Maria Da Gloria de Andrade Martini

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Instituto de Física Instituto de Química Instituto de Biociências Faculdade de Educação O conhecimento físico e sua relação com a matemática: um olhar voltado para o ensino médio Maria da Glória de Andrade Martini Orientadora: Prof. Dra. Maria Regina D. Kawamura Banca Examinadora Prof a Dr a Maria Regina Dubeux Kawamura – IFUSP Prof. Dr Manoel Roberto Robilotta - IFUSP Prof. Dr José André Peres Angotti - UFSC São Paulo 2006 Dissertação apresentada ao Instituto de Física, Instituto de Química, Instituto de Biociências e Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de Mestre em Ensino de Ciências.

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Instituto de Física

Instituto de Química

Instituto de Biociências

Faculdade de Educação

O conhecimento físico e sua relação

com a matemática: um olhar voltado para

o ensino médio

Maria da Glória de Andrade Martini

Orientadora: Prof. Dra. Maria Regina D. Kawamura

Banca Examinadora Profa Dra Maria Regina Dubeux Kawamura – IFUSP Prof. Dr Manoel Roberto Robilotta - IFUSP Prof. Dr José André Peres Angotti - UFSC

São Paulo

2006

Dissertação apresentada ao Instituto de Física, Instituto de Química, Instituto de Biociências e Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de Mestre em Ensino de Ciências.

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FICHA CATALOGRÁFICA Preparada pelo Serviço de Biblioteca e Informação do Instituto de Física da Universidade de São Paulo

Martini, Maria da Glória de Andrade O conhecimento físico e sua relação com a matemática: um olhar

voltado para o ensino médio. São Paulo, 2006. Dissertação (Mestrado) - Universidade de São Paulo. Instituto de Física. Deptº Física Experimental.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Regina Dubeux

Kawamura Área de Concentração: Ensino de Ciências

Unitermo: 1. Ensino de Física

USP/IF/SBI-015/2007

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Para Guilherme,

por quem eu sonho

todos os dias de minha vida.

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Agradecimentos

À Maria Regina, meu agradecimento sem medida. Pela insistência,

pelo incentivo, pelo crédito. A maioria das pessoas tem orientadores.

A mim me foi concedida uma companheira de jornada, amiga

generosa, mestra compreensiva.

À Maria Helena Bresser, por me abrir as portas da Móbile e de seu

coração, por me fazer voltar a acreditar que pertencer é mais do que

estar todo dia.

Ao Blaidi, por ser o irmão escolhido, por se deixar comover, por me

acolher.

À Olga, por nossos percursos tão afins, pela memória de nossa

convivência, pelo fato de termos repartido tesouros.

Ao Wil, por não ter desistido, por ter acreditado e sonhado comigo

que seria possível.

Ao meu pai, por ter me ensinado que conhecer é comungar com o

claro enigma.

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RESUMO

A relação entre a construção do conhecimento físico e a Matemática, no

Ensino Médio, vem se tornando cada vez mais uma questão instigante,

especialmente a partir das diretrizes curriculares que começaram a ser

implementadas nos últimos dez anos. Em diversas propostas recentes,

pretende-se, por exemplo, com o argumento de que a Física se torne mais

accessível, minimizar ou dispensar o uso de fórmulas e relações matemáticas.

Para investigar alguns aspectos dos vínculos entre a Física e a Matemática,

nesse contexto, nos propomos a analisar a questão segundo os diferentes

âmbitos identificados pela transposição didática. Assim, buscamos analisar a

relação entre a Física e a Matemática do ponto de vista dos cientistas físicos.

Analisamos, também, a forma como essa mesma relação se estabelece nos

livros didáticos de Física do Ensino Médio. Finalmente, investigamos alguns

aspectos dessa relação no aprendizado dos alunos. A comparação dos

resultados permitiu constatar a existência de características muito específicas

na relação entre a Física e Matemática no Ensino Médio, sendo que a

Matemática parece contribuir tanto do ponto de vista operacional como na

construção das abstrações inerentes ao estudo da Física. Nossos resultados

indicam a importância da contribuição da Matemática para um efetivo

desenvolvimento do conhecimento físico pelos alunos.

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ABSTRACT

In the ten years since a new curriculum began to be implemented,the

relationship between the shape of Physics and Mathematics in secondary

schooling has developed into an intriguing question; in recent propositions for

example, there has been the aim of changing physics into a more accessible

subject, reducing to a minimum or removing the use of formula and mathematic

relations. In this context we would like to investigate some aspects of the links

between physics and mathematics according to several angles identified by

didatic. This relationship was analysed with regarding to the point of view of the

Physics. We also analysed the connection of this relationship with didatic books

of physics used in secondary schooling and finally, the students knowledge.

Comparing the results allowed us to verify the existence of very specific

characteristics in the relationship between physics and mathematics in

secondary schooling. Considering the fact that mathematics seems to contribute

in operational terms as well as in the building of abstract concepts, our result

shows the importance of mathematic contribution to an efffective development of

physic knowledge by the students.

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Índice

I – Capítulo I Introdução....................................................................................7

II – Capítulo II...................................................................................15 A Matemática e o Ensino de Física III- Capítulo III

A relação entre a Física e a Matemática do ponto de vista de alguns físicos..............................................................................25

IV - Capítulo IV

A relação entre a Física e a Matemática em alguns livros didáticos indicados para o ensino médio...............................44

V- Capítulo V

A relação entre a Física e a Matemática em situações de aprendizagem ............................................................................65

VI- Capítulo VI

Resultados e conclusões..........................................................97 VI – Bibliografia............................................................................ 108

Anexo I.......................................................................................... 110 Anexo II...........................................................................................112 Anexo III..........................................................................................114 Anexo IV.........................................................................................121

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I - INTRODUÇÃO

Foi por volta de 1988 que um primeiro grupo de nossos alunos foi ao

parque de diversões Playcenter, em São Paulo, como parte das atividades

relacionadas ao conteúdo de física. Eram alunos do segundo ano do Ensino

Médio, de uma escola particular, que já haviam sido apresentados a

praticamente todo o conteúdo de mecânica. Esses alunos, ao estudarem

conservação de energia, haviam se interessado em conhecer mais os processos

físicos relacionados ao movimento em uma montanha russa. Não foram eles os

primeiros a nos propor uma ida ao parque para estudos, todavia, naquele ano,

aceitamos a sugestão.

Esperávamos obter, nessa primeira visita, elementos para interpretar os

movimentos descritos pelos brinquedos utilizando o referencial de análise

conceitual que havia sido desenvolvido em sala de aula. Observar, sentir e

vivenciar corporalmente as trocas de energia, a inércia, as forças centrípeta e de

atrito, enfim daríamos sentido àquilo que fora estudado nas aulas e tornaríamos

os conceitos mais significativos para os alunos.

Nos dois anos seguintes, além de observarem, os alunos também

apresentavam um relatório por meio do qual descreviam e relacionavam o que

havia sido observado no parque àquilo aprendido em sala de aula. Esse registro

também deveria conter comparações entre os conceitos presentes em dois ou

mais brinquedos.

Foi dos alunos, novamente, o pedido para que nossa visita passasse a ter

um enfoque ainda mais aplicado ao que desenvolvíamos em sala. A proposta

feita por eles incluía a obtenção das medidas e cálculos dos valores das

grandezas que reconhecíamos e descrevíamos conceitualmente. Nessa época,

tive acesso a um estudo feito por engenheiros e físicos da Unicamp que,

contratados pelo Playcenter, haviam avaliado alguns dos brinquedos do parque

e realizado os cálculos da maioria das grandezas que meus alunos gostariam de

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calcular. Percebemos, então, que, além de contextualizar por meio da

observação, havia também a possibilidade de introduzir, no trabalho, as relações

matemáticas relacionadas aos conceitos reconhecidos.

O problema seguinte foi a obtenção dos dados de campo. Os alunos

utilizavam como instrumentos de medida apenas seus relógios, com

mostradores de segundos, trenas e máquinas fotográficas. Como a segurança

dos parques impede que as pessoas se aproximem dos brinquedos,

percebemos que algumas medidas, tais como as de espaço, deveriam ser

indiretas, isto é, obtidas, por exemplo, por meio de fotografias. Posteriormente,

de posse das medidas coletadas em três brinquedos, cada grupo de alunos

deveria descrevê-los do ponto de vista da física, calcular as grandezas

estudadas que pudessem ser associadas ao que haviam observado e fazer uma

análise dos resultados obtidos. Nossa surpresa foi grande ao perceber o quanto

os alunos eram capazes de explorar conceitualmente os brinquedos por eles

investigados e de associar de maneira harmoniosa as relações matemáticas. Os

resultados obtidos eram muito próximos daqueles que constavam do trabalho

dos técnicos da Unicamp.

Além disso, sempre nos chamou atenção a crescente autonomia que o

aluno adquiria, ao longo do trabalho, em relação às grandezas que podia

calcular por meio dos dados coletados no parque. Embora de posse de

elementos muitas vezes presentes em problemas numéricos de sala de aula,

não era de todo imediata sua aplicação em expressões que calculavam as

grandezas investigadas. Todavia, uma vez percebido que dados reais tornavam

as relações matemáticas mais evidentes, os alunos sentiam-se motivados a

descobrir cada vez mais grandezas que pudessem estar relacionadas às

medidas tomadas. Foram muitas as vezes em que grupos se sentiam

estimulados a estudar conteúdos que ainda não haviam sido ensinados porque

queriam obter valores de grandezas que não haviam aprendido.

Importante, também, foi a etapa em que os resultados obtidos eram

avaliados pelos alunos. Em contraste com as situações idealizadas da Física

presentes em muitos dos exercícios realizados em sala de aula, nesse momento

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os estudantes viam-se obrigados a verificar a coerência numérica entre aquilo

que obtinham por meio de seus dados/cálculos e algo relacionado ao concreto,

qual seja potências de motores, energia dissipada em freadas de carros,

quantidades de energia necessárias para aquecer determinada substância etc.

Era bastante comum observar a surpresa dos grupos com a quantidade de

energia dissipada no movimento de descida do carrinho na montanha russa.

Vários se decepcionavam quando utilizavam esse mesmo valor para estimarem

quanto de dilatação essa energia provocaria em uma barra de metal porque a

quantidade, comparativamente, se apresentava irrisória.

O trabalho descrito sempre se constituiu uma referência quando, nos

últimos anos, deparo-me com propostas de ensinar física abolindo ou diminuindo

significativamente a presença da matemática, tradicionalmente presente nas

propostas de aprendizagem no Ensino Médio. Mais que uma resposta ao

excesso de formulismo e de formalismo na apresentação do conhecimento físico

presentes em diversos manuais didáticos, essa proposta sugere que se pode

ensinar um conceito físico e compreender os fenômenos a ele relacionados sem

que necessariamente dados numéricos sejam utilizados, sem procedimentos

experimentais que envolvam quantificação das grandezas envolvidas. Essa idéia

parece indicar que a dificuldade da maioria dos jovens para aprender física

estaria relacionada não à própria ciência, mas a um instrumental matemático

sofisticado, aplicado de maneira distante da realidade. Nessa perspectiva,

insinua-se a evidência de que, então, a matemática seria o elemento impeditivo

para uma aprendizagem de qualidade.

Essas vivências e reflexões nos motivaram a investigar o papel da

matemática na construção do conhecimento físico, por parte dos alunos. Seria

possível ensinar física sem matemática? Mais do que isso, lembrando que

foram os alunos que pediram para saltar mais adiante, isto é, além do

fenomenológico no caso dos brinquedos do parque, prescindir da matemática

não seria restringir seus acessos mentais ao conhecimento físico tal qual

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historicamente foi construído? Por outro lado, seria possível que alunos,

desmotivados para aprender, obtivessem nova perspectiva de compreensão e

de satisfação com o conhecimento físico caso a presença da matemática fosse

minimizada? Além disso, utilizar-se de textos, explicações, observações de

experimentos e/ou de fenômenos não poderia possibilitar ao aluno um outro

acesso ou, mesmo, uma outra linguagem para conhecer os objetos da física?

A parte isso tudo, sempre nos pareceu que o fato dos alunos

conseguirem se apropriar de um conhecimento de sala de aula aplicando-o em

uma situação fora dela, estimulados por mim e com grande autonomia em suas

descobertas, era revelador de um tipo de aprendizagem repleta de significado. A

familiaridade demonstrada na obtenção de grandezas que fazia sentido para

eles, apesar da suposta aridez presente nas relações matemáticas

concernentes, lançava dúvidas sobre as possíveis causas da dificuldade dos

alunos em aprender física. A causa seria a complicação gerada pela

matemática ou pela falta de contextualização e relação desse tipo de

compreensão com o todo do conhecimento? Seria a falta de domínio das

técnicas algébricas e geométricas ou a ausência de reconhecimento no

fenômeno observado daquilo que se quer medir e obter? Se trabalhássemos

com dados concretos, seria possível aprender sobre o fenômeno sem relacioná-

lo algebricamente a outros? Uma ou várias informações sobre o fenômeno

podem ser reconhecidas como sendo conhecimento físico?

Começamos a refletir se, e em que medida, as propostas expressas em

alguns estudos sobre contextualização, como um elemento que pode facilitar o

conhecimento físico, não estariam induzindo um novo sentido para a presença

da matemática no ensino de física. Nesse sentido, impõe-se, portanto, uma

investigação sobre o papel da matemática na aquisição do saber físico. Uma

aprendizagem apenas qualitativa, ainda que permeada de significados, teria

conseqüências igualmente duradouras e efetivas, ou seja, revelar-se-ia, de fato,

uma aprendizagem significativa?

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I .1 - A CONTEXTUALIZAÇÃO E A PRESENÇA DA MATEMÁTICA

Ao longo da história, eventualmente, matemáticos e físicos apresentaram

idéias divergentes sobre o papel da matemática no desenvolvimento da física.

Não é diferente quando observamos professores que ensinam essas disciplinas

debatendo em uma sala de professores de uma escola. Para a maioria dos

educadores, muito mais do que simples instrumento, a matemática é aquilo que

permite traduzir o fenômeno físico de maneira plena e, portanto, a física não

existiria sem ela. Os professores de matemática do Ensino Médio, muitas vezes,

ajustam seus conteúdos ao desenvolvimento do programa de física da escola

com o objetivo de facilitar a abordagem e desenvolvimento de determinados

itens do programa de curso de física. É muito comum, por exemplo, ouvirmos

que a cinemática só pode ser compreendida caso o professor de matemática

tenha desenvolvido o conhecimento relativo ao estudo das funções.

Por outro lado, é grande a expectativa de parte dos professores de física

quanto aos saberes matemáticos de seus alunos ao desembarcarem em sua

sala de aula. Para além da capacidade de compreender as situações

relacionadas aos fenômenos físicos, parece interessar à grande maioria desses

professores, sobretudo, avaliar em qual estágio se encontra o domínio de

equações algébricas, potências de dez, semelhanças entre triângulos, resolução

de problemas e uns tantos outros itens denominados pré-requisitos. Os

professores de física parecem concordar com a idéia de que sem a presença da

matemática não é possível ensinar com abrangência.

Nos últimos anos, essa idéia tem sido bastante debatida. Muitas vezes é

possível constatar, que há na escola média, seja da rede pública ou privada,

uma tendência de se buscar na abordagem qualitativa a construção do

conhecimento físico.

Trata-se de uma contraposição às práticas presentes nos manuais

didáticos nos quais a ênfase está na utilização da matemática restrita a seu

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aspecto operacional. Nessa perspectiva, em relação ao ensino de física

“tradicional”, a matemática se prestaria tão somente a ser pré-requisito não para

a aquisição do conhecimento físico, mas para a resolução de exercícios ou de

problemas, o que privilegiaria seu caráter instrumental. Sob esse ponto de vista,

não seria possível para o professor de física, ensinar sem que o aluno

dominasse técnicas que lhe possibilitassem condições para resolver uma grande

variedade e quantidade de exercícios. Além disso, a utilização de fórmulas e

relações matemáticas é vista, nessa perspectiva, como sendo a essência do

pensamento físico que pode ser adquirido após muitas repetições em problemas

que retratam situações nem sempre de contexto. Assim, o fato de que muitos

alunos não dominam aspectos algébricos presentes na resolução de problemas,

explicaria a dificuldade em aprender física.

Contrários a essa abordagem tradicional, alguns manuais didáticos e

escolas procuram seguir pelo caminho diametralmente oposto. Procuram abolir,

do ensino de física, praticamente tudo o que não é qualitativo e passam a adotar

a contextualização do fenômeno como suficiente para a aquisição do

conhecimento sobre ele. As expressões matemáticas, nesse contexto, são por

vezes apresentadas, contudo somente analisadas do ponto de vista conceitual,

sem que dados numéricos sejam substituídos ou que resultados de um

procedimento experimental sejam aplicados.

Essa percepção deve ser considerada um viés, equivocadamente

deduzido, quanto a sua intencionalidade, daquilo que foi escrito nos Parâmetros

Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (MEC, 1998). Neles, nota-se uma

preocupação evidente com a chamada “contextualização”. No sentido utilizado,

mais do que criar contexto, trata-se de explicitar o contexto, situar o contexto.

Isso corresponderia a tratar temas, fenômenos ou situações de forma articulada,

dentro da realidade que lhes dá significado, uma realidade que seja

representativa para o aluno. A contextualização é apresentada e discutida, nos

PCNs para o Ensino Médio, de diversas formas, incluindo exemplos, e

sistematizada da seguinte forma:

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“Examinados os exemplos dados, é possível generalizar a

contextualização como recurso para tornar a aprendizagem significativa ao

associá-la com experiências da vida cotidiana ou com os conhecimentos

adquiridos espontaneamente” (MEC, 1999).

A contextualização é introduzida, portanto, como uma forma de dar novo

significado aos conceitos e idéias em uma estratégia já consagrada nas teorias

de aprendizagem de Piaget ou Vigotsky, tratando de enfatizar os vínculos

desejados com a realidade. O uso da contextualização como instrumento

indispensável à aprendizagem das ciências tem contado com, cada vez mais,

adeptos entre os professores desta área. Contudo, essa contextualização vem

sendo proposta e utilizada de formas muito diferentes, o que lhe tem conferido,

na prática, diferentes significados.

À vista disso, um aspecto particularmente importante nesse processo é

que, por vezes, a contextualização pode significar a adoção de uma abordagem

com ênfase fenomenológica, da qual a matemática passa a estar ausente ou,

em alguns casos, relegada em sua importância. Assim, existem situações nas

quais, apesar da pertinência e dos aspectos cognitivos se mostrarem

adequados, opta-se por contextualizar excluindo-se a quantificação dos

conceitos.

Parece evidente que uma aprendizagem que contemple a

contextualização e que permita ao conhecimento físico ser inserido na estrutura

matemática do qual faz parte é algo a se almejar. Hoje está mais claro que se

pretende, para além do domínio conceitual, o desenvolvimento não só de

competências investigativas como também daquelas relacionadas a um modo

de expressão e relação característicos da Física.

Mas, em que medida, isso é realmente possível? Quais os “limites”,

dentro de abordagens predominantemente contextualizadas que garantem uma

aprendizagem significativa?

Dentro das competências investigativas características do saber físico, os

alunos devem estar diante de situações nas quais sejam levados a observar,

propor estratégias de medida, elaborar modelos e verificar, por meio dos

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resultados obtidos, a validade desses modelos: tal como proposto nas atividades

no parque de diversões. Além disso, para analisarem os resultados dos valores

de grandezas calculadas, devem ser estimulados a comparar e tomar como

referência valores semelhantes em outras situações que podem ou não fazer

parte de seu cotidiano. Em todas essas ações, a presença da matemática

parece-nos essencial.

Paralelamente, é necessário que desenvolvam as habilidades

necessárias para que sejam capazes de apresentar de forma clara e objetiva a

quantificação dos conceitos. Para isso, devem saber utilizar adequadamente

relações matemáticas, códigos e símbolos além de dominar a utilização de

gráficos e tabelas, com objetivos bem definidos de estabelecer comparações,

seja entre os valores encontrados nas diversas situações-problema, seja entre

os valores obtidos experimentalmente e aqueles que fazem parte de situações

correlacionadas ao cotidiano dos alunos. Dessa forma, são levados a

desenvolver, também, competências e habilidades relacionadas à linguagem e

representação da Física.

Nesse sentido, admite-se que na abordagem de fenômenos relacionados

à Física do cotidiano, o uso e a apropriação das relações matemáticas

constitutivas do saber físico parecem ser essenciais para a compreensão e para

a própria satisfação dos alunos ao sentirem-se confiantes em seu domínio.

Esse aspecto nos conduz à necessidade de procurar aprofundar o papel

da matemática e daquilo que ela representa no saber físico do ponto de vista do

ensino e aprendizagem da Física, especialmente nas atividades

contextualizadas.

Assim, esse consiste o objetivo mais amplo deste projeto: investigar o

papel da matemática para o ensino de física, na escola média, do ponto de

vista das habilidades específicas que promove e do sentido disso numa

perspectiva educacional mais abrangente.

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Capítulo II

A Matemática e o Ensino de Física

II. 1 – ALGUMAS REFLEXÕES Poucos pesquisadores na área de Ensino de Física têm se ocupado da

relação entre o conhecimento físico e a matemática.

No âmbito cognitivista, por exemplo, uma das áreas recentes se dedica

ao estudo do aprendizado associado ao desenvolvimento de modelos mentais.

Apesar de encontrarmos estudos bastante consistentes acerca da construção de

modelos mentais, os autores investigados desconsideram a necessidade de

analisar o significado da matemática na construção conceitual em Física.

Segundo, por exemplo, a leitura de Moreira (2001), Johnson-Laird sugere que as

pessoas raciocinam por meio de modelos mentais cuja função é representar um

objeto ou situação captando sua essência. Para ele, essas construções não são

definitivas, os modelos não são permanentes e vão sendo combinados e

recombinados, mudando a partir das competências adquiridas pelo sujeito. O

modelo, dessa forma, terá sucesso quando, em sua construção, levar em

consideração as certezas do sujeito, fruto de suas interações com o cotidiano e

que, portanto, são coerentes, estáveis e comprovadamente adequadas quando

se trata de acontecimentos do dia-a-dia. Sendo assim, a construção conceitual

se dará desde que o modelo permita que o sujeito visualize o objeto ou a idéia

com mais facilidade, além de encaminhá-lo a realizar abstrações e predições a

respeito do conhecimento adquirido, libertando-o de representações

proposicionais.

Dentro dessa perspectiva, podemos afirmar que os modelos, em física,

podem ser vistos como mediadores entre a dimensão teórica e a realidade. O

modelo não é a realidade, mas também não é só a representação daquilo que

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se pensou. Prova disso é que quando as informações sobre a realidade são

pouco precisas há dificuldade na construção do modelo mental. No entanto, se o

modelo é bem estruturado, ele possibilita ao sujeito que faça inferências, ou

seja, há a liberação das descrições verbais. Se os dados de realidade forem

pouco precisos, há dificuldade na construção do modelo e o sujeito passa a não

ser capaz de inferir: a representação passa a ser mais proposicional e, portanto,

mais descritiva.

