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    MA14 - Unidade 2Diviso Euclidiana

    Semana de 08/08 a 14/08

    Diviso Euclidiana

    Mesmo quando um nmero natural a no divide o nmero natural b, Eu-clides1 , nos seus Elementos , utiliza, sem enunci-lo explicitamente, o fato deque sempre possvel efetuar a diviso de b por a, com resto. Este resultado,cuja demonstrao damos abaixo, no s um importante instrumento naobra de Euclides, como tambm um resultado central da teoria.

    Teorema 1 (Diviso Euclidiana). Sejam a e b dois nmeros naturais com 0 < a < b . Existem dois nicos nmeros naturais q e r tais que

    b = a q + r, com r < a.

    Demonstrao Suponha que b > a e considere, enquanto zer sentido nos1 para saber mais sobre a obra de Euclides, leia a nota histrica no nal desta unidade.

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    2 MA 14 Unidade 2

    naturais, os nmeros

    b, b a, b 2a, . . . , b n a , . . .

    Pela Propriedade da Boa Ordem2 , o conjunto S formado pelos elementosacima tem um menor elemento r = b q a. Vamos provar que r tem apropriedade requerida, ou seja, que r < a .

    Se a|b, ento r = 0 e nada mais temos a provar. Se, por outro lado, a | b,ento r = a, e, portanto, basta mostrar que no pode ocorrer r > a . Defato, se isto ocorresse, existiria um nmero natural c < r tal que r = c + a.Consequentemente, sendo r = c + a = b q a, teramos

    c = b (q + 1) a S, com c < r,

    contradio com o fato de r ser o menor elemento de S .Portanto, temos que b = a q + r com r < a , o que prova a existncia de

    q e r.Agora, vamos provar a unicidade. Note que, dados dois elementos distin-

    tos de S , a diferena entre o maior e o menor desses elementos, sendo ummltiplo de a, pelo menos a. Logo, se r = b a q e r = b a q , comr < r < a , teramos r r a, o que acarretaria r r + a a, absurdo.Portanto, r = r

    Da segue-se que b a q = b a q , o que implica que a q = a q e,portanto, q = q .

    Nas condies do teorema acima, os nmeros q e r so chamados, respec-tivamente, de quociente e de resto da diviso de b por a.

    Note que o resto da diviso de b por a zero se, e somente se, a divide b.

    2 Todo subconjunto no vazio do conjunto dos nmeros naturais possui um menor ele-mento

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    Diviso Euclidiana 3

    Note que a demonstrao do teorema fornece um algoritmo (i.e. um

    procedimento executvel) para calcular o quociente e o resto da diviso deum nmero por outro, por subtraes sucessivas.

    Exemplo 1. Vamos achar o quociente e o resto da diviso de 19 por 5.

    Considere as diferenas sucessivas:

    19 5 = 14, 19 2 5 = 9, 19 3 5 = 4 < 5.

    Isto nos d q = 3 e r = 4 .

    Aparentemente, no haveria necessidade de se provar a unicidade de q e r no Teorema 1, j que o resultado da subtrao a cada passo do algo-ritmo nico e, portanto, r e q tm valores bem determinados. O fato queapresentamos um mtodo para determinar q e r, satisfazendo as condiesdo teorema, mas nada nos garante que, utilizando um outro mtodo, noobteramos outros valores para q e r ; da a necessidade de se provar a unici-dade.

    Exemplo 2. Vamos mostrar aqui que o resto da diviso de 10n por 9 sempre 1, qualquer que seja o nmero natural n.

    Isto ser feito por induo. Para n = 0 , temos que 100 = 9 0 + 1;portanto, o resultado vale.

    Suponha, agora, o resultado vlido para um dado n, isto 10n = 9 q + 1 .Considere a igualdade

    10n +1 = 10 10n = (9+1)10 n = 9 10n +10 n = 9 10n +9 q +1 = 9(10 n + q )+1 ,

    provando que o resultado vale para n +1 e, consequentemente, vale para todon N .

