LÚDICO: UM ENFOQUE SÓCIO-EDUCACIONAL AMANDA … ALMEIDA DE SOUZA ARRAIS.pdf · universidade...

39
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO MESTRE LÚDICO: UM ENFOQUE SÓCIO-EDUCACIONAL AMANDA ALMEIDA DE SOUZA ARRAIS ORIENTADORA: PROF. MARY SUE JANEIRO/2006

Transcript of LÚDICO: UM ENFOQUE SÓCIO-EDUCACIONAL AMANDA … ALMEIDA DE SOUZA ARRAIS.pdf · universidade...

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PROJETO A VEZ DO MESTRE

LÚDICO: UM ENFOQUE SÓCIO-EDUCACIONAL

AMANDA ALMEIDA DE SOUZA ARRAIS

ORIENTADORA: PROF. MARY SUE

JANEIRO/2006

2

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PROJETO A VEZ DO MESTRE

LÚDICO: UM ENFOQUE SÓCIO-EDUCACIONAL

AMANDA ALMEIDA DE SOUZA ARRAIS

Monografia apresentada ao Curso de

Pós Graduação em Educação Inclusiva

Como requisito para a obtenção de

Título de pós graduado

ORIENTADORA: Prof. Mary Sue

Rio de Janeiro

2006

3

RESUMO

O brincar é uma atividade plena para o desenvolvimento infantil. Traz inúmeros

benefícios de ordem emocional, psicológica, afetiva e, principalmente, social. A

brincadeira é a melhor forma de socialização infantil. É através dela, que a

criança estabelece seus contatos sociais e aprende a se relacionar com o

outro. Por estes motivos o brincar precisa ser imediatamente absorvido pelas

escolas. É preciso romper definitivamente com visões tradicionais que

relacionam o lúdico a coisas pouco sérias e proporcionar brincadeiras em sala

de aula como alicerce para a aprendizagem. Neste contexto, vale ressaltar o

brincar como melhor alternativa para a inclusão social.

4

SUMÁRIO

Introdução ..................................................................................................... 5

Capítulo 1: O BRINCAR

1.1) Por que as crianças brincam................................................................... 8

1.2) A Importância e os benefícios do brincar.............................................. 10

1.3) Alguns Tipos de Jogos e Brincadeiras................................................. 14

1.4) O Lúdico e a Socialização infantil ........................................................ 17

Capítulo 2: BRINCADEIRAS NO ESPAÇO ESCOLAR

2.1) Investindo em educação: promovendo brincadeiras na escola................ 19

Capítulo 3: DESENVOLVENDO PROPOSTAS INCLUSIVAS ATRAVÉS DE

BRINCADEIRAS

3.1) Inclusão social no contexto escolar .......................................................... 27

3.2) O lúdico e sua proposta inclusiva............................................................ 29

Considerações finais ..................................................................................... 31

Referências Bibliográficas............................................................................. 33

Atividades Culturais ...................................................................................... 35

Folha de Avaliação ........................................................................................ 39

5

INTRODUÇÃO

Existem registros de brinquedos infantis provenientes de épocas pré-

históricas, demonstrando assim que a brincadeira sempre esteve presente na

vida do Homem, independentemente de seu tempo.

Todavia, apesar de ser uma atividade universal, por se manifestar em

diferentes etapas da vida humana, o brincar pode ser considerado uma

atividade essencialmente infantil.

Levando em consideração que o brincar é exercido em um contexto de

descontração e alegria e que, por este motivo, contagia as partes envolvidas,

podemos também admiti-lo e reconhecê-lo como uma atividade prazerosa.

As brincadeiras trazem inúmeros benefícios para o desenvolvimento

emocional, social, cognitivo e psíquico da criança. O brincar propicia a

descoberta do mundo, pois a criança entra no universo das aprendizagens

concretas e constrói o seu próprio conhecimento, explorando o meio, as

pessoas e os objetos que a rodeiam. Brincando a criança desenvolve sua

imaginação, passa a tomar decisões, e principalmente, aprende a se integrar à

um grupo.

Este trabalho compõe-se por três capítulos. Antes de iniciá-los, porém,

faremos um retrocesso na História para compreender como o brincar se

manifestava em épocas e sociedades antigas.

No primeiro capítulo, trataremos do tema brincar, através de diferentes

definições de psicólogos, teóricos e educadores. Faremos uma reflexão sobre

os motivos que levam uma criança a brincar e sobre os benefícios que tal

prática traz para a formação da criança, focando, sobretudo, os benefícios de

caráter social. Admitiremos a brincadeira como principal forma de socialização

infantil.

O segundo capítulo evidenciará a brincadeira como instrumento

indispensável para a aprendizagem infantil chamando atenção para a

necessidade de promover-se mais brincadeiras no contexto escolar.

6

O último capítulo apresentará algumas definições sobre inclusão social,

explicando como ela pode ser trabalhada na escola. Este capítulo defenderá,

fundamentalmente, o lúdico como alternativa perfeita para se promover a

inclusão.

Serão analisados, portanto, nesta pesquisa, através de uma revisão

bibliográfica de livros, artigos e revistas, os benefícios que o brincar traz para a

criança, principalmente, no nível social. O trabalho propõe reflexões à cerca do

lúdico enquanto agente de inclusão social.

7

CAPÍTULO 1: O BRINCAR

Desde tempos antigos, os jogos e as brincadeiras eram considerados

importantes para a espécie humana. Na Antiguidade, era comum observar a

participação de toda a comunidade em jogos e divertimentos como forma de

lazer. Mais adiante, na época do Renascimento, a brincadeira passa a ser

vista como uma possibilidade educativa. A partir daí, passam a ser elaboradas

várias propostas e métodos educativos baseados em jogos e brincadeiras.

No período romântico, o brincar assume um novo valor, associado

também a um novo conceito sobre a criança: ela começa a ser vista como um

ser ativo, que merece respeito. A brincadeira, então, é tida como um

comportamento essencialmente infantil e uma de suas formas de expressão e

manifestação. A partir deste período, a brincadeira assume um lugar

privilegiado quando se trata de focar a criança, o desenvolvimento infantil e a

educação.

No entanto, como se pode perceber, um tempo muito longo, mais

especificamente alguns séculos, foi necessário para que a brincadeira fosse

aceita como fator de suma relevância para o desenvolvimento infantil. O que

também permitiu um avanço neste sentido foram os estudos sobre a psicologia

da criança e sobre educação infantil. Com a evolução desses conhecimentos

foi se enfatizando cada vez mais a importância que a brincadeira, por si só, tem

para a criança.

