Maria Da Gloria de Andrade Martini
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Instituto de Física
Instituto de Química
Instituto de Biociências
Faculdade de Educação
O conhecimento físico e sua relação
com a matemática: um olhar voltado para
o ensino médio
Maria da Glória de Andrade Martini
Orientadora: Prof. Dra. Maria Regina D. Kawamura
Banca Examinadora Profa Dra Maria Regina Dubeux Kawamura – IFUSP Prof. Dr Manoel Roberto Robilotta - IFUSP Prof. Dr José André Peres Angotti - UFSC
São Paulo
2006
Dissertação apresentada ao Instituto de Física, Instituto de Química, Instituto de Biociências e Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de Mestre em Ensino de Ciências.
FICHA CATALOGRÁFICA Preparada pelo Serviço de Biblioteca e Informação do Instituto de Física da Universidade de São Paulo
Martini, Maria da Glória de Andrade O conhecimento físico e sua relação com a matemática: um olhar
voltado para o ensino médio. São Paulo, 2006. Dissertação (Mestrado) - Universidade de São Paulo. Instituto de Física. Deptº Física Experimental.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Regina Dubeux
Kawamura Área de Concentração: Ensino de Ciências
Unitermo: 1. Ensino de Física
USP/IF/SBI-015/2007
Para Guilherme,
por quem eu sonho
todos os dias de minha vida.
Agradecimentos
À Maria Regina, meu agradecimento sem medida. Pela insistência,
pelo incentivo, pelo crédito. A maioria das pessoas tem orientadores.
A mim me foi concedida uma companheira de jornada, amiga
generosa, mestra compreensiva.
À Maria Helena Bresser, por me abrir as portas da Móbile e de seu
coração, por me fazer voltar a acreditar que pertencer é mais do que
estar todo dia.
Ao Blaidi, por ser o irmão escolhido, por se deixar comover, por me
acolher.
À Olga, por nossos percursos tão afins, pela memória de nossa
convivência, pelo fato de termos repartido tesouros.
Ao Wil, por não ter desistido, por ter acreditado e sonhado comigo
que seria possível.
Ao meu pai, por ter me ensinado que conhecer é comungar com o
claro enigma.
RESUMO
A relação entre a construção do conhecimento físico e a Matemática, no
Ensino Médio, vem se tornando cada vez mais uma questão instigante,
especialmente a partir das diretrizes curriculares que começaram a ser
implementadas nos últimos dez anos. Em diversas propostas recentes,
pretende-se, por exemplo, com o argumento de que a Física se torne mais
accessível, minimizar ou dispensar o uso de fórmulas e relações matemáticas.
Para investigar alguns aspectos dos vínculos entre a Física e a Matemática,
nesse contexto, nos propomos a analisar a questão segundo os diferentes
âmbitos identificados pela transposição didática. Assim, buscamos analisar a
relação entre a Física e a Matemática do ponto de vista dos cientistas físicos.
Analisamos, também, a forma como essa mesma relação se estabelece nos
livros didáticos de Física do Ensino Médio. Finalmente, investigamos alguns
aspectos dessa relação no aprendizado dos alunos. A comparação dos
resultados permitiu constatar a existência de características muito específicas
na relação entre a Física e Matemática no Ensino Médio, sendo que a
Matemática parece contribuir tanto do ponto de vista operacional como na
construção das abstrações inerentes ao estudo da Física. Nossos resultados
indicam a importância da contribuição da Matemática para um efetivo
desenvolvimento do conhecimento físico pelos alunos.
ABSTRACT
In the ten years since a new curriculum began to be implemented,the
relationship between the shape of Physics and Mathematics in secondary
schooling has developed into an intriguing question; in recent propositions for
example, there has been the aim of changing physics into a more accessible
subject, reducing to a minimum or removing the use of formula and mathematic
relations. In this context we would like to investigate some aspects of the links
between physics and mathematics according to several angles identified by
didatic. This relationship was analysed with regarding to the point of view of the
Physics. We also analysed the connection of this relationship with didatic books
of physics used in secondary schooling and finally, the students knowledge.
Comparing the results allowed us to verify the existence of very specific
characteristics in the relationship between physics and mathematics in
secondary schooling. Considering the fact that mathematics seems to contribute
in operational terms as well as in the building of abstract concepts, our result
shows the importance of mathematic contribution to an efffective development of
physic knowledge by the students.
Índice
I – Capítulo I Introdução....................................................................................7
II – Capítulo II...................................................................................15 A Matemática e o Ensino de Física III- Capítulo III
A relação entre a Física e a Matemática do ponto de vista de alguns físicos..............................................................................25
IV - Capítulo IV
A relação entre a Física e a Matemática em alguns livros didáticos indicados para o ensino médio...............................44
V- Capítulo V
A relação entre a Física e a Matemática em situações de aprendizagem ............................................................................65
VI- Capítulo VI
Resultados e conclusões..........................................................97 VI – Bibliografia............................................................................ 108
Anexo I.......................................................................................... 110 Anexo II...........................................................................................112 Anexo III..........................................................................................114 Anexo IV.........................................................................................121
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I - INTRODUÇÃO
Foi por volta de 1988 que um primeiro grupo de nossos alunos foi ao
parque de diversões Playcenter, em São Paulo, como parte das atividades
relacionadas ao conteúdo de física. Eram alunos do segundo ano do Ensino
Médio, de uma escola particular, que já haviam sido apresentados a
praticamente todo o conteúdo de mecânica. Esses alunos, ao estudarem
conservação de energia, haviam se interessado em conhecer mais os processos
físicos relacionados ao movimento em uma montanha russa. Não foram eles os
primeiros a nos propor uma ida ao parque para estudos, todavia, naquele ano,
aceitamos a sugestão.
Esperávamos obter, nessa primeira visita, elementos para interpretar os
movimentos descritos pelos brinquedos utilizando o referencial de análise
conceitual que havia sido desenvolvido em sala de aula. Observar, sentir e
vivenciar corporalmente as trocas de energia, a inércia, as forças centrípeta e de
atrito, enfim daríamos sentido àquilo que fora estudado nas aulas e tornaríamos
os conceitos mais significativos para os alunos.
Nos dois anos seguintes, além de observarem, os alunos também
apresentavam um relatório por meio do qual descreviam e relacionavam o que
havia sido observado no parque àquilo aprendido em sala de aula. Esse registro
também deveria conter comparações entre os conceitos presentes em dois ou
mais brinquedos.
Foi dos alunos, novamente, o pedido para que nossa visita passasse a ter
um enfoque ainda mais aplicado ao que desenvolvíamos em sala. A proposta
feita por eles incluía a obtenção das medidas e cálculos dos valores das
grandezas que reconhecíamos e descrevíamos conceitualmente. Nessa época,
tive acesso a um estudo feito por engenheiros e físicos da Unicamp que,
contratados pelo Playcenter, haviam avaliado alguns dos brinquedos do parque
e realizado os cálculos da maioria das grandezas que meus alunos gostariam de
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calcular. Percebemos, então, que, além de contextualizar por meio da
observação, havia também a possibilidade de introduzir, no trabalho, as relações
matemáticas relacionadas aos conceitos reconhecidos.
O problema seguinte foi a obtenção dos dados de campo. Os alunos
utilizavam como instrumentos de medida apenas seus relógios, com
mostradores de segundos, trenas e máquinas fotográficas. Como a segurança
dos parques impede que as pessoas se aproximem dos brinquedos,
percebemos que algumas medidas, tais como as de espaço, deveriam ser
indiretas, isto é, obtidas, por exemplo, por meio de fotografias. Posteriormente,
de posse das medidas coletadas em três brinquedos, cada grupo de alunos
deveria descrevê-los do ponto de vista da física, calcular as grandezas
estudadas que pudessem ser associadas ao que haviam observado e fazer uma
análise dos resultados obtidos. Nossa surpresa foi grande ao perceber o quanto
os alunos eram capazes de explorar conceitualmente os brinquedos por eles
investigados e de associar de maneira harmoniosa as relações matemáticas. Os
resultados obtidos eram muito próximos daqueles que constavam do trabalho
dos técnicos da Unicamp.
Além disso, sempre nos chamou atenção a crescente autonomia que o
aluno adquiria, ao longo do trabalho, em relação às grandezas que podia
calcular por meio dos dados coletados no parque. Embora de posse de
elementos muitas vezes presentes em problemas numéricos de sala de aula,
não era de todo imediata sua aplicação em expressões que calculavam as
grandezas investigadas. Todavia, uma vez percebido que dados reais tornavam
as relações matemáticas mais evidentes, os alunos sentiam-se motivados a
descobrir cada vez mais grandezas que pudessem estar relacionadas às
medidas tomadas. Foram muitas as vezes em que grupos se sentiam
estimulados a estudar conteúdos que ainda não haviam sido ensinados porque
queriam obter valores de grandezas que não haviam aprendido.
Importante, também, foi a etapa em que os resultados obtidos eram
avaliados pelos alunos. Em contraste com as situações idealizadas da Física
presentes em muitos dos exercícios realizados em sala de aula, nesse momento
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os estudantes viam-se obrigados a verificar a coerência numérica entre aquilo
que obtinham por meio de seus dados/cálculos e algo relacionado ao concreto,
qual seja potências de motores, energia dissipada em freadas de carros,
quantidades de energia necessárias para aquecer determinada substância etc.
Era bastante comum observar a surpresa dos grupos com a quantidade de
energia dissipada no movimento de descida do carrinho na montanha russa.
Vários se decepcionavam quando utilizavam esse mesmo valor para estimarem
quanto de dilatação essa energia provocaria em uma barra de metal porque a
quantidade, comparativamente, se apresentava irrisória.
O trabalho descrito sempre se constituiu uma referência quando, nos
últimos anos, deparo-me com propostas de ensinar física abolindo ou diminuindo
significativamente a presença da matemática, tradicionalmente presente nas
propostas de aprendizagem no Ensino Médio. Mais que uma resposta ao
excesso de formulismo e de formalismo na apresentação do conhecimento físico
presentes em diversos manuais didáticos, essa proposta sugere que se pode
ensinar um conceito físico e compreender os fenômenos a ele relacionados sem
que necessariamente dados numéricos sejam utilizados, sem procedimentos
experimentais que envolvam quantificação das grandezas envolvidas. Essa idéia
parece indicar que a dificuldade da maioria dos jovens para aprender física
estaria relacionada não à própria ciência, mas a um instrumental matemático
sofisticado, aplicado de maneira distante da realidade. Nessa perspectiva,
insinua-se a evidência de que, então, a matemática seria o elemento impeditivo
para uma aprendizagem de qualidade.
Essas vivências e reflexões nos motivaram a investigar o papel da
matemática na construção do conhecimento físico, por parte dos alunos. Seria
possível ensinar física sem matemática? Mais do que isso, lembrando que
foram os alunos que pediram para saltar mais adiante, isto é, além do
fenomenológico no caso dos brinquedos do parque, prescindir da matemática
não seria restringir seus acessos mentais ao conhecimento físico tal qual
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historicamente foi construído? Por outro lado, seria possível que alunos,
desmotivados para aprender, obtivessem nova perspectiva de compreensão e
de satisfação com o conhecimento físico caso a presença da matemática fosse
minimizada? Além disso, utilizar-se de textos, explicações, observações de
experimentos e/ou de fenômenos não poderia possibilitar ao aluno um outro
acesso ou, mesmo, uma outra linguagem para conhecer os objetos da física?
A parte isso tudo, sempre nos pareceu que o fato dos alunos
conseguirem se apropriar de um conhecimento de sala de aula aplicando-o em
uma situação fora dela, estimulados por mim e com grande autonomia em suas
descobertas, era revelador de um tipo de aprendizagem repleta de significado. A
familiaridade demonstrada na obtenção de grandezas que fazia sentido para
eles, apesar da suposta aridez presente nas relações matemáticas
concernentes, lançava dúvidas sobre as possíveis causas da dificuldade dos
alunos em aprender física. A causa seria a complicação gerada pela
matemática ou pela falta de contextualização e relação desse tipo de
compreensão com o todo do conhecimento? Seria a falta de domínio das
técnicas algébricas e geométricas ou a ausência de reconhecimento no
fenômeno observado daquilo que se quer medir e obter? Se trabalhássemos
com dados concretos, seria possível aprender sobre o fenômeno sem relacioná-
lo algebricamente a outros? Uma ou várias informações sobre o fenômeno
podem ser reconhecidas como sendo conhecimento físico?
Começamos a refletir se, e em que medida, as propostas expressas em
alguns estudos sobre contextualização, como um elemento que pode facilitar o
conhecimento físico, não estariam induzindo um novo sentido para a presença
da matemática no ensino de física. Nesse sentido, impõe-se, portanto, uma
investigação sobre o papel da matemática na aquisição do saber físico. Uma
aprendizagem apenas qualitativa, ainda que permeada de significados, teria
conseqüências igualmente duradouras e efetivas, ou seja, revelar-se-ia, de fato,
uma aprendizagem significativa?
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I .1 - A CONTEXTUALIZAÇÃO E A PRESENÇA DA MATEMÁTICA
Ao longo da história, eventualmente, matemáticos e físicos apresentaram
idéias divergentes sobre o papel da matemática no desenvolvimento da física.
Não é diferente quando observamos professores que ensinam essas disciplinas
debatendo em uma sala de professores de uma escola. Para a maioria dos
educadores, muito mais do que simples instrumento, a matemática é aquilo que
permite traduzir o fenômeno físico de maneira plena e, portanto, a física não
existiria sem ela. Os professores de matemática do Ensino Médio, muitas vezes,
ajustam seus conteúdos ao desenvolvimento do programa de física da escola
com o objetivo de facilitar a abordagem e desenvolvimento de determinados
itens do programa de curso de física. É muito comum, por exemplo, ouvirmos
que a cinemática só pode ser compreendida caso o professor de matemática
tenha desenvolvido o conhecimento relativo ao estudo das funções.
Por outro lado, é grande a expectativa de parte dos professores de física
quanto aos saberes matemáticos de seus alunos ao desembarcarem em sua
sala de aula. Para além da capacidade de compreender as situações
relacionadas aos fenômenos físicos, parece interessar à grande maioria desses
professores, sobretudo, avaliar em qual estágio se encontra o domínio de
equações algébricas, potências de dez, semelhanças entre triângulos, resolução
de problemas e uns tantos outros itens denominados pré-requisitos. Os
professores de física parecem concordar com a idéia de que sem a presença da
matemática não é possível ensinar com abrangência.
Nos últimos anos, essa idéia tem sido bastante debatida. Muitas vezes é
possível constatar, que há na escola média, seja da rede pública ou privada,
uma tendência de se buscar na abordagem qualitativa a construção do
conhecimento físico.
Trata-se de uma contraposição às práticas presentes nos manuais
didáticos nos quais a ênfase está na utilização da matemática restrita a seu
12
aspecto operacional. Nessa perspectiva, em relação ao ensino de física
“tradicional”, a matemática se prestaria tão somente a ser pré-requisito não para
a aquisição do conhecimento físico, mas para a resolução de exercícios ou de
problemas, o que privilegiaria seu caráter instrumental. Sob esse ponto de vista,
não seria possível para o professor de física, ensinar sem que o aluno
dominasse técnicas que lhe possibilitassem condições para resolver uma grande
variedade e quantidade de exercícios. Além disso, a utilização de fórmulas e
relações matemáticas é vista, nessa perspectiva, como sendo a essência do
pensamento físico que pode ser adquirido após muitas repetições em problemas
que retratam situações nem sempre de contexto. Assim, o fato de que muitos
alunos não dominam aspectos algébricos presentes na resolução de problemas,
explicaria a dificuldade em aprender física.
Contrários a essa abordagem tradicional, alguns manuais didáticos e
escolas procuram seguir pelo caminho diametralmente oposto. Procuram abolir,
do ensino de física, praticamente tudo o que não é qualitativo e passam a adotar
a contextualização do fenômeno como suficiente para a aquisição do
conhecimento sobre ele. As expressões matemáticas, nesse contexto, são por
vezes apresentadas, contudo somente analisadas do ponto de vista conceitual,
sem que dados numéricos sejam substituídos ou que resultados de um
procedimento experimental sejam aplicados.
Essa percepção deve ser considerada um viés, equivocadamente
deduzido, quanto a sua intencionalidade, daquilo que foi escrito nos Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (MEC, 1998). Neles, nota-se uma
preocupação evidente com a chamada “contextualização”. No sentido utilizado,
mais do que criar contexto, trata-se de explicitar o contexto, situar o contexto.
Isso corresponderia a tratar temas, fenômenos ou situações de forma articulada,
dentro da realidade que lhes dá significado, uma realidade que seja
representativa para o aluno. A contextualização é apresentada e discutida, nos
PCNs para o Ensino Médio, de diversas formas, incluindo exemplos, e
sistematizada da seguinte forma:
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“Examinados os exemplos dados, é possível generalizar a
contextualização como recurso para tornar a aprendizagem significativa ao
associá-la com experiências da vida cotidiana ou com os conhecimentos
adquiridos espontaneamente” (MEC, 1999).
A contextualização é introduzida, portanto, como uma forma de dar novo
significado aos conceitos e idéias em uma estratégia já consagrada nas teorias
de aprendizagem de Piaget ou Vigotsky, tratando de enfatizar os vínculos
desejados com a realidade. O uso da contextualização como instrumento
indispensável à aprendizagem das ciências tem contado com, cada vez mais,
adeptos entre os professores desta área. Contudo, essa contextualização vem
sendo proposta e utilizada de formas muito diferentes, o que lhe tem conferido,
na prática, diferentes significados.
À vista disso, um aspecto particularmente importante nesse processo é
que, por vezes, a contextualização pode significar a adoção de uma abordagem
com ênfase fenomenológica, da qual a matemática passa a estar ausente ou,
em alguns casos, relegada em sua importância. Assim, existem situações nas
quais, apesar da pertinência e dos aspectos cognitivos se mostrarem
adequados, opta-se por contextualizar excluindo-se a quantificação dos
conceitos.
Parece evidente que uma aprendizagem que contemple a
contextualização e que permita ao conhecimento físico ser inserido na estrutura
matemática do qual faz parte é algo a se almejar. Hoje está mais claro que se
pretende, para além do domínio conceitual, o desenvolvimento não só de
competências investigativas como também daquelas relacionadas a um modo
de expressão e relação característicos da Física.
Mas, em que medida, isso é realmente possível? Quais os “limites”,
dentro de abordagens predominantemente contextualizadas que garantem uma
aprendizagem significativa?
Dentro das competências investigativas características do saber físico, os
alunos devem estar diante de situações nas quais sejam levados a observar,
propor estratégias de medida, elaborar modelos e verificar, por meio dos
14
resultados obtidos, a validade desses modelos: tal como proposto nas atividades
no parque de diversões. Além disso, para analisarem os resultados dos valores
de grandezas calculadas, devem ser estimulados a comparar e tomar como
referência valores semelhantes em outras situações que podem ou não fazer
parte de seu cotidiano. Em todas essas ações, a presença da matemática
parece-nos essencial.
Paralelamente, é necessário que desenvolvam as habilidades
necessárias para que sejam capazes de apresentar de forma clara e objetiva a
quantificação dos conceitos. Para isso, devem saber utilizar adequadamente
relações matemáticas, códigos e símbolos além de dominar a utilização de
gráficos e tabelas, com objetivos bem definidos de estabelecer comparações,
seja entre os valores encontrados nas diversas situações-problema, seja entre
os valores obtidos experimentalmente e aqueles que fazem parte de situações
correlacionadas ao cotidiano dos alunos. Dessa forma, são levados a
desenvolver, também, competências e habilidades relacionadas à linguagem e
representação da Física.
Nesse sentido, admite-se que na abordagem de fenômenos relacionados
à Física do cotidiano, o uso e a apropriação das relações matemáticas
constitutivas do saber físico parecem ser essenciais para a compreensão e para
a própria satisfação dos alunos ao sentirem-se confiantes em seu domínio.
Esse aspecto nos conduz à necessidade de procurar aprofundar o papel
da matemática e daquilo que ela representa no saber físico do ponto de vista do
ensino e aprendizagem da Física, especialmente nas atividades
contextualizadas.
Assim, esse consiste o objetivo mais amplo deste projeto: investigar o
papel da matemática para o ensino de física, na escola média, do ponto de
vista das habilidades específicas que promove e do sentido disso numa
perspectiva educacional mais abrangente.
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Capítulo II
A Matemática e o Ensino de Física
II. 1 – ALGUMAS REFLEXÕES Poucos pesquisadores na área de Ensino de Física têm se ocupado da
relação entre o conhecimento físico e a matemática.
No âmbito cognitivista, por exemplo, uma das áreas recentes se dedica
ao estudo do aprendizado associado ao desenvolvimento de modelos mentais.
Apesar de encontrarmos estudos bastante consistentes acerca da construção de
modelos mentais, os autores investigados desconsideram a necessidade de
analisar o significado da matemática na construção conceitual em Física.
Segundo, por exemplo, a leitura de Moreira (2001), Johnson-Laird sugere que as
pessoas raciocinam por meio de modelos mentais cuja função é representar um
objeto ou situação captando sua essência. Para ele, essas construções não são
definitivas, os modelos não são permanentes e vão sendo combinados e
recombinados, mudando a partir das competências adquiridas pelo sujeito. O
modelo, dessa forma, terá sucesso quando, em sua construção, levar em
consideração as certezas do sujeito, fruto de suas interações com o cotidiano e
que, portanto, são coerentes, estáveis e comprovadamente adequadas quando
se trata de acontecimentos do dia-a-dia. Sendo assim, a construção conceitual
se dará desde que o modelo permita que o sujeito visualize o objeto ou a idéia
com mais facilidade, além de encaminhá-lo a realizar abstrações e predições a
respeito do conhecimento adquirido, libertando-o de representações
proposicionais.
Dentro dessa perspectiva, podemos afirmar que os modelos, em física,
podem ser vistos como mediadores entre a dimensão teórica e a realidade. O
modelo não é a realidade, mas também não é só a representação daquilo que
16
se pensou. Prova disso é que quando as informações sobre a realidade são
pouco precisas há dificuldade na construção do modelo mental. No entanto, se o
modelo é bem estruturado, ele possibilita ao sujeito que faça inferências, ou
seja, há a liberação das descrições verbais. Se os dados de realidade forem
pouco precisos, há dificuldade na construção do modelo e o sujeito passa a não
ser capaz de inferir: a representação passa a ser mais proposicional e, portanto,
mais descritiva.
Em nenhum dos textos analisados se considera explicitamente o papel da
matemática na construção dos modelos. Apesar disso, pode-se pensar que no
caso da teoria física, esta só existe enquanto teoria porque tem uma
estruturação matemática que pode traduzi-la verbalmente. Sendo assim, seria a
matemática aquilo que organiza o pensamento e, portanto, compõe o modelo
mental por meio de representações das relações específicas adequadas ao
processo sobre o qual deverão operar. A matemática seria, então, o elemento
organizacional e fundante da representação do modelo.
Por outro lado, é legítimo ponderar que a realidade constitui, na prática,
aquilo que torna possível a representação do modelo não como organizacional,
mas enquanto contexto, ou seja, o lugar, o tempo onde e quando está situada a
imagem do modelo. Portanto, a junção dos dois elementos (organizacional e
imagético) é constituinte da representação do modelo, entretanto o elemento
organizacional, ou seja, a matemática, é preponderante como forma e
determinante como generalização. Por sua vez, a imagem é preponderante
como estrutura particular. Isso nos permite pensar que, muitas vezes, o modelo
em física já é construído de maneira a ser coerente com o uso previsto.
Em outras áreas de pesquisa, alguns pensadores reconhecem a
matemática como a linguagem por meio da qual a física se expressa. Nessa
vertente, Almeida (1999) defende esse ponto de vista. A autora reconhece duas
linguagens que são utilizadas ao ensinar física. Uma é a denominada
“linguagem comum” ou “ordinária” e a outra a matemática. A primeira, apesar do
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nome, pode representar especificidades e termos característicos da física. Nela,
estariam palavras novas ou mesmo palavras comuns com um significado ou
uma utilização diferente da usual.
Segundo a autora, a matemática como linguagem pode ser analisada por
meio da noção de sistema de representação, pois ao se apropriar da estrutura,
símbolos e operações matemáticas consegue criar um sistema de
representação que, apesar de não representar a realidade na sua totalidade,
absorve dela algumas propriedades e exclui outras, o que torna possível a
existência de processos de diferenciação.
A linguagem matemática pode ser vista como uma metalinguagem
constitutiva da física, uma vez que abre a possibilidade da existência de um
formalismo, mesmo que os cientistas também se utilizem da linguagem comum.
Em seu texto Almeida (1999) pretende avançar em relação às reflexões de
Robilotta (1985) que aponta a natureza constitutiva da linguagem matemática na
física ao afirmar que negligenciar ou dar papel secundário ao formalismo
matemático “(...) corresponderia a apresentar aos estudantes uma caricatura
pobre da Física, já que esta é estruturada em termos matemáticos e é
praticamente impossível saber Física sem se dominar essa estrutura.”
Almeida (1999) sugere que se pode refletir sobre o papel da linguagem
matemática na construção da física, utilizando a noção de “obstáculo
epistemológico” tal qual é vista por Gaston Bachelard. Para ele, o conceito de
fenômeno científico se baseia na compreensão matemática que se tem dele.
Nesse sentido, Bachelard percebe na matemática sua natureza constitutiva da
construção científica. Sendo assim, a matemática pode ser vista como aquilo
que deve ser ultrapassado para suscitar a apreensão do conhecimento
científico. A matemática dessa forma, instauraria um conflito entre um modo de
ver o mundo, no caso os fenômenos físicos e um novo modo de percebê-los, o
que permite a ruptura com um modo antigo de perceber e lidar com o fenômeno.
Ainda segundo Almeida (1999), no âmbito do ensino de física no Ensino
Médio, há que se levar em conta que as estratégias dos educadores para
conhecerem e considerarem as concepções e opiniões dos alunos acerca de
18
determinado fenômeno são baseadas no uso da linguagem comum. No entanto,
como já visto, sem a linguagem matemática o conhecimento físico não se
estabelece plenamente, uma vez que esse sistema de representação é capaz de
pode propiciar a ruptura entre o conhecimento pré-científico e o científico. É
necessário ao estudante aprender a estrutura por meio da qual a física se
assenta. Admitindo-se que a linguagem matemática é o que fornece ao aluno a
internalização de conteúdos da física, deve-se trabalhá-la continuamente com os
estudantes.
Pietrocola (2002) em sua reflexão sobre o papel da Matemática no
conhecimento físico, retira da matemática sua função meramente instrumental
para atribuir a ela um caráter estruturador do pensamento físico. Nesse sentido,
a matemática, segundo o autor, seria mais do que linguagem e desempenharia
um papel fundamental na constituição do conhecimento físico e, por isso,
deveria ter também um papel relevante no seu ensino. Para o autor, essa
função estruturadora pode ser compreendida por meio de uma analogia entre a
linguagem comum e a matemática.
Pode-se estabelecer, então, uma analogia entre a matemática como
instrumento da física e a linguagem comum que se estabelece, segundo o autor,
em relação à tradição empírico-realista e recebe o reforço da própria idéia
espontânea que se tem da linguagem. Se na linguagem oral, palavras e
sentenças comunicam nossos pensamentos, os produtos da física podem ser
expressos por meio de outros códigos, próprios da simbologia matemática,
associados aos símbolos, gráficos, equações etc. Para Pietrocola, além da
comunicação direta e da descrição das coisas, a linguagem humana serve para
dar forma às nossas idéias permitindo-nos lidar com elas. Sendo assim, a
linguagem humana estrutura o mundo imaginário das idéias (...) ou seja, o
nosso pensamento articula-se através das palavras que construímos e
passamos a nos comunicar por meio delas. As palavras são idéias codificadas e
a matéria prima do nosso pensamento (...) Nem sempre existe uma correlação
direta entre os significados presentes no mundo das idéias com aqueles do
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mundo real. Neste caso, estamos no domínio exclusivo da imaginação.
Imaginação ou realidade, a linguagem deve ser entendida como a forma que
temos de estruturar nosso pensamento (Pietrocola, 2002, p. 106).
A matemática teria o papel, segundo o autor, de executar essa mesma
função em relação ao pensamento associado ao conhecimento físico, sendo
mais do que um instrumento de comunicação. Pode-se por isso, segundo
Pietrocola, admitir-se um mundo físico previamente estruturado no qual a
matemática tem um papel descritivo. Para além dessa função, a maior
importância seria o papel estruturante que ela pode desempenhar no processo
de produção de objetos que irão se constituir nas interpretações do mundo
físico. Para o autor, a tradução desse mundo se daria somente por meio da
matemática: a escolha da matemática, enquanto veículo estruturador da ciência,
reside, entre outras coisas, nas suas características de precisão, universalidade
e, principalmente, lógica dedutiva. Bachelard já afirmava que a força da
matemática reside no fato dela ser “um pensamento seguro de sua linguagem”
(Pietrocola, 2002, p.106).
