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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MARIA CLARETH GONÇALVES REIS ESCOLA E CONTEXTO SOCIAL: UM ESTUDO DE PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE RACIAL NUMA COMUNIDADE REMANESCENTE DE QUILOMBO Juiz de Fora 2003

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MARIA CLARETH GONÇALVES REIS

ESCOLA E CONTEXTO SOCIAL: UM ESTUDO DE PROCESSOS DE

CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE RACIAL NUMA COMUNIDADE

REMANESCENTE DE QUILOMBO

Juiz de Fora 2003

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MARIA CLARETH GONÇALVES REIS

ESCOLA E CONTEXTO SOCIAL: UM ESTUDO DE PROCESSOS DE

CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE RACIAL NUMA COMUNIDADE

REMANESCENTE DE QUILOMBO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Educação. Orientador: Prof. Dr.Roberto Alves Monteiro

Juiz de Fora

2003

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MARIA CLARETH GONÇALVES REIS

ESCOLA E CONTEXTO SOCIAL: UM ESTUDO DE PROCESSOS DE

CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE RACIAL NUMA COMUNIDADE

REMANESCENTE DE QUILOMBO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação.

Aprovada em 10 de janeiro de 2003

BANCA EXAMINADORA _________________________________________________________________________

Profa. Dr. Roberto Alves Monteiro (Orientador)

Universidade Federal de Juiz de Fora

_________________________________________________________________________

Profa. Dra. Iolanda de Oliveira

Universidade Federal Fluminense

_________________________________________________________________________

Profa. Dra. Maria da Glória da Veiga Moura

Universidade de Brasília

_________________________________________________________________________

Profa. Dra. Azuete Fogaça

Universidade Federal de Juiz de Fora

______________________________________________________________________

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FOTO: Abilio Maiworm-weiand

“PRETO” (in memoriam)

A imensidão do silêncio lhe fez morada desértica num corte de Minas à África. Pulsa a vida nas águas às margens do rio sem ouro serpente linha de ferro. A travessia dos olhos nos escuta os lábios Negra história em telhas raízes fechadura solteira, cuscuzinheira. Quanto labor sabor da terra! Nas espingardas que dizem: lenha cortada rachada e rubra. Abilio Maiworm Weiand Juiz de Fora - MG, 18-dez-2.002.

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Há o sofrimento do corpo, em si mesmo: dores,

incapacidades, limitações. Mas há a dor terrível

do olhar das outras pessoas. Se não houvesse

olhos, se todos fossem cegos, então a diferença

não doeria tanto. Ela dói porque, no espanto do

olhar dos outros, está marcado o estigma-

maldição: ‘você é diferente’. (Rubens Alves)

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Agradecimentos

Com muito carinho, agradeço aos meus pais, Norberto e Lourdes, pelas

orações e pela força, embora distantes. Aos meus irmãos e parentes que acreditam em

minha busca contínua.

Agradeço à Fundação Ford, que através do Concurso Negro e Educação -

organizado pela Anped (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em

Educação) e pela Ação Educativa - contribuiu não só financeiramente para a realização

desta pesquisa mas, propiciou-me um contato maior com a questão investigada, através

de seminários de formação, encontros e participação em eventos.

Agradeço também à CAPES, pela bolsa de estudos concedida, que foi

fundamental para a realização deste estudo.

Aos professores Azuete Fogaça e Roberto Alves Monteiro, pela colaboração

dada durante o curso, por terem me estimulado a prosseguir, mesmo diante dos

obstáculos e, principalmente, por terem acreditado em mim. Esta vitória também é de

vocês.

Aos moradores da Chacrinha, principalmente, pela acolhida carinhosa que me

deram durante a coleta de dados. À Prefeitura Municipal de Belo Vale, pelo apoio à

realização da pesquisa.

À professora Iolanda de Oliveira, que me acompanhou durante o Concurso

Negro e Educação, contribuindo significativamente para a minha formação acadêmica,

além de ter me encorajado nos momentos de desânimo.

Aos professores Márcio Lemgruber, Edmilson Pereira, Glória Moura e Regina

Pahim, pela contribuição através de sugestões e indicação de material bibliográfico.

Aos senhores Raimundo Duque e Luis Fernando Linhares que, através da

Fundação Cultural Palmares, gentilmente me enviaram material bibliográfico,

contribuindo com informações importantes sobre as comunidades remanescentes de

quilombos.

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Às amigas Maria Batista, Sônia e Ângela, que também participaram do

Concurso Negro e Educação, pela força nos momentos difíceis, pelos valiosos debates

e pelos descontraídos bate-papos.

A todos os funcionários da Faculdade de Educação, especialmente à Enigmar

e ao Sr. Valmir que, com muita paciência, me acalentaram nos momentos de agonia.

À professora Eleuza Barboza, por ter me socorrido nos momentos de apuro.

À Luiza e Fernanda do CAED, aos colegas do NEC, Ana Emília, Cidinha,

Daniele e Simone; à professora Maria Queiroga, à Laureana e Marilda, secretária do

Mestrado, agradeço pela “torcida organizada”, pelo incentivo e pela colaboração nos

momentos de sufoco. A Andréa Borges, pela sugestão na escolha do tema e pela

contribuição na construção do projeto inicial, compartilhando comigo material

bibliográfico de grande valor. Aos colegas do Curso de Mestrado, Raquel, Paulo

Henrique, Josie, Fred, Carmem, Nádia, Érika, Andréa e Rafael, pelo carinho e apoio. À

grande amiga Telma, pela afeição, pela força e por estar sempre presente nos bons e

maus momentos.

Finalmente, agradeço ao meu poeta e companheiro Abilio Wayand, que esteve

sempre presente nos momentos de angústia e de descobertas, acompanhando cada

passo da pesquisa. Agradeço também pelo belíssimo trabalho fotográfico produzido e

pelas discussões sobre os produtos da pesquisa, que muito contribuíram para o meu

crescimento intelectual. Agradeço principalmente por me encorajar a enfrentar os

desafios inerentes à minha negritude.

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RESUMO

Esta pesquisa procurou compreender como processos de construção de identidade racial

são abordados em uma escola situada numa comunidade remanescente de quilombo,

levando em consideração as relações estabelecidas pelos professores com os seus

alunos, sem perder de vista o contexto social da comunidade. Foram unidades de

análise: 1) as atividades desenvolvidas pelos professores; 2) o tratamento dado pelos

professores aos conteúdos relacionados à história da população negra; 3) a percepção

dos professores face à discriminação e preconceito racial e 4) os processos de

construção da identidade racial passíveis de serem observados na escola. O caminho

metodológico para essa compreensão foi a etnografia. Recorri ao estudo de caso de uma

escola inserida numa comunidade remanescente de quilombo e, por se tratar de uma

investigação de natureza etnográfica, utilizei como principais instrumentos a observação

participante, as entrevistas não estruturadas, além de fotografias com a finalidade de

documentar ocorrências do cotidiano da comunidade e da escola.

PALAVRAS-CHAVE: comunidade remanescente de quilombo, identidade negra,

escola, discriminação e preconceito racial.

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ABSTRACT

This study aimed at the comprehension of the way the processes of construction of

racial identity are dealt with in a school placed in a community remaining of a

quilombo, considering the relationships established by the teachers with their pupils,

and also considering the social context of the community. The unities of analysis were:

1) the activities developed by the teachers; 2) the way the teachers dealt with the

contents related to the history of the population of those African descendents; 3) the

teachers’ perception towards discrimination and racial prejudice and 4) the processes of

the construction of the racial identity which are possible to be observed at school. The

methodological way for this comprehension was the Ethnography. A case study of a

school inserted in a community remaining of a quilombo was chosen, and once it was an

investigation of ethnographic nature, the main instruments used were the participatory

observation, the non-structured interviews, and the photos with the objective of

registering the happenings of the everyday life of the community and the school.

KEYWORDS : remnant community of maroons, black identity, education, discrimination

and racial prejudice.

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SUMÁRIO

1. Caminhos percorridos na escolha do tema 11

1.1 Quilombos: trajetórias e significados 15

1.2 Trilhas metodológicas percorridas 32

1.2.1 A fotografia como instrumentos da pesquisa 34

1.3 Imagens da Chacrinha 40

2. Questão da investigação 48

3. Para além da escola 54

3.1 A educação nos seus aspectos sociais 54

3.2 Situando a escola investigada 58

3.3 Reflexões sobre educação formal na Chacrinha 59

4. Processos de construção de identidade racial: algumas considerações 84

5. Referências bibliográficas 89

6. Anexos 99

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1. Caminhos percorridos na escolha do tema

Chegar onde cheguei, isto é, num curso de pós-graduação (mestrado em

educação) representou e ainda representa o duro embate da mulher proletária e negra.

O risco de buscar, por caminhos difíceis, uma educação que me promovesse humana e

socialmente fez da minha adolescência um período de tomada de consciência,

principalmente na busca pela justiça, que é uma constante em meu caminhar. Foi neste

período que surgiram os primeiros conflitos de identidade em relação aos padrões

estéticos dominantes.

Este conflito de identidade ocorreu de uma forma sufocante e em meio à

agonia. No entanto, estas questões nós não discutíamos em casa, embora, algumas

vezes, a minha mãe narrasse algumas situações em que ela fora discriminada,

ressaltando o seu enfrentamento de cabeça erguida. É em seu exemplo de força e

persuasão que busco a energia para continuar minha caminhada. Esta "acumulação

histórica" engendra o ambiente cultural da minha formação subjetiva e da

sensibilidade interpretativa com a qual pensei poder abordar as questões da

investigação proposta neste estudo.

Foram grandes as lições desta época. Destaco as idéias defendidas por BOFF

(1985) quanto à essencialidade da busca pela justiça social, solidariedade e

fraternidade, através do engajamento político, no contexto em que ocorre a reflexão, a

discussão e o despertar da consciência crítica. Só assim, foi que compreendi como

atuar na transformação social.

Meu ingresso no Movimento Negro, através do GRUCON (Grupo de União e

Consciência Negra), grupo que continua atuante até hoje, foi bastante significativo.

Minha participação anterior em movimentos sociais não trazia a marca da

preocupação com a questão da negritude. As atividades do GRUCON, ao mesmo

tempo em que ampliaram meu olhar para entender o comportamento da sociedade,

relativamente à população negra, me levavam a inúmeros questionamentos e ao

enfrentamento do medo de ser negro numa sociedade tão racista.

A discriminação racial, algumas vezes, não é fácil de ser percebida. Por

exemplo, até o início de minha juventude não me lembrava de momentos em que eu

tivesse sido discriminada. A exceção vem daqueles em que me perguntavam, ao ver-

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me entre amigos brancos, se eu trabalhava na casa, como doméstica, reforçando a tese

de SANTOS (1984), de que “o brasileiro se acostumou a ver o negro desempenhando

determinados papéis: mendigo, empregado, operário, artista, jogador de futebol”

(SANTOS, 1984; p.57). Diante desses conflitos, a minha participação no GRUCON

foi o ingrediente principal na mistura de experiências que me levou à consciência de

ser negra.

Neste período eu cursava Pedagogia na FAFIL (Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras) de Montes Claros. É interessante mencionar que no curso

discutíamos vários temas referentes à educação, como: alfabetização, repetência,

evasão, democratização do ensino, etc. Também, as idéias de diversos autores, como

FREIRE (1977), CHAUÍ (1982), SAVIANNI (1986), dentre outros. Com certeza eles

contribuíram muito para a minha formação. Não obstante a exclusão social ser o foco

dos debates, nada se discutia a respeito da exclusão específica do negro na sociedade,

desde o momento em que foram atirados para fora da senzala, através da questionável

"Lei Áurea" (SILVA, 1987, p.36).

Além de cursar Pedagogia, lecionava numa escola particular, de Ensino

Fundamental e Médio, onde eu percebia que os poucos alunos negros que a

freqüentavam eram tratados de forma diferenciada por alguns profissionais. Ressalto

também que, no turno em que trabalhava, eu era a única professora negra. Essa

evidência confirma a desigualdade presente a sociedade brasileira, vivenciada,

sobretudo, pela população negra ao tentar inserir-se no mercado de trabalho.

No currículo da escola, em nenhum momento, se discutiam as questões

referentes ao negro, como sua história e sua cultura, exceto quando se tratava da

"Libertação dos Escravos", para enfatizar que os mesmos foram "libertados" pela

Princesa Isabel após a assinatura da Lei Áurea. E isto, com certeza, não acontecia

somente neste estabelecimento de ensino, pois tive a oportunidade de trabalhar em

outros e o mesmo fato se repetia. Isso contribuía para que questões referentes ao povo

negro fossem mantidas em silêncio.

Terminado o curso de Pedagogia, a vontade de expandir os meus

conhecimentos e, sobretudo, a minha voz, levou-me a cursar Letras na Universidade

Federal de Viçosa. Foi um período de grande crescimento político e cultural.

Militando no Movimento Estudantil, através da Coordenadoria de Cultura do DCE

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(Diretório Central dos Estudantes) e como presidente do Centro Acadêmico do curso

de Letras, pude compreender que as divergências e conflitos de idéias fazem parte do

jogo dramático da existência e contribuem para o crescimento dos que dele

participam. Foi neste período que tive contato com a teoria marxista, através de

NETTO (1985), MALAGODI (1988), POLITZER (1979), LLANOS (1988), dentre

outros.

Com o materialismo histórico compreendi como se dá a divisão das classes

sociais nos aspectos econômicos e culturais. Através do conceito da "mais-valia"

(SANDRONI, 1991), entendi porquê os ricos estão cada vez mais ricos e a classe

trabalhadora cada vez mais pobre.

Ao percorrer toda a minha trajetória, percebi que os questionamentos a

respeito das desigualdades sociais sempre me impulsionaram a buscar uma melhor

compreensão deste fato, bem como a compreender de que forma eu posso nele

interferir. É neste contexto de vida que re-significo a proposta de FREIRE (1997) de

que, “no processo de aprendizagem, só aprende verdadeiramente aquele que se

apropria do aprendido, transformando-o em apreendido, com o que pode, por isso

mesmo, reinventá-lo; aquele que é capaz de aplicar o aprendido-apreendido a

situações existenciais concretas” (FREIRE, 1977, p.13).

A sociedade brasileira, racista e preconceituosa, precisa então ser

problematizada e investigada, especialmente quanto ao processo de construção de

identidade racial. Tenho percebido que os conflitos que vivenciei diante da aceitação

da minha identidade negra, do mesmo modo, são vivenciados por outras pessoas,

desde a infância até a maturidade. São inúmeros os indivíduos que preferem negar a

sua identidade negra, já que aceitá-la significa enfrentar desafios árduos e sofridos. É

nesse sentido que vejo a importância deste estudo, pois a escola pode ser um dos

locais a trabalhar com a construção da identidade negra, começando desde a infância,

para que, ao chegar na fase adulta, o negro saiba enfrentar os conflitos inerentes à

afirmação de sua identidade.

O objetivo de realizar este estudo numa comunidade remanescente de quilombo

decorre, antes de tudo, do interesse em conhecer e compreender a maneira de viver

daquele povo. Por ser uma população predominantemente negra, pretendia saber como a

questão da identidade negra era vivenciada pelo grupo e como a escola que atendia

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aquela comunidade, com professoras negras, abordava aspectos concernentes à

população negra nas atividades desenvolvidas.

Diante disso, o objetivo principal deste estudo foi compreender os processos

de construção da identidade racial presentes na escola, através das relações

estabelecidas pelos professores com os seus alunos, sem perder de vista o contexto

social daquela comunidade. Analisando como os professores se percebem diante da

discriminação e do preconceito racial, procurei compreender como eles vêem a sua

participação na construção da identidade racial, tendo em vista o trabalho pedagógico

que realizam; além disso, documentei, através de fotografia, aspectos referentes ao

exercício da cotidianidade escolar e comunitária.

Para situar o leitor no contexto deste estudo, inicio a primeira seção

apresentando os caminhos percorridos na escolha do tema. Apresento, ainda, alguns

aspectos da trajetória da população negra brasileira a partir do período escravista, dando

ênfase aos movimentos desencadeados por essa população, especialmente à formação

de quilombos e os diversos significados do termo quilombo, partindo do conceito

“clássico” até chegar ao “contemporâneo”. As trilhas metodológicas percorridas,

incluindo a fotografia como instrumento da pesquisa e a apresentação de algumas

imagens da Chacrinha também estão incluídas nesta parte introdutória.

A questão deste estudo será explicitada na seção dois. A análise dos dados é

apresentada na seção três, que se subdivide em três componentes. No primeiro, discuto a

educação nos seus aspectos sociais mais amplos, ou seja, a educação como processo que

ocorre para além da escola. Nos componentes seguintes apresento a escola pesquisada e

discuto as informações obtidas junto aos professores, sujeitos da investigação. A seção

intitulada “Os processos de construção de identidade racial: algumas considerações”

abriga a parte conclusiva deste estudo. Completam o estudo as referências bibliográficas

utilizadas e um conjunto de anexos.

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1.1-Quilombos: trajetória e significados

Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem, não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado...” (KARL MARX).

Vista como mero instrumento de produção da riqueza e, nesse sentido,

considerada como mais um dentre os bens dos proprietários rurais, à população negra

do período escravista negava-se, inclusive, a própria condição humana. Sobre esse

aspecto, é importante destacar que até mesmo a Igreja Católica se omitia de qualquer

intervenção em defesa dos negros, sob a justificativa de que eram “pagãos” e, por isso,

a escravidão era uma forma de redimir suas almas. Sendo o maior e principal senhor

feudal da Europa, e ao mesmo tempo, a grande legitimadora desse modo de produção,

a igreja católica não apenas defendeu como estimulou a ação das cruzadas e dos

colonizadores; antes mesmo da descoberta do Brasil.

De acordo com MOURA (1987), a maioria dos estudos sobre o regime

escravista centra a sua “ótica nas relações de produção, nos mecanismos de

distribuição1 e nas eventuais e prováveis conseqüências desse período na nossa atual

sociedade” (MOURA, 1987, p. 7). Porém, como afirma esse autor, esses estudos não

dão muita importância ao papel do escravo no processo contraditório de lutas que deu

características ao próprio modo de produção escravista. Nesse sentido, a violência e a

rebeldia negra, usadas como forma de luta contra a escravidão, sempre foram

subestimadas.

Os escravos não foram passivos no sistema escravista; eles tiveram a sua

atuação marcada como “sujeito coletivo” na dinâmica social, embora, em sua maioria,

deparassem com “condições aviltantes da jornada, da alimentação (fome), da negação

de qualquer identidade ou cultura, das regras todas muito bem definidas pelo

servilismo” (REVISTA PALMARES, 2000, p.10). Mesmo diante da repressão dos

senhores, revoltas, rebeliões e fugas foram tentadas, ainda que a história oficial do

Brasil tenha poucos registros desses fatos. Após muito sofrimento, esses negros 1 Mecanismos de distribuição referem-se ao modo pelo qual a riqueza produzida no período escravocrata era alocada entre as diversas classes e camadas sociais.

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descobriram uma forma de se libertar fugindo para os matos em pequenos grupos, aos

bandos, como fosse possível, buscando garantir a sua sobrevivência e resistência,

mesmo conscientes de que os seus senhores estavam sempre vigilantes. Como aponta

SILVA (1987b), “a possibilidade de rebeliões e fugas dos escravos negros era sempre

temida pelos senhores de engenho. Por isso, mantinham-se em alerta e alimentavam

com certo exagero a idéia de insegurança, sustentando sobre si o status quo da

verdadeira segurança e manutenção de seu domínio sobre os mais fracos” (SILVA,

1987b, p. 12).

Apesar de toda a violência praticada pelos senhores brancos e do respaldo

legal que a ela era dado, a partir do século XVIII a história do negro no Brasil passa a

registrar a luta contra a opressão. Muitos negros conseguiram subverter a ordem

estabelecida, escapando da escravidão, do sofrimento e das humilhações a que eram

submetidos. Essa luta se dava através de diferentes práticas, incluindo o banzo2 e o

suicídio. Das estratégias de enfrentamento da ordem estabelecida a que alcançou

maior repercussão foi a fuga para a criação de quilombos.

Nesse contexto, os quilombos foram definidos como um misto de aldeia e

forte, nos quais os negros tanto se protegiam dos caçadores de escravos fugitivos,

quanto procuravam recriar seus ambientes nativos, recuperando a liberdade e

praticando os princípios e costumes de suas culturas. Porém, outros significados,

também, foram atribuídos à palavra quilombo. Para o rei de Portugal, em documento

de 02 de novembro de 1740, quilombo era “toda habitação de negros fugidos que

passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem

se achem pilões neles” (MOURA, 1987, p. 16).

Para ALMEIDA (2000), essa definição contém cinco elementos básicos. O

primeiro se refere à fuga, sendo a idéia de quilombo sempre vinculada a escravos

fugitivos. O segundo, diz respeito à quantidade mínima de escravos “fugidos”,

claramente definida. O terceiro especifica o lugar onde eram formados os quilombos,

sendo marcado pelo isolamento geográfico - distante da “civilização” e de difícil

acesso. O quarto elemento remete ao “rancho”, mostrando que o quilombo independe

da presença de moradias; o que importa é a existência, no local, de outros elementos

que pudessem beneficiar os escravos. Como quinto elemento básico ocorre o sentido

agregado pelo instrumento “pilão”, que naquele contexto está relacionado à questão

2 “Nostalgia mortal, uma espécie de suicídio provocado pela saudade da sua terra e de sua gente”. (DIC. Aurélio p. 230).

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do autoconsumo e da sobrevivência.

SANTOS (1984) relata que o nome quilombo veio da África Ocidental, do

norte de Angola, próximo do Rio Kuanga, quando os portugueses e holandeses

iniciaram o tráfico negreiro. Os africanos capturados por outros africanos eram

recolhidos em depósitos provisórios, prisões a céu aberto, ajuntamentos que foram

chamados, naquele contexto, de quilombos. Assim, por extensão de sentido, aos

ajuntamentos de negros no Brasil-colônia foi atribuído o nome quilombo.

No século XIX, os quilombos espalharam-se por todo o Brasil, do Amazonas

ao Rio Grande do Sul, obtendo outro significado: o de comunidades formadas por

negros escravos, em sua maioria fugidos do trabalho forçado e da ação das forças

escravocratas. Para CARNEIRO (2000) o aquilombamento, em geral, é caracterizado

como:

a) Revolta organizada pela tomada do poder político, tal como aconteceu na revolta dos negros malês na Bahia, entre 1807 e 1835; b) Insurreição armada, especialmente no caso de Manuel Balaio, no Maranhão, em 1839 e;

c) Fuga para o mato, de que resultaram os quilombos, tão bem exemplificado por Palmares (CARNEIRO, 2000, p.11).

Na opinião de MOURA (2000) “não podemos deixar de ver o quilombo

como um elemento dinâmico de resgate das relações escravistas. Não foi manifestação

esporádica de pequenos grupos de escravos marginais desprovidos de consciência

social, mas um movimento que atuou no centro do sistema nacional, e

permanentemente” (MOURA, 2000, p. 11). A formação de quilombos foi uma das

possibilidades de os negros manifestarem a sua revolta contra todas as formas de

opressão sofrida, sendo essas revoltas muito bem organizadas, embora, nem sempre

com resultados positivos. Contudo, a formação de quilombos, naquele momento, foi

uma das maneiras mais viáveis para o negro conseguir a sua liberdade, por isso teve

tanta repercussão.

Embora muitos séculos tenham se passado, a idéia de quilombo ainda

continua presente na sociedade brasileira, porém recontextualizada e com sentido

novo. De acordo com O’DWYER (1995), a discussão que norteia os novos

significados de quilombo teve o seu início em outubro de 1994, em reunião realizada

pelo Grupo de Trabalho da Associação Brasileira de Antropologia, quando foi

elaborado um documento contendo posições sobre os diversos significados de

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quilombo. Conforme o documento, o termo quilombo adquiriu novos significados na

literatura e também para os grupos, indivíduos, associações, além de organizações.