8

1.1) Porque as crianças brincam

Várias são as razões que levam a criança a brincar. Se

compreendermos o brincar como uma atividade espontânea e prazerosa,

podemos dizer que a criança brinca porque sente vontade e necessidade e

porque, acima de tudo, se diverte e se sente feliz brincando.

A criança brinca porque assim ela adquire experiência. De acordo com

Winnicott, (1975) psicanalista inglês, estudioso do crescimento e

desenvolvimento infantil, da mesma forma que os adultos desenvolvem sua

personalidade através de suas experiências de vida, as crianças evoluem por

intermédio de suas próprias brincadeiras e das invenções de brincadeiras feitas

por outras crianças e adultos. Este mesmo autor define a brincadeira como

prova evidente e constante da capacidade criadora, que segundo ele, quer

dizer vivência.

Muitas vezes, a criança brinca para estabelecer contatos sociais, pois é

basicamente com as brincadeiras que ela consegue fazer amizades e

inimizades.

Para o autor, as crianças brincam para dominar emoções, controlar

idéias ou impulsos que conduzem à angústia se não forem dominados. À

brincadeira é atribuída uma função de auto-revelação. Neste caso, a criança

brinca por desejo e necessidade de revelar algo de seu íntimo. Brincando a

criança inconscientemente extravasa emoções e sentimentos recalcados, que

dificilmente conseguiria expor em outras circunstâncias. É na brincadeira que

ela encontra facilidade para se expressar, de forma descontraída e se

comunicar com mais facilidade, sem cerceios. Brincando a criança estabelece

um diálogo com as outras crianças e com o mundo adulto.

Vamos analisar como isso pode ocorrer na prática. Quando briga com a

boneca, por exemplo, e a coloca de castigo, a menina pode estar querendo

expressar mil coisas. Pode estar espelhando a forma como é tratada,

descarregando a raiva que sente da mãe, que brigou com ela, ou se vingando

do irmãozinho que lhe bateu. Durante a brincadeira, ela libera os sentimentos

9

negativos, raiva, medo, angústia, sem se sentir culpada, sem receios de ser

castigada ou mal interpretada.

Bettelhim afirma que através de uma brincadeira infantil podemos

compreender como a criança vê e constrói o mundo, como ela gostaria que ele

fosse, e podemos ainda reconhecer quais preocupações e problemas a estão

assediando. “Pela brincadeira a criança expressa o que teria dificuldades de

traduzir com palavras”.

10

1.2) A importância e os benefícios do brincar

O brincar é uma atividade exercida em um contexto de descontração,

diversão e prazer. É também uma atividade natural e essencialmente infantil,

embora possa se manifestar em alguns momentos da vida adulta. Sua

importância é considerável para a formação plena da criança, tendo em vista

que as brincadeiras trazem inúmeros benefícios para o crescimento e

desenvolvimento emocional, social, psíquico e cognitivo da criança.

Através das brincadeiras, a criança entra no mundo das aprendizagens

concretas e constrói o seu próprio conhecimento, explorando o meio, as

pessoas e os objetos que a rodeiam. Brincando e percebendo o mundo, a

criança consegue externar suas emoções e desenvolver um processo de

organização mental e de estrutura que servirá para prepará-la para a vida

adulta.

Renata Lima Carneiro (2000) em sua Monografia “Brincadeira É Coisa

Séria?”, considera importante, neste contexto, ressaltar a visão de Bettelhim

sobre o brincar. Ela explica que para o autor o brincar, numa perspectiva sócio-

cultural, é a maneira que a criança utiliza para interpretar e assimilar o mundo,

os objetos, a cultura, as relações e o afeto das pessoas. Por este motivo, o

brincar teria se transformado em um espaço característico da infância para que

a criança experimente o mundo adulto sem riscos, como participante

responsável.

Segundo Winnicott (1975) o brincar é o fazer em si; um fazer que requer

tempo e espaços próprios; um fazer universal que se constitui de experiências

culturais.

Huizinga (1971) diz que a atividade lúdica é desligada de “interesses” e

é praticada dentro de limites espaciais e temporais. Ele atribui à ela um poder

muito grande de fascinar aqueles que com ela se envolvem.

De acordo com a teoria piagetiana, a brincadeira não recebe uma

conceituação específica. Ela é compreendida como ação assimiladora e

aparece como forma de conduta, dotada de características metafóricas,

11

espontânea e prazerosa. Tizuko Kishimoto (1996) à respeito desta idéia de

Piaget menciona:

Ao colocar a brincadeira dentro do conteúdo da inteligência e não na estrutura cognitiva, Piaget distingue a construção de estruturas mentais da aquisição de conhecimentos. A brincadeira enquanto processo assimilativo participa do conteúdo da inteligência, à semelhança da aprendizagem (p.32).

No livro “Jogo, Brinquedo, Brincadeira e Educação”, organizado por

Tizuko Kishimoto (1996), a autora Edda Bontempo, citando Garbarino,

menciona que o ambiente é a condição para a brincadeira e, por conseqüência,

ele a condiciona. Para Garbarino, dentro de uma mesma cultura crianças

brincam com temas comuns: educação, relações familiares e vários papéis que

representam pessoas que integram sua cultura. Os temas, em geral,

representam o ambiente das crianças e aparecem no contexto da vida diária.

Quando o contexto muda, as brincadeiras mudam.

Segundo Vygotsky (1989) a brincadeira possui três características: a

imaginação, a imitação e a regra. Para ele, tais características estariam

presentes em todos os tipos de brincadeiras infantis.

Através do brincar, as crianças são capazes de lidar com complexas

dificuldades psicológicas, por isto procuram integrar às suas brincadeiras

experiências de dor, medo e perda.

Brincando a criança tem possibilidades de recriar experiências vividas,

construir hipóteses sobre o funcionamento da sociedade e buscar compreender

as ações humanas com as quais convive.

Segundo Rodrigues (1976), a função dos jogos e das brincadeiras não

se limita ao mundo das emoções e da sensibilidade, ela aparece ativa também

no domínio da inteligência e coopera decisivamente para a evolução do

pensamento e de todas as funções mentais superiores.

Piaget (1978) valoriza, sobretudo, a brincadeira do faz-de-conta, pois é

principalmente nela que a criança tem acesso ao símbolo. Um objeto ao

adquirir a função de signo e transformar-se em brinquedo ganha características

e histórias próprias. Ao brincar com o concreto, conseguindo simbolizá-lo, a

criança chega à representação mental, à abstração, ao pensamento

12

propriamente dito. A brincadeira é, então, uma atividade completa para o

desenvolvimento cognitivo da criança, pois possibilita espaço para ensaiar,

provar, explorar, experimentar e interagir.