    Note que este resultado decorre tambm do Problema 3.1.7(a), pois lpedia-se para mostrar que 9|10n 1; portanto, sendo isso verdade, temos que10n 1 = 9q e, consequentemente, 10n = 9 q + 1 .

    Corolrio. Dados dois nmeros naturais a e b com 1 < a b, existe um

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    nmero natural n tal que

    na b < (n + 1) a.

    Demonstrao Pela diviso euclidiana, temos que existem q, r N comr < a , univocamente determinados, tais que b = a q + r . Basta agora tomarn = q .

    Exemplo 3. Dado um nmero natural n N qualquer, temos duas possi-

    bilidades:i) o resto da diviso de n por 2 0, isto , existe q N tal que n = 2q ; ouii) o resto da diviso de n por 2 1, ou seja, existe q N tal que n = 2q + 1 .

    Portanto, os nmeros naturais se dividem em duas classes, a dos nmerosda forma 2q para algum q N , chamados de nmeros pares , e a dos nmerosda forma 2q +1 , chamados de nmeros mpares . Os naturais so classicadosem pares e mpares, pelo menos, desde Pitgoras, 500 anos antes de Cristo.

    A paridade de um nmero natural o carter do nmero ser par ou mpar. fcil determinar a paridade da soma e do produto de dois nmeros a partirda paridade dos mesmos (veja Problema 3).

    Exemplo 4. Mais geralmente, xado um nmero natural m 2, pode-sesempre escrever um nmero qualquer n, de modo nico, na forma n = mk + r ,onde k, r N e r < m .

    Por exemplo, todo nmero natural n pode ser escrito em uma, e somenteuma, das seguintes formas: 3k, 3k + 1 , ou 3k + 2 .

    Ou ainda, todo nmero natural n pode ser escrito em uma, e somenteuma, das seguintes formas: 4k, 4k + 1 , 4k + 2 , ou 4k + 3 .

    Exemplo 5. Dados a, n N , com a > 2 e mpar, vamos determinar aparidade de (a n 1)/ 2.

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    Como a mpar, temos que an 1 par, e, portanto (a n 1)/ 2 um

    nmero natural. Logo, legtimo querer determinar a sua paridade.Temos, pelo Problema 8(a), da Unidade 1, que

    a n 12

    = a 1

    2 (a n 1 + + a + 1) .

    Sendo a mpar, temos que an 1 + + a + 1 par ou mpar, segundon par ou mpar (veja Problema 3). Portanto, a nossa anlise se reduz procura da paridade de (a 1)/ 2.

    Sendo a mpar, ele da forma 4k + 1 ou 4k + 3 . Se a = 4k + 1 , ento(a 1)/ 2 par, enquanto que, se a = 4k + 3 , ento (a 1)/ 2 mpar.

    Resumindo, temos que (a n 1)/ 2 par se, e somente se, n par ou a da forma 4k + 1 .

    Exemplo 6. Vamos achar os mltiplos de 5 que se encontram entre 1 e253. Estes so todos os mltiplos de 5 que cabem em 253. Pelo algoritmo dadiviso temos que

    253 = 5 50 + 3,

    ou seja, o maior mltiplo de 5 que cabe em 253 5 50, onde 50 o quocienteda diviso de 253 por 5. Portanto, os mltiplos de 5 ente 1 e 253 so

    1 5, 2 5, 3 5, . . . , 50 5,

    e, consequentemente, so em nmero de 50.

    Mais geralmente, dados a, b N com a < b, o nmero de mltiplos nonulos de a menores ou iguais a b igual ao quociente da diviso de b por a.

    Problemas

    1. Ache o quociente e o resto da divisoa) de 27 por 5. b) de 38 por 7.

    2. Mostre como, usando uma calculadora que s realiza as quatro operaes,pode-se efetuar a diviso euclidiana de dois nmeros naturais em apenas trs

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    passos. Aplique o seu mtodo para calcular o quociente e o resto da diviso

    de 3721056 por 18735.3. Discuta a paridadea) da soma de dois nmeros.b) da diferena de dois nmeros.c) do produto de dois nmeros.d) da potncia de um nmero.e) da soma de n nmeros mpares.