Esse documento era destinado ao Seminário das Comunidades Remanescentes de

Quilombos, promovido pela Fundação Cultural Palmares, pois estava em pauta a

aplicação do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT,

da Constituição Federal. A despeito das diversas discussões em busca de um novo

conceito de quilombo, o que se percebe é que nenhum conceito fechado ficou

determinado, pois, por ser um assunto muito polêmico, o debate deveria continuar.

Dessa forma, o conceito de quilombo ainda continua em construção.

Para auxiliar-me nessa investigação, utilizo um dos conceitos proposto por

O’DWYER (2000) que, de acordo com a minha avaliação, melhor atende ao trabalho

realizado na “Chacrinha dos Pretos”, comunidade investigada:

Essas comunidades não são resíduos ou resquícios arqueológicos, nem grupos isolados de uma população extremamente homogênea e, da mesma forma, nem sempre foram constituídas a partir de movimentos insurrecionais ou rebelados – sobretudo consistem em grupos que desenvolveram práticas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos num determinado lugar. (O’DWYER, 2000, p. 14).

Para a autora, quilombos surgem novamente ou “são descobertos”,

contemporaneamente, com um novo conceito, bastante diferente do conceito

clássico. O quilombo, hoje, não está isolado do restante da população e nem sempre

a sua formação decorre de “insurreições ou rebelados”. Um dos objetivos da

formação de quilombos, na atualidade, é a luta ou a resistência procurando a

manutenção da cultura. Essa perspectiva permite pôr em relevo a importância dos

processos de construção da identidade, considerando as características peculiares a

cada grupo.

Pesquisas realizadas por MOURA (2000) nas comunidades remanescentes de

quilombos localizadas em Santa Rosa dos Pretos/MA, Mato do Tição/MG e

Aguapé/RS, confirmam a importância da manutenção da cultura nessas comunidades,

concluindo que a “vivência da identidade contrastiva, elaborada e apreendida através

da cultura da festa, faz com que os quilombolas afirmem vigorosamente sua diferença

e a reivindiquem enquanto direito, vivendo de seu trabalho, quase sempre no campo e,

concomitantemente, cantando, dançando, praticando suas devoções, vivenciando sua

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fé” (MOURA, 2000, p. 147). A autora afirma, ainda, que o contato dessas

comunidades com as festas tem um papel muito importante no que se refere à

educação, pois as festividades interferem no processo ensino-aprendizagem e na

construção da identidade das crianças, o que, normalmente, não ocorre na escola

tradicional.

A partir de pesquisa, ANJOS (1999) concluiu que, “no Brasil, os

‘remanescentes de antigos quilombos’, ‘mocambos’, ‘comunidades negras rurais’,

‘quilombos contemporâneos’, ‘comunidade quilombola’ ou ‘terra de pretos’ referem-

se a um mesmo patrimônio territorial e cultural inestimável e em grande parte

desconhecido pelo Estado, pelas autoridades e pelos órgãos oficiais” (ANJOS, 1999,

p. 10). Conforme o referido autor, são várias as denominações dadas a essas

comunidades; neste estudo, faço uso do termo “remanescente de quilombos” para

denominar o grupo investigado. São várias, também, as estratégias de sua formação.

De acordo com MESQUITA (2000), essas comunidades se constituíram

através de diferentes formas de ocupação da terra por grupos de escravos ou ex-

escravos, “não necessariamente as do ‘modelo’ de quilombo materializado pela

experiência de Palmares, escravos que, através da fuga, criaram comunidades isoladas

geograficamente” (p. 59). A formação dessas comunidades advém de doações,

alforrias, heranças, compra de terras por escravos alforriados, entre outras situações.

No caso da “Chacrinha dos Pretos”3, comunidade por mim investigada, segundo relato

de alguns moradores mais velhos, a terra foi adquirida por meio de uma herança

deixada pelo último proprietário da fazenda a uma ex-escrava, “tomada como sua

esposa” e por ele emancipada.

Por força do preconceito racial e social, os milhares de descendentes de

quilombolas têm vivenciado, ao longo dos séculos, todo tipo de conflito na sociedade

brasileira. Somente após cem anos da “Abolição” da Escravidão é que surgem, por

exemplo, os artigos 215 e 216 da Constituição, que tratam de “questões relativas à

preservação dos valores culturais da população negra”, elevando “a terra dos

remanescentes de quilombos à condição de Território Cultural Nacional” (REVISTA

PALMARES, 2000, p. 7). Esses artigos determinam a posse das terras que ocupadas

pelos remanescentes de quilombos.

3 Anexo 1: foto – Vista parcial da comunidade Chacrinha dos Pretos (foto: Abilio M. Weiand, 2002).

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A FCP - Fundação Cultural Palmares4 - tem hoje um importante papel na

consolidação desses artigos, cabendo à instituição a tarefa de praticar e assinar atos

necessários ao cumprimento do artigo 68 das Disposições Constitucionais

Transitórias, que “confere às Comunidades Remanescentes de Quilombos o direito ao

Título de Domínio de posse das terras que ocupam” (SANTOS, 2000, p. 7). Através

de dados divulgados pela FCP, até o momento, 743 Comunidades Remanescentes de

Quilombos já foram identificadas5, 42 reconhecidas e 29 tituladas6. O processo de

titulação envolve identificação, estudo antropológico, delimitação topográfica,

levantamento cartorial e demarcação. Em Minas Gerais, estado onde se situa a minha

investigação, 66 comunidades remanescentes de quilombos já foram sistematizadas

pela FCP 7.

A comunidade investigada, “Chacrinha dos Pretos”8, está situada a 8 Km de

Belo Vale (MG), com aproximadamente 145 moradores e 35 famílias, sendo a maioria

de seus habitantes composta por adolescentes e jovens. Essa comunidade já passou

pelo processo de sistematização, coordenado pela Fundação Cultural Palmares. Para

chegar à titulação, será necessário percorrer alguns caminhos; entre eles, a realização

de laudos que apresentem detalhes sobre as características da comunidade.

As informações devem apresentar dados detalhados referentes à identidade

étnica da população, à sua formação, grau de parentesco, área ocupada, aspectos

culturais e econômicos. Somente após a identificação dessas características é que a

FCP poderá dar início ao processo de titulação. De acordo com a FCP, além do

processo de titulação, essa instituição, juntamente com outros órgãos gestores dos

governos federal, estadual e municipal pretendem buscar a implementação de

“projetos de desenvolvimento local (cultural, econômico e social), que promovam a

auto-sustentabilidade das comunidades” (SANTOS, 2000, p. 8). Esse apoio é

4 “A Fundação Cultural Palmares, entidade direcionada à população negra, tem a missão institucional de trabalhar com a inclusão dessa população no processo de desenvolvimento social, econômico e cultural (...), a FCP tem tarefas fundamentais de liderança e tem obrigações, inclusive com base na própria lei que criou. Isso inclui a questão dos Remanescentes de Quilombos” (PEREIRA, 2000, p. 55). 5 Anexo 2: distribuição nacional das comunidades remanescentes de quilombo já identificadas / 2001

6 Anexo 3: comunidades remanescentes de quilombos tituladas. 7 Anexo 4: Sistematização Nacional das Comunidades Remanescentes de Quilombos por Estado/Minas Gerais. 8 Anexo 5: Mapa de Localização da Chacrinha em Minas Gerais.

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imprescindível para que a comunidade possa usufruir os benefícios advindos da

titulação recebida. Além disso, os moradores de comunidades como a “Chacrinha dos

Pretos” não têm acesso a cursos, oficinas ou outros meios pelos quais possam

aprender atividades que possam lhes trazer um retorno não só econômico, mas

também cultural e social.

Relativamente à titulação das Comunidades Remanescentes de Quilombos,

RODRIGUES (2000) aponta alguns aspectos para os quais devemos atentar na

elaboração dos laudos periciais. Eles têm como objetivo principal o reconhecimento

da comunidade como remanescente de quilombo através da verificação de

características determinadas por procedimentos de natureza antropológica, histórica,

arqueológica, geográfica, econômica. RODRIGUES (2000) chama a atenção, na

realização desses laudos, para o significado do termo quilombo proposto no artigo

216, parágrafo 5º da Constituição Federal e no artigo 68 do Ato das Disposições

Transitórias Constitucionais - ADCT. De acordo com o autor, é a primeira vez que, na

história da República, o conceito de quilombo é utilizado juridicamente.

Embora o conceito de quilombo, como vimos anteriormente, ainda esteja em

construção, RODRIGUES (2000) enumera algumas características que precisam ser

comprovadas na elaboração dos laudos periciais:

a) A composição étnica, desta comunidade, que deve ser composta de negros9; b) Os dados históricos da comunidade (história em comum, como evolução histórica da formação daquele grupo social, note-se que muitas vezes não se afirma um vínculo histórico com o passado quilombola por evidentes razões históricas, o desenvolvimento dessa região em que vive a comunidade, o seu reconhecimento como terra de pretos e outros aspectos que possam reconstruir a vivência da comunidade); c) O perfil antropológico do grupo (o fato daquelas pessoas se sentirem portadoras de uma identidade diversa das outras comunidades que partilham de ambiência similar e outros fatores que possam traçar as características mais marcantes daquele grupo social); d) Aspecto econômico (o fato de terem uma economia comunitária, a reprodução dos bens se dar de acordo com a lógica coletiva, como se relaciona comunidade com outros espaços de reprodução da riqueza); e) A análise etnográfica (os ritos e tradições culturais que os unem

9 “Este é um dos mais importantes critérios, pelo próprio alcance da norma constitucional que visou resgatar um dado cultural, histórico, social vivido pela raça, submetida a um regime de escravidão. Talvez pela sua obviedade não foi devidamente ressaltado na apresentação, no entanto, o debate serviu para reparar essa omissão” (RODRIGUES, 2000, p. 188).

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serem os mesmos, não necessariamente de origem estritamente africana); f) Os fatores geográficos (como é o espaço que habitam, a forma de se relacionar com o solo, como a vocação geográfica proporcionou modus vivendi daquela comunidade) e; g) A questão cultural (as relações de família, de parentesco, de papéis dentro daquela sociedade, as particularidades dessa população em relação aos sistemas de poder vigentes, como se dá a transmissão de conhecimentos) (RODRIGUES, 2000, p. 189).

O autor acrescenta, ainda, que é necessário provar, também, a ocupação da

área pela comunidade, estabelecendo, se possível, “um marco inicial da ocupação,

pois os limites espaciais da ocupação são imprescindíveis para a sua demarcação”

(Ibid., p. 189). Além disso, outras formas de ocupação dessas terras devem ser

consideradas, como o uso de espaços individualizados e o uso das áreas em comum.

Na elaboração dos laudos periciais, entre os vários aspectos considerados

pelo referido autor como pré-requisitos para a concretização da titulação, destaco os

“dados históricos da comunidade”, ou seja, a formação histórica daquele grupo social.

No que se refere aos dados históricos da comunidade “Chacrinha dos Pretos10”, pude

perceber que grande parte dos moradores desconhece a história do seu local de

origem.

Foi somente a partir de 1997 que um grupo de estudantes do município de

Belo Vale, com a participação de dois moradores da Chacrinha11 e com o apoio da

professora de História da Escola Estadual de Belo Vale, iniciou as primeiras

investigações a respeito da história da comunidade. O interesse desse grupo de alunos

surgiu devido à presença de “imponentes ruínas”12 ali localizadas. O fato de os

moradores mais jovens não conseguirem dizer “o que poderia ter sido no passado esse

conjunto de tão bela e rústica arquitetura”13, também contribuiu para a realização do

processo investigativo. Parte desse trabalho, conforme citação abaixo, mostra a

importância de sua realização:

Decifrar esse enigma é de tão grande importância porque conhecendo melhor o passado entendemos melhor o presente e assim poderemos,

10 Anexo 6 – Foto – Comunidade (foto: Abilio Maiworm Weiand, 2002). 11 Anexo 7 - Foto – Habitação (foto: Abilio Maiworm Weiand, 2002). 12 Anexo 8 – Foto – Ruínas (foto: Abilio Maiworm Weiand, 2002). 13 “Inventário de proteção do acervo cultural, histórico e arqueológico das ruínas da fazenda Chacrinha dos Pretos, no município de Belo Vale – Minas Gerais” (Trabalho realizado pelos alunos, p. 2, 1997).

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inclusive, transformar o futuro. Segundo a tradição oral, repassada pela família do Sr. Antônio Rezende, essas ruínas são de uma fazenda construída em meados do séc. XVIII (1752) e pertenceu a um português, José de Paula Peixoto, conhecido pelo pseudônimo de Milhão e Meio por possuir essa fabulosa fortuna em moedas de ouro e prata. Solteiro, Milhão e Meio, tomou uma de suas escravas para esposa e, como não possuía descendentes, seus bens (dinheiro, terras e escravos) com o seu falecimento, ficaram para essa escrava “esposa” que então alforriou todos. (TRABALHO REALIZADO PELOS ALUNOS, 1997).

A partir dos relatos dos moradores e de suas observações, constatei, também,

que são exatamente as ruínas da fazenda as que mais despertam o interesse de visitantes.

A presença de uma pedra, com a data de 1752, levou muitos a deduzirem que esta pode

ser a “pedra fundamental da fazenda” mas, embora tomadas por moradores e visitantes

como verdade, são apenas hipóteses, pois não há registros escritos relativos ao período.

Aliás, toda a história que se sabe, até hoje, sobre a origem daquela comunidade

foi construída oralmente. Apenas recentemente tive acesso à fotocópia de um

documento original, manuscrito e registrado em cartório de Ouro Preto/MG, cedida pela

secretária municipal de turismo de Belo Vale. Consta nesse manuscrito a data

10/07/1841. Por apresentar algumas dificuldades de leitura, esse documento foi

encaminhado a um especialista para fazer a transcrição. Esse procedimento ainda não

foi concluído no momento em que redijo a presente dissertação.

Além da presença das ruínas, outros artefatos ainda se encontram na

comunidade, entre eles dois potes de argila, usados como cuscuzeira14. Esses potes

pertenceram à bisavó de Rafael (portador da história oral do local, no dizer de alguns),

sendo que um deles se encontra sob sua posse e o outro, com a sua mãe. Existem, ainda,

um cadeado15 de ferro, cujas características levam a crer que pertenceu à fazenda que ali

existiu, e uma trapizonga16 (pedra de moinho) que, conforme relato de moradores, foi

utilizada pelos escravos.

Ainda segundo moradores, muitos objetos foram levados do local,

especialmente em 1914, época em que parte da fazenda foi ocupada pela Estrada de

Ferro Central do Brasil com o objetivo de construir um trecho da ferrovia. Naquele

14 Anexo 9: foto – Pote (Foto: Abilio Maiworm Weiand, 2001). 15 Anexo 10: foto – Cadeado (Foto: Abilio Maiworm Weiand, 2002). 16 Anexo 11: foto – Trapizonga (Foto: Abilio Maiworm Weiand, 2001).

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período a casa ainda possuiria muitas peças de sua mobília original, além de quadros,

imagens de santos, vasilhas de prata e de ouro, entre outros objetos de valor. Em

entrevista realizada com Rafael sobre a vinda dos construtores da Central do Brasil, ele

diz: “eles carregaram muitos objetos de valor daqui da fazenda, dizendo que aqui era

assombrado, e a população, com medo, né!(...) enquanto isso, eles aproveitaram e

levaram as coisas...” (ENTREVISTA n.º 05, 22/01/02). Em sua opinião, isso ocorria

porque os habitantes não tinham a noção do valor daqueles objetos. Assim, deixavam

estranhos tomarem posse, sem saber o motivo que despertava o interesse por coisas tão

“antigas”.

Percebi, também, que a presença das ruínas apresenta um certo significado na

vida dos moradores, mesmo daqueles que não conseguiam entender bem o motivo de

tantas visitas e de reportagens sobre aqueles “muros caídos”, no dizer de alguns. Em

visitas a Vó Domingas, uma das moradoras mais idosas da comunidade e, segundo ela

própria, neta de escravos, compreendi que as ruínas têm um significado diferente para

algumas pessoas mais velhas, principalmente aquelas que tiveram a oportunidade de ver

os muros ainda erguidos.

No início das visitas, Vó Domingas evitava falar das ruínas da fazenda, de seus

antepassados e da escravidão. Geralmente, quando se tratava desse assunto, ela dizia

que já estava velha, que a memória já não funcionava mais. Porém, no decorrer da

investigação, comecei a perceber que falar do seu passado a deixava triste e angustiada.

Esses sentimentos eram o seu motivo de não querer lembrar o passado, uma época

sofrida que deixou marcas irreversíveis. Assim, no decorrer das observações, pude

compreender a razão do “não funcionamento” da memória de Vó Domingas.

Entretanto, chegou um momento na história daquela comunidade em que as

ruínas começaram a atrair estudantes, professores, pesquisadores, repórteres de jornais e

televisão, entre outros. Aquelas ruínas, com a história que carregam e cujo passado era

evitado por Vó Domingas, começaram a ter expressividade. A partir daí, Vó Domingas

passou a compreender a importância de seus relatos para a preservação da memória do

local e, ainda acanhada, começou a narrar alguns acontecimentos, entre os quais aqueles

relativos à sua infância:

“...antigamente as casas era tudo de sapé. O pessoal ia pro mato, cortava pau pra fazer as casas, que era toda barriada e envairada. Eles amarrava as varas com cipó. Tudo era na base do pau, vara e

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cipó... A casa do Vô Chagas só tinha quatro cômodos e também era de sapé. Era uma casa firme(...)mas, um dia, veio um vento muito forte e derrubou a casa. A parede da casa caiu “direitinho”, ficou toda deitada no chão, porque era toda amarrada, mas os paus estavam podres e gastos e foi por isso que ela caiu...”

Vó Domingas falou, também, das ruínas:

Passei muito tempo sem ir pro lado das ruínas e, quando eu fui lá, fiquei boba de ver os trem tudo acabado. Era até bonito quando tava tudo em pé. Nós ia lá pra fazenda brincar, cantava roda. Era muito menino naquele tempo. A fazenda era grande, mas não tinha nada, nem um banco, nem uma mesa, nem fogão, nem cama, não tinha nada. Ficou parado, aí começou a cair. Aí tinha um que morava lá: o Beijo, casado com a Jacinta. Desmancharam a casa, tiraram as telhas: ‘Ah, vamos repartir essas telhas’. Tirou pro Vô Chagas, pro Beijo, pro Ramiro. Sei que cada um fez sua casa. (ENTREVISTA nº 16, 09/04/02).

Hoje, Vó Domingas dá entrevistas para pesquisadores e, principalmente, para

jornais e televisão, permitindo a transmissão de sua imagem através de fotografias ou

filmagens. As suas histórias são relatadas sem timidez e com muita espontaneidade,

embora ainda permaneça uma certa melancolia no fundo do seu olhar. Mesmo assim, é

perceptível a satisfação que ela demonstra na sua fala.

Como afirma CARVALHO (2000), por meio das entrevistas obtêm-se “...

certos ingredientes da memória oral, da história oral, da movimentação geográfica,

ingredientes esses que poderão ser utilizados mais diretamente num confronto mais

instrumental, pois cabem mais facilmente à formulação do laudo, e podem conferir com

a documentação da época gerada por historiadores e viajantes” (CARVALHO, 2000: p.

61). Os laudos da Fundação Cultural Palmares, por exemplo, reconhecem a importância

das histórias narradas pelos moradores, especialmente daqueles mais velhos, pois

tiveram a oportunidade de testemunhar cenas da época ou de ouvir relatos dos

familiares que os antecederam.

De uma entrevista realizada com “Vó Noemia”, de 80 anos de idade, moradora

da comunidade desde que nasceu, destaquei um episódio, narrado por ela e vivenciado

pelos seus antepassados (pais, avós, tios, etc), que pode nos levar a crer que, na época,

uma das atividades exercidas pelos escravos da fazenda era a mineração:

Fui nascida e criada aqui. Os antigos que colocaram o nome “Chacrinha”, aqui. Quando nasci, a fazenda já não existia mais (...)

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foi tudo acabando, tudo porque os véios morreram. Aí ficou só o muro. Na igreja velha que desmanchou, tinha muito santo. Quando a igreja começou acabar, eles levô tudo para Lagoinha. Tinha ouro naquela casa onde o meu avô morava. O meu pai achou uma panela de ouro. Eles iam para o moinho, onde moía milho. O moinho era do meu bisavô. Moia para todos da Chácara. Um dia tava dando uma chuva fina, o meu avô tava indo para o moinho com a minha tia. Quando ele ia descer o muro, ele viu uma goteira pingando em cima de uma coisa que parecia uma tampa de panela. Aí ele disse: ´O que será aquilo?` A minha tia disse: ´Pode ser uma panela`. Ele foi e voltou e cavacou; era uma panela de barro com esmeril por cima. Aí ele pegou a panela e foi levar para a bica para lavar o pó. O filho dele chamado Ozório disse: ´Pai, não lava não, isso é ouro!` O pai dele respondeu: ´Que nada, menino! Você não sabe de nada!` Aí ele pegou a panela e colocou debaixo d’água e o pó se espalhou...Estava anoitecendo...Só viram aquela coisa brilhando descendo água afora, levando o ouro. Ele ficou muito sentido, quando viu aquilo. Quando o fazendeiro Valeriano ficou sabendo, veio doido para ver a panela e saber onde estava o ouro, porém só restava a panela. O fazendeiro ficou muito nervoso. (ENTREVISTA nº 03, 12/12/01).

GUIMARÃES (1996), em estudos sobre Minas Gerais no século XVIII, diz

que “a sociedade mineira, constituída a partir de um processo desencadeado pela

descoberta do ouro nos fins do século XVII, teve na escravidão uma das formas

dominantes de organização do trabalho” (Ibid, p. 139). Essa informação é importante

para confirmar o valor da narração de Vó Noemia sobre a questão do ouro encontrado

naquela época, ajudando-nos a entrelaçar os fatos históricos às histórias orais. Além

disso, dados históricos e cronológicos de Belo Vale, município onde está inserida a

“Chacrinha dos Pretos”, mostram-nos que, em 1700, foi descoberto ouro naquela região.

Nesses mesmos dados históricos, consta também que os últimos garimpos de ouro

foram feitos em 1992, através de balsas, no Rio Paraopeba (Dic. Escolar da Prefeitura

Municipal de Belo Vale, gestão 93-96).

Para o registro das histórias orais pude tirar partido de um hábito, relativamente

comum numa das famílias daquele local: bater papo à noite, à beira do fogão a lenha.

Nessas ocasiões conversam sobre vários assuntos, especialmente sobre “casos” do

passado. Esses “casos”, geralmente, são ouvidos com muita atenção e respeito pelas

crianças17, pela família e pelos visitantes. Tive a oportunidade de participar de algumas

17 Anexo 12: foto: Crianças (Foto: Abilio Maiworm Weiand, 2002).

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dessas conversas e gravá-las. Durante essas conversas foram narradas histórias sobre a

Chacrinha, especialmente pelo Sr. Zé Dias18.

Num desses encontros, o Sr. Zé Dias19 falou sobre a origem do nome da

comunidade. De acordo com ele, o nome do local, “Chacrinha”, é decorrente de uma

chácara que existia na fazenda com uma grande variedade de frutas, como jabuticaba,

manga, abacate, laranja, mexerica, etc. O nome usado anteriormente era “Chácara”,

como confirma o Sr. Zé Dias: “os antigos mesmos falava era Chácara dos... Chácara

dos... negros? (Rafael, o seu neto interfere: “dos Pretos”). É, dos Pretos, Chácara dos

Pretos. Mas tem muitos aí que não acham graça falar isso, não, mas eu não incomodo,

não” (ENTREVISTA nº 07, 11/02/02)

Perguntei ao Sr. Zé Dias por que os moradores da comunidade não gostam do

nome “Chácara dos Negros ou dos Pretos”. A sua resposta foi a seguinte: “Ah! Tem uns

que não gostam, não, sabe por quê? Porque é negro, porque a turma, o pessoal daqui é

tudo negro mesmo, né? Agora foi, assim, entrando, assim, claro (refere-se às pessoas

brancas que se casaram com pessoas de sua família), né, na família, aonde que pintou

um bocado, né? (dá risadas). Mas, é tudo negro mesmo, é crioulo mesmo, é Chacrinha

dos Pretos, mesmo” (Ibid).

