Luís Antônio-Gabriela

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Outra Gabriela I LITERATURA Ana Luiza Verzola [email protected] Nelson Baskerville, diretor do premiado espetáculo “Luis Antônio - Gabriela”, da companhia paulistana Mungunzá, lança a história da peça teatral em livro O espetáculo “Luis Antônio – Ga- briela”, apresentado em Marin- gá no mês passado, volta à tona em formato literário. O traba- lho teatral é um documentário da vida de Nelson Baskerville, diretor da companhia Mungun- zá, de São Paulo, sobre o pró- prio irmão, morto em 2006 em Bilbao, na Espanha. Luis Antô- nio mudou-se aos 30 anos para a Espanha, onde ficou conhecido como o travesti Gabriela e só vol- tou a ter contato com a família anos depois. A premiada peça já vista por mais de 18 mil pessoas, e que lotou o Teatro Barracão em Maringá por duas noites, agora recebe uma versão em livro, lan- çado ontem em São Paulo. Resgatar essa história, por tanto tempo deixada à sombra da vida de Baskerville, resultou em um processo de autoconheci- mento e principalmente perdão ao irmão que nunca mais viu. Remexer nas lembranças o ensi- nou a sobreviver diante da pró- pria realidade. Com 244 páginas, o livro “Luis Antônio – Gabriela” é resultado de uma vasta pesqui- I TEATRO I TEATRO ‘Andarilhos de Cordel’ é atração de amanhã O espetáulo “Andarilhos de Cordel”, da Companhia Pedras, de Maringá, será apresentado amanhã às 18h30 na feira do produtor que acontece todas as quartas-feiras ao redor do estádio Willie Davids. A peça estreou em 2005 na cidade e percorreu diversas feiras e salas de teatro. A montagem exibe a cultura nordestina por meio de dois personagens, Pirilampo e Fulô. A apresentação é gratuita e faz parte da comemoração de 18 anos do grupo teatral maringaense - as atividades comemorativas vão até o dia 30 de setembro. Divulgação Turma da Mônica no palco do Marista, sábado Os Estúdios Mauricio de Souza trazem a Maringá, no próximo sábado, o espetáculo “Um Plano Para Salvar o Planeta”, um musical interativo que conta com a participação de vários personagens dos quadrinhos Turma da Mônica, entre eles Cebolinha, Cascão, Magali, Franjinha e Chico Bento. O espetáculo começa às 16h, no Teatro Marista. Ingressos podem ser adquiridos na Maringá FM (Av. Getúlio Vargas, 266). Meia-entrada ou levando um litro de leite, o ingresso custa R$ 52. Oração Que eu não busque respostas do corpo para as angústias da alma. Que eu não me acostume com a culpa, que eu não me pegue gostando da culpa, que eu não me exceda em excessos Permite-me andar reto e justo. Que não me poupes de dores em meus rumos, mas não me tires da mente a beleza do destino – não me prives da sede de chegar. Que eu não me distraia do caminho. Faze-me temer os pesadelos, jamais os sonhos. Que me seja mais fácil o perdão e que os rancores se me dissipem com presteza. Que eu possa ser duro, sem ser cruel, íntegro, mas não inflexível. Que eu saiba evitar o pecado e apreciar a virtude, distinguindo ambos com clareza. Que minha irreverência não se entenda como desrespeito, que minha reverência não se confunda com indevida submissão. Que as dúvidas não me paralisem e as certezas não me impeçam de ouvir. Que caridade e humildade jamais me sejam termos banais. Que a melhor lembrança do amor esteja sempre no presente. Aproxima-me do gentil e me afasta do vulgar, livra-me do indecente, cobre-me de vergonha. Que eu não busque respostas do corpo para as angústias da alma. Que eu não me acostume com a culpa, que eu não me pegue gostando da culpa, que eu não me exceda em excessos. Torna-me merecedor da família que tenho e apto para construir uma nova, quando chegada a hora. Alimenta-me com o orgulho de bom homem, bom filho, bom irmão, bom amigo, trabalhador – mas não me deixes perder-me em arroubos de vaidade. Que eu não falte para com os que esperam de mim e surpreenda de maneira boa aqueles que de mim nada aguardam. Que eu tenha sempre olhos para a beleza e saiba reconhecê-la em suas diversas manifestações. Concede-me a graça de, por meio do que escrevo, ser capaz de tocar pessoas com quem nunca estive, oferecendo a elas entretenimento, pontos de reflexão, riso, resgate de memórias, momentos agradáveis ou quaisquer outras sensações instigantes. Eu ando com medo. Medo do próximo passo, do desconhecido, de hesitar, de não ser capaz. Que