tumultuado, assim que

qualquer pessoa estivesse junto deles por poucos minutos, era evidente o imenso amor que os unia. Mas

Tyler tinha certeza que o caso de seu irmão era uma exceção — Posso nomear várias mulheres casadas

que não tiveram escrúpulos ao se deitarem comigo. E posso afirmar que, enquanto o faziam, seus maridos

não as esperavam pacientemente em casa.

— Você se transformou em um cínico.

Tyler limitou-se a sorrir. Não se considerava um cínico, apenas realista. Estava convencido

que o conceito de “amor” estava supervalorizado e, embora adorasse as mulheres, considerava-as seres

criados para o deleite dos sentidos, e não para a fidelidade ou a amizade.

Nesse momento, soou uma batida forte na porta, que se abriu antes que Alexander desse

permissão. Gabriele permaneceu alguns segundos de pé sob o marco da porta, admirada com o que via.

Os dois irmãos tinham a mesma compleição atlética, de costas largas, abdômen firme e longas pernas.

Ambos tinham olhos azuis, intensos e claros, mas, enquanto Alexander tinha o cabelo escuro e usava-o

rente e penteado para trás, Tyler era loiro e suas pontas roçavam o colarinho da camisa. Ambos eram tão

bonitos de tirar o fôlego – e o sono – das damas, e no caso de seu cunhado, era a pura verdade. Apesar de

seu encanto e do tratamento gentil que dispensava a elas, nenhuma delas ignorava o fato que, ano após

ano, Tyler Collingwood permanecia solteiro, completamente imune aos intentos de apanhá-lo que

ocorriam a cada temporada social.

— Com licença... — Os irmãos sorriram, contentes pela presença de Gabriele — Estou

procurando Robert, não está em nenhum lugar. A senhorita Graham veio me dizer que, enquanto ela foi

procurar um livro na biblioteca, ele desapareceu, e não pôde encontrá-lo até agora.

Sem mover-se, Tyler lançou um olhar pelo aposento, e descobriu dois pequenos pés que

apareciam por baixo das cortinas pesadas de uma janela. Um sorriso travesso apareceu em seus lábios e,

apontando com os olhos o lugar onde o menino estava escondido, fez um gesto com o dedo pedindo

silêncio.

— Pois, não está aqui, Gabriele. Oh, não! A cortina está pegando fogo!

Alexander e sua esposa observaram divertidos como o menino saía correndo de trás da

cortinas. Ao sentir sobre ele o tranquilo e sorridente olhar de seus pais e tio, percebeu que caíra em uma

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armadilha. Robert era um menino de sete anos, alto e saudável. O cabelo escuro e os olhos azuis eram

idênticos aos de seu pai, mas o caráter alegre e travesso combinava mais com seu tio.

— Robert. — O menino percebeu que seria castigado. — Peça desculpas agora mesmo ao

seu pai e ao seu tio por escutar às escondidas.

— Sinto muito, eu não queria… — O menino permanecia com os olhos baixos.

Ao ver seu desconcerto, Tyler sorriu e acariciou seu cabelo afetuosamente, recebendo um

olhar de admiração do menino.

— Tudo bem, vá com sua mãe e logo mais te ensinarei como descobrir ninhos de pássaros

nas árvores.

O pequeno sorriu de orelha a orelha, e o coração de sua mãe encheu-se de gratidão. Devia

muito a esse cunhado que, embora parecesse amalucado e infantil, era profundamente leal e protetor:

anos atrás havia conseguido que Alexander e ela se reconciliassem, e deixassem de lado para sempre os

mal-entendidos que os separavam.

Quando se dispunha a sair precedida por seu filho, recordou o verdadeiro motivo que a

levara até o aposento.

— Oh, Alexander! Eu havia esquecido! O senhor Eaglen chegou, diz que você o chamou.

O visitante era o administrador, e homem de confiança dos Collingwood.

— Sim, é verdade. — Sorriu a seu irmão e acrescentou. — Agora você terá a oportunidade

de lhe contar as boas notícias que trouxe de sua viagem.

* * *

Tyler entregou as rédeas da égua ao cavalariço de Blanche Maison, a residência do Louis e

André Fergusson, irmãos de Gabriele e seus amigos da infância. Os Fergusson eram gêmeos e, além de sua

incrível semelhança, compartilhavam uma atitude despreocupada e alegre que os fazia parecer mais

jovens e imaturos do que realmente eram. Tyler sabia que os irmãos Fergusson valiam muito mais do que

aparentavam.

Enquanto seguia o sério mordomo até a sala de jogos em que se encontravam os irmãos,

pensava no quanto lhe agradava voltar a vê-los. Havia passado bons momentos junto a eles, inclusive,

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compartilhando os favores de alguma criada bem disposta. Eram excelentes companheiros de farras e

diversões e, embora sem nunca ter necessitado, sabia que podia contar com eles em qualquer momento

de apuro. Considerava-os seus companheiros e, apesar das aparências, havia poucos homens no mundo

aos quais ele chamaria “amigos”.

— Olá, Tyler! — Ao vê-lo entrar, os irmãos soltaram os tacos de bilhar, mas foi Louis quem

falou. — Que surpresa! Quando chegou?

— Há dois dias, mas estive ocupado com os assuntos da propriedade. —respondeu.

— Pois, chegou bem a tempo para ver como humilho André com minha última tacada.

— Não cante vitórias antes do tempo, não seria a primeira vez que a sorte dá um giro. —

Respondeu o irmão com um sorriso.

Tyler estava contente de estar ali nesse momento. Observou a partida em silêncio até que

o jogo terminou.

— Ganhei!

— Bem, ainda me deve a revanche. — Respondeu André.

Como se fosse combinado, soltaram os tacos e voltaram-se para o recém-chegado.

— O que gostaria de beber?

— Uísque seria bom.

Serviram as taças e sentaram-se nas poltronas do salão.

— Que tal o continente?

Tyler sabia que os Fergusson não se interessavam em absoluto pelos negócios, assim

começou contando sobre Enjoe e terminou com a história de Paola. Os irmãos escutavam concentrados,

interrompendo de vez em quando para fazer alguma pergunta ou um comentário.

— Permanecerei mais alguns dias aqui antes de voltar para Londres. Espero que vocês

possam planejar algo para que esses dias não sejam tão tediosos.

— É obvio! — Exclamou Louis com jovialidade.

— Na verdade, faz tempo que não visitamos o botequim de Rochester —acrescentou seu

irmão.

O botequim do povoado era um lugar que, embora sem o refinamento dos exclusivos clubes

londrinos, oferecia mulheres saudáveis e cerveja barata. Ali, os jovens eram bem conhecidos e sempre

bem-vindos, pois eram generosos e não tinham o costume de brigar, embora alguns aldeãos provocadores

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haviam aprendido muito cedo que não convinha absolutamente meterem-se com eles: não permaneciam

impassíveis diante dos desafios.

— Parece uma ideia perfeita. — Exclamou Tyler, e elevou a taça em um silencioso brinde.

* * *

Tyler ajustava o lenço diante do espelho enquanto lançava um último olhar a sua aparência.

Longe de ser homem vaidoso, gostava de estar elegante. Desfrutava da admiração que despertava entre

as mulheres, e por isso, caprichava em sua aparência sempre que pretendia sair.

Nesse momento, a porta de seu dormitório se abriu e Lisa, uma criada de curvas generosas

e rosto atraente, entrou sigilosamente. O jovem lhe dedicou um sorriso através do espelho. A noite

anterior haviam compartilhado momentos agradáveis no corredor que dava acesso a despensa da cozinha

e, ao vê-la entrar, não pôde evitar recordar alguns dos momentos mais ardentes que viveram há poucas

horas antes.

Lisa e ele eram amantes regulares há muitos anos e, apesar de não ser bem visto que os

patrões se relacionassem com suas criadas, ela havia se insinuado descaradamente até conseguir que ele,

com todo o ardor de seus vinte anos, sucumbisse. Ela era uma jovem muito experiente com a qual

costumava passar bons momentos: ambos sabiam o que queriam, e essa relação estava destinada apenas

a busca do prazer.

— Olá, preciosa.

— Vai sair? — Lisa fez uma careta de desgosto enquanto se aproximava.

Tyler lhe deu um suave apertão no traseiro que a fez sorrir.

— Ainda permanecerei uma semana em Riverland Manor.

— Uma noite de diversão? — Fazendo uma careta de desgosto, acrescentou. - Isso inclui as

rameiras do botequim de Hoffman?

— Não há motivo para preocupação. — Apesar de seu sorriso, o tom de sua voz soou duro.

— Você sabe que tenho energia de sobra.

Lisa, que não era tola, soube distinguir o desagrado na expressão de Tyler e, dengosa,

acariciou-lhe o peito.

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— Pensei que passaríamos mais tempo juntos durante os poucos dias que você

permanecerá aqui.

— Oh, vamos, Lisa, você sabe que vou e venho o tempo todo.

— Tem razão, mas um dia você se casará e deixará a pobre Lisa.

Tyler soltou uma gargalhada.

— Antes disso, as rãs terão cabelos.

Lisa sorriu enquanto rezava interiormente que isso fosse verdade. Depois de lançar um

último olhar e de retocar seu lenço, saiu do dormitório. Nunca poderia aspirar por mais, mas a ideia de

perdê-lo como amante a entristecia: não era apenas considerado, mas possuía um vigor que jamais havia

encontrado em outro. Além disso, às vezes, lhe dava de presente pequenas quinquilharias como fitas,

perfumes ou algumas peças de roupas refinadas que ela guardava como um tesouro.

Consciente de que em breve ele partiria, propôs-se a desfrutar dos momentos íntimos que

passariam juntos e prometeu a si mesma que seriam inesquecíveis.

* * *

Tyler levantou-se muito mais tarde do que o habitual, e ao abrir os olhos notou uma terrível

dor de cabeça. Na noite anterior havia bebido até altas horas, e em seguida se retirara a um aposento do

botequim junto com uma morena risonha e de seios generosos. Estava amanhecendo quando chegou a

Riverland Manor.

Com movimentos torpes vestiu-se, e se dirigiu à sala do café da manhã, na parte dianteira

da casa. Antes de terminar seu café, o mordomo chamou discretamente sua atenção.

— Posso entrar, senhor?

— Adiante.

— Senhor, uma jovem deseja vê-lo.

— Uma jovem?

— Sim, senhor. — Apesar de o mordomo manter o semblante impassível que seu cargo

requeria, Tyler percebeu o tom inquieto de sua voz.

— Ela disse seu nome?

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— Não, senhor, não disse nada; de fato, tentei… — Um pigarro e o ligeiro rubor de suas

bochechas puseram Tyler em alerta.

— Sim?

— Bem, tentei demovê-la de sua ideia.

— Por quê?

— É evidente que não se trata de uma dama.

Tyler o olhou surpreso.

— Está dizendo que uma rameira veio à residência de minha família, onde vive meu irmão

junto a sua família, para me procurar?

— Bem, não sei se essa senhorita é uma… — Emudeceu, resistente a repetir a palavra

empregada por Tyler.

— Uma rameira.

— Isso. Realmente não é uma jovem de sua categoria, senhor, atrever-me-ia a dizer que é

uma criada.

— Ela disse o que deseja?

— Não, senhor; ela disse: “Só falarei com o senhor Collingwood e não sairei daqui até que

o veja”.

O jovem o olhou com as sobrancelhas arqueadas, mais divertido do que zangado.

— Parece que não terei opção que não seja falar com ela. Faça-a entrar, por favor.

O homem limitou-se a assentir e, enquanto via o jovem sair com os passos decididos e

elásticos que o caracterizavam, engoliu saliva, consciente que não havia contado tudo o que deveria.

Tyler olhava um livro distraidamente esperando que entrasse a misteriosa jovem. Alguns

minutos depois, ouviu um golpe na porta e a voz do mordomo.

— Senhor Collingwood, com sua permissão?

— Entre.

Depois do homem apareceu uma jovem miúda que parou em seco junto à porta, como se

se sentisse atemorizada.

— Deixe-nos sozinhos, por favor.

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19

Quando o mordomo saiu, aproximou-se sorridente da jovem que permanecia

completamente imóvel junto à porta e, quando finalmente pôde distinguir os traços de seu rosto, seu

sorriso congelou.

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20

Capítulo 2

— Edmée.

Nenhum dos dois soube quem se surpreendeu mais, se Tyler por estar diante dele ou ela

pelo fato insólito que ele recordasse seu nome depois de dois anos.

— Senhor Collingwood. — Apesar das noites que havia passado em claro por culpa desse

homem, e do ressentimento que guardava contra ele, sua voz tremeu ligeiramente.

Pela primeira vez em sua vida, o jovem ficou sem palavras. Em seu interior milhares de ideias

e sentimentos rugiam frenéticos até que a raiva se impôs sobre todos eles.

— Como pode se apresentar na minha frente como se nada tivesse acontecido?

— Garanto que vim por uma boa razão.

— Seria muito esperar que essa boa razão seja me devolver o dinheiro que me roubou? Ou

possivelmente, meu relógio de ouro?

Edmée não pôde evitar avermelhar furiosamente pela vergonha. Aquela manhã, ao

despertar, encontrou-se sozinha na enorme cama. Todo o horror do qual havia escapado a assaltou de

repente e, junto ao horror, a vergonha pelo que havia acontecido na noite anterior. Percebeu que o

homem que a tinha tomado pretendia aproveitar-se dela desde o primeiro momento. Sendo justa,

também recordava sua entrega: o surpreendente desejo que a que invadira ao sentir suas carícias e os

prazerosos estremecimentos que experimentara enquanto ele a beijava, porém, ela se encontrava em

uma situação de vulnerabilidade extrema, e ele a havia incitado a beber.

O homem não hesitara em aproveitar-se de seu medo e sua debilidade, e ela havia sido

desonrada irremediavelmente. Porém, ela tinha problemas muito mais urgentes do que preocupar-se com

sua honra perdida, devia desaparecer o quanto antes, e para isso necessitava de dinheiro. Não pensou

muito.

Sobre uma poltrona encontrava-se a roupa que o homem usava na noite anterior. Colocou

a mão nos bolsos, e encontrou um saco cheio de moedas. Sem duvidar, pegou-a e se dispôs a sair

rapidamente, tentando evitar encontrar-se com alguém. Ao abrir a porta, seu olhar foi atraído por um

objeto brilhante, e percebeu que era um relógio de ouro. Hesitou apenas um segundo.

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Desprezou suas lembranças e voltou ao presente, em seguida, murmurou com voz contita.

— Sinto muito, acredite-me, foi necessário.

— Ah, bem, então tudo mudou. Roubou um relógio de ouro, presente de meu irmão, e

dizendo que era necessário está tudo resolvido, não é?

Edmée o olhou com o cenho franzido e elevou o queixo. Nesse momento, ele reparou no

quanto era bela e engoliu saliva, emudecido. Ele havia se deitado com muitas mulheres antes dela e um

bom número depois, mas essa jovem de grandes olhos cinza e cabelo escuro era a que mais tempo havia

permanecido em sua mente. Havia acreditado que sua lembrança o atormentava pelo fato de sentir-se

enganado, mas ao tê-la diante dele, e sentir como seu coração pulsava enlouquecido dentro do peito,

começou a duvidar das razões que acreditava.

— Você também roubou algo de mim.

— O que roubei de você, diga-me! —Tyler a olhou até que o verdadeiro sentido de suas

palavras atravessou sua mente. — A quem pretende enganar? Por acaso esqueceu que eu estava ali?

Desfrutou de cada minuto tanto quanto eu!

— Quase não tinha consciência do que estava acontecendo!

— Pois disfarçou muito bem.

Ambos mediram-se em silêncio, ela ruborizada e envergonhada, ele alterado e furioso como

nunca em sua vida.

— Agora, diga-me como me encontrou.

— Bem, não foi difícil. — Edmée afastou o olhar do rosto duro. Continuava sendo o homem

alto e bonito que recordava. Como um raio de luz a salvara do perigo, e em seguida, a tinha aturdido com

seus beijos e carícias. Nada disso era motivo para desculpá-lo por se aproveitar de sua inocência, mas ao

menos servia para desculpar a si mesma. — Sabia seu nome e vi o brasão na carruagem.

Tyler se aproximou dela até que seus narizes quase se tocavam e então, com os dentes

apertados, murmurou:

— Acredito que chegou o momento de me dizer por que veio aqui, arriscando-se a ser

denunciada por roubo.

Tyler viu como a jovem empalidecia, sem dúvida, assustada pela ameaça. Mas,

diferentemente do que ele pensava, não era a possibilidade de ser denunciada a causa da mudança de sua

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expressão, mas porque havia chegado o momento de revelar o motivo de sua visita. Disse a si mesma que

não podia fraquejar; se pensasse no que estava em jogo se ele negasse seu pedido.

— Se me permitir um minuto, poderei explicar melhor.

Tyler entrecerrou os olhos, mas com a cabeça fez um gesto de assentimento, cheio de

curiosidade pelo misterioso comportamento da jovem.

A jovem saiu da sala e, enquanto percorria os corredores da enorme mansão tentando se

localizar corretamente, seu coração pulsava com ansiedade dentro do peito. Perderia muito se ele a

rechaçasse, deveria fazer o necessário para conseguir que a escutasse.

Tyler permanecia de costas para a porta, olhando para os jardins bem cuidados que

rodeavam a casa principal enquanto tentava se acalmar. Voltar a ver Edmée o deixara mais alterado do

que parecia normal e não queria, de nenhuma maneira, que ela suspeitasse o quanto se sentia afetado.

Não compreendia o que essa moça possuía para emocioná-lo desse jeito. Era bonita, claro, mas não mais

que outras que havia conhecido. Nunca estivera com uma virgem antes, para o amor, apreciava as

mulheres experientes que sabia o que esperar delas. Mas, deveria admitir que a única noite que passou

com ela havia aflorado algo em seu interior que não sabia que existia, uma ternura, um sentimento de

exaltação que havia perdurado muito tempo depois, misturado com a desilusão e a humilhação que lhe

causara.

Ao escutar o som da porta, virou-se e seu sangue congelou em suas veias. Edmée estava

diante dele com um menino nos braços: um menino bonito de aproximadamente um ano de idade, com

cabelos loiros e olhos azuis.

— Senhor Collingwood, este é seu filho. Chama-se Adam.

Até o ar que respiravam pareceu congelar enquanto Tyler, com uma sensação semelhante

à vertigem, olhava boquiaberto ao menino que se limitava a estudá-lo com seus olhos curiosos. Depois de

alguns segundos em que a perplexidade dominou a situação, Tyler, furioso, desviou seu olhar para a

mulher que o observava com uma expressão séria e os lábios apertados.

— Se você pensa que vou acreditar na palavra de uma ladra vulgar e rameira como você,

está completamente equivocada.

Tyler não era alheio ao fato que muitos homens de classe alta, viam-se obrigados a pagar o

sustento de seus filhos bastardos, razão pela qual muitas mulheres procuravam desesperadamente

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engravidar para assegurar seu futuro. Pensar que havia caído em uma armadilha tão antiga fez com que

apertasse os punhos tentando reprimir o impulso de sacudir essa mentirosa.

— Agi como uma rameira apenas uma vez em minha vida. — Aborrecida, Edmée pensou

que o tremor de sua voz era muito evidente. A fúria que o homem desprendia era tão óbvia que por um

momento temeu que fosse capaz de golpeá-la. Perguntou-se se agia corretamente, mas em seguida,

encheu-se de coragem: sabia que era a única oportunidade que seu filho tinha de sobreviver.

— E, vejo que teve muita sorte, mas, se pensa que vou acreditar em sua palavra como um

cordeirinho, está muito equivocada. Já agi como um imbecil uma vez e não pretendo repetir o engano.

— Senhor Collingwood, não estou mentindo. Este menino é seu.

— Pois não abrisse as pernas, maldição! — O menino começou a chorar assustado ao ver

esse desconhecido gritando com sua mãe, e Tyler teve que reprimir um impulso inesperado de abraçá-lo

e consolá-lo.

— Acreditei que você era um homem de honra.

— Um homem de honra, sim! Um idiota ingênuo, posso garantir que não! —Com amargura,

deu-lhe as costas enquanto atravessava a sala com passos largos. — Posso imaginar a alegria que você

sentiu quando descobriu que estava grávida, não é? Assim, poderia me roubar à vontade com uma

desculpa válida. Não entendo porque demorou tanto tempo para vir me extorquir.

— Embora não acredite, não é o seu dinheiro que quero. — Edmée sentia-se mais

humilhada do que nunca, mas a vida de seu filho a obrigava a permanecer firme, apesar do desprezo

intenso que esse homem demonstrava por ela fosse como uma bofetada.

O homem a olhou com uma sobrancelha arqueada, e uma careta amarga que tentava

esconder o aborrecimento intenso que sentia.

— Quero que fique com o menino.

Girando como um raio, Tyler lançou uma gargalhada seca desprovida de humor.

— Ora! Esta sim que é boa. De todas as rameiras de Londres, tive que me deitar com a mais

desnaturada de todas.

— Não volte a me chamar de “rameira”! Só estive com um homem uma vez em minha vida,

e se não fosse pelo menino amaldiçoaria esse dia a cada segundo!

— Pois não parece que se importe tanto com seu filho quando pretende desfazer-se dele

com tanta facilidade.

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Edmée baixou os olhos e, quando elevou a vista para enfrentá-lo com valentia, Tyler

surpreendeu-se ao ver seus olhos umedecidos e seu olhar furioso.

— Acredite-me, importa-me mais que minha vida. Apenas por isso estou aqui escutando

suas palavras ofensivas.

— Então, explique-me como pode amá-lo tanto se está disposta a desfazer-se dele, porque

não entendo nada.

Edmée calou-se durante alguns segundos considerando o que poderia revelar. Era

consciente que sua sobrevivência até o presente momento, era fruto da discrição que mantinha. Ele nunca

havia deixado de procurá-la, tinha certeza, porém, apenas há dois meses, ela tomara conhecimento desta

busca, através da dona da granja que lhe vendia o leite ao comentar que um homem desconhecido havia

perguntado por uma jovem com suas características físicas. Felizmente, à senhora havia desconfiado do

homem e preferiu fingir que não a conhecia. Obviamente, apenas uma hora depois dessa conversa, ela

partia do povoado no qual vivera até esse momento.

— Senhor, não posso revelar nada. Minha vida está em perigo, e não desejo que meu filho

fique sujeito à mesma sorte que me espera.

Tyler olhou-a fixamente e recordou a noite em que haviam se conhecido. Realmente, ela

parecia uma mulher aterrorizada, e era possível que estivesse dizendo a verdade; mas para ele, era

impossível ficar com o menino.

— Mesmo que seja verdade, não tenho nenhuma garantia de que o menino seja meu.

Edmée, sem conseguir controlar mais a tensão que suportava, começou a soluçar, odiando-

se por humilhar-se dessa forma.

— Você precisa acreditar em mim, este menino é seu filho, e está em perigo! Por favor,

suplicarei se for necessário. Salve meu filho!

Nesse momento, a porta da biblioteca abriu-se, e Gabriele entrou.

— Tyler, o que está acontecendo? O senhor Lang me disse que… — A voz foi se apagando

até que seu olhar se deteve, surpreso e curioso, sobre Edmée e o menino.

— Desculpe-me, sou lady Collingwood, e você é…?

— Meu nome é Edmée Gordon, milady.

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Tyler deduziu que ela estava acostumada a lidar com a nobreza, portanto, achou que teria

sido uma criada. Anotou mentalmente que deveria investigar tudo sobre essa mulher misteriosa que havia

aparecido em sua vida para transtorná-la.

— Bem-vinda, Edmée. — Ao ouvir as palavras de sua cunhada, Tyler soltou um grunhido,

que foi ignorado pelas mulheres. — E, este menino adorável?

A jovem girou a criança para que lady Collingwood pudesse vê-lo melhor.

— Ele é meu filho: Adam.

Gabriele não disse nada. Olhou para o menino com a boca aberta, e em seguida, com um

olhar assustado, dirigiu-se a seu cunhado.

— Meu Deus! – sussurrou.

Edmée lutava por não perder a integridade. Sentia uma enorme compaixão pela esposa de

Tyler, pois percebera que havia reconhecido o rosto do marido no menino. Adam era uma lembrança

constante do homem que se apoderou de sua virgindade, a semelhança entre ambos era inegável. Não

pretendia provocar um problema entre eles, mas estava decidida a deixar seu filho a salvo a qualquer

custo; portanto, cheia de coragem, dirigiu-se a lady Collingwood. — Milady, lamento a forma como você

tomou conhecimento disso. Acredite-me, por favor, quando lhe digo que não é minha intenção causar o

menor problema, e nem quero absolutamente nada de vocês. De minha boca, ninguém saberá que esse

menino é filho de seu marido, mas suplico-lhes que fiquem com ele. — A voz sumiu, dominada pela tristeza

de ser obrigada a separar-se do filho. — Sua vida corre perigo.

— Meu Deus, Tyler! Um filho!

— Isso ela diz, mas não pretendo cuidar de um bastardo.

Depois de fulminá-lo com um olhar capaz de congelar a água, Gabriele dirigiu-se a jovem.

— Senhorita Gordon, por favor, desculpa-nos por um momento?

Edmée limitou-se a assentir, cada vez mais nervosa, porém, também mais tranquila pela

amabilidade evidente que os olhos da mulher transmitiam. Enquanto saía da biblioteca pensava que,

provavelmente, o senhor Collingwood havia se casado após o encontro deles, pois achava inconcebível

que um homem com uma esposa tão bela e adorável, pudesse ser infiel.

Uma vez a sós, Gabriele lançou um olhar incendiário a seu cunhado.

— Tyler, esse menino é tão seu filho quanto Robert e Christie são de seu irmão.

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— Oh, vamos! Só passei uma noite com ela. — Sem entender o motivo, não quis revelar que

foi roubado por ela e que durante muitos meses esteve obcecado por encontrá-la.

— Foi o bastante, acredite. O menino é seu retrato vivo.

— E, se for verdade, o que você supõe que devo fazer com um bastardo?

Ela olhou para Tyler como aniquilada por suas palavras.

— Se alguém me dissesse que essas palavras poderiam sair de sua boca, não teria

acreditado.

Tyler não pôde evitar corar e, estalando a língua, virou-se de costas para Gabriele. Ela não

sabia de tudo, e ele não queria contar.

— Está bem, cuidarei do menino. Pagarei por seu sustento, e de sua maldita mãe, mas nada

mais.

— Bem, acredito que não é isso o que ela quer, não é verdade?

Elevando os braços em um gesto de exasperação, ele exclamou:

— Realmente você espera que eu crie esse menino? Não sei nada sobre bebês!

— É claro que sabe, seus sobrinhos o adoram. Será muito simples conquistar o amor de seu

filho, e em pouco tempo você agradecerá pelo dia que essa mulher apareceu em sua porta. — Fez uma

pausa e citou Shakespeare. — “O pai prudente é aquele que conhece seu filho”.

Tyler olhou-a com incredulidade, e então Gabriele percebeu como ele estava assustado.

Aproximou-se, abraçou-o, e sentiu-se comovida quando ele se agarrou a ela como um náufrago a uma

tábua de salvação.

— Desconfio dessa mulher. Entregou-se a mim, e depois desapareceu completamente, e

agora, quando já estava esquecida, aparece do nada para me dizer que tenho um filho.

Separando-se dele, e acariciando suavemente seu rosto, Gabriele murmurou:

— Sei que é difícil aceitar, mas realmente essa mulher parece desesperada.

Definitivamente, deveríamos investigar o motivo pelo qual acredita que sua vida está em perigo, e ajudá-

la, afinal de contas, é a mãe de seu filho. Não poderá dizer a ele, quando crescer, que você se livrou dela,

e a expôs a um horrível destino.

— Não sabemos nada dessa mulher, Gabriele; pode ser uma foragida da justiça.

— Nesse caso, deveríamos averiguar.

Depois de permanecer alguns segundos em silêncio, Tyler assentiu.

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— Bem, agora me deixe a sós com ela. E, que alguém cuide do menino enquanto

conversamos.

* * *

Edmée estava esperando sentada em uma saleta. Adam estava adormecido e ela o

observava com uma profunda compaixão. Desejava que continuasse adormecido quando ela partisse para

não ver a expressão de seus olhos quando lhe dissesse adeus. Desde que nascera, nunca estiveram

separados.

— Senhorita Gordon.

A moça elevou a cabeça, e viu lady Collingwood sorrindo com ternura. Não tinha dúvidas

que essa mulher era um anjo. Com cuidado para não despertar o menino, ficou em pé.

— Tyler quer vê-la a sós. — Estendeu as mãos, e acrescentou. — Deixe o menino comigo;

tenho certeza que seus primos gostarão de conhecê-lo.

— Seus primos?

— Sim, meus filhos Robert e Christie.

— Seus filhos? Então, você não é a esposa de Tyler Collingwood?

Gabriele ampliou seu sorriso. Antes, na biblioteca, atônita pela notícia que seu cunhado

tinha um filho, não havia reparado no engano da jovem.

— Não, senhorita, sou a esposa do irmão de Tyler.

Sem poder explicar, Edmée sentiu uma onda de alívio. Disse a si mesma que era por saber

que não havia prejudicado essa dama tão bela e bondosa.

Inconsciente de que sorria apesar das muitas preocupações que a assolavam, a jovem

entregou o bebê, enquanto lágrimas de agradecimento embaçaram seus olhos ao ver como lady

Collingwood o abraçava carinhosamente.

— Oh, olhe como ele é doce! — Enquanto a dama falava, Edmée sorria orgulhosa. — É um

lindo bebê, não há dúvida.

Por um instante, olharam-se, conscientes do amor infinito que une uma mãe a seus filhos,

e nesse breve segundo um vínculo foi estabelecido entre elas.

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— Bem, senhorita Gordon, acompanhá-la-ei de volta à biblioteca. — Ao ver o olhar retraído

da jovem, acrescentou, — Não tenha medo, meu cunhado é um dos homens mais honoráveis que conheço.

Edmée não quis contradizer a dama que era tão bondosa com ela e com seu filho, por isso,

limitou-se a assentir, enquanto pensava que, há dois anos, e inclusive poucos minutos antes, Tyler

Collingwood não fora nada honorável.

Respirou profundamente, elevou o queixo, entrou na biblioteca, e apertou os dentes

quando impressionantes olhos azuis cravaram-se nela.

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Capítulo 3

— Sente-se, Edmée. — Sem entender o motivo, ouvi-lo pronunciar seu nome provocou um

calafrio em sua coluna vertebral.

Ela obedeceu e, para ocultar suas mãos trêmulas, uniu-as sobre seu colo. Com o motivo de

sua presença esclarecido, ela começou a sentir-se intimidada diante do homem que uma vez a fizera

suspirar de paixão. Agora, observando a frieza em seu olhar, parecia mentira que fosse o mesmo homem

que havia beijado todas as partes de seu corpo até fazê-la soluçar de prazer.

— Quero que me explique por que a sua vida e a de seu filho estão em perigo.

— Não posso contar.

— Oh, vamos. Deseja que eu cuide de uma criança que não sabia que existia até poucos

minutos apenas confiando em sua palavra quando afirma que está em perigo? O que fiz para passar a

impressão de que sou um imbecil?

— Você não entende. Se pude me manter a salvo até agora foi por causa do meu sigilo. Não

posso lutar contra ele e, se falar, me encontrará e serei morta.

Tyler levantou-se da cadeira que ocupava atrás da mesa e virou-se de costas para ela.

Tentava se acalmar porque, sendo imbecil ou não, estava convencido que a jovem acreditava no que dizia.

Possivelmente, era uma pobre maluca obcecada por um perigo inexistente, mas era impossível fingir um

olhar angustiado com tanta perfeição como ela fazia.

— Tomei uma decisão. — Anunciou com voz solene. — Apesar de minhas dúvidas em

relação ao seu relato, e posso afirmar que são muitas, não posso me arriscar a permitir que essa criança

que você diz ser minha…

— É sua. — Interrompeu com firmeza.

Ele a olhou com admiração antes de continuar. Apesar de estar aterrorizada, a jovem

sustentava seu olhar com integridade e coragem, e foi neste momento que Tyler começou a acreditar em

suas palavras.

— Não posso arriscar a vida dele. Como já devia saber ao colocá-lo diante do meu nariz,

minha consciência não permitiria que eu agisse de outra forma. O menino ficará.

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— Oh, obrigada! — Enterrou o rosto entre as mãos, e chorou, soluçando tão

desesperadamente que Tyler teve que reprimir o impulso de se aproximar e consolá-la.

Ao perceber que seu pranto não cessava, ofereceu-lhe seu lenço, e ela secou seus olhos

com movimentos rápidos.

— Desculpe-me, mas estão tão aliviada e ao mesmo tempo tão triste… — A voz falhou.

— Triste?

— Nunca me separei de meu filho, sentirei muita saudade!

— Não é necessário que continue chorando, você também ficará.

Edmée continuou soluçando alguns segundos mais até que o sentido das palavras de Tyler

invadiu sua mente. Nesse momento, elevou a cabeça, e olhou para Tyler com a boca aberta.

— O que você disse?

— Eu disse que você ficará aqui também. Não sei nada sobre bebês e, além disso, não sou

assim tão cruel ao ponto de separar uma mãe de seu filho. Você ficará aqui, criará o menino e ajudará a

cuidar de meus sobrinhos. Mas fique sabendo que estarei vigiando você. — Entrecerrou os olhos e sua voz

endureceu. — Mesmo que esse filho seja meu, você não terá nenhum direito além dos que estou disposto

a oferecer. Permitirei que você cuide dele, mas se em qualquer momento dermos falta de algum objeto

desta casa, por mais simples que seja, você será expulsa e nunca mais verá seu filho.

— Não sou uma ladra! — Levantou-se, irritada.

— Oh, vamos, esse orgulho é desnecessário entre nós. Você me roubou antes, e para mim,

isso a transforma em uma ladra.

Edmée apertou os lábios. Sentia-se profundamente ofendida pelo conceito que esse

homem altivo fazia dela, mas não podia refutar suas palavras. Tomara ele pudesse entender que suas

ações foram movidas no intuito de salvar sua vida do monstro que a perseguia, mas se contasse a ele o

que havia acontecido, seus dias estariam contados. Ele a encontraria.

— Está bem. — Agachou a cabeça. — Agradeço-lhe por permitir nossa presença aqui.

— Espero não me arrepender.

— Eu tampouco.

* * *

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Tyler cavalgava como se estivesse possuído pelo demônio. Depois da conversa com Edmée

e depois de ter contemplado o rosto de um menino que, sem poder negar, era seu retrato vivo, precisava

afastar-se de todos e pensar sozinho.

Conduziu o cavalo a uma suave elevação nos arredores de Riverland Manor, um lugar

tranquilo, sombreado por algumas árvores, e esperava não ser interrompido.

Não tinha muitas dúvidas que esse bebê fosse filho dele. Tudo combinava, além disso, era

extraordinariamente parecido a ele. O problema não era o menino, não seria o primeiro homem a criar e

reconhecer um filho bastardo. Não, o problema era a mãe do menino, essa mentirosa que havia

compartilhado uma das noites mais especiais de sua vida, e que logo após havia abandonando-o como se

fosse lixo. Nunca, até esse momento, havia se sentido usado. Não gostava absolutamente da sensação.

Agora essa jovem que havia conturbado seu passado estava ali, na residência familiar, e

trazia com ela uma criança: seu filho. Já sabia como lidar com ela, e acreditava ter feito o correto ao

permitir que permanecesse ali. Se tivesse uma esposa ou uma noiva, tudo seria diferente, certamente:

nenhuma mulher aceitaria viver sob o mesmo teto com a mãe do bastardo de seu marido. O que não podia

entender eram as sensações estranhas que apenas um olhar de seus olhos cinza extraordinários,

provocava nele.

* * *

Gabriele dava voltas pelo seu estúdio, um aposento que havia transformado e que utilizava

para pintar, pois era uma excelente pintora. No começo, contava apenas com algumas telas e um

tamborete. Com o tempo, foram instalados um amplo divã e uma mesinha, pois Alexander gostava de

contemplá-la enquanto trabalhava. A mulher não pôde reprimir um sorriso ao recordar como utilizavam o

divã em certas ocasiões.

Havia pedido ao mordomo que avisasse seu marido assim que chegasse do campo, onde

estava fiscalizando o plantio das sementes.

— Por favor, diga ao meu marido que vá a meu estúdio imediatamente, é urgente.

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— É claro, milady. — O homem titubeou alguns segundos, mas a relação que os criados

mantinham com os condes não era nada comum. O começo do casamento do conde e da condessa havia

sido muito atribulado. Lorde Collingwood partira a Londres no dia seguinte a cerimônia e a jovem esposa,

desprezada e solitária, habituou-se a comer junto com a criadagem, criando uma relação de fraternidade

e carinho incomum entre patrões e empregados — Suponho que quer comunicar a chegada dessa jovem.

— Certamente. — Com um grande suspiro, acrescentou, — Você também viu o bebê. Você

tem alguma dúvida de que seja filho de Tyler?

— Nenhuma, senhora, mas, se me permitir, o senhor ordenou que preparássemos um

quarto não apenas para o menino, mas também para a mãe.

Gabriele esboçou um sorriso.

— Parece que meu cunhado finalmente entrou em razão.

O mordomo a olhou surpreso, e logo assentiu. Apreciava e respeitava totalmente à

condessa; se ela considerava o fato da jovem viver como algo bom, ele aceitaria sem questionar.

Por outro lado, a criadagem de Riverland Manor estava acostumada a servir pessoas de

todas as classes. Os condes de Kent eram pessoas muito abertas, progressistas para sua época, tanto

conversavam com duques e condes como com pintores, músicos ou burgueses. Apesar da educação

esmerada que demonstravam, não possuíam nenhuma ponta de esnobismo ou preconceitos. O fato que

a mãe do filho bastardo do senhor Collingwood fosse amavelmente acolhida, não surpreenderia aos

criados. Com uma profunda reverência, o mordomo se retirou.

Gabriele soltou um suspiro, aliviada ao ver que seu marido entrada no estúdio, suado e

agitado.

— O que aconteceu? Você está bem? Aconteceu alguma coisa com as crianças?

— Oh, querido! Estamos todos bem, não se preocupe.

Alexander deixou-se cair sobre o divã lançando um suspiro de alívio e enterrou o rosto entre

as mãos. Em seguida, sua esposa sentou-se ao seu lado e acariciou seu pescoço e as costas.

— Perdoe-me, não queria assustá-lo, mas desejava que soubesse por mim e não pela boca

de qualquer criado.

— Está bem, não me mantenha mais em suspense. O que aconteceu?

Gabriele olhou para Alexander considerando se deveria contar diretamente ou aos poucos.

Finalmente, decidiu ser direta.

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— Tyler tem um filho.

Alexander olhou para ela com uma expressão tão incrédula que parecia quase cômica.

— Repita isso, por favor.

— Tyler tem um filho, um bebê com pouco mais de um ano. É adorável.

O homem levantou-se, passeou pelo estúdio, e voltou a sentar-se.

— Tem certeza?

— Soube assim que vi o rosto do menino, antes que dissessem qualquer coisa.

— Quem é a mãe?

— Uma jovem encantadora.

— É uma dama do condado? Conheço-a?

— Não, não é ninguém que possa conhecer.

Alexander ficou olhando-a com expressão horrorizada.

— Não me diga que se trata de uma rameira!

— Não, não acredito absolutamente que seja uma rameira. Na verdade, seu irmão não

mencionou isso, mas admitiu possuir dúvidas razoáveis sobre a paternidade, embora pareça sentir uma

aversão especial por ela.

— Bem, — disse Alexander. — Não sei por que essa notícia me impressionou tanto. Meu

irmão não é precisamente um celibatário.

— Sim, mas é a primeira vez que uma mulher veio reclamar a paternidade de seu filho. Você

não acha estranho?

— Não sei o que quer dizer.

— Parece evidente que com ela foi menos cuidadoso do que com as outras.

— E?

— Eu acredito que ela foi especial para ele.

— Acaba de me dizer que parece detestá-la.

— Eu também detestava você, lembra?

Alexander moveu a cabeça de um lado ao outro, e esboçou um ligeiro sorriso.

— Não se iluda. Conheço meu irmão, e não posso imaginar um homem menos inclinado ao

amor do que ele.

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34

— Pois, eu discordo totalmente de você. Também conheço Tyler, e afirmo que quando se

apaixonar – e se apaixonará, acredite-me – será de forma total e irreversível.

* * *

Edmée encontrava-se absorta em uma nuvem de pensamentos. Apesar do áspero

recebimento e das horríveis palavras que o senhor Collingwood lhe tinha dirigido, não apenas aceitara o

bebê, como ainda havia permitido que ela também ficasse. Lembrou-se das noites terríveis que havia

passado fugindo enquanto pensava em como garantir a segurança de seu filho, e a emoção voltou a

dominá-la. Havia chorado até o esgotamento ao pensar em separar-se de Adam.

Edmée perdeu-se em suas lembranças. Quando descobrira que estava grávida, havia

sentido que o céu desmoronava sobre ela. Amaldiçoou o homem que havia possuído seu corpo sem

preocupar-se com sua inocência, nem com o atordoamento que o terror e o vinho haviam provocado nela.

Se as possibilidades de escapar eram mínimas estando sozinha, com um bebê reduziam-se literalmente a

zero. Entretanto, apesar do medo e da solidão, o dia em que segurou seu bebê nos braços foi o mais feliz

de sua vida, e a maternidade proporcionou a ela uma nova força: sentia-se capaz de tudo para mantê-lo

protegido. Apenas por ele havia procurado Riverland Manor, embora precisasse se humilhar diante do

homem que havia jurado apagar de sua vida.

Aguardava em um pequeno salão elegante onde a deixaram com Adam adormecido em

seus braços. Breve, despertaria com fome. Edmée esperava que, nesse momento, já estivesse instalada

em um quarto, porque não queria amamentar o bebê num lugar onde qualquer pessoa pudesse entrar.

Absorta em seus pensamentos, tentava descobrir os motivos pelos quais Tyler resolvera aceitá-los.

Possivelmente lady Collingwood estivesse certa e ele fosse um homem honrado. Fosse

como fosse, sabia que ele a desprezava, e que sua caridade nada tinha a ver com ela. Porém, apesar do

sentimento de injustiça que despertavam suas duras acusações, sentia-se profundamente agradecida pela

sua atitude. Ela estava entre a espada e a parede. Mesmo assim, refugiar-se em Riverland Manor era uma

solução com a qual nunca se atrevera a sonhar.