Em nenhum dos textos analisados se considera explicitamente o papel da

matemática na construção dos modelos. Apesar disso, pode-se pensar que no

caso da teoria física, esta só existe enquanto teoria porque tem uma

estruturação matemática que pode traduzi-la verbalmente. Sendo assim, seria a

matemática aquilo que organiza o pensamento e, portanto, compõe o modelo

mental por meio de representações das relações específicas adequadas ao

processo sobre o qual deverão operar. A matemática seria, então, o elemento

organizacional e fundante da representação do modelo.

Por outro lado, é legítimo ponderar que a realidade constitui, na prática,

aquilo que torna possível a representação do modelo não como organizacional,

mas enquanto contexto, ou seja, o lugar, o tempo onde e quando está situada a

imagem do modelo. Portanto, a junção dos dois elementos (organizacional e

imagético) é constituinte da representação do modelo, entretanto o elemento

organizacional, ou seja, a matemática, é preponderante como forma e

determinante como generalização. Por sua vez, a imagem é preponderante

como estrutura particular. Isso nos permite pensar que, muitas vezes, o modelo

em física já é construído de maneira a ser coerente com o uso previsto.

Em outras áreas de pesquisa, alguns pensadores reconhecem a

matemática como a linguagem por meio da qual a física se expressa. Nessa

vertente, Almeida (1999) defende esse ponto de vista. A autora reconhece duas

linguagens que são utilizadas ao ensinar física. Uma é a denominada

“linguagem comum” ou “ordinária” e a outra a matemática. A primeira, apesar do

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nome, pode representar especificidades e termos característicos da física. Nela,

estariam palavras novas ou mesmo palavras comuns com um significado ou

uma utilização diferente da usual.

Segundo a autora, a matemática como linguagem pode ser analisada por

meio da noção de sistema de representação, pois ao se apropriar da estrutura,

símbolos e operações matemáticas consegue criar um sistema de

representação que, apesar de não representar a realidade na sua totalidade,

absorve dela algumas propriedades e exclui outras, o que torna possível a

existência de processos de diferenciação.

A linguagem matemática pode ser vista como uma metalinguagem

constitutiva da física, uma vez que abre a possibilidade da existência de um

formalismo, mesmo que os cientistas também se utilizem da linguagem comum.

Em seu texto Almeida (1999) pretende avançar em relação às reflexões de

Robilotta (1985) que aponta a natureza constitutiva da linguagem matemática na

física ao afirmar que negligenciar ou dar papel secundário ao formalismo

matemático “(...) corresponderia a apresentar aos estudantes uma caricatura

pobre da Física, já que esta é estruturada em termos matemáticos e é

praticamente impossível saber Física sem se dominar essa estrutura.”

Almeida (1999) sugere que se pode refletir sobre o papel da linguagem

matemática na construção da física, utilizando a noção de “obstáculo

epistemológico” tal qual é vista por Gaston Bachelard. Para ele, o conceito de

fenômeno científico se baseia na compreensão matemática que se tem dele.

Nesse sentido, Bachelard percebe na matemática sua natureza constitutiva da

construção científica. Sendo assim, a matemática pode ser vista como aquilo

que deve ser ultrapassado para suscitar a apreensão do conhecimento

científico. A matemática dessa forma, instauraria um conflito entre um modo de

ver o mundo, no caso os fenômenos físicos e um novo modo de percebê-los, o

que permite a ruptura com um modo antigo de perceber e lidar com o fenômeno.

Ainda segundo Almeida (1999), no âmbito do ensino de física no Ensino

Médio, há que se levar em conta que as estratégias dos educadores para

conhecerem e considerarem as concepções e opiniões dos alunos acerca de

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determinado fenômeno são baseadas no uso da linguagem comum. No entanto,

como já visto, sem a linguagem matemática o conhecimento físico não se

estabelece plenamente, uma vez que esse sistema de representação é capaz de

pode propiciar a ruptura entre o conhecimento pré-científico e o científico. É

necessário ao estudante aprender a estrutura por meio da qual a física se

assenta. Admitindo-se que a linguagem matemática é o que fornece ao aluno a

internalização de conteúdos da física, deve-se trabalhá-la continuamente com os

estudantes.

Pietrocola (2002) em sua reflexão sobre o papel da Matemática no

conhecimento físico, retira da matemática sua função meramente instrumental

para atribuir a ela um caráter estruturador do pensamento físico. Nesse sentido,

a matemática, segundo o autor, seria mais do que linguagem e desempenharia

um papel fundamental na constituição do conhecimento físico e, por isso,

deveria ter também um papel relevante no seu ensino. Para o autor, essa

função estruturadora pode ser compreendida por meio de uma analogia entre a

linguagem comum e a matemática.

Pode-se estabelecer, então, uma analogia entre a matemática como

instrumento da física e a linguagem comum que se estabelece, segundo o autor,

em relação à tradição empírico-realista e recebe o reforço da própria idéia

espontânea que se tem da linguagem. Se na linguagem oral, palavras e

sentenças comunicam nossos pensamentos, os produtos da física podem ser

expressos por meio de outros códigos, próprios da simbologia matemática,

associados aos símbolos, gráficos, equações etc. Para Pietrocola, além da

comunicação direta e da descrição das coisas, a linguagem humana serve para

dar forma às nossas idéias permitindo-nos lidar com elas. Sendo assim, a

linguagem humana estrutura o mundo imaginário das idéias (...) ou seja, o

nosso pensamento articula-se através das palavras que construímos e

passamos a nos comunicar por meio delas. As palavras são idéias codificadas e

a matéria prima do nosso pensamento (...) Nem sempre existe uma correlação

direta entre os significados presentes no mundo das idéias com aqueles do

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mundo real. Neste caso, estamos no domínio exclusivo da imaginação.

Imaginação ou realidade, a linguagem deve ser entendida como a forma que

temos de estruturar nosso pensamento (Pietrocola, 2002, p. 106).

A matemática teria o papel, segundo o autor, de executar essa mesma

função em relação ao pensamento associado ao conhecimento físico, sendo

mais do que um instrumento de comunicação. Pode-se por isso, segundo

Pietrocola, admitir-se um mundo físico previamente estruturado no qual a

matemática tem um papel descritivo. Para além dessa função, a maior

importância seria o papel estruturante que ela pode desempenhar no processo

de produção de objetos que irão se constituir nas interpretações do mundo

físico. Para o autor, a tradução desse mundo se daria somente por meio da

matemática: a escolha da matemática, enquanto veículo estruturador da ciência,

reside, entre outras coisas, nas suas características de precisão, universalidade

e, principalmente, lógica dedutiva. Bachelard já afirmava que a força da

matemática reside no fato dela ser “um pensamento seguro de sua linguagem”

(Pietrocola, 2002, p.106).

Essa segurança viria por meio de uma outra analogia. Enquanto na

linguagem comum as palavras são idéias, para o autor, essa função na ciência

está associada aos conceitos. Assim, para articular nossas idéias, segundo ele,

temos de fazer uso de palavras que exprimam nossos pensamentos. Essas

palavras se constituem em relações que devem seguir regras gramaticais, de

sintaxe, morfologia etc. Na ciência, ocorreria o mesmo: a necessidade de regras

decorre do fato de que precisamos vincular os conceitos de maneira a articulá-

los entre si, resultando numa teoria em que seus significados individuais são

muito precisos. As idéias da ciência ganham significado interconectando-se em

estruturas matemáticas. A linguagem matemática, com suas regras e

propriedades, torna as teorias científicas capazes de pensar o mundo. Toda a

teoria científica é de certa forma, um conjunto de conceitos, cuja estruturação é

eminentemente matemática (Pietrocola, 2002, p. 108).

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Apesar de estabelecer a matemática como estruturante do pensamento

físico, o autor não descarta seu caráter de linguagem, na medida em que a

reconhece como uma dentre as várias linguagens que teríamos ao nosso dispor

para estruturar nosso pensamento. Para ele, a articulação entre os conceitos

está posta na natureza e cabe à matemática explicitá-la em relações que lhe dão

clareza e consistência, não sendo, no entanto, função dela estabelecer a teoria,

mas garantir aquilo que lhe fornecerá organicidade conferindo ao todo suas

propriedades de todo.

.

A nosso ver, essa percepção da matemática como estruturante do

conhecimento físico fornece uma perspectiva importante e adequada para a

reflexão sobre a física e o ensino dessa ciência na escola.

No entanto, esse caráter estruturante que lhe é atribuído parece requerer

um maior aprofundamento. Mesmo que, de forma quase intuitiva, seja

inquestionável, requer a caracterização de sua natureza com base em

elementos que extrapolem a analogia.

Além disso, ao introduzir essa problemática no ensino, o autor enfatiza a

questão da instrumentação matemática a ser desenvolvida pelos alunos como

aquilo que dá sustentação ao conhecimento físico. Ao mesmo tempo, parece-

nos que talvez não haja necessariamente uma correspondência direta entre o

papel da matemática na construção do conhecimento físico e aquele da

matemática no ensino e aprendizado da física de quem não será físico.

Vista dessa maneira, como compreender a intermediação da matemática

no ensino de física, de forma a que possa não ser entendida apenas como

ferramenta, mas efetivamente como elemento estruturante?

Parece, então, ser impossível a apreensão dos objetos e teorias físicas

sem que se tenha adquirido a habilidade que garante o acesso a essa

linguagem. Essa competência, no entanto, é mais do que um domínio

operatório. Não basta saber matemática para percebê-la como estruturante do

conhecimento físico e, portanto, peça essencial à construção desse

Page 22: Maria Da Gloria de Andrade Martini

21

conhecimento. Quais seriam, então, os elementos importantes nesse

processo?

Retomando, portanto, o objetivo mais amplo deste projeto, apresentado

anteriormente, investigar o papel da matemática no processo de ensino e

aprendizagem de física requer aprofundar as especificidades de seu caráter

estruturante no ensino de física, na escola média, buscando semelhanças e

contrapontos em relação ao papel da matemática na construção da própria

física.

II.2 - ESTRATÉGIAS E METODOLOGIA DE TRABALHO

Para analisar a contribuição da matemática para o ensino de Física no

Ensino Médio, ou, de forma mais abrangente, sua contribuição na construção do

conhecimento físico de alunos desse nível, parece ser essencial, em um

primeiro momento, restringir e delimitar melhor o espaço dessa reflexão. É

preciso reconhecer que a questão central, objetivo de nossa investigação, é

ampla demais para um trabalho introdutório sobre o tema, como o que está

sendo proposto.

A vista do que foi apresentado anteriormente, um dos aspectos

aparentemente bastante relevante e que precisa ser levado em conta é a

distinção entre o processo propriamente dito de construção do conhecimento da

Física, realizado pelos cientistas, e a construção do conhecimento físico de um

aluno do Ensino Médio, nos três anos de escolaridade que compõe esse núcleo

em que ele se defronta com essa incumbência.

Essa mesma distinção entre o conhecimento científico e o conhecimento

ensinado ou aprendido vem sendo apontada freqüentemente em trabalhos

desenvolvidos nas últimas décadas e pode ser um elemento orientador.

Page 23: Maria Da Gloria de Andrade Martini

22

Pregnolatto (1994), em seu estudo sobre o conhecimento do

eletromagnetismo, distingue o conhecimento possível do conhecimento

aprendido de fato pelo aluno, reconhecendo o livro didático como uma interface

entre ambos.

Uma outra abordagem que vai nessa direção é o conjunto de análises

relacionadas à transposição didática, em que também é realizada uma clara

distinção entre o conhecimento da ciência, do qual os cientistas são detentores,

e o conhecimento escolar acerca da ciência. Nessa proposta, Chevallard (1998)

identifica a existência de três níveis no processo didático, que ele denomina

como o saber sábio, o saber a ser ensinado e o saber ensinado. Para ele, o

saber sábio é aquele associado ao conhecimento científico, ou seja, o saber que

o cientista detém. O saber a ser ensinado refere-se a um recorte do

conhecimento entendido pelo livro didático como essencial, a cada nível.

Finalmente, o saber ensinado é aquele concernente à sala de aula, ou seja,

àquele que leciona, cuja tarefa é se constituir o elo entre o saber a ser ensinado

e o aluno.

Autores como Astolfi (1994) e Garcia (1998) distinguem o conhecimento

científico do conhecimento escolar, levantando a possibilidade, até mesmo, da

existência de uma epistemologia própria para este último.

Considerando e reconhecendo as distinções entre esses diferentes

saberes, a estratégia de investigação e reflexão a ser adotada neste trabalho

propõe identificar e obter elementos para a relação entre o conhecimento físico e

a matemática nesses três níveis distintos.

Assim, interessa-nos analisar como essa questão é tratada, num primeiro

momento, na esfera do saber sábio, ou seja, do ponto de vista da ciência e

daqueles que a desenvolvem. Em um segundo momento, analisar como se

caracteriza essa relação do ponto de vista do saber a ser ensinado, ou seja, o

recorte do saber científico que é delimitado para ser apresentado na escola, tal

qual expresso nos livros didáticos. E, finalmente, como essa relação se

apresenta para os alunos. Nesse último aspecto, e ao contrário das propostas

Page 24: Maria Da Gloria de Andrade Martini

23

da transposição didática, trata-se mais de investigar como a relação entre o

conhecimento físico e matemático se apresenta no conhecimento aprendido do

que no conhecimento ensinado.

A expectativa dessa estratégia de investigação é de que, do confronto e

articulação das abordagens nesses diferentes espaços, possa emergir uma

melhor compreensão para o problema.

Reconhecendo a importância da matemática na construção histórica do

conhecimento físico, procuraremos analisar as visões de alguns cientistas,

físicos sobre suas percepções acerca dessa questão, baseadas, sobretudo em

suas vivências e práticas.

Quanto ao saber a ser ensinado, pretendemos basear nossa reflexão na

análise dos livros didáticos. No que se refere a isto, selecionamos dois manuais

que podem ser considerados representativos em relação às suas escolhas

didáticas. Em cada um deles, duas temáticas relevantes e básicas para a

aquisição do saber físico serão apreciadas.

Finalmente, do ponto de vista do ensino aprendizagem de Física no

Ensino Médio, propomos a realização de atividades investigativas, analisando as

respostas dos alunos a questões conceituais qualitativas e quantitativas.

Nessas situações, nossa investigação será, portanto, orientada para a

identificação de características e especificidades da relação entre matemática e

construção do conhecimento físico. Isso inclui as habilidades relativas ao saber

matemático que os alunos necessitam dispor para construir o saber físico: a

quantificação de valores, a utilização de gráficos e tabelas e o uso correto de

relações matemáticas, seus códigos e símbolos.

Embora esse seja o ponto central a ser considerado, em nenhum

momento pretende-se atribuir juízos de valor a formas mais ou menos

adequadas de ensino-aprendizado, em abstrato e de maneira desvinculada dos

objetivos educacionais presentes em qualquer atividade escolar. Ao contrário,

pretende-se buscar compreender de forma mais focalizada a importância da

matemática na construção do conhecimento físico pelo aluno de ensino médio,

Page 25: Maria Da Gloria de Andrade Martini

24

segundo as competências e habilidades diversificadas pretendidas para esse

nível escolar.

Nossa hipótese inicial é a de que os três diferentes espaços de análise e

reflexão, tal como definidos acima, podem permitir estabelecer uma melhor

compreensão da complexidade da relação entre o aprendizado de Física e o uso

da matemática, a partir da identificação dos âmbitos em que estabelecem sua

relação com o problema em questão, assim como da contraposição entre esses

âmbitos. Esses três aspectos da questão estarão em cada um dos capítulos

centrais que compõem este trabalho.

No capítulo III, que trata da relação entre a física e a matemática do ponto

de vista de alguns físicos, apreciaremos o discurso de três cientistas no que se

refere ao papel da matemática na construção do conhecimento físico. Apesar da

limitação da amostra, consideramos que os físicos analisados têm, sobre esse

papel, uma compreensão expressiva e podem fornecer importantes elementos

de reflexão.

No capitulo IV, é analisada a relação entre a física e a matemática em

dois livros didáticos, voltados para o Ensino Médio. Para permitir um

aprofundamento maior, restringiu-se a extensão do material analisado a tópicos

específicos. Assim, nossa investigação deteve-se nos capítulos relativos aos

conceitos de calor e de campo elétrico, fundamentais para a compreensão,

respectivamente, da Termologia e da Eletricidade. Esses tópicos, por

possuírem características distintas, podem permitir, talvez, identificar diferentes

âmbitos para a relação entre a matemática e a física.

O capítulo V tratará da relação entre física e matemática estabelecida no

âmbito da aprendizagem dos alunos. Por meio da coleta de dados e análise de

respostas dos alunos a questões cuja temática é a mesma dos livros didáticos

apreciados, procura-se investigar a relação entre diferentes domínios de

aprendizagem.

Finalmente, no capítulo VI, busca-se estabelecer uma articulação inicial

entre os diferentes elementos identificados ao longo deste trabalho.

Page 26: Maria Da Gloria de Andrade Martini

25

Capítulo III

A relação entre a Física e a Matemática do ponto de vista de alguns físicos

• Introdução

A relação entre a Física e a Matemática é motivo de interesse dos

cientistas que constroem as teorias físicas, dos epistemólogos que refletem

sobre a construção do pensamento em ciências e dos educadores, cuja

preocupação com a aprendizagem efetiva dos conhecimentos científicos está

fundamentada no estudo dos fatores preponderantes para que essa aquisição

se torne real.

Nesse capítulo, optou-se por conhecer como cientistas que fazem ou

fizeram Física percebem o papel da matemática na elaboração e utilização das

teorias físicas. Trata-se de tentar entender como os pesquisadores que têm

grande proximidade com o desenvolvimento e as comprovações de teses,

princípios e experimentos físicos percebem a matemática que envolve suas

pesquisas, seu fazer científico. É legítimo se supor que essa percepção não foi

a mesma durante toda a história da construção do pensamento científico. O

papel da matemática no desenvolvimento da física é visto de maneiras

diferentes por cientistas de épocas distintas. Muito provavelmente para Newton

ou mesmo Poincaré, a função da matemática é discutida de forma diversa

daquela analisada por Einstein ou por Feynman.

Nesse sentido, pareceu-nos que conhecer parte do pensamento e das

idéias de físicos contemporâneos no que se refere ao papel da matemática na

construção do pensamento científico e das teorias físicas, estaria em maior

sintonia com a proposta geral deste trabalho. A estratégia levou em

consideração o fato de que seria inócua qualquer tentativa de esgotar os

elementos de análise sobre esse tema visto a quantidade de obras e de

Page 27: Maria Da Gloria de Andrade Martini

26

trabalhos dos físicos ora escolhidos ou de outros que refletiram sobre esse

assunto ao longo dos anos.

Foram selecionados textos de três físicos, considerando como principal

fator de escolha a existência de textos em que a questão é discutida de forma

explícita. A opção se deu por textos de Richard P. Feynman na obra O que é

uma lei física (1989), Mario Schenberg em Pensando a Física (1984) e

Lawrence M. Krauss no livro Sem medo da Física (1995). Nessas obras o elo

entre a física e a matemática é refletido sob o ponto de vista do fazer ciência e

pode, portanto, se constituir um elemento revelador de como esses cientistas

identificaram a atuação da matemática ao longo da história da construção do

pensamento físico e em sua própria pratica científica. Os textos foram

apreciados primeiramente levando em conta a individualidade do discurso de

cada um dos físicos. Nessa linha, tentou-se resumidamente expor as reflexões

de cada um deles sobre o papel da matemática na construção do conhecimento

físico. As considerações finais procuram tecer uma rede de relações entre

essas reflexões, procurando perceber em que medida há nesses modos de

perceber a matemática uma singularidade que pode ou não ser reveladora de

posições diversas.

III . 1 – A relação da Matemática com a Física – Feynman

Richard Feynman, físico americano, nascido no começo do século XX,

tem lugar assegurado na galeria dos maiores físicos da história, segundo muitos

de seus pares. Falecido em 1988, contribuiu para o desenvolvimento de vários

trabalhos importantes e fundamentais tanto em mecânica quanto em

eletrodinâmica quântica. O livro, cujo capítulo refletiremos nesse trabalho, reúne

um conjunto de palestras proferidas a estudantes na Universidade de Cornell,

nos Estados Unidos, em 1964, cujo tema foi “O que é uma lei física”. Feynman

em sua série de apresentações abordou, entre outros assuntos, a lei da

gravitação universal como exemplo de uma lei física, discutiu os grandes

Page 28: Maria Da Gloria de Andrade Martini

27

princípios de conservação, a simetria das leis físicas e, em uma dessas aulas, o

tema foi “a relação da matemática com a física”, capítulo que iremos nos deter.

Sua análise sobre esse aspecto do conhecimento contém elementos que

relacionam a matemática com o saber físico de um modo bastante peculiar, mas

nem por isso pouco abrangente.

Para Feynman, a relação da matemática com a física carrega

especificidades na medida em que ora a matemática é linguagem e, portanto,

transmite algo que se quer descrever da natureza, ora aparece como expressão

de um processo mental associado à lógica e a abstração, ou seja, como um

instrumento do pensar físico, sem o qual o conhecimento físico não se

estabelece completamente.

Nesse sentido, o autor apresenta diferenças que aparecem na utilização

da matemática em leis físicas fundamentais, nas quais esse uso prescinde de

recursos matemáticos mais profundos e dá como exemplo leis de

proporcionalidade direta tais como a lei de Faraday relativa a eletrólise. Essa

relação física-matemática, segundo ele, é diferente daquela que aparece em leis

que prevêem algo, ou seja, naquelas que têm um mecanismo matemático

subjacente a elas, tais como a lei da gravitação de Newton. Nesse tipo de

equação, a descrição verbal não é capaz de transmitir a informação com a

mesma velocidade, precisão e significado dos símbolos matemáticos e isto

parece significar que nenhum modelo da teoria da gravitação que já se inventou

ou venha a se propor pode existir para além da respectiva forma matemática

desta teoria.

Essa perspectiva, para Feynman, permeia o estudo da física. Quanto

mais profundamente se conhece a natureza e quanto mais o conhecimento

físico se estabelece como compreensível, mais matematicamente complexas se

tornam as leis que o descrevem, que assumem, portanto, formas matemáticas

abstratas e intrincadas. Em conseqüência disso, é impossível se compreender

verdadeiramente as leis naturais se não se possui um profundo conhecimento

matemático. Segundo ele, isso pode ser entendido se pensarmos que não há

modos de traduzir verdadeiramente os fenômenos a não ser por meio da

Page 29: Maria Da Gloria de Andrade Martini

28

matemática. Nesse sentido, ela não é só uma linguagem, na medida em que não

se traduz um pensamento ou idéia, mas junto expressa um modo de pensar e

raciocinar, uma abstração que tem caráter relacional e que é capaz de predizer

se configurando, portanto, um instrumento para raciocinar. Para o autor, só a

matemática permite o entendimento das relações e equivalências que existem

entre leis aparentemente diversas em seus enunciados. Como exemplo, cita o

caso da relação de equivalência entre a lei da gravitação universal e a lei de

Kepler, das áreas. A partir de um raciocínio organizado, estabelecido por meio

da matemática, Newton, demonstrou geometricamente nos Principia como isso

era possível. Hoje utilizamos um raciocínio analítico, expresso por símbolos que

tornam o processo de dedução mais ágil e rápido do que na época de Newton.

