MARÇO 2016

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E D I T O R I A L ÓRGÃO DA FUNDAÇÃO CHRISTIANO ROSA DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PIQUETE, MARÇO/2016 - ANO XIX - N o 230 O ESTAFETA Reprodução Vivemos um turbilhão de escândalos políticos. Nossa democracia passa por uma prova de fogo. Sucessivos escândalos de corrupção têm deixado as pessoas hones- tas descrentes com nossa classe política. O que parecia não ter mais jeito vem mudando com o aparecimento no cenário nacional de um jovem juiz que tem se empenhado em colocar na cadeia políticos e poderosos que se julgavam acima da lei. Cansados de assistir ao desmonte da máquina pública por incontáveis denunci- as de corrupção, a população vem se conscientizando de que é necessário dar um basta. A gota d’água que entornou a paci- ência da população foi a Operação Lava Jato, que escancarou grande esquema de cor- rupção atrelado ao governo federal envol- vendo a Petrobras, uma das maiores empre- sas de petróleo do mundo, hoje quebrada em função dessa roubalheira Na política, sempre houve apadri- nhamento a fim de se obter a dita governa- bilidade. Não importam os interesses da sociedade, desde que interesses pessoais e partidários sejam atendidos. Dessa for- ma, o governo obtém o apoio necessário com a distribuição de cargos, comis- sionamentos e outras benesses. Essa prá- tica ocorre em todas as esferas de governo – municipal, estadual ou no federal. Foi o que ocorreu com a Petrobras. Essa forma perniciosa de se fazer política quebrou o país, desencadeando grave crise econômi- ca, inflação e desemprego. A paralisação do país, decorrente de su- cessivos escândalos e denúncias envolven- do figuras emblemática de nossa Repúbli- ca, fez com que a população passasse a manifestar nas ruas a sua indignação. Des- de 2014 que manifestações têm acontecido por todo o país. Cada vez mais, número mai- or de pessoas indignadas com a corrupção e com a classe política saem para protestar. Os clamores das ruas, porém, não sensibili- zaram nossos políticos, que se fazem de surdos. No dia 13 de março deste 2016, milhões de brasileiros foram às ruas em todo o Brasil protestar e bater panelas. Crianças e ido- sos, ricos e pobres, de norte a sul, saíram de verde e amarelo empunhando a bandeira brasileira, cantando o hino nacional e pe- dindo o fim da impunidade, da corrupção e desse governo. As manifestações ocorre- ram de forma surpreendente. Organizados, com disciplina e respeitando as leis, é sur- preendente que as manifestações brasilei- ras, reunindo milhões de pessoas, tenham saldo positivo – nem uma só vitrine quebra- da. Os brasileiros, mesmo revoltados, de- ram exemplo de cidadania, ordem e civilida- de. Isso prova que há formas pacíficas de se unir uma população em torno de uma causa comum. A maioria dos brasileiros sabe con- jugar indignação, protesto e respeito, como comprovaram as manifestações, também or- deiras, ocorridas no dia 18 de março, a favor do governo federal. Isso é democracia! Novas tecnologias, planejamento e pes- soas com valores republicanos definidos estão levando o Brasil a inovar no campo da participação política. O povo nas ruas quer renovação política, o fim da impunida- de e o fortalecimento das instituições de- mocráticas. Nesse momento histórico do Brasil, só o trabalho coordenado entre soci- edade e políticos pode nos tirar desta lama de escárnio e incompetência em que nos vemos atolados. Nas ruas, a população faz história O Brasil vive momentos de incerte- zas. Se até bem pouco tempo o país se orgulhava de ser democrático, dinâmi- co, emergente, com economia sólida e estável – impunha respeito e provocava inveja em muitos países –, hoje se en- contra paralisado. O país dos sonhos mergulhou numa grave crise política, econômica e institucional, que tem na corrupção suas raízes. Por trás dessa corrupção encontram- se políticos, servidores públicos e empreiteiras, que, buscando a qualquer preço chegar ao poder e nele permane- cer, corromperam e se deixaram corrom- per. Numa democracia como a nossa, as duas únicas maneiras de se acabar com essa farra é através da criação de meca- nismos eficientes de controle no com- bate à corrupção e por meio das elei- ções, quando temos a oportunidade de melhor escolher nossos representantes. Democracia, como muitos pensam, não é apenas o direito de votar e ser votado. Precisamos, enquanto cidadãos, nos ma- nifestar e participar da vida política não somente nas urnas, com o voto, mas no dia a dia, especialmente em momentos críticos como os atuais. A corrupção no Brasil encontra-se em níveis inimagináveis e vem destruin- do a Nação. Estamos empobrecendo fi- nanceira e moralmente. A economia está sem rumo, desemprego e inflação cres- cendo, saúde caótica e criminalidade au- mentando. O atual governo não fez o que deveria ser feito, pois sua preocu- pação não é com o país, e sim, com seu projeto de poder. Defende teses parti- dárias e não a do Estado brasileiro. Desgovernado, sem credibilidade em nível nacional e internacional, o Brasil precisa retomar o foco no interesse do coletivo, no desenvolvimento, no cres- cimento, no cuidado com a população. Algo diferente disso é inadmissível. No momento atual predominam a falácia, a mentira, a manipulação de números e o enviesamento para encobrir escândalos de corrupção. A sociedade precisa estar atenta e escolher nas próximas eleições pessoas éticas, com valores morais acima de qual- quer suspeita. O atual momento requer prudência, serenidade e muito trabalho para virarmos essa página. Cansados de assistir ao desmonte da máquina pública por incontáveis denuncias de corrupção, a população vem se conscientizando de que é necessário dar um basta. O povo nas ruas quer renovação política, o fim da corrupção e da impunidade e o fortalecimento das instituições democráticas.

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Edição 230, de Março de 2016, do informativo O ESTAFETA, órgão da Fundação Christiano Rosa, de Piquete/SP.

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E D I T O R I A L

ÓRGÃO DA FUNDAÇÃO CHRISTIANO ROSA

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PIQUETE, MARÇO/2016 - ANO XIX - No 230

O ESTAFETAReprodução

Vivemos um turbilhão de escândalospolíticos. Nossa democracia passa por umaprova de fogo. Sucessivos escândalos decorrupção têm deixado as pessoas hones-tas descrentes com nossa classe política. Oque parecia não ter mais jeito vem mudandocom o aparecimento no cenário nacional deum jovem juiz que tem se empenhado emcolocar na cadeia políticos e poderosos quese julgavam acima da lei.

Cansados de assistir ao desmonte damáquina pública por incontáveis denunci-as de corrupção, a população vem seconscientizando de que é necessário dar umbasta. A gota d’água que entornou a paci-ência da população foi a Operação Lava Jato,que escancarou grande esquema de cor-rupção atrelado ao governo federal envol-vendo a Petrobras, uma das maiores empre-sas de petróleo do mundo, hoje quebradaem função dessa roubalheira

Na política, sempre houve apadri-nhamento a fim de se obter a dita governa-bilidade. Não importam os interesses dasociedade, desde que interesses pessoaise partidários sejam atendidos. Dessa for-ma, o governo obtém o apoio necessáriocom a distribuição de cargos, comis-sionamentos e outras benesses. Essa prá-tica ocorre em todas as esferas de governo– municipal, estadual ou no federal. Foi oque ocorreu com a Petrobras. Essa formaperniciosa de se fazer política quebrou opaís, desencadeando grave crise econômi-ca, inflação e desemprego.

