Lynch

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tópicos e notas críticas Teresa Santos Pinto * Sobre a problemática da forma urbana : o método de pesquisa de Kevin Lynch 1. Introdução Num contexto actual, a problemática da forma urbana tem suscitado inúmeras pesquisas ou tendências visando a sua com- preensão. Estas tendências têm sido desenvolvidas em vários campos do conhecimento, assentando em metodologias diferentes que visam a compreensão da cidade através do seu mecanismo económico, do seu desenvolvimento histórico, da sua evolução urbanística e arquitectónica, do seu significado enquanto «ima- gem», etc. Esta diversidade de explicações da forma urbana leva- -nos a admitir que o nível do progresso científico neste sector está ainda num primeiro estádio de desenvolvimento, em que se verifica um marcado alargamento horizontal do campo de inves- tigação, em detrimento de um aprofundamento e estruturação global. No âmbito de uma pesquisa sobre a aparência da cidade, através do entendimento da sua imagem, Kevin LYNCH propõe a aplicação de um método em que procura avaliar o significado da cidade como imagem colectiva para os homens que a habitam. Pretende, assim, através da aplicação desse método, reconhecer as inter-relações dos valores urbanos que, na sua forma visual, poderão vir a intervir na estruturação de uma paisagem urbana a modelar ou remodelar. * A Autora, que é arquitecta, elaborou o presente texto como aluna da padeira de Introdução às Ciências Sociais, do Instituto de Estudos Sociais», e no âmbito dos trabalhos de aplicação dessa disciplina.

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Percepção da paisagem

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  • tpicose notas crticas

    Teresa Santos Pinto *

    Sobre a problemticada forma urbana :o mtodo de pesquisa de Kevin Lynch

    1. Introduo

    Num contexto actual, a problemtica da forma urbana temsuscitado inmeras pesquisas ou tendncias visando a sua com-preenso. Estas tendncias tm sido desenvolvidas em vrioscampos do conhecimento, assentando em metodologias diferentesque visam a compreenso da cidade atravs do seu mecanismoeconmico, do seu desenvolvimento histrico, da sua evoluourbanstica e arquitectnica, do seu significado enquanto ima-gem, etc. Esta diversidade de explicaes da forma urbana leva--nos a admitir que o nvel do progresso cientfico neste sectorest ainda num primeiro estdio de desenvolvimento, em que severifica um marcado alargamento horizontal do campo de inves-tigao, em detrimento de um aprofundamento e estruturaoglobal.

    No mbito de uma pesquisa sobre a aparncia da cidade,atravs do entendimento da sua imagem, Kevin LYNCH propea aplicao de um mtodo em que procura avaliar o significadoda cidade como imagem colectiva para os homens que a habitam.Pretende, assim, atravs da aplicao desse mtodo, reconheceras inter-relaes dos valores urbanos que, na sua forma visual,podero vir a intervir na estruturao de uma paisagem urbanaa modelar ou remodelar.

    * A Autora, que arquitecta, elaborou o presente texto como aluna dapadeira de Introduo s Cincias Sociais, do Instituto de Estudos Sociais, eno mbito dos trabalhos de aplicao dessa disciplina.

  • Deste modo, entenda-se a contribuio de K. LYNCH comouma tentativa para esclarecer os smbolos e suas relaes espa-ciais na cidade ligadas a precisas impresses psicolgicas. Estasrelaes so extradas do real atravs de uma anlise emprica,a partir da qual se procuram construir os princpios ordenadoresque podero no futuro fundamentar, em termos de composio,a estruturao de imagens claras e agradveis da paisagem urbanaque se habita.

    2. Notas sobre o autor

    Kevin LYNCH nasceu em 1918. Para alm de uma formaode arquitecto, onde teve por mestre F. L. WRIGHT, empreendeuestudos sobre psicologia e antropologia.

    A sua forma de abordar o problema de certo modo indita.Limitando-se voluntariamente ao domnio do visual, procura estu-dar as bases de percepo especfica da cidade, donde tenta des-tacar as constantes com vista sua integrao em qualquerproposta de ordenamento urbano. Financiado pela FundaoRockfeller, procedeu a uma pesquisa sobre a forma perceptivada cidade, tomando como terreno de experincia Los Angeles,Boston e Jersey City1.