Essa questão que envolve uma aparente polêmica sobre o nome do local está

diretamente ligada ao fato de o indivíduo “dizer-se negro”, expressão usada por SILVA

(1987c) em seu trabalho realizado em Limoeiro (RS) sobre Formação da Identidade e

Socialização. Esse trabalho confirma que a negação da identidade negra ocorre,

também, em outras comunidades. Conforme aponta a autora:

Os negros de Limoeiro se sabem negros. No recinto da casa familiar, podem até se tratar de negros, mas fora se dizem e consentem ser tratados de morenos. A denominação moreno é aceita com constrangimento tanto pelo que diz como pelo que ouve, já que é ambígua e por isso mesmo preconceituosa, além de mostrar que os traços físicos são reveladores da identidade étnica que se quer escamotear. (SILVA, 1987c, p. 146).

18 Anexo 13: foto: Família do Sr. Zé Dias (Foto: Abilio Maiworm Weiand, 2002) 19 Os nomes citados neste estudo serão verdadeiros, pois a coleta de elementos da história oral da comunidade poderá contribuir com a realização de laudos periciais necessários para a titulação da comunidade. Nomes fictícios serão inseridos apenas na seção três onde discuto as questões referentes à escola.

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Na “Chacrinha dos Pretos”, embora esteja inserida num contexto específico, a

questão do “dizer-se negro” também surge, expondo o conflito racial vivido por alguns

moradores dessa comunidade, evidenciado através da negação de sua identidade negra.

Isso decorre do racismo que “descreve as crenças e atos que negam a igualdade

fundamental de todos os seres humanos em função de diferenças percebidas de raça, cor

ou aparência” (NASCIMENTO e NASCIMENTO, 2000, p. 20). O negro é visto como

“diferente” e a marca dessa diferença está, principalmente, na sua cor.

Essa “diferença” aumenta ainda mais o índice de rejeição e discriminação por

parte de muitos brancos, que ainda vêem os negros como “seres inferiores”. A negação

da identidade negra por alguns moradores da Chacrinha advém da ação do racismo no

cotidiano daquelas pessoas, sendo, muitas vezes, manifestado por determinados

dirigentes municipais, por professores ou colegas, conforme veremos nos depoimentos

apresentados na última seção do capítulo três, deste estudo. A opção pela negação de

sua verdadeira identidade é o caminho encontrado por esses moradores, já que a sua

afirmação poderá causar transtornos e sofrimentos. Diante disso, é extremamente difícil

para eles assumirem uma identidade racial étnica.

CARVALHO (2000), através do argumento exposto abaixo, pode nos ajudar a

entender melhor o sentimento daqueles moradores diante da forma como são vistos pela

sociedade.

Como vocês sabem, nem todos os quilombos se vêem da maneira como são vistos pela sociedade branca que os cerca; nem todos se vêem como africanos negros, descendentes de escravos. Há muitas diferenças nas maneiras que eles têm de imaginar o seu papel. Se eles estão negando que são ‘descendentes de africanos’ terão suas razões para tanto e cabe a nós registrar as suas razões no momento em que são incluídos como cidadãos. (Ibid., p. 62-63).

Em entrevista realizada, uma das moradoras relata o seguinte acontecimento:

fomos numa festa, em Belo Vale, e todos debocharam da gente, dizendo: “isso tudo é

descendente de escravo” (ENTREVISTA n.º 01, 11/12/01) A expressão, dita por essa

moradora, demonstrou uma certa angústia na sua narrativa, inclusive revelando que esse

sentimento não era somente dela, e sim de todos os presentes naquela festa.

O fato de moradores não se perceberem como descendentes de escravos pode

ser compreendido de diversas maneiras. Uma delas está ligada à forma de tratamento

dada aos escravos. Eles não eram vistos como pessoas, mas como “peças” ou “coisas”.

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Eram submetidos a maus tratos, à violência, à crueldade e à tortura, prevalecendo um

total desrespeito à sua dignidade. Diante da posição a que os escravos eram

violentamente submetidos, é compreensível que muitos moradores dessas comunidades

neguem a sua descendência.

Assim, a construção dessa percepção é algo que demanda múltiplos elementos,

entre os quais mais discussões e mais contato com esse outro lado da história que, para

eles e também para muitos brasileiros, não deixa de ser algo novo. No caso daquela

população, somente há cinco anos foi iniciada a discussão sobre os aspectos da história

de seus antecedentes.

Há uma diferença muito grande de um quilombo para outro. Cada um tem as

suas próprias características, que foram e continuam sendo construídas no decorrer de

sua história. Apesar da distinção existente entre comunidades, há também algumas

características comuns, em destaque as dificuldades vivenciadas pela população. SILVA

(2000b), um dos representantes da Comissão Nacional das Comunidades

Remanescentes de Quilombos, em reunião realizada pela Fundação Cultural Palmares,

apresenta algumas delas. Para ele, “as dificuldades são imensas, não tem educação e,

quando tem, é só até a quarta série; não tem saúde, não tem estrada – quando tem, é

péssima. Então, você vê o desrespeito que o poder público tem com as comunidades

negras quilombolas” (SILVA, 2000b, p. 64).

Todas esses problemas apresentados por SILVA (2000b), também são

vivenciados pela comunidade “Chacrinha dos Pretos”. Em relação à educação, o ensino

é oferecido apenas até a terceira série do Ensino Fundamental. Após esse período, os

alunos são encaminhados a Belo Vale para continuarem os estudos. A prefeitura

municipal de Belo Vale envia, gratuita e diariamente, um ônibus para fazer o transporte

dos alunos mas, como as condições da estrada não são boas, quando chove, geralmente

esse ônibus não faz o trajeto combinado. O mesmo veículo atende, também, aos demais

moradores,20 porém somente na parte da manhã, nos horários em que encaminha e traz

de volta os alunos, sendo essa a única forma de transporte coletivo a serviço da

comunidade.

20 Esses moradores pagam, atualmente, o valor de R$1,00 pelo preço da passagem.

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Quanto à saúde, a população não possui atendimento médico local. Assim,

quando alguém adoece, a situação torna-se bastante complicada, inclusive pela falta de

transporte público fora dos horários já mencionados. Algumas vezes, quando o caso é

grave, a família do doente liga para o hospital ou policlínica da cidade pedindo uma

ambulância e, caso haja alguma disponível, a solicitação é atendida.

Na comunidade também não há telefone fixo residencial e nem telefone

público. Somente duas famílias possuem telefone celular e apenas um deles é usado

pelos moradores que pagam uma taxa pelas ligações. Essa é uma situação apontada por

LINHARES (2000), quando afirma que: “de um modo geral, essas comunidades

encontram-se em estado de semi-isolamento social21, sendo, portanto, desprovidas de

infra-estrutura social básica (educação, saúde, saneamento) ou a têm em precaríssimo

estado; não contam ainda com energia elétrica, estrada, transporte e telefonia, por

exemplo”. (LINHARES, 2000, p. 195).

Um aspecto que contribui para a baixa qualidade de vida dos moradores é o

desemprego. Além disso, cabe destacar a falta de atividades extras22, que poderiam,

inclusive, gerar renda para as famílias. Esse último aspecto afeta principalmente as

crianças, os jovens, os adolescentes e as mulheres.

Diante dessas evidências, é fundamental que a Fundação Cultural Palmares dê

continuidade ao processo de titulação iniciado, passando para a próxima etapa, que

consiste na identificação das características possibilitadoras do reconhecimento da

“Chacrinha dos Pretos” como uma comunidade “Remanescente de Quilombos”, para

que a população possa legalmente tomar posse das terras que vem ocupando há anos. 21 De acordo com LINHARES (2000), “o estado de semi-isolamento social não deve ser entendido jamais somente sob ponto de vista geográfico, pois sabe-se que mesmo os quilombos tinham suas formas de comunicação com partes dos grupos dominantes do período colonial, de modo particular os comerciantes, ambulantes ou não, como por exemplo os chamados regatões da região amazônica, com os quais os quilombolas mantinham relações de comércio e amizade, tendo inúmeras vezes essas relações lhes rendido informações das milícias oficiais no sentido da prisão de negros quilombolas e a conseqüente desarticulação dos quilombos. Contudo, não se pode deixar de observar que após a abolição da escravatura os negros foram deixados à margem dos serviços sociais de atribuição do Estado. As chamadas comunidades negras rurais, em particular, após a Abolição ficaram praticamente sem qualquer assistência da parte dos órgãos oficiais, ficando, pela falta de serviços sociais básicos imprescindíveis ao exercício da cidadania, socialmente, muito distantes de outros grupos sociais que habitam no meio rural” (p. 196). 22 Atividades esportivas, culturais, como: oficinas de artesanato, capoeira, dança, além de atividades destinadas à conservação do meio ambiente, visto que muitos moradores não demonstram preocupação com esse assunto.

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Ainda nesta seção, discuto a metodologia adotada na investigação para que o

leitor tenha, desde o início da leitura a compreensão dos aspectos metodológicos

adotados.

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1.2. Trilhas metodológicas percorridas

No desenvolvimento desta pesquisa, utilizei a abordagem qualitativa, por

entender, de acordo com MONTEIRO (1998), que ela privilegia essencialmente a

compreensão e a interpretação dos fenômenos sociais ao invés de sua explicação em

termos da relação causa e efeito. Nesse processo, conforme BOGDAN & BIKLEN

(1994), enfatizei a descrição, a teoria fundamentada e o estudo das percepções pessoais,

visando compreender como processos de construção da identidade racial são abordados

em uma escola situada numa comunidade remanescente de quilombo, considerando as

relações estabelecidas pelos professores com os seus alunos, sem perder de vista o

contexto social da comunidade. A descrição, nesta investigação, foi do tipo “descrição

densa” das experiências de vida dos sujeitos tal como proposta e caracterizada por

GEERTZ (1982), que a apresenta como: “... um esforço descritivo da experiência vivida

das pessoas, num exercício de procurar constantemente um caminho interpretativo por

entre estruturas superpostas de inferências e implicações” (GEERTZ apud MONTEIRO,

1998, p. 11).

Tal empreendimento requer a aplicação da sensibilidade interpretativa23 do

investigador (MONTEIRO, 2001). Parte dessa sensibilidade refere-se à construção dos

"dados" da pesquisa. Esses dados surgem a partir de minha construção das

interpretações das pessoas escolhidas como sujeitos. O exercício interpretativo supõe

um movimento de aproximação/distanciamento. No primeiro caso visando à

familiaridade e no segundo a reflexão acerca do que foi aprendido com os sujeitos.

A opção metodológica foi, pois, pela etnografia inclusive em face de esta

abordagem se "referir ao estudo do modo como os indivíduos constroem e

compreendem as suas vidas cotidianas” (BOGDAN & BIKLEN, 1994, p.17). O

principal objetivo da etnografia é compreender o significado que têm as ações e os

eventos para as pessoas ou os grupos estudados, sendo esses significados expressos de

forma direta pela linguagem ou transmitidos indiretamente através das ações. De acordo

com os referidos autores, esses significados é que dão sentido à compreensão de si e do

outro, bem como do mundo em que estão inseridos.

23 A expressão “sensibilidade interpretativa” trata-se de notas de aulas, ainda não publicadas, da disciplina Pesquisa I, ministrada no Programa de Pós Graduação em Educação, sob a orientação do prof. Roberto Alves Monteiro.

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Etimologicamente, etnografia significa “descrição cultural”. De acordo com

ANDRÉ (1995) o termo apresenta dois sentidos: 1) um conjunto de técnicas que eles

(os pesquisadores) usam para coletar dados sobre os valores, os hábitos, as crenças, as

práticas e os comportamentos de um grupo social e; 2) um relato escrito resultante do

emprego dessas técnicas.

Na perspectiva etnográfica recorri ao estudo do caso de uma escola inserida

numa comunidade remanescente de quilombo. A escolha justifica-se pela conveniência

em estudar, em sua unicidade, processos de construção da identidade racial abordados

pela escola no contexto da comunidade escolhida. Segundo STAKE (1988) “um estudo

de caso que retrate um problema educacional em toda a sua complexidade individual e

social é uma descoberta preciosa” (ibid, p. 254). No desenvolvimento da investigação

utilizei alguns instrumentos tradicionalmente ligados à etnografia, como a observação

participante e a entrevista não estruturada. Conforme argumenta MONTEIRO

(1998):

... freqüentemente o pesquisador empreende um tipo de observação dita participante (SPRADLEY, 1980, BRANDÃO, 1982), porque ele tenta fazer parte do universo das relações sociais que circundam as pessoas que pretende estudar. Não pode se tornar uma pessoa local, no exato sentido do termo, mas tenta ganhar entrada na vida destas pessoas locais, em nível suficiente para compreender seus pontos de vista sobre a sua própria experiência de vida (MONTEIRO, 1998, p. 15).

De acordo com ANDRÉ (1995), “a observação é chamada participante porque

parte do princípio de que o observador tem sempre um grau de interação com a situação

estudada, afetando-a e sendo afetado por ela” (ANDRÉ, 1995, p. 28). As entrevistas têm

como objetivo o aprofundamento dos aspectos que foram observados e serão utilizadas,

preferencialmente, as não estruturadas, na tentativa de evitar impor aos sujeitos uma

percepção do pesquisador relativamente aos processos de construção da identidade

racial. Como apontam BOGDAN & BIKLEN (1994), a entrevista não estruturada

“permite aos sujeitos responderem de acordo com a sua perspectiva pessoal, em vez de

terem de se moldar a questões previamente elaboradas” (Ibid, p. 17). Com o auxílio

desses instrumentos, procurei exercitar a etnografia enquanto portadora de uma

dinâmica em que o pesquisador realiza interpretações das interpretações dos sujeitos,

"buscando compreender pelo descrever, não tanto pelo explicar" (MONTEIRO, 1998, p.

11)

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1.2.1- A fotografia como instrumento da pesquisa

A fotografia possui uma linguagem particular, expressando-se pela disposição dos seus diversos elementos dentro de um campo delimitado e bidimensional. Portanto, ela constitui uma representação particular, enquanto forma para expressar as relações sociais ou dimensões particulares da natureza (...) Como as demais artes, refere-se e retrata, com maior ou menor fidelidade, mas nunca exatamente, o mundo real através da expressão pessoal de quem a utiliza. Assim, ela é uma forma peculiar de expressão e investigação da realidade objetiva. (Wayand, 2002).

É importante acentuar que, neste estudo, também, lancei mão de fotografias, de

modo a apoiar a compreensão dos contextos em que os sujeitos da investigação se

situam. Para isto, recorri a alguns autores como LOIZOS (2002), GURAN (2000),

BITTENCOURT (1998), SAMAIN (1998), NOVAES (1998), entre outros, que

discutem a importância do uso da fotografia na pesquisa, sem desconsiderar os riscos

que isto poderá acarretar, caso a sua utilização não seja muito bem elaborada.

A utilização da fotografia na pesquisa científica vem se expandindo cada vez

mais, transmitindo, no mundo contemporâneo, valores fundamentais da cultura. Para

SAMAIN (1998), “essas imagens não falam por si sós, mas expressam e dialogam

constantemente com modos de vida típicos da sociedade que as produz”. (p. 116).

Questões culturais e políticas estão contidas nesse diálogo, onde a diversidade de grupos

e de ideologias é expressa, considerando determinados momentos históricos. Através da

análise das imagens produzidas podemos perceber as mudanças e transformações por

que passaram os diferentes grupos sociais. Nesse aspecto, pode-se dizer que fotografia

também é memória, pois registra fatos que marcaram ou marcam a vida de indivíduos

ou de grupos. SAMAIN (1998) reforça, ainda, que a imagem é mais flexível do que o

texto, por possuir múltiplos significados em sua estrutura narrativa, mesmo que ela

possa ser lida e compreendida como um texto. Para isto, é importante entender que a

fotografia não é uma extensão do real “mas, sim, uma criação interpretativa que é fruto

de um imaginário social ...” (Ibid, p. 117).

GURAM (2000) amplia a discussão sobre o uso da fotografia como instrumento

da pesquisa, apresentando algumas funções deste uso. Entre as funções apresentadas,

destaco duas, pela proximidade com a investigação desenvolvida na comunidade

“Chacrinha dos Pretos”. A primeira função refere-se à possibilidade de se desenvolver

uma reflexão a partir dos elementos contidos na cena, buscando uma compreensão da

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experiência, da forma de organização e representação do grupo social ou dos indivíduos

em estudo. Outra função apresentada pelo autor, e que, para ele, tem um destaque

especial, refere-se à visibilidade da fotografia. Através da imagem é possível tornar

visível àquilo que está subentendido no texto.

Acrescenta, ainda, GURAM (2000), que a fotografia é um dado adicional que,

além de evidenciar aspectos descritos ou interpretados no texto, pode suscitar o debate,

já que ela é parte integrante do discurso. A fotografia tanto pode ser utilizada como

instrumento da pesquisa quanto ser o seu próprio objeto. Ainda de acordo com o autor,

durante a pesquisa a fotografia produzida pode ser de dois tipos:

a) a fotografia feita com objetivo de se obter informação: corresponde àquele momento de observação participante em que o pesquisador se familiariza com o seu objeto de estudo, e formula as primeiras questões práticas com relação à pesquisa de campo propriamente dita. É o momento em que o pesquisador vivencia o cotidiano de uma comunidade e começa a perceber alguma coisa, sem entretanto saber exatamente do que se trata;

b) a fotografia feita para demonstrar ou enunciar conclusões: corresponde ao momento em que o pesquisador compreende e de certa forma domina o seu objeto de estudo e, portanto, pode utilizar a fotografia para destacar com segurança aspectos e situações marcantes da cultura estudada, e desenvolver sua reflexão apoiado nas evidências que a fotografia pode apontar. (GURAM, 2000, p. 201).

Assim, a fotografia pode servir para dar início e/ou concluir uma pesquisa, sendo

o seu uso capaz de abrir possibilidades inovadoras para a compreensão e absorção de

determinados fatos. Outro ponto positivo no uso da fotografia, destacado também por

GURAM (2000), é que esta tem a potencialidade de “destacar um aspecto particular de

uma realidade que se encontra diluído num vasto campo de visão, explicitando assim a

singularidade e a transcendência de uma cena.” (p. 202). Enfim, é grande a contribuição

que a fotografia pode trazer à pesquisa. Além disso, as imagens poderão colocar em

evidência aspectos que dificilmente poderiam ser compreendidos apenas através da

linguagem escrita. A fotografia constitui-se, portanto, “num dado suplementar ao

mesmo tempo em que ilustra uma etapa da reflexão antropológica.” (Ibid, p. 207).

De acordo com as propostas dos autores anteriormente citados, as fotografias

foram usadas em meu estudo na “Chacrinha dos Pretos”, não como possuidoras, em si

mesmas, de potencial descritivo da “realidade”: seu uso não tem uma intenção

meramente descritiva. Ao contrário, elas objetivam: 1) compreender e absorver o fato

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estudado; 2) recolher e transmitir informações sobre os sujeitos, 3) permitir ao leitor o

acesso a informações que não estão contidas no texto e, 4) uma melhor reflexão sobre o

texto. NOVAES (1998) complementa os argumentos apresentados antes dizendo que

“imagens, tais como os textos, são artefatos culturais. É nesse sentido que a produção e

a análise de registros fotográficos (...) pode permitir a reconstituição da história cultural

dos grupos sociais, bem como um melhor entendimento de processos de mudança

social, do impacto das frentes econômicas e da dinâmica das relações interétnicas”.

(p.116).

Outro objetivo do uso da fotografia nesta investigação decorre do próprio

conceito de quilombo. Geralmente, as pessoas têm apenas a noção ou o conhecimento

do termo quilombo no sentido clássico, conforme SANTOS (1984), não apresentando

nenhuma familiaridade com a utilização do termo no sentido contemporâneo, segundo

O’DWYER (1995), ambos já discutidos na primeira seção deste estudo. A tentativa de

visualizar através da imaginação um quilombo contemporâneo torna-se, muitas vezes,

um exercício extremamente difícil, devido aos “velhos” conceitos incorporados

historicamente. Nesse sentido, o uso da imagem é bastante profícuo, já que possibilita

ao leitor aproximar-se de uma realidade que parece estar distante dos seus sentidos, e,

com isso, compreendê-la melhor.

Percebi essa evidência ao apresentar a projeção das fotos positivas (eslaide) a

um público de professores universitários. Um deles ficou surpreso com a representação

de todo aquele cenário: os moradores, as suas atividades, os seus costumes, enfim, o

contexto em que vivem aquelas pessoas. Por ter um conhecimento maior dos antigos

quilombos, principalmente o de “Palmares”, tão bem exemplificado no filme “Zumbi”,

este professor imaginava algo totalmente diferente do que foi projetado, tendo em vista

imagens preconcebidas.

Isto também ocorreu na divulgação das fotografias da “Chacrinha dos Pretos”

em eventos de que participei. Novamente as fotos contribuíram para evidenciar

equívocos sobre o conceito contemporâneo de quilombo. Conforme argumenta

BITTENCOURT (1998), “as imagens e os meios visuais, quando utilizados como

instrumentos etnográficos, ampliam as condições para o estabelecimento de um diálogo

fecundo com outros universos”. (p. 200). Estabelecer esse diálogo contribui sem dúvida,

para a compreensão do estudo.

A discussão dos argumentos apresentados no decorrer desta seção visou

esclarecer o uso da fotografia como um dos instrumentos da pesquisa que realizei na

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comunidade remanescente de quilombo “Chacrinha dos Pretos”. Durante a pesquisa,

para colocar em prática esta intenção, foi necessária uma negociação prévia com os

integrantes da comunidade, visando obter a sua autorização. Isto ocorreu através de uma

reunião com os moradores e a diretoria da Associação local, na qual os objetivos e os

instrumentos da pesquisa foram apresentados a todos os participantes. Nesta reunião,

como em todos os momentos das observações e coleta de dados, o fotógrafo esteve

presente, já que neste tipo de investigação é imprescindível que haja uma interação entre

quem está coletando dados e os sujeitos da pesquisa.

Assim, a seriedade e a sensibilidade presentes no trabalho do fotógrafo teve

uma grande repercussão entre os que viram as fotos, devido à grande qualidade das

imagens. Aliás, esse aspecto é fundamental na pesquisa que faz uso deste instrumento,

pois uma fotografia mal feita pode impedir que o leitor perceba as nuances da

representação, colocando em risco a interpretação e a reflexão sobre a imagem

apresentada.

No início da produção do registro fotográfico percebi que alguns moradores

sentiram-se intimidados diante da máquina. Isto ocorreu apesar da presença constante

do fotógrafo no campo. No primeiro momento, alguns moradores não quiseram se

expor, argumentando que estavam “mal vestidos”, “despenteados” ou que “não

gostavam de ser fotografados”. Porém, no decorrer da pesquisa, esse comportamento foi

se modificando, talvez devido à aproximação maior com a proposta da pesquisa, com o

pesquisador e com o fotógrafo24. Em alguns momentos, como reflexo da interação

alcançada, percebíamos que alguns moradores disponibilizavam-se para serem

fotografados e, orgulhosamente, expunham-se diante da câmara.

Com o objetivo de apresentar o resultado parcial da pesquisa aos moradores, eu,

o fotógrafo e o orientador da pesquisa realizamos uma reunião com a comunidade, onde

mostramos algumas fotos aos moradores; através da projeção dos diapositivos (eslaide),

algumas fotos aos moradores. Para nossa satisfação, todos, inclusive as crianças,

observaram com muita atenção cada palavra dita por nós, e cada foto apresentada na

tela era admirada por todos que, algumas vezes, teciam algum comentário. Para eles,

aquele aparelho desconhecido, projetando as suas fotos na tela, era uma novidade muito

24 É importante destacar que eu, também, estive presente nos momentos do registro fotográfico, inclusive auxiliando o fotógrafo no uso do equipamento e na negociação prévia, que sempre ocorria com aqueles que estavam sendo fotografados, além de selecionar os aspectos a serem fotografados de acordo com o objetivo da pesquisa.

