Macunaina e o Real Maravilhoso

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Universidade Federal do Rio de Janeiro MACUNAÍMA E O REAL MARAVILHOSO BRASILEIRO Por Thamara Amaral Trabalho apresentado ao professor Gregory Costa como avaliação da disciplina de Literatura Brasileira II

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Trabalho apresentado ao professor de Literatura Brasileira para obtenção de aprovação na disciplina.

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Universidade Federal do Rio de Janeiro

MACUNAÍMA E O REAL MARAVILHOSO BRASILEIRO

Por Thamara Amaral

Trabalho apresentado ao professor Gregory Costa como avaliação da disciplina de Literatura Brasileira II

Rio de Janeiro, 2014

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I. Introdução

Este trabalho tem como objetivo apresentar uma visão de “Macunaíma” de Mário de

Andrade, em que tomaremos como texto teórico base o prólogo de Carpentier para o

livro “El reino de este mundo”. Para tanto, compararemos as ideias do “real

maravilhoso”, termo cunhado por Carpentier, e algumas noções surrealistas presentes no

“Manifesto Surrealista” de Breton.

II. Modernismo brasileiro: a antropofagia

“Só a antropofagia nos une” assim começa o “Manifesto Antropófago” de Oswald

de Andrade. O autor acredita na antropofagia literária no sentido de “deglutir a

cultura/literatura do outro (estrangeiro) e retirar apenas aquilo que é bom”, assim, após

várias deglutições teríamos “conceitos” e “habilidades” suficientes que ajudariam a

formar uma literatura brasileira de qualidade.

O movimento modernista brasileiro utiliza, pois, das vanguardas europeias – e não

apenas dessas - para a construção de sua arte. A presença de fundamentos cunhados por

essas escolas aparecem em obras brasileiras, e em nosso caso, em “Macunaíma”. Na

obra, por exemplo, aparecem mecanismos do dadaísmo, do futurismo, do

expressionismo e do surrealismo.

Quanto ao dadaísmo, percebemos no fazer da linguagem sem regras, quebra da

lógica e do racionalismo. No livro, há muitas passagens sem a presença de vírgula, por

exemplo, quebrando o esperado pela gramática tradicional.

“Por detrás do tejupar do regatão vivia a árvore Dzalúra-Iegue

que dá tôdas as frutas, cajus cajás cajàmangas mangas abacaxis

abacates jaboticabas graviolas sapotis pupunhas pitangas guajirú

cheirando sovaco de preta, tôdas essas frutas e é mui alta” (p.

56)

Entretanto, o autor utiliza desse artifício para se aproximar, ou melhor, recriar a

linguagem coloquial brasileira, para criar sua literatura própria.

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Por outro lado, a chegada do herói em São Paulo traz elementos do Futurismo para a

obra. Macunaíma vai a São Paulo com o intuito resgatar a joia roubada de sua amada.

Ainda que tenha vivido todos os anos dentro da floresta, o herói se vê “convertido”

pelos benefícios tecnológicos.

“Os homens é que eram máquinas e as máquinas é que eram

homens. Macunaíma deu uma grande gargalhada. Percebeu que

estava livre outra vez e teve uma satisfa mãe. Virou Jiguê na

máquina telefone, ligou pros cabarés encomendando lagostas e

francesas”. (p.55)

No que diz respeito ao expressionismo, movimento que tenta transmitir a

“verdadeira” situação do homem, podemos citar o momento que Macunaíma se

transforma em branco, sendo esse, pois, o reflexo de uma sociedade ainda cheia de

preconceitos.

“...Macunaíma se lembrou de tomar banho. [...] O herói depois

de muitos gritos por causa do frio da água entrou na cova e se

lavou inteirinho. Mas a água era encantada porque aquêle

buraco na lapa era marca do pèzão do Sumé, do tempo em que

andava pregando o envagelho de Jesus prà indiada brasileira.

Quando o herói saiu do banho estava loiro e de olhos

azuizinhos, água lavara o pretume dêle” (p. 50)

Finalmente, o movimento surrealista propõe que a arte deve surgir sem

interferência da razão, prevalecendo o inconsciente. Contribuindo, dessa forma, para o

aparecimento de “fantasia”, “o devaneio”, “loucura”. Em “Macunaíma”, notamos

muitas situações consideradas fantásticas – essas serão discutidas mais adiante -, como

por exemplo:

“Caminhou caminhou caminhou e já perto de Manaus ia

correndo quando o cavalo deu uma topada que arrancou o chão.

No fundo do buraco Macunaíma enxergou uma coisa

relumeando. Cavou depressa e descobriu o resto do deus Marte,

escultura grega achada naquelas paragens inda na Monarquia e

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primeiro-de-abril passado no Araripe de Alencar pelo jornal

chamado Comércio do Amazonas. Estava contemplando aquêle

torso macanudo quando escutou “Baúa!Baúa!”. Era a velha

Ceiucí chegando. Macunaíma esporeou o cardão-pedrez e

depois de perto de Mendoza na Argentina...” (p. 143)

Cabe ressaltar, também, que o próprio personagem Macunaíma é antropofágico,

no sentido de apresentar dentro de si características de várias culturas, tanto a indígena

como a branca como a negra. A antropofagia na obra se faz pelo todo poético.

III. O real maravilhoso

“¿Pero qué es la historia de América toda sino una crónica de lo

real-maravilloso?”