Essa segurança viria por meio de uma outra analogia. Enquanto na
linguagem comum as palavras são idéias, para o autor, essa função na ciência
está associada aos conceitos. Assim, para articular nossas idéias, segundo ele,
temos de fazer uso de palavras que exprimam nossos pensamentos. Essas
palavras se constituem em relações que devem seguir regras gramaticais, de
sintaxe, morfologia etc. Na ciência, ocorreria o mesmo: a necessidade de regras
decorre do fato de que precisamos vincular os conceitos de maneira a articulá-
los entre si, resultando numa teoria em que seus significados individuais são
muito precisos. As idéias da ciência ganham significado interconectando-se em
estruturas matemáticas. A linguagem matemática, com suas regras e
propriedades, torna as teorias científicas capazes de pensar o mundo. Toda a
teoria científica é de certa forma, um conjunto de conceitos, cuja estruturação é
eminentemente matemática (Pietrocola, 2002, p. 108).
20
Apesar de estabelecer a matemática como estruturante do pensamento
físico, o autor não descarta seu caráter de linguagem, na medida em que a
reconhece como uma dentre as várias linguagens que teríamos ao nosso dispor
para estruturar nosso pensamento. Para ele, a articulação entre os conceitos
está posta na natureza e cabe à matemática explicitá-la em relações que lhe dão
clareza e consistência, não sendo, no entanto, função dela estabelecer a teoria,
mas garantir aquilo que lhe fornecerá organicidade conferindo ao todo suas
propriedades de todo.
.
A nosso ver, essa percepção da matemática como estruturante do
conhecimento físico fornece uma perspectiva importante e adequada para a
reflexão sobre a física e o ensino dessa ciência na escola.
No entanto, esse caráter estruturante que lhe é atribuído parece requerer
um maior aprofundamento. Mesmo que, de forma quase intuitiva, seja
inquestionável, requer a caracterização de sua natureza com base em
elementos que extrapolem a analogia.
Além disso, ao introduzir essa problemática no ensino, o autor enfatiza a
questão da instrumentação matemática a ser desenvolvida pelos alunos como
aquilo que dá sustentação ao conhecimento físico. Ao mesmo tempo, parece-
nos que talvez não haja necessariamente uma correspondência direta entre o
papel da matemática na construção do conhecimento físico e aquele da
matemática no ensino e aprendizado da física de quem não será físico.
Vista dessa maneira, como compreender a intermediação da matemática
no ensino de física, de forma a que possa não ser entendida apenas como
ferramenta, mas efetivamente como elemento estruturante?
Parece, então, ser impossível a apreensão dos objetos e teorias físicas
sem que se tenha adquirido a habilidade que garante o acesso a essa
linguagem. Essa competência, no entanto, é mais do que um domínio
operatório. Não basta saber matemática para percebê-la como estruturante do
conhecimento físico e, portanto, peça essencial à construção desse
21
conhecimento. Quais seriam, então, os elementos importantes nesse
processo?
Retomando, portanto, o objetivo mais amplo deste projeto, apresentado
anteriormente, investigar o papel da matemática no processo de ensino e
aprendizagem de física requer aprofundar as especificidades de seu caráter
estruturante no ensino de física, na escola média, buscando semelhanças e
contrapontos em relação ao papel da matemática na construção da própria
física.
II.2 - ESTRATÉGIAS E METODOLOGIA DE TRABALHO
Para analisar a contribuição da matemática para o ensino de Física no
Ensino Médio, ou, de forma mais abrangente, sua contribuição na construção do
conhecimento físico de alunos desse nível, parece ser essencial, em um
primeiro momento, restringir e delimitar melhor o espaço dessa reflexão. É
preciso reconhecer que a questão central, objetivo de nossa investigação, é
ampla demais para um trabalho introdutório sobre o tema, como o que está
sendo proposto.
A vista do que foi apresentado anteriormente, um dos aspectos
aparentemente bastante relevante e que precisa ser levado em conta é a
distinção entre o processo propriamente dito de construção do conhecimento da
Física, realizado pelos cientistas, e a construção do conhecimento físico de um
aluno do Ensino Médio, nos três anos de escolaridade que compõe esse núcleo
em que ele se defronta com essa incumbência.
Essa mesma distinção entre o conhecimento científico e o conhecimento
ensinado ou aprendido vem sendo apontada freqüentemente em trabalhos
desenvolvidos nas últimas décadas e pode ser um elemento orientador.
22
Pregnolatto (1994), em seu estudo sobre o conhecimento do
eletromagnetismo, distingue o conhecimento possível do conhecimento
aprendido de fato pelo aluno, reconhecendo o livro didático como uma interface
entre ambos.
Uma outra abordagem que vai nessa direção é o conjunto de análises
relacionadas à transposição didática, em que também é realizada uma clara
distinção entre o conhecimento da ciência, do qual os cientistas são detentores,
e o conhecimento escolar acerca da ciência. Nessa proposta, Chevallard (1998)
identifica a existência de três níveis no processo didático, que ele denomina
como o saber sábio, o saber a ser ensinado e o saber ensinado. Para ele, o
saber sábio é aquele associado ao conhecimento científico, ou seja, o saber que
o cientista detém. O saber a ser ensinado refere-se a um recorte do
conhecimento entendido pelo livro didático como essencial, a cada nível.
Finalmente, o saber ensinado é aquele concernente à sala de aula, ou seja,
àquele que leciona, cuja tarefa é se constituir o elo entre o saber a ser ensinado
e o aluno.
Autores como Astolfi (1994) e Garcia (1998) distinguem o conhecimento
científico do conhecimento escolar, levantando a possibilidade, até mesmo, da
existência de uma epistemologia própria para este último.
Considerando e reconhecendo as distinções entre esses diferentes
saberes, a estratégia de investigação e reflexão a ser adotada neste trabalho
propõe identificar e obter elementos para a relação entre o conhecimento físico e
a matemática nesses três níveis distintos.
Assim, interessa-nos analisar como essa questão é tratada, num primeiro
momento, na esfera do saber sábio, ou seja, do ponto de vista da ciência e
daqueles que a desenvolvem. Em um segundo momento, analisar como se
caracteriza essa relação do ponto de vista do saber a ser ensinado, ou seja, o
recorte do saber científico que é delimitado para ser apresentado na escola, tal
qual expresso nos livros didáticos. E, finalmente, como essa relação se
apresenta para os alunos. Nesse último aspecto, e ao contrário das propostas
23
da transposição didática, trata-se mais de investigar como a relação entre o
conhecimento físico e matemático se apresenta no conhecimento aprendido do
que no conhecimento ensinado.
A expectativa dessa estratégia de investigação é de que, do confronto e
articulação das abordagens nesses diferentes espaços, possa emergir uma
melhor compreensão para o problema.
Reconhecendo a importância da matemática na construção histórica do
conhecimento físico, procuraremos analisar as visões de alguns cientistas,
físicos sobre suas percepções acerca dessa questão, baseadas, sobretudo em
suas vivências e práticas.
Quanto ao saber a ser ensinado, pretendemos basear nossa reflexão na
análise dos livros didáticos. No que se refere a isto, selecionamos dois manuais
que podem ser considerados representativos em relação às suas escolhas
didáticas. Em cada um deles, duas temáticas relevantes e básicas para a
aquisição do saber físico serão apreciadas.
Finalmente, do ponto de vista do ensino aprendizagem de Física no
Ensino Médio, propomos a realização de atividades investigativas, analisando as
respostas dos alunos a questões conceituais qualitativas e quantitativas.
Nessas situações, nossa investigação será, portanto, orientada para a
identificação de características e especificidades da relação entre matemática e
construção do conhecimento físico. Isso inclui as habilidades relativas ao saber
matemático que os alunos necessitam dispor para construir o saber físico: a
quantificação de valores, a utilização de gráficos e tabelas e o uso correto de
relações matemáticas, seus códigos e símbolos.
Embora esse seja o ponto central a ser considerado, em nenhum
momento pretende-se atribuir juízos de valor a formas mais ou menos
adequadas de ensino-aprendizado, em abstrato e de maneira desvinculada dos
objetivos educacionais presentes em qualquer atividade escolar. Ao contrário,
pretende-se buscar compreender de forma mais focalizada a importância da
matemática na construção do conhecimento físico pelo aluno de ensino médio,
24
segundo as competências e habilidades diversificadas pretendidas para esse
nível escolar.
Nossa hipótese inicial é a de que os três diferentes espaços de análise e
reflexão, tal como definidos acima, podem permitir estabelecer uma melhor
compreensão da complexidade da relação entre o aprendizado de Física e o uso
da matemática, a partir da identificação dos âmbitos em que estabelecem sua
relação com o problema em questão, assim como da contraposição entre esses
âmbitos. Esses três aspectos da questão estarão em cada um dos capítulos
centrais que compõem este trabalho.
No capítulo III, que trata da relação entre a física e a matemática do ponto
de vista de alguns físicos, apreciaremos o discurso de três cientistas no que se
refere ao papel da matemática na construção do conhecimento físico. Apesar da
limitação da amostra, consideramos que os físicos analisados têm, sobre esse
papel, uma compreensão expressiva e podem fornecer importantes elementos
de reflexão.
No capitulo IV, é analisada a relação entre a física e a matemática em
dois livros didáticos, voltados para o Ensino Médio. Para permitir um
aprofundamento maior, restringiu-se a extensão do material analisado a tópicos
específicos. Assim, nossa investigação deteve-se nos capítulos relativos aos
conceitos de calor e de campo elétrico, fundamentais para a compreensão,
respectivamente, da Termologia e da Eletricidade. Esses tópicos, por
possuírem características distintas, podem permitir, talvez, identificar diferentes
âmbitos para a relação entre a matemática e a física.
O capítulo V tratará da relação entre física e matemática estabelecida no
âmbito da aprendizagem dos alunos. Por meio da coleta de dados e análise de
respostas dos alunos a questões cuja temática é a mesma dos livros didáticos
apreciados, procura-se investigar a relação entre diferentes domínios de
aprendizagem.
Finalmente, no capítulo VI, busca-se estabelecer uma articulação inicial
entre os diferentes elementos identificados ao longo deste trabalho.
25
Capítulo III
A relação entre a Física e a Matemática do ponto de vista de alguns físicos
• Introdução
A relação entre a Física e a Matemática é motivo de interesse dos
cientistas que constroem as teorias físicas, dos epistemólogos que refletem
sobre a construção do pensamento em ciências e dos educadores, cuja
preocupação com a aprendizagem efetiva dos conhecimentos científicos está
fundamentada no estudo dos fatores preponderantes para que essa aquisição
se torne real.
Nesse capítulo, optou-se por conhecer como cientistas que fazem ou
fizeram Física percebem o papel da matemática na elaboração e utilização das
teorias físicas. Trata-se de tentar entender como os pesquisadores que têm
grande proximidade com o desenvolvimento e as comprovações de teses,
princípios e experimentos físicos percebem a matemática que envolve suas
pesquisas, seu fazer científico. É legítimo se supor que essa percepção não foi
a mesma durante toda a história da construção do pensamento científico. O
papel da matemática no desenvolvimento da física é visto de maneiras
diferentes por cientistas de épocas distintas. Muito provavelmente para Newton
ou mesmo Poincaré, a função da matemática é discutida de forma diversa
daquela analisada por Einstein ou por Feynman.
Nesse sentido, pareceu-nos que conhecer parte do pensamento e das
idéias de físicos contemporâneos no que se refere ao papel da matemática na
construção do pensamento científico e das teorias físicas, estaria em maior
sintonia com a proposta geral deste trabalho. A estratégia levou em
consideração o fato de que seria inócua qualquer tentativa de esgotar os
elementos de análise sobre esse tema visto a quantidade de obras e de
26
trabalhos dos físicos ora escolhidos ou de outros que refletiram sobre esse
assunto ao longo dos anos.
Foram selecionados textos de três físicos, considerando como principal
fator de escolha a existência de textos em que a questão é discutida de forma
explícita. A opção se deu por textos de Richard P. Feynman na obra O que é
uma lei física (1989), Mario Schenberg em Pensando a Física (1984) e
Lawrence M. Krauss no livro Sem medo da Física (1995). Nessas obras o elo
entre a física e a matemática é refletido sob o ponto de vista do fazer ciência e
pode, portanto, se constituir um elemento revelador de como esses cientistas
identificaram a atuação da matemática ao longo da história da construção do
pensamento físico e em sua própria pratica científica. Os textos foram
apreciados primeiramente levando em conta a individualidade do discurso de
cada um dos físicos. Nessa linha, tentou-se resumidamente expor as reflexões
de cada um deles sobre o papel da matemática na construção do conhecimento
físico. As considerações finais procuram tecer uma rede de relações entre
essas reflexões, procurando perceber em que medida há nesses modos de
perceber a matemática uma singularidade que pode ou não ser reveladora de
posições diversas.
III . 1 – A relação da Matemática com a Física – Feynman
Richard Feynman, físico americano, nascido no começo do século XX,
tem lugar assegurado na galeria dos maiores físicos da história, segundo muitos
de seus pares. Falecido em 1988, contribuiu para o desenvolvimento de vários
trabalhos importantes e fundamentais tanto em mecânica quanto em
eletrodinâmica quântica. O livro, cujo capítulo refletiremos nesse trabalho, reúne
um conjunto de palestras proferidas a estudantes na Universidade de Cornell,
nos Estados Unidos, em 1964, cujo tema foi “O que é uma lei física”. Feynman
em sua série de apresentações abordou, entre outros assuntos, a lei da
gravitação universal como exemplo de uma lei física, discutiu os grandes
27
princípios de conservação, a simetria das leis físicas e, em uma dessas aulas, o
tema foi “a relação da matemática com a física”, capítulo que iremos nos deter.
Sua análise sobre esse aspecto do conhecimento contém elementos que
relacionam a matemática com o saber físico de um modo bastante peculiar, mas
nem por isso pouco abrangente.
Para Feynman, a relação da matemática com a física carrega
especificidades na medida em que ora a matemática é linguagem e, portanto,
transmite algo que se quer descrever da natureza, ora aparece como expressão
de um processo mental associado à lógica e a abstração, ou seja, como um
instrumento do pensar físico, sem o qual o conhecimento físico não se
estabelece completamente.
Nesse sentido, o autor apresenta diferenças que aparecem na utilização
da matemática em leis físicas fundamentais, nas quais esse uso prescinde de
recursos matemáticos mais profundos e dá como exemplo leis de
proporcionalidade direta tais como a lei de Faraday relativa a eletrólise. Essa
relação física-matemática, segundo ele, é diferente daquela que aparece em leis
que prevêem algo, ou seja, naquelas que têm um mecanismo matemático
subjacente a elas, tais como a lei da gravitação de Newton. Nesse tipo de
equação, a descrição verbal não é capaz de transmitir a informação com a
mesma velocidade, precisão e significado dos símbolos matemáticos e isto
parece significar que nenhum modelo da teoria da gravitação que já se inventou
ou venha a se propor pode existir para além da respectiva forma matemática
desta teoria.
Essa perspectiva, para Feynman, permeia o estudo da física. Quanto
mais profundamente se conhece a natureza e quanto mais o conhecimento
físico se estabelece como compreensível, mais matematicamente complexas se
tornam as leis que o descrevem, que assumem, portanto, formas matemáticas
abstratas e intrincadas. Em conseqüência disso, é impossível se compreender
verdadeiramente as leis naturais se não se possui um profundo conhecimento
matemático. Segundo ele, isso pode ser entendido se pensarmos que não há
modos de traduzir verdadeiramente os fenômenos a não ser por meio da
28
matemática. Nesse sentido, ela não é só uma linguagem, na medida em que não
se traduz um pensamento ou idéia, mas junto expressa um modo de pensar e
raciocinar, uma abstração que tem caráter relacional e que é capaz de predizer
se configurando, portanto, um instrumento para raciocinar. Para o autor, só a
matemática permite o entendimento das relações e equivalências que existem
entre leis aparentemente diversas em seus enunciados. Como exemplo, cita o
caso da relação de equivalência entre a lei da gravitação universal e a lei de
Kepler, das áreas. A partir de um raciocínio organizado, estabelecido por meio
da matemática, Newton, demonstrou geometricamente nos Principia como isso
era possível. Hoje utilizamos um raciocínio analítico, expresso por símbolos que
tornam o processo de dedução mais ágil e rápido do que na época de Newton.
Esse modo de se fazer isto, de forma mais eficiente que a geométrica, é utilizar-
se do cálculo diferencial. Apesar de Newton dominá-lo, pois o inventou, teve,
segundo Feynman, receio de não ser compreendido em uma linguagem ainda
nova e usou a forma geométrica. O desenvolvimento da física se dá, para ele,
quase sempre deste modo. A matemática pode já estar desenvolvida para
expressar a estrutura de raciocínio que determinada lei exige ou se o
instrumental matemático ainda não estiver pronto, os físicos, como no caso de
Newton, o deduzem e estes dispositivos podem se tornar teorias matemáticas.
Sendo assim, a matemática é aquilo que permite, ao pensamento físico, passar
de uma lei para outra, de um conjunto de enunciados para outro ou de um
conceito para outro. É ela que possibilita as inferências necessárias para que se
preveja se algo que é válido uma vez, será verdadeiro quando a situação se
repetir.
Segundo Feynman, quando a física usa a matemática, o faz da
maneira babilônica, ou seja, a partir do conhecimento de teoremas e das
inúmeras relações entre eles de tal forma que muitas vezes as leis passam a ser
válidas em domínios que excedem o da demonstração. Como exemplo, ele cita
o fato de que a partir da lei da gravitação e da lei das áreas pode-se deduzir o
princípio da conservação do momento angular. Hoje sabemos que essa lei é
muito mais geral do que aquelas que lhe deram origem e mais do que isso, essa
29
lei se mantém válida em movimentos descritos também na mecânica quântica.
Isso quer dizer, para o autor, que um princípio pode ser válido apesar de outro
que decorre da mesma lei geral não o ser e, portanto, muitas leis são válidas
num domínio que excede o da sua demonstração.
Para Feynman, a matemática permite que adotemos diversos caminhos
para chegarmos a um mesmo resultado. Podemos trocar alguns axiomas por
teoremas e a lei é modificada e enunciada de outra forma. Do ponto de vista
matemático, a lei de Newton, o método do campo local e o princípio do mínimo
são capazes de descrever a natureza no que se refere à gravitação de maneira
adequada e conduzem exatamente aos mesmos resultados. O que as distingue
é a possibilidade de abrir caminhos para a descoberta de novas relações que
vão além daquelas imediatamente percebidas, ou seja, as diferentes
formulações podem nos fornecer idéias sobre a elaboração das leis em outras
situações, mesmo que, em alguns casos, certas leis falhem. Nesse caso, a
escolha dos axiomas que fundamentam a estrutura é fundamental. Pode ocorrer
de um deles não se mostrar adequado enquanto outros permanecerem válidos.
É por isso, segundo Feynman, que os físicos fazem, como já dito, uma
matemática babilônica onde os axiomas são como peças à disposição do
raciocínio e da intuição para serem utilizados no desenvolvimento de uma
situação nova.
A relação dos físicos com a matemática se fundamenta num modo
distinto daquele que orienta os matemáticos. Para eles, segundo Feynman, os
axiomas e a lógica que está contida em seus postulados e leis existem por si só,
não estão necessariamente ligados ao mundo real, e por isso são tão gerais
quanto possível. Os físicos, ao contrário, estão mais voltados aos casos
particulares, ou seja, interessa a eles discutir a lei da gravitação no espaço
tridimensional e não o caso de uma força arbitrária num espaço a n dimensões.
O espectro para o qual o matemático prepara suas teorias e sua resolução de
problemas é, na maior parte das vezes, muito amplo para o físico que tende a
simplificá-lo e reduzir seu rigor.
30
Finalmente, Feynman, reconhece que apesar do domínio da matemática
ser um sério obstáculo para que algumas pessoas compreendam a física, os
físicos não podem traduzir a matemática para outra linguagem. Para ele, se
queremos aprender algo sobre a natureza, se queremos apreciá-la temos de
compreender a linguagem na qual está escrita, ou em suas próprias palavras, a
natureza oferece a sua informação apenas numa forma; não devemos ser
pretensiosos ao ponto de querermos que mude antes de lhe prestarmos atenção
(Feynman, 1989, p.76).
III. 2 – Física e Matemática – Mário Schenberg
Várias considerações relevantes sobre o tema do papel da matemática
na construção do conhecimento físico foram feitas pelo prof. Mário Schenberg
numa publicação denominada Pensando a Física. Trata-se da publicação das
transcrições das aulas ministradas por ele no curso Evolução dos conceitos de
Física, ministradas em 1983, na Universidade de São Paulo. O professor
Schenberg, nascido em 1914, admirador confesso de Platão, acreditava,
segundo seus biógrafos, em educação como um processo formativo e não
informativo. É considerado por muitos o maior físico teórico que o Brasil já
produziu e seus interesses eram muitos, seja na física, na educação, na política,
na filosofia, nas artes.
No livro usado como referência, o prof. Schenberg, reflete sobre a
construção do conhecimento científico desde seus primórdios até aquele de
nossos dias. Dois capítulos foram de particular interesse.
No capítulo relativo à relação Física e Matemática, Schenberg deixa
evidente que, para ele, não existe física sem matemática, sendo que esta última
é o que possibilita a existência e o desenvolvimento da primeira.
Ao longo do capítulo, Schenberg refaz o percurso histórico das relações
entre as duas ciências desde a Grécia Antiga. A partir dessa época, a física
31
passou, segundo ele, a ter como objetivo elaborar a descrição quantitativa dos
fenômenos da natureza. É por causa disso que, para ele, a Geometria é o ramo
mais antigo da física, pois por meio dela foi possível estabelecer uma descrição
quantitativa das grandezas físicas tais como comprimento, área, volume. Da
união entre as idéias geométricas e o conceito de tempo proveniente das
observações dos astros, surgiram os conceitos da cinemática.
Segundo o autor, o desenvolvimento da Geometria foi o grande
incentivador do desenvolvimento e aperfeiçoamento dos conceitos aritméticos
possibilitando o aparecimento das grandezas comensuráveis e dos números
fracionários.
A escola pitagórica contribuiu significativamente para o desenvolvimento
do pensamento científico, seja ao conceber a lei das cordas vibrantes, uma das
primeiras leis mecânicas formuladas, seja ao descobrir as grandezas
incomensuráveis.
Posteriormente, Eudoxo de Cnido , na Academia de Platão;- a primeira
universidade do ocidente-, desenvolveu a teoria das grandezas
incomensuráveis, a descoberta do método axiomático e do método de exaustão
que foi um dos percussores do cálculo integral.
A partir das descobertas matemáticas anteriores à escola pitagórica e à
Academia de Platão e baseando-se na estrutura axiomática de Cnido,
estabeleceu-se a Geometria de Euclides cujos pressupostos asseguraram o
desenvolvimento da física até a época de Kepler e Galileu.
No século XVII, Descartes e Fermat descobriram a Geometria Analítica e
com ela o conceito moderno de espaço. Além disso, é dessa época o
desenvolvimento do cálculo diferencial integral que sempre esteve relacionado a
problemas geométricos e cinemáticos uma vez que os conceitos de derivada e
diferencial surgiram, sobretudo, no chamado problema das tangentes das
curvas. A teoria das equações diferenciais que se tornaria o fundamento
matemático da mecânica newtoniana originou-se da descoberta por Isaac
Barrow, professor de Newton, de que a anti-derivada era a integral indefinida. Já
no século XVIII iniciou-se o estudo das equações e derivadas parciais com o
32
estudo das vibrações. Posteriormente, diz Schenberg, a descoberta da equação
de d’Alembert das derivadas parciais teve papel relevante na teoria
eletromagnética de Maxwell e, depois, na teoria da relatividade. É dessa época,
também, o início dos estudos da Geometria Diferencial que seriam a base para a
geometria intrínseca das superfícies curvas de Gauss e sua generalização por
Riemann. É daí, segundo ele, que surge a teoria geométrica fundamental, que
servirá de base para a Relatividade Geral de Einstein no século XX.
No século XIX surgem as equações não-lineares a derivadas parciais
para explicar os fenômenos da hidrodinâmica. No entanto, o desenvolvimento da
teoria destas equações ocorreu principalmente no século XX graças ao
desenvolvimento da aerodinâmica e das equações de Einstein que reformulam
a teoria da gravitação de Newton em termos de um sistema de equações a
derivadas parciais, relacionadas com a geometria de um espaço-tempo
quadridimensional curvo dotado de uma métrica riemanniana de tipo indefinido.
As equações a derivadas parciais formaram um instrumento matemático
fundamental também para a elaboração do conceito de campo clássico.
Data do século XX o grande desenvolvimento da teoria dos grupos
contínuos assim como o da teoria dos espaços vetoriais topológicos, em
particular do espaço de Hilbert, essenciais para a formulação da nova mecânica
quântica.
Para Schenberg, na teoria das partículas elementares o papel da
Geometria Algébrica é de fundamental importância. Além disso, em toda a Física
do século XX, sobretudo na teoria quântica, há a utilização constante das idéias
da Álgebra Abstrata.
Alguns dos episódios citados são explorados, por Schenberg, com mais
atenção em um capítulo posterior, intitulado “Física Matemática e Experimental” .
O autor aborda com mais ênfase o conceito de espaço. Ele observa que,
segundo Einstein, os gregos não tinham um conceito de espaço independente
de qualquer conteúdo. Descartes, ao criar este conceito precisou algebrizar os
conceitos geométricos, descrevendo os pontos por coordenadas, conseguindo,
assim, uma nova essência para o espaço. Esta abstração tornou possível o
33
estabelecimento de um sistema de coordenadas que pode estar em movimento
ou em repouso em relação ao outro. Esta possibilidade foi essencial para o
desenvolvimento da relatividade do movimento. Estes espaços relativos de cada
observador, são diferentes porque são relativos a diferentes sistemas de
coordenadas foram a base utilizada por Galileu para enunciar o principio da
relatividade da Física newtoniana: as leis do movimento têm a mesma forma em
dois sistemas de coordenadas em movimento de translação retilíneo e uniforme
um em relação ao outro.
Einstein, em 1905, na sua teoria da relatividade restrita estendeu o
principio da relatividade também aos fenômenos eletromagnéticos além dos
puramente mecânicos, impondo também a condição de que a velocidade da luz
era a mesma para os dois observadores. Então, cada vez mais a Física foi se
associando a Matemática e o conceito de espaço passou a ser aprofundado
cada vez mais e, com a teoria da relatividade, se passou de um simples conceito
de espaço euclidiano a um conceito de espaço-tempo (Schenberg, 1984, p..
Esse conceito de espaço-tempo, proposto por Minkowiski, é o que possibilita à
relatividade restrita ser matematicamente descrita através de uma geometria de
um espaço plano de quatro dimensões (x, y, z , t).
Outro episódio relevante é aquele que trata do conceito de quantidade de
movimento. Descartes teve a intuição a respeito da existência de uma
quantidade de movimento, mas não conseguiu definir esta quantidade porque
não tinha nem o conceito de massa nem possuía a idéia de que a grandeza
quantidade de movimento era vetorial. Apesar de sua genialidade, ao construir a
Geometria Analítica, Descartes não conseguiu elaborar conceitos que hoje são
elementares como os relativos à álgebra vetorial. É isso, segundo Schenberg, o
que torna a evolução da ciência extremamente complexa e difícil. Segundo ele,
ao pensarmos, por exemplo, na lei de Coulomb, podemos perceber que o fato
dessa lei apresentar a razão do inverso do quadrado das distâncias foi o que
permitiu aplicar, na teoria dos fenômenos elétricos, os mesmos instrumentos
matemáticos desenvolvidos para o estudo da gravitação newtoniana. A verdade
é que, a partir da lei de Coulomb, foi possível a compreensão e o
34
desenvolvimento da teoria dos campos. Isto só foi concebível porque a
matemática necessária já estava desenvolvida. Para Schenberg, o curioso é que
a eletricidade, de ciência experimental (baconiana, no seu entender), a
Eletricidade e, posteriormente, o Eletromagnetismo, passaram a ser ramos da
física essencialmente dependentes da formulação matemática. Além disso, ao
contrario da gravitação newtoniana, que reelaborada por Einstein ganhou uma
matemática muito sofisticada, o eletromagnetismo continuou a ter uma
matemática relativamente simples.
Outro evento no qual Schenberg se detém é aquele que trata do
desenvolvimento do cálculo diferencial integral. Segundo ele, Newton não os
utilizou explicitamente em seus escritos, pois tinha receio que raciocínios
fundamentados no infinitamente pequeno impedissem a compreensão de seus
leitores em relação às suas obras. Esta situação representa, segundo ele, a
eventual dificuldade de introduzirem certos conceitos matemáticos apesar
destes serem extremamente adequados para o desenvolvimento e a apreensão
do mundo físico. A idéia dos infinitamente pequenos é acentuadamente intuitiva
e, por isso, algo misteriosa e os físicos a utilizaram e ainda a utilizam sobretudo
em Geometria Diferencial.