Nesse momento, uma mulher robusta, com o cabelo preso em um coque e coberto com

uma touca, entrou na sala. Em seguida, Edmée levantou-se com Adam em seus braços.

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35

— Bom dia, senhorita Gordon. Sou a senhora Harrison, a governanta.

— É um prazer, senhora Harrison.

A mulher não pôde evitar um olhar curioso em direção ao bebê que dormia tranquilamente

nos braços de sua mãe. Para satisfazer a curiosidade da governanta, Edmée aproximou o bebê.

— É um lindo bebê, parece um anjinho.

— Obrigada. — Um largo sorriso cheio de orgulho maternal apareceu em seu rosto.

A senhora Harrison soube disfarçar a surpresa que sentiu ao ver o menino. O senhor Lang

havia contado tudo a ela; afinal não era um segredo, e brevemente todos os habitantes da casa saberiam.

Era impossível negar que fosse filho de Tyler. Em relação a jovem, parecia uma moça simples e honrada;

possuía límpidos olhos cinza, e um rosto agradável de traços finos. Sem dúvida, seria uma criada seduzida

pela elegância do irmão do conde. Bem sabia Deus que as mulheres o perseguiam como as moscas ao mel.

— Senhorita Gordon, o senhor Collingwood ordenou que instalasse seu filho no andar

superior, perto dos quartos do senhorzinho Robert e da senhorita Christie.

— Oh, muito obrigada.

— Você dormirá junto ao dormitório do menino.

— Foram às ordens do senhor Collingwood?

— É claro.

Edmée titubeou por um instante. Esperava ocupar os aposentos da criadagem, que

costumavam estar localizados no piso inferior; a posição que escolhera era exclusiva das babás e

preceptoras, os serviçais de categoria mais elevada.

— Ele disse quais as funções que devo desempenhar?

A mulher assentiu, e em seguida explicou:

— Você se ocupará basicamente da criação de seu filho, assim como dos filhos dos condes

e em tudo que a senhorita Graham, a preceptora, necessitar.

— Entendo.

— Bem, agora me siga, e mostrarei os quartos.

Edmée seguiu à senhora Harrison sem prestar atenção aos detalhes que a rodeavam.

Encontrava-se absorta, surpresa pela inesperada benevolência que o senhor Collingwood demonstrava

para com ela. A possibilidade de estar junto a Adam dia e noite era muito mais do que se atrevia a sonhar.

Por mais que a incomodasse rebaixar-se diante dele, prometeu a si mesma que deveria agradecer sua

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amabilidade assim que voltasse a vê-lo, embora não soubesse quando seria. Estava convencida que ele

nem sequer se incomodaria em conhecer seu filho, mas isso não a inquietava. O fato que concordasse em

abrigá-los e os mantivesse protegidos era mais do que suficiente. Com surpresa, percebeu que essa era a

segunda vez que, sem saber, Tyler salvava sua vida.

Quando estavam no quarto, a senhora Harrison informou os horários das refeições, que ela

faria junto ao resto da criadagem, e despediu-se com cordialidade. Sozinha, Edmée deitou o bebê, que

começava a mover-se inquieto, sobre a suave colcha da cama, e dedicou-se a observar o aposento.

Era um quarto grande, com pouca mobília, mas confortável e alegre. Além da cama, havia

uma pequena mesa e uma grande cômoda. Ficou fascinada pela janela ampla que mostrava a parte traseira

da casa, e que tinha um parapeito tão largo que permitia sentar-se nele com conforto. As gavetas da

cômoda eram espaçosas, mais que suficientes para seus escassos pertences envoltos em uma manta suave

que comprara para Adam.

Um grunhido de protesto do menino, obteve sua atenção.

— Já sei, querido, já sei: está com fome.

Com Adam em seus braços sentou-se no parapeito da janela e, depois de descobrir seu seio,

começou a amamentá-lo enquanto observava a vista. Havia um jardim bem cuidado que, sem dúvida,

rodeava toda a casa. Diante de sua janela, elevava-se uma construção retangular que parecia os estábulos.

Era evidente que a família do conde gozava de uma boa situação econômica. Esta claro que todo o condado

os conhecia, pois, não fora difícil descobrir o paradeiro do senhor Collingwood apesar dos poucos dados

que dispunha.

Muito mais tranquila em relação ao futuro de seu filho e do seu, Edmée permitiu-se pensar

nele. Supunha que era solteiro, porque, em momento algum, houve a alusão a uma esposa e, caso existisse

uma, não veria com bons olhos que uma antiga amante de seu marido residisse sob seu teto. Amante:

realmente ela fora sua amante? Compartilhar uma noite de paixão com um homem merecia um nome tão

íntimo? Apesar do atordoamento que a dominara naquela noite, certas imagens e sensações nunca se

apagaram de sua mente. A assustadora resposta de seu corpo aos beijos e carícias desse desconhecido, a

euforia que a invadiu enquanto estavam unidos, a sensação de bem-estar e plenitude enquanto o sono a

obrigava a fechar os olhos, e ele acariciava suas costas murmurando palavras doces.

Quando esteve diante dele outra vez, descobriu que era muito mais atraente do que se

recordava, e ao mesmo tempo deparou-se com seu desprezo. Não entendia por que isso a afetava, se ela

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também o desprezava. Mas, não podia apagar outra imagem de sua mente: ele com os olhos escurecidos

pelo desejo e como a acariciava com uma ternura que conseguira seduzi-la completamente.

Com um sobressalto, percebeu que o objeto de seus pensamentos aproximava-se

galopando para o estábulo. Não podia distinguir ainda seus traços, mas sabia que era ele. Quando desceu

do cavalo e jogou as rédeas ao cavalariço que havia saído para esperá-lo, sua intuição foi confirmada.

Sentiu-se aborrecida consigo mesma ao notar o nervosismo que a dominava repentinamente. O

aborrecimento aumentou até a irritação quando ele tirou o chapéu, e admirou os passos elásticos e firmes

com que se dirigia à entrada da residência. Esse homem a desprezava, e seria bom que ela não se

esquecesse disso. Além disso, apesar de ser a mãe de seu filho, estava tão longe dele como a Terra da Lua.

Deveria manter-se afastada: era a única maneira de evitar problemas.

Um golpe suave na porta a distraiu e, ao pensar na possibilidade que pudesse ser Tyler,

sentiu-se dominada pelo pânico. Mesmo assim, enquanto ajeitava sua roupa, murmurou:

— Entre.

Lady Collingwood entrou seguida por um homem alto de cabelo escuro e olhos azuis que

lembravam imediatamente os do pai de Adam: sem dúvida, era o conde.

— Milady, excelência. — Edmée esforçou-se o quanto pôde para fazer uma reverência com

o menino nos braços.

— Senhorita Gordon, tudo está de seu agrado?

— É claro, milady, vocês são muito amáveis.

Gabriele lhe dedicou um sorriso enquanto voltava a se surpreender pela semelhança do

menino com seu cunhado. A voz de Alexander as interrompeu.

— Posso conhecer meu sobrinho?

Emocionada de uma maneira desconhecida para ela, Edmée levantou o menino para que o

conde o olhasse sem impedimentos. Nos olhos do homem refletiu-se a mesma emoção que transpareceu

nos olhos de sua esposa pouco antes. Edmée soube que ele aceitava a verdade.

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Capítulo 4

O barão virou-se com os olhos entrecerrados. Seu interlocutor engoliu saliva

repentinamente, intimidado pela fúria de seu olhar.

— É um inútil, Sheridan! Deveria açoitá-lo até deixar apenas uma polegada de pele sobre

seus ossos!

— Sinto muito, senhor, tenho certeza que foi avisada pela dona da granja.

— Se você tivesse se limitado a vigiar o lugar até encontrá-la, nada disto teria acontecido.

— Em seguida, após dar um murro violento sobre a mesa, exclamou. — Maldição! Cada dia que essa

mulher continua viva é um perigo para mim. Não pode compreender?

— É claro, senhor. Prometo que da próxima vez ela não escapará.

— Assim espero, minha paciência está se esgotando. — Depois de uma breve pausa,

acrescentou, — Todos os portos da Inglaterra estão vigiados?

— Sim, senhor, posso garantir que a jovem continua no país.

— Demonstra ser mais esperta do que imaginei. Deve supor que no momento em que tentar

escapar será apanhada. O que não posso entender é como conseguiu esconder-se durante tanto tempo.

— Certamente é esperta. Entretanto, nesse momento deve estar em dificuldades. — Diante

do olhar interrogante de seu patrão, continuou, — Ela partiu sem nada, todos os seus pertences ficaram

na casa que ocupava.

— Encontrou algo interessante? Algo que me comprometa?

— Não, senhor, mas havia algo muito estranho.

— Do que se trata?

Sheridan colocou a mão no bolso da jaqueta e tirou alguns objetos pequenos, claramente

pertencentes a um bebê de pouca idade.

— Deixe-me ver.

Sem dúvida, era uma peça de roupa de um bebê. O barão franziu o cenho; tentava descobrir

por que havia roupas de bebê na casinha que Edmée ocupava.

—Também havia um brinquedo, um desses chocalhos de crianças.

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Só havia uma resposta, que era a mais óbvia, mas ele não podia acreditar que a moça

recatada tivesse dado a luz a um filho sem estar casada.

— Encontrou roupa de homem?

— Não.

O barão reprimiu um suspiro de alívio. Não queria nem pensar que alguém mais poderia

saber o segredo que a jovem escondia. Estava seguro que ela continuava escondendo-o. “É uma garota

esperta”, pensou novamente. Mas não havia garantias que mantivesse seu silêncio para sempre. Não;

apenas sentir-se-ia seguro outra vez quando ela estivesse morta.

— Está bem, continue procurando e quando encontrá-la…

— Sim, patrão. — Depois de pigarrear ligeiramente, Sheridan acrescentou, — Nosso acordo

continua de pé, senhor?

— É claro, sempre e quando a mate depois. — Como se sentisse uma inspiração repentina,

disse — E, traga-me alguma coisa que demonstre que seu trabalho foi concluído, uma dessas coisas que

eu gosto.

Depois de assentir, Sheridan fez um ligeiro aceno de cabeça e saiu, aliviado por afastar-se.

Não era um homem facilmente impressionável, com suas próprias mãos havia acabado com a vida de mais

de uma pessoa; no entanto, o barão fazia sua pele se arrepiar e um suor frio percorrer suas costas quando

o olhava fixamente.

Compartilhava alguns segredos tão arrepiantes sobre o nobre que, se seus amigos os

conhecessem, ficariam horrorizados. Entretanto, não era capaz de se acostumar a esse olhar frio e

penetrante, que parecia desprezar tudo e a todos.

Sheridan havia aceitado o trabalho que há dois anos o barão havia solicitado. Conhecia

Edmée e a tinha desejado desde o primeiro dia, mas ela nunca havia reparado nele: bela, altiva e

indiferente, nunca lhe deu a menor atenção. Havia pedido ao barão fazê-la sua antes de completar o

trabalho, e o nobre havia concordado.

— Não se apaixone. — Havia avisado — Sabe que se me trair encontrarei você, e então,

desejará não ter nascido.

Sheridan sabia disso. Às vezes, despertava encharcado de suor, com um grito abafado nos

lábios, e os olhos frios do barão fixos nele.

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40

* * *

Tyler estava bebendo a segunda taça de uísque. Esteve fora da residência por todo o dia

com a intenção de distanciar-se do acontecido para pôr em ordem seus pensamentos, e recuperar seu

habitual equilíbrio e sensatez. Havia postergado sua volta até o anoitecer para reduzir as possibilidades de

se encontrar com ela, mas seu coração continuava igualmente agitado, e nem o melhor uísque da adega

de Riverland Manor podia apagar de sua mente os intensos olhos cinza de Edmée.

Engoliu com um só gole o que restava na taça, e agarrou a garrafa, disposto a voltar a servir-

se, quando a voz de seu irmão o sobressaltou.

— Tyler.

—Alexander, não ouvi quando você entrou.

— Quantas taças você bebeu?

Assinalou com a cabeça a garrafa e respondeu:

— Esta é a terceira.

— Isso explica tudo.

— Não estou bêbado, tomara estivesse.

— Ora; não são todos os dias que se converte em um pai.

— Vejo que já sabe. — Enquanto falava, Tyler encheu outra taça e a estendeu para seu

irmão. — Pelas alegrias da paternidade.

Depois de dar um longo gole, Alexander estalou a língua.

— Tenho a impressão que você não está muito feliz.

— Não sei o que pensar.

— Sei que as circunstâncias não são as melhores. Um filho bastardo não é o que se espera,

mas vi o menino, e é seu filho.

Tyler limitou-se a elevar as sobrancelhas, sem dizer nada. O conde continuou:

— Quando você nasceu eu tinha nove anos. Antes de você, houve uma menina, Annabel,

que morreu com apenas dois anos.

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O mais jovem olhou ao conde profundamente surpreso. É claro que sabia, por relatos

familiares, sobre a existência da irmã que nunca chegou a conhecer, mas era a primeira vez que seu irmão

falava dela.

— Mamãe chorou tanto que eu acreditei que se afogaria com suas próprias lágrimas. —

Alexander fez uma careta e tomou um gole. Recordou momentos muito angustiantes que viveu quando

criança. — Quando você nasceu, eu passava muitas horas junto a você, no berço. Queria vigiar para que

não morresse, sabia que mamãe não suportaria. — Olhou-o nos olhos e acrescentou, — Seu filho é igual a

você naquela época.

— Não estava nos meus planos ter um filho, e muito menos com essa mulher.

— Quem é ela? É uma rameira?

— Não era na noite em que a conheci. — Ao ver o olhar curioso de Alexander, acrescentou

com relutância. — Era virgem.

— Como a conheceu?

— Estava com Louis, e nos dirigíamos ao bordel de madame Greyland. Eu acabava de

terminar com minha última amante, a viúva de sir Lancaster, por isso necessitava um pouco de diversão.

Ela estava correndo, fugia de algo ou alguém, e estava assustada; eu a fiz subir na minha carruagem.

Alexander manteve silêncio por alguns segundos. Supunha que a jovem não tivera uma

única oportunidade com seu irmão porque era bem conhecido o poder que exercia sobre as mulheres.

Mas, estava desconcertado por Tyler ter seduzido uma virgem. Conhecia-o e, embora completamente

cético em relação ao amor, tinha muitos escrúpulos e respeito pelas mulheres.

Como se pudesse ler seu pensamento, Tyler continuou:

— Era tarde, estava sozinha, acreditei que era uma mulher experiente.

— E, nunca teve notícias dela até esse momento?

Por alguma estranha razão, não quis revelar ao conde que ela havia roubado seu dinheiro,

e o relógio de ouro. Ao compreender que não queria predispô-lo negativamente em relação a ela, sentiu-

se um idiota.

— Exato.

— Há algo que não compreendo. Por que você insistiu para que ela fique aqui?

O que ele poderia responder? Tinha uma resposta, a mesma que deu a si mesmo, pois,

justificava plenamente suas ações. De qualquer maneira, a verdade era que Edmée o intrigava muito:

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queria saber mais sobre ela, saber do que fugia e, coisa estranha, observá-la com Adam, saber que tipo de

mãe era. Não confiava nela, sua presença lhe recordava incessantemente a humilhação que havia sofrido

por sua culpa, mas queria observá-la de perto e descobrir o mistério que ela representava.

Depois de meditar alguns instantes, respondeu:

— Afirma que sua vida e a do menino estão em perigo. Quando a conheci parecia

verdadeiramente aterrorizada. Se for verdade que alguém deseja sua morte não posso deixá-la partir, nem

sou tão desalmado para separar um filho de sua mãe.

Alexander limitou-se a assentir, aceitando suas razões. Durante alguns segundos ambos

beberam em silêncio, absortos em seus próprios pensamentos. Alexander não tinha tanta certeza quanto

Gabriele que Tyler sentisse algo especial por essa mulher, mas, parecia óbvio que queria tê-la por perto.

Possuíam outras propriedades no condado, e duas residências confortáveis em Londres. Esteve a ponto

de sugerir a ideia a seu irmão, mas preferiu ficar em silêncio, não queria interferir em suas decisões. Tyler,

apesar do caráter afável, não aceitava muito bem as intromissões em sua vida particular.

— Já esteve com seu filho?

— Ainda não. — Consciente que seu irmão esperava uma explicação, acrescentou, — Não

é porque duvide que seja meu, é que ainda não tive tempo de me acostumar com a ideia.

— Você o reconhecerá?

— Ainda não decidi. Mas imagino que acabarei reconhecendo. Não tenho nenhuma

intenção de me casar e nem de gerar mais filhos, possivelmente será o único que terei.

Alexander apertou os lábios. A relutância ao casamento que o jovem sentia havia sido

motivo de discussão entre eles mais de uma vez. Absteve-se de tecer comentários, já que podia

compreender o estado de confusão de Tyler. Levantou-se da cadeira, aproximou-se do lugar onde seu

irmão permanecia de pé, e passou o braço sobre seus ombros, com um mudo gesto de simpatia.

* * *

Sobressaltada, Edmée ergueu-se na cama com um grito afogado e olhou ao redor em busca

de seu filho. Durante alguns segundos o pânico a impediu de respirar: Adam não estava. Pouco a pouco, a

razão atravessou a neblina de sua mente, e lembrou-se que tanto ela quanto o menino estavam a salvo na

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residência dos Collingwood. Respirou fundo para tranquilizar-se. Entretanto, as imagens da fuga ainda

recente continuavam presentes. Havia abandonado Beachy Head, no condado de Sussex, sem pensar

sequer em recolher suas coisas na pequena casinha que a senhora Rogers lhe tinha alugado. Com Adam

em suas costas, havia caminhado dia e noite por estradas secundárias até quase desmaiar. Alimentou-se

durante quase quatro dias da caridade dos granjeiros que se dirigiam ao mercado para vender seus

produtos. Graças a sua habilidade com a costura e a cozinha, havia encontrado empregos esporádicos,

embora nunca cedesse à tentação de instalar-se em lugar fixo. Quando percebeu que com essa vida

itinerante apenas conseguiria postergar o momento de ser encontrada, começou a pensar em pedir

proteção ao senhor Collingwood. Sabia que estava condenada, mas poderia salvar a criança.

Conhecia a identidade do pai de Adam, pois havia investigado quando soube que estava

grávida. Queria conhecer quem era esse homem que com tanta facilidade havia conseguido fazê-la

esquecer de toda moral e virtude e transformar-se em uma mulher entregue e apaixonada, ansiosa por

receber seus beijos. Queria um nome para o pai de seu filho.

A angústia dos dias passados ainda a atormentava, mas, aconchegada no colchão macio

onde dormia e com a primeira claridade do amanhecer que tingia de cinza o aposento, disse a si mesma

que deveria começar a se acalmar. De repente, desejou abraçar Adam. Sabia que estava dormindo e

seguro, alheio às preocupações que a atormentavam, mas depois do pesadelo precisava estreitar seu

corpo quente e suave.

Calçou as sapatilhas que a senhora Harrison havia deixado poucas horas antes. Jogou um

xale velho sobre a simples camisola de algodão branco. O quarto de Adam era contíguo ao seu. Era a

primeira vez que dormiam separados e, apesar disso, o pequeno dormira tranquilamente toda a noite,

esgotado pelas emoções do dia. Girou o trinco com lentidão, surpresa ao notar que estava bem lubrificado,

e não fazia o menor ruído. Assim que atravessou a porta, parou com o coração descontrolado dentro do

peito. Um homem alto e magro, de ombros largos, permanecia levemente inclinado sobre a pequena cama

em que dormia o bebê. Em seguida, percebeu que era o senhor Collingwood, e a surpresa a manteve

paralisada. Nesse momento, Tyler girou, e a descobriu.

— Edmée.

— Senhor Collingwood.

— Aconteceu alguma coisa?

— Não, apenas não estou acostumada a dormir separada de Adam. Queria vê-lo.

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Ela sentia uma enorme curiosidade por saber o que ele fazia ali, mas, não se atreveu a

perguntar. Apesar da tentativa de disfarçar, esse homem a afetava.

Por sua vez, Tyler sentia-se agitado. Depois de dar voltas tentando assimilar sua nova

condição de pai, havia sentido a necessidade de ver o menino de perto. Havia esperado até ter certeza

que não se encontraria com ninguém e havia entrado sigilosamente no quarto onde o bebê, feliz, alheio

ao torvelinho que sua presença havia provocado, dormia calmamente. Maravilhado, havia tocado

suavemente com sua mão o peito infantil para sentir como subia e baixava ao compasso de sua respiração.

Em seguida, com essa mesma mão, acariciou sua bochecha. O bebê, em seus sonhos, sorrira. O coração

de Tyler acelerou e um sentimento doce e quente o invadira.

Filho.

Soava como a palavra mais bela jamais pronunciada.

Minutos mais tarde, diante dele, estava a mulher que proporcionou esse milagre. A aversão

inicial para com ela, suavizou-se levemente.

— Eu já estou de saída.

— Adeus, senhor Collingwood.

Tyler respondeu com uma breve inclinação de cabeça, e encaminhou-se à saída. Como ela

ainda permanecia junto à porta, não pôde evitar seu contato ao passar ao seu lado e, sem pensar, parou,

magnetizado pelo impulso irresistível de tocá-la. Edmée permanecia quieta, com a respiração agitada,

como um pequeno camundongo hipnotizado por uma temível serpente.

Como se estivesse em transe, Tyler pegou um dos cachos escuros da moça entre os dedos

e o aproximou dos lábios para desfrutar de sua suavidade. Logo após, lentamente, desceu sua mão pelo

pescoço de Edmée, surpreso pela textura de sua pele. Possuído pelo desejo que despertava nele como

uma fera faminta, baixou os lábios disposto a apoderar-se da boca dela, e saciar a sede que lhe provocava

com tanta facilidade.

Os lábios não chegaram a se tocarem. Quando seus fôlegos se confundiam, Tyler pareceu

despertar do estranho transe em que estava, e afastou-se bruscamente. Saiu com passos apressados,

como se fugisse da própria insensatez.

Edmée, trêmula, levou os dedos aos lábios e um soluço abafado escapou de sua garganta.

Como era possível que, apesar de tudo, desejasse com tanto desespero que ele a beijasse? Será que não

havia aprendido nada?

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* * *

Tyler entrou em seu quarto e, sem reparar no adiantado da hora, bateu a porta,

extremamente aborrecido ao comprovar com que facilidade a paixão subjugava à razão quando Edmée

estava por perto. Os alarmes internos estavam disparados, deveria ser cuidadoso, estar em alerta: havia

algo escuro sobre essa jovem, ocultava muitos secretos e, se fosse pouco, carecia de escrúpulos: já havia

demonstrado quando a conheceu.

Apesar de uma merecida fama de mulherengo, jamais havia perdido a cabeça pelos

encantos de uma mulher. Nunca. Desfrutava com elas, adorava a pele suave, a risada cristalina, o colo, as

profundezas, as curvas; mas jamais havia permitido que os impulsos da paixão dominassem seu raciocínio

lógico. Por isso, não entendia sua reação há poucos minutos.

Tirou as botas. Deitou-se na cama sem se despir e, com as mãos cruzadas em sua nuca,

tentou encontrar uma explicação lógica para a atração incontrolável que essa pequena mentirosa

despertava nele, e que havia transtornado todo o seu mundo. Depois de debater muito consigo mesmo,

chegou à conclusão que, além de bela, Edmée era um mistério, e ele nunca foi capaz de resistir aos

mistérios. Por outro lado, apenas esteve com ela uma vez e havia sido sublime. Sem dúvida, seu corpo

ainda guardava lembranças magníficas dessa única vez. Se voltasse a possui-la mais algumas vezes,

certamente, a magia desapareceria, como acontecera antes com todas as mulheres que passaram por sua

vida. Apesar de estar convencido dessa ideia, o mais prudente seria manter-se afastado dela, porque,

sobretudo, desconfiava totalmente de suas intenções.

* * *

Na manhã seguinte, Edmée amamentou Adam, e apresentou-se à senhorita Graham.

Sentia-se muito envergonhada, porque imaginava que todos na residência sabiam que ela era a mãe do

filho bastardo do senhor Collingwood. A palavra “bastardo” parecia-lhe ofensiva, mas não era mais do que

a verdade. Aliviada, descobriu que a senhorita Graham, uma mulher muito jovem, alta, magra e com um

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bonito rosto, tratava-a com cordialidade. Depois de apresentar os filhos do conde, primos de Adam,

explicou-lhe que sua tarefa seria cuidar deles enquanto davam o passeio habitual pelos jardins.

— Assim poderá levar também seu próprio filho, e os meninos brincarão juntos. — Disse a

preceptora, sorrindo.

— É claro, senhorita Graham, mas isso me manterá ocupada por pouco tempo. O que farei

o resto do dia?

A mulher hesitou enquanto pensava qual seria a melhor forma de fazer a pergunta que

rondava sua cabeça, sem ofender a senhorita Gordon. Como todos os habitantes da casa, ele ficou

surpresa ao tomar conhecimento da existência do filho do senhor Collingwood, mas, finalmente havia

chegado à conclusão que algo assim aconteceria, pois, não era segredo que o senhor estava sempre

rodeado de um bando de mulheres. A senhorita Gordon não parecia completamente inadequada, na

verdade, seu comportamento e sua maneira de falar eram bastante apropriadas, apenas seus trajes e sua

postura submissa revelavam sua origem humilde.

— Não se ofenda com a pergunta que farei, senhorita Gordon, mas quais são suas

habilidades?

— Bem, costuro muito bem, e também posso cozinhar satisfatoriamente.

Depois de pensar alguns instantes, a senhorita Graham encontrou uma solução mais que

aceitável.

— Você poderia se encarregar de cerzir e arrumar a roupa das crianças e, possivelmente,

preparar a refeição deles, assim a cozinheira teria uma folga.

— Parece perfeito.

Ambas as mulheres sorriram, contentes por terem encontrado uma solução satisfatória

para esse assunto tão complicado que era o lugar que a mãe do filho bastardo do senhor Collingwood,

ocuparia na casa.

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Capítulo 5

Quando Robert viu à senhorita Gordon entrar na saleta onde estudava com a senhorita

Graham, um sorriso largo iluminou seu rosto.

— Bom dia, senhorita Gordon.

— Bom dia, Robert.

— Vai nos acompanhar no nosso passeio?

— Sim.

O garoto virou-se para a preceptora que observava a cena com um sorriso benevolente.

— Posso me levantar, senhorita Graham?

— É claro.

O menino levantou-se com uma impaciência evidente em cada um de seus movimentos e,

depois de despedir-se da preceptora, seguiu Edmée. Na porta principal, a senhora Harrison aguardava com

Adam nos braços, e Christie o acariciando.

— Olá, Robert, olhe. — A menina apontou para Adam como se acabasse de descobri-lo.

— Estou vendo, Christie, tenho olhos na cara.

Dois dias antes, a senhorita Graham havia sentado com eles na saleta de estudos e havia

explicado que seu tio Tyler tinha um filho. O menino ficou muito surpreso.

— De onde ele saiu? — Perguntou calmamente.

Pela primeira vez em seus sete anos de vida, viu a senhorita Graham corar.

— Bem, ora... chegou com sua mamãe.

— Quem é sua mamãe?

— A senhorita Gordon, logo a conhecerá.

— Está casada com o tio Tyler? — Perguntou Christie.

Apesar da pouca idade, era uma menina muito esperta e inteligente. A preceptora sentia-

se especialmente orgulhosa dela, mas, nesse momento, teria desejado que não fosse tão perspicaz.

— Na verdade não, mas isso não é importante. O que importa realmente é que seu primo

está em casa.

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— Como ele se chama? — Perguntou a menina.

— Adam.

Quando as crianças encontraram-se diante da senhorita Gordon e de Adam, rapidamente,

esqueceram todos os seus receios. Seu pequeno primo começava a dar os primeiros passos agarrado a

mão de sua mãe. Gostaram muito do rosto gordinho e do sorriso fácil do recém-chegado. A senhorita

Gordon também era agradável, pois, olhava para eles com um grande sorriso em seu rosto, e dirigia-se a

eles com palavras e gestos tranquilos.

Enquanto os quatro saíam para os amplos jardins que rodeavam Riverland Manor, Robert,

com esse habitual entusiasmo, relatava as múltiplas ideias que lhe ocorreram enquanto estudava com a

senhorita Graham. Edmée gostava muito dos filhos de lady Collingwood: eram crianças muito ativas e

carinhosas e incentivavam Adam e riam com os progressos torpes do mais jovem. Adam também

desfrutava muito da companhia de seus primos, seguia-os com o olhar constantemente, e ria de todas as

proezas que realizavam.

Edmée estava consciente que o tratamento dispensado ao seu filho e a ela mesma, era

excepcional. Embora muitos homens sustentassem seus bastardos, nem sempre os mantinham em

contato com o resto da família e, obviamente, raríssimas vezes permitiam que a mãe permanecesse junto

à criança. Se ela desfrutava de tal privilégio era apenas porque o senhor Collingwood não estava

comprometido. Decidiu desfrutar da situação atual plenamente enquanto durasse, pois, sabia que a

situação era transitória.

Escolheu uma clareira com uma fonte borbulhante situada entre as sebes podadas com

formas elaboradas. Robert e Christie dedicaram-se a recolher pequenos ramos e pedras para realizar o

plano, fosse qual fosse, tramado pelo menino durante a aula. Ela sentou-se na grama aparada junto a

Adam que, feliz, arrancava pequenas folhas. O sol morno de junho, e as alegres vozes infantis a relaxaram,

e ela sentiu-se feliz pela primeira vez em muito tempo.

Nesse momento, os gritos das crianças a sobressaltaram, e seu coração pulsou acelerado.

— Tio Tyler! Tio Tyler! Aqui!

Ao olhar ao seu redor, viu o senhor Collingwood dirigindo-se para eles enquanto Robert e

Christie saltavam alvoroçados. As lembranças perturbadoras do último encontro fizeram suas bochechas

avermelharem e, sem perceber, ajeitou uma mecha rebelde que havia escapado do coque, atrás de uma

orelha.

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Enquanto ele se aproximava com seus passos firmes característicos, Edmée não pôde evitar

admirar essa figura forte e bem proporcionada nem o brilho que o sol produzia em seu cabelo loiro. Vestia

calças de montar e botas altas, sem dúvida, dirigia-se aos estábulos quando as crianças o viram.

— Bom dia, senhorita Gordon.

— Bom dia, senhor Collingwood.

Lançou apenas um olhar frio e, sem compreender o motivo, sentiu-se ferida. Não poderia

esperar afeto de sua parte, mas esperava um pouco de simpatia. O que o fizera acariciá-la, e tentar beijá-

la há dois atrás para ignorá-la tão abertamente depois?

Adam parou de balbuciar enquanto olhava seu pai com seriedade. Tyler observou com

prazer as bochechas rosadas e os grandes olhos azuis do menino; sentiu um impulso de tomá-lo em seus

braços, mas não queria fazer isso na presença de Edmée, pois, se ela suspeitasse que estivesse interessado

no menino poderia aproveitar-se disso.

Voltou o olhar para seus sobrinhos, abriu os braços para recebê-los e, ao sentir o ímpeto

dos meninos, deixou-se cair ao chão enquanto aproveitava a posição para lhes fazer cócegas. Os meninos

gritavam e riam alvoroçados, enquanto Edmée e Adam observavam: um, fascinado, com o punho dentro

da boca; a outra triste, considerando que seria improvável que o senhor Collingwood se mostrasse tão

carinhoso com seu próprio filho.

Percebeu que estava olhando para ele fixamente, ao mesmo tempo em que milhares de

estranhos e contraditórios sentimentos agitavam-se em seu interior, afastou o olhar bruscamente, e

levantou-se do chão. Sacudiu a saia com energia, inconsciente do movimento sensual de seus seios ao

fazê-lo.

Tyler ergueu o olhar, encantado pelos movimentos da jovem como os marinheiros pelo

canto das sereias. Pigarreou ao notar uma crescente excitação, e levantou-se também, elevando seus

sobrinhos.

— Bem, crianças, agora tenho que ir. Bonito está impaciente. — Referia-se ao cavalo, um

belo exemplar castanho.

— Podemos acompanhá-lo aos estábulos?

Tyler lançou um olhar interrogante a Edmée que, silenciosa, observava-os.

— Acredito que não. — Ela respondeu. — Já está quase na hora de voltar para a aula.

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Os meninos franziram o cenho, e protestaram um pouco, mas Tyler revolveu o cabelo de

cada um deles, e partiu sem acrescentar nada mais.

Edmée engoliu o doloroso nó que havia se formado em sua garganta, penalizada por seu

filho, e por ela mesma. Nenhum dos dois jamais conseguiria do senhor Collingwood o que seus sobrinhos

desfrutavam livremente.

* * *

Lisa carregava uma bacia de metal com água quente e sal para limpar a prataria da sala

principal. Caminhava com passos rápidos e a expressão contrariada, indiferente ao derramamento de

parte do conteúdo sobre o chão.

Como todos na casa, conhecia a notícia: Tyler tinha um filho. O ciúme e a raiva a consumiam.

Se soubesse que ele seria tão permissivo com a mãe de um bastardo teria tentado engravidar com muito

gosto. Entretanto, lembrava-se como ele sempre se retirava no momento final, por isso, considerou essa

dificuldade. Aparentemente, ele não se retirara uma vez, e a prova estava à vista. Apertou os dentes

ressentida até que uma feia careta transformou seus traços agraciados.

Ainda não a conhecia pessoalmente, embora a visse quando saiu para o jardim nessa

mesma manhã. As outras criadas tampouco quiseram comentar sobre ela, porque conheciam a relação

que mantinha com Tyler. Lisa alardeava essa relação em muitas oportunidades, embora, ultimamente, ele

parecesse evitá-la. Sua única tranquilidade era a certeza que ele não compartilhava a cama com a mãe do

menino, inclusive pareciam ignorar-se totalmente, como havia constatado, já que o mantinha sobre

vigilância, consumida pelo ciúme e a amargura.

De repente, ao entrar na sala principal, cruzou com o objeto de seus pensamentos, a

senhorita Gordon, carregando o bastardo em seus braços. Um rápido olhar ao menino confirmou por que

todos na casa pareciam concordar que essa desconhecida dizia a verdade. Lisa a olhou descaradamente.

Era muito bonita, mas para seu gosto muito magra; porém, seus seios eram exuberantes e sua cintura

estreita. Possuía grandes olhos cinza e traços delicados, que lembravam uma boneca. Detestou-a

imediatamente, e não se incomodou em esconder.

— Bom dia! — Disse Edmée, animada.

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A resposta da criada foi o silêncio, e um olhar carregado de desprezo que a fez envergonhar-

se. Ao passar junto dela, a criada a empurrou com a bacia propositadamente e nem sequer se incomodou

em se desculpar.

Edmée inalou profundamente, resolvida a não se deixar influenciar por um desprezo tão

evidente. Sentiu-se um pouco envergonhada: supunha que o desprezo da moça era oriundo do fato dela

ter um filho com o senhor Collingwood. Ela mesma, em outra época, pensaria mal de uma mulher em sua

situação; as experiências vividas ao longo desses dois anos ensinaram a ela que não devia ser tão

preconceituosa. Decidida a não dar muita importância ao que acabava de acontecer, dirigiu-se ao seu

quarto. Tinha algumas peças de roupas de Robert e Christie para consertar e, além disso, Adam precisava

dormir uma sesta.

Assim que o menino adormeceu, Edmée o observou com orgulho. Estava feliz, mais

tranquilo e risonho; adorava seus primos, e sorria para todos na casa. Nessa mesma manhã, lady

Collingwood o pegara em seus braços, e ele havia tocado o rosto da condessa com suas mãozinhas.

— Oh, senhorita Gordon, que menino maravilhoso.

Edmée havia ruborizado de prazer como sempre fazia quando alguém elogiava seu bebê.

— Seus primos o adoram.

— E ele retribui, lady Collingwood. Procura-os constantemente e, quando os vê, tenta

largar-se de meus braços para correr junto a eles. Em breve, começará a andar sozinho junto aos seus

primos.

Gabriele havia lançado uma curta gargalhada.

— Tyler deve estar muito orgulhoso de seu precioso filho.

Edmée engoliu saliva e baixou o olhar, sem saber o que responder.

— Senhorita Gordon? Você duvida disso?

— Bem, compreendo que ele não esperava esta situação.

— Oh! vamos, não seja tola!

Edmée não havia acrescentado nada mais. Não queria aborrecer lady Collingwood, a quem

começava a estimar e admirar mais que qualquer outra pessoa no mundo.

Enquanto escutava a respiração compassada de Adam, e começava a remendar o punho

descosturado de uma das camisas de Robert, pensava na incrível acolhida que os habitantes da casa

haviam dispensado a ela, apesar das circunstâncias. Recordando a bondade que lady Collingwood havia

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dedicado a ela no primeiro dia, sentiu seus olhos umedecerem, e secou-os com impaciência. Não era a

primeira vez que pessoas desconhecidas a recebiam com tanto afeto, mas na última vez que isso

acontecera ela era uma menina totalmente inocente. Desta vez, era diferente.

A senhora Harrison estava atenta a suas necessidades e também as de Adam. Nunca havia

detectado nela qualquer insinuação maldosa ou um olhar de desprezo. A senhorita Graham também era

muito cortês e, certamente, Robert e Christie, duas crianças adoráveis por quem começava a professar um

grande afeto. A imagem da rude criada que cruzou com ela a apenas um momento, passou por sua mente:

bem, possivelmente não eram todos que estavam dispostos a lhe proporcionar suas boas vindas. Mas,

certamente havia recebido muito mais do que se atrevia a esperar. Entretanto, conseguira o mais

importante do mundo: não ser obrigada a se separar de Adam. Apesar do descontentamento do senhor

Collingwood, sempre estaria agradecida pela benevolência que havia dedicado a ela.

Por outro lado, estava lorde Collingwood, o conde de Kent. A semelhança entre ele e seu

irmão eram muitas, embora sutis. Os mesmos olhos azuis, penetrantes e inquietantes, a mesma figura alta

e atlética, o mesmo queixo definido e viril. Lorde Collingwood havia aceitado sua presença, porém, fez

uma sutil advertência.

— Você é a mãe de meu sobrinho, isso é evidente; e meu irmão concorda. Em vista disso,

você será bem recebida, mas sei que meu irmão nutre certos receios pela sua pessoa.

Edmée corara violentamente, porque supunha que o conde sabia sobre o roubo.

— Sinto muito por ter roubado seus pertences, mas, acredite-me, eu me encontrava em

uma situação desesperadora.

— Você o roubou? — Lorde Collingwood arregalou seus olhos.

Edmée ficou muda ao compreender que Tyler não havia contado nada sobre o roubo.

Envergonhada, murmurou:

— Sim, milorde.

— Agora estou entendendo. — Seu olhar tornou-se frio e distante. — Aceitarei suas razões,

porém, fique sabendo que não tolerarei que cause qualquer sofrimento ao meu irmão.

Edmée limitou-se a assentir, apesar de não conseguir imaginar que espécie de sofrimento

ela poderia causar, sendo tão insignificante e assustada, a um homem tão altivo e magnífico como Tyler.

Distraída em seus pensamentos, picou seu dedo com a agulha, e decidiu concentrar toda a

sua atenção no trabalho.

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* * *

Tyler havia passado algumas horas encerrado na biblioteca e, cansado como estava, decidiu

retirar-se ao seu quarto. Havia recusado o convite que um criado de Blanche Maison havia entregado essa

manhã. Pela primeira vez na vida, não desejava ver os irmãos Fergusson, não queria contar a eles sobre

Adam, nem sobre sua recém-descoberta paternidade, e muito menos sobre Edmée. Precisava mantê-los

apenas para ele, longe de olhares e línguas curiosas. Embora soubesse que cedo ou tarde a existência de

Adam tornar-se-ia pública, queria estar preparado quando isso ocorresse. Não queria que acontecesse

enquanto ele se encontrava perdido nesse estado de confusão e atordoamento desde Edmée aparecera.

Edmée.

Embora disposto a manter-se afastado dela, permanecia atento a cada passo que dava.

Conhecendo os horários em que ela saía ao jardim com Adam e seus sobrinhos, espiava pela janela da

biblioteca. Cedo ou tarde, esse estranho e obsessivo interesse que a jovem despertava nele, acabaria

desaparecendo, estava seguro. Sorveu o último gole da taça, afrouxou o nó da gravata e saiu do aposento.

Os corredores estavam escuros e silenciosos, mas, um sussurro o guiou para uma pequena curva que dava

acesso as dependências dos criados.

— Senhor Collingwood.

— Lisa?

Como resposta recebeu o impacto de um corpo feminino que o estreitava e o beijava com

frenesi.

— Ora, Lisa, pare, o que está fazendo? Alguém pode nos ver.

— Tyler, sinto tanto a sua falta!

— Agora não é o momento.

— Quando será?

Não pôde responder por que a jovem voltou a beijá-lo com ardor, enquanto tocava-o entre

as pernas. À contra gosto, sentiu que começava a excitar-se. Um ruído os deteve, um ofego afogado

proveniente de uma figura vestida de branco que corria em direção contrária, com o escuro cabelo caindo

solto até a metade das costas.

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Tyler agarrou Lisa com firmeza com suas duas mãos, e a separou de seu corpo, enquanto

exclamava entre dentes:

— Basta! Não quero que volte a fazer algo assim outra vez.

— Nunca havia se incomodado antes.

— Agora me incomoda. Comporta-se como uma cadela no cio, e me persegue em minha

própria casa. Nunca a enganei, ambos estávamos de acordo em nos divertir juntos quando nos agradasse

e nada mais. Já não estou interessado, portanto, pare de me perseguir.

A escuridão impediu que Tyler visse a palidez que cobriu o rosto de Lisa e sua expressão

despeitada. Sim, ele tinha razão, nunca havia prometido nada. Nem sequer podia acusá-lo de sedução,

pois, fora ela mesma que, há muitos anos, lançou-se em seus braços. Mas o fato de ver como ele mantinha

o celibato ano após ano havia acendido uma pequena chama de esperança em seu coração. Claro, estava

ciente que Tyler tinha muitas amantes, mas sempre voltava para ela.

Até esse momento.

— É por causa da senhorita Gordon, não é mesmo?