A paralisação do país, decorrente de su-cessivos escândalos e denúncias envolven-do figuras emblemática de nossa Repúbli-ca, fez com que a população passasse amanifestar nas ruas a sua indignação. Des-

de 2014 que manifestações têm acontecidopor todo o país. Cada vez mais, número mai-or de pessoas indignadas com a corrupçãoe com a classe política saem para protestar.Os clamores das ruas, porém, não sensibili-zaram nossos políticos, que se fazem desurdos.

No dia 13 de março deste 2016, milhõesde brasileiros foram às ruas em todo o Brasilprotestar e bater panelas. Crianças e ido-sos, ricos e pobres, de norte a sul, saíram deverde e amarelo empunhando a bandeirabrasileira, cantando o hino nacional e pe-dindo o fim da impunidade, da corrupção edesse governo. As manifestações ocorre-ram de forma surpreendente. Organizados,com disciplina e respeitando as leis, é sur-preendente que as manifestações brasilei-ras, reunindo milhões de pessoas, tenhamsaldo positivo – nem uma só vitrine quebra-da. Os brasileiros, mesmo revoltados, de-ram exemplo de cidadania, ordem e civilida-de. Isso prova que há formas pacíficas dese unir uma população em torno de uma causacomum. A maioria dos brasileiros sabe con-jugar indignação, protesto e respeito, comocomprovaram as manifestações, também or-deiras, ocorridas no dia 18 de março, a favordo governo federal. Isso é democracia!

Novas tecnologias, planejamento e pes-soas com valores republicanos definidosestão levando o Brasil a inovar no campoda participação política. O povo nas ruasquer renovação política, o fim da impunida-de e o fortalecimento das instituições de-mocráticas. Nesse momento histórico doBrasil, só o trabalho coordenado entre soci-edade e políticos pode nos tirar desta lamade escárnio e incompetência em que nosvemos atolados.

Nas ruas, a população faz história

O Brasil vive momentos de incerte-zas. Se até bem pouco tempo o país seorgulhava de ser democrático, dinâmi-co, emergente, com economia sólida eestável – impunha respeito e provocavainveja em muitos países –, hoje se en-contra paralisado. O país dos sonhosmergulhou numa grave crise política,econômica e institucional, que tem nacorrupção suas raízes.

Por trás dessa corrupção encontram-se políticos, servidores públicos eempreiteiras, que, buscando a qualquerpreço chegar ao poder e nele permane-cer, corromperam e se deixaram corrom-per. Numa democracia como a nossa, asduas únicas maneiras de se acabar comessa farra é através da criação de meca-nismos eficientes de controle no com-bate à corrupção e por meio das elei-ções, quando temos a oportunidade demelhor escolher nossos representantes.Democracia, como muitos pensam, nãoé apenas o direito de votar e ser votado.Precisamos, enquanto cidadãos, nos ma-nifestar e participar da vida política nãosomente nas urnas, com o voto, mas nodia a dia, especialmente em momentoscríticos como os atuais.

A corrupção no Brasil encontra-seem níveis inimagináveis e vem destruin-do a Nação. Estamos empobrecendo fi-nanceira e moralmente. A economia estásem rumo, desemprego e inflação cres-cendo, saúde caótica e criminalidade au-mentando. O atual governo não fez oque deveria ser feito, pois sua preocu-pação não é com o país, e sim, com seuprojeto de poder. Defende teses parti-dárias e não a do Estado brasileiro.

Desgovernado, sem credibilidade emnível nacional e internacional, o Brasilprecisa retomar o foco no interesse docoletivo, no desenvolvimento, no cres-cimento, no cuidado com a população.Algo diferente disso é inadmissível. Nomomento atual predominam a falácia, amentira, a manipulação de números e oenviesamento para encobrir escândalosde corrupção.

A sociedade precisa estar atenta eescolher nas próximas eleições pessoaséticas, com valores morais acima de qual-quer suspeita. O atual momento requerprudência, serenidade e muito trabalhopara virarmos essa página.

Cansados de assistir ao desmonte da máquina pública por incontáveis denuncias de corrupção, apopulação vem se conscientizando de que é necessário dar um basta. O povo nas ruas quer renovaçãopolítica, o fim da corrupção e da impunidade e o fortalecimento das instituições democráticas.

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Página 2 Piquete, março de 2016O ESTAFETA

m 31 de março de 1915, o coronelAchilles Pederneiras, diretor da Fábrica de

Pólvora sem Fumaça, passou a diretoria dessa importante in-dústria bélica ao seu sucessor, tenente coronel Affonso de Car-valho. Chegara a Piquete assumindo a direção da Fábrica noinicio de 1909. Cidadão educado e altamente preparado, veiopara colocar em funcionamento a primeira fábrica de pólvoraquímica da América Latina e assim libertar o país da dependên-cia estrangeira. Aqui, o coronel Pederneiras ganhou a simpatiae o respeito não somente dos operários e técnicos que traba-lhavam na Fábrica, mas de toda a população de Piquete.

A cerimônia de transmissão de cargo foi simples, mas to-cante devido à espontaneidade da afeição retribuída ao coro-nel Pederneiras. À noite, a oficialidade, funcionários e famíli-as ofereceram uma festa no casino da Vila da Estrela em ho-menagem ao distinto oficial, que se fez querido de todos pe-los seus atos da justiça e acatamento a todos os seus subal-ternos. O coronel Pederneiras deixou a Fábrica de Piquetepara administrar o Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro. Atin-gia, ainda moço, o apogeu de uma longa carreira. Sua inteli-gência prática e realizadora, e sua dedicação pelo serviço epelas comissões que havia desempenhado lhe garantiram,sempre, brilho especial.

Poucos oficiais do Exército construíram uma fé de ofíciomais honrosa e repleta de comissões distintas. Desde o iníciode sua carreira militar, o coronel Pederneiras mereceu desta-que entre os seus pares pelas excelentes qualidades de cava-lheiro e de soldado, que lhe eram perfeitamente naturais. Oriun-do de uma família ilustre sob a monarquia, desde simplestenente de artilharia começou a ser distinguido com os maishonrosos encargos.

Proclamada a República, o então capitão Pederneirascontinuou a gozar da confiança e da estima dos seus chefes.Em 1893, ao rebentar a revolta, o marechal Floriano Peixotoconfiou-lhe a direção da Intendência Geral da Guerra, queera uma comissão comandada, até então, por coronel ou

general. Passando aquela fase de nossa agitada vidarepublicana, nossa política de aproximação com os Estados

Unidos começava a esboçar-se sob as vistas do Barão do Rio Branco.Foi decidido, então, elevar à categoria de embaixada a nossa legação em Washington,

sendo escolhido o nosso imortal chanceler – o grande Joaquim Nabuco – para representar o Brasil junto à democracia americana. Ao secompor a embaixada, o Barão notou que faltava um adido militar que representasse, nos Estados Unidos, nosso Exército e nossas armas.Convidou, então, o coronel Pederneiras para aquele honroso e delicado cargo.

Em Washington, o coronel Pederneiras se impôs à estima e à consideração da sociedade americana. Amigo de Nabuco, o casalPederneiras tornou-se, também, íntimo de Teodoro Roosevelt, presidente dos Estados Unidos, e de sua família, condição que lhe abriu asportas de todos os palácios públicos e particulares do mundo oficial e da aristocracia americana em Washington.

