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CONTEÚDO DO UNIVERSO JURÍDICO | DOUTRINAS

Protegido pela Lei nº 9.610, de 19/02/1998 - Lei de Direitos Autorais

DIREITO DE CONSTRUIR. RESTRIÇÕESCONVENCIONAIS VERSUS RESTRIÇÕES LEGAIS.

Sumário: 1 Direito urbanístico. Noções introdutórias. 2 Legislação do uso e ocupação do solourbano. 3 Posição da jurisprudência. 4 Função social da propriedade. 5 Necessidade deenfoque sob ângulo do direito público. 6 Tendência atual da jurisprudência do E.TJESP. 7Conclusões.

I - Direito urbanístico. Noções introdutórias.

Pioneiro no trato da matéria urbanística foi Luiz de Anhaia Mello para quem o urbanismoenvolve aspectos artísticos, científicos e filosóficos, por implicar a criação de sínteses novas, oestudo metodológico dos fatos e a preservação, imposição e precedência de valores humanose espirituais em face dos mecânicos e imobiliários.

Para Hely Lopes Meirelles, o urbanismo é o conjunto de medidas estatais destinadas aorganizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homemna comunidade. Entendam-se por espaços habitáveis todas as áreas em que o homem exerce

coletivamente qualquer das quatro funções sociais: habitação, trabalho, circulação erecreação.

A formação de grandes centros urbanos, as chamadas megalópoles, trazendo consigoproblemas graves de convivência social, de ocupação desordenada de espaços habitáveisetc, passou a exigir a edição de normas técnicas de planejamento e construção, quepudessem ser impostas aos membros da comunidade.

Daí o advento do direito urbanístico como ramo do direito público que, no dizer de Hely LopesMeirelles, é destinado ao estudo e formulação dos princípios que devem reger os espaçoshabitáveis no seu conjunto cidade-campo.

Como decorre dessa ampla conceituação, que abrange inclusive área rural, excluída,obviamente, aquela destinada à finalidade agro-pecuária ou extrativa, o direito urbanísticoabarca a disciplina do uso e ocupação do solo urbano e urbanizável, bem como, de seusequipamentos e atividades.

Antes do advento do direito urbanístico era comum as grandes loteadoras, notadamente, aCompanhia City, na cidade de São Paulo, planejar a implantação e desenvolvimento de umdeterminado bairro. Esse planejamento era feito segundo a vontade do loteador, ainda queconsiderando a presumível presença do ideal de bem servir a comunidade local.

Assim, as próprias vias de circulação assumiam características peculiares, bem como,diversas restrições ao uso do lote eram averbadas perante o registro de imóveis competente,de sorte a garantir o desenvolvimento de um projeto arquitetônico visto pela óptica doloteador. Essas restrições convencionais, registradas no cartório competente, ensejariam o

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nascimento de um direito líquido e certo do loteador de ver respeitadas essas limitações dodireito de construir por parte do adquirente do lote, seus herdeiros ou sucessores.

À sombra da doutrina da obrigação   propter rem ou ob rem, isto é, obrigação decorrente darelação entre o devedor e a coisa, floresceram aqui e acolá os mini-feudos urbanos nasmetrópoles, cada qual, com características próprias, destacando-se do restante do conjunto

arquitetônico da cidade.

Acontece que a chamada obrigação  propter rem, segundo a melhor doutrina, encontra-se noterreno fronteiriço entre os direitos reais e os pessoais, pois, decorre dos primeiros à medidaque vincula o seu titular, e ao mesmo tempo consiste em um liame que liga duas pessoas,tendo por objeto, no caso sob exame, o fazer ou não fazer alguma coisa. É uma figura mistacomo assinala a doutrina abalizada. Não se trata de direito pessoal, porque a obrigação

  propter rem extingue-se pelo abandono da coisa, além de ser passível de transmissão aosucessor a título singular, o que não se admite na esfera da obrigação pessoal. É certo,porém, que não se trata de direito real, porque seu objeto não é uma coisa, mas umaprestação do devedor, no caso, do proprietário do lote de não construir em desacordo com as

restrições convencionais.

Daí não ter relevância, ao nosso ver, o registro dessas restrições perante o cartório de registrode imóveis competente.

2. Legislação do uso e ocupação do solo urbano

Alterando e complementando a Lei nº 7.805, de 1º de novembro de 1972, sobreveio a Lei nº8.001, de 24 de dezembro de 1973, com o fito de propiciar caráter dinâmico ao processo deplanejamento da cidade de São Paulo, a fim de conferir-lhe eficiência na reorganização eordenamento do aglomerado urbano. De fato, a cidade vem crescendo tal qual um organismo

vivo, exigindo um processo dinâmico e veloz, capaz de atingir o ponto de equilíbrio entre oplano e o desenvolvimento efetivo, sem o que, a ação do poder público não surtiria o efeitodesejado.