— Não diga tolices! Ela não tem nada a ver com isso.

— Ora! Aparece aqui com essa carinha de anjo e, de repente, você não me quer mais. É ela

quem esquenta sua cama agora?

— Não fale assim comigo! Já disse que ela não tem nada a ver com isso.

Lisa o estudou por alguns segundos e surpreendeu-se ao ver uma expressão tensa e um

olhar furioso.

— É isso mesmo, ela não se deita com você e isso está afetando-o por dentro.

— Você não sabe de nada! — Tyler estava espantado com sua própria transparência: na

verdade, desejava Edmée com uma intensidade que o desconcertava. Ele, que podia passar de uma mulher

a outra sem alterar-se, que jamais havia amado nenhuma o bastante para querer unir-se a ela, agora

estava consumido de desejo por uma mulher na qual não confiava, uma mulher cuja imagem o mantinha

acordado até altas horas da noite, e ainda a espiava como um moleque. Daria meia vida para poder ignorá-

la.

— Sei que gerou um filho com ela. Você nunca permitiu que isso acontecesse com outra.

— Basta, Lisa! Não quero que volte a falar sobre ela nunca mais, entende? O nosso caso

terminou para sempre. Agora, limite-se a cumprir seu papel nesta casa e esqueça-se de mim.

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A moça parecia a ponto de acrescentar algo mais, porém, depois de pensar melhor, partiu.

Apesar do caráter amável e agradável de Tyler, quando estava zangado era melhor não provocá-lo.

Ele golpeou a parede com o punho e, eliminando completamente os últimos resquícios de

cansaço, dirigiu-se novamente à biblioteca onde se serviu de uma dose de uísque que engoliu de uma só

vez. Odiava essas cenas, odiava ter que dar explicações, e odiava essa patética obsessão por uma mulher

da qual não sabia nada.

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Capítulo 6

O senhor Eaglen suspirou satisfeito ao avistar a residência imponente dos Collingwood. No

dia anterior, havia recebido uma mensagem de Tyler requerendo sua presença sem quaisquer explicações.

O homem sentiu-se intrigado, pois, há poucos dias esteve reunido com os irmãos para falar de negócios.

Quando, finalmente, saiu do incômodo veículo que o levara até a mansão, aproveitou para

esticar seus músculos enquanto o senhor Lang o conduzia ao escritório do lorde. O mordomo abriu a porta,

e Tyler ergueu o olhar da ampla mesa de madeira.

— Bom dia, senhor Eaglen. — Estendeu sua mão, depois de levantar-se. — Muito obrigado

por vir.

— Não há nada a agradecer, senhor Collingwood.

— Sente-se, por favor. — Dirigiu-se ao mordomo. — Senhor Lang, sirva ao senhor Eaglen o

que ele preferir.

— Um refresco, por favor. — Solicitou o convidado.

— Chá frio? Limonada?

— Uma limonada seria bom, obrigado.

Quando o senhor Lang partiu, o administrador dirigiu um olhar sagaz e inteligente a seu

patrão.

— Fale, senhor Collingwood.

Tyler quase desfrutava antecipando a surpresa que causaria no homem. Quase, porque o

assunto que pretendia expor era bastante delicado.

— Senhor Eaglen, quero dar meu sobrenome a uma criança.

O administrador sobressaltou-se, e observou seu interlocutor com a boca aberta.

— Uma criança?

— Sim. — Apesar da seriedade do assunto, Tyler estava desfrutando. A estupefação do

homem era mais que evidente. — Meu filho, realmente.

— Desculpe-me, senhor, mas não tinha conhecimento sobre seu filho.

— Eu também não, até poucos dias.

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— Compreendo.

Durante alguns segundos, o administrador permaneceu em silêncio estudando as

consequências que o pedido do senhor Collingwood causaria. Aproveitou a chegada de uma donzela com

a limonada para recompor-se, e adotar a habitual máscara imperturbável.

— Você sabe que, ao reconhecê-lo fora do casamento, nega-lhe qualquer possibilidade de

herdar o título da família.

— Sim, sei, mas é altamente improvável que ele chegue a ser a única opção. Como você já

sabe, meu irmão tem um filho, e não é nenhum desatino imaginar que virão outros.

— É claro.

Outra vez, o silêncio.

— Quantos anos tem a criança?

— Um.

— Qual é seu nome?

— Adam.

— Adam Collingwood.

— Exatamente. — Tyler sentiu uma sensação agradável percorrendo suas veias ao ouvir o

senhor Eaglen chamar seu filho assim.

— Perfeito, começarei os trâmites em seguida, mas será necessário que você assine alguns

papéis.

— Isso não será nenhum problema.

O senhor Eaglen engoliu a limonada, e esperou que o patrão o dispensasse, mas Tyler

permanecia absorto acariciando a borda da mesa com seu dedo indicador.

— Senhor Collingwood, se não há mais nada…

— Aguarde, por favor, há outro assunto que quero discutir.

O administrador obedeceu.

— Veja bem, a mãe do menino está hospedada aqui, em Riverland Manor.

— Desculpe meu atrevimento, senhor, mas devo entender que é uma das criadas?

— Na verdade, não sei quem é. Diz chamar-se Edmée Gordon, e assegura que sua vida está

em perigo. Aparentemente, alguém quer vê-la morta.

— Pode ser uma foragida da justiça?

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— Não, já verifiquei.

— Como sabe que diz a verdade?

— Não sei. Por isso quero que você se encarregue de contratar um detetive, o melhor que

encontrar, para que averigue tudo o que possa sobre ela.

O senhor Eaglen tirou da jaqueta um pequeno caderno encapado em couro, e um lápis.

Escreveu o nome da mulher, e em seguida encarou seu patrão com os olhos castanhos aumentados pelas

lentes.

— É importante que forneça os detalhes que souber sobre ela.

— Bem. É uma moça de vinte anos mais ou menos, pelos meus cálculos. Seu cabelo é

ondulado e escuro, como chocolate. Seus olhos são enormes e brilhantes, de uma linda cor cinza, e tem

um rosto delicado como porcelana.

Percebeu que o administrador, ao invés de escrever, olhava-o atônito, e pigarreou.

— Não está anotando?

— Sim, sim, senhor.

— Conheci-a faz dois anos, em Londres, e parecia estar fugindo. Estava muito assustada.

Passamos uma noite juntos, e não tornei a vê-la até alguns dias, quando reapareceu com o menino.

— Desculpe-me novamente, senhor Collingwood, mas se esteve tanto tempo sem contato

com ela, como pode ter certeza que o menino é seu filho?

— Acredite-me: é minha única certeza em toda esta história.

O homem assentiu. Não tinha por que duvidar da palavra de seu empregador.

— Ela assegura que está em perigo, e esse é o motivo pelo qual permiti que permanecesse

aqui, como você compreenderá.

— Claro, é obvio.

— No entanto, quero comprovar se sua história é verdadeira.

— Não se preocupe, contratarei um bom detetive e…

— Não um bom detetive: o melhor.

O senhor Eaglen assentiu. O gesto imperturbável que mostrava escondia perfeitamente a

enorme surpresa que o dominava. Conhecia o senhor Collingwood há muitos anos e jamais, nem nos

momentos mais delicados atravessados pela empresa familiar, havia visto-o tão perturbado. Gostava do

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jovem pela amabilidade, e pelos nervos de aço que possuía. Por isso, sentia uma mistura de simpatia e

desconcerto diante dessa nova versão: ansioso e, claramente, preocupado.

— Bem, senhor Eaglen, acredito que isso é tudo. Mandarei à senhora Harrison preparar um

quarto para você, assim descansará toda a noite antes de retornar para Londres.

— Você é muito amável, senhor. — Consciente que sua presença já não era necessária,

pediu permissão para se retirar.

Tyler observou o administrador sair. Em seguida, massageou os olhos com os dedos. Sua

intenção de manter-se afastado de Edmée, e de ignorá-la estava custando mais do que acreditava. Embora

se esforçasse por não encontrá-la, ela estava presente em todos os momentos, e bastava a simples menção

de seu nome para que todos os seus sentidos se aguçassem, ansiosos por captar qualquer migalha de

informação disponível.

Por outro lado, Gabriele havia insistido que a jovem se reunisse a eles todas as tardes para

o chá. Era um costume antigo: homens e mulheres reuniam-se e conversavam livremente sobre qualquer

assunto, desde política até arte; um costume incomum em qualquer outra residência.

Nas primeiras vezes que Tyler havia encontrado com Edmée havia permanecido sério, com

a intenção de ocultar a tensão de seu corpo, e estudando-a fixamente. Pouco a pouco, obrigou-se a relaxar,

esforçando-se para se comportar com naturalidade, e ignorá-la. Mas, era apenas aparência, pois,

permanecia atento a ela, e não lhe escapava o menor de seus movimentos. Frequentemente, tirava o

chapéu seguindo absorto o movimento de suas mãos enquanto ela afastava seu cabelo do rosto.

Conforme os dias passavam, e Edmée sentia-se menos intimidada, ele havia descoberto

com surpresa, que ela era muito inteligente. Suas perguntas e comentários costumavam ser acertados, e

extremamente interessantes. A fascinação que ela exercia sobre ele aumentava como a enorme teia que

a aranha tece ao redor de um incauto mosquito.

* * *

Edmée agarrou Adam em seus braços. Vinha da cozinha, onde esteve preparando o jantar

das crianças, e pretendia passear no jardim com eles. Quando saía do quarto do menino, encontrou-se

com um torso largo e duro como uma rocha.

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— Desculpe-me, senhor Collingwood. — Um rubor violento coloriu suas bochechas. Baixou

os olhos com rapidez.

Tyler segurou-a pelos ombros para minimizar os efeitos do choque, mas manteve o contato

mais tempo que o necessário. O perfume de Edmée invadiu suas narinas, uma fragrância de sabão e

mulher que o intoxicou como a mais potente das drogas. O que havia nela que o atraía dessa maneira?

Percebeu que estava se expondo, e a soltou bruscamente.

— Vim buscar Adam.

Ela o olhou com curiosidade.

— Pensei em levá-lo para ver os cavalos. — Com certo desconforto, acrescentou, — Todas

as crianças que conheço adoram os cavalos.

— Oh, íamos ao jardim com seus sobrinhos.

— Adam virá comigo. — disse Tyler e estendeu os braços.

Sem saber por que, Edmée sentiu-se relutante a entregar o menino. Esse homem era o pai,

e havia acolhido aos dois generosamente, e não havia nenhum motivo para temê-lo, mas o medo e a

desconfiança estavam profundamente arraigados nela, e não pôde evitar esse leve momento de hesitação.

Tyler notou, e apertou os lábios, furioso.

— Me dê o menino agora mesmo.

Quando ela o fez, ele o segurou com prática. Lançou um olhar duro para a moça. E, disse:

— Você se esforçou muito para conseguir que eu me ocupasse do menino; sabe tão bem

quanto eu que ele me pertence, e que você está aqui graças a minha caridade.

Ela apertou os lábios. Conteve-se para não responder com toda a ira que sentia.

— Não vou tolerar nenhuma tolice, está ouvindo? Não tente brincar comigo.

— Não estava tentando brincar, é você que gosta de brincar como pude ver na outra noite.

— Do que você está falando?

Ela não respondeu, e tentou sair do quarto, mas Tyler se interpôs em seu caminho.

— Estou esperando uma resposta.

Edmée não podia responder, pois, nem ela mesma podia explicar o que a fez responder

dessa forma. A imagem de algumas noites atrás, quando havia surpreendido Tyler abraçando

apaixonadamente a uma mulher, estava atormentando-a desde que teve a infelicidade de vê-lo. Contra

toda lógica, sentia-se ferida e enganada. Tê-lo visto nessa atitude tão íntima, era uma recordação

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humilhante que ela não fora mais que uma entre tantas. Ela já sabia disso - não era tão inocente para

pensar outra coisa - mas ter diante de seu nariz a evidência do pouco que havia significado para ele uma

noite que havia transtornado sua vida completamente, era especialmente doloroso.

— Deixe-me sair, por favor.

— Não até que responda, o que você quis dizer?

Nesse momento, Adam lançou um grito, inquieto pela tensão que percebia entre os adultos,

e pela vontade de sair para o jardim. Ela aproveitou a momentânea distração de Tyler para sair correndo.

Como pôde dizer isso! Mais uma vez sua impulsividade causara outro problema. Deveria se

convencer que isso não lhe importava. O senhor Collingwood a desprezava, considerava-a uma ladra sem

escrúpulos e, além disso, estava claro que ele não se sentia prisioneiro das lembranças daquela noite como

acontecia a ela. Deveria ser inteligente, agradecer a Deus sua sorte por ser aceita pelos Collingwood e

dedicar-se aos cuidados de seu filho e as suas tarefas. Com respeito a ele, deveria esquecer

completamente que esse homem fascinante a teve entre seus braços.

Enquanto isso, Tyler, caminhava para os estábulos repassando as palavras de Edmée. Estava

certo que se referia à cena entre a Lisa e ele, pois, não tinha dúvida que fora ela quem os surpreendeu.

Será que estava ciumenta? O pensamento era reconfortante e produziu um sorriso, até que percebeu o

que estava fazendo, e assumiu uma expressão imperturbável. Ela não tinha nenhum direito sobre ele: se

quisesse deitar-se com uma mulher poderia fazê-lo livremente. Pensou que ele também não tinha nenhum

direito sobre ela e ao imaginá-la nos braços de outro homem algo em suas vísceras rebelou-se fortemente.

Não gostou de sentir-se tão possessivo, não tinha nenhum sentido. Ela era uma falsa, uma mentirosa, uma

ladra vulgar, e ele não devia honrá-la com seu interesse. Talvez fosse melhor afastar-se alguns dias de

Riverland Manor, dar uma volta por Londres, fiscalizar os negócios e divertir-se um pouco, possivelmente

isso esclareceria suas ideias.

No estábulo, saudou Larry, a cavalariço, e dirigiu-se ao compartimento de Nuvem, um potro

que acabava de ser desmamado. O grito de emoção que lançou seu filho o fez sorrir satisfeito: tal e como

havia suspeitado, o menino gostava dos cavalos.

— Quer tocar no potro?

Adam não respondeu, ainda balbuciava poucas palavras muito básicas, mas as pequenas

mãos estendidas e o impulso do corpo para frente deixavam claro que era justamente isso que queria.

Tyler sorria; desfrutava imensamente desse momento com o menino. Aproximou-se de Nuvem, tomou

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uma das pequenas mãos do menino e a passou suavemente pelo pescoço do animal, enquanto Adam

lançava gritinhos de emoção.

— Você gosta, é seu.

Permaneceram vários minutos acariciando o potro. Em seguida, Tyler abraçou o bebê

contra seu peito ao mesmo tempo em que beijava a cabecinha cheia de cachos dourados.

— Eu sou seu pai, meu filho. Sou seu papai.

* * *

Alexander e Tyler conversavam sobre as boas vendas dos últimos artigos importados pela

Collingwood Colonial Company, enquanto Gabriele comia em silêncio a deliciosa sopa de ostras.

Nessa tarde, a condessa havia compartilhado um pequeno picnic com a senhorita Gordon,

a senhorita Graham e as crianças. O encontro confirmou sua impressão inicial. Estava completamente

certa que a senhorita Gordon não era uma oportunista qualquer: as maneiras corretas, a boa dicção e a

obediência às normas de conduta demonstravam uma educação mais que aceitável. A posição incomum

da jovem a perturbava: não era um membro da família, mas, ao mesmo tempo, era a mãe do único filho

de Tyler. Não a tratavam como a uma convidada, mas tampouco como uma criada. Ela apreciava sua

companhia. Era serena, mas firme. No olhar da jovem podia ver a experiência que não correspondia a sua

pouca idade. Como mãe, era carinhosa e paciente. Também demonstrava essas qualidades com Robert e

Christie. Estava há um mês em Riverland Manor e seus filhos a adoravam.

— Querido, estive pensando, — Os dois irmãos se calaram e prestaram toda a sua atenção.

— Acredito que a senhorita Gordon deveria compartilhar as refeições conosco.

— É claro que não! — Tyler a olhou como se de repente tivessem saído chifres em sua

cabeça. — Ela não é ninguém nesta família.

— Como pode dizer isso? É a mãe de seu filho!

— Mas não é minha esposa!

Gabriele lançou um olhar tão eloquente que o mais jovem dos irmãos lançou uma

gargalhada.

— Jamais me casaria com ela.

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63

— E por que não?

— Porque ela não pertence a nossa mesma classe. — Disse, depois de um instante de

hesitação, a frase que soava como uma desculpa esfarrapada.

— Você sabe tão bem quanto eu que nunca lhe importaram essas convenções; de fato, foi

você quem animou seu irmão a se casar comigo.

— Não se compare com essa… — Tyler se calou. Não queria revelar o acontecido quando a

conheceu, e ignorava que tanto seu irmão quanto sua cunhada soubessem. Haviam discutido sobre esse

assunto: para Gabriele essa atitude era uma indicação clara que a jovem estava verdadeiramente

desesperada, para Alexander era um motivo que o levava a apoiar seu irmão na desconfiança.

Os pensamentos de Tyler para recusar-se a compartilhar as refeições com ela não tinham

nada a ver com essas considerações. Cada dia era mais difícil resistir à atração que sentia por ela. Via-a

diariamente, e não apenas na hora do chá, pois, não queria renunciar ao prazer de compartilhar algumas

horas com seu filho. Por essa razão, depois da sesta do bebê ia buscá-lo e o levava para passear explicando

tudo o que viam. Ambos riam com a curiosidade e o encantamento do bebê diante das coisas mais

insignificantes. Sentia-se muito orgulhoso desse menino que aprendia rapidamente e que jogava seus

bracinhos com um sorriso cada vez que o via.

A reticência inicial de Edmée em entregar o menino havia desaparecido completamente, e

não haviam protagonizado mais nenhuma cena. A cada dia, ele desejava com mais ardor comprovar se

seus lábios eram tão doces como recordava. Havia enfiando em sua cabeça a ideia absurda que a noite

que passou com ela foi diferente de todas que passara com as demais mulheres de sua vida.

Não queria tê-la tão perto, porque, apesar da aparente inocência e modéstia, para ele, ela

era mais perigosa que a mais experiente cortesã.

— Mas Tyler, por favor, seja razoável.

— Gabriele, basta! — Interveio Alexander. Não tinha muita certeza que essa mulher fosse

tão mentirosa como seu irmão afirmava, mas mesmo assim estava disposto a apoiá-lo nesse assunto.

— Está bem, não insistirei mais. — Levantou o olhar, olhou a ambos e acrescentou, — Mas,

estou convencida que os receios em relação à senhorita Gordon são completamente infundados.

Tyler sentiu que perdia o apetite. Não queria hesitar, precisava aferrar-se a todas as suas

dúvidas para se manter firme, senão, seu próximo passo seria se arrastar atrás dela como um cachorro no

cio, e tentar seduzi-la. Não haveria inconveniente se ela fosse qualquer outra mulher, mas era a mãe de

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64

seu filho, a mulher que o humilhou fugindo com seu dinheiro, e um relógio; a única mulher que havia

olhado para ele sem pingo de desejo, apenas com medo e arrogância.

Lançou o guardanapo para o lado, e disse:

— Com licença, vou me retirar. Há alguns assuntos pendentes.

— Mas, Tyler! Ainda falta o segundo prato e a sobremesa.

— Perdi o apetite, Gabriele, obrigado.

Depois de interceptar o olhar de advertência do conde, lady Collingwood não acrescentou

nada mais. Tyler sentia-se ridículo pelo ataque de ira, mas estava sem vontade de continuar jantando, e

saiu sem olhar atrás.

No grande salão, Gabriele olhou estranhamente ao seu marido.

— O que está acontecendo com ele?

— Não sei, mas o certo é que nunca o vi tão angustiado.

— Detesta tanto assim à senhorita Gordon?

— Não acredito. Você já viu Tyler tão afetado pelo simples fato de detestar alguém?

Gabriele ficou pensativa alguns segundos.

— Tem razão.

Embora Tyler estivesse acostumado a ser amável com todos, quando alguém não o

agradava, costumava adotar uma atitude sarcástica que os divertia muito. Nunca haviam testemunhado

Tyler perder as estribeiras como acabava de fazer.

— Se não a detestar como suspeito, — Acrescentou Alexander. — Então, é porque gosta

mais do que está disposto a admitir.

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65

Capítulo 7

Tyler passava algumas horas do dia no escritório em Riverland Manor, que coincidiam com

o tempo que o conde se dedicava a fiscalizar as terras. Verificava as cartas que chegavam de Londres,

ansioso por receber a resposta do senhor Eaglen, e estudava os balanços que o administrador enviava com

pontualidade. Embora a Collingwood Colonial Company existisse graças ao dote de Gabriele, Tyler quis –

depois de terminar seus estudos em Oxford – ajudar no negócio. Sua habilidade e disposição foram uma

grata surpresa tanto para Alexander quanto para ele mesmo. Por causa disso, o conde começou a ter mais

tempo livre, razão pela qual Gabriele estava profundamente agradecida. Finalmente, Tyler terminou

instalando-se de forma quase permanente em Londres onde era o cabeça da companhia, portanto,

Alexander visitava o escritório principal ocasionalmente.

Estava lendo a carta de um comerciante que pedia uma entrevista para conversar com ele

pessoalmente sobre a possibilidade de comercializar suas mercadorias, quando um golpe seco o fez

levantar a cabeça.

Ali, diante dele, encontrava-se ela com um sorriso de orelha a orelha. A surpresa o fez

levantar-se com brutalidade da poltrona que ocupava.

— Edmée.

— Oh, senhor Collingwood, você precisa me acompanhar.

Tyler alarmou-se e pensou que possivelmente havia acontecido algo com o menino, mas ao

observar o sorriso dela soube que não deveria temer nada a esse respeito. Por alguns segundos,

permaneceu imóvel, admirado pela beleza desse rosto que lhe sorria pela primeira vez na vida. Tinha

invejado os freqüentes sorrisos que Edmée dedicava a todos: as crianças, à senhorita Graham, a Gabriele,

mas nunca a ele. Agora esse precioso sorriso era apenas para ele, e sentiu um louco desejo de estreitá-la

e agradecer por isso. Que diabos estava acontecendo com ele? Pigarreou para disfarçar. Afastou o olhar

dela: havia descoberto que não podia pensar com tranquilidade quando a observava.

— O que aconteceu? Onde quer que eu a acompanhe?

— É sobre Adam. — Olhou-o com olhos brilhantes e acrescentou, — Ele o chamou.

— Chamou a mim?

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66

Edmée assentiu até que Tyler compreendeu o que ela dizia. E, então saiu do escritório

caminhando apressadamente, seguido de perto pela jovem. Quando chegaram ao quarto do menino,

encontraram-no no chão, sobre o tapete macio, junto a uma das criadas que o vigiava.

— Obrigada, Cornélia.

— De nada, senhorita Gordon. — Sem acrescentar nada mais a criada partiu.

Edmée pegou Adam em seus braços, que jogou as mãos para Tyler e começou a dar

gritinhos. Quando o homem fez gesto de abraçá-lo, Edmée negou com a cabeça.

— Não, senhor Collingwood, finja que vai sair.

— Mas, não está vendo que ele me quer?

— Por favor, confie em mim. — Ela o encarou com intensidade; ele soube que não se referia

apenas a esse momento.

Apesar de não estar seguro, e sentir um pouco de remorso, decidiu fazer o que Edmée

pedia. Quando o menino viu que seu pai preparava-se para partir, lançou um agudo grito e começou a

chamá-lo freneticamente:

— Papai, papai!

Tyler virou-se rapidamente e, arrebatou o bebê das mãos de sua mãe.

— Adam, meu filho! Eis aqui seu papai! Venha comigo!

O menino agarrou o rosto de seu pai e aproximou a boca até seu nariz, enquanto o homem

ria contente, alheio a tudo que o rodeava; toda sua atenção concentrada em seu filho, enquanto o coração

batia alvoroçado dentro do peito. Surpreso, percebeu que estava vivendo o momento mais feliz de sua

vida.

Edmée os observava emocionada até as lágrimas: lutava para controlar a agitação que a

invadia

— Vou levá-lo ao jardim.

— De acordo.

Ambos se olharam, conscientes que havia algo que os unia com mais força que qualquer

uma das dúvidas que os separavam.

* * *

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67

Edmée não podia dormir, as emoções do dia impediam que relaxasse e, apesar do cansaço,

seus olhos recusavam-se a fechar. Decidiu ir à biblioteca e procurar um livro para distrair a mente. Calçou

as sapatilhas, jogou um xale sobre os ombros, agarrou a lamparina de azeite da mesinha, saiu ao corredor

sem fazer ruído e desceu as escadas que levavam ao andar inferior. Ainda recordava a cena que tinha

testemunhado algumas semanas antes quando tentava chegar à biblioteca. Esperava não voltar a

encontrar o senhor Collingwood namorando de novo porque isso significaria outra noite em claro.

A casa estava deserta e silenciosa, pouco iluminada por algumas lamparinas que

permaneciam acesas toda a noite. A biblioteca estava iluminada por uma claridade cinza procedente da

luz da lua cheia que as cortinas, completamente abertas, deixavam entrar em toda sua plenitude.

Dirigiu-se para a esquerda onde estavam as estantes repletas de exemplares. Edmée

surpreendeu-se com a quantidade de novelas pertencentes aos melhores escritores de língua inglesa.

Havia obras de Shakespeare, Mary Shelley, Lorde Byron, Charles Dickens, Jane Austen, Edgar Allan Poe,

Jonathan Swift, entre outros. Havia também obras de autores estrangeiros, clássicos latinos, enciclopédias,

atlas e tratados, principalmente sobre agricultura e comércio.

Decidiu-se por um exemplar de Jane Austen, Persuasão, quando a voz grave e bem

temperada do senhor Collingwood a sobressaltou, tão perto dela que se perguntou como não havia

sentido a aproximação dele.

— Tente ler Falkner, de Mary Shelley. Acredito que possa gostar.

— Não sabia que você estava aqui.

— Imaginei, caso contrário não teria passado da porta.

Edmée corou. Era tão evidente seu desejo de evitá-lo? Tentando acalmar os furiosos

batimentos de seu coração, e adotar uma aparência de normalidade que ocultasse o quanto sua

proximidade a afetava, respondeu:

— Falkner? O que tem de especial?

— É tão romântica como Persuasão, mas com uma nota áspera muito interessante. Acredito

que a história de Elizabeth e Gerald irá agradá-la muito.

— Muito obrigada, aceitarei sua recomendação.

Edmée largou o livro que havia escolhido e procurou o que ele havia recomendado. Tyler

adivinhou que ela partiria em seguida, e reconheceu que desejava prolongar a permanência da mulher.

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68

Ela estava adorável com a camisola branca fechada até o pescoço e o cabelo solto emoldurando seu belo

rosto de Madonna.

— Como está Adam?

Um sorriso involuntário escapou dos lábios de Edmée ao pensar no bebê.

— Dorme como um anjinho. Desde que começou a dar seus primeiros passos fica mais

cansado e cai na cama esgotado.

Tyler sorriu também, aliviado ao ver que o comentário a distraía.

— É um menino extremamente inteligente e esperto.

— É verdade.

O sorriso de Tyler apagou-se lentamente. Seus olhos adotaram uma expressão intensa que

inquietou Edmée. Tomou uma das mechas da jovem entre os dedos e sussurrou com voz rouca:

— Nunca agradeci por trazer meu filho até mim.

Ela engoliu saliva.

— Não há motivo, sou eu quem deve sentir-se agradecida pela sua hospitalidade.

— Demonstre-me o quanto está agradecida.

Sem acrescentar nenhuma palavra mais, apoderou-se de sua boca com ferocidade,

insistindo com a língua impaciente a recebê-lo em seu interior.

Edmée não pôde evitar um ofego involuntário enquanto um prazeroso calor invadia seu

ventre. Pouco consciente de seus atos, retribuiu o beijo com ardor: acariciava a língua invasora entre

suspiros que se transformaram em gemidos quando a fogosa boca de Tyler abandonou seus lábios para

escorregar até seu peito com dedos impacientes que tentavam abrir os pequenos botões da parte

dianteira da camisola. Liberando seus seios, Tyler os observou com devoção. Eram cheios e firmes,

coroados por mamilos rosados que desejou provar mais que tudo no mundo. Inclinou-se para agarrá-la

pela cintura e aproximá-la com brutalidade. Colocou um mamilo em sua boca com volúpia. Edmée jogou

a cabeça para trás, e lançou um profundo gemido que o excitou até a loucura.

— Como você é doce! — Ele exclamou dominado pelo desejo.

Edmée agarrava-se ao cabelo do homem e lhe dava pequenos puxões inconscientes

enquanto gemia sem cessar, invadida por um desejo tão profundo que jamais havia sentido. Tyler ansiava

penetrá-la desesperadamente, e não podia pensar com claridade. Com um leve empurrão colocou-a de

joelhos primeiro e depois a deitou, sem parar de acariciar seus seios, que estavam inchados e umedecidos.

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69

Quando ela estava deitada sobre o tapete macio, levantou sua camisola, e enquanto lambia seus mamilos

vorazmente, procurava com os dedos o lugar íntimo onde excitá-la.

Assim que tocou nesse ponto sensível, o corpo do Edmée arqueou-se recordando as

mesmas sensações de antes, as mesmas que ainda faziam com que despertasse suada e palpitante. Seus

gemidos tornaram-se contínuos e confundiram-se com os ofegos de Tyler que se sentia a ponto de

explodir. Afastou-se um pouco dela para lutar com o fechamento de sua calça.

Nesse momento, Edmée recuperou suas forças e, abrindo os olhos, percebeu o que estava

prestes a acontecer. Levantou-se rapidamente, tentando abotoar sua camisola.

— Não, senhor Collingwood, por favor.

Tyler fechou os olhos por alguns instantes, abalado pela fatalidade que se abatia sobre ele.

Seu sangue corria furiosamente por suas veias e, se caso não encontrasse alívio, morreria.

— Edmée, você quer tanto quanto eu.

— Também quis antes, e estou me arrependendo há dois anos.

Essas palavras foram como uma bofetada para ele. Sem acrescentar nada mais, ele

levantou-se e se afastou dela. Parou diante da grande janela. Precisou apertar seus punhos com força para

evitar fazer o que jurou que jamais faria: suplicar a uma mulher que não o deixasse.

Edmée saiu com passos incertos. Fora da biblioteca, apressou o passo. Quando chegou ao

seu quarto, atirou-se sobre a cama, e começou a chorar. Ela suspeitava que não tivesse forças contra esse

homem e, agora suas suspeitas estavam confirmadas. Sabia que, para Tyler, ela era apenas mais uma: uma

peça a ser conquistada. Isso ficara evidente algumas semanas antes. Mas, para ela, não seria tão fácil

esquecê-lo. Não estava disposta a sofrer pelo amor de um homem que a descartaria como um trapo velho

assim que estivesse satisfeito.

* * *

Tyler não podia mais negar: Edmée não era igual às outras mulheres. Jamais pensara que

poderia existir uma mulher que fosse especial para ele, mas a certeza que ela eliminava as recordações

das outras que passaram por sua vida antes, era inconfundível.

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70

Não estava feliz com esse sentimento. O amor não fazia parte dos seus planos, não

acreditava nele nem sentia falta. Ainda estava convencido que após possuir Edmée conseguiria esquecê-

la, porém, temia que talvez nunca chegasse a estar farto dela.

Depois que ela partiu da biblioteca, ele não conseguiu dormir, tentando se acalmar e

entender os sentimentos contraditórios que se agitavam dentro dele. Não conseguia compreender o que

havia nela de tão especial, mas não poderia mais negar que ela ocupava todos os seus pensamentos.

Deveria acabar de uma vez por todas com essa obsessão, de uma forma ou outra; ou

tentando tirá-la de sua cabeça como se arrancasse uma erva daninha, ou rendendo-se totalmente. Quando

percebeu o rumo de seus pensamentos, assustou-se. O que ele estava pensando? Talvez essa mulher fosse

uma mentirosa, possivelmente esperava o momento certo para roubá-los e desaparecer. Então,

estraçalharia seu coração feito migalhas. Não; deveria ter certeza antes de tomar uma decisão e, como

suspeitava que com ela por perto fosse incapaz de pensar claramente, decidiu que já era a hora de voltar

para Londres. Resolvido, suspirou aliviado. Sim, era o melhor a fazer. Em Londres, voltaria a recuperar sua

sanidade, procuraria uma mulher atraente que o fizesse esquecer o ardor que Edmée despertava nele.

Porém, a imagem risonha de Adam invadiu sua mente, e ele sentiu-se desconsolado.

Já estava acostumado a passar seu tempo livre com ele. Um vínculo especial estava se

criando entre eles, e não desejava rompê-lo por nada do mundo. Esse menino havia se convertido no

centro de sua vida, portanto, ficar sem vê-lo era muito doloroso.

Por outro lado, era verdade que possuía assuntos pendentes na cidade, além da esperança

de libertar-se do feitiço de Edmée interpondo certa distância entre eles. Voltaria para Riverland Manor

constantemente e faria de tudo para evitar à moça. Se a saudade de seu filho se tornasse intolerável,

ordenaria que fosse viver com ele em Londres, acompanhado por uma babá. Sua mãe deveria permanecer

afastada dele, pois, de outra maneira nada nem ninguém o impediria de tomá-la.

Na manhã seguinte, enquanto tomava o café da manhã junto com seu irmão –sua cunhada

estava visitando seu pai em Blanche Maison, pois, ele estava adoentado – comentou suas intenções.

— Quando você vai partir?

— Pedi à senhora Harrison que faça minha mala enquanto tomo o café da manhã. Partirei

assim que terminar.

Alexander ficou pensativo. Embora Tyler estivesse a mais tempo em Riverland Manor do

que o habitual, havia acreditado que, devido às circunstâncias, permaneceria por mais tempo.

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— O que acontecerá com Adam?

— O que você quer dizer?

— Você vai levá-lo?

— Por enquanto, não. — Tyler engoliu saliva e seu olhar se turvou, o que evidenciou seu

pesar ao partir sem seu filho. — Tenho a intenção de voltar frequentemente, além disso, em breve,

pretendo instalá-los em outro lugar.

— Que bobagem! Você sabe que em Riverland Manor existe espaço para cinco famílias.

Além disso, Gabriele e as crianças estão muito afeiçoados a eles, por que você quer instalá-los em outro

lugar?

— Ora vamos, Alexander. Você não pretende ignorar essa situação: minha ex-amante

vivendo sob o mesmo teto que sua esposa e seus filhos.

— Reconheço que, no princípio, sua decisão causou-me espanto, mas a verdade é que a

jovem é adorável e ninguém pode criticar seu comportamento.

— Apenas o fato de ter um filho fora do casamento. — Tyler respondeu ironicamente.

— Isso poderia ser solucionado facilmente.

Tyler atirou o guardanapo para o lado e levantou-se como impulsionado por uma mola

enquanto elevava os braços, irritado.

— Alexander! Essa mulher pode ser uma mentirosa!

— Mas também pode não ser; é a mãe de seu filho e não é indiferente a você. Se não existe

outra por quem esteja interessado, qual seria o problema em casar-se com ela?

Ele não queria admitir que, em seu interior, já havia considerado essa opção, mas estava

aterrorizado diante da possibilidade de cometer um erro, de ser vítima de uma armadilha. Por mais

intensos que fossem seus sentimentos por ela, enquanto alimentasse suspeitas, não poderia reverter essa

situação.

— Está decidido, Alexander, vou para Londres. — Hesitou levemente, mas decidiu justificar-

se com seu irmão. — Já iniciei uma investigação para averiguar quem é na verdade Edmée Gordon. De

acordo com o que descobrir, tomarei uma decisão.

— Está bem, Tyler, respeitarei qualquer decisão sua.

* * *

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Edmée ria com a cabeça jogada para trás, desinibida e feliz pelas brincadeiras das crianças.

Encontravam-se no jardim, desfrutando de um dia livre, e Robert e Christie brincavam de imitar os criados.

Ela os tinha repreendido, mas eles imitavam com tanta graça e inocência que acabou gostando do

espetáculo. Adam estava ao seu lado, batendo palmas e rindo feliz, pois, embora não entendesse o que

acontecia, estava muito alegre nesse momento.

Tyler observava um pouco afastado, relutante em revelar sua presença. Uma estranha

sensação prazerosa e estimulante deixara-o mudo e quieto. Edmée e Adam estavam adoráveis. Ele soube

que essa imagem o perseguiria nos longos dias que passaria sem eles.

Foi Robert quem o descobriu.

— Tio Tyler! Venha, olhe o senhor Lang!

Imitou a altivez do mordomo:

— Boa tarde, senhor Collingwood.

Tyler riu, mas Edmée, com as bochechas coradas, levantou-se e permaneceu em silêncio,

com o olhar baixo. A cena apaixonada que compartilharam na noite anterior voltou com força a sua mente

e, horrorizada, percebeu que seus mamilos endureciam. Engoliu saliva, desejando que ele não suspeitasse

o quanto estava confusa.

Tyler a olhava com avidez: encantado por cada detalhe. Ela era adorável, apenas sua

presença proporcionava uma alegria que ele nunca experimentara. Uma estranha angústia invadiu suas

entranhas. Repentinamente, desejou livrar-se dessas ideias gravadas em sua mente a ferro e fogo que o

faziam acreditar que entregar-se ao amor seria ceder seu orgulho e sua dignidade aos caprichos de uma

fêmea.

— Papai!

Tyler dirigiu toda a sua atenção ao menino. Sem duvidar, pegou-o em seus braços, e o

beijou.

— Olá, meu filho.

— Tio Tyler! — Christie queria parte de sua atenção também e ele, para agradá-la, segurou

Adam com um braço e, com o outro, elevou à menina.

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— Venha aqui, minha princesa! — Depositou um beijo no suave cabelo avermelhado da

menina.

Edmée reparou na maneira como sua camisa se esticava em seus braços, lembrou-se com

que firmeza a abraçara na noite anterior e a doçura com que essas mãos a tinham acariciado. Abafou um

suspiro.

Tyler brincou com as crianças por alguns minutos; fez cócegas e correu atrás deles. Em

seguida, levantou suas mãos e exclamou entre risadas:

— Rendo-me! As crianças Collingwood são muito fortes para mim!

— Não é verdade, tio! — Exclamou Christie.

— Crianças, é sério, preciso falar com a senhorita Gordon. Acho que na cozinha, existem as

bolachas de ameixa mais saborosas do condado. Robert, por que não vai até lá? Convide sua irmã.

— Bolachas de ameixa! — Sem acrescentar nada mais, as crianças saíram correndo.

A senhorita Gordon, constrangida, pegou Adam em seus braços e o olhou

interrogativamente.

— Edmée, vou partir para Londres em uma hora.

Ela recebeu a notícia engolindo saliva, e tentou disfarçar a emoção que sentia. Estava ciente

que seu escritório situava-se em Londres, mas não havia imaginado que ele partiria tão cedo. Por que isso

importava tanto? Tentou se convencer que era por Adam. O menino estava muito afeiçoado a ele e sentiria

sua falta.

— Oh, sim, é claro.

— Quero que saiba que se acontecer qualquer coisa com Adam, seja o que for, quero ser

avisado imediatamente; está claro?

Ela limitou-se a assentir, emocionada pela sua preocupação.

— Virei visitar Adam ocasionalmente, mas minha residência permanente está em Londres.

— Muito bem, senhor Collingwood.

Não era preciso acrescentar nada mais, mas ambos sentiam-se resistentes a partir.

— Deixe Adam comigo, quero me despedir dele.

Enquanto Tyler abraçava e sussurrava palavras carinhosas ao seu filho, Edmée piscou com

força, tentando reprimir as lágrimas que ameaçavam envergonhá-la e que a obrigavam a reconhecer o

quanto sentiria a falta dele.

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74

Capítulo 8

Os dias seguintes à partida de Tyler, Edmée ficou melancólica. Com surpresa, reparou que

sentia falta da apreensão que dominava seu corpo sempre que o via, do sentimento que experimentava

quando seus olhares se cruzavam, da intensa emoção que sentia quando o via brincar com Adam. Sim, o

senhor Collingwood a intimidava pelo desejo que provocava nela. Depois da cena apaixonada que ambos

haviam protagonizado na biblioteca, estava claro que não possuía nenhuma defesa diante dos sentimentos

que ele despertava nela, e intuía que estava em perigo quando ele estava perto, mas também se sentia

mais desperta do que nunca: viva, exultante e esperançosa.

Sem dúvida, ela estava convencida que era aborrecida para esse homem, pois, sabia que os

membros de sua classe costumavam se divertir com jovens como ela, para em seguida, abandoná-las sem

uma única palavra de adeus. Durante muito tempo, ela se arrependera de sua entrega, entretanto jamais

havia vivido horas mais doces e apaixonadas.

Desde que vivia na mansão surgiram muitas oportunidades de conhecê-lo melhor. Quando

brincava com seus sobrinhos, conversava de maneira natural com os condes, quando se dirigia aos criados

com amabilidade e, o mais importante, quando testemunhava que esse homem que, até pouco mais de

um mês era literalmente um desconhecido, amava seu filho com tanta ternura. Jamais poderia sonhar em

obter um afeto sincero de sua parte em relação a Adam, apenas despertar seu sentido de dever.

Testemunhar como adorava e tratava o menino fizera todos os seus receios e ressentimentos

desaparecerem; estava indefesa diante do encanto de Tyler, vulnerável aos seus beijos e carícias.

Edmée estava apaixonada pelo senhor Collingwood com toda a sua alma, mas esse amor

não oferecia nenhuma esperança. Sua recompensa seria o sofrimento, porque, embora ele a desejasse,

cedo ou tarde acabaria casando-se com uma mulher de sua mesma classe social.

Pensou que possivelmente a distância traria o esquecimento, porém, assim que esse

pensamento invadiu sua mente, reconheceu que era em vão.

Com um profundo suspiro, pegou Adam em seus braços, e o acalmou quando começou a

chorar. Ele também estava de mau humor e passava as noites inquieto. Ambos pareciam sentir saudades

de Tyler.

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* * *

Após dedicar-se aos assuntos mais urgentes da Collingwood Colonial Company, Tyler sentiu

que já estava na hora de conversar com o senhor Eaglen sobre a investigação que havia solicitado. Era

muito difícil controlar sua curiosidade, porém, obrigou-se a aguardar mais alguns dias. Desde que Edmée

havia reaparecido, parecia que havia se transformado em um moleque impaciente e ansioso.