Vygotsky (1989) considera esta construção do pensamento infantil como

principal benefício trazido pelas brincadeiras. Ele acredita que a criança é

capaz de satisfazer suas necessidades e estruturar-se na medida em que

ocorrem transformações em sua consciência.

Edda Bontempo em seu texto presente no livro de Tizuko Kishimoto

(1996) menciona que Peller considera como grande benefício da brincadeira, a

sua capacidade de reduzir o efeito traumático de uma experiência angustiante

vivenciada pela criança. Isto porque, brincando, a criança tem a possibilidade

de extravasar o que lhe incomoda. Na brincadeira, a criança “revivencia” a

experiência por qual passou, na busca de soluções e na tentativa, inconsciente,

de lidar melhor com a situação, fato que, segundo Peller, contribuiria para

tornar a criança melhor preparada diante de futuras experiências angustiantes.

Imaginando situações, criando papéis e vivenciando emoções, a criança

realiza o processo de integrar o mundo externo com o seu mundo interno. A

fantasia lhe permite viver o real e o imaginário ao mesmo tempo, o que dá

margem à criança de agir de forma original, fonte da criatividade. De acordo

com Winnicott (1975) o brincar, e somente ele, possibilita que a criança seja

criativa e utilize sua personalidade integral; e somente sendo criativo o

indivíduo descobre o seu eu. Ele explica:

Ser criativo requer a capacidade de relacionar-se com a realidade externa, rompendo com o preestabelecido, com o esteriotipado, de maneira sadia, na busca de novos caminhos, alternativas e soluções do dia a dia. Parece que através das manifestações lúdicas a criança deixa fruir sua criatividade, sua capacidade de criar, recriar reiventar a realidade (p.79).

O adulto precisa compreender que a criança tem necessidade de

brincar, de jogar por jogar, pelo simples prazer. Cabe à ele estimular e

oportunizar a criança a se envolver em diferentes brincadeiras.

Segundo Piaget (1978) a criança é diferente do adulto, ela precisa

brincar para crescer e precisa do jogo como forma de equilíbrio com o mundo.

13

Isto porque através do jogo, a criança pode transformar seu meio, adaptando-

o às suas necessidades.

Disse Vygotsky (1989):

Nenhuma criança brinca para passar o tempo, como muitas vezes o adulto imagina, e justamente por não saber interpretar o brincar da criança e fazer uma leitura de suas manifestações lúdicas, o adulto perde a grande oportunidade de penetrar no seu mundo e compreender o verdadeiro sentido do brincar (p.117).

Tirar da criança a oportunidade de brincar pode acarretar graves

prejuízos, desde problemas no aparelho motor, até a dificuldade de se

expressar, criando deficiências de linguagem, raciocínio e comunicação. Além

do mais, pode transformá-la em um ser isolado, incapaz de agir coletivamente,

e inseguro, sem saber como lidar com as situações.

Pode-se ai nada afirmar que no desenvolvimento da criança, não é

possível separar o lúdico da criatividade e vice-versa. Uma criança com

dificuldades de brincar, provavelmente, terá dificuldade para criar. Sua

liberdade de criação estará comprometida à medida que as manifestações

lúdicas são bloqueadas. É fundamental propiciar à criança um brincar sem

castrações e imposições severas, favorecendo assim o rompimento com

padrões pré estabelecidos que abortam a criatividade.

14

1.3) Tipos de jogos e brincadeiras:

As brincadeiras e jogos vão se estruturando conforme o estágio

evolutivo da criança. Neste contexto, Piaget (1978) classifica os jogos em três

grupos distintos.

Os primeiros jogos a serem vivenciados pela criança são os jogos de

exercícios. Eles se manifestam durante o período sensório motor, que se

estende de zero a dois anos de idade. Surgem sob a forma de simples

exercícios motores, caracterizados pela repetição de gestos e movimentos, e

dependem, para a sua realização, apenas da maturação do aparelho motor.

Estes jogos consistem na descoberta por ensaio e erro e possuem caráter

manipulativo e exploratório. São jogos que permitem à criança colocar em ação

os esquemas simples e posteriormente coordená-los.

Nos primeiros meses de vida, o bebê estica e recolhe os braços, toca os

objetos e os sacode, produzindo sons. A criança faz isto para explorar e

exercitar os movimentos do próprio corpo ou para ver o efeito que sua ação vai

produzir. Daí a atribuição de valor exploratório aos jogos de exercícios.

Movimentando-se a criança descobre os próprios gestos e os repete em busca

de efeitos.

São exemplo de jogos de exercícios as atividades em que a criança

manipula objetos, tocando, deslocando, superpondo, montando e

desmontando. É o caso do brincar na areia; sentir o prazer de fazer a areia

escorrer pelas mãos, encher e esvaziar copinhos.

A partir dos dois anos de idade, a criança passa a brincar de faz-de-

conta. É a fase dos jogos simbólicos, caracterizada pela imaginação e fantasia.

A criança, então, percebe que ela pode transformar o real em qualquer outra

coisa que seja de seu desejo. Implica, portanto, a atribuição de novos

significados aos objetos, desenvolvendo a partir desta ação a função simbólica,

elemento que garante a racionalidade ao ser humano. Assim sendo, um

simples galho pode se transformar em uma espada com super poderes e um

cabo de vassoura em um cavalinho muito veloz. Através do jogo simbólico a

15

criança consegue obter prazer, satisfazer o eu, além de se ajustar a um mundo

de incompreensão e temor.

É importante registrar que o conteúdo do imaginário provém de

experiências anteriores adquiridas pelas crianças em diferentes contextos.

Piaget (1971) explicita que, quando uma criança brinca, assimila o

mundo à sua maneira, sem compromisso com a realidade, pois sua interação

com o objeto não depende da natureza deste objeto, mas sim da função que a

criança lhe atribui.

Vygotsky (1989) explica que a criança cria situações imaginárias para

que consiga realizar com facilidade aqueles desejos impossíveis de serem

realizados na vida real. Neste sentido, seria atribuída ao faz-de-conta a função

de reduzir a tensão e de constituir uma maneira de acomodação a conflitos e

frustrações da vida real. Para ele: “o jogo simbólico é um mecanismo

comportamental que possibilita a transição de coisas como objetos de ação

para coisas como objetos do pensamento” (p.122).

Inicialmente o faz-de-conta se apresenta solitário, mas aos poucos vai

evoluindo para o estágio de jogo sociodemocrático, isto é, para a

representação de papéis como o brincar de médico e de casinha.