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grande, pois a maior parte dos presentes desconhecia aquela técnica de apresentação de

imagens. No final da reunião, um dos moradores procurou o fotógrafo para parabenizá-

lo e para saber porque ele não havia sido fotografado. Sensibilizado pela qualidade e

pela beleza das imagens, esse morador, que esperava que sua imagem surgisse na tela,

revelou que queria também fazer parte daquele registro. Outro aspecto positivo daquela

exposição foi ter propiciado àqueles moradores o aumento de sua auto-estima, já que,

no início da pesquisa muitos se diziam “feios”, “despenteados” e “despreparados” para

tirar as fotos. Através de suas expressões faciais e dos comentários positivos sobre a

projeção com outros moradores, percebi que, diante da exposição de suas imagens,

sentiam-se orgulhosos e belos.

A repercussão causada pela exposição das imagens, aos moradores, sujeitos da

investigação, a aceitação e apoio que expressaram quanto ao uso das imagens

produzidas reafirmaram a importância de ter enveredado por este caminho. Autores

como DARBON, NOVAES, SAMAIN (1998), GURAN (2000), GOMES & PEREIRA

(2000) publicaram suas pesquisas utilizando a fotografia como instrumento em suas

investigações.

Entre estes, destaco a tese produzida por GURAN (2000), em cuja apresentação

SILVA (2000a) assegura ser “fruto de um olhar sensível, de uma pesquisa séria e da

meditação demorada, nele a fotografia não ilustra o texto, nem serve àquela de legenda:

palavras e imagens se elucidam mutuamente e se completam”. (p. XIII). Desenvolvido

na África Ocidental, tendo como proposta a investigação do processo permanente de

construção social da identidade étnica diferenciada dos agudás, este estudo reveste-se de

suma importância, na medida em que tece, através de depoimentos da comunidade,

fotografias e descrições etnográficas, a imbricada rede de relações sociais desenvolvidas

no Benin.

Sua proposta de compor uma “monografia visual” através da fotografia foi

efetivamente concretizada, principalmente nas análises das representações que as

famílias “brasileiras” constroem de si mesmas, desvendando a importância dos recursos

iconográficos na construção da identidade. Assim, a proposta da utilização da fotografia

aliada ao trabalho etnográfico pareceu-me bastante conveniente, o que se confirma em

BITTENCOURT (1998) quando afirma que as “imagens fotográficas retratam a história

visual de uma sociedade, documentam situações, estilos de vida, gestos, atores sociais e

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rituais, e aprofundam a compreensão da cultura material, sua iconografia e suas

transformações ao longo do tempo”. (BITTENCOURT, 1998, p. 199-200).

Fotografar a “Chacrinha” significou registrar a identidade, a memória e a

história de um povo que perpassa séculos e que poderá se perder se não tivermos a

sensibilidade de preservar, estudar e interpretar os elementos que compõem essa

história. As imagens produzidas na comunidade poderão ser utilizadas para narrar

visualmente determinados aspectos da comunidade em estudo com a mesma intensidade

de um texto escrito.

A seguir apresentarei algumas fotografias por representarem alguns dos

elementos mais significativos na pesquisa, outras estarão anexadas ao final deste estudo.

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1.3. Imagens da Chacrinha

FOTO I

FOTO: Abilio Maiworm-Weiand

A pedra apresentada na foto I é um artefato de grande valor para os moradores

da Chacrinha. Embora não exista nenhum documento escrito ou estudos sobre os

registros que nela se encontram – MD 1752 – a tradição oral a toma como a “pedra

fundamental”, que marca a origem da comunidade.

Localizada numa calçada de cimento grosso, ao lado da casa do Sr. Miguel, na

entrada principal das ruínas, esta pedra tem sido um dos principais pontos apresentados

pelos moradores aos turistas, repórteres, pesquisadores e visitantes.

O conteúdo simbólico da imagem apresentada na foto significa para mim a

trajetória da população da Chacrinha, além do retorno ao passado do povo brasileiro,

precisamente ao século XVIII, marcado pela vigência do sistema escravocrata. Em

Minas Gerais, esse período foi marcado pela exploração de minérios (ouro, diamante).

As histórias narradas por alguns moradores mais velhos da Chacrinha, relembrando

passagens vivenciadas pelos pais e avós, são evidências importantes, que nos levam a

crer que há muitos anos houve exploração de ouro naquela região.

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FOTO II

FOTO: Abilio Maiworm-Weiand

A foto II, intitulada “a praça” e denominada pelos moradores como “pé de

fruta”, representa um dos locais de grande significado social, político e cultural no

contexto dos moradores da Chacrinha. Situada na parte central da comunidade, debaixo

de alguns pés de jabuticaba, com um enorme caule de coqueiro utilizado como banco,

“a praça” é um local onde os moradores geralmente se encontram, não tendo nem

horário e nem dia determinado para tal. A foto II, por exemplo, foi produzida ao meio

dia, horário que o ônibus retorna de Belo Vale trazendo os estudantes e os demais

moradores à Chacrinha. Antes de retornarem às suas respectivas residências, esses

moradores dedicam parte do seu tempo aos amigos, debaixo do “pé de fruta”, conforme

a cena apresentada na foto.

A primeira reunião que realizei com os moradores, objetivando iniciar o

processo de negociação para a realização da pesquisa na comunidade, ocorreu

justamente na “praça”. Reuniões da Associação de Moradores, recepção de turistas e

pesquisadores também ocorrem neste local.

Apesar de não determinarem horários para encontros, os finais de tarde são

mais movimentados; crianças, adolescentes, jovens e adultos descansam ou divertem-

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se, conversam ou brincam, cada um à sua maneira. As crianças correm livremente, sem

o risco de algum carro atrapalhar as brincadeiras. Os adolescentes e jovens estendem um

barbante entre uma árvore e outra e constroem a “rede” para dar início ao jogo de vôlei.

Enquanto isto, os mais velhos conversam, ouvem rádio ou jogam baralho. E assim,

todos os dias, no mesmo local, as “mesmas” cenas se repetem.

Durante as observações que realizei na comunidade percebi, ainda, o uso da

“praça”, por alguns moradores, como um espaço para meditar, pensar ou refletir sobre

os acontecimentos de suas vidas.

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FOTO III

FOTO: Abilio Maiworm-Weiand

A foto apresentada acima foi produzida numa das manhãs de domingo que

passei na “Chacrinha”. Ao chegar da igreja, deparei-me com várias crianças, entre dois

a seis anos, me esperando para brincar. A manhã estava muito bonita, principalmente

por ter tantas crianças juntas! Embora estivéssemos nas primeiras visitas à comunidade,

a presença do fotógrafo representou para elas um motivo de grande alegria.

Brinquei bastante com as crianças; de roda, de passar o anel, de imitar animais e

outras brincadeiras conduzidas por mim e por elas. Foi a segunda vez que as vi

brincando na presença de um adulto. Pareceu-me que os adultos não incentivam e nem

participam das brincadeiras das crianças, principalmente das cantigas de roda. Neste dia,

brincamos até o horário do almoço. O que achei mais interessante foi o prazer das

crianças ao serem fotografadas: até na hora das brincadeiras ficavam preocupados com a

máquina fotográfica.

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FOTO IV

FOTO: Abilio Maiworm-Weiand

A imagem do ônibus que aparece na foto IV foi produzida na entrada da

Chacrinha, no horário de chegada de Belo Vale. Algumas pessoas olham atentamente

para outras que estão descendo do ônibus. É um momento atrativo, marcado por

reencontros, novidades, surpresas ou, até mesmo, por decepções. Esta imagem tem uma

grande representatividade para os moradores da “Chacrinha”, pois as professoras que

trabalham na escola, os estudantes e os demais moradores dependem desse ônibus.

A estrada que liga Belo Vale à Chacrinha tem apresentado vários problemas,

dentre eles os buracos, que vêm desgastando as peças dos ônibus e provocando quebras

constantes. Além disto, estes buracos têm causado preocupações aos moradores, já que,

por várias vezes, o ônibus correu o risco de tombar, deixando todos apavorados. Para

tentar amenizar esse problema, os próprios moradores se reuniram para tapar os buracos

que ofereciam maior perigo, já que a prefeitura não havia tomado nenhuma providência.

Mesmo assim, o trabalho não ficou muito bom, pois não tinham os equipamentos e nem

material suficiente para fazer o que era necessário.

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Apesar de todos os contratempos, os moradores dão muito valor a esse meio de

transporte, pois é o único que possuem, principalmente para ir até a cidade fazer

compras. Além disso, o ônibus é também uma distração para os moradores, pois todos

os dias, aproximadamente às doze horas, muitos se dirigem para seu ponto de chegada

com a finalidade de reencontrar as pessoas que chegam, para receber alguma

encomenda ou notícias ou, até mesmo, sem algum motivo declarado.

Geralmente os moradores descem do ônibus com compras de todas as espécies,

como botijões de gás, rodas de bicicleta e sacos com mantimentos. As pessoas que estão

ali, observando a descida dos outros moradores, logo se disponibilizam para ajudá-los a

carregar as suas compras. Esta cena (foto nº V) foi observada por mim, várias vezes,

representando a solidariedade presente na vida daqueles moradores.

FOTO V

FOTO: Abilio Maiworm-Weiand

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FOTO VI

FOTO: Abilio Maiworm-Weiand

A foto apresentada é de “Vó Domingas”, uma senhora de 80 anos,

aproximadamente, em companhia de seu neto. Vó Domingas é uma das moradoras mais

velhas da comunidade, de aparência tranqüila e serena. Conforme ela mesma relatou, os

seus avós foram escravos e trabalharam na antiga fazenda, atualmente em ruínas,

localizada na comunidade. Apesar da idade e de uma enfermidade que tem numa das

pernas, Vó Domingas é uma pessoa muito disposta e animada. Algumas vezes, é

internada para obter um melhor tratamento para a sua perna, pois não costuma deixar

outras pessoas da família ajudá-la, especialmente nos curativos. Além disso, o seu

marido teve derrame cerebral e agora, depende dela e de outras pessoas para qualquer

atividade. Numa das visitas, ela me disse, melancolicamente, que a pior coisa do mundo

é o marido e a mulher ficarem no estado em que eles se encontram. Isto, muitas vezes, a

deixava “desanimada para viver”.

Quando a dor na perna não a incomoda, Vó Domingas lava e passa roupa,

cozinha, torra e mói café, tarefas constantes no seu dia-a-dia. Apesar destes problemas

ela é uma pessoa alegre e comunicativa com as pessoas mais próximas. No decorrer da

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pesquisa, tive a oportunidade de conquistar a sua confiança, tornando-me uma ouvinte

assídua de seus relatos. Essa aproximação não foi muito fácil; porém, quando ocorreu,

percebi que isto a deixava bem, pois tinha alguém interessado em ouvir as suas

histórias. Mesmo sabendo que os seus avós passaram por momentos sofridos na fazenda

que existiu naquelas ruínas, Vó Domingas tinha boas recordações da infância, das

brincadeiras de roda, dos momentos em que subiam nos muros para pegar frutas e que

corriam pelos cômodos vazios da fazenda. Com um brilho nos olhos, após relatar todos

esses fatos, ela falou, quase suspirando: “Era um tempo bão esse tempo! Tempo calado!

Só pensava bem”! Ver as ruínas significa para Vó Domingas o retorno ao passado,

rememorar os diversos acontecimentos ali vivenciados.

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2. Questão da investigação

...O racismo esconde assim seu verdadeiro rosto. Pela repressão ou persuasão, leva o sujeito negro a desejar, invejar e projetar um futuro identificatório antagônico em relação à realidade de seu corpo e de sua história étnica e pessoal (Jurandir Freire Costa).

A discussão que proponho nesta seção se apóia no conceito mais amplo de

identidade, extraído de CIAMPA (1999) e que adoto neste estudo. Esse conceito se

relaciona com a questão investigada: a construção da identidade racial da criança negra

e a contribuição da escola nesse processo, sem perder de vista o contexto social.

A abordagem do conceito de identidade é iniciada por CIAMPA (1999) com

uma pergunta aparentemente simples: “quem é você?”. Entretanto, as análises feitas por

esse autor revelam que a questão não é tão simples como poderíamos imaginar; pelo

contrário, ela é complexa e, muitas vezes, polêmica. Devido à sua complexidade, o tema

vem sendo estudado por psicólogos, sociólogos, antropólogos, filósofos, além de outros

profissionais que buscam compreender as diversas questões que o envolvem.

Segundo o referido autor, se a resposta à pergunta “quem eu sou?” remete à

nossa identidade, podemos dizer, então, que estamos nos descrevendo como um

personagem, como em um filme, por exemplo, em que os aspectos da nossa vida

aparecem como uma narrativa. Porém, uma questão importante é colocada nessa

discussão: qual é o papel que assumimos nessa narrativa? Afinal, somos personagens ou

autores? Como nas histórias do nosso cotidiano não existem autores, CIAMPA (1999)

conclui que “todos nós, eu, você, as pessoas com quem convivemos – somos os

personagens de uma história que nós mesmos criamos, fazendo-nos autores e

personagens ao mesmo tempo” (p. 60). Podemos considerar que somos autores e

personagens de uma história que construímos coletivamente. Nesse aspecto, acrescenta

o autor que cada identidade constitui elementos da identidade do outro com o qual

convivemos e vice-versa.

Um dos primeiros grupos sociais do qual fazemos parte é a família; é através

dele que recebemos o nosso primeiro nome: “Nosso primeiro nome (prenome) nos

diferencia de nossos familiares, enquanto o último (sobrenome) nos iguala a eles.

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Diferença e igualdade” (Ibid, p. 63). Essa é a primeira noção de identidade: igualamo-

nos e nos diferenciamos, de acordo com o grupo social do qual fazemos parte. No

entanto, é preciso fazer uma reflexão sobre a existência objetiva de cada grupo.

Conforme CIAMPA (1999), “um grupo existe através das relações que estabelecem

seus membros entre si e com o meio onde vivem, isto é, pela prática, pelo seu agir (...)

Nós somos nossas ações, nós nos fazemos pela prática” (Ibid, p. 64).

Nessas relações, diversas transformações podem nos ocorrer, pois não

permanecemos sempre os mesmos. As nossas características identitárias sofrem

modificações constantes. Algumas vezes, o reflexo dessas modificações pode nos causar

conflitos e transtornos, pois a nossa identidade, que até então era percebida como uma, é

ameaçada, causando-nos insegurança diante do que realmente somos (ou do que

pensávamos ser).

Ainda na percepção de CIAMPA (1999), não é possível desvincular da

sociedade o estudo da identidade do indivíduo, pois os elementos políticos, sociais e

econômicos que compõem a sociedade interferem significativamente na construção

identitária desse indivíduo. Para uma pessoa que vive numa sociedade globalizada, sob

o sistema capitalista, é extremamente difícil constituir-se como sujeito, já que nesse tipo

de sociedade o sujeito “se torna algo coisificado, como mero suporte do capital, que o

determina, negando-o enquanto homem” (Ibid, p. 72).

A constituição da identidade vai depender das diversas maneiras de cada

sociedade, já que o problema está na relação sociedade-indivíduo. Portanto, é necessário

um projeto político de identidade constituído no contexto histórico, democrático e

coletivo, para que o homem seja verdadeiramente humano. Assim, na concepção de

CIAMPA (1999), identidade “é movimento, é desenvolvimento do concreto, é

metamorfose. É sermos o Um e um Outro, para que cheguemos a ser Um, numa

infindável transformação” (p. 74). Dessa forma, a identidade é um constante vir a ser, é

impulsionada e ao mesmo tempo delimitada pelo locus societário, numa constante

tensão entre a transformação e a conservação.

Após a apresentação do conceito de identidade adotado neste estudo, passo

agora à discussão do tema de maneira mais específica, ou seja, da identidade racial da

criança negra e da contribuição da escola nesse processo, dialogando com SILVA

(2000c), FERREIRA (2000), COSTA (1983), MUNANGA (1999), SOUZA (1983),

BARBOSA (1987), entre outros.

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Inicialmente, como pesquisadora negra, retomo um dos momentos vivenciados

por mim, na adolescência, quando surgiram os primeiros conflitos em relação à

construção da minha identidade racial. Comecei a perceber que o fato de ser negra me

tornava diferente num ambiente em que houvesse a presença de brancos, mesmo que

não fosse a maioria. Esse momento, conforme aborda BARBOSA (1987), não é

marcado apenas pela conscientização das diferenças raciais, “mas pelo significado

dessas diferenças e da importância que elas têm para suas futuras relações sociais”

(BARBOSA, 1987, p. 54). A experiência vivenciada me fez perceber que, na maioria

das vezes, para ser aceito, o negro precisa ser “igual” aos brancos ou “agir” como eles.

Revisitada em minha maturidade, a situação experimentada permitiu-me compreender

melhor os fundamentos da ideologia racial.

Essa ideologia, elaborada no século XIX e meados do século XX, tem como

característica o “ideal do branqueamento” (MUNANGA, 1999; D’ADESKY, 2001),

que surge para fortalecer a mestiçagem no Brasil, tendo como conseqüência a busca do

embranquecimento da sociedade e, por conseguinte, a desvalorização da raça negra. A

ideologia racial reforça a homogeneização da sociedade, estimulando a assimilação da

cultura branca pelos negros. O ideal do embranquecimento favorece a alienação e

dificulta a construção de uma identidade negra numa sociedade que tem a manutenção

da cor branca como aspiração. Nesse sentido, para se ajustarem, os negros, tomados

como “os outros”, têm que “se adaptar”, seguindo um modelo externo de cultura e seus

requerimentos. Conforme SILVA (2000c), numa sociedade em que a população no

poder é composta por brancos, a identidade branca é vista como “desejável”, como

“única”, de força tão grande que não é vista apenas como uma identidade possível, mas

como “a identidade”.

Assim, construir uma identidade negra numa sociedade em que a classe

dominante é predominantemente branca não tem sido uma tarefa fácil. Sabendo que é

através do contexto sócio-cultural, incluindo a família, a comunidade, a igreja, a escola

e os meios de comunicação, que ocorrem os processos de construção da identidade,

destaco o papel da família e da escola: a família, por ser o meio de contato mais

próximo do indivíduo com o mundo, e a escola, por ser um lugar formal de educar, de

formar o cidadão e de construir saberes. O foco principal neste estudo é a escola e a

maneira como a diversidade é tratada por ela, sem perder de vista o contexto social no

qual está inserida.

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O trabalho de MUNANGA (2000) permite compreender que, na maioria das

vezes, o despreparo dos professores, somado aos preconceitos que carregam no

decorrer de suas vidas, interfere na discussão do tema racial pela escola. Minha

vivência profissional também me possibilitou observar crianças negras ocupando

posições isoladas nas salas de aula, pois as crianças brancas as evitavam, formando,

assim, grupos determinados pela cor. De modo geral, o professor não tem iniciativa ou

não está preparado para solucionar tal impasse e, muitas vezes, evita se manifestar

sobre o assunto. Permanece o silêncio, que serve apenas para reforçar a discriminação

a essas crianças.

Para MUNANGA (2000), esses professores “não sabem lançar mão das

situações flagrantes de discriminação no espaço escolar e na sala de aula como

momento pedagógico privilegiado para discutir a diversidade e conscientizar seus

alunos sobre a importância e a riqueza que ela traz à nossa cultura e à nossa identidade

nacional” (p. 7-8). Infelizmente, a formação da maioria dos professores se deu numa

sociedade que, desde o seu início, buscou manter a distinção entre negro e branco,

privilegiando a raça branca e tentando provar, inclusive através dos fatores biológicos,

a superioridade de uma raça sobre outra; isso contribui para a permanência da omissão

e do silêncio do professor.

Historicamente, as estratégias de dominação de um povo sobre outro incluem a

tentativa de destruição da cultura do povo dominado. Ao negro tem sido negado o

direito da expressão cultural das suas origens, principalmente de suas crenças religiosas.

SOUZA (1983) aponta a dificuldade da construção identitária do negro, o que se

confirma em COSTA (1983) que destaca a “violência racista” a que ele é submetido, o

que emperra esse procedimento, pois “a violência racista do branco exerce-se, antes de

mais nada, pela impiedosa tendência a destruir a identidade do sujeito negro” (COSTA,

1983, p. 2). Nessa violência, inclui-se, também, a tentativa de destruição da sua história

e do seu passado. Como exemplo, cito a queima de documentos que registravam fatos

históricos da população negra, autorizada por Rui Barbosa, em 1889 (REVISTA

PALMARES, 2000). Este foi um ato extremo de violência simbólica, já que a

construção da identidade de um povo depende, também, do conhecimento dos seus

antecedentes históricos.

Nas nossas escolas, até hoje, pouco se fala da cultura do negro, a não ser em

datas comemorativas, quando os negros são aproveitados para ilustrar aspectos de sua

história através de dramatizações em que aparecem personagens escravos ou por meio

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da dança, folclorizando a produção cultural da população negra. Mas, ao terminarem

essas comemorações, o negro sai de cena e volta a ocupar o seu lugar, à margem dos

acontecimentos. Além dos aspectos sócio-culturais implicados na construção da

identidade negra, os estereótipos criados pelo olhar do outro (o branco, nesse caso), que

se originaram no decorrer de sua história e que dão ao negro uma condição inferior, são

os mais significativos percalços na sua construção identitária.

Às dificuldades de construção da identidade negra acrescenta-se ainda a

questão dos padrões estéticos que classificam o branco como símbolo da beleza.

Diante disso, fica extremamente difícil para os negros assumirem uma identidade

racial ligada às suas raízes étnicas. O resultado é que grande parte da população negra

se sente reprimida e insegura em se reconhecer como negra. Para o negro, no exercício

de seu cotidiano, assumir a negritude significa assumir uma luta feroz contra o peso

massacrante de toda a sociedade. É ser, agir e pensar ininterruptamente contra as mais

desveladas ou disfarçadas formas de discriminação. É assumir uma condição

desgastante de enfrentamento, o que o leva, muitas vezes, a “negar” a sua verdadeira

identidade como forma de autodefesa psicológica e social. Diante das manifestações

racistas, especialmente para a criança negra em formação, lidar com os entraves que

prejudicam a construção de sua identidade racial se revela uma situação bastante

complexa. (MEDEIROS, 2001).

Histórica e culturalmente, o negro sempre foi inferiorizado. Assim, é

extremamente difícil para o educador trabalhar com a questão racial de forma tranqüila

e satisfatória, já que também ele, consciente ou inconscientemente, assimilou as

características negativas que foram impostas ao negro. Por outro lado, alguns

educadores vêem a entrada do debate sobre a questão racial na escola como uma forma

de discriminação, declarando que é melhor deixar as coisas como estão, isto é, em

silêncio, para não piorar.

A ausência desse debate no âmbito escolar contribui para a permanência do

racismo, que tem reflexos, inclusive, na evasão escolar. As taxas de evasão são bastante

elevadas entre os alunos negros, que se encontram nos grupos de mais baixa renda e

possuem as piores condições de vida. Outro reflexo do racismo, ainda presente na

sociedade brasileira, é o alto índice de analfabetismo da população negra. Conforme

HENRIQUES (2001), os dados coletados pelo – IPEA – Instituto de Pesquisa

Econômica Aplicada de 1999 mostram que a taxa de analfabetismo da população negra

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de 25 anos ou mais atinge 25,9% enquanto na população branca essa taxa é bem

inferior, alcançando apenas 10,4%. Em relação ao número de pobres e indigentes, o

IPEA comprovou que a grande maioria se concentra na população negra. Esse

contingente reforça a dimensão da desigualdade social brasileira.