Estudioso da coisas militares, o governo brasileiro incumbiu-o de uma importante comissão nos Estados Unidos: chefiar a ComissãoBrasileira de Compras, que adquiriu uma fábrica de pólvora sem fumaça a ser instalada em Piquete. Pederneiras entregou-se de corpo e almaa essa tarefa. Pôs ao serviço dessa comissão toda a sua inteligência. Tempos depois, partiu para a Europa, ainda a serviço daquela comissão,visitando as principais fábricas de pólvora em diversos países. Tornou-se um especialista no assunto, e seu nome foi indicado para ser oprimeiro diretor do grande estabelecimento instalado em Piquete.

De volta ao Brasil, consagrou anos seguidos ao fabrico da pólvora sem fumaça e à resolução de importantes problemas técnicos dequímica militar, dos quais resultaram descobertas importantes que elevaram o nome não somente da Fábrica, mas, também da pequena Vila doPiquete.

Em outubro de 1913, o governo brasileiro convidou-o para ciceronear o ex-presidente Theodore Roosevelt e sua família durante umavisita ao Brasil. Foi cumprida uma agenda apertada e estafante em que o coronel Pederneiras e sua esposa foram impecáveis. De volta aPiquete e ao trabalho na Fábrica, atingiu alto grau de perfeição, apesar dos limitados recursos de que dispunha. Essa disposição e resolutividadepara o trabalho levou o governo federal a convidá-lo para a direção do Arsenal de Guerra, no Rio de Janeiro.

Deixou a Fábrica de Pólvora sem Fumaça de Piquete e, em pouco tempo, transformou o Arsenal em um centro fabril militar de primeiraordem. Foi no exercício desse cargo que a morte o colheu, em 13 de maio de 1917. Pertencendo a uma família numerosa e associado pelocasamento a outra família igualmente numerosa, o coronel Pederneiras deixou enlutado grande número de parentes, além de amigos de todasas classes sociais. A Fábrica de Piquete também cobriu-se de luto. Prestaram-lhe as últimas homenagens representantes de oficiais e dooperariado da Fábrica de Pólvora sem Fumaça e do Arsenal de Guerra e diversas autoridades da República: Carlos Eiras, representando oPresidente da República; marechal Caetano de Faria, Ministro da Guerra; Dr. Pandiá Calógeras, Ministro da Fazenda; tenente-coronel Fleuryde Barros, representando o Ministro das Relações Exteriores; Romagueira, pelo Ministro da Aviação, e diversas outras.

O coronel Pederneiras foi um dos maiores nomes de sua época e um dos mais distintos e ilustres oficiais daquele tempo. Deixou seu nomeassociado a um dos maiores empreendimentos do país – a Fábrica de Pólvora sem Fumaça, em Piquete.

O coronel Pederneiras e opresidente dos EUA

Imagem - Memória

O ex-presidente dos Estados Unidos, Theodore Roosevelt,

o Coronel Pederneiras e seu filho, aspirante Amilcar

Pederneiras. Foto de 1913.

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O ESTAFETA Página 3Piquete, março de 2016

Ivan GuimarãesGENTE DA CIDADEGENTE DA CIDADE

Professoras do Grupo Escolar Antônio João

O sotaque carregado nos “erres” e o jei-to despachado entregam-no: é carioca dagema, nascido no bairro de Jacarepaguá, em12 de janeiro de 1935.

Ivan Guimarães Rabello Oliveira é o ca-çula dos três filhos de Salvador Rabello deOliveira e Maria Guimarães de Oliveira. Ainfância e toda a adolescência foram passa-das na então capital da República. Em 1953,ingressou no Exército. A carreira levou-opara Salvador, na Bahia, onde viveu por al-guns anos. Retornando ao Rio de Janeiro,havia a possibilidade de transferência paraManaus. À época, um surto de malária ha-via vitimado um vizinho seu e colega de far-da. “Nada se noticiava, mas sabíamos damorte de companheiros... Meu pai me orien-tou a não aceitar a transferência...”. Poucoantes de ingressar no Exército, Ivan haviaconcluído, como adolescente aprendiz, ocurso de Prótese Dentária. Já como 3º Sar-gento, mas com o diploma de protético, op-tou por não ir para Manaus e se mudar paraSão Paulo, onde iniciou a carreira que seriao seu “ganha-pão” até a aposentadoria. Erao final da década de 1950 e ele se instalouna Vila Sabrina, onde já morava seu irmãomais velho, médico formado no Rio de Ja-neiro, que havia se transferido para a capi-tal paulista e lá se casara.

Ivan tinha sangue artístico: a mãe eraescritora de novelas para a TV MayrinkVeiga... Também os irmãos... Quando peque-nos, descobriram uma escola em Niterói, dooutro lado da Baía da Guanabara, onde po-deriam estudar música gratuitamente... “En-carávamos a barca todos os dias, pois ain-da não havia a Rio-Niterói...”, destaca. “Láaprendi violino, meu irmão violoncelo e mi-nha irmã piano”. Aos domingos, os irmãostocavam juntos em casa e os vizinhos vi-nham à janela para ouvir, conta Ivan... O vi-olino o acompanharia por toda a vida...

Em 1960, em 17 de novembro, Ivan secasou com Rosita Maria Bastos de Oliveira.O casamento lhes deu cinco filhos e novenetos. A veia artística se revelaria em doisdos filhos: o mais velho é luthier estabeleci-do em São Paulo e o mais novo envolvidocom discos de vinil e antiguidades...

Já aposentado, recebeu certa vez um te-lefonema do filho mais velho, à época repre-

sentante comercial que, em suas andançaspelo estado de São Paulo, conhecera a es-posa em Piquete, convidando-o para virmorar aqui. “Eu falava com ele de um ore-lhão no Rio de Janeiro e ele me dizendo queem Piquete havia muitos morros... Aos ri-sos, acostumado à realidade carioca, disse-lhe que com relação aos morros, não have-ria problemas, pois traria um antigo revólverque possuía...”, conta animado.

E foi assim que Piquete ganhou um gran-de violinista... Ivan vendeu sua casa no Riode Janeiro e adquiriu dois imóveis: um emCruzeiro e outro em Piquete... “Foi bom, poiso de Cruzeiro me garante um aluguel pracomplementar a renda...”.

Há cerca de vinte e dois anos em Pique-te, Ivan fez muitos amigos, vários deles li-gados à música... Ele e o som de seu violinosão conhecidos por toda a cidade e região...Toca com amigos em bares, festas, clubes,residências... Mantém, até hoje, uma rotinade apresentações em São Paulo, para ondeviaja pelo menos uma vez por mês para com-promissos de cerca de dez dias... Aos pi-que-tenses que passam pelo RodoviárioTietê avisa que toca no “Paneria”, naqueleterminal de ônibus, pela manhã e à noite,

quando está na capital. Em de-zembro de 2015, Ivan pôde servisto no Jornal Nacional, emimagens capturadas por pas-sageiro de um ônibus que ro-dava enfeitado para o Natal...“Foi uma ótima propagandapra mim...”, afirma.

Aos 81 anos, Ivan man-tém uma disposição invejá-vel refletida em sua alegria edisposição para uma boaconversa... Solicitado a ti-rar uma foto com o violino,toca de imediato “Fale bai-xinho”, versão de “Speaksoftly love”. Privilegiadosos vizinhos!

Crônicas Pitorescas

Palmyro Masiero

A Redação não se responsabiliza pelos artigos assinados.

Diretor Geral:Antônio Carlos Monteiro ChavesJornalista Responsável:Rosi Masiero - Mtd-20.925-86Revisor: Francisco Máximo Ferreira Netto

Redação:Rua Professor Luiz de Castro Pinto, 22Tels.: (12) 3156-1207Correspondência:Caixa Postal no 10 - Piquete SP

Editoração: Marcos R. Rodrigues RamosLaurentino Gonçalves Dias Jr.