Para Tizuko Kishimoto (1996) o jogo simbólico individual pode também,

de acordo com a ocasião, transformar-se em coletivo com a presença de vários

participantes. Ela explica: “a maior parte dos jogos simbólicos implica

movimentos de atos complexos, que podem ter sido, anteriormente objeto de

jogos de exercícios sensório-motor isolados” (p.59).

Edda Bontempo, citando Singer, no livro “Jogo, Brinquedo, Brincadeira e

Educação” (1996) reconhece que a maior parte dos jogos de faz-de-conta tem

qualidade social no sentido simbólico. Isto porque o faz-de-conta, normalmente,

envolve transações interpessoais e se desenvolve com pares ou grupos de

crianças que introduzem objetos inanimados, pessoas e animais na

brincadeira, sem que estes estejam presentes no momento.

Ao chegar aos sete anos de idade, a criança passa a se dedicar aos

jogos de de regras. O interesse agora está centrado em jogos que envolvam

16

regras para a solução de problemas, como por exemplo, os jogos lógicos e em

jogos cujas regras surgem de relações sociais.

Os jogos de regras normalmente instigam a competição, como é o caso

do jogo de cartas e de tabuleiro, e por este motivo, possibilitam à criança

aprender a lidar com frustrações, uma vez que os resultados dos jogos nem

sempre são aqueles esperados por ela. A criança também aprende a ceder, a

negociar, a discutir e solucionar problemas; aprende que existem regras e

limites a serem cumpridos.

Segundo Anália Rodrigues de Faria (1989), os jogos de exercícios e os

jogos simbólicos podem evoluir e se transformarem em jogos de regras, desde

que, para isso, se tornem coletivos.

Nesta fase, iniciada por volta dos sete anos, há também grande

interesse pelos jogos de construção, em que a criança pode construir cidades e

bairros, de acordo com sua imaginação.

Para Tizuko Kishimoto (1996) o jogo de construção tem uma estreita

relação com o de faz-de-conta. “Não se trata de manipular livremente tijolinhos

de construção, mas de construir casas, móveis ou cenários para as

brincadeiras simbólicas” (p.40). As construções evoluem em complexidade

conforme o desenvolvimento da criança.

Os jogos de construção são considerados de grande importância por

enriquecer a experiência sensorial, estimular a criatividade e desenvolver

habilidades da criança.

17

1.4) As brincadeiras como instrumento para a socialização infantil

Huizinga (1971) considera a brincadeira uma atividade universal.

Segundo ele, o jogo está presente em todas as formas de organização social,

das mais primitivas às mais sofisticadas. O jogo seria, portanto, uma atividade

inerente a qualquer civilização.

Winnicott (1975) também compartilha desta teoria. Dentro da perspectiva

infantil, o autor admite que o brincar facilita o crescimento da criança e,

portanto a saúde, conduz a relacionamentos grupais, além de ser a forma de

comunicação consigo mesmo e com os outros.

A criança que brinca abre seu canal de possibilidades e potencialidades

através das relações que estabelece durante esta atividade. Com isso vai

construindo as normas sociais que regem o comportamento humano, vai

adquirindo valores e crenças da sua cultura e vai aperfeiçoando sua linguagem.

Nas brincadeiras, a criança aprende a assimilar papéis sociais, a tomar

decisões, a desenvolver sua capacidade de liderança, a fazer parte de um

grupo, além de trabalhar seus conflitos de forma lúdica. Brincando, portanto, a

criança coloca-se num papel de poder, em que ela pode dominar vilões ou

situações que provocariam medo ou que a fariam sentir-se insegura.

A brincadeira seria, portanto, a melhor forma da criança estabelecer

seus contatos sociais. É através dela que a criança começa a descobrir com

quem se identifica, com quem se diverte, com quem sente dificuldade de se

relacionar. Aos poucos, a criança vai então definindo suas amizades e

inimizades.

Muitas das brincadeiras, por sua própria essência, exigem a presença de

um grupo e a necessidade da troca entre as crianças. Reciprocamente, maior

parte das crianças manifesta o seu desejo por ter com quem brincar, mesmo

que tal prática possa resultar em brigas e insatisfações.

Entretanto, há algumas crianças que dão preferência às brincadeiras

mais individualizadas, o que é também muito importante e tem seu valor. O

único problema é quando esta criança se recusa a participar de brincadeiras

com outras crianças, muitas vezes por timidez ou receio, e se fecha para o

18

mundo à sua volta. É preciso que pais e educadores detectem este fato, para

estimular a criança a se inserir no grupo, mostrando como pode ser divertido e

prazeroso para ela brincar com outros colegas e mesmo mostrando a

importância de se relacionar com as pessoas. Ao contrário, no futuro, esta

criança pode se tornar cada vez mais isolada, incapaz de agir coletivamente e

insegura, sem saber como lidar com as situações.

19

CAPÍTULO 2: BRINCADEIRAS NO ESPAÇO ESCOLAR

2.1) Investindo em Educação: promovendo brincadeiras na escola

Já vimos que inúmeros são os benefícios trazidos pelos brinquedos e

brincadeiras para o desenvolvimento pleno da criança. Todavia, a questão do

lúdico não tem sido bem entendida pela sociedade, que parece ainda estar

presa a uma visão ultrapassada, simplista e ingênua da mesma, vendo-a como

algo desnecessário e inútil.

De acordo com Santa Marli Pires (2000) as atividades lúdicas durante

muitos séculos foram vistas como atividades sem importância, com conotação

pejorativa.

“culturalmente somos programados para não sermos lúdicos. Basta lembrarmos quantas vezes em nossas vidas já ouvimos frases como estas : Chega de brincar, agora é hora de estudar; Brincadeira tem hora; Fale a verdade, não brinque; A vida não é uma brincadeira. Assim, fomos construindo nossas idéias sobre o lúdico” (p.57).

Hoje a falta de seriedade atribuída ao lúdico se explica, sobretudo, pelo

fato dele estar sendo negado em nome da produtividade da sociedade, em

nome da necessidade de preparação para o futuro, como se o brincar não

trouxesse benefícios para a vida adulta.

Segundo Luise Weiss (1997) a criança aprende brincando

continuamente. Entretanto, a autora acredita que esta integração aprender-

brincar é rompida à medida que se impõe à criança a hora do brincar e a hora

do aprender, situação que pode ser claramente percebida em muitos espaços

voltados para o ensino.

O que ocorre em nossa sociedade, é que se tornou comum atribuir às

escolas duas funções, o brincar como sendo o momento da bagunça, e o

aprender, o momento destinado aos trabalhos, estudos e livros. Nesta

perspectiva, o brincar e o aprender se colocam em lados opostos e, ao invés

de serem compreendidos como atividades que se completam e que estão

20

integradas, surgem como atividades distintas e desvinculadas uma da outra.