Assim, a escola deixa de cumprir a sua função de oferecer oportunidades iguais

para todos e de contribuir para a formação de um indivíduo que pense, que questione e

que contribua para a transformação desta sociedade, que, afinal, o oprime. O debate

sobre os processos de construção da identidade racial é imprescindível para que as

crianças negras se orgulhem de serem negras ao invés de assimilarem uma identidade

imposta pela classe dominante branca.

Sem atribuir à escola maior influência do que ela possa ter na formação social

brasileira, pode-se supor que a educação escolar, no Brasil, tem contribuído muito

pouco para a efetiva discussão de questões referentes à população negra. É nesse

contexto que oriento a investigação dirigida a professores e alunos de uma comunidade

remanescente de quilombo, procurando compreender como os processos de construção

da identidade racial são abordados na escola através das relações estabelecidas pelos

professores com os seus alunos, sem perder de vista o contexto social.

Nesse sentido, procurei conhecer as atividades desenvolvidas pelos

professores, buscando interpretar a relação delas com o contexto social da comunidade

e o tratamento dado pelos educadores aos conteúdos relacionados à história da

população negra. Embora propostas inicialmente na investigação, as datas

comemorativas foram excluídas dessas unidades de análise, pois percebi que a sua

permanência poderia levar muitos leitores a constatarem que a história da população

negra se restringe apenas a comemorações esporádicas, como o dia 13 de maio

(Abolição da Escravatura) e o dia 20 de novembro (Dia Nacional da Consciência

Negra). Acredito que a discussão sobre a questão racial deve estar presente no

cotidiano da escola e não apenas em datas excepcionais. Finalmente, analisei a

percepção dos professores face à discriminação e preconceito racial e os processos de

construção da identidade racial passíveis de serem observados na escola.

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3.- Para além da escola

3.1. A educação nos seus aspectos sociais:

A realidade educacional se dá em um contexto histórico, e não podemos mais teorizar sobre a educação sem levarmos em conta que a nossa educação é hoje, em grande parte, aquilo que o passado forjou (Paulo Ghiraldelli Jr.)

O tema de que trata este estudo - “Escola e identidade racial” – embora pudesse

apontar para um estudo limitado ao interior da escola, indica que o processo de

escolarização não se dá no vazio social, implicando, tanto dentro quanto fora da escola,

a incorporação de relações sociais de diversas naturezas. Na Chacrinha não é diferente.

Aspectos sociais, políticos, econômicos e religiosos compõem a vida cotidiana

das crianças envolvidas neste estudo e participam de forma significativa da sua

construção identitária. As crianças que freqüentam a escola são aquelas que também

freqüentam a igreja, as reuniões da Associação de Moradores da Comunidade, que

capturam pássaros canoros e os negociam, que participam de mutirões, que ajudam a

fazer biscoitos, doces, entre outras atividades.

Para explicitar melhor essa questão, recorro às idéias de SAVIANI (1984) e

LIBÂNEO (1993), por tratarem de uma tipologia da educação, mostrando que esta pode

ocorrer além da escola.

Em sua exposição, SAVIANI (1984) reflete sobre o processo de escolarização

a partir do saber espontâneo e do saber sistematizado. Para ele, o saber espontâneo

(popular ou fragmentado) diz respeito aos acontecimentos que o indivíduo constrói

através do meio social, sendo este iniciado, na maioria das vezes, pelo contato com a

família. Ao refletir sobre os dois tipos de saberes apresentados, SAVIANI (1984),

procura esclarecer a relação existente entre eles:

pela mediação da escola, dá-se a passagem ao saber sistematizado, da cultura popular à cultura erudita. Cumpre assinalar, também aqui, que se trata de um movimento dialético, isto é, a ação escolar permite que acrescentem novas determinações que enriquecem as anteriores, e estas, portanto, de forma alguma são excluídas. Assim, o acesso à cultura erudita possibilita a apropriação de

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novas formas através das quais se pode expressar os próprios conteúdos do saber popular. (SAVIANI, 1984, p. 6). [grifo meu].

Esse argumento, exposto por SAVIANI (1984) mostra que o saber sistematizado

reforça o valor do saber espontâneo, da cultura popular, através das novas formas de

expressão que lhe são atribuídas.

Para LIBÂNEO (1993), a educação é compreendida em dois sentidos: amplo e

estrito. No sentido amplo, a educação compõe processos de formação que se dão nos

meios sociais nos quais os indivíduos estão envolvidos (família, igreja, comunidade,

grupos de lazer, etc.). Esse tipo de educação acontece necessária e inevitavelmente, isto

é, basta que a pessoa exista socialmente para que ele ocorra. Neste sentido, a prática

educativa está presente “numa grande variedade de instituições e atividades sociais

decorrentes da organização econômica, política, da religião, dos costumes, das formas

de convivência humana” (LIBÂNEO, 1993, p. 17). No sentido estrito, a educação

ocorre em instituições específicas, destinadas a esse fim, sendo essas escolares ou não.

Esse tipo de educação apresenta objetivos específicos, como “a instrução e ensino

mediante uma ação consciente, deliberada e planificada, embora sem separar-se

daqueles processos formativos gerais” (Ibid).

LIBÂNEO (1993) acrescenta, ainda, os aspectos que influenciam a educação,

que são tratados pelas várias modalidades educacionais como não-intencionais e

intencionais. Os primeiros “referem-se às influências do contexto social e do meio

ambiente sobre os indivíduos” (p. 17). Essas influências são denominadas de educação

informal e estão ligadas aos conhecimentos que são adquiridos através da convivência

com outros indivíduos. De acordo com LIBÂNEO, esse tipo de educação ocorre:

...através das experiências, valores e práticas que não estão especificamente ligados a uma instituição e não são intencionais e conscientes (...) São situações e experiências, por assim dizer, casuais, espontâneas, não organizadas, embora influam na formação humana. É o caso, por exemplo, das formas econômicas e políticas de organização da sociedade, das relações humanas na família, no trabalho, na comunidade, dos grupos de convivência humana, do clima sócio-cultural da sociedade. (LIBÂNEO, 1993, p. 17).

Na educação intencional, as influências são realizadas com objetivos definidos

de forma consciente. A educação escolar é um bom exemplo desse tipo de educação,

pois o educador organiza, propositalmente, os objetivos que pretende alcançar através

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das atividades trabalhadas com os seus alunos. Além da escola, outras instituições tais

como empresas, igrejas e sindicatos, também realizam a educação intencional, ainda que

a educação escolar tenha um destaque entre as outras instituições mencionadas por ser

sustentáculo delas.

Embora todas os tipos de educação apresentados tenham suas características

próprias, eles se integram, pois o processo educacional, independentemente de onde se

realiza, está estritamente ligado a questões sociais, políticas, econômicas e culturais da

sociedade, sendo portanto, a educação um fenômeno social, conforme salienta

LIBÂNEO (1993). Por esse motivo, a educação no sentido estrito não pode ser

compreendida de forma isolada dos acontecimentos sociais. Para o autor, não há uma

exclusão de um tipo de educação em detrimento do outro; pelo contrário, são processos

complementares.

Conforme SAVIANI (1984), a educação escolar acrescenta novos elementos que

podem contribuir para a ampliação dos conhecimentos que o aluno já trás consigo,

dando continuidade ao processo educativo já iniciado pelo meio social. A educação

ocorrida no sentido amplo é extremamente importante já que, muitas vezes, a escola não

aborda questões ligadas à história de vida dos seus alunos e que podem ser importantes

para a construção de suas identidades. Uma narração sobre fatos históricos da

comunidade, feita por um dos moradores mais velhos da “Chacrinha dos Pretos” a

várias pessoas presentes, entre elas crianças que estudam na escola local, exemplifica

essa questão. Essa narração por mim observada, relata como os fazendeiros tomaram

posse das terras que pertenciam aos antigos moradores, descendentes dos escravos que

lá habitaram:

Os antigos falaram que o terreno, igual o tal o muro onde tem a porteira de chave era dos povos dos negros. Então, nisso é, eles prantaram e o terreno foi cansando e, nisso os fazendeiros fez uma proposta pra eles, pra trocar, prantar no terreno deles enquanto o terreno aqui descansava, e aí eles aceitaram a proposta. O fazendeiro colocou o gado deles pra cá do terreno e foi tomando posse do terreno e foi indo, foi indo, até que chegou nesse ponto aqui, que os pobres aqui, era assim, não tinha assim, não era disponível, né! Não tinham aquela disposições assim, porque eram muito pobres, não tinham condições também de poder tocar o negócio pra frente e tornar possuir novamente o terreno. E o fazendeiro foi tomando conta, foi tomando conta, até chegar nesse ponto aí que eles perderam os terrenos pro fazendeiro, né! Escritura nenhum dos pobres tinha, né! Nenhum tinha. Quem passou a

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escritura foi o fazendeiro, ele que conseguiu a escritura e os negros ficou aí sem, sem terreno e, nisso também, agora no momento, agora... é, do meu tempo pra cá o pessoal começou a comprar, o fazendeiro começou a vender terreno. Igual eu mesmo comprei, se eu quis possuir o meu barraco, eu tive que comprar, e outros mais, parentes...(ENTREVISTA Nº 07, 11/02/2002).

Esse tipo de aprendizagem, geralmente não ocorre na escola, inclusive porque os

professores desconhecem fatos históricos do local. Por outro lado, os professores não

incluem no seu planejamento escolar conteúdos que possam favorecer aos alunos da

comunidade a aquisição de conhecimentos sobre a sua ascendência negra. Na escola

investigada, durante as aulas, em nenhum momento percebi na fala dos professores a

inclusão de aspectos históricos da comunidade. Isso reforça a importância do contato

que as crianças têm com os adultos através do meio social.

As reflexões de SAVIANI (1984) e LIBÂNEO (1993), indicam aspectos

semelhantes ao discutir o processo de escolarização. Os dois autores apontam dois tipos

de educação. SAVIANI (Ibid) ao falar de saber espontâneo e saber sistematizado

enfatiza que o segundo possibilita uma melhor apropriação do saber popular.

Reforçando essa tese, LIBÂNEO (Ibid), ao discutir a educação no sentido amplo e no

sentido estrito mostra que os dois tipos se integram.

Diante disso, pude compreender o movimento dialético que ocorre entre a

passagem de um tipo de educação para outro, sem que se anulem. O que prevalece nessa

passagem é a integração, a complementação, ao invés da exclusão. Portanto, fica difícil

falar de uma sem mencionar a outra. Essa discussão permitiu-me compreender os

aspectos que, compondo as relações sociais de diversas naturezas, incorporam o

processo de aprendizagem e a constituição da identidade de cada criança que freqüenta

a escola em busca de um saber sistematizado. Isso justifica a inclusão, nesta

investigação, da dimensão educativa da comunidade ao invés de considerar apenas a

educação sistematizada (intencional, formal) realizada pela instituição escolar.

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3.2- Situando a escola investigada

Situada na parte central da comunidade “Chacrinha dos Pretos”, a Escola

Municipal Joaquim José da Silva Xavier25 possui duas salas de aula, uma cozinha, dois

banheiros e um pequeno espaço coberto que dá acesso às salas de aula. Na entrada há

uma pequena horta com cebolinha, alface, couve e mostarda, plantada pela servente da

escola. Essas verduras são utilizadas no complemento da merenda servida diariamente

aos alunos. Uma área de terra, que fica ao redor da escola, é usada pelas crianças para as

brincadeiras do recreio e, nos fundos, um campo de futebol, improvisado, é utilizado

para as aulas de Educação Física. A estrutura do prédio está bem conservada. De acordo

com a servente que trabalha há mais ou menos quatorze anos na escola, o prédio foi

construído há 13 anos, sendo que a escola já existia há mais tempo naquela comunidade,

tendo apenas mudado o seu local de funcionamento.

Meu primeiro contato com a escola ocorreu em dezembro de 2001, quando tive

a oportunidade de conhecer os alunos e a professora Ângela, que lá trabalha desde 1989.

Relatou-me Ângela que há alguns anos havia duas professoras na escola, uma

lecionando para a primeira e segunda séries e outra para a terceira e quarta séries. Nos

últimos anos, porém, somente uma professora tem trabalhado na escola, devido ao

número de alunos matriculados. Durante a coleta de dados, tive contato com mais duas

professoras que também trabalharam na escola da Chacrinha: Teodora e Luzia. Isto se

deu devido à mudança de professoras ocorrida no período da pesquisa. Além dessas,

conheci as professoras Sônia e Laura, que residem na comunidade mas lecionam em

outro local.

25 Anexo 14: foto: Crianças na escola da comunidade. (Foto: Abilio Maiworm Weiand, 2002).

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3.3 – Reflexões sobre a educação “formal” na Chacrinha

A escola Municipal Joaquim José da Silva Xavier oferece as quatro primeiras

séries do Ensino Fundamental, em salas multisseriadas. De um modo geral, as crianças

da Chacrinha iniciam a sua escolarização aos sete anos. Esta foi uma das questões

colocada pela professora Ângela, que não se conforma muito com essa realidade; acha

que é necessária a passagem das crianças pela Educação Infantil porque quando isso não

ocorre, as dificuldades de aprendizagem nas séries posteriores são evidentes, o que vem

sendo observado por ela junto à maioria dos alunos que freqüentam a escola na

Chacrinha (1ª a 4ª série) e em Belo Vale (a partir da 5ª série).

Compreendi no comentário feito por Ângela que a Educação Infantil é, para

ela, essencial para preparar o aluno ao acesso às primeiras séries do Ensino

Fundamental. No entanto, esse argumento apresentado por ela contraria os objetivos da

Educação Infantil, apontados pela LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (BRASIL, MEC/SEF, 1998) que compreende a Educação Infantil como a

primeira etapa da educação básica e tem como objetivo propiciar às crianças o acesso e

a ampliação dos conhecimentos da sua realidade social e cultural. É importante que o

professor compreenda que o processo ensino-aprendizagem não ocorre somente na

escola; antes de tudo, ele ocorre na família, que é o primeiro grupo social a que criança

tem acesso.

A Educação Infantil é oferecida para expandir a socialização e a construção dos

conhecimentos que a criança já apreendeu no seu núcleo familiar. Face ao exposto,

ressalto que as crianças da “Chacrinha” podem até iniciar a sua escolarização aos sete

anos, porém, a aprendizagem já vem ocorrendo desde os seus primeiros anos de

existência, e isto tem que ser levado em conta no momento em que entram na escola. O

professor deve aproveitar essa formação anterior à escola para dar continuidade à

formação dos seus alunos, respeitando o desenvolvimento e as características adquiridas

por eles no seu contexto social.

Ângela enfatiza outros aspectos que a seu ver reforçam a necessidade de se

implantar a Educação Infantil na comunidade. O primeiro refere-se ao aproveitamento

do espaço ocioso que a escola possui, já que apenas uma sala está sendo ocupada. Além

desse, há diversos contratempos que, atualmente, as crianças dessa faixa escolar e suas

famílias enfrentam: 1) o deslocamento até a cidade para freqüentar a escola de

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Educação Infantil; 2) o despertar às cinco e meia da manhã; 3) a viagem num carro que

não oferece segurança; 4) as condições precárias das estradas da zona rural.

Visando aprofundar minha compreensão acerca das questões apontadas por

Ângela, procurei a Supervisora Pedagógica responsável pelas escolas situadas na zona

rural de Belo Vale. Ao falar da situação da Educação Infantil na Chacrinha, a

supervisora relatou-me que essa modalidade de ensino ainda não foi implantada naquele

local devido à demanda, que, a seu ver, é muito pequena. Ela acrescentou, ainda, que a

comunidade pode encaminhar um pedido à Secretária de Educação, caso sinta a

necessidade de oferecimento dessa modalidade de ensino.

Após ter ouvido a professora Ângela e a supervisora, compreendi que há uma

falta de diálogo entre os atores envolvidos com a educação no município. A professora

fez um depoimento mostrando a necessidade da Educação Infantil na escola da

comunidade e as implicações que a sua inexistência vem acarretando. Já a supervisora,

embora diga que não há demanda para tal, envia um carro para levar as crianças da

comunidade para freqüentar a escola de Educação Infantil em Belo Vale. Essa atitude

desconsidera o seu argumento em relação à demanda pois, se o número de alunos não

fosse significativo a Prefeitura Municipal não colocaria um carro para fazer essa

locomoção. Creio que seria mais vantajoso tanto para o município quanto para os

moradores da Chacrinha a inserção de uma classe de Educação Infantil na escola local

e, de preferência, com uma professora da própria comunidade.

Nas visitas que realizei à Chacrinha, conheci mais duas professoras, residentes

na comunidade, que exercem o cargo de docentes na Secretaria de Educação da

Prefeitura Municipal de Belo Vale. Sônia, uma delas, atualmente trabalha em Pandeiros,

uma comunidade bem distante da “Chacrinha”. Sônia relatou-me que teve que se mudar

para a zona urbana de Belo Vale, para facilitar o acesso ao local de trabalho, deixando

duas filhas, ainda pequenas, aos cuidados da mãe e da irmã caçula. Penso que Sônia

poderia estar lotada na escola da Chacrinha, pois é residente na comunidade, atua como

secretária na Associação de Moradores local, tendo uma participação política e social

ativa, além de ter demonstrado, através de entrevistas, preocupação com a questão racial

na escola, apresentando reflexões que podem colaborar com a construção identitária das

crianças da Chacrinha.

Laura, por sua vez, trabalha como empregada doméstica e também está

exercendo o magistério como professora substituta na zona urbana de Belo Vale.

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Enquanto isso, Ângela, professora efetiva da escola da Chacrinha, há um bom

tempo vem tentando a sua transferência para Belo Vale, local onde mora. Até hoje,

entretanto, não conseguiu realizar o seu desejo.

De acordo com a Supervisora Pedagógica, a distribuição e o remanejamento de

professores nas escolas são feitos no início do ano letivo sob a coordenação da

Secretária Municipal de Educação e das Supervisoras Pedagógicas. Para isso, um dos

critérios destacados é a atuação da professora na comunidade onde trabalhou no último

ano, não só em relação ao seu desempenho na sala de aula mas, também, ao seu

relacionamento com os pais dos alunos e com os demais moradores do local.

Outra questão que procurei explorar em diálogo com a supervisora foi referente

ao professor que mora em um local e é encaminhado para trabalhar em outro, como é o

caso de Sônia, que reside na Chacrinha e trabalha em Pandeiros. Para a supervisora,

especificamente no caso de Sônia, isso tem ocorrido porque a professora Ângela, lotada

na escola da Chacrinha, é efetiva, tendo prioridade na escolha do local de trabalho. Já a

professora Sônia, por ser apenas contratada, pode ser enviada para o local que a

comissão responsável pela distribuição de professores achar conveniente.

A reflexão sobre as informações obtidas através das falas da professora Ângela

e da supervisora do município, contribuiu para a minha compreensão a respeito da atual

situação do ensino nas comunidades rurais, especialmente na Chacrinha. O diálogo

entre a Secretaria de Educação do município, as professoras e os moradores da

Chacrinha parece inexistente. Há um desencontro de informações explicitado nas falas

da professora e da supervisora. O desejo da professora Ângela em transferir-se para o

local onde reside e a fala da supervisora afirmando que o professor efetivo tem

prioridade em escolher o local de trabalho exemplifica esse desencontro. Diante dessa

situação, as crianças são as mais prejudicadas, pois uma escola que não tem uma

estrutura sólida poderá influenciar negativamente na construção dos conhecimentos dos

seus alunos.

Para tentar solucionar os problemas discutidos, acho que há necessidade de

uma reunião onde a coordenação da Secretaria Municipal de Educação, as supervisoras,

professoras e os moradores da Chacrinha estejam presentes para, juntos, buscarem uma

solução para os problemas por eles enfrentados, além de discutirem o planejamento da

escola, a distribuição e o remanejamento de professores, procurando rever as situações

das comunidades da zona rural, considerando as especificidades de cada uma. A

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“Chacrinha”, por exemplo, é uma comunidade negra, remanescente de quilombo e, estas

características precisam ser estudadas, discutidas e refletidas no cotidiano da escola. A

inclusão de estudo do contexto histórico em que a comunidade está inserida e de temas

referentes à população negra certamente ajudará a criança a valorizar a sua origem, a

sua cultura, os seus antecedentes, além de contribuir para o crescimento de sua auto-

estima, favorecendo a construção de sua identidade negra.

Dando prosseguimento ao diálogo, Ângela aponta as dificuldades de

aprendizagem das crianças por não terem, segundo ela, nenhum acompanhamento dos

pais nos deveres de casa, ou seja, elas só estudam na escola. A esse respeito

CARVALHO (2000) discute a situação vivenciada pelas famílias que, muitas vezes, são

tomadas como responsáveis pelo sucesso dos seus filhos na escola, ou então, pelo

fracasso. Para a escola, conforme reflete a autora, a família que não se dispõe a

contribuir com a educação dos filhos, auxiliando-os nos deveres de casa, é vista como

culpada pelo seu insucesso. Outro ponto, também, abordado pela autora, refere-se ao

“desvio do foco da melhoria educacional da sala de aula para o lar” (CARVALHO,

2000, p. 151).

Isto ocorre a partir do momento que a escola envia o dever de casa para que os

pais o façam com os seus filhos, tornando-se, de certa forma, isenta dessa tarefa. O

professor parece não compreender que “o dever de casa integra uma concepção

particular de instrução, de organização de aprendizagem, de trabalho escolar e de papel

de docente” (Ibid., p. 151). Ao assumir essa rotina a escola demonstra não dar

importância às especificidades do grupo com o qual trabalha, desconsiderando que uma

escola se diferencia de outra em aspectos bastante relevantes, que vão determinar a

maior ou menor participação da família na educação escolar de seus filhos:

No caso da escola privada de classe média, supõe-se que a sua aceitação (principalmente pelos pais) como uma prática rotineira esteja associada ao fato de a jornada letiva diária e anual serem percebidas como curtas e insuficientes para o progresso escolar. No caso da escola pública, reconhece-se que os baixos níveis de escolarização e renda de sua clientela desestimulam tanto a participação dos pais nas reuniões escolares quanto a adoção de deveres de casa.” (CARVALHO, 2000, p.147).

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A escola da “Chacrinha” se encaixa no segundo caso, apontado por

CARVALHO (2000). Ao refletir sobre o assunto, percebi que alguns aspectos têm

interferido na atuação dos pais, especialmente no caso das mães, em relação a esse

acompanhamento dos deveres de casa. As mães das crianças que estudam na escola da

“Chacrinha”, de um modo geral, tem baixo nível de escolarização; exercem muitas

atividades domésticas, como lavar e passar roupa, cozinhar, buscar lenha, entre outras,

que tomam quase todo o seu tempo, levando-as a um desgaste físico que dificulta o

acompanhamento dos filhos nessas tarefas. Além disso, muitas vezes, se deslocam para

Belo Vale em busca de recursos para complementação da renda familiar, trabalhando

em algumas residências como domésticas ou faxineiras, quando seus cônjuges não têm

emprego fixo e dependem de trabalhos temporários para o sustento da família.

A discussão acima nos oportuniza uma melhor compreensão do

comportamento dos pais diante do “problema” colocado pela professora Ângela, ou

seja, o “acompanhamento dos pais nos deveres de casa”. Face ao exposto, entendo que o

grande desafio colocado para o professor, junto com os demais membros da

comunidade escolar, seja desenvolver uma sensibilidade maior para compreender como

os fatores sócio-econômicos, políticos e culturais interferem na construção da

aprendizagem dos alunos. Ao invés de culpar a família pelo problema do insucesso e do

fracasso escolar, o professor deveria aproveitar todos os momentos de vivência na

escola para favorecer a construção do conhecimento dos alunos naquele espaço.

Em outro momento de diálogo com Ângela, ela afirmou que na opinião dos

alunos a comunidade é um bom lugar para se viver, classificando-a como melhor que

Belo Vale. Em relação à questão racial, Ângela, que também é negra, disse que “entre

eles não há comentários a esse respeito, principalmente pelo fato da maioria dos

alunos ser negra”. Atualmente, na turma há apenas um aluno branco; mesmo assim, não

se registra o uso de apelidos pejorativos que se refiram às características fenotípicas. A

professora elogiou a turma, dizendo que todos são muito educados e que a respeitam

muito.