esse medo me gere prudência em vez de covardia. E quando os temores requererem superação, não seja a coragem disfarce para a inconsequência. Une minhas intenções aos meus gestos. Não me faltem palavras para apontar o injusto. Não me falte humor para lidar com as limitações próprias e condescendência para com as limitações alheias. Que eu possa agir com generosidade e pureza, mesmo não sendo ingênuo, mesmo tendo perdido a inocência já há muito. Não me deixes cair em tentação e me livra do mal. Egoísta, mas que tanto peço quando tão pouco ofereço? Quando nem sequer dedico um pouco de meu tempo – o tempo que é Teu, e me emprestas – para agradecer-Te e louvar Teu nome? Ouso, no entanto, pedir ainda mais: torna esta criatura capaz de ser aceita de volta pelo seu Criador. Eu sei que não sou digno, mas me vejo no escuro, em posição de súplica. A quem mais poderia rogar, senão a Ti, meu Deus? I SHOW Cachorro Grande toca no MPB sexta-feira O Cachorro Grande retorna a Maringá na próxima sexta- feira. Pela primeira vez tocando no MPB Bar, a banda mostra a turnê do álbum “Baixa Augusta”, lançado em dezembro de 2011.O show traz as músicas novas “Tudo Vai Mudar” e “Difícil de Segurar”, além das canções mais antigas, como “Sexperienced”, “Dia Perfeito” e “Hey Amigo”. Formado em 1999, o Cachorro Grande conta com Beto Bruno (voz), Marcelo Gross (guitarra), Rodolfo Krieger (baixo), Pedro Pelotas (piano) e Gabriel Azambuja (bateria). ESTANTE “Luis Antônio – Gabriela” Editora: nVersos Formato: 16 x 23 cm Página: 244 páginas Preço: R$ 55,00 *Disponível no site da Livraria Saraiva e Livraria Cultura T ISTO É BASKERVILLE T Eu tinha saudades de casa. Bilbao foi o lar que eu me dei e era ideal para mim, mas eu sentia falta de rever minhas raízes. Rever meu pai, meus irmãos, minha mãe, o Bolinho... Não tenho arrependimentos nesta vida, tudo que eu fiz foi por amor, o mais simples dele. Não sei por que as pessoas escondem aquilo que mais querem. É gostoso dar. Eu gosto de dar. Eu gosto das pessoas. Eu olho no olho delas, onde quer que elas estejam, e existe algo que me chama, como se só eu pudesse alcançar isso naquele momento. Seus olhos me pedem abri- go e o abrigo que eu sei dar é esse, porque não tive outro tipo de abri- go. Eu aprendi a amar na rua, não em casa. Na rua, a gente ama sem mesquinharia, é pra todo mundo, sobra amor, sobra jeito de amar. Eu amo dando prazer e me sinto amado recebendo prazer. É bom, não é? Eu saio na rua e quero ver todos os sorrisos que eu não pude dar, e o que eu tenho pra dar, eu dou. Vou ficar regulando afeto? Regulan- do prazer? Me regulando pro outro? A vida é tão curta e a gente fica se dando em pedaços... Eu só consigo estar inteiro o tempo todo com quem estiver comigo, e estar inteiro é se dar inteiro. Eu cedo minha casa, minhas roupas, meu alimento, meu corpo, porque nada me per- tence de fato. Está tudo aí pra ser dividido. Partilhar é melhor que acu- mular. Eu não sei acumular afeto. Ele vaza, nas ruas, nos bares, nas esquinas, vazou em casa. A maneira pela qual eu soube demonstrar o meu carinho, dentro da minha confusão, eu demonstrei. Trepar é meu carinho, é como um beijo, como um abraço, como ceder um cobertor. Por que eu vou fazer pela metade? Ceder o cobertor ao mendigo e não a companhia pra dormir? Eu não entendo. Eu sou o brinde que vai junto com o cobertor, sou um brinde que vem junto com a vida, pra todo mundo. Acho que todos somos brindes. (Trecho retirado do livro “Luis Antônio - Gabriela”, de Nelson Baskerville) sa de toda a companhia. O com- pilado de memórias, documen- tos e vivências oferece uma re- flexão mais aprofundada da vida de um personagem que surgiu para confrontar o preconceito. Personagem da história real de Baskerville, Luis Antônio agora é compartilhado de modo que atinja mais pessoas por onde o espetáculo não passar. As pági- nas são ilustradas com gravuras, fragmentos de cartas, frases sol- tas efotos dopróprioespetáculo. Em entrevista ao Diário, o ator, diretor, artista plástico e irmão de Gabriela,NelsonBaskervilleconta como foi a primeira experiência como autor de um obra que ha- bita sua própria vida desde muito cedo. A experiência frente ao pú- blicoeoquevemaprendendocom o próprio irmão. O livro foi lan- çado ontem na Livraria Cultura do Conjunto Nacional com uma apresentação gratuita do espetá- culo no Teatro Eva Hertz, dentro dalivraria.Leiaaseguir. O DIÁRIO Você esbarrou nessa his- tória depois de muito tempo negando muitas memórias do passado. Como foi esse processo de aceitação e concepção da própria trajetória para poder transferir isso para o papel? NELSON BASKERVILLE Eu não gosto muito do viés psicológico, quan- do ele quer explicar tudo. A his- tória do Luis Antônio sempre es- teve dentro de mim. Algumas pessoas mais íntimas sabiam. Na época da Escola de Arte Dramá- tica, as pessoas sabiam. Claro, eu não saía por aí com megafone gritando: “Fui abusado!”