M. TEIXEIRA de SOUSA a Tutela Jurisdicional Dos Interesses Difusos (20.3.2014)-Libre

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    A TUTELA JURISDICIONAL DOS INTERESSES DIFUSOS NO DIREITO PORTUGUS

    Miguel Teixeira de Sousa

    1. Noes introdutrias, 2. Interesses individuais, pblicos e difusos; I. Critrios de distino; 1. Interesses privados e pblicos; 2. Caracterizao dos interesses difusos; II. Modalidades dos interesses difusos; 1. Generalidades; 2. Concretizao; III. Meios da tutela jurisdicional; 1. Generalidades; 2. Concretizao; 3. Tutela jurisdicional dos interesses difusos; I. Enquadramento legal; 1. Regime constitucional; 2. Legislao ordinria; II. Objeto da ao popular; 1. mbito constitucional; 2. Concretizao ordinria; 3. Indemnizao; III. Legitimidade popular; 1. Generalidades; 2. Concretizao; 3. Caracterizao; 4. Interesse em demandar; IV. Interessados ausentes; 1. Regime processual; 2. mbito do regime; V. Meio judicial; 1. Ativismo judicirio; 2. Apoios econmicos; VI. mbito do caso julgado; 1. Enquadramento; 2. Critrio geral; 3. Critrio especial; 4. Observao final.

    1. Noes introdutrias

    As aes inibitrias constituem uma modalidade das aes condenatrias e podem ser definidas como aquelas atravs das quais se exige a algum a omisso da violao de um direito: o caso, por exemplo, da ao destinada a evitar a ofensa a direitos da personalidade (cf. art. 70., n. 2, do Cdigo Civil), da ao de preveno da perturbao ou esbulho da posse (cf. art. 1276. do Cdigo Civil), da ao destinada a proibir a emisso de fumo e a produo de rudos (art. 1346. do Cdigo Civil) ou ainda da ao que visa a inibio do uso ou recomendao de clusulas contratuais gerais (art. 25. do Decreto-lei 446/85, de 25/10)1. Estes exemplos so apenas concretizaes legais de aes inibitrias (e no termos de uma enunciao taxativa), pois que essas aes devem ser consideradas admissveis sempre que exista o fundado receio da violao de um direito. As aes inibitrias no devem ser confundidas com as aes de condenao in futurum. A distino pode ser estabelecida da seguinte forma:

    As aes inibitrias impem, de imediato, o cumprimento de um dever de omisso;

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    As aes de condenao in futurum impem, no momento em que a obrigao se tornar exigvel, o seu cumprimento2.

    As aes inibitrias tambm no se confundem com as providncias cautelares de contedo inibitrio:

    As aes inibitrias fornecem uma tutela definitiva; As providncias cautelares de contedo inibitrio como, por exemplo, uma

    providncia no especificada (cf. art. 362., n. 1, do Cdigo de Processo Civil) ou o embargo de obra nova (cf. art. 397., n. 1, do Cdigo de Processo Civil) fornecem uma tutela provisria at definio da situao atravs da deciso que vir a ser proferida na ao principal.

    2. Interesses individuais,

    pblicos e difusos

    I. Critrios de distino 1. Interesses privados e pblicos

    bem conhecida a distino traada por Ulpianus entre o direito pblico e o privado: publicum ius est, quod ad statum rei Romanae spectat, privatum, quod ad singulorum utilitatem pertinet (Digesto, 1.1.1.2). Desta definio tem sido extrado, ao longo dos tempos, um critrio baseado no interesse para distinguir entre o direito pblico e o direito privado: atravs do direito pblico so prosseguidos os interesses da comunidade e atravs do direito privado so realizados os interesses privados. Em termos tendenciais, pode dizer-se que este critrio aceitvel para traar a distino entre o direito pblico e o direito privado. Todavia, o problema que aquela clssica definio levanta no tanto o de saber se ela contm um critrio adequado para distinguir entre o direito pblico e o direito privado, mas antes o de determinar se a distino que ela enuncia esgota as qualificaes possveis, isto , se todos os interesses tero de ser qualificados como pblicos ou como privados. Concretizando a questo no aspeto subjetivo, cabe perguntar se o Estado e o indivduo devem ser os nicos titulares de situaes subjetivas. A resposta a essa questo implica a anlise dos chamados interesses difusos.

    2. Caracterizao dos interesses difusos a. Os interesses difusos podem ser definidos como aqueles que pertencem a todos e a cada um dos membros de uma comunidade, de um grupo ou de uma classe, sendo, no entanto, insuscetveis de apropriao individual por qualquer desses sujeitos3. Os interesses difusos

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    pertencem, na feliz expresso de M. Cappelletti, a todos e a ningum"4, porque os bens jurdicos a que se referem como, por exemplo, o meio ambiente, o patrimnio cultural, o consumo ou a qualidade de vida so de todos e no podem ser atribudos em exclusividade a nenhum sujeito. Desta caracterizao decorre que os interesses difusos possuem, simultaneamente, uma dimenso supraindividual e individual, no sendo nem apenas supraindividuais, nem apenas individuais: o interesse difuso um interesse supraindividual que pode ser gozado por qualquer sujeito, sem que este possa apropriar-se do bem a que ele se refere5. A relevncia dos interesses difusos decorre, entre outras causas, dos fenmenos de massificao que so caractersticos das sociedades industriais e ps-industriais: massificao da produo, da distribuio, da informao e do consumo, o que se traduz numa massificao dos respetivos conflitos e o que origina os chamados danos de massas6. Estes danos podem ser produzidos por simples atos individuais, como, por exemplo, o lanamento no mercado de um produto nocivo sade, a concorrncia desleal de um comerciante, a falsa informao de uma empresa sobre a sua real situao econmica, a violao por um empregador de uma conveno coletiva de trabalho ou ainda a poluio do ar ou da gua por uma fbrica. As sociedades modernas apresentam ainda uma outra caracterstica que relevante para a delimitao dos interesses difusos: elas so, cada vez mais, sociedades de risco7. O progresso tcnico traz evidentes vantagens (basta pensar no conforto pessoal que proporcionado pelas sociedades modernas e na facilidade de comunicao, de informao e de deslocao que elas possibilitam), mas esse progresso tambm aumenta o potencial de risco e comporta alguns perigos. Algumas catstrofes industriais demonstram-no facilmente.

    b. Dado que os interesses difusos correspondem a interesses supraindividuais e necessariamente plurissubjetivos, cabe perguntar o que os distingue dos interesses pblicos, com os quais comungam daquela caracterstica de supraindividualidade8. A diferena parece poder ser traada nos seguintes moldes:

    Os interesses pblicos correspondem aos interesses gerais de uma coletividade, mas abstraem dos interesses individuais que esto a ser satisfeitos; por isso, eles caracterizam-se pela sua prevalncia sobre o interesse particular;

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    Os interesses difusos so interesses aferidos pelas necessidades efetivas que por eles esto a ser satisfeitas a cada um dos membros de uma coletividade9; por isso, eles caracterizam-se por terem, alm de uma dimenso supraindividual, uma dimenso individual.