Tiragem: 1000 exemplares

O ESTAFETA

Fundado em fevereiro / 1997

Havia uma semana que o marido estavabronqueado com a mulher e ninguém con-seguia consolá-lo ou dar-lhe a ver o sentidoexato daquilo que ela provavelmente lhequisera dizer... O bicho é complexado, ma-soquista, ou está querendo tirar umas fériasda dona dele...

Negócio foi o seguinte...O casal tem dois filhos homens, já casa-

dos, e uma filha de vinte e três anos, soltei-ra, que faz faculdade numa cidade vizinha.Ia e vinha todas as noites, pois trabalhavacomo recepcionista num consultório médi-co durante o dia.

Os coroas ficavam em casa, sentados emsuas respectivas poltronas, curtindo televi-são, até a chegada da moça. Tudo muito cer-tinho, engrenadinho... Vai que um dia a es-posa, talvez influenciada por algum lancede novela, filme, ou por motivo nenhum, sedirigiu ao marido:

– Bem, você não acha que devemos teruma conversa mais séria com a Lucy? Já estácom vinte e três anos e não a vejo com na-morado mais firme, mais positivo... Sai aossábados com a turma... Volta para casa àvezes com um, outras vezes com outro...

– E o que tem isso demais? São colegasdela...

– Eu sei, bem... Mas a Lucy já está emidade de arranjar um namorado com inten-ções mais definitivas, mais futurosas...

– Você está querendo ficar livre de suafilha? – exasperou-se o homem.

– Não é nada disso! Nem de longe issome passou pela ideia... Justamente para obem dela é que toquei no assunto.

– Está muito bem assim. Não tem rabonenhum pra atrapalhar no estudo e por issoestá se saindo otimamente. Não estou pro-penso a entregá-la a nenhum pé-rapadoqualquer!

– E você acha que é isso que estou que-rendo para nossa filhinha?! – agora zanga-da respondeu a mulher.

– Então é isso. Sou da opinião de quedevemos aguardar até que surja um homemdigno, respeitável, gente fina, que realmen-te sirva de marido para ela.

– Não vejo razão para tanto requisito.Sou feliz e não fiquei aguardando nenhumpríncipe encantado...

Foi aí que deu o bode todo!!!

Acordes dissonantes

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O ESTAFETA Piquete, março de 2016Página 4

Em 8 de maio de 1945,a Grande Guerra (2ª) termi-nava.

O término da SegundaGuerra Mundial, entretanto,não trouxe a paz esperada.A comemoração do final da2ª Guerra em 1945 foi gran-de. Contados os mortos eferidos, os que sobrevive-ram voltaram heroicamentee como tal foram recebidos.A conferência de Yalta, vi-zinha do Mar Negro, esti-pulou os acordos entre osvitoriosos em 1945: britâni-cos, franceses, norte-ame-ricanos e russos unidospara derrotar o terrível Hitlere as forças nazistas. Yalta fica na penínsulada Crimeia.

Duas forças emergiam dessa reunião,cuja história atravessa o tempo sob as maisvariadas interpretações e conclusões. Esta-dos Unidos e Rússia, esta liderando umacomposição geopolítica marcante – a UniãoSoviética –, se alocaram em dois campos deforça.

As duas forças emergentes deixavampara trás os dois grandes impérios coloni-ais: a Grã-Bretanha, representada pela In-glaterra, e a França. As antigas colônias seemancipavam, proclamavam suas indepen-dências e modificavam o mundo represen-tado pelos mapas. Entretanto, não sem mui-tas guerras e grandes desafios deixadospelos estatutos coloniais. Guerras essas es-timuladas pelos dois lados de interpretaçãopolítica e econômica: o capitalismo e o soci-alismo. Os líderes em Yalta deixavam já bemvisível o jogo de interesses que emanavadas concepções, cujas bases implicavam emtentar dominar os espaços geográficos eseus conteúdos.

Alargar os domínios territoriais era amotivação dos novos dominadores e estesnão escondiam esse elemento de força. OsEstados Unidos e a União Soviética (URSS- União das Repúblicas Socialistas Soviéti-cas) eram potências bélicas importantes. Asbombas atômicas em Hiroshima e Nagasakiatestavam esse poderio bélico por parte dos

A Guerra Fria

Estados Unidos. Por sua vez, os interessesexpansionistas russos estavam presentes,representados pelo domínio dos países queconstituíam a União Soviética.

A conferência de Yalta contava com aspresenças de W. Churchill, representanteda Grã-Bretanha, de F.D. Roosevelt, dos Es-tados Unidos, e de Joseph Stalin, da URSS,em 4 de fevereiro de 1945, já prevendo ofim iminente do conflito armado, e os ale-mães já praticamente desarticulados e do-minados. Em 17 de julho do mesmo ano, aConferência de Potsdam (Alemanha) con-sagrou as decisões, e já os Estados Uni-dos, em oposição ao expansionismo rus-so-soviético na proposta socialista, arma-vam-se ferozmente.

Enquanto isso, o mesmo acontecia naURSS liderada por Moscou. Assim, a Guer-ra chamada “Fria” era apenas um eufemis-mo para encobrir a terrível luta pelo poderbélico e político que se marcava por muitoódio e sangue derramado.

A Alemanha, derrotada no final da 2ª Gran-de Guerra, acabou dividida entre as quatroprincipais potências: os EUA, a URSS, a Grã-Bretanha e a França, esta ainda se desvenci-lhando das tropas de ocupação alemã.

Em Berlim, um muro dividia a cidade emduas partes: a ocidental e a oriental. A pri-meira, subdividida como zonas de influên-cia das potências vencedoras: americana,inglesa e francesa, e a outra sob domínio

russo-soviético. Um muroemblemático da luta entre osvencedores capitalistas, oci-dentais, e o socialista dolado oriental. Um mundonovo emergia, cheio de con-tradições. Contradições àbase de lutas políticas nasorganizações mundiais,como a ONU, e nos relatosda espionagem lado a lado.

Histórias cruentas per-mearam esses acontecimen-tos. As narrativas sobre oscampos de concentração ali-mentaram o trauma dos ju-deus perseguidos pelo na-zismo, e o fazem até hoje. Oscomentários sobre os efei-

tos nefastos das explosões atômicas fazemoutro tanto.

Guerras locais e regionais eclodem nomundo trazendo no seu bojo consequênciasdas duas Grandes Guerras, além das trau-máticas experiências do fenômeno de con-quista de mercado e espaços de poder. Ascolônias passaram a articular as indepen-dências e tudo parecia desordenado. O es-paço de poder tornado bipolar. Os desafiosmultiplicados no pós-guerra.

Os acontecimentos hoje narrados porespecialistas político-econômicos põem àsclaras a sequência dolorosa desses proces-sos. A literatura os enriquece como uma ex-pressão pós-colonial, dando voz aos anti-gos habitantes da terra que lhes foi tomadapor interesses políticos e econômicos emnome de uma imposição de valores imperia-listas. Reagem com uma linguagem novatransculturada que lhes fora imposta.

A transcultura é hoje a principal marcados países asiáticos, africanos e centro-sul-americanos. As artes em geral são um espe-lho desse posicionamento, particularmentenum cinema distante do hollywoodiano. Omundo colonial se desmantelou, mas a pazestá longe de ser alcançada.

