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M e m ó r i a A B E n LEVANTAMENTO DE RECURSOS E NECESSIDADES DE ENFERMAGEM NO BRASIL o compromisso histórico da ABEn no desenvolvimento da pesquisa e da produção do conhecimento Esta seção, destinada a reconstituir a história da enfermagem brasileira, através dos textos aqui publicados, narra nesta edição os caminhos de um estudo fundamental para a saúde do país: o Levantamento de Recursos e ecessidades de Enfermagem no Brasil. Este assunto é o primeiro de uma série que o jornalABEn realizará a fim de apontar a responsabilidade da Associação para com o desenvolvimento da pesquisa e da produção do conhecimento da enfermagem no Brasil e no cenário internacional, desejando abrir, portanto, canais de interlocução junto aos órgãos de fomento à pesquisa, seja no Pais, seja no exterior. Realizada de 1956 a 1958, financiada pela Fundação RockfeUer, a pesquisa Levantamento de Recursos e ecessidades de Enfermagem no Brasil veio atender aos vários pedidos de informação direcionados a Associação Brasileira de Enfermagem sobre o número exato de enfermeiros existentes e em atividades. Para a realização desse estudo, enunciado como resolução do VII Congresso Nacional de Enfermagem, ocorrido em São Paulo, em 1954, aABEn contou, além da Fundação RockfeUer, com parcerias importantes, entre elas a Organização Mundial de Saúde, o Ministério da Educação, o Ministério da Saúde, a Comissão acional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP). É importante evidenciar que antes, em 1952, a CAPES consultou a ABEn sobre esse mesmo assunto, com o objetivo de programar a ação desse órgão - à época dirigido pelo professor Anísio Teixeira - na melhoria do ensino de enfermagem. A comissão executiva do Levantamento foi constituída em abril de 1956, com os seguintes membros: Maria Rosa Sousa Pinheiro (presidenta); Haydée Guanais Dourado (diretora); e Zilda Carvalho Hughes (více- diretora) até 1956, e Maria de Lourdes Verderese, a partir de 1957, ambas como chefas imediatas dos trabalhos técnicos. O plano geral da pesquisa foi aprovado em outubro de 1956, depois de estudado por vários especialistas nas áreas de assistência hospitalar, saúde pública e do ensino de enfermagem. O estudo abrangeu cinco esferas: enfermeiros em atividades e inativos, enfermagem hospitalar, enfermagem de saúde pública, escolas de enfermagem e escolas de auxiliar de enfermagem. A intenção da coordenação da pesquisa era elaborar o relatório final dos trabalhos em outubro de 1958, o que se deu com relação à coleta, tabulação , interpretação de dados e relatório provisório. Os dados principais foram apresentados pela Seção Técnica ao XI Congresso Brasileiro de Enfermagem, realizado em Recife, em outubro de 1958. Colaboraram na redação do relatório final, entregue em 30 de outubro de 1958, Maria de Lourdes Verderese, O 19aVerderese e Haydée Guanais Dourado. Foram registradas nesse relatório 46 recomendações dirigidas ao Ministério de Educação, ao Ministério da Saúde, às universidades e legisladores, aos serviços de enfermagem em unidades sanitárias e hospitalares, à Conferência dos Religiosos do Brasil, às instituições que mantinham escolas de enfermagem, às próprias escolas de enfermagem e de auxiliar de enfermagem e àABEn. No livro A.s;sooapo Brasileira de Enfermagem /926/ /976(p. 306-307), Anayde Corrêa de Carvalho destaca as seguintes recomendações: Maria Rosa Sousa Pinheiro, então presidenta da ABEn no ano de 1956, uma das responâveis pela pesquisa Haydée Guanais Dourado, redatoras do Relatório Final ABl:.n - o"n. no\ d •.•z. 2001 1m

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M e m ó r i a A B E n

LEVANTAMENTO DE RECURSOSE NECESSIDADES DE

ENFERMAGEM NO BRASILo compromisso histórico da

ABEn no desenvolvimento dapesquisa e da produção do

conhecimento

Esta seção, destinada a reconstituir a história daenfermagem brasileira, através dos textos aquipublicados, narra nesta edição os caminhos de umestudo fundamental para a saúde do país: oLevantamento de Recursos e ecessidades deEnfermagem no Brasil. Este assunto é o primeiro deuma série que o jornalABEn realizará a fim de apontar

a responsabilidade da Associação para com odesenvolvimento da pesquisa e da produção doconhecimento da enfermagem no Brasil e no cenáriointernacional, desejando abrir, portanto, canais deinterlocução junto aos órgãos de fomento à pesquisa,seja no Pais, seja no exterior.