Assim sendo, o aluno ou brinca ou aprende, como se não pudesse aprender

brincando.

O brincar, no contexto escolar, passa então a ser associado a coisas

pouco sérias ou sem nenhuma importância para a aprendizagem do aluno.

Compartilhando desta idéia, muitos pais, ignorando a essência do brincar,

vêem com muito receio, às vezes com preconceito, escolas que inserem o

lúdico no planejamento escolar e educadores que introduzem jogos e

brincadeiras em sala de aula, acreditando ser esta uma grande oportunidade

para ensinar determinados conteúdos.

À respeito desta dicotomia que se estabeleceu entre brincar/estudar e

também entre lazer/trabalho, Luise Weiss (1997) explica:

Brincar è prazeroso. Trabalhar, numa sociedade competitiva, é uma atividade superior. Brincar não rende dinheiro, não é lucrativo, enquanto que trabalhar significa competir, “sobreviver”. Geralmente, o ato de brincar é mostrado como uma recompensa após o estudo, após o trabalho. Em nossa sociedade, o lazer não existe sem trabalho, e vice-versa. Esse fato é de tal maneira introjetado culturalmente, que a maioria dos adultos têm dificuldade em aceitar o lado do prazer no próprio trabalho e manifestam sentimentos de culpa em relação ao ócio (...) (p.27).

Huizinga (1971) aponta como uma das características do jogo e das

brincadeiras o caráter “não sério”. Todavia, ao contrário do que possa parecer,

ele não desconsidera a importância das brincadeiras infantis. A pouca

seriedade a que faz referência está relacionada ao clima de descontração, que

acompanha, na maioria das vezes, o ato lúdico.

Para o autor, segundo esta visão, poderia se dizer que o lúdico se

contrapõe ao trabalho. Não porque o trabalho seja mais importante ou

benéfico do que o brincar, como muitos pensam, mas sim porque enquanto o

brincar se desenvolve num contexto de diversão e prazer e desperta sorrisos, o

trabalho normalmente se caracteriza por um ambiente pouco divertido, onde as

pessoas envolvidas se encontram com fisionomias preocupadas e centradas.

21

Segundo Oliveira (1984) uma das vantagens do jogo é a sua “condição

de brincadeira” que remete à “não seriedade”, à diversão, que permite que a

imaginação e a fantasia fluam. Ele diz: “Justamente por não ser sério, ele se

torna importante. É a não seriedade que dá sociedade ao jogo” (p.10)

A grande maioria dos educadores interessados na utilização de

brincadeiras na educação, e também muitos psicólogos, defendem a

brincadeira livre, na qual a criança tem absoluta liberdade para escolher do que

e como vai brincar. Esta escolha deve ser totalmente espontânea e sem

influência de qualquer outro motivo, como agradar a mãe ou a professora.

Piaget (1978 ) se enquadra nesta tendência e acredita que os

professores devem guiar as crianças, proporcionando-lhes os materiais

apropriados para a prática do brincar. Para ele a criança só aprende com as

brincadeiras quando ela mesma constrói ou reinventa. “Cada vez mais que

ensinamos algo a uma criança estamos impedindo que ela descubra por si

mesma”.

Kishimoto (1996) citando Christie em seu livro “Jogo, Brinquedo,

Brincadeira e Educação” explica que, segundo este autor, enquanto a criança

brinca, sua atenção está concentrada na atividade em si e não em seus

resultados ou efeitos. Em contrapartida, os jogos educativos e pedagógicos

propostos em sala de aula, na maioria dos casos, estariam priorizando o

produto final, a aprendizagem de noções e habilidades. Para Christie, se a

atividade lúdica não for de livre escolha e seu desenvolvimento não depender

da própria criança não se terá jogo e sim trabalho.

Stallibrass (1992) também defende o brincar espontâneo e livre, por

acreditar que a brincadeira é algo que a criança faz para si mesma, e não algo

que faz sob uma ordem, para evitar censura ou por desejar honra e

reconhecimento. Por este motivo, ele não enquadra na categoria de

brincadeiras os jogos obrigatórios propostos nas escolas. Ele ressalta:

Se houver um adulto supervisionando a brincadeira das crianças com uma idéia preconcebida de o que as crianças deveriam estar fazendo, ou que as guie ou dirija em algum sentido, mesmo de forma gentil, pouco se descobrirá (p.28).

22

Em oposição à esta tendência, desde o Renascimento, muitos

educadores reconhecem o jogo e a brincadeira como possibilidades para o

ensino de determinados conteúdos e resolvem adotá-los numa tentativa de

tornar a aprendizagem mais divertida e prazerosa.

O Renascimento vê a brincadeira como conduta livre que favorece o

desenvolvimento da inteligência e facilita o estudo. Ao atender necessidades

infantis, o jogo infantil torna-se forma adequada para a aprendizagem dos

conteúdos escolares. Contrapondo-se aos processos de ensino verbalistas em

vigor e à palmatória vigente, o pedagogo deveria introduzir os conteúdos de

forma lúdica.

Os jogos então passam a ser vistos como instrumentos de ensino, que

servem para divulgar princípios de moral, ética e conteúdos de história,

geografia, matemática e outros.

Um dos pedagogos que adotou esta prática foi Rabelais, que valorizava

o jogo como instrumento de educação não só para o ensino de conteúdos, mas

para gerar conversas, ilustrar valores e práticas do passado e até para

recuperar brincadeiras de tempos passados.

Montaigne também divulga o caráter educativo do jogo. Para ele, o jogo

é um instrumento de desenvolvimento da linguagem e do imaginário. Ele

prioriza os jogos que valorizam a escrita.

Embora as brincadeiras e jogos com fins educativos datem dos tempos

do Renascimento, foi especialmente a partir do século XX, com a expansão da

educação infantil, que eles ganharam mais força.

Entendido como recurso que ensina, desenvolve e educa de forma

prazerosa, o jogo se materializa no quebra-cabeça, destinado a ensinar cores e

formas, nos brinquedos de tabuleiro que exigem a compreensão de números e

operações matemáticas, nos brinquedos de encaixe, que trabalham noções de

seqüência, de forma e tamanho e em inúmeros outros tipos de brinquedos e

brincadeiras.