Enviou um lacaio com uma nota para o administrador. Tyler possuía uma bonita casa em

Londres, no bairro de Chelsea. No princípio havia alugado uma pequena residência, mas, mais tarde,

quando os negócios exigiram sua presença frequente, decidiu comprar a casa. Não era muito grande,

apenas quatro quartos, um grande salão, uma pequena sala de estar, e um escritório, além das

dependências dos criados, mas estava decorada com bom gosto, pois a proprietária anterior, a senhora

Oppenheim, possuía uma fama merecida de ser muito refinada.

Quando o mordomo anunciou a presença do administrador, Tyler saiu para recebê-lo

pessoalmente, incapaz de suportar a impaciência que o corroía.

— Bom dia, senhor Eaglen.

— Bom dia, senhor Collingwood.

— Vamos ao escritório, poderemos conversar tranquilamente. — Continuando, ordenou ao

mordomo. — Senhor Mann, traga duas taça desse delicioso conhaque que o embaixador da Espanha me

deu de presente.

O senhor Eaglen o olhou com surpresa sobre os óculos de aros de metal. Enquanto

esperavam que o mordomo aparecesse com o conhaque, conversaram amenidades. Assim que Mann

partiu após cumprir a ordem recebida, Tyler mudou o tom despreocupado da conversa.

— Bem, o que tem a me dizer?

— Veja bem, com respeito ao reconhecimento do menino, o processo está em andamento.

Dentro de três dias chegarão os últimos documentos que trarei para você assinar. Você deve saber que

uma criança nascida fora do matrimônio nunca poderá ser seu herdeiro.

— A não ser que eu não tenha mais filhos.

— Sim, é claro, mas acredito que esse é um caso improvável. Você é jovem e é evidente que

agrada as mulheres, é apenas uma questão de tempo até que se case e…

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76

— Acredite-me, senhor Eaglen. — Tyler interrompeu com um sorriso divertido — O

casamento nunca esteve nos meus planos.

Enquanto proferia essas palavras, a imagem de Edmée gemendo entre seus braços invadiu

seus pensamentos, e foi necessário pigarrear para afastá-la. De repente, sentiu-se incômodo, como um

menino flagrado no meio de uma travessura.

— Nesse caso, senhor Collingwood. — Continuou dizendo o administrador — É provável

que seu filho possa herdar suas posses.

— Bem, o sobre o outro assunto?

O homem bebeu um gole de sua taça, e demorou um pouco para responder.

— Contratei um dos melhores detetives de Londres, o senhor York. Ele começou

investigando damas desaparecidas, mas nenhuma coincide com a descrição da senhorita Gordon: algumas

são muito mais velhas e duas delas foram encontradas mortas logo após o desaparecimento.

— Isso é tudo?

— O senhor York está investigando os arquivos policiais tentando encontrar algum tipo de

denúncia. Assim que for descartada a hipótese dela ser uma dama da classe alta, ele acredita na

possibilidade de sua família ter denunciado o desaparecimento à polícia.

Tyler assentiu sem dizer nada. Entre as famílias da classe alta o desaparecimento de um de

seus membros era uma desonra que maculava a todos, principalmente se a desaparecida fosse uma

mulher. Geralmente, esses casos eram mantidos em segredo, e eram usadas desculpas como viagens para

visitar parentes longínquos ou doenças inexistentes para encobrir o fato.

Sentiu-se desiludido e impaciente pela falta de novidades. Procurou disfarçar seu estado de

ânimo, mas isso não passou despercebido ao senhor Eaglen que o observava com atenção e certa surpresa.

— Está bem, quando tiver mais informações, venha me ver imediatamente, não espere meu

chamado.

— De acordo, senhor Collingwood, assim o farei.

Enquanto se despediam, o administrador pensou que Tyler agia de uma maneira muito

estranha. Embora entendesse o motivo que o levava a querer conhecer o passado dessa mulher – afinal

era a mãe de seu filho – nunca havia visto Tyler tão interessado em uma dama.

* * *

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77

Tyler estava há uma semana em Londres e, para surpresa de seus conhecidos, levava uma

vida de monge. Não havia visitado o exclusivo clube que era sócio, não havia aceitado nenhum dos convites

que chegavam para todos os tipos de eventos, e também não parecia cortejar nenhuma mulher. Irritado,

descobriu que nenhuma dessas atividades o atraía, mas possuía um milhão de desculpas para explicar sua

apatia e nenhuma delas incluía Edmée.

Edmée. Já estava outra vez em seus pensamentos. O sangue começou a arder ao recordá-

la. Não reconhecia a si mesmo pelo fato de não desejar com a mesma intensidade qualquer outra mulher

e, pela primeira vez, reconheceu que estava assustado.

Assustado porque essa mulher em quem não se atrevia a confiar fazia todas as suas

convicções caírem por terra. Assustado porque jamais havia acreditado que uma mulher pudesse dominar

sua vontade sem nenhum esforço. Assustado porque se negava a acreditar no amor, e esse era o único

sentimento que explicava o que sentia por ela.

— Já basta!

Levantou-se da poltrona onde estava torturando-se com a lembrança de Edmée e decidiu

visitar o bordel de Madame Greyland. Já estava há muito tempo sem uma mulher. E, se fosse pouco, o

último encontro com a senhorita Gordon o deixara insatisfeito e ofegante como um cão faminto. Esse era

o seu problema. Precisava de uma mulher na qual pudesse liberar sua luxúria, depois estaria apto para

enxergar tudo com mais objetividade.

Imbuído de toda sua resolução e uma boa dose de otimismo, pediu ao senhor Mann que

preparassem sua carruagem de quatro portas. Enquanto isso, trocou de roupa rapidamente e pegou uma

bengala, que ocultava uma ponta afiada. As ruas de Londres, até as melhores, não eram muito seguras

depois que o sol se punha.

* * *

O bordel de madame Greyland era o mais conceituado da cidade e sua fama ultrapassava

fronteiras. As mulheres eram belas, e a limpeza e o estado de saúde das cortesãs eram garantidos, assim

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como a discrição dos empregados e da própria madame. Assim que atravessou a porta, um criado se

encarregou de seu chapéu e de sua bengala. A proprietária do estabelecimento apareceu para recebê-lo.

— Senhor Collingwood! — Ela pegou suas mãos com familiaridade.

Tyler não era um dos seus clientes mais assíduos, mas houve uma época em que ele se

propôs a conquistar a atraente e enigmática proprietária do bordel. Não era do conhecimento público que

ela tivesse um amante, e inclusive, corriam boatos que, possivelmente, suas preferências eram dirigidas

as pessoas do seu gênero. Ele havia se empenhado em ser o primeiro a derrubar as suas defesas, mas a

mulher jamais cedera aos seus avanços, embora essa enlevo os aproximasse de certa forma.

— Que prazer voltar a vê-lo!

Tyler sorriu, e o otimismo que havia sentido uma hora antes se acentuou. Aprovou sua

própria decisão. Sim, estava convencido que era disso que precisava, estar com uma mulher que o fizesse

esquecer os beijos dessa maldita mentirosa que havia deixado em Riverland Manor.

— O prazer é meu, madame Greyland.

— Diga-me, senhor Collingwood, o que deseja esta noite?

— Estaria disponível uma bela ruiva esquiva que já quebrou meu coração uma vez?

Com o pescoço para trás, madame Greyland gargalhou, encantada por suas palavras.

— Já sabe que não, querido, devo me proteger, mantendo minha cabeça lúcida e meu

coração livre se quiser sobreviver neste mundo.

— Bem, então acredito que servirá uma jovem bela e doce.

— Doce?

Nesse momento, Tyler percebeu o que havia pedido: queria uma mulher que lembrasse

Edmée. Amaldiçoou-se por ser tão imbecil.

— Eu disse doce? Ora, não sei no que estava pensando! — Evitou o olhar perspicaz de

madame Greyland, e acrescentou, — Uma jovem fogosa, do tipo que eu gosto.

— Tenho poucas assim, mas acredito que Sandy pode agradá-lo. — Baixou a voz, e

acrescentou, — É única em certas práticas muito apreciadas pelos cavalheiros.

Tyler limitou-se a assentir, ainda perturbado pelo deslize. A madame lançou um olhar

significativo ao criado que permanecia de pé ao lado, como se fizesse parte dos móveis. Ele partiu, e

reapareceu poucos minutos depois acompanhado por uma jovem exuberante de cabelo negro e olhos cor

mel. Uma beleza.

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A jovem, assim que o viu, sorriu satisfeita; deu uma volta completa descaradamente sob o

olhar apreciativo de Tyler.

— Sandy, este é o senhor Collingwood, um cliente muito especial. — A proprietária fez as

apresentações. — Espero que ao sair esteja mais feliz do que quando chegou.

— É claro, madame Greyland. — Passando a língua lentamente pelos lábios; acrescentou,

— Será um autêntico prazer.

* * *

Duas horas depois, de volta a sua casa, Tyler não se sentia feliz absolutamente. Fora muito

difícil excitar-se, apesar de Sandy ser deliciosa. Assim que conseguiu, quase não desfrutou; conseguira uma

liberação rápida e pouco satisfatória. Quando Sandy se despediu com carinhos e delicadeza,

principalmente ao ver a gorjeta generosa que ele havia deixado, Tyler não estava feliz.

Mas, ao contrário do que parecia, não era o orgulho ferido que alterava seu humor, apenas

a incapacidade de esquecer Edmée e, o mais desconcertante, essa obsessão em compará-la com cada

mulher que via, e que nenhuma delas chegava aos seus pés.

O mau humor e o desespero acentuavam-se a cada dia que passava. Ele afastou-se de

Riverland Manor para esquecê-la e, ao invés disso, ela estava presente a todo momento, inclusive naqueles

mais inoportunos.

* * *

Edmée saía da cozinha e dirigia-se ao aposento onde as crianças estudavam quando se

deparou com a desagradável criada que havia sido arisca com ela algumas semanas atrás.

— Desculpe-me. — Murmurou educadamente enquanto recuava.

Lisa a olhou com altivez, e não respondeu, porém, assim que deu alguns passos, pensou

melhor e, virando-se, disse com um tom desagradável.

— Imagino que você já percebeu que não é especial para o senhor Collingwood.

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— Não compreendo o que quer dizer.

— Oh, vamos! Ele partiu para Londres e, creia-me, garanto que ele está dormindo com todas

as mulheres que passaram na sua frente.

A senhorita Gordon a olhou desconcertada até que, repentinamente, tudo se encaixou. Essa

mulher era a mesma que estava com Tyler naquela noite no corredor da biblioteca. Agora compreendia

seu comportamento e a antipatia evidente. Talvez acreditasse que ela fosse uma concorrente as atenções

do senhor Collingwood ou, talvez, simplesmente, estivesse incomodada pelo filho que ela deu a ele.

— Você está equivocada; não tenho o menor interesse no senhor Collingwood — mentiu.

— Ora! Conte essa lorota para outro. — Olhou-a com maldade. — Pode ser que consiga

enganar os patrões com essa carinha de boa moça e suas maneiras refinadas, mas eu vi como você olha

para o senhor Collingwood, e sei no que está pensando. — Apontou um dedo acusador, e continuou, —

Não sei se ele admitiu, mas enquanto você estava de olho, ele estava dormindo comigo.

Edmée ruborizou, mortificada pelo linguajar baixo da criada, e pelo ciúme que suas palavras

causaram. Sem acrescentar nada mais, afastou-se, enquanto, pelas suas costas, a jovem ria.

— Acha que é muito especial porque a engravidou! Londres deve estar cheio de bastardos!

Ao invés de dirigir-se ao aposento que pretendia, saiu apressadamente para o jardim; o ar

frio golpeou suas bochechas quentes, e a ajudou a se acalmar. Ela sabia que essa mulher odiosa tinha

razão, sabia desde o começo. Por isso, recusava-se a ter esperanças. Mas, acabava de descobrir que já era

tarde. Ao escutar seus temores se tornarem realidade pela boca da criada, ela percebeu que seu coração

estava comprometido, pois, não havia outra forma de explicar a dor terrível que parecia rasgá-la.

* * *

Sheridan olhava a ponta de suas botas impacientemente, enquanto esperava o barão.

Sempre que precisava falar com ele, uma espécie de nervosismo atacava seu estômago provocando um

mal-estar que apenas a distância poderia aplacar. Apesar do terror que seu brutal patrão lhe provocava,

era generoso com as recompensas e, graças a esse emprego, ele podia desfrutar dos prazeres que um

homem humilde como ele, não poderia custear.

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O barão exigia apenas fidelidade e silêncio absoluto. O homem estava mais que disposto a

isso.

— Sheridan. — Seu corpo retesou-se ao ouvir a voz fria do barão as suas costas — Você sabe

que eu não gosto que me visite regularmente.

— Fui precavido, senhor. Entrei pela porta da criadagem, e anunciei minha presença apenas

ao mordomo, como você sugeriu.

Com um gesto displicente da mão, o barão aceitou a explicação, e sentou-se sem oferecer

uma cadeira ao seu empregado.

— Pode falar.

— Voltei para Sussex, ao último lugar onde ela esteve, mas, desta vez inventei uma história.

O barão ergueu as sobrancelhas com curiosidade.

— Apresentei-me como um parente distante, e disse que o pai da moça estava procurando

por ela, que em seu leito de morte, desejava despedir-se dela, e pedir perdão.

— Perdão?

— Bem, senhor, foi a maneira que encontrei para explicar sua fuga de casa. Uma terrível

discussão com seu pai que culminou em uma surra.

O barão observou Sheridan com um olhar de surpresa. Nunca imaginou que ele possuísse

tanta imaginação.

— Continue. — Disse divertido.

— Descobri que a jovem realmente viveu ali durante quase um ano, e que tinha um filho.

O barão moveu-se em sua cadeira, e o olhou com tanta intensidade que Sheridan engoliu

saliva, repentinamente assustado.

— Você tem certeza?

Ao escutar a voz gelada e dura, o empregado pensou que não tinha certeza nem do próprio

nome. Mesmo assim assentiu.

— Vários vizinhos confirmaram. Ela disse que era viúva, mas muitas pessoas não

acreditaram.

— Quem é o pai?

— Ninguém sabe, senhor.

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O barão apertou o punho, e ficou pensativo durante alguns segundos. Provavelmente, a

criança era fruto de um estupro. Apesar da beleza da jovem, ele sabia que era fria como gelo.

— Que idade tem a criança?

— É pequeno, um ano mais ou menos.

— Bem. Ela não deve ter ido muito longe com uma criança tão pequena. Continue

procurando em Sussex, e nos condados próximos, talvez ela esteja mais perto do que acreditamos.

— Sim, senhor.

Sheridan partiu contente, intuindo que sua presa estava cada vez mais perto deles. O barão

tinha razão: com uma criança tão pequena seria muito mais difícil se esconder e, mesmo que ela pensasse

assim, e o deixasse em algum lugar, uma criança recém-abandonada poderia ser uma boa pista a seguir.

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Capítulo 9

Edmée preparava-se para dormir. A baronesa havia se despedido dela, e ela estava a ponto

de vestir a camisola, mas, sentia-se agitada. Florence padecera o dia inteiro com uma dor de cabeça

insistente, que melhorou apenas quando o médico administrou um tônico relaxante que, afortunadamente,

pareceu fazer efeito.

Edmée sabia que alguma coisa estava acontecendo, e isso a preocupava. Ela e Florence

estavam juntas desde que ambas eram meninas, quando sua mãe, desesperada por não conseguir

sustentar seus filhos por causa da recente viuvez, havia recorrido ao Senhor Vermell quem a recebera com

dama de companhia para sua única filha. A senhorita Florence era uma menina tímida e doente. A

companhia saudável e essencial de Edmée foi um presente que ela jamais havia recebido. Assistiam juntas

às aulas que a senhora Leighton ministrava, compartilhavam confidências e sonhos, liam às escondidas

trechos escandalosos de certos livros proibidos; em suma, estavam sempre juntas. O afeto que as unia era

muito mais forte do que era habitual entre uma criada e sua senhora, eram como irmãs, e eram formais

apenas quando estavam diante de pessoas estranhas. Por essa razão, Edmée a acompanhou como sua

criada pessoal quando ela se casou com o atraente Senhor Sanders.

Logo após o casamento, Florence transformou-se em outra pessoa. Edmée percebia sua

inquietação, assustava-se facilmente, e em certas ocasiões deixava transparecer medo em seus olhos, mas

ela recusava-se obstinadamente a revelar o que estava acontecendo.

A dor de cabeça de Florence preocupava Edmée, ela recusava-se a dormir sem dar uma

última olhada em sua senhora e, portanto, dirigiu-se ao seu quarto. A baronesa e seu marido - como era

habitual - dormiam em quartos separados, que se comunicavam por uma porta em comum. Edmée rezou

para que sua amiga estivesse sozinha.

Diante da porta, abriu-a lentamente, sem querer fazer ruído para não despertá-la, se acaso

estivesse adormecida. Foi então que viu a cena que mudou sua vida para sempre. O Senhor Sanders, o

barão, apertava um travesseiro com força sobre o rosto de Florence que permanecia absolutamente

imóvel. Edmée, diante da cena dantesca, supôs que ela estava morta.

Nesse momento, o barão girou a cabeça e a viu. Sem pensar, Edmée saiu correndo sem parar

nenhuma vez até que se deparou com a carruagem de quatro portas do senhor Collingwood.

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84

Apenas muito mais tarde ela compreendeu a magnitude do perigo que corria. Era sua

palavra contra a desse homem, uma pessoa altamente apreciada, cujo prestígio e honra pareciam

inquestionáveis. Nem sequer poderia procurar os Vermell, pois, haviam falecido há dois anos, pouco tempo

depois que Florence se casara. Estava sozinha, e sua vida corria perigo. Se pudesse provar o que havia

testemunhado teria uma chance, mas, sem qualquer prova, ninguém acreditaria. Ela havia presenciado

como pessoas de categoria superior procuravam o barão requerendo seus favores.

O gorjeio de um pássaro a distraiu de suas negras lembranças, e o inchaço em seus seios

recordava que era hora de amamentar Adam. Lentamente, como se arrastasse uma fadiga antiga, ficou

em pé. Relembrar a tragédia fora devastador. A dor pela morte de sua querida Florence se agravava pelo

remorso de não poder fazer nada, de permitir que esse assassino ainda estivesse livre, de ser consciente

de que, provavelmente, nada mudaria até que Deus o chamasse para cobrar seu crime horrendo.

Olhou Robert passando com um caderno na mão, e um calafrio percorreu sua espinha. Ela

havia visto um caderno como esse antes. Como pôde esquecer sua existência?

Florence sempre foi sonhadora e idealista. Desde pequena escrevia pequenos poemas,

pensamentos e anedotas que ocorriam no dia a dia em um caderno de capa escura igual ao que Robert

segurava. Às vezes, compartilhava com ela; outras vezes, não. Sabia que Florence mantinha o caderno

mesmo depois de casada. Ela surpreendeu Florence escrevendo nele, além disso, sabia onde o guardava.

De repente, a excitação a percorreu com a mesma força de um raio.

Talvez o estranho comportamento de Florence nos dias anteriores ao seu assassinato

tivesse algo a ver com seu marido. Possivelmente, escrevera suas preocupações no caderno. Então, se

pudesse encontrá-lo, teria a chance de demonstrar o quanto o barão era desprezível por baixo de sua

aparente respeitabilidade.

Com um resignado movimento de cabeça, desprezou a ideia como absurda. Ela conseguir

entrar na residência do barão, e pegar o caderno era tão improvável quanto as vacas voarem.

* * *

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Tyler sentia-se inquieto, estranho e vazio. Seus negócios urgentes já estavam solucionados,

e a única razão que o mantinha em Londres, era a atitude defensiva que adotara para tentar eliminar as

emoções que teimavam em dirigi-lo como a uma marionete.

Sua alma, seu coração, toda a sua essência gritavam que voltasse para Riverland Manor.

Sentia uma falta tremenda de Adam, relia as cartas que Alexander enviava, que entre outras coisas,

contava as peripécias protagonizadas pelo menino. Mas, o verdadeiro objeto de seus pensamentos era

Edmée.

Ela estava presente a cada minuto, dormia com sua imagem rondando sua mente e, ao

despertar, seus primeiros pensamentos eram sobre seus olhos cinza. O corpo ardia ao recordar o interlúdio

na biblioteca, mas, não havia tentado se aliviar com outra mulher novamente, porque ela era a única capaz

de apagar o fogo que ardia em suas veias. Tudo dera errado. Interpor distância entre ambos apenas havia

demonstrado que o que ele sentia não era um capricho, muito menos uma necessidade de deitar-se com

uma mulher. Esboçou um cínico sorriso que ninguém viu, imaginando como os Fergusson ririam se

soubessem. Pensou que Alexander o compreenderia, porque se existia outro homem apaixonado por uma

mulher, era ele.

Apaixonado.

A palavra o golpeou como um martelo. Realmente estava apaixonado? E como poderia ter

certeza se antes jamais dedicara mais de dois pensamentos consecutivos à mesma mulher? Resolveu que

não era importante se o que sentia era amor ou não. Estava claro que queria essa mulher ao seu lado,

queria ser seu dono, o único que a tocasse e beijasse, queria saber o que pensava quando esses lindos

olhos se perdiam na imensidão, protegê-la dos perigos que a espreitavam, ver Adam crescer e, o mais

inquietante, ter mais filhos com ela.

Sua única oportunidade válida consistia no resultado da investigação do detetive

contratado pelo senhor Eaglen. Para seu próprio bem, desejou que não houvesse nada comprometedor

no passado dela, porque começava a compreender que aceitaria Edmée em qualquer circunstância.

* * *

Nathan Sheridan teve que reprimir um sorriso ao escutar o granjeiro.

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— A moça parecia esgotada. Não confio muito nos transeuntes que encontro pelo caminho

quando vou ao mercado. — Depois de cuspir uma fibra de erva que dava voltas dentro de sua boca,

acrescentou, — Mas, senti pena do pirralho.

— Por favor, volte a descrevê-la.

— Era uma jovem miúda, muito bonita, e se me permitir dizer, senhor. — Sheridan fez um

gesto de assentimento. — Possuía um cabelo escuro e os olhos claros, cinzas me pareceram.

— E o menino? Que idade você daria a ele?

Nesse momento, o granjeiro o olhou com desconfiança. Quando esse homem bem vestido

e agradável havia chegado à granja perguntando pela jovem, ele disse que o pai dela a expulsou de casa

quando soube que estava grávida, portanto, deveria saber a idade do menino. Franziu o cenho, e o olhou

com os olhos entrecerrados.

— O senhor não sabe?

— Oh, claro, apenas quero confirmar se falamos sobre a mesma mulher.

O granjeiro assentiu, aceitando a explicação, que soou lógica.

— Bem, a moça o chamou Adam e, quando perguntei sua idade, respondeu que tinha treze

meses.

Sheridan não cabia em si de alegria. Pela primeira vez nos dois anos que procurava a jovem,

tinha uma pista confiável. Não pensava em deixá-la escapar. O granjeiro lhe diria tudo o que sabia, por

bem ou por mal.

— Sim, é a mulher que procuro. — Seu olhar tornou-se intenso, já sem se preocupar em

causar uma boa impressão em seu interlocutor. — Aonde a levou?

O granjeiro pigarreou, e de repente começou a suar. Começou a sentir-se como um pássaro

que acabam de colocar em uma gaiola. Esse homem era perigoso. Lamentou pela moça e pelo menino,

mas não estava disposto a se expor a nenhum perigo por alguém que não conhecia.

— Eu me dirigia ao mercado de Maidstone para vender meus produtos, ela disse que estava

bom, pois, seu destino era perto dali. Não sei de mais nada, senhor.

— Está bem. — O sorriso reapareceu no rosto de Sheridan, mas desta vez o homem não

correspondeu. Tocou a aba do chapéu como despedida, e partiu assobiando uma toada.

O granjeiro, ao vê-lo afastar-se, se benzeu, e desejou não ter encontrado a moça bem como

o personagem sinistro que a procurava.

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* * *

Nathan Sheridan havia crescido escutando falar de Deus, embora em seu interior sempre

duvidasse de Sua existência. Era filho único de um pároco. Apesar da bondade inata de sua mãe, e dos

sermões frequentes de seu pai, jamais conseguira acompanhar totalmente um sermão, achava tedioso, e

não era capaz de encontrar sentido algum.

Começou a escapulir, a acompanhar pessoas que seus pais consideravam indesejáveis.

Ainda podia recordar a primeira surra que recebeu, quando uma das vizinhas do pequeno povoado que

viviam, queixou-se dele por ter violentado a sua filha.

Sua mãe conversava com ele pacientemente, abraçava-o e, às vezes, chorava de uma

maneira que partia seu coração, como quando descobriu o que havia feito com o gato. Seu pai, ao

contrário, batia nele com uma vara fina, e o obrigava a recitar os cento e cinquenta salmos da Bíblia,

enquanto permanecia de pé com uma pilha de livros em cada uma das mãos.

Nathan sentia-se oprimido nesse ambiente puritano, as regras de seu pai causavam revolta,

sentia-se injustiçado pela vida, por ter nascido nesse lugar onde um jovem não podia se divertir. Era cada

vez mais difícil controlar seus ataques de fúria, envolvia-se em brigas frequentemente, e os vizinhos

começaram a evitá-lo.

Um dia, ao chegar bêbado como um gambá, seu pai, assim que pôs os olhos sobre ele, deu-

lhe uma forte bofetada.

— Você é um inútil! Um desgraçado!

— Não volte a me tocar. — A respiração começou a se agitar pela fúria que o invadia ao

receber a bofetada.

— Oh, Meu Deus! O que fizemos para merecer como castigo um filho assim?

— Ora! Deixe-me passar. — E, ao dizer isto, o empurrou para dirigir-se ao quarto.

— Nathan, meu filho!

A mãe o observava com um olhar horrorizado. Era a primeira vez que tocava em seu pai, e

a impressão que havia causado nela se refletia claramente pela expressão de seu rosto. Uma pequena

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pontada de remorso o fez parar, mas, nesse momento, seu pai, com a voz potente que usava em seus

sermões, dirigiu-se para ele com o dedo em riste.

— Bem-aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no

caminho dos pecadores! Ele é como a árvore plantada junto a corrente de águas, que, no devido tempo,

dá o seu fruto, e cuja folhagem não murcha. Os ímpios não são assim; são, porém, como a palha que o

vento dispersa. Por isso, os perversos não prevalecerão no juízo, nem os pecadores na congregação dos

justos. (1)

1- NR: Salmo número 1: Não está completo, a autora usou apenas algumas partes.

— Cale-se, maldito!

Cego pela ira, levantou uma cadeira de madeira, e atirou-a com todas as suas forças na

cabeça de seu pai. Nathan não ouviu o grito de sua mãe; permaneceu olhando fixamente o corpo do pai

caído ao chão enquanto sua cabeça sangrava sem cessar. Pela primeira vez na vida, ele sentiu medo, um

terror profundo e frio que apertava suas entranhas e provocava um suor frio. Sentiu medo porque

constatou que assistir seu pai agonizar não lhe provocava remorsos, nem dor.

Foi a voz de sua mãe, a única pessoa a quem amava no mundo, que o tirou de seu transe.

— Saia agora mesmo desta casa! — Ao vê-lo titubear, impactado pelo olhar ardente da doce

mulher, acrescentou aos gritos, — Saia, filho de Satã, e não volte nunca mais! A partir deste momento

você não é mais meu filho, para mim, você está morto.

Nathan partiu para Londres, e logo esqueceu a dor que sentia pelo repúdio de sua mãe.

Algumas vezes, a lembrança de suas mãos amorosas voltava para importuná-lo, mas ele sabia como afastá-

la: não havia nada que o corpo suave e doce de uma jovenzinha não pudesse fazê-lo esquecer. Ao partir

de casa, uniu-se a uma companhia de teatro itinerante. Seu trabalho era vigiar enquanto se apresentavam,

e realizar pequenos serviços. Junto a eles, Nathan aprendeu técnicas de disfarce que se tornaram muito

úteis. Não durou muito tempo, porque as atrizes se queixavam que ele as importunava. Depois de deixar

a companhia de teatro, resolveu permanecer em Londres. Começou roubando os ladrões que agiam no

East End. Vigiava-os, observava-os cometer seus furtos com uma habilidade invejável, seguia-os, e pegava

seus lucros. Foi desta forma que ele conheceu o barão.

Acabava de testemunhar como um dos rapazes tirava do bolso de um homem elegante e

bem vestido, uma pesada bolsa de couro. Saiu correndo atrás do trombadinha disposto a surrupiar o que

acreditava ser uma boa recompensa e, quando finalmente alcançou o ladrão, percebeu que outra pessoa

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também o seguia. O dono da bolsa de couro estava junto a eles. Sem qualquer palavra, esse personagem

elegante se aproximou do desventurado ladrão, tirou rapidamente uma enorme faca do bolso de sua

jaqueta e o apunhalou várias vezes sob o olhar surpreendido de Nathan que não pôde deixar de observar

o cavalheiro: então sentiu um calafrio que percorria todo o seu corpo, em virtude dos olhos negros e frios

como os de uma serpente, fixos nele.

— Era seu amigo?

Por um instante, olhou o corpo caído ao chão e negou com a cabeça.

— Não, senhor.

— Bem, nenhuma palavra sobre isso a ninguém, ouviu? Ninguém acreditaria, e eu não

descansaria até encontrá-lo. Acredite-me, nesse caso, você invejaria a sorte deste desgraçado.

Nathan assentiu. Começava a andar quando a voz do homem o deteve.

— Espere. O que você faz?

— Não tenho emprego, senhor.

O barão o olhou curiosamente. Era um homem alto e forte, e de um modo geral, possuidor

de uma boa aparência, não como essa escória que perambulava por ali, parecia inteligente e, o mais

importante, não estava assustado, nem escandalizado por ter testemunhado a morte do ladrão.

— Gostaria de trabalhar para mim?

— Depende.

O barão soltou uma gargalhada.

— Você tem coragem, e eu gosto disso. — Seu tom soou repentinamente sério ao

acrescentar, — Pagarei bem, poderá dormir com todas as mulheres que quiser, e comer carne todos os

dias. Exijo apenas lealdade e sigilo. Está interessado?

Nathan não hesitou.

— Sim senhor, estou.

Apesar da apreensão que o nobre lhe causava, não estava arrependido de aceitar o

trabalho. De fato, pagava com uma generosidade que lhe permitia gozar uma vida que jamais se atrevera

a sonhar. Havia sido testemunha de algumas práticas que, embora no princípio o fizessem recear, agora

pareciam excitantes em comparação a qualquer outra coisa que vivera antes.

Consciente que Edmée estava cada vez mais perto, um sorriso horripilante atravessou seu

rosto. Havia desejado Edmeé desde a primeira vez em que a vira, sua doçura e pureza recordavam a sua

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mãe, a única coisa boa de sua vida. Havia tentado cortejá-la, mas ela sempre o rechaçara com cortesia, e

também com firmeza.

Agora, usaria seu corpo até a satisfação total, e em seguida, a mataria. O que o barão

dissera? Que levasse uma daquelas coisas que gostava. Poderia retirar um desses lindos olhos cinza para

provar que cumprira seu trabalho.

* * *

Gabriele estava acostumada com a companhia de Edmée, e passavam juntas boa parte da

tarde enquanto as crianças brincavam aos seus pés. Ela havia tentado descobrir algo sobre seu passado,

saber de quem fugia, mas Edmée havia resistido a todos os intentos da condessa de maneira contundente.

— Acredite-me, milady, meu silêncio é minha única proteção.

Ela achou melhor não insistir, temendo importunar a jovem. Havia constatado que Edmée

possuía boa mão para as plantas e, às vezes, iam juntas ao jardim ou à estufa. Passavam algum tempo

cuidando das plantas enquanto conversavam tão amigavelmente que, muitas vezes, a senhorita Gordon

se esquecia de que estava com a condessa de Kent.

Uma tarde, enquanto tomavam o chá na sala de estar, apenas as duas, porque o conde

tivera um imprevisto, e as crianças brincavam no tapete com blocos coloridos que o Sr. Percy, o jardineiro,

havia fabricado, Gabriele fez um pedido surpreendente.

— Senhorita Gordon, eu gostaria de pintar um retrato seu.

Edmée corou, profundamente adulada. Havia visto alguns dos quadros pintados pela

condessa e, embora não entendesse de arte, notara surpresa, os detalhes e a expressão verdadeira com

que retratava as pessoas.

— Lady Collingwood. — A condessa havia solicitado que não se dirigisse a ela por seu título.

— Não vejo que interesse alguém teria em meu retrato, mas, se isso lhe agrada é claro que permitirei.

— Oh, sim! Eu gostaria muito, será um desafio refletir a vivacidade de seus olhos, e a doçura

de seu rosto. E, eu gostaria de pintá-la junto a Adam, acredito que o quadro seria uma surpresa

maravilhosa para Tyler.

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91

Ouvir seu nome provocou um leve sobressalto em seu coração, e seu olhar se tornou

sonhador.

— Se você quiser agradá-lo será melhor que retrate apenas Adam.

Gabriele a olhou com o cenho franzido e, em seguida, soltou uma ligeira gargalhada.

— Ora! Senhorita Gordon. Não pretenda me dizer que desconhece a inclinação que meu

cunhado sente por você.

O olhar confuso de Edmée confirmou a Gabriele que, efetivamente, ela permanecia alheia

ao interesse que Tyler nutria por ela, e que todos na casa haviam notado.

— Acredite-me, milady, o senhor Collingwood me despreza, e já deixou isso bem claro para

mim.

— Pode ser que ele queira desprezá-la, mas tenho certeza que os sentimentos que você lhe

inspira não têm nada a ver com o desprezo.

— Como sabe? Por acaso ele disse alguma coisa? — Edmée parou de falar sobressaltada ao

constatar a esperança que deixava transparecer em seu tom.

— Não, querida, ele está muito ocupado tentando entender a si mesmo. Percebi pela

maneira como ele se comporta quando você está por perto, pela forma descarada com a qual a vigia

quando sai ao jardim com as crianças, pelo abandono de suas, digamos, “saídas noturnas”.

Edmée afastou o olhar para ocultar o rubor. Desejava com todo o seu coração que as

palavras de lady Collingwood fossem verdade.

Capítulo 10

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92

Uma manhã, quando Edmée foi ao quarto de Adam, percebeu que ele respirava

agitadamente, e que suas bochechas estavam muito vermelhas. Sentindo o pânico dominá-la, aproximou-

se da pequena cama, e o abraçou contra seu rosto. Ele estava ardendo.

O terror veio como uma onda incontrolável, privando-a durante alguns segundos, da

capacidade de raciocinar. Sem saber o que deveria fazer, e controlando-se para não alarmar a ninguém,

pegou o bebê, e tentou amamentá-lo. O menino emitiu um gemido fraco, mas mesmo assim, começou a

mamar sem muita vontade. A preocupação de Edmée aumentava ao sentir a pele quente de seu filho. Em

poucos minutos, o menino soltou o mamilo, e permaneceu com os olhos fechados, respirando com

dificuldade, e gemendo baixinho. Louca de preocupação, ela o deitou cuidadosamente na cama, e saiu

correndo a procura do senhor Lang.

Nesse momento, encontrou-se com Lorde Collingwood.

— Senhorita Gordon, o que aconteceu?

— Desculpe-me, milorde, preciso chamar o médico. Adam está febril. — E, assim que falou,

sua voz falhou.

Uma expressão de preocupação transpareceu no rosto de Alexander.

— Fique com ele, eu posso chamar o médico.

Edmée nem sequer agradeceu: tamanha era sua preocupação. Voltou correndo para o

quarto de Adam, e abraçou o menino em seus braços, enquanto rezava com todas as suas forças para que

ele melhorasse. Em seguida, apareceu lady Collingwood, e apoiou a mão em seu ombro para consolá-la.

— Edmée, não se preocupe. — Pela primeira vez usava seu nome de batismo — Em breve

o médico estará aqui, e seu filho ficará bem. O doutor Pemberley é um dos melhores médicos de toda a

Inglaterra.

Ela assentiu, incapaz de responder pelo aperto de terror e ansiedade que estava em seu

peito. O bebê nunca adoecera antes, apenas quando começaram a nascer seus primeiros dentes, nada

mais. Vê-lo tão caído, e ouvir sua respiração ofegante a enchiam de medo. De repente, desejou que Tyler

estivesse ao seu lado, ele suportaria uma parte do sofrimento, aliviando-o, como havia feito outras vezes

antes, sem ser consciente disso.

Lady Collingwood pareceu adivinhar o que estava pensando, porque nesse momento disse:

— Já mandamos um criado a Londres.

— Obrigada, senhora.

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93

Gabriele compreendia o terrível desespero que Edmeé estava passando. Ela também havia

atravessado o mesmo problema quando a pequena Christie, com apenas um ano de idade, tivera

amigdalite. Consciente que apenas a cura de Adam poderia confortá-la, Gabriele tentou distraí-la e, depois

de pedir a uma criada que trouxesse um pano úmido para colocar na testa do menino, começou a

conversar banalidades.

Edmée apenas escutava, mas agradecia pela conversa que impedia sua cabeça de fantasiar

imagens terríveis. Finalmente, o médico chegou acompanhado do conde de Kent, e a senhorita Gordon

deixou escapar um suspiro de alívio.

— Oh, graças a Deus, doutor Pemberley! — Apesar da demora não ter ultrapassado trinta

minutos, para Gabriele parecia uma eternidade.

— Bom dia, lady Collingwood. — Dirigiu-se a Edmée, — Você deve ser a mãe do menino,

não é?

— Sim, doutor.

— Deite-o na cama.

Ela obedeceu, e ficou observando o exame com as mãos apertadas. Respondeu às perguntas

sobre a alimentação do menino, desde quando estava fabril, etc. O casal se afastou um pouco, e

observaram da porta.

O doutor extraiu de sua maleta um espelho longo e estreito e um tubo comprido. Examinou

a garganta do menino, apalpou sua barriga, examinou seus olhos e, ao girar sua cabeça para examinar os

ouvidos, ouviram um gemido de dor.

Edmée retorcia suas mãos freneticamente enquanto lutava contra o desejo de se aproximar

e abraçar o bebê. Nunca sentira uma angústia semelhante. Outra vez, desejou que Tyler estivesse ali. Sabia

quanto ele amava Adam, sua presença traria mais conforto ao bebê do que qualquer outra pessoa, embora

agradecesse sinceramente a preocupação do casal.

— Bem, o menino está com uma inflamação grave no ouvido. — O médico virou-se para

eles, e começou a guardar seus instrumentos na maleta. — Preciso retornar a minha casa e preparar um

cataplasma de alho e mel que deve ser aplicado com um pano úmido a cada três horas. — Tirou um

pequeno frasco que estendeu a Edmée, e continuou, — Ele deve ser alimentado apenas com líquidos,

sopas, leite e água. Agora ponha dez gotas desta infusão de salgueiro em um copo de água e faça o menino

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beber tudo; baixará a febre. Ao entardecer, é provável que volte a subir, então dê a ele mais dez gotas.

Entendeu senhorita?

— Sim, doutor, muito obrigada.

O médico limitou-se a assentir, e disse:

— Amanhã pela manhã, voltarei para visitá-lo. Esta noite, vigiem-no e, se começar a sofrer

convulsões, avise-me imediatamente.

— De acordo, doutor. — Um calafrio de terror a percorreu ao escutar a palavra

“convulsões”.

O médico saiu do quarto acompanhado por lorde e lady Collingwood, que aproveitaram

para conversar com ele no corredor. Edmée sentou-se junto a Adam e acariciou sua testa. O menino abriu

os olhos; olhava-a com olhos brilhantes, e expressão triste. Ela fez das tripas coração, e lhe dedicou um

sorriso valente.

— Minha vida, logo você estará bem; mamãe vai dar um remédio que vai curá-lo

imediatamente.

* * *

Tyler estava consumido pela ansiedade e pela impaciência, desejava que à carruagem que

o levava a Riverland Manor criasse asas. Há algumas horas, havia recebido uma mensagem direta de

Gabriele: “Adam está doente”. Nem sequer havia feito às malas, partira em seguida, apesar de saber que

cairia a noite quando estivesse a caminho. Recriminou-se duramente por não ter cedido ao impulso que

havia sentido desde o primeiro dia que chegara a Londres, e não ter retornado a Riverland Manor muito

antes.

Concentrou seu pensamento em Adam, essa criança que fazia parte da sua vida há apenas

três meses, mas que já era uma parte fundamental dela. Sentia saudades de seu sorriso, de seu olhar de

admiração e, de ouvir a palavra “papai”. Amava seus sobrinhos com ternura, mas esse amor não o

preparara para o que sentia pelo seu próprio filho.

As luzes longínquas que iluminavam o acesso a Riverland Manor, ajudaram a relaxá-lo: em

uma hora estaria em casa, e então, nunca mais ficaria tanto tempo longe do menino.

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* * *

Apesar de ser madrugada, Edmée permanecia sentada e acordada junto à cama de Adam

que parecia apenas cochilar. Ao anoitecer, a febre havia voltado com força e, além das gotas de chá de

salgueiro, foi necessário trocar constantemente os panos úmidos de sua testa. Felizmente, a febre parecia

ceder, e Adam estava mais tranquilo. Em breve, ela trocaria o cataplasma preparado pelo doutor

Pemberley.

Alguém entrou no quarto. Girando a cabeça, ela viu Tyler. Sem reparar no que fazia nem

que usava seu nome próprio, levantou-se e se lançou em seus braços.

— Tyler! Oh, graças a Deus que você está aqui!

Ele a estreitou com força entre os braços e depositou um beijo breve em sua cabeça. Apesar

do temor que o dominava, emocionou-se profundamente ao ver a reação de Edmée.

— Como está Adam?

Ela afastou-se um pouco; então percebeu o que havia feito. Virou-se rapidamente para que

Tyler não pudesse ver seu constrangimento, e respondeu:

— A febre cedeu; o doutor Pemberley disse que ele tem uma grave inflamação no ouvido,

e trouxe um cataplasma que deve ser trocado a cada três horas. Nesse momento, ele está tranquilo, mas…

— Sua voz falhou, pelo cansaço e o medo.

— O que foi, Edmée? — Tyler se aproximou e segurou-a pelos ombros. — O que está

acontecendo com você?