    Com base nos elementos de pesquisa e mediante aplicaodo mtodo por ele usado, K. LYNCH tenta dar uma resposta aperguntas tais como: o que significa a aparncia da cidade oua sua forma visual para os homens que a habitam, a abordamou atravessam? Como e de que constituda a sua imagemmental? Haver entre as diferentes imagens individuais um fundocomum de elementos e de relaes que o urbanismo possa ter emconta para modelar ou remodelar uma paisagem urbana satisfa-tria para todos os seus habitantes?

    Os resultados desta pesquisa constituem matria de interessepara a compreenso da relao entre os elementos da forma ur-bana e a qualidade da imagem que motivam.

    3. Conceitos fundamentais

    3.1 Antes de se entrar propriamente na descrio do mtodode reconhecimento no terreno e dos modelos de entrevistas utili-zados com vista anlise da forma e imagem colectiva da cidade,parece-nos fundamental citar determinados conceitos que estona base destes estudos e de que seguidamente se d conhecimento.

    3.2 Construo da imagem do environment. As imagensdo environment resultam do dilogo entre o observador e oseu meio. O environment proporciona determinados estmulosque o observador escolhe e organiza e aos quais d sentido. H,

    i Ver Kevin LYNCH, The Image of City, The M. I. T. Press, Massa-chusetts Insttute of Technology, Cambridge, Massachusetts, 1960. (Existetambm traduo em lngua francesa: Dunod, Paris, 1960.)

  • portanto, um processo constante de interaco entre o indivduoe a realidade que o cerca.

    Mas a imagem de uma dada realidade pode apresentar va-riaes significativas de um observador para outro. No entanto,pode haver uma grande concordncia nestas imagens, quando seconsideram os observadores agrupados em classes homogneasem relao a idade, sexo, cultura, profisso, concordncia estaque depende tambm do carcter ou familiaridade do objecto aque se referem tais imagens.

    O que nos interessa aqui reter so precisamente estas ima-gens colectivas, que exprimem o acordo de um nmero signifi-cativo de indivduos e que constituem, por assim dizer, zonasde acordo, consequentes da interaco de uma mesma realidadefsica, de uma cultura comum e de uma natureza fisiolgicaidntica.

    3.3 Tipos formais de elementos da imagem da cidade. Dasimagens das cidades estudadas at agora podem destacar-se cincotipos de elementos referentes ao contedo das formas fsicas e queso: os percursos, as margens, os bairros, os ncleos e as refe-rncias, aos quais faremos breve aluso.

    Percursos: So canais ao longo dos quais o observador sedesloca habitualmente, ocasionalmente ou potencialmente. Podemser ruas, percursos de pees, canais de metropolitano, vias decaminho-de-ferro, etc. Os outros elementos do environment dis-pem-se ao longo destas vias, criando certas relaes entre si.

    Margens: So elementos lineares que o observador no utilizaou que no considera como percursos. Servem de referncias late-rais, e no propriamente de eixos de coordenadas. Podem ser rios,muros, troos de vias frreas, etc. Estes limites podem constituirbarreiras ou funcionar como costuras.

    Bairros: So partes da cidade cuja representao surge comoum espao a duas dimenses onde um observador pode penetrarem pensamento e que se reconhecem por terem um carcter geralque permite identific-las.

    Ncleos: So pontos e locais estratgicos de uma cidade, pe-netrveis por um observador e que constituem pontos focaisintensos para (e a partir dos quais se faz) a circulao. Podemser zonas onde se muda de sistema de transporte, cruzamentos,pontos de convergncia de vias, locais de passagem de uma estru-tura para outra. Os ncleos podem ser apenas pontos de concen-trao resultantes de uma forte intensidade funcional ou de certoscaracteres fsicos (como, por exemplo, uma praa fechada).

    Referncias: So elementos pontuais, mas onde o observadorno pode penetrar, sendo, por assim dizer, externos. So habitual-mente objectos fsicos definidos de um modo simples: um edifcio,uma boutique, uma montanha. A sua utilizao implica a escolha

  • de um elemento nico entre uma variedade de possibilidades. Asreferncias so frequentemente utilizadas para identificar e mesmoestruturar a imagem do complexo urbano.

    Como evidente, nenhum destes elementos existe na realidadeem estado isolado. Os bairros estruturam-se segundo ncleos cir-cunscritos por margens, atravessados por percursos e pontilhadosde referncias.

    3.4 Estrutura e identidade. A imagem do enmronmentpode ser analisada a partir de trs componentes identidade,estrutura e significao.