    Assim, por exemplo, o exerccio da funo jurisdicional pelos tribunais e a excluso da autotutela correspondem a um interesse pblico, ainda que s uma parcela relativamente restrita da populao tenha necessidade de recorrer aos tribunais para tutelar os seus direitos ou interesses. Em contrapartida, os interesses difusos so sempre interesses que esto a satisfazer necessidades efetivas de cada um dos membros de uma classe ou de um grupo: os interesses difusos dos consumidores ou dos habitantes de uma regio no podem ser pensados sem as utilidades que eles concretamente atribuem queles consumidores ou habitantes. Na jurisprudncia, considerou-se um caso paradigmtico de interesse difuso aquele que se refere aos valores do primado da lei, do respeito pela legalidade democrtica e, por inerncia, ao primado do respeito pela dignidade da pessoa humana, enquanto fundamento, princpio e fim de toda a construo jurdica10 A distino entre os interesses difusos e os interesses pblicos tambm radica na diferente legitimidade para promover a sua tutela jurisdicional:

    A legitimidade para solicitar a tutela dos interesses pblicos pertence a um rgo do Estado, que o Ministrio Pblico ou uma entidade equivalente;

    A legitimidade para a tutela dos interesses difusos cabe aos elementos da sociedade civil, quer dizer, a organizaes representativas e a indivduos.

    A participao dos grupos e dos indivduos na tutela dos interesses difusos coincide, quer com o discurso sobre a emancipao da sociedade civil perante o Estado que volta a ser dominante na ps-modernidade, quer com o reconhecimento de que a dicotomia entre o direito pblico e o direito privado no consegue abarcar certos interesses que superam essa distino11. o que sucede com os interesses difusos: repetindo uma feliz expresso, pode dizer-se que eles possuem uma alma pblica e um corpo privado12.

    II. Modalidades dos interesses difusos 1. Generalidades

    O art. 81., nico, do Cdigo de Defesa do Consumidor brasileiro (Lei n. 8.078, de 11/9/1990) distingue entre os interesses difusos, os interesses coletivos e os interesses individuais

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    homogneos13. Esta tripartio tambm conhecida no direito portugus (cfr., por exemplo, art. 3., al. f), e 13., al. c), da Lei n. 24/96, de 31/7 (Lei de Defesa dos Consumidores)), embora o sentido de cada um dos seus termos no coincida com as definies que lhes so dadas naquele conhecido preceito da legislao brasileira14. Aquela tripartio j foi utilizada na jurisprudncia portuguesa para justificar a atribuio de legitimidade para a tutela de interesses difusos. O acrdo da Relao de Lisboa de 12/6/199715 qualificou a cobrana pela Portugal Telecom, SA, do valor de duas assinaturas mensais pelo mesmo perodo de tempo como uma violao dos interesses coletivos dos consumidores, mas recusou a integrao destes interesses nos interesses difusos e, por isso, no reconheceu legitimidade Associao Portuguesa para a Defesa do Consumidor na ao popular por ela proposta para defesa daqueles interesses. Porm, esta deciso foi revogada pelo acrdo do Supremo Tribunal de Justia de 17/2/199816, que, seguindo a orientao definida no acrdo do Supremo Tribunal de Justia de 23/9/199717 numa idntica ao proposta pela Associao de Consumidores de Portugal, aceitou a tripartio dos interesses difusos lato sensu em interesses difusos stricto sensu, interesses coletivos e interesses individuais homogneos e reconheceu a legitimidade das associaes de consumidores para obter a tutela jurisdicional de quaisquer desses interesses.

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    2. Concretizao a. Alguns interesses difusos so subjetivamente indiferenciados, porque se referem a bens pblicos (na aceo econmica da expresso), ou seja, a bens que s podem ser gozados numa dimenso coletiva: pense-se, por exemplo, no interesse de qualquer pessoa na qualidade do ar ou de qualquer consumidor na qualidade dos bens e servios prestados18. Estes interesses, que pertencem a uma pluralidade indiferenciada e indeterminada de sujeitos e que correspondem queles que J. C. Barbosa Moreira designou por interesses essencialmente coletivos19, so os interesses difusos stricto sensu. Uma outra das modalidades dos interesses difusos lato sensu so os interesses coletivos. Enquanto os interesses difusos stricto sensu so aqueles que incidem sobre bens pblicos (no sentido econmico da expresso) e que, por isso, possuem necessariamente uma pluralidade de titulares, os interesses coletivos correspondem aos interesses difusos que J. C. Barbosa Moreira designou por acidentalmente coletivos20, ou seja, so os interesses que incidem sobre bens privados de uma pluralidade de sujeitos que, por qualquer circunstncia, podem ser defendidos conjuntamente: o que sucede, por exemplo, quando os proprietrios de apartamentos e de outras habitaes num aldeamento turstico pretendem acionar o vendedor e construtor por motivos relacionados com a m qualidade da construo. Os interesses coletivos necessitam como referiu B. Caravita de um grau relativamente elevado de auto-organizao entre os seus titulares21.

    b. A considerao de que os interesses difusos possuem uma dupla dimenso supraindividual e individual importante para delimitar os interesses individuais homogneos:

    Os interesses difusos stricto sensu e os interesses coletivos so o reflexo da dimenso supraindividual dos interesses difusos, isto , so os interesses difusos considerados na sua dimenso supraindividual;

    Os interesses individuais homogneos so a refrao daqueles na esfera de cada um dos seus titulares, ou seja, so a concretizao dos interesses difusos stricto sensu e dos interesses coletivos na esfera dos indivduos.

    Do exposto resulta que os interesses individuais homogneos no so algo de diferente dos interesses difusos stricto sensu ou dos interesses coletivos, mas estes mesmos interesses considerados na sua dimenso individual. Sendo assim, os interesses individuais homogneos podem ser definidos como os interesses que cabem a cada um dos titulares de um interesse difuso stricto sensu ou de um

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    interesse coletivo. Por exemplo: o interesse na qualidade do ar um interesse difuso stricto sensu, mas o interesse de cada um dos habitantes de uma regio naquela qualidade um interesse individual homogneo. Em contrapartida, os lesados pelo consumo de um produto nocivo sade so titulares de um interesse coletivo, sendo o interesse de cada um desses prejudicados igualmente um interesse individual homogneo.