Ela não resistiu mais e, com o rosto escondido entre as mãos, começou a chorar, enquanto

ele a observava cada vez mais assustado.

— Por Deus! O que aconteceu?

— Passei tanto medo! Adam nunca ficou doente, e não suporto a ideia que possa acontecer

alguma coisa a ele.

Tyler voltou a estreitá-la contra seu corpo; desejava eliminar todos os seus medos.

— Não se preocupe, o doutor Pemberley merece toda a minha confiança, logo Adam estará

bem.

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Edmée limitou-se a assentir. Não fez nenhum intento de se afastar do peito largo e firme

no qual se apoiava. Não estava certo permitir que isso acontecesse, mas o consolo que Tyler proporcionava

era como um bálsamo. De repente, lembrou-se da hora tardia, do cabelo despenteado dele, e de sua roupa

amassada.

— Senhor Collingwood, quando chegou de Londres?

Ele reparou que, já mais tranquila, ela voltava a chamá-lo de senhor. Apertou ligeiramente

os lábios. Mesmo assim respondeu:

— Acabo de chegar faz alguns minutos.

Ela sentiu-se emocionada pela resposta; percebeu que ele partira assim que recebera a

mensagem.

— Muito obrigada, sua presença é muito reconfortante.

— Edmée… — Sem conseguir se controlar, Tyler esticou a mão e acariciou sua bochecha.

Em seguida, guiado pela profunda necessidade que sentia dela, agarrou-a pela nuca e a atraiu para si.

Quando se dispunha a apoderar-se de sua boca, ouviram um leve gemido procedente da cama onde o

menino dormia.

Adam acabava de despertar, e choramingava enquanto tocava a orelha.

— Shh! Calma, mamãe está aqui. — Edmée dirigiu-se imediatamente para ao pequeno, e

tirou o pano com o cataplasma. O menino abriu os olhos e, depois de alguns segundos, divisou a figura de

seu pai.

— Papai!

Tyler se aproximou até ajoelhar-se junto à cama e, beijou a testa de Adam.

— Olá, campeão.

O menino ofereceu um de seus sorrisos doces que recordavam os de Edmée, e o coração

do Tyler pulsou mais forte dentro do peito.

— Prepararei o cataplasma.

Ele, sem que ninguém indicasse, agarrou o copo com água que permanecia na mesinha para

aproximá-lo dos lábios do menino.

Enquanto ela pegava um pano limpo e o encharcava na mistura que o médico havia

preparado, pensava que, realmente, não tinha a menor chance de lutar contra o que sentia por Tyler. Além

do grande atrativo físico, o encanto que exalava, a amabilidade que dedicava a sua família, a segurança de

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seu porte que a fazia sentir-se sempre protegida ao seu lado, estava sua faceta como pai. Ela jamais

poderia imaginar que o senhor Collingwood se revelasse um pai tão amoroso e dedicado, e o amor que

compartilhavam por Adam era o elo que os unia, quisessem ou não.

Depois de aplicar um novo cataplasma, o menino adormeceu novamente, sob o olhar

vigilante de seus pais. Acreditando que Tyler estivesse cansado, ela murmurou:

— Senhor Collingwood vá descansar, eu ficarei aqui com Adam.

— Você também precisa descansar, seu filho irá necessitar de você forte e atenta, e não

dormindo pelos cantos.

Ela esboçou um sorriso.

— Acredite-me, consigo cochilar sentada no divã e, quando amanhecer, a senhorita Graham

irá me render, enquanto me alimento e tomo banho.

— Se não incomodá-la, eu gostaria de ficar mais um pouco.

Edmée sentiu-se perturbada, mesmo assim, aceitou com um leve assentimento da cabeça.

Tyler sentou-se na cama de Adam e ela voltou para divã. Havia um livro aberto sobre a mesinha, mas ela

achou indelicado voltar a ler. Além disso, como ele permanecia quase completamente virado em direção

ao menino, ela pôde se dedicar a observá-lo à vontade. Seu perfil era firme, suas bochechas eram altas, e

o queixo bem definido. Era um homem escandalosamente bonito; ela não era absolutamente imune ao

seu atrativo. Engoliu saliva, e afastou o olhar no momento em que ele se virava para olhá-la.

— Edmée, reconheci Adam como meu filho.

Ela o encarou, extremamente surpresa.

— O que você fez?

— Reconheci-o como meu filho. Seu nome é Adam Alexander Collingwood.

Ela sentiu como seus olhos enchiam-se de lágrimas de emoção e gratidão. Procurando evitar

uma cena, assentiu com a cabeça.

— Muito obrigada, senhor Collingwood. — Mesmo querendo evitar, o tremor em sua voz

era evidente. — Isso significa muito para mim.

— Não precisa agradecer, afinal ele é meu filho.

— É verdade, porém, nem todos os homens em sua posição fariam o que você fez.

— Edmée, eu não sou como os outros homens, e seria bom se você se lembrasse disso.

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Ela não respondeu, sem saber como interpretar o comentário, e com a mente perturbada

pela incrível notícia. O fato de Tyler reconhecer Adam significava que ele confiava nela o suficiente para

admitir que o menino fosse seu filho e, o mais importante, protegia a criança com seu sobrenome

afastando-o das garras cruéis do barão Sanders.

* * *

A senhorita Graham lia enquanto vigiava o sono do pequeno Adam. Certamente, a senhorita

Gordon parecia esgotada, e ela estava certa que quase não havia se alimentado desde que o menino

adoecera.

Ela apreciava a senhorita Gordon verdadeiramente; tratava-se de uma mulher serena e

firme, possuidora de maneiras corretas e de conversa fácil. Apesar da simpatia que sentia para ela, não

podia evitar invejá-la. Não era comum que um homem pertencente à classe alta reconhecesse um filho

bastardo, e o tratasse com a deferência e o carinho que o senhor Collingwood demonstrava. Um gesto de

amargura curvou seus lábios. Quando percebeu que seus pensamentos dirigiam-se por caminhos que ela

jurou a si mesma esquecer a todo custo, fez um esforço tremendo para afastar esses pensamentos negros.

A chegada do senhor Collingwood aliviou sua tarefa.

— Bom dia, senhorita Graham. Obrigado pela gentileza em revezar com Edmée.

— Não precisa agradecer, senhor.

— Eu ficarei com ele agora. — Disse Tyler com um sorriso agradecido.

A senhorita Graham assentiu e saiu, porém lançou um olhar melancólico ao senhor

Collingwood, comparando-o a contra gosto com alguém que jurou esquecer para sempre.

* * *

Dois dias depois da visita do médico, a febre de Adam começou a ceder, e ele quase não se

queixava mais. Permanecia mais tempo acordado, e já se alimentava melhor. Edmée ficou apavorada

quando, ao retirar o cataplasma, verificou que escorria um líquido amarelado do ouvido de seu filho. Assim

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que o doutor Pemberley visitou Adam, ela perguntou a respeito, porém, ele a tranquilizou afirmando que

esse líquido era a causa da inflamação, e que o fato do organismo expulsá-lo, era um bom sinal. Mesmo

assim, ele recomendou o uso do cataplasma por mais uma semana.

Durante esses dois dias, Tyler esteve muito tempo com Adam, e o menino esperava suas

visitas ansiosamente, pois, seu pai lhe contava histórias que, mesmo sem compreender, eram divertidas.

Também mostrava livros cheios de ilustrações maravilhosas. O vínculo entre pai e filho se fortalecia

enquanto os sentimentos que Edmée nutria por Tyler se intensificavam cada vez mais.

Uma tarde, ele a surpreendeu ao dizer:

— Vista um caso sobre o vestido. Vamos a Rochester.

— Mas, senhor Collingwood, isso não estava previsto.

— Não repetirei o convite.

— O que faremos em Rochester? — Ela perguntou, irritada com seu tom autoritário.

— Quando chegarmos você verá.

— Não sairei daqui enquanto não souber aonde irei.

Tyler observou sua expressão obstinada, entre irritado e divertido. Não era habitual ver

Edmée carrancuda. Ele pensou que ela ficava linda quando se zangava.

— Está bem, mas você perderá todo o encanto da surpresa.

— Eu não gosto de surpresas.

— Quero que veja a grande festa de outono em Rochester.

— Festa de outono? — Edmée perguntou, fascinada a contra gosto.

— Sim: uma festa na qual os aldeãos celebram a colheita, e também acontece a feira anual

do gado. Há algumas distrações curiosas. — Percebendo o entusiasmo em sua voz. Em seguida,

acrescentou, — Sempre ao estilo rústico, é claro.

— Oh, Tyler! Eu adoraria ir, mas Adam não pode ficar sozinho.

— Já me ocupei disso. Não se preocupe, ele ficará bem. Além disso, você sabe que ele não

teve mais febre desde ontem, e sua recuperação é evidente.

Ao perceber certa reticência no olhar feminino, acrescentou:

— Será bom para você. Quantas vezes você saiu de Riverland Manor desde que chegou?

— Na verdade, nenhuma.

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— Está vendo? Vamos. — E, acrescentou as suas palavras uma sonora palmada no traseiro

de Edmée, que lançou um grito baixo de surpresa. — Espero por você aqui em quinze minutos.

Alvoroçada como uma menina, Edmée subiu a escada e, em seu quarto, decidiu trocar o

vestido. Além do que usava, possuía mais dois, um prático e simples e outro um pouco mais elegante. Com

um decote quadrado, e ajustado até quase a metade do quadril, sabia que era muito favorecedor. A suave

cor arroxeada do vestido, destacava seus olhos cinza. Colocou um xale sobre os ombros. Lançou um último

olhar ao espelho, e desceu sentindo-se estranhamente nervosa. Deu-se conta que era o primeiro encontro

de sua vida. O pensamento provocou um sorriso, que Tyler viu.

Durante alguns segundos a contemplou em silêncio, maravilhado pela beleza desse rosto,

incapaz de pronunciar uma palavra, como se estivesse diante de uma deusa a quem deveria reverenciar.

Em seguida, quando reparou no sorriso travesso que pairava em seus lábios, perguntou:

— O que é tão engraçado?

— Oh, senhor Collingwood! Acabo de perceber que, apesar de meus vinte e dois anos e de

ser mãe de um menino, este é o primeiro encontro da minha vida.

A afirmação de Edmée era surpreendente e agradável ao mesmo tempo. Sem conseguir se

controlar, agarrou-a pela cintura, e depositou um beijo suave sobre seus lábios.

— Tentarei, com todas as minhas forças, fazer esse seu primeiro encontro memorável.

Edmée engoliu saliva ao observar o olhar intenso de Tyler sobre ela. Um calafrio de

antecipação percorreu seu corpo.

O caminho ao povoado foi feito em um tílburi, uma carruagem rápida e aberta que permitia

que Tyler lhe mostrasse todos os lugares por onde passavam. Pouco mais de meia hora, chegaram ao

povoado.

Edmée contemplava admirada a agitação, e a alegria dos habitantes do povoado, sem notar

que era observada por Tyler com a mesma fascinação que ela dedicava a tudo que a rodeava. Corada pelo

prazer, desfrutava de tudo que ele mostrava: o gado em exposição na feira, as tendas que vendiam doces

a base de mel, de gengibre, e maçãs assadas. Havia algumas carroças ciganas que ofereciam poções contra

a calvície, contra o mal de amores, contra a dor de dente. Ela passou momentos divertidos lendo os rótulos

e comentando sobre eles com Tyler, completamente à vontade.

Ele mostrava-se solícito e atencioso, não soltava seu braço e, sempre que seus olhares se

encontravam, ele a estava observando com um sorriso nos lábios. Edmée se permitiu fantasiar que Tyler

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correspondia plenamente aos seus sentimentos. Era uma esperança vã, mas não fazia mal a ninguém,

possivelmente apenas a ela.

Quando ele viu que ela admirava um belo pingente com uma meia lua azulada, comprou-o

imediatamente.

— Oh, senhor Collingwood! Não posso aceitar.

— É claro que pode; pode e aceitará.

— Mas, não era necessário, não deveria se incomodar. — Olhou com intensidade em seus

olhos azuis e exclamou com veemência. — Você já nos deu muito!

— Acredite-me, Edmée, eu daria muito mais.

— Ora, Tyler!

A exclamação os sobressaltou. Voltaram-se na direção da voz. Com o braço erguido como

saudação, Louis, André e William, o filho do juiz local, aproximavam-se sorridentes.

— Que surpresa, Tyler! — Exclamou Louis sorridente ao chegar junto a eles. Edmée

estremeceu ao ver seu rosto, em seguida o identificou como o homem que acompanhava o Tyler na noite

em que se conheceram, embora não pudesse ter certeza, pois outro homem idêntico estava ao seu lado.

— Então, ainda está em Riverland Manor? Pensei que havia partido para Londres.

— Sim, mas, como você pode ver, retornei.

— Não vai apresentar sua amiguinha?

Ao dizê-lo piscou um olho, e deu uma suave cotovelada em Tyler. Seus dois acompanhantes

sorriram também, e se aproximaram mais deles.

Tyler esboçou uma careta de desagrado.

— Ela não é minha amiguinha, é a senhorita Gordon.

— Oh, sim! Claro. — Louis pareceu não notar o desagrado na voz de Tyler, e continuou

sarcástico. — A senhorita Gordon, é claro. — Girou para ela, pegou sua mão e, com uma profunda e

zombeteira reverência, perguntou, — Tudo bem, senhorita Gordon?

Edmée sentia-se profundamente constrangida, notava a tensão em Tyler, mas não sabia o

motivo. Por isso, sua voz soou hesitante ao responder:

— Bem, obrigado, e você?

— Oh, muito bem, embora não tão bem acompanhado como Tyler, pelo que posso ver.

— Já chega, Louis.

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— Está bem, amigo! Nunca o vi tão possessivo com uma de suas pombinhas.

— Ela não é minha pompinha! — Tyler lançou-se sobre seu amigo, e o agarrou com força

pelo colarinho de sua camisa, enquanto o outro, aniquilado, observava boquiaberto. — Ela é a mãe do

meu filho, e seria bom se você se lembrasse disso.

— Acalmem-se, por favor. — André, muito menos impulsivo que seu irmão, pôs uma mão

sobre o braço de Tyler, e o encarou com intensidade. — As pessoas estão olhando, um escândalo não seria

bom para a senhorita Gordon.

Collingwood engoliu saliva e, obrigou-se a se acalmar. André tinha razão: uma briga em

público degradaria Edmée. Lentamente, soltou a camisa do outro Fergusson e, pela primeira vez em sua

vida, o peso de seu passado lhe pareceu repulsivo.

Louis o olhava atônito, enquanto ajeitava sua camisa.

— Sinto muito, Tyler, eu não sabia. Por favor, senhorita, aceite minhas desculpas.

Edmée limitou-se a assentir, impressionada e constrangida pelo acontecido. Tyler puxou-a

pelo braço e, murmurou:

— Voltemos para casa; está anoitecendo.

Capítulo 11

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103

Tyler estava na biblioteca conversando com Alexander. Fazia apenas uma hora desde que

havia retornado de Rochester com Edmée, e apenas agora a fúria que havia sentido ao ver tantos homens

babarem por ela e a confundirem com o que não era, estava passando. Era consciente que Louis não agira

de má fé, e que parte da culpa pelo acontecido era dele. De qualquer forma, a cena com os Fergusson, e

esse idiota do William que olhava para Edmée como um esfomeado olharia uma porção de salsichas,

embrulhava seu estômago.

Pretendendo livrar-se do mau humor que o episódio havia provocado nele, dirigiu-se à

biblioteca, esperando que Alexander estivesse lá. Os irmãos Collingwood adoravam esses momentos em

que ambos estavam a sós, e conversavam sobre tudo. O afeto que sentiam um pelo outro era mais que

evidente para qualquer um que estivesse diante deles.

— Como está Adam?

— Bem melhor, graças a Deus. A febre desapareceu completamente e, embora ainda

necessite do cataplasma, sua recuperação é evidente.

— Bom, isso é ótimo. Que tal um último brinde pela saúde de seu filho?

— Perfeito!

Tyler estava centrado na recuperação do menino. Os dias transcorridos desde sua chegada

foram angustiantes e, embora Edmée se dedicasse quase completamente aos cuidados com o menino, ele

havia insistido em revezar com ela para que pudesse descansar. A doença súbita do menino havia

conscientizado Tyler sobre o que era verdadeiramente importante na vida, e o que era irrelevante. O amor

por seu filho o amadurecera a força, e havia acrescentado mais esperança e felicidade a sua vida.

Ao terminarem o brinde, Tyler se despediu. Antes de deitar queria passar no quarto de

Adam, como fazia todas as noites.

A porta do quarto estava entreaberta. Ele ficou parado alguns minutos observando a cena

diante de seus olhos. Adam estava dormindo de barriga para cima, com os bracinhos sobre a cabeça em

uma postura de abandono que demonstrava estar profundamente adormecido. Ao seu lado, Edmée

dormia no divã, com a bochecha apoiada sobre a mão direita. Sobre seu peito ele distinguiu o pingente

que havia comprado, e esboçou um meio sorriso. Supôs que a agitação da feira a esgotara. Um sentimento

de ternura o invadiu. Uma revelação poderosa invadiu sua mente: neste quarto estava o que mais amava

na vida.

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Lentamente, aproximou-se de Adam, e o beijou na testa, feliz ao perceber a pele morna,

sem sinal de febre. Em seguida, virou-se para Edmée a pegou nos braços.

— O que houve?

— Shh! Você está esgotada, vou levá-la para o seu quarto para que descanse.

— Mas Adam precisa de mim.

— Ele está bem, esta noite uma criada ficará com ele, você precisa descansar.

Edmée quis protestar, porém, estar entre os braços de Tyler a deixava sem palavras. Sentia

a força desses braços, a linha viril do seu queixo, o aroma de seu perfume, e a proximidade de seus lábios

delineados. O coração começou a se agitar dentro do peito.

Por sua vez, Tyler lutava contra a ânsia de beijá-la. Sentia a respiração de Edmée contra seu

pescoço. Ela era suave, e ele morria de vontade de se afundar em seu corpo, e reclamá-la como sua.

Quando chegou ao quarto, ele a soltou e permitiu que escorregasse até o chão suavemente,

e a fricção deliciosa desse gesto foi muito para ele. Não pôde evitar atraí-la para si, e apoderar-se de sua

boca com voracidade, enquanto procurava penetrar nela com sua língua. Quando ela o recebeu com a

mesma paixão, percebeu que estava perdido, e abandonou sua intenção de lutar contra o que sentia.

Edmée era incapaz de pensar, seu corpo estava totalmente receptivo, desejoso das carícias

e dos beijos do homem que havia roubado sua alma. Sentia vontade de rir de felicidade e de prazer. Nunca

se sentira mais viva do que quando ele a tinha entre os braços.

Beijaram-se com um frenesi desesperado. Tyler acariciou seus seios, e pressionou seus

mamilos com os polegares, provocando um intumescimento, implorando por mais carícias. Edmée sentia-

se perturbada pela excitação. Quando ele a deitou sobre a cama, deixou escapar um gemido profundo.

Ele começou a despi-la, com rapidez e perícia, parando apenas para beijar a pele

descoberta. Quando, finalmente tirou suas meias, afastou-se e a observou.

— Você é muito mais bela do que eu me lembrava.

Edmée corou, pelo elogio e também por vergonha de estar totalmente exposta ao olhar

ardente dele. Lentamente, sem desviar o olhar, ele começou a tirar sua própria roupa, enquanto a moça

observava entusiasmada, admirada pelo seu corpo firme e bem proporcionado.

Quando Tyler estava completamente nu, deitou-se sobre ela, apoiado em seus antebraços.

Ele sentiu uma onda de prazer quando os mamilos eretos de Edmée roçaram seu peito.

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105

— Todos esses dias, desejei estar com você desesperadamente. Diga-me que também me

deseja.

— Sim, Tyler, sim, desejo-te com todo o meu ser.

— Houve muitos depois de mim?

Ao escutar a pergunta, ela se esticou, e ele se amaldiçoou em silêncio, enquanto cobria seu

rosto com beijos ardentes.

— Perdoe-me, Edmée, o maldito ciúme não me deixa pensar claramente.

— Nunca houve ninguém além de você.

Ele esboçou uma expressão de alegria, e se apoderou de sua boca. Em seguida, desejando

provar seu sabor, abaixou a cabeça e lambeu suavemente os mamilos com a língua, passando a sugá-los

quase imediatamente. Edmée gemeu e se arqueou. Nesse momento, ele aproveitou para acariciar o ponto

entre suas coxas. Ao verificar que estava úmida e quente, apertou os dentes, dominado por uma excitação

nunca experimentada; mesmo assim, utilizando toda a sua força de vontade, continuou lambendo os

mamilos enquanto a acariciava.

A tensão no corpo de Edmée, e os contínuos gemidos indicavam que ela estava a ponto de

alcançar o clímax. Sabia que não resistiria muito tempo sem ejacular como um adolescente, portanto,

separou suas coxas, e penetrou-a deixando escapar um gemido rouco de prazer ao sentir seu interior

quente apertando-se contra seu membro.

Nesse momento, ela soltou um grito agudo que demonstrava que acabava de chegar ao

orgasmo. Sem forças para resistir, começou a investir com energia e rapidez. Ela flutuava ao sentir como

uma onda de prazer dominava seu corpo, abraçada com força as costas de Tyler, mordia os lábios para

controlar o desejo de gritar o quanto o amava.

Finalmente, quando ele encontrou a liberação, afundou a cabeça no ombro de Edmée,

enquanto seu corpo, satisfeito até o infinito, estremecia contra ela. Em seguida, sem escolher as palavras,

apoderou-se de sua boca, e a beijou docemente.

— Agora compreendo que não foi um sonho, Edmée.

Ela quis perguntar a que se referia, porém, ele se retirou e a abraçou com força. Ela se

esqueceu de tudo que não fosse seus fortes braços rodeando-a.

* * *

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106

Tyler despertou com a tênue claridade do amanhecer, e seu primeiro sentimento, foi uma

sensação de euforia que percorria todo seu corpo. Junto a ele, respirando suavemente, e com uma bela

expressão de tranquilidade no rosto, estava Edmée.

Ele estava cansado de lutar contra seus sentimentos, negá-los era um desgaste emocional,

principalmente depois de ter feito amor com tanta paixão. Encantado, acariciou o ombro dela suavemente

enquanto as imagens da noite anterior voltavam a sua mente para deleitá-lo. Nunca tivera uma

experiência semelhante com outra mulher, jamais havia desejado alguém com tanta intensidade.

Continuava desejando-a com todas as suas forças. Apenas o receio de ser descoberto, impediu que a

tomasse de novo.

Devagar, saiu da cama, vestiu a calça e a camisa, e dirigiu-se descalço para a porta. Antes

de fechá-la, observou como Edmée se remexia entre os lençóis, e um de seus seios ficou descoberto.

Apertou a porta com tanta força que os nódulos ficaram brancos, e desviou o olhar rapidamente, pois se

continuasse observando-a não seria capaz de partir.

* * *

Duas horas mais tarde, ele estava no salão do café da manhã, limpo e completamente

vestido com seu traje de montar. Desejava profundamente ver Edmée, mas antes, precisava pôr suas

ideias em ordem. Tudo havia mudado entre eles, ele era incapaz de tratá-la com o desdém que pretendia

até esse momento, pois agora, estava consciente que precisava dela ao seu lado.

Depois de servir-se de frutas, e uma xícara de café, sentou-se a mesa completamente

sozinho, porque ainda era cedo. Nesse momento, apareceu o senhor Lang e após lançar um rápido olhar

aos criados encarregados de servir o café da manhã, fez uma breve reverência em sua direção.

— Senhor Collingwood, há uma mensagem para você.

— Uma mensagem? Chegou agora?

— Na verdade, o mensageiro chegou ontem à noite de Londres, mas não nos disse que era

urgente, e preferi não incomodá-lo.

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Tyler assentiu intrigado, e o homem estendeu uma bandeja com um envelope marfim.

Abriu-o. Ao distinguir a letra miúda do senhor Eaglen, esboçou uma careta severa.

— Senhor, espero não ter causado nenhum contratempo ao esperar até hoje para entregar

a mensagem.

Tyler o olhou distraído. Ao captar o sentido dessas palavras, tranquilizou o mordomo.

— Não se preocupe senhor Lang, não é nada urgente.

O homem se retirou, enquanto Collingwood abria a nota, mais consternado do que o normal

nessa situação. A mensagem do administrador anunciava que, finalmente, havia descoberto quem era a

senhorita Gordon.

Todo o seu apetite desapareceu nesse momento. Com surpresa, descobriu que não

desejava saber nada sobre o passado de Edmée, pois nada mudaria seus sentimentos por ela. Essa carta

estava atrasada, já que nada nem ninguém poderiam separá-la dele.

Durante alguns minutos, lutou contra o desejo de ignorar as informações do senhor Eaglen.

Mas, se não tomasse conhecimento do que o detetive havia investigado, a sombra da suspeita sempre

estaria entre eles.

Com um suspiro resignado, levantou-se da mesa, e se dirigiu ao quarto para mudar de

roupa. Partiria essa manhã para Londres, e acabaria de uma vez por todas com suas dúvidas.

Meia hora mais tarde, dava instruções ao senhor Lang que preparasse a carruagem de

quatro portas. Informou-lhe que estaria fora por dois dias. Sem perceber, entretanto, que Lisa, com um

enorme fardo de toalhas de mesa para guardar, havia escutado seu pedido, e um sorriso cínico pairava em

seus lábios.

* * *

— Senhorita Gordon, senhorita Gordon, acorde!

Edmée se remexeu na cama, enquanto lutava para abrir os olhos. Uma moleza associada a

um bem-estar incomum impediam que despertasse completamente. Ao mover-se sob o cobertor, sentiu

o roçar dos lençóis macios contra suas pernas nuas, e as lembranças da noite passada entre os braços de

Tyler, a fizeram sorrir antes de abrir os olhos.

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Então, deu-se conta de duas coisas. A primeira era que não estava sozinha, e a segunda era

que a pessoa que estava inclinada sobre ela não era quem esperava.

— Cornélia.

— Bom dia, senhorita Gordon, perdoe-me por importuná-la, mas já passa das dez e o

pequeno Adam está acordado, e perguntando por você.

— Dez! — Ela se dispôs a sair da cama, horrorizada por ter dormido tanto tempo, porém,

lembrou-se que estava completamente nua. Tentando esconder esse problema, respondeu com a voz mais

tranquila que pôde. — Obrigada, Cornélia, já estou indo.

— Oh, senhorita Gordon, parte o coração ouvi-lo chamar por você e seu pai. —A identidade

do pai de Adam não era segredo em Riverland Manor. O próprio senhor Collingwood havia comentado

com o senhor Lang seu desejo que o menino fosse tratado como um membro da família.

Edmée esboçou um ligeiro sorriso e, sem ouvir o choro de Adam, perguntou:

— O senhor Collingwood está com Adam neste momento?

— Não, senhorita, ela está com a condessa e seus filhos. O senhor Collingwood partiu há

uma hora para Londres.

Inconsciente da perturbação que havia provocado na moça, Cornélia saiu do quarto sem

acrescentar mais nada. Edmée levantou-se, asseou-se na bacia, e se vestiu rapidamente enquanto pensava

sobre a partida repentina de Tyler. Estava ansiosa por vê-lo esta manhã para ter a certeza que o que havia

acontecido entre eles era tão importante para ele quanto para ela, que não tinha interpretado mal as

sensações maravilhosas que suas ações e suas palavras haviam despertado.

Enquanto se amavam, Edmée havia identificado um sentimento mágico e especial que

parecia uni-los. Ela sentira que era profundamente desejada e adorada. Tyler não havia economizado

gestos, palavras ou carícias para demonstrar. Ao despertar e não encontrá-lo, a dúvida e a incerteza se

apoderaram dela e, enquanto se dirigia ao quarto de seu filho, perguntou-se se tudo o que havia sentido

não seria mais um desejo de tornar suas fantasias em realidade.

— Bom dia, milady.

— Senhorita Gordon! Olhe que menino sapeca é esse seu filho. — Edmée dirigiu um olhar

carinhoso ao chão coberto por um tapete onde Adam, sentado junto aos seus primos, parecia absorto nos

animais de madeira que os meninos moviam. O pequeno nem reparou na sua chegada, completamente

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concentrado nas brincadeiras de Robert e Christie. — Alvoroçou a casa toda com seu choro, e assim que

começou a brincar se esqueceu de tudo.

— Meu atraso é imperdoável. Sem dúvida, ele está faminto.

— Ora! Se estivesse com tanta fome, estaria gritando. — Ao levantar-se da poltrona que

ocupava, acrescentou, — De qualquer maneira, Christie e Robert devem estudar.

— Muito obrigada por fazer companhia a Adam, milady.

— Oh, você sabe que é um prazer. Se não estivesse esperando a visita da minha boa amiga,

a senhora McDonald, ficaria aqui enquanto o amamenta e conversaríamos mais um pouco. No entanto,

você poderia tomar o chá conosco, eu gostaria muito de apresentar você e Adam a ela.

Edmée hesitou antes de responder. A maneira como os Collingwood a receberam era, no

mínimo, impressionante. Nas famílias aristocráticas, não era comum dispensar um tratamento tão

diferenciado à mãe de um filho ilegítimo de um de seus membros. Ela reconhecia, depois do tempo

passado junto a eles, que o conde e a condessa de Kent eram especiais, muito bondosos e simples, e

desprovidos da altivez e do esnobismo que predominavam em sua classe social. Mesmo assim, o fato da

condessa pretender apresentá-la as suas amizades era, no mínimo, inapropriado. O que a senhora

McDonald pensaria?

— Acho que não é uma boa ideia devido às circunstâncias.

Gabriele a olhou com certo desgosto.

— Ora, você não é nem mais nem menos que a mãe de meu sobrinho, apesar de não estar

casada com meu cunhado, ele reconheceu o menino, não é mesmo?

— Sim, senhora, mas não é comum que uma mulher que foi amante de um homem — “e

continua sendo”, ela pensou, recordando o acontecido na noite anterior. — Sem estar casada, mantenha

contato com as damas.

— Você, pelo que me consta, é uma dama, e garanto que a senhora McDonald não dará

nenhuma importância a isso, assim como eu.

Edmée não quis insistir mais, e assentiu engolindo saliva.

— De acordo, milady.

Enquanto amamentava o bebê, ela pensava na partida repentina de Tyler. Não sabia o

motivo de sua partida, e estava desiludida. Esperava… Não saberia dizer com exatidão o que esperava,

mas, certamente, não uma reprise do ocorrido entre eles na noite em que se conheceram.

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Por alguns instantes, a possibilidade de uma vingança por parte dele, passou por sua cabeça,

mas, em seguida, obrigou-se a desprezá-la. Apesar do tratamento que havia dispensando a ela

anteriormente, reconhecia em Tyler uma nobreza e uma sinceridade que não correspondiam com atitudes

tão mesquinhas. De qualquer forma, a semente da dúvida resistia a abandonar sua mente.

* * *

Depois de limpar e vestir Adam, decidiu acomodar-se na poltrona com o livro que estava

lendo, mas, o livro estava esquecido em seu quarto. Hesitante, olhou o menino que brincava com seus

animais de madeira que Robert, amavelmente, havia emprestado. Seria agradável dar um passeio pelo

jardim, apesar do céu nublado e da ameaça de chuva, mas não queria expor o pequeno ao frio ainda, muito

menos pedir a alguém que ficasse com ele enquanto ela saía. Ponderou que nada aconteceria ao menino

durante poucos minutos que levaria para pegar o livro, portanto, saiu rapidamente.

O azar a fez dar de cara com Lisa. A criada não conseguia se livrar do ressentimento que

sentia. Nunca se iludira a respeito de Tyler porque jamais acreditou que uma mulher pudesse apanhá-lo.

De repente, por essa mulher insignificante, não apenas lhe disse que não queria voltar a vê-la, mas ainda

aceitou seu filho bastardo e permitiu que ela morasse na residência como se fosse uma grande dama ao

invés da puta ambiciosa que era na realidade. Sem titubear, decidiu lançar um dardo envenenado com a

esperança que sua intuição fosse certeira e acertasse na mosca.

— Ora, ora! Sozinha de novo, senhorita Gordon.

— Não entendo a que se refere.

— Eu acredito que sim. O senhor Collingwood partiu esta manhã na primeira hora. Está

claro que não há nada aqui que seja suficientemente interessante para ele. Talvez, estivesse aborrecido,

e resolveu voltar para Londres onde, certamente, não faltam diversões, se é que você me entende. —

acrescentou com uma piscada.

— Saia do meu caminho!

— Não se zangue comigo, e aceite um conselho. Apesar de toda a atenção que ele possa

proporcionar na cama e, acredite-me, sei do que estou falando – seria bom você não criar expectativas

sobre ele. Não é homem de uma mulher só. Irá enlouquecê-la com carícias e beijos, mas, assim que outra

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mulher cruzar seu caminho, não hesitará em persegui-la. Existem homens que não podem evitar sua

natureza.

Furiosa, e mais ferida do que estava disposta a admitir diante dessa mulher maliciosa,

Edmée se esquivou, e partiu para o quarto de seu filho, já sem qualquer desejo de ler, enquanto uma

amargura como o fel subia pela sua garganta.

A imagem dessa mulher na cama com Tyler era muito dolorosa para sequer considerá-la.

Mas, estava certa que a criada não mentia, ela mesma vira os dois abraçados em uma situação

comprometedora. De repente, pensar que o que havia significado tanto para ela, nada significava para

Tyler, parecia insuportável.

Como era tola! Estava cheia de esperanças românticas apenas porque fizeram amor. Havia

ignorado a prudência e a razão. Havia suposto erroneamente que o acontecera entre eles era especial.

Reprimiu as lágrimas de humilhação e derrota; disse a si mesma que jamais se entregaria a um homem

que a considerava apenas mais uma, embora não soubesse como conseguiria resistir ao imenso desejo

que Tyler despertava nela.

Capítulo 12

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Betty McDonald desceu da carruagem que a levara a Riverland Manor acompanhada de

seus filhos, Gillian de cinco anos e Harold de três. Na porta da residência Gabriele a esperava, sorridente.

— Gabriele! — A vivaz Betty apressou os últimos metros que a separavam de sua amiga e

ambas se abraçaram.

— Que alegria vê-la! — Separando-se de sua amiga, mas sem soltar seus braços, observou-

a com carinho. Betty McDonald era uma mulher de traços harmoniosos, um pouco mais baixa que ela, e

esbelta. Seu cabelo era negro, e os olhos azuis. — Deixe-me ver seus filhos.

Atrás de Betty, os meninos esperavam, pacientemente que as duas mulheres se

abraçassem, embora desejando ir ao encontro de Robert e Christie, para retomar suas aventuras no ponto

exato onde as deixaram na última vez.

— Gillian! Harold! Quero um abraço! — Os meninos se aproximaram e deixaram-se abraçar.

— Como cresceram e estão fortes! Lá dentro há bolachas para os meninos recém-chegados, feitas pela

senhorita Gordon.

Os meninos lançaram um rápido olhar a sua mãe e, ao obter seu consentimento, entraram

correndo pela mansão, tropeçando com os criados que descarregavam a bagagem.

— Vamos entrar Betty, é maravilhoso que o senhor McDonald tenha permitido uma visita

longa.

Enquanto se acomodavam na sala de estar, as amigas tagarelavam sobre trivialidades,

felizes por estarem juntas novamente. Apesar de viverem no mesmo condado, as diversas obrigações

impediam visitas mais frequentes. Essa seria uma ocasião especial, pois, Betty ficaria alguns dias em

Riverland Manor, e ambas estavam dispostas a desfrutar de cada minuto juntas.

Enquanto a senhora Harrison trazia o serviço de chá acompanhado de bolachas com

cobertura de aspecto delicioso, Betty explicou os motivos pelo quais seu marido havia permitido sua

permanência em Riverland Manor.

— Na verdade, Kyle parte para Edimburgo amanhã. — Ao ver o olhar de curiosidade de

Gabriele, Betty explicou, — Seu pai mandou chamá-lo, aparentemente, está à beira da morte.

— Oh, sinto muito. — interrompeu Gabriele.

Com um gesto de mão, a convidada minimizou a importância disso.

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— Você sabe que Kyle quase não mantinha contato com seus pais. Desde muito jovem

cuidou de sua irmã e, como ele mesmo diz, fugiu de seu lar, onde tinha certeza que ele e minha cunhada

acabariam loucos. Mesmo assim, é seu pai e ele não pode ignorar a chamada.

— Isso explica sua visita prolongada.

— Sim.

Ambas se observaram com um brilho de entendimento no olhar e sorriram. A

transformação de Kyle McDonald de solteiro convicto a um pai de família amoroso havia surpreendido a

todos que o conheciam, especialmente a Betty, que suspirara por ele em segredo, e sem esperanças

durante muito tempo.

— Hum! Estas bolachas estão absolutamente deliciosas.

— Foi a senhorita Gordon que fez.

— A senhorita Gordon?

Gabriele tomou um gole de chá antes de responder, prolongando o momento de explicar a

Betty quem era a jovem em questão. Conhecia sua amiga suficientemente bem para estar certa sobre sua

ausência de preconceitos e falsa moral, mas, de qualquer forma, a notícia seria uma surpresa, e ela

procurava a melhor maneira de explicar a situação.

— Betty, há algo que você deve saber: Tyler tem um filho.

Durante alguns segundos Betty a olhou estupefata, como se sua mente se recusasse a

registrar a informação que Gabriele acabava de proporcionar.

— Um filho? Mas… — Calou-se ao entender as implicações do que Gabriele lhe dizia —

Refere-se a um filho ilegítimo.

— Poderia dizer que sim, mas meu cunhado reconheceu o menino, e ele está vivendo aqui,

em Riverland Manor.

Betty abriu a boca e a fechou em seguida, tentando disfarçar o espanto que sentia, mas era

incapaz de fingir, e não pôde aguentar.

— Mas, mas, isso é muito estranho! Tyler com um filho, jamais teria imaginado.

— Você se surpreenderá ao ver o bom pai que se tornou. Adora o seu bebê. Na verdade,

todos nós o adoramos. O menino é o retrato de Tyler, e encheu todos de alegria.

— Meu Deus, Gabriele, é absolutamente surpreendente pensar nele como pai.

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— Por que se surpreende tanto? Já o viu com o Robert e Christie, e inclusive com seus filhos.

Sabe que ele adora crianças.

— Não é isso o que me espanta, mas o fato de ele estar com uma mulher o tempo suficiente

para conceber um filho.

— Bem, parece que tudo aconteceu em uma única noite.

Betty a olhou com o assombro refletido no olhar.

— Não me diga que a mãe de seu filho é uma… uma… bem, já entendeu.

— Não, Betty, não é uma rameira. De fato, a mãe de seu filho é a nossa querida senhorita

Gordon.

— A que fez as bolachas?

Gabriele assentiu.

— Quer dizer que ela mora aqui?

— Sim. — Deixou que Betty assimilasse a notícia; em seguida, acrescentou, — Por vontade

de Tyler.

Depois de alguns segundos em silêncio, a senhora McDonald, assimilando em sua mente a

incrível notícia que Gabriele lhe contara, perguntou:

— E o que acha sobre essa mulher dividir o mesmo teto que você?

— Na verdade, todos nós estamos encantados com a senhorita Gordon. Meu cunhado, mais

que todos.

Betty lançou uma alegre gargalhada.

— Está tentando me dizer que finalmente Tyler se apaixonou?

— Tenho certeza que sim, embora seja provável que nem ele mesmo saiba.

— Oh, Gabriele, não sabe quanto me alegro pelo seu convite. Será muito divertido ver como

Tyler, que sempre fugiu do amor como da peste, se comporta com sua querida senhorita Gordon.

— Não sei se divertido é a palavra certa; acho que é desconcertante observá-lo perder o

controle que o caracteriza.

— Por favor, apresente-me a ela. Uma mulher capaz de apanhar Tyler Collingwood deve

ser, no mínimo, especial.

* * *

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Finalmente sozinha, na tranquilidade íntima do seu quarto, Edmée se dispôs a repassar os

estranhos acontecimentos do dia. As palavras cruéis de Lisa ainda afetavam seu humor e, mesmo

consciente que não eram mentiras, a maldade da moça a incomodava profundamente. Decidiu evitá-la na

medida do possível.

Sua mente voltou às lembranças do acontecido entre ela e Tyler nesse mesmo quarto na

noite anterior. Afundou o rosto no travesseiro e suspirou como desejando sentir um resquício de seu

aroma. Resistir ao que sentia por ele seria extremamente difícil, mas não havia outra saída se quisesse

manter a dignidade medianamente intacta. Não duvidava que Tyler a desejasse, mas não tinha dúvidas

que logo se cansaria dela, assim que outra mulher cruzasse seu caminho.

Enquanto se despia, pensou no surpreendente encontro com a senhora McDonald. Tal e

como Gabriele afirmara, a mulher parecia isenta de preconceitos tanto quanto ela mesma. Mostrou-se

encantada ao conhecê-la, e havia elogiado suas bolachas. Em seguida, quis conhecer seu filho e, ao vê-lo,

havia exclamado:

— Meu Deus! É a cara de Tyler!

Edmée havia ruborizado ao ouvir seu comentário, apesar de supor que a condessa já havia

contado toda a história.

— Sim. — Ela afirmou meio receosa.

— Oh, querida, é maravilhoso, era o que o mais jovem dos Collingwood precisava.

Edmée sentiu que uma parte de seu receio desaparecia ouvindo a desconcertante

exclamação da senhora McDonald, mas não teve oportunidade de perguntar por que havia dito isso. Lady

Collingwood mudou de assunto, e a conversa tomou outro rumo.

Enquanto se deitava pensava que sua vida atual era quase perfeita. Sentia-se querida, e seu

filho se transformou no centro da casa; todos, do conde até os criados, mimavam-no e lhe faziam carícias.

Com tanto carinho e cuidado, seu filho crescia cada dia mais feliz. Ela tinha muitos motivos para se sentir

feliz. Por isso, não entendia a tristeza e a melancolia que experimentava, nem a vontade de chorar que

não podia reprimir.

Um resquício do aroma de Tyler invadiu suas narinas, e a fez gemer de desespero. Onde ele

estaria nesse momento? O que estaria fazendo? Será que já encontrara outra mulher para substituí-la?