. Foram duas coisas que me moveram a “mexer” nisso: a ignorância que pairava sobre o transexualismo e a injustiça cometida contra meu irmão. E essa minha história já estava também sendo repro- duzida através de personagens que vivi, telas que pintei, outras peças que dirigi. Essa é a minha história, meu material de traba- lho, minha dor que deve conti- nuar sempre lembrando todas as coisas pelas quais passei, e que agradeço com a fé de um me- nino diante do altar da primei- ra comunhão. Então, quando eu abri a comporta, tive que me con- trolar porque são muitas coisas. Mas não pense que o problema está resolvido. Apenas aprendi a sobreviver a ele. O que foi mais difícil enfrentar na hora de estruturar o trabalho? Acho que a vontade que eu tinha de não ser melodramático. A his- tória toda beirava o trágico. Mas minha vontade maior não era co- mover - um tiro que saiu pela cu- latra -, mas provocar uma refle- xão a respeito do assunto. Acho que conseguimos. Pessoas dizem que nunca verão um travesti com os mesmos olhos e eu sinto que cumprimos a missão. As frases soltas, as histórias, as cartas... É algo que desperta várias sensações e significados durante a leitura. Não tem como não associar com o espetáculo. Por que desenvolveu o livro seguindo a mesma linha? Não pretendi em nenhum mo- mento dissociar peça e livro. Seria bobagem. O livro pode al- cançar um público maior, vai chegar em lugares que o espetá- culo não poderia. A peça é efê- mera, o livro poderá ser lido por outras gerações, daqui há algum tempo, alguém poderá querer refazer a peça, por isso era impor- tante manter os documentos. E também pra manter a sensação que existe no espetáculo de que isso aconteceu de verdade. Sua ligação com as artes plásticas se reflete nos seus trabalhos teatrais. Tratando-se de um material literário, você também conseguiu empregar isso na obra. Qual mensagem você quer passar para o público aliando conteúdo e estética? Quero dizer que não importa por onde sua expressão se manifes- te, desde que se manifeste. Tudo colabora para um entendimen- to que não é apenas racional. É sensorial. Passa por algumas ca- madas do cérebro. Provoca coisas que você só vai se dar conta de- pois. Esse é o meu trabalho. Esta- mos tão bombardeados de infor- mações inócuas que me sinto na vontade e obrigado a trabalhar nesse fundamento: tirar a plateia da zona de conforto. Todos de alguma forma se identificam com Luis Antônio. Vocês ficaram afastados boa parte da vida. O que seu irmão te ensinou nesse resgate? Meu irmão hoje está em mim como nunca esteve enquanto viveu. E isso é que é a imor- talidade que tantos buscam de forma material. Não é concre- to. Você é imortal quando con- segue viver dentro das pessoas cujas vidas você marcou. Vamos falar do Tônio durante mui- tos anos. Outras gerações fala- rão dele. Famílias usarão nosso exemplo e tratarão seus filhos de forma diferente. Ninguém es- colhe ser transexual. Você vem assim. Ninguém te influenciou a ser, ninguém te forçou. Se seu filho estudar com um transe- xual ele não vai virar transexu- al. Então, eu espero que a gente lance cada vez mais luz sobre essa ignorância e hipocrisia que cerca esse tabu. Se estivesse vivo, o que acha que seu irmão diria para você hoje? O Luis Antônio era de uma bonda- de e doçura sem igual. Ele adora- ria, enriqueceria a história, con- taria mais coisas e agradeceria por ter ficadofamoso. Irmão caçula, Nelson Baskerville, o Bolinho, estreia como autor pela primeira vez com “Luis Antônio - Gabriela” Divulgação Apresentado em Maringá durante a Mostra de Teatro Contemporâneo em agosto, espetáculo vira livro Rafael Saes ALGUMAS PALAVRAS ANDRÉ SIMÕES >>> odiario.com/blogs/andresimoes O DIÁRIO DO NORTE DO PARANÁ Maringá, Terça-feira, 18 de setembro de 2012 D3