Dóli de Castro Ferreira

É mais fácil mobilizar os homens para a guerra do que para a paz. Ao longo da história, a

humanidade sempre foi levada a considerar a guerra como o meio mais eficaz de resolução de

conflitos, e sempre os que governaram se serviram dos breves intervalos de paz para a

preparação das guerras futuras. Mas foi sempre em nome da paz que todas as guerras

foram declaradas.José Saramago

Da esquerda para a direita: Churchill,Roosevelt e Stalin por ocasião da Conferênciade Paz de Yalta, na Crimeia (Ucrânia), quandoforam definidas as fronteiras do pós-guerra.

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O ESTAFETA Página 5Piquete, março de 2016

Poetas são seres estranhos. Nos dias dehoje, aprendemos um pouco sobre coisasabsurdamente fantásticas, como se fora no-vidade. Óculos de realidade virtual, ambi-entes virtuais, coisas de computadores quenos fazem viajar para outros lugares. Senta-dos numa cadeira e sem sair do lugar. Masos poetas – os poetas, caro amigo, caraamiga – eles mesmos, já faziam isso na Gréciaantiga, em Roma, na Inglaterra ou aqui emterras pindoramas.

Poeta tem um cérebro diferente. Ele é doi-do, retardado, maluco e admirável. Ele temuns óculos invisíveis de raios-X e os usa temmuito tempo. Um superman atemporal comsua visão que vara paredes, vê sonhos e en-xerga além do tempo. Poeta tem o olho detandera. A visão além do alcance. Quandoele escreve é transcendental. O galho secofica florido e o cansaço e as agruras se trans-formam em êxtase. Num momento, ele, pere-grino, vencido, exausto e quase morto, pas-sa a ver pássaros flores e cores. A dor se vai,o cansaço some e a vida se expande.

O poeta vê o coração da mulher, o amor

da musa e a paixão da alma. O poeta não éhomem. É sempre mulher. Pensa em parale-lo. O poeta sobe a montanha para surpreen-der o sol antes de o sol nascer. O poeta vê oamor no guarda-roupas quando o paletó emseu cabide enlaça o vestido jogado despro-positadamente na sofreguidão e pressa deuma paixão. O poeta, meu querido, não vê otrem em movimento, mas as casas que vãopassando ao lhe ver passar. Vê cores estra-nhas jamais vistas como no capim rosa-chá.

O poeta se lembra dos detalhes. Sabesempre que tinha uma pedra no meio do ca-minho mesmo com as retinas tão fatigadas.Um poeta sabe proteger a amada. Tem peitode remador e se posta na porta com umaespada para proteger o grande amor. Sabefazer coisinhas para agradar a mulher ama-da e beberica uma cachaça de rolha como sefosse um mero mortal. Um poeta de verdadesabe que mister é ser um homem de uma sómulher, mesmo quando ele teve muitas, poiso amor não é imortal, posto que é chama,mas é infinito enquanto dura.

Um poeta é amante da lua e filho do sol.

Esse ser do outro mundo, do mundo da lua,o poeta, apesar de ser o maior dos homenssabe reconhecer sua pequenez. É reles, por-co, vil, parasita e sujo. Ama como ama oamor e não conhece outra razão para amarsenão amar. O poeta, ainda que surdo e cego,tem sentidos aguçados. Ouve passar o ven-to e tem em si todos os sonhos do mundo. Eo poeta tem a música porque sabe que acanção é uma poesia ajudada.

O poeta inventa palavras e tem esse luxo.Sabe o poeta que a gente carece de fingir àsvezes que raiva tem, mas raiva mesmo nun-ca se deve de tolerar de ter. Poeta não temraiva direta. Quando a tem, se vira em ver-sos. O poeta ama pessoas e coisas, planetase estrelas e é bem capaz de dizer que amapara entendê-las! Pois só quem ama pode terouvido capaz de ouvir e de entender estre-las. Um poeta bilaquizasse com as estrelas.

E usando de muitos dos poetas nessetexto, se é que você os vê, abuso em dizer:Ah, como eu queria ser poeta! Tenhoquerimento de poetizar-me.

Luiz Flávio Rodrigues

Querimento de poetizar-me

Os homens da ExpediçãoGomes Carneiro - Cândido Ron-don dormiam depois de um diapenoso enfrentando a mata.

De repente, a noite se enchede sons. Aves cantando a essahora?

São índios bororos que seaproximam.

– Vamos bater em retirada.Pergunta: Por que homens

armados e treinados batem emretirada?

Responde o Comandante: Aterra é dos índios, nós somosinvasores.

O órgão do Governo encarregado decuidar dos interesses dos índios é a Funai– Fundação Nacional do Índio – do PoderExecutivo.

No Brasil, ainda existem tribos isoladas.A Funai optou por não estabelecer contatocom elas. Apenas cuida para que estranhosnão adentrem seu território.

Às tribos que já mantêm contato com acomunidade nacional a Funai prestaassistência.

Pouco a pouco, os índios vão as-sumindo sua condição de membros dacomunidade brasileira, principalmente naeducação, na saúde e na produção dealimentos.

O ensino bilíngue, o esforço paraguardar as tradições, têm produzido bonsfrutos.

Falta uma providência fundamentadanos bons resultados obtidos porabnegados que aqui e ali criam métodos

Somos nós os invasores

eficazes para conduzir à gestão inde-pendente da vida nas aldeias.

A Universidade Federal, situada na áreaem que estão maior número de aldeiaindígenas, poderia encarregar-se de umaEscola Técnica de Ensino Médio come-çando pelas áreas mais importantes:Magistério, Enfermagem e Agricultura. Emregime de internato, com ambiente apro-priado aos costumes indígenas, o esta-belecimento poderia receber estudantesindígenas de todo o país.

Outro item que não pode ser des-prezado é o da mineração em terrasindígenas. O subsolo é federal, sabemos,mas minas não podem ficar alimentando aambição de pessoas inescrupulosas quecercam as aldeias.

Por incrível que pareça, o processo dedemarcação e homologação das terrasindígenas ainda não está concluído nestepaís.

Neste momento, os indígenasbrasileiros estão preocupadoscom a possibilidade da mudança– não mais o Poder Executivo,mas o Congresso Nacional seencarregaria da demarcação ehomologação das terras.

Anos e anos as aldeiasindígenas eram cercadas apenaspor pobres posseiros. E o Go-verno não resolveu o pro-blema.Imaginemos agora índios, pos-seiros, produtores rurais e MST– Movimento dos Traba-lhadores Sem Terra, disputandouma área através dos discursos

de seus deputados e senadores.Há denúncias de irregularidades na

distribuição de terras da Reforma Agrária.Até funcionários públicos receberam áreasque formam grandes fazendas.

Os agropecuaristas que sobem do sul edo sudeste vendem suas propriedades paracomprar outras mais baratas no Centrão. Ogrande problema está nos Cartórios quenem sempre podem garantir ao compradorquem realmente é o dono da área.

Os índios estão certos. A transferênciavai ser de grande prejuízo para eles.

Então só nos resta pedir a cadabrasileiro que não é índio:

Tenha a lucidez de Gomes Carneiro eCândido Rondon.

A terra é dos índios. Nós somos osinvasores. Abigayl Lea da Silva

“Índios Bororos”, cerca de 1880. Reproduçãode fotografia de Marc Ferrez, do AcervoInstituto Moreira Salles

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O ESTAFETAPágina 6 Piquete, março de 2016

É golpe!Rafael Domingues de Lima

Tendo em conta a velocidade que osfatos políticos alcançaram nos últimos dias,é preciso localizar este artigo em data exa-ta: escrevo-o na noite de 19 de março. Atéagora, levando em conta tudo o que se sabea respeito de Dilma, não há motivo justoque legitime o impedimento da presidente.Portanto, toda a agitação de parcelas dasclasses média e alta, da imprensa, do Judi-ciário e do Congresso não tem outro nomesenão golpe.