23

Por permitir a construção de representações mentais, a manipulação de

objetos, o desempenho de ações sensório-motoras, as trocas nas interações

sociais e inúmeros outros benefícios, o brincar torna-se essencial para a

aprendizagem e para o desenvolvimento infantil, como já fora visto nos

capítulos anteriores desta pesquisa. Por estes motivos, jogos e brincadeiras

são vistos em alguns espaços escolares como alternativas significativas para o

processo ensino-aprendizagem.

Em seu livro “Brinquedoteca: A Criança, O Adulto e O Lúdico” a autora

Santa Marli Pires (2000) apresenta algumas questões levantadas durante o IV

Encontro Sul-Brasileiro sobre Brinquedoteca. Em uma das palestras realizadas

neste Encontro, o educador Celso Antunes expõe a sua visão de jogo como

estratégia de trabalho do professor em sala de aula. O educador considera o

jogo uma ferramenta ideal da aprendizagem e reconhece assim os benefícios

que a adoção de tal prática pode trazer:

(...) propõe estímulo ao interesse do aluno, desenvolve níveis diferentes de sua experiência pessoal e social, ajuda-o a construir suas novas descobertas, desenvolve e enriquece sua personalidade e simboliza um instrumento pedagógico que leva ao professor a condição de condutor, estimulador e avaliador da aprendizagem (pp. 37-38).

Celso Antunes também menciona que é essencial o professor utilizar o

jogo como ferramenta de combate à apatia, como instrumento de inserção e

ainda como desafio a ser vivenciado em grupo.

No Brasil, os estudos sobre a influência dos jogos e brincadeiras na

educação e no desenvolvimento infantil, foram intensificados a partir da década

de 80 e uma das professoras que pesquisou o tema com mais profundidade foi

Tizuko Kishimoto.

Tizuko foi uma das responsáveis pelo laboratório de brinquedos e

materiais pedagógicos chamado Labrimp, criado em 1985, com o objetivo de

estimular a produção científica sobre a brincadeira e a educação, além de

formar educadores para estabelecer um vínculo entre teoria e prática que

possa garantir melhor compreensão do papel do brinquedo e da brincadeira na

educação da criança.

24

Para a professora, a dimensão educativa do jogo surge quando as

situações lúdicas são intencionalmente criadas pelo adulto visando estimular

certos tipos de aprendizagens e atender objetivos específicos.

De acordo com Tizuko Kishimoto (1996), desde que sejam mantidas as

condições para a expressão do jogo, ou seja, a ação intencional da criança

para brincar, o educador está potencializando as situações de aprendizagem.

Utilizar o jogo na educação infantil significa propiciar ao processo ensino-

aprendizagem condições para maximizar a construção do conhecimento.

Kishimoto explica:

Ao usar a quadrilha para a apreensão de noções de conjunto, de pares, ímpares ou o boliche, para a construção de números, estão presentes propriedades metafóricas do jogo, que possibilitam à criança o acesso a vários tipos de conhecimentos e habilidades (1996, p.37).

No entanto, Kishimoto (1996) ressalta que embora as brincadeiras

propiciem uma riqueza de situações de aprendizagens, nunca se tem a certeza

de que a construção do conhecimento efetuado pela criança será exatamente a

mesma desejada pelo professor.

Normalmente, os espaços escolares que resistem à adoção do lúdico

como alternativa para o ensino, justificam sua escolha reforçando o brincar

como momento destinado à bagunça. Isto porque, alguns professores por

acreditarem na crença equivocada de que o jogo traz “elementos perturbadores

de ordem”, consideram muitas brincadeiras como atitudes de indisciplina.

Renata Lima Carneiro (2000) citando Huizinga em sua monografia

explica que o autor diverge totalmente desta crença. Segundo ela, Huizinga

afirma: “O verdadeiro jogo em si cria ordem e é ordem. Uma ordem muito mais

eficaz porque é aceita pelo grupo e elaborada conjuntamente”.

O que muitas vezes pode se verificar em sala de aula é a imposição de

jogos e a determinação de regras de forma arbitrária. Algumas vezes a

exigência do seu cumprimento é baseada em punições e ameaças, podendo

provocar reações conformistas ou de resistência, variando desde a fuga,

seguida por conversas paralelas, até a inquietação.

25

Alguns professores assumem uma atitude autoritária e impositiva e

estabelecem regras muito rígidas para serem seguidas pelos alunos durante a

brincadeira. Sem participar da elaboração das regras, muitas vezes os alunos

se sentem no direito de ignorá-las ou desafiá-las. Dentro desta perspectiva, a

indisciplina pode ser considerada uma reação ao jogo imposto.

É preciso que o educador entenda que no processo pedagógico, não há

“donos” exclusivos do saber e que o educador também se educa. O professor

deve ser um bom observador para detectar quando suas regras não agradam

à turma e estar apto a ouvir sugestões dos próprios alunos para o desenrolar

da brincadeira. O professor deve ser capaz de adaptar, modificar e reiventar,

respeitando gostos e idéias dos alunos.

Quando o brincar proposto em sala não agrada os alunos e torna-se

uma obrigação que precisa ser cumprida, perde sua função lúdica, pois não

gera prazer nem diversão. Além disso, perde sua função educativa, pois o

aluno só assimila conceitos e conteúdos quando está entretido na brincadeira,

ou seja, quando ele está envolvido na ação do brincar.

Como podemos perceber, no âmbito escolar, há uma corrente de

educadores que defende a brincadeira livre, e outra corrente que acredita na

brincadeira como instrumento para o ensino de determinados conteúdos. Mas

porque a escola precisa optar por esta ou aquela forma de brincadeira? Por

que ela não pode aceitar as duas, reconhecendo-as como possibilidades para

a formação plena da criança?

Precisamos evitar idéias radicais que “limitem nosso horizonte”. Até

porque se formos radicais nos depararemos com alguns paradoxos. Por

exemplo, a brincadeira livre é totalmente livre? E se na sala de aula o professor

propuser um momento destinado ao brincar livre e for desejo de um aluno

brincar de luta com certa violência ou brincar de correr por toda a escola? Será

que o professor não vai precisar intervir e mesmo castrar esta “total” liberdade

do aluno?

Apesar de ser uma atividade que precisa ser cumprida e para alguns até

mesmo obrigatória, será que a brincadeira proposta pelo professor é sempre

impositiva, como alguns acreditam? E se o professor quiser trabalhar os

26

números e apresentar uma série de sugestões de brincadeiras aos alunos para

que eles tenham a liberdade de escolher aquela que mais agrada à turma? E

se o professor der a liberdade aos alunos de participar da elaboração das

regras do jogo?