    4. a) Mostre que um nmero natural a par se, e somente se, an par,

    qualquer que seja n N

    .b) Mostre que a n am sempre par, quaisquer que sejam n, m N .c) Mostre que, se a e b so mpares, ento a2 + b2 divisvel por 2 mas nodivisvel por 4.

    5. Quais so os nmeros que, quando divididos por 5, deixam resto iguala) metade do quociente? b) ao quociente?c) ao dobro do quociente? d) ao triplo do quociente?

    6. Seja n um nmero natural. Mostre que um, e apenas um, nmero de

    cada terna abaixo divisvel por 3.a) n, n + 1 , n + 2 b) n, n + 2, n + 4c) n, n + 10, n + 23 d) n, n + 1, 2n + 1

    7. Mostre quea) se n mpar, ento n2 1 divisvel por 8.b) se n no divisvel por 2, nem por 3, ento n2 1 divisvel por 24.c) n N , 4 |n2 + 2 .

    8. Sejam dados os nmeros naturais a, m e n tais que 1 < a < m < n .

    a) Quantos mltiplos de a existem entre m e n?b) Quantos mltiplos de 7 existem entre 123 e 2551?c) Quantos mltiplos de 7 existem entre 343 e 2551?

    9. (ENC-2000) Mostre que, se um inteiro , ao mesmo tempo, um cubo e

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    um quadrado, ento ele da forma 5n, 5n + 1 , ou 5n + 4 .

    10. (ENC-2000) a) Mostre que, se um nmero a no divisvel por 3, entoa2 deixa resto 1 na diviso por 3.b) A partir desse fato, prove que, se a e b so inteiros tais que 3 divide a2 + b2 ,ento a e b so divisveis por 3.

    11. (ENC-2001) Seja N um nmero natural; prove que a diviso de N 2 por6 nunca deixa resto 2.

    12. (ENC-2002) O resto da diviso do inteiro N por 20 8. Qual o restoda diviso de N por 5?

    13. Mostre que, se n mpar, ento a soma de n termos consecutivos deuma PA sempre divisvel por n .

    14. Ache o menor mltiplo de 5 que deixa resto 2 quando dividido por 3 epor 4.

    A Aritmtica na Magna Grcia

    Segundo os historiadores, foi Tales de Mileto (640-546 AC) quem introduziu

    o estudo da Matemtica na Grcia. Tales teria trazido para a Grcia osrudimentos da geometria e da aritmtica que aprendera com os sacerdotesegpcios, iniciando a intensa atividade matemtica que ali se desenvolveu pormais de 5 sculos.

    A diferena entre a matemtica dos egpcios e a dos gregos era que, paraos primeiros, tratava-se de uma arte que os auxiliava em seus trabalhos deengenharia e de agrimensura, enquanto que, com os segundos, assumia umcarter cientco, dada a atitude losca e especulativa que os gregos tinhamface vida.

    Em seguida, foram Pitgoras de Samos (580?-500? AC) e sua escola (quedurou vrios sculos) que se encarregaram de ulteriormente desenvolver e di-fundir a Matemtica pela Grcia e suas colnias. A escola pitagrica atribuaaos nmeros um poder mstico, adotando a aritmtica como fundamento de

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    seu sistema losco. Quase nada sobrou dos escritos originais dessa fase da

    matemtica grega, chegando at ns apenas referncias e comentrios feitospor outros matemticos posteriores.Os gregos tinham uma forte inclinao para a losoa e a lgica, tendo isto

    inuenciado fortemente toda a sua cultura e, em particular, o seu modo defazer matemtica. Um importante exemplo disso foi a grande inuncia quesobre ela exerceu Plato (429-348 AC), que, apesar de no ser matemtico,nela via um indispensvel treinamento para o lsofo, ressaltando a metodolo-gia axiomtico-dedutiva a ser seguida em todos os campos do conhecimento.O domnio da geometria era uma condio necessria aos aspirantes para o

    ingresso na sua academia. A preferncia de Plato pelos aspectos mais teri-cos e conceituais o fazia estabelecer uma clara diferenciao entre a cinciados nmeros, que chamava aritmtica, e a arte de calcular, que chamavalogstica, a qual desprezava por ser infantil e vulgar".