    Com base nas primeiras anlises no terreno, estabeleceram--se as principais hipteses respeitantes aos tipos de elementos,ao modo como se interligam e ao que contribui para lhes dar umaforte identidade. Estas hipteses foram depois testadas e afinadasatravs de entrevistas.

    Por outro lado, com estes estudos pretendeu-se afinar umatcnica com vista anlise visual de uma cidade e que possa pre-dizer a imagem colectiva provvel para essa cidade.

    Uma imagem, para ser utilizvel, implica a identificao deum objecto, o que supe que se distinga das outras coisas, ouseja, que o reconheamos como uma entidade separada. preci-samente no sentido de individualidade e de unidade que se em-prega o termo identidade. A estrutura define a relao espacialou paradigmtica do objecto com o observador e com os outrosobjectos. Por outro lado, o observador atribui uma significaoprtica e afectiva aos objectos de que se serve.

    Mas, porque a manipulao fsica tem mais facilmente in-fluncia sobre as dluas primeiras componentes, e tambm porque,nas imagens colectivas, as impresses de identidade e afinidadetm maior consistncia que a de significao, a ateno tendesobretudo a concentrar-se na clareza fsica da imagem, deixandoa significao esboar-se espontaneamente, sem a tentar orientardirectamente.

    3.5 O conceito de legibilidade. K. LYNCH sustenta que alegibilidade uma qualidade, no nica, mas fundamental, paraa compreenso e composio urbanas, sobretudo quando nos colo-camos escala da cidade, do ponto de vista do tamanho, duraoe complexidade, a fim de examinar o environment.

    Esta qualidade particular a legibilidade define-se comoa facilidade com que se podem reconhecer os elementos da formaurbana e organiz-los num esquema coerente. Uma cidade legvel aquela cujos bairros, referncias ou percursos so facilmenteidentificveis e integrados num esquema de conjunto.

    A estruturao e a identificao do meio so faculdades vitaisem todos os animais.

    So mltiplas as indicaes utilizadas com esse fim, desdeimpresses visuais de cor, forma e movimento, at ao odor, som,tacto, sensaes quinestsicas, sensibilidade ao peso e talvezmesmo os campos magnticos e elctricos.

  • No homem, de tal modo esta faculdade importante que aperda de orientao se acompanha normalmente de uma sensaode ansiedade, se no mesmo de medo. Uma boa imagem do envi-ronment essencial, tanto para a sua segurana emotiva comopara o estabelecimento de relaes harmoniosas com o mundoexterior. Um quadro fsico vivo e integrado, capaz de produziruma imagem intensa e bem tipificada, desempenha tambm umpapel social. No entanto, interessa aqui ressalvar que o prprioobservador desempenha um papel decisivo na percepo do mundoe tem uma participao criadora no desenvolvimento da suaimagem. Por outro lado, um environment ordenado de mododetalhado, preciso e definitivo certamente desencorajante dacriao de novos modos ou modelos de actividade. H que criaruma ordem no definitiva e capaz de um desenvolvimento ulterior.

    3.6 O conceito de imagibilidade. precisamente a ideiade imagibilidade que K. LYNCH vai verificar atravs da anlisedas formas e do seu efeito sobre os citadinos.

    A imagibilidade uma qualidade fsica que se relaciona coma identidade e a estrutura entendidas como atrs referimos, e para um dado objecto a qualidade graas qual h grandes pos-sibilidades de provocar uma forte imagem em qualquer observa-dor. , portanto, a aptido que certos objectos possuem de seapresentarem aos sentidos de uma forma aguda e intensa.

    Uma cidade com uma forte imagibilidade seria apreendidapelos sentidos no apenas de um modo mais simples, mas tambmde uma forma mais aprofundada e extensiva. Seria o caso deuma cidade que se poderia aperceber, ao fim de algum tempo, comouma estrutura fortemente contnua, composta por elementos nu-merosos, ao mesmo tempo distintos e claramente ligados entre si.

    No entanto, este conceito no implica nada de evidente primeira vista, de patente ou de manifesto; pelo contrrio, a tota-lidade do environment tem de ser e profundamente complexae estar em contnua alterao. O conceito de imagibilidade levantao problema da determinao das caractersticas formais a que devesujeitar-se um dado environment para que seja fcil a um obser-vador humano identificar as suas partes e dar-lhe uma estrutura.