III. 3 - A arte dos números – Lawrence M. Krauss
Lawrence M. Krauss é físico teórico, foi professor da Yale University e
atualmente leciona e é diretor do departamento de física da Case Western
Reserve University, ambas universidades localizadas nos Estados Unidos. Sua
proposta no livro “Sem medo da Física” é mostrar como as idéias simples e
essenciais da física podem ser, segundo ele, organizadas de modo a
desenvolver as teorias fundamentais que norteiam a pesquisa moderna. Nesse
sentido, aborda as teorias físicas em seus aspectos relacionais seja históricos,
filosóficos ou fenomenológicos. Entre os assuntos tratados, há um capítulo que
35
apresenta o desenvolvimento das idéias científicas de Galileu a Hawking,
enquanto em outro momento, discute como os físicos definem a verdade. Ainda
há um capítulo sobre como a física se relaciona com a matemática, denominado
“A arte dos Números.”
A análise de Krauss sobre o papel da matemática na construção do
conhecimento físico inicia-se com a constatação de que a matemática sendo a
linguagem através da qual a natureza se expressa é também, por isso, a própria
revelação do mundo físico. Há, no entanto, uma diferença entre o modo como os
matemáticos e os físicos tratam os símbolos e as teorias matemáticas. Para o
autor, os físicos vislumbram na matemática e nos números não só instrumentos
que se prestam a medição de quantidades físicas, mas aquilo que permite
determinar uma maneira de ver o mundo libertando e simplificando o
pensamento e ampliando a intuição física. Enquanto para os matemáticos os
números têm existência própria, não importando se as estruturas estabelecidas
entre números e símbolos têm significado na natureza, para os físicos as
estruturas e números não tem nenhum significado independente.
O autor discute que a visão da matemática como manifestação libertadora
é contrária a uma vertente, segundo ele dominante, de que os números e
relações matemáticas são os empecilhos à compreensão das teorias físicas e,
por isso, devem ser evitados a todo custo. Explicações qualitativas seriam quase
sempre preferidas em relação às quantitativas. Krauss julga que essa espécie
de aversão comum à matemática pode ter um caráter sociológico uma vez que
as pessoas ostentam sua ignorância matemática até com certo orgulho, como se
isto as humanizasse e as aproximasse de seus semelhantes. Esquecem-se, no
entanto, que apesar das dificuldades de se pensar matematicamente, é este
processo que desvenda a maioria dos mistérios de toda história. Nesse sentido,
o autor analisa como o uso das dimensões das grandezas pode ser essencial
para caracterizar as observações físicas. O fato de existirem, na natureza,
apenas três tipos de quantidades dimensionais (comprimento, tempo e massa)
faz com que todas as grandezas físicas possam ser expressas como uma
36
combinação das unidades dessas grandezas. Em conseqüência, o numero de
relações matemáticas que se pode obter combinando essas dimensões passa a
ser finito e se constitui a base de interpretação das informações obtidas pelos
sentidos ou por medições. Em outras palavras, a análise dimensional elimina
significativamente a necessidade de se memorizar fórmulas ao oferecer a
aproximação fundamental: quando visualizamos algo, visualizamos suas
dimensões (Krauss, 1995, p.40). Sendo assim, números e relações matemáticas
determinam um modo de ver o mundo e, ao mesmo tempo, têm a função de
simplificar e traduzir, além de ser aquilo que permite selecionar o que tem ou
não valor na teoria física. Nossa descrição da natureza e aquilo que dela
visualizamos começam, portanto, segundo o autor, com os números.
Muitos já questionaram se não seria possível descrever os fenômenos
físicos utilizando outra estrutura que não a matemática. Parece não haver
alternativa. Galileu examinou esse assunto, há mais de 400 anos, ao escrever: a
filosofia se acha escrita neste magnífico livro, o universo, que está sempre
aberto à nossa contemplação. Mas o livro não pode ser compreendido se a
pessoa não aprender primeiro a entender a linguagem e a ler as letras que a
compõe. Ela é escrita na linguagem matemática, e os seus caracteres são
triângulos, círculos e outras figuras geométricas, sem as quais é humanamente
impossível compreender uma única palavra sua; sem elas, a pessoa divaga por
um labirinto escuro (Krauss, 1995, p. 45).
Krauss insiste em que se pensar na matemática somente como
linguagem da física é restringir seu papel na construção do pensamento físico.
Na verdade, é ela que permite estabelecer conexões lógicas que a descrição
lingüística ou a explicação verbal não são capazes de fazer. Essas ligações são
essenciais para compreendermos a realidade. Uma amostra disso, segundo o
autor, pode ser percebida no fato de que Newton nunca poderia ter sido capaz
de deduzir a sua lei da gravitação universal se não tivesse conseguido
estabelecer a conexão matemática entre a observação de Kepler e o fato de que
o Sol exercia uma força sobre os planetas – embora isso por si só fosse de
fundamental importância para o avanço da ciência. Tampouco pelo fato de que
37
sem apreciar a base matemática da física, não se pode deduzir outras conexões
importantes. A verdadeira questão é que as conexões induzidas pela
matemática são completamente fundamentais para determinarmos todo o nosso
quadro da realidade (Krauss, 1995, p. 47).
Sendo assim, podemos pensar que todo conhecimento físico do universo
é multidimensional na medida em que podemos entender cada uma das
dimensões de uma série de maneiras equivalentes. Esses caminhos embora
iguais parecem diferentes na medida em que possibilitam uma percepção da
natureza em muitas partes, em muitas faces diferentes da realidade. É da
matemática a tarefa de, através de suas relações, nos permitir ver o todo em
meio às partes.
Desse modo, é por meio da matemática que se pode perceber as
diversas faces da realidade, que é muito mais complexa do que uma rápida
olhada pode captar. Apesar disso, é ela também que permite que nosso
entendimento se dê face a face, pois permite o livre caminhar por meio das
conexões das teorias físicas. A matemática termina por tornar a física acessível.
Alem disso, é dela a função de nos permitir perceber o mesmo fenômeno de
muitas maneiras diferentes; novas visões de uma mesma coisa são sempre
possíveis e, portanto, novas formas de compreender a natureza. Finalmente,
está associada à matemática a possibilidade de se prever como a natureza se
comportará em determinada situação através de associações que,
eventualmente estão ocultas para a física, mas que se revelam por meio do
pensamento matemático.
• Considerações gerais
Parece não haver divergência entre os três cientistas no que se refere à
importância da matemática para a física. Para eles não é possível imaginar a
física sem a parceria mais ou menos presente da matemática. Pode-se
perceber nos textos uma concordância no que se refere à essencialidade da
38
matemática na concepção e entendimento de uma teoria física. Isso fica
evidente quando lemos em Feynman:
...o que mostra novamente que a matemática fornece uma descrição
profunda da natureza e quaisquer tentativas de expressar a natureza segundo
princípios filosóficos ou usando intuições mecânicas não é muito eficiente. (p.74)
Ou quando diz
... se queremos aprender algo sobre a natureza, se queremos apreciar a
natureza, temos de compreender a linguagem em que está escrita. (p. 76)
Para Schenberg a matemática é vista como aquilo que sustentou e
possibilitou o desenvolvimento das teorias físicas. Ao percorrer o caminho do
estabelecimento das teorias físicas que julga as mais relevantes, sugere, em seu
texto, que o instrumental matemático que está presente nas teorias físicas ou a
precedeu ou teve de ser criado para, então, tornar possível à teoria, ser
desenvolvida. Escreve que
...provavelmente, todos os ramos da matemática tornar-se-ão necessários
para o desenvolvimento da física, como, por exemplo, a Teoria dos Processos
Aleatórios, que passaram a desempenhar um papel relevante desde o começo
do século, com a teoria do movimento browniano. (p.18)
Em Krauss, lemos idéias semelhantes:
...a verdadeira questão é que as conexões induzidas pela matemática são
completamente fundamentais para determinarmos todo o nosso quadro da
realidade. (p. 47)
Ou quando escreve:
39
..então, a matemática torna a física acessível...Não podemos afirmar que
compreendemos a natureza quando só vemos um lado dela. E pelo sim, pelo
não, é um fato que somente as relações matemáticas nos permitem ver o todo
em meio às partes. (p.48)
Parece-nos evidente que nenhum desses cientistas discorda da
importância que tem o pensamento matemático para o conhecimento físico.
Comparando-os, percebe-se que, na maioria das vezes, as idéias e percepções
dos três físicos sobre o papel da matemática dirigem-se para um mesmo lugar,
apesar das abordagens escolhidas nos textos examinados serem ligeiramente
diferentes, assim como os exemplos e formas de expressão escolhidas por cada
um deles.
A análise de Feynman aponta na direção de uma preocupação com os
aspectos mais fundantes do papel da matemática, percebendo-a para além de,
apenas, linguagem. Para ele, a matemática tem a propriedade de
instrumentalizar um modo de pensar, um modo de raciocinar. A aproximação do
problema feita por Schenberg se faz, sobretudo, por meio da análise da história
da construção do conhecimento. Para ele, o contexto e o desenvolvimento das
idéias, são fatores reafirmadores da participação da matemática, desde sempre,
na construção do saber científico. Já a abordagem de Krauss insiste na reflexão
sobre a impossibilidade de se entender física sem o conhecimento matemático.
Ao longo de sua análise, discute o papel do uso das dimensões das grandezas
como algo essencial para o conhecimento físico. Para ele, os números e as
relações matemáticas simplificam o conhecimento, além de selecionarem o que
tem ou não relevância para esse conhecimento.
A partir da leitura dos textos desses três físicos, e da multiplicidade de
aspectos por eles levantados, procurou-se verificar a possível contribuição de
um olhar mais próximo da filosofia da ciência. Trata-se de procurar elementos
de convergência, se é que existem, entre o modo de pensar o papel da
matemática, da pessoa que faz a ciência com aquele que reflete sobre o fazer
40
científico. Para isso foi utilizado o texto A ciência como atividade humana de G.
F. Kneller (1980). Nesses estudos interessou-nos o que o filósofo pensa a
respeito de como se estrutura o conhecimento científico, como se formulam leis
e como a matemática se relaciona com a construção das teorias.
A física e a matemática mantém desde muito tempo uma relação de
grande proximidade. Para Kneller
as teorias e os modelos são frequentemente construídos e expressos
matematicamente. ...a matemática fornece ao cientista uma série de estruturas
dedutivas, por meio das quais ele pode inferir as implicações de enunciados –
como leis empíricas ou princípios teóricos – que são isomórficos com as
proposições contidas nas próprias estruturas matemáticas, ou têm a mesma
forma lógica dessas proposições. (p. 140)
O cientista se utiliza dos componentes da estrutura matemática, ou seja,
axiomas, teoremas e símbolos que são puramente abstratos, interpretando-os e
convertendo-os em suas idéias acerca de seu objeto de estudo. Segundo
Kneller, a matemática é usada para construir modelos e teorias de três
diferentes modos.
A primeira maneira, e a menos comum, consiste em construir um
formalismo matemático e depois interpretá-lo fisicamente. Foi assim que Erwin
Schrodinger desenvolveu a sua teoria da mecânica ondulatória, a partir de uma
teoria anterior proposta por Maurice de Broglie. ... Schrodinger procurou, então,
captar a verdade da natureza buscando a beleza em suas equações. (p.141)
O mais freqüente, segundo Kneller, é a idéia sobre o fenômeno físico
necessitar de uma expressão matemática para torná-la mais precisa. Foi o que
fez Maxwell, segundo o autor, ao tornar a teoria do campo magnético de
Faraday mais precisa ao expressá-la na forma de equações diferencial e
41
também mais concreta ao representá-la em modelos mecânicos descritos por
essas equações.
Finalmente, o cientista usa a matemática para deduzir as conseqüências
de seus pressupostos. Maxwell, por exemplo, deduziu que a radiação
eletromagnética se desloca à mesma velocidade da luz e, por conseguinte, que
a luz deve ser uma forma de radiação eletromagnética. Do mesmo modo, Paul
Dirac, uniu a teoria quântica e a relatividade especial em um conjunto de
equações, do qual deduziu, entre outras coisas, que existem elétrons de carga
positiva. Embora na época se considerasse que tais partículas eram
impossíveis, Dirac insistiu em que elas deviam existir, uma vez que eram a
conseqüência lógica de pressupostos que ele e outros físicos tinham todos os
motivos apara acreditar que eram verdadeiros. Cinco anos depois, isso foi
corroborado quando Carl Anderson descobriu provas experimentais dessas
partículas. (p. 142)
Pode-se admitir, em uma aproximação, que na classificação de Kneller
sobre os três modos de utilizar a matemática, há uma maneira na qual a
matemática é vista quase sempre como linguagem, isto é como tradutora dos
processos físicos. O modo linguagem não implica necessariamente em uma
matemática pouco sofisticada, contida somente em relações de
proporcionalidade; há ocasiões, nas quais o fenômeno deve ser descrito
fazendo-se uso de gradientes ou de rotacionais. Mesmo assim, a essência é a
mesma: reconhece-se uma relação na natureza que pode ser expressa por meio
de uma equação. Por outro lado, segundo Kneller, há ocasiões em que a
matemática pode ser considerada aquilo que permite e dá condições à
extrapolação, possuindo assim, caráter extensivo e articulador da teoria física. É
algo mais do que a simples tradução de uma idéia por meio de um formalismo
matemático, tornando-se, portanto, aquilo que permite fazer suposições e
relações além de tornar viável que se façam generalizações sendo, portanto, o
fator que garante à teoria, sua coerência interna. Por fim, para Kneller, a
42
matemática, eventualmente, pode assumir o papel daquilo que reconhece e
prevê o comportamento de um fenômeno sem que seja necessário estabelecer
um vínculo entre ele e o real, a priori. A matemática desenvolve um formalismo
matemático que explica algo da natureza, mesmo antes de sua existência ser
comprovada.
Parece haver uma linha de separação bastante tênue entre os modos de
enxergar o papel da matemática no conhecimento físico, tanto por Kneller
quanto para os cientistas. Analisando os exemplos e idéias explicitadas nos
textos dos três físicos, pode-se pensar que suas percepções sobre a matemática
ora estão no primeiro, ora no segundo, ora no terceiro modo, ora em nenhum ou
em todos eles. Uma mesma ocorrência matemática relativa a um fenômeno
pode ser olhada ora de uma maneira, ora de outra. Isso pode nos dizer algo
sobre a riqueza de possibilidades na relação entre as duas ciências assinalada
nos textos dos cientistas escolhidos. Para eles, no entanto, parece evidente que
a matemática deve ser vista como algo mais do que simples linguagem.
Feynman reitera essa percepção ao afirmar que compreende a matemática não
apenas como uma outra linguagem, mas como uma linguagem mais o
raciocínio, uma linguagem mais a lógica, sendo assim, um instrumento para
raciocinar.
De fato, parece haver o reconhecimento nos três textos, do caráter
estruturante que a matemática possui no conhecimento físico. Embora nenhum
dos autores utilize explicitamente essa denominação, suas abordagens e
exemplos permitem melhor explicitar o que seria esse caráter. Além de dar
expressão às idéias da física, a matemática é vista como aquilo que estrutura o
próprio conhecimento. Nossos cientistas parecem concordar com o fato de que
se o conhecimento da física é todo articulado, é a matemática que revela essa
articulação. No texto abordado, Feynman discorre sobre sua percepção da
matemática como aquilo que nos permite analisar, extrair conseqüências e
modificar leis, sendo por isso, uma maneira de passar de um conjunto de
enunciados para outro. Por seu lado, Krauss entende que é a matemática aquilo
43
que permite a visão das muitas faces diferentes da realidade, tornando possível
a interconecção entre elas, assumindo por causa disso um caráter
transformador, pois torna o conhecimento físico acessível.
A análise do pensamento dos três físicos por meio dos textos escolhidos
permite olhar para a diversidade, por eles reconhecida, da atuação da
matemática no pensamento físico. O papel da matemática na construção da
teoria física parece nem sempre obedecer às categorizações sugeridas por
Kneller. Isso pode sugerir a idéia de que a complexidade das funções
desempenhadas pela matemática na física é maior do que uma primeira
aproximação pode indicar.
44
Capítulo IV
A relação entre a Física e a Matemática em alguns livros didáticos indicados para Ensino Médio
Neste capítulo pretende-se investigar a relação entre a física e a
matemática nos livros didáticos de física do ensino médio, procurando
estabelecer as características das relações entre esses conhecimentos, , tendo
em vista as discussões realizadas anteriormente. Trata-se de tentar um enfoque
específico e local sobre o tratamento que os autores dos livros de física
oferecem à matemática quando se propõe a construir um determinado conceito
para o aluno, ou ao estabelecerem uma teoria, ou quando apresentam
atividades para serem realizadas pelos alunos ou quando vinculam a teoria a
uma aplicação tecnológica.
O saber físico presente nos livros didáticos já foi discutido de maneira
ampla em diversos trabalhos. Para a reflexão proposta neste capítulo,
utilizaremos inicialmente as referências sobre o tema propostas por Wuo (2000).
Do seu ponto de vista, o papel da matemática na construção do conhecimento
físico é um dos aspectos considerados relevantes para a sua investigação sem,
no entanto, merecer do autor, uma análise em profundidade.
Ao longo de sua avaliação, Wuo (2000) distingue quatro grupos de livros
segundo o modo pelo qual a física é abordada. Interessa-nos aqui, menos sua
análise global e mais o reconhecimento de como o autor percebe o papel da
matemática na formação do saber físico nesses diferentes grupos.
Em sua investigação, a presença da matemática é um dos elementos
utilizados para caracterizar aspectos metodológicos dos manuais, sobretudo no
que se refere ao modo de exposição dos conceitos ou teorias e também como
um dos elementos que identificam as abordagens dos conceitos de maneira
intensista (ênfase no qualitativo) ou extensista (ênfase no quantitativo).
Resumidamente, para Wuo (2000) há grupos de livros para os quais o
modo de exposição dos conceitos ou teorias faz referência ou parte do cotidiano,
45
enfatizando leis gerais, abordando aspectos e explicações diversificadas para, a
partir disso, construir uma linguagem. Nesses grupos há um equilíbrio entre o
aspecto qualitativo e quantitativo do que se quer ensinar e desse modo, os
modos intensista e extensista ou se interrelacionam ou são valorizados e
contemplados de maneira equilibrada. Em relação a alguns desses textos no
qual o equilíbrio está presente, ele diz
A ênfase na construção inicial de uma “linguagem”, antes de procurar
alcançar a expressão quantitativa e buscar uma visão teórica mais abrangente e
concreta, são notas não destacadas em outras obras, pelo menos na grande
maioria delas. (Wuo, 2000, p. 58)
No início dos assuntos há uma apresentação da temática a partir dos
conceitos básicos que formam a linguagem. É uma construção inicial dos
principais termos que receberão em seguida uma formulação matemática
sempre relacionada com dados da realidade vivenciada no cotidiano. (Wuo,
2000, p. 60)
Em outros dois grupos de livros há um predomínio marcante do modo
extensista, sobretudo porque os aspectos quantitativos dos conceitos são muito
valorizados. Nesses livros, os autores optam por introduzir os conceitos por meio
de uma formulação matemática com aplicações em situações cotidianas ou em
exercícios evidenciando, assim, os aspectos objetivos na relação com o leitor.
Este é o esquema que caracteriza as obras do grupo 3: abordagem
conceitual resumida, com os pontos lógicos fundamentais e muitos exercícios.
Como já foi citado, o livro segue o modelo das apostilas dos cursos pré-
vestibular que visam preparar o aluno para a resolução de problemas e testes.
(Wuo, 2000, p. 63)
46
...há uma abordagem que aproxima de exemplos práticos e do cotidiano.
Todavia, são considerados sempre após a formulação matemática, em que esta
é tomada como referência para a explicação dos fenômenos, o que estaria mais
perto de uma explanação quantitativa associada aos fatos. Repete-se sempre o
esquema: deduzir as expressões e depois aplicá-la em cálculos elucidativos das
situações físicas. (Wuo, 2000, p. 64)
No quarto grupo se encontram as obras de volume único cuja proposta é
apresentar toda a física do ensino médio resumidamente. A maioria desses
manuais assemelha-se a apostilas de cursinhos pré-vestibulares apresentando a
teoria de maneira esquemática e propondo um grande número de exercícios.
Nesse trabalho, para aprofundar a análise da relação da matemática e da
física, a idéia é abrir mão de uma análise extensa dos livros didáticos, já
desenvolvida em outros trabalhos, e optar por investigar mais detidamente
tópicos específicos, comparando, em diferentes livros, de que forma são
utilizados ou introduzidos os elementos matemáticos. Para isso, serão
escolhidos livros didáticos que tenham reconhecidamente perspectivas
diferentes do ensinar física.
Assim, os dois livros escolhidos constam de grupos diferentes na
classificação de análise proposta por Wuo (2000). São eles: Curso de Física de
Beatriz Alvarenga e Antonio Máximo, de agora em diante denominado livro A e
Fundamentos da Física de autoria de Ramalho e outros, de agora em diante
denominado livro B (Tabela 1). Trata-se de manuais que têm características
marcadamente distintas em relação à abordagem matemática. Além disso, sua
leitura é reveladora de diferentes modos de perceber o saber físico, também
constatado em Wuo (2000), quando diz:
....representadas por Alvarenga e Máximo (1997) e Paraná (1996), que,
de todos os demais livros, são os que mais se destacam por apresentarem uma
47
série de aspectos associados à física e que torna possível localizá-la numa
dimensão cultural mais ampla e mais concreta. (Wuo, 2000, p.105)
As obras do grupo 3, (que contém o livro Fundamentos da Física)
relacionam muito pouco a física com a tecnologia, não atentam para a
subjetividade da construção da física, são muito poucas as obras que trazem
tópicos sobre física moderna, não associam a física com outros elementos da
cultura, situando-a em um mundo um tanto quanto fechado e até certo ponto
inquestionável. (Wuo, 2000, p.105).
Livro Autores Representação
Curso de Física
(vol 1,2 e 3)
Editora Scipione, 2000
Alvarenga, Beatriz
Máximo, Antonio
Livro A – Alvarenga
Fundamentos da Física
(vol. 1,2 e 3)
Ed. Moderna, 2003
Ramalho, Jr. Francisco
Ferraro, Nicolau Gilberto
Soares, Paulo A. de
Toledo
Livro B - Ramalho
Tabela 1 – Amostra dos livros analisados
Além de expressar propostas de ensino diversas, esses manuais
favorecem o tipo de análise desejada por serem obras consolidadas, com
sucessivas edições, de indiscutível penetração no âmbito tanto de escolas
particulares quanto públicas, além de desenvolverem seus conteúdos em três
volumes.
Para a investigação ora proposta foram selecionados dois aspectos
específicos, relacionados a conceitos de natureza diferentes,. Assim pretende-se
examinar, separadamente, como essas obras apresentam e desenvolvem os
conceito de campo elétrico, e de calor sensível e latente, procurando
perceber o contraste que existe entre a forma de introdução da matemática na
determinação desses conceitos Trata-se de um recorte bem localizado da
48
eletrostática e da termologia e sua escolha é condizente com o fato de que
podemos reconhecer esses conceitos como básicos, introdutórios de uma
unidade e que, portanto, não precisam de muitos pré-requisitos, dependendo,
dessa maneira, de uma definição instituída quase que exclusivamente por meio
do livro didático. Além disso, o conceito geral de campo seja elétrico,
gravitacional ou de indução magnética, é de enorme importância para o saber
físico representando um de seus conceitos de maior densidade, tanto conceitual
quanto naquilo que se refere à representação matemática que assume, neste
caso, um viés bastante característico. A mesma singularidade se aplica ao
conceito de calor, visto ser uma forma de energia diversa daquelas relacionadas
à mecânica. A escolha desses tópicos também está de acordo com as
investigações propostas por este trabalho em situações de aprendizagem que
serão discutidas posteriormente, no próximo capítulo.
Os dois livros serão abordados segundo os seguintes elementos de
análise:
a) estrutura geral do livro; a idéia é verificar de que forma o tópico escolhido
(campo elétrico, calor) está inserido na obra como um todo.
b) desenvolvimento específico dos conceitos selecionados
b.1) desenvolvimento do conceito de campo elétrico e dos que dele
decorrem; neste caso, analisar como se constrói o conceito de campo
elétrico, linhas de força, campo de uma carga pontual, buscando
reconhecer de que forma os autores agregam a matemática a essa
conceituação .
b.2) desenvolvimento do conceito de calor e dos que dele decorrem;
neste caso, analisar como se constrói o conceito de calor sensível, calor
latente, calor específico, etc., buscando reconhecer de que forma os
autores agregam a matemática a essa conceituação .
c) exercícios resolvidos e propostos; aqui o papel da matemática no saber
físico de ensino médio evidencia-se, tornando a análise da forma e do tipo de
problema ou exercício proposto fundamental para a investigação.
49
Cada um desses elementos será investigado ao longo dos capítulos sobre
campo elétrico e calor dos dois livros separadamente e, posteriormente, será
realizada uma comparação entre as concepções de cada texto acerca do
elemento analisado.
Os exemplos coletados ao longo dos dois textos, para cada um desses
elementos, encontram-se detalhados no Anexo IV. São apresentados, a seguir,
alguns resultados dessa análise.
.
III. 1 Estrutura Geral dos Livros Didáticos analisados
Ao compararmos os dois textos didáticos selecionados, constatamos que
ambos desenvolvem o conteúdo do ensino médio em três volumes através de
uma distribuição de tópicos muito semelhante.
Nos Volumes 2 examinados, nos dois casos, com exceção de um 1º
capítulo sobre leis da conservação presente no livro A, as propostas de
distribuição do conteúdo dos autores é a mesma; - divisão em 3 partes:
Termologia, Óptica e Ondas nessa ordem. No caso dos Volumes 3, ambos são
divididos em 4 partes com capítulos que se referem à Eletrostática,
Eletrodinâmica, Eletromagnetismo e uma Introdução à Física Moderna. A
proposta dos autores de ambos os livros é que a matéria seja desenvolvida
nessa ordem.
Além de uma mesma ordem de conteúdos, a organização de cada
capítulo é semelhante nos dois livros examinados. Cada capítulo é dividido em
seções que, por sua vez, são divididas em tópicos. Em cada seção, há uma
introdução teórica onde geralmente são definidos ou apresentados os conceitos
centrais. Em seguida há exercícios resolvidos, seguidos depois por exercícios
propostos, novamente teoria, resolvidos, propostos, nessa seqüência até o final
da apresentação dos conceitos que compõe o capítulo. Se houver textos ou
leituras complementares, eles estarão no final do capítulo. Finalmente, cada
capítulo termina com uma série de exercícios complementares e uma bateria de
testes que, no caso do livro A, estão misturados aos complementares.
50
Em relação ao conceito de campo elétrico, em ambos os livros, a seleção
e seqüência dos temas e conceitos a serem ensinados são as mesmas, com
pequenas alterações, diferindo também nos textos complementares. Como
pode ser verificado nos respectivos índices, apresentados a seguir, a estrutura
geral é bastante semelhante. Do ponto de vista da extensão, no livro A, ao
longo de todo o capítulo, 15 páginas de texto são dedicadas à apresentação dos
conceitos sobre campo elétrico, incluindo 4 páginas de leitura complementar. No
livro B, os mesmos conceitos são apresentados em 7 páginas, incluindo um
texto de meia página sobre linhas de força.
Nos capítulos sobre calor sensível avaliados nesse trabalho, 5 páginas de
texto tanto no livro A quanto no B apresentam os conceitos a ele relacionados
51
(equação fundamental, calor específico, capacidade térmica). Para o calor
latente (definição, leis da mudança de estado e curva de aquecimento), o livro A
reservou 10 páginas, incluindo aí uma leitura sobre cristais líquidos enquanto o
livro B o faz em 3 páginas. Vale ressaltar que o formato dos livros é semelhante
no que diz respeito aos tamanhos das folhas que os constituem.
As diferenças entre as estruturas desses textos aparecem principalmente
na forma como são introduzidos os conceitos. No livro A, há, em geral, uma
exposição qualitativa mais extensa antes que seja apresentada a formulação
matemática, que é seguida de exercícios de fixação, onde também comparece,
inicialmente, uma maior ênfase qualitativa. No livro B, a estrutura também é
baseada em uma apresentação teórica, abordagem quantitativa, exercícios
resolvidos e exercícios propostos, embora a discussão inicial seja mais resumida
e os exercícios resolvidos tenham abordagem quantitativa.
...este é o esquema que caracteriza as obras desse grupo: abordagem
conceitual resumida, com os pontos lógicos fundamentais e muitos exercícios.
Como já foi citado, o livro segue o modelo das apostilas dos cursos pré-
vestibular que visam preparar o aluno para a resolução de problemas e testes.
(Wuo, 2000, p.63)
A própria disposição estrutural de conteúdos, parece apontar, no caso do
livro B, para uma tendência em que a apresentação do conceito, no caso de
campo elétrico, é voltada para a resolução de exercícios, visto que a descrição
teórica é curta, usando-se de esquemas, sendo seguida de exercícios
resolvidos.