    III. Meios da tutela jurisdicional 1. Generalidades

    a) Corresponde a uma verificao comum suscetvel de ser facilmente comprovada pela consulta da generalidade das legislaes nacionais que os regimes processuais tomam como base as situaes jurdicas que possuem um nico titular ativo ou passivo. Mesmo a simples pluralidade de partes tratada por essas legislaes atravs das necessrias adaptaes perante o regime paradigmtico, que o da singularidade do autor e do ru da ao. Pode assim afirmar-se que a tutela processual toma como parmetro o interessado individual e adapta esse regime s situaes de pluralidade de interessados. Ainda assim, a necessidade de facilitar a tutela de interesses plurissubjetivos levou a legislador a regular alguns institutos especficos. Na ordem jurdica portuguesa, h que considerar os seguintes:

    O litisconsrcio e a coligao: se a relao material controvertida respeitar a vrias pessoas ou se houver vrias relaes materiais controvertidas conexas com titulares distintos, todas os interessados podem propor a ao conjuntamente (cf. art. 32. e 36. do Cdigo de Processo Civil; art. 12. do Cdigo de Processo nos Tribunais Administrativos);

    A apensao de aes: pode ser ordenada a apensao de aes que, por se verificarem os pressupostos de admissibilidade do litisconsrcio, da coligao, da oposio ou da reconveno, pudessem ser reunidas num nico processo (art. 267., n. 1, do Cdigo de Processo Civil; cf. art. 28., n. 1, e 68., n. 1, do Cdigo de Processo nos Tribunais Administrativos);

    A test case litigation (escolha e deciso do caso exemplar): quando, no mbito do contencioso administrativo, sejam intentados mais de 20 processos que, embora reportados a diferentes pronncias da mesma entidade administrativa, digam respeito mesma relao jurdica material ou, ainda que respeitantes a diferentes relaes jurdicas coexistentes em paralelo, sejam suscetveis de ser decididos com base na aplicao das mesmas normas a idnticas situaes de facto, o presidente do tribunal pode determinar, ouvidas as partes, que seja dado andamento a apenas um ou alguns deles, que neste ltimo caso so apensados num nico processo, e se suspenda a tramitao dos demais (art. 48., n. 1, do Cdigo de Processo nos Tribunais Administrativos).

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    b. A superao do "paradigma individualista" (na expresso de M. Cappelletti e B. Garth22) torna-se inevitvel quando a tutela jurisdicional tiver por objeto os interesses difusos23. Para alm das genricas dificuldades no acesso justia decorrentes de razes scio-econmicas, da falta de informao sobre os direitos e das deficincias da resposta do aparelho judicirio, esse acesso pode ainda ser dificultado pela dimenso dos litgios. Algumas vezes sucede que a pequena dimenso individual destes no justifica o recurso aos tribunais por cada um dos sujeitos lesados, pelo que apenas uma tutela coletiva se mostra economicamente vivel. Noutras vezes, sucede precisamente o contrrio: a dimenso supraindividual do litgio desencoraja o sujeito individual a recorrer aos tribunais para tutelar o seu interesse individual, pelo que somente uma tutela coletiva pode ultrapassar esse dfice de tutela jurisdicional24. Do referido no deve retirar-se a concluso de que os interesses difusos s podem ser tutelados atravs de uma tutela coletiva, pois que da procedncia de uma vulgar ao individual tambm pode decorrer a tutela daqueles interesses. Isso sucede principalmente na tutela de tipo inibitrio: pense-se, por exemplo, que algum, invocando o seu direito sade, prope uma ao para obrigar uma fbrica a baixar o nvel de poluio que ela produz; claro que qualquer outro vizinho da fbrica beneficia da diminuio daquela poluio. Portanto, uma ao individual tambm pode servir, de modo reflexo, de meio de tutela de interesses difusos.

    2. Concretizao a. Quando o objeto do processo um interesse difuso, a impossibilidade da presena em juzo de todos os interessados levanta alguns problemas, nomeadamente quanto sua representao pela parte demandante e aos efeitos do caso julgado da deciso final. Aquele objeto tambm implica a superao de um regime processual assente numa viso liberal e individualista, segundo a qual a funo do tribunal se deve limitar apreciao das provas produzidas pelas partes e aplicao do direito aos factos provados. Um regime que transpe para o plano processual uma perspetiva individualista naturalmente inadequado para a tutela jurisdicional dos interesses difusos. O que se pretende no permitir que os interesses difusos possam ser defendidos em juzo como qualquer interesse individual, mas sim construir um regime que seja adequado s suas especialidades e possa dar expresso s suas particularidades. Importa analisar a resposta que o ordenamento portugus fornece tutela jurisdicional dos interesses difusos, pois que s por ela pode aferir-se a efetividade dessa proteo25. A exposio subsequente incide sobre a tutela jurisdicional dos interesses difusos na ordem jurdica

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    portuguesa, embora com exceo quer da rea do procedimento e do contencioso administrativo26, quer da matria respeitante tutela penal e contraordenacional desses mesmos interesses.

    b. Na sequncia do Livro verde sobre a tutela coletiva dos consumidores27, o Comit Econmico e Social elaborou uma consulta sobre a tutela coletiva na Europa28 e a Comisso elaborou uma comunicao ao Parlamento Europeu, ao Conselho ao Comit Econmico e Social e ao Comit das Regies sobre a tutela coletiva ao nvel europeu29. Pode assim imaginar-se que, no futuro, venha a existir alguma uniformizao legislativa no mbito das aes coletivas com incidncia transfronteiria.