Esse modo de se fazer isto, de forma mais eficiente que a geométrica, é utilizar-

se do cálculo diferencial. Apesar de Newton dominá-lo, pois o inventou, teve,

segundo Feynman, receio de não ser compreendido em uma linguagem ainda

nova e usou a forma geométrica. O desenvolvimento da física se dá, para ele,

quase sempre deste modo. A matemática pode já estar desenvolvida para

expressar a estrutura de raciocínio que determinada lei exige ou se o

instrumental matemático ainda não estiver pronto, os físicos, como no caso de

Newton, o deduzem e estes dispositivos podem se tornar teorias matemáticas.

Sendo assim, a matemática é aquilo que permite, ao pensamento físico, passar

de uma lei para outra, de um conjunto de enunciados para outro ou de um

conceito para outro. É ela que possibilita as inferências necessárias para que se

preveja se algo que é válido uma vez, será verdadeiro quando a situação se

repetir.

Segundo Feynman, quando a física usa a matemática, o faz da

maneira babilônica, ou seja, a partir do conhecimento de teoremas e das

inúmeras relações entre eles de tal forma que muitas vezes as leis passam a ser

válidas em domínios que excedem o da demonstração. Como exemplo, ele cita

o fato de que a partir da lei da gravitação e da lei das áreas pode-se deduzir o

princípio da conservação do momento angular. Hoje sabemos que essa lei é

muito mais geral do que aquelas que lhe deram origem e mais do que isso, essa

Page 30: Maria Da Gloria de Andrade Martini

29

lei se mantém válida em movimentos descritos também na mecânica quântica.

Isso quer dizer, para o autor, que um princípio pode ser válido apesar de outro

que decorre da mesma lei geral não o ser e, portanto, muitas leis são válidas

num domínio que excede o da sua demonstração.

Para Feynman, a matemática permite que adotemos diversos caminhos

para chegarmos a um mesmo resultado. Podemos trocar alguns axiomas por

teoremas e a lei é modificada e enunciada de outra forma. Do ponto de vista

matemático, a lei de Newton, o método do campo local e o princípio do mínimo

são capazes de descrever a natureza no que se refere à gravitação de maneira

adequada e conduzem exatamente aos mesmos resultados. O que as distingue

é a possibilidade de abrir caminhos para a descoberta de novas relações que

vão além daquelas imediatamente percebidas, ou seja, as diferentes

formulações podem nos fornecer idéias sobre a elaboração das leis em outras

situações, mesmo que, em alguns casos, certas leis falhem. Nesse caso, a

escolha dos axiomas que fundamentam a estrutura é fundamental. Pode ocorrer

de um deles não se mostrar adequado enquanto outros permanecerem válidos.

É por isso, segundo Feynman, que os físicos fazem, como já dito, uma

matemática babilônica onde os axiomas são como peças à disposição do

raciocínio e da intuição para serem utilizados no desenvolvimento de uma

situação nova.

A relação dos físicos com a matemática se fundamenta num modo

distinto daquele que orienta os matemáticos. Para eles, segundo Feynman, os

axiomas e a lógica que está contida em seus postulados e leis existem por si só,

não estão necessariamente ligados ao mundo real, e por isso são tão gerais

quanto possível. Os físicos, ao contrário, estão mais voltados aos casos

particulares, ou seja, interessa a eles discutir a lei da gravitação no espaço

tridimensional e não o caso de uma força arbitrária num espaço a n dimensões.

O espectro para o qual o matemático prepara suas teorias e sua resolução de

problemas é, na maior parte das vezes, muito amplo para o físico que tende a

simplificá-lo e reduzir seu rigor.

Page 31: Maria Da Gloria de Andrade Martini

30

Finalmente, Feynman, reconhece que apesar do domínio da matemática

ser um sério obstáculo para que algumas pessoas compreendam a física, os

físicos não podem traduzir a matemática para outra linguagem. Para ele, se

queremos aprender algo sobre a natureza, se queremos apreciá-la temos de

compreender a linguagem na qual está escrita, ou em suas próprias palavras, a

natureza oferece a sua informação apenas numa forma; não devemos ser

pretensiosos ao ponto de querermos que mude antes de lhe prestarmos atenção

(Feynman, 1989, p.76).

III. 2 – Física e Matemática – Mário Schenberg

Várias considerações relevantes sobre o tema do papel da matemática

na construção do conhecimento físico foram feitas pelo prof. Mário Schenberg

numa publicação denominada Pensando a Física. Trata-se da publicação das

transcrições das aulas ministradas por ele no curso Evolução dos conceitos de

Física, ministradas em 1983, na Universidade de São Paulo. O professor

Schenberg, nascido em 1914, admirador confesso de Platão, acreditava,

segundo seus biógrafos, em educação como um processo formativo e não

informativo. É considerado por muitos o maior físico teórico que o Brasil já

produziu e seus interesses eram muitos, seja na física, na educação, na política,

na filosofia, nas artes.

No livro usado como referência, o prof. Schenberg, reflete sobre a

construção do conhecimento científico desde seus primórdios até aquele de

nossos dias. Dois capítulos foram de particular interesse.

No capítulo relativo à relação Física e Matemática, Schenberg deixa

evidente que, para ele, não existe física sem matemática, sendo que esta última

é o que possibilita a existência e o desenvolvimento da primeira.

Ao longo do capítulo, Schenberg refaz o percurso histórico das relações

entre as duas ciências desde a Grécia Antiga. A partir dessa época, a física

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31

passou, segundo ele, a ter como objetivo elaborar a descrição quantitativa dos

fenômenos da natureza. É por causa disso que, para ele, a Geometria é o ramo

mais antigo da física, pois por meio dela foi possível estabelecer uma descrição

quantitativa das grandezas físicas tais como comprimento, área, volume. Da

união entre as idéias geométricas e o conceito de tempo proveniente das

observações dos astros, surgiram os conceitos da cinemática.

Segundo o autor, o desenvolvimento da Geometria foi o grande

incentivador do desenvolvimento e aperfeiçoamento dos conceitos aritméticos

possibilitando o aparecimento das grandezas comensuráveis e dos números

fracionários.

A escola pitagórica contribuiu significativamente para o desenvolvimento

do pensamento científico, seja ao conceber a lei das cordas vibrantes, uma das

primeiras leis mecânicas formuladas, seja ao descobrir as grandezas

incomensuráveis.

Posteriormente, Eudoxo de Cnido , na Academia de Platão;- a primeira

universidade do ocidente-, desenvolveu a teoria das grandezas

incomensuráveis, a descoberta do método axiomático e do método de exaustão

que foi um dos percussores do cálculo integral.

A partir das descobertas matemáticas anteriores à escola pitagórica e à

Academia de Platão e baseando-se na estrutura axiomática de Cnido,

estabeleceu-se a Geometria de Euclides cujos pressupostos asseguraram o

desenvolvimento da física até a época de Kepler e Galileu.

No século XVII, Descartes e Fermat descobriram a Geometria Analítica e

com ela o conceito moderno de espaço. Além disso, é dessa época o

desenvolvimento do cálculo diferencial integral que sempre esteve relacionado a

problemas geométricos e cinemáticos uma vez que os conceitos de derivada e

diferencial surgiram, sobretudo, no chamado problema das tangentes das

curvas. A teoria das equações diferenciais que se tornaria o fundamento

matemático da mecânica newtoniana originou-se da descoberta por Isaac

Barrow, professor de Newton, de que a anti-derivada era a integral indefinida. Já

no século XVIII iniciou-se o estudo das equações e derivadas parciais com o

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32

estudo das vibrações. Posteriormente, diz Schenberg, a descoberta da equação

de d’Alembert das derivadas parciais teve papel relevante na teoria

eletromagnética de Maxwell e, depois, na teoria da relatividade. É dessa época,

também, o início dos estudos da Geometria Diferencial que seriam a base para a

geometria intrínseca das superfícies curvas de Gauss e sua generalização por

Riemann. É daí, segundo ele, que surge a teoria geométrica fundamental, que

servirá de base para a Relatividade Geral de Einstein no século XX.

No século XIX surgem as equações não-lineares a derivadas parciais

para explicar os fenômenos da hidrodinâmica. No entanto, o desenvolvimento da

teoria destas equações ocorreu principalmente no século XX graças ao

desenvolvimento da aerodinâmica e das equações de Einstein que reformulam

a teoria da gravitação de Newton em termos de um sistema de equações a

derivadas parciais, relacionadas com a geometria de um espaço-tempo

quadridimensional curvo dotado de uma métrica riemanniana de tipo indefinido.

As equações a derivadas parciais formaram um instrumento matemático

fundamental também para a elaboração do conceito de campo clássico.

Data do século XX o grande desenvolvimento da teoria dos grupos

contínuos assim como o da teoria dos espaços vetoriais topológicos, em

particular do espaço de Hilbert, essenciais para a formulação da nova mecânica

quântica.

Para Schenberg, na teoria das partículas elementares o papel da

Geometria Algébrica é de fundamental importância. Além disso, em toda a Física

do século XX, sobretudo na teoria quântica, há a utilização constante das idéias

da Álgebra Abstrata.

Alguns dos episódios citados são explorados, por Schenberg, com mais

atenção em um capítulo posterior, intitulado “Física Matemática e Experimental” .

O autor aborda com mais ênfase o conceito de espaço. Ele observa que,

segundo Einstein, os gregos não tinham um conceito de espaço independente

de qualquer conteúdo. Descartes, ao criar este conceito precisou algebrizar os

conceitos geométricos, descrevendo os pontos por coordenadas, conseguindo,

assim, uma nova essência para o espaço. Esta abstração tornou possível o

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33

estabelecimento de um sistema de coordenadas que pode estar em movimento

ou em repouso em relação ao outro. Esta possibilidade foi essencial para o

desenvolvimento da relatividade do movimento. Estes espaços relativos de cada

observador, são diferentes porque são relativos a diferentes sistemas de

coordenadas foram a base utilizada por Galileu para enunciar o principio da

relatividade da Física newtoniana: as leis do movimento têm a mesma forma em

dois sistemas de coordenadas em movimento de translação retilíneo e uniforme

um em relação ao outro.

Einstein, em 1905, na sua teoria da relatividade restrita estendeu o

principio da relatividade também aos fenômenos eletromagnéticos além dos

puramente mecânicos, impondo também a condição de que a velocidade da luz

era a mesma para os dois observadores. Então, cada vez mais a Física foi se

associando a Matemática e o conceito de espaço passou a ser aprofundado

cada vez mais e, com a teoria da relatividade, se passou de um simples conceito

de espaço euclidiano a um conceito de espaço-tempo (Schenberg, 1984, p..

Esse conceito de espaço-tempo, proposto por Minkowiski, é o que possibilita à

relatividade restrita ser matematicamente descrita através de uma geometria de

um espaço plano de quatro dimensões (x, y, z , t).

Outro episódio relevante é aquele que trata do conceito de quantidade de

movimento. Descartes teve a intuição a respeito da existência de uma

quantidade de movimento, mas não conseguiu definir esta quantidade porque

não tinha nem o conceito de massa nem possuía a idéia de que a grandeza

quantidade de movimento era vetorial. Apesar de sua genialidade, ao construir a

Geometria Analítica, Descartes não conseguiu elaborar conceitos que hoje são

elementares como os relativos à álgebra vetorial. É isso, segundo Schenberg, o

que torna a evolução da ciência extremamente complexa e difícil. Segundo ele,

ao pensarmos, por exemplo, na lei de Coulomb, podemos perceber que o fato

dessa lei apresentar a razão do inverso do quadrado das distâncias foi o que

permitiu aplicar, na teoria dos fenômenos elétricos, os mesmos instrumentos

matemáticos desenvolvidos para o estudo da gravitação newtoniana. A verdade

é que, a partir da lei de Coulomb, foi possível a compreensão e o

Page 35: Maria Da Gloria de Andrade Martini

34

desenvolvimento da teoria dos campos. Isto só foi concebível porque a

matemática necessária já estava desenvolvida. Para Schenberg, o curioso é que

a eletricidade, de ciência experimental (baconiana, no seu entender), a

Eletricidade e, posteriormente, o Eletromagnetismo, passaram a ser ramos da

física essencialmente dependentes da formulação matemática. Além disso, ao

contrario da gravitação newtoniana, que reelaborada por Einstein ganhou uma

matemática muito sofisticada, o eletromagnetismo continuou a ter uma

matemática relativamente simples.

Outro evento no qual Schenberg se detém é aquele que trata do

desenvolvimento do cálculo diferencial integral. Segundo ele, Newton não os

utilizou explicitamente em seus escritos, pois tinha receio que raciocínios

fundamentados no infinitamente pequeno impedissem a compreensão de seus

leitores em relação às suas obras. Esta situação representa, segundo ele, a

eventual dificuldade de introduzirem certos conceitos matemáticos apesar

destes serem extremamente adequados para o desenvolvimento e a apreensão

do mundo físico. A idéia dos infinitamente pequenos é acentuadamente intuitiva

e, por isso, algo misteriosa e os físicos a utilizaram e ainda a utilizam sobretudo

em Geometria Diferencial.

III. 3 - A arte dos números – Lawrence M. Krauss

Lawrence M. Krauss é físico teórico, foi professor da Yale University e

atualmente leciona e é diretor do departamento de física da Case Western

Reserve University, ambas universidades localizadas nos Estados Unidos. Sua

proposta no livro “Sem medo da Física” é mostrar como as idéias simples e

essenciais da física podem ser, segundo ele, organizadas de modo a

desenvolver as teorias fundamentais que norteiam a pesquisa moderna. Nesse

sentido, aborda as teorias físicas em seus aspectos relacionais seja históricos,

filosóficos ou fenomenológicos. Entre os assuntos tratados, há um capítulo que

Page 36: Maria Da Gloria de Andrade Martini

35

apresenta o desenvolvimento das idéias científicas de Galileu a Hawking,

enquanto em outro momento, discute como os físicos definem a verdade. Ainda

há um capítulo sobre como a física se relaciona com a matemática, denominado

“A arte dos Números.”

A análise de Krauss sobre o papel da matemática na construção do

conhecimento físico inicia-se com a constatação de que a matemática sendo a

linguagem através da qual a natureza se expressa é também, por isso, a própria

revelação do mundo físico. Há, no entanto, uma diferença entre o modo como os

matemáticos e os físicos tratam os símbolos e as teorias matemáticas. Para o

autor, os físicos vislumbram na matemática e nos números não só instrumentos

que se prestam a medição de quantidades físicas, mas aquilo que permite

determinar uma maneira de ver o mundo libertando e simplificando o

pensamento e ampliando a intuição física. Enquanto para os matemáticos os

números têm existência própria, não importando se as estruturas estabelecidas

entre números e símbolos têm significado na natureza, para os físicos as

estruturas e números não tem nenhum significado independente.

O autor discute que a visão da matemática como manifestação libertadora

é contrária a uma vertente, segundo ele dominante, de que os números e

relações matemáticas são os empecilhos à compreensão das teorias físicas e,

por isso, devem ser evitados a todo custo. Explicações qualitativas seriam quase

sempre preferidas em relação às quantitativas. Krauss julga que essa espécie

de aversão comum à matemática pode ter um caráter sociológico uma vez que

as pessoas ostentam sua ignorância matemática até com certo orgulho, como se

isto as humanizasse e as aproximasse de seus semelhantes. Esquecem-se, no

entanto, que apesar das dificuldades de se pensar matematicamente, é este

processo que desvenda a maioria dos mistérios de toda história. Nesse sentido,

o autor analisa como o uso das dimensões das grandezas pode ser essencial

para caracterizar as observações físicas. O fato de existirem, na natureza,

apenas três tipos de quantidades dimensionais (comprimento, tempo e massa)

faz com que todas as grandezas físicas possam ser expressas como uma

Page 37: Maria Da Gloria de Andrade Martini

36

combinação das unidades dessas grandezas. Em conseqüência, o numero de

relações matemáticas que se pode obter combinando essas dimensões passa a

ser finito e se constitui a base de interpretação das informações obtidas pelos

sentidos ou por medições. Em outras palavras, a análise dimensional elimina

significativamente a necessidade de se memorizar fórmulas ao oferecer a

aproximação fundamental: quando visualizamos algo, visualizamos suas

dimensões (Krauss, 1995, p.40). Sendo assim, números e relações matemáticas

determinam um modo de ver o mundo e, ao mesmo tempo, têm a função de

simplificar e traduzir, além de ser aquilo que permite selecionar o que tem ou

não valor na teoria física. Nossa descrição da natureza e aquilo que dela

visualizamos começam, portanto, segundo o autor, com os números.

Muitos já questionaram se não seria possível descrever os fenômenos

físicos utilizando outra estrutura que não a matemática. Parece não haver

alternativa. Galileu examinou esse assunto, há mais de 400 anos, ao escrever: a

filosofia se acha escrita neste magnífico livro, o universo, que está sempre

aberto à nossa contemplação. Mas o livro não pode ser compreendido se a

pessoa não aprender primeiro a entender a linguagem e a ler as letras que a

compõe. Ela é escrita na linguagem matemática, e os seus caracteres são

triângulos, círculos e outras figuras geométricas, sem as quais é humanamente

impossível compreender uma única palavra sua; sem elas, a pessoa divaga por

um labirinto escuro (Krauss, 1995, p. 45).

Krauss insiste em que se pensar na matemática somente como

linguagem da física é restringir seu papel na construção do pensamento físico.

Na verdade, é ela que permite estabelecer conexões lógicas que a descrição

lingüística ou a explicação verbal não são capazes de fazer. Essas ligações são

essenciais para compreendermos a realidade. Uma amostra disso, segundo o

autor, pode ser percebida no fato de que Newton nunca poderia ter sido capaz

de deduzir a sua lei da gravitação universal se não tivesse conseguido

estabelecer a conexão matemática entre a observação de Kepler e o fato de que

o Sol exercia uma força sobre os planetas – embora isso por si só fosse de

fundamental importância para o avanço da ciência. Tampouco pelo fato de que

Page 38: Maria Da Gloria de Andrade Martini

37

sem apreciar a base matemática da física, não se pode deduzir outras conexões

importantes. A verdadeira questão é que as conexões induzidas pela

matemática são completamente fundamentais para determinarmos todo o nosso

quadro da realidade (Krauss, 1995, p. 47).

Sendo assim, podemos pensar que todo conhecimento físico do universo

é multidimensional na medida em que podemos entender cada uma das

dimensões de uma série de maneiras equivalentes. Esses caminhos embora

iguais parecem diferentes na medida em que possibilitam uma percepção da

natureza em muitas partes, em muitas faces diferentes da realidade. É da

matemática a tarefa de, através de suas relações, nos permitir ver o todo em

meio às partes.

Desse modo, é por meio da matemática que se pode perceber as

diversas faces da realidade, que é muito mais complexa do que uma rápida

olhada pode captar. Apesar disso, é ela também que permite que nosso

entendimento se dê face a face, pois permite o livre caminhar por meio das

conexões das teorias físicas. A matemática termina por tornar a física acessível.

Alem disso, é dela a função de nos permitir perceber o mesmo fenômeno de

muitas maneiras diferentes; novas visões de uma mesma coisa são sempre

possíveis e, portanto, novas formas de compreender a natureza. Finalmente,

está associada à matemática a possibilidade de se prever como a natureza se

comportará em determinada situação através de associações que,

eventualmente estão ocultas para a física, mas que se revelam por meio do

pensamento matemático.

• Considerações gerais

Parece não haver divergência entre os três cientistas no que se refere à

importância da matemática para a física. Para eles não é possível imaginar a

física sem a parceria mais ou menos presente da matemática. Pode-se

perceber nos textos uma concordância no que se refere à essencialidade da

Page 39: Maria Da Gloria de Andrade Martini

38

matemática na concepção e entendimento de uma teoria física. Isso fica

evidente quando lemos em Feynman:

...o que mostra novamente que a matemática fornece uma descrição

profunda da natureza e quaisquer tentativas de expressar a natureza segundo

princípios filosóficos ou usando intuições mecânicas não é muito eficiente. (p.74)

Ou quando diz

... se queremos aprender algo sobre a natureza, se queremos apreciar a

natureza, temos de compreender a linguagem em que está escrita. (p. 76)

Para Schenberg a matemática é vista como aquilo que sustentou e

possibilitou o desenvolvimento das teorias físicas. Ao percorrer o caminho do

estabelecimento das teorias físicas que julga as mais relevantes, sugere, em seu

texto, que o instrumental matemático que está presente nas teorias físicas ou a

precedeu ou teve de ser criado para, então, tornar possível à teoria, ser

desenvolvida. Escreve que

...provavelmente, todos os ramos da matemática tornar-se-ão necessários

para o desenvolvimento da física, como, por exemplo, a Teoria dos Processos

Aleatórios, que passaram a desempenhar um papel relevante desde o começo

do século, com a teoria do movimento browniano. (p.18)

Em Krauss, lemos idéias semelhantes:

...a verdadeira questão é que as conexões induzidas pela matemática são

completamente fundamentais para determinarmos todo o nosso quadro da

realidade. (p. 47)

Ou quando escreve:

Page 40: Maria Da Gloria de Andrade Martini

39

..então, a matemática torna a física acessível...Não podemos afirmar que

compreendemos a natureza quando só vemos um lado dela. E pelo sim, pelo

não, é um fato que somente as relações matemáticas nos permitem ver o todo

em meio às partes. (p.48)

Parece-nos evidente que nenhum desses cientistas discorda da

importância que tem o pensamento matemático para o conhecimento físico.

Comparando-os, percebe-se que, na maioria das vezes, as idéias e percepções

dos três físicos sobre o papel da matemática dirigem-se para um mesmo lugar,

apesar das abordagens escolhidas nos textos examinados serem ligeiramente

diferentes, assim como os exemplos e formas de expressão escolhidas por cada

um deles.

A análise de Feynman aponta na direção de uma preocupação com os

aspectos mais fundantes do papel da matemática, percebendo-a para além de,

apenas, linguagem. Para ele, a matemática tem a propriedade de

instrumentalizar um modo de pensar, um modo de raciocinar. A aproximação do

problema feita por Schenberg se faz, sobretudo, por meio da análise da história

da construção do conhecimento. Para ele, o contexto e o desenvolvimento das

idéias, são fatores reafirmadores da participação da matemática, desde sempre,

na construção do saber científico. Já a abordagem de Krauss insiste na reflexão

sobre a impossibilidade de se entender física sem o conhecimento matemático.

Ao longo de sua análise, discute o papel do uso das dimensões das grandezas

como algo essencial para o conhecimento físico. Para ele, os números e as

relações matemáticas simplificam o conhecimento, além de selecionarem o que

tem ou não relevância para esse conhecimento.