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Diário de Maringá

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Outra Gabriela I LITERATURA

Ana Luiza Verzola [email protected]

Nelson Baskerville, diretor do premiado espetáculo “Luis Antônio - Gabriela”, da companhia paulistana Mungunzá, lança a história da peça teatral em livro

O espetáculo “Luis Antônio – Ga-briela”, apresentado em Marin-gá no mês passado, volta à tona em formato literário. O traba-lho teatral é um documentário da vida de Nelson Baskerville, diretor da companhia Mungun-zá, de São Paulo, sobre o pró-prio irmão, morto em 2006 em Bilbao, na Espanha. Luis Antô-nio mudou-se aos 30 anos para a Espanha, onde ficou conhecido como o travesti Gabriela e só vol-tou a ter contato com a família anos depois. A premiada peça já vista por mais de 18 mil pessoas, e que lotou o Teatro Barracão em Maringá por duas noites, agora recebe uma versão em livro, lan-çado ontem em São Paulo.

Resgatar essa história, por tanto tempo deixada à sombra da vida de Baskerville, resultou em um processo de autoconheci-mento e principalmente perdão ao irmão que nunca mais viu. Remexer nas lembranças o ensi-nou a sobreviver diante da pró-pria realidade. Com 244 páginas, o livro “Luis Antônio – Gabriela” é resultado de uma vasta pesqui-

I TEATRO

I TEATRO

‘Andarilhos de Cordel’ é atração de amanhã O espetáulo “Andarilhos de Cordel”, da Companhia Pedras, de Maringá, será apresentado amanhã às 18h30 na feira do produtor que acontece todas as quartas-feiras ao redor do estádio Willie Davids. A peça estreou em 2005 na cidade e percorreu diversas feiras e salas de teatro. A montagem exibe a cultura nordestina por meio de dois personagens, Pirilampo e Fulô. A apresentação é gratuita e faz parte da comemoração de 18 anos do grupo teatral maringaense - as atividades comemorativas vão até o dia 30 de setembro.