    3. Tutela jurisdicional

    dos interesses difusos

    I. Enquadramento legal 1. Regime constitucional

    A soluo fornecida pelo direito portugus para a tutela jurisdicional dos interesses difusos algo original. Segundo o disposto no art. 52., n. 3, da Constituio da Repblica Portuguesa, " conferido a todos, pessoalmente ou atravs de associaes de defesa dos interesses em causa, o direito de ao popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnizao, nomeadamente para [...] promover a preveno, a cessao ou a perseguio judicial das infraes contra a sade pblica, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida, a preservao do ambiente e do patrimnio cultural" e ainda para assegurar a defesa dos bens do Estado, das regies autnomas e das autarquias locais30. Como se pode concluir, a tutela dos interesses difusos no ordenamento jurdico portugus realizada atravs de um representative proceeding, isto , atravs de um processo em que o autor assume a representao de todos os demais titulares de um interesse difuso e em que, como consequncia dessa representao, estes titulares beneficiam de um caso julgado

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    favorvel obtido no processo se no se exclurem dessa representao atravs de um opting-out (cf. art. 19., n. 1, da Lei n. 83/95, de 31/8). No difcil (e tambm muito interessante) descortinar neste recorte constitucional da aco popular a conjugao de algumas caractersticas que so especficas das class actions norte-americanas31 com outras que pertencem s aes associativas (como as actions associatives francesas, as Verbandsklagen alems32 e as azioni di classe italianas33)34. Esta soluo acentua a dimenso poltica (no sentido mais prprio do termo) da funo jurisdicional, ao possibilitar que qualquer cidado ou organizao interessada defenda em juzo, com maior ou menor altrusmo, os interesses gerais da polis35. Importa referir que o art. 52. da Constituio se encontra inserido num captulo relativo aos direitos, liberdades e garantias de participao poltica, pelo que o direito de ao popular que ele consagra constitui exemplo do que V. Vigoriti designou de participao atravs, ou mediante, a justia36. H ainda que acrescentar que o art. 20., n. 1, da Constituio assegura a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, pelo que existe, no prprio plano constitucional, uma distino clara entre a tutela de interesses individuais e a tutela de interesses difusos. Analisando o art. 52., n. 3, da Constituio, verifica-se que nele se encontram definidos o meio judicial para a tutela dos interesses difusos, as entidades legitimadas para a defesa desses interesses e ainda a finalidade da tutela que pode ser solicitada:

    O meio judicial a ao popular37; As entidades legitimadas podem ser indivduos e associaes de defesa dos

    interesses difusos; Por fim, a tutela solicitada pode ter uma finalidade preventiva ou repressiva da ofensa

    dos interesses difusos.

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    O art. 52., n. 3, da Constituio s se refere ao popular ativa, isto , ao proposta por um autor popular. Fica em aberto a admissibilidade de uma ao popular passiva, ou seja, de uma ao instaurada contra um ru popular38.

    2. Legislao ordinria a. A Lei n. 83/95, de 31/839, regulou, com um certo atraso em relao respetiva consagrao constitucional, o direito de ao popular previsto no art. 52., n. 3, da Constituio40. Pode ainda acrescentar-se que o art. 6., n. 1, al. b), da Lei n. 95/88, de 17/8, atribui s associaes de mulheres legitimidade para exercer o direito de ao popular em defesa dos direitos das mulheres, que o art. 31., n. 1, do Cdigo dos Valores Mobilirios (aprovado pelo art. 1. do Decreto-Lei n. 486/99, de 13/11) consagra uma ao popular para a proteo de interesses individuais homogneos e coletivos dos investidores no qualificados em valores mobilirios41 e ainda que o art. 10., n. 3, da Lei n. 107/2001, de 8/9, concede o direito de ao popular s associaes de defesa do patrimnio cultural.

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    b. A ao popular regulada na Lei n. 83/95 no o nico meio de tutela jurisdicional dos interesses difusos na rea do consumo:

    O art. 10., n. 1 promio, da Lei n. 24/96 prev uma ao inibitria para a defesa dos interesses dos consumidores;

    O art. 25. do Decreto-Lei n. 446/85, de 25/1043, regula, quanto s chamadas clusulas contratuais gerais, uma ao inibitria destinada a obter a condenao na absteno do uso ou da recomendao de clusulas nulas.

    A compatibilizao entre a ao popular prevista na Lei n. 83/95 e as aes inibitrias previstas na Lei n. 24/96 e no Decreto-Lei n. 446/85 suscita algumas dvidas, que importa procurar resolver.

    c. A chave para a soluo do problema acima enunciado parece encontrar-se na legitimidade processual que concedida pelo art. 13., al. b), da Lei n. 24/96 aos consumidores e s associaes de consumidores para a ao inibitria prevista no art. 10., n. 1 promio, da Lei n. 24/96. Com efeito, essa legitimidade atribuda a estas entidades diz expressamente o art. 13., al. b), da Lei n. 24/96 "nos termos da Lei n. 83/95, de 31 de Agosto", ou seja, da lei que regula a ao popular para defesa dos interesses difusos; esta afirmao confirmada pela atribuio do direito de ao popular s associaes de consumidores pelo art. 18., n. 1, al. l), da Lei n. 24/96. Assim, a legitimidade que, em sede de ao popular, atribuda ao consumidor e s associaes de consumidores para a propositura de uma ao inibitria coincide totalmente com aquela que reconhecida a essas mesmas entidades pelo art. 2., n. 1, da Lei n. 83/95, pelo que parece poder concluir-se que a ao inibitria prevista no art. 10., n. 1 promio, da Lei n. 24/96 , quando seja proposta por um consumidor ou por uma associao de consumidores, uma ao popular. O mesmo h que concluir quando a ao inibitria destinada a proibir o uso ou a recomendao de clusulas contratuais gerais seja proposta quer por um consumidor (nos termos do art. 13., al. b), da Lei n. 24/96), quer por uma associao de defesa dos consumidores ou por uma associao sindical, profissional ou de interesses econmicos (art. 26., n. 1, al. a) e b), do Decreto-Lei n. 446/85). Tambm essa ao, instaurada por entidades s quais reconhecida uma legitimidade popular (cfr. art. 2., n. 1, da Lei n. 83/95), necessariamente uma ao popular. Diferente a soluo quando o autor da ao no possa ser qualificado como um autor popular. Os art. 13., al. c), e 21., n. 1, al. c), da Lei n. 24/96 atribuem ao Ministrio Pblico e ao Instituto do Consumidor legitimidade para a propositura de uma ao inibitria "quando estejam em causa interesses individuais homogneos, coletivos ou difusos" e o art. 26., n. 1, al. c), do

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    Decreto-Lei n. 446/85 concede legitimidade ao Ministrio Pblico para instaurar uma ao inibitria do uso ou da recomendao de clusulas contratuais gerais. Estas entidades no tm legitimidade processual segundo o regime previsto na lei reguladora da ao popular (salvo a exceo, de aplicao residual, quanto ao Ministrio Pblico estabelecida no art. 16. da Lei n. 83/95), pelo que, quanto a elas, no se coloca qualquer problema de compatibilizao de regimes. O Ministrio Pblico e o Instituto do Consumidor tm legitimidade para instaurar a ao inibitria prevista no art. 10., n. 1 promio, da Lei n. 24/96 e o Ministrio Pblico possui legitimidade para a ao inibitria estabelecida no art. 25. do Decreto-Lei n. 446/85, mas nenhuma dessas aes pode ser considerada uma ao popular.