Note-se, todavia, que em relação à estrutura mais geral e condutora dos
livros, ambos apresentam e dividem o conteúdo da mesma maneira,
caracterizando um modo tradicional e clássico de desenvolver a matéria. É
surpreendente que, mesmo no interior de cada seção, a seqüência dos
conteúdos seja tão semelhante.
52
III.2 - Em relação ao desenvolvimento do conceito de campo elétrico
No que se refere à abordagem dos conceitos, os dois livros apresentam
diferenças no tratamento dado à matemática na aquisição do conhecimento
físico. No livro A, é possível perceber uma abordagem do conceito que se dá
pela discussão, traduzindo-o, na medida do possível, primeiramente em termos
de idéias para só depois aproximar-se da expressão matemática. No livro B, ao
contrário, o ponto de partida da própria conceituação é a expressão matemática,
a partir da qual se busca estabelecer uma analogia.
No caso do conceito de campo elétrico, o livro B o define como algo que
desempenha o papel de transmissor de interações entre cargas elétricas. Para
esclarecer o conceito, os autores buscam na analogia com o campo
gravitacional a semelhança entre as expressões Pr
= m . gr e Fr
= q . Er
. Nas
palavras do livro,
... um corpo de prova de massa m, colocado num ponto P, próximo da
Terra (suposta estacionária) fica sujeito a uma força atrativa Pr
= m . gr (peso do
corpo) (fig.) Isso significa que a Terra origina, ao seu redor, o campo
gravitacional que age sobre m. Na expressão Pr
= m . gr , notamos a presença de
dois fatores: a) o fator escalar (m), que só depende do corpo sobre o qual a
força se manifesta; b) fator vetorial gr que exprime a ação no ponto P do
responsável pelo aparecimento de tal força, no caso, a Terra. O vetor gr é
denominado vetor aceleração da gravidade..(Ramalho e outros, 2003, p. 34).
Assim, para os autores, no caso do campo elétrico, há um fator análogo
a m que é a carga de prova q, colocada em um ponto onde aparecerá a força,
agora de caráter elétrico e um fator vetorial análogo a gr , representado por Er
,
denominado vetor campo elétrico. A proposição dos autores supõe que por meio
53
da relação matemática a semelhança se estabeleça, ou seja, a explicação
algébrica é a própria razão do conceito, como se a analogia baseada na
equivalência matemática bastasse para o entendimento dos fenômenos
relacionados ao conceito central. A analogia, portanto, é fundada na questão
algébrica e não na conceitual. Além disso, é possível notar que, após o
estabelecimento da expressão Fr
= q . Er
, os autores dão por encerradas as
explicações sobre o conceito de campo elétrico.
Sendo assim, a formulação matemática parece conter todas as
informações que o aluno precisa para estabelecer relações entre os demais
conceitos decorrentes e que estarão no restante do capítulo: campo elétrico de
uma carga puntiforme, campo elétrico de várias cargas puntiformes, linhas de
força, campo elétrico uniforme. Assim, entre outros pedidos, o aluno deve
inferir, conhecendo a expressão Fr
= q . Er
, que
... a cada ponto P de um campo elétrico associa-se um vetor Er
,
independente de colocarmos ou não uma carga de prova q em P. Fato análogo
verifica-se no campo gravitacional: a cada ponto desse campo associa-se um
vetor gr , independentemente de colocarmos um corpo de prova de massa m
(Ramalho e outros, 2003, p. 34).
No livro A, a apresentação do conceito é feita a partir de uma descrição
qualitativa seguida de comentários envolvendo lembretes ou chamando atenção
para algum detalhe da descrição. Nota-se que as definições são bastante
parecidas, porém o tratamento dado ao conhecimento decorrente delas é
diferente. Assim, para o livro A,
dizemos que em um ponto do espaço existe um campo elétrico quando
uma carga q, colocada neste ponto, for solicitada por uma força de origem
elétrica (Alvarenga e Máximo, 2000, p.55)
54
Essa idéia nos parece bastante semelhante ao papel de transmissor de
interações entre cargas elétricas descrito no livro B. No entanto, a secção de
comentários que se segue, no livro A, parece tentar aproximar o aprendiz do
conceito através de um tratamento menos abstrato do que aquele dado no livro
B.
É importante salientar que a existência do campo elétrico em um ponto
não depende da presença da carga de prova naquele ponto. Assim, existe um
campo elétrico em cada um dos pontos P2, P3, P4 e P5 da figura, embora não
haja carga de prova em nenhum deles. Quando colocamos uma carga de prova
em um ponto, queremos apenas verificar se atua, ou não, uma força elétrica
sobre ela, o que nos permite concluir se existe, ou não, um campo elétrico
naquele ponto (Alvarenga e Máximo, 2000, p. 55).
A analogia com o campo gravitacional é feita diferentemente. Segundo
os autores, o conceito de campo é apresentado pela primeira vez nesse
momento do curso. A opção se dá pelo fato de julgarem que não se deva tratar
no capítulo sobre Gravitação Universal de um conceito tão abstrato, visto o
estudante estar no início de seus estudos em Física. Sendo assim, o comentário
que se segue introduz o conceito de campo e prepara o entendimento da
analogia.
Estamos habituados a dizer que, na fig., a força elétrica Fr
é exercida por
Q sobre q . Com a introdução do conceito de campo elétrico, podemos visualizar
esta interação de uma maneira diferente: dizemos que a carga Q cria um campo
elétrico nos pontos do espaço em torno dela e que este campo elétrico é o
responsável pelo aparecimento da força elétrica sobre a carga q colocada
naqueles pontos. Em outras palavras, consideramos que a força elétrica que
atua sobre q é devida à ação do campo elétrico não à ação direta de Q sobre q
(Alvarenga e Máximo, 2000, p. 55).
A analogia é feita a seguir e não faz uso de instrumental matemático.
55
O conceito de campo não é restrito apenas ao estudo dos fenômenos
elétricos. Assim, dizemos que em torno da Terra (ou em torno de qualquer ponto
material) existe um campo gravitacional, pois uma massa m, colocada em
qualquer ponto do espaço em torno da Terra, fica submetida à ação de uma
força exercida por ela (fig.). Da mesma forma, em um ambiente (uma sala, por
exemplo), podemos dizer que existe um campo de temperatura, pois em cada
ponto do ambiente temos uma temperatura bem determinada, própria daquele
ponto (Alvarenga e Máximo, 2000, p. 55).
Observe-se que até este ponto do desenvolvimento do conceito, os
autores não fizeram uso de nenhuma expressão algébrica, mesmo quando a
seguir, generalizam o conceito para outros campos.
A expressão algébrica do campo é apresentada em um próximo bloco,
denominado O vetor campo elétrico, sendo que suas características (módulo,
direção e sentido) são definidas resumidamente, em um box tal qual se segue:
É possível notar que esta definição apresenta o vetor Er
como foco
central da expressão algébrica, de modo distinto ao utilizado no livro B que por
meio da analogia algébrica entre Pr
e Fr
deduz que deva existir um análogo
vetorial a gr , que será o campo elétrico Er
.
56
Há, também, uma diferença entre como se obtém a direção e sentido do
vetor Er
nos dois casos. No livro A isto é feito através de uma convenção que é
descrita através de exemplos tais como: suponha que a carga que cria o campo
seja negativa, como mostra a fig. Neste caso, se colocássemos uma carga de
prova positiva em P1, ela seria atraída por Q com uma força para a esquerda.
Portanto, o vetor campo elétrico estaria agora, dirigido para a esquerda (sempre
no sentido da força que atua na carga de prova positiva) (Alvarenga e Máximo,
2000, p.57) .
No livro B, conclui-se que observando Fr
= q . Er
, é possível reconhecer o
produto de um número real por um vetor e daí, se poderá concluir que:
O livro B parece sugerir, novamente, que é na estrutura matemática que
se estabelece a compreensão do principio físico, mesmo quando se trata de
apresentar uma convenção. É evidente que a explicação mais precisa é a que
leva em consideração o produto entre um número real e um vetor. Neste caso,
57
no entanto, não utilizar-se desse formalismo não põe em risco a correção do
conceito além de se revelar um modo satisfatório de compreensão.
É possível perceber no livro B que há quase sempre uma tentativa de
introduzir um conceito ou assunto novo por meio
de um sucinto comentário sobre o tema, na maioria das vezes, só para dar
encadeamento à seqüência, apresentando a definição matemática do conceito
em questão. (Wuo, 2000, p. 93)
Isso significa quase sempre frases curtas, esquemas, e texto entremeado
de equações. Para o livro B o saber físico de um tema está condicionado à
compreensão de sua matemática, de suas relações com outras grandezas
advindas e vinculado aos aspectos quantitativos.
No livro A, o conceito também é buscado evidenciando os aspectos
quantitativos. No entanto, ocorre um maior equilíbrio entre as dimensões
qualitativa e quantitativa nos desdobramentos decorrentes da definição dos
conceitos. A busca pelos vínculos entre o conceito e situações ou analogias
mais concretas e mais próximas do mundo vivencial do aluno é percebida mais
claramente. As descrições são mais extensas, há preocupação em estabelecer
com o estudante uma proximidade expressa por meio de figuras estilizadas ou
textos onde predomina a terceira pessoa do plural (Estamos habituados;
Imaginaríamos agora; Se na fig., considerássemos, etc.) .
58
Além disso, nota-se uma tentativa mais
efetiva de expor ao aluno uma visão aplicada
do conceito, assegurando-se associações em
situações mais concretas (os itens sobre a
gaiola de Faraday ou sobre a rigidez dielétrica
do ar, por exemplo), preocupação seguramente
menos presente no livro B.
59
IV. 3 – Em relação aos conceitos relacionados ao calor e mudança de estado
As diferenças entre os modos de apresentação dos conceitos entre os
livros A e B, fica mais evidente nos capítulos referentes ao calor do que naquele
que estabelece o conceito do campo elétrico. Para além do que possa
representar o número de páginas utilizado pelo livro A para essa descrição ser
quase cinco vezes maior, verifica-se que as diferenças entre o papel da
matemática no estabelecimento do conceito das grandezas relacionadas ao
calor estão vinculadas, sobretudo, a modos diferentes de instituir o saber físico
no ensino médio. Em ambos os livros são visíveis as abordagens quantitativas
na medida em que introduzem e desenvolvem as expressões algébricas para o
calor sensível e latente, para a capacidade térmica e o calor específico. A
diferença está na ênfase dessa abordagem. Enquanto no livro A são
perceptíveis tentativas de assegurar distinções e relações entre os conceitos,
comparando-os e analisando-os quantitativa e qualitativamente, no livro B a
idéia de rigor técnico está associada a um modo abrupto, sem motivação ou
justificativa de apresentar o conceito por meio, sobretudo, da expressão
algébrica que o traduziria. Os exemplos práticos ou do cotidiano, ao contrário do
livro A, são descritos sempre após a formulação matemática, considerada como
orientação para a percepção dos fenômenos. Há uma opção pela explanação
quantitativa.
No livro B, é enfatizado o modo de perceber a matemática em seu papel
de linguagem que traduz o pensamento e o conhecimento físico. Em outras
palavras, a matemática é vista em um contexto operacional, onde resolver
problemas operando dentro do sistema matemático, parece ser a principal
garantia de aquisição do saber físico. Nesse sentido, não é mesmo necessário
que os problemas estejam relacionados a um contexto ou tenham significado.
Por esta razão, segundo Matos e Terrazina (1996), os fenômenos reais não
conseguem funcionar como modelos que apóiem o pensamento e a operação
60
dentro dos sistemas matemáticos. Em vez disso o aluno incorporará os
conceitos associados a problemas-modelo que servem de orientação para as
resoluções formais.
O livro A, ao contrário, enfatiza ao professor, a necessidade de
estabelecer com a matemática uma atitude que a distinga como inspiradora no
reconhecimento dos fenômenos reais. Sendo assim, a matemática seria
estruturante na medida em que as conexões e estruturas desconhecidas do
conhecimento se revelam a partir de sua matematização. Essa posição se
sobressai especialmente quando é da analise qualitativa que se dá um salto
para relações de proporcionalidade ou de obtenção de uma equação, como é
feito, por exemplo, para a equação fundamental da calorimetria (Alvarenga e
Máximo, 2000, vol 2, p. 126).
IV. 4 – Em relação aos exercícios. Analisando os enunciados dos problemas pode-se perceber, no livro B,
uma tendência em esgotar, por meio dos exercícios resolvidos, as possibilidades
de resolução dos exercícios propostos que virão em seguida, revelando uma
concepção de aprendizagem baseada na repetição. O número de exercícios de
fixação no livro A e seu similar proposto no livro B parece reforçar essa
tendência. São 21 para o livro A e 9 para o B, no capítulo sobre campo elétrico e
24 nos capítulos sobre calor no livro A e 21 no livro B. Percebe-se no livro A,
principalmente em relação ao campo elétrico, uma tentativa de dar ao aluno um
papel de maior responsabilidade na conceituação e elaboração algébrica visto
que não há, na maior parte dos exercícios de fixação, formas de basear a
resolução naquilo que foi desenvolvido nos exemplos. Além disso, como já foi
dito, esses exercícios são, no livro A, em sua maioria qualitativos.
Ao tratarmos dos exercícios de recapitulação e testes, observamos uma
maior proximidade dos números. São 35 no livro B e 42 no A, relacionados ao
campo elétrico.
61
Os exercícios do livro B são coerentes com uma visão mais calcada no
formalismo matemático, que aparece principalmente nos exercícios não
retirados de vestibulares, já que nestes é possível notar uma tendência de uma
maior contextualização da situação-problema. Os exercícios resolvidos fazem
uma aplicação direta da expressão algébrica por meio de pedidos diretos e
simples. Exemplo disso é o ex. resolvido 1, do capítulo sobre campo elétrico.
Num ponto de um campo elétrico, o vetor campo elétrico tem direção horizontal,
sentido da direita para a esquerda e intensidade 105 N/C. Coloca-se, nesse
ponto, uma carga puntiforme de -2µC. Determine a intensidade, a direção e o
sentido da força que atua na carga (Ramalho e outros, 2000, p. 35).
Nos exercícios propostos repetem-se as situações dos resolvidos.
Uma carga elétrica puntiforme de 10-9 C, ao ser colocada num ponto P de um
campo elétrico, fica sujeita a uma força de intensidade igual a 10-2 N, vertical e
descendente. Determine a intensidade, a direção e o sentido do vetor campo
elétrico em P (Ramalho e outros, 2000, vol. 3, p.35).
Observa-se em todos os capítulos investigados que para cada um dos
exercícios resolvidos há seu similar proposto, sempre usando a fórmula
apresentada no item teórico ao qual o exercício está relacionado.
No livro A, os exercícios-exemplos parecem seguir a mesma linha,
visando a aplicação das fórmulas reveladas anteriormente. No primeiro exemplo
do capítulo sobre campo elétrico isto aparece claramente. Percebe-se, no
entanto, que os autores tentam utilizar uma linguagem de mais proximidade com
estudante, explicando mais o que se deseja, tentando contextualizar
minimamente a situação.
Uma pessoa verificou que, no ponto P da fig., existe um campo elétrico Er
,
horizontal, para a direita, criado pelo corpo eletrizado mostrado na fig. a)
62
Desejando medir a intensidade do campo em P, a pessoa colocou, nesste ponto,
uma carga q = 2,0 . 10-7 C e verificou que sobre ela atuava uma força F = 5,0 .
10-2 N. Qual é a intensidade do campo em P? b) Retirando-se a carga q e
colocando-se em P uma carga positiva q1= 3,0 . 10-7 C, qual será o módulo da
força Fr
1 que atuará nesta carga e qual o sentido do movimento que ela tenderá
a adquirir? (Alvarenga e Máximo, 2003, p. 58)
Com relação aos exercícios propostos há uma diferença maior entre os
dois livros. No livro A, os chamados exercícios de fixação e os que fazem parte
da revisão são, em sua maioria, qualitativos ou semi-quantitativos e são,
geralmente, resolvidos com certa facilidade, devendo ser solucionados, segundo
os autores, prioritariamente. Nestes exercícios é possível notar uma
preocupação em fixar o conceito antes de introduzir a aplicação da expressão
algébrica. Às vezes isso ocorre remetendo o aluno ao texto descritivo do
capítulo. O primeiro exercício de fixação proposto sobre campo elétrico acentua
essa tendência.
A série de exercícios no final dos capítulos do livro A chama-se
problemas e testes e exercícios suplementares. Trata-se de um conjunto de
questões que abrangem o conhecimento de todo o capítulo com ênfase para
relações matemáticas, contextualizadas, na maior parte das vezes, em
aplicações da Física.
63
No livro B, os últimos exercícios são os propostos de recapitulação e
testes de vestibular. Como são, na sua maioria, de vestibulares, apresentam
uma maior variedade de situações propostas. Geralmente implicam em
resoluções que não foram contempladas anteriormente. Ainda assim, são
exercícios essencialmente ligados a aplicação algébrica dos conceitos. Os
testes são coerentes com essa abordagem. Apesar de, entre os 20, cinco deles
privilegiarem o caráter fenomenológico da situação descrita.
À vista disso, conclui-se que ambos os livros trabalham os exercícios com
ênfase no aspecto quantitativo, sendo que no livro B essa tendência mostra-se
quase que única. No livro A constata-se, principalmente nos exercícios de
fixação, uma tentativa de construir a parte formal do conhecimento por meio de
uma aproximação calcada no aspecto qualitativo/fenomenológico desse
conhecimento. Além disso, observa-se em A, em vários problemas, uma
preocupação em assegurar certo domínio do estudante em estabelecer relações
algébricas literais e não numéricas. São propostas situações que se resolvem
por meio de cálculo proporcional ou de relações quadráticas, que ao serem
trabalhadas pelo professor, podem propiciar uma singular aplicação do
conhecimento desenvolvido no capítulo.
• Considerações finais
Neste capítulo foi feita uma tentativa de compreender como se estabelece a
matemática na constituição do saber físico em dois livros didáticos no que se
refere aos conceitos de calor e campo elétrico. Utilizou-se como orientação a
análise feita por Woo que, não por coincidência, reconhece nesses mesmos dois
livros avaliados, características bem marcantes e os entende como
representantes de categorias distintas em sua investigação. Apesar de
reconhecermos essa diversidade no modo de instaurar a construção do saber
físico, parece-nos que independentemente do aspecto analisado, a matemática
a que o aluno do ensino médio está em contato está quase sempre associada
64
ao seu papel de linguagem. São raras as ocasiões nos capítulos vistos em que
os autores consideram a matemática algo mais do que aquilo que permite a
tradução de uma idéia por meio de um formalismo. De fato, para os autores, a
construção de um sistema de representação a partir de dados, nem sempre
baseados na realidade próxima, parece ser a função primordial de suas
propostas didáticas. Esse modo de perceber o papel da matemática já discutido
nesse trabalho, em capítulo anterior, parece ser reconhecido como o central
também por Kneller (1980). Não há como desconsiderar a importância desse
aspecto que, porém, não é o único. Ao ser vista apenas em sua natureza
descritiva, ignora-se o atributo estruturador do saber físico que a matemática
possui. Ensinar física no ensino médio esperando que o aluno reconheça por si
mesmo o papel da matemática como aquilo que permite extrapolações, além de
dar forma às idéias, parece ser algo difícil de ser alcançado.
Ao mesmo tempo, a comparação desses dois exemplares permitiu identificar
diferentes concepções do processo de aprendizagem. Por exemplo, do ponto de
vista das atividades solicitadas aos alunos, ambos os livros enfatizam fortemente
a resolução de problemas. No entanto, enquanto o livro A inicia essa resolução
por exercícios de fixação com ênfase conceitual, passando em seguida para
exercícios mais operacionais, o livro B pressupõe que o domínio operacional,
como ponto de partida, através da resolução de um grande número de
exercícios semelhantes, será o requisito necessário para o aprendizado, por
comparação. Dentro dessa abordagem, o sentido físico se deduziria do
operacional após um número significativo de utilizações.
65
Capítulo V
A relação entre Física e Matemática em situações de aprendizagem
No decorrer desse trabalho, a relação entre o saber físico e a matemática
é refletida em diferentes aspectos. A maneira como cientistas e escritores de
livros didáticos abordam essa temática revela percepções acerca do papel da
matemática que, se não são dissonantes quanto à importância dessa ciência
para a física, todavia podem ser diversas no que se refere a sua natureza, ora
formativa, ora tradutora, ora estruturadora, ora instrumental do saber físico.
A proposta desse capítulo é iniciar uma reflexão sobre as possíveis
maneiras de instituir o papel da matemática no saber físico, agora sob o ponto
de vista do aluno que aprende Física no ensino médio.
Alguns educadores e professores de Física, sobretudo relacionados ao
Ensino Médio, são partidários da idéia de que se poderia promover um
aprendizado com mais significado se o uso das relações matemáticas fosse
mais restrito. Essa argumentação baseia-se no fato de que, atualmente, uma
grande parte dos alunos tem seu conhecimento físico reduzido ao uso de
fórmulas e que, desse modo, poderia haver situações em que sendo a
matemática excluída, a aprendizagem seria favorecida, tornando-se mais
efetiva. Nesse sentido, para alguns, o estudo dos fenômenos e processos físicos
poderia ficar restrito aos seus aspectos conceituais ou fenomenológicos sem
prejuízo para o conhecimento.
Mas será possível aprender, de fato, Física sem o saber matemático? O
aluno aprende mais facilmente e faz relações conceituais mais pertinentes
quando pode prescindir das considerações quantitativas? Em que medida o uso
da Matemática não compromete a compreensão dos fenômenos físicos?
66
Como percebemos no decorrer desse trabalho, a questão da relação
entre a Física e a Matemática é complexa e tem recebido abordagens diferentes
ao longo do tempo. Pode-se admitir que essa mesma relação, para além de
elementos estruturadores, pode vir a ter outra dimensão quando pensada do
ponto de vista do aprendizado e da construção escolar do conhecimento.
A investigação, relatada nesse capítulo, propõe-se a iniciar uma reflexão
sobre os aspectos escolares dessas questões. Embora reconhecendo a
complexidade e a inexistência de relações bem definidas ou definitivas, nossa
proposta é averiguar o papel da matemática em situações de aprendizado em
Física de alunos do Ensino Médio. Sem pretensão de estabelecer relações
abrangentes, propomo-nos a analisar situações locais e pontuais.
Elegemos para isso dois temas específicos, correspondentes àqueles
apreciados nos livros didáticos e que foram examinados no capítulo IV desse
trabalho. Sendo assim, escolhemos um conjunto de conteúdos e fenômenos
relacionados ao calor e mudança de estado e outro conjunto de conceitos e
formulações relacionados ao campo elétrico.
Optou-se por utilizar, como instrumento de coleta de dados, a proposição
aos alunos de questões envolvendo a física relacionada a esses conteúdos e
comparar o desempenho desses alunos diante de solicitações que exigiam
respostas conceituais e outras que exigiam cálculos matemáticos. Essas
questões foram introduzidas em situações de avaliação a que os alunos estão
habituados.
Todas as questões dirigidas a uma mesma série trataram de um mesmo
tema. No caso dos problemas ligados à Física Térmica, apresentados aos
alunos do primeiro ano, foram construídos dois blocos de questões, relacionadas
à mudança de fase e calor latente. As questões de um primeiro bloco envolviam
situações contextualizadas, cujas respostas não eram vinculadas ao uso do
instrumental matemático ou da interpretação algébrica. Já para o segundo bloco
foram também propostas duas outras questões sobre o mesmo tema, dessa vez
exigindo resolução numérica. As situações-problema das duas questões eram
aproximadamente equivalentes, em contextos bastante semelhantes. Na
67
verdade, seria impossível que fossem “completamente equivalentes”, já que se
utiliza de abordagens diferentes.
Para as questões relacionadas ao campo elétrico, optou-se por três
blocos abordando o tema por meio de questões que exigiam, respectivamente,
a utilização numérica, a abordagem algébrica e, por fim, a compreensão
conceitual em uma situação contextualizada. Em todas elas, solicitou-se ao
aluno que fizesse um mesmo tipo de associação entre a ação do campo elétrico,
a força elétrica e a aceleração a que uma partícula estava sujeita na região do
campo. Essas questões foram apresentadas aos alunos do terceiro ano do
ensino médio.
A metodologia adotada consistiu em, por meio da análise de conteúdo,
analisar e comparar as respostas dos alunos, procurando investigar as relações
entre seus desempenhos nas questões verbais e naquelas que exigiam
instrumental matemático. As respostas foram agrupadas em categorias a partir
da semelhança entre elas, buscando correlações entre o desempenho do
mesmo aluno nas diferentes questões pertinentes ao mesmo tema.
Todos os alunos, cujas respostas foram apreciadas nesse trabalho, eram
de classe média alta e estudavam em uma escola particular da zona sul da
cidade de São Paulo. As questões, cujas respostas se examinaram, foram
retiradas de instrumentos de avaliação aplicados no final do primeiro bimestre e
que continham, invariavelmente, dez questões sobre tópicos de Termologia. O
aluno teve duas horas para resolver toda a avaliação.
V. 1 – O calor em uma situação de aprendizagem
V. 1 a - DESCRIÇÃO DO INSTRUMENTO UTILIZADO
A amostra investigada é composta de cento e quinze alunos que
freqüentavam o 1º ano do ensino médio no mês de abril de 2003. A forma
utilizada foi a de inserir as questões do instrumento em uma avaliação de final
68
de bimestre, da qual constavam também outras questões. Para efeito de
esclarecimento, vale ressaltar que se tratava do início do ano letivo e, portanto,
de alunos apenas ingressantes no ensino médio. Esses alunos haviam
estudado, para essa avaliação, os conteúdos relativos à termometria e
calorimetria, incluindo-se aí, a mudança de estado. Os fenômenos associados a
essas partes da Física foram apresentados a partir de problemas, testes e
atividades experimentais realizados em sala de aula. Embora as turmas fossem
heterogêneas, cabe observar que para o estudo de temas de Física, integrando
o conteúdo de Ciências no ensino fundamental dessa escola, não é adotada
abordagem quantitativa, privilegiando-se apenas os aspectos qualitativos dos
fenômenos.
Apresentamos a seguir o instrumento utilizado. O detalhamento das
questões utilizadas é essencial para a análise das respostas e dos resultados
obtidos.
No primeiro bloco de questões, dividido em partes (a) e (b), era esperado
que o aluno relacionasse seus conceitos relativos à mudança de estado em
situações do cotidiano, identificando e aplicando o conteúdo visto e
experimentado em sala de aula. As respostas deveriam ser apenas descritivas/
explicativas a respeito do fenômeno. A situação problema consistia em decidir
se, para esfriar um refrigerante, é melhor utilizar cubos de gelo ou bolas de gude
geladas, já que essas últimas não derretem. Os aspectos favoráveis a uma ou
outra situação apareciam nas falas de duas alunas, Luiza e Thaís, que
conversavam. Uma (Thaís) preferia o gelo, enquanto a outra (Luiza) sugeria o
uso de bolinhas de gude geladas. Para encaminhar e deixar claro o contexto
esperado para a resposta, no item (a) era solicitada uma explicação para o fato
do gelo permanecer a zero graus Celsius durante o processo de fusão.
69
No segundo bloco de questões, também dividido em partes (a) e (b), o
objetivo era o mesmo e a situação-problema bastante semelhante, sendo que
dessa vez sua resolução exigia utilização da expressão matemática dos
mesmos conceitos físicos. No item (a), Joca esfria a água de seu banho com
cubos de gelo, enquanto no item (b), o mesmo Joca, não dispondo de gelo,
decide resfriar a água de seu banho com soldadinhos de chumbo que estavam
no congelador. Em ambos os itens, no entanto, é solicitada explicitamente a
obtenção das temperaturas finais da banheira em cada uma das situações.
Aluna da Escola, Luiza observa a colega Thaís colocando cubos de
gelo em fusão no seu copo com guaraná e se surpreende: - Você vai deixar o refrigerante aguado! - Luiza, eu preciso resfriá-lo e este é o procedimento adequado. - Mas você pode colocar algumas bolas de gude no congelador e
lançá-las no guaraná. Com 3 ou 4 delas o efeito será o mesmo! - Pois você está muitíssimo enganada, diz Thaís e a briga começa...
Você deverá analisar este diálogo sob o ponto de vista da Física para responder as questões abaixo. Em todas elas considere que a massa dos cubos de gelo e das bolinhas de gude são as mesmas e que ambos foram retirados do congelador à 0oC. a) Enquanto o gelo colocado no refrigerante está em processo de fusão
sua temperatura continua em 0oC. Por que isto ocorre? b) Considerando que Luiza e Thais têm como objetivo resfriar o
refrigerante, qual das idéias propostas por elas será mais eficiente?
Analise as proposições desde o início e explicite claramente seu processo de pensamento.
a) Joca vai tomar banho de banheira e para isso enche-a com 50 litros de
água a 30 oC. Ao experimentar a água, acha que ela está muito quente e resolve resfriá-la lançando, na água da banheira, 200 cubos de gelo em fusão. Após certo tempo, verifica que a temperatura da água passa a ser de 20oC e que não há mais gelo na banheira. Desprezando as perdas para o meio exterior e a capacidade térmica da banheira, determine qual a massa de cada cubo de gelo. Dado: dágua= 1 kg/l e LF gelo= 80 cal/g
b) Na falta de cubos de gelo, Joca resolve lançar na água da banheira
sua coleção de 100 soldadinhos de chumbo ( c Pb= 0,03 cal/goC) que estavam no congelador a 0oC. Desprezando novamente as perdas e considerando que a banheira tem os mesmos 50 litros de água a 30oC do problema anterior, determine qual a temperatura final da água do banho de Joca. Considere que cada soldadinho tem massa 100 g.