    4. Apresentao do mtodo

    4.1 Aps tenros feito aluso a alguns conceitos que nospareceram bsicos para a compreenso do trabalho do autor a quenos temos vindo a referir, resta-nos a apresentao do mtodoatravs do qual K. LYNCH procurou testar a ideia de imagibilidadee descobrir quais as formas que produzem imagens fortes, combase na comparao entre a imagem e a realidade visual,no sentido de propor alguns princpios de composio urbana.

    O objectivo destes princpios no a forma material em simesma, mas a qualidade da imagem. Nesta ordem de ideias,K. LYNCH aponta como fundamental a elaborao de um planovisual feito escala da cidade, o qual deveria fazer parte de 195

  • qualquer plano urbanstico detalhado. Com este fim, far-se-iauma anlise da forma existente e das correspondentes imagenscolectivas, cujos resultados seriam traduzidos em diagramas erelatrios ilustrando as imagens colectivas importantes, os pro-blemas e possibilidades visuais fundamentais, os elementos cr-ticos da imagem e as inter-relaes entre esses elementos, com odetalhe das suas qualidades e faculdades de alterao. Com basenestes estudos, seria ento elaborado o plano visual, cujo objectivoseria o reforo da imagem colectiva e ao qual deveriam estarsujeitas todas as operaes de modelao ou remodelao urbanas.

    Como j atrs referimos, grande parte das informaes queconstam do trabalho de K. LYNCH resultam da anlise levada acabo nas zonas centrais de trs cidades americanas: Boston, JerseyCity e Los Angeles. Foram utilizados dois mtodos: uma entre-vista a uma pequena amostra de citadinos, no que respeita suaimagem do environment, e um exame sistemtico da imagem queo meio envolvente evoca no terreno em observadores treinados.

    4.2 -s entrevistas aos citadinos. As entrevistas eram bas-tante longas, demorando normalmente uma hora e meia. A tota-lidade da discusso era gravada em fita magntica e em seguidatranscrita. Este processo, ainda que moroso e pesado, permitiu,no entanto, registar os mnimos detalhes, tais como silnciosreveladores ou inflexes na voz.

    Nestas entrevistas de base, feitas em saa, eram postas trsquestes:

    a) elaborar um esquio do plano da cidade;b) descrever com detalhe um certo nmero de trajectos

    atravs da cidade;c) fazer uma lista, acompanhada de uma breve descrio,

    das partes da cidade que no esprito das pessoas inter-rogadas eram mais caractersticas ou intensas.

    A especificao das questes que constavam destas entrevistas fornecida, em anexo, no final da presente nota.

    As finalidades das entrevistas eram:

    1. pr prova a hiptese de imagibilidade;2. conhecer, ainda que grosseiramente, as imagens colecti-

    vas das trs cidades em estudo;3. definir um mtodo eficiente para a determinao de ima-

    gens colectivas, para qualquer cidade.

    Em Boston, uma vez que as pessoas se mostravam suficiente-mente interessadas, foi organizada outra sesso, onde os inqui-ridos, diante de uma srie de fotografias que cobriam a totalidadeda zona em estudo e tambm de zonas de outras cidades, eramsolicitados a classific-las, agrupando-as de um modo que lhesparecesse natural. Finalmente, convidados a identific-las, namedida do possvel, descreviam as indicaes de que se serviampara essa identificao.

  • Aps estas entrevistas de base, os mesmos inquiridos eramconduzidos ao terreno, onde se lhes solicitava que percorressemtrajectos imaginrios referidos.

    Pedia-se s pessoas que explicassem as razes por que esco-lhiam um determinado trajecto, e no outro, e descrevessemo que viam ao longo dos percursos, indicando onde se sentiammais seguras e onde se consideravam perdidas.

    Para controlo da informao desta pequena amostra do exte-rior, fez-se o estudo das respostas, dadas por pessoas que circula-vam nos passeios, a perguntas tais como: Como posso ir a...?,Como saberei que j l cheguei?, Quanto tempo levarei a che-gar l a p?, etc.

    4.3 Mtodo de reconhecimento no terreno. Como ponto decomparao em relao a estas descries subjectivas da cidade,pareceu a Kevin LYNCH que o melhor meio de definir a realidadefsica no era propriamente a utilizao de qualquer mtodo quan-titativo e objectivo, como, por exemplo, as fotografias areas,mas o basear-se na percepo e avaliao de alguns observadoresno terreno, treinados para observarem com cuidado, dando priori-dade aos elementos urbanos que se haviam mostrado significativosnas pesquisas precedentes (entrevistas aos citadinos). Com umaconscincia clara do conceito de imagibilidade, o observador trei-nado teria de fazer a p uma cobertura sistemtica da zona.