Divulgação

Turma da Mônica no palco do Marista, sábado Os Estúdios Mauricio de Souza trazem a Maringá, no próximo sábado, o espetáculo “Um Plano Para Salvar o Planeta”, um musical interativo que conta com a participação de vários personagens dos quadrinhos Turma da Mônica, entre eles Cebolinha, Cascão, Magali, Franjinha e Chico Bento. O espetáculo começa às 16h, no Teatro Marista. Ingressos podem ser adquiridos na Maringá FM (Av. Getúlio Vargas, 266). Meia-entrada ou levando um litro de leite, o ingresso custa R$ 52.

Oração

Que eu não busque respostas do corpo para as angústias da alma. Que eu não me acostume com a culpa, que eu não me pegue gostando da culpa, que eu não me exceda em excessos

Permite-me andar reto e justo. Que não me poupes de dores em meus rumos, mas não me tires da mente a beleza do destino – não me prives da sede de chegar. Que eu não me distraia do caminho. Faze-me temer os pesadelos, jamais os sonhos. Que me seja mais fácil o perdão e que os rancores se me dissipem com presteza. Que eu possa ser duro, sem ser cruel, íntegro, mas não

inflexível. Que eu saiba evitar o pecado e apreciar a virtude, distinguindo ambos com clareza. Que minha irreverência não se entenda como desrespeito, que minha reverência não se confunda com indevida submissão. Que as dúvidas não me paralisem e as certezas não me impeçam de ouvir. Que caridade e humildade jamais me sejam termos banais. Que a melhor lembrança do

amor esteja sempre no presente. Aproxima-me do gentil e me afasta do vulgar, livra-me do indecente, cobre-me de vergonha. Que eu não busque respostas do corpo para as angústias da alma. Que eu não me acostume com a culpa, que eu não me pegue gostando da culpa, que eu não me exceda em excessos. Torna-me merecedor da família que tenho e apto para construir uma nova, quando chegada a hora. Alimenta-me com o orgulho de bom homem, bom filho, bom irmão, bom amigo, trabalhador – mas não me deixes perder-me em arroubos de vaidade. Que eu não falte para com os que esperam de mim e surpreenda de maneira boa aqueles que de mim nada aguardam. Que eu tenha sempre olhos para

a beleza e saiba reconhecê-la em suas diversas manifestações. Concede-me a graça de, por meio do que escrevo, ser capaz de tocar pessoas com quem nunca estive, oferecendo a elas entretenimento, pontos de reflexão, riso, resgate de memórias, momentos agradáveis ou quaisquer outras sensações instigantes. Eu ando com medo. Medo do próximo passo, do desconhecido, de hesitar, de não ser capaz. Que esse medo me gere prudência em vez de covardia. E quando os temores requererem superação, não seja a coragem disfarce para a inconsequência. Une minhas intenções aos meus gestos. Não me faltem palavras para apontar o injusto. Não me falte humor para lidar

com as limitações próprias e condescendência para com as limitações alheias. Que eu possa agir com generosidade e pureza, mesmo não sendo ingênuo, mesmo tendo perdido a inocência já há muito. Não me deixes cair em tentação e me livra do mal. Egoísta, mas que tanto peço quando tão pouco ofereço? Quando nem sequer dedico um pouco de meu tempo – o tempo que é Teu, e me emprestas – para agradecer-Te e louvar Teu nome? Ouso, no entanto, pedir ainda mais: torna esta criatura capaz de ser aceita de volta pelo seu Criador. Eu sei que não sou digno, mas me vejo no escuro, em posição de súplica. A quem mais poderia rogar, senão a Ti, meu Deus?

I SHOW

Cachorro Grande toca no MPB sexta-feira O Cachorro Grande retorna a Maringá na próxima sexta-feira. Pela primeira vez tocando no MPB Bar, a banda mostra a turnê do álbum “Baixa Augusta”, lançado em dezembro de 2011.O show traz as músicas novas “Tudo Vai Mudar” e “Difícil de Segurar”, além das canções mais antigas, como “Sexperienced”, “Dia Perfeito” e “Hey Amigo”. Formado em 1999, o Cachorro Grande conta com Beto Bruno (voz), Marcelo Gross (guitarra), Rodolfo Krieger (baixo), Pedro Pelotas (piano) e Gabriel Azambuja (bateria).

