Mandinga - 3a edição

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revista eletrônica de poesia & fotografia ano 2, nº3, janeiro-março de 2014 pelotas, rs, brasil

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revista eletrônica de poesia & fotografia

ano 2, nº3, janeiro-março de 2014 pelotas, rs, brasil

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coordenação editorialdaniel moreiraju blasina

jornalista reponsável ediane oliveira

fotografiasraul garré

revisãoduda keiber

design editorialvalder valeirão

contatos

ideias e sacações vicente bottijunelise pequeno martino

ilustraçõesjairo tx

conselho editorialdaniel moreiraduda keiberediane oliveirajairo txju blasinajunelise pequeno martinovalder valeirãovicente botti

ano 2, nº3, janeiro - março de 2014pelotas, rs, brasil

p o e s i a & f o t o g r a fi a

a revista eletrônica mandinga é uma publicação trimestral de poesia & fotografia, editada pelo grupo mandinga.

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Se estas páginas se olhassem no espelho, o que mais elas veriam se não a

fome dos sedentos e a entrega das palavras às coisas e às esquinas em

pedaços que o tempo veda como uma cerca? Encontrariam, - esbarrados pela

força gritante, a estética dos versos cortantes e urgentes de Marília Kosby.

Ficariam com sede dos famintos e de todos os loucos, incomodados e

desesperados descritos na poesia de Rogério Nascente. Ficariam densas,

como num filme não editado ao obsceno brilho do real que jorra em Pedro

Gonzaga. Se essas páginas se olhassem no espelho, as veriam como uma

mulher em pedaços mesclando-se em neva e hálito de pimenta, como a

cafonice do amor sem tempo de Alexandre Vergara. Dá choro, mas dá samba

com o ritmo do passo malemolente que Marina Mara excita a dançar e ouvir. Se

essas páginas se olhassem no espelho, veriam um corpo, maquilado e belo,

tal qual a suavidade tácita de Gabriela Lamas. Intactas e dentro de si, se

constrangeriam com os detalhes do mundo retratados em imagens de Raul

Garré. Diante do espelho, essas páginas permaneceriam. Como uma vida que

já não passa, de decomposição.

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Gabriela Lamas começou a escrever versos não lembra quando, mas lembra de ter lançado,

em 2006, um livreto de poemas com sentimentalismos infantis, o qual distribuiu por sua cidade, São Lourenço do Sul. Só sabe escrever poemizando e só sabe escrever quando quer e só sabe escrever sem pensar em maiores revoluções, mas para si. Nas horas não-vagas se dedica ao cinema.

Pedro Gonzaga é músico, tradutor e escritor. Doutor pela UFRGS, leciona literatura brasileira no

Grupo Unificado. Autor de quatro livros, sendo dois de poesia, sua mais recente obra é Falso Começo, Editora Ardotempo, 2013. Além de ter participado de várias coletâneas de contos, verteu para o português mais de vinte livros, de autores renomeados, como Bukowski, Poe, Agatha Christie, Raymond Chandler, Jack London etc.

Raul Garré é pelotense e começou a se aproximar da fotografia por volta de 2005, mas somente a

partir de 2010 é que envolveu-se mais a fundo com a técnica. Não vive da fotografia, prefere que ela seja uma fuga do dia-a-dia e um motivo pra sair por aí viajando e desbravando. É arte-ativista e empresário, co-criador do madre mia! (resto arte com base em Pelotas) e outros projetos paralelos.

Poesias

Fotografias

Marília Floôr Kosby é poeta, compositora e professora de antropologia. Publicou dois livros

de poemas: Os Baobás do Fim do Mundo (2011) e Siete Colores e Um Pote Cheio de Acasos (2012). É autora do blog literário A Sanga das Patavinas e idealizadora do periódico digital Pandorgas no Paralelo 32º. Nasceu, pela primeira vez, em 1984, na cidade gaúcha de Arroio Grande. Possui endereço residencial em Pelotas/RS, mas mora na estrada.

Marina Mara é brasiliense, nasceu em 30 de março de 1979. É graduada em Comunicação

Social e trabalha como produtora cultural independente. A poeta venceu alguns concursos de poesia, conto e redação, dos quais destacam-se o Prêmio Criatividade 2005, realizado pelo Governo do Distrito Federal e, em 2006, teve sua redação escolhida entre mais de 37 mil textos de todo o

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Alexandre Vergara nasceu em Pelotas em junho de 1978, no ano da Argentina campeã do

mundo, em que a bola da Copa, era Tango. Cresceu e se fez gente tropeçando nas pessoas, nos encuentros e desencuentros das esquinas, nas mulheres, no vinho, nos beijos sem amor. Estudou Schopenhauer com paixão, chorou com a cegueira de Borges, enquanto escrevia seus poemas passionais e existencialistas por instinto, por ninguém. Escreve descrevendo, inserindo-se no contexto, sensual, brutal, irônico, urbano, filho do sul. Seus gritos silenciosos estão em http://ogritoeovacuo.blogspot.com.br.