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Era consciente que esse tipo de angústia a aguardava se decidisse continuar pelo caminho que haviam

iniciado na noite anterior. Para ele, ela era apenas mais uma, enquanto que, para ela, ele era tudo.

* * *

Tyler tentou, com todas as forças, esconder suas emoções por trás de uma máscara de

indiferença. Diante dele, o senhor Eaglen acabava de se sentar, e de tirar a caderneta de notas que sempre

levava consigo.

— Senhor Collingwood, deixe-me esclarecer que o detetive que contratamos informou

detalhadamente cada passo dela, caso você esteja interessado em um relato cronológico dos fatos.

— Não será necessário, se eu quiser saber algum detalhe específico, perguntarei. Limite-se

a informar o que descobriu.

— Bem, embora pareça mentira, a senhorita Gordon manteve seu nome verdadeiro. Edmée

Gordon foi a criada pessoal da baronesa Sanders, chamada Vermell de solteira.

— Conheço sir Sanders.

— Aparentemente, a jovem fugiu na mesma noite em que a baronesa morreu.

Um punho de aço pareceu espremer as vísceras de Tyler. Inclinou-se para diante em sua

cadeira.

— Você está dizendo que ela teve alguma coisa a ver com a morte da baronesa?

— Parece que não. Conforme determinou o médico, a baronesa morreu por causas naturais,

sua saúde nunca foi muito boa.

Tyler não pôde evitar que um suspiro de alívio escapasse de sua boca. Pensar que sua doce

Edmée pudesse ser uma assassina. Não, era impossível.

— Mesmo assim, — Prosseguiu o senhor Eaglen — Não deixa de ser curioso que escapasse

justamente nesta noite.

“E, além disso, encontrava-se aterrorizada, se, como suspeito, tudo ocorreu na noite em que

a conheci”, pensou Tyler.

— O detetive falou com sir Sanders?

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— Não, senhor. Tal como você solicitou a investigação foi sigilosa, tentando envolver o

menor número de pessoas possível.

Tyler assentiu, e se ajeitou no sofá, visivelmente mais tranquilo.

— Então, como ele descobriu tudo isso?

— Uma vez descartada a hipótese de ser alguma das damas de sociedade que

desapareceram de suas casas durante esse período, dois casos de suicídios, uma fuga e um assassinato –

ele dirigiu-se a delegacia de polícia e pediu para verificar os arquivos de pessoas ainda desaparecidas. —

O senhor Eaglen continuou depois de pigarrear — É claro, essa informação acrescentou um gasto extra à

investigação.

— Sem problemas. — Assentiu Tyler com indiferença.

— Um dos desaparecimentos denunciados coincidia com a descrição da senhorita Gordon.

— Quem a denunciou?

— Foi um criado, senhor; um lacaio da residência do barão.

O ciúme, ardente e implacável, afetou-o por alguns segundos, até que recordou que Edmée

chegara pura até ele. Mesmo assim, sua voz soou dura ao perguntar:

— O detetive conversou com esse criado?

— Sim, esteve vigiando-o, e o abordou em uma de suas saídas.

— Que interesse ele tinha no desaparecimento de Edmée?

Se o senhor Eaglen notou como ele se referia a jovem, não disse nada, limitou-se a endireitar

os óculos que escorregaram de seu nariz.

— Aparentemente o rapaz sentia certo interesse amoroso pela jovem.

Tyler apertou os dentes; apesar de esperar essa resposta, não gostou de ouvi-la.

— Ele forneceu alguma pista do motivo da fuga da senhorita Gordon?

— Não, senhor, na verdade, ele contou à polícia que a senhorita Gordon e a baronesa eram

muito unidas, pois, foram criadas juntas.

“Isso explica suas boas maneiras”, pensou Tyler.

— Algo mais?

— Nada importante, senhor.

—Está bem, senhor Eaglen, você ficará para jantar?

— Sinto muito, mas tenho um compromisso.

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Tyler assentiu em silêncio, agradecido por não ter companhia essa noite.

— Você permanecerá muito tempo em Londres, senhor?

— Não, amanhã mesmo voltarei para Riverland Manor.

Depois de se despedir do senhor Eaglen, Tyler voltou a sentar-se na poltrona enquanto

passava a mão no queixo. As informações do senhor Eaglen esclareciam a identidade de Edmée, bem como

sua procedência, mas o motivo pelo qual fugia ainda permanecia oculto. Decidiu resolver o mistério no dia

seguinte; enfrentaria Edmée com as informações que possuía e a obrigaria a confessar a verdade. Faria

com que entendesse que com ele estava segura. Preferiria morrer a permitir que algo ruim acontecesse a

ela ou a Adam.

Satisfeito com sua decisão, se dispôs a jantar, querendo que o dia terminasse logo para que

pudesse retornar a Riverland Manor, junto a Edmée e seu filho.

* * *

Quando, finalmente, a carruagem parou diante da entrada principal de Riverland Manor,

Tyler desceu com um salto ágil, mas pouco elegante. Resmungava mal-humorado por causa do atraso

causado por uma roda quebrada e do horário tardio de sua chegada. Ele esperava chegar muito mais cedo;

nesse momento, todos estariam dormindo e sua conversa com Edmée teria que esperar até o dia seguinte.

Porém, sendo sincero consigo mesmo, conversar era a última coisa que passava por sua mente.

Ao passar pela Bond Street, não conseguira resistir o impulso de visitar uma das várias

joalherias situadas na rua elegante. Pensou que Edmée lhe dera muito e, sobretudo, concentrou-se na

imagem dela nua usando apenas uma joia, uma joia que ele lhe daria. Seria o primeiro dos muitos

presentes que pretendia dar, e por isso, deveria ser especial.

O senhor Winston, o dono da joalheria, veio atendê-lo pessoalmente. É evidente que

conhecia muito bem o senhor Collingwood, não apenas porque não era a primeira vez que comprava

alguma quinquilharia valiosa para uma de seus amantes, mas, principalmente, porque o sobrenome

Collingwood havia alcançado uma grande notoriedade nos últimos tempos pelo impressionante aumento

do patrimônio graças aos bons negócios que os irmãos sabiam fazer. Ambos eram membros muito

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respeitados da boa sociedade e, apesar de serem considerados distantes e levemente extravagantes, sua

presença em qualquer evento proporcionava um status elevado.

— Bom dia, senhor Collingwood, é um enorme prazer voltar a vê-lo.

— Senhor Winston, posso dizer o mesmo.

— No que posso servi-lo?

Nesse momento, Tyler percebeu que não sabia exatamente o que procurava. Estava

convencido que qualquer joia, por mais bela que fosse, empalideceria diante dos encantos de Edmée, mas

ao pensar que ela exibiria em sua pele uma peça escolhida por ele, produzia uma sensação poderosa difícil

de ser explicada.

— Eu gostaria de comprar um pingente, algo especial.

O senhor Winston lhe dedicou um sorriso conspiratório.

— Posso me atrever a perguntar se é para a encantadora senhora Bromfield?

Tyler fez um leve gesto de desconforto ao ouvir o nome de sua antiga amante. O senhor

Winston, sendo um homem de negócios muito hábil, soube interpretar o desagrado de um de seus clientes

mais notórios, e mudou de assunto rapidamente.

— Alguma pedra em especial? Possivelmente um rubi ou uma esmeralda.

— Há alguma pedra cinza? — Jamais encontraria nada parecido a fascinante cor dos olhos

de Edmée, mas, no mínimo, pretendia encontrar algo de uma tonalidade semelhante.

— Cinza? Deixe-me pensar um pouco. — O senhor Winston esfregou o queixo em um gesto

concentrado, tentando ganhar tempo rebuscando em sua memória. O cinza não era uma cor muito comum

para uma pedra preciosa, mas não queria perder a oportunidade de fazer uma boa venda. — Acabo de me

lembrar de que no ano passado recebi um estranho diamante bastante impuro, mas de um desconcertante

tom prateado. Possivelmente poderia interessá-lo.

— Eu gostaria de vê-lo.

O senhor Winston entrou no interior da loja e voltou alguns minutos depois, com uma caixa

grande e arroxeada entre as mãos.

— Aqui está! — No interior da caixa havia um estranho diamante cinzento em uma corrente

de ouro cujo engaste simulava duas mãos. Possivelmente, não brilhava como os diamantes deveriam

brilhar, mas, para Tyler parecia perfeito, pois recordava a cor dos olhos de Edmée quando ele a amava.

— Fico com ele.

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— Ótimo.

Nesse momento, enquanto entrava nas dependências de Riverland Manor, fantasiava com

a ideia de vê-la usando apenas o diamante, e gemendo entre os seus braços.

Ela lhe devia uma explicação: queria saber a verdade, por que estava fugindo, o que temia,

mas isso poderia esperar. Mais do que qualquer outra coisa ele precisava voltar a saborear sua pele,

abraçá-la, cheirá-la, e sentir que, finalmente, estava em casa.

Com este pensamento em mente, recusou o jantar que a sonolenta senhora Harrison

ofereceu, e subiu rapidamente a escada que levava aos quartos do andar superior, com o menor ruído

possível.

Em primeiro lugar, passou pelo quarto de Adam, ele dormia profundamente como qualquer

criança. Depositou um beijo breve e terno em sua testa e acariciou seus cachos dourados. Quando o amor

que sentia por seu filho invadiu seu peito, pareceu inacreditável que até poucos meses ele não fizesse

parte de sua vida. O desejo de ter compartilhado todos os dias da vida de Adam, encheu seu coração,

enquanto perguntava-se como Edmée cuidou de seu filho sozinha, sem a ajuda de ninguém. Queria

perguntar e ouvir de seus lábios como era sua vida antes. Sentiu uma pontada de ciúme ao se lembrar do

criado que a apreciava o suficiente para denunciar seu desaparecimento.

Estava ansioso por vê-la. Dirigiu-se ao seu quarto e, de repente, parou diante da porta,

indeciso. O que diria a ela? Ela perceberia o desejo que o dominava. Algo dentro dele rebelou-se ao

compreender o quanto se sentia transparente e indefeso. Hesitou por alguns segundos, pois, a imagem de

Edmée entre os seus braços, deliciosamente entregue, envolvida pela paixão tanto quanto ele, dominou

seus sentidos, e sua pouca resistência desapareceu.

Um leve sorriso curvou a comissura de seus lábios, quando girou o trinco que cedeu sem

fazer qualquer ruído. Permitiu-se por alguns segundos, fantasiar com a reação dela. Certamente, estaria

dormindo, e ele a despertaria com o ardor de seus beijos e carícias.

* * *

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121

Ao contrário do que esperava, Edmée estava acordada junto à janela, coberta dos pés ao

pescoço com sua virginal camisola branca, e com o cabelo solto emoldurando o pequeno rosto ovalado.

Ao ouvi-lo entrar, virou-se em direção a porta.

Adivinhando sua surpresa, Tyler pediu silêncio com um gesto, e fechou a porta lentamente

enquanto lutava para acalmar seus batimentos cardíacos, que o faziam se sentir como um adolescente.

— Edmée… — E, sem mais palavras a abraçou contra o peito, e se apoderou de sua boca,

penetrando-a com uma língua ansiosa enquanto, com as mãos, percorria cada curva de seu corpo.

Invadido pelo desejo feroz que sempre o atacava quando estava perto dela, levantou sua

camisola, e experimentou a suavidade de suas coxas até segurá-la pelas nádegas para esfregá-la contra

seu membro ereto.

Edmée gemeu, a ponto de perder a batalha contra suas sensações, quase vencida pelo

ataque sensual; mas, quando Tyler a elevava em seus braços para dirigir-se a cama, lembrou-se de sua

decisão de não se entregar a ele e, depois de lutar em silêncio, conseguiu que Tyler a soltasse, olhando-a

com surpresa.

— O que houve?

— Você precisa sair do meu quarto, senhor Collingwood. —Não pôde evitar que sua voz

soasse ofegante.

— “Senhor Collingwood”? — Tyler perguntou estupefato. — Ora, Edmée! Não me venha

com isso agora!

A jovem corou, contudo, continuou firme em sua postura.

— Não é correta sua presença aqui, alguém poderia vê-lo.

— A esta hora?

Quando ela assentiu, Tyler frustrado, agarrou-a pelos braços, e a obrigou a levantar a cabeça

para encará-lo.

— O que vem a ser tudo isso? Por que você está se comportando como se eu fosse um

desconhecido? — Soltou-a com impaciência, e afastou uma mecha que caía sobre sua testa, enquanto ela

o observava fascinada. — “Senhor Collingwood!” — imitou-a, com irritação. — Na outra noite não foi assim

que me chamou enquanto suplicava que a tomasse.

Edmée abafou um gemido, emocionada e envergonhada, mas incapaz de negar a verdade

dessas palavras. De qualquer forma, obrigou-se a enfrentá-lo com valentia. Seu corpo, seu coração e sua

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122

alma insistiam para que se entregasse que cedesse ao desejo e ao amor que sentia por ele, mas sua mente

estava resolvida a ganhar a batalha. Era a razão que avisava sobre o perigo de deixar-se levar pelos

sentimentos, e a razão nunca havia falhado.

— Senhor Collingwood, eu…

— Pare com isso! — Ele voltou a agarrá-la pelos braços, e a sacudiu com impaciência. —

Diga meu nome, maldição, como fez na outra noite!

— Solte-me! — Com um gesto brusco ela se soltou. Seus olhos revelavam faíscas de ira e

impotência. — O que fizemos na noite passada não é certo! — Um pouco mais tranquila prosseguiu,

enquanto retorcia suas mãos com nervosismo, e caminhava pelo quarto, evitando o olhar do homem. —

Foi um erro, jamais deveria ter acontecido. — Olhou-o nos olhos e, depois de encher-se da pouca coragem

que ainda restava, acrescentou, — Me arrependi profundamente pelo que aconteceu.

Tyler a olhava atônito, sem querer compreender o que ela dizia. Jamais uma mulher havia

dito que se arrependia por passar uma noite com ele, ao contrário, pareciam ansiosas por repetir a

experiência.

— Você queria tanto quanto eu.

Ela não tentou negar, seria um absurdo.

— Isso não muda nada, e ajuda a ratificar a opinião que você tem de mim.

— Do que diabos você está falando?

— Sabe muito bem a que me refiro. Você deixou bem claro o que pensava ao meu respeito

quando cheguei a Riverland Manor.

As bochechas de Tyler coraram levemente, tanto pela vergonha ao se lembrar da crueldade

com quem a tinha julgado, como pelo desconforto que sentia ao ser rechaçado por Edmée.

— Edmée é um absurdo, você sabe que…

O choro de Adam os interrompeu. Ela saiu correndo do aposento, enquanto Tyler a seguia

com o olhar, desconcertado, assustado, e muito humilhado pelo rechaço.

Quando entrou no quarto do menino, observou como Edmée embalava o bebê entre seus

braços. Em resposta ao gesto interrogante dele, ela respondeu:

— Deve ter acordado por causa de nossa conversa. Ficarei com ele até que se acalme.

Aliviada, observou como ele assentia em silêncio, e partia.

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Tyler caminhou cabisbaixo, lutando contra o desejo incontrolável de voltar junto a Edmée

e obrigá-la a aceitá-lo, e a desejá-lo como ele a desejava. Notou um objeto duro sobre seu peito. Quando

apalpou o bolso interior da jaqueta, encontrou o belo colar que havia comprado. Apertou os dentes com

amargura; retorceu a corrente de ouro até que se partiu entre suas mãos.

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Capítulo 13

As grandes olheiras que rodeavam seus olhos revelavam a péssima noite que havia

passado. Ela quase não pôde conciliar o sonho e, quando conseguiu, um terrível pesadelo a despertou,

aterrorizada.

Havia visto o olhar cheio de ódio do barão novamente, mas desta vez, de suas mãos escorria

sangue enquanto a perseguia. Ela corria aterrorizada e, ao longe, vislumbrava a figura familiar de Tyler.

Aliviada, corria em direção a ele, e no momento seguinte, era agarrada pelo cabelo. Então, Collingwood

desaparecia em meio à névoa.

O sonho terrível havia perturbado tanto que ela demorou algumas horas para sentir-se

segura outra vez, mas uma estranha sensação de fatalidade dominava sua emoções completamente, e ela

já não era capaz de distinguir se seu péssimo estado de ânimo era devido ao pesadelo, ou também ao fato

de ter rechaçado os avanços de Tyler.

Durante as horas que se seguiram ao encontro, arrependeu-se mais de uma vez por tê-lo

rechaçado. Dizia a si mesma que era uma tola por não aceitar o pouco que obteria dele, porém, em seguida

considerava que havia agido da maneira mais sensata se quisesse evitar o sofrimento quando ele a

abandonasse por outra mulher. Por outro lado, sabia que, apesar de não se entregar a ele, esse sofrimento

não seria evitado, e então voltava a repetir: “Por que não desfrutar desse momento?” Jamais seus desejos

estiveram em confronto com seu sentido de correção. A dúvida ameaçava enlouquecê-la, por isso,

resolveu parar de pensar na oportunidade perdida junto a Tyler.

Mas, em seguida, ele voltou a ocupar seus pensamentos.

Ela acabava de preparar algumas bolachas deliciosas, quando, ao sair da cozinha, foi

interceptada pelo senhor Lang.

— Senhorita Gordon.

— Senhor Lang. — Ela respondeu com uma ligeira reverência.

O mordomo parecia constrangido, embora suas feições não se alterassem. O papel da

senhorita Gordon na casa era muito ambíguo. Não era um membro da família, mas tampouco, uma criada,

embora cuidasse das crianças junto à senhorita Graham. A condessa parecia aceitá-la como uma parenta

muito querida e, embora todos fizessem conjeturas sobre a opinião do senhor Collingwood a esse respeito,

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125

estava claro que, desde que a senhorita Gordon havia chegado, Tyler passava muito mais tempo em

Riverland Manor do que em Londres, onde tinha a residência fixa. Todos pareciam aceitar que o motivo

era Adam, que adorava de forma evidente, mas o senhor Lang tinha argumentos válidos para duvidar que

essa não fosse a única razão.

Havia testemunhado como Tyler ficava absorto quando a jovem passava perto dele, e como

seguia seus movimentos através das janelas da biblioteca quando ela saía para o jardim com as crianças,

estava informado sobre o passeio que fizeram juntos à feira de outono e, além disso, era evidente que

havia terminado seu caso com Lisa, cujo mau humor era mais eloquente que qualquer declaração.

Sim, o senhor Lang não tinha a menor dúvida de que não era apenas seu pequeno filho

quem interessava seu senhor.

— Senhorita Gordon, o senhor Collingwood deseja vê-la. Está esperando na biblioteca.

Edmée empalideceu e, com o olhar, expressou o alarme que sentia. Consciente do olhar

interrogativo que o mordomo lhe dirigia, tentou disfarçar da melhor forma.

— Ele disse o que deseja?

— Não, senhorita.

Edmée preferiria ignorar a convocação de Tyler. Não tinha vontade de vê-lo, não nesse

momento, quando ainda estava tão vulnerável. Por outro lado, o motivo pelo qual ele solicitava sua

presença não estava claro. Será que pretendia retomar a conversa da noite anterior? Rezou em silêncio

para que não fosse isso. Não aguentaria um segundo assalto, estava muito cansada e deprimida, já não

queria lutar contra ele. O que realmente desejava era aconchegar-se entre seus braços, e deixar que ele a

consolasse, sentir-se a salvo da maneira que apenas ele conseguia.

Ao entrar na biblioteca, ficou surpresa com a expressão dura e série de Tyler. As linhas ao

redor de sua boca estavam muito pronunciadas, e sua pele apresentava um tom pálido. Sua aparência era

de um homem esgotado, arrasado pelas preocupações. Por um louco instante, Edmée desejou aproximar-

se dele, acariciar seu rosto com suavidade, até desfazer todas as linhas de preocupação. Ao invés disso,

engoliu saliva e, com o queixo erguido, perguntou:

— O que você quer?

— Sente-se, Edmée. Chegou a hora de me contar por que você fugiu da residência do barão

Sanders.

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Ela o olhou fixamente, atônita, incapaz de reagir. Milhares de pensamentos passaram por

sua mente, enquanto tentava imaginar como Tyler havia descoberto. Percebeu então que, provavelmente,

Tyler conhecesse o barão pessoalmente, que era um homem muito notável, apreciado pela alta sociedade,

um autêntico lobo em pele de cordeiro. Será que se encontraram e seu nome havia aparecido de maneira

casual? A possibilidade era tão incrível que ela sentiu suas pernas fraquejarem. Se o barão conhecesse sua

localização, estava certa que era uma mulher morta.

Apoiando-se nos braços da cadeira que estava ao seu lado, sentou-se, com a intenção de

ordenar seus pensamentos nesse pequeno intervalo de tempo.

— Como você descobriu?

— Isso não importa. — Ele não havia deixado de observá-la intensamente desde que ela

havia chegado à biblioteca.

Apesar de estar sentado e quase completamente imóvel, sua presença era intimidante.

Geralmente, sua expressão era amável, e em momentos como esse em que apertava os lábios em uma

linha fina, e endurecia seu olhar, parecia extremamente aterrorizante.

— Seu papel não é fazer perguntas, mas, respondê-las.

Para ganhar tempo, Edmée ignorou a advertência.

— Você conversou com ele?

Ele elevou as sobrancelhas, intrigado pelo temor evidente na voz da moça. Hesitou diante

da possibilidade de mentir. Possivelmente, se ela acreditasse que ele conversou com sir Sanders

pessoalmente, resolvesse contar tudo, mas diante do evidente temor da jovem, ele optou por dizer a

verdade.

— Não.

Ela não pôde evitar que um suspiro de alívio escapasse de seus lábios. Nesse momento, a

contra gosto, entendeu tudo. Embora uma parte dela reconhecesse que ele tinha direito de fazer o que

fez, outra parte sentiu-se ferida e furiosa; concentrou-se nesses sentimentos para esconder a confusão e

o medo que sentia.

— Você investigou a minha vida?

— É claro que sim! — Tyler estava muito zangado para tentar suavizar a resposta. Havia

permanecido quase toda a noite acordado, tentando encontrar uma razão que explicasse o rechaço de

Edmée, atormentado pelas palavras que o feriram como uma adaga: “Me arrependi profundamente pelo

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127

que aconteceu”. Reprimiu um gesto de amargura, e continuou dizendo, — Você esperava que eu

acreditasse sem mais nem menos na palavra de uma desconhecida? De uma ladra?

Assim que proferiu suas últimas palavras, Tyler se arrependeu. Observou a palidez que

cobria o rosto de Edmée como um sutil véu de tristeza que escurecia seus olhos e, apertou os punhos com

força, resistindo ao desejo de retirar as palavras ditas.

Já não desconfiava dela há muito tempo, convencido que seus temores eram infundados,

por isso não compreendia o impulso que o fez falar dessa maneira, embora suspeitasse que fosse um

desejo mesquinho de feri-la da mesma maneira como ela o tinha ferido. O orgulho selou a sua boca e,

tentando ignorar o olhar ferido dela, falou com brutalidade.

— Não tenho o dia todo. Estou esperando suas explicações.

Edmée continuava pálida, ferida e derrotada. Supunha que se Tyler conhecia sua conexão

com o barão, saberia muitos outros detalhes. Era absurdo tentar negar seu pedido, quando ele poderia

recorrer ao próprio barão para conhecer uma versão que ela preferia que não conhecesse. Deveria impedir

a toda custo que isso acontecesse, portanto, virou ligeiramente a cabeça e, com o olhar perdido no vazio,

como se relembrasse seu passado, começou a falar.

Não escondeu nada. Falou sobre a amizade que a unia a Florence, a alegria pelo casamento

da moça com um homem tão distinto como o barão, o trágico acidente dos Vermell, a inquietação de

Florence algumas semanas antes de morrer, a suspeita de que, pela primeira vez na vida, escondia algum

segredo dela. E, finalmente, chegou ao dia em que tudo aconteceu.

Com voz monótona e distante, como se o que estava relatando tivesse acontecido à outra

pessoa, Edmée contou como se aproximou do quarto de Florence, e viu o barão apertando com força o

travesseiro contra seu rosto. Contou sobre o terror que ele demonstrou quando a descobriu, do ódio e a

ameaça letal que leu nas pupilas do homem. E, a promessa que existia nelas que demonstrava que se

conseguisse apanhá-la, mataria a ela também, portanto, fugiu.

— Foi nessa noite que conheci você. — concluiu Edmée.

— Meu Deus!

Tyler tinha escutado a confissão em silêncio absoluto. Apertava os braços da poltrona em

que estava sentado com todas as suas forças, quieto como uma estátua, enquanto assimilava o que ouvia.

Não duvidava que houvesse contado a verdade, porque ninguém seria capaz de fingir semelhante

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expressão de terror. Por alguns segundos, sua mente aturdida divagou tentando conciliar o fato que um

respeitado membro da alta sociedade era um assassino desumano.

— Por que ele faria algo assim? — Não se deu conta que tinha formulado a pergunta em

voz alta até que saiu de seus lábios.

— Não sei, mas acredito que ela temia algo. Duas semanas antes que… — Calou-se e engoliu

saliva tentando desfazer o nó de angústia que se formava em sua garganta; ainda lhe doía como no

primeiro dia, recordar a terrível morte de sua querida Florence. — Duas semanas antes que ele a

assassinasse, ela se comportou de uma maneira muito estranha, inclusive cheguei a pensar que me

evitava.

Tyler levantou-se da poltrona, e começou a dar voltas pela biblioteca ao mesmo tempo em

que golpeava a palma de uma mão contra o punho da outra.

— Vamos precisar de provas, sua palavra não será suficiente.

— O que está dizendo, Tyler? — Edmée se levantou, e puxou seu braço. O contato pareceu

eletrizar a ambos, porque se olharam com intensidade durante alguns segundos. — Você não vai fazer

nada! Isto não tem nada a ver com você, e o barão é perigoso. — Afastou-se alguns passos dele. Continuou

dizendo com a voz menos exaltada — Às vezes, recebia a visita de homens cuja aparência era assustadora.

Os criados lhe temiam e, embora nunca afirmasse, eu acredito que Florence também. — Edmée apertou

as mãos, baixou a vista, e prosseguiu trêmula enquanto em voz alta expressava um pensamento que levava

mais de dois anos atormentando-a. — Florence e eu éramos unha e carne, fomos criadas como irmãs. Ela

nunca se importou com minha origem humilde. Éramos íntimas. Entretanto, com pouco tempo de casada,

tornou-se retraída, assustada, e seu distanciamento se agravou quando seus pais morreram. — Edmée

enterrou o rosto entre as mãos e exclamou — Isso foi horrível!

— Como eles morreram?

— Sofreram um acidente de carruagem, e caíram por uma ribanceira.

Tyler permaneceu em silêncio enquanto pensava em tudo o que ela dizia.

— Só tínhamos paz quando o barão partia para a sua residência em Runnymede.

— Sua esposa não o acompanhava nessas ocasiões?

— Não, nunca. Florence parecia renascer quando ele estava ausente. Quem o acompanhava

era esse homem horrível, Nathan Sheridan.

— Quem é o tal Sheridan?

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— Era um criado pessoal do barão, embora ninguém soubesse realmente quais eram as

suas funções.

— E a senhora Sanders, nunca disse nada? Não confessou o que tanto temia?

— Não. — O olhar de Edmée se perdeu na distância, ao recordar os dias passados. — Era

estranho, porque éramos como irmãs, mas nunca me disse nada.

Tyler assentiu em silêncio.

— Recentemente, me lembrei de que Florence escrevia uma espécie de diário em um

caderno escolar. Antes do casamento costumava compartilhar comigo e, às vezes, lia para mim as coisas

que escrevia. Depois deixou de fazê-lo, embora tenha certeza que continuou escrevendo.

— Possivelmente refletisse seus temores, ou o que a preocupava.

— Também pensei assim.

— Sabe onde o guardava?

— Sim. Florence trouxe um quadro da casa de seus pais que gostava em especial,

representava um velho castelo sobre uma colina, acredito que era o castelo de Dunluce, na Irlanda. —

Sorriu alguns segundos ao recordar como ela zombava de Florence, e ria desse “horroroso” amontoado

de pedras, enquanto a sonhadora Florence tentava convencê-la sobre o encanto e o mistério desse lugar.

— Na parte de trás, o quadro tem um compartimento secreto. Era ali que ela guardava o caderno.

— Onde estava?

— Em seu dormitório.

Tyler continuou em silêncio por alguns minutos. Analisava toda a informação que Edmée

havia passado; procurava uma maneira de protegê-la definitivamente do perigo que a ameaçava. Porém,

lutava contra a imensa ira que o impulsionava a matar o barão lentamente e com suas próprias mãos.

Só havia uma maneira eficaz de proteger Edmée: quando a solução atravessou sua mente,

ele sentiu uma estranha sensação de alívio. De repente, soube que isso era o que desejava há muito tempo,

e o pensamento o fez sorrir.

— Edmée, você irá se casar comigo. — Ignorando a expressão cômica de surpresa que

apareceu no rosto da jovem, continuou dizendo, — O maldito Sanders não se atreverá a incomodá-la se

for minha esposa, e se tentar, é um homem morto.

* * *

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Gabriele observou a expressão de desilusão no rosto das crianças ao ver que a senhorita

Gordon não aparecia para o habitual passeio pelos jardins. O senhor Lang havia informado que Edmée

estava a mais de meia hora reunida com o senhor Collingwood na biblioteca. Betty e ela haviam cruzado

um olhar conspiratório.

— Mamãe, prometi a Gillian que mostraria o esconderijo secreto na minha árvore.

Betty sorriu divertida ao ouvir a petição de Robert. Sua filha já havia explicado com gestos

e sinais o lugar onde se encontrava o esconderijo “secreto”, e não era segredo que tanto Christie quanto

Harold conheciam também sua existência.

— Bem, poderíamos acompanhá-los no passeio pelo jardim, o que você acha Betty? Vem

conosco?

Betty fingiu considerar, enquanto as crianças a olhavam com expressões que variavam da

súplica até a impaciência.

— Acho que sim. — Um enorme sorriso apareceu em seus lábios ao escutar os gritos

alvoroçados das crianças. — Mas antes, devem vestir o casaco. O dia está fresco e úmido, inclusive

acredito que possa chover daqui a pouco.

As crianças concordaram dispostas a fazer qualquer coisa para, finalmente, saírem para

brincar.

Quando todos estavam preparados, Gabriele pegou o pequeno Adam em seus braços. O

menino gritou de felicidade enquanto batia palmas com entusiasmo; Betty e ela mesma gargalhavam

alegremente, contagiadas pela alegria infantil.

Já nos jardins, os meninos saíram correndo pelos canteiros sinuosos enquanto elas

caminhavam num ritmo muito mais tranquilo, conversando animadamente.

— Posso compreender a fascinação que você afirma que Tyler sente pela senhorita Gordon.

— Betty falava para Gabriele — Embora pareça impossível imaginar seu cunhado completamente

apaixonado por uma mulher.

— Quando você os vir juntos não terá a menor dúvida. — respondeu Gabriele.

— Ela é uma jovem encantadora e muito bonita. — Betty acrescentou.

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— É verdade, mas o mais surpreendente na senhorita Gordon é sua sensatez e sua

segurança apesar de sua juventude, sem mencionar essa resistência tenaz em não deixar-se intimidar por

Tyler. Acredito que ele nunca encontrou uma mulher que resista tanto a ele quanto ela.

Nesse momento, o som de um disparo ressoou no bosque, e emudeceu a condessa. Antes

de poder reagir, viu Betty cair aos seus pés, com os olhos fechados e o rosto branco como cera.

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Capítulo 14

Edmée não se recompôs da surpresa que sentira ao ouvir Tyler lhe pedir que se casasse com

ele, ou, melhor dizendo, de anunciar que se casaria com ele. Uma parte dela, estava alvoroçada, desejando

aceitar para realizar a fantasia que ele lhe pertencia de corpo e alma, mas a razão predominou

rapidamente. Ele nunca pertenceria a ela, os votos que ambos pronunciariam não teriam nenhum

significado para ele; por mais sagrados que fossem ele nunca amaria uma única mulher, e nem tinha

nenhum motivo para pensar que ele a amava. Sabia sobre o desejo que sentia por ela, mas também era

consciente da fragilidade desse sentimento, semelhante a um desses maravilhosos fogos de artifício que

ela teve a sorte de contemplar uma única vez, junto a Florence, fogos que ardiam rapidamente em um

espetáculo sublime, e em seguida se apagavam poucos segundos depois.

Tyler não a amava, e ela não se casaria com ele, e em pouco tempo, ter que assistir como

ele, aborrecido com o casamento, procuraria os braços de outra. Ela não poderia suportar isso, quase não

suportava agora, e não tinha nenhum direito sobre ele.

— Não vou me casar com você! De todas as sandices que saíram de sua boca, essa é a pior

de todas.

Edmée viu um brilho furioso nos olhos de Collingwood, e o movimento involuntário de sua

bochecha ao apertar as mandíbulas, mas, antes que pudesse responder, o som de um disparo muito

próximo, emudeceu a ambos.

— Meu Deus!

Tyler não disse nada, saiu correndo para o jardim enquanto Edmée o seguia preocupada

com as crianças. Os gritos de Gabriele os guiaram e, ao chegar à pracinha central, viram a condessa

inclinada sobre a senhora McDonald enquanto algumas criadas afastavam as crianças que soluçavam

assustados. Lançando um rápido olhar, Edmée comprovou que todos pareciam ilesos, e ficou mais

tranquila, porém, em seguida, os soluços da condessa demonstraram que Betty estava ferida gravemente.

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— Lang! Mande um lacaio buscar o médico!

— Sim, senhor.

— E, alguns homens para vasculhar o bosque. — O senhor Lang já se dispunha a afastar-se

quando Tyler o impediu. — Espere, eu vou com eles.

— O que aconteceu? —Alexander chegou correndo, agitado e com os olhos arregalados

pela preocupação. Ao ver que sua mulher soluçava abraçada ao corpo de Betty, levantou-a, e a abraçou

contra seu peito.

— Calma querida, calma, tudo vai dar certo. — Enquanto tentava acalmar Gabriele e a si

mesmo, interrogou Tyler com o olhar.

— A senhora McDonald está ferida, mas seu pulso parece forte. — Agachou-se para

examinar a ferida da Betty, e nesse momento a levantou em seus braços. — Parece que foi um tiro.

— Sim, eu ouvi do meu escritório. — Alexander assentiu.

— Levá-la-ei até o seu quarto, o doutor não vai demorar.

— Tyler, eu cuidarei dela até que chegue. — disse Edmée.

Se alguém se surpreendeu pelo fato da senhorita Gordon usar o nome próprio do senhor

Collingwood, não se manifestaram, porque todos estavam alterados pelo acontecido.

Já no seu quarto, Betty recuperou a consciência enquanto gemia brandamente.

— Acalme-se, senhora McDonald. — Edmée havia aberto a parte superior do vestido dela,

e descoberto uma ferida feia no ombro direito da mulher. Havia apertado um trapo limpo sobre a ferida,

e rezava em voz baixa para que o médico chegasse logo. — O doutor já está chegando.

Betty assentiu, e fechou os olhos, mas em seguida, voltou a abri-los. Em seu olhar refletiu

uma expressão de autêntico terror.

— E as crianças? Estão bem?

— Todos estão bem, senhora McDonald. Apenas descanse.

* * *

Algumas horas depois, Tyler servia uma generosa taça de uísque a seu irmão que

permanecia sentado confortavelmente na poltrona do escritório.

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— Gabriele acaba de avisar que Betty está bem melhor. — disse Alexander — Segundo o

médico, a bala passou direto, sem afetar os ossos. Cicatrizará sem problemas se ela mantiver repouso

absoluto.

— Você mandou um mensageiro para avisar McDonald?

— Não; pela informação que obtive, Kyle deve estar retornando; seria muito provável que

se encontrasse pelo caminho com o mensageiro. — Alexander pegou a taça que seu irmão oferecia, sorveu

um longo gole, e fechou os olhos, reconfortado pela bebida forte. — Além disso, você sabe como Kyle se

comporta em relação a sua esposa. Se souber que foi ferida, cavalgará feito um louco, arriscando-se a

quebrar o pescoço pelo caminho.

Tyler assentiu, e sentou-se diante do conde. Durante alguns minutos, os dois beberam em

silêncio, absortos em seus próprios pensamentos.

— Alexander, você acredita realmente que foi obra de um caçador furtivo?

Tyler havia saído junto a dois criados robustos para procurar o autor dos disparos, mas não

conseguiram encontrá-lo. Mesmo assim, não estava totalmente convencido com a teoria do caçador. A

caça estava proibida nessa época do ano, e era o conde de Kent quem autorizava o início da temporada

de caça. Se alguém decidisse ignorar a lei, e caçar fora de temporada, não o faria tão perto da casa onde

poderia ser descoberto.

— Não, não acredito, mas não posso imaginar quem diabos quereria atentar contra Betty

McDonald.

— Possivelmente o objetivo não era Betty.

Alexander o olhou curioso, depois de se ajeitar na poltrona.

— O que você quer dizer? Você acha que alguém pretender ferir Gabriele?

— Não, não, acalme-se; tenho certeza que o alvo não era a sua esposa.

— Então, quem poderia ser?

Tyler começou a contar para Alexander tudo o que descobrira sobre Edmée, e o que ela

mesma havia contado nesta manhã.

— Se você pensar bem, — Terminou dizendo — Betty e Edmée poderiam ser confundidas à

distância. Ambas são pequenas e possuem o cabelo negro.

— Santo Deus, Tyler! Você está me dizendo que o barão Sanders é um assassino?

— Sim, exatamente isso.

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— Mas… — Ele movia a cabeça de um lado ao outro, quando continuou, — Tudo isso não

poderia ser invenção de Edmée?

Tyler o olhou intensamente, e sua expressão tornou-se dura.

— Confio plenamente nela, sei que me disse toda a verdade.

Alexander fez um gesto conciliador com a mão.

— Está bem; se você confia nela, eu também confio. — Depois de alguns segundos

analisando tudo o que seu irmão acabava de contar, Alexander acrescentou, — Vou procurar Sanders, vou

informá-lo que não permitirei que cause mais nenhum problema.

— Não! Você não pode ameaçar um assassino, e esperar que aja como um cavalheiro. Esse

homem é perigoso, e não temos nenhuma prova contra ele. A palavra de Edmée não será suficiente. Além

disso, esse é um problema meu.

— E o que pretende fazer?

Depois de alguns segundos de silêncio, o mais jovem dos irmãos respondeu.

— Vou me casar com ela.

Um silêncio pesado caiu como um manto sobre os dois homens. Em seguida, para surpresa

de Tyler, Alexander lançou uma gargalhada.

— Achei que esse momento nunca chegaria!

— Não sei do que você está falando. — Respondeu levemente irritado.

— Ora, Tyler! Você não pretende me convencer que vai se casar com ela apenas para

protegê-la.

— Sim, bem, além disso, é muito conveniente. É a mãe de meu filho.

— Admita que se não desejasse casar com ela de verdade, nem que ela tivesse cinco filhos,

você o faria.

Tyler levantou-se, e começou a caminhar pelo escritório; notou com surpresa que estava

corado. Era sempre fácil e, e até divertido, falar sobre mulheres com seu irmão. Desfrutava observando a

censura silenciosa de Alexander, quando lhe contava sobre suas conquistas, e zombava dele por ter caído

de maneira irremediável nas garras do amor.

O conde respondia que um dia chegaria a sua vez, e ele tinha que reconhecer que, apesar

de suas crenças, finalmente, seu irmão tinha razão.

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136

— Está bem. — Encheu-se de coragem, voltou-se, e enfrentou o olhar zombeteiro de

Alexander. — Quero me casar com Edmée.

O conde se levantou sorridente, e deu tapinhas em suas costas.

— Bem-vindo ao clube dos homens apaixonados, irmãozinho.

* * *

No dia seguinte, os habitantes de Riverland Manor pareciam imbuídos de uma estranha

sobriedade que os mantinha sérios e silenciosos. A senhorita Graham estava ocupada distraindo as

crianças; Alexander e Tyler estavam percorrendo os arredores e aproveitando para conversar com alguns

arrendatários sobre o ocorrido. Gabriele e Edmée revezavam-se nos cuidados de Betty.

A senhora McDonald já estava totalmente fora de perigo, felizmente, ela não tinha febre,

mas, pela dor intensa em seu ombro, era necessário administrar um sedativo em um período regular, ao

menos durante o primeiro dia, por ordem médica. A senhora Duncan, a mãe de Betty, também permanecia

junto a sua filha, mas seus dramalhões e queixas eram tantas que, de maneira muito diplomática, Gabriele

tentava mantê-la afastada do quarto o máximo possível.

Pouco antes do jantar, Gabriele e Edmée se encontraram no quarto de Betty. A senhora

Duncan estava fora descansando, pois, conforme dizia, a tensão lhe tinha provocado uma terrível dor de

cabeça. Betty havia tomado um prato de sopa, conforme informação de Cornélia, e também um pouco de

chá. Em seguida, havia adormecido.

— Nunca entendi como uma mulher tão exagerada pôde criar uma filha tão serena quanto

Betty.

A senhorita Gordon limitou-se a sorrir sem dizer nada.

— Edmée, quero que você jante conosco esta noite, sua presença me conforta e Deus sabe

bem que preciso de um pouco de distração neste momento.

— Mas a senhora McDonald não pode ficar sozinha.

— Não se preocupe querida; Cornélia se ofereceu para cuidar dela.

— Está bem. — Assentiu Edmée. Não podia recusar um convite tão amável por parte da

condessa, embora sentisse certo receio por encontrar-se de novo com Tyler.

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137

Passado o impacto inicial pelo terrível acidente sofrido por Betty, sua mente havia

retornado ao momento surpreendente em que Tyler havia dito que se casassem.

Não deixava de fantasiar rendendo-se ao seu desejo, sem questionar nada, e aceitar ser sua

esposa. Afinal de contas, ele deveria nutrir algum sentimento por ela, pois se preocupava tanto pela sua

segurança ao ponto de propor casamento. Ela, por sua vez, havia aceitado em seu coração que o amava e

que, apesar de suspeitar da inconstância dos sentimentos dele, ele era digno de ser amado. Seu

comportamento com Adam, a lealdade inquebrável que demonstrava para com a sua família, a nobreza

demonstrada ao aceitá-la em seu lar, a vontade de protegê-la a qualquer custo e, claro, a profunda paixão

que sentia por ele – e que Tyler alimentava apenas com um olhar intenso de seus lindos olhos azuis – eram

motivos mais do que suficientes para desejar ser sua esposa.