A partir da leitura dos textos desses três físicos, e da multiplicidade de

aspectos por eles levantados, procurou-se verificar a possível contribuição de

um olhar mais próximo da filosofia da ciência. Trata-se de procurar elementos

de convergência, se é que existem, entre o modo de pensar o papel da

matemática, da pessoa que faz a ciência com aquele que reflete sobre o fazer

Page 41: Maria Da Gloria de Andrade Martini

40

científico. Para isso foi utilizado o texto A ciência como atividade humana de G.

F. Kneller (1980). Nesses estudos interessou-nos o que o filósofo pensa a

respeito de como se estrutura o conhecimento científico, como se formulam leis

e como a matemática se relaciona com a construção das teorias.

A física e a matemática mantém desde muito tempo uma relação de

grande proximidade. Para Kneller

as teorias e os modelos são frequentemente construídos e expressos

matematicamente. ...a matemática fornece ao cientista uma série de estruturas

dedutivas, por meio das quais ele pode inferir as implicações de enunciados –

como leis empíricas ou princípios teóricos – que são isomórficos com as

proposições contidas nas próprias estruturas matemáticas, ou têm a mesma

forma lógica dessas proposições. (p. 140)

O cientista se utiliza dos componentes da estrutura matemática, ou seja,

axiomas, teoremas e símbolos que são puramente abstratos, interpretando-os e

convertendo-os em suas idéias acerca de seu objeto de estudo. Segundo

Kneller, a matemática é usada para construir modelos e teorias de três

diferentes modos.

A primeira maneira, e a menos comum, consiste em construir um

formalismo matemático e depois interpretá-lo fisicamente. Foi assim que Erwin

Schrodinger desenvolveu a sua teoria da mecânica ondulatória, a partir de uma

teoria anterior proposta por Maurice de Broglie. ... Schrodinger procurou, então,

captar a verdade da natureza buscando a beleza em suas equações. (p.141)

O mais freqüente, segundo Kneller, é a idéia sobre o fenômeno físico

necessitar de uma expressão matemática para torná-la mais precisa. Foi o que

fez Maxwell, segundo o autor, ao tornar a teoria do campo magnético de

Faraday mais precisa ao expressá-la na forma de equações diferencial e

Page 42: Maria Da Gloria de Andrade Martini

41

também mais concreta ao representá-la em modelos mecânicos descritos por

essas equações.

Finalmente, o cientista usa a matemática para deduzir as conseqüências

de seus pressupostos. Maxwell, por exemplo, deduziu que a radiação

eletromagnética se desloca à mesma velocidade da luz e, por conseguinte, que

a luz deve ser uma forma de radiação eletromagnética. Do mesmo modo, Paul

Dirac, uniu a teoria quântica e a relatividade especial em um conjunto de

equações, do qual deduziu, entre outras coisas, que existem elétrons de carga

positiva. Embora na época se considerasse que tais partículas eram

impossíveis, Dirac insistiu em que elas deviam existir, uma vez que eram a

conseqüência lógica de pressupostos que ele e outros físicos tinham todos os

motivos apara acreditar que eram verdadeiros. Cinco anos depois, isso foi

corroborado quando Carl Anderson descobriu provas experimentais dessas

partículas. (p. 142)

Pode-se admitir, em uma aproximação, que na classificação de Kneller

sobre os três modos de utilizar a matemática, há uma maneira na qual a

matemática é vista quase sempre como linguagem, isto é como tradutora dos

processos físicos. O modo linguagem não implica necessariamente em uma

matemática pouco sofisticada, contida somente em relações de

proporcionalidade; há ocasiões, nas quais o fenômeno deve ser descrito

fazendo-se uso de gradientes ou de rotacionais. Mesmo assim, a essência é a

mesma: reconhece-se uma relação na natureza que pode ser expressa por meio

de uma equação. Por outro lado, segundo Kneller, há ocasiões em que a

matemática pode ser considerada aquilo que permite e dá condições à

extrapolação, possuindo assim, caráter extensivo e articulador da teoria física. É

algo mais do que a simples tradução de uma idéia por meio de um formalismo

matemático, tornando-se, portanto, aquilo que permite fazer suposições e

relações além de tornar viável que se façam generalizações sendo, portanto, o

fator que garante à teoria, sua coerência interna. Por fim, para Kneller, a

Page 43: Maria Da Gloria de Andrade Martini

42

matemática, eventualmente, pode assumir o papel daquilo que reconhece e

prevê o comportamento de um fenômeno sem que seja necessário estabelecer

um vínculo entre ele e o real, a priori. A matemática desenvolve um formalismo

matemático que explica algo da natureza, mesmo antes de sua existência ser

comprovada.

Parece haver uma linha de separação bastante tênue entre os modos de

enxergar o papel da matemática no conhecimento físico, tanto por Kneller

quanto para os cientistas. Analisando os exemplos e idéias explicitadas nos

textos dos três físicos, pode-se pensar que suas percepções sobre a matemática

ora estão no primeiro, ora no segundo, ora no terceiro modo, ora em nenhum ou

em todos eles. Uma mesma ocorrência matemática relativa a um fenômeno

pode ser olhada ora de uma maneira, ora de outra. Isso pode nos dizer algo

sobre a riqueza de possibilidades na relação entre as duas ciências assinalada

nos textos dos cientistas escolhidos. Para eles, no entanto, parece evidente que

a matemática deve ser vista como algo mais do que simples linguagem.

Feynman reitera essa percepção ao afirmar que compreende a matemática não

apenas como uma outra linguagem, mas como uma linguagem mais o

raciocínio, uma linguagem mais a lógica, sendo assim, um instrumento para

raciocinar.

De fato, parece haver o reconhecimento nos três textos, do caráter

estruturante que a matemática possui no conhecimento físico. Embora nenhum

dos autores utilize explicitamente essa denominação, suas abordagens e

exemplos permitem melhor explicitar o que seria esse caráter. Além de dar

expressão às idéias da física, a matemática é vista como aquilo que estrutura o

próprio conhecimento. Nossos cientistas parecem concordar com o fato de que

se o conhecimento da física é todo articulado, é a matemática que revela essa

articulação. No texto abordado, Feynman discorre sobre sua percepção da

matemática como aquilo que nos permite analisar, extrair conseqüências e

modificar leis, sendo por isso, uma maneira de passar de um conjunto de

enunciados para outro. Por seu lado, Krauss entende que é a matemática aquilo

Page 44: Maria Da Gloria de Andrade Martini

43

que permite a visão das muitas faces diferentes da realidade, tornando possível

a interconecção entre elas, assumindo por causa disso um caráter

transformador, pois torna o conhecimento físico acessível.

A análise do pensamento dos três físicos por meio dos textos escolhidos

permite olhar para a diversidade, por eles reconhecida, da atuação da

matemática no pensamento físico. O papel da matemática na construção da

teoria física parece nem sempre obedecer às categorizações sugeridas por

Kneller. Isso pode sugerir a idéia de que a complexidade das funções

desempenhadas pela matemática na física é maior do que uma primeira

aproximação pode indicar.

Page 45: Maria Da Gloria de Andrade Martini

44

Capítulo IV

A relação entre a Física e a Matemática em alguns livros didáticos indicados para Ensino Médio

Neste capítulo pretende-se investigar a relação entre a física e a

matemática nos livros didáticos de física do ensino médio, procurando

estabelecer as características das relações entre esses conhecimentos, , tendo

em vista as discussões realizadas anteriormente. Trata-se de tentar um enfoque

específico e local sobre o tratamento que os autores dos livros de física

oferecem à matemática quando se propõe a construir um determinado conceito

para o aluno, ou ao estabelecerem uma teoria, ou quando apresentam

atividades para serem realizadas pelos alunos ou quando vinculam a teoria a

uma aplicação tecnológica.

O saber físico presente nos livros didáticos já foi discutido de maneira

ampla em diversos trabalhos. Para a reflexão proposta neste capítulo,

utilizaremos inicialmente as referências sobre o tema propostas por Wuo (2000).

Do seu ponto de vista, o papel da matemática na construção do conhecimento

físico é um dos aspectos considerados relevantes para a sua investigação sem,

no entanto, merecer do autor, uma análise em profundidade.

Ao longo de sua avaliação, Wuo (2000) distingue quatro grupos de livros

segundo o modo pelo qual a física é abordada. Interessa-nos aqui, menos sua

análise global e mais o reconhecimento de como o autor percebe o papel da

matemática na formação do saber físico nesses diferentes grupos.

Em sua investigação, a presença da matemática é um dos elementos

utilizados para caracterizar aspectos metodológicos dos manuais, sobretudo no

que se refere ao modo de exposição dos conceitos ou teorias e também como

um dos elementos que identificam as abordagens dos conceitos de maneira

intensista (ênfase no qualitativo) ou extensista (ênfase no quantitativo).

Resumidamente, para Wuo (2000) há grupos de livros para os quais o

modo de exposição dos conceitos ou teorias faz referência ou parte do cotidiano,

Page 46: Maria Da Gloria de Andrade Martini

45

enfatizando leis gerais, abordando aspectos e explicações diversificadas para, a

partir disso, construir uma linguagem. Nesses grupos há um equilíbrio entre o

aspecto qualitativo e quantitativo do que se quer ensinar e desse modo, os

modos intensista e extensista ou se interrelacionam ou são valorizados e

contemplados de maneira equilibrada. Em relação a alguns desses textos no

qual o equilíbrio está presente, ele diz

A ênfase na construção inicial de uma “linguagem”, antes de procurar

alcançar a expressão quantitativa e buscar uma visão teórica mais abrangente e

concreta, são notas não destacadas em outras obras, pelo menos na grande

maioria delas. (Wuo, 2000, p. 58)

No início dos assuntos há uma apresentação da temática a partir dos

conceitos básicos que formam a linguagem. É uma construção inicial dos

principais termos que receberão em seguida uma formulação matemática

sempre relacionada com dados da realidade vivenciada no cotidiano. (Wuo,

2000, p. 60)

Em outros dois grupos de livros há um predomínio marcante do modo

extensista, sobretudo porque os aspectos quantitativos dos conceitos são muito

valorizados. Nesses livros, os autores optam por introduzir os conceitos por meio

de uma formulação matemática com aplicações em situações cotidianas ou em

exercícios evidenciando, assim, os aspectos objetivos na relação com o leitor.

Este é o esquema que caracteriza as obras do grupo 3: abordagem

conceitual resumida, com os pontos lógicos fundamentais e muitos exercícios.

Como já foi citado, o livro segue o modelo das apostilas dos cursos pré-

vestibular que visam preparar o aluno para a resolução de problemas e testes.

(Wuo, 2000, p. 63)

Page 47: Maria Da Gloria de Andrade Martini

46

...há uma abordagem que aproxima de exemplos práticos e do cotidiano.

Todavia, são considerados sempre após a formulação matemática, em que esta

é tomada como referência para a explicação dos fenômenos, o que estaria mais

perto de uma explanação quantitativa associada aos fatos. Repete-se sempre o

esquema: deduzir as expressões e depois aplicá-la em cálculos elucidativos das

situações físicas. (Wuo, 2000, p. 64)

No quarto grupo se encontram as obras de volume único cuja proposta é

apresentar toda a física do ensino médio resumidamente. A maioria desses

manuais assemelha-se a apostilas de cursinhos pré-vestibulares apresentando a

teoria de maneira esquemática e propondo um grande número de exercícios.

Nesse trabalho, para aprofundar a análise da relação da matemática e da

física, a idéia é abrir mão de uma análise extensa dos livros didáticos, já

desenvolvida em outros trabalhos, e optar por investigar mais detidamente

tópicos específicos, comparando, em diferentes livros, de que forma são

utilizados ou introduzidos os elementos matemáticos. Para isso, serão

escolhidos livros didáticos que tenham reconhecidamente perspectivas

diferentes do ensinar física.

Assim, os dois livros escolhidos constam de grupos diferentes na

classificação de análise proposta por Wuo (2000). São eles: Curso de Física de

Beatriz Alvarenga e Antonio Máximo, de agora em diante denominado livro A e

Fundamentos da Física de autoria de Ramalho e outros, de agora em diante

denominado livro B (Tabela 1). Trata-se de manuais que têm características

marcadamente distintas em relação à abordagem matemática. Além disso, sua

leitura é reveladora de diferentes modos de perceber o saber físico, também

constatado em Wuo (2000), quando diz:

....representadas por Alvarenga e Máximo (1997) e Paraná (1996), que,

de todos os demais livros, são os que mais se destacam por apresentarem uma

Page 48: Maria Da Gloria de Andrade Martini

47

série de aspectos associados à física e que torna possível localizá-la numa

dimensão cultural mais ampla e mais concreta. (Wuo, 2000, p.105)

As obras do grupo 3, (que contém o livro Fundamentos da Física)

relacionam muito pouco a física com a tecnologia, não atentam para a

subjetividade da construção da física, são muito poucas as obras que trazem

tópicos sobre física moderna, não associam a física com outros elementos da

cultura, situando-a em um mundo um tanto quanto fechado e até certo ponto

inquestionável. (Wuo, 2000, p.105).

Livro Autores Representação

Curso de Física

(vol 1,2 e 3)

Editora Scipione, 2000

Alvarenga, Beatriz

Máximo, Antonio

Livro A – Alvarenga

Fundamentos da Física

(vol. 1,2 e 3)

Ed. Moderna, 2003

Ramalho, Jr. Francisco

Ferraro, Nicolau Gilberto

Soares, Paulo A. de

Toledo

Livro B - Ramalho

Tabela 1 – Amostra dos livros analisados

Além de expressar propostas de ensino diversas, esses manuais

favorecem o tipo de análise desejada por serem obras consolidadas, com

sucessivas edições, de indiscutível penetração no âmbito tanto de escolas

particulares quanto públicas, além de desenvolverem seus conteúdos em três

volumes.

Para a investigação ora proposta foram selecionados dois aspectos

específicos, relacionados a conceitos de natureza diferentes,. Assim pretende-se

examinar, separadamente, como essas obras apresentam e desenvolvem os

conceito de campo elétrico, e de calor sensível e latente, procurando

perceber o contraste que existe entre a forma de introdução da matemática na

determinação desses conceitos Trata-se de um recorte bem localizado da

Page 49: Maria Da Gloria de Andrade Martini

48

eletrostática e da termologia e sua escolha é condizente com o fato de que

podemos reconhecer esses conceitos como básicos, introdutórios de uma

unidade e que, portanto, não precisam de muitos pré-requisitos, dependendo,

dessa maneira, de uma definição instituída quase que exclusivamente por meio

do livro didático. Além disso, o conceito geral de campo seja elétrico,

gravitacional ou de indução magnética, é de enorme importância para o saber

físico representando um de seus conceitos de maior densidade, tanto conceitual

quanto naquilo que se refere à representação matemática que assume, neste

caso, um viés bastante característico. A mesma singularidade se aplica ao

conceito de calor, visto ser uma forma de energia diversa daquelas relacionadas

à mecânica. A escolha desses tópicos também está de acordo com as

investigações propostas por este trabalho em situações de aprendizagem que

serão discutidas posteriormente, no próximo capítulo.

Os dois livros serão abordados segundo os seguintes elementos de

análise:

a) estrutura geral do livro; a idéia é verificar de que forma o tópico escolhido

(campo elétrico, calor) está inserido na obra como um todo.

b) desenvolvimento específico dos conceitos selecionados

b.1) desenvolvimento do conceito de campo elétrico e dos que dele

decorrem; neste caso, analisar como se constrói o conceito de campo

elétrico, linhas de força, campo de uma carga pontual, buscando

reconhecer de que forma os autores agregam a matemática a essa

conceituação .

b.2) desenvolvimento do conceito de calor e dos que dele decorrem;

neste caso, analisar como se constrói o conceito de calor sensível, calor

latente, calor específico, etc., buscando reconhecer de que forma os

autores agregam a matemática a essa conceituação .

c) exercícios resolvidos e propostos; aqui o papel da matemática no saber

físico de ensino médio evidencia-se, tornando a análise da forma e do tipo de

problema ou exercício proposto fundamental para a investigação.

Page 50: Maria Da Gloria de Andrade Martini

49

Cada um desses elementos será investigado ao longo dos capítulos sobre

campo elétrico e calor dos dois livros separadamente e, posteriormente, será

realizada uma comparação entre as concepções de cada texto acerca do

elemento analisado.

Os exemplos coletados ao longo dos dois textos, para cada um desses

elementos, encontram-se detalhados no Anexo IV. São apresentados, a seguir,

alguns resultados dessa análise.

.

III. 1 Estrutura Geral dos Livros Didáticos analisados

Ao compararmos os dois textos didáticos selecionados, constatamos que

ambos desenvolvem o conteúdo do ensino médio em três volumes através de

uma distribuição de tópicos muito semelhante.

Nos Volumes 2 examinados, nos dois casos, com exceção de um 1º

capítulo sobre leis da conservação presente no livro A, as propostas de

distribuição do conteúdo dos autores é a mesma; - divisão em 3 partes:

Termologia, Óptica e Ondas nessa ordem. No caso dos Volumes 3, ambos são

divididos em 4 partes com capítulos que se referem à Eletrostática,

Eletrodinâmica, Eletromagnetismo e uma Introdução à Física Moderna. A

proposta dos autores de ambos os livros é que a matéria seja desenvolvida

nessa ordem.

Além de uma mesma ordem de conteúdos, a organização de cada

capítulo é semelhante nos dois livros examinados. Cada capítulo é dividido em

seções que, por sua vez, são divididas em tópicos. Em cada seção, há uma

introdução teórica onde geralmente são definidos ou apresentados os conceitos

centrais. Em seguida há exercícios resolvidos, seguidos depois por exercícios

propostos, novamente teoria, resolvidos, propostos, nessa seqüência até o final

da apresentação dos conceitos que compõe o capítulo. Se houver textos ou

leituras complementares, eles estarão no final do capítulo. Finalmente, cada

capítulo termina com uma série de exercícios complementares e uma bateria de

testes que, no caso do livro A, estão misturados aos complementares.

Page 51: Maria Da Gloria de Andrade Martini

50

Em relação ao conceito de campo elétrico, em ambos os livros, a seleção

e seqüência dos temas e conceitos a serem ensinados são as mesmas, com

pequenas alterações, diferindo também nos textos complementares. Como

pode ser verificado nos respectivos índices, apresentados a seguir, a estrutura

geral é bastante semelhante. Do ponto de vista da extensão, no livro A, ao

longo de todo o capítulo, 15 páginas de texto são dedicadas à apresentação dos

conceitos sobre campo elétrico, incluindo 4 páginas de leitura complementar. No

livro B, os mesmos conceitos são apresentados em 7 páginas, incluindo um

texto de meia página sobre linhas de força.

Nos capítulos sobre calor sensível avaliados nesse trabalho, 5 páginas de

texto tanto no livro A quanto no B apresentam os conceitos a ele relacionados

Page 52: Maria Da Gloria de Andrade Martini

51

(equação fundamental, calor específico, capacidade térmica). Para o calor

latente (definição, leis da mudança de estado e curva de aquecimento), o livro A

reservou 10 páginas, incluindo aí uma leitura sobre cristais líquidos enquanto o

livro B o faz em 3 páginas. Vale ressaltar que o formato dos livros é semelhante

no que diz respeito aos tamanhos das folhas que os constituem.

As diferenças entre as estruturas desses textos aparecem principalmente

na forma como são introduzidos os conceitos. No livro A, há, em geral, uma

exposição qualitativa mais extensa antes que seja apresentada a formulação

matemática, que é seguida de exercícios de fixação, onde também comparece,

inicialmente, uma maior ênfase qualitativa. No livro B, a estrutura também é

baseada em uma apresentação teórica, abordagem quantitativa, exercícios

resolvidos e exercícios propostos, embora a discussão inicial seja mais resumida

e os exercícios resolvidos tenham abordagem quantitativa.

...este é o esquema que caracteriza as obras desse grupo: abordagem

conceitual resumida, com os pontos lógicos fundamentais e muitos exercícios.

Como já foi citado, o livro segue o modelo das apostilas dos cursos pré-

vestibular que visam preparar o aluno para a resolução de problemas e testes.

(Wuo, 2000, p.63)

A própria disposição estrutural de conteúdos, parece apontar, no caso do

livro B, para uma tendência em que a apresentação do conceito, no caso de

campo elétrico, é voltada para a resolução de exercícios, visto que a descrição

teórica é curta, usando-se de esquemas, sendo seguida de exercícios

resolvidos.

Note-se, todavia, que em relação à estrutura mais geral e condutora dos

livros, ambos apresentam e dividem o conteúdo da mesma maneira,

caracterizando um modo tradicional e clássico de desenvolver a matéria. É

surpreendente que, mesmo no interior de cada seção, a seqüência dos

conteúdos seja tão semelhante.

Page 53: Maria Da Gloria de Andrade Martini

52

III.2 - Em relação ao desenvolvimento do conceito de campo elétrico

No que se refere à abordagem dos conceitos, os dois livros apresentam

diferenças no tratamento dado à matemática na aquisição do conhecimento

físico. No livro A, é possível perceber uma abordagem do conceito que se dá

pela discussão, traduzindo-o, na medida do possível, primeiramente em termos

de idéias para só depois aproximar-se da expressão matemática. No livro B, ao

contrário, o ponto de partida da própria conceituação é a expressão matemática,

a partir da qual se busca estabelecer uma analogia.

No caso do conceito de campo elétrico, o livro B o define como algo que

desempenha o papel de transmissor de interações entre cargas elétricas. Para

esclarecer o conceito, os autores buscam na analogia com o campo

gravitacional a semelhança entre as expressões Pr

= m . gr e Fr

= q . Er

. Nas

palavras do livro,

... um corpo de prova de massa m, colocado num ponto P, próximo da

Terra (suposta estacionária) fica sujeito a uma força atrativa Pr

= m . gr (peso do

corpo) (fig.) Isso significa que a Terra origina, ao seu redor, o campo

gravitacional que age sobre m. Na expressão Pr

= m . gr , notamos a presença de

dois fatores: a) o fator escalar (m), que só depende do corpo sobre o qual a

força se manifesta; b) fator vetorial gr que exprime a ação no ponto P do

responsável pelo aparecimento de tal força, no caso, a Terra. O vetor gr é

denominado vetor aceleração da gravidade..(Ramalho e outros, 2003, p. 34).

Assim, para os autores, no caso do campo elétrico, há um fator análogo

a m que é a carga de prova q, colocada em um ponto onde aparecerá a força,

agora de caráter elétrico e um fator vetorial análogo a gr , representado por Er

,

denominado vetor campo elétrico. A proposição dos autores supõe que por meio

Page 54: Maria Da Gloria de Andrade Martini

53

da relação matemática a semelhança se estabeleça, ou seja, a explicação

algébrica é a própria razão do conceito, como se a analogia baseada na

equivalência matemática bastasse para o entendimento dos fenômenos

relacionados ao conceito central. A analogia, portanto, é fundada na questão

algébrica e não na conceitual. Além disso, é possível notar que, após o

estabelecimento da expressão Fr

= q . Er

, os autores dão por encerradas as

explicações sobre o conceito de campo elétrico.