Só que o legislador, em algumas passagens, viu-se contaminado de idéias e noçõesprivatísticas, talvez, em função da colaboração de vários seguimentos da sociedade, inclusive,de entidades e órgãos de classe, algumas delas com interesses meramente especulativos.

Para não nos alongarmos nesta matéria, transcreveremos apenas o dispositivo estritamentenecessário ao desenvolvimento do presente estudo, qual seja, o artigo 39 da Lei nº 8001/73,sucessivamente alterado pelo artigo 25 da Lei nº 9.413/81 e pelo artigo 1º da Lei nº 9.846/85:

 Art. 39 - As restrições convencionais de loteamentos aprovados pela Prefeitura, referentes adimensionamento de lotes, recuos, taxa de ocupação, coeficiente de aproveitamento, altura enúmero de pavimentos das edificações, deverão ser atendidas quando:a - as referidas restrições forem maiores do que as exigidas pela legislação de parcelamento,uso e ocupação do solo;b - as referidas restrições estejam estabelecidas em documento público e registrado noCartório de Registro de Imóveis.§ 1º As categorias de uso permitidas nos loteamentos referidos no caput deste artigo serãoaquelas definidas para as diferentes zonas de uso pela legislação de parcelamento, uso eocupação do solo.

§ 2º As disposições desta artigo aplicam-se apenas as zonas de uso Z 1, Z 9, Z14, Z15, Z17,Z18 e aos corredores de uso especial Z8-CR1, Z8-CR5 e Z8-CR6.§ 3º As alterações das restrições convencionais dos loteamentos dependerá de acordo entre o

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loteador e os proprietários dos lotes atingidos pela alteração, além da anuência expressa doPoder Público, através de parecer favorável da Comissão de Zoneamento, da SecretariaMunicipal do Planejamento." 

Verifica-se que o texto supratranscrito privilegia as restrições convencionais, sempre que maisrigorosas do que as resultantes da lei. Não se tem notícia de estudos doutrinários a respeito.

Contudo, em termos de jurisprudência, tanto no âmbito administrativo, como também, noâmbito do judiciário, tem prevalecido a tese do respeito às restrições convencionais. Julgadosexistem que determinam a demolição das construções levadas a efeito em desacordo com aslimitações impostas pelo loteador, ainda que, o poder público competente tivesse anistiado aconstrução irregular, mediante expedição do alvará de conservação.

3. Posição da jurisprudência

Neste tópico, limitaremos a transcrever as ementas dos diversos julgados que, de per si , sãosuficientes para a perfeita compreensão do leitor quanto a adoção da tese do respeito àsrestrições convencionais, mediante adoção da doutrina da obrigação   propter rem.

Transcreveremos, também, um dos votos vencidos, que deu tratamento de direito público parao deslinde da discussão travada.

  AÇÃO DEMOLITÓRIA - Direito de construir - Demolição - Loteamento - Restriçãoconvencional imposta pelo loteador - Obrigação propter rem - Projeto aprovado observandotais restrições - Obrigação comum assumida pelo proprietário de executar a obra segundo o

 projeto aprovado - Descumprimento da obrigação - Irrelevância da concessão do "habite-se"  pela Prefeitura Municipal, em decorrência de lei de anistia das construções irregulares - Ato  jurídico perfeito e acabado, que está incólume aos efeitos da lei (artigo 5º, XXXVI, daConstituição da República) - Recurso provido. Segundo o nosso direito, a regra é a liberdadede construir, mas as restrições e limitações a esse direito formam as exceções, e somente são

admitidas quando expressamente previstas em lei, regulamento ou contrato. Quando previstasem Regulamento do Loteamento, e consignadas do título translativo da propriedade,constituem obrigação propter rem, isto é, obrigação daquele que é o titular da propriedade.Daí que a concessão do "habite-se" pela Prefeitura Municipal por força de lei que concedeu anistia às construções irregulares, não elide a obrigação do devedor, em face da proteçãooutorgada pela Carta Magna ao ato jurídico perfeito e acabado (artigo 5º, XXXVI). Nãoestando a edificação de acordo com as restrições negociais, e nem com o projeto aprovadosegundo a obediência dessas restrições, impõe-se a correção das irregularidade, demolindo-se a parte da construção em desacordo com tais restrições (Apelação Cível n. 63.745-4 -Barueri - 9ª Câmara de Direito Privado - Relator: Ruiter Oliva - 21.10.97 - V.U).

NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA - Cumulação com anulação de alvará de construção - Direitode construir ou edificar - Faculdade condicionada pelas normas urbanísticas, em especial pelo

  princípio constitucional da função social da propriedade - Restrições urbanísticasconvencionais impostas pelo loteador, que impedem a construção de mais de uma residênciaem cada lote - Prevalência sobre as leis em virtude do disposto no artigo 39 da Lei n. 8.001/73- Recurso provido (Apelação Cível n. 74.557-5 - São Paulo - 2ª Câmara de Direito Público -Relator: Alves Bevilacqua - 1º.12.98 - V.U).