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    d. Importa ainda tentar uma conjugao entre a ao inibitria prevista no art. 10., n. 1, al. b), da Lei n. 24/96 e aquela que se encontra regulada no art. 25. do Decreto-Lei n. 446/85. Entre si, estes dois regimes legais parecem estar numa relao de especialidade: o art. 10., n. 1, al. b), da Lei n. 24/96, porque inserido numa lei relativa defesa dos consumidores, deve ser considerada a norma geral e o art. 25. do Decreto-Lei n. 446/85, que respeita apenas s clusulas contratuais gerais, a correspondente norma especial. Assim sendo, o art. 10., n. 1, al. b), da Lei n. 24/96, como norma geral posterior, no revogou o art. 25. do Decreto-Lei n. 446/85, enquanto norma especial anterior, porque, em princpio, a lei geral no revoga a lei especial (cfr. art. 7., n. 3, do Cdigo Civil). Portanto, o art. 10., n. 1, al. b), da Lei n. 24/96 fornece o enquadramento geral da ao inibitria prevista no art. 25. do Decreto-Lei n. 446/85. O nico problema que esta compatibilizao dos referidos regimes legais deixa em aberto aquele que se refere qualificao da ao inibitria do uso ou recomendao de clusulas contratuais gerais em funo das entidades com legitimidade para a sua propositura nos termos do art. 13. da Lei n. 24/96. Seguindo o critrio acima utilizado o das entidades s quais reconhecida legitimidade para instaurar a ao popular , essa ao deve ser qualificada como uma ao popular sempre que ela seja instaurada por qualquer consumidor ou por uma associao de consumidores (art. 13., al. b), da Lei n. 24/96; cfr., quanto legitimidade para a ao popular, art. 2., n. 1, da Lei n. 83/95). Portanto, so trs as modalidades da ao inibitria relativa ao uso ou recomendao de clusulas contratuais gerais:

    A ao inibitria individual, que aquela que pode ser proposta pelo consumidor diretamente lesado (cfr. art. 13., al. a), da Lei n. 24/96);

    A ao inibitria popular, que aquela que pode ser instaurada por qualquer consumidor ou por uma associao de consumidores (cfr. art. 13., al. b), da Lei n. 24/96);

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    A ao inibitria pblica, que aquela que pode ser intentada pelo Ministrio Pblico ou pelo Instituto do Consumidor (cfr. art. 13., al. c), da Lei n. 24/96).

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    A ao popular pode destinar-se preveno das infraes contra os interesses difusos (art. 1., n. 1, da Lei n. 83/95), nomeadamente obteno da condenao na inibio de uma prtica lesiva dos direitos do consumidor (cfr. art. 10., n. 1 promio, da Lei n. 24/96);48

    Alm desta funo inibitria49, a ao popular tambm pode ter por objeto a condenao no pagamento de uma indemnizao (cfr. art. 52., n. 3 promio, da Constituio; art. 22., n. 2 e 3, da Lei n. 83/95).

    Pode assim concluir-se que, para alm de se procurar obter algo de puramente objetivo a omisso de um comportamento ilcito , a ao popular tambm pode ser moldada em funo dos interesses dos titulares do interesse difuso e da reparao dos danos por eles sofridos.

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    condutas violadoras de interesses difusos. Este regime generaliza o que se encontra legislado a propsito de algumas associaes, como as de defesa do ambiente (art. 10., al. d), da Lei n. 35/98, de 18/7 (Lei das organizaes no governamentais de ambiente)) e do consumidor (art. 18., n. 1, al. m), da Lei n. 24/96).

    c. O art. 12., n. 2, da Lei n. 83/95 permite que a ao popular possa revestir qualquer das formas previstas no Cdigo de Processo Civil. Esta ampla previso do mbito de aplicao da ao popular permite concluir que ela tambm abrange os procedimentos cautelares54. Nada justifica que se exclua do objeto da ao popular a providncia cautelar que for adequada garantia do interesse difuso, definio de uma situao provisria ou antecipao da tutela definitiva. Alis, o art. 31. do Cdigo de Processo Civil55 refere expressamente, a propsito da legitimidade para a tutela dos interesses difusos, a propositura de procedimentos cautelares e o art. 31., n. 1, do Decreto-Lei n. 446/85 admite que, quando haja receio fundado de virem a ser includas em contratos singulares clusulas gerais suscetveis de ser declaradas nulas, possa ser requerida provisoriamente a sua proibio.

    d. Pode colocar-se o problema de saber se admissvel instituir, com base numa conveno arbitral, uma arbitragem popular, ou seja, se possvel que as partes escolham a arbitragem como via de resoluo do litgio respeitante a interesses difusos. Em teoria, nada parece impedir a arbitrabilidade de um tal litgio56.

    3. Indemnizao a. O art. 23. da Lei n. 83/95 estabelece uma obrigao de indemnizao por responsabilidade objetiva, quando da ao ou omisso do agente tenha resultado a ofensa de interesses difusos e quando o dano resulte de atividade objetivamente perigosa. Esta responsabilidade pelo risco coincide, quanto rea do ambiente, com aquela que se encontra estabelecida no art. 41., n. 1, da Lei n. 11/87, de 7/4 (Lei de Bases do Ambiente) e, relativamente rea do consumo, com aquela que est prevista no art. 12., n. 1 e 4, da Lei n. 24/96, quanto ao fornecedor de servios, e no art. 1. do Decreto-Lei n. 383/99, de 6/11, e no art. 12., n. 5, da Lei n. 24/96, quanto ao produtor de bens. O demandante pode requerer, na prpria ao popular, a condenao do demandado no pagamento de uma indemnizao. O art. 22., n. 2, da Lei n. 83/95 permite que o tribunal fixe uma indemnizao global e o art. 22., n. 3, da Lei n. 83/95 estabelece que os titulares de interesses identificados tm direito correspondente indemnizao nos termos gerais da

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    responsabilidade civil. A admissibilidade de um pedido relativo a uma indemnizao global uma das principais vantagens da ao popular. Essa possibilidade implica alguns importantes benefcios em matria de prova, porque ela permite o recurso a regras estatsticas de causalidade entre a conduta lesiva e os danos provocados57. A admissibilidade da solicitao de uma indemnizao global apresenta algumas vantagens, mas tambm so manifestas as dificuldades de a quantificar, como pode comear-se por exemplificar na rea do consumo. Como fcil de compreender, essa indemnizao no pode ser determinada somando cada um dos danos efetivamente suportados por cada um dos consumidores, no s porque o nmero destes normalmente indeterminado, mas tambm porque o prejuzo individual pode variar em funo do lugar e do tempo da aquisio do bem ou servio. Alm disso, sempre que o dano do consumidor decorra de uma publicidade enganosa, preciso uma opo sobre o dano que pretende indemnizar-se. So duas as solues possveis58:

    O dano de cada um dos consumidores pode ser quantificado pela diferena entre o preo pago e o valor real do bem ou servio (por exemplo, 100-80=20);

    Esse mesmo dano pode ser aferido pela diferena entre o valor real do bem ou servio e o valor que eles teriam se possussem as qualidades prometidas pela publicidade enganosa (por exemplo, 100-140=40)59.