Sendo assim, a formulação matemática parece conter todas as

informações que o aluno precisa para estabelecer relações entre os demais

conceitos decorrentes e que estarão no restante do capítulo: campo elétrico de

uma carga puntiforme, campo elétrico de várias cargas puntiformes, linhas de

força, campo elétrico uniforme. Assim, entre outros pedidos, o aluno deve

inferir, conhecendo a expressão Fr

= q . Er

, que

... a cada ponto P de um campo elétrico associa-se um vetor Er

,

independente de colocarmos ou não uma carga de prova q em P. Fato análogo

verifica-se no campo gravitacional: a cada ponto desse campo associa-se um

vetor gr , independentemente de colocarmos um corpo de prova de massa m

(Ramalho e outros, 2003, p. 34).

No livro A, a apresentação do conceito é feita a partir de uma descrição

qualitativa seguida de comentários envolvendo lembretes ou chamando atenção

para algum detalhe da descrição. Nota-se que as definições são bastante

parecidas, porém o tratamento dado ao conhecimento decorrente delas é

diferente. Assim, para o livro A,

dizemos que em um ponto do espaço existe um campo elétrico quando

uma carga q, colocada neste ponto, for solicitada por uma força de origem

elétrica (Alvarenga e Máximo, 2000, p.55)

Page 55: Maria Da Gloria de Andrade Martini

54

Essa idéia nos parece bastante semelhante ao papel de transmissor de

interações entre cargas elétricas descrito no livro B. No entanto, a secção de

comentários que se segue, no livro A, parece tentar aproximar o aprendiz do

conceito através de um tratamento menos abstrato do que aquele dado no livro

B.

É importante salientar que a existência do campo elétrico em um ponto

não depende da presença da carga de prova naquele ponto. Assim, existe um

campo elétrico em cada um dos pontos P2, P3, P4 e P5 da figura, embora não

haja carga de prova em nenhum deles. Quando colocamos uma carga de prova

em um ponto, queremos apenas verificar se atua, ou não, uma força elétrica

sobre ela, o que nos permite concluir se existe, ou não, um campo elétrico

naquele ponto (Alvarenga e Máximo, 2000, p. 55).

A analogia com o campo gravitacional é feita diferentemente. Segundo

os autores, o conceito de campo é apresentado pela primeira vez nesse

momento do curso. A opção se dá pelo fato de julgarem que não se deva tratar

no capítulo sobre Gravitação Universal de um conceito tão abstrato, visto o

estudante estar no início de seus estudos em Física. Sendo assim, o comentário

que se segue introduz o conceito de campo e prepara o entendimento da

analogia.

Estamos habituados a dizer que, na fig., a força elétrica Fr

é exercida por

Q sobre q . Com a introdução do conceito de campo elétrico, podemos visualizar

esta interação de uma maneira diferente: dizemos que a carga Q cria um campo

elétrico nos pontos do espaço em torno dela e que este campo elétrico é o

responsável pelo aparecimento da força elétrica sobre a carga q colocada

naqueles pontos. Em outras palavras, consideramos que a força elétrica que

atua sobre q é devida à ação do campo elétrico não à ação direta de Q sobre q

(Alvarenga e Máximo, 2000, p. 55).

A analogia é feita a seguir e não faz uso de instrumental matemático.

Page 56: Maria Da Gloria de Andrade Martini

55

O conceito de campo não é restrito apenas ao estudo dos fenômenos

elétricos. Assim, dizemos que em torno da Terra (ou em torno de qualquer ponto

material) existe um campo gravitacional, pois uma massa m, colocada em

qualquer ponto do espaço em torno da Terra, fica submetida à ação de uma

força exercida por ela (fig.). Da mesma forma, em um ambiente (uma sala, por

exemplo), podemos dizer que existe um campo de temperatura, pois em cada

ponto do ambiente temos uma temperatura bem determinada, própria daquele

ponto (Alvarenga e Máximo, 2000, p. 55).

Observe-se que até este ponto do desenvolvimento do conceito, os

autores não fizeram uso de nenhuma expressão algébrica, mesmo quando a

seguir, generalizam o conceito para outros campos.

A expressão algébrica do campo é apresentada em um próximo bloco,

denominado O vetor campo elétrico, sendo que suas características (módulo,

direção e sentido) são definidas resumidamente, em um box tal qual se segue:

É possível notar que esta definição apresenta o vetor Er

como foco

central da expressão algébrica, de modo distinto ao utilizado no livro B que por

meio da analogia algébrica entre Pr

e Fr

deduz que deva existir um análogo

vetorial a gr , que será o campo elétrico Er

.

Page 57: Maria Da Gloria de Andrade Martini

56

Há, também, uma diferença entre como se obtém a direção e sentido do

vetor Er

nos dois casos. No livro A isto é feito através de uma convenção que é

descrita através de exemplos tais como: suponha que a carga que cria o campo

seja negativa, como mostra a fig. Neste caso, se colocássemos uma carga de

prova positiva em P1, ela seria atraída por Q com uma força para a esquerda.

Portanto, o vetor campo elétrico estaria agora, dirigido para a esquerda (sempre

no sentido da força que atua na carga de prova positiva) (Alvarenga e Máximo,

2000, p.57) .

No livro B, conclui-se que observando Fr

= q . Er

, é possível reconhecer o

produto de um número real por um vetor e daí, se poderá concluir que:

O livro B parece sugerir, novamente, que é na estrutura matemática que

se estabelece a compreensão do principio físico, mesmo quando se trata de

apresentar uma convenção. É evidente que a explicação mais precisa é a que

leva em consideração o produto entre um número real e um vetor. Neste caso,

Page 58: Maria Da Gloria de Andrade Martini

57

no entanto, não utilizar-se desse formalismo não põe em risco a correção do

conceito além de se revelar um modo satisfatório de compreensão.

É possível perceber no livro B que há quase sempre uma tentativa de

introduzir um conceito ou assunto novo por meio

de um sucinto comentário sobre o tema, na maioria das vezes, só para dar

encadeamento à seqüência, apresentando a definição matemática do conceito

em questão. (Wuo, 2000, p. 93)

Isso significa quase sempre frases curtas, esquemas, e texto entremeado

de equações. Para o livro B o saber físico de um tema está condicionado à

compreensão de sua matemática, de suas relações com outras grandezas

advindas e vinculado aos aspectos quantitativos.

No livro A, o conceito também é buscado evidenciando os aspectos

quantitativos. No entanto, ocorre um maior equilíbrio entre as dimensões

qualitativa e quantitativa nos desdobramentos decorrentes da definição dos

conceitos. A busca pelos vínculos entre o conceito e situações ou analogias

mais concretas e mais próximas do mundo vivencial do aluno é percebida mais

claramente. As descrições são mais extensas, há preocupação em estabelecer

com o estudante uma proximidade expressa por meio de figuras estilizadas ou

textos onde predomina a terceira pessoa do plural (Estamos habituados;

Imaginaríamos agora; Se na fig., considerássemos, etc.) .

Page 59: Maria Da Gloria de Andrade Martini

58

Além disso, nota-se uma tentativa mais

efetiva de expor ao aluno uma visão aplicada

do conceito, assegurando-se associações em

situações mais concretas (os itens sobre a

gaiola de Faraday ou sobre a rigidez dielétrica

do ar, por exemplo), preocupação seguramente

menos presente no livro B.

Page 60: Maria Da Gloria de Andrade Martini

59

IV. 3 – Em relação aos conceitos relacionados ao calor e mudança de estado

As diferenças entre os modos de apresentação dos conceitos entre os

livros A e B, fica mais evidente nos capítulos referentes ao calor do que naquele

que estabelece o conceito do campo elétrico. Para além do que possa

representar o número de páginas utilizado pelo livro A para essa descrição ser

quase cinco vezes maior, verifica-se que as diferenças entre o papel da

matemática no estabelecimento do conceito das grandezas relacionadas ao

calor estão vinculadas, sobretudo, a modos diferentes de instituir o saber físico

no ensino médio. Em ambos os livros são visíveis as abordagens quantitativas

na medida em que introduzem e desenvolvem as expressões algébricas para o

calor sensível e latente, para a capacidade térmica e o calor específico. A

diferença está na ênfase dessa abordagem. Enquanto no livro A são

perceptíveis tentativas de assegurar distinções e relações entre os conceitos,

comparando-os e analisando-os quantitativa e qualitativamente, no livro B a

idéia de rigor técnico está associada a um modo abrupto, sem motivação ou

justificativa de apresentar o conceito por meio, sobretudo, da expressão

algébrica que o traduziria. Os exemplos práticos ou do cotidiano, ao contrário do

livro A, são descritos sempre após a formulação matemática, considerada como

orientação para a percepção dos fenômenos. Há uma opção pela explanação

quantitativa.

No livro B, é enfatizado o modo de perceber a matemática em seu papel

de linguagem que traduz o pensamento e o conhecimento físico. Em outras

palavras, a matemática é vista em um contexto operacional, onde resolver

problemas operando dentro do sistema matemático, parece ser a principal

garantia de aquisição do saber físico. Nesse sentido, não é mesmo necessário

que os problemas estejam relacionados a um contexto ou tenham significado.

Por esta razão, segundo Matos e Terrazina (1996), os fenômenos reais não

conseguem funcionar como modelos que apóiem o pensamento e a operação

Page 61: Maria Da Gloria de Andrade Martini

60

dentro dos sistemas matemáticos. Em vez disso o aluno incorporará os

conceitos associados a problemas-modelo que servem de orientação para as

resoluções formais.

O livro A, ao contrário, enfatiza ao professor, a necessidade de

estabelecer com a matemática uma atitude que a distinga como inspiradora no

reconhecimento dos fenômenos reais. Sendo assim, a matemática seria

estruturante na medida em que as conexões e estruturas desconhecidas do

conhecimento se revelam a partir de sua matematização. Essa posição se

sobressai especialmente quando é da analise qualitativa que se dá um salto

para relações de proporcionalidade ou de obtenção de uma equação, como é

feito, por exemplo, para a equação fundamental da calorimetria (Alvarenga e

Máximo, 2000, vol 2, p. 126).

IV. 4 – Em relação aos exercícios. Analisando os enunciados dos problemas pode-se perceber, no livro B,

uma tendência em esgotar, por meio dos exercícios resolvidos, as possibilidades

de resolução dos exercícios propostos que virão em seguida, revelando uma

concepção de aprendizagem baseada na repetição. O número de exercícios de

fixação no livro A e seu similar proposto no livro B parece reforçar essa

tendência. São 21 para o livro A e 9 para o B, no capítulo sobre campo elétrico e

24 nos capítulos sobre calor no livro A e 21 no livro B. Percebe-se no livro A,

principalmente em relação ao campo elétrico, uma tentativa de dar ao aluno um

papel de maior responsabilidade na conceituação e elaboração algébrica visto

que não há, na maior parte dos exercícios de fixação, formas de basear a

resolução naquilo que foi desenvolvido nos exemplos. Além disso, como já foi

dito, esses exercícios são, no livro A, em sua maioria qualitativos.

Ao tratarmos dos exercícios de recapitulação e testes, observamos uma

maior proximidade dos números. São 35 no livro B e 42 no A, relacionados ao

campo elétrico.

Page 62: Maria Da Gloria de Andrade Martini

61

Os exercícios do livro B são coerentes com uma visão mais calcada no

formalismo matemático, que aparece principalmente nos exercícios não

retirados de vestibulares, já que nestes é possível notar uma tendência de uma

maior contextualização da situação-problema. Os exercícios resolvidos fazem

uma aplicação direta da expressão algébrica por meio de pedidos diretos e

simples. Exemplo disso é o ex. resolvido 1, do capítulo sobre campo elétrico.

Num ponto de um campo elétrico, o vetor campo elétrico tem direção horizontal,

sentido da direita para a esquerda e intensidade 105 N/C. Coloca-se, nesse

ponto, uma carga puntiforme de -2µC. Determine a intensidade, a direção e o

sentido da força que atua na carga (Ramalho e outros, 2000, p. 35).

Nos exercícios propostos repetem-se as situações dos resolvidos.

Uma carga elétrica puntiforme de 10-9 C, ao ser colocada num ponto P de um

campo elétrico, fica sujeita a uma força de intensidade igual a 10-2 N, vertical e

descendente. Determine a intensidade, a direção e o sentido do vetor campo

elétrico em P (Ramalho e outros, 2000, vol. 3, p.35).

Observa-se em todos os capítulos investigados que para cada um dos

exercícios resolvidos há seu similar proposto, sempre usando a fórmula

apresentada no item teórico ao qual o exercício está relacionado.

No livro A, os exercícios-exemplos parecem seguir a mesma linha,

visando a aplicação das fórmulas reveladas anteriormente. No primeiro exemplo

do capítulo sobre campo elétrico isto aparece claramente. Percebe-se, no

entanto, que os autores tentam utilizar uma linguagem de mais proximidade com

estudante, explicando mais o que se deseja, tentando contextualizar

minimamente a situação.

Uma pessoa verificou que, no ponto P da fig., existe um campo elétrico Er

,

horizontal, para a direita, criado pelo corpo eletrizado mostrado na fig. a)

Page 63: Maria Da Gloria de Andrade Martini

62

Desejando medir a intensidade do campo em P, a pessoa colocou, nesste ponto,

uma carga q = 2,0 . 10-7 C e verificou que sobre ela atuava uma força F = 5,0 .

10-2 N. Qual é a intensidade do campo em P? b) Retirando-se a carga q e

colocando-se em P uma carga positiva q1= 3,0 . 10-7 C, qual será o módulo da

força Fr

1 que atuará nesta carga e qual o sentido do movimento que ela tenderá

a adquirir? (Alvarenga e Máximo, 2003, p. 58)

Com relação aos exercícios propostos há uma diferença maior entre os

dois livros. No livro A, os chamados exercícios de fixação e os que fazem parte

da revisão são, em sua maioria, qualitativos ou semi-quantitativos e são,

geralmente, resolvidos com certa facilidade, devendo ser solucionados, segundo

os autores, prioritariamente. Nestes exercícios é possível notar uma

preocupação em fixar o conceito antes de introduzir a aplicação da expressão

algébrica. Às vezes isso ocorre remetendo o aluno ao texto descritivo do

capítulo. O primeiro exercício de fixação proposto sobre campo elétrico acentua

essa tendência.

A série de exercícios no final dos capítulos do livro A chama-se

problemas e testes e exercícios suplementares. Trata-se de um conjunto de

questões que abrangem o conhecimento de todo o capítulo com ênfase para

relações matemáticas, contextualizadas, na maior parte das vezes, em

aplicações da Física.

Page 64: Maria Da Gloria de Andrade Martini

63

No livro B, os últimos exercícios são os propostos de recapitulação e

testes de vestibular. Como são, na sua maioria, de vestibulares, apresentam

uma maior variedade de situações propostas. Geralmente implicam em

resoluções que não foram contempladas anteriormente. Ainda assim, são

exercícios essencialmente ligados a aplicação algébrica dos conceitos. Os

testes são coerentes com essa abordagem. Apesar de, entre os 20, cinco deles

privilegiarem o caráter fenomenológico da situação descrita.

À vista disso, conclui-se que ambos os livros trabalham os exercícios com

ênfase no aspecto quantitativo, sendo que no livro B essa tendência mostra-se

quase que única. No livro A constata-se, principalmente nos exercícios de

fixação, uma tentativa de construir a parte formal do conhecimento por meio de

uma aproximação calcada no aspecto qualitativo/fenomenológico desse

conhecimento. Além disso, observa-se em A, em vários problemas, uma

preocupação em assegurar certo domínio do estudante em estabelecer relações

algébricas literais e não numéricas. São propostas situações que se resolvem

por meio de cálculo proporcional ou de relações quadráticas, que ao serem

trabalhadas pelo professor, podem propiciar uma singular aplicação do

conhecimento desenvolvido no capítulo.

• Considerações finais

Neste capítulo foi feita uma tentativa de compreender como se estabelece a

matemática na constituição do saber físico em dois livros didáticos no que se

refere aos conceitos de calor e campo elétrico. Utilizou-se como orientação a

análise feita por Woo que, não por coincidência, reconhece nesses mesmos dois

livros avaliados, características bem marcantes e os entende como

representantes de categorias distintas em sua investigação. Apesar de

reconhecermos essa diversidade no modo de instaurar a construção do saber

físico, parece-nos que independentemente do aspecto analisado, a matemática

a que o aluno do ensino médio está em contato está quase sempre associada

Page 65: Maria Da Gloria de Andrade Martini

64

ao seu papel de linguagem. São raras as ocasiões nos capítulos vistos em que

os autores consideram a matemática algo mais do que aquilo que permite a

tradução de uma idéia por meio de um formalismo. De fato, para os autores, a

construção de um sistema de representação a partir de dados, nem sempre

baseados na realidade próxima, parece ser a função primordial de suas

propostas didáticas. Esse modo de perceber o papel da matemática já discutido

nesse trabalho, em capítulo anterior, parece ser reconhecido como o central

também por Kneller (1980). Não há como desconsiderar a importância desse

aspecto que, porém, não é o único. Ao ser vista apenas em sua natureza

descritiva, ignora-se o atributo estruturador do saber físico que a matemática

possui. Ensinar física no ensino médio esperando que o aluno reconheça por si

mesmo o papel da matemática como aquilo que permite extrapolações, além de

dar forma às idéias, parece ser algo difícil de ser alcançado.

Ao mesmo tempo, a comparação desses dois exemplares permitiu identificar

diferentes concepções do processo de aprendizagem. Por exemplo, do ponto de

vista das atividades solicitadas aos alunos, ambos os livros enfatizam fortemente

a resolução de problemas. No entanto, enquanto o livro A inicia essa resolução

por exercícios de fixação com ênfase conceitual, passando em seguida para

exercícios mais operacionais, o livro B pressupõe que o domínio operacional,

como ponto de partida, através da resolução de um grande número de

exercícios semelhantes, será o requisito necessário para o aprendizado, por

comparação. Dentro dessa abordagem, o sentido físico se deduziria do

operacional após um número significativo de utilizações.

Page 66: Maria Da Gloria de Andrade Martini

65

Capítulo V

A relação entre Física e Matemática em situações de aprendizagem

No decorrer desse trabalho, a relação entre o saber físico e a matemática

é refletida em diferentes aspectos. A maneira como cientistas e escritores de

livros didáticos abordam essa temática revela percepções acerca do papel da

matemática que, se não são dissonantes quanto à importância dessa ciência

para a física, todavia podem ser diversas no que se refere a sua natureza, ora

formativa, ora tradutora, ora estruturadora, ora instrumental do saber físico.

A proposta desse capítulo é iniciar uma reflexão sobre as possíveis

maneiras de instituir o papel da matemática no saber físico, agora sob o ponto

de vista do aluno que aprende Física no ensino médio.

Alguns educadores e professores de Física, sobretudo relacionados ao

Ensino Médio, são partidários da idéia de que se poderia promover um

aprendizado com mais significado se o uso das relações matemáticas fosse

mais restrito. Essa argumentação baseia-se no fato de que, atualmente, uma

grande parte dos alunos tem seu conhecimento físico reduzido ao uso de

fórmulas e que, desse modo, poderia haver situações em que sendo a

matemática excluída, a aprendizagem seria favorecida, tornando-se mais

efetiva. Nesse sentido, para alguns, o estudo dos fenômenos e processos físicos

poderia ficar restrito aos seus aspectos conceituais ou fenomenológicos sem

prejuízo para o conhecimento.

Mas será possível aprender, de fato, Física sem o saber matemático? O

aluno aprende mais facilmente e faz relações conceituais mais pertinentes

quando pode prescindir das considerações quantitativas? Em que medida o uso

da Matemática não compromete a compreensão dos fenômenos físicos?

Page 67: Maria Da Gloria de Andrade Martini

66

Como percebemos no decorrer desse trabalho, a questão da relação

entre a Física e a Matemática é complexa e tem recebido abordagens diferentes

ao longo do tempo. Pode-se admitir que essa mesma relação, para além de

elementos estruturadores, pode vir a ter outra dimensão quando pensada do

ponto de vista do aprendizado e da construção escolar do conhecimento.

A investigação, relatada nesse capítulo, propõe-se a iniciar uma reflexão

sobre os aspectos escolares dessas questões. Embora reconhecendo a

complexidade e a inexistência de relações bem definidas ou definitivas, nossa

proposta é averiguar o papel da matemática em situações de aprendizado em

Física de alunos do Ensino Médio. Sem pretensão de estabelecer relações

abrangentes, propomo-nos a analisar situações locais e pontuais.

Elegemos para isso dois temas específicos, correspondentes àqueles

apreciados nos livros didáticos e que foram examinados no capítulo IV desse

trabalho. Sendo assim, escolhemos um conjunto de conteúdos e fenômenos

relacionados ao calor e mudança de estado e outro conjunto de conceitos e

formulações relacionados ao campo elétrico.

Optou-se por utilizar, como instrumento de coleta de dados, a proposição

aos alunos de questões envolvendo a física relacionada a esses conteúdos e

comparar o desempenho desses alunos diante de solicitações que exigiam

respostas conceituais e outras que exigiam cálculos matemáticos. Essas

questões foram introduzidas em situações de avaliação a que os alunos estão

habituados.

Todas as questões dirigidas a uma mesma série trataram de um mesmo

tema. No caso dos problemas ligados à Física Térmica, apresentados aos

alunos do primeiro ano, foram construídos dois blocos de questões, relacionadas

à mudança de fase e calor latente. As questões de um primeiro bloco envolviam

situações contextualizadas, cujas respostas não eram vinculadas ao uso do

instrumental matemático ou da interpretação algébrica. Já para o segundo bloco

foram também propostas duas outras questões sobre o mesmo tema, dessa vez

exigindo resolução numérica. As situações-problema das duas questões eram

aproximadamente equivalentes, em contextos bastante semelhantes. Na

Page 68: Maria Da Gloria de Andrade Martini

67

verdade, seria impossível que fossem “completamente equivalentes”, já que se

utiliza de abordagens diferentes.

Para as questões relacionadas ao campo elétrico, optou-se por três

blocos abordando o tema por meio de questões que exigiam, respectivamente,

a utilização numérica, a abordagem algébrica e, por fim, a compreensão

conceitual em uma situação contextualizada. Em todas elas, solicitou-se ao

aluno que fizesse um mesmo tipo de associação entre a ação do campo elétrico,

a força elétrica e a aceleração a que uma partícula estava sujeita na região do

campo. Essas questões foram apresentadas aos alunos do terceiro ano do

ensino médio.

A metodologia adotada consistiu em, por meio da análise de conteúdo,

analisar e comparar as respostas dos alunos, procurando investigar as relações

entre seus desempenhos nas questões verbais e naquelas que exigiam

instrumental matemático. As respostas foram agrupadas em categorias a partir

da semelhança entre elas, buscando correlações entre o desempenho do

mesmo aluno nas diferentes questões pertinentes ao mesmo tema.