DIREITO DE CONSTRUIR - Loteamento - Restrição convencional imposta pelo loteador -Prevalência sobre posterior lei de zoneamento mais liberal - Aplicação dos arts. 6º, V, da Lei 6.766/79 e 39 da Lei municipal 8.001/73 - Declarações de votos vencedor e vencido. As

restrições convencionais impostas pelo loteador ao direito de construir em loteamento prevalecem sobre posterior lei de zoneamento mais liberal (Ap. 394.624-9 - 2ª C. - j. 14.12.88 -rel. Juiz Bruno Netto - RT - 639/105).

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 COMINATÓRIA - Posturas edilícias - Loteamento - Existência de convenção vedando autilização de lotes para fins, que não os residenciais - Prevalência das restriçõesconvencionais, mesmo após e edição de nova lei de zoneameneo - Art. 5º, XXXVI da CF -Procedência - Embargos infringentes rejeitados - Voto vencido (EI 394.624-9-1 - 2ª Câm. -Rel. Juiz BARRETO DE MOURA - J. 31.5.89 - m.v.).

LOTEAMENTO - Restrições edilícias convencionais - Obra violadora - Remoção - Julgamentoe seu trânsito em julgado posteriores à anistia e alvará concedidos pela Prefeitura Municipal,autorizando a manutenção - Direito adquirido alegado - Ocorrência perante a Municipalidade enão diante do embargado, sequer ouvido no processo administrativo - Prosseguimento daexecução determinado - Recurso não provido (Apelação Cível n. 183.762-2 - Barueri -Apelante: Carville Distribuidora de Veículos e Peças Ltda. - Apelada: Sociedade AlphavilleCentro Industrial e Empresarial).

LOTEAMENTO - Edificação - Restrição convencional imposta pelo loteador - Prevalênciasobre leis urbanísticas mais liberais, que a sucederam - Descaracterização da via pública pela

  predominante atividade comercial - Inocorrência - Levantamento de construções emdesacordo com o artigo 39 da Lei Municipal n. 8.001/73 - Insuficiência para a liberação dasexigências municipais, sob o prisma de isonomia - Alvará de construção indeferido - Direitolíquido e certo inexistente - Ordem denegada - Recurso não provido - Voto vencido. (ApelaçãoCível n. 53.413-5 - São Paulo - Apelante: Mário Branco Peres - Apelado: Secretário Municipalde Habitação e Desenvolvimento Urbano (Voto n. 2.325).

DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO DO DESEMBARGADOR JOSÉ RAUL GAVIÃO DEALMEIDA

I - Mário Branco Peres impetrou mandado de segurança ante o Secretário Municipal de Habitaçãoe Desenvolvimento para obter alvará de edificação, que lhe foi negado, para o projeto arquitetônicoapresentado.

  A negativa se baseou na circunstância de constar, do registro imobiliário do terreno, restriçõesconvencionais não observadas no projeto de construção.

  A r. sentença recorrida entendeu que as normas municipais (Lei n. 8.001/73 e Lei n. 9.846/85)alteraram só as restrições públicas, subsistindo as convencionais integralmente.

O Ministério Público de primeira instância foi favorável à concessão do mandamus. A ilustradaProcuradoria de Justiça tem posicionamento diverso.

O apelo dá ênfase ao argumento de que as restrições da escritura, que é de 11 de novembro de1935, não mais subsistem, estabelecidas que foram por influência de legislação que se modificou.

  A legislação superveniente foi mais complacente quanto às limitações sobre aproveitamentoconstrutivo dos lotes do Jardim América.

 Assim, sob questionamento fica a indagação sobre persistir, ou não, a restrição convencional antea legislação municipal mais liberal.

Esse é o relatório que se soma ao da r. sentença.

Razões da divergência.

II - As restrições convencionais, no plano do loteamento, estão informadas pelas regras gerais dasobrigações de natureza pessoal e subordinadas aos mandamentos urbanísticos municipais, que

 preceituam sobre o interesse público.

Em 1935, foram contratadas limitações individuais, sob influência do plano urbanístico do bairroJardim América. Mas a vida não pára nunca, em seu rico fertilíssimo processo de evolução. E o

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 processo sub examine reflete este quadro.

Legislação posterior (Leis ns. 8.001/73 e 9.846/85) cristalizando novas exigências sociais, deu nova fisionomia arquitetônica ao bairro. Na sequência das modificações, trazem os autos notícias,não conflitantes, que se afrouxaram, em vivência, as limitações convencionais.

Não há regra jurídica que subsista em contradição com os fatos.