No que se refere aos conteúdos trabalhados em sala, é estudado apenas o que

está nos livros didáticos adotados. A história da comunidade onde moram os alunos, por

exemplo, não é abordada. A professora confessa que, por, também desconhecer essa

história, fica difícil “transmiti-la” aos seus alunos. O pouco que sabe, alguns “casos”,

foi devido ao contato com alguns moradores mais velhos. Ela diz ainda que, se fosse

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moradora da comunidade, seria mais fácil repassar informações sobre o local. Além

disso, Ângela vê a necessidade de um material escrito narrando a história da

comunidade, para poder transmiti-la aos seus alunos. Ao expor esse ponto de vista,

Ângela não percebe a presença de pessoas da própria comunidade que guardam na

memória ricas passagens da história local e que poderiam suprir a falta do material

escrito reclamado por ela. Ao mesmo tempo, ao dizer que o pouco que conhece lhe foi

transmitido através dos “casos” narrados pelos moradores mais velhos, expressa, talvez

inconscientemente, o valor da história oral.

Ainda a respeito da ausência da inserção do contexto histórico da comunidade

na escola, destaco um fragmento de estudos realizados por GONÇALVES (1985), no

qual afirma que “educar a criança negra pressupõe, entre outras coisas já analisadas,

quebrar o silêncio que a cerca. Tarefa difícil, à medida que o silêncio manifesta-se como

ritual pedagógico e como tal impõe-se a todos os membros da escola, sem exceção,

embora o ato de ‘silenciar’ tenha para cada um significados diferentes” (GONÇALVES,

1985, p. 318). A questão do “silêncio”, analisada pelo autor como um ritual pedagógico

a favor da discriminação racial, ilustra a realidade de muitas escolas, onde há uma

permanente omissão por parte de seus representantes de conteúdos que focalizem a

história da população negra e o não reconhecimento das diferenças culturais.

Em relação ao “silêncio” presente na escola da Chacrinha, acredito que uma

das formas de enfrentá-lo seria a busca da inserção de moradores da comunidade nas

atividades escolares, para que possam conversar com os alunos sobre a história local,

“história nunca esquecida, sempre resgatada, recontada, ressignificada” (KRAMER,

1995). Que esse contato seja realizado, também, fora do ambiente escolar,

possibilitando que aquelas crianças vejam os locais visitados por turistas e repórteres de

uma outra forma, já que o contexto histórico estará sendo incluído naquele momento.

Acredito que, a partir dessa iniciativa, os alunos poderão adquirir uma melhor

compreensão de sua própria história, de sua origem, além de conhecer os seus

antecedentes. Na percepção de NEGRÃO (1988), essa proposição “apóia-se na

concepção de que a recuperação da história acarreta o fortalecimento da identidade da

população negra, uma vez que os negros podem, assim, apropriar-se de suas histórias e

da história de suas lutas” (p. 56). Para favorecer esse processo, a escola poderá

oportunizar estudos e debates de conteúdos que abordem a história da população negra,

sua cultura, suas lutas, entre outras informações. Esses estudos e debates poderão,

inclusive, permitir que as crianças sintam-se mais valorizadas, orgulhando-se de suas

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origens. Entendo, assim como D`ADESKY (2001), CAVALLEIRO (2000), CANEN

(2001), que iniciativas como essa podem dar contribuição à constituição da identidade

racial das crianças, além de levá-las a compreender melhor o porquê de aqueles ônibus,

cheios de estudantes de outras cidades e estados, estarem visitando as ruínas presentes

em sua comunidade.

Em relação à Escola Municipal Joaquim José da Silva Xavier, os dados

coletados, até o momento, parecem indicar que a professora tem sido fiel ao livro

didático, não conseguindo extrapolar o que, oficialmente, deve ser cumprido. Em

fevereiro de 2002, devido à saída de Ângela para usufruir a licença maternidade, outra

professora, também de Belo Vale, foi designada para atuar na escola da Chacrinha.

Teodora, a nova professora, demonstrou um certo interesse pela pesquisa, apesar do

pouco contato que tivemos.

Nas primeiras observações que realizei durante as aulas ministradas por

Teodora, o tema que ela trabalhava com os alunos, em Estudos Sociais, intitulava-se: “a

comunidade”. Ao saber da minha pesquisa, Teodora convidou-me para falar com as

crianças sobre a Chacrinha, ou seja, um pouco da origem do local, considerando os

estudos que já havia empreendido e os dados já obtidos. Disse-lhe que teria o prazer em

contribuir futuramente, mas sugeri que convidasse Rafael que, além de ser morador da

comunidade, já vinha desenvolvendo um trabalho de recepção a visitantes que vêm

conhecer a Chacrinha. Teodora concordou e disse-me que iria entrar em contato com

ele. Porém, fui informada pelas crianças que essa atividade não foi realizada,

desfazendo a minha expectativa sobre a inserção da comunidade na escola.

Teodora mostrou-me, animada, parte do material didático a partir do qual

estava desenvolvendo os estudos com os seus alunos, como o mapa das comunidades

situadas na zona rural de Belo Vale26 e um pequeno texto sobre o tema em estudo, que

dizia o seguinte:

A COMUNIDADE Ninguém gosta de viver sozinho, longe dos familiares e dos amigos. É por isso que as pessoas procuram viver em comunidade: COMUNIDADE É UM GRUPO DE PESSOAS QUE VIVEM, TRABALHAM, SE DIVERTEM NUM MESMO LOCAL E TEM UMA CERTA VIDA EM COMUM: As pessoas de uma comunidade devem procurar viver respeitando a ordem, cultivando a ordem, união e a cooperação. Em uma comunidade todas as pessoas

26 Anexo 15: relação das comunidades rurais do município de Belo Vale.

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têm direitos e deveres. Os direitos são as coisas justas que merecemos e podemos exigir. Os deveres são as coisas que temos obrigação de fazer. Converse com alguém de sua família e descubra alguns direitos e deveres que devem ser comuns a todos (s/r).

Tive a oportunidade de acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos

promovidos por Teodora junto aos alunos, utilizando o referido texto, já que naquele dia

eu estava na escola. Com pouco entusiasmo as crianças leram o texto e responderam às

perguntas feitas pela professora. Parecia que aquilo que liam estava distante e não

conseguiam compreender o sentido daquelas frases. Respondiam às questões de forma

automática, como se fosse uma obrigação. Chegaram a memorizar, conforme solicitação

da professora, o que era comunidade, direitos e deveres. Observei, também, que o

enfoque principal da professora, nesse estudo, era a comunidade urbana, no caso, a de

Belo Vale.

Antes de fazer uma análise do texto em questão, acho pertinente discutir alguns

pontos sobre as comunidades urbanas e rurais, para uma melhor compreensão do

enfoque dado pela professora à comunidade urbana. O termo “rural”, adotado nesta

investigação, “refere-se essencialmente ao contexto ambiencial e cultural da vida no

campo, estando mais ligado a maneiras de viver, do que a maneiras de produzir”

(DEMO, 1987, p. 55). Sabemos que qualquer comunidade apresenta características

peculiares e uma comunidade especificamente rural se diferencia da urbana

principalmente por possuir formas próprias de sobrevivência e organização.

No que se refere à educação, estudos sobre as escolas rurais feitos por

WHITAKER & ANTUNIASSI (1993), AZEVEDO (1984), e RAMOS (1991) mostram

alguns pontos comuns existentes entre elas. Conhecer esses pontos, contribui para

evidenciar aspectos indicativos do distanciamento que muitas vezes se apresenta entre o

que o professor ensina e o que o aluno apreende.

Geralmente, as escolas rurais oferecem o Ensino Fundamental (de 1ª a 4ª

séries) em turmas multisseriadas, nas quais um único professor leciona para duas ou até

três séries diferentes, o que, segundo AZEVEDO (1984), compromete

significativamente a qualidade do ensino. A autora enfatiza ainda que as decisões sobre

os problemas da escola estão centralizadas no poder municipal (Prefeito, Secretária de

Educação, Supervisor Pedagógico), sendo os critérios de nomeação de professores

elaborados pelo poder municipal, sem a participação de outras pessoas interessadas na

questão educacional do município. Além disso, em geral, os professores possuem baixa

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qualificação, contribuindo para que a “escola rural seja um tosco arremedo da escola

urbana” (Ibid., p. 35). Em algumas escolas, além das atividades docentes, os professores

exercem múltiplas funções, como tarefas administrativas e controle de material. Os

salários, de uma maneira geral, são baixos.

Quanto aos currículos, os autores destacam também que são idênticos aos das

escolas urbanas, pois normalmente o planejamento é centralizado na sede do poder

municipal. As escolas rurais, geralmente, seguem o mesmo modelo de organização das

escolas urbanas, deixando de lado as suas especificidades. Como conseqüência, o

ensino torna-se monótono, cansativo, repetitivo, levando o aluno ao desinteresse e à

falta de estímulo. Sobre o conteúdo escolar, na opinião de AZEVEDO (1984), “não se

trata de introduzir conteúdos ´ruralizantes` na escola; articulá-los à vida concreta dos

trabalhadores do campo significa que tais conteúdos devem explicitar as relações

existentes entre o urbano e o rural...” (AZEVEDO, 1984, p. 40). A proposta dos autores

citados não é isolar as escolas rurais dos acontecimentos da sociedade urbana, pois

torna-se necessária a presença de conteúdos considerados como “típicos da cultura dita

´urbana`” (WHITAKER & ANTUNIASSI, 1993) no meio rural.

Entendo, assim como esses autores, que o que escolas dessa natureza devem

fazer é oferecer aos seus alunos maiores estímulos à construção de seus conhecimentos,

considerando as especificidades de cada grupo, sem desconsiderar a necessidade de

conhecimento sobre outros contextos com os quais esses alunos podem se relacionar. O

professor deve proporcionar-lhes condições de serem pessoas ativas no processo de

aprendizagem e não meros receptores de um conhecimento pronto segundo uma visão

“bancária” de educação, tão bem discutida por FREIRE (1987).

Para ele, a relação educador-educando apresenta um caráter especial e

marcante: de os educadores serem especificamente narradores e dissertadores. Nessa

relação, o sujeito ou aquele que faz a narração ou a dissertação é o narrador (nesse caso,

o educador), enquanto os ouvintes são os educandos. Essas narrações ou dissertações

são, geralmente, alheias à realidade dos educandos, impossibilitando a construção de

seus conhecimentos e de sua consciência crítica. FREIRE (1987), na citação abaixo,

faz-nos compreender melhor a visão “bancária” da educação:

A tônica da educação é preponderantemente esta – narrar, sempre narrar. Falar da realidade como algo parado, estático (...) Nela, o educador aparece como seu indiscutível agente, como o seu real sujeito, cuja tarefa indeclinável é “encher” os educandos dos

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conteúdos de sua narração. Conteúdos que são retalhos da realidade desconectados da totalidade em que se engendram e em cuja visão ganhariam significação. A palavra, nestas dissertações, se esvazia da dimensão concreta que devia ter ou se transforma em palavra oca, em verbosidade alienada e alienante. Daí, que seja mais som do que significado e, assim, melhor seria não dizê-la. (FREIRE, 1987, p. 57).

A visão “bancária”, na argumentação do autor, tolhe a criatividade dos

educandos, pois eles apenas recebem os conhecimentos que lhes são transmitidos pelos

educadores, adaptando-se a essa visão de educação. O educando, em nenhum momento,

é estimulado a participar da construção dos conhecimentos; pelo contrário, ele é levado

a se ajustar, já que nesse tipo de educação o educador é aquele que possui o saber; aos

educandos cabe apenas ouvir, memorizar e repetir o que lhes foi transmitido sem

compreender o seu verdadeiro significado.

O texto trabalhado em sala pela professora Teodora, intitulado “Comunidade”,

poderia ter sido utilizado como um forte instrumento para a inserção do debate sobre a

comunidade onde vivem as crianças, caso o enfoque principal não tivesse recaído sobre

Belo Vale e os exemplos não tivessem sido totalmente alheios às experiências daquelas

crianças. Pelas aulas observadas, pude constatar que o texto não contribuiu muito para a

construção da aprendizagem das crianças, principalmente nos aspectos que se referem à

comunidade onde moram (rural e remanescente de quilombo). Essa prática está em

consonância com a visão bancária discutida anteriormente, desfavorecendo o interesse e

a criatividade dos educandos em relação a temas que poderiam enriquecer o processo

ensino-aprendizagem e a construção da cidadania individual e coletiva.

Apesar dessas evidências, ao observar a prática de Teodora, percebi que havia

um certo interesse em inovar, vendo na pesquisa uma oportunidade para avançar nessa

direção. Ela deixou-me o número de seu telefone e se dispôs a me apresentar a algumas

autoridades de Belo Vale que possuem alguns documentos sobre a Chacrinha. Disse

também que iria fazer uma visita às ruínas com as crianças, de preferência com o

acompanhamento de Rafael, para contar os fatos históricos ocorridos no local. Na aula

de Educação Artística pediu às crianças que desenhassem aspectos que ilustrassem a

comunidade27. Essa oportunidade, entretanto, foi interrompida devido à sua

transferência para uma outra escola. Tentei buscar uma resposta que justificasse a saída

27 Anexo 16: Desenhando a Chacrinha.

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de Teodora, mas obtive apenas informação de que ela havia trocado de escola com

Luzia, a outra professora que assumiria a turma.

Penso ter colaborado com Teodora em seu propósito de promover entre seus

alunos um estudo sobre a comunidade. Em julho de 2002, eu, o fotógrafo e o orientador

da pesquisa realizamos uma reunião com os moradores para apresentar as fotos que

fizemos e para dar um retorno parcial da pesquisa à comunidade. As crianças e os

adultos, ao verem as suas fotos expostas no painel, demonstraram alegria e orgulho pela

beleza expressa nas imagens. Além disso, ouviram, atentamente, a nossa explicação

sobre a importância da pesquisa para a comunidade e para a população negra, de um

modo geral.

Pelo que percebi, aquele encontro propiciou às crianças, inclusive aos alunos

de Teodora e aos demais moradores da comunidade, uma oportunidade para refletir

sobre as suas raízes, sobre o valor do local onde moram para a história de Minas Gerais

e do Brasil, compreendendo, também, as visitas de repórteres de televisão e de jornais

ao local. No final do encontro, através de depoimentos, os moradores demonstraram

respeito e admiração pelo nosso trabalho, reafirmando a continuidade do apoio à

pesquisa

Em abril de 2002, conheci Luzia, a professora contratada para substituir

Teodora. O fato significativo é que, em apenas três meses letivos, as crianças estavam

recebendo a terceira professora. Nesse período, aproveitei para conversar com Luzia

sobre os seus alunos, os livros didáticos utilizados, o planejamento escolar da Rede

Municipal de Ensino e sobre a sua percepção a respeito da discriminação e do

preconceito racial.

A nossa primeira conversa foi iniciada pela professora que, de forma

descontraída, dizia da sua maneira de ensinar. Luzia ressaltou que a turma era

multisseriada, como na maioria das escolas rurais, e se dividia em três séries: na

primeira e na segunda havia dois alunos e na terceira, três. Relatou-me que, em sua

prática, ela distribui as atividades por série, ou seja, enquanto uma turma copia o que é

passado no quadro, as outras fazem exercícios do livro didático ou de folhas

mimeografadas e, assim, as atividades vão sendo alternadas. Sobre o seu planejamento

diário, informou-me que segue os livros didáticos adotados pela Secretaria Municipal de

Ensino. Alguns exercícios, mimeografados, usados por professores de algumas escolas

da zona urbana de Belo Vale, também são aproveitados no seu plano de aula.

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Em relação às provas, Luzia relatou-me que os seus alunos “só não passam se

não quiserem”, pois as provas elaboradas por ela geralmente são fáceis. A esse respeito,

MATTOS (1999) diz que a avaliação não deve ser um procedimento de verificação de

conhecimento, objetivando apenas a mudança de série anual, ela deve ser “uma ação

processual e dinâmica de intervenção contínua no processo de construção do

conhecimento, inerente a aprendizagem” (p. 122). A compreensão da professora Luzia

sobre avaliação aponta para uma prática que não contribui para a construção do

conhecimento de seus alunos, estando mais voltada para o atendimento de aspetos legais

estabelecidos para que os alunos cumpram seu processo de escolarização, ao invés de

propiciar o conhecimento, a compreensão e a reflexão.

Conversei com Luzia, um pouco mais, sobre os livros didáticos adotados pela

escola. Tive a oportunidade de conhecer alguns deles e aproveitei o momento para

analisar a proposta de cada um, observando os conteúdos e as imagens apresentadas e o

seu uso pela professora; procurei fazer uma conexão entre eles e o tema da investigação

desenvolvida naquela escola.Os primeiros livros que observei foram os de História,

Geografia e Ciências.

Para minha agradável surpresa, a maioria dos personagens negros que ilustram

os textos não aparece como nos livros didáticos das décadas anteriores à de noventa,

onde ao negro são atribuídas características como preguiçoso, feio, favelado, onde ele é

caricaturado e retratado exercendo atividades subalternas e com características físicas

depreciadas (SILVA, 1987).

Nos livros mencionados, o negro é apresentado em posições sociais

semelhantes às dos brancos. As crianças negras são mostradas em momentos de lazer e

de realização de atividades na escola, juntamente com as crianças brancas. Meninos e

meninas negras aparecem comendo frutas, biscoitos, tomando leite, enfim, alimentando-

se adequadamente, cuidando da higiene pessoal, sendo vacinadas como as crianças

brancas. O personagem negro, adulto, também é mostrado em situações similares às dos

personagens brancos; em um dos textos, inclusive, um senhor negro é apresentado

andando pela praça de terno e gravata. Juntos, os adultos negros e brancos participam de

eventos e manifestações em defesa do meio ambiente.

Em um dos capítulos do livro de Ciências, em que a unidade em estudo

focaliza o nascimento de uma criança, os personagens são representados por uma

mulher loira e um homem negro e, após o parto aparece um bebê negro, imagem rara na

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maioria dos livros didáticos que, de maneira geral, apresentam bebês brancos. As

características físicas dos personagens não são exibidas de forma estereotipada e

depreciativa. Os lábios e o nariz não são desenhados em espessura e tamanho

exagerados. Assim, nos livros de Ciências, as imagens dos negros, mostradas para

ilustrar textos e outras atividades propostas, trazem um grande avanço para as escolas

no que se refere à questão da representação do negro em livros didáticos. Esse material,

geralmente, torna-se um companheiro bastante íntimo de cada criança que a ele tem

acesso, sendo os seus conteúdos utilizados por ela para construir conceitos ou

preconceitos e identidades. Por isso, é muito importante que cada educador observe com

olhos críticos o que cada um desses livros propõe.

Nos livros de Geografia e História que observei, destaco especialmente a

presença de conteúdos apresentados pelos autores que se relacionam à pesquisa

desenvolvida na escola da Chacrinha. Um dos propósitos do livro “História em

construção”, por exemplo, “é oferecer um estudo analítico e crítico da sociedade

brasileira, bem como para a compreensão das relações espaço-temporais. Sua meta é

viabilizar a análise e a reflexão sobre as mudanças que ocorreram e ocorrem na

sociedade, como ela é organizada e como pode ser modificada através das ações

humanas” (LOPES e SILVEIRA, 1994). Esse livro me pareceu interessante, pois os

conteúdos sugeridos, dependendo da forma com que forem explorados, poderão dar

uma grande contribuição para a construção da identidade racial das crianças que

freqüentam a escola da comunidade investigada.

O capítulo do livro mencionado que propõe uma discussão sobre a casa, a

família e os vizinhos, pode ser extremamente rico, se for bem explorado, pois falar da

casa, da família e dos vizinhos é falar da história de cada criança daquela escola. Sobre

essa questão, algumas casas da Chacrinha apresentam, ainda, características bastante

distintas das casas de outras localidades, como paredes de adobe. Essas características

estão relacionadas com a própria origem da comunidade. A temática da família na

Chacrinha também merece ser explorada, para que os alunos daquela escola possam

perceber, através da árvore genealógica sugerida pelos autores, a relação e o grau de

parentesco entre os moradores da comunidade, buscando a compreensão da relação

existente entre o morador atual e os antigos moradores, incluindo os ex-escravos que ali

habitaram séculos atrás.

Outro tema bastante relevante na discussão que envolve os processos de

construção da identidade daquelas crianças, também é colocado no livro em análise: é a

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questão da identificação. A discussão do tema é iniciada com aspectos que envolvem o

nome, mostrando a importância e o significado do nome que cada criança possui. Nesse

estudo, o professor poderá debater com os alunos outros assuntos relacionados com a

identificação, como problemas que envolvem os apelidos pejorativos que, muitas vezes,

são dados a crianças negras.

Embora os livros de Geografia e História em análise apresentem propostas de

conteúdos que poderão contribuir para a construção identitária das crianças da

Chacrinha, percebi que poucas imagens de pessoas negras são neles mostradas, ao

contrário do livro de Ciências, mencionado anteriormente. Quanto à representação do

negro em idade adulta, no livro de História, por exemplo, apenas uma imagem é

mostrada: a de um policial, no capítulo que discute profissões e locais de trabalho.

Já em um dos livros de Português, publicado em 1995, o negro ainda é exibido

de forma caricatural, com nariz enorme, lábios extremamente grossos e cabelos

encarapinhados. O nome, também, demonstra a diferença entre o negro e o branco,

tornando irônica a relação do negro com o personagem. Em um dos textos do livro

aparece a figura de um homem negro que trabalha como zelador de um prédio, com

todas as características caricaturadas, e o pior: o nome dado a ele é “Golias”, “Sr.

Golias”. O filho desse personagem se assemelha à figura do pai e tem um nome bastante

incomum: “Filisteu”. Já os nomes dos personagens brancos que contracenam com eles

são mais comuns: a menina se chama “Gabriela” e a mãe “Da. Felicidade”.

Ainda no livro mencionado, a maioria das crianças negras só aparece em

posição de destaque quando estão jogando futebol. Aliás, nesse livro, esses são os

poucos momentos em que crianças negras aparecem demonstrando felicidade. Em outra

unidade, um menino negro chamado Beto, aparece olhando, com muita tristeza e

sofrimento, para outro menino, branco, que está colocando bolas coloridas em sua

árvore de Natal. Beto, como o próprio enunciado do texto diz, é um menino que tem um

sonho: ter uma árvore de Natal. Porém, o seu pai, por ser pobre, não pode realizar o

sonho do filho. Essa cena, embora retrate a realidade da maioria das crianças negras,

não contribui para o aumento de sua auto-estima, pelo contrário, poderá desencorajá-las

a acreditar num futuro melhor. Somente em três páginas desse livro é que aparecem

algumas crianças negras brincando ou fazendo outras atividades com os colegas de cor

branca.

O livro Viver e aprender, também observado, ilustra muito bem um dos

argumentos apresentados por SILVA (1987a) em estudos realizados sobre os

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estereótipos e preconceitos em relação ao negro no livro de Comunicação e Expressão

do 1º grau. Segundo a autora, esses livros aparecem “como instrumentos de transmissão

de uma ideologia de inferiorização que objetiva dominar, dividir e eliminar, racial e

culturalmente, o negro através do branqueamento e da desculturalização” (SILVA,

1987a, p. 96). O foco do estudo realizado pela autora incide, também, no trabalho

exercido pelo professor ao explorar esses livros. A ideologia da classe dominante

transmitida pelos livros didáticos poderá ser reproduzida, ainda que inconscientemente,

pela prática pedagógica adotada pelo professor. Isso pode se dar face a dificuldades e

falhas na formação dos professores, desfavorecendo uma visão crítica dos conteúdos e

das formas de representação do negro presentes nesses livros.