Realizada de 1956 a 1958, financiada pela Fundação

RockfeUer, a pesquisa Levantamento de Recursos eecessidades de Enfermagem no Brasil veio atender

aos vários pedidos de informação direcionados aAssociação Brasileira de Enfermagem sobre o númeroexato de enfermeiros existentes e em atividades.

Para a realização desse estudo, enunciado comoresolução do VII Congresso Nacional de Enfermagem,ocorrido em São Paulo, em 1954, aABEn contou, alémda Fundação RockfeUer, com parcerias importantes,entre elas a Organização Mundial de Saúde, oMinistério da Educação, o Ministério da Saúde, aComissão acional de Aperfeiçoamento de Pessoal de

Nível Superior (CAPES) e o Serviço Especial de SaúdePública (SESP). É importante evidenciar que antes,em 1952, a CAPES consultou a ABEn sobre esse

mesmo assunto, com o objetivo de programar a açãodesse órgão - à época dirigido pelo professor AnísioTeixeira - na melhoria do ensino de enfermagem.

A comissão executiva do Levantamento foi constituída

em abril de 1956, com os seguintes membros: Maria

Rosa Sousa Pinheiro (presidenta); Haydée GuanaisDourado (diretora); e Zilda Carvalho Hughes (více-diretora) até 1956, e Maria de Lourdes Verderese, apartir de 1957, ambas como chefas imediatas dostrabalhos técnicos.

O plano geral da pesquisa foi aprovado em outubro de1956, depois de estudado por vários especialistas nasáreas de assistência hospitalar, saúde pública e do ensinode enfermagem. O estudo abrangeu cinco esferas:enfermeiros em atividades e inativos, enfermagemhospitalar, enfermagem de saúde pública, escolas deenfermagem e escolas de auxiliar de enfermagem.

A intenção da coordenação da pesquisa era elaborar orelatório final dos trabalhos em outubro de 1958, oque se deu com relação à coleta, tabulação ,interpretação de dados e relatório provisório. Os dadosprincipais foram apresentados pela Seção Técnica aoXI Congresso Brasileiro de Enfermagem, realizado em

Recife, em outubro de 1958. Colaboraram na redaçãodo relatório final, entregue em 30 de outubro de 1958,Maria de Lourdes Verderese, O 19aVerderese e HaydéeGuanais Dourado.

Foram registradas nesse relatório 46 recomendaçõesdirigidas ao Ministério de Educação, ao Ministério daSaúde, às universidades e legisladores, aos serviços deenfermagem em unidades sanitárias e hospitalares, à

Conferência dos Religiosos do Brasil, às instituições

que mantinham escolas de enfermagem, às própriasescolas de enfermagem e de auxiliar de enfermagem eàABEn.

No livro A.s;sooapo Brasileira de Enfermagem /926//976(p. 306-307), Anayde Corrêa de Carvalho destaca

as seguintes recomendações:

Maria Rosa Sousa Pinheiro, entãopresidenta da ABEn no ano de 1956, umadas responâveis pela pesquisa

Haydée Guanais Dourado,redatoras do Relatório Final

ABl:.n - o"n. no\ d •.•z. 2001 1m

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dependente, não se dispondo a atuar na direção da clínicae de sua ampliação, age como linha auxiliar do modelomédico hegemôruco.

a realidade, "é como se o PSF estivesse delimitandoos terrenos de competência entre ele e a corporação médi-ca: da saúde coletiva cu..idamos nós e da saúde individual,cu..idam vocês. E nada é melhor para o projeto neoliberalprivativista do que isto, pois deixa-se um dos cenários delutas vital para a conformação dos modelos de atenção semdisputa anti-hegemôruca.

o cotidiano da Clínica no ProgramaSaúde da FamíliaEstudo de Franco e Merhy (2003) apontam que a clínicano PSF assume função subsidiária em relação àEpidemiologia, prevalecendo no âmbito da discussão doprograma a dúbia dicotomia entre Epidemiologia eClínica, "como se a primeira fosse parte nobre do sistema

de saúde e a segunda incorporasse o mundo liberal,individualista e, neste sentido merecesse a rejeição daspropostas assistenciais formuladas no âmbito de saúdecoletiva."

Esta contraposiçâo, entre a Epídemiología e a Clínica

segundo Merhy (1998) poderá levar à percepção de que aClínica no PSF deve ser subsumida pela Epidemíologia,criando muitas restrições para que seja utilizada em todo

o seu potencial como forma do trabalho em saúde,tomando-se certas modelagens do trabalho clínicomédico, pelo conjunto da clínica.

Diante do exposto, parafraseando Merhy (2002)ousamos fazer alguns questionamentos:

Será possível o PSF superar o atual paradigma clínicode intervenção médica por outro centrado no usuário,modelado em um processo de trabalho que reconheçaa prática clínica dos outros trabalhadores de saúde?