 As obrigações de natureza pessoal, em linha de direito de propriedade, pertencem à categoria quea doutrina denomina propter rem. Isto é: "as obrigações propter rem configuram direitos mistos ...revelam a existência de direitos não puramente reais, nem essencialmente obrigacionais" (PAULOCARNEIRO MAIA, in Estudos de Direito Civil, pág. 93).

Trata-se de relação jurídica com sujeitos determinados pela titularidade do direito obrigacional e doreal.

  A relação simples expressa uma única posição de poder e de dever. A relação  propter rem écomplexa, contém combinação de relações jurídicas simples e acomoda os dois extremos dedireitos - o real e o obrigacional.

Os titulares dos direitos estão identificados na escritura que os une. Estes identificados titulares da

relação jurídica mista, de que informam os autos, pelo como vivem no loteamento, estão ajustadosao novo quadro do loteamento.

O retrato arquitetônico inicial do bairro já se descaracterizou. Outro panorama, chancelado por manifestação do CONDEPHAAT e pelo COMPRESP, redesenhou o bairro do Jardim América.

O fator realidade penetrou na relação jurídica   propter rem. Outro sentido e alcance recebe aescritura de 1935, quanto às obrigações dos proprietários, inscritos como sucessores dos que sevincularam no pretérito.

 A posição subjetiva das restrições se alterou, com sentido de abandono:

"A obrigação tranmsmite-se juntamente com a propriedade da coisa sobre a qual pesa o ônus; o

abandono produz toda a sua eficácia liberatória". (JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, RelaçõesJurídicas Reais, pág. 481).

O novo tempo, a nova realidade fática, a alteração pública do projeto arquitetônico do bairro, aomissão da restrição em sucessiva escritura, tudo conduz a entender não mais subsistir aobrigação individual na convenção restritiva, persistindo sim e só as limitações de ordem pública,que redesenharam o bairro do Jardim América.

Some-se que há notícia de que a desatenção à regra convencional remonta a data longínqua,quando era erigida construção só ajustada às normas municipais, o que obsta, sob o ângulo dodireito de vizinhança, qualquer reclamo. E o direito à irresignação é dos demais proprietários doloteamento, não do Secretário Municipal.

Por tais razões ousei divergir da d. maioria, que com profundidade técnico-jurídica concluiu contrariamente.

4 Função social da propriedade

Como se depreende, data venia, do r. voto minoritário retro transcrito, proferido pelo eminente Des.José Raul Gavião de Almeida, as restrições convencionais, no plano do loteamento, estãoinformadas pelas regras gerais das obrigações de natureza pessoal  e subordinadas aosmandamentos urbanísticos municipais, que preceituam sobre o interesse público.

De fato, com o despertar do direito urbanístico e, principalmente, com o advento da nova ordemconstitucional, que colocou a função social da propriedade como seu elemento estrutural, não há,

 permissa venia, como sobrepor as restrições convencionais às restrições legais, em nome de umadiscutível doutrina da obrigação propter rem, uma mistura entre obrigações díspares, incompatívelcom o caráter dogmático do direito.

A maioria dos autores costumam apontar a função social da propriedade como mero elementorestritivo ao seu caráter absoluto. Entretanto, como bem assevera José Afonso da Silva, com

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base nos ensinamentos de Karl Renner, Pedro Escribano Collado e Fiorella D´Angelo, a funçãosocial constitui o próprio fundamento do regime jurídico da propriedade.

São suas as palavras:

 A função social, assinala Pedro Escribano Collado, ´introduziu, na esfera do direito de propriedade,um interesse que pode não coincidir com o do proprietário e que, em todo caso, é estranho ao

mesmo´; constitui um princípio ordenador da propriedade privada e fundamento da atribuiçãodesse direito, de seu reconhecimento e de sua garantia mesma, incidindo sobre seu próprioconteúdo.

Com essa concepção é que o intérprete tem que entender as normas constitucionais, quefundamentam o regime jurídico da propriedade: sua garantia enquanto atende sua função social,´implicando uma transformação destinada a incidir, seja sobre fundamento mesmo da atribuiçãodos poderes ao proprietário, seja, mais concretamente, sobre o modo, em que o conteúdo dodireito vem positivamente determinado; assim é que a função social mesma acaba por posicionar-se como elemento qualificante da situação jurídica considerada, manifestando-se conforme ashipóteses, seja como condição de exercício de faculdades atribuídas, seja como obrigação deexercitar determinadas faculdades de acordo com modalidades preestabelecidas´ (cf. FiorellaD´Angelo). Enfim, a função social se manifesta na própria configuração estrutural do direito de

 propriedade, pondo-se concretamente como elemento qualificante na predeterminação dos modos

de aquisição, gozo e utilização dos bens.