O impedimento de governantes é, sim,um dispositivo democrático. Segundo aConstituição, após comprovação de crimepraticado pelo chefe do Executivo, o Con-gresso deve analisar a questão e, em casode aprovação por mais de dois terços daCâmara e do Senado, afastar o presidenteem questão. No entanto, tratando-se deDilma, tem-se ignorado por completo a or-dem lógica dos acontecimentos. Muito an-tes que qualquer fato indicasse crime porparte da presidente, a oposição e setoresoportunistas da base do governo já busca-vam, através de justificativas absolutamen-te frágeis, afastar a presidente do cargo.Desde a reeleição de Dilma, essa tropa pro-cura uma bala de prata que possa servir depretexto para a derrubada o governo.

As motivações por trás do golpe sãovariadas e cada grupo golpista tem a sua. Agrande mídia nunca simpatizou com o PT esempre teve calafrios com as propostaspetistas de democratização da mídia – mes-mo que a pauta, por pressão dos lobistas ecovardia do governo, nunca tenha avança-do. O Congresso, ao que parece, rebelou-secontra a política de negociação de Dilma.PMDB e outros partidos com vocação fisi-ológica seguem descontentes com seus es-paços dentro do Estado. E quanto à classemédia, ao menos desde a chegada de Lulaao poder, nunca engoliu o petismo. Aindahá o que se estudar a respeito, mas o fato éque os programas sociais do governo en-contram resistência visceral nesses setoresmédios e altos. Mesmo nos momentos demaior aprovação do governo nesses estra-tos, o Bolsa Família e as cotas universitári-as, por exemplo, seguiam sendo razão denariz torcido.

Juntamente com o descontentamentodessas parcelas, o Judiciário veio, nas últi-mas semanas, arrancar a máscara republica-na da operação Lava Jato para praticar, semconstrangimentos, perseguição sistemáticae ilegal contra Lula, Dilma e o governo. Acondução coercitiva do ex-presidente, a ten-tativa dos promotores de São Paulo decolocá-lo na cadeia baseados em justificati-vas patéticas e a divulgação de conversasentre Lula e políticos do governo são açõesque violam o Estado Democrático de Direitoe que demonstram a necessidade urgentede profunda reforma no modus operandi doJudiciário.

Por fim, o barco golpista navega em altavelocidade, mas sem rumo. As credenciaisde um eventual Governo Temer estão da-das: a se julgar pelas políticas gerais dosmanifestantes e o estado da economia, essegoverno tende a ser de retrocesso brutal emdireitos trabalhistas, sociais e civis. A his-tória é sempre implacável e há de julgar anós todos. Aguardemos.

A atual FPV (inicialmente Fábrica de Pólvora sem Fumaça), filial nº 01 do grupoIMBEL (criado em 1975), não ostenta mais a imponência que teve ao longo de quasesetenta anos. Continua, no entanto, sendo a única indústria de porte em Piquete emerece todo o respeito e o carinho dos piquetenses. É por meio da FPV que se sustentam,ainda, inúmeras famílias em nossa cidade...

A história da "Fábrica", como é carinhosamente conhecida, e a história de Piquetese confundem. Ouso afirmar que Piquete não existiria ou nossa história seria muito maispobre se não fossem as obras militares daquele início de século – batalhão militar deLorena, estrada de ferro, sanatório militar e uma Fábrica de Pólvoras, que fizeram parte de

um vitorioso projetode modernização doExército que alterou,definitivamente, Pi-quete e a região.

Nos 107 anos daFPV, uma imagem re-cente do prédio em quefoi assinada, no dia 15de março de 1909, a atade inauguração do queera, à época, a maior emais moderna fábricade pólvora da AméricaLatina.

Todo respeito à FPV! Todo carinho à FPV!Parabéns a todos os funcionários e à atual direção!

Feliz aniversário, Fábrica Presidente Vargas!

Paulo Freire, descanse em paz!O texto dessa edição com certeza pro-

vocará reflexões, talvez polêmica e, quemsabe, indignação. Mas o momento parecepropício. Falar de Paulo Freire, de maneirageral, causa euforia. Pois bem... Vamos lá.

Paulo Freire, de acordo com a Lei12.612, promulgada em 2012, é o Patronoda Educação Brasileira. Isso muito me in-comoda, pois esse dito “educador” nãoera licenciado, ou seja, não tinha forma-ção para atuação como professor. Era for-mado em direito e tinha pensamentoassumidamente marxista. Um opinionistaideológico, que defendia declaradamentea utopia comunista.

O famoso método de alfabetização Pau-lo Freire, segundo estudos históricos(David Gueiro Vieira - UNB), é um plágio.O método, criado em 1915, é, na verdade,de autoria de Laubach, um norte-america-no, e foi desenvolvido nas Filipinas. NoBrasil, foi introduzido pelo próprioLaubach, em 1943. Logo após a estada deLaubach no Brasil, Paulo Freire lançou assuas cartilhas de alfabetização commetodologia idênticas as de Laubach, semnunca ter referenciado ou citado o verda-deiro criador do método. Isso, por si só, odescredencia como patrono e tambémcomo autor de tantas e famosas obras.

Fora isso, as obras de Freire sãoentediosas pela natureza de sua linguagemrebuscada, retórica e prolixa na tentativa

de esconder sua fragilidade científica, poisseus textos nada mais são do que generali-zações sem nenhum rigor acadêmico. Usae abusa de expressões como oprimido,opressor, proletariado, liberdade, luta declasses, ricos e pobres e por aí vai. Em seusensaios “teóricos”, Freire deixou clara suaadmiração por Fidel Castro e tantos outrosda mesma extirpe.

Ah... Mas, talvez muitos não saibam,Paulo Freire é fonte de estudo primordialnos cursos de formação de professorespara atuação na educação básica. Ao in-vés de aprenderem como se ensina, comosão feitos, efetivamente, um planejamen-to e uma avaliação, os jovens professoresviajam pelo discurso comunista. E, pior,alguns passam a crer em Paulo Freire e a“idolatrá-lo”.

Não tenho nada contra a pessoa dePaulo Freire, pois as crenças pessoais de-vem ser respeitadas, mas torná-lo Patronoda Educação e uma das principais fontesde estudos nos cursos de formação dosprofessores brasileiros é, sem dúvida, umadas razões pelas quais nossa educação estáentre as piores. Por isso, fica meu apelopara que deixemos Paulo Freire descansarem paz, assim como suas opiniões, genera-lizações e crenças. Precisamos de evidên-cias científicas e experiências de sucessopara balizar a educação brasileira.

Laura Chaves

Foto Arquivo Pró-Memória

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O ESTAFETAPiquete, mrço de 2016 Página 7

Meia-noite de terça-feira de Carnaval: afolia encerrava-se. Nem um minuto a mais,pois nesse momento terminava o entrudo(termo usado para designar o Carnaval pri-mitivo) e começava o período de penitên-cia. Nada de festas, de músicas alegres, debailes e ruídos excessivos.

O gramofone e mais tarde avitrola eram recobertos por umpano preto, assim como nasigrejas as imagens eram vela-das por um pano roxo.