Todos os alunos, cujas respostas foram apreciadas nesse trabalho, eram

de classe média alta e estudavam em uma escola particular da zona sul da

cidade de São Paulo. As questões, cujas respostas se examinaram, foram

retiradas de instrumentos de avaliação aplicados no final do primeiro bimestre e

que continham, invariavelmente, dez questões sobre tópicos de Termologia. O

aluno teve duas horas para resolver toda a avaliação.

V. 1 – O calor em uma situação de aprendizagem

V. 1 a - DESCRIÇÃO DO INSTRUMENTO UTILIZADO

A amostra investigada é composta de cento e quinze alunos que

freqüentavam o 1º ano do ensino médio no mês de abril de 2003. A forma

utilizada foi a de inserir as questões do instrumento em uma avaliação de final

Page 69: Maria Da Gloria de Andrade Martini

68

de bimestre, da qual constavam também outras questões. Para efeito de

esclarecimento, vale ressaltar que se tratava do início do ano letivo e, portanto,

de alunos apenas ingressantes no ensino médio. Esses alunos haviam

estudado, para essa avaliação, os conteúdos relativos à termometria e

calorimetria, incluindo-se aí, a mudança de estado. Os fenômenos associados a

essas partes da Física foram apresentados a partir de problemas, testes e

atividades experimentais realizados em sala de aula. Embora as turmas fossem

heterogêneas, cabe observar que para o estudo de temas de Física, integrando

o conteúdo de Ciências no ensino fundamental dessa escola, não é adotada

abordagem quantitativa, privilegiando-se apenas os aspectos qualitativos dos

fenômenos.

Apresentamos a seguir o instrumento utilizado. O detalhamento das

questões utilizadas é essencial para a análise das respostas e dos resultados

obtidos.

No primeiro bloco de questões, dividido em partes (a) e (b), era esperado

que o aluno relacionasse seus conceitos relativos à mudança de estado em

situações do cotidiano, identificando e aplicando o conteúdo visto e

experimentado em sala de aula. As respostas deveriam ser apenas descritivas/

explicativas a respeito do fenômeno. A situação problema consistia em decidir

se, para esfriar um refrigerante, é melhor utilizar cubos de gelo ou bolas de gude

geladas, já que essas últimas não derretem. Os aspectos favoráveis a uma ou

outra situação apareciam nas falas de duas alunas, Luiza e Thaís, que

conversavam. Uma (Thaís) preferia o gelo, enquanto a outra (Luiza) sugeria o

uso de bolinhas de gude geladas. Para encaminhar e deixar claro o contexto

esperado para a resposta, no item (a) era solicitada uma explicação para o fato

do gelo permanecer a zero graus Celsius durante o processo de fusão.

Page 70: Maria Da Gloria de Andrade Martini

69

No segundo bloco de questões, também dividido em partes (a) e (b), o

objetivo era o mesmo e a situação-problema bastante semelhante, sendo que

dessa vez sua resolução exigia utilização da expressão matemática dos

mesmos conceitos físicos. No item (a), Joca esfria a água de seu banho com

cubos de gelo, enquanto no item (b), o mesmo Joca, não dispondo de gelo,

decide resfriar a água de seu banho com soldadinhos de chumbo que estavam

no congelador. Em ambos os itens, no entanto, é solicitada explicitamente a

obtenção das temperaturas finais da banheira em cada uma das situações.

Aluna da Escola, Luiza observa a colega Thaís colocando cubos de

gelo em fusão no seu copo com guaraná e se surpreende: - Você vai deixar o refrigerante aguado! - Luiza, eu preciso resfriá-lo e este é o procedimento adequado. - Mas você pode colocar algumas bolas de gude no congelador e

lançá-las no guaraná. Com 3 ou 4 delas o efeito será o mesmo! - Pois você está muitíssimo enganada, diz Thaís e a briga começa...

Você deverá analisar este diálogo sob o ponto de vista da Física para responder as questões abaixo. Em todas elas considere que a massa dos cubos de gelo e das bolinhas de gude são as mesmas e que ambos foram retirados do congelador à 0oC. a) Enquanto o gelo colocado no refrigerante está em processo de fusão

sua temperatura continua em 0oC. Por que isto ocorre? b) Considerando que Luiza e Thais têm como objetivo resfriar o

refrigerante, qual das idéias propostas por elas será mais eficiente?

Analise as proposições desde o início e explicite claramente seu processo de pensamento.

a) Joca vai tomar banho de banheira e para isso enche-a com 50 litros de

água a 30 oC. Ao experimentar a água, acha que ela está muito quente e resolve resfriá-la lançando, na água da banheira, 200 cubos de gelo em fusão. Após certo tempo, verifica que a temperatura da água passa a ser de 20oC e que não há mais gelo na banheira. Desprezando as perdas para o meio exterior e a capacidade térmica da banheira, determine qual a massa de cada cubo de gelo. Dado: dágua= 1 kg/l e LF gelo= 80 cal/g

b) Na falta de cubos de gelo, Joca resolve lançar na água da banheira

sua coleção de 100 soldadinhos de chumbo ( c Pb= 0,03 cal/goC) que estavam no congelador a 0oC. Desprezando novamente as perdas e considerando que a banheira tem os mesmos 50 litros de água a 30oC do problema anterior, determine qual a temperatura final da água do banho de Joca. Considere que cada soldadinho tem massa 100 g.

Page 71: Maria Da Gloria de Andrade Martini

70

As situações colocadas pelas duas questões são, portanto,

aproximadamente equivalentes. No entanto, no segundo caso, não é

explicitamente colocada a questão da escolha, mas os resultados numéricos

indicarão as diferenças nas duas situações. Além disso, o próprio procedimento

de cálculo já sinaliza essa diferença, na medida em que o item (b) prescinde do

cálculo do calor latente.

A primeira vista, a semelhança entre as duas situações poderia até

mesmo inviabilizar o objetivo desejado, já que as questões iniciais poderiam ser

revistas à luz dos resultados das questões finais. No entanto, não foi isso que

ocorreu e nem essa é uma habilidade esperada de alunos no início do ensino

médio.

V. 1b – PADRÕES IDENTIFICADOS NAS RESPOSTAS

As respostas dos alunos foram analisadas através da metodologia de

análise de conteúdo, criando-se categorias que procuram descrever os

raciocínios desenvolvidos em cada caso. Foram inicialmente analisados os dois

itens de cada questão separadamente, buscando estabelecer padrões de

respostas para os quatro casos de forma independente. A partir desses padrões,

buscou-se verificar quais as relações entre as respostas de cada aluno,

passando, então, a buscar regularidades.

A apresentação dos resultados seguirá o mesmo roteiro. Inicialmente

serão apresentados os padrões de resposta para cada item e, em seguida,

analisados os resultados também por item. Finalmente, serão investigadas

eventuais correlações.

Page 72: Maria Da Gloria de Andrade Martini

71

Bloco I - conceitual Processo de fusão (Questão 1 a)

Enquanto o gelo está em processo de fusão, sua temperatura continua a

zero graus. Por que isso ocorre?

Na análise das respostas a essa questão foram identificados três

padrões de resposta razoavelmente diferentes, que receberam as

designações de

• propriedade intrínseca

• abordagem fenomenológica

• explicação microscópica

No primeiro caso, classificadas como propriedade intrínseca,

podem ser identificadas respostas nas quais os alunos quase que

repetem a própria proposição do enunciado, um pouco no estilo, “é assim

porque deve ser assim”. Apresentam como justificativa para que a

temperatura permaneça zero porque durante a mudança de estado a

temperatura permanece constante.

No segundo caso, classificadas como abordagem fenomenológica,

podem ser identificadas respostas em que é apresentada uma explicação

envolvendo, em geral, energia para a mudança de estado, numa tentativa

de descrever o fenômeno em termos macroscópicos. São respostas do

tipo:

Isso ocorre porque o gelo precisa de calor para mudar de estado

para a água, essa energia não esquenta o gelo, mas o transforma;

esse calor que ele recebe é chamado de latente (9).

No último caso, classificadas como explicação microscópica,

podem ser encontradas respostas em que é apresentada uma explicação

em termos de partículas ou moléculas, caracterizando uma abordagem

microscópica. São respostas do tipo:

Page 73: Maria Da Gloria de Andrade Martini

72

. porque a energia que está sendo transmitida ao gelo está sendo

usada para separar suas partículas. Na mudança de fase as

partículas do gelo precisam se separar. A energia que ele está

recebendo não vai esquentá-lo.... (22)

Como pode ser observado, esses três padrões apresentam um nível

crescente de domínio conceitual, partindo da simples constatação até identificar

forças de atração entre moléculas. Foi possível classificar a maior parte das

respostas nesses três grupos, o que sugere tratar-se de categorias completas.

As situações em que isso não ocorreu, identificadas como outros, correspondem

a respostas que apresentam inconsistências de tal ordem que comprometem o

raciocínio e que tornam sem sentido sua eventual classificação nas categorias

anteriores. Outros exemplos de respostas estão apresentados no Anexo II.

Bloco I - conceitual Gelo (Thaís) versus bolinhas de gude (Luiza) – Questão 1b

Considerando que Luiza e Thaís têm como objetivo esfriar o refrigerante,

qual das idéias propostas por elas será mais eficiente?

Nesse caso, foram também identificados alguns padrões

recorrentes. O foco esteve centrado na identificação da energia

necessária à mudança de fase. Foram utilizados os seguintes padrões,

numerados de 1 a 4 para facilitar sua identificação posterior:

1. não identifica, opta por bolinhas de gude (Luiza)

2. não identifica, opta pelo gelo (Thaís)

3. identifica, opta pelo gelo (Thaís)

4. identifica de forma pouco explícita (opta por Thaís)

Page 74: Maria Da Gloria de Andrade Martini

73

Desconsiderando o último padrão, podemos considerar que os

demais também comparecem em nível crescente de domínio do

conhecimento físico. No entanto, a discriminação entre esses padrões

nem sempre foi totalmente clara. Do ponto de vista de nossa análise,

interessava distinguir os dois primeiros casos dos dois últimos e

consideramos apenas as situações em que explicitamente foi mencionada

a energia correspondente ao calor latente, mesmo que sem usar essa

designação.

No caso de optar pelas bolinhas de gude, sem levar em conta a

energia necessária à mudança de fase, comparecem respostas do tipo

apresentado abaixo, onde podem ser observados diferentes níveis de

explicação.

Mais eficiente seria a idéia de Luiza, pois obterá seu objetivo e não

deixará aguado o refrigerante, o que aconteceria com pedras de

gelo (1) .

Nessas, como em respostas do bloco seguinte, as explicações

freqüentemente envolvem menções ao calor específico, condutividade térmica,

rapidez de transmissão do calor, e assim por diante, demonstrando que os

alunos procuraram de fato mobilizar seus conhecimentos para a resolução da

questão. Entre aquelas que optaram pelo gelo, embora não fazendo referência à

energia de mudança de fase temos, como exemplos:

A idéia de Thaís, pois o material que é feita a bola é um bom

condutor de calor, por isso perderia o calor muito mais rápido do

que o gelo, então o refrigerante esquentaria de novo (2).

Para o conjunto de respostas que optam pelo uso do gelo no resfriamento

do guaraná e identificam a energia de mudança de fase como um parâmetro

importante nesse processo, temos, como exemplo:

Page 75: Maria Da Gloria de Andrade Martini

74

Será mais eficiente colocar o gelo, pois o gelo, para resfriar o

refrigerante precisará mudar de fase, com isso precisando de uma

quantidade maior de caloria fazendo assim a água perder caloria

mais rapidamente, esfriando mais rápido. E com a bola de gude,

ela não precisará de tantas calorias quanto o gelo, então o gelo é

melhor, é mais eficiente (19)

Há ainda um conjunto de respostas que, embora os alunos tenham

optado corretamente pelo gelo e ainda que façam referência à energia

necessária para a fusão, introduzem também outros elementos não pertinentes.

Exemplos adicionais de respostas encontram-se apresentadas no Anexo I .

Bloco II – relações matemáticas Gelo para resfriar a água da banheira – Questão 2a

Desprezando as perdas para o meio exterior e a capacidade térmica da

banheira, determine qual a massa de cada cubo de gelo.

Nessa questão, é fornecida a temperatura final da água, para que, no

item seguinte possa ser utilizada pelo aluno como elemento de comparação. Se

tivesse sido solicitada a temperatura final, e se o aluno não conseguisse chegar

ao valor correto, a possibilidade de comparação estaria inviabilizada.

Para esse conjunto de respostas foi necessária uma menor atenção em

discriminar possibilidades, já que os tipos de procedimentos foram bastante

repetitivos. Foram identificados os seguintes padrões, também numerados para

facilitar as referências posteriores:

1. Utiliza corretamente as relações para mudança de estado e

transforma corretamente as unidades das grandezas envolvidas,

estabelecendo resultado correto.

2. Identifica a mudança de estado envolvida, mas comete algum erro

de outra natureza, obtendo resultado incorreto.

Page 76: Maria Da Gloria de Andrade Martini

75

3. Utiliza conceitos físicos de forma inadequada: não identifica a

mudança de estado, não sabe determinar a variação de

temperatura ou não extrai os dados do problema corretamente.

Bloco II – relações matemáticas Soldadinhos de chumbo para resfriar a água da banheira – Quest.2b

Desprezando novamente as perdas e considerando que a banheira tem

os mesmos 50 litros de água a 30oC do problema anterior, determine qual

a temperatura final da água do banho de Joca.

Para essa questão, caso a resolução seja encaminhada corretamente, o

aluno deverá obter um valor de temperatura muito próximo de 30oC, pois a

variação de temperatura é inexpressiva. Nenhum dos alunos se deu conta do

resultado quantitativo obtido. Assim, a identificação de padrões seguiu o mesmo

critério do item anterior, verificando apenas a obtenção ou não do valor

esperado. Foram identificados os seguintes padrões:

1. Utiliza corretamente as relações de calor envolvidas e transforma

corretamente as unidades das grandezas, estabelecendo resultado

correto.

2. Identifica calor cedido como calor recebido, mas comete algum erro

de outra natureza, obtendo resultado incorreto.

3. Utiliza conceitos físicos de forma inadequada: não identifica trocas

de calor ou não extrai os dados do problema corretamente.

Page 77: Maria Da Gloria de Andrade Martini

76

V. 1C - ANÁLISE DOS RESULTADOS

Cada uma das respostas, de cada um dos alunos da amostra analisada,

foi classificada segundo os padrões apresentados acima. Somente após essa

classificação, que já fornece informações interessantes, foi possível comparar o

desempenho de cada aluno no bloco conceitual e no bloco matemático,

buscando eventualmente estabelecer correlações mais abrangentes. As tabelas

com a totalidade dos dados estão no Anexo I.

Os resultados correspondentes à situação conceitual colocada pela

questão 1a estão apresentados na Tabela 5-1.

Tipo de resposta No. de alunos Percentual

Propriedade intrínseca 63 55%

Descrição do fenômeno 25 22%

Explicação microscópica 20 17%

Inconsistentes 7 6%

Total 115 100%

Tabela 5.1 - Tipos de respostas dos alunos à questão sobre por que a

temperatura permanece constante durante a fusão. (Questão 1a).

Identificamos que a maior parte dos alunos (55%) apresenta explicações

pobres, sem expressão conceitual, como se essa fosse uma propriedade não

questionável, enquanto pouco menos de 20% apresentam uma explicação

microscópica e os demais (22%) optam por uma descrição fenomenológica.

Para resolver corretamente a questão colocada (1b), esperava-se que o

aluno optasse por Thais e seus cubos de gelo. A sugestão das bolinhas de

gude de Luisa não iria surtir o mesmo efeito, que era resfriar o guaraná, apesar

Page 78: Maria Da Gloria de Andrade Martini

77

de ambos estarem a 0oC. Os resultados obtidos estão apresentados na Tabela

5-2, de forma já correlacionada com os resultados anteriores.

] Tabela 5.2 – Tipos de respostas dos alunos frente à escolha por gelo (Thais) ou

bolinhas de gude (Luiza). (Questão 1b).

A opção por gelo/Thais contou com cerca de dois terços dos alunos,

chamando a atenção para o fato de que alguns deles apesar de terem optado

corretamente por Thaís, o fazem baseados em pressupostos conceituais

equivocados tais como: calor específico, rapidez, condutibilidade, etc. Essas

imprecisões são consideradas ao se estabelecer correlações entre o respondido

em 1a) e as opções entre Luísa e Thais. A partir dessas correlações e suas

análises, podemos perceber que, qualquer que seja a explicação dada em 1a),

em média ¾ dos alunos equivocam-se ao responder 1b), como apresentado na

tabela 5-2. Além disso, nota-se que o acerto em 1b), ou seja, a escolha por

Thais com a justificativa correta, parece independer da compreensão

relacionada ao calor latente pedida em 1a) visto serem as porcentagens

bastante próximas, para as três categorias de resposta.

Em relação à questão de abordagem numérica, quando se analisam suas

respostas, referentes à situação que coloca Joca na banheira com vários cubos

de gelo, constata-se que a quase totalidade dos alunos acerta ou sabe o

Tipo de resposta

Gelo (acerto)

Thais/gelo (inconsist)

Bolas de gude (erro) NcN Totais

Propriedade intrínseca 11 (18%) 31 (49%) 15 (24%) 6(9%) 63(100%)

Descrição do fenômeno 7 (28%) 6 10 2 25

Explicação microscópica 6 (30%) 7 6 1 20

Totais 24 (22%) 44 (41%) 31 (29%) 9(8%) 108

Page 79: Maria Da Gloria de Andrade Martini

78

caminho da resolução da questão. Desse modo, praticamente todos eles (91 %)

reconhecem a mudança de estado presente na situação-problema, encaminham

as equações referentes ao fenômeno e aplicam adequadamente o princípio das

trocas de calor em recipientes termicamente isolados. Os dados de referência à

essa análise constam da tabela 5-3.

Tipo de resposta No. de alunos Percentual

Acerto completo 44 38%

Acerto (contas, unidades) 61 53%

Inconsistentes 10 9%

Total 115 100%

Tabela 5-3 - Cálculo matemático envolvendo mudança de estado e variação de

temperatura (Questão 2a).

As respostas dadas para a continuidade dessa questão (2b) seguem

uma porcentagem semelhante àquelas relativas a (2a) o que parece demonstrar

que, independente da questão se referir ou não ao calor latente e à mudança de

estado, para esse aluno o problema numérico requer um tipo de compreensão

mais facilmente alcançável do que aquela exigida em uma situação onde a

compreensão é marcadamente conceitual. Os resultados correspondentes

estão apresentados na Tabela 5-4.

Tipo de resposta No. de alunos Percentual

Acerto completo 61 53%

Acerto (contas, unidades) 35 30%

Inconsistentes conceituais 18 16%

Total 115 100%

Tabela 5.4 - Cálculo matemático envolvendo apenas variação de temperatura

(Questão 2b).

Page 80: Maria Da Gloria de Andrade Martini

79

Finalmente, frente ao aparente domínio de ferramentas de cálculo, resta-

nos buscar estabelecer relações entre as respostas dos dois blocos de

questões. Uma das correlações possíveis entre as questões de abordagem

conceitual e as de abordagem numérica é aquela que relaciona o respondido em

2a) e o padrão de explicação adotado para 1a). Percebe-se que

independentemente do modelo de explicação adotado (micro, fenom ou prop),

em média 85% dos alunos encaminham corretamente 2a), sendo que quando a

escolha é por uma explicação microscópica ou fenomenológica o percentual dos

que acertam integralmente a questão é de, em média, 60 % (Tabela 5.5).

Tabela 5.5 – Correlação entre habilidade para solução matemática e tipo der resposta conceitual (Questões 1a e 2a).

Os dados relativos às respostas em 2 a) repetem-se em 2 b), sendo que a

porcentagem de acerto independentemente do padrão escolhido em 1a) é, em

média, a mesma e optou-se por não incluí-la..

V. 1 d - CONSIDERAÇÕES ACERCA DA INVESTIGAÇÃO .

Ao analisarmos a Tabela 5.1, percebemos a tendência dos alunos a

adotarem explicações deterministas para os fenômenos físicos. Nota-se que a

escolha de critérios do tipo é porque é, parece atrair mais seguidores do que

Tipo de resposta

Acerto Acerto - problemas

Inconsist. Totais

Propriedade intrínseca 14 (23%) 38 (60%) 11 (17%) 63

Descrição do fenômeno 15 (60%) 10 (40%) - 25

Explicação microscópica 11 (55%) 8 (40%) 1 (5%) 20

Totais 40 56 12 108

Page 81: Maria Da Gloria de Andrade Martini

80

aqueles que envolvem reflexões mais apuradas. Pode-se pensar que isto está

provavelmente ligado ao fato de que esses alunos encontram-se iniciando seus

estudos em Física e ainda não dominam as especificidades do modo de pensar

dessa ciência. Há de se aplicar investigação semelhante em alunos de 2º e 3º

ano para comprovar esta suposição.

A Tabela 5.2 indica que independentemente do modelo escolhido

utilizado para responder por que o gelo mantém-se a 0oC durante a mudança de

estado, a maioria dos alunos apresenta dificuldades em transpor seu

conhecimento para a situação concreta e cotidiana. Sendo assim, apesar de

reconhecer e utilizar o conceito de calor latente (como fica evidente na tabela

5.3), este saber não adquire o sentido necessário para resolver questões

práticas. A porcentagem dos alunos que acertam integralmente a questão 1 b) é

muito pequena para qualquer dos padrões de resposta em 1 a). Nota-se,

também, que é dos alunos que optaram pela explicação microscópica em 1 a) a

porcentagem maior de escolha equivocada das bolinhas de gude, representadas

por Luiza ou seja, este tipo de explicação não foi, de fato, absorvido e

incorporado pelos alunos que aceitam o modelo tão passivamente quanto

aqueles que escolhem o padrão determinista da propriedade intrínseca.

Analisando as tabelas 5.3, 5.4 e 5.5, concluímos que a maioria dos alunos

utiliza corretamente o conceito de calor latente quando são solicitados a resolver

quantitativamente uma situação-problema. São esses mesmos alunos que, no

entanto, não reconhecem a presença do calor latente no desenvolvimento do

raciocínio quando são solicitados a explicar o fenômeno em situações

contextualizadas (1 b), apesar de praticamente todos encaminharem ou

acertarem o processo de resolução de 2 a) e 2 b). Podemos supor, então, que

independentemente da transposição conceito-cotidiano, os alunos mostram-se

capazes de dominar a linguagem matemática como outra forma de vincular

conceitos numa dimensão abrangente e mais fácil do que aquela exigida em 1

b).

Page 82: Maria Da Gloria de Andrade Martini

81

Em resumo, as conclusões iniciais indicam que os alunos

• possuem uma tendência a adotar explicações deterministas do tipo “é

porque é”.

• apresentam dificuldades em transpor seu conhecimento para a situação

concreta e cotidiana, independentemente do modelo explicativo que

possuem.

