LUZ AMARELA - FecomercioSP · As medidas de ajuste fiscal já anunciadas pelo governo, que...

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CONSELHOS 30 ABRIL / MAIO 2015 46 CAPITAL HUMANO Luz amarela LUZ AMARELA Indicadores de desemprego começam a dar sinais preocupantes e perspectivas não são otimistas. Governo tem o desafio de promover o tão esperado ajuste fiscal com impacto mínimo sobre a atividade econômica. Somam-se ao quadro complicadores como a paralisação de obras, o baixo crescimento do PIB, o aumento da inflação e as crises hídrica e energética. TEXTO FABÍOLA PEREZ FOTOS CIETE SILVÉRIO

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CAPITAL HUMANOLuz amarela

LUZ AMARELAIndicadores de desemprego começam a dar sinais preocupantes e perspectivas não são otimistas. Governo tem o desafio de promover o tão esperado ajuste fiscal com impacto mínimo sobre a atividade econômica. Somam-se ao quadro complicadores como a paralisação de obras, o baixo crescimento do PIB, o aumento da inflação e as crises hídrica e energética.

TEXTO FABÍOLA PEREZFOTOS CIETE SILVÉRIO

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Um dos últimos indicadores de que a econo-mia brasileira caminhava bem – o pleno em-prego – começa a dar sinais de esgotamento. Paralisação de obras, baixo crescimento do produto interno bruto (PIB), aumento da in-flação e crises hídrica e energética ameaçam a geração de vagas em todos os setores. Os dados não são otimistas, a começar pelos nú-meros divulgados em fevereiro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pelo Ministério do Trabalho, que apontam aumento da população desocupada, queda no contingente de pessoas com carteira assinada e desaceleração no ritmo de criação de vagas.

“Todas as atividades econômicas estão fe-chando mais vagas do que abrindo”, constata o economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fábio Bentes. Não há sinais de recuperação no curto prazo, pelo contrário. As medidas de ajuste fiscal já anunciadas pelo governo, que resultaram em aumento da car-ga tributária sobre o setor produtivo, tendem a agravar a situação. A alta do desemprego vem na esteira de outros indicadores, como a alta da inflação, a disparada do dólar e, sobretudo, a es-timativa de retração de 0,5% do PIB neste ano.

“Há uma dificuldade estrutural da eco-nomia – de sustentar o crescimento e, conse-quentemente, de manter o mesmo número de vagas no mercado”, afirma o diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio. Segundo ele, a política de desen-volvimento focada no mercado interno preci-sa ser acompanhada do investimento produti-vo e do desenvolvimento industrial.

Outra previsão nada otimista vem da Or-ganização Internacional do Trabalho (OIT). Re-latório divulgado em janeiro prevê que a taxa de desemprego no Brasil deverá atingir 7,1% neste ano e 7,3% em 2016. A entidade explicou

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OUTRA PREVISÃO NADA OTIMISTA VEM DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). RELATÓRIO DIVULGADO EM JANEIRO PREVÊ QUE A TAXA DE DESEMPREGO NO BRASIL DEVERÁ ATINGIR 7,1% NESTE ANO E 7,3% EM 2016

que o baixo ritmo de expansão afetou os mer-cados de trabalho. “Pela primeira vez desde 2002, o crescimento do PIB na América Latina deverá ser inferior ao das economias avança-das”, anuncia o documento, que detecta um aumento do desemprego em toda a região, em particular nos países mais dependentes das exportações de matérias-primas.

Para tentar afastar o pessimismo, o minis-tro da Fazenda, Joaquim Levy, anunciou um conjunto de medidas que inclui o aumento de impostos sobre combustíveis, produtos impor-tados e operações de crédito. O objetivo, segun-do a equipe econômica, é ajustar as contas pú-blicas, aumentar a confiança dos empresários e investidores e arrecadar R$ 20,6 bilhões com as alterações. Além do pacote, o governo lan-çou ainda as medidas provisórias 664 e 665, que alteram as regras do seguro-desemprego. Criadas, em tese, para combater fraudes e cor-tar R$ 18 bilhões nas despesas da União – parte do previsto para todo o ajuste fiscal, que pre-tende economizar R$ 60 bilhões –, as propos-tas causaram polêmica em diversos setores. O anúncio do pacote ocorreu em meio à de-missão de 800 trabalhadores na Volkswagen e 244 na Mercedes-Benz, em São Bernardo do Campo. Especialistas defendem que o paco-te dificulta o acesso aos benefícios por parte dos mais jovens e menos especializados. “O combate às fraudes deveria se dar por meio da fiscalização, não com um corte geral que contraria as ações do governo para melhorar a distribuição de renda e reduzir a desigualda-de”, afirma o coordenador de relações sindicais do Dieese, José Prado de Oliveira Silvestre.