Mas é certo que o princípio da função social não autoriza a suprimir, por via legislativa, a instituiçãoda propriedade privada. Contudo, parece-nos que pode fundamentar até mesmo a socialização dealgum tipo de propriedade, onde precisamente isso se torne necessário à realização do princípio,que se põe acima do interesse individual. Por isso é que se conclui que o direito de propriedade(dos meios de produção especialmente) não pode mais ser tido como um direito individual. Ainserção do princípio da função social, sem impedir a existência da instituição, modifica suanatureza, pelo que, como já dissemos, deveria ser prevista apenas como instituição do direitoeconômico.

Por outro lado, em concreto, o princípio também não autoriza esvaziar a propriedade de seu conteúdo essencial mínimo, sem indenização, porque este está assegurado pela norma de sua

garantia.

Resulta do exposto, que é incogitável, atualmente, a figura da propriedade privada com o caráter de direito absoluto. Não há como negar a transformação do regime da propriedade privada. Estanão mais corresponde ao conceito dado pelos romanos: dominium est jus utendi, fruendi, et abutendi re sua, quatenus juris ratio patitur . Hoje, o conceito de propriedade está umbilicalmenteligado ao de  justiça social, que segundo a doutrina social da Igreja seria a força orientadora dosatos humanos para o bem comum.

De fato, se a propriedade privada e sua função social passaram a integrar o elenco dos princípiosda ordem econômica (art. 170, II e III, da CF), não se pode deixar de vincular essa propriedade àfinalidade perseguida por aqueles princípios, isto é, ´assegurar a todos existência digna, conformeos ditames da justiça social´.

Muito embora a propriedade privada continue figurando no capítulo dos direitos e garantiasindividuais (art. 5º, XXII, da CF) - aliás, a Carta atual fala em Direitos e Deveres Individuais eColetivos -, sua inclusão juntamente com sua função social no capítulo da ordem econômicaimportou, inegavelmente, em conferir à propriedade um alto grau de relativismo, à medida em queos princípios de ordem econômica estão preordenados com vistas ao atingimento da finalidade dedignificar a criatura humana, segundo os preceitos da justiça social. Vale dizer, a propriedadeprivada só se justifica enquanto cumpre a função social.

Forçoso reconhecer, pois, que a propriedade de base individualista cedeu lugar à propriedade definalidade social. Não há como o dono de uma extensa propriedade, o loteador, pretender definir como os lotes deverão ser utilizados pelos adquirentes.

A Constituição Federal vigente, neste particular, é bem mais minudente que as anteriores, como sevê dos textos a seguir transcritos:

  Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aosbrasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à

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segurança e à propriedade, nos termos seguintes:......................................................................................................

 XXIII - a propriedade atenderá a sua função social.

 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados osseguintes princípios:

.....................................................................................................II - propriedade privada;III - função social da propriedade.

 Art. 182 - A política de desenvolvimento urbano, executado pelo Poder Público Municipal, conformediretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funçõessociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.§ 1º - O Plano-Diretor , aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de20.000 (vinte mil) habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e deexpansão urbana.§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende as exigências fundamentaisde ordenação da cidade expressas no Plano-Diretor .§ 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização emdinheiro.

§ 4º - É facultado ao Poder Público Municipal, mediante lei específica para área incluída no Plano-Diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subtilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente de:I - parcelamento ou edificação compulsórios;II - imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana progressiva no tempo;III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamenteaprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até 10 (dez) anos, em parcelas anuais,iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

 Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social , mediante prévia e justa indenização em títulosda dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinteanos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

  Art. 186. A função social  é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente,segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:I - aproveitamento racional e adequado;II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;III - observância das disposições que regulam as relações do trabalho;IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

A Carta Política de 1988, para efeito de execução da política de desenvolvimento urbano, confereao Município a incumbência de definir a função social da propriedade urbana, como se depreendedo art. 182 e seu § 2º. A propriedade cumpre a função social quando atende as exigênciasfundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor, impositivo para cidades commais de vinte mil habitantes (§ 1º do art. 182). A Constituição possibilita flexibilizar a definição de

função social da propriedade urbana, que pode variar de um Município para outro, ou até mesmode uma zona para outra zona do mesmo Município, tudo dependendo dos problemas enecessidades de cada comuna ou de cada zona de uso, que irão influir na elaboração dorespectivo Plano Diretor, instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

A propriedade rural, por sua vez, cumpre a função social quando preenche os requisitos dosincisos I a IV do art. 186 da CF, submetidos estes aos critérios e graus estabelecidos em lei. A Leinº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, em seu art. 9º, fixa esses critérios e graus completando adefinição constitucional. Essa definição é igualmente flexível, à medida que o conceito depropriedade produtiva, que a integra, varia no tempo em função do progresso científico etecnológico da agricultura e do desenvolvimento regional (art. 11).

Do exposto, é possível concluir que a Constituição Federal inscreveu o princípio da função socialpara a propriedade em geral; inscreveu a propriedade privada e sua função social como um dosprincípios da ordem econômica, fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, com o fitode assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social e definiu o conteúdodesse princípio em relação às propriedades urbana e rural.