É evidente que tanto a brincadeira livre quanto a brincadeira

“comandada” pelo professor são importantes. A brincadeira livre pode trazer

conhecimentos que a brincadeira “dirigida” não traz e vice-versa, mas ambas

podem se complementar. Associando as duas e dando ao aluno a

oportunidade de usufruir destas duas práticas, a escola estará contribuindo

mais profundamente para o desenvolvimento da criança. Esta escola será

aquela que acredita e investe verdadeiramente no brincar. Uma escola que

trabalha os conteúdos de forma lúdica e que oferece um espaço onde a criança

pode se dedicar à brincar do que ela tem vontade naquele momento; um

espaço que disponibilize materiais para que a criança possa produzir seus

próprios brinquedos artesanais; um espaço em que ela possa levar o seu

brinquedo industrializado favorito e compartilhá-lo com os outros colegas. Por

que não contemplar todas estas viabilidades?

27

Capítulo 3: DESENVOLVENDO PROPOSTAS INCLUSIVAS ATRAVÉS DE

BRINCADEIRAS

3.1) A inclusão social no contexto escolar

Quando pensamos em inclusão logo nos vem à mente a idéia de

aceitação. Incluir é acolher um indivíduo, introduzindo-o num grupo e tornando-

o ser participativo dentro deste mesmo grupo. Num processo inclusivo, todos

têm mesmos direitos e deveres, todos são vistos de forma igualitária.

Segundo Mazzota, a inclusão é a base da vida social onde duas ou

mais pessoas se propõem a conviver ou têm de conviver, já que muitas vezes

o convívio não depende apenas da vontade individual.

A idéia de inclusão social proliferou-se após a conferência Mundial

sobre Educação Para Todos, na Tailândia, em 1990. Neste encontro

conferencial, o governo brasileiro assumiu o compromisso de construir um

sistema educacional inclusivo. A partir da Declaração de Salamanca (1994),

intensificaram as discussões em torno do tema. Acredita-se que o processo

inclusivo deva estar ligado a todos os segmentos da sociedade, porém, na área

educacional este processo aconteceu de forma mais efetiva, por meio de leis,

decretos e diretrizes nacionais. O que não poderia deixa de ser, pois a

Educação é a área que mais possibilidades tem de provocar mudanças no

comportamento da sociedade, devido a sua função formadora e socializadora

do conhecimento.

A inclusão implica uma reforma radical nas escolas em termos de

currículo, avaliação, pedagogia e formas de agrupamento dos alunos nas

atividades de sala de aula. Ela é baseada em um sistema de valores que faz

com que todos se sintam bem-vindos, celebrando assim a diversidade.

Uma escola renovada implica no entendimento de que: o direito à

educação é para todos; que a riqueza das relações sociais está na

heterogeneidade do grupo; que todos os profissionais da educação devem

estar preparados para lidar com as diferenças individuais e, sobretudo, que a

escola deve adequar-se para receber o alunado.

28

Mais do que a sua simples adaptação, o processo inclusivo hoje tem

valor formativo, educacional e espera-se da escola que ela atenda as

expectativas da nova sociedade emergente: que contribua de fato para a

aprendizagem dos alunos e não mais secundarize as deficiências,

responsabilizando-se, apenas pelo desenvolvimento das funções elementares.

Para Correia, a educação inclusiva pretende que todos os alunos ,

com as mais diversas capacidades, interesses, características e necessidades,

possam aprender juntos, que seja dada atenção ao seu desenvolvimento global

(acadêmico, socioemocional e pessoal), que se crie um verdadeiro sentido de

igualdade de oportunidades , que vise o sucesso escolar

De acordo com Andrade (2003) uma escola inclusiva contribui para a

qualidade de vida da sua comunidade, fornecendo-lhes o acesso ao

conhecimento útil, aplicável ao seu cotidiano e promotor de variadas formas de

produção.

Para Aranha (2001), a inclusão escolar prevê intervenções decisivas e

incisivas nos processos de desenvolvimento do sujeito e de reajuste da

realidade social. Assim, além de se investir no processo de desenvolvimento do

indivíduo, busca-se a criação imediata de condições que garantam o acesso e

a participação da pessoa na vida comunitária, através da provisão de suportes

físicos, psicológicos e sociais.

Este autor defende a tese de que, para que a inclusão social e escolar

sejam construídas, é preciso adotar como objetivo primordial, a intervenção

junto às diferentes instâncias que contextualizem a vida desse sujeito na

comunidade , promovendo os ajustes que se mostrem necessários para que a

pessoa com deficiência possa imediatamente adquirir condições de acesso ao

espaço comum da vida na sociedade.

Pensar em inclusão é, sobretudo, pensar na idéia de grupo

heterogêneo e coeso, é pensar em respeito mútuo, em diversidade.

29

3.2) O Lúdico e Sua Proposta Inclusiva

O brincar é, sem dúvida, uma atividade plena para o desenvolvimento

infantil. Vimos anteriormente, a necessidade definitiva e imediata de se

introduzir brincadeiras no contexto escolar, combatendo a resistência

tradicional de grande parte dos educadores. Admitimos o brincar como principal

forma de socialização infantil e, neste item, defenderemos o brincar também

como melhor alternativa para a inclusão social nas escolas.

A inclusão admite num mesmo espaço pessoas com diferentes

tradições, hábitos, cultura, raça, opção sexual, nível social. É, um espaço de

diversidades, onde portadores de necessidades especiais convivem com os

ditos”normais” harmonicamente e todos são vistos igualitariamente. Neste

contexto, vale ressaltar que o momento do brincar seria então um momento

propício para a inclusão. Mas por quê?

Na maior parte das brincadeiras faz-se necessária a presença do

grupo. A criança, ao brincar, sente a falta do outro para compartilhar suas

idéias, para se divertir, para interagir e mesmo para competir. A brincadeira

abre espaço para que as crianças se reúnam em um clima de descontração e

vão, aos poucos, se socializando.

Porém, o brincar seria sempre um processo de inclusão social?

Obviamente, não. Vimos, anteriormente, que através das brincadeiras a criança

estabelece suas amizades e também suas inimizades. É natural, portanto,

que a criança escolha para brincar apenas as crianças com quem já tem

contato e afinidade. Também é natural que ela apresente resistência em

brincar com o outro, por não conhecê-lo, considerá-lo “diferente” ou mais fraco.

Entretanto, apesar de natural, é importante que, neste momento, o educador

entre em ação.

O brincar não é sempre um processo inclusivo, muito pelo ao

contrário, pode por vezes causar uma certa segregação quando a criança

apresenta recusa pelo outro. É o educador quem deve desenvolver a proposta

inclusiva no momento do brincar. Ele deve criar um clima de aceitação,

estimulando brincadeiras em que a criança veja a importância de se relacionar

30

com o outro, independente de suas diferenças e limitações. Deve combater os

grupinhos já formados e pré-fixados, fechados aos outros, convidando todos a

se integrarem. Deve fazer do brincar um espaço para romper com os

preconceitos.