70
As situações colocadas pelas duas questões são, portanto,
aproximadamente equivalentes. No entanto, no segundo caso, não é
explicitamente colocada a questão da escolha, mas os resultados numéricos
indicarão as diferenças nas duas situações. Além disso, o próprio procedimento
de cálculo já sinaliza essa diferença, na medida em que o item (b) prescinde do
cálculo do calor latente.
A primeira vista, a semelhança entre as duas situações poderia até
mesmo inviabilizar o objetivo desejado, já que as questões iniciais poderiam ser
revistas à luz dos resultados das questões finais. No entanto, não foi isso que
ocorreu e nem essa é uma habilidade esperada de alunos no início do ensino
médio.
V. 1b – PADRÕES IDENTIFICADOS NAS RESPOSTAS
As respostas dos alunos foram analisadas através da metodologia de
análise de conteúdo, criando-se categorias que procuram descrever os
raciocínios desenvolvidos em cada caso. Foram inicialmente analisados os dois
itens de cada questão separadamente, buscando estabelecer padrões de
respostas para os quatro casos de forma independente. A partir desses padrões,
buscou-se verificar quais as relações entre as respostas de cada aluno,
passando, então, a buscar regularidades.
A apresentação dos resultados seguirá o mesmo roteiro. Inicialmente
serão apresentados os padrões de resposta para cada item e, em seguida,
analisados os resultados também por item. Finalmente, serão investigadas
eventuais correlações.
71
Bloco I - conceitual Processo de fusão (Questão 1 a)
Enquanto o gelo está em processo de fusão, sua temperatura continua a
zero graus. Por que isso ocorre?
Na análise das respostas a essa questão foram identificados três
padrões de resposta razoavelmente diferentes, que receberam as
designações de
• propriedade intrínseca
• abordagem fenomenológica
• explicação microscópica
No primeiro caso, classificadas como propriedade intrínseca,
podem ser identificadas respostas nas quais os alunos quase que
repetem a própria proposição do enunciado, um pouco no estilo, “é assim
porque deve ser assim”. Apresentam como justificativa para que a
temperatura permaneça zero porque durante a mudança de estado a
temperatura permanece constante.
No segundo caso, classificadas como abordagem fenomenológica,
podem ser identificadas respostas em que é apresentada uma explicação
envolvendo, em geral, energia para a mudança de estado, numa tentativa
de descrever o fenômeno em termos macroscópicos. São respostas do
tipo:
Isso ocorre porque o gelo precisa de calor para mudar de estado
para a água, essa energia não esquenta o gelo, mas o transforma;
esse calor que ele recebe é chamado de latente (9).
No último caso, classificadas como explicação microscópica,
podem ser encontradas respostas em que é apresentada uma explicação
em termos de partículas ou moléculas, caracterizando uma abordagem
microscópica. São respostas do tipo:
72
. porque a energia que está sendo transmitida ao gelo está sendo
usada para separar suas partículas. Na mudança de fase as
partículas do gelo precisam se separar. A energia que ele está
recebendo não vai esquentá-lo.... (22)
Como pode ser observado, esses três padrões apresentam um nível
crescente de domínio conceitual, partindo da simples constatação até identificar
forças de atração entre moléculas. Foi possível classificar a maior parte das
respostas nesses três grupos, o que sugere tratar-se de categorias completas.
As situações em que isso não ocorreu, identificadas como outros, correspondem
a respostas que apresentam inconsistências de tal ordem que comprometem o
raciocínio e que tornam sem sentido sua eventual classificação nas categorias
anteriores. Outros exemplos de respostas estão apresentados no Anexo II.
Bloco I - conceitual Gelo (Thaís) versus bolinhas de gude (Luiza) – Questão 1b
Considerando que Luiza e Thaís têm como objetivo esfriar o refrigerante,
qual das idéias propostas por elas será mais eficiente?
Nesse caso, foram também identificados alguns padrões
recorrentes. O foco esteve centrado na identificação da energia
necessária à mudança de fase. Foram utilizados os seguintes padrões,
numerados de 1 a 4 para facilitar sua identificação posterior:
1. não identifica, opta por bolinhas de gude (Luiza)
2. não identifica, opta pelo gelo (Thaís)
3. identifica, opta pelo gelo (Thaís)
4. identifica de forma pouco explícita (opta por Thaís)
73
Desconsiderando o último padrão, podemos considerar que os
demais também comparecem em nível crescente de domínio do
conhecimento físico. No entanto, a discriminação entre esses padrões
nem sempre foi totalmente clara. Do ponto de vista de nossa análise,
interessava distinguir os dois primeiros casos dos dois últimos e
consideramos apenas as situações em que explicitamente foi mencionada
a energia correspondente ao calor latente, mesmo que sem usar essa
designação.
No caso de optar pelas bolinhas de gude, sem levar em conta a
energia necessária à mudança de fase, comparecem respostas do tipo
apresentado abaixo, onde podem ser observados diferentes níveis de
explicação.
Mais eficiente seria a idéia de Luiza, pois obterá seu objetivo e não
deixará aguado o refrigerante, o que aconteceria com pedras de
gelo (1) .
Nessas, como em respostas do bloco seguinte, as explicações
freqüentemente envolvem menções ao calor específico, condutividade térmica,
rapidez de transmissão do calor, e assim por diante, demonstrando que os
alunos procuraram de fato mobilizar seus conhecimentos para a resolução da
questão. Entre aquelas que optaram pelo gelo, embora não fazendo referência à
energia de mudança de fase temos, como exemplos:
A idéia de Thaís, pois o material que é feita a bola é um bom
condutor de calor, por isso perderia o calor muito mais rápido do
que o gelo, então o refrigerante esquentaria de novo (2).
Para o conjunto de respostas que optam pelo uso do gelo no resfriamento
do guaraná e identificam a energia de mudança de fase como um parâmetro
importante nesse processo, temos, como exemplo:
74
Será mais eficiente colocar o gelo, pois o gelo, para resfriar o
refrigerante precisará mudar de fase, com isso precisando de uma
quantidade maior de caloria fazendo assim a água perder caloria
mais rapidamente, esfriando mais rápido. E com a bola de gude,
ela não precisará de tantas calorias quanto o gelo, então o gelo é
melhor, é mais eficiente (19)
Há ainda um conjunto de respostas que, embora os alunos tenham
optado corretamente pelo gelo e ainda que façam referência à energia
necessária para a fusão, introduzem também outros elementos não pertinentes.
Exemplos adicionais de respostas encontram-se apresentadas no Anexo I .
Bloco II – relações matemáticas Gelo para resfriar a água da banheira – Questão 2a
Desprezando as perdas para o meio exterior e a capacidade térmica da
banheira, determine qual a massa de cada cubo de gelo.
Nessa questão, é fornecida a temperatura final da água, para que, no
item seguinte possa ser utilizada pelo aluno como elemento de comparação. Se
tivesse sido solicitada a temperatura final, e se o aluno não conseguisse chegar
ao valor correto, a possibilidade de comparação estaria inviabilizada.
Para esse conjunto de respostas foi necessária uma menor atenção em
discriminar possibilidades, já que os tipos de procedimentos foram bastante
repetitivos. Foram identificados os seguintes padrões, também numerados para
facilitar as referências posteriores:
1. Utiliza corretamente as relações para mudança de estado e
transforma corretamente as unidades das grandezas envolvidas,
estabelecendo resultado correto.
2. Identifica a mudança de estado envolvida, mas comete algum erro
de outra natureza, obtendo resultado incorreto.
75
3. Utiliza conceitos físicos de forma inadequada: não identifica a
mudança de estado, não sabe determinar a variação de
temperatura ou não extrai os dados do problema corretamente.
Bloco II – relações matemáticas Soldadinhos de chumbo para resfriar a água da banheira – Quest.2b
Desprezando novamente as perdas e considerando que a banheira tem
os mesmos 50 litros de água a 30oC do problema anterior, determine qual
a temperatura final da água do banho de Joca.
Para essa questão, caso a resolução seja encaminhada corretamente, o
aluno deverá obter um valor de temperatura muito próximo de 30oC, pois a
variação de temperatura é inexpressiva. Nenhum dos alunos se deu conta do
resultado quantitativo obtido. Assim, a identificação de padrões seguiu o mesmo
critério do item anterior, verificando apenas a obtenção ou não do valor
esperado. Foram identificados os seguintes padrões:
1. Utiliza corretamente as relações de calor envolvidas e transforma
corretamente as unidades das grandezas, estabelecendo resultado
correto.
2. Identifica calor cedido como calor recebido, mas comete algum erro
de outra natureza, obtendo resultado incorreto.
3. Utiliza conceitos físicos de forma inadequada: não identifica trocas
de calor ou não extrai os dados do problema corretamente.
76
V. 1C - ANÁLISE DOS RESULTADOS
Cada uma das respostas, de cada um dos alunos da amostra analisada,
foi classificada segundo os padrões apresentados acima. Somente após essa
classificação, que já fornece informações interessantes, foi possível comparar o
desempenho de cada aluno no bloco conceitual e no bloco matemático,
buscando eventualmente estabelecer correlações mais abrangentes. As tabelas
com a totalidade dos dados estão no Anexo I.
Os resultados correspondentes à situação conceitual colocada pela
questão 1a estão apresentados na Tabela 5-1.
Tipo de resposta No. de alunos Percentual
Propriedade intrínseca 63 55%
Descrição do fenômeno 25 22%
Explicação microscópica 20 17%
Inconsistentes 7 6%
Total 115 100%
Tabela 5.1 - Tipos de respostas dos alunos à questão sobre por que a
temperatura permanece constante durante a fusão. (Questão 1a).
Identificamos que a maior parte dos alunos (55%) apresenta explicações
pobres, sem expressão conceitual, como se essa fosse uma propriedade não
questionável, enquanto pouco menos de 20% apresentam uma explicação
microscópica e os demais (22%) optam por uma descrição fenomenológica.
Para resolver corretamente a questão colocada (1b), esperava-se que o
aluno optasse por Thais e seus cubos de gelo. A sugestão das bolinhas de
gude de Luisa não iria surtir o mesmo efeito, que era resfriar o guaraná, apesar
77
de ambos estarem a 0oC. Os resultados obtidos estão apresentados na Tabela
5-2, de forma já correlacionada com os resultados anteriores.
] Tabela 5.2 – Tipos de respostas dos alunos frente à escolha por gelo (Thais) ou
bolinhas de gude (Luiza). (Questão 1b).
A opção por gelo/Thais contou com cerca de dois terços dos alunos,
chamando a atenção para o fato de que alguns deles apesar de terem optado
corretamente por Thaís, o fazem baseados em pressupostos conceituais
equivocados tais como: calor específico, rapidez, condutibilidade, etc. Essas
imprecisões são consideradas ao se estabelecer correlações entre o respondido
em 1a) e as opções entre Luísa e Thais. A partir dessas correlações e suas
análises, podemos perceber que, qualquer que seja a explicação dada em 1a),
em média ¾ dos alunos equivocam-se ao responder 1b), como apresentado na
tabela 5-2. Além disso, nota-se que o acerto em 1b), ou seja, a escolha por
Thais com a justificativa correta, parece independer da compreensão
relacionada ao calor latente pedida em 1a) visto serem as porcentagens
bastante próximas, para as três categorias de resposta.
Em relação à questão de abordagem numérica, quando se analisam suas
respostas, referentes à situação que coloca Joca na banheira com vários cubos
de gelo, constata-se que a quase totalidade dos alunos acerta ou sabe o
Tipo de resposta
Gelo (acerto)
Thais/gelo (inconsist)
Bolas de gude (erro) NcN Totais
Propriedade intrínseca 11 (18%) 31 (49%) 15 (24%) 6(9%) 63(100%)
Descrição do fenômeno 7 (28%) 6 10 2 25
Explicação microscópica 6 (30%) 7 6 1 20
Totais 24 (22%) 44 (41%) 31 (29%) 9(8%) 108
78
caminho da resolução da questão. Desse modo, praticamente todos eles (91 %)
reconhecem a mudança de estado presente na situação-problema, encaminham
as equações referentes ao fenômeno e aplicam adequadamente o princípio das
trocas de calor em recipientes termicamente isolados. Os dados de referência à
essa análise constam da tabela 5-3.
Tipo de resposta No. de alunos Percentual
Acerto completo 44 38%
Acerto (contas, unidades) 61 53%
Inconsistentes 10 9%
Total 115 100%
Tabela 5-3 - Cálculo matemático envolvendo mudança de estado e variação de
temperatura (Questão 2a).
As respostas dadas para a continuidade dessa questão (2b) seguem
uma porcentagem semelhante àquelas relativas a (2a) o que parece demonstrar
que, independente da questão se referir ou não ao calor latente e à mudança de
estado, para esse aluno o problema numérico requer um tipo de compreensão
mais facilmente alcançável do que aquela exigida em uma situação onde a
compreensão é marcadamente conceitual. Os resultados correspondentes
estão apresentados na Tabela 5-4.
Tipo de resposta No. de alunos Percentual
Acerto completo 61 53%
Acerto (contas, unidades) 35 30%
Inconsistentes conceituais 18 16%
Total 115 100%
Tabela 5.4 - Cálculo matemático envolvendo apenas variação de temperatura
(Questão 2b).
79
Finalmente, frente ao aparente domínio de ferramentas de cálculo, resta-
nos buscar estabelecer relações entre as respostas dos dois blocos de
questões. Uma das correlações possíveis entre as questões de abordagem
conceitual e as de abordagem numérica é aquela que relaciona o respondido em
2a) e o padrão de explicação adotado para 1a). Percebe-se que
independentemente do modelo de explicação adotado (micro, fenom ou prop),
em média 85% dos alunos encaminham corretamente 2a), sendo que quando a
escolha é por uma explicação microscópica ou fenomenológica o percentual dos
que acertam integralmente a questão é de, em média, 60 % (Tabela 5.5).
Tabela 5.5 – Correlação entre habilidade para solução matemática e tipo der resposta conceitual (Questões 1a e 2a).
Os dados relativos às respostas em 2 a) repetem-se em 2 b), sendo que a
porcentagem de acerto independentemente do padrão escolhido em 1a) é, em
média, a mesma e optou-se por não incluí-la..
V. 1 d - CONSIDERAÇÕES ACERCA DA INVESTIGAÇÃO .
Ao analisarmos a Tabela 5.1, percebemos a tendência dos alunos a
adotarem explicações deterministas para os fenômenos físicos. Nota-se que a
escolha de critérios do tipo é porque é, parece atrair mais seguidores do que
Tipo de resposta
Acerto Acerto - problemas
Inconsist. Totais
Propriedade intrínseca 14 (23%) 38 (60%) 11 (17%) 63
Descrição do fenômeno 15 (60%) 10 (40%) - 25
Explicação microscópica 11 (55%) 8 (40%) 1 (5%) 20
Totais 40 56 12 108
80
aqueles que envolvem reflexões mais apuradas. Pode-se pensar que isto está
provavelmente ligado ao fato de que esses alunos encontram-se iniciando seus
estudos em Física e ainda não dominam as especificidades do modo de pensar
dessa ciência. Há de se aplicar investigação semelhante em alunos de 2º e 3º
ano para comprovar esta suposição.
A Tabela 5.2 indica que independentemente do modelo escolhido
utilizado para responder por que o gelo mantém-se a 0oC durante a mudança de
estado, a maioria dos alunos apresenta dificuldades em transpor seu
conhecimento para a situação concreta e cotidiana. Sendo assim, apesar de
reconhecer e utilizar o conceito de calor latente (como fica evidente na tabela
5.3), este saber não adquire o sentido necessário para resolver questões
práticas. A porcentagem dos alunos que acertam integralmente a questão 1 b) é
muito pequena para qualquer dos padrões de resposta em 1 a). Nota-se,
também, que é dos alunos que optaram pela explicação microscópica em 1 a) a
porcentagem maior de escolha equivocada das bolinhas de gude, representadas
por Luiza ou seja, este tipo de explicação não foi, de fato, absorvido e
incorporado pelos alunos que aceitam o modelo tão passivamente quanto
aqueles que escolhem o padrão determinista da propriedade intrínseca.
Analisando as tabelas 5.3, 5.4 e 5.5, concluímos que a maioria dos alunos
utiliza corretamente o conceito de calor latente quando são solicitados a resolver
quantitativamente uma situação-problema. São esses mesmos alunos que, no
entanto, não reconhecem a presença do calor latente no desenvolvimento do
raciocínio quando são solicitados a explicar o fenômeno em situações
contextualizadas (1 b), apesar de praticamente todos encaminharem ou
acertarem o processo de resolução de 2 a) e 2 b). Podemos supor, então, que
independentemente da transposição conceito-cotidiano, os alunos mostram-se
capazes de dominar a linguagem matemática como outra forma de vincular
conceitos numa dimensão abrangente e mais fácil do que aquela exigida em 1
b).
81
Em resumo, as conclusões iniciais indicam que os alunos
• possuem uma tendência a adotar explicações deterministas do tipo “é
porque é”.
• apresentam dificuldades em transpor seu conhecimento para a situação
concreta e cotidiana, independentemente do modelo explicativo que
possuem.
• utilizam, em sua maioria, corretamente o conceito de calor latente quando
solicitados a resolver questões quantitativas.
• em matemática apenas operam com as relações algébricas, já que não
reconhecem o sentido do que calculam.
• a solução matemática não é garantia de compreensão física.
• a compreensão física facilita pouco e não tem relação com a solução
matemática.
Cabe aqui, no entanto, uma última observação, quanto à natureza dos
resultados apresentados, especialmente por se tratarem de resultados
específicos de um determinado público-alvo, deve haver muita cautela em não
se buscarem generalizações precipitadas. Consideramos que esses resultados
poderiam orientar novas pesquisas.
82
V. 2 – O CAMPO ELÉTRICO EM UMA SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM
Da mesma forma que a investigação realizada sobre o aprendizado dos
alunos em relação às questões de calor, um estudo semelhante foi desenvolvido
para questões relacionadas ao campo elétrico.
O instrumento de coleta de dados utilizado, nesse caso, é composto de
três questões que tratam do conceito de campo elétrico. Essas questões fizeram
parte de uma avaliação bimestral com dez problemas que foi aplicada em 59
alunos do 3º ano do ensino médio de uma escola particular da zona sul de São
Paulo, em meados de abril de 2006. Esses alunos estavam finalizando seus
estudos de Física Básica. As duas classes eram compostas de estudantes que
iriam prestar vestibular para as três áreas e eram heterogêneas no que se refere
ao rendimento na disciplina de Física.
Os conteúdos que compõe o currículo do ensino médio tinham sido
inteiramente contemplados, restando somente àqueles relativos à
Eletrodinâmica e ao Eletromagnetismo, além de noções de Física Moderna.
Para essa avaliação, o conteúdo exigido foi: carga elétrica e processos de
eletrização, lei de Coulomb e campo elétrico. A amostra é composta de alunos
que, invariavelmente a cada final de bimestre, faziam uma avaliação cuja
duração era de duas horas e que necessariamente continha 10 questões. Essas
questões poderiam ou não abordar quantitativamente a situação problematizada.
Na ocasião dessa investigação, os alunos já haviam terminado seus estudos
relativos ao conceito de campo elétrico. O livro utilizado como manual foi o
Curso de Física (Alvarenga e Máximo), já citado anteriormente no capítulo III
desse trabalho. É importante que se diga que para esses alunos os conteúdos
relacionados à mecânica, termologia e mesmo à ondulatória poderiam ser
inseridos nas situações dos problemas sem que isso representasse algo que
devesse ser avisado com antecedência.
83
Optou-se por escolher para esta análise questões que abordam o tema
do campo elétrico com diferentes enfoques. Em um dos problemas a abordagem
é numérica, em outro é algébrica e o último requer do estudante uma
interpretação do fenômeno que só é possível por meio de sua compreensão
conceitual.
Considera-se que o problema aborda o tema numericamente quando o
que é pedido deve, - no caso, a força elétrica e a aceleração da partícula sob a
ação do campo elétrico - , ser obtido por meio da manipulação de dados
numéricos fornecidos no enunciado.
A abordagem algébrica está presente nas questões que não apresentam
grandezas quantificadas, ou seja, nas quais são apenas apresentados no
enunciado os parâmetros literais que deverão ser utilizados. No caso do
problema escolhido, o aluno deveria obter as expressões literais da aceleração e
da velocidade de uma partícula eletrizada após percorrer a região entre as
placas de um capacitor, valendo-se das relações algébricas entre as grandezas.
Para a terceira abordagem, com ênfase conceitual, os números não
aparecem. O enunciado contextualiza uma situação, - no caso, gotas de tinta
eletrizadas lançadas entre as placas de uma impressora a jato de tinta, onde
existe um campo elétrico uniforme. A situação se converte em um modo de
aplicação dos conceitos aprendidos de uma maneira que não é numérica e sim
de análise fenomenológica. Há que se identificar, sobretudo em situações nas
quais deve haver uma escolha (entre três gotas, qual tem maior aceleração,
entre três trajetórias, porque a diferença entre elas), modos condizentes de
interpretar o fenômeno sob o ponto de vista físico, por meio das teorias
aprendidas.
A proposta dessa investigação é comparar o tipo de compreensão e/ou
habilidade que os alunos demonstram relacionados às suas respostas nas três
questões. Por meio desta análise, identificar possíveis indícios de que a
compreensão do problema do ponto de vista da lógica matemática leva à
84
compreensão conceitual ou vice-versa. Dessa maneira, os dados apesar de não
decisivos, serão analisados sob a perspectiva das correlações possíveis entre o
saber físico e a matemática, para esses alunos, na medida em que as situações
problematizadas exigem transposições das habilidades numérica e algébrica
para o domínio conceitual ou ao contrário. Será que a matemática presente, nas
abordagens algébricas é essencial para a compreensão conceitual? Em que
medida o domínio algébrico das relações entre as grandezas é suficiente para
assegurar um entendimento verdadeiro do conceito? É possível resolver
corretamente a questão qualitativa/fenomenológica sem dominar os aspectos
numéricos e algébricos do conceito de campo elétrico?
V.2 a - DESCRIÇÃO DO INSTRUMENTO
Apresentamos a seguir o instrumento utilizado. O detalhamento das
questões é essencial para a análise das respostas e dos resultados obtidos.
Na primeira questão, dividida em partes (a) e (b), era esperado que o
aluno relacionasse numericamente o conceito de campo elétrico em uma
situação onde o campo é uniforme e restrito a uma certa região do espaço. Um
elétron é lançado com velocidade não nula na direção das linhas de força do
campo e no sentido contrário a elas, ficando sujeito a uma força elétrica que o
acelera, aumentando sua velocidade. No problema, o peso do elétron foi
desprezado de modo que a força resultante sobre ele é somente a força elétrica.
Foi fornecida a velocidade inicial do elétron ao entrar na região do campo, sua
carga e massa, além da intensidade do campo. As questões pediam que o aluno
calculasse qual era a intensidade da força resultante e da aceleração sobre o
elétron ao atravessar a região sujeita ao campo elétrico.
85
Um elétron desloca-se na direção x, com velocidade ovr
, em uma certa região do espaço.
Entre os pontos x1 e x2 dessa região existe um campo elétrico uniforme cujas linhas de
força também estão representadas na figura. Admita que antes de x1 e após x2 o campo
elétrico é nulo e que entre x1 e x2 tenha intensidade 9 . 103 N/C. Suponha que o elétron
tenha sido lançado na direção x, a partir de x = 0, com velocidade vo = 6 . 106 m/s.
Despreze o peso do elétron nessa situação. Dados: e = 1,6 . 10-19 C e massa do elétron
igual a 9 . 10-31 kg.
a) Qual é a intensidade da força resultante na região onde existe o campo elétrico?
b) Qual o módulo da aceleração do elétron nessa região?
Na segunda questão, também dividida em partes (a) e (b), o objetivo era o
mesmo, ou seja, determinar a aceleração de um elétron colocado entre as
placas de um capacitor de placas paralelas e que produz um campo elétrico
uniforme. Além disso, foi pedida a velocidade que o elétron, abandonado em
repouso próximo da placa negativa, atinge a placa positiva. Nessa questão,
nenhum dado numérico foi fornecido. Esperava-se que o aluno manipulasse as
grandezas D (distância entre as placas), E (campo elétrico uniforme), m (massa
do elétron) e q (carga do elétron) apenas algebricamente e expressasse a
aceleração (a) e a velocidade (v) em função das grandezas mencionadas, sendo
que, como na questão 1, se desprezavam as ações gravitacionais.
Eovr
0 x1 x2
86
A figura abaixo ilustra um capacitor de placas paralelas separadas por uma distância D. Um
campo elétrico E estabelece-se entre as placas. Um elétron de massa m e carga q é
abandonado no ponto A.
a) Expresse a aceleração a com que o elétron atingirá a placa positiva, em termos das
grandezas mencionadas acima, desprezando interações gravitacionais.
b) Expresse a velocidade v com que o elétron atingirá a placa positiva, em termos das
grandezas mencionadas acima, desprezando interações gravitacionais.
+
D _
A questão 3, dividida em três partes, problematiza qualitativamente o
funcionamento de um equipamento reconhecidamente do cotidiano desses
alunos. Não são fornecidos dados numéricos e nem os pedidos relativos aos
itens (a), (b) e (c) conduzem a essa necessidade.
É descrito, de maneira simplificada, como uma impressora a jato de tinta
funciona por meio da impressão que gotas de tinta eletricamente carregadas
fazem no papel. As gotas são lançadas por um emissor em uma direção
perpendicular às placas defletoras da impressora, em uma região onde existe
um campo elétrico uniforme. Uma figura representa as trajetórias diferentes de
três gotas de tinta que são lançadas com velocidade constante, a partir do
emissor, e que após percorrerem a distância entre o emissor e o papel, colidem
com ele. Ao entrarem na região do campo, duas delas, gotas 1 e 3, sofrem
desvios em suas trajetórias. A gota 2 não sofre desvio permanecendo em sua
trajetória horizontal. A gota 1 atinge o papel em um ponto acima da horizontal,
mais deslocado verticalmente do que a gota 3 que atinge o papel em um ponto
abaixo em relação à horizontal, menos deslocado verticalmente que a gota 1.
Era pedido ao aluno na parte (a) que justificasse a diferença entre as trajetórias
das gotas 1, 2 e 3, esperando-se que ele percebesse que tal comportamento se
explica pela diferença entre os sinais das cargas elétricas adquiridas pelas gotas
A
87
ao serem emitidas. Na parte (b), cabia ao aluno explicar qual o tipo de
movimento executado pela gota 1. Não seria necessário mais do que reconhecer
um movimento acelerado para considerar-se a questão como respondida
adequadamente. A parte (c) perguntava qual das gotas (1, 2 ou 3) tinha maior
aceleração e por que. Para responder, a questão pedia que o aluno
considerasse que todas elas estavam eletrizadas com a mesma carga, em
módulo. O esperado era que o aluno percebesse que a trajetória da gota 1,
embora uma curva para cima e não obstante seu peso estar atuando para baixo,
desloca-se verticalmente para cima em um ponto mais distante em relação à
vertical, tão somente porque sua massa é menor, gerando uma resultante maior.
Uma das aplicações tecnológicas modernas da eletrostática foi a invenção da impressora a jato de
tinta. Esse tipo de impressora utiliza pequenas gotas de tinta, que podem ser eletricamente neutras ou
eletrizadas positiva ou negativamente. Essas gotas são lançadas entre as placas defletoras da
impressora, em uma região onde existe um campo elétrico uniforme Er
, atingindo, então, o papel para
formar as letras. A figura a seguir mostra três gotas de tinta que são lançadas com velocidade
constante vr , a partir do emissor. Após atravessar a região entre as placas, essas gotas vão
impregnar o papel.
a) Justifique a diferença entre as trajetórias das gotas 1, 2 e 3.
b) Qual o tipo de movimento executado pela gota 1? Explique.
c) Qual das gotas tem maior aceleração? Por quê? (Suponha todas eletrizadas com mesma carga
em módulo.)
88
As situações das três questões têm em comum o fato de tratarem de
partículas que estão sujeitas a campos elétricos uniformes adquirindo
movimentos uniformemente acelerados.
Na primeira questão deseja-se verificar a habilidade numérica que o aluno
apresenta em relação aos conceitos de campo elétrico, força resultante e
aceleração na medida em que se exige a utilização das expressões matemáticas
desses conceitos. Na segunda questão o que se quer é reconhecer quanto de
habilidade algébrica pode ser constatada quando se repete a situação da
questão 1 embora sem oferecer, das grandezas, seus valores numéricos. A
terceira questão investiga a habilidade em transpor conceitos para situações de
descrição fenomenológica sem que se faça uso do instrumental matemático para
sua resolução.