    Os dados de observao eram organizados num plano onde seindicavam, especificando a sua importncia, fora, destaque, etc,a presena, visibilidade e inter-relaes entre pontos de referncia,ncleos, percursos, margens e bairros. O plano assim elaboradono traduz a realidade fsica em si mesma, mas as impressesgerais que a forma real produz num observador com uma certapreparao.

    Em anexo sua obra principal, o autor expe alguns destesplanos, cujo sistema de notao nos pareceu pouco conseguido,relativamente importncia que lhe atribuda.

    5. Observaes do autor em relao ao seu mtodo

    5.1 No referente anlise no terreno, efectuada a p, re-sultam dois tipos de erro, segundo o prprio Kelvin LYNCH: umatendncia para desprezar os elementos menores, que tm impor-tncia para a circulao automvel, e uma certa negligncia dedeterminadas particularidades dos bairros, que tm uma impor-tncia singular para as pessoas interrogadas, como consequnciado status social que reflectem. Deste modo, o mtodo de pesquisano terreno, se completado com percursos utilizando o automvel,parece ser uma tcnica capaz de prever com sucesso a imagemsinttica mais provvel, excluindo os efeitos imprevisveis do pres-tgio social.

    Nas entrevistas de base, os esquios revelaram-se maus indi-cadores quanto estrutura conectiva, tal como era conhecida, ea lista de enumerao das particularidades mais caractersticas

  • evidenciou-se como uma tcnica possuindo o nvel de percepomais elevado e fazendo ressaltar unicamente os elementos queforam mais intensamente referidos, quer na anlise no terreno,quer nas entrevistas orais.

    5.2 Ainda que estes mtodos tenham revelado muita coern-cia interna, o autor aponta duas crticas principais quanto re-presentatividade da amostra:

    1. As amostras eram muito reduzidas. impossvel ge-neralizar a partir destas pesquisas e afirmar que se descobriua verdadeira imagem colectiva de uma destas cidades. No en-tanto, a pequena dimenso das amostras era exigida pelo tipo depesquisa em profundidade que foi praticada e pela durao re-querida pela tcnica de anlise. Impe-se, portanto, uma contra-pesquisa com oima amostra mais extensa, e isto requer mtodosmais rpidos e precisos.

    2. A composio desequilibrada da amostra. Este dese-quilbrio sobretudo manifesto no que respeita classe e pro-fisso, estando essencialmente representados os quadros mdiose superiores e os membros de profisses liberais. No entanto, foramexcludos urbanistas, arquitectos e engenheiros. Como consequn-cia, possvel que os resultados comportem uma certa deformaode classe. No que respeita idade e sexo, a sua composio eraequilibrada.

    Todavia, e apesar do que atrs foi dito, pode concluir-se que:

    a) em virtude da coerncia das informaes recolhidas dediversas fontes, os mtodos utilizados do efectivamenteuma ideia, razoavelmente digna de confiana, da imagemda cidade, podendo esses mtodos aplicar-se a cidadesdiferentes;

    b) apesar da pequena escala e da deformao de classe socialda amostra, h razes para crer que a imagem sintticaobtida pode constituir uma primeira aproximao gros-seira da verdadeira imagem colectiva.

    Por outro lado, comenta Kevin LINCH, OS elementos escolhi-dos por hiptese (ncleo, bairro, referncia, margem, percurso)foram em larga medida confirmados, depois de algumas modifi-caes. Tais categorias no existiam no sentido de arqutiposplatonianos, mas mostraram-se largamente capazes de apreenderos resultados da pesquisa sem demasiadas dificuldades ou dis-tores.

    5.3 No intuito de superar as dificuldades e as crticas acimareferidas, o autor prope um novo mtodo com vista a que ainformao recolhida possa efectivamente servir de fundamento composio urbana. Este mtodo pode sinteticamente equacionar-

    198 -se nos seguintes termos.

  • Numa primeira fase empreender-se-iam dois tipos de estudos:

    1. Reconhecimento geral do local, feito por dois ou trsobservadores treinados, percorrendo a cidade sistemati-camente, tanto a p como de automvel, de dia e denoite, e completando esta cobertura geral com vriostrajectos problema. Esta anlise seria depois trans-crita numa carta analtica do local.