Quarenta dias mudos. Asespingardas, depois de devida-mente azeitadas, eram pendu-radas de boca para baixo, nofumeiro, com rolhas de palha ta-pando seus canos para evitar aentrada de marimbondos. Queos gaviões acabassem com ospintos no terreiro. Era a Qua-resma, tempo de respeito, abs-tinência, luto e dor, e qualquercoisa que transgredisse essepreceito era tida como pecado.

Nessa Quarta-feira de cinzas, à noite,depois da Via-Sacra, havia a cerimônia daimposição das cinzas nas testas dos fiéis.

A cinza era o produto queimado das pal-mas do Domingo de Ramos do ano anterior.

Daí em diante, todas as quartas-feiras,sextas e domingos havia Via-Sacra na ma-triz. Concorridíssimas. Às quartas e sextas-feiras, jejum e abstinência – penitências ne-cessárias em preparação às comemoraçõesda Semana Santa.

Domingo de Ramos – dia em que se co-memora a entrada triunfal de Jesus em Jeru-salém. A igreja repleta de fiéis. Pela manhã, aprocissão de ramos. À tarde, a procissão doEncontro. Em outros lugares, essa procis-são é realizada na terça-feira. Aqui, não sesabe por quê, ela era no Domingo de Ra-mos.

Lá da igreja de São José saía a imagemde Nossa Senhora das Dores; da Matriz saíaa imagem do Senhor dos Passos, carregan-do a cruz. Encontravam-se na Praça da Ca-deia. O orador sacro, de um púlpito, falavasobre o significado da cerimônia.

Quinta-feira Santa. Pela manhã missa fes-tiva pela instituição da Eucaristia. O coro sópodia cantar em latim. À tarde, a tocantecerimônia do Lava-pés: 12 meninos vesti-dos de apóstolos, descalços, deixavam oministro lavar-lhes os pés, após o que rece-biam uma pequena garrafa de vinho e umpão simbolizando o sangue e o corpo deCristo. Após essa cerimônia havia a procis-são interna do Santíssimo, que era encerra-do numa urna fora do presbitério da igreja e

Quaresma e Semana Santa em Piqueteadorado durante toda noite pelos fiéis.

Terminava essa vigília pela manhã desexta-feira, com a missa dos Pré-santifica-dos. Às 15 horas, Via-Sacra solene, a ceri-mônia da Descida da Cruz e o início dobeijamento.

Por essa hora a cidade estava de lutocompleto. A fábrica emudecida, as locomo-tivas com seus apitos amarrados e o povocom ar solene, cabisbaixo, não ousando le-vantar a voz.

As barraquinhas do “seu” João Roquee de Dona Laura, armadas na praça em fren-te à matriz só vendiam bolinhos de baca-lhau e pastéis de palmito. O mata-bicho es-tava proibido.

Numa só refeição obrigada pelo jejum, aabstinência de carne era rigorosamente ob-servada. Só animais de sangue frio: peixeou camarão. Também eram servidos paçocade amendoim e pinhão cozido, preparadosna véspera, já que as famílias mais ortodo-xas apagavam seus fogões ao meio dia dequinta-feira, quando se encerrava qualqueratividade de trabalho.

A procissão do Senhor Morto era o má-ximo em espetáculo de fé e respeito. A músi-ca, a mais apropriada possível, só marchasfúnebres. A banda procurava esmerar-se.Encerrada a procissão, continuava obeijamento.

A par dessas solenidades oficiais da Igre-ja, havia as romarias ao Santo Cruzeiro. Du-rante o dia e a noite de sexta-feira, famíliasinteiras subiam o morro, cada pessoa carre-gando, por penitência, uma pedra apanha-da na rua.

Os fazedores do Judas já se empenha-vam na confecção do “Traidor”, cada qualprocurando imitar uma pessoa ou autorida-de, numa crítica muda, mas sobremaneira au-têntica, que terminava ao meio dia de sába-do, quando era malhado, rasgado e queima-

do pela população.Mas ainda não chegamos lá. Isso só iria

acontecer ao meio dia.Pela manhã do Sábado da Aleluia, na igre-

ja aconteciam várias cerimônias. Começa-vam pela Bênção do Fogo Novo, quando

eram apagadas todas as ve-las do templo, assim como alâmpada do sacrário, e o ofi-ciante iria acender à porta daigreja, com fogo natural, istoé, com brasa assoprada atéfazer uma pequena chama, umcírio de cera pura, e com essapequena vela seriam acesastodas as velas do templo.

Em seguida vinham a bên-ção da água e a ladainha detodos os Santos e termina-va-se com a Missa da Aleluia,ao meio-dia. Nessa hora eradescerrado um pano pretoque encobria o altar, os sinosrepicavam e os foguetes su-

biam enquanto o coro entoava alegre o “Gló-ria a Deus nas alturas”.

Lá fora, as máquinas apitavam e amolecada procurava o judas, cada grupotendo em vista, de antemão, qual deverialhe caber para a malhação de praxe. Após amalhação e o estouro das bombas coloca-das nos intestinos do judas, os meninossaíam em magotes, tirando a aleluia. Iam devenda em venda gritando “aleluia, aleluia,peixe no prato e farinha na cuia”, pedindobalas, pinhões e dinheiro. Quando algumnegociante mais liberal jogava um punha-do de moedas, formava-se um bolo de mo-leques, cada qual procurando apanhar mai-or número de níqueis e quase sempre ha-via escoriações mais ou menos graves.Outras vezes, quando se encontravam gru-pos mutuamente antipatizados por antigasrixas ou por bairrismo, havia sopapos ge-neralizados.

Terminada a Aleluia de rua, os comentá-rios: “Lá no seu Joaquim Serafim eu pegueiseiscentos reis, que vão dar para eu ir aocinema duas vezes”. Outro: “Eu só pegueipinhão e bala além de um tombo que meescalabrou o joelho”.

Às 19 horas, na matriz, a coroação deNossa Senhora por um grupo de meninasvestidas de anjos e cumprimentos alegrespela Ressureição do Senhor. E as festas iamaté a madrugada do Domingo da Ressurrei-ção. A banda de música, já então executan-do marchas alegres, e o povo como que res-surgido para uma nova fase da vida.

Carlos Vieira Soares

Celebre a vida nova e realize novos sonhos! Construa esperanças para novos projetos com os pés firmes rumo ao

novo tempo! Viva a cada dia uma nova ressurreição, deixando o homem velho morrer e permitindo-se esvaziar

o sepulcro e construir nova morada para o homem novo. Feliz Páscoa!

Foto Arquivo Pró-Memória

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O ESTAFETA Piquete, março de 2016Página 8

Estamos vivendo a mais grave crisedos últimos tempos em nosso País. Desdeque Dilma Rousseff foi democraticamentereeleita Presidenta da República do Bra-sil, houve revolta por parte dos que foramderrotados nas urnas e não conseguiramassimilar tal fato.

Os governos do PT não foram isentosde desvios. Não deixaram de cometer errose equívocos. Todos nós temos críticas econsciência de que nem tudo foi perfeitocomo vemos nas propagandas partidáriasproduzidas pelos melhores marqueteirosdeste país. Sabemos que houve corrupção,que não foram realizadas as reformas debase tão necessárias para a modernizaçãodo Estado, que o PT se distanciou dos mo-vimentos sociais e deixou a desejar no quese refere às demandas desses movimentos,como a tão sonhada reforma agrária. Nos-so Brasil continua a ser o país dos latifún-dios e do agronegócio.