PERDAS POR SETOR

É quase unânime a impressão de que 2015 será um ano em que os carros-chefe da economia

perderão forças. A indústria registrou no ano passado o seu pior desempenho desde 2002. De acordo com um estudo divulgado em janei-ro pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a indústria de transformação brasileira perdeu 164 mil empregos em 2014 e registrou mais demissões do que contratações. A redução do estoque do emprego formal no setor foi de 2%, segundo o documento. O setor industrial foi o que mais perdeu participação no emprego entre 2002 e 2013. “Em todas as faixas salariais acima de cinco salários mí-nimos, a indústria continua sendo a maior empregadora”, disse Paulo Skaf, presidente da Fiesp, por ocasião da divulgação do estudo. “Portanto, é o setor-chave para o País atingir o nível de renda per capita de uma nação de-senvolvida.” Dados do setor apontam que para cada R$ 1 produzido pela indústria são gerados mais R$ 1,13 de produção pelos demais setores.

Quando o setor que paga os melhores sa-lários e eleva a produtividade da economia começa a dar sinais de estagnação, todos os demais são afetados. “É preciso fortalecer a produção. Não há possibilidade de sermos de-senvolvidos sem uma forte base industrial”, afirma Lúcio. “Se a atividade industrial cai, a renda do comércio também diminui e, con-sequentemente, há uma queda no setor de serviços”, explica.

O documento da Fiesp revela também que para cada emprego direto criado pela indús-tria de transformação são gerados três indire-tos na economia. No caso dos outros grandes setores, essa relação é de um para um. Outro importante indicador, o Índice de Confiança da Indústria (ICI), da Fundação Getulio Vargas (FGV), que mede a satisfação com o ambiente de negócios, recuou 3,4% de fevereiro para ja-neiro. A queda foi impulsionada pela piora da

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expectativa em relação ao futuro: a propor-ção de empresas que preveem o aumento da produção nos próximos três meses diminuiu de 32,4% para 30,5%; já a parcela que espera a redução da produção aumentou de 13,3% para 21,4%. “A piora da expectativa em relação aos próximos meses reflete o desânimo de um setor que está há seis trimestres sem crescer, com perspectivas negativas no curto prazo em relação à evolução das taxas de câmbio”, expli-ca o economista e superintendente-adjunto para Ciclos Econômicos da FGV/Ibre, Aloisio Campelo Júnior.

Ares pouco favoráveis também atingem o emprego no setor do comércio. A percep-ção de que a demanda está fraca e de que as vendas não devem se recuperar nos próximos meses elevou as chances de cortes em uma das atividades que mais gera empregos no País. Em 2014, o saldo de empregos no comér-cio paulistano foi o menor dos últimos seis anos, segundo pesquisa da FecomercioSP. A Sondagem do Comércio, feita pela FGV, corro-bora o resultado da região metropolitana de São Paulo, com recuo de 8,8% em fevereiro, na comparação com janeiro. Os números mos-traram um resultado ruim e um aumento do pessimismo para os meses que virão. “O setor percebe que o consumidor está com um nível de confiança muito baixo, as famílias estão com uma parcela maior de renda comprome-tida e isso afeta a venda de bens duráveis e não duráveis”, diz Campelo Júnior. Outra informação negativa que a pesquisa revela é que pela primeira vez há mais empresas prevendo a diminuição no quadro de pes soal do que o aumento da equipe. “É um setor que estava crescendo em torno de 6% ao ano e foi desacelerando até chegar em um ponto em que o nível de confiança parece afetar a deci-são de contratação para o setor.”

“HÁ UMA DIFICULDADE ESTRUTURAL DA ECONOMIA

– DE SUSTENTAR O CRESCIMENTO E, CONSEQUENTEMENTE, DE MANTER O MESMO NÚMERO DE VAGAS NO MERCADO”

CLEMENTE GANZ LÚCIO, DIRETOR TÉCNICO DO DIEESE

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Para o economista da CNC, Fábio Bentes, três fatores determinam as vendas nessa área: inflação, crédito e juros. “Se um ali-mento fica caro, o consumidor vai econo-mizar em outros produtos, mas não deixa de comprar itens de primeira necessidade”, diz. “Antes, sem dinheiro para adquirir ou-tros produtos, o consumidor recorria ao cré-dito, o que hoje é pouco provável em razão da taxa de juros.” Ele explica ainda que, em 2015, o consumidor deverá gastar mais com os serviços públicos em função dos aumen-tos da energia, da inflação e dos juros, além da crise hídrica. “Fatores como esses nos fizeram revisar a previsão de crescimento do comércio para baixo”, ressalta Bentes. Se historicamente o comércio começava a con-tratar em maio e junho, neste ano as previ-sões indicam que o período de contratações começará apenas no segundo semestre.