Não podia imaginar destino mais feliz, mas como uma pessoa realista e sensata que era,

também enxergava as dificuldades que enfrentaria. Em nenhum momento ele disse que a amava, e ela

suspeitava que o profundo amor que Tyler sentia por seu filho estava por trás de tudo isso. Não podia

culpá-lo por isso, de fato, acontecesse o que acontecesse entre eles, ela sempre seria grata por Adam e,

em consequência, por ela mesma. Tyler havia tirado um enorme peso de seus ombros, porque agora sabia

que, se algo acontecesse a ela, o menino estaria nas melhores mãos possíveis.

Consumida por essas reflexões, não pôde evitar que um suspiro escapasse de seus lábios.

— O que houve Edmée? Está muito cansada?

— Não, não é isso, senhora.

Para sua consternação sua voz falhou; e lágrimas traiçoeiras escaparam de seus olhos.

Gabriele se aproximou dela, e a abraçou pelos ombros.

— Edmée! O que aconteceu? Por que você está chorando?

Ela continuava chorando, incapaz de parar, enquanto a condessa acariciava seu cabelo, e

murmurava palavras de consolo. Alguns segundos depois, quando finalmente ela se acalmou, Gabriele

perguntou com suavidade:

— É por causa de Tyler, não é?

Depois de titubear, a moça assentiu.

— O que meu cunhado fez agora?

— Oh não, não é isso senhora! Ele é maravilhoso.

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138

A condessa a olhou, e elevou as sobrancelhas. As últimas notícias eram que ambos brigavam

feito cão e gato, pois, por maior que fosse Riverland Manor, todos ficavam sabendo de tudo que ocorria.

Apesar das notícias que chegavam, dos olhares que surpreendia entre eles, do distanciamento que ambos

se empenhavam em fingir, ela sabia que não era o desdém o que motivava seu cunhado, nem tampouco

antipatia. Mas, mesmo assim, a afirmação de Edmée era surpreendente.

— Então, qual é o problema?

— Bom, ele adora Adam. — Gabriele assentiu. — Ele faria qualquer coisa pelo bem do

menino, e agora acha que devemos nos casar.

Mesmo acreditando conhecer os verdadeiros sentimentos de Tyler por Edmée, Gabriele

teve que disfarçar uma expressão de surpresa. Uma vez que as palavras da moça penetraram em sua

mente, um sorriso apareceu em seus lábios.

— Mas, querida isso é maravilhoso. Você o ama, não é mesmo?

— Oh, sim! — Começou a chorar outra vez. — Como não poderia amá-lo? Ele é o melhor

dos homens: tão leal e tão forte, sempre nos protegerá, eu sei, mas…

— Mas?

— Ele não me ama, e eu sou uma egoísta porque, apesar de estar ciente disso, estou

pensando em aceitar sua proposta. Ambos seremos infelizes se nos casarmos. Mas, ser sua esposa, criar

Adam juntos, é um sonho maravilhoso. — Olhou para Gabriele com os olhos cheios de lágrimas; em

seguida, continuou falando, — Sinto-me péssima apenas por considerar a hipótese. Ele deveria se casar

com uma mulher de sua posição, portanto, não devo aceitar, porque sei que ele não me ama e que, com

o tempo, sentir-se-á prisioneiro de sua boa ação, e acabará me odiando.

— Basta!

Ela se calou, e olhou à condessa, estupefata.

— Edmée, tudo o que está dizendo são tolices. Conheço bem o meu cunhado e ele é todas

essas coisas que você diz; também não posso negar que a sua aversão ao casamento é lendária. Entretanto,

posso afirmar que, se ele propôs casamento, foi porque realmente deseja se casar com você. Nenhuma

outra consideração o levaria fazer essa proposta.

A senhorita Gordon a olhava em silêncio, enquanto retorcia uma ponta do vestido entre

suas mãos, como uma menina pequena e assustada.

— Mas ele nunca…

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— Nunca disse que te ama?

Edmée assentiu.

— Bem, é muito provável que não reconheça isso diante de si mesmo. Eu diria que é a

primeira vez que Tyler se apaixona.

— Ele? Apaixonado por mim? — Edmée lançou uma breve gargalhada carente de humor.

— Oh, não, senhora Collingwood, eu não acredito nisso.

— Afirmo que sim. Meu cunhado jamais permaneceu tanto tempo aqui, ele a vigia como

um falcão que espreita um camundongo, é consciente de todos os seus movimentos e de seu paradeiro a

cada momento. Além disso, quando você está presente, ele não desvia o olhar de você.

Edmée permaneceu em silêncio. Analisava o que a condessa acabava de dizer; reconheceu

a verdade dessas palavras. Quando a incrível possibilidade de que Tyler a amasse foi penetrando nela, um

sorriso sincero curvou sua boca.

Gabriele também sorriu, e lhe apertou as mãos com força.

— Vamos jantar, nossos homens já devem estar esperando.

Quando as duas mulheres apareceram no salão, os irmãos Collingwood se encontravam ali,

de pé junto ao aparador com uma taça de vinho tinto nas mãos.

— Boa noite. — Os homens assentiram à saudação com a cabeça. — A senhorita Gordon foi

muito amável e aceitou nos acompanhar no jantar.

— Bem-vinda senhorita Gordon.

— Obrigada, milorde.

Tyler não disse nada, limitou-se a olhá-la intensamente enquanto apurava a taça de vinho

que estava em suas mãos. Gabriele o observava com cautela; recordava quando sugeriu que Edmée

jantasse com eles, e ele se recusou. Supunha que as coisas já não eram as mesmas, porque ele pretendia

se casar com ela, e decidiu que não tinha nada a temer.

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Capítulo 15

Enquanto elas se acomodavam, uma diante da outra, os homens também se sentaram; Tyler

ao lado de Gabriele, e Alexander presidindo a grande mesa. Um dos criados que permanecia em pé para

servi-los fez um gesto imperceptível e, poucos segundos depois, serviam o primeiro prato, uma sopa de

cogumelos que exalava um aroma delicioso.

O conde começou a falar. Perguntou a sua esposa sobre o estado de Betty, e como havia

transcorrido o dia, enquanto Edmée comia em silêncio agradecida pelo fato de sir Vermell permitir que

ela comparecesse as aulas que Forence recebia, o que lhe permitia observar as regras adequadas em um

jantar desse nível, e não envergonhar os Collingwood.

Enquanto comia, estava consciente do olhar intenso de Tyler e, apesar do desejo que sentia

de comprovar se algo nos olhos do homem delatava o sentimento que, segundo a condessa,

experimentava por ela, não foi capaz de reunir coragem suficiente para olhá-lo, acreditando que os seus

próprios sentimentos é que ficariam em evidência.

Nesse momento, a voz do irmão mais jovem, que havia permanecido silencioso até o

momento, sobressaltou-os.

— Nenhuma das duas pode sair da casa sem estar acompanhadas por um de nós, sob

nenhuma circunstância, entenderam?

Surpresa, ao levantar o olhar, Edmée se deparou diretamente com os olhos azuis de Tyler

que a olhavam com o cenho franzido.

— Que mosca te picou, cunhado? — Gabriele falou com desagrado, irritada pela dureza do

tom com o que ele havia falado.

— Tyler tem razão, querida. — interveio Alexander, não sem antes lançar um olhar de

advertência ao seu irmão, surpreso pela maneira brusca com que se dirigiu às mulheres. — Durante alguns

dias, até que encontremos o caçador, será melhor que saiam acompanhadas.

— Milorde, se era um caçador furtivo, é mais provável que já esteja longe daqui,

certamente, não cometerá o mesmo erro.

— Edmée! Não saia de casa sem mim! Está claro?

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Todos os olhares se voltaram para Tyler, sobressaltados por seu ataque de ira. Ignorando a

consternação que havia provocado, continuou dizendo:

— Não temos certeza se era um caçador furtivo.

Edmée abriu os olhos com horror porque compreendeu o que ele insinuava.

— Quem poderia ser? — Perguntou Gabriele desconcertada.

— Depois contarei tudo, querida. — Respondeu Alexander.

— Por que depois?

— Depois!

Durante alguns segundos o casal se enfrentou em silêncio, até que, finalmente, a condessa

assentiu.

Continuaram comendo sem conversar, cada um absorto em seus pensamentos. Edmée era

incapaz de saborear os deliciosos pratos que as criadas serviam. Como não pensara nisso antes! Tyler e o

conde estiveram inspecionando os arredores, e haviam interrogado os arrendatários, chegando à

conclusão que não se tratava de um caçador furtivo. Restava apenas uma possibilidade, e ela sabia qual

era.

Certamente, o autor do disparo não queria atingir a senhora McDonald, a não ser ela

mesma, por isso, a advertência de Tyler. Percebeu que, de certa distância, Betty e ela poderiam ser

confundidas facilmente. Perdido todo o apetite, e dominada por uma angústia que ameaçava fazê-la

chorar, afastou o guardanapo, e disse:

— Desculpem-me, por favor, mas estou indisposta.

— O que aconteceu?

— Dói-me a cabeça, lady Collingwood, poderia me desculpar?

— Sim, é claro. — Respondeu Gabriele hesitante.

Com uma leve inclinação de cabeça para o conde e para Tyler, levantou-se e saiu do

aposento.

Antes que conseguisse alcançar a escada, uma mão a deteve pelo braço, e ela deixou

escapar um grito de terror.

— Shh! Calma!

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Ouvindo a voz de Tyler, ela não pôde controlar a angústia que a invadia e começou a chorar.

Ele a abraçou com força contra o peito, enquanto murmurava palavras de consolo, e lutava contra um

desejo imenso de procurar o barão Sanders e afogá-lo lentamente com suas próprias mãos.

— Acalme-se, Edmée, nunca permitirei que nada de mal aconteça.

— Oh, Tyler! Quando tudo isso acabará?

Ele apertou a mandíbula, e seu olhar endureceu. Havia pensado que, ao se casar com ela, o

barão desistiria de persegui-la. Depois de constatar que ele era capaz de tentar assassiná-la em sua própria

casa, compreendeu que, desgraçadamente, enfrentavam um inimigo desumano. Não tinham nenhuma

prova para acusá-lo, apenas a palavra de Edmée: um relato de como havia fugido de um lugar a outro, sem

que o barão conseguisse encontrá-la. Ele admirava muito essa pequena mulher inteligente e corajosa que

faria inveja a muitos homens notáveis que ele conhecia. Tyler elevou a cabeça de Edmée segurando seu

queixo.

— Apanharei esse maldito, você deve apenas deixar tudo em minhas mãos, de acordo?

— Você cuidará sempre de Adam?

— É claro que sim! Que tipo de pergunta é essa? — Olhou-a com o cenho franzido. — Nós

dois cuidaremos e protegeremos Adam.

Edmée limitou-se a assentir, fascinada pelo brilho dos olhos de Tyler. Então, ele abaixou a

cabeça e se apoderou de seus lábios. Ela o aceitou satisfeita: acariciava com sua língua a dele, e sentiu-se

feliz quando ouviu seus gemidos em sua boca.

— Onde está minha esposa?

A brusca interrupção os deteve. Diante deles, um homem alto e atraente de cabelos

castanhos os olhava com o cenho franzido.

— Olá, Kyle! — Saudou o jovem Collingwood calmamente, como se não acabassem de

surpreendê-lo beijando uma mulher apaixonadamente. — Betty está lá em cima, no terceiro quarto à

direita.

O senhor McDonald subiu os degraus de dois em dois, sem acrescentar nada mais, enquanto

Tyler olhava com resignação para Edmée.

— Vou subir para controlar McDonald; tal como está agora, aterrorizará as criadas.

Edmée assentiu, e lhe apertou brandamente o braço antes que ele partisse.

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* * *

Em seu quarto, Edmée dava voltas sem parar, enquanto retorcia as mãos com nervosismo,

e as lágrimas escorregavam livremente por suas bochechas.

O barão a encontrara e voltaria para tentar matá-la de qualquer maneira. Não havia nada

que Tyler pudesse fazer para protegê-la, pois, não tinham nenhuma prova que ele era o assassino de

Florence, nem que o tiro foi direcionado a ela.

Restava apenas uma saída, e apesar do horror que sentia, não podia fazer outra coisa. Não

se quisesse evitar o perigo que se abatia sobre o casal, sobre Tyler e sobre seu próprio filho.

Decidida a fazer o que era melhor para aqueles a quem amava, agarrou seu grosso xale de

lã e pôs sobre ele seus dois vestidos e sua roupa interior, dando um pequeno nó. Pensou em passar pela

cozinha quando todos estivessem dormindo, e pegar um pouco de comida que pudesse durar até chegar

onde planejava. Desta vez, não levaria nada que fosse dele, não queria voltar a trair a confiança de Tyler

outra vez. Apenas alguns mantimentos para a viagem.

Ao pensar no que deixava atrás, não pôde evitar que um doloroso soluço escapasse de seus

lábios. “Tyler” disse de forma quase inaudível.

Pensou na possibilidade que ele fosse ao seu quarto essa noite, e soube que o desejava com

todas as suas forças. Se ele fosse ao encontro dela, desta vez não o rechaçaria, amá-lo-ia com toda a paixão

que sentia por ele, acariciaria sua pele macia e firme, beijaria cada canto de seu corpo e o adoraria, sem

deixar nenhuma dúvida dos verdadeiros sentimentos que nutria por ele.

* * *

Tyler estava no escritório de seu irmão onde permaneciam por horas em busca de uma

maneira de neutralizar, definitivamente, a ameaça que o barão Sanders impunha sobre Edmée.

— Ainda acho difícil acreditar que Sanders seja tão depravado como você diz.

— Eu não tenho a menor dúvida, Alexander. Conheci Edmée na noite que ele assassinou

sua esposa, e afirmo que ela estava totalmente aterrorizada. Além disso, averiguei tudo o que nos contou,

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os lugares em que esteve escondida, as pessoas que conheceu; não encontrei nenhuma contradição entre

o que ela me contou e o que o detetive investigou. E, se deixarmos de lado tudo isso, eu confio nela, e sei

que não está mentindo.

Alexander assentiu em silêncio.

— Tem alguma ideia de como poderemos desmascará-lo?

Tyler uniu as mãos e esfregou as palmas entre si em um gesto distraído.

— Edmée me contou sobre um diário que a baronesa escrevia. Acredito que nossa única

esperança é encontrar nele o motivo pelo qual o barão assassinou sua esposa. Isso, ou obrigá-lo a

confessar.

Ao observar o olhar sarcástico de seu irmão, Tyler acrescentou:

— Acredite-me, estou disposto a fazê-lo com minhas próprias mãos se esse maldito atentar

contra Edmée outra vez.

— Não temos certeza que o tiro que feriu Betty McDonald tenha partido de uma ordem

dele.

— Eu não tenho a menor dúvida. Você sabe que não foi um caçador furtivo, então, quem

poderia ser? Você ouviu Kyle, ele não tem inimigos. Embora suspeite que o barão Sanders acabe de ganhar

um.

Alexander lançou uma seca gargalhada.

— Certamente, podemos contar com McDonald para nos ajudar a desmascarar Sanders.

Você ouviu o que ele disse: assim que soubermos quem foi o autor do tiro devemos comunicá-lo, e não

acredito que suas intenções sejam manter uma conversa pacífica.

— Acredito que a chave de tudo está nesse caderno. — Tyler permanecia tão absorto em

seus pensamentos que quase não seguia o fio da conversa de seu irmão. — Sei exatamente onde a

baronesa guardava o caderno.

— E, como pretende chegar até ele?

— Bem, para isso, esperava contar com a sua ajuda, irmãozinho.

* * *

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Edmée havia descido até a cozinha, e pegara uma grande fatia de queijo, carne em conserva,

e algumas ameixas que havia guardado envoltas em um trapo. Ao passar pelo escritório do conde, reparou

que havia luz, e ouviu as vozes dos irmãos Collingwood. Pareciam entrosados em uma conversa muito

animada; ela deveria se apressar se não quisesse ser surpreendida. Em seu quarto, ela se sentou e

começou a escrever uma nota apressada para Tyler. Não queria partir sem dizer adeus, como uma ladra

no meio da noite. Esperava que ele compreendesse suas razões, e a perdoasse.

Em seguida, ela se dispôs a fazer o mais difícil. Dirigiu-se ao quarto de Adam. O menino

dormia profundamente. Edmée ajoelhou-se ao seu lado, junto à pequena cama. Beijou com doçura a

bochecha dele, e acariciou seu suave cabelo loiro, tão parecido com o de seu pai.

— Adeus, querido… — Um soluço a interrompeu. — Adeus, meu anjo. Eu amo você, meu

menino.

Ela não suportaria se permanecesse mais um segundo no quarto de Adam. Obrigou-se a

sair, cega pelas lágrimas que escapavam de seus olhos.

* * *

O barão Sanders olhou para Nathan Sheridan, estupefato.

— Você está dizendo que a moça está na residência dos Collingwood?

— Sim senhor, encontrei-a por acaso. — Ele compreendeu corretamente o gesto silencioso

do homem que o incentivava a prosseguir, por isso, continuou explicando — Eu estava em Rochester

quando ouvi, casualmente, duas mulheres conversando sobre uma jovem que os Collingwood haviam

acolhido. Não sei por que, alguma coisa chamou minha atenção, principalmente, quando disseram que a

garota tinha um filho de pouca idade. Então, decidi rondar a residência dos Collingwood, Riverland Manor.

— Sei como se chama a residência dos Collingwood! — O barão estava cada vez mais

desconcertado. O que Edmée Gordon está fazendo na casa do conde de Kent?

— O fato é que vi a jovem. Acredito que está trabalhando como babá ou algo assim, porque

sempre sai para o jardim à mesma hora, com duas ou três crianças.

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— Ótimo! — O barão sorriu com a mesma expressão que sempre o aterrorizava. — Ela

possui uma boa educação, não é inconcebível pensar que uma família dessa categoria a tenha contratado

como babá ou preceptora.

— Foi o que pensei, senhor.

— Agora só nos resta encontrar uma maneira de silenciá-la para sempre. — O barão se

levantou, e começou a dar voltas ao redor de Nathan, acentuando o nervosismo do criado. — Certamente,

ela tem um dia de folga, e deve visitar o povoado para comprar alguma coisa, ou dar um passeio.

— Já tentei acabar com ela. — Não disse nada a respeito que já estava farto de procurá-la,

e sentia-se tão pressionado por ele que desistiu da ideia de fazê-la sua primeiro: preferia terminar com

essa história de uma vez.

O barão cravou seu olhar negro em Sheridan, que não pôde evitar que um tremor

percorresse todo o seu corpo.

— Explique-se.

— Como sabia a hora que ela sai com as crianças diariamente, fiquei escondido e esperando

num pequeno bosque nos arredores do jardim da mansão. — Apesar de saber que teria problemas, estava

decidido a contar toda a verdade. Se mentisse ao barão, e ele ficasse sabendo, o castigo seria muito pior.

— Enfim, eu pude ver quando ela saiu com as crianças e outra mulher; acredito que era a condessa.

— A condessa de Kent?

— Sim, uma mulher de primeira, devo acrescentar.

O barão assentiu. A beleza de lady Collingwood era conhecida e comentada por todos.

— Certo que era a oportunidade perfeita, apontei e disparei.

— Acertou?

— Sim, mas nessa mesma noite descobri que estava apenas ferida.

— Maldição! Agora estão avisados.

— Possivelmente não.

— O que quer dizer?

— Bem senhor, também descobri que não era a senhorita Gordon.

O barão o olhou com uma expressão de incredulidade desenhada em seu rosto.

— Em quem você atirou, maldito imbecil?

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— Parece que se trata de uma convidada dos Collingwood, a senhora McDonald, foi o que

disseram no povoado.

A bofetada chegou sem que ele o esperasse. Um golpe forte e seco que rompeu seu lábio,

e fez o sangue escorrer.

— Estúpido! Inútil! — O barão começou a golpeá-lo furiosamente. Usava o atiçador da

lareira que havia agarrado enquanto escutava seu relato.

Sheridan tentava se proteger dos golpes cobrindo a cabeça; gemia quando a barra de ferro

acertava seus rins. Finalmente, quando caiu ao chão curvado, o barão parou de espancá-lo.

— Como você pôde ser tão incompetente! Agora teremos esses dois Collingwood

arrogantes seguindo nossa pista como dois cães perdigueiros.

No chão, Nathan, que estava ferido, mas consciente, disse:

— Na verdade, senhor, eles estão procurando um caçador furtivo.

O barão parou, e com o cenho franzido, ficou observando Nathan, que tentava se levantar.

— Você tem certeza disso?

— Sim, senhor, totalmente.

— Mas, a dúvida permanecerá se a jovem contou tudo aos Collingwood.

— Permita-me dizer que não acredito nisso.

— Não acredita? Mas não pode ter certeza, não é mesmo?

Nathan negou com a cabeça.

— Agora, é imprescindível que Edmée Gordon morra. Não podemos nos arriscar.

— Mas a jovem não tem nenhuma prova.

— Não importa! — O barão estava completamente fora de si, cuspia ao falar, e seus olhos

quase saíam das órbitas. — O que você acha que acontecerá a minha reputação se o conde de Kent e seu

irmão resolvem falar mal de mim?

— Por que motivo a jovem contaria sua história? E, caso o fizesse, por que eles

acreditariam?

O barão ficou pensando no que Nathan dizia. Admitiu interiormente que os argumentos do

criado eram lógicos. Possivelmente, ainda teriam uma chance de silenciá-la antes que fosse tarde demais.

— Está bem, Sheridan. Volte para lá e não falhe dessa vez. Ou, será seu pescoço que estará

em perigo.

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— Sim, senhor.

Nathan se retirou coxeando, extremamente dolorido pelos golpes que o barão havia

desferido, e dominado pela ira. Já sabia onde a jovem estava. Voltaria. Se fosse necessário, invadiria seu

quarto, e a degolaria enquanto estivesse dormindo.

Os dias de Edmée Gordon estavam contados.

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Capítulo 16

Tyler, em pé junto ao aparador, engolia o último gole de seu café. Estava usando seu traje

de montar, e sentia um enorme desejo de sair para cavalgar; esperava encontrar alguma pista que o

conduzisse ao autor do disparo que feriu a senhora McDonald, qualquer coisa que havia passado

despercebido nos dias anteriores.

As vozes alteradas de várias pessoas o distraíram e, achando estranho, dirigiu-se ao saguão,

de onde provinha todo o alvoroço. Ao sair, encontrou-se com uma criada que gesticulava dramaticamente.

Também estavam presentes, o senhor Lang, com seu semblante exageradamente sério, e Gabriele, que

tentava acalmar a criada. Nenhum deles reparou em sua presença até que ele falou.

— O que está acontecendo aqui?

Ao vê-lo, a condessa mordeu o lábio, e o senhor Lang arregalou os olhos, mas, assumindo

rapidamente sua eterna expressão imperturbável.

— Oh, senhor Collingwood! — gemeu a criada. — Ela desapareceu!

Tyler sentiu um terror frio e cortante percorrer suas veias enquanto a imagem de seu filho

invadia sua mente.

— Quem desapareceu? — Perguntou com o medo evidente em sua voz.

— Helen! Retire-se! Eu falarei com o senhor Collingwood. — Exclamou a condessa.

A criada obedeceu imediatamente. O mordomo pediu permissão para se retirar também.

— Gabriele, o que aconteceu? Quem desapareceu?

— Por favor, Tyler, acalme-se. Foi Edmée.

Durante alguns segundos ele olhou a sua cunhada sem dizer nada, muito afetado pelo que

acabava de ouvir. As seguintes palavras dela o devolveram à realidade.

— Parece que esta manhã, quando a criada entrou para limpar o quarto, encontrou a cama

intacta, e uma nota sobre ela.

— E Adam?

— O menino está aqui. Não o levou, se é isso que quer saber.

— Meu Deus! Aonde pode ter ido?

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— Pegue. — Estendeu um pequeno envelope. — É para você

Ele agarrou o envelope e, sem acrescentar nada mais, dirigiu-se ao seu quarto. Seu coração

pulsava com força dentro do peito, enquanto a ansiedade e a preocupação ameaçavam seu controle.

Em seu quarto, incapaz de sentar-se, ele abriu o envelope e retirou a pequena nota. Não

conhecia a letra de Edmée: era ligeiramente curva e pequena. Provocou-lhe um desconcertante

sentimento de ternura contemplar essa folha de papel escrita por ela.

Querido Tyler,

Não queria partir sem me despedir de você, como naquela noite que nos conhecemos, e que

mudou a minha vida.

O barão me encontrou e, creia-me, não descansará até que eu esteja morta. Não posso me

arriscar a pôr em risco a vida das pessoas que foram tão boas para mim. E, isso será inevitável se eu

permanecer nessa casa. Jamais arriscarei sua vida nem a de Adam.

Meu bebê! Separar-me dele foi o pior sofrimento da minha vida, mas parto com a certeza

que ele está nas melhores mãos possíveis: as de seu pai. Cuide dele e ame-o. Por favor, fale sobre mim.

Diga o quanto eu o amo.

Tyler, apesar do que eu disse quando nos reencontramos, conhecê-lo foi maravilhoso, e você

viverá para sempre em meu coração.

Gostaria que as coisas fossem diferentes.

Edmée.

Ele leu a carta mais uma vez e, depois, guardou-a no bolso. A preocupação não impedia que

pensasse claramente. Por alguns momentos, a ideia de um sequestro e a consequente falsificação da nota,

passou pela sua cabeça. Dirigiu-se ao quarto de Edmée. Permaneceu imóvel alguns segundos, recordando

a noite que havia passado com ela nesse mesmo lugar. Apenas acabava de partir, e ele já sentia sua falta

desesperadamente. Observou que, efetivamente, a cama estava intacta, e tudo a seu redor estava em

perfeita ordem. Abriu o imenso armário que dominava o aposento, e constatou que estava vazio. Nenhum

sequestrador teria se preocupado em levar sua roupa. Além disso, a janela permanecia fechada, e sem

sinais de arrombamento, exatamente como a porta, que examinou detalhadamente.

Dominado pela preocupação, Tyler sentou-se na cama, e enterrou o rosto entre suas mãos.

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— Oh, Meu Deus! Edmée! Por que você fez isso?

Ele sairia para procurá-la, e não apenas isso, faria com que todos os arrendatários do

condado seguissem seu rastro. Ele a encontraria, tinha que encontrá-la, pois, imaginá-la sozinha e

perambulando de um lugar ao outro correndo o risco de ser encontrada pelo barão ou pelo seu comparsa

antes dele, o angustiava terrivelmente. Não! Essa possibilidade era tão horrível que o pânico o dominava

e imobilizava.

Desejando sair o quanto antes, e consciente que Edmée tinha uma noite de vantagem, saiu

correndo do quarto, atropelando uma criada que estava em seu caminho, desculpando-se

apressadamente. Em sua mente, só havia espaço para Edmée, e para o aterrorizante sentimento que se

algo acontecesse a ela, ele preferiria estar morto.

* * *

O sol acabava de se pôr, quando, finalmente, Edmée avistou a granja da senhora Rogers.

Por causa das precauções, ela havia demorado mais do que o previsto para chegar a Beachy Head. Não era

prudente permanecer muito tempo nesse lugar, pois, alguém poderia procurá-la nos lugares que estivera

antes, mas sem dinheiro, e com a pouca comida que havia trazido e já esgotada, não imaginava lugar

melhor. Confiava na senhora Rogers, ela sempre foi excepcionalmente amável com ela e com Adam. Ela

realmente apreciava a mulher sinceramente.

Pensar em seu filho a entristeceu. Para recuperar-se, disse a si mesma que o menino estava

em boas mãos, e que Tyler não permitiria que nada acontecesse a ele.

De repente, as lágrimas traiçoeiras encheram seus olhos. Edmée começava a acreditar que

lady Collingwood estava certa, que Tyler realmente sentia algo por ela, que o pedido de casamento era

oriundo de um desejo autêntico de se casar com ela, mas, por causa do barão, sua vida se transtornava

outra vez e, ela precisava fugir. Não seria absolutamente livre até que o barão Sanders estivesse morto e,

mesmo sabendo que era pecado, desejou com todas suas forças que isso acontecesse.

Assim que se certificou que não havia ninguém pelos arredores, saiu de seu esconderijo

atrás dos arbustos que rodeavam a granja, e bateu na porta.

A senhora Rogers abriu, e lançou uma aguda exclamação de surpresa.

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— Senhora Gordon!

— Olá, senhora Rogers. Posso entrar?

A mulher não disse nada, afastou-se para que ela pudesse entrar olhando-a com

preocupação. Edmée estava extremamente magra, pálida, e com uma expressão tão triste no olhar que a

senhora sentiu seu coração palpitar de compaixão.

— Querida, sente-se, e permita-me trazer algo para comer. — A mulher havia notado a

ausência do pequeno Adam. Supondo que a tristeza da moça estava relacionada com esse fato, sentiu-se

horrorizada e angustiada.

A senhora Rogers havia enviuvado muito tempo atrás, tanto que já não recordava o rosto

de seu marido. Ele o amara com ternura, e jamais cogitara a possibilidade de se casar novamente, apesar

das propostas que recebera, e da dificuldade em criar sozinha suas duas filhas jovens. As filhas haviam

crescido, e partido assim que se casaram. Então, ela conheceu o peso cruel da solidão.

A chegada da senhora Gordon com seu bebê adorável havia proporcionado distração e

companhia, pois, costumavam tomar chá juntas. Nesses encontros, a senhora Rogers relaxava, e falava

sobre sua família, seus vizinhos, dos vários pretendentes que teve em sua vida ou de qualquer outra coisa,

enquanto isso, a senhora Gordon escutava com atenção, interrompendo-a apenas para pedir maiores

detalhes ou tecer algum comentário.

Em certas ocasiões, a mulher havia tentado descobrir algum detalhe sobre o falecido marido

de Edmée, o pai de Adam, mas Edmée sempre respondia com evasivas, e mudava de assunto, portanto,

ela deduzia que essa lembrança era muito dolorosa para ela.

Quando pôs diante dela uma generosa fatia de bolo de carne e nabos, e uma fumegante

xícara de chá, a moça começou a comer com apetite, sem parar até que comeu tudo.

— Muito obrigada, senhora Rogers. — Murmurou um pouco envergonhada pelo

entusiasmo pela comida.

— Não há de quê. — Sentou-se diante da moça e, procurando seu olhar, perguntou com

voz doce. — Querida, o que aconteceu com Adam?

Sem poder reprimir a tristeza, Edmée desabou em soluços dilaceradores. A mulher a

abraçou contra seu peito, e lhe deu suaves tapinhas na cabeça enquanto derramava lágrimas silenciosas.

— Oh, pobre garotinho! Como aconteceu?

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Edmée entendeu o engano dela, e se preparou para esclarecer, mas percebeu que para isso

deveria contar toda a verdade. Durante tanto tempo ela havia resistido a revelar seus problemas, e a ideia

de contar a duas pessoas diferentes em um espaço tão curto de tempo a assustou um pouco. Estava

convencida que seu silêncio era a causa de sua sobrevivência até esse momento, mas, por outro lado, não

podia continuar ocultando a verdade da senhora Rogers, que sempre fora tão boa, e a olhava com uma

profunda tristeza.

— Posso confiar em você?

— É claro que sim, querida!

— De acordo.

Depois de engolir saliva, Edmée começou a contar a sua história.

Quando terminou, fez-se um profundo silêncio na acolhedora cozinha da granja, tão

espesso que poderia ser cortado com uma faca.

— Santo Deus! — Completamente lívida, a mulher se levantou de sua cadeira, e voltou a

sentar-se, totalmente alheia aos seus movimentos.

— Contei tudo porque não quero continuar mentindo para você.

— Jamais teria imaginado. Eu sabia que você escondia alguma coisa, mas acreditei que era

algo relacionado ao seu falecido esposo. Que trapalhada! Não existe nenhum marido, não é mesmo?

— Não; o único homem da minha vida é o senhor Collingwood.

— Mas, querida; seu filho, o homem que você ama, você os deixou para trás. O que vai

fazer?

— Não tenho outra opção a não ser me afastar deles. O barão nunca deixará de me

perseguir, e não posso pôr suas vidas em perigo.

A senhora permaneceu em silêncio durante alguns segundos, considerando tudo o que

Edmée havia dito.

— Como posso ajudá-la?

— É fundamental que ninguém saiba que estive aqui, não deve dizer a ninguém, entende?

— Claro, querida, não se preocupe com isso.

— Vou precisar de provisões, mantimentos que durem ao menos uma semana. — Na

verdade, Edmée precisava de dinheiro, mas sabia que pedir algumas libras seria um abuso. A mulher,

apesar de não passar nenhum tipo de necessidade, vivia humildemente.

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— Isso não será nenhum problema.

— Muito obrigada. Provavelmente você acaba de salvar a minha vida.

Assim que tentou se levantar, um mal estar dobrou seus joelhos, e ela caiu ao chão.

— Senhorita Gordon, você está bem?

Edmée não estava bem absolutamente. Um estranho cansaço parecia dominar seu corpo,

deixando-a lânguida, sem vontade. Sua cabeça girava, e ela tinha que fazer um grande esforço para não

vomitar o delicioso jantar que a mulher havia servido apenas uma hora antes. Apoiada nela, Edmée

conseguiu se levantar, mas o enjoo estava mais forte.

— Você está branca como a neve! Vou levá-la para o quarto das meninas. —Apesar de suas

filhas serem adultas, a senhora Rogers continuava falando delas como se ainda fossem pequenas. — Não

pode partir neste estado.

Ao sentir que perdia a consciência, Edmée se esforçou para murmurar com voz pouco

audível:

— Ninguém deve saber que estou aqui.

— Não se preocupe com isso, querida.

* * *

Lisa, enciumada, havia presenciado à intensa busca de Tyler que já durava três dias.

Desde que a senhorita Gordon havia desaparecido, ele parecia transtornado. Permanecia

fora da mansão até tarde da noite, quase não comia, e os criados comentavam que ele permanecia

acordado até altas horas da noite dando voltas pela biblioteca como um enorme leão enjaulado.

Nessa noite, ela se encheu de coragem para aproximar-se dele, mas, quando se preparava

para abrir a porta, ouviu a voz do conde, e ficou escutando apoiada contra a parede.

— Você não vai encontrar nada dando voltas pelo bosque em plena noite! O que pretende?

Quebrar o pescoço? Você sabe que dessa maneira apenas conseguirá ficar esgotado. Tyler; você deve

manter a cabeça fria.

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— Eu acho que você não é a pessoa mais indicada para me passar um sermão sobre

perambular por aí. — Lisa sabia que Tyler se referia aos meses posteriores à fuga da condessa, quando os

criados chegaram a temer que lorde Collingwood tivesse enlouquecido.

— Você está enganado, irmão, eu sou a pessoa indicada para compreendê-lo. E, acredite-

me, se eu pudesse voltar no tempo, não faria o que fiz. Por isso, peço-lhe que pare de se comportar como

um louco. Já se passaram três dias, certamente Edmée não está nas imediações. Podemos contratar os

melhores detetives da Inglaterra.

Lisa escutou uma espécie de grunhido, e um som parecido a um golpe seco. Em seguida, a

voz abafada de Tyler.

— Você não compreende que cada dia que passa é um dia a mais que ela está em perigo?

— Já temos homens vigiando a residência do barão.

— Devemos fazer algo mais. Até que esse desgraçado deixe de ser uma ameaça, Edmée

estará em perigo.

De novo um silêncio, e o som do líquido derramado em uma taça.

— Tyler, você precisa parar de beber.

— Como você quiser.

— Estou falando sério, Tyler.

— Deixe-me, maldição!

Depois de uma breve hesitação, ouviu-se a voz resignada do conde.

— Está bem, como quiser.

Lisa, ao ouvir o ruído de botas, supôs que lorde Collingwood se dispunha a sair e se escondeu

na curva do corredor que dava acesso a cozinha.

Apesar da penumbra que reinava no corredor, a moça viu que lorde Collingwood saía da

biblioteca, e se dirigia ao andar superior, onde se encontravam os dormitórios. Durante alguns segundos

hesitou, mas considerou que não teria uma oportunidade melhor do que essa.

Ele estava há vários dias sem ter uma mulher em sua cama, além disso, estava bêbado; pelo

que ela sabia, e segundo as conversas dos Fergusson em um dos muitos eventos que haviam passado em

Riverland Manor, o jovem Collingwood não passara uma noite sequer sem uma mulher, desde que tinha

vinte anos. Não sabia se isso era um exagero ou não, mas pretendia jogar todas as suas cartas, e descobrir.

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Não bateu na porta, abriu suavemente e entrou. Tyler estava de costas, sentado com

indolência na poltrona com o olhar ausente, e em direção as cortinas.

— O que você quer agora, Alexander?

— Não sou Alexander.

Ao ouvir a voz de Lisa, ele fechou os olhos com força durante alguns segundos e reprimiu

um suspiro de enfado. Girou a cabeça lentamente e a olhou.

Ela era muito atraente, cheia de curvas voluptuosas, e com seios grandes e firmes. Seu rosto

redondo estava emoldurado por um sedoso cabelo loiro, e seus olhos castanhos brilhavam na escuridão

como os de um gato. Havia desejado Lisa com intensidade febril desde que tinha vinte anos, e durante

todo esse tempo não resistiu aos seus oferecimentos quando estava em Riverland Manor. Mas tudo havia

mudado quando Edmée apareceu.

O intenso desejo que sentia pela mãe de seu filho eliminou completamente a luxúria que o

impulsionava a aceitar os convites de Lisa. Desde o primeiro dia em que a conheceu, soube que Edmée era

diferente, mas nunca havia imaginado que acabaria transformando-se no centro de sua vida.

Olhou para Lisa, a bela mulher que demonstrava claramente em seu rosto todo o desejo

que sentia por ele, e o único sentimento que experimentava era aborrecimento.

— O que você quer?

— Oh, bem, ouvi vozes e me aproximei para saber se você precisa de alguma coisa. — Ao

dizer isto, aproximou-se sensualmente e apoiou seus seios generosos em suas costas.

— Não preciso de nada; apenas ficar sozinho.

— Ora, você não está falando sério. — Não estava disposta a dar-se por vencida tão rápido.

Sentou-se sobre seus joelhos e passou as mãos por seu pescoço.

— Não estou de humor para isso.

— Não se preocupe, eu sei como animá-lo. — Começou a lamber sua orelha com

intensidade, tentando excitá-lo.

— Basta, Lisa!

Ela fingiu que não escutou, e procurou tocar seu membro.

— Já disse que basta! — Enquanto exclamava essas palavras, Tyler se levantou com

brutalidade, quase derrubando a moça.

— Que diabos está acontecendo com você?

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— Sinto muito; já disse que não quero retomar nossa relação.

— Oh! Essa estúpida senhorita Gordon acabou com você e o transformou em um monge.

— Vamos, pare com isso. — Tyler sentia-se cansado, deprimido e a última coisa que queria

era enfrentar uma ex-amante ciumenta.

— Você é um desgraçado. Usou-me todos esses anos e agora me abandona como se eu

fosse um trapo velho.

— Eu a usei? — Apesar da pouca vontade que sentia de enfrentar uma mulher furiosa, Tyler

não pôde evitar que uma pontada de ira o atravessasse ao ouvir uma acusação tão injusta. — Foi você que

me perseguiu dia e noite até que se meteu em minha cama; de qualquer maneira, jamais prometi nada

nem a enganei. Você sempre soube que entre nós não havia nada além de sexo.

Lisa sentiu-se tão humilhada pelo repúdio, que em um impulso incontrolável, cuspiu nas

botas manchadas de pó de Tyler.

Ele respondeu com um olhar frio de intenso desprezo. A jovem escondeu o rosto entre as

mãos, começou a chorar, enquanto saia correndo do aposento.

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Capítulo 17

Nathan Sheridan era muito cuidadoso, e também muito hábil na arte do disfarce. Durante

o período que havia trabalhado com a companhia de teatro itinerante aproveitara para aprender truques

engenhosos para transformar sua aparência. O disfarce que usava durante os últimos quinze dias

enquanto rondava Rochester e as cercanias de Riverland Manor havia demonstrado ser muito eficaz.

Qualquer pessoa que o visse, pensava que se tratava de um velho mendigo, manco e

corcunda, completamente inofensivo. O próprio senhor Collingwood havia dado a ele um punhado de

moedas.

Mas, nada mais o retinha nesse lugar. Havia submetido à mansão do conde a uma vigilância

exaustiva e chegara à conclusão que a garota havia escapado outra vez. Nathan estalou a língua com

admiração: apesar de sua juventude e seu jeito tímido, demonstrava que era muito esperta. O que

começou como um trabalho bem remunerado transformou-se em um assunto pessoal. Ele estava há muito

tempo atrás da moça, e nesse período ela conseguira escapar dele muitas vezes. Nathan prometeu a si

mesmo: ele conseguiria apanhá-la, mesmo que fosse a última coisa que faria em sua vida. E, quando ela

estivesse em suas mãos, pagaria por cada minuto de sofrimento que ele passara por sua causa.

* * *

A senhorita Graham estava alimentando Adam. O menino sentia falta de sua mãe, estava

mais irritável e acordava várias vezes durante a noite. Felizmente, o senhor Collingwood passava muito

tempo com ele, e os momentos que o pai lhe dedicava pareciam fazê-lo esquecer da ausência de sua mãe.

Todos na casa estavam consternados pela inexplicável fuga da senhorita Gordon, e ela mais

do que ninguém. Havia testemunhado o quanto Edmée amava o seu filho e, portanto, ela sempre

considerou Edmée como uma mulher sensata e comedida, incapaz de reações impulsivas. Sendo assim,

ela teria que acreditar no fantástico boato que corria entre a criadagem que afirmava que o acidente

ocorrido com a senhora McDonald não fora casual e, que a bala era realmente direcionada a senhorita

Gordon? Mas, quem quereria atirar nela? E por quê?

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Nesse momento a chegada de Tyler interrompeu suas reflexões.

— Boa tarde, senhorita Graham.

— Boa tarde, senhor.

— Como está meu filho hoje? — Enquanto perguntava, ele sorria para o bebê, que batia

palmas alegremente.

— Está mais tranquilo do que ontem. Acabou de se alimentar nesse momento.

— Muito bem, eu ficarei com ele. Obrigado.