ESTANTE

“Luis Antônio – Gabriela”

Editora: nVersos

Formato: 16 x 23 cm

Página: 244 páginas

Preço: R$ 55,00

*Disponível no site da Livraria Saraiva e Livraria Cultura

T

ISTO É BASKERVILLE TEu tinha saudades de casa. Bilbao foi o lar que eu me dei e era

ideal para mim, mas eu sentia falta de rever minhas raízes. Rever meu

pai, meus irmãos, minha mãe, o Bolinho... Não tenho arrependimentos

nesta vida, tudo que eu fiz foi por amor, o mais simples dele. Não sei

por que as pessoas escondem aquilo que mais querem. É gostoso dar.

Eu gosto de dar. Eu gosto das pessoas. Eu olho no olho delas, onde

quer que elas estejam, e existe algo que me chama, como se só eu

pudesse alcançar isso naquele momento. Seus olhos me pedem abri-

go e o abrigo que eu sei dar é esse, porque não tive outro tipo de abri-

go. Eu aprendi a amar na rua, não em casa. Na rua, a gente ama sem

mesquinharia, é pra todo mundo, sobra amor, sobra jeito de amar. Eu

amo dando prazer e me sinto amado recebendo prazer. É bom, não é?

Eu saio na rua e quero ver todos os sorrisos que eu não pude dar, e

o que eu tenho pra dar, eu dou. Vou ficar regulando afeto? Regulan-

do prazer? Me regulando pro outro? A vida é tão curta e a gente fica

se dando em pedaços... Eu só consigo estar inteiro o tempo todo com

quem estiver comigo, e estar inteiro é se dar inteiro. Eu cedo minha

casa, minhas roupas, meu alimento, meu corpo, porque nada me per-

tence de fato. Está tudo aí pra ser dividido. Partilhar é melhor que acu-

mular. Eu não sei acumular afeto. Ele vaza, nas ruas, nos bares, nas

esquinas, vazou em casa. A maneira pela qual eu soube demonstrar o

meu carinho, dentro da minha confusão, eu demonstrei. Trepar é meu

carinho, é como um beijo, como um abraço, como ceder um cobertor.

Por que eu vou fazer pela metade? Ceder o cobertor ao mendigo e

não a companhia pra dormir? Eu não entendo. Eu sou o brinde que

vai junto com o cobertor, sou um brinde que vem junto com a vida, pra

todo mundo. Acho que todos somos brindes.

(Trecho retirado do livro “Luis Antônio - Gabriela”, de Nelson Baskerville)

sa de toda a companhia. O com-pilado de memórias, documen-tos e vivências oferece uma re-flexão mais aprofundada da vida de um personagem que surgiu para confrontar o preconceito. Personagem da história real de Baskerville, Luis Antônio agora é compartilhado de modo que atinja mais pessoas por onde o espetáculo não passar. As pági-nas são ilustradas com gravuras, fragmentos de cartas, frases sol-tas e fotos do próprio espetáculo.

Em entrevista ao Diário, o ator, diretor, artista plástico e irmão de Gabriela, Nelson Baskerville conta como foi a primeira experiência como autor de um obra que ha-bita sua própria vida desde muito cedo. A experiência frente ao pú-blico e o que vem aprendendo com o próprio irmão. O livro foi lan-çado ontem na Livraria Cultura do Conjunto Nacional com uma apresentação gratuita do espetá-culo no Teatro Eva Hertz, dentro da livraria. Leia a seguir.

O DIÁRIO Você esbarrou nessa his-

tória depois de muito tempo negando

muitas memórias do passado. Como

foi esse processo de aceitação e

concepção da própria trajetória para

poder transferir isso para o papel?