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5. Necessidade de enfoque sob ângulo do direito público

Se cabe privativamente ao poder público municipal definir a função social da propriedade, atravésda Lei do Plano Diretor, cuja existência é impositiva para os Municípios com mais de 20.000habitantes, parece óbvio não restar margem de liberdade para o particular ditar regras de comoutilizar a propriedade urbana. Tamanha é a importância atribuída à função social da propriedadeurbana que a Constituição Federal faculta ao Município, sucessivamente, impor o parcelamento ou

edificação; implementar instrumento tributário de caráter ordinatório (tributação progressivo doIPTU no tempo); e como último recurso para vencer a teimosia do proprietário em manter adisfunção social, a utilização da desapropriação, mediante pagamento da justa indenização emtítulos da dívida pública. 

Conclui-se, portanto, que a matéria concernente ao uso e ocupação do solo insere-se no campodo direito urbanístico, cujas normas são de natureza impositiva, subordinando quaisquer normasde natureza particular, como aquelas resultantes de convenções em geral, aos ditames da lei deinteresse público. E essa lei de interesse público, como prescreve a Constituição Federal, é decompetência municipal.

Assim, não faz o menor sentido manter-se as exigências convencionais, sempre que as mesmasforem maiores do que as fixadas na Lei nº 7.805 e na Lei nº 8.001/73, como se o interessepúblico pudesse fundar-se na imposição de restrições sempre maiores: quanto mais restringe,mais atende ao interesse público. Trata-se de um raciocínio equivocado, que não encontra guaridano sistema constitucional vigente. No campo reservado ao exercício regular do poder de polícia e,por conseguinte, da legislação nele fundada, a Constituição Federal albergou o princípio de que asrestrições ao exercício do direito de propriedade, bem como, à liberdade individual sejamadequadas ao mínimo indispensável ao atendimento das necessidades públicas. Não permite aCarta Magna sacrifícios ao exercício do direito de propriedade, mediante adoção de restriçõesimaginadas, projetadas e convencionadas por particulares, como faculta o art. 39 da lei n.8.001/73, que se caracteriza como verdadeira norma de lei em branco. A Carta Política sóadmite restrições legais, fundadas em critérios seguros e transparentes, de sorte a assegurar afunção social da propriedade urbana. Se a própria lei do Poder Público competente, regularmentevotada e aprovada pelo Legislativo, deve estatuir, de forma expressa, as restrições urbanísticas,em obediência ao princípio da segurança que dá embasamento à garantia constitucional docidadão, como é possível permitir a prevalência das restrições de natureza convencional sobre as

restrições legais, sempre que aquelas forem maiores que estas últimas? Ora, se o interessepúblico exigisse uma restrição maior, a lei já o teria feito. Se não o fez é porque a maior restriçãocontraria o interesse público, considerados todos os aspectos. As convenções particulares hãode respeitar os limites da lei municipal e aquelas anteriores às leis municipais, deverão adequar-seas exigências da lei, resguardados os direitos adquiridos. Não há como o Poder Público Municipaltolerar convenções de particulares conflitantes com as normas legais, a pretexto de que aquelasconvenções estabelecem restrições maiores dos que as legalmente previstas. Se a lei exigir, por exemplo, um recuo frontal mínimo de 5 metros é porque assim ditou o interesse público, nãosendo, portanto, possível tolerar um disposição convencional que imponha uma restrição maisgravosa como, por exemplo, de 7, 15 ou 30 metros, sob pena de acarretar a subtilização do lote,que cabe ao Poder Público combater .

Norma como a do art. 39 sob exame atende exclusivamente ao interesse particular do loteador. As

grandes companhias loteadoras têm interesse econômico-financeiro em limitar o potencial deutilização do imóvel com vistas à comercialização de lotes cada vez maiores. O Município,detentor exclusivo do poder de implementar a função social da propriedade urbana, não podeinserir em seu ordenamento jurídico a obrigatoriedade de respeitar as limitações convencionais.Essa estranha simbiose entre pessoas com interesses díspares, senão antagônicas, é indesejávele até mesmo perigosa.

No passado, tivemos a oportunidade de examinar um caso em que o proprietário de umloteamento situado na cidade de Osasco exigia área mínima de 50.000m2, com frente mínima de100m e com taxa de ocupação de 15%. Tais restrições haviam sido encampadas pelo poder político local, resultando na edição de lei nº 1.613/80. Na oportunidade, demonstramos aaberração jurídica dessa lei dirigida, que se distanciava da realidade sócio-econômica da região.Essa malfadada lei, que tantos transtornos causou aos cidadãos de Osasco, finalmente, por nãoatender ao interesse público, veio a ser modificada pela Lei de nº 2.070/88.