A senhorita Graham limitou-se a assentir com um aceno de cabeça. Recolheu a bandeja

onde estavam os restos da comida do menino.

— Com sua permissão, senhor.

Tyler assentiu distraído, com seu filho nos braços. Olhava-o com adoração enquanto o

menino, por sua vez, retribuía o olhar e se acomodava entre os braços de seu pai. Ele imaginou que após

o jantar o menino sentiria sono. Sentou-se na poltrona do aposento onde tantas vezes havia visto Edmée

abraçar Adam, e começou a acariciar sua cabecinha loira, enquanto o menino começava a cochilar.

— Mamãe!

— Você também sente a falta dela, não é? — Murmurou Tyler com uma profunda tristeza

apertando seu peito.

Abraçar o seu filho era o único consolo que tinha desde que Edmée partira. Quase não que

podia dormir, agitado pela preocupação e pela saudade terrível que sentia da presença tranquila da moça

na casa, sua voz calma e pausada, suas risadas quando brincava com as crianças, o olhar determinado que

enfrentava o seu sem hesitação e, acima de tudo, seu corpo apaixonado e ardente em resposta as suas

carícias que proporcionavam uma sensação inigualável ao tê-la entre seus braços.

Tyler havia percorrido os arredores durante muitas horas, havia questionado os aldeões

muitas vezes sobre a possibilidade de terem visto alguém suspeito, havia tentado imaginar onde poderia

procurá-la, e que atitude seria a melhor. Às vezes, imagens horríveis nas quais o barão a encontrava antes

dele penetravam em sua mente, atormentando-o sem piedade. Para evitar que isso acontecesse, ele havia

contratado um homem para vigiar dia e noite a residência de Sanders com ordem expressa de comunicar

imediatamente qualquer movimento suspeito. Mas isso não era suficiente, nada conseguia acalmar a

tremenda ansiedade que sentia, nem o medo, que era agora como uma segunda pele da qual ele era

incapaz de se livrar.

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Um plano começava a tomar forma em sua mente. Era um plano simples, mas, perfeito por

essa mesma razão, que provocaria uma resposta segura, embora fosse possível que o resultado não fosse

o que ele esperava. Mesmo assim, disse a si mesmo que faria a tentativa sem mais demora. Nessa noite,

conversaria com Alexander; sua ajuda era necessária para a execução de seu plano.

A respiração do pequeno indicava que já estava adormecido. Com ternura, afastou uma

mecha de cabelo caída sobre seu olho e beijou sua bochecha, encontrando conforto no perfume

característico de bebê que exalava dele. Mesmo que fosse apenas por ter dado Adam a ele, Tyler a amaria.

Mas, o que Tyler sentia por Edmée ultrapassava a ternura que fora despertada nele por ser a mãe de seu

filho, muito além do agradecimento pelo presente sem preço que ela havia dado a ele, e também do afeto

que uma pessoa como ela, certamente despertava facilmente nas pessoas que a conheciam.

Finalmente, ele compreendia que o que sentia por ela começara naquela noite a dois anos.

Essa intensa atração, esse surpreendente prazer que sentia quando se unia intimamente com ela, esse

atordoamento que sentira durante tanto tempo depois que ela desapareceu sem deixar rastro. Sim,

Edmée foi especial desde o primeiro momento em que a viu, e agora lamentava o tempo perdido por não

ter sido capaz de perceber isso antes.

Em certa ocasião, seu preceptor havia comentado que, segundo uma lenda, os nativos das

Bahamas não puderam ver as caravelas dos conquistadores espanhóis, capitaneadas por Cristóvão

Colombo, simplesmente por serem incapazes de distinguir qualquer coisa totalmente desconhecida para

eles. Algo semelhante havia acontecido a ele.

Era tão avesso ao amor que não fora capaz de reconhecê-lo quando estava diante dele.

Lamentava amargamente sua falta de sinceridade consigo mesmo, por não ter admitido que a amava com

toda a sua alma, para sempre e irrevogavelmente. A possibilidade que fosse muito tarde era terrível

demais para sequer considerá-la. Não deveria pensar assim. Precisava encontrá-la: sua vida e sua sanidade

mental dependiam disso.

Deitou o menino suavemente na cama e o agasalhou. Em seguida, partiu com passos ligeiros

em direção ao escritório de Alexander; esperava encontrá-lo ainda ali.

* * *

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Alexander escutou seu irmão em silêncio, sem interrompê-lo em nenhum momento, apesar

das sérias dúvidas que seu plano maluco suscitava nele.

— Tyler, isso é muito arriscado, poderíamos nos envolver em uma situação extremamente

desagradável.

— É a única opção que temos.

— Possivelmente se falarmos primeiro com a polícia, poderíamos conseguir algo.

— Por Deus, Alexander! Não temos nenhuma prova, nada que possa comprometer o barão

e, além disso, isso seria como um aviso. Ele não deve suspeitar que sabemos.

— Talvez se contratássemos um detetive que se encarregue disso.

— Não! Não pretendo esperar mais! Esse bastardo tem em suas mãos a vida da mulher que

amo. Farei tudo sozinho se for preciso.

O conde o olhou com os lábios apertados durante alguns segundos, e depois assentiu com

resignação.

— Está bem, será da sua maneira.

Aliviado, Tyler deixou-se cair esgotado diante da poltrona que seu irmão ocupava.

— Obrigado, Alexander. Você entende que preciso fazer alguma coisa. Pensar que Edmée

pode estar em perigo enquanto eu estou aqui, sem fazer nada! — Enterrou o rosto entre as mãos e

continuou com voz rouca. — Preciso encontrá-la; esses dias sem ela foram um inferno. Apenas imaginando

que posso nunca mais voltar a vê-la, fico louco.

— Isso não vai acontecer! Iremos até ele, e esse maldito nos dirá onde está Edmée. — O

conde se levantou e pôs uma mão sobre o ombro de Tyler. — Você deve ser forte. Tudo ficará bem.

O conde nunca vira Tyler desse jeito: nervoso, alterado e, com essa expressão de terror

refletida em seus olhos. Ser testemunha de seu sofrimento provocava um estremecimento de dor e

compaixão em Alexander. Tyler virou-se para ele e, exclamou com ferocidade.

— Se acontecer algo a Edmée, matá-lo-ei com minhas próprias mãos.

Alexander estremeceu. Nunca vira tanta decisão e desespero nos olhos de seu irmão.

— Vamos encontrá-la, não se preocupe. — Era imprescindível que fosse assim se não

quisesse perdê-lo para sempre.

Para aliviar o ambiente tenso que a exclamação feroz de Tyler havia provocado, o conde

ofereceu uma bebida que ele aceitou.

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— Há outra coisa.

— Diga-me.

— Trata-se de Lisa, a criada.

Alexander o olhou com intensidade e assentiu. Conhecia a relação que seu irmão mantinha

com a criada. Apesar do desagrado inicial que sentiu quando soube, há muitos anos, Tyler não agira de

maneira desonesta. Lisa não era uma jovem inocente, todos sabiam que manteve relações com outros

homens antes e depois de seu irmão, além disso, a maneira como ela se insinuava havia sido tão

escandalosa e evidente que todos na casa ficaram sabendo o que ocorria entre eles.

— O que tem ela?

— Quero que saia daqui.

Alexander olhou-o arqueando as sobrancelhas. Ele jamais fizera um pedido semelhante.

— Você quer que eu a despeça?

— Não, é claro que não. Pensei que poderíamos transferi-la para outro lugar, possivelmente

à residência de Londres.

— Mas, é onde você fica quando vai à cidade.

— Pensei na casa do subúrbio, onde você costuma ficar.

— Posso perguntar o que aconteceu?

— Essa mulher está louca, está me perseguindo. Juro a você, não posso suportá-la mais.

Muito menos nesse momento. Não quero que ela fique perto do meu filho, nem perto de Edmée quando

ela retornar. — Tyler olhou de forma intensa para seu irmão, e acrescentou, — Quando conseguir

encontrá-la, pretendo me casar com ela, nada e nem ninguém vai me impedir, e não vou permitir que essa

mulher ciumenta cause o menor sofrimento a minha esposa.

Alexander escutava com surpresa. Sempre soubera que, apesar de sua reticência, Tyler

acabaria encontrando uma mulher que acabasse com os seus receios, da mesma maneira que havia

acontecido a ele com relação a Gabriele. Mas, apesar disso jamais poderia imaginar que Tyler, sempre

ponderado e comedido em suas reações e sentimentos, chegasse a arder com esse fogo que parecia

devorá-lo por dentro.

— Não se preocupe; farei o que você me pede. Afinal de contas, Lisa não tem família aqui.

Amanhã mesmo comunicarei a ela.

— Não se preocupe, eu mesmo farei isso; apenas queria consultá-lo.

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— Está bem. Agora vá para o seu quarto e tente descansar. Amanhã teremos um dia muito

duro.

* * *

Edmée permaneceu três dias acamada, sob os atentos cuidados da senhora Rogers.

Recuperou-se de um profundo esgotamento físico e mental que lhe impediram de sequer ficar em pé.

A senhora Rogers, possuidora de uma lealdade elogiável, estava mantendo em segredo a

presença de Edmée, graças também a localização distante da granja, no subúrbio do povoado. A história

de Edmée havia tocado fundo nela, ela estava profundamente comovida. Ela queria que o barão malvado

desaparecesse, e que Edmée pudesse, finalmente, se reunir com seu filhinho e o maravilhoso cavalheiro

que a ajudara.

No momento que expressou seu desejo para à senhorita Gordon, tentando distraí-la, ela

havia esboçado um sorriso triste.

— Às vezes, acho que o barão viverá eternamente.

— Oh, vamos! Não diga tolices, querida. Ninguém vive eternamente. Você irá ver como sua

história terá um final feliz.

— Possivelmente Tyler se case com outra. Um dia terá que se casar.

— É claro que sim! Com você!

Edmée limitou-se a sorrir e, dominada pelo cansaço, fechou os olhos. A euforia inicial que

havia sentido quando a condessa afirmou que Tyler sentia algo muito especial por ela, começava a

desaparecer. Não apenas pesavam em sua alma as dificuldades às que enfrentava e que pareciam

insolúveis, mas também começavam a atacá-la as dúvidas em relação aos verdadeiros sentimentos de

Tyler. Se a amava, por que não havia dito? Ele teve muitas oportunidades para se declarar. Possivelmente

estivesse confundindo tudo, misturando o desejo que os consumia com a possibilidade de que ele a

amasse como ela o amava.

No quarto dia, quando a senhora Rogers foi levar o café da manhã, encontrou Edmée de pé.

— Querida! O que você está fazendo?

— Sinto-me bem. Preciso partir.

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— Mas, aonde irá?

Essa pergunta havia atormentado Edmée durante todos esses dias. Antes, nunca se atrevera

a empreender uma viagem longa temendo que Adam adoecesse ou lhe acontecesse alguma outra coisa.

Agora, já não existia essa preocupação. Graças às aulas que havia compartilhado com sua querida Florence,

entendia bastante bem o francês, embora fosse mais difícil falar fluentemente. Tinha certeza que poderia

se dar bem. Sua alma sangrava pela dor de ter que se afastar tanto de tudo que mais amava, mas sabia

que não havia alternativa.

— Irei à França. Procurarei à família de minha mãe, se é que ainda existe alguém. Meu nome

é francês, como você sabe. Recebi esse nome em homenagem a uma tia idosa de minha mãe. Talvez,

encontre algum parente, embora duvide muito: não tive contato com nenhum deles em todos esses anos,

nem imagino onde possam estar.

A senhora Rogers a olhou com tristeza durante alguns segundos, e finalmente assentiu.

— Está bem, querida.

Edmée se aproximou da mulher e a abraçou com força. Era consciente que a despedida

também afetava à senhora.

— Senhora Rogers, jamais esquecerei tudo o que fez por nós. Sempre terá um lugar de

destaque em meu coração, e em minhas orações.

A boa mulher conteve a corrente de lágrimas que ameaçava escapar e, depois de

permanecer alguns minutos abraçada a Edmée, levantou-se para preparar as provisões, enquanto a moça

se arrumava para partir.

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Capítulo 18

Todos os Collingwood permaneciam junto à porta de entrada, despedindo-se de Betty

McDonald. Totalmente recuperada de seus ferimentos, estava ladeada por seu marido, que segurava seu

braço carinhosamente.

— Muito obrigado por tudo, Gabriele, você foi muito amável.

— Oh, vamos, Betty! É o mínimo que podíamos fazer, não diga tolices.

As duas mulheres se abraçaram com afeto e, nesse momento, enquanto ambas se

despediam, Kyle McDonald se dirigiu aos irmãos Collingwood e disse em voz baixa:

— Assim que descobrirem a identidade do maldito que atirou contra minha esposa, quero

saber.

Alexander lançou um olhar para seu irmão que fez um gesto negativo quase imperceptível

com a cabeça.

— Não se preocupe. Quando o apanharmos, receberá seu castigo.

Tyler admirou o enorme talento diplomático do conde. Havia dado uma resposta sincera a

Kyle e, ao mesmo tempo, evitava fornecer qualquer pista sobre o plano que colocariam em prática nas

próximas horas.

— Eu também quero participar.

Alexander limitou-se a assentir. A aparição da senhorita Graham com as crianças desviou a

atenção de todos para eles.

— Senhor, aqui estão seus filhos. Foram protagonistas de uma cena de despedida muito

triste.

Todos sorriram ao ouvir o comentário da preceptora. Realmente, as crianças permaneciam

sérias e claramente contrariadas pelo término da visita a casa de seus queridos amigos.

— Bem, meninos, — interveio Betty. — Em breve espero a visita de lady Collingwood a

nossa casa, não é mesmo, Gabriele?

— Claro que sim; assim que consigamos localizar a nossa querida senhorita Gordon iremos

juntas fazer uma visita.

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O ensurdecedor ruído de um cavalo a galope os interrompeu. A inconfundível cabeleira

ruiva e os largos ombros do cavaleiro anunciaram claramente que se tratava de um dos gêmeos Fergusson.

— Louis! — Exclamou Gabriele. Ela era uma das poucas pessoas capazes de diferenciá-los.

Tyler reprimiu um suspiro de enfado. Havia desfrutado de um período de folga devido à

viagem de negócios que os dois Fergusson empreenderam; mas agora, que estavam de volta, Louis o

perseguiria como um lobo a uma lebre.

— Boa tarde a todos! — Exclamou o recém-chegado ao desmontar com agilidade junto a

eles.

— Que surpresa!

— Retornamos ontem à noite, irmãzinha. — Disse, após oferecer um breve, mas afetuoso

abraço. — E todas estas ilustres pessoas? Por acaso estão aqui para me darem às boas-vindas?

— Ora, vamos, não seja tolo. — Exclamou a condessa. — Nós estamos nos despedindo de

Betty e Kyle.

O jovem Fergusson recuperou as boas maneiras, saudou todos os presentes e seu olhar se

deteve mais do que o necessário na senhorita Graham, que, como era seu costume, observava-o com uma

profunda expressão de desagrado em seu belo rosto. Com o objetivo de alterar essa expressão

imperturbável, Louis se inclinou zombeteiro diante ela.

— Senhorita Graham, vejo que continua sorridente como sempre.

— Sim, senhor, e me sinto muito feliz ao ver que você não perdeu nem um ápice de seu

encanto infantil. — Louis apertou os lábios ao detectar o sarcasmo nessas palavras. Sentia-se

extremamente contrariado por essa mulher, que era a única que nunca sucumbira aos seus encantos.

Decidido a ignorá-la, virou-se para seus sobrinhos e os abraçou com afeto.

— Trouxe um presente para Robert que encontrei no continente. — Disse piscando um olho

e sorrindo ao ver suas expressões de ansiedade. — E para Christie também, claro.

Os McDonald partiram, e eles entraram na casa. Alexander levou Gabriele até um canto

para se despedir dela. Não havia comentado sobre os planos de Tyler, apenas informara que sairiam para

seguir uma pista da senhorita Gordon. A preceptora levou as crianças, mas, não sem antes lançar um olhar

de desdém para Louis que a seguiu com o olhar até que desapareceu de sua vista.

— Bem Tyler, agora quero que me convide para beber uma taça enquanto me conta essa

novidade sobre ter um filho. — Disse Louis.

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— Vamos ter que adiar. Alexander e eu vamos a Londres, temos um assunto para resolver.

— Negócios?

— Não; vamos caçar um rato.

Louis o olhou com as sobrancelhas arqueadas e, ao ver que Tyler não oferecia mais

explicações, deu um suspiro resignado.

— Está bem, enquanto chegamos a Londres você me conta do que se trata.

— Você não vai conosco, não tem nada a ver com você.

— Oh, é claro que irei. Sempre tive aversão aos ratos.

— Você não vai. Não insista.

— Como pretende me impedir?

Edmée apertava com força a bolsa que carregava. O movimento do porto de Portsmouth a

ensurdecia, e ela olhava ansiosa para o enorme casco do navio que a levaria ao porto de Havre, na França.

Em uma simples bolsa de viagem, cedida pela senhora Rogers que afirmara que nunca a

usava, levava seus poucos pertences, assim como as provisões que ela havia preparado e dez libras que

eram quase a totalidade das economias da boa mulher.

— Não posso aceitar. — Dissera Edmée quando a senhora lhe estendeu o dinheiro.

— Claro que pode.

— Senhora Rogers, você foi generosa demais comigo. Não posso aceitar seu dinheiro.

— Este dinheiro está guardado para uma emergência. Acredite-me, não me ocorre maior

emergência que esta.

Finalmente, Edmée terminou aceitando o dinheiro, prometendo a si mesma que assim que

pudesse, devolveria. Nervosa, perguntou a hora a um elegante cavalheiro de cabelo branco que se

encontrava junto a ela.

— Você vai zarpar no Papillon?

— Sim, senhor.

— Bem, dentro de quinze minutos estaremos embarcando.

Edmée sentia-se dividida. Por um lado, ansiava que chegasse o momento em que o Papillon

partisse das costas inglesas com ela a bordo. Com sua partida, ela afastaria as pessoas que mais amava do

perigo constante que o barão os submetia. Por outro lado, afastar-se de Riverland Manor, de seu filhinho,

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de Tyler, dos condes de Kent, das crianças e, de todas as pessoas que aprendera a apreciar como se fosse

de sua família, causava-lhe uma tristeza terrível.

Ao pensar nos Collingwood, ela percebeu que os amava como se fossem, realmente do seu

sangue, inclusive até mais. Não havia desfrutado do calor maternal, mas fora acolhida com muito carinho,

primeiro pelos Vermell, e depois pelos Collingwood. Apesar de tudo, o destino não foi cruel com ela,

apenas caprichoso. Havia proporcionado um lar e afeto, mas também havia colocado o barão Sanders em

seu caminho.

Um forte puxão em seu ombro a fez girar bruscamente. Assim que reconheceu o rosto de

Nathan Sheridan, uma sensação de terror invadiu seu corpo. Ela se preparou para gritar, mas ele a agarrou

com força pelo braço e, arrastou-a para afastá-la da multidão.

— Solte-me! Maldito! — Com todas as suas forças, Edmée tentava se libertar, mas o homem

segurava seu braço com uma força tremenda.

— Vamos desgraçada! Você não fugirá de casa deixando as crianças abandonados!

Edmée lutava, sem prestar atenção ao que ele dizia, mas as pessoas a seu redor que

primeiramente a olhavam alarmadas e com compaixão, em seguida, passaram a olhá-la com indiferença

ou desprezo.

— Solte-me! Socorro! — Sentindo-se impotente, observou que ninguém se dispunha a

ajudá-la, e todos pareciam ignorá-la com desdém.

Esgotada pelo esforço, sentiu como as lágrimas amargas escorriam pelas suas bochechas.

Uma estranha sensação entre fatalidade e alívio apoderou-se dela, sem forças para continuar lutando,

derrotada pela dor que sentia por perder tudo que amava, e cansada de viver com medo e se escondendo.

— Pombinha, você vai morrer. — Disse Nathan Sheridan em seu ouvido, sorrindo de uma

forma aterrorizante. — Mas antes disso, pretendo me divertir com você, para compensar o tempo que

perdi seguindo seus passos.

* * *

A pequena mansão do barão Sanders se elevava majestosamente em Kensington, região

onde residiam vários nobres e pessoas notáveis. A fachada era branca e tinha o teto de pedra, com duas

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torres pequenas nas laterais. Um jardim bem cuidado rodeava a moradia, onde se destacavam várias

roseiras e algumas árvores frutíferas.

— Vai ser difícil encontrar um lugar onde se esconder, Louis. — Exclamou Tyler pensativo.

— Fique tranquilo; sei o que estou fazendo. — Respondeu Louis.

— Está bem, mas lembre-se, pelo que sabemos, este homem é mais perigoso do que parece.

— Alexander olhou para seu cunhado com preocupação. — Você deve ser muito cuidadoso. — A paciência

e a ponderação não eram as principais características de Louis Fergusson, ao contrário de seu irmão

gêmeo, André, que era muito mais racional e tranquilo.

— Não se preocupe, sei me defender.

— Não duvido. — Respondeu o conde tocando em seu ombro.

Fergusson se despediu e afastou-se sob o atento olhar dos Collingwood.

— Não se preocupe com ele. — Disse Tyler. — É mais preparado do que você possa

imaginar. — Ele sabia disso, pois havia testemunhado todas às vezes que o talento incrível de Louis os

salvara de situações complicadas. — Trazê-lo conosco foi uma boa ideia, se formos vítimas de uma

armadilha, ele dará o alarme.

Alguns minutos depois, ambos bateram na porta. Esperaram apenas poucos segundos até

que a porta fosse aberta por um mordomo muito sério que perguntou com cortesia.

— O que desejam?

Alexander limitou-se a estender seu cartão de visita enquanto dizia:

— Eu gostaria de ver o barão.

— É claro, entrem e esperem um momento. — Lançando um olhar de soslaio ele distinguiu

o brasão da casa dos Kent, um carvalho cruzado por uma faixa azul. — Em seguida, ele os receberá.

Assim que o mordomo se afastou, Tyler, sem dizer nada, dirigiu-se rapidamente para a

escada. Esperava, com o coração apertado, não se encontrar com o barão em pessoa, já que o

reconheceria sem sombra de dúvida, pois, em muitas oportunidades encontraram-se nas sessões do

parlamento e no Clube White’s. Os criados não representavam nenhum problema, ninguém ousaria

questionar um distinto convidado do barão. Felizmente, nessa sociedade as coisas quase sempre eram

como pareciam.

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Como era esperado, encontrou duas criadas que carregavam uma pilha de lençóis. Levantou

seu queixo, e passou junto a elas com a expressão mais aristocrática possível. As moças limitaram-se a

inclinar levemente a cabeça em uma respeitosa saudação.

Tyler conhecia a localização do antigo quarto da baronesa. Todas as suas esperanças

estavam depositadas no fato que não estivesse redecorado. Se fosse assim, o mais provável seria que o

barão tivesse descoberto o caderno; nesse caso, não teriam mais nenhuma chance. Mesmo assim, ele

estava decidido a matar o barão com suas próprias mãos, se fosse necessário, para alcançar seu objetivo:

estava disposto a recuperar Edmée e não sairia dali sem ela.

* * *

O barão Sanders sentiu que um suor frio percorria suas costas quando viu o cartão que

anunciava seu visitante. A moça havia falado. Durante alguns segundos considerou a possibilidade de

apresentar qualquer desculpa e não recebê-lo, mas sabia que isso provocaria mais suspeitas, portanto,

dizendo a si mesmo com a intenção de se acalmar, que eram apenas suspeitas, não havia nada que o

implicasse. Poderia afirmar que a criada de sua esposa estava totalmente louca.

Ao entrar na sala onde o mordomo havia acomodado o conde de Kent, ficou surpreso ao

vê-lo sozinho.

— Bom dia, milorde. — Saudou com cordialidade, felicitando-se mentalmente pela firmeza

em sua voz.

— Barão. — Alexander inclinou a cabeça com todo respeito.

— E o seu acompanhante? O mordomo me informou que você estava acompanhado.

—Oh, sim, meu secretário, o senhor Eaglen, sem dúvida, você o conhece. Ele esqueceu

alguns documentos que queria lhe mostrar e saiu para pegá-los.

O nervosismo voltou a se apoderar do barão.

— Documentos, foi o que disse?

— Sim, um negócio para o qual irei necessitar de um sócio.

O barão o observou por alguns segundos com os olhos entrecerrados. Obviamente que não

acreditava em nenhuma palavra do que o conde lhe dizia, mas, conseguiu se acalmar um pouco. Era

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possível que estivesse ciente das acusações da moça, mas, em sua visita não havia intenção de acusá-lo

de nada, apenas pretendia investigar. Nesse caso, não encontraria nada. O barão permitiu-se um largo

sorriso.

— Você me honra, milorde. — Apontou para uma cadeira, em seguida, sentou-se em outra.

— Oh! Perdoe-me pela minha descortesia! Você deseja beber alguma coisa?

— Sim, aceito.

— Permita-me oferecer um excelente vinho da Espanha, um Ribera del Duero.

— Vinho espanhol?

— Sim. A epidemia que assolou os vinhedos franceses há alguns anos provocou uma maior

procura pelos vinhos espanhóis e atrevo-me a afirmar que não ficam devendo nada aos franceses.

— Está bem, provarei uma taça desse Ribera del Duero.

Alexander sabia que era importante ganhar tempo para Tyler. Supunha que o barão

suspeitasse das intenções de sua visita inesperada. Ele também suspeitaria se estivesse em seu lugar, e o

barão era um homem inteligente.

Quando o vinho foi servido, de uma intensa cor rubi, degustou-o com prazer. Demorou mais

tempo que o necessário e ignorou o olhar atento do barão, que o observava desconcertado por essa

aparente tranquilidade.

— Realmente, um vinho excelente.

— Fico feliz que tenha gostado. — Depois de fazer uma pausa para tomar um gole de sua

taça, perguntou. — Quais são esses negócios que queria me falar?

— Trata-se de um empreendimento arriscado, mas estou certo que será bem sucedido.

Acredito que não será necessário explicar sobre a importância do cobre e seu valor em alta para sua

utilização nas fábricas. — Alexander olhou para o barão com as sobrancelhas arqueadas e o viu assentir

distraidamente. Na verdade, ele não era um homem de negócios; seus recursos eram obtidos de forma

ilícita. — Tenho certeza que muito perto de Londres existem jazidas intocadas deste metal, e meu plano é

explorá-las. Para isso, entretanto, necessito de um sócio.

— Muito me honra lorde Collingwood, mas a verdade que estou desconcertado por você

ter pensando em mim para essa sociedade. Todos sabem que o seu sogro, o senhor Fergusson, possui um

infalível tino comercial.

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— Sim, você tem você razão, sir Sanders, mas, somente entre nós, farei uma confidência.

— Alexander elevou uma prece para que Tyler encontrasse rapidamente o que estava procurando. O barão

não era tolo e, em breve, ele não teria mais desculpas para distraí-lo. — É muito desagradável ter meu

sogro sempre atrás de mim como uma sombra, sinto-me inferiorizado diante de minha esposa. Você

entende?

— Sim, claro. Mesmo assim…

Foram interrompidos pelo som da porta se abrindo. Alexander assistiu surpreso como Tyler

entrava como um furacão e agarrava o barão pelos ombros. Aliviado, constatou que em sua mão esquerda

estava um pequeno caderno de capa escura.

— Maldito! Diga-me onde está Edmée, ou juro que o matarei aqui mesmo.

O barão o olhou pálido como cera. Entretanto, com os lábios apertados, murmurou:

— Solte-me imediatamente, senhor Collingwood, não sei do que está falando.

Alexander levantou-se tranquilamente e fechou a porta da sala, que Tyler deixara aberta ao

entrar. Em seguida, dirigiu-se ao barão:

— Eu, se fosse você, responderia sua pergunta. Devo informá-lo que nos últimos dias meu

irmão está descontrolado, não posso responder por seus atos.

— Isto é um absurdo, não sei do que estão falando.

— Como não? — Tyler colocou o caderno da falecida Florence diante de seu rosto. —

Segundo o que sua esposa escreveu aqui, que descanse em paz, você não tem vidas suficientes para pagar

todo o mal que fez.

— Minha mulher não estava bem da cabeça, era uma pobre louca.

— É mesmo? Você acha que se vasculharmos o porão da pequena casa que você possui nos

arredores de Runnymede não encontraríamos a evidência do que Florence descobriu? E se perguntamos

ao seu assassino de aluguel, o senhor Sheridan? Conforme diz aqui, ele está a par de tudo, já que foi assim

que Florence descobriu tudo ao escutar uma conversa sua com ele.

— O que Florence descobriu exatamente, Tyler?

— Chame Louis e explicarei tudo.

Alexander assentiu sem dizer nada. Não sentia a menor compaixão pelo barão, que

permanecia totalmente dominado pelo seu irmão, pálido e com o rosto tenso. Conhecia Tyler, ele era um

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homem moderado, sem inclinações a explosões de fúria. Se ele havia abordado sir Sanders dessa maneira,

sem dúvida, possuía um bom motivo.

Aproximou-se de um das janelas e olhou ao redor. Em seguida, assobiou longamente. Em

poucos segundos, Louis apareceu junto à janela; de dentro era possível ver seu cabelo ruivo. O conde disse

algo que Tyler não pôde ouvir e, alguns segundos depois, Fergusson subia pela janela com agilidade e

entrava na sala sem dificuldade.

— Bem, quem terá seu pescoço quebrado?

— Por enquanto, ninguém. — Respondeu Tyler. — Mas vigie sir Sanders e não permita que

se mova nem um milímetro.

— É claro. — Assentiu, sorridente.

—Não o perca de vista, cunhado, atrás desse aspecto de cavalheiro esconde-se uma

serpente.

Louis limitou-se a assentir e direcionou toda a sua atenção ao barão, ao que saudou com

uma zombeteira reverência.

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Capítulo 19

— Agora, Tyler, conte-nos tudo o que descobriu. — Disse Alexander.

Com um gesto de profundo desagrado, ele começou a contar o que sabia.

— Esse maldito gosta de torturar e violar jovenzinhas. Aparentemente, o senhor Sheridan

as sequestra em povoados distantes, para não levantar suspeitas, e as leva até Runnymede, onde executa

suas aberrações.

— Meu Deus! — Alexander murmurou impressionado.

— Sanders é uma espécie de guia. Uma vez por ano executam seu ritual macabro junto com

mais ou menos quatro pessoas.

— Como você descobriu isso?

— A falecida senhora Sanders ouviu acidentalmente quando o barão e seu assassino de

aluguel planejavam um sequestro. Quando, horrorizada, questionou seu marido sobre o que havia

escutado, ele ameaçou matar Edmée se ela revelasse qualquer coisa, da mesma maneira que havia matado

os pais de Florence.

O som de uma sonora bofetada os interrompeu. Louis havia golpeado o barão com muita

força, provocando uma ruptura em seus lábios que começou a sangrar abundantemente.

— Lamento cavalheiros, mas não pude me conter.

Tyler continuou falando, como se a interrupção não tivesse acontecido.

— Isso explica por que a senhora Sanders se tornou tão reservada com Edmée, que era

como uma irmã para ela; ela sentia-se desconcertada pela mudança repentina em sua amiga.

— Senhores, podemos chegar a um acordo.

— A única possibilidade que o livrará de ser entregue a polícia é me dizer onde está a

senhorita Gordon. —Tyler se aproximou até que seus rostos quase se encontraram. — Se você revelar seu

paradeiro permitirei que fuja do país. Se nunca voltar a vê-lo, esquecerei esse assunto, mas, se tentar me

enganar, acredite, não haverá lugar no mundo onde possa se esconder. Perseguirei a você e o esmagarei

sem piedade como o rato asqueroso que é.

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O barão permaneceu em silêncio alguns segundos, lutando contra a profunda ira que o fazia

desejar ver os Collingwood mortos. Até esse momento, havia ignorado a existência do caderno de sua

esposa e, em silêncio, amaldiçoou-a por isso. Nas circunstâncias atuais, tinha tudo a perder. Como o senhor

Collingwood imaginava, caso vasculhassem a casa de Runnymede, certamente encontrariam várias

evidências comprometedoras. Não havia alternativa a não ser contar tudo o que sabia e aceitar a oferta

do senhor Collingwood.

— Está bem, direi tudo o que sei. — Apesar de ter sucumbido, a raiva fazia seus olhos negros

brilharem com ferocidade. Alexander não pôde evitar um estremecimento ao sentir a maldade que

emanava desse homem de maneira quase tangível. — O senhor Sheridan conseguiu apanhar à senhorita

Gordon no porto de Portsmouth, ele mandou uma nota por um cocheiro.

— Onde ela está agora?

— Em direção a Runnymede. Devem estar chegando.

Sheridan tinha, ao menos, uma hora de vantagem.

— Não temos tempo a perder! Alexander procure dois cavalos. — O conde não esperou

nem um segundo para sair e cumprir a ordem de seu irmão. — Você, Louis, acompanhe o barão até a

delegacia da Polícia Metropolitana localizada junto à ponte de Westminster.

— Mas você disse que me deixaria fugir.

— Eu disse? Bem, mudei de opinião. — Entregou o caderno de Florence a Louis e uma

pequena pistola que estava por baixo de sua jaqueta. — Mostre isto a eles e peça que se dirijam a

Runnymede, acredito que encontrarão evidências mais do que suficientes para corroborar o que a

baronesa escreveu. Isso, juntamente com a declaração de Edmée e, provavelmente, a do senhor Sheridan,

serão suficientes para que em breve, vejamos o barão pendurando por uma corda.

* * *

Edmée cavalgava diante de Sheridan, que não parava de tocar seus seios e rir

grosseiramente quando ela afastava sua mão com um tapa, arriscando-se a perder o equilíbrio, pois nunca

havia montado um cavalo.

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Ela não tinha ideia de onde se dirigiam, mas sua resignação inicial havia sido substituída por

uma imensa vontade de escapar de seu captor. Não podia permitir que o barão saísse vitorioso, lutaria

pela sua vida com unhas e dentes. Em seguida, procuraria uma maneira de conseguir que o barão pagasse

pela morte de Florence.

Parecia que estavam cavalgando a uma semana, tão grande era a dor que sentia nos rins.

Finalmente, atravessaram um pequeno povoado e desmontaram diante de uma casa pequena, oculta no

meio de um bosque.

— Vamos, chegamos. — Sheridan a repreendeu.

— Onde estamos? — Perguntou Edmée.

— Isso não interessa.

— Não me moverei daqui.

Nathan lhe deu uma forte bofetada e, quase imediatamente, um hematoma apareceu em

sua bochecha.

— Mandei que entrasse.

Edmée voltou a negar com a cabeça, consciente que, uma vez lá dentro, suas possibilidades

de encontrar alguém que a ajudasse se reduziriam de forma drástica. Então, Nathan sacou sua pistola e

apontou com ela.

— Não repetirei outra vez. Entre.

A moça sentiu o sangue correndo rapidamente em suas veias. De repente, sentiu-se

corajosa e, com a ausência do medo, sua mente acordou. Estava certa que o homem não queria matá-la

em seguida. Já estava ciente que ele tinha a intenção de se divertir as suas custas e assassiná-la depois.

Deveria correr o risco, era a única oportunidade que teria.

Sem pensar mais, pôs-se a correr a toda velocidade na mesma direção em que chegaram.

Durante alguns segundos, Nathan ficou tão desconcertado que não foi capaz de reagir. Em seguida, lançou

uma maldição e correu atrás dela.

Contra todo o prognóstico, a jovem, dominada pelo desespero, foi ganhando terreno,

fazendo com que Natham ficasse mais nervoso, temendo perder sua presa. Não sentira essa sensação

desde que a agarrara no porto. A sorte lhe sorriu quando Edmée pisou em uma raiz e caiu no chão. Com

alguns passos, Nathan a alcançou e, furioso, golpeou-a com força na cabeça com o cabo da pistola. A jovem

perdeu a consciência. Sheridan a carregou em seu ombro.

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O caminho de volta tornou-se muito longo. O cansaço que sentia estava acrescentado ao

peso morto da jovem. Amaldiçoou a impulsividade que o obrigou a golpeá-la. Quando se aproximavam da

casa, Edmée despertou e começou a lutar de novo. Pegou-o despreparado, e juntamente com o

movimento da moça, ela acabou caindo ao chão. Ao invés de permanecer quieta, a jovem tentou fugir

outra vez, mas desta vez, ele estava preparado. Pisou com força sobre as costas dela para detê-la.

— Vou desfrutar matando você lentamente.

— Você vai arder no inferno.

— Ora! Acha realmente que me importo com isso?

Puxou-a pelo braço. Conduziu-a para a casa. Tirou uma chave, depois de procurá-la em seu

bolso.

O ruído de cascos de cavalos o sobressaltou. Antes que pudesse reagir, Edmée lançou um

grito agudo.

— Socorro!

— Cale-se, maldita!

Mas ela viu suas esperanças se renovarem e, sem se importar com os empurrões e as

ameaças de Nathan, voltou a lutar. Dois cavaleiros apareceram na clareira. Ela acreditou que morreria de

alívio ao distinguir os irmãos Collingwood. Sheridan procurou sua pistola freneticamente, que havia

guardado no bolso para poder abrir a porta e segurar Edmée. Ela adivinhou as intenções do homem e lhe

deu uma mordida no braço com todas as suas forças. Nathan a soltou, uivando de dor, no momento em

que Tyler apareceu ao seu lado. Esmurrou Sheridan com vontade até que ele caiu ao chão. O conde o

separou do homem que golpeava sem cessar.

— Deixe comigo, eu me encarrego dele.

— Cuidado, milorde, ele tem uma pistola.

Alexander se agachou junto a Nathan, apalpou sua cintura, encontrou a arma e apontou

para ele. Enquanto isso, Tyler tocava o corpo de Edmée.

— Você está ferida? Esse bastardo a feriu?

— Não, estou bem.

Com um enorme suspiro de alívio, Tyler a abraçou com força contra seu peito enquanto

enchia seu rosto com mil beijos.

— Meu Deus! Deveria recriminá-la por colocar-se em perigo.

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— Tentei evitar que ferissem outra pessoa.

— Deveria ter acreditado em mim! — Ao dizer isso, Tyler a afastou por um instante e sem

seguida, voltou a abraçá-la. — Eu a protegeria! Achei que morreria um milhão de vezes desde que você

partiu.

— Tyler… — Edmée sentia-se profundamente comovida por suas palavras.

— Prometa-me que jamais se afastará do meu lado. — Outra vez, afastou-a para poder olhá-

la com ferocidade. — Prometa Edmée!

— Sim, Tyler, eu prometo. — Disse e riu, feliz.

Então ele, indiferente ao fato que estavam sendo observados, baixou a cabeça e a beijou

com ternura. Acariciando seu rosto enquanto a beijava.

— Você, vire-se. — Disse Alexander a Nathan empurrando-o com o cano da pistola. — Esse

é um assunto particular.

Alheio a tudo o que não fosse a sensação maravilhosa de estar junto a Edmée, Tyler

sussurrou contra sua boca:

— Você irá se casar comigo, teremos muitos filhos e permitirá que eu diga o quanto a amo

todos os dias da minha vida.

— Tyler, você está falando sério?

— Claro que sim, por acaso está duvidando? — Levantou seu queixo com ternura e

depositou um beijo suave beijo sobre a ponta de seu nariz. Em seguida, sussurrou — Eu a amo mais do

que a minha vida, Edmée. Acredito que sempre a amei. Tudo está muito claro para mim agora, só preciso

de você para me sentir completo.

— Tyler, meu amor, eu também te amo! Sempre o amei! Até quando o odiava eu o amava.

Voltaram a se beijar apaixonadamente, alheios a tudo que não fosse a alegria de estarem

juntos.

— Oh, vamos! Haverá tempo para isso. — Disse Alexander fingindo que estava aborrecido,

mas exibia um grande sorriso de satisfação no rosto, pois sabia que, finalmente, seu irmão havia

encontrado uma mulher para amar.

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Epílogo

Casaram-se quinze dias depois, por determinação de Tyler, que deixou todos loucos ao

apressar os trâmites do casamento.

Durante esse tempo, Edmée esteve envolvida com os preparativos, ajudada por Gabriele

que parecia tão emocionada quanto ela pela proximidade do casamento. Christie levaria as alianças; Adam

e Robert seriam seus acompanhantes. Todos na casa viviam o acontecimento feliz com intensidade.

Inclusive a senhora Rogers havia sido convidada, já que a noiva a amava como a uma mãe.

Dois dias antes da data prevista para o enlace, Tyler a abordou quando se dirigia ao quarto

de Adam.

— Um momento, Edmée, há algo que quero entregar a você.

Ela o seguiu intrigada. Durante alguns segundos pensou que se tratava de uma estratégia

de Tyler para roubar alguns beijos, mas seu semblante sério dizia que não era essa a sua intenção.

— Do que se trata Tyler?

— Tenho certeza que Florence gostaria que isto ficasse com você. — Conforme falava,

estendeu o velho caderno de capa escura.

— Tyler! Você o encontrou! — Um soluço rouco escapou de sua garganta. Ele havia sido

muito vago em relação aos detalhes da captura e da condenação do barão. Apenas dissera que, quando

se casassem, revelaria tudo, pois não queria que nada atrapalhasse a felicidade que sentiam com os

preparativos.

— Não chore meu amor! Acredito que você gostará de saber que Florence não deixou de

confiar em você, apenas tentava protegê-la.

— Oh, Tyler! Por que ela precisou morrer?

— Não sei meu amor, às vezes, coisas injustas acontecem, coisas que não compreendemos.

Mas não está em nossas mãos mudar o que já passou, apenas aceitar e tentar seguir em frente.

Edmée permaneceu alguns minutos apoiada em seu peito, chorando em silêncio,

reconfortada por essas palavras e as suaves carícias em suas costas.

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— Obrigada, Tyler, sei que se não fosse por você, certamente eu estaria morta há muito

tempo.

— Não me agradeça Edmée. Sou eu quem deve agradecer a você, pois, nunca me senti tão

vivo nem tão feliz até que você apareceu em minha vida.

— Sempre acreditei que apenas em meus sonhos você poderia me amar.

— Você está enganada, Edmée, amei-a antes, amo agora, e se existir outro mundo depois

deste, continuarei amando-a.

FIM

Série Collingwood

1 – Nunca Ninguém Mais

2 – Não Apenas um Sonho

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