V. 2 b - ANÁLISE DOS RESULTADOS
Como dito anteriormente o instrumento utilizado como referência nesse
trabalho é uma avaliação aplicada, em abril de 2006, a duas classes do 3º ano
do ensino médio de uma escola particular da zona sul de São Paulo. Foram
investigadas as respostas dadas por 59 alunos em três das dez questões que
compunham a avaliação.
A metodologia empregada foi a de análise qualitativa e semi-quantitativa
das respostas apresentadas pelos alunos. Cada uma das três questões,
descritas anteriormente, foi analisada de forma autônoma, usando como
referência categorias de respostas criadas a partir da comparação entre elas.
Os resultados detalhados das análises, por questão, estão apresentados nas
tabelas que constam dos anexos III a e III b no final deste trabalho.
Com os dados dessas tabelas obtêm-se os elementos necessários para
que sejam realizadas as correlações pretendidas entre as respostas.
As respostas dos alunos foram analisadas, criando-se categorias que
buscam reconhecer sua capacidade de compreender e aplicar numérica,
89
algébrica e conceitualmente a noção de campo elétrico em situações como as
descritas nas questões 1, 2 e 3.
A abordagem numérica foi apreciada tomando como referência a questão
1. Nessa questão os alunos necessariamente têm de quantificar suas respostas
que serão obtidas aplicando-se as expressões de força resultante e as equações
da cinemática. Foram identificados três padrões de respostas. No primeiro o
aluno acerta tanto a força quanto a aceleração chegando ao valor correto ao
final da questão. Uma outra categoria identificada é relacionada ao aluno que
encaminha uma solução correta do ponto de vista do processo de resolução,
mas que faz erros de transposição de dados, unidades, contas ou potência de
dez. Finalmente há aquelas questões em branco. A tabela 5.6 abaixo apresenta
os resultados das respostas para a questão 1.
Tipos de respostas No. de alunos Percentagens
È capaz de operar numericamente 38 64 %
Encaminha 11 17%
Brancos 10 17%
Total 59 100%
Tabela 5.6 - Resultados à questão de obtenção numérica das respostas
Com os dados da tabela é possível reconhecer, para o grupo de alunos
analisado, uma compreensão numérica significativa na situação descrita.
Observa-se que quando se considera a porcentagem do aluno que encaminha a
solução da questão, além daquele que a acerta integralmente, obtemos um
patamar superior para esse tipo de compreensão (81%), sendo que apenas 19%
deles não relacionam numericamente a situação apresentada àquelas vistas em
sala de aula.
Para a análise da compreensão algébrica as categorias são semelhantes.
Verificaram-se quantos alunos são capazes de operar algebricamente de
90
maneira correta frente à situação proposta pela questão 2. Também, nessa
questão, outra das categorias é aquela no qual se reconhece que o aluno
encaminha uma solução, mas não atinge a resposta final ao, por exemplo, não
extrair a raiz da expressão da velocidade quando elevada ao quadrado ou
quando não consegue eliminar o tempo da mesma expressão ou quando não faz
as substituições corretamente. Por fim, estão incluídas na terceira categoria, as
respostas em que está evidente que o aluno não consegue operar
algebricamente na situação.
Os dados obtidos estão na tabela 5.7 onde é possível se constatar que
um pouco mais da metade dos alunos reconhecem como obter uma solução
algébrica do problema.
Tipos de respostas No. de alunos Percentagens
È capaz de operar algebricamente 29 49%
Encaminha 5 9%
Não é capaz 25 42%
Total 59 100%
Tabela 5.7 - Resultados à questão de obtenção algébrica das respostas
A compreensão do fenômeno em seu aspecto conceitual foi avaliada
utilizando-se as respostas dos alunos na questão 3 que trata do princípio de
funcionamento da impressora à jato de tinta. Julgou-se desnecessária a
construção de uma tabela de respostas relativas somente a essa questão.
Optou-se por relacionar as respostas obtidas, nesse caso, com os acertos nas
questões 1 e 2, o que originou as tabelas 5.8, 5.9 e 5.10.
Uma das correlações possíveis avalia como são as respostas para a
questão 3 daqueles alunos que acertam as partes algébrica e numérica, ou seja,
aqueles que acertam as questões 1 e 2, e que se constituem em um universo de
29 alunos, aproximadamente metade do total. Será que esses alunos são
capazes de transferir o domínio demonstrado para a situação contextualizada?
91
Foram estabelecidas três categorias. Na primeira, o aluno demonstra
compreensão completa da situação atribuindo as diferentes trajetórias a
diferentes sinais das cargas; reconhece o movimento executado pela gota 1
como sendo um movimento uniformemente acelerado e, finalmente, percebe
que a causa da maior aceleração da gota 1 é sua massa menor.
Na segunda categoria estão as respostas que demonstram uma
compreensão relativa da questão. São aqueles alunos que sabem que é a
diferença de sinal da carga a causa das diferentes trajetórias e que o movimento
da gota 1 é acelerado, porém suas respostas em relação à causa da maior
aceleração da gota 1, apesar de pouco consistentes, apresentam indícios de
compreensão do problema. Um exemplo é a resposta do aluno que diz que a
causa da aceleração maior para a gota 1 é sua maior carga, apesar do
enunciado da questão estabelecer mesma carga, em módulo, para todas as
gotas.
Há ainda um conjunto de respostas que indicam ausência de
compreensão conceitual do fenômeno, caracterizando uma terceira categoria.
Na tabela 5.8, abaixo, temos o quadro de resultados obtidos nessa
correlação.
Tipos de respostas No. de alunos Percentagens
Compreensão completa 5 17%
Compreensão média 2 7%
Sem compreensão 22 76%
Total 29 100%
Tabela 5.8 - Relação entre o domínio numérico/algébrico e a compreensão conceitual.
Nesse quadro se se evidencia a dificuldade de análise e transposição
conceitual do fenômeno mesmo para aqueles alunos que parecem dominar os
aspectos numéricos e algébricos de fenômenos semelhantes. Apenas 17% dos
29 alunos que acertaram as questões 1 e 2 têm respostas para a questão 3
92
consideradas de compreensão conceitual completa, o que significa 5 alunos
dentre os 59 da amostra.
Outras correlações além daquelas retratadas pela tabela acima foram
também investigadas. Como os alunos que não demonstraram domínio
algébrico enfrentaram a questão contextualizada? Tiveram menor ou maior
dificuldade?.
Constatou-se que havia alunos que embora houvessem errado a parte
algébrica da avaliação (questão 2), acertaram, mesmo que parcialmente, a
questão 3 (de tratamento conceitual). Instituiu-se como uma das categorias
aquela de acerto total. A segunda categoria analisa quantos são os alunos que,
conseguem resolver os itens relativos à carga e ao movimento das gotas (itens
a) e b)). A terceira categoria trata do mesmo tipo de análise descrito pela
categoria anterior, porém os itens que o aluno resolve corretamente são os
relativos à carga e ao reconhecimento e justificativa de porque a gota 1 tem
maior aceleração (itens a) e c)). A última categoria avalia os alunos que não
apresentam, nessas situações, nem a compreensão algébrica, nem a conceitual.
Os dados obtidos estão representados na tabela 5.9 abaixo.
Tipos de respostas N. de alunos Percentagem
Compreensão completa 1 4%
Compreensão média (só a) e b)) 9 33%
Compreensão média (só a) e c)) 3 11%
Sem compreensão 14 52%
Total 27 100%
Tabela 5.9 - Relação entre o “não domínio” algébrico e a compreensão conceitual.
Nesse caso, fica claro que um número não desprezível de alunos (4), se
comparados à situação anterior, ainda que não dominem as relações algébricas
dos conceitos envolvidos, consegue explicar o fenômeno apresentado.
Finalmente, em uma última correlação, procurou-se caracterizar as
93
habilidades daqueles que obtiveram sucesso no acerto completo da questão
contextualida. Ou seja, procurou-se investigar de que forma responderam as
questões 1 e 2 os 9 alunos que acertaram a questão 3. Trata-se de verificar em
que medida o aluno que consegue resolver conceitualmente a situação proposta
para as gotas da impressora, tem sucesso ao resolver as partes numérica e
algébrica das questões. Foram criadas três categorias. Na primeira estão os
alunos que obtém sucesso na resolução das três questões. Na segunda
verificou-se que há alunos que acertam a questão 3 parcialmente e não acertam
2, ou seja, não demonstram domínio algébrico. Na terceira categoria estão os
alunos que acertam tanto a questão 3 como a parte numérica representada pela
questão 1. Note-se que não há alunos que acertam a questão 3 e resolvem
somente a parte algébrica, errando a numérica. Os resultados estão
representados na tabela 5-10.
Tipos de respostas N. de alunos Percentagem
Acerto numérico, algébrico e contextual. 5 55%
Acerto contextual parcial sem domínio algébrico 2 22%
Acerto contextual sem domínio
algébrico. 2 22%
Total 9 100%
Tabela 5.10 - Desempenho dos alunos que resolveram com sucesso a questão contextualizada.
V. 2 C - CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DOS RESULTADOS SOBRE CAMPO ELÉTRICO
Os resultados obtidos apontam para um tipo de reflexão que não
pretende ter caráter generalizante, na medida em que se reconhece a limitação
da amostra tanto do ponto de vista da quantidade de elementos que a compõe
quanto à natureza dos sujeitos que a constitui, ou seja, alunos de classe média
94
alta de São Paulo, freqüentando uma escola onde o conhecimento físico é
exigido com rigor. Apesar disso, consideramos esses resultados capazes de
orientar relações de implicações que embora não absolutas, podem balizar um
investigação, mais apurada, sobre a existência de um modelo de compreensão
em que as habilidades numérica, algébrica e conceitual estão de tal forma
ligadas, que uma sem a outra não existe. Esse modelo, que poderia explicar
como e em que ordem essas compreensões se articulam, tem se mostrado, ao
longo dessa investigação, mais complexo do que uma primeira aproximação
poderia supor.
Por ora, os dados tomados nos permitem considerar que há um percurso
feito por esses alunos, - que passaram por idênticas situações de ensino-
aprendizagem, visto estarem na mesma classe de uma mesma escola -, no
qual, nas situações avaliadas, a compreensão numérica aparece, para mais de
80% deles, seguida da compreensão algébrica alcançada por 50% e finalmente,
verifica-se que somente 20% desses alunos, demonstra ter compreendido como
os conceitos estão envolvidos quando são exigidas relações, entre eles, a partir
de contextualização. Parece-nos de relevância lembrar que nesses 80% estão,
também, aqueles alunos que apresentaram pequenas dificuldades na resolução
do problema numérico, tais como erros de aritmética, mas que encaminham a
solução da questão de forma coerente e adequada.
Ao analisarmos mais detidamente as tabelas 5.6 e 5.7 podemos
constatar que para os alunos analisados é mais fácil operar numérica do que
algebricamente. Além disso, pode-se de certa maneira, concluir que, no caso do
percurso em direção ao saber físico, a compreensão numérica é atingida antes
da algébrica. Nas avaliações examinadas, as questões numérica e algébrica
solicitavam do aluno praticamente a mesma coisa, ou seja, a força resultante e a
aceleração. No entanto, apesar de todos os alunos estarem sujeitos a uma
mesma quantidade e tipo de exercícios em sala de aula e das mesmas
atividades experimentais, constata-se que um número expressivamente maior
deles demonstra domínio da habilidade numérica associada aos conceitos
relativos ao campo elétrico. Isto parece indicar que a compreensão algébrica
95
exige um modo de pensamento mais abstrato do que a numérica, uma vez que
as situações eram semelhantes, também, do ponto de vista das expressões a
serem utilizadas nas resoluções. Aquilo que é inerente de uma solução
algébrica, ou seja, o uso de representações literais parece ter dificultado a
resolução para cerca de 40% dos alunos que não demonstraram domínio
algébrico suficiente para resolver a questão. Essa parece ser uma justificativa
para o fato de que não houve aluno que tendo acertado a questão de
compreensão algébrica, também não o fizesse na questão numérica.
Novamente, isso parece sugerir que a habilidade algébrica requer que o aluno
esteja sujeito a uma construção de conhecimento de um tipo mais específico e
muitas vezes mais abstrato que a numérica.
Em que medida o aluno que, nas situações propostas, compreende
numérica e algebricamente tem assegurada a compreensão conceitual é o que
se buscou ao analisar os dados da tabela 5.8. A conclusão parece indicar que
essa não é uma relação de causa e efeito. O conhecimento algébrico do
fenômeno parece ser quase que independente da sua apreensão conceitual.
Menos de 20% dos alunos que transitam pelas relações algébricas associadas
ao conceito de campo elétrico, consegue associá-las a um contexto que
prescinde do saber matemático diretamente. Isso parece indicar que não
vinculam aquilo que calculam às situações concretas. Ao contrário do esperado,
não basta operar bem algebricamente para se transpor o conhecimento
conceitual para situações de contexto. A compreensão conceitual parece exigir
processos de pensamento diversos e complementares daqueles empregados ao
se operar algebricamente, de tal modo que um domínio parece não garantir o
outro.
Acerca disso corrobora o fato de que alguns alunos, apesar de não terem
demonstrado compreensão algébrica na situação proposta, conseguiram
responder corretamente a questão conceitual (tabela 5.9). Isso parece indicar
que a apreensão do conceito pode estar ligada a processos de pensamento que
não necessariamente têm como pré-requisito o saber matemático associado ao
96
domínio de relações algébricas pertinentes aos fenômenos físicos descritos.
Podemos especular que essa tendência é própria dos indivíduos que buscam e
encontram respostas acertadas a partir de um repertório de relações conceituais
ligadas ao saber físico (escolar ou não) embora isso não signifique
necessariamente que transitem com consistência pelas relações algébricas
constitutivas e estruturantes desse saber.
Finalmente, cabe aqui constatar que a aquisição de um tipo de saber
físico que emerge em situações onde há contextualização, não é facilmente
alcançada. O saber matemático é parte integrante da elaboração do saber físico
presente nessas extrapolações, todavia não o garante, na medida em que
representa apenas parte da intrincada cadeia de relações envolvidas.
97
CAPÍTULO VI
RESULTADOS E CONCLUSÕES Ao longo dos capítulos que compõe esse trabalho, buscou-se uma
reflexão acerca da função da matemática na construção do conhecimento físico.
Nesse percurso, abordamos essa temática sob o ponto de vista daqueles que
fazem ciência, daqueles que se propõem a ensiná-la e daqueles que aprendem.
Avaliamos de que maneira alguns físicos concebiam a matemática no seu fazer
“científico” e apreciamos dois representativos manuais didáticos em relação ao
uso da matemática na apresentação, descrição e manejo dos conceitos físicos.
Por meio de dados de campo, pudemos também tecer algumas considerações
sobre a utilização que os alunos de Ensino Médio fazem da Matemática na
aprendizagem de determinados conceitos. A busca pelas possíveis respostas à
questão norteadora deste trabalho, assim como, da relação entre o saber físico
e a matemática, se processou procurando estabelecer um vínculo entre essas
três perspectivas.
Parece-nos que o acesso aos pareceres dos cientistas, por meio de seus
textos, revela importantes elementos de síntese entre as abordagens relativas
ao tema. De fato, Schenberg, Krauss e Feynman parecem concordar em relação
à relevância do papel da matemática no conhecimento físico. Suas análises,
contudo, enfocam essa importância de maneira diversa.
Para Schenberg, há uma conecção muito estreita entre o conhecimento
matemático e o físico. Em suas considerações, se sobressai a idéia de uma
relação de interdependência histórica entre os dois saberes. Para ele, ao longo
do tempo, o desenvolvimento das teorias físicas só foi possível porque a
matemática se oferecia ora a serviço das necessidades das novas descobertas,
criando o instrumental necessário para que a rede de conceitos físicos se
estruturasse, ora facilitando a percepção e descoberta de novas teorias na
medida em que, ao se desenvolver, trazia toda uma série de possibilidades
98
novas de compreensão. Dessa forma, para ele, um conhecimento se sobrepõe a
outro e, sendo assim, a física, a cada descoberta da matemática, ganhou, ao
longo da história, novos contornos e formas de sustentação, ao mesmo tempo
que ia criando novos sentidos para o conhecimento matemático.
Enquanto, na análise de Schenberg, o avanço das teorias matemáticas e
dos saberes físicos se articula de maneira singular, as análises de Krauss e
Feynman não se fundamentam na historicidade desse desenvolvimento, mas no
papel da matemática como um saber que traduz e dá sentido a um tipo de
pensamento e conhecimento. Para além dos aspectos instrumentais, os dois
físicos concordam que a matemática pode estar presente de maneiras diversas,
ora como aquilo que traduz o conhecimento, ora como aquilo que assegura a
possibilidade de se instituir em relações entre os conceitos. Para Krauss, não é
possível compreender o fenômeno sem considerar sua dimensão algébrica ou
numérica. Sendo assim, para ele, cabe à matemática a função de estabelecer
conexões lógicas que as descrições ou as explicações verbais não dão conta de
fazer. A realidade só pode ser expressa em sua essência se as conexões
induzidas pela matemática forem feitas.
A análise de Feynman encaminha uma reflexão sobre o fato de que ao se
utilizar a matemática como mediadora de um modo de pensar e raciocinar, a
física consegue mais do que um simples aparato de tradução, uma vez que é
por meio da matemática que se realizam as inferências necessárias para
legitimar as teorias. A relação dos físicos com a matemática, para ele, é diversa
daquela estabelecida entre aqueles que a estudam. Para os físicos, as leis não
existem por si só e, sendo assim, utilizam os axiomas da matemática como
aquilo que fornece o sentido de realidade ao fenômeno.
Desse modo, para os físicos, de maneira geral, é a matemática que
permite uma compreensão mais abrangente do universo físico para além de
cada fenômeno ou relação local. A importância da matemática está em
conseguir exprimir de maneira sintética e precisa o conhecimento da natureza
por meio das leis físicas.
99
O julgamento desses três cientistas sobre o valor da matemática no
conhecimento físico é compartilhado pelos livros didáticos apreciados. Contudo,
embora nos dois manuais examinados neste trabalho a matemática tenha
importância indiscutível no desenvolvimento das respectivas propostas de
aprendizagem, prevalece na relação entre o conhecimento físico e o saber
matemático o seu caráter de linguagem da física. Não foi possível reconhecer as
idéias das correlações muito próximas entre os conhecimentos físico e
matemático apontados por Schenberg em seu texto. Ao examinarmos os
capítulos sobre calor e campo elétrico, também não se notou uma gradação nos
saberes matemáticos necessários para uma progressão do conhecimento.
Dessa maneira, apesar de os conceitos físicos relacionados ao calor exigirem
menos abstração do que aqueles relativos ao campo elétrico, não foi possível
perceber diferença entre o papel da matemática em um ou outro caso. A idéia
de Schenberg de que, a partir do surgimento da necessidade de uma descrição
quantitativa do fenômeno, o conhecimento físico vai abrindo caminho para o
matemático e vice-versa não parece estar presente nos livros avaliados. A
matemática não aparece como “motivadora” das descobertas relacionadas aos
saberes físicos que os alunos devem fazer nem aparece como um conhecimento
que, ao ser adquirido, poderá dar acesso a esses saberes. A idéia de um
embricamento entre os saberes, relatada por Schenberg, não foi reconhecida
em nossa análise.
Por outro lado, o caráter operacional e funcional da matemática,
reconhecido por Krauss e Feynman como uma das facetas dessa ciência, está
presente nos dois livros. O saber matemático, para os autores dos livros
didáticos ora examinados, é essencial para a obtenção do conhecimento físico.
As estruturas dos livros são as mesmas e reconhece-se em ambos a
necessidade de quantificação das grandezas por meio de um grande número de
problemas. O número de exercícios em cada unidade é praticamente o mesmo
nos dois livros e o desenvolvimento dos capítulos se dá da mesma maneira:
teoria, exercícios de fixação, de recapitulação, de vestibulares. Nota-se que,
invariavelmente, a idéia de aprendizagem está associada à resolução de um
100
grande número de problemas, buscando conectar mais e mais profundamente
teoria e relações matemáticas.
Apesar das semelhanças estruturais e de metas, entre os dois livros
parece haver uma distinção didática quanto ao modo de atingir seus objetivos
didáticos. De fato, é possível se perceber modos diversos de conceber a
matemática na construção de certo conhecimento físico.
No livro Fundamentos da Física (Ramalho e outros, 2003), a introdução
dos conceitos se faz por meio das relações matemáticas que os constituem.
Raramente há, no início dos capítulos, alguma contextualização daquilo que vai
ser aprendido. Pelo contrário, os autores parecem acreditar que será por meio
da operacionalização que o estudante se apropriará do conhecimento físico. A
idéia que parece nortear essa proposta de ensinar é a de que quanto mais o
aluno opera em física por meio de problemas, mais ele adquire familiaridade e
desenvoltura ao lidar com as relações e expressões características do saber
físico e, conseqüentemente, mais facilmente reconhecerá modos de aplicar o
conceito em situações de contexto. Isso parece sugerir que a construção
conceitual vai sendo acelerada à medida que há insistência no caráter
operacional do conhecimento. Espera-se, então, que o aluno de posse desse
domínio relacional consiga, frente a situações conceituais, transpor para o
contexto aquilo que a matemática representa. Esse tipo de abordagem
evidencia-se quando se constata que estão no final dos capítulos do livro de
Ramalho (2003) os problemas que trazem situações de contexto em que alguns
ou todos os itens exigem do aluno interpretações e relações conceituais. Isso
parece dizer respeito a um modo de ensinar que favorece quem tem uma
habilidade maior em operar matematicamente.
No livro Curso de Física (Máximo e Alvarenga, 2000), a expectativa, ao
final dos capítulos, também está ligada a um modo de relacionar o conhecimento
baseado na destreza operatória. Nesse manual, no entanto, o contexto é
introdutório do conceito, isto é, a operacionalização é posterior à conceituação.
São apresentadas situações em que o aluno percorre um caminho de
construção conceitual a partir de relações com seu cotidiano ou com referenciais
101
de sua vivência. Os exercícios de fixação privilegiam essas relações propondo
questões que visam uma interpretação fenomenológica, não quantificada, na
maior parte dos casos. A partir desses livros, no entanto, as situações
problematizadas passam a ser equivalentes nas duas obras. Os problemas
envolvem um grande número de relações matemáticas, sejam elas numéricas
ou algébricas. Esse tipo de abordagem assemelha-se ao descrito por Feynman
e Krauss quando enfatizam o caráter de “tradutora do conhecimento físico” que
a matemática pode assumir em determinadas ocasiões. Além disso, é possível
reconhecer que, ao introduzir os conceitos por meio de situações de contexto, o
livro de Máximo e Alvarenga (2000) aumenta as possibilidades para que aquele
aluno que ainda não domina as relações matemáticas (que podem ser
vinculadas ao conceito), tenha oportunidade e tempo de percebê-las com mais
propriedade. Desse modo, a percepção da matemática como aquilo que
possibilita a extrapolação do conhecimento físico ao relacionar as grandezas,
como Feynman explicita em seu texto, será mais provavelmente ser adquirida.
E os alunos, como, afinal, percebem o papel da matemática na aquisição
do saber físico? Em nosso trabalho investigativo/empírico, relatado no capítulo
IV, a partir de tomada de dados com alunos do Ensino Médio, procuramos
verificar quando e de que forma eles utilizam ora explicações conceituais
descritivas, ora relações matemáticas para fazer frente à solução de problemas
específicos.
Pareceu-nos que, em geral, os alunos fazem uso da matemática em física
de três modos. Um deles é aquele que trata a matemática como linguagem. É o
que possibilita a operacionalização numérica das grandezas por meio de
fórmulas. É o modo mais básico de todos, aquilo que em nossa investigação
denominamos “compreensão” ou “habilidade numérica”. Um outro modo é
aquele que está relacionado ao domínio operacional algébrico. Nesse modo, a
quantificação se dá por meio de signos e não mais por meio de números. O
aluno identifica a matemática como aquilo que dá passagem ao pensamento do
concreto para o abstrato, ampliando-o e expondo-o de forma mais eficiente e
102
generalizadora. Há, ainda, aquele relacionado à transposição conceitual de uma
relação algébrica ou de proporcionalidade em uma situação contextualizada.
Nesse caso, o aluno deve extrapolar o domínio algébrico para o conceitual,
dando-lhe nova dimensão, gerando um domínio explicativo mais consistente. É
essa compreensão que o levará a perceber mais do fenômeno do que sua
representação poderia supor. O salto se dá na direção da interpretação da
realidade, explorando-a para além de seus aspectos algébricos ou numéricos,
estabelecendo os elos cognitivos entre a linguagem familiar, os conceitos do
mundo real e a manipulação dos símbolos matemáticos. São esses elos os
elementos requeridos para que haja a percepção das relações entre os aspectos
conceituais e algébricos de um fenômeno.
Esses modos de utilizar a matemática caracterizam diferentes maneiras
de compreender os fenômenos físicos. Uma compreensão numérica estabelece
com o fenômeno uma relação mais concreta do que a algébrica que prescinde
do dado numérico. A compreensão conceitual seria, portanto, pelas evidencias,
aquela que estaria na origem das outras duas. Seria legítimo supor que sem ela
não se poderia almejar relações numéricas e muito menos algébricas dos
conceitos. Haveria, então, uma seqüência de habilidades que deveria ser
seguida para se chegar ao saber físico: conceitual, numérica e algébrica. Não foi
isso que verificamos em nossa investigação. As habilidades/compreensões não
são obtidas ordenadamente, uma após a outra, e é possível que uma não seja
condição para que a outra se dê. À vista disso, é fácil constatar que a maneira
não única dos alunos para obter o conhecimento não é levada em consideração
pelo livro didático. Nos manuais examinados, as temáticas são desenvolvidas
sempre do mesmo modo, sem considerar que não haja a transposição tão direta
entre a forma com a qual o conhecimento é apresentado e, portanto deve ser
aprendido, e a maneira como o aluno se apropria desse conhecimento.
Verificamos que a progressão na obtenção do conhecimento não se dá
em uma direção definida, parece não haver uma correlação direta entre as
compreensões numérica, algébrica e conceitual. No entanto, embora a
correspondência não seja clara, há certamente alguns vínculos. Parece-nos que
103
as explicações conceituais daqueles alunos que têm a habilidade algébrica
desenvolvida são mais claras, mais objetivas e mais consistentes do que
daqueles que não a possuem. As respostas denotam um domínio maior do
conceito se comparado ao aluno que não consegue operar nem algebricamente
nem numericamente. Pode-se supor que não há garantia de que aquele que só
demonstra compreender conceitualmente o fará novamente, em outra situação
de contexto. O fato é que para o aluno que passou da compreensão numérica
para a algébrica, o domínio conceitual se instaura de maneira mais significativa
parecendo, portanto, que a matemática é fator preponderante na construção de
sua aprendizagem.
Essas respostas ao modo de obter conhecimento físico permitem uma
reflexão e releitura da nossa experiência em quase vinte e cinco anos
ensinando física no Ensino Médio. Nesses anos, foi possível observar que, em
seus primeiros contatos com a física, o aluno apresenta dificuldades de
descrever aquilo que reconhece como um fenômeno físico em uma linguagem
que seja reconhecida, pelo professor, como adequada. Mesmo ao procurar
expressar-se pela linguagem vulgar, há todo um conjunto de palavras
desconhecidas, repleto de termos novos, exigindo um novo tipo de compreensão
e leitura. Um primeiro salto de abstração se dá nesse primeiro contato. O aluno
percebe que, para compreender essa ciência, terá de apreender também sua
linguagem. Palavras como peso, energia, trabalho, eletricidade, corrente elétrica,
calor, temperatura, adquirirão, por vezes, um significado distante daquele que é
empregado no senso comum e, portanto, concernente ao conhecimento prévio
do aluno. Passa-se a exigir dele que, ao manipular os fenômenos, o faça
utilizando-se de precisão de linguagem. Diferenciar massa de peso, temperatura
de calor, força de velocidade são algumas das condições que se apresentam
como necessárias para bem utilizar a linguagem descritiva na física. Isso
significa que, muita vez, ao ler uma explicação, o aluno não associará com
facilidade aquilo que lê àquilo que possui como referência. Para que essa
associação ocorra e se some ao aprendido em sala de aula, o aluno terá quase
de aprender “uma língua” nova, uma nova forma de expressão, um novo código.
104
Com alguma insistência, o aluno se dá conta de que entender e reconhecer o
significado “daquele novo jargão” é possível, desde que mergulhe em um código
diverso do usual.