Nas escolas que promovem a inclusão, nas turmas que reúnem

portadores de necessidades educacionais especiais e os ditos “normais”, é

interessante que o educador convide um a viver o comprometimento ou

limitação do outro. Por exemplo, numa turma em que haja um aluno cego o

professor pode vendar todos os outros alunos e propor uma brincadeira “no

escuro”, assim todos irão estar participando em igual condição. Vivenciando

situações como esta é mais fácil ser receptivo ao outro.

Além disso, como vimos no capítulo anterior, o professor pode

trabalhar vários conteúdos de forma lúdica, o que até facilita a aprendizagem.

Assim sendo, o educador pode criar brincadeiras que promovam a reflexão de

seus alunos em torno de conceitos de inclusão, diversidade e solidariedade.

Em vários segmentos da educação, esta “estratégia” é utilizada. Mesmo em

cursos universitários a brincadeira é vista como possível metodologia para

trabalhar determinados conceitos e conteúdos.

Por que então o brincar seria a melhor alternativa para a inclusão

social no contexto escolar?

Porque a brincadeira permite um envolvimento pleno; brincando a

criança se entrega de corpo e alma, em um clima de alegria e descontração.

Neste contexto, se fazer a inclusão propriamente dita torna-se muito mais fácil

e plausível que qualquer outra alternativa. Porém, o sucesso de tal ação

depende da atuação freqüente do educador.

31

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Investigando o universo dos brinquedos e brincadeiras, podemos

concluir que é fundamental que a criança brinque. O brincar traz uma série de

benefícios para a criança e por este motivo precisa ser reconhecido como

elemento indispensável para seu pleno desenvolvimento.

O brincar pode ser considerado uma atividade completa, pois permite à

criança desenvolver-se afetivamente, emocionalmente, socialmente e

cognitivamente. Vimos que inúmeros são os benefícios de cunho social

trazidos pelas brincadeiras, o que nos permite admitir o brincar como principal

forma de socialização infantil.

No entanto, mesmo perante à tantos benefícios trazidos pelos

brinquedos e brincadeiras para a vida infantil, em nossa sociedade, quando

fala-se à respeito deste assunto é comum vê-lo associado à coisas pouco

sérias, sem importância para a aprendizagem da criança.

Até mesmo em alguns espaços escolares, o brincar não é muito bem

visto e encontra resistência por parte de educadores que ainda não

aprenderam a reconhecer a real importância do lúdico.

É justamente este panorama que precisa ser mudado. Pais e

educadores, em parceria, precisam envolver a criança em diferentes

brincadeiras e estimular cada vez mais a prática do brincar.

Nas escolas, é de suma importância que professores e educadores

introduzam brincadeiras em seu planejamento e adotem o brincar como

recurso positivo para o processo ensino-aprendizagem. Através do lúdico, o

professor trabalha conteúdos de forma mais prazerosa, conseguindo que eles

sejam mais facilmente assimilados e absorvidos por seus alunos.

Além disso, pudemos concluir que o brincar, quando introduzido no

espaço escolar, pode ser a melhor alternativa para promover-se a inclusão

social. Brincando, a criança se socializa, sente a necessidade do outro e, por

vezes, se torna mais receptiva. O professor pode também optar por introduzir

32

brincadeiras em sala de aula na tentativa de integrar seus alunos, tornando

assim a turma mais coesa.

Neste trabalho, analisamos, sobretudo o brincar enfocando os

aspectos social e educacional.

33

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, José Domingos de. A Sociedade e o Processo de Inclusão. Revista

Eletrônica de Direito Educacional, 2003

ARANHA, Maria Salete Fabio. Paradigmas da relação da sociedade com

pessoas com deficiências. In Revista do Ministério Público do Trabalho, Ano XI,

nº 21, 2001

BARTHES, Roland. Mitologias. São Paulo: Difel, 1980

CARNEIRO, Renata Lima. Brincadeira é Coisa Séria? Reflexão Sobre o

Lúdico.

Monografia Apresentada à Universidade Veiga de Almeida, Rio de Janeiro,

2000

CUNHA, Nilse Helena da Silva. Brinquedoteca: definição, histórico no Brasil e

no mundo. In: FRIEDMAN, Adriana, et al. O direito de brincar: a brinquedoteca.

São Paulo: Scritta, 1992

FARIA, Anália Rodrigues de. Desenvolvimento da Criança e do Adolescente

segundo Piaget. São Paulo : Ática,1989

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. São Paulo. Perspectiva. 1971

KISHIMOTO, Tizuko Morchida (org.). Jogo, Brinquedo, Brincadeira e a

Educação. São Paulo: Cortez, 1996

MAZZOTA, Marcos José da Silveira. Deficiência, educação escolar e

necessidades especiais: reflexões sobre inclusão socioeducacional. São Paulo:

Editora Mackenzie, 2002

34

MITTLER, Peter. Educação Inclusiva: Contextos Sociais, 2004

PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança: jogos, sonhos e imitação.

Rio de Janeiro: Zahar, 1971

PIAGET, Jean. O nascimento da inteligência na criança. Rio de Janeiro:

Zahar, 1978

RODRIGUES, Marlene. Psicologia Educacional: uma crônica do

desenvolvimento infantil. São Paulo: McGraw-Hill, 1976

SANTOS, Santa Marli Pires dos. Brinquedoteca: Sucata Vira Brinquedo

Porto Alegre: Artmed, 2002

SANTOS, Marli Pires dos. Brinquedoteca : a criança, o adulto e o lúdico.

Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2000

STALLIBRASS. A. A criança autoconfiante. São Paulo : Martins Fontes, 1992

VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo : Martins

Fontes,1989

WEISS, Luise. Brinquedos e engenhocas: atividades lúdicas com sucata.

São Paulo: Scipione, 1997.

WINNICOTT, D.W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro : Imago, 1975

35

ATIVIDADES CULTURAIS

36

37

38

39

FOLHA DE AVALIAÇÃO

UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

Instituto de Pesquisas Sócio-Pedagógicas

Pós-Graduação “Lato Sensu”

Título da Monografia: “Lúdico: Um Enfoque Sócio-Educacional”

Data de Entrega: 28/01/2006

Avaliado por: ______________________________ Grau: ______________

Rio de Janeiro, _______ de _______________________ de 2006.

___________________________________________________

Coordenador do Curso