    Tudo isto leva a determinar a indemnizao global em funo, no dos prejuzos causados pelo lesante, mas dos lucros por ele obtidos, o que aproxima aquela indemnizao dos punitive (ou exemplary) damages caractersticos do direito norte-americano60. Alm disso, a fixao de uma indemnizao global exige que o tribunal fixe os critrios segundo os quais pode ser liquidada a indemnizao que incumbe a cada um dos titulares do interesse difuso. A essa liquidao pode aplicar-se, por analogia, o disposto no art. 358., n. 2, do Cdigo de Processo Civil: se for necessrio, renova-se a instncia da ao popular para a liquidao das indemnizaes que se mostrem controvertidas, isto , em relao s quais se verifique um litgio entre a entidade encarregada de proceder a essa liquidao e o titular do interesse individual homogneo.

    b. Tambm na rea do ambiente so manifestas as dificuldades de quantificar os prejuzos causados num ecossistema, porque muitos dos vrios componentes naturais e humanos que o compem (cfr. art. 5., n. 2, al. a), da Lei n. 11/87) no possuem qualquer valor de mercado ou pertencem ao domnio pblico. Na falta de um valor comercial dos bens ecolgicos, poder-se-ia

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    procurar avaliar o dano provocado no ambiente atravs da medida dos interesses que foram frustrados e das despesas necessrias para o evitar61, mas discutvel que as utilidades frustradas sejam mais facilmente quantificveis do que os prejuzos causados, porque a conservao de um ecossistema fundamental, por exemplo, para a satisfao de interesses estticos ou de qualidade de vida. Sendo assim, especialmente porque procura obter-se um certo efeito preventivo, tambm difcil fugir a atribuir algum carter punitivo indemnizao de danos ecolgicos62.

    c. Como se referiu, o art. 22., n. 2, da Lei n. 83/95 permite que o tribunal fixe uma indemnizao global, mas o art. 22., n. 3, da Lei n. 83/95 estabelece que os titulares de interesses identificados tm direito correspondente indemnizao nos termos gerais da responsabilidade civil. A conjugao destes preceitos parece dever ser feita de acordo com os seguintes critrios:

    A indemnizao global atribuda quando se verificar a violao de um interesse difuso stricto sensu (como, por exemplo, a violao do direito a um ambiente sadio) ou quando se verificar a violao de interesses coletivos e no se justificar a quantificao dos danos de cada um dos lesados (como acontece quando se trata de indemnizar os consumidores pelos pequenos prejuzos causados por um produto defeituoso);

    A indemnizao aferida nos termos gerais da responsabilidade civil cabe quando sejam violados interesses coletivos e deva ser atribuda a cada um dos lesados uma indemnizao individualizada63.

    Quando a indemnizao global se destine a ser distribuda pelos lesados o que sucede quando ela vise a indemnizao de interesses coletivos que so globalmente indemnizados , o pagamento de cada indemnizao individual ter de ser requerida dentro dos trs anos seguintes ao trnsito em julgado da sentena que tenha fixado aquela indemnizao global, dado que o direito indemnizao prescreve passado esse prazo (art. 22., n. 4, da Lei n. 83/95). Os montantes correspondentes a direitos prescritos so afetos ao apoio aos titulares do direito de ao popular que o requeiram (art. 22., n. 5, da Lei n. 83/95).

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    d. No mbito dos valores mobilirios a receo e a gesto das indemnizaes globais pertencem, de acordo com o que for indicado na sentena condenatria, a um fundo de garantia, a uma associao de defesa dos investidores ou a um ou a vrios titulares de indemnizao identificados na ao (art. 31., n. 2, do Cdigo dos Valores Mobilirios). O destino das indemnizaes que no sejam pagas revertem para o fundo de garantia relacionado com a atividade em que se insere o fator gerador da indemnizao ou, se ele no existir, para o sistema de indemnizao dos investidores (art. 31., n. 3, do Cdigo dos Valores Mobilirios64).

    III. Legitimidade popular 1. Generalidades

    A ao popular pode ser proposta por qualquer cidado no gozo dos seus direitos civis e polticos, bem como pelas associaes e fundaes defensoras dos interesses em causa (art. 2., n. 1, da Lei n. 83/95)65. Esta soluo, baseada na representao de todos os interessados pelo autor popular, apresenta uma dupla vantagem:

    Antes do mais, ela permite evitar as inmeras aes que poderiam ser propostas por cada um dos sujeitos afetados pela violao do interesse difuso, dado que a ao popular permite resolver um litgio que respeita a uma pluralidade de sujeitos;

    Alm disso, a representao dos titulares do interesse difuso pelo autor popular permite minorar as dificuldades que so inerentes mobilizao de todos aqueles interessados, embora favorea o free-riding, isto , o aproveitamento por alguns desses interessados da iniciativa e do trabalho desenvolvido por outros66.