Rogério Nascente nasceu em 1965, em Pelotas. É poeta e compositor. Advogado e revisor de

textos. Teve seu primeiro poema publicado aos 12 anos e, desde então, nunca mais deixou de se envolver com a poesia – e a literatura de modo geral. Foi sócio-proprietário do jornal cultural Mural do Sul, o qual circulou em Pelotas e na Zona Sul no final dos anos 1990. Colaborador de diversos veículos de mídia ligados à área da cultura. Criador do blog Certas Palavras – onde publica seus textos e divulga trabalhos de outros autores.

país para compor um livro em homenagem ao centenário do vôo do 14 Bis. Em 2009, Marina foi selecionada para o Concurso Nacional de Poesia Cassiano Nunes, realizado pela Universidade de Brasília, Em agosto de 2010, a poeta teve seus poemas traduzidos em espanhol por alunos de Letras da Universidade de Brasília – UnB, por meio do curso de extensão Palavra Viva. Em maio de 2010, Marina Mara lançou seu primeiro livro solo, o Sarau Sanitário.com, que é parte de um projeto homônimo que distribuiu poesia por banheiros públicos e pelo mundo virtual. Em outubro de 2010, Marina produziu o Declame para Drummond, intervenção que levou mil poemas enviados de todo o país à Copacabana – RJ, para homenagear os 108 anos de Carlos Drummond de Andrade. Em junho de 2012, Marina foi convidada a se apresentar na Cúpula dos Povos na Rio +20 (Museu da República, Tenda Ágora Ambiental, Museu de Arte Moderna) e também realizou intervenções poéticas Rio afora, distribuindo cerca de 500 poemas em troca de sorrisos. Em 2013 Marina lançou o curso Profissão Poeta que pretende, de forma prática e descontraída, indicar o caminho das pedras – que haverá no meio do caminho – entre poetas e o público/mercado. Os temas abordados no Curso são: Publicação de poesia, Captação de recursos, Produção independente, Dicas de Palco e Poesia Falada, Divulgação na mídia, Poesia na internet, Estratégias de Marketing, entre outros.

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O corpo tal maçã mordidaApodrecendo sobre a mesaSob a cama.Corpo, maquilado e belo,Exala fedor quando há boca aberta.

Logo ao início da decomposição já não há volta: só se disfarça a doença,o cheiro, a podridão.E pouco a pouco a alma vai fundindo à carneDeteriorando por igual,se não mais.

Até o fim da vidaa vida já não passa de decomposição.

Gabriela Lamas Ciclo

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Olha, faz três dias que o sol não aparece Eu sei, três dias que não toca o telefone

A umidade já escorre nas paredes E a graça se perdeu em meio ao mundo

Mas, Clarissa, não brigues com tudo Não vás gritando sobre o mal que vive o homem

As pessoas se assustam com pouco e teus conflitos têm poder de alarmá-las...

Bem sabes tu o quão mais fácil é viver sem ver!

Um presente para Cristina Gabriela Lamas

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era o casamento de teu amigoe a imagem da festa te devolvecomo num filme não editadoà bruta alegria daquele momentonão temias o que não havias perdidonão respiravas o ar mais densoa constante ameaçaa todo e qualquer refúgioà felicidade precária da tarde de sexoà noite de amor que cedo se evolanem havia esse aperto risívelao perceber que nada durasempre o fomos felizes ontemquando seca a última rolhaamortalhando o humor diáfano do vinhoperdida toda a eternidadeentre a fragrância de bosquesque o tempo veda com uma cercaa que ferozmente te agarrasaté que sangrem teus dedosgordurosas e vermelhas lágrimas

Pedro Gonzaga

A cerca

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quem poderá nos devolver a féfrustrada a manhã do terceiro diaque máquina de razão e vaporserá capaz de nos dar a cegueiraao obsceno brilho do real

disseram -ter certezas é dogmatismomas queriam a fidelidadedisseram -a nova partícula explicaráo segredo do existirmosgirando entre as paredesde um moderno acelerador

e só o que queríamos era outra veza mesma fé esférica e integraldensa e veloz noite de negros sonhos

só o que queríamos era acreditarmais uma vez no amor perdidosem os pactos frios e legaisde uma conferência de naçõescortesia calculada do sexotornado prolongamentos e concavidadesos dois saudosos da antiga religiãopor fim reduzida a uma química eucaristia

pois como não perceberque tudo escolhemos às escurascomo não considerara genuína alegria atrás do acertoque operamos porque operamosporque a vida não é mais que um obscuro corredorque agora desapiedados nos oferecemcomo uma solução feita de luzquando não fora isso o que pedíramos

desejávamos apenas que ao nosso ladoa pessoa recém-desperta fosse feitaainda que uma última vezde matéria carnal e etéreaque voltasse a ser a prova de um prêmioque não fôramos capazes de merecer

Pedro Gonzaga

Prêmio

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Se esta cidade se olhasse no espelhoo que mais ela veriaalém do seu nome escrito ao contrário?