    Com toda esta herana cultural, surge por volta de 300 AC, em Alexan-dria, um tratado que se tornaria um dos marcos mais importantes da Mate-mtica, Os Elementos de Euclides3 . Pouco se sabe sobre os dados biogrcosdeste grande matemtico, tendo chegado a ns, atravs de sucessivas edies,este tratado composto por treze livros, onde se encontra sistematizada amaior parte do conhecimento matemtico da poca.

    Aparentemente, Euclides no criou muitos resultados, mas teve o mritode estabelecer um padro de apresentao e de rigor na Matemtica jamaisalcanado anteriormente, tido como o exemplo a ser seguido nos milnios quese sucederam. Dos treze livros de Os Elementos , dez versam sobre geometriae trs, sobre aritmtica. Nos trs livros de aritmtica, Livros VII, VIII e IX,Euclides desenvolve a teoria dos nmeros naturais, sempre com uma viso ge-omtrica (para ele, nmeros representam segmentos e nmeros ao quadrado

    representam reas). No Livro VII, so denidos os conceitos de divisibili-3 Sobre Euclides e a sua obra recomendamos a leitura de Os Elementos de Euclides , de

    Joo Bosco Pitombeira, Cadernos da RPM, Volume 5, N. 1, 1994; ou ainda, Euclides, a conquista do espao , por Carlos Tomei, Odysseus, So Paulo, 2003.

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    dade, de nmero primo, de nmeros perfeitos, de mximo divisor comum e de

    mninimo mltiplo comum, entre outros. No mesmo livro, alm das deniesacima, todas bem postas e at hoje utilizadas, encontra-se enunciada (semdemonstrao) a diviso com resto de um nmero natural por outro, chamadadiviso euclidiana (nosso Teorema 1). Com o uso iterado desta diviso, Eu-clides estabelece o algoritmo mais eciente, at hoje conhecido, para o clculodo mximo divisor comum de dois inteiros (Proposies 1 e 2 nos Elementos ),chamado de Algoritmo de Euclides, que apresentaremos no Captulo 5. NoLivro VIII, so estudadas propriedades de sequncias de nmeros em pro-gresso geomtrica. No Livro IX, Euclides mostra, de modo magistral, que

    a quantidade de nmeros primos supera qualquer nmero dado; em outraspalavras, existem innitos nmeros primos (Proposio 20 nos Elementos ).Euclides tambm prova que todo nmero natural se escreve de modo essen-cialmente nico como produto de nmeros primos, resultado hoje chamadode Teorema Fundamental da Aritmtica (Proposio 14 nos Elementos ). tambm provado um resultado que d uma condio necessria para que umnmero natural seja perfeito (Proposio 35 nos Elementos ).

    Aps Euclides, a aritmtica estagnou por cerca de 500 anos, ressusci-tando com os trabalhos de Diofanto de Alexandria, que viveu por volta de250 DC. A obra que Diofanto nos legou chama-se Aritmtica e foi escritaem treze volumes, dos quais apenas sete nos chegaram. Trata-se do primeirotratado de lgebra hoje conhecido, pois a abordagem de Diofanto era total-mente algbrica, no sendo revestida de nenhuma linguagem ou interpretaogeomtrica, como o faziam todos os seus predecessores. A maioria dos pro-blemas estudados por Diofanto em Aritmtica visava encontrar solues emnmeros racionais, muitas vezes contentando-se em encontrar apenas umasoluo, de equaes algbricas com uma ou vrias incgnitas.

    Um dos problemas tratados por Diofanto era a resoluo em nmerosracionais, ou inteiros, da equao pitagrica x2 + y2 = z 2 , chegando a des-crever todas as suas solues. Este problema teve o poder de inspirar omatemtico francs Pierre Fermat mais de 1300 anos depois, traando os

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    rumos futuros que a Matemtica iria tomar, como veremos mais adiante.