    Convm tambm salientar que uma soluo como a ao popular prevista no art. 52., n. 3, da Constituio se traduz num reforo do papel dos tribunais na tutela desses interesses. Quando a funo de assegurar a tutela jurisdicional desses interesses atribuda a um rgo pblico (como, por exemplo, o Ministrio Pblico ou o Ombudsman do Consumidor67), isso implica uma definio pelo poder legislativo das entidades legitimadas para o exerccio dessa tutela e no concede ao tribunal da ao qualquer controlo sobre a legitimidade processual dessas entidades. Pelo contrrio, quando essa mesma legitimidade atribuda a qualquer cidado ou a organizaes representativas, o tribunal tem de verificar a adequao da representao exercida pelo particular e a incluso dos interesses em causa nas atribuies e objetivos estatutrios da organizao

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    demandante. Essa aferio no deve ser, alis, meramente formal: o tribunal deve recusar a representao assumida pelo demandante se verificar que, por exemplo, a associao de consumidores que props a ao popular efetivamente controlada pelos produtores ou fornecedores. Alm disso, quanto s entidades s quais atribuda legitimidade para a propositura da ao popular, tambm merece ser realada a opo feita no art. 52., n. 3, da Constituio pela concesso dessa legitimidade tanto a pessoas singulares, como a associaes representativas. Esta soluo legal tem uma importante relevncia prtica. A insignificncia do dano sofrido por cada uma das pessoas individualmente consideradas, a fraqueza do litigante isolado, a excessiva onerosidade do acesso justia e ainda o temor de enfrentar uma contraparte economicamente poderosa afastam, muitas vezes, o lesado de atuar processualmente na defesa do seu prprio interesse68. Esta situao s pode ser superada atravs do abandono de uma conceo individualista da tutela jurisdicional, sendo possveis as seguintes solues:

    A atribuio a um indivduo da representao em juzo de todos os demais que se encontrem, perante um certo interesse difuso, numa posio semelhante (de lesados ou de ameaados de leso, nomeadamente);

    A concesso de legitimidade processual aos entes coletivos cujo objetivo estatutrio seja a defesa do interesse difuso ameaado ou ofendido.

    Ambas as solues permitem agrupar os interesses, por vezes economicamente no muito significativos, de cada um dos sujeitos atingidos.

    2. Concretizao a. Passando anlise da legitimidade ativa para a propositura da ao popular para a tutela de interesses difusos, convm referir o disposto no art. 2., n. 1, da Lei n. 83/95: so titulares do direito de ao popular quaisquer cidados no gozo dos seus direitos civis e polticos (no necessariamente, note-se, cidados portugueses) e ainda as associaes e fundaes defensoras dos interesses difusos, independentemente de terem ou no interesse direto na demanda. O art. 2., n. 2, da Lei n. 83/95 estende essa legitimidade s autarquias locais, isto , s freguesias, aos municpios e s regies administrativas. Algo de semelhante se dispe no art. 31. do Cdigo de Processo Civil. Note-se que o autor popular no tem de ser escolhido por ningum: a iniciativa da propositura da ao popular pode pertencer a um grupo que escolhe o ou os demandantes que o vo representar, mas tambm pode pertencer a um titular isolado e autodesignado.

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    De forma paralela, no mbito dos valores mobilirios, a legitimidade para a propositura de uma ao popular concedida aos investidores no qualificados (art. 31., n. 1, al. a), do Cdigo dos Valores Mobilirios69), s associaes de defesa dos investidores (art. 31., n. 1, al. b), do Cdigo dos Valores Mobilirios) e s fundaes que tenham por fim a proteo dos investidores em valores mobilirios (art. 31., n. 1, al. c), do Cdigo dos Valores Mobilirios). Deve ainda acrescentar-se que, quando o art. 2., n. 1, da Lei n. 83/95 atribui legitimidade aos cidados para a propositura da ao popular, isso no significa que apenas um sujeito individual a possa instaurar. Nada impede que essa ao seja proposta por vrios cidados ou por um grupo de cidados, o que demonstra que, para esse efeito, a associao personalizada no o nico meio de conjugar a vontade de vrios interessados.

    b. A concesso de legitimidade processual s organizaes destinadas defesa de interesses difusos constitui um dos aspetos mais salientes do regime da ao popular no direito portugus. Importa evidenciar a representao que assumida por essas organizaes: elas no representam os seus membros ou fundadores, mas todos aqueles que esto interessados na defesa e proteo de um interesse difuso e que podem ser afetados pela ameaa da sua ofensa ou pela sua violao efetiva. Quer dizer: o prprio interesse difuso subjetivamente mais amplo do que a representao que essas organizaes possuem em relao aos seus membros70. As referidas associaes e fundaes s possuem legitimidade processual para a ao popular se tiverem personalidade jurdica, se inclurem expressamente nas suas atribuies ou nos seus objetivos estatutrios a defesa dos interesses em causa e, finalmente, se no exercerem qualquer tipo de atividade profissional concorrente com empresas ou profisses liberais (art. 3. da Lei n. 83/95). Estes requisitos coincidem com aqueles que se encontram estabelecidos no art. 2., n. 1, da Lei n. 35/98 quanto s associaes de defesa do ambiente tambm designadas como organizaes no governamentais do ambiente , no art. 10., n. 2, da Lei n. 107/2001 em relao s associaes de defesa do patrimnio cultural e ainda, grosso modo, no art. 32. do Cdigo dos Valores Mobilirios quanto s associaes de defesa dos investidores nesses valores. A esses mesmos requisitos devem igualmente obedecer as associaes de defesa dos consumidores s quais os art. 13., al. b), e 18., n. 1, al. l), da Lei n. 24/96 reconhecem legitimidade para a propositura de uma ao popular, bem como as associaes de consumidores e as associaes sindicais, profissionais ou de interesses econmicos s quais o art. 26., n. 1, al.

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    a) e b), do Decreto-Lei n. 446/85 atribui legitimidade para a ao inibitria do uso ou recomendao de clusulas contratuais gerais.

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    ao inibitria prevista no art. 10. da Lei n. 24/96 e a ao popular civil regulada no art. 12., n. 2, da Lei n. 83/95. O art. 3. da Lei n. 25/2004 define as condies em que entidades de outros Estados-membros possuem legitimidade para intentar aes inibitrias em Portugal. Os art. 4. e 5. da Lei n. 25/2004 regulam a inscrio das entidades portuguesas a quem reconhecido o direito de intentar aes inibitrias noutros Estados-membros, atribuindo o art. 5., n. 5, da Lei n. 25/2004 essa legitimidade ao Ministrio Pblico e ao Instituto do Consumidor. Quanto a este ltimo aspeto, importa referir que, considerando que, nos termos do art. 2. da Lei n. 83/95, o Ministrio Pblico e o Instituto do Consumidor no tm legitimidade para a propositura de aes populares, o art. 5., n. 5, da Lei n. 25/2004 atribuiu legitimidade para a propositura de aes inibitrias noutros Estados-membros a entidades que no podem propor aes populares em Portugal.