Diante do exposto e face à discussão sobre os processos de construção da

identidade racial, em especial, das crianças da Chacrinha, percebi, durante as

observações que realizei, que aquelas crianças não têm recebido estímulos que

permitam o seu desenvolvimento crítico e reflexivo, além de não estarem sendo

estimuladas a participar de atividades que contribuam para construção dos diversos

conhecimentos gerais e específicos sobre a história da população negra.

Ainda como fruto das minhas conversas com a professora Luzia a respeito dos

conteúdos dos livros didáticos utilizados, tive a oportunidade de não apenas ouvir, mas

também de presenciar uma atividade desenvolvida por ela, em sala, sobre a data em que

se comemora a Abolição da Escravatura – 13 de maio, ilustrando como o livro didático

estava sendo usado pela professora. Nessa atividade, o destaque foi dado, como ela

mesma disse, a “quem libertou os escravos, em que ano...” Além disso, foi pedido aos

alunos que colassem gravuras nos cadernos de Estudos Sociais para ilustrar o texto que

ela pediu que copiassem. Esse texto foi retirado de um livro de Estudos Sociais e diz o

seguinte:

13 de maio – Dia da Libertação dos Escravos Lá pelo ano de 1550 os portugueses começaram a trazer negros da África para

trabalhar no Brasil como escravos na lavoura e mais tarde nas minas de ouro. Eles

eram trazidos nos navios negreiros. No dia 13 de maio de 1888 a Princesa Isabel

assinou a Lei Áurea que libertou os escravos.

Atividades

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- De que lugar vinham os negros para trabalhar como escravos no Brasil? - Onde os negros trabalhavam? - Quem libertou os escravos? Em que dia? - O que você acha das pessoas que prendiam, maltratavam e faziam os negros

trabalharem como escravos? - Faça uma pesquisa e escreva sobre os escravos no Brasil.

A leitura do texto proposto e a observação da atividade desenvolvida fortalecem

as evidências de que os livros didáticos, no caso, da década de 80, atendiam à ideologia

da classe dominante, negando a história das lutas escravas na construção do

conhecimento escolar. Com isso, conforme argumenta GONÇALVES (1985), “silencia-

se a história da rebeldia dos grupos étnicos raciais negros, cuja conseqüência na

educação das crianças negras é: o silenciamento enquanto cidadão” (p. 325). O texto e a

atividade desenvolvida reforçam também minha compreensão de que a reflexão e o

debate sobre o negro nos livros didáticos ainda estão ausentes nas escolas, embora o

movimento negro, pesquisadores e algumas instituições, há alguns anos venham

alertando sobre esse problema e denunciando-o.

Uma ação importante nessa direção é apontada por NEGRÃO (1988): o

trabalho da Secretaria de Educação de São Paulo que, no ano de 1986, instituiu o dia 13

de maio como o Dia do Debate e Denúncia contra o racismo na rede de ensino oficial.

Instituiu-se, então, ampla discussão sobre a questão racial junto a alunos, professores e

demais integrantes das escolas. Nesse espaço, busca-se recuperar a história do negro,

além de denunciar a situação discriminatória vivida pela população negra em nossa

sociedade.

Outra ação é apresentada por LEITE (1987). Ela nos informa que no Maranhão

foi criado o CCN - Centro de Cultura Negra, composto por profissionais liberais,

estudiosos e universitários, com o objetivo de discutir a questão racial naquele Estado.

O CCN propõe como linha de ação uma perspectiva social, cultural, política e

educacional. Sobre o dia 13 de maio, esse Centro destaca os questionamentos referentes

à educação, cultura e socialização do povo negro, tendo como foco principal a

reprodução do racismo pela educação e pela escola.

Os exemplos citados evidenciam a existência de inúmeras formas de se debater o

dia 13 de maio, sem se apegar a fatos históricos ultrapassados que ainda se encontram

nos livros didáticos usados por muitas escolas.

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Neste estudo, outro aspecto para o qual chamo a atenção é a especificidade dos

alunos daquela escola, ou seja, são moradores de uma comunidade predominantemente

negra e remanescente de quilombo. Portanto, esse seria um motivo crucial para se

trabalhar com questões que envolvessem não somente a data em debate, mas conteúdos

do patrimônio histórico-cultural da população negra.

Em relação à avaliação das atividades, durante as observações realizadas na

escola, pude também observar uma prova de religião que Luzia estava aplicando a todas

as turmas. A estrutura da prova apresentava o modelo defendido por ela, ou seja, de

fácil compreensão, com questões de completar, de assinalar “Verdadeiro” (V) ou

“Falso” (F), ligar e desenhar. As crianças não demoraram muito tempo para fazer a

prova, reforçando as evidências de que parecia muito fácil. A religião enfocada pela

escola é a católica. Visando a uma melhor compreensão sobre o ensino religioso nas

escolas, consultei a Lei 9.475, de 22 de julho de 1997 SAVIANI (1997) que dá nova

redação ao artigo 33 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996; a de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional. Sobre o ensino religioso, a Lei 9.475 diz o seguinte:

Art. 1º - O art. 33 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 33º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. § 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão de professores. § 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidades civis, constituídas pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso...(SAVIANI, 1997).

Ao participar de alguns eventos na igreja e na Sociedade de São Vicente de

Paula, como cultos e reuniões de Conferências, percebi que muitos moradores da

comunidade, inclusive as crianças, se identificam como católicos, embora apenas um

pequeno grupo participe das atividades promovidas pela igreja. Conversando com

moradores da Chacrinha, fui informada de que apenas três famílias do local não são

católicas, são evangélicas. Diante dessas informações, pareceu-me que a opção da

escola pelo ensino religioso dá-se pelo motivo de as crianças da escola pertencerem a

famílias de crença católica. Quanto aos conteúdos da disciplina, de acordo com Luzia,

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são elaborados pela Secretaria de Educação do município de Belo Vale, como as demais

disciplinas. O ensino religioso é trabalhado, nessa escola, como as outras disciplinas,

por meio de atividades que privilegiam repetições e memorizações desconectadas da

história de vida, do quotidiano do educando.

Paralelamente à questão do ensino religioso, apresento algumas constatações

decorrentes de conversas com a professora a respeito da discriminação e do preconceito

racial, em destaque na escola. Luzia inicia sua fala, expondo sua indignação contra as

injustiças que ocorrem dentro do ambiente escolar, principalmente em relação às

crianças pobres e humildes. Ela dá destaque às desigualdades sócio-econômicas.

Acrescenta, ainda, que um dos motivos de ter pedido transferência da escola em que

trabalhava antes foi a maneira como a coordenadora da escola tratava as crianças mais

pobres. Na aula de informática, por exemplo, a preferência, geralmente, era dada aos

alunos de melhor condição financeira.

A atitude da coordenadora e o silêncio dos colegas diante daquela situação

claramente desigual deixava Luzia indignada. Essa desigualdade, conforme argumenta

HENRIQUES (2001), “resulta de um acordo social excludente, que não reconhece a

cidadania para todos, onde a cidadania dos incluídos é distinta da dos excluídos e, em

decorrência, também são distintos os direitos, as oportunidades e os horizontes” (Ibid.,

p. 1). Luzia percebia toda aquela desigualdade presente no ambiente escolar e se

manifestava declarando o seu descontentamento diante do comportamento da

coordenadora. Porém, apenas ela se manifestava. Diante do silêncio dos colegas e da

permanência das atitudes discriminatórias da coordenadora, Luzia optou pela mudança

do local de trabalho. A atitude tomada por Luzia, pareceu-me inadequada, pois entendo

que fugir de uma situação com a qual não concordamos não contribui para sua solução,

pelo contrário, colabora, ainda mais, para a sua perpetuação.

Prosseguindo o diálogo com a professora Luzia sobre desigualdade, aproveitei

a oportunidade para saber do seu ponto de vista sobre a questão racial na escola. Na sua

opinião, ainda existe racismo, apesar de existir uma lei que o pune. Luzia complementa

a sua idéia dizendo que (...) “pode até ter discriminação racial, mas só que agora é cri-

me. Chamar os outros de negro é crime! Agora o povo tá mais reservado, mas ainda

tem gente que fala, mas não é no público”. Em seu relato a professora evidencia a

discriminação contra as crianças pobres: “Eu trato todo mundo igual e, ainda, tem outra

coisa, eu gosto de tratar melhor os pobres”. Além dos pobres, Luzia prioriza as

crianças que residem na zona rural pois, acredita que elas também sofram discriminação

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por serem “da roça”. A fala de Luzia explicita que, apesar de existir uma lei que pune a

prática do racismo, ele ainda permanece, ainda que em forma mais sutis:

Antigamente tinha muito isso. Os professores preferiam os meninos ricos, de cor clara, era assim...Agora parece que mudou um bocado, né? Por causa do racismo no Brasil que é até crime você chamar uma pessoa de negra, né? É crime, então acho que agora mudou um bocado, mas mesmo assim ainda tem alguma coisa, não deixa demonstrar (grifo meu), mas ainda tem, mas da minha parte não tem não, eu gosto muito da minha cor, viu? (ENTREVISTA Nº 15, 11/04/02)

Nas fala de Luzia, percebi evidências que demonstram a sua percepção sobre o

racismo e a discriminação racial. A primeira evidência surge quando ela diz que o povo,

por causa da lei contra a prática do racismo, está “mais reservado”. Posteriormente, ela

afirma que ainda existe racismo, mas as pessoas “não demonstram”. Essas duas

expressões ditas pela professora fortalecem minha compreensão de que a discriminação

racial ainda se faz presente na escola, porém de forma dissimulada. O silêncio dado a

essa questão contribui para a permanência das desigualdades, não somente sócio-

econômicas, mas também raciais. Se a família, a escola e a sociedade em geral não

quebrarem esse silêncio, é provável que as crianças negras jamais consigam constituir

uma identidade sem traumas e sentimentos de inferioridade; jamais consigam construir

a sua identidade negra. Como conseqüência, conforme reflete CHAGAS (1997), a

dificuldade na construção da identidade da criança negra, “marcada pelo preconceito,

acaba por determinar sua automarginalização” (p. 73).

A seguir, apresento alguns detalhes da entrevista realizada com a professora

Sônia, que, embora não lecione na escola da Chacrinha, é moradora do local e se

preocupa com a questão racial na educação. Sônia discute, sem nenhum

constrangimento, várias passagens de sua vida como aluna, como professora e como

mãe, apontando evidências de sua preocupação com a inserção do debate sobre a

diversidade cultural e enfatizando os problemas raciais vividos pelos negros,

especialmente no âmbito educacional.

Sônia tem 22 anos, é moradora da Chacrinha, tem duas filhas e, atualmente,

está trabalhando como professora contratada pela Prefeitura Municipal de Belo Vale em

Pandeiros, comunidade rural pertencente a esse município. Apesar de não estar

lecionando na Escola Municipal Joaquim José da Silva Xavier, escola foco desta

investigação, Sônia, com muita disponibilidade e interesse, deu uma contribuição

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bastante significativa à discussão do tema proposto. Através de entrevistas, ela

menciona vários aspectos relacionados à sua prática docente, destacando a questão da

discriminação racial na escola, na família e em outras instituições, além de falar da sua

própria construção identitária como negra, mulher e moradora de uma comunidade

negra.

Darei destaque, principalmente, às discussões realizadas em torno da escola, já

que tenho como objetivo compreender como os processos de construção da identidade

racial se dão nessa instituição, levando em consideração as relações estabelecidas pelos

professores com os seus alunos. Não quero dizer com isso que fatos ocorridos na

comunidade não tenham importância para a investigação, como já discuti no início desta

seção, mas no momento darei ênfase à questão mencionada acima.

Nas entrevistas feitas com a professora Sônia, pude perceber a tranqüilidade

demonstrada por ela ao falar sobre o assunto, chegando, algumas vezes, a falar por

longo tempo, sem pausa, ao contrário da professora Ângela, que manifestou certo

constrangimento em conversas sobre o assunto.

Antes de entrar nos detalhes que priorizo nas entrevistas da professora Sônia,

acho pertinente indicar os conceitos nos quais me fundamento para uma melhor

compreensão das discussões posteriores. Destaco, inicialmente, os conceitos de raça

defendidos por APPLE (2001) e por MUNANGA (2001) com ênfase nas idéias deste

último, que orientam este estudo. Em seguida abordarei os conceitos de racismo e

discriminação racial na concepção de NASCIMENTO e NASCIMENTO (2000).

Apresento, a seguir, uma primeira aproximação do conceito de raça. Estou

consciente de sua complexidade e da impossibilidade de esgotá-lo neste texto, mas ao

mesmo tempo ciosa de que, para entender, como pretendo, os processos de construção

da identidade racial, sua história, o seu estado atual e os efeitos da política educacional

sobre esses processos, é preciso entender a idéia de raça; é preciso conhecer o seu

significado, como e por quem é usado esse termo e qual o seu papel nas políticas

sociais e educacionais. A noção de raça possui um forte componente histórico. De

acordo com APPLE (2001), não podemos continuar entendendo raça como uma

simples entidade biológica: “raça é uma construção, um conjunto inteiro de relações

sociais.” (p. 62).

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MUNANGA (2001)28 conceitua raça partindo do pressuposto de que conceitos

têm uma historicidade através da qual podemos alcançar uma melhor compreensão do

seu significado. Alerta ainda que conceitos são objetos de manipulação política e

ideológica, sendo necessário atenção em sua análise para perceber sua eficácia em

retratar a realidade contemporânea. Para ele, historicamente, raça já teve vários

significados. Foi utilizado na Zoologia e na Botânica para classificar espécies (animais

e vegetais) e como referência de “pureza” de sangue através da expressão “raça

nobre”. Como exemplo, cita os gauleses (plebe), que, não sendo considerados como

portadores de sangue puro, podiam ser dominados e até escravizados.

No século XVIII, o conceito é transportado da Zoologia e da Botânica para as

Ciências Humanas, a fim de classificar a diversidade humana, reforçando o

determinismo biológico, usado para justificar a superioridade e o domínio de uma raça

sobre outra. Somente nos anos 70 do século XX, essa versão biológica do conceito de

raça foi mudada. Assim, segundo MUNANGA (2001), “raça passa a ser um processo

de construção política e sociológica”. Em sua revisão do conceito, o autor afirma que

raça é um conceito inexistente biologicamente; porém, dessa versão tão arraigada em

nossa cultura é que decorre o racismo, caracterizado por qualquer atitude de rejeição,

não só pela cor da pele de um povo, mas também pela negação da sua história. Raça

associa-se conceitualmente a racismo e discriminação racial, conceitos que passo a

examinar abaixo.

NASCIMENTO e NASCIMENTO (2000) afirmam que “mais do que a

rejeição da cor da pele de um povo, o racismo se constitui na negação da história e da

civilização desse povo...” (NASCIMENTO e NASCIMENTO, 2000, p. 18). Quando

pessoas ou instituições deixam de abordar a história da população negra, elas

“diretamente” ou “indiretamente” estão praticando o racismo. Quando, por exemplo, o

ministro Rui Barbosa, em 1889, queimou documentos que registravam momentos

trágicos presentes na escravização do negro, ele, violentamente, tentou apagar da

memória do povo a sua verdadeira história, para evitar transtornos e punições a seu

28 Conferência do I Seminário do “II Concurso Negro e Educação”, realizado pela ANPED (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação) no período de 22 a 24 de agosto de 2001.

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governo (REVISTA PALMARES, 2001, p.12). A escola, quando omite essa história

ou se omite quanto a ela, faz o mesmo.

Conforme documenta NASCIMENTO e NASCIMENTO (2000), a

Convenção pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial,

promulgada pelas Nações Unidas e ratificada pelo Brasil, África do Sul e pelos

Estados Unidos, assim define a discriminação racial:

(...) qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada na raça, cor, ascendência ou origem nacional ou étnica que tenha o propósito ou o efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em condições iguais, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e qualquer outro da vida pública. (NASCIMENTO e NASCIMENTO, 2000, p. 20).

O racismo pode também ser visto como um “padrão de comportamento das

pessoas, grupos ou instituições” (NASCIMENTO e NASCIMENTO, 2000, p. 20). As

ações racistas praticadas pelas pessoas pertencentes a um determinado grupo, mesmo

que não sejam intencionais, são também discriminatórias.

Diante do exposto, acredito que uma das formas de combater o racismo e a

discriminação racial é fazer com que a sociedade reconheça as conseqüências desse

tipo de prática para si própria, pois grande parte do seu potencial de desenvolvimento

estará reprimida. A busca da população negra pela defesa de seus direitos como seres

humanos “iguais” e não “inferiores” é parte desse processo, portanto, imprescindível

para desmistificar idéias e pressupostos que deram origem ao preconceito racial.

A discriminação racial presente em nossa sociedade interfere, cotidianamente,

na construção da identidade racial da população negra. Para exemplificar isso, Sônia

relata alguns momentos vividos por ela desde a quinta série, período em que começou a

freqüentar a Escola Estadual Vinícius de Moraes, em Belo Vale. Conforme relatos de

Sônia, o lugar é duplamente discriminado, primeiro por ser uma comunidade negra e

segundo por ser rural. O que tem maior peso, nesse caso, é a questão racial, conforme

ressalta nesta fala:

“...se tem uma festa aqui na Chácara, é um dos lugares que vem menos gente é pra festa aqui na Chácara. Por quê? Porque eles falam que todo mundo aqui é preto. É igual eu tô falando, tem branco que não gosta de preto. E é onde eles não vem de lá pra cá, nas festas. Na Boa Morte, se tem uma festa na Boa Morte, Boa

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Morte fica cheio, fica superlotado de gente. Por quê? Porque lá tem branco, lá tem negros, lá é uma mistura de povos e aqui na Chácara não, a maioria é negro e muitas pessoas não saem dos outros lugares pra não vir pra cá, porque fala assim: ‘Ah não, chegar lá eu vou namorar com uma menina preta!’ Então é onde muitas pessoas não vem e esta discriminação, igual quando chega em Belo Vale, aí chega o ônibus do pessoal da Chacrinha, aí todo mundo fala: ‘Nó, olá, o ônibus do pessoal da Chacrinha dos Pretos já tá chegando’. Porque a comunidade é mais é...é descendência de escravos, né? É onde a maioria do pessoal é negro, a maioria é...são raças negras mesmo...” (ENTREVISTA Nº. 3,10/02/02).

A relação dos moradores da zona urbana de Belo Vale e de outras comunidades

com a Chacrinha evidencia a questão da discriminação contra o local, por haver a

predominância de negros. A atitude dessas pessoas confirma a discriminação racial,

demonstrando, também, sua falta de entendimento sobre o significado de “ter sido

escravo”, de estar morando numa comunidade negra que tem uma história rica de

acontecimentos os quais, ainda que com marcas pouco conhecidas, fazem parte da

história do povo brasileiro.

Os motivos para o não comparecimento de pessoas de outras comunidades às

festas da Chacrinha, conforme relata Sônia, evidencia também os fundamentos da

ideologia racial já discutido na questão deste estudo. Conforme relata MUNANGA

(1999), apesar do fracasso deste processo de branqueamento, “seu ideal inculcado

através de mecanismos psicológicos ficou intacto no inconsciente coletivo brasileiro...”

(ibid, p.16). Essa ideologia pode nos ajudar a entender por que as festas realizadas na

Boa Morte fazem sucesso e as festas na Chacrinha ficam vazias.

Outro episódio vivenciado por Sônia na escola ocorreu na sexta série, conforme

relato abaixo:

“Na sexta série eu fui muito discriminada na sala de aula. Desde o primeiro dia que eu cheguei na escola, na sexta-série, que eu já percebi que a professora já foi me discriminando assim a partir do momento que eu cheguei dentro de sala e ela só passou a reconhecer que eu era assim inteligente, que eu tinha é... educação, porque muitas pensam que negro não tem educação, que às vezes não conhece a pessoa e já vai falando: ´Nó, essa pessoa não presta porque é negro` e isto aconteceu comigo, porque eu só passei a ser valorizada dentro de sala, devido às notas boas que eu comecei a tirar na sexta série e ela separava a turma e colocava os da cidade, ou seja, da cidade de Belo Vale eles colocavam na frente e eu como era negra... me colocou lá atrás , como se fosse uma exceção da sala e eu fiquei muito triste porque eu acho que todos devem ser tratados da mesma maneira, seja branco, seja preto, seja mulato, seja cafuzo,

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acho que todos têm o seu jeito de pensar...” (ENTREVISTA Nº. 3, 10/02/02).

O motivo de a professora ter colocado Sônia nos últimos lugares da sala,

conforme ela mesma relata, tem dois significados: um deles diz respeito ao fato de ela

não ser moradora da cidade e o outro, na sua interpretação, ao de ser negra.

No caso de Sônia, apesar de ter sofrido bastante, ela conseguiu superar esse

acontecimento em sua vida escolar, inclusive enfrentando a professora. Porém, sabemos

que as pessoas têm características distintas, sendo, por exemplo, umas mais

extrovertidas que outras.

Diante dessa reflexão, fico imaginando quantas crianças não devem estar

passando por uma situação semelhante à vivida por Sônia, sem ter forças suficientes

para enfrentá-la. Então o que lhes resta é aceitarem, caladas, o sofrimento que as exclui

do grupo, da sociedade e da vida. A escola, nesse caso, está invertendo o seu papel: ao

invés de incluir, está excluindo e fazendo com que a criança se sinta, cada vez mais,

insegura, tímida, oprimida, com medo e vergonha de ser negra. Assim, a sua opção pelo

silêncio vem ao encontro da negação de sua identidade racial.

Continuando a reflexão sobre o tema, Sônia narra a seguinte situação ocorrida

com sua filha, que entrou na escola recentemente:

“Nas escolas, a discriminação já ocorre desde o momento que a criança entra no prezinho, isto é, no primeiro ano que a criança vai para escola. Muitas crianças assim, de 5, 6 anos, quando elas começam a freqüentar as escolas, até os coleguinhas já olham para elas de um jeito diferente, por que o jeito de vestir é diferente, o jeito de pentear o cabelo é diferente,então as coleguinhas perguntam: ‘Nó, por que que você usa o cabelinho desse jeito?’ Um dos exemplos é minha filha, Ana, porque ela entrou na escola este ano e, no primeiro dia que ela chegou na escola, as coleguinhas dela perguntaram: ‘Nó, mas por que você tem o cabelinho cheio de trancinha?’ Ela falou assim: ‘Ah!, porque minha mãe gosta’. Aí a coleguinha dela disse: ‘Nó, mas nosso cabelo é tão lisinho. Por que você fica com o cabelinho assim?’ ‘Ele tá assim, ah, porque o de vocês é lisinho e o meu não, o meu já é mais enroladinho, então é por isso que minha mãe penteia o meu cabelo assim’. Então, essa discriminação já ocorre a partir do momento que a criança já começa a ter amizades na escola”. (ENTREVISTA Nº. 3, 10/02/02).

A discriminação racial praticada contra os negros é freqüente na sociedade

brasileira, inclusive na escola, conforme os acontecimentos narrados. O negro é visto

como “diferente” pela cor, aparência, traços físicos, etc. Se ele assume a sua

identidade negra, é criticado, desrespeitado e rejeitado pelos brancos, que acham que,

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para ser valorizado e visto como “gente”, o negro tem que se “igualar” aos brancos. O

caso da filha de uma amiga da Sônia, também moradora da Chacrinha, confirma o que

eu disse anteriormente.

De acordo com Sônia, essa garota, que havia iniciado a quinta série na escola

de Belo Vale, foi vítima de muito deboche por parte dos colegas por causa dos

penteados usados nos cabelos, ou seja, ela usava trancinha, do tipo africana. Sônia,

condoída pela menina, avisou à mãe da garota o que estava acontecendo com a filha

dela no colégio. A mãe apenas disse: “Ah, não! Pode deixar que eu vou arrumar o

cabelo dela”. E a mãe começou a alisar o cabelo da garota, que, a partir daí, passou a

ser aceita pelos colegas, pois começou a usar arquinhos, a fazer rabo no cabelo etc.

Como disse Sônia, “aí eles já começaram a vê-la de maneira diferente”.