Se o Município fosse condicionar a expedição das licenças de edificação à observância dasrestrições convencionais, sempre que mais restritivas que aquelas resultantes da lei, o Poder Público Municipal acabaria por perder a sua atribuição precípua de ordenador das funções sociais

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da propriedade urbana, cometida pela Constituição de 1988. De fato, poderia surgir inúmeras ´mini-cidades´ dentro da cidade de São Paulo, caracterizadas aquelas por edificações peculiares queatendem aos padrões de recuos, de dimensionamento, ocupação e aproveitamento do lote,segundo a vontade estabelecida pelo loteador, na defesa de seu interesse privado, que nemsempre é coincidente com o interesse público a ser tutelado, exclusivamente, pelo Poder PúblicoMunicipal, através de suas normas urbanísticas, derrogadoras das disposições particulares emcontrário.

A idéia que inspirou o legislador de 1981, ao introduzir o art. 39 em questão, é equivocada econtraditória. De fato, ou prevalecem as normas de direito público sobre as normasconvencionais, ou estas devem ser respeitadas pelo Poder Público. Se as primeiras devemprevalecer sobre as segundas, obviamente, devem prevalecer sempre, e não, apenas quandoestabelecem restrições mais gravosas, pois esse grau de restrição deve ser dosadoexclusivamente pelo Poder Público, que conciliará o interesse da coletividade com o menor sacrifício a ser imposto ao proprietário. Ademais. o poder público nada tem a ver com asnormas convencionais, que se inserem no campo do direito privado, devendo as eventuaiscontrovérsias serem discutidas e dirimidas em instância própria. Não há que se posicionar a favor deste ou daquela particular, mas tão só de conformidade com as suas normas urbanísticas.

As normas internas do loteador é que têm que se adequar aos limites estabelecidos pela legislaçãomunicipal, nunca o contrário. Se o interesse público levou o legislador a fixar o limite máximo derestrições de uso e ocupação do solo, não cabe ao particular estabelecer limites ainda maiores. Daforma como vem sendo interpretado esse art. 39, e em combinação com seu § 3º, não há comodeixar de reconhecer que estaria permitindo aos particulares estabelecer normas com força de lei,esquecendo-se que em termos de direito público, é inaceitável o provérbio pacta sunt servanda.

6 Tendência atual da jurisprudência do E. TJESP

Em recente decisão plenária, o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao julgar procedente, por maioria de votos, em sede de Adin Estadual, o pedido de declaração deinconstitucionalidade da Lei nº 11.773/95, do Município de São Paulo, sinalizou a necessidade depleno respeito às normas de direito urbanístico, elaboradas pelo Poder Legislativo inadmitindoqualquer delegação ao Executivo (Adin nº 045.352-0/5-00-SP, Relator designado Desembargador Hermes Pinotti; j.14-2-2001).

Nessa Adin, o Chefe do Ministério Público Estadual, insurgiu-se contra as disposições da Lei nº11.773/95, do Município de São Paulo, que versa sobre as denominadas "Operações Interligadas",as quais, permitiriam, por ato do Poder Executivo, a modificação de índices urbanísticos e decaracterísticas de uso e ocupação do solo, afrontando os artigos 5º, § 1º e 181 caput  daConstituição do Estado de São Paulo.

Bastante elucidativo o voto do eminente Relator, Des. Hermes Pinotti quando assevera:

"O trato da matéria urbanística se dá por intermédio de lei, em especial, o que concerne aosíndices urbanísticos e ao perfil de uso e ocupação do solo, sendo este o único modo de se garantir,de fato, as higidez urbanística, razão pela qual o legislador paulista cometeu à lei municipal asdiretrizes do plano diretor, as normas de zoneamento e loteamento, parcelamento, uso e ocupação

do solo e índices urbanísticos, sendo defeso, portanto, traçar regras inovadoras no universo jurídico por ato administrativo, até porque cuidar-se-á de delegação igualmente não permitida.

  A lei municipal em destaque (Lei nº 11.733/95), que implementa a denominada "OperaçõesInterligadas" , permitindo a participação na iniciativa privada do levantamento de habitações deinteresse social, por intermédio de incentivos normativos e projetos integrados, tangencia asnormas primordiais de parcelamento do solo, afetando tanto o índice urbanístico como uso eocupação, refugindo o necessário regramento arrimado e decorrente de lei, consoante se nota daredação dos artigos 1º, 2º e 3º:".

E prossegue:

"Desta feita, pela "Operação Interligada" ter-se-ia a edição de normas individuais de direitourbanístico, vertentes aos índices e às características de uso e ocupação, como se possível fosseao Poder Executivo editar norma de conduta individual em matéria de reserva legal, reserva legal esta expressamente definida no artigo 181, "caput", da Constituição do Estado de São Paulo (art.181: Lei Municipal estabelecerá em conformidade com as diretrizes do plano diretor, normas sobrezoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção

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ambiental e demais limitações administrativas pertinentes). Ainda, havendo reserva legal, repito,expressa da Carta Paulista, efetivamente viável à delegação de regramento individual circunstancial do Poder Legislativo ao Poder Executivo (Cf. art. 5º, § 1º, da Constituição do Estadode São Paulo).