• utilizam, em sua maioria, corretamente o conceito de calor latente quando

solicitados a resolver questões quantitativas.

• em matemática apenas operam com as relações algébricas, já que não

reconhecem o sentido do que calculam.

• a solução matemática não é garantia de compreensão física.

• a compreensão física facilita pouco e não tem relação com a solução

matemática.

Cabe aqui, no entanto, uma última observação, quanto à natureza dos

resultados apresentados, especialmente por se tratarem de resultados

específicos de um determinado público-alvo, deve haver muita cautela em não

se buscarem generalizações precipitadas. Consideramos que esses resultados

poderiam orientar novas pesquisas.

Page 83: Maria Da Gloria de Andrade Martini

82

V. 2 – O CAMPO ELÉTRICO EM UMA SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM

Da mesma forma que a investigação realizada sobre o aprendizado dos

alunos em relação às questões de calor, um estudo semelhante foi desenvolvido

para questões relacionadas ao campo elétrico.

O instrumento de coleta de dados utilizado, nesse caso, é composto de

três questões que tratam do conceito de campo elétrico. Essas questões fizeram

parte de uma avaliação bimestral com dez problemas que foi aplicada em 59

alunos do 3º ano do ensino médio de uma escola particular da zona sul de São

Paulo, em meados de abril de 2006. Esses alunos estavam finalizando seus

estudos de Física Básica. As duas classes eram compostas de estudantes que

iriam prestar vestibular para as três áreas e eram heterogêneas no que se refere

ao rendimento na disciplina de Física.

Os conteúdos que compõe o currículo do ensino médio tinham sido

inteiramente contemplados, restando somente àqueles relativos à

Eletrodinâmica e ao Eletromagnetismo, além de noções de Física Moderna.

Para essa avaliação, o conteúdo exigido foi: carga elétrica e processos de

eletrização, lei de Coulomb e campo elétrico. A amostra é composta de alunos

que, invariavelmente a cada final de bimestre, faziam uma avaliação cuja

duração era de duas horas e que necessariamente continha 10 questões. Essas

questões poderiam ou não abordar quantitativamente a situação problematizada.

Na ocasião dessa investigação, os alunos já haviam terminado seus estudos

relativos ao conceito de campo elétrico. O livro utilizado como manual foi o

Curso de Física (Alvarenga e Máximo), já citado anteriormente no capítulo III

desse trabalho. É importante que se diga que para esses alunos os conteúdos

relacionados à mecânica, termologia e mesmo à ondulatória poderiam ser

inseridos nas situações dos problemas sem que isso representasse algo que

devesse ser avisado com antecedência.

Page 84: Maria Da Gloria de Andrade Martini

83

Optou-se por escolher para esta análise questões que abordam o tema

do campo elétrico com diferentes enfoques. Em um dos problemas a abordagem

é numérica, em outro é algébrica e o último requer do estudante uma

interpretação do fenômeno que só é possível por meio de sua compreensão

conceitual.

Considera-se que o problema aborda o tema numericamente quando o

que é pedido deve, - no caso, a força elétrica e a aceleração da partícula sob a

ação do campo elétrico - , ser obtido por meio da manipulação de dados

numéricos fornecidos no enunciado.

A abordagem algébrica está presente nas questões que não apresentam

grandezas quantificadas, ou seja, nas quais são apenas apresentados no

enunciado os parâmetros literais que deverão ser utilizados. No caso do

problema escolhido, o aluno deveria obter as expressões literais da aceleração e

da velocidade de uma partícula eletrizada após percorrer a região entre as

placas de um capacitor, valendo-se das relações algébricas entre as grandezas.

Para a terceira abordagem, com ênfase conceitual, os números não

aparecem. O enunciado contextualiza uma situação, - no caso, gotas de tinta

eletrizadas lançadas entre as placas de uma impressora a jato de tinta, onde

existe um campo elétrico uniforme. A situação se converte em um modo de

aplicação dos conceitos aprendidos de uma maneira que não é numérica e sim

de análise fenomenológica. Há que se identificar, sobretudo em situações nas

quais deve haver uma escolha (entre três gotas, qual tem maior aceleração,

entre três trajetórias, porque a diferença entre elas), modos condizentes de

interpretar o fenômeno sob o ponto de vista físico, por meio das teorias

aprendidas.

A proposta dessa investigação é comparar o tipo de compreensão e/ou

habilidade que os alunos demonstram relacionados às suas respostas nas três

questões. Por meio desta análise, identificar possíveis indícios de que a

compreensão do problema do ponto de vista da lógica matemática leva à

Page 85: Maria Da Gloria de Andrade Martini

84

compreensão conceitual ou vice-versa. Dessa maneira, os dados apesar de não

decisivos, serão analisados sob a perspectiva das correlações possíveis entre o

saber físico e a matemática, para esses alunos, na medida em que as situações

problematizadas exigem transposições das habilidades numérica e algébrica

para o domínio conceitual ou ao contrário. Será que a matemática presente, nas

abordagens algébricas é essencial para a compreensão conceitual? Em que

medida o domínio algébrico das relações entre as grandezas é suficiente para

assegurar um entendimento verdadeiro do conceito? É possível resolver

corretamente a questão qualitativa/fenomenológica sem dominar os aspectos

numéricos e algébricos do conceito de campo elétrico?

V.2 a - DESCRIÇÃO DO INSTRUMENTO

Apresentamos a seguir o instrumento utilizado. O detalhamento das

questões é essencial para a análise das respostas e dos resultados obtidos.

Na primeira questão, dividida em partes (a) e (b), era esperado que o

aluno relacionasse numericamente o conceito de campo elétrico em uma

situação onde o campo é uniforme e restrito a uma certa região do espaço. Um

elétron é lançado com velocidade não nula na direção das linhas de força do

campo e no sentido contrário a elas, ficando sujeito a uma força elétrica que o

acelera, aumentando sua velocidade. No problema, o peso do elétron foi

desprezado de modo que a força resultante sobre ele é somente a força elétrica.

Foi fornecida a velocidade inicial do elétron ao entrar na região do campo, sua

carga e massa, além da intensidade do campo. As questões pediam que o aluno

calculasse qual era a intensidade da força resultante e da aceleração sobre o

elétron ao atravessar a região sujeita ao campo elétrico.

Page 86: Maria Da Gloria de Andrade Martini

85

Um elétron desloca-se na direção x, com velocidade ovr

, em uma certa região do espaço.

Entre os pontos x1 e x2 dessa região existe um campo elétrico uniforme cujas linhas de

força também estão representadas na figura. Admita que antes de x1 e após x2 o campo

elétrico é nulo e que entre x1 e x2 tenha intensidade 9 . 103 N/C. Suponha que o elétron

tenha sido lançado na direção x, a partir de x = 0, com velocidade vo = 6 . 106 m/s.

Despreze o peso do elétron nessa situação. Dados: e = 1,6 . 10-19 C e massa do elétron

igual a 9 . 10-31 kg.

a) Qual é a intensidade da força resultante na região onde existe o campo elétrico?

b) Qual o módulo da aceleração do elétron nessa região?

Na segunda questão, também dividida em partes (a) e (b), o objetivo era o

mesmo, ou seja, determinar a aceleração de um elétron colocado entre as

placas de um capacitor de placas paralelas e que produz um campo elétrico

uniforme. Além disso, foi pedida a velocidade que o elétron, abandonado em

repouso próximo da placa negativa, atinge a placa positiva. Nessa questão,

nenhum dado numérico foi fornecido. Esperava-se que o aluno manipulasse as

grandezas D (distância entre as placas), E (campo elétrico uniforme), m (massa

do elétron) e q (carga do elétron) apenas algebricamente e expressasse a

aceleração (a) e a velocidade (v) em função das grandezas mencionadas, sendo

que, como na questão 1, se desprezavam as ações gravitacionais.

Eovr

0 x1 x2

Page 87: Maria Da Gloria de Andrade Martini

86

A figura abaixo ilustra um capacitor de placas paralelas separadas por uma distância D. Um

campo elétrico E estabelece-se entre as placas. Um elétron de massa m e carga q é

abandonado no ponto A.

a) Expresse a aceleração a com que o elétron atingirá a placa positiva, em termos das

grandezas mencionadas acima, desprezando interações gravitacionais.

b) Expresse a velocidade v com que o elétron atingirá a placa positiva, em termos das

grandezas mencionadas acima, desprezando interações gravitacionais.

+

D _

A questão 3, dividida em três partes, problematiza qualitativamente o

funcionamento de um equipamento reconhecidamente do cotidiano desses

alunos. Não são fornecidos dados numéricos e nem os pedidos relativos aos

itens (a), (b) e (c) conduzem a essa necessidade.

É descrito, de maneira simplificada, como uma impressora a jato de tinta

funciona por meio da impressão que gotas de tinta eletricamente carregadas

fazem no papel. As gotas são lançadas por um emissor em uma direção

perpendicular às placas defletoras da impressora, em uma região onde existe

um campo elétrico uniforme. Uma figura representa as trajetórias diferentes de

três gotas de tinta que são lançadas com velocidade constante, a partir do

emissor, e que após percorrerem a distância entre o emissor e o papel, colidem

com ele. Ao entrarem na região do campo, duas delas, gotas 1 e 3, sofrem

desvios em suas trajetórias. A gota 2 não sofre desvio permanecendo em sua

trajetória horizontal. A gota 1 atinge o papel em um ponto acima da horizontal,

mais deslocado verticalmente do que a gota 3 que atinge o papel em um ponto

abaixo em relação à horizontal, menos deslocado verticalmente que a gota 1.

Era pedido ao aluno na parte (a) que justificasse a diferença entre as trajetórias

das gotas 1, 2 e 3, esperando-se que ele percebesse que tal comportamento se

explica pela diferença entre os sinais das cargas elétricas adquiridas pelas gotas

A

Page 88: Maria Da Gloria de Andrade Martini

87

ao serem emitidas. Na parte (b), cabia ao aluno explicar qual o tipo de

movimento executado pela gota 1. Não seria necessário mais do que reconhecer

um movimento acelerado para considerar-se a questão como respondida

adequadamente. A parte (c) perguntava qual das gotas (1, 2 ou 3) tinha maior

aceleração e por que. Para responder, a questão pedia que o aluno

considerasse que todas elas estavam eletrizadas com a mesma carga, em

módulo. O esperado era que o aluno percebesse que a trajetória da gota 1,

embora uma curva para cima e não obstante seu peso estar atuando para baixo,

desloca-se verticalmente para cima em um ponto mais distante em relação à

vertical, tão somente porque sua massa é menor, gerando uma resultante maior.

Uma das aplicações tecnológicas modernas da eletrostática foi a invenção da impressora a jato de

tinta. Esse tipo de impressora utiliza pequenas gotas de tinta, que podem ser eletricamente neutras ou

eletrizadas positiva ou negativamente. Essas gotas são lançadas entre as placas defletoras da

impressora, em uma região onde existe um campo elétrico uniforme Er

, atingindo, então, o papel para

formar as letras. A figura a seguir mostra três gotas de tinta que são lançadas com velocidade

constante vr , a partir do emissor. Após atravessar a região entre as placas, essas gotas vão

impregnar o papel.

a) Justifique a diferença entre as trajetórias das gotas 1, 2 e 3.

b) Qual o tipo de movimento executado pela gota 1? Explique.

c) Qual das gotas tem maior aceleração? Por quê? (Suponha todas eletrizadas com mesma carga

em módulo.)

Page 89: Maria Da Gloria de Andrade Martini

88

As situações das três questões têm em comum o fato de tratarem de

partículas que estão sujeitas a campos elétricos uniformes adquirindo

movimentos uniformemente acelerados.

Na primeira questão deseja-se verificar a habilidade numérica que o aluno

apresenta em relação aos conceitos de campo elétrico, força resultante e

aceleração na medida em que se exige a utilização das expressões matemáticas

desses conceitos. Na segunda questão o que se quer é reconhecer quanto de

habilidade algébrica pode ser constatada quando se repete a situação da

questão 1 embora sem oferecer, das grandezas, seus valores numéricos. A

terceira questão investiga a habilidade em transpor conceitos para situações de

descrição fenomenológica sem que se faça uso do instrumental matemático para

sua resolução.

V. 2 b - ANÁLISE DOS RESULTADOS

Como dito anteriormente o instrumento utilizado como referência nesse

trabalho é uma avaliação aplicada, em abril de 2006, a duas classes do 3º ano

do ensino médio de uma escola particular da zona sul de São Paulo. Foram

investigadas as respostas dadas por 59 alunos em três das dez questões que

compunham a avaliação.

A metodologia empregada foi a de análise qualitativa e semi-quantitativa

das respostas apresentadas pelos alunos. Cada uma das três questões,

descritas anteriormente, foi analisada de forma autônoma, usando como

referência categorias de respostas criadas a partir da comparação entre elas.

Os resultados detalhados das análises, por questão, estão apresentados nas

tabelas que constam dos anexos III a e III b no final deste trabalho.

Com os dados dessas tabelas obtêm-se os elementos necessários para

que sejam realizadas as correlações pretendidas entre as respostas.

As respostas dos alunos foram analisadas, criando-se categorias que

buscam reconhecer sua capacidade de compreender e aplicar numérica,

Page 90: Maria Da Gloria de Andrade Martini

89

algébrica e conceitualmente a noção de campo elétrico em situações como as

descritas nas questões 1, 2 e 3.

A abordagem numérica foi apreciada tomando como referência a questão

1. Nessa questão os alunos necessariamente têm de quantificar suas respostas

que serão obtidas aplicando-se as expressões de força resultante e as equações

da cinemática. Foram identificados três padrões de respostas. No primeiro o

aluno acerta tanto a força quanto a aceleração chegando ao valor correto ao

final da questão. Uma outra categoria identificada é relacionada ao aluno que

encaminha uma solução correta do ponto de vista do processo de resolução,

mas que faz erros de transposição de dados, unidades, contas ou potência de

dez. Finalmente há aquelas questões em branco. A tabela 5.6 abaixo apresenta

os resultados das respostas para a questão 1.

Tipos de respostas No. de alunos Percentagens

È capaz de operar numericamente 38 64 %

Encaminha 11 17%

Brancos 10 17%

Total 59 100%

Tabela 5.6 - Resultados à questão de obtenção numérica das respostas

Com os dados da tabela é possível reconhecer, para o grupo de alunos

analisado, uma compreensão numérica significativa na situação descrita.

Observa-se que quando se considera a porcentagem do aluno que encaminha a

solução da questão, além daquele que a acerta integralmente, obtemos um

patamar superior para esse tipo de compreensão (81%), sendo que apenas 19%

deles não relacionam numericamente a situação apresentada àquelas vistas em

sala de aula.

Para a análise da compreensão algébrica as categorias são semelhantes.

Verificaram-se quantos alunos são capazes de operar algebricamente de

Page 91: Maria Da Gloria de Andrade Martini

90

maneira correta frente à situação proposta pela questão 2. Também, nessa

questão, outra das categorias é aquela no qual se reconhece que o aluno

encaminha uma solução, mas não atinge a resposta final ao, por exemplo, não

extrair a raiz da expressão da velocidade quando elevada ao quadrado ou

quando não consegue eliminar o tempo da mesma expressão ou quando não faz

as substituições corretamente. Por fim, estão incluídas na terceira categoria, as

respostas em que está evidente que o aluno não consegue operar

algebricamente na situação.

Os dados obtidos estão na tabela 5.7 onde é possível se constatar que

um pouco mais da metade dos alunos reconhecem como obter uma solução

algébrica do problema.

Tipos de respostas No. de alunos Percentagens

È capaz de operar algebricamente 29 49%

Encaminha 5 9%

Não é capaz 25 42%

Total 59 100%

Tabela 5.7 - Resultados à questão de obtenção algébrica das respostas

A compreensão do fenômeno em seu aspecto conceitual foi avaliada

utilizando-se as respostas dos alunos na questão 3 que trata do princípio de

funcionamento da impressora à jato de tinta. Julgou-se desnecessária a

construção de uma tabela de respostas relativas somente a essa questão.

Optou-se por relacionar as respostas obtidas, nesse caso, com os acertos nas

questões 1 e 2, o que originou as tabelas 5.8, 5.9 e 5.10.

Uma das correlações possíveis avalia como são as respostas para a

questão 3 daqueles alunos que acertam as partes algébrica e numérica, ou seja,

aqueles que acertam as questões 1 e 2, e que se constituem em um universo de

29 alunos, aproximadamente metade do total. Será que esses alunos são

capazes de transferir o domínio demonstrado para a situação contextualizada?

Page 92: Maria Da Gloria de Andrade Martini

91

Foram estabelecidas três categorias. Na primeira, o aluno demonstra

compreensão completa da situação atribuindo as diferentes trajetórias a

diferentes sinais das cargas; reconhece o movimento executado pela gota 1

como sendo um movimento uniformemente acelerado e, finalmente, percebe

que a causa da maior aceleração da gota 1 é sua massa menor.

Na segunda categoria estão as respostas que demonstram uma

compreensão relativa da questão. São aqueles alunos que sabem que é a

diferença de sinal da carga a causa das diferentes trajetórias e que o movimento

da gota 1 é acelerado, porém suas respostas em relação à causa da maior

aceleração da gota 1, apesar de pouco consistentes, apresentam indícios de

compreensão do problema. Um exemplo é a resposta do aluno que diz que a

causa da aceleração maior para a gota 1 é sua maior carga, apesar do

enunciado da questão estabelecer mesma carga, em módulo, para todas as

gotas.

Há ainda um conjunto de respostas que indicam ausência de

compreensão conceitual do fenômeno, caracterizando uma terceira categoria.

Na tabela 5.8, abaixo, temos o quadro de resultados obtidos nessa

correlação.

Tipos de respostas No. de alunos Percentagens

Compreensão completa 5 17%

Compreensão média 2 7%

Sem compreensão 22 76%

Total 29 100%

Tabela 5.8 - Relação entre o domínio numérico/algébrico e a compreensão conceitual.

Nesse quadro se se evidencia a dificuldade de análise e transposição

conceitual do fenômeno mesmo para aqueles alunos que parecem dominar os

aspectos numéricos e algébricos de fenômenos semelhantes. Apenas 17% dos

29 alunos que acertaram as questões 1 e 2 têm respostas para a questão 3

Page 93: Maria Da Gloria de Andrade Martini

92

consideradas de compreensão conceitual completa, o que significa 5 alunos

dentre os 59 da amostra.

Outras correlações além daquelas retratadas pela tabela acima foram

também investigadas. Como os alunos que não demonstraram domínio

algébrico enfrentaram a questão contextualizada? Tiveram menor ou maior

dificuldade?.

Constatou-se que havia alunos que embora houvessem errado a parte

algébrica da avaliação (questão 2), acertaram, mesmo que parcialmente, a

questão 3 (de tratamento conceitual). Instituiu-se como uma das categorias

aquela de acerto total. A segunda categoria analisa quantos são os alunos que,

conseguem resolver os itens relativos à carga e ao movimento das gotas (itens

a) e b)). A terceira categoria trata do mesmo tipo de análise descrito pela

categoria anterior, porém os itens que o aluno resolve corretamente são os

relativos à carga e ao reconhecimento e justificativa de porque a gota 1 tem

maior aceleração (itens a) e c)). A última categoria avalia os alunos que não

apresentam, nessas situações, nem a compreensão algébrica, nem a conceitual.

Os dados obtidos estão representados na tabela 5.9 abaixo.

Tipos de respostas N. de alunos Percentagem

Compreensão completa 1 4%

Compreensão média (só a) e b)) 9 33%

Compreensão média (só a) e c)) 3 11%

Sem compreensão 14 52%

Total 27 100%

Tabela 5.9 - Relação entre o “não domínio” algébrico e a compreensão conceitual.

Nesse caso, fica claro que um número não desprezível de alunos (4), se

comparados à situação anterior, ainda que não dominem as relações algébricas

dos conceitos envolvidos, consegue explicar o fenômeno apresentado.

Finalmente, em uma última correlação, procurou-se caracterizar as

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93

habilidades daqueles que obtiveram sucesso no acerto completo da questão

contextualida. Ou seja, procurou-se investigar de que forma responderam as

questões 1 e 2 os 9 alunos que acertaram a questão 3. Trata-se de verificar em

que medida o aluno que consegue resolver conceitualmente a situação proposta

para as gotas da impressora, tem sucesso ao resolver as partes numérica e

algébrica das questões. Foram criadas três categorias. Na primeira estão os

alunos que obtém sucesso na resolução das três questões. Na segunda

verificou-se que há alunos que acertam a questão 3 parcialmente e não acertam

2, ou seja, não demonstram domínio algébrico. Na terceira categoria estão os

alunos que acertam tanto a questão 3 como a parte numérica representada pela

questão 1. Note-se que não há alunos que acertam a questão 3 e resolvem

somente a parte algébrica, errando a numérica. Os resultados estão

representados na tabela 5-10.

Tipos de respostas N. de alunos Percentagem

Acerto numérico, algébrico e contextual. 5 55%

Acerto contextual parcial sem domínio algébrico 2 22%

Acerto contextual sem domínio

algébrico. 2 22%

Total 9 100%

Tabela 5.10 - Desempenho dos alunos que resolveram com sucesso a questão contextualizada.

V. 2 C - CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DOS RESULTADOS SOBRE CAMPO ELÉTRICO

Os resultados obtidos apontam para um tipo de reflexão que não

pretende ter caráter generalizante, na medida em que se reconhece a limitação

da amostra tanto do ponto de vista da quantidade de elementos que a compõe

quanto à natureza dos sujeitos que a constitui, ou seja, alunos de classe média

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94

alta de São Paulo, freqüentando uma escola onde o conhecimento físico é

exigido com rigor. Apesar disso, consideramos esses resultados capazes de

orientar relações de implicações que embora não absolutas, podem balizar um

investigação, mais apurada, sobre a existência de um modelo de compreensão

em que as habilidades numérica, algébrica e conceitual estão de tal forma

ligadas, que uma sem a outra não existe. Esse modelo, que poderia explicar

como e em que ordem essas compreensões se articulam, tem se mostrado, ao

longo dessa investigação, mais complexo do que uma primeira aproximação

poderia supor.

Por ora, os dados tomados nos permitem considerar que há um percurso

feito por esses alunos, - que passaram por idênticas situações de ensino-

aprendizagem, visto estarem na mesma classe de uma mesma escola -, no

qual, nas situações avaliadas, a compreensão numérica aparece, para mais de

80% deles, seguida da compreensão algébrica alcançada por 50% e finalmente,

verifica-se que somente 20% desses alunos, demonstra ter compreendido como

os conceitos estão envolvidos quando são exigidas relações, entre eles, a partir

de contextualização. Parece-nos de relevância lembrar que nesses 80% estão,

também, aqueles alunos que apresentaram pequenas dificuldades na resolução

do problema numérico, tais como erros de aritmética, mas que encaminham a

solução da questão de forma coerente e adequada.