    2. Paralelamente, seria levada a cabo uma entrevista demassa, relativa a uma extensa amostra, equilibrada demodo a ser representativa das caractersticas gerais dapopulao. A anlise desta informao incidiria: sobrea frequncia com que seriam mencionados os elementose as suas interaces; sobre a ordem com que seriamexecutados os desenhos; sobre os elementos em evidn-cia; sobre a sensao de estrutura, e sobre a imagemcomposta resultante do conjunto das entrevistas.

    O reconhecimento do terreno seria ento comparado s entre-vistas na rua, do ponto de vista da relao entre a imagem colec-tiva e a forma visvel.

    A segunda fase, consagrada investigao destes problemas,poderia ento comear. Neste sentido, far-se-ia uma pesquisaintensiva numa amostra reduzida. Analisado o contedo destainformao, proceder-se-ia a um reconhecimento no terreno foca-lizado sobre os mesmos problemas.

    Posteriormente seriam levados a cabo estudos detalhadossobre identidade e estrutura, feitos em condies muito diversasde iluminao, distncia, actividade e movimento; tais estudosutilizariam os resultados das entrevistas, mas no deveriam demodo algum limitar-se a estes.

    Todo este material seria, por fim, tratado de uma formasinttica e traduzido em relatrios e planos que dariam a imagemfundamental da zona, o conjunto de problemas e de foras visuais,os elementos deteminantes e as suas inter-relaes.

    precisamente numa tal anlise, modificada constantementeno sentido de uma actualizao, que K. LINCH sustenta serpossvel fundamentar o plano da futura forma visvel da cidade.

    6. Alguns temas de pesquisa propostos pelo autor

    Dentro deste campo de anlise, h etapas prximas perfeita-mente evidentes e outras, talvez ainda mais importantes, que sodifceis de definir.

    Uma primeira etapa consiste em utilizar uma tcnica deanlise que permita interrogar uma amostra mais representativada populao, que poderia ser a atrs referida. Por outro lado,os estudos deveriam orientar-se tambm para outras cidades, desig-nadamente no americanas. Seria igualmente interessante apli-car estes mtodos a enmronments diferentes da cidade, na escalae funes, por exemplo, um edifcio ou uma paisagem.

  • Noutro nvel, poder-se-ia tambm investigar a relao queexiste entre uma imagem-recordao comunicvel e a imagemutilizada quando se trata de tomar decises.

    Os estudos actuais tm-se debruado sobre as imagens taiscomo existem num momento dado. Mas como se desenvolvemestas imagens? Que imagens tem um estrangeiro quando chegaa uma nova cidade? Como se desenvolve numa criana a imagemque ela tem do mundo? Como podem estas imagens ser ensinadasou comunicadas? Que formas so mais aptas para o desenvolvi-mento da imagem? Estes problemas levantam-se tambm com areconstruo da cidade: o ajustamento da imagem s mudanasexteriores.

    Outros temas de pesquisa se poderiam ainda referir, taiscomo: a imagem da cidade concebida como uma estrutura totalque se prolonga no tempo, as possibilidades que o conceito deimagibilidade oferece na concepo e composio urbana, a quanti-ficao deste tipo de informao.

    No entanto, pareceu-nos que o que ficou dito suficientepara evidenciar, por um lado, o largo campo de investigaes quese abre a partir desta ptica (onde a cidade considerada comoum conjunto de formas capazes de produzir imagens mais oumenos teis no sentido de uma orientao e percepo do meio)e, por outro, o valor destes estudos como base de uma modelaoe remodelao urbanas, tornando possvel uma maior intencionali-dade e controlo das solues ao nvel da forma.

    7. Breve nata crticaA contribuio de Kevin LYNCH levanta algumas dvidas,

    ao pensarem-se os valores urbanos detectados numa anlise doreal como estruturantes da paisagem urbana.

    Assim, sero os valores urbanos recolhidos os mais relevantesna concepo e remodelao dessa paisagem? Ser pertinente,numa pesquisa, considerar significativos os valores que os utentesde uma cidade classificam de importantes, isto , considera o autorcomo normativas as leituras que os utentes faam da cidadetendentes a fundamentar a estrutura de um futuro ambiente?

    Podemos ainda perguntar se o que interessa que seja signifi-cativo na cidade coincide necessariamente com o que os utentesconsideram significativo na cidade.