Será que só os médicos são portadores de autonomiaem saúde? E as práticas clí-nicas dos outros profissio-nais desse setor no PSF?

CLÍNICA DO SUJEITO A SAÚDE COLETrv A

1Perspectivas

Ampliação daprática clínica

!Máxima eficácia

(menor custo e menorgrau de iatrogenia)

I. clínica do sujeito: reconhecimento do usuário/fami-lia como pessoa com direitos: ampliação da atenção básica(ações promoção, preventivas, clínicas e reabilitação); qua-lificação das ESF para intervirem nos problemas coletivosindividuais; trabalho equipe rnultídisciplínar integrilidade

das ações; capacidade de escuta e de acolhimento da de-manda do usuário.acesso do usuário aos serviços e as tec-nologías de saúde, capaz de melhorar e prolongar a vida;autonomia do usuário "no seu modo de andar a vida",frente o aumento da capacidade de auto-cuidado; humani-zação (personalização do atendimento); acolhimento; res-

ponsabilização pelo processo saúde-doença e não somentepela realização de procedimentos.2. Fortalecimento de vínculos entre o indivíduo, fa-mília, grupos da comunidade com a ESF, a USF e comtrabalhadores específicos que lhes sirvam de referência:interdependência; compromisso dos trabalhadores de saú-de com os usuários e vice-versa; responsabílízação pelasaúde de uma dada população adscrita; envolvimento dostrabalhadores com a saúde coletiva e com a saúde indivi-dual, particularmente dos mais vulneráveis; acolhimento;

respeito e solidariedade; humanização da assistência.3. Constr ução de projetos terapêuticos e deacompanhamento sistemático de casos singula-res: relações de acolhimento e vinculo; interrelaçãodentre pessoas que necessitam de ajuda e a equipe com

recursos para intervir; pro-cesso de fala e escutas; auto-nornízaçâo do outro, no senti-

do de enfrentar o problemade saúde; estimulo ao auto-cuidado: educação em saúde;responsabilização da equipesaúde da família pela saúde deuma comunidade, e ao mes-mo tempo destacar dentro

dessa comunidade situaçõesque necessitam de atenção in-dividual (avaliação de riscos e,

em decorrência, concentraratenção às famílias e pessoascom maiores vulnerabilída-des); desmedícalização, am-pliação da clínica;

Utilização de outros re-

cursos terapêuticos: educaçãoem saúde, práticas de vida saudáveis, atenção interdíscípli-nar, construção de cuídadores da própria comunidade ( ... )

posicionamento ético usuário centrado;• articulação de saberes para compor projetos terapêutí-

Na clínica a avaliação do risco éRefletindo sobre o modo

de pensar e produzir ações desaúde na atenção básica, espe-cificamente no PSF, ousamosmais uma vez expor O nossoentendimento com um olhardiferenciado embasado nos es-

tudos de Campos, Merhy, emprol da defesa de uma clínica

do sujeito. Segundo Nasci-mento (2002), é preciso quevislumbremos um horizonteonde a produção da saúde deveassociar o sonho e a ciência, oracional e a intuição, o emoci-

onal e os sentimentos, o real eO virtual, a imaginação e a cri-

ação, o espírito e o conhecimento, o visível e o indivisível,

o cotidiano e a subjetividade, o individual e O coletivo e,também considerar as particularidades e as singularidades.

Assim, apresenta um outro modo de fazer a clínicana saúde da família, apesar dos desafios, por acreditarque é possível fazer diferente:

Individual ainda quando sejam

considerados os elementos

para se estabelecer a

sociais, econômicos e culturais

vulnerabilidade e o pro]Jeto

terapêutico singular

[D]ABEn - out. no... d.t.. ZOO4

COSi

compromisso radical com a defesa da vida individual

e coletiva.Para concluir, o desafio está posto, convidamos todos

vocês para refletirem I debaterem os aspectos aqui referi-

dos a "clínica na saúde da familia" pois, segundo ascirnen-to e Míshíma (2004), "além das palavras é preciso açãotransformadora, a qual tem como ponto de partida o serhumano, e por isso, além da inteligência ( ... ) é precisoser gente."

REFERÊNCIAS

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Tecnologia s leves: definidas comotecnologias de ações que se configuramem processo de intenção em ato, em umprocesso de relação de interação, de vín-culo, de escuta, de intersubjetividade,gestão como forma de governar o pro-cesso de trabalho, humanízaçâo dentreoutras. (MERH'4 1997)

Maria Ângela Alves do NascimentoProfessoraTitular da LlníversidadeEstadual de Feira de Santana

(UEFS) - BA. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Integrado emSaúde Coletiva (NUPISC) da UEFS. Doutora em Enfermagem -

EERP/USP. Primeira Secretár-ia da Associação Brasileira deEnfermagem (ABEn Nacional) I Gestão 200 I - 2004