Essa aprendizagem ocorre paralelamente à outra: aquela que introduz um
novo modo de traduzir o fenômeno de uma maneira que não pela linguagem
comum. A constatação de que é a matemática a ciência que possibilita à física
sua representação é motivo de estranheza para os alunos. Em um primeiro
momento, a maior dificuldade é perceber que as grandezas serão representadas
por símbolos e não mais serão escritas por extenso. Assim, massa será m,
temperatura será t, e assim por diante. Essa associação, essencial para que os
próximos passos se dêem, é feita, na maior parte das vezes, paulatinamente. É
a primeira abstração significativa, por meio dos signos da matemática, que será
exigida do estudante em física. O próximo passo será dado quando começar a
manipular grandezas físicas distintas, dar-lhes significado e tomar ciência de
como aplicá-las em uma ou várias expressões algébricas. Isso ocorre ao
começar a resolver os primeiros problemas. Geralmente são situações que
exigem relações mais diretas, pouca abstração e nas quais o conceito físico é
revelado rapidamente, após leitura atenta do enunciado. Trata-se de instaurar a
chamada “compreensão numérica” que para ser significativa não deve ser
desenvolvida somente por meio de problemas em que a aplicação de fórmulas
se sobressaia. Oferece-se ao aluno os primeiros elementos para detectar a
necessidade da matemática como instrumental confiável de um certo modo de
olhar o fenômeno.
Muitas vezes, não será possível, nessa fase, uma percepção da
matemática além daquilo que meramente operacionaliza o processo mental de
reconhecimento de dados, de identificação das grandezas e de obtenção de
resultados. Trata-se, portanto, de, em um primeiro momento, tornar o aluno
capaz de perceber um modo novo de representar e que, ao mesmo tempo,
ganha novos significados. Ao tomar contato com problemas simples em que
reconhece o conceito, o aluno extrai os dados e os substitui para chegar a
resultados que poderão ou não estar relacionados a outras situações dentro do
105
próprio problema. Espera-se, dessa forma, que o aluno adquira a percepção de
quanto essencial à operacionalização da física é a matemática.
Em uma próxima etapa, o aluno começa a ganhar autonomia nos
processos abstratos mais simples e inicia uma relação com a matemática que
deixa de ser apenas operacional para tornar-se quantificadora. Nesse sentido,
começa a perceber que a matemática se coloca a serviço de estimar resultados,
avaliar dados, refazer procedimentos, comparar grandezas, auxiliar na
simulação dos fenômenos físicos e analisá-los. Geralmente, essa percepção
aparece a partir de situações de aprendizagem nas quais a contextualização é
bastante relevante ou em casos em que são propostas atividades envolvendo
projetos, ou seja, a modelagem em Física. Um exemplo de contextualização
pode ser o trabalho em parque de diversões, citado no início deste trabalho.
É possível nessa fase, interpretar o que está observando em uma
linguagem diversa da vulgar, identificar qual a expressão matemática se aplica
em cada um dos casos a serem investigados, atribuir e coletar valores das
grandezas presentes no fenômeno, prever quais são os resultados possíveis e
avaliar sua pertinência em relação ao todo; o que significa perceber na
matemática algo que está para além do operacional: identificá-la como aquilo
que dá passagem ao pensamento do concreto para o abstrato, ampliando-o e
traduzindo-o de maneira mais eficiente e precisa. Nesse estágio, o aluno
começa a distanciar-se do dado numérico como essencial à sua percepção e
aproximação do fenômeno. Assim, pode haver alunos que não se referem mais
aos dados numéricos a não ser pela sua ordem de grandeza.
É o início da compreensão algébrica, fundamental na construção do
conhecimento. Para além da substituição do valor numérico na fórmula ou da
obtenção de um resultado, a matemática passa a valer por si, ou seja, por ser
um meio que possibilita e dá vazão ao pensamento científico, abstraindo e
traduzindo para além da previsão ou da estimativa de resultados. Nessa etapa
os alunos começam a manipular, de maneira familiar, as relações que podem
levar a um resultado que nem sempre será numérico, podendo ser uma
grandeza ou uma relação ou proporção entre elas; trata-se dos chamados
106
“problemas literais”, centrais nos cursos de graduação em ciências exatas e que
abrem novos canais de contato com o conhecimento físico. Para o aluno do
Ensino Médio, a aquisição desse tipo de domínio significa se colocar para além
da aplicabilidade da matemática. Quando é capaz de relacionar expressões e/ou
grandezas sem que para isso não mais precise de sua tradução, nem numérica
nem em linguagem comum, o aluno começa a ser capaz de “passear” pelos
caminhos das estruturas que compõem o conhecimento físico e que lhe dão
valor e sentido. Não é algo pronto, acabado, uma vez que não há como
comparar o nível de domínio da matemática de um estudante em final de
graduação a um de Ensino Médio, porém percebe-se certo grau de liberdade em
relação ao que a matemática é capaz de traduzir e oferecer como suporte que
vai além de um código.
Nessa perspectiva, tais constatações, que admitem para a matemática
um caráter estruturante do conhecimento físico, têm semelhanças e diferenças
quando contrapomos o conhecimento físico daquele que sabe em relação
àquele que quer saber.
Em ambos, há uma forte interdependência entre a matemática e o
conhecimento físico. No entanto, para o físico-cientista, a matemática parece
ser estruturante do próprio conhecimento a respeito da natureza, na medida em
que não há nenhum acontecimento ou fenômeno físico que possa adquirir
significado sem que a matemática lhe atribua “realidade”, lhe conferindo, dessa
forma, legitimidade. Ao contrário, para o aluno, o caráter estruturante da
matemática é de outra categoria, na medida que é nela que o aluno encontra e,
invariavelmente, reconhece o suporte para sua aprendizagem. No aprendizado,
a matemática estrutura o pensamento do aluno em relação ao conhecimento
físico.
Reforçando as semelhanças, para ambos, cientista e aluno, o
aprendizado em física consiste num “caminhar em duas pernas”, física e
matemática, um passo depois do outro, cada passo levando um pouco mais
longe. E é mais fácil e proveitoso quando um passo se apresenta como apoio
para o seguinte.
107
Partindo-se desse ponto de vista, é importante reconhecer que há
diversas formas de conhecer e aprender sobre o mundo. Cada uma tem suas
especificidades e sua contribuição. Existem muitos tipos de “passos”. Será
sempre possível saber um pouco de física sem qualquer matemática, mas isso
certamente impõe limites ao caminhar.
No entanto, embora essencial para o aprendiz, parece-nos não ser
possível compreender física somente dominando suas estruturas e relações
algébricas. As situações de contexto, tal qual as dos parques de diversão,
estimulam e instauram relações conceituais que tornam o conhecimento
significativo. Todavia, em nosso entender, essas ocorrências podem e devem
ser mais abrangentes.
É essencial que o aluno ─ e o professor ─ percebam que a aprendizagem
de física se dá em dois âmbitos: o matemático e o conceitual. Ampliá-los é
condição para se conhecer cada vez com mais profundidade o que se pretende
ensinar. Sendo assim, entendemos que identificar e relacionar a vivência dos
alunos aos conceitos físicos, prescindindo das relações matemáticas que os
envolvem, impõe ao aprendiz um saber físico empobrecido, precário,
incompleto, diverso daquele historicamente obtido. Situações de contexto são
oportunidades de reafirmação ao aluno de que seu avanço no conhecimento se
fará tão mais consistente quanto mais significados físicos estiverem atrelados às
relações algébricas que lhes são próprias.
Encerrando este trabalho, salientamos que questões como as que
nortearam esta investigação podem contribuir para a formação de um quadro
teórico sobre a construção da aprendizagem do conhecimento físico no Ensino
Médio. Ao mesmo tempo, e principalmente, podem contribuir para o trabalho
cotidiano dos professores de Física. Esperamos ter contribuído, ainda que
modestamente, para essas tarefas.
108
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110
ANEXO I 1º ano do Ensino Médio Questões de Termologia Classe A Classe B Classe C
1ª 1b 1a 1b 1a 1b 1 Propr. 1 Prop 2 Prop 2 cond 2 Propr 2 condut. Fenom 2 c Prop 4 3 Propr 1 Prop 2 Micro 3 4 Fenom. Fenom 1 Prop 2 c 5 Micro 2 Micro 3 Prop 1 6 Fenom 1 Prop 2 cond Fenom 4 7 Propr 2 rapidez Prop 2 rapidez Micro 1 8 Fenom. 3 Micro 1 Prop 2 tempo 9 Fenom. Prop 1 Prop 1 10 Micro 3 Prop 2 c Prop Ncn 11 Propr 2 tempo Prop 2 Micro Ncn 12 Fenom 1 Micro 2 Fenom 1 13 Propr NcN Ncn Eb Prop 1 14 Fenom. 2 Prop 3 Prop 1 15 Fenom 2 rapidez Eb Eb Micro 2 c 16 Propr 2 tempo Fenom 2 c Prop 2 cond Ncn 1 Fenom 2 18 Micro 1 Micro 1 Fenom 2 tempo 19 Propr 2 com calor Prop Ncn Prop 2 20 NcN 1 Micro 2 Prop 2 tempo 21 Propr 2 Tempo Micro 1 Prop 4 22 Micro 2 tempo Prop 1 Prop 1 23 Propr s/fusão da bola Fenom 2 c Micro 3 24 Micro 1 Fenom 2 tempo Fenom 4 25 Micro 3 Fenom 1 Ncn Ncn 26 Propr 2 Tempo Prop 1 Prop 4 27 Propr 2 capacid. Fenom 1 Micro 1 28 Propr 2 Prop 3 Prop 2 c 29 Fenom 3 Prop 4 Prop 2 c 30 Propr 2 Tempo Eb 1 Prop 1 31 Propr 2 Tempo Prop 2 c Fenom 3 32 Propr 2 Perde calor Prop 2 tempo Micro 2 tempo 33 NcN 2 Tempo Fenom 2 c Prop Ncn 34 Propr Fenom 4 Prop 1 35 Propr 2 Tempo Prop 4 Prop Ncn 36 Fenom 2 condutor Prop 2 Ncn 1 37 Propr 1 Prop 2 capaci Micro 4 38 Propr Sem explic. Prop 1 Prop 1 39 Fenom 2 40 Fenom 3 41 Prop 4
111
Classe A Classe B Classe C 2a 2b 2ª 2b 2a 2b 1 2 2 3 3 2 1 2 2 2 1 2 2 1 3 2 2 2 3 1 1 4 2 1 1 1 2 1 5 1 1 1 1 2 2 6 2 3 2 1 1 1 7 1- 2 3 2 2 2 8 1 1 1 1 1 2 9 1 2 Eb Eb 2 2 10 1 1 1 1 2 1 11 1- 3 2 1 1 1 12 1 1 1 3 1 1 13 2 2 2 2 2 1 14 1 1 2 2 1 1 15 2 1 1 1 1 1 16 2 1 2 1 2 2 17 1 1 2 1 1 2 18 2 2 2 1 1 1 19 2 1 2 2 2 2 20 2 2 1 1 2 2 21 1 1 2 1 1 1 22 1 1 2 1 3 2 23 2 2 1 1 2 1 24 Ncn 2 1 1 2 2 25 1 1 2 1 2 1 26 2 2 3 3 1 1 27 1 3 1 1 2 1 28 1 1 2 1 3 Eb 29 2 1 3 3 3 3 30 1 1 Eb Eb 1 1 31 2 2 2 2 1 1 32 1 1 2 2 2 1 33 3 3 2 1 2 2 34 2 Eb 2 1 2 2 35 1 1 2 1 2 3 36 1 2 2 3 2 2 37 1 2 3 3 2 1 38 2 Eb 2 2 2 3 39 2 1 40 1 1 41 2 2 Eb: em branco
112
ANEXO II
(Respostas descritivas para a situação de aprendizagem sobre calor)
Padrões de respostas para 1 a:
• Propriedade intrínseca
Isso ocorre porque durante a mudança de estado de qualquer
material a temperatura permanece a mesma. (21)
• Abordagem fenomenológica
Porque ele precisará de uma certa quantidade de calor para passar
do estado físico sólido para o estado físico líquido. Enquanto esta
mudança de estado não ocorrer, o gelo não terá sua temperatura
aumentada (112)
• Explicação microscópica
porque o gelo irá usar a energia fornecida , o guaraná com
temperatura maior, para vencer a força de atração que as
moléculas da água tem no estado sólido, assim mudando o estado
físico. A temperatura só irá aumentar quando o gelo estiver
totalmente fundido (18)
113
Padrão de respostas para 1 b:
A proposta de Luíza será a mais eficiente pois o calor específico do
gelo é menor. Já se colocássemos as bolinhas de gude no líquido
elas ganhariam calor mais rapidamente assim o guaraná não se
resfriaria tão rápido e nem a temperatura desejada. (20)
A proposta mais eficiente será a do gelo, a água fica congelada e a
bolinha de gude só resfria. O gelo se resfria mais rapidamente que
a bolinha de gude, assim ficando mais gelado e ao ser colocado no
refrigerante vai gelá-lo mais rápido e com maior eficiência (7)
O gelo vai ser mais eficiente pois esse troca calor mais rápido com
o refrigerante, por isso que o gelo quando colocado no refrigerante
vai derretendo. Assim, a medida que esse derrete, quer dizer que
há troca de calor e então o gelo vai esquentando e o refrigerante
vai esfriando. Ao contrário da bola de gude, que vai ganhar calor
com menos facilidade e rapidez que o gelo (15)
A proposta do gelo é a mais eficiente, pois se colocarmos as
bolinhas de gude no refrigerante, o equilíbrio térmico será superior
a 0ºC, pois as bolinhas não permanecem numa mesma
temperatura, podem variar muito pouco e rapidamente pois tem um
calor específico muito baixo. O gelo em fusão permanece a 0ºC
até fundir-se portanto, será necessário mais calor para faze-lo
atingir uma temperatura acima de 0ºC (fundindo-se totalmente).
(14).
O que acontece é que o gelo, tendo o ponto de fusão a 0ºC vai
manter sua temperatura e o refrigerante vai permanecer gelado. A bolinha
de gude não vai entrar em fusão, portanto sua temperatura vai aumentar
quando ela entrar em contato com um corpo mais quente (guaraná) (22).
114
ANEXO III
ANÁLISE DAS RESPOSTAS ÀS QUESTÕES DE ELETRICIDADE
3º ano do Ensino Médio Turma A Aluno Compreensão
numérica: questão 1
a) força; b) aceleração
Compreensão algébrica: questão
2 a) aceleração b) velocidade
Compreensão conceitual: questão 3
a) trajetórias diferentes; b) tipo de movimento; c) maior aceleração.
1 a) erro em contas a) (1) a) carga b) - b) (2) (3) b) MUV
c) 1, pq maior d, maior E, maior aceleração
2 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (2) (1+) b) MUV
c) 1, pq força maior 3 a) acerto a) - a) carga
b) acerto b) (3) (4) b) acelerado c) 1, pq menor massa
4 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (1+) b) acelerado
c) 3, menor massa, maior a 5 a) acerto a) (1) a) carga
b) acerto b) (3) (4) b) MUV + lançamento horizontal c) 1, pq vai mais longe
6 a) - a) (1) a) carga b) - b) (1+) b) acelerado
c) - 7 a) erro em contas a) (1) a) carga
b) multiplicou e não dividiu
b) (3) (4) b) acelerado
c) 1, cargas neg. com vel. Grande 8 a) acerto a) (1) a) carga
b) acerto b) (2) (3) (4) b) - c) 1, d maior em t menor
9 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (2) (3) (4) b) -
c) 3, sem força de resistência
115
Questão 1 Questão 2 Questão 3
10 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (3) (4) b) movimento hiperbólico
c) igual para todos
11 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (2) e se perde b) acelerado
c) igual para todos
12 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) - b) retilíneo uniforme
c) igual 13 a) acerto a) (1) a) carga
b) acerto b) (2) (3) (4) b) movimento horizontal e cai c) 1, menor massa
14 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (3) (4) b) -
c) 3 15 a) acerto a) (1) a) carga
b) acerto b) (3) (4) b) acelerado c) aquela que tiver menor massa
16 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) - b) movimento curvilíneo
c) 1, pois qto. maior d, maior acel. 17 a) acerto a) (1) a) carga
b) acerto b) (2) (3) (4) b) acelerado c) 3 pq atuam no mesmo sent. P e Fel
18 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (3) (4) b) lançamento horizontal
c) - 19 a) acerto a) (1) a) carga
b) acerto b) (3) (4) b) - c) 3, pq tem a força do campo a favor
20 a) acerto a) (1) a) acelerações diferentes b) acerto b) (3) (4) b) MUV
c) 1, pq tem traj. mais curva 21 a) acerto a) (1) a) carga
b) acerto b) (1+) b) MCU c) 1, pq tem menor massa
22 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (3) (4) b) MUV
c) 3, pq resultante é maior
116
Questão 1 Questão 2 Questão 3 23 a) acerto a) - a) carga
b) erro em potência b) - b) MUV c) 1, d maior em mesmo t
24 a) acerto a) (1) a) carga b) erro em potência b) - b) MCUV
c) 3, pq atuam P e Fel
25 a) acerto a) (1) a) carga b) erro em
transposiçao de dados
b) (3) (4) b) MU
c) a que tiver menor massa
26 a) acerto a) - a) carga b) acerto b) - b) semi-parábola
c) 1, pq tem a maior trajetória 27
a) acerto a) - a) carga b) acerto b) - b) MUV
c) 1 e 3 pq têm mesma carga. 28 a) - a) - a) carga
b) - b) - b) acelerado c) 1, pq além de ser repelida pela
placa B é atraída pela placa A 29 a) acerto a) (1) a) carga
b) erro em potência b) (1+) b) MUV c) 1, pq o campo da placa + é o mais
forte 30 a) acerto a) (1) a) carga
b) acerto b) (3) (4) b) MUV retardado c) 1, pois tem menor massa
31 a) - a) (1) a) carga b) - b) (1+) b) MUV acelerado
c) 1, d maior em t igual
117
Legenda da questão 2
(1) cálculo de a = q. E/m
(2) expressão para v : d = a. t2/2 e v = a. t
(3) v = a ad /2 ou v = da2 ou v2 = 2 d a
(4) v = mdqE /2
(1+) quando: v = a . t = q . E . t / m
118
ANEXO III ANÁLISE DAS RESPOSTAS ÀS QUESTÕES DE ELETRICIDADE
3º ano do Ensino Médio Turma B Aluno Compreensão
numérica: questão 1
a) força; b) aceleração
Compreensão algébrica: questão
2 a) aceleração b) velocidade
Compreensão conceitual: questão 3
a) trajetórias diferentes; b) tipo de movimento; c) maior aceleração.
1 a) erro em contas a) (1) a) carga b) - b) (3) (4) b) MUV + lançamento horizontal
c) 1 e 3, pq 2 não tem aceleração 2 a) - a) - a) carga
b) - b) - b) movim. curvilíneo unif. Acelerado c) acelerações iguais
3 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (3) (4) b) acelerado
c) 1, pq d é maior para o mesmo t 4 a) - a) (1) a) carga
b) - b) - b) movimento oblíquo c) 2
5 a) - a) - a) carga b) - b) - b) lançamento vertical
c) 3 pq realiza uma “queda” 6 a) acerto a) (1) a) carga
b) acerto b) (3) (4) b) lançamento horizontal c) 1, pq d é maior para o mesmo t
7 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (3) (4) b) lançamento horizontal
c) acelerações iguais 8 a) acerto a) (1) a) carga
b) acerto b) (3) (4) b) lançamento horizontal c) 1, pq d é maior para o mesmo t
9 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (3) (4) b) MUV
c) 1 porque a força nela é maior 10 a) - a) (1) a) carga
b) - b) (1+) b) MRU c) 1, pq tem maior carga
119
Questão 1 Questão 2 Questão 3 11 a) acerto a) (1) a) carga
b) acerto b) (3) (4) b) lançamento horizontal
c) 1, pq está a favor do campo
12 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (3) (4) b) lançamento horizontal
c) 3, pq Fr = Fel + P 13 a) acerto a) (1) a) carga
b) acerto b) (3) (4) b) lançamento horizontal c) a1 = a3
14 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (3) (4) b) movimento curvilíneo acelerado
c) 1, por alcançar maior distância 15 a) - a) - a) carga
b) - b) - b) MRUV c) 3 pq está descendo
16 a) acerto a) (1) a) carga b) - b) (3) (4) b) lançamento horizontal
c) 1 e 3 pq estão sujeitos a força elétrica
17 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (3) (4) b) MUV
c) é a de menor massa 18 a) acerto a) (1) a) carga
b) acerto b) - b) lançamento oblíquo c) 1, pq é a aceleração que faz
movimento oblíquo 19 a) - a) - a) carga
b) - b) - b) MRU c) 1 pq sua força resultante é maior
20 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (2) (3) (4) b) MUV
c) 3 pq está sujeita a mais forças 21 a) - a) (1) a) carga
b) - b) (2) (3) b) queda livre c) 1, pq d é maior para o mesmo t
22 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (2) (3) (4) b) MUV
c) iguais pq estão sob a mesma força elétrica
120
Questão 1 Questão 2 Questão 3
23 a) - a) (1) a) carga b) acerto b) (3) b) MCU
c) 1, pq é a que mais desvia 24
a) - a) (1) com –q a) - b) - b) (3) (4) com –q b) lançamento oblique
c) acelerações iguais 25
a) acerto a) (1) a) carga
b) acerto b) (1+) b) MUV
c) acelerações iguais
26 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (3) (4) com –q b) movimento retardado
c) 3, pq está caindo 27
a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (3) (4) b) MUV
c) acelerações iguais pois estão sujeitas a mesma força
28 a) acerto com erro em potência
a) (1) a) carga
b) acerto com erro na potência
b) (3) (4) b) MUV
c) 3, pq o campo atua no sentido do movimento
Legenda da questão 2
(1)cálculo de a = q. E/m
(2)expressão para v : d = a. t2/2 e v = a. t
(3) v = a ad /2 ou v = da2 ou v2 = 2 d a
(4) v = mdqE /2
(1+) quando: v = a . t = q . E . t/ m
121
ANEXO IV ELEMENTOS IDENTIFICADOS NA ANÁLISE DOS LIVROS DIDÁTICOS Apresentamos, a seguir, os diversos elementos identificados na
análise dos dois livros didáticos selecionados, a partir dos quais foi possível
estabelecer as considerações comparativas discutidas no texto do capítulo III.
Segue-se a mesma estrutura proposta no texto.
I. Aspectos relativos à estrutura dos livros analisados.
II. Em relação ao desenvolvimento do conceito de campo elétrico.
III. Em relação ao desenvolvimento dos conceitos de calor e mudança
de estado.
IV. Exercícios propostos e resolvidos.
I. Aspectos relativos à estrutura dos livros analisados
Estrutura geral do volume 2 dos livros A e B Curso de Física – Livro A
Volume 2
Leis da conservação – 1 capítulo (29 pag)
Termologia – 4 capítulos (145 pag)
Óptica – 2 capítulos (90 pag)
Ondulatória – 2 capítulos (64 pag)
Questões de vestibular – 168 questões Tabelas – funções trigonométricas Principais constantes físicas
Fundamentos da Física – Livro B
Volume 2
Termologia – 9 capítulos (172 pag)
Óptica – 5 capítulos (142 pag)
Ondulatória – 4 capítulos (116 pag) Apêndice – Unidades do Sistema Internacional Índice Remissivo
122
Estrutura geral do Volume 3 dos livros A e B Curso de Física – Livro A
Volume 3
Eletrostática – 3 capítulos (100 pag)
Eletrodinâmica – 2 capítulos (100 pag)
Eletromagnetismo – 4 capítulos (160 pag)
Nova Física – 1 capítulo (10 pag)
Questões de vestibular – 212 questões Questões sobre física moderna – 20 questões Tabelas – funções trigonométricas Principais constantes físicas
Fundamentos da Física – Livro B
Volume 3
Eletrostática – 4 capítulos (100 pag)
Eletrodinâmica – 8 capítulos (100 pag)
Eletromagnetismo – 5 capítulos (100 pag)
Física Moderna – 3 capítulos (40 pag)
Análise Dimensional – 1 capítulo (6 pag) Apêndice – Unidades do Sistema Internacional
Índice Remissivo Considerações sobre a estrutura
• Livro A
A organização geral dos assuntos, no livro A, não difere muito de um
tipo clássico: volume 1 com os conteúdos de mecânica, volume 2 com
termologia, óptica e ondas e volume 3 com eletricidade.
Nos três volumes é mantida uma mesma estrutura. Cada capítulo é
dividido em uma série de secções, que variam de número de acordo com a
temática. Cada secção está dividida em vários pequenos blocos sendo que,
eventualmente, o último bloco da secção é uma série de comentários, nos
quais são avaliados os efeitos daquela teoria ou daqueles conceitos em
situações do cotidiano ou onde é necessário maior aprofundamento teórico. A
linguagem utilizada é simples, porém precisa e o capítulo começa com uma
exposição teórica apresentando os conceitos associados a alguns dados da
123
realidade ou do cotidiano, visando nitidamente à aquisição, por parte do
aluno, de uma concepção e linguagem, condizentes com a percepção de
saber físico dos autores. Somente após a exposição qualitativa, essa
construção receberá uma formulação matemática. Nas descrições há
significativa utilização de figuras, geralmente desenhos e fotografias, ligadas
ao assunto.
Em vários momentos aproveita-se para expor o significado cognitivo
de uma teoria como uma verdade que tem um campo de validade definido.
Outro fato notável são as figuras que acompanham o texto e que estão
diretamente ligadas aos assuntos. (Wuo, 2000, p. 61)
Os tópicos são seguidos de exercícios de fixação, questionários
simples, de abordagem qualitativa e nos quais é feito um passo a passo do
conhecimento desenvolvido na secção. Na maior parte deles a formulação
matemática não é o destaque, pois segundo os autores a idéia desses
exercícios é sedimentar o conhecimento em estudo para incentivar o aluno a
prosseguir em outras atividades, concretizando as idéias básicas
apresentadas (Alvarenga e Máximo, 2000, ...) .
Quase ao fim do capítulo é apresentada a ultima secção chamada de
Tópico Especial. Trata-se de um texto que amplia e aprofunda os conceitos
desenvolvidos no capítulo. São abordadas, geralmente, aplicações
tecnológicas mais modernas ou são apresentados aspectos históricos
relacionados aos temas aprendidos ou, ainda, são mostradas curiosidades
relacionadas ao conhecimento desenvolvido. Há ainda as chamadas
questões de revisão cujo objetivo é fazer com que o estudante adquirira,
depois de respondê-las, uma noção da unidade do conhecimento
desenvolvido no capítulo, utilizando-se como referência o texto.
Algumas atividades experimentais simples são sugeridas. Não
requerem materiais sofisticados para seu desenvolvimento.
Por último, fechando cada um dos capítulos, estão os problemas e
testes e os problemas suplementares. Apresentam-se situações mais
sofisticadas e que exigem mais do estudante. A maioria desses problemas
não trabalha apenas com relações puramente matemáticas, mas
124
problematiza situações do cotidiano ou de interesse mais amplo tanto para a
Física quanto para o aluno.
Neste trabalho, interessa-nos particularmente os volumes 2 e 3 que
contém na seqüência: leis da conservação, termologia, óptica e ondas;
eletrostática, eletrodinâmica, eletromagnetismo e uma unidade denominada
física nova. Especificamente vamos nos deter nos capítulos 12 e 13 de títulos
Primeira Lei da Termodinâmica (com 7 secções) e Mudança de fase (com 6
secções), contidos nas unidades reservadas ao calor, e nas unidades de
eletrostática, ao capítulo 18 de título Campo elétrico, dividido em 5 secções,
sendo a última, o Tópico Especial que trata da rigidez dielétrica-poder das
pontas.
Livro A - Volume 2
125
Livro A - Volume 3
Cada secção do capítulo está dividida em pequenos blocos. Na secção
sobre campo elétrico os quatro blocos de teoria são: o que se entende por
campo elétrico; comentários; o vetor campo elétrico; movimento de cargas
em um campo elétrico. Essa subdivisão em pequenos blocos se repete em
todas as secções. Em todos os finais de secção são propostos exercícios e
encerrando a parte teórica do capítulo, aparece o Tópico Especial sobre
rigidez dielétrica e poder das pontas. Há ainda uma bateria de questões
formuladas com o objetivo de revisar a matéria e duas atividades
experimentais simples.
São 30 os problemas e testes propostos e 12 os problemas
suplementares.
Nos capítulos referentes ao calor, as secções que interessam a esse
trabalho contém quase sempre 4 blocos de teoria. Analisaremos o papel da
matemática na construção do saber físico nas seguintes secções: o calor
como energia; capacidade térmica e calor especifico; sólidos, líquidos e
gases; fusão e solidificação; vaporização e condensação. Assim como no
volume 3, invariavelmente, ao término de cada secção de teoria são
propostos exercícios de fixação. No final de cada um dos capítulos
estudados, há uma série de questões de revisão, atividades experimentais
simples, seguidos de um bloco de problemas e testes e finalmente um
conjunto dos chamados problemas suplementares.
Vale dizer que para o livro A, o conceito de calor e suas relações sem
mudança de estado pertencem a um grande capítulo 12 (34 páginas)
denominado 1ª Lei da Termodinâmica que contém, além das secções citadas
e que serão objetos desse trabalho, todos os conteúdos relativos à
126
termodinâmica, incluindo maquinas térmicas. Ressalte-se que esta é uma
disposição não usual em livros de ensino médio que preferem apresentar a
unidade de termodinâmica separadamente.