Essa situação, manifestada na escola, tão comum na sociedade brasileira

mostra o quanto a cor da pele e o tipo do cabelo interferem na inclusão social.

Conforme discute GOMES (2002): “Nesse processo, o entendimento do significado e

dos sentidos do cabelo crespo pode nos ajudar a compreender e desvelar as nuances do

nosso sistema de classificação racial o qual, além de cromático, é estético e corpóreo”

(Ibid.). Esse conflito vivido pelos negros, especialmente em relação ao cabelo e à cor

da pele, conforme exemplificado acima, exerce grande influência sobre sua construção

identitária, pois são impostos pela elite branca dominante padrões de beleza que os

negros acabam assumindo para serem aceitos como “iguais”.

Diante disso, vejo o quanto se torna difícil a construção da identidade do negro

numa sociedade tão discriminatória, onde nem mesmo a escola, que é responsável pela

construção do conhecimento, tem dado a sua colaboração. Os acontecimentos que tenho

presenciado confirmam o quanto a instituição escolar precisa refletir sobre questões

concernentes à população negra, inserindo o tema no seu dia-a-dia, nos planejamentos

dos professores, na sala de aula. Enfim, é preciso que a escola deixe de ser omissa e saia

do silêncio, que comece a falar, a construir, a discutir, a se envolver com a vida, com a

história dessa população que há séculos vem sendo oprimida e marginalizada.

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4- Processos de construção de identidade racial: algumas considerações

Tanto o indivíduo, quanto suas concepções de realidade são constituídos nas relações interpessoais. Essas inter-relações são mediadas por crenças, padrões, práticas e normas de toda uma sociedade e esta, por sua vez, em parte, é constituída por esse mesmo indivíduo dela participante, em um processo contínuo e dinâmico de mútua construção, cuja direção não é casual, mas determinada pelo somatório das ações de todos os indivíduos que a constituem...” (FERREIRA, 2000, p.44).

A realização desta investigação na Escola Municipal Joaquim José da Silva

Xavier, inserida na comunidade remanescente de quilombo “Chacrinha dos Pretos”

propiciou-me uma melhor compreensão sobre os processos de construção de identidade

racial, especialmente naquele local. A pretensão inicial deste estudo era priorizar a

escola, porém o andamento dos trabalhos indicou a necessidade de observar, também,

aspectos da comunidade que contribuem para a construção da identidade racial das

crianças daquele local. Além disso, a escola está inserida numa comunidade

remanescente de quilombo, portanto não é possível desvincular o cotidiano da escola

dos acontecimentos sociais que ali ocorrem.

A comunidade investigada possui algumas características que a diferenciam

das outras comunidades situadas na zona rural de Belo Vale. A formação da

comunidade e a composição étnica da população são dois elementos que marcam essa

diferença. A forma como moradores de Belo Vale e de outras comunidades da zona

rural percebem a Chacrinha é influenciada por esses elementos. Como fruto dessa

percepção surge a discriminação racial ao grupo. Os depoimentos de diversos

moradores confirmaram a discriminação sofrida por eles, inclusive por parte de

autoridades que exercem ou exerceram cargos públicos na cidade, de motoristas que

trabalharam na comunidade e de professores da escola estadual de Belo Vale. A atitude

dessas pessoas reflete negativamente sobre os moradores da Chacrinha, desfavorecendo

a sua auto-estima em vista da condição inferior que lhes é atribuída.

As observações feitas na escola fizeram-me perceber o seu pouco

envolvimento com o contexto da comunidade. Em diversos momentos presenciei

evidências que comprovam a minha afirmação, manifestadas através das atividades

desenvolvidas pelos professores ou mesmo pelo tratamento dado aos conteúdos

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relacionados à história da população negra, tornando a reflexão e o debate sobre a

questão racial ausentes do cotidiano da escola. As observações e entrevistas revelaram

que o professor, mediador do processo ensino-aprendizagem, encontra-se distante dessa

questão e, principalmente, despreparado para tomar iniciativas que propiciem aos alunos

a construção de conhecimentos que favoreçam a constituição de sua identidade negra.

O professor tem assumido uma postura de transmissor de um conhecimento

pronto, numa perspectiva de “educação bancária” (FREIRE, 1987) e ainda, ao não

refletir sobre sua própria identidade, ele acaba por desenvolver ações voltadas para a

absorção de crenças e valores da cultura branca e dominante, como mostrei na parte

dedicada às entrevistas com a professora Teodora, na terceira seção do capítulo três,

deste estudo. Percebi, também, que os professores com os quais dialoguei têm sido fiéis

ao livro didático, não inserindo outros elementos que favoreçam uma participação mais

dinâmica dos alunos no processo ensino-aprendizagem, além de não avaliar

criticamente a proposta apresentada em cada livro utilizado.

Em consonância com a prática dos professores, o planejamento de atividades da

escola não tem considerado as especificidades da comunidade onde ela está inserida.

Essa distância tem levado o educando ao desestímulo e ao desinteresse diante do que lhe

é transmitido. Percebi, também, a necessidade de mais diálogo entre a supervisora das

escolas rurais e as professoras. Esse diálogo poderia contribuir não somente para uma

melhor distribuição das professoras nas escolas, mas propiciar um conhecimento mais

amplo da realidade de cada uma delas. Sônia, por exemplo, reside na Chacrinha, tem

atuação sociopolítica ativa na comunidade, com reflexão e atitudes que podem colaborar

com a constituição identitária das crianças do local e, no entanto, leciona em escola de

outra localidade da zona rural de Belo Vale.

Pelas conversas com essa professora, tratando da questão racial e da escola, pude

perceber a sua preocupação com o tema. Além de relatar descontraidamente vários

episódios ocorridos em sua trajetória escolar, Sônia tomou a iniciativa de escrever um

texto29 com o propósito de colaborar com a pesquisa, mostrando a sua percepção sobre

o racismo na sociedade brasileira. Diante dessas observações, não consegui perceber

processos que favoreçam a construção da identidade racial das crianças que freqüentam

a escola da Chacrinha.

29 Anexo 17: Redação escrita pela professora Sônia, em 12 de dezembro de 2001.

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No entanto, a comunidade, apesar de ter demonstrado a existência de conflitos30

em relação à sua própria identidade, manifestou, ainda que inconscientemente, algumas

situações que evidenciaram a existência de processos que contribuem para a

constituição da identidade negra das crianças. Duas situações por mim observadas e

consideradas como marcantes no processo identitário das crianças ilustram o meu

entendimento a respeito da ação inconsciente praticada por moradores da comunidade.

Por ser remanescente de quilombo, a comunidade tem recebido vários jornalistas

interessados em conhecer e divulgar a sua história local. A chegada desses jornalistas,

geralmente, desperta a atenção dos moradores, especialmente das crianças que,

juntamente com o guia da Associação de Moradores, os acompanham em todos os

pontos que marcam a origem da comunidade. As informações que os guias transmitem

aos jornalistas são ouvidas também pelas crianças.

As histórias que lembram a origem da Chacrinha, contadas pelos mais velhos,

também exemplificam ocasiões que favorecem a construção identitária das crianças, já

que, nesses momentos, a sua cultura31 está sendo reconstituída. Essas situações

observadas por mim ocorreram nos instantes em que esses moradores estavam sendo

entrevistados pelos jornalistas ou por mim, como pesquisadora. Isso demonstrou que a

presença de pessoas que não moram na comunidade, mas se interessam pela história do

local, possibilita às crianças não somente a oportunidade de conhecer aspectos de sua

própria história, mas, acima de tudo, maior valorização deles. Além disso, colabora para

o fortalecimento e a reconstituição da história oral, a partir do momento que incentiva,

nos moradores o retorno ao passado através das lembranças.

Essas situações confirmam que a identidade negra, conforme abordo na seção

dois deste estudo, não deve ser compreendida como algo constituído; pelo contrário, ela

é uma construção, e deve ser percebida como um “processo identitário”. HALL (apud

KREUTZ, p. 81, 1999) reforça essa concepção argumentando que “a identidade étnica

30 Esses conflitos referem-se a “negação” da identidade negra por parte de moradores da comunidade (ver p. 24). 31 BETANCOURT (1997 E 1994) e GEERTZ (1973) entendem a concepção de cultura no sentido em que esta não significa uma esfera abstrata, porém processo concreto pelo qual uma comunidade humana determinada organiza sua materialidade com base nos fins e valores a que se propõe. A cultura está vinculada à vida social. Movimentos sociais, conflitos, instituições, espaço social, a linguagem e a visão de mundo dos indivíduos, tudo isso é uma expressão culturaL. As culturas, mesmo as marginalizadas e excluídas, não são realidade mudas, mas fontes de sentido e de construção do real. O ser humano, de fato, nasce culturalmente situado, o que no entanto não representa um destino, uma vez que ele redefine o modo de situar-se na cultura, retomando constantemente o conflito de tradições oculto sob o signo de uma ‘identidade estabelecida’ ” (BETANCOURT & GEERTZ apud KREUTZ, 1999, p. 82).

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vai se reconstituindo e reconfigurando ao longo do processo histórico. Não se pode

entendê-la como algo dado, definido plenamente desde o início da história de um povo”.

(Ibid., p. 82). O estudo desenvolvido pelo grupo de alunos com o objetivo de conhecer a

história da Chacrinha, a presença de visitantes, jornalistas e pesquisadores elevaram a

auto-imagem de moradores que, há alguns anos, se sentiam ofendidos ao serem

apontados como “descendentes de escravos”. Hoje, essa denominação adquiriu um

outro sentido, contribuindo para uma afirmação positiva da identidade de moradores da

comunidade.

Outro ponto tomado por mim como positivo, na realização desta investigação,

refere-se à questão da titulação das terras remanescentes de quilombos. A comunidade

Chacrinha dos Pretos já passou pelo processo de sistematização coordenado pela

Fundação Cultural Palmares; porém, para que a comunidade seja titulada, será

necessária a realização de laudos antropológicos, históricos, geográficos e econômicos.

O estudo desenvolvido na comunidade poderá contribuir para a construção desses

laudos, necessários ao processo de identificação, e, posteriormente, para a titulação das

terras. A coleta de elementos da história oral, a produção de aproximadamente 700

fotografias que registram objetos que marcam a origem da comunidade, os seus

costumes, tradições, além de outros dados sobre a economia e o meio ambiente são

informações que poderão ser úteis à concretização dos laudos periciais.

Porém, a vontade e o empenho da comunidade são imprescindíveis nesse

processo, pois terá que partir primeiramente deles o interesse pela titulação de suas

terras. Nesse sentido, percebi que alguns moradores demonstram interesse pela causa,

enquanto outros ainda não estão entendendo direito o que representa a titulação para a

sua comunidade. Para isso, Rafael, um dos representantes da Associação, vem tentando

esclarecer aos demais moradores o valor da compreensão e do envolvimento de todos

nesse propósito. A tarefa exercida por Rafael é necessária, embora seja lenta e às vezes

angustiante, porque alguns não dão a ela a importância devida.

Após esse período de contato com os moradores da Chacrinha, ao ter

acompanhado vários momentos importantes no cotidiano deles, como reuniões de

Associação de Moradores, cultos, festas, percebi que a minha presença também teve

significado para eles. De forma não proposital, através da minha fala, das minhas

atitudes, eu os estimulei a refletir sobre o racismo, a discriminação racial e sobre a

valorização da cultura negra. Acredito que a pesquisa realizada, além de ter colaborado

para o meu entendimento sobre como a comunidade e a escola investigada abordam a

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questão racial, estimulou-me a dar continuidade a este estudo, que não considero como

acabado, com o objetivo de ampliar a entrada do debate e da reflexão sobre a questão

racial nas escolas. Conforme afirma MUNANGA (2000), “a educação é capaz de

oferecer tanto aos jovens, quanto aos adultos a possibilidade de questionar e

desconstruir os mitos de superioridade e inferioridade entre grupos humanos que foram

introjetados neles pela cultura racista na qual foram socializados” (p. 9).Vejo a inserção

desses elementos, na escola, como uma possibilidade de melhoria da auto-estima da

criança negra, que, por não ter elementos que contribuam para tal, prefere a negação de

seus valores culturais.

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SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves e. Formação da Identidade e Socialização no

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SILVA, Tomaz Tadeu da.(org.) Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos

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SOUZA, Neusa Santos. Tornar-se negro: as vicissitudes da identidade do negro

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TRIGO, Elisabete Chaddad. Viver e aprender, 2/ Elisabete Chaddad Trigo, Eurico

Moraes Trigo – 7. ed. e form. e atual. – São Paulo: Saraiva, 1998. – (Viver eaprender, 2)

WAYAND, Abilio. Apostila do Curso de Fotografia módulo I. Curso de férias –

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WHITAKER, Dulce e ANTUNIASSI, Maria Helena Rocha. Escola pública localizada

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ANEXOS

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Anexo nº 1: – Imagens da Comunidade

Vista parcial da entrada da comunidade Chacrinha dos Pretos

FOTO: Abilio Maiworm-Weiand

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Anexo nº 2

DISTRIBUIÇÃO NACIONAL DAS COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBO JÁ IDENTIFICADAS / 2001

Fonte: www.palmares.org.br

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Anexo nº 3

Comunidades Remanescentes de Quilombos Tituladas

Nº Comunidade Município Estado População estimada

Área/hec Título SITUAÇÃO DE

REGISTRO JUNTO AOS CARTÓRIOS

1 Comunidade Remanescente de Quilombo de Itamoari

Cachoeira do Piraí

PA 146 hab 5377,6020 07.07.98 OK

2 Comunidade Remanescente de Quilombo de Curiaú

Macapá AP 538 hab 3268,9400 03.12.99 OK

3 Comunidade Remanescente de Quilombo de Barra, Bananal e Riacho das Pedras

Rio de Contas

BA 740 hab 1339,2768 22.12.99 OK

4 Comunidade Remanescente de Quilombo de Campinho da Independência

Paraty RJ 295 hab 287,9461 21.03.99 OK

5 Comunidade Remanescente de Quilombo de São José, Matá Cuece, Apui, Silêncio, Castanhaduba.

Óbidos PA 445 famílias

17189,6939 08.05.00 OK

6 Comunidade Remanescente de Quilombo de Porto Corís

Leme do Prado

MG 65 hab. 199,3001 08.07.00 Título registrado

7 Comunidade Remanescente de Quilombo de Mangal e Barro Vermelho

Sítio do Mato

BA 295 7615m1641 14.07.00 Título registrado

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Continuação

8 Comunidade Remanescente de Quilombo Ka

lunga

Monte Alegre,

Teresina e Cavalcante

GO 4.000 hab 253191,7200 14.07.00 Aguardando parecer do juiz sobre a área da comunidade incidente no município de Monte Alegre. A FCP estará encaminhado nos próximos dias o memorial descritivo das tres áreas.

9 Comunidade Remanescente de Quilombo de Mocambo

Porto da Folha

SE 130 famílias

2100,5400 14.07.00 Título registrado

10 Comunidade Remanescente de Quilombo de Rio das Rãs

Bom Jesus da Lapa

BA 300 famílias

27200,0000 14.07.00 Título registrado

11 Comunidade Remanescente de Quilombo de Ivaporanduva

Eldorado SP 119 3158,1100 14.07.00 Cartório suscitou dúvidas ao juiz nos termos da Lei 6.015/73

12 Comunidade Remanescente de Quilombo de Furnas do Dionísio

Jaraguari MS 500 1031,8905 14.07.00 Aguardando retorno da comunidade sobre o registro do título.

13 Comunidade Remanescente de Quilombo de Furnas da Boa Sorte

Corguinho MS 150 1402,3927 14.07.00 Cartório suscitou dúvidas ao juiz nos termos da Lei 6.015/73

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Continuação

14 Comunidade Remanescente de Quilombo de Santana

Quatis RJ 828,1200 14.07.00 Cartório suscitou dúvidas ao juiz nos termos da lei 6.015/73

15 Comunidade Remanescente de Quilombo de Mangal/Barro Vermelho

Sítio do Mato

BA 295 7615,1641 14.07.00 Título registrado

16 Comunidade Remanescente de Quilombo de Castainho

Garanhuns PE 825 183,6000 14.07.00 Título registrado

17 Comunidade Remanescente de Quilombo de Mata Cavalo

Nossa Senhora do Livramento

MT 17 famílias 11722,4613 14.07.00 Cartório recusou-se a efetuar o registro. Foi encaminhada cópia do processo para a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão para que o Ministério Público Federal atue junto aos cartórios quanto a situação do registros

18 Comunidade Remanescente de Quilombo de Conceição da Crioulas

Salgueiro PE 130 2100,5400 14.07.00 Título registrado

TOTAL 253115,6300

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Continuação

19 Comunidade Remanescente de Quilombo de Santo Antônio dos Pretos

Codó MA Título emitido pelo governo do Estado e ITERMA

20 Comunidade Remanescente de Quilombo Eira dos Coqueiros

Codó MA Título emitido pelo governo do Estado e ITERMA

21 Comunidade Remanescente de Quilombo Mocorongo

Codó MA Título emitido pelo governo do Estado e ITERMA

22 Comunidade Remanescente de Quilombo Pacoval

Alenquer MA Título emitido pelo governo do Estado e INCRA

23 Comunidade Remanescente de Quilombo Água Fria

Oriximiná PA Título emitido pelo governo do Estado e INCRA

24 Comunidade Remanescente de Quilombo Bacabal, Aracuam de Cima, Aracuam do Meio, Aracuam de Baixo, Serrinha, Terra Preta II e Jarauacá

Oriximiná PA Título emitido pelo governo do Estado e INCRA

25 Comunidade Remanescente de Quilombo de Pancada, Araçá, Espírito Santo, Jauarí, Boa Vista do Cuminã, Varre Vento, Jarauacá e Acapú

Oriximiná PA Título emitido pelo governo do Estado e INCRA

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Continuação

26 Comunidade Remanescente de Quilombo de Abacatal

Ananindeua PA Título emitido pelo governo do Estado e INCRA

27 Comunidade Remanescente de Quilombo de Maria Rosa

Iporanga SP Título emitido pelo governo do Estado e ITESP

28 Comunidade Remanescente de Quilombo de Pilões

Iporanga SP Título emitido pelo governo do Estado e ITESP

29 Comunidade Remanescente de Quilombo de São Pedro

Eldorado SP Título emitido pelo governo do Estado e ITESP

Fonte: www.palmares.org.br

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Anexo nº 4

Sistematização Nacional das Comunidades Remanescentes de

Quilombos por Estado/Minas Gerais

COMUNIDADE

MUNICÍPIO 1-Açude Cipó Em identificação

2-Arturos Contagem

3-Arraial dos Crioulos Araçuaí

4-Arraial do Farrancho Taobim

5-Barririnhos Joaíma

6-Brejo dos Crioulos Divisa dos municípios de São João da Ponte e

Varzelândia

7-Buriti do Chega Nega Serra do Cabral

8-Cabula Belo Horizonte

9-Catumba Itaúna

10-Chacrinha dos Pretos Belo Vale

11-Chapada Em identificação

12-Gravatá (Quebra-Bateia) Chapada do Norte no Vale do Rio

Jequitinhonha

13-Cubpoçõesa Chapada do Norte no Vale do Rio

Jequitinhonha

14-Bom Jesus Chapada do Norte no Vale do Rio

Jequitinhonha

15-Paiol Chapada do Norte no Vale do Rio

Jequitinhonha

16-Misericórdia Chapada do Norte no Vale do Rio

Jequitinhonha

17-Colônia do Paiol Bias Fortes/Zona da Mata

18-Comunidade da Boa Morte Belo Vale

19-Comunidade da Luz Nova Era

20-Curralinho dos Paula Resende Costa

21-Fazenda Conceição São José da Lapa

22-Gorutubanos Janaúba

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23-Itapanhuacanga Conceição do Mato Dentro

24-Jequitibá/Lagoa Trindade Sete Lagos

25-Lavras Novas Ouro Preto

26-Martinho Campos Três Pontas

27-Mata de Tição Jaboticatubas

28-Mata Cavalo Não especificado

29-Matrona Salinas

30-Milho Verde/Baú Serro

31-Porto Coris Leme do Prado

32-Quartel de Indaiá Diamantina

33-São Domingos Paracatu

34-São domingos Oliveira

35-Sape Brumadinho

36-Serra das Araras São Francisco

37-Serra do Cipó Morro do Pilar

38-Tabatinga Bom Despacho

39-Vale do Jequitinhonha Nanuque

40-Vale do Jequitinhonha Chapada do Norte

41-Vale do Peruaçu Januária

42-Em identificação Caximbu

43-Em identificação Ferros

44-Em identificação Guanhães

45-Em identificação Itaiutaba

46-Em identificação Lavras

47-Em identificação Machado

48-Em identificação Minas Novas

49-Em identificação Muzambinho

50-Em identificação Paracatu

51-Em identificação Paraopeba

52-Em identificação Patrocínio

53-Em identificação Pitangui

54-Em identificação Ponte Nova

55-Em identificação Santa Luzia

56-Em identificação Santa Maira de Itabira

57-Em identificação São João da Chapada

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58-Em identificação Teófilo Otoni

59-Em identificação Uberlândia

60-Em identificação Virgem da Vitória

61-Açude Cipó Em identificação

62-Espinho Em identificação

63-Mato do Barreiro Em identificação

64-Pontinho Em identificação

65-Rio da Lapa Em identificação

66-Santa Rita de Jacutinga Em identificação

Fonte: Revista Palmares, nº 5, p. 35-37, 2000.

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Anexo nº 5:

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Anexo nº 6:

“Comunidade”

FOTO: Abilio Maiworm-Weiand

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Anexo nº 7:

“Habitação”

FOTO: Abilio Maiworm-Weiand

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Anexo nº 7

“Ruínas”

FOTO: Abilio Maiworm-Weiand

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Anexo nº 9 - Artefatos

“Pote”

FOTO: Abilio Maiworm-Weiand

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Anexo nº 10

“Cadeado”

FOTO: Abilio Maiworm-Weiand

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Anexo nº 11

“Trapizonga”

FOTO: Abilio Maiworm-Weiand

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Anexo nº 12

“Família do Sr. Zé Dias”

FOTO: Abilio Maiworm-Weiand

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Anexo nº 13

“Crianças da Chacrinha”

FOTO: Abilio Maiworm-Weiand

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Anexo nº 14

“Crianças na escola da comunidade”

FOTO: Abilio Maiworm-Weiand

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Anexo nº 15

Relação das comunidades rurais do município de Belo Vale

- LAGES

- COSTAS

- PALMITAL

- VARGEM DE SANTANA

- ROÇAS NOVAS DE CIMA

- ROÇAS NOVAS DE BAIXO

- LARANJEIRAS

- CHÁCARA

- BOA MORTE

- PINTOS

- CHACRINHA

- ARROJADO

- CURRAL MOREIRA

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Anexo nº 16

“Desenhando a Chacrinha”

(elaborado pelos estudantes da escola da comunidade)

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Anexo nº 17

“Texto escrito pela professora Sônia”

Data: 12 de dezembro de 2001

O RACISMO

Milhares e milhares de pessoas sofrem com o racismo no mundo todo.

Pessoas estas, que são julgadas pelo desemprego, pela fome e principalmente

pelo caráter de se um cidadão.

Cada vez mais, estamos nos transformando num país de pessoas burras e

ignorantes que se mostram ser superiores e acabam se rebaixando por discriminarem

certos negros.

Para eles, não somos capazes de nos eleger como poderosos e conscientes, mas,

como ladrões e indefesos nas nossas capacidades de nos transformarmos em seres

humanos.

Somos pessoas, assim como todo o branco, mulato, cafuzo, mas, muitas vezes,

somos julgados sem saber o porquê.

Dizem que, no Brasil não existe discriminação, mas, ela existe em todos os

lugares, seja num bar, num clube, na escola e, principalmente dentro da nossa própria

casa.

Somos capazes de criar e modificar esta situação, pois somos seres que não

somos destruídos facilmente, pois o que existe é povos e raças diferentes, mas nunca

raças superiores