  A referida "Operação Interligada" possibilita o desvirtuamento especializado e contínuo de todo  plano diretor, ante a possibilidade de alteração das características de uso e ocupação, não se

olvidando que a majoração do índice urbanístico traz incômodos outros a qualquer região, dianteda ausência de previsão no plano diretor, de tal arte que a higidez do meio ambiente, norte maior do direito urbanístico, estaria rompida, sendo este móvel pelo qual o legislador instituiu a reservalegal na espécie".

Outrossim, com relação à delegação legislativa, discutida na Adin, cumpre transcrever o trecho dovoto proferido pelo culto Des. José Osório:

"6 - Também há grave afronta ao princípio da independência e harmonia dos Poderes, consagradono art. 5º da C.E., e seu parágrafo primeiro, a saber:

"Art. 5º. São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo eo Judiciário.§ 1º. É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.

  Ao permitir que a Comissão Normativa de Legislação Urbanística - CNLU, órgão vinculado àSecretaria Municipal de Planejamento, altere índices de aproveitamento e critérios de uso do solourbano, fica patenteado que o Legislativo Municipal de São Paulo delegou poderes que lhe são

 próprios ao Executivo.

Não só a desarmonia entre os Poderes que afeta o princípio da independência dos Poderes.

Também o excesso de harmonia afeta gravemente esse princípio e gera com freqüência ligações  perigosas entre a Câmara e Prefeito, põe em risco o princípio fundamental do regimeconstitucional".

Como se vê, se nem ao Executivo é permitida a fixação de índices urbanísticos diferentes do que

aqueles expressos na lei, ainda que observados os critérios modificativos, exaustivamenteenumerados nos textos legais, por se tratar de matéria sob império da legalidade estrita, como épossível admitir possa a legislação urbanística ir aceitando e aderindo às restrições convencionaisconflitantes com as normas positivas?

E mais, no caso dessa Adin o Executivo não estava autorizado a exacerbar as restrições legais;ao contrário, estava autorizado a abrandar os rigores dos índices urbanísticos mediante estudostécnicos, que pudessem preservar o interesse tutelado pelo direito urbanístico, e mediante ocumprimento da contrapartida, pelo interessado, traduzida em termos de benefício a ser canalizadoa favor dos moradores em condições sub-normais.

Se o excesso de harmonia entre os Poderes Executivo e Legislativo afeta o princípio daindependência, na opinião sempre abalizada do insigne Des. José Osório, o que não dizer da

estranha sintonia entre o Poder Público e os donos de loteamentos a ponto de as restrições aoaproveitamento do lote por este engendradas serem prontamente recepcionadas pela legislaçãourbanística pelo simples registro delas no Cartório competente.

Os votos proferidos na Adin sob exame contêm valiosas lições de direito urbanístico pelobrilhantismo e inteligência de seus prolatores, tanto no sentido da constitucionalidade, como,também, no sentido da inconstitucionalidade da lei guerreada.

O exame dos argumentos num ou noutro sentido permite concluir que, hoje, a mais alta Corte deJustiça de nosso Estado não permite a ingerência de normas convencionais conflitantes com osrígidos preceitos do direito urbanístico, submetidos ao princípio da reserva legal.

7 Conclusões

7.1. O art. 39 e parágrafos da Lei nº 8.001/73 em sua redação vigente são inconstitucionais:a)por implicar usurpação de competência privativa do Poder Público Municipal de ordenar asfunções sociais da propriedade urbana, nos termos do artigo 182 e parágrafos 1º e 2º da CF;b)por implicar restrição ao uso da propriedade privada além do limite estritamente necessário à

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preservação do interesse urbanístico, limite esse a ser dosado e fixado exclusivamente pelo Poder Público, através de instrumento normativo competente;c)a recepção, em abstrato, das restrições convencionais, sempre que mais onerosas que aslegais, afeta o princípio da segurança jurídica, por representar faculdade de o particular preencher norma legal em branco;

7.2. O citado dispositivo é fruto de uma curiosa simbiose entre o Poder Público e o particular,

que representam interesses diferentes, às vezes, conflitantes.7.3. Merece reorientação a jurisprudência, que se formou em torno desse dispositivoesdrúxulo, a partir dos doutos argumentos despendidos na Adin nº 045.352-0/5-00, que decretou ainconstitucionalidade da Lei nº11.733/95, a qual, permitia, por conta de uma parceria entre ossetores público e privado a alteração dos índices urbanísticos em cada caso concreto submetido aapreciação de órgãos do Executivo.

Texto confeccionado em 04/04/2002, por (1) Kiyoshi Harada

Atuações e qualificações 

(1) Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário,Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro dePesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos da Fiesp. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

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