Alternativa um:O pó pregando contra a pedraO branco prazer suado- eu pago bem sem olhar a quem -pisando no pé do preto gozo roubado- a alegria do pobre dura pouco

Alternativa dois:Os peixes entrando pela janela do terceiro andar

Alternativa politicamente correta:Isso tudoe maisumas bocas cheias de culturatorcendo pra que o frio não passecrescendo na geometriade uma dorque os seus garrões não sentem.

Marília Floôr Kosby

A estética da pobreza

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As coordenadas geográficase os cálculos astrológicos

não me mentemmais do que podem iludir

O lado do meu pé que pisa fortee aquele que machuca quando eu ando

são assim do solo onde fui plantada

Me deixaram um pé de forae é com esse que eu caminho

O outro a terra segurouna hora da colheita

Uma luta prá sairUm sacrifício

Entreguei tudo o que eu não tinhafiz promessas ao contrário

apostei nas minhas próprias derrotasDevo até a raiz dos cabelos por todas elas

Minério em gruta abandonadaa minha voz virou grafite

Já que o que eu dizianão se escrevia

Daí em diantepor qualquer lugar que eu ande

deixo escrito quando passoque a minha terra natal

foi um acidente fatal

A la

vour

a de

vis

itas

Marília Floôr Kosby

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Seu sprayDe pimentaDá choro masNão dá sambaDá dó de vocêMas não dáRé em mimE desta vezO povo só dançaPara fazer pajelançaPelo seu fimSua pedraÉ portuguesaA minha éDe responsaSua menteÉ burguesaE cansamosDe pagarSua contaOcuparemosSua mansãoCom a almaE o rosto nusPedindo solenementeQue faça um favorPara essa genteEnfie o caixa doisNo SUS

Marina Mara

Enfia no SUS

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Tudo Parece Maior,Transpondo Pontes, Mares…Tempestades Pairam MomentaneamenteTransformando Paz em Martírio.Talvez Prefira MentirTentando Pulverizar o Mal,Tentando Parecer Mansa,Todavia, Por Mês,Trago Pólvora na Mão,Traindo Piedade e Misericórdia.Tempo Prestes a Mudar…Trincheira Psicológica que Mancha,Temporal Passando MansamenteTrazendo Percepção à Mente.

Marina MaraTPM

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esquina escuraesquina em pedaçosmulher escuramulher em pedaçosmesclam-senévoa e hálito"siempre hay unapara cubrir la que se va"no encontro dessas ruasali estáos saltos não são novosmas altospernas exatasexpostas ao frioe o coraçãoprotegidosob o casaco de pelepuídocomprado no brechó"siempre hay una..."

Alexandre Vergara

Tang

o a

ilusã

o

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o amor vagabundocom cara de fome,de perfume e vodca barata.é o amor dos cotovelosnas mesas dos botecos,de cerveja quente e pouca luz.amor que toca num bolero,amor louco,que acaba na polícia,na notícia.amor de lágrimas borradas,de banheiros, de puteiros,de escadas.é amor de quarto de empregada,de radinho de pilha fraca,sintonizado na AMno amante,no amor pobre e constante.é amor que não é só amor,é posse,é porreé morrer de querere não ter.

do a

mor

caf

ona

Alexandre Vergara

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Rogério Nascente

Tenho o desespero dos ansiosos A ansiedade dos desesperados. Tenho a sede dos famintos A fome dos sedentos. Tenho a pressa dos incomodados A quietude dos decididos. Tenho a loucura dos sãos A sanidade dos loucos. Tenho a fadiga dos mares A leveza dos ventos calmos. Tenho a força das tempestades A preguiça dos fins de tarde. Tenho a voz dos que gritam O silêncio dos que não querem falar. Tenho os olhos dos que veem O olhar dos que, além de ver, querem enxergar. Tenho o correr dos descobridores O passo lento dos que já encontraram. Tenho a garra dos que agitam A paciência dos que deixam acalmar.

Tenho o não ter, o não ser A imensidão...

Tenho a palavra certa A frase incompleta. Tenho medo do escuro Aversão à claridade que expõe.

Tenho este querer Que me acompanha onde vou Tenho este querer Que me conduz a ser o que sou...

Tenho

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Éramos tantos Nas ruas, nos cantos

Éramos tontos...

Éramos tontos Tantos, tantos

A viver de cantos...

Éramos uns Depois alguns

E muitos além...

Talvez uns poucos Talvez uns loucos Talvez ninguém...

Rogério Nascente

Éramos

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a r t e l i t e r a t u r a