A luz amarela acendeu também para o setor de serviços. O Índice de Confiança do Setor de Serviços da FGV registrou uma que-da para a atividade de 5,4%, de janeiro para fevereiro. Na medição, isso representa um total de 93,7 pontos – a pior queda desde no-vembro de 2009. No setor, segundo a sonda-gem, também há mais empresas projetando demissões do que admissões. Para o con-sultor do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), Silvio Sales, os sinais de uma deman-da enfraquecida estão abalando fortemente a confiança dos investidores: “As notícias são, em grande parte, negativas, retratan-do o ínfimo crescimento do PIB, um menor ritmo de abertura de vagas e uma inflação mais pressionada”. Diante desse cenário, o economista não acredita em melhorias sig-nificativas para o primeiro semestre. Uma possível recuperação é projetada apenas para o fim do ano.

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EMPREGOS FORMAIS POR SETOR*

” Comércio varejista fechamento de 97.887 postos

” Comércio atacadista criação de 87 postos

” Serviços fechamento de 7.141 postos

” Indústria de transformação criação de 27.417 postos

” Agricultura criação de 9.428 postos

* em janeiro

Fonte: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados / Ministério do Trabalho e do Emprego

Criação de empregos formais no mês de janeiro

2015

81,774 mil

181,419 mil

2010 2011

152,091 mil

2012

118,895 mil

2013

28,900 mil

2014

29,595 mil

2009

101,748 mil

Fonte: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados / Ministério do Trabalho e do Emprego

vagas criadas

vagas encerradas

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CONTRATAÇÕES E PERSPECTIVAS

As condições desfavoráveis da economia co-meçaram a corroer diversos setores. Muitos, inclusive, já enfrentam demissões coletivas, como as montadoras. Em outros, a perspec-tiva de demissão é cada vez mais frequente. Uma área que passou por grande transfor-mação nos últimos anos é a de petróleo, óleo e gás. Considerada uma das mais promisso-ras e mais bem remuneradas graças à explo-ração do pré-sal, a atividade sentiu o impacto da crise na Petrobras, que afeta prestadores de serviços da estatal. “Com a operação Lava Jato, muitas companhias estão revendo seus projetos porque, nesse setor, todos têm cone-xão com a Petrobras, que, por sua vez, está revendo os projetos de expansão”, explica o diretor regional da Hays Consultoria para o Rio de Janeiro, Raphael Falcão. A mudança afeta duramente a economia. No municí-pio de Itaboraí, onde está sendo construído o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, empresas envolvidas na Operação Lava Jato foram responsáveis por centenas de demis-sões e algumas têm atrasado o pagamento de seus funcionários.

A redução de investimentos em grandes projetos de infraestrutura afeta ainda o se-tor de construção civil. “Do ponto de vista da estratégia econômica, a Operação Lava Jato é uma tragédia porque revelou fragilidades de empreiteiras que atuam na vanguarda da engenharia em todo o mundo”, diz Lúcio, do Dieese. Com dificuldades para obter finan-ciamentos, as empresas já reduziram o ritmo de algumas obras.

Uma pesquisa divulgada pela agência de empregos e negócios ManpowerGroup mostra que as contratações no primeiro tri-mestre de 2015 ocorreram em um ritmo mo-

desto. Os números indicaram que 16% das empresas mantiveram suas contratações, 10% anteciparam uma queda em seus qua-dros e 71% conservaram suas equipes. Para Falcão, da Hays Consultoria, o mercado tem sido bombardeado por notícias ruins, o que, segundo ele, aumenta as incertezas para o empresariado. “A conjuntura econômica levou à desaceleração de novos projetos e à busca por pessoas com melhor desempe-nho”, afirma. De 2006 a 2013, havia uma de-manda por profissionais em áreas técnicas e, nesse período, muitos aposentados volta-ram à ativa para suprir a demanda. Hoje, ex-plica Falcão, o desemprego aumentou, mas ainda não há margem para a substituição de pessoas com mais experiência em deter-minados postos. Atualmente, estão sendo contratados profissionais que conseguem antever as deficiências e necessidades do mercado. “Há três anos, não paravam de surgir novos projetos e os executivos só pen-savam em potencializar as oportunidades”, explica. “Agora, busco profissionais que antecipem o aumento de preços. Contrato financistas que consigam rentabilizar os recursos e encontrar soluções alternativas.”

O perfil das contratações definitivamen-te mudou e continuará mudando em 2015. Segundo o gerente-executivo da Michael Page, Ricardo Rocha, a tendência para a re-dução de custos e o aumento da eficiência está cada vez mais forte. “O cenário afetou as decisões estratégicas das companhias”, ressalta ele. “Sinto que as empresas têm se-gurado um pouco mais as contratações para analisar quais rumos o mercado tomará.” O provável é que as empresas priorizem a efi-ciência e a redução de custos até que o ce-nário de recuperação esperado pelo governo para 2016 seja realidade. [ ]

“AS EMPRESAS TÊM SEGURADO UM POUCO MAIS AS CONTRATAÇÕES PARA ANALISAR QUAIS RUMOS O MERCADO TOMARÁ”

RICARDO ROCHA, GERENTE-EXECUTIVO DA MICHAEL PAGE