Não há, porém, como negar que o Bra-sil passou, nos últimos anos, por um pro-cesso que jamais havia acontecido em suahistória. O Estado, ainda que muito timida-mente e sem romper as velhas estruturasinjustas que sempre segregaram ricos e po-bres neste país, passou a cuidar dos me-nos favorecidos. Os pobres, que semprenasceram, viveram e morreram na desespe-rança, começaram a poder sonhar. Come-çaram a ver seus filhos ascendendo social-mente, conquistando diplomas universitá-rios, disputando postos de trabalhos an-tes reservados apenas para os filhos dosmais abastados, com raras exceções. Co-meçaram a ver seus filhos poderem ir estu-dar no exterior, coisa inimagi-nável temposatrás. Aqueles que migraram para o sudes-te em paus de arara fugindo da carestia eda seca nordestinas hoje veem seus filhose netos visitando a terra de origem comoturistas, embarcando e desembarcando

nos aeroportos. O povo da roça que até hápouco tempo precisava acordar e dormircom as galinhas para aproveitar a luz dosol e tinha as noites iluminadas porlamparinas que deixavam as pobres casas,muitas vezes de pau a pique, fedendo aquerosene queimado, passou a ter luz elé-trica. Isso tudo foi um avanço que nós, quejá nascemos iluminados pela eletricidade,nem conseguimos mensurar. Milhões debrasileiros e brasileiras, a maioria crianças,foram retirados da situação de extrema po-breza por meio de um programa elogiado eapresentado ao mundo como modelo de de-senvolvimento social pela Organização dasNações Unidas – o Bolsa Família.

O que vemos no Brasil, hoje, é uma crisecriada e alimentada por um rancor acumula-do nas classes mais abastadas contra esseprocesso de ascensão social da parcela maispobre da população brasileira. Não queremdividir espaço nas universidades, nosshopping centers, nos aeroportos. Não gos-tam de ver o pobre andando com seu carri-nho nas avenidas, nas rodovias. Perceboisso quando pego estrada com meu fus-quinha: os mais ricos, com seus carrões,quase me jogam para fora. Buzinam enfure-cidamente, como se dissessem: saia, seupobretão, aqui não é seu lugar! Um horror.Esse ódio é alimentado na sociedade porgrupos que possuem interesses econômi-cos em nosso país. São as grandes corpo-rações e as potências internacionais quealmejam ardentemente a desestabilização denossa sociedade, para que possam implan-tar aqui um estado neoliberal que não inter-venha na economia, não coloque limites aomercado, flexibilize regras trabalhistas, aca-be com as políticas sociais, não demarqueterras indígenas, não realize a reforma agrá-ria. São os que impõem que se impeça a in-serção dos negros, da classe LGBT, dasmulheres, dos demais grupos sociais histo-

ricamente considerados cidadãos de segun-da categoria. São os que trabalham e arqui-tetam o retorno da antiga ordem, que os pos-sibilita eternizar em nosso país as con-dições de subalternidade e de colonialismoque sempre vergaram o povo ao longo denossa história.

Hoje vemos concretizar-se, aos poucos,um duro golpe em nossa democracia. Re-presentantes da extrema direita e gruposmais reacionários às mudanças sociais vãose articulando. Hipocritamente, se apresen-tam ao povo, por meio de uma mídiagolpista, que sustentou a popularidade dasanguinária e corrupta ditadura militar pormais de vinte anos, como os guardiões damoral e dos bons costumes, contra o impé-rio da corrupção e do desmando, que, se-gundo essa gente inescrupulosa, foi fun-dado pelo PT.

Sabemos que a corrupção sempre foisistêmica em nosso País. Os militares,Sarney, Collor, FHC nunca foram exemplosa serem seguidos por quem deseja se pau-tar pela honestidade e a ética. PMDB, PSDB,DEM e demais partidos que buscam impe-dir a presidente Dilma não possuem autori-dade moral para realizar tal empreitada. Es-tão todos enlameados por escândalos decorrupção. Esperemos que o poder Judiciá-rio possa recuperar a capacidade de julgaros fatos com isenção, que seja superada apolitização da justiça, que pune e condenaos petistas e faz vistas grossas às gravesdenúncias contra políticos de oposição aogoverno. Que nossa jovem democracia so-breviva aos ataques vis que vem sofrendo!Que o estado de direito não seja substituí-do por um estado policial e midiático, emque as pessoas não têm o direito de ampladefesa e a presunção de inocência garanti-dos! Que saiamos desse período ainda maisdemocratas e politizados!

Pe. Fabrício Beckmann

No dia 9 de março de 1900, umagrande tromba d’água caiu sobrea Vila Vieira do Piquete causandoprejuízo a seus habitantes, des-truindo casas e estragando con-sideravelmente as plantações.“Essa tromba d’água tudo arras-tou à sua passagem. Dado o gran-de desnível de Piquete, a zona quemais sofreu foi a do Poço Fundo.Aí, à exceção da casa de DonaAlexandrina, todas as moradiasforam destruídas. A impetuosida-de da água tudo devastou”.

A fúria da natureza foi tãogrande, que foi noticiada em jor-nais da região como citado acima,além de jornais de São Paulo e do Rio deJaneiro. Nos dias subsequentes a esse de-sastre natural, os jornais noticiavam que aSuperintendência de Obras Públicas do Es-tado de São Paulo enviaria técnicos paraavaliar os estragos causados pela inunda-ção do Rio Piquete nas estradas e pontespertencentes ao estado.

Pelo exposto, nem é bom imaginar o queuma chuva como aquela de março de 1900causaria se caísse sobre a cidade nos diasde hoje. Naquela ocasião havia apenas pou-co mais de cem casas na zona urbana domunicípio.

Localizada num fundo de vale, a cidade

As enchentes do Rio Piquete

Enchente do Ribeirão do Sertão na década de 1940

Que sobreviva a nossa jovem democracia!

cresceu ao longo do Rio Piquete. A mataciliar foi destruída e encostas foramdesmatadas, o que facilita a rápida drena-gem das águas das chuvas para a calha prin-cipal do corpo d’água que corre em veloci-dade muito maior quando de fortes chuvas,causando as enchentes. Na história do mu-nicípio, temos registradas grandes enchen-tes ao longo de todo o século 20. Essas en-chentes tendem a aumentar de intensidadedevido ao afunilamento das margens comparedões, residências e outras construçõesque concorrem para maior velocidade eturbilhonamento das águas.

Não podemos nos esquecer de que as

margens dos rios e as várzeassão áreas de preservação, es-paços naturais de que as águasprecisam para se expandirquando ocorrem grandes pre-cipitações. Os rios são dinâ-micos e vivos e podem, a qual-quer momento, ocupar os es-paços que são seus natural-mente. Assim, aquele rio apa-rentemente inofensivo pode,em poucos minutos, colocarmoradores de áreas ribeirinhasem risco, como o ocorrido nodia 16 de março deste ano,quando, após três horas dechuva intensa, os ribeirões

Sertão e Benfica, formadores do Rio Pique-te, transbordaram e deixaram cerca de trintafamílias desalojadas. Casas, postes e murosde arrimo foram destruídos.

Piquete mantém a condição de alerta naperspectivas de novas enxurradas. Apesardos problemas, a cidade comemorou o fatode não haver, de acordo com a Defesa Civil,registro de feridos. Além da Vila Eleotério,os bairros Vila Celeste, Vila Cristiana, BelaVista e Centro tiveram alagamentos. A ave-nida Major Pedro, à entrada da cidade, vi-rou um braço do Rio Piquete. Além dos es-tragos na cidade, pontes na zona rural fo-ram destruídas.

Foto Arquivo Pró-Memória