NELSON BASKERVILLE Eu não gosto muito do viés psicológico, quan-do ele quer explicar tudo. A his-tória do Luis Antônio sempre es-teve dentro de mim. Algumas pessoas mais íntimas sabiam. Na época da Escola de Arte Dramá-tica, as pessoas sabiam. Claro, eu não saía por aí com megafone gritando: “Fui abusado!”. Foram duas coisas que me moveram a “mexer” nisso: a ignorância que pairava sobre o transexualismo e a injustiça cometida contra meu irmão. E essa minha história já estava também sendo repro-duzida através de personagens que vivi, telas que pintei, outras peças que dirigi. Essa é a minha história, meu material de traba-lho, minha dor que deve conti-nuar sempre lembrando todas as coisas pelas quais passei, e que agradeço com a fé de um me-nino diante do altar da primei-ra comunhão. Então, quando eu abri a comporta, tive que me con-trolar porque são muitas coisas. Mas não pense que o problema

está resolvido. Apenas aprendi a sobreviver a ele. O que foi mais difícil enfrentar na

hora de estruturar o trabalho?

Acho que a vontade que eu tinha de não ser melodramático. A his-tória toda beirava o trágico. Mas minha vontade maior não era co-mover - um tiro que saiu pela cu-latra -, mas provocar uma refle-xão a respeito do assunto. Acho que conseguimos. Pessoas dizem que nunca verão um travesti com os mesmos olhos e eu sinto que cumprimos a missão. As frases soltas, as histórias, as

cartas... É algo que desperta várias

sensações e significados durante a

leitura. Não tem como não associar

com o espetáculo. Por que desenvolveu

o livro seguindo a mesma linha?

Não pretendi em nenhum mo-mento dissociar peça e livro. Seria bobagem. O livro pode al-cançar um público maior, vai chegar em lugares que o espetá-culo não poderia. A peça é efê-mera, o livro poderá ser lido por outras gerações, daqui há algum tempo, alguém poderá querer refazer a peça, por isso era impor-tante manter os documentos. E também pra manter a sensação

que existe no espetáculo de que isso aconteceu de verdade. Sua ligação com as artes plásticas

se reflete nos seus trabalhos teatrais.

Tratando-se de um material literário,

você também conseguiu empregar

isso na obra. Qual mensagem você

quer passar para o público aliando

conteúdo e estética?

Quero dizer que não importa por onde sua expressão se manifes-te, desde que se manifeste. Tudo colabora para um entendimen-to que não é apenas racional. É sensorial. Passa por algumas ca-madas do cérebro. Provoca coisas que você só vai se dar conta de-pois. Esse é o meu trabalho. Esta-mos tão bombardeados de infor-mações inócuas que me sinto na vontade e obrigado a trabalhar nesse fundamento: tirar a plateia da zona de conforto. Todos de alguma forma se

identificam com Luis Antônio.

Vocês ficaram afastados boa parte

da vida. O que seu irmão te

ensinou nesse resgate?

Meu irmão hoje está em mim como nunca esteve enquanto viveu. E isso é que é a imor-talidade que tantos buscam de forma material. Não é concre-to. Você é imortal quando con-segue viver dentro das pessoas cujas vidas você marcou. Vamos falar do Tônio durante mui-tos anos. Outras gerações fala-rão dele. Famílias usarão nosso exemplo e tratarão seus filhos de forma diferente. Ninguém es-colhe ser transexual. Você vem assim. Ninguém te influenciou a ser, ninguém te forçou. Se seu filho estudar com um transe-xual ele não vai virar transexu-al. Então, eu espero que a gente lance cada vez mais luz sobre essa ignorância e hipocrisia que cerca esse tabu. Se estivesse vivo, o que acha que seu

irmão diria para você hoje?

O Luis Antônio era de uma bonda-de e doçura sem igual. Ele adora-ria, enriqueceria a história, con-taria mais coisas e agradeceria por ter ficado famoso.

Irmão caçula, Nelson Baskerville, o Bolinho, estreia como autor pela primeira vez com “Luis Antônio - Gabriela”

Divulgação

Apresentado em Maringá durante a Mostra de Teatro Contemporâneo em agosto, espetáculo vira livro

Rafael Saes

ALGUMAS PALAVRASANDRÉ SIMÕES

>>> odiario.com/blogs/andresimoes

O DIÁRIO DO NORTE DO PARANÁ Maringá, Terça-feira, 18 de setembro de 2012 D3