(CARPENTIER, Alejo. El reino de este mundo. versão digital)

No prólogo do libro “O reino deste mundo” Carpentier apresenta o conceito do

real maravilhoso. Para o autor, há um entrecruzamento dos dois termos “real” e

“maravilhoso” por questões culturais, os acontecimentos maravilhosos estão tão

presentes na vida dos latino-americanos que se tornam reais para esses.

“A cada paso hallaba lo real maravilloso. Pero pensaba, además,

que esa presencia y vigencia de lo real maravilloso no era

privilegio único de Haití, sino patrimonio de la América entera,

donde todavía no se ha terminado de establecer, por ejemplo, un

recuento de cosmogonías. Lo real maravilloso se encuentra a

cada paso en las vidas de hombres que inscribieron fechas en la

historia del Continente y dejaron apellidos aún llevados: desde

los buscadores de la Fuente de la Eterna Juventud, de la áurea

ciudad de Manoa, hasta ciertos rebeldes de la primera hora o

ciertos héroes modernos de nuestras guerras de independencia

de tan mitológica traza como la coronela Juana de Azurduy”

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Em contrapartida, o fantástico na literatura direciona a um enfretamento entre o

real e o sobrenatural, fato que não acontece no real maravilhoso, visto que as duas ideias

“real” e “maravilhoso”, pertencem ao mesmo eixo problemático. Para fomentar essa

ideia, citamos trecho do Manifesto Surrealista.

“―Tudo indica a existência de um certo ponto do espírito, onde

vida e morte, real e imaginário, passado e futuro, o comunicável

e o incomunicável, o alto e o baixo, cessam de ser percebidos

como contraditórios. Ora, em vão se procuraria na atividade

surrealista outro móvel que não a esperança de determinar esse

ponto. (BRETON, 1985, p. 98)”

Ainda que Carpentier tente negar alguns pressupostos surrealistas, utiliza muitos

desses para corroborar seu conceito. As maiores divergências entre os dois pensadores –

Carpentier e Breton - estão relacionadas ao entendimento da ruptura ou não ruptura da

realidade em questão. Para os surrealistas, “prender-se” a uma realidade não leva ao

prevalecimento do inconsciente. Por outro lado, Carpentier acredita que, por questões

culturais (pragmáticas), no território americano é possível realizar esse tipo de vínculo

porque os fatos maravilhosos são pertencem ao lugar e às pessoas da região.

IV. Macunaíma e o real maravilhoso

Tratando “Macunaíma” como uma obra brasileira, uma obra latino americana,

tentaremos analisá-la a partir dos conhecimentos de Carpentier sobre o real

maravilhoso. Ao longo do livro, Macunaíma utiliza muito de nossos saberes populares

para explicar a criação de fenômenos da natureza, a história de lugares, etc.

Ademais, devemos ressaltar que o herói pertencia a uma tribo, assim muitas

lendas e elementos de nosso folclore aparecem ao longo da narrativa. Macunaíma

explica a criação do Sol, da Lua, de constelações, por exemplo. Entretanto, como

estamos inseridos no espaço cultural dessa narrativa, somos latino-americanos, e muitas

dessas histórias estão em nosso imaginário, assim, os fatos que se passam podem ser

considerados “reais maravilhosos”.

Assim, por exemplo, a história do Bumba-meu-boi é mais um exemplo de

passagens do “real maravilhoso” na obra. O Bumba-meu-boi é um personagem que

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sempre esteve presente na vida dos brasileiros, sobretudo no norte do país. Como

também no capítulo destinado à macumba, Macunaíma se comunica com uma entidade

da umbanda, outro exemplo de que como esses conhecimentos estão intimamente

ligados ao nossos saberes. Os acontecimentos que poderiam ser considerados “irreais”

são, contudo, perfeitamente possíveis dentro de nossa cultura.

Por outro lado, é interessante ressaltar que a escolha do gênero “rapsódia”

contribui para a formulação dessa ideia, visto que a “rapsódia” são contos populares de

tradição oral. A questão da cultura popular está intimamente conectado a noção do real

maravilhoso, levando em consideração que para Carpentier um dos fatores principais

para distinção entre o “maravilhoso” e o “real maravilhoso” era a tradição cultural.

V. Considerações finais

Por fim, é importante destacar a importância da obra Andradina no cenário

brasileiro, tanto para a introdução de novos aspectos literários, estilo e fazer literário

quanto para a disseminação de traços de nossa cultura.

A cultura brasileira e a cultura latino-americana, no geral, estão mergulhadas em

águas oceânicas onde estão escondidos tesouros, esses são as histórias de nossa cultura.

Quando os elementos “maravilhosos” estão tão intimamente relacionados às pessoas, a

literatura carrega traços do “real maravilhoso”. E é por esse motivo que a obra de

Andrade poderia ser pensada a partir das noções Carpentier.

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Referências bibliográficas

ALVES, Luciane. O real maravilhoso americano: conflitos e contradições na proposta

de Carpentier. versão digital:

http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/29104/000775598.pdf?sequence=1

ANDRADE, Mario. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. São Paulo, Livraria

Martins Editora, 3ª edição.

ANDRADE, Oswald. Manifesto Antropófago. versão digital:

http://www.ufrgs.br/cdrom/oandrade/oandrade.pdf

CARPENTIER, Alejo. El reino de este mundo. versão digital:

http://lahaine.org/amauta/b2-img/Carpentier%20%28El%20reino%20de%20este

%20mundo%29.pdf