    Por outro lado, em que termos poder a imagem-memriade uma cidade e o que se deseja lhe venha a pertencer fundamentara estruturao de um ambiente urbano?

    Sendo a cidade a projeco no territrio dos valores culturaise do jogo de foras polticas e interesses econmicos em presena,como encarar, no mbito da imagem-memria da cidade, esteproblema?

    Dentro desta ptica, certos estados de desorganizao urbanaso consequncia de uma dada estrutura socioeconmica e pol-tica. Em que medida interessa sossegar os habitantes, fornecen-do-lhes uma paisagem mais agradvel, desde que um determinadocontexto se mantenha?

  • ANEXO

    Em relao entrevista a uma .pequena amostra de citadinos, no querespeita imagem do environment, referiu-se o tipo de questes a queaqueles eram solicitados a responder. No entanto, no queremos deixar deapresentar na ntegra a lista de perguntas que faziam parte da entrevista desala, que passamos a transcrever:

    1 Que sugere imediatamente ao seu esprito, que evoca para si apalavra Boston? Como descreveria a traos largos Boston, no sentido fsico ematerial do termo?

    2 Gostaramos de que desenhasse um plano rpido de Boston, da partesituada no interior, ou do lado central de Massachusetts Avenue. Faa-o comose tivesse de descrever rapidamente a cidade a um estrangeiro, indicando todasas principais particularidades. No pedimos um desenho exacto. (O inquiridordeve tomar notas sobre a ordem pela qual desenhado o plano.)

    3 a Pode, se faz favor, dar indicaes claras e completas sobre o tra-jecto que segue habitualmente para ir da sua casa para o seu local de trabalho?Imagine-se a fazer o trajecto e descreva a sequncia do que veria, ouviria ousentiria ao longo do caminho, abrangendo os elementos indicativos que se tor-naram importantes para si e as indicaes de que um estrangeiro teria neces-sidade para tomar as mesmas decises que o senhor quanto ao caminho aseguir. O que nos interessa a .descrio material das coisas. No tem ne-nhuma importncia que no se lembre dos nomes das ruas e praas. (Durantea descrio do trajecto, o inquiridor deve, se necessrio, fazer sondagens, paraprocurar obter descries mais detalhadas).

    3 b Experimenta sentimentos especiais a propsito de algumas partesdo seu trajecto? Quanto tempo duram? Existem stios no seu trajecto onde sesente inseguro quanto sua localizao? (Em seguida, devem revetir-se asquestes n. 3a, a propsito de um ou vrios trajectos idnticos para todas aspessoas interrogadas, por exemplo: v a p de Massachusetts General Hospitala South Station, ou v de automvel de Faneuil Hall a Symphony Haifo.)

    4 Agora gostvamos de saber quais so, na sua opinio, os elementosmais caracterstico do centro de Boston. Podem ser grandes ou pequenos; oque pedimos que nosi indique os que acha mais fceis de identificar e dereter na memria. (Pcwa cada dois ou trs elementos1 registados como respostaa esta questo n. U, o inquiridor prossegue fazendo as perguntas n. 5.) BOI

  • 5 a Poderia descrever-me (o elemento referido em resposta queston. )? Se 01 conduzissem a com os oilhosi vendados:, que iindicaes utilizaria,logoi que lhe retirassem a venda, para identificar com segurana o local ondese encontrava?

    5 b Experimenta sentimentos especiais a propsito de (idem) ?

    5 c Pode indicar-me no seu plano onde sie encontra (idem) ? (E, se fornecessrio, quais so os limites?)

    6 Pode indicar-me, no seu plano, a direco norte?

    7 A nossa entrevista j terminou, mas agradecamos se aceitasse ter,durante alguns minutos somente, uma conversa livre connosco (as seguintesquestes so introduzidas, sem ordem preestabelecida, na conversa):

    a) Na sua opinio, o que que ns procuramos descobrir?b) Que importncia tem, para a pessoas, a orientao e a possibilidade

    de reconhecer o elementos das cidades?c) Experimenta um certo agrado por saber onde se encontra e/ou para

    onde se dirige? Ou um certo desagrado', no caso contrrio?d) Pensa que Boston uma cidade onde as pessoas encontram facilmente

    o seu caminho, onde se identificam fdilmente as suas vrias partes?e) Entre as cidades que conhece, quais so aquelas que acha que possuem

    uma boa orientao? Porqu?