O capítulo 13, sobre mudanças de fases, também traz um assunto
que não costuma estar presente nessas descrições em outros manuais.
Trata-se da secção comportamento de um gás real que apresenta, inclusive,
a expressão algébrica para a umidade relativa do ar.
• Livro B
A estrutura geral do livro B é semelhante a adotada no livro A. São três
volumes que apresentam, na ordem, mecânica, termologia, óptica e ondas e
no
último volume, eletricidade e uma introdução à física moderna. A distribuição
do conteúdo se dá por capítulos. Em cada um deles, o início se dá com a
listagem dos itens que serão contemplados no capítulo ao lado de um box
que contém uma descrição sucinta do conteúdo que será tratado.
Inicialmente, para cada item, há uma exposição teórica onde os
conceitos são apresentados. Nessa descrição há significativa utilização de
figuras, geralmente desenhos e fotografias. Posteriormente há um conjunto
de exercícios resolvidos relacionados ao conteúdo do item e, em seguida,
uma série de exercícios propostos, sendo a maioria, de resolução semelhante
aos resolvidos. Alem disso, são propostos exercícios chamados de
recapitulação que têm grau de dificuldade mais elevado e pretendem fazer
127
uma síntese e uma revisão do conteúdo do capítulo. Encerrando o capítulo,
há uma série de testes propostos, ordenados de acordo com a exposição da
teoria e cujo objetivo seria, segundo os autores, revisar a teoria estudada. Em
alguns casos, um texto sobre história da física, encerra o capítulo. No volume
3 estudado, um dos capítulos, mais precisamente o de número 13 ( campo
magnético), traz, ainda, os chamados exercícios especiais , que relacionam
o conteúdo do capítulo com outros já estudados.
Essa estrutura baseada na apresentação teórica, abordagem
conceitual quantitativa, figuras abstratas, exercícios resolvidos e exercícios
propostos semelhantes aos resolvidos se repete em todos os capítulos e em
todos os itens.
...este é o esquema que caracteriza as obras desse grupo: abordagem
conceitual resumida, com os pontos lógicos fundamentais e muitos
exercícios. Como já foi citado, o livro segue o modelo das apostilas dos
cursos pré-vestibular que visam preparar o aluno para a resolução de
problemas e testes. (Wuo, 2000, p.63)
No volume 3, o capítulo sobre campo elétrico, é dividido em 5 itens:
conceito de campo elétrico, campo elétrico de uma carga puntiforme fixa,
campo elétrico de várias cargas puntiformes fixas, linhas de força e campo
elétrico uniforme. Ao final da descrição do primeiro item, são resolvidos dois
exercícios e propostos outros dois. Essa estrutura se repete para os demais
itens – entre um a três exercícios resolvidos e entre um a quatro exercícios
propostos. No final do capítulo, são propostos 10 exercícios de recapitulação
e 20 testes retirados de vestibulares.
No volume 2, o capítulo 4 trata da Calorimetria e é dividido em 5 itens:
calor: energia térmica; calor sensível e latente; equação fundamental da
calorimetria; capacidade térmica de um corpo; trocas de calor, calorímetro. Já
o capítulo 5, que apresenta as mudanças de fase, é dividido em 4 itens:
considerações gerais; quantidade de calor latente; curva de aquecimento e
de resfriamento; o fenômeno da superfusão. A cada final de item são
resolvidos alguns exercícios e propostos outros. No final de cada um dos
128
capítulos, são propostos exercícios de recapitulação e uma bateria de testes
retirados de vestibulares.
Livro B Volume 2
Volume 3
II. Em relação ao desenvolvimento do conceito de campo elétrico
• No livro A
Como já dissemos o capítulo é dividido em 5 secções. Na secção
denominada O conceito de campo elétrico os dois primeiros blocos (o que se
entende por campo elétrico e comentários) privilegiam uma abordagem
qualitativa. Nesses blocos não há nenhuma menção a expressões algébricas.
129
No bloco comentários é utilizada uma analogia entre o campo elétrico e o
campo gravitacional. Na verdade, o conceito de campo é apresentado pelos
autores nesse trecho do livro. O campo gravitacional não havia sido
considerado como tal até que fosse definido o campo elétrico. Sendo assim, a
descrição do campo elétrico introduz a noção dos diversos campos
(gravitacional, de temperaturas, elétrico). O campo aparece como o
responsável pelas forças existentes em pontos do espaço ao redor do
gerador, seja ele uma carga, um ponto material, etc. As figuras utilizadas
acompanham a descrição conceitual e não sugerem nada matemático.
No terceiro bloco, o vetor campo elétrico, são apresentadas as
características do vetor campo elétrico. Seu módulo é definido como a razão
entre a força aplicada, Fr
, sobre uma carga de prova q em um ponto qualquer
no espaço ao redor da geradora Q e a intensidade da carga elétrica q. A
direção e o sentido do vetor campo elétrico, Er
, é definida e explicada através
130
de exemplos que utilizam figuras para serem compreendidos. Essa descrição
não é numérica e se dá em, aproximadamente, uma página de texto. Ao final
desse bloco, um quadro resume o que foi dito, apresentando a expressão
algébrica para Er
, além da convenção para a direção e sentido do vetor.
No próximo bloco é descrito qualitativamente o que ocorre quando
cargas de prova positivas ou negativas ficam sob a ação de um campo
elétrico qualquer. Os deslocamentos das cargas de prova são analisados e
um quadro conclui que estes se darão no sentido do campo se a carga de
prova for positiva e no sentido contrário ao do campo, caso seja negativa. O
conjunto de três blocos é finalizado com um exemplo numérico comentado.
É possível notar que ao longo do capítulo os autores enfatizam os
princípios gerais, reduzindo o numero de informações muito específicas e que
poderiam dificultar a aprendizagem e desviar a atenção do que de fato é
fundamental. Isso parece estar de acordo com as ponderações que constam
do prefácio do manual do professor do volume 3 onde lê-se:
Temos observado, nos cursos de física do ensino médio, uma
excessiva preocupação com o formalismo, isto é, esta disciplina vem sendo
apresentada com uma estrutura muito semelhante à da matemática: os
princípios físicos são “postulados”, suas conseqüências são “teoremas” e
suas aplicações se restringem à solução de “problemas numéricos”. Este
modo de apresentar a fisica transmite ao estudante deste nível uma visão
deformada desta ciência, uma vez que ela não foi, e continua não sendo,
estruturada e desenvolvida daquela maneira. (Alvarenga e Máximo, 2000,
p.4)
131
É importante salientar que não existem exemplos do cotidiano
associados a conceituação de campo elétrico, todavia o texto lança mão de
uma analogia concreta e macroscópica em relação ao campo gravitacional,
o que por si só é algo mais próximo do mundo vivencial do aluno.
A próxima secção chama-se: Campo elétrico criado por cargas
puntuais e está dividida em 4 blocos de teoria. A dedução do campo como E
= 2dQko é feita utilizando-se a lei de Coulomb e a expressão do campo da
secção anterior. No bloco de comentários, chama-se a atenção do estudante
para o fato de que a carga de prova q não aparece na expressão, concluindo-
se que o campo elétrico não depende dela; comenta-se a proporcionalidade
entre a intensidade de E e o valor de Q, apresentando-se o gráfico E X Q.;
explica-se a proporcionalidade inversa com o quadrado da distância entre Q e
o ponto onde se quer determinar o campo elétrico, apresentando-se o gráfico
E X d.
O próximo bloco trata do campo de várias cargas puntuais como a
soma vetorial dos vários campos produzidos separadamente por cargas
diversas. Para encerrar a secção descreve-se como é o campo de uma
esfera. O bloco trata somente do campo em pontos exteriores à esfera. A
análise, apesar de simples aponta para o procedimento adotado no cálculo
diferencial integral, na medida em que considera que a carga total na esfera
seria constituída de cargas elementares (puntuais) que criariam campos
elementares que somados resultariam no campo criado por uma distribuição
contínua de cargas em uma esfera. Esta associação é feita utilizando-se
somente da expressão já apresentada para o campo elétrico ( E = 2dQko ) .
Na próxima secção é desenvolvida a noção de linhas de força. Os
blocos são: o que são linhas de força, comentários, campo elétrico uniforme.
São três páginas de texto entremeadas com figuras e um box. Nesses blocos
a abordagem é apenas qualitativa e descreve a importância das linhas de
força como representativas do campo tal como desejava Faraday, objeto de
uma pequena biografia em um box no primeiro bloco. Há nessa secção dois
132
quadros resumos. Em um deles resume-se a utilidade das linhas de força
para a determinação da direção e do sentido do campo em um ponto, além
de possibilitar obter informações sobre o módulo do vetor campo elétrico a
partir da proximidade entre elas. Em outro há a definição de campo elétrico
uniforme. A secção tem muitas figuras e uma foto que mostra o mapeamento
das linhas de força do campo elétrico existente entre duas placas eletrizadas
com cargas de sinais contrários.
Esta obra proporciona uma visão das múltiplas faces da ciência em
geral e particularmente da física. Apresenta a construção histórica da física, o
desenvolvimento de suas idéias, traços do pensamento e personalidade dos
cientista, aspectos sociais e econômicos que, de uma forma mais direta,
estão ou estiveram mais ligados à física. (Wuo, 2000, p. 84)
A última secção antes do tópico especial chama-se Comportamento de
um condutor eletrizado e está dividida em 3 blocos: a carga se distribui na
superfície do condutor; campo no interior e na superfície do condutor;
blindagem eletrostática.
Trata-se, novamente de abordagem apenas qualitativa, feita em,
aproximadamente, 3 páginas. Nos dois primeiros blocos há a descrição dos
fenômenos através de texto e figuras e um quadro resumo em cada um dos
blocos. No bloco sobre blindagem eletrostática explica-se a gaiola de Faraday
e associa-se o fenômeno a eventos do cotidiano, utilizando-se fotos da queda
de raios em automóveis ou da blindagem dos fios internos de cabos coaxiais
133
Encerrando a parte teórica do capítulo, aparece o Tópico Especial
sobre Rigidez dielétrica e poder das pontas. A leitura privilegia aspectos dos
conceitos que são próximos do universo dos alunos. São descritos os
fenômenos envolvidos na formação de raios e de trovões, o poder das pontas
e como funcionam os pára-raios.
Ao se terminar a leitura do capítulo, é
possível perceber uma abordagem do
conceito de campo elétrico que se dá
primeiramente pela aproximação do
estudante daquilo que é fundamental para o
entendimento do conceito, traduzindo-o, na
medida do possível, primeiramente em
134
termos de idéias para só depois, aproximar-se da expressão algébrica. Há
uma tentativa bastante perceptível do texto em manter um equilíbrio em
relação aos aspectos quantitativos e qualitativos.
• No livro B
O capítulo sobre o título Campo Elétrico do livro B, como já dito, divide-
se em 5 itens: conceito de campo elétrico, campo elétrico de uma carga
puntiforme fixa, campo elétrico de várias cargas puntiformes fixas, linhas de
força e campo elétrico uniforme. No box, ao lado desta lista, é apresentada a
descrição do que será estudado:
Neste capítulo, apresentamos o conceito de campo elétrico e
analisamos aqueles originados por uma carga elétrica puntiforme e por
diversas cargas. Conceituamos linhas de força e campo elétrico uniforme. Os
conceitos de campo e linhas de força foram introduzidos pelo cientista e
conferencista inglês Michael Faraday (Ramalho e outros, 2003, p. 33).
No item 1 que trata do conceito de campo elétrico, os autores utilizam
a idéia de modificação da região que envolve uma carga geradora de campo.
Ao se colocar uma carga de prova nessa região aparecerá uma força de
origem elétrica sobre ela. Algumas figuras representam as forças sobre a
carga de prova.
O texto segue apresentando uma analogia entre o campo gravitacional
e o campo elétrico que visa caracterizar este último. Essa analogia é feita por
meio da equação vetorial Pr
= m . gr , ressaltando o fator escalar (m) e o fator
vetorial gr . Para o campo elétrico, então, deve-se associar, segundo o texto,
135
um fator escalar análogo a m, representado pela carga de prova q e um fator
vetorial análogo a gr , representado pelo campo elétrico. Dessa analogia
algébrica, surge eFr
= q . Er
. Também da Matemática extraem-se os sentidos
de eFr
e Er
, mais precisamente da definição de produto entre um número real
e um vetor onde para q > 0, Er
e eFr
devem ter mesmo sentido e se q < 0, eFr
e Er
devem ter sentidos opostos. É apresentada uma figura, representando
os vetores e seus sentidos concordantes ou discordantes. Definida a
expressão, o texto conclui, por meio dela, que a unidade é N/C, no S.I.
Seguem-se dois exercícios resolvidos e outros dois propostos.
No item seguinte, que trata do campo elétrico de uma carga puntiforme
fixa, a idéia se repete. A teoria é desenvolvida centrada na abordagem
quantitativa. A dedução da intensidade do campo gerado por uma carga
puntiforme Q fixa, é feita a partir da lei de Coulomb igualando-se esta à
força elétrica definida no item anterior.
136
Algumas figuras são utilizadas e as caracterizações dos campos
elétricos como sendo de afastamento ou de aproximação dependendo do
sinal da carga geradora desse campo são apresentados e as conclusões
colocadas em quadros que se parecem com um box- lembrete.
Ao final deste item, é resolvido um exercício e proposto outro.
137
Essa estrutura baseada na apresentação teórica, abordagem
conceitual quantitativa, figuras abstratas, exercícios resolvidos e exercícios
propostos se repete em todos os itens. Percebe-se que a característica
marcante da obra, expressa nesse capítulo, é uma exposição lógica e sucinta
das referências teóricas, sem a preocupação em se deter no conteúdo de
realidade de um conceito.
No final do capítulo, são apresentadas fotos das linhas de força dos
campos elétricos originados por uma carga elétrica puntiforme isolada obtidas
com fiapos de tecidos suspensos em óleo, onde cada fiapo torna-se um
dipolo que se orienta na direção do vetor campo elétrico. Nenhuma referência
de como ou onde essas situações tiveram lugar aparece no texto.
III. Em relação ao desenvolvimento dos conceitos relacionados ao
calor e mudança de estado
• Livro A
O livro A apresenta o conceito de calor como forma de energia em
uma secção dividida em 4 pequenos blocos. Nesses blocos são discutidas as
idéias que transformaram a substância calor, conhecida como calórico, em
uma das tantas formas de energia. Os autores dispensam a matemática
nessa secção. O intuito, segundo o descrito no manual destinado ao
professor, é enfatizar a necessidade da precisão no uso do termo calor,
caracterizando-o como grandeza física e chamando a atenção para o fato de
que os alunos não devem usar a idéia de frio como grandeza que se opõe ao
calor.
É evidente a intenção de traçar um panorama histórico desde a idéia
de calor da teoria do calórico até os trabalhos de Joule. Parte desse trajeto
pela história é descrito nessa secção e parte é apresentada em um texto no
final do capítulo onde se descreve com detalhes o aparelho e os trabalhos de
Joule para obter o “equivalente mecânico do calor”.
... é digna de nota a preocupação dos autores em remeter aos
pensadores envolvidos na criação dessas idéias, o que é feito no próprio
138
desenrolar do texto, contribuindo de forma significativa para a visão de
ciência como obra construída no transcurso da historia humana e não algo
nascido pronto e acabado (Wuo, 2000, p. 61).
A matemática aparece na próxima secção onde a capacidade térmica
e o calor específico são definidos a partir de situações de aquecimento em
que são apresentadas diferentes massas de uma mesma substância. Após a
obtenção da fórmula, o texto indica como deve ser lido determinado resultado
numérico em uma perspectiva que aponta para o significado físico do valor
encontrado. Por exemplo, o que representa, do ponto de vista físico, um
corpo ter capacidade térmica 5 cal/oC ou o que indica um corpo que tem
essa grandeza maior do que outro. O mesmo desenvolvimento é usado na
idéia de calor específico, sendo que, nesse bloco, há um quadro que
descreve as relações entre o calor específico e o ambiente, por exemplo, na
praia, entre a areia e a água do mar. Além disso, uma tabela dos calores
específicos de diversas substâncias ajuda o bloco comentários a explicitar o
que significam os valores distintos para, por exemplo, a água e o gelo ou para
o alumínio e o chumbo.
O próximo bloco apresenta, a partir das expressões de capacidade
térmica e calor específico, a equação da calorimetria Q = m. c. ∆t.
Nota-se nessas secções do livro A uma tentativa dos autores em
concretizar as idéias básicas apresentadas. Os conceitos são abordados em
ângulos diversos, sugerindo uma busca por uma captação mais intuitiva e
mais profunda do significado conceitual. Constata-se isso, sobretudo, quando
a equação da calorimetria é apresentada pela via das relações entre as
grandezas, estabelecidas, em princípio, conceitualmente.
Esse modo de entender o papel da matemática parece estar de acordo
com a perspectiva realista discutida por Matos e Terrazina (1996) em seu
texto Didáctica da Matemática onde compreendem matematizar como uma
atividade estruturante e organizativa pela qual conhecimentos e capacidades
são chamados para serem explorados. Desse ponto de vista, a matemática
introduzida pelo livro A ao final da secção está inserida em um processo
dinâmico onde para se entender a equação é necessário estabelecer-se a
organização conceitual da situação problema.
139
No capítulo 13, sobre mudanças de fase essa impressão se reafirma.
Nas secções que interessam a esse trabalho, são aproximadamente 11
páginas onde praticamente só são discutidos conceitos. Começa-se
descrevendo os três estados da matéria, utilizando-se exemplos e
apresentando exceções tais como o vidro ou os cristais líquidos e suas
aplicações em LCD. Em seguida são apresentadas as mudanças de fase.
Cada uma delas é descrita em seu aspecto microscópico e são apresentadas
as leis de mudança de estado aplicadas a cada uma delas. Na secção sobre
vaporização e condensação a evaporação também é discutida, assim como
os fatores que a influenciam.
Nas secções analisadas, foram inseridos e discutidos no decorrer do
texto, os significados físicos dos valores encontrados nas tabelas dos calores
latentes de algumas substâncias e suas temperaturas de mudança de estado.
Ao final da secção fusão e solidificação assim como da secção vaporização e
condensação um exemplo numérico é apresentado. São exemplos simples
onde o que se quer é obter a quantidade de calor necessária para que, por
exemplo, 20 g de gelo a 0oC, transformem-se em vapor d’água,
superaquecido, a 200oC. Não são, no entanto, problemas onde o contexto é
privilegiado e, portanto, parecem romper com o texto, em sua proposta de
concretizar, aproximando-se de uma visão mecanicista do papel da
matemática onde esse tipo de problematização tem lugar.
140
Prevalece no decorrer das secções, o uso adequado e elucidativo de
figuras. Percebe-se um cuidado significativo em estabelecer com o estudante
uma linguagem que denote proximidade didática, tal qual uma aula,
preservando-se a precisão dos termos e significados.
141
Livro B
O capítulo 4 chama-se A medida do calor – Calorimetria e é dividido
em 5 itens. No primeiro deles há a definição de calor. Essa apresentação do
conceito é feita usando-se de uma abstração tal qual se segue:
Considere dois corpos A e B em diferentes temperaturas, θA e θB, , tais
que θA > θB, (fig. 1a). Colocando-os um em presença do outro, verifica-se
que a energia térmica é transferida de A para B. Essa energia térmica em
trânsito é denominada calor (grifos do autor) (Ramalho e outros, 2003, vol 2,
p. 47).
Apesar da precisão de linguagem se sobressair na definição, parece
importante observar o distanciamento da consideração utilizada pelos
autores na definição, relativa a dois corpos A e B, descontextualizada de
uma situação experimental ou mesmo vivencial do aluno e vinculada a uma
sentença algébrica (θA > θB) .
Essa escolha da matemática como linguagem que dá forma e apóia
uma definição parece estar associada a uma tendência dos autores em
considerar a matemática aquilo que dá confiabilidade a uma definição ou a
uma apresentação de equação. Sendo assim, a sentença matemática é
considerada explicativa na medida em que parece ser intenção dos autores
que os alunos adquiram o domínio da matemática como linguagem para
poderem resolver melhor os exercícios propostos. Os exemplos durante o
texto seguem essa linha. Incumbem a matemática da função elucidativa e da
tarefa de trazer a equação para mais próximo do aluno. Isso pode ser
verificado na dedução da equação fundamental da calorimetria. O calor
específico é apresentado como o fator de proporcionalidade da equação e,
por isso, característico do material. Seu significado é discutido somente do
ponto de vista numérico e dimensional. Sua relação com o cotidiano não é
abordada.
142
No próximo item os autores definem a capacidade térmica e para
discutir seu significado físico, apresentam como exemplo as fagulhas de um
esmeril que apesar de estarem a uma alta temperatura, não queimam a pele
do operador porque têm pequena capacidade térmica. Novamente, o
exemplo é distante do cotidiano da maior parte dos alunos e não há ao
menos uma figura que ilustre a situação desconhecida.
Já no final do capítulo, o texto apresenta como se dão as trocas de
calor em recipientes termicamente isolados, mostrando o esquema de um
calorímetro cortado de modo que seus componentes apareçam. Nesse item,
as figuras são explicativas, mas os exemplos continuam formalistas. Um texto
sobre as calorias dos alimentos finaliza o capítulo. Nesse artigo é explicado o
que é a caloria alimentar (Cal), assunto de interesse de grande parte dos
alunos. A associação é interessante e colocada adequadamente no final do
143
capítulo em uma tentativa de relacionar o conhecimento físico adquirido a
outros aspectos que não só os quantitativos.
A última página do capítulo apresenta um item denominado Historia da
Física que trata da evolução do conceito de calor desde os gregos até
Clausius. A abordagem é factual e desvinculada do texto teórico.
O capítulo 5 trata das mudanças de fase e o faz em 4 itens. No
primeiro item são feitas considerações gerais sobre as fases que uma
substância pode apresentar e como é a disposição molecular em cada uma
delas além de explicar porque e quando ocorre a mudança de fase. Esses
aspectos são discutidos de modo qualitativo em um texto curto, de grande
objetividade. Os exemplos relacionados a aplicações mais próximas dos
alunos estão descritos somente na legenda das três figuras que encerram o
item.
No próximo item, sobre calor latente, é apresentada a equação de
mudança de estado, além dos valores dos calores latentes e temperatura de
mudança de estado para a água, o gelo e o vapor. O item é curto e as
explicações são concisas e diretivas.
144
O item seguinte, sobre curvas de aquecimento e de resfriamento,
apresenta duas curvas a partir de um exemplo que acompanha a variação de
temperatura de um bloco de gelo inicialmente a 20oC e sua transformação em
vapor a mais de 100oC e depois o processo inverso, o resfriamento. Não são
calculadas as quantidades de calor o que favorece a compreensão do que é
proposto no item, ou seja, estabelecer o conjunto de retas obtido em uma
curva de aquecimento ou de resfriamento. Note-se que a abordagem é
quantitativa e a exposição não relaciona o conteúdo do item ao descrito em
item anterior. Não se explica o significado dos “patamares” ou mesmo da
razão que explica a diferença nas inclinações das retas A e C da figura 5.
145
IV. Exercícios propostos e resolvidos
• Livro A O primeiro exemplo numérico do capítulo sobre campo elétrico aparece
quando o conjunto de três blocos de teoria é finalizado. A resolução da
situação do exemplo faz uso da expressão algébrica para Er
, além da
aplicação da regra definida para o sentido do vetor. Nota-se que é uma
resolução comentada, ou seja, chama-se a atenção do aluno para aspectos
que os autores julgam relevantes. Tão logo o exemplo é descrito é proposto
ao estudante que responda 5 exercícios de fixação.
146
Observa-se que três deles são de abordagem conceitual e os outros
dois, com itens a e b, fazem uso da expressão do campo elétrico em um dos
itens.
Esta proposta se repete ao longo dos blocos que compõe o capítulo.
Tão logo os exemplos comentados são oferecidos, sobrevêm os exercícios
de fixação que em sua maioria evocam situações concretas onde se
privilegia o aspecto qualitativo. Juntam-se a estes, outros, em menor número,
de ênfase quantitativa, onde se apresentam situações que repetem as
descritas no exemplo ou onde a resolução supõe uma aplicação mais direta
da fórmula.
147
No final dos itens do capítulo, na secção Revisão são formuladas 10
questões de abordagem qualitativa que devem ser respondidas, segundo os
autores, voltando-se ao texto, caso haja dúvidas. São questões simples e ao
respondê-las o aluno passa a ter um resumo descritivo dos tópicos
abordados no capítulo, incluindo as expressões matemáticas nele
desenvolvidas.
148
Ao finalizar o capítulo uma bateria de 30 problemas e testes é
proposta. Além deles, são sugeridos mais 12 problemas suplementares. Em
todos eles percebe-se a preocupação em contextualizar as situações
descritas, descrevendo as mais abstratas por meio de um texto mais longo ou
de figuras.
A proposta didática de exercícios é a mesma nos dois capítulos sobre
calor. Ao fim das primeiras secções de teoria dos capítulos 12 e 13, os
exercícios de fixação abordam situações das quais se esperam análises
qualitativas relacionadas aos conceitos de equilíbrio térmico, calor como
149
energia de transferência, a transformação de energia mecânica em calor,
fases e mudança de estado de uma substância. Nas secções seguintes, são
propostos os exercícios chamados de fixação, sempre, também, no final de
cada uma delas. Assim como no volume 3, os exercícios são em sua maioria
de aplicação conceitual. É possível se reconhecer, em alguns exercícios, uma
tentativa de utilizar a matemática como o agente facilitador de uma
compreensão mais profunda dos conceitos, ou seja, aquilo que contribui para
induzir visões distintas de um mesmo conceito.
Ao final dos capítulos 12 e 13 são propostas 10 questões de revisão
em cada um deles. Em seguida, é indicada uma seqüência de 30 problemas
e testes em cada um dos dois capítulos. Além desses, uma lista de
problemas suplementares é sugerida. Vale ressaltar que nem todos esses
problemas se relacionam aos assuntos de interesse desse trabalho visto que
o capítulo 12, como já dito, além da calorimetria, contempla toda a
termodinâmica. O capítulo 13, por sua vez, traz, além dos aspectos de
mudança de fase aqui examinados, outros tais como a influência da pressão,
comportamento de um gás real e uma secção sobre sublimação e diagramas
de fases. No livro B esses conteúdos estão separados, em outros capítulos, o
que facilita nossa análise.
150
• Livro B
No livro B, logo após a apresentação do conceito de campo elétrico,
são resolvidos dois exercícios. O primeiro trata da aplicação imediata da
fórmula e da regra do sentido entre Er
e eFr
. O segundo, retrata uma situação
de equilíbrio entre eFr
e Pr
em formato de questão literal, pedindo que se
determine a carga de prova q. Nos dois exercícios propostos a seguir, fazem-
se aos alunos as mesmas solicitações com a diferença de que o exercício
sobre equilíbrio não é mais literal e sim numérico.
Parece evidente que a intenção dos autores é, originalmente, estimular
o aluno a transpor para a linguagem matemática o conceito aprendido, na
medida em que não só a definição de campo elétrico utiliza-se dessa
abordagem quantitativa, incluindo a analogia. Os exercícios posteriores à
formação do conceito, ou seja, aqueles que fazem parte dos outros itens
também fazem uso dessa estratégia de repetição de resoluções. Há que se
reconhecer nessa seqüência, uma tentativa de associar o saber físico à
destreza em se resolver exercícios, problemas e testes de vestibulares,
mantendo a coerência e reforçando, portanto, a proposta do livro que como já
dissemos é centradamente teórica e quantitativa.
Vale ressaltar que os exercícios de recapitulação são na sua grande
maioria extraídos de vestibulares, sendo assim um pouco mais criativos e
exigentes do ponto de vista do conceito, procurando desvincular as situações
propostas de um tratamento puramente matemático, sem, no entanto, dele
prescindir. Uma bateria de 20 testes propostos fecha o capítulo.
Em relação aos capítulos 4 e 5, sobre calor e mudança de estado, os
exercícios resolvidos encontram-se mais concentrados uma vez que
aparecem após a quase totalidade dos itens de teoria. São 3 exemplos no
capítulo 4 e 5 no capítulo 5. Não há, também nesses capítulos, nenhum
exercício que aborde somente a parte conceitual e em nenhum deles é
sugerida relações matemáticas envolvendo os aspectos fenomenológicos dos
conceitos e não suas aplicações formais.
151
Os exercícios propostos reforçam os resolvidos, sendo do mesmo
nível de dificuldade e, em muitas das vezes repetição dos exemplos. Os
exercícios de recapitulação ampliam a abstração na medida em que as
relações pedidas são mais sofisticadas, sendo que alguns deles descrevem
situações reais, visto serem, na sua grande maioria retirados de vestibulares.
São 17 os testes propostos pelo capítulo 4 e 11 os do capítulo 5. Ainda no
capítulo 4, há um item especial que traz problemas aplicados em situações
em que há variação do valor do calor específico com a temperatura e
transformações de energia mecânica em calor. São 3 problemas resolvidos e
8 propostos.