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    d. O art. 3., al. e), do Estatuto do Ministrio Pblico atribui ao Ministrio Pblico competncia para assumir, nos casos previstos na lei, a defesa de interesses coletivos e difusos e o art. 45., n. 1, da Lei n. 11/87 (na redao dada pelo art. 6. da Lei n. 13/2002, de 19/274) concede ao Ministrio Pblico legitimidade para a defesa dos valores ambientais. Numa anlise mais circunscrita, importa distinguir, relativamente legitimidade do Ministrio Pblico para a tutela de interesses difusos, entre as aes inibitrias e a ao popular. O art. 13., al. c), da Lei n. 24/96 atribui legitimidade ao Ministrio Pblico para instaurar uma ao inibitria em matria de consumo, sempre que estejam em causa interesses individuais homogneos, coletivos ou difusos, e o art. 26., n. 1, al. c), do Decreto-Lei n. 446/85 reconhece legitimidade a esse mesmo rgo quanto ao inibitria destinada a proibir o uso ou a recomendao de clusulas contratuais gerais. Todavia, como acima se viu, essa ao inibitria no pode ser qualificada como ao popular.

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    Diferente a soluo legal quanto ao popular. O regime legal sobre a ao popular no atribui qualquer legitimidade ao Ministrio Pblico, a no ser nos casos em que ele represente o Estado, os ausentes, menores e demais incapazes (art. 16., n. 1, da Lei n. 83/95) ou seja autorizado, por lei especfica, a representar outras pessoas coletivas pblicas (art. 16., n. 2, da Lei n. 83/95). A estas excees acresce a hiptese de o demandante desistir da lide ou celebrar transao com o demandado ou assumir comportamentos lesivos dos interesses em causa, situao na qual o Ministrio Pblico pode substituir-se a essa parte na continuao da ao (art. 16., n. 3, da Lei n. 83/95).

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    Isto permite afirmar que, em regra, o direito portugus desconhece uma ao popular pblica. Ao recusar legitimidade ao Ministrio Pblico para instaurar a ao popular, aquele regime legal seguiu a soluo que habitualmente justificada pela falta de especializao desse rgo em reas no jurdicas (como, por exemplo, a economia e a contabilidade, o planeamento urbanstico ou a ecologia), pela sua proximidade com o poder poltico75 e ainda pelo desinteresse que ele tende a mostrar quanto utilizao de um meio judicial que no se reconduz s suas formas tradicionais de atuao76.

    3. Caracterizao a. Um dos problemas fundamentais colocados pela defesa judicial dos interesses difusos refere-se representao dos seus titulares que assumida pelo autor popular77. Sobre este aspeto estabelece-se o seguinte no art. 14. da Lei n. 83/95: "nos processos de ao popular, o autor representa, por iniciativa prpria, com dispensa de mandato ou autorizao expressa, todos os demais titulares dos direitos ou interesses em causa [...]". Dispe-se algo de semelhante, quanto ao inibitria do uso ou recomendao de clusulas contratuais gerais, no art. 26., n. 2, do Decreto-Lei n. 446/85: as entidades legitimadas para a propositura da ao "atuam no processo em nome prprio, embora faam valer um direito alheio pertencente, em conjunto, aos consumidores suscetveis de virem a ser atingidos pelas clusulas cuja proibio solicitada". Isto significa que os autores populares no atuam no interesse prprio, mas antes em representao de todos os titulares do interesse difuso, pelo que, perante a morte de um dos autores, no tem sentido nem suspender a instncia, nem promover a habilitao dos sucessores do autor falecido78. tambm essa funo de representao que torna indispensvel averiguar a adequao da representao que o autor da ao popular se prope exercer79. Assim, por exemplo, indispensvel verificar se o autor popular efetivamente independente do demandado. Neste contexto, tambm elucidativo o que se estabelece, quanto a essa matria, no art. 16., n. 3, da Lei n. 83/95: se o autor desistir da lide ou celebrar transao com o demandado, o Ministrio Pblico pode substituir-se a essa parte e continuar a ao. Isto significa que o demandante s assume a representao dos interessados ausentes enquanto a sua conduta em processo

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    corresponder idealmente aos interesses destes terceiros. Ao concluir aqueles negcios processuais, o autor pode pretender acautelar somente os seus interesses prprios, pelo que, nessa situao, no lhe deve ser atribuda a representao de quaisquer interessados.

    b. Os titulares do interesse difuso e as associaes e fundaes que visam a defesa desse interesse possuem uma legitimidade concorrente, porque qualquer desses sujeitos ou organizaes pode instaurar a ao popular e ainda porque qualquer titular do interesse difuso pode intervir numa ao popular pendente (cfr. art. 15., n. 1, da Lei n. 83/95). Deste carter concorrente da legitimidade popular resulta uma importante consequncia, que a seguinte: h que distinguir esta legitimidade popular da legitimidade prpria e no concorrente que atribuda pela lei a certas entidades para a tutela de interesses difusos. Por exemplo: suponha-se que, na sequncia do disposto no art. 5., n. 1, do Cdigo de Processo de Trabalho, uma associao sindical prope uma ao de anulao ou de interpretao de uma conveno coletiva de trabalho (cfr. art. 183. do Cdigo de Processo de Trabalho); essa associao exerce uma legitimidade prpria e no concorrente, pelo que a ao proposta no uma ao popular e nela no tem aplicao a faculdade de interveno de outros titulares que est prevista no art. 15., n. 1, da Lei n. 83/95. Algo de semelhante pode ser dito quanto legitimidade que atribuda ao Ministrio Pblico pelo art. 45., n. 1, da Lei n. 11/87: tambm esta legitimidade no concorrente, mas exclusiva. Uma outra consequncia do carter concorrente da legitimidade popular a de que todos os seus titulares devem ser considerados os mesmos sob o ponto de vista da sua qualidade jurdica (segundo a expresso utilizada no art. 581., n. 2, do Cdigo de Processo Civil), pelo que a propositura de vrias aes populares referidas mesma ofensa ou ameaa de violao de um interesse difuso, ainda que por autores diferentes, permite a arguio da exceo de litispendncia (art. 580., n. 1, do Cdigo de Processo Civil)80. uma soluo que evita a pendncia simultnea de vrias aes populares respeitantes mesma violao ou ameaa de violao de um mesmo interesse difuso. Em contrapartida, a propositura por um dos interessados de uma ao destinada a tutelar exclusivamente o seu interesse individual nunca origina a exceo de litispendncia numa ao popular posterior. Os objetos destas aes no so idnticos um deles um interesse individual e outro um interesse difuso , pelo que nunca se satisfaz um dos requisitos daquela exceo dilatria (cfr. art. 580., n. 1, e 581., n. 1, do Cdigo de Processo Civil).

    4. Interesse em demandar a. A necessidade da incluso da defesa dos interesses ameaados ou ofendidos nos objetivos estatutrios das associaes e fundaes s quais reconhecida legitimidade para a

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