Ao analisarmos mais detidamente as tabelas 5.6 e 5.7 podemos

constatar que para os alunos analisados é mais fácil operar numérica do que

algebricamente. Além disso, pode-se de certa maneira, concluir que, no caso do

percurso em direção ao saber físico, a compreensão numérica é atingida antes

da algébrica. Nas avaliações examinadas, as questões numérica e algébrica

solicitavam do aluno praticamente a mesma coisa, ou seja, a força resultante e a

aceleração. No entanto, apesar de todos os alunos estarem sujeitos a uma

mesma quantidade e tipo de exercícios em sala de aula e das mesmas

atividades experimentais, constata-se que um número expressivamente maior

deles demonstra domínio da habilidade numérica associada aos conceitos

relativos ao campo elétrico. Isto parece indicar que a compreensão algébrica

Page 96: Maria Da Gloria de Andrade Martini

95

exige um modo de pensamento mais abstrato do que a numérica, uma vez que

as situações eram semelhantes, também, do ponto de vista das expressões a

serem utilizadas nas resoluções. Aquilo que é inerente de uma solução

algébrica, ou seja, o uso de representações literais parece ter dificultado a

resolução para cerca de 40% dos alunos que não demonstraram domínio

algébrico suficiente para resolver a questão. Essa parece ser uma justificativa

para o fato de que não houve aluno que tendo acertado a questão de

compreensão algébrica, também não o fizesse na questão numérica.

Novamente, isso parece sugerir que a habilidade algébrica requer que o aluno

esteja sujeito a uma construção de conhecimento de um tipo mais específico e

muitas vezes mais abstrato que a numérica.

Em que medida o aluno que, nas situações propostas, compreende

numérica e algebricamente tem assegurada a compreensão conceitual é o que

se buscou ao analisar os dados da tabela 5.8. A conclusão parece indicar que

essa não é uma relação de causa e efeito. O conhecimento algébrico do

fenômeno parece ser quase que independente da sua apreensão conceitual.

Menos de 20% dos alunos que transitam pelas relações algébricas associadas

ao conceito de campo elétrico, consegue associá-las a um contexto que

prescinde do saber matemático diretamente. Isso parece indicar que não

vinculam aquilo que calculam às situações concretas. Ao contrário do esperado,

não basta operar bem algebricamente para se transpor o conhecimento

conceitual para situações de contexto. A compreensão conceitual parece exigir

processos de pensamento diversos e complementares daqueles empregados ao

se operar algebricamente, de tal modo que um domínio parece não garantir o

outro.

Acerca disso corrobora o fato de que alguns alunos, apesar de não terem

demonstrado compreensão algébrica na situação proposta, conseguiram

responder corretamente a questão conceitual (tabela 5.9). Isso parece indicar

que a apreensão do conceito pode estar ligada a processos de pensamento que

não necessariamente têm como pré-requisito o saber matemático associado ao

Page 97: Maria Da Gloria de Andrade Martini

96

domínio de relações algébricas pertinentes aos fenômenos físicos descritos.

Podemos especular que essa tendência é própria dos indivíduos que buscam e

encontram respostas acertadas a partir de um repertório de relações conceituais

ligadas ao saber físico (escolar ou não) embora isso não signifique

necessariamente que transitem com consistência pelas relações algébricas

constitutivas e estruturantes desse saber.

Finalmente, cabe aqui constatar que a aquisição de um tipo de saber

físico que emerge em situações onde há contextualização, não é facilmente

alcançada. O saber matemático é parte integrante da elaboração do saber físico

presente nessas extrapolações, todavia não o garante, na medida em que

representa apenas parte da intrincada cadeia de relações envolvidas.

Page 98: Maria Da Gloria de Andrade Martini

97

CAPÍTULO VI

RESULTADOS E CONCLUSÕES Ao longo dos capítulos que compõe esse trabalho, buscou-se uma

reflexão acerca da função da matemática na construção do conhecimento físico.

Nesse percurso, abordamos essa temática sob o ponto de vista daqueles que

fazem ciência, daqueles que se propõem a ensiná-la e daqueles que aprendem.

Avaliamos de que maneira alguns físicos concebiam a matemática no seu fazer

“científico” e apreciamos dois representativos manuais didáticos em relação ao

uso da matemática na apresentação, descrição e manejo dos conceitos físicos.

Por meio de dados de campo, pudemos também tecer algumas considerações

sobre a utilização que os alunos de Ensino Médio fazem da Matemática na

aprendizagem de determinados conceitos. A busca pelas possíveis respostas à

questão norteadora deste trabalho, assim como, da relação entre o saber físico

e a matemática, se processou procurando estabelecer um vínculo entre essas

três perspectivas.

Parece-nos que o acesso aos pareceres dos cientistas, por meio de seus

textos, revela importantes elementos de síntese entre as abordagens relativas

ao tema. De fato, Schenberg, Krauss e Feynman parecem concordar em relação

à relevância do papel da matemática no conhecimento físico. Suas análises,

contudo, enfocam essa importância de maneira diversa.

Para Schenberg, há uma conecção muito estreita entre o conhecimento

matemático e o físico. Em suas considerações, se sobressai a idéia de uma

relação de interdependência histórica entre os dois saberes. Para ele, ao longo

do tempo, o desenvolvimento das teorias físicas só foi possível porque a

matemática se oferecia ora a serviço das necessidades das novas descobertas,

criando o instrumental necessário para que a rede de conceitos físicos se

estruturasse, ora facilitando a percepção e descoberta de novas teorias na

medida em que, ao se desenvolver, trazia toda uma série de possibilidades

Page 99: Maria Da Gloria de Andrade Martini

98

novas de compreensão. Dessa forma, para ele, um conhecimento se sobrepõe a

outro e, sendo assim, a física, a cada descoberta da matemática, ganhou, ao

longo da história, novos contornos e formas de sustentação, ao mesmo tempo

que ia criando novos sentidos para o conhecimento matemático.

Enquanto, na análise de Schenberg, o avanço das teorias matemáticas e

dos saberes físicos se articula de maneira singular, as análises de Krauss e

Feynman não se fundamentam na historicidade desse desenvolvimento, mas no

papel da matemática como um saber que traduz e dá sentido a um tipo de

pensamento e conhecimento. Para além dos aspectos instrumentais, os dois

físicos concordam que a matemática pode estar presente de maneiras diversas,

ora como aquilo que traduz o conhecimento, ora como aquilo que assegura a

possibilidade de se instituir em relações entre os conceitos. Para Krauss, não é

possível compreender o fenômeno sem considerar sua dimensão algébrica ou

numérica. Sendo assim, para ele, cabe à matemática a função de estabelecer

conexões lógicas que as descrições ou as explicações verbais não dão conta de

fazer. A realidade só pode ser expressa em sua essência se as conexões

induzidas pela matemática forem feitas.

A análise de Feynman encaminha uma reflexão sobre o fato de que ao se

utilizar a matemática como mediadora de um modo de pensar e raciocinar, a

física consegue mais do que um simples aparato de tradução, uma vez que é

por meio da matemática que se realizam as inferências necessárias para

legitimar as teorias. A relação dos físicos com a matemática, para ele, é diversa

daquela estabelecida entre aqueles que a estudam. Para os físicos, as leis não

existem por si só e, sendo assim, utilizam os axiomas da matemática como

aquilo que fornece o sentido de realidade ao fenômeno.

Desse modo, para os físicos, de maneira geral, é a matemática que

permite uma compreensão mais abrangente do universo físico para além de

cada fenômeno ou relação local. A importância da matemática está em

conseguir exprimir de maneira sintética e precisa o conhecimento da natureza

por meio das leis físicas.

Page 100: Maria Da Gloria de Andrade Martini

99

O julgamento desses três cientistas sobre o valor da matemática no

conhecimento físico é compartilhado pelos livros didáticos apreciados. Contudo,

embora nos dois manuais examinados neste trabalho a matemática tenha

importância indiscutível no desenvolvimento das respectivas propostas de

aprendizagem, prevalece na relação entre o conhecimento físico e o saber

matemático o seu caráter de linguagem da física. Não foi possível reconhecer as

idéias das correlações muito próximas entre os conhecimentos físico e

matemático apontados por Schenberg em seu texto. Ao examinarmos os

capítulos sobre calor e campo elétrico, também não se notou uma gradação nos

saberes matemáticos necessários para uma progressão do conhecimento.

Dessa maneira, apesar de os conceitos físicos relacionados ao calor exigirem

menos abstração do que aqueles relativos ao campo elétrico, não foi possível

perceber diferença entre o papel da matemática em um ou outro caso. A idéia

de Schenberg de que, a partir do surgimento da necessidade de uma descrição

quantitativa do fenômeno, o conhecimento físico vai abrindo caminho para o

matemático e vice-versa não parece estar presente nos livros avaliados. A

matemática não aparece como “motivadora” das descobertas relacionadas aos

saberes físicos que os alunos devem fazer nem aparece como um conhecimento

que, ao ser adquirido, poderá dar acesso a esses saberes. A idéia de um

embricamento entre os saberes, relatada por Schenberg, não foi reconhecida

em nossa análise.

Por outro lado, o caráter operacional e funcional da matemática,

reconhecido por Krauss e Feynman como uma das facetas dessa ciência, está

presente nos dois livros. O saber matemático, para os autores dos livros

didáticos ora examinados, é essencial para a obtenção do conhecimento físico.

As estruturas dos livros são as mesmas e reconhece-se em ambos a

necessidade de quantificação das grandezas por meio de um grande número de

problemas. O número de exercícios em cada unidade é praticamente o mesmo

nos dois livros e o desenvolvimento dos capítulos se dá da mesma maneira:

teoria, exercícios de fixação, de recapitulação, de vestibulares. Nota-se que,

invariavelmente, a idéia de aprendizagem está associada à resolução de um

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100

grande número de problemas, buscando conectar mais e mais profundamente

teoria e relações matemáticas.

Apesar das semelhanças estruturais e de metas, entre os dois livros

parece haver uma distinção didática quanto ao modo de atingir seus objetivos

didáticos. De fato, é possível se perceber modos diversos de conceber a

matemática na construção de certo conhecimento físico.

No livro Fundamentos da Física (Ramalho e outros, 2003), a introdução

dos conceitos se faz por meio das relações matemáticas que os constituem.

Raramente há, no início dos capítulos, alguma contextualização daquilo que vai

ser aprendido. Pelo contrário, os autores parecem acreditar que será por meio

da operacionalização que o estudante se apropriará do conhecimento físico. A

idéia que parece nortear essa proposta de ensinar é a de que quanto mais o

aluno opera em física por meio de problemas, mais ele adquire familiaridade e

desenvoltura ao lidar com as relações e expressões características do saber

físico e, conseqüentemente, mais facilmente reconhecerá modos de aplicar o

conceito em situações de contexto. Isso parece sugerir que a construção

conceitual vai sendo acelerada à medida que há insistência no caráter

operacional do conhecimento. Espera-se, então, que o aluno de posse desse

domínio relacional consiga, frente a situações conceituais, transpor para o

contexto aquilo que a matemática representa. Esse tipo de abordagem

evidencia-se quando se constata que estão no final dos capítulos do livro de

Ramalho (2003) os problemas que trazem situações de contexto em que alguns

ou todos os itens exigem do aluno interpretações e relações conceituais. Isso

parece dizer respeito a um modo de ensinar que favorece quem tem uma

habilidade maior em operar matematicamente.

No livro Curso de Física (Máximo e Alvarenga, 2000), a expectativa, ao

final dos capítulos, também está ligada a um modo de relacionar o conhecimento

baseado na destreza operatória. Nesse manual, no entanto, o contexto é

introdutório do conceito, isto é, a operacionalização é posterior à conceituação.

São apresentadas situações em que o aluno percorre um caminho de

construção conceitual a partir de relações com seu cotidiano ou com referenciais

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101

de sua vivência. Os exercícios de fixação privilegiam essas relações propondo

questões que visam uma interpretação fenomenológica, não quantificada, na

maior parte dos casos. A partir desses livros, no entanto, as situações

problematizadas passam a ser equivalentes nas duas obras. Os problemas

envolvem um grande número de relações matemáticas, sejam elas numéricas

ou algébricas. Esse tipo de abordagem assemelha-se ao descrito por Feynman

e Krauss quando enfatizam o caráter de “tradutora do conhecimento físico” que

a matemática pode assumir em determinadas ocasiões. Além disso, é possível

reconhecer que, ao introduzir os conceitos por meio de situações de contexto, o

livro de Máximo e Alvarenga (2000) aumenta as possibilidades para que aquele

aluno que ainda não domina as relações matemáticas (que podem ser

vinculadas ao conceito), tenha oportunidade e tempo de percebê-las com mais

propriedade. Desse modo, a percepção da matemática como aquilo que

possibilita a extrapolação do conhecimento físico ao relacionar as grandezas,

como Feynman explicita em seu texto, será mais provavelmente ser adquirida.

E os alunos, como, afinal, percebem o papel da matemática na aquisição

do saber físico? Em nosso trabalho investigativo/empírico, relatado no capítulo

IV, a partir de tomada de dados com alunos do Ensino Médio, procuramos

verificar quando e de que forma eles utilizam ora explicações conceituais

descritivas, ora relações matemáticas para fazer frente à solução de problemas

específicos.

Pareceu-nos que, em geral, os alunos fazem uso da matemática em física

de três modos. Um deles é aquele que trata a matemática como linguagem. É o

que possibilita a operacionalização numérica das grandezas por meio de

fórmulas. É o modo mais básico de todos, aquilo que em nossa investigação

denominamos “compreensão” ou “habilidade numérica”. Um outro modo é

aquele que está relacionado ao domínio operacional algébrico. Nesse modo, a

quantificação se dá por meio de signos e não mais por meio de números. O

aluno identifica a matemática como aquilo que dá passagem ao pensamento do

concreto para o abstrato, ampliando-o e expondo-o de forma mais eficiente e

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102

generalizadora. Há, ainda, aquele relacionado à transposição conceitual de uma

relação algébrica ou de proporcionalidade em uma situação contextualizada.

Nesse caso, o aluno deve extrapolar o domínio algébrico para o conceitual,

dando-lhe nova dimensão, gerando um domínio explicativo mais consistente. É

essa compreensão que o levará a perceber mais do fenômeno do que sua

representação poderia supor. O salto se dá na direção da interpretação da

realidade, explorando-a para além de seus aspectos algébricos ou numéricos,

estabelecendo os elos cognitivos entre a linguagem familiar, os conceitos do

mundo real e a manipulação dos símbolos matemáticos. São esses elos os

elementos requeridos para que haja a percepção das relações entre os aspectos

conceituais e algébricos de um fenômeno.

Esses modos de utilizar a matemática caracterizam diferentes maneiras

de compreender os fenômenos físicos. Uma compreensão numérica estabelece

com o fenômeno uma relação mais concreta do que a algébrica que prescinde

do dado numérico. A compreensão conceitual seria, portanto, pelas evidencias,

aquela que estaria na origem das outras duas. Seria legítimo supor que sem ela

não se poderia almejar relações numéricas e muito menos algébricas dos

conceitos. Haveria, então, uma seqüência de habilidades que deveria ser

seguida para se chegar ao saber físico: conceitual, numérica e algébrica. Não foi

isso que verificamos em nossa investigação. As habilidades/compreensões não

são obtidas ordenadamente, uma após a outra, e é possível que uma não seja

condição para que a outra se dê. À vista disso, é fácil constatar que a maneira

não única dos alunos para obter o conhecimento não é levada em consideração

pelo livro didático. Nos manuais examinados, as temáticas são desenvolvidas

sempre do mesmo modo, sem considerar que não haja a transposição tão direta

entre a forma com a qual o conhecimento é apresentado e, portanto deve ser

aprendido, e a maneira como o aluno se apropria desse conhecimento.

Verificamos que a progressão na obtenção do conhecimento não se dá

em uma direção definida, parece não haver uma correlação direta entre as

compreensões numérica, algébrica e conceitual. No entanto, embora a

correspondência não seja clara, há certamente alguns vínculos. Parece-nos que

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103

as explicações conceituais daqueles alunos que têm a habilidade algébrica

desenvolvida são mais claras, mais objetivas e mais consistentes do que

daqueles que não a possuem. As respostas denotam um domínio maior do

conceito se comparado ao aluno que não consegue operar nem algebricamente

nem numericamente. Pode-se supor que não há garantia de que aquele que só

demonstra compreender conceitualmente o fará novamente, em outra situação

de contexto. O fato é que para o aluno que passou da compreensão numérica

para a algébrica, o domínio conceitual se instaura de maneira mais significativa

parecendo, portanto, que a matemática é fator preponderante na construção de

sua aprendizagem.

Essas respostas ao modo de obter conhecimento físico permitem uma

reflexão e releitura da nossa experiência em quase vinte e cinco anos

ensinando física no Ensino Médio. Nesses anos, foi possível observar que, em

seus primeiros contatos com a física, o aluno apresenta dificuldades de

descrever aquilo que reconhece como um fenômeno físico em uma linguagem

que seja reconhecida, pelo professor, como adequada. Mesmo ao procurar

expressar-se pela linguagem vulgar, há todo um conjunto de palavras

desconhecidas, repleto de termos novos, exigindo um novo tipo de compreensão

e leitura. Um primeiro salto de abstração se dá nesse primeiro contato. O aluno

percebe que, para compreender essa ciência, terá de apreender também sua

linguagem. Palavras como peso, energia, trabalho, eletricidade, corrente elétrica,

calor, temperatura, adquirirão, por vezes, um significado distante daquele que é

empregado no senso comum e, portanto, concernente ao conhecimento prévio

do aluno. Passa-se a exigir dele que, ao manipular os fenômenos, o faça

utilizando-se de precisão de linguagem. Diferenciar massa de peso, temperatura

de calor, força de velocidade são algumas das condições que se apresentam

como necessárias para bem utilizar a linguagem descritiva na física. Isso

significa que, muita vez, ao ler uma explicação, o aluno não associará com

facilidade aquilo que lê àquilo que possui como referência. Para que essa

associação ocorra e se some ao aprendido em sala de aula, o aluno terá quase

de aprender “uma língua” nova, uma nova forma de expressão, um novo código.

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104

Com alguma insistência, o aluno se dá conta de que entender e reconhecer o

significado “daquele novo jargão” é possível, desde que mergulhe em um código

diverso do usual.

Essa aprendizagem ocorre paralelamente à outra: aquela que introduz um

novo modo de traduzir o fenômeno de uma maneira que não pela linguagem

comum. A constatação de que é a matemática a ciência que possibilita à física

sua representação é motivo de estranheza para os alunos. Em um primeiro

momento, a maior dificuldade é perceber que as grandezas serão representadas

por símbolos e não mais serão escritas por extenso. Assim, massa será m,

temperatura será t, e assim por diante. Essa associação, essencial para que os

próximos passos se dêem, é feita, na maior parte das vezes, paulatinamente. É

a primeira abstração significativa, por meio dos signos da matemática, que será

exigida do estudante em física. O próximo passo será dado quando começar a

manipular grandezas físicas distintas, dar-lhes significado e tomar ciência de

como aplicá-las em uma ou várias expressões algébricas. Isso ocorre ao

começar a resolver os primeiros problemas. Geralmente são situações que

exigem relações mais diretas, pouca abstração e nas quais o conceito físico é

revelado rapidamente, após leitura atenta do enunciado. Trata-se de instaurar a

chamada “compreensão numérica” que para ser significativa não deve ser

desenvolvida somente por meio de problemas em que a aplicação de fórmulas

se sobressaia. Oferece-se ao aluno os primeiros elementos para detectar a

necessidade da matemática como instrumental confiável de um certo modo de

olhar o fenômeno.

Muitas vezes, não será possível, nessa fase, uma percepção da

matemática além daquilo que meramente operacionaliza o processo mental de

reconhecimento de dados, de identificação das grandezas e de obtenção de

resultados. Trata-se, portanto, de, em um primeiro momento, tornar o aluno

capaz de perceber um modo novo de representar e que, ao mesmo tempo,

ganha novos significados. Ao tomar contato com problemas simples em que

reconhece o conceito, o aluno extrai os dados e os substitui para chegar a

resultados que poderão ou não estar relacionados a outras situações dentro do

Page 106: Maria Da Gloria de Andrade Martini

105

próprio problema. Espera-se, dessa forma, que o aluno adquira a percepção de

quanto essencial à operacionalização da física é a matemática.

Em uma próxima etapa, o aluno começa a ganhar autonomia nos

processos abstratos mais simples e inicia uma relação com a matemática que

deixa de ser apenas operacional para tornar-se quantificadora. Nesse sentido,

começa a perceber que a matemática se coloca a serviço de estimar resultados,

avaliar dados, refazer procedimentos, comparar grandezas, auxiliar na

simulação dos fenômenos físicos e analisá-los. Geralmente, essa percepção

aparece a partir de situações de aprendizagem nas quais a contextualização é

bastante relevante ou em casos em que são propostas atividades envolvendo

projetos, ou seja, a modelagem em Física. Um exemplo de contextualização

pode ser o trabalho em parque de diversões, citado no início deste trabalho.

É possível nessa fase, interpretar o que está observando em uma

linguagem diversa da vulgar, identificar qual a expressão matemática se aplica

em cada um dos casos a serem investigados, atribuir e coletar valores das

grandezas presentes no fenômeno, prever quais são os resultados possíveis e

avaliar sua pertinência em relação ao todo; o que significa perceber na

matemática algo que está para além do operacional: identificá-la como aquilo

que dá passagem ao pensamento do concreto para o abstrato, ampliando-o e

traduzindo-o de maneira mais eficiente e precisa. Nesse estágio, o aluno

começa a distanciar-se do dado numérico como essencial à sua percepção e

aproximação do fenômeno. Assim, pode haver alunos que não se referem mais

aos dados numéricos a não ser pela sua ordem de grandeza.

É o início da compreensão algébrica, fundamental na construção do

conhecimento. Para além da substituição do valor numérico na fórmula ou da

obtenção de um resultado, a matemática passa a valer por si, ou seja, por ser

um meio que possibilita e dá vazão ao pensamento científico, abstraindo e

traduzindo para além da previsão ou da estimativa de resultados. Nessa etapa

os alunos começam a manipular, de maneira familiar, as relações que podem

levar a um resultado que nem sempre será numérico, podendo ser uma

grandeza ou uma relação ou proporção entre elas; trata-se dos chamados

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106

“problemas literais”, centrais nos cursos de graduação em ciências exatas e que

abrem novos canais de contato com o conhecimento físico. Para o aluno do

Ensino Médio, a aquisição desse tipo de domínio significa se colocar para além

da aplicabilidade da matemática. Quando é capaz de relacionar expressões e/ou

grandezas sem que para isso não mais precise de sua tradução, nem numérica

nem em linguagem comum, o aluno começa a ser capaz de “passear” pelos

caminhos das estruturas que compõem o conhecimento físico e que lhe dão

valor e sentido. Não é algo pronto, acabado, uma vez que não há como

comparar o nível de domínio da matemática de um estudante em final de

graduação a um de Ensino Médio, porém percebe-se certo grau de liberdade em

relação ao que a matemática é capaz de traduzir e oferecer como suporte que

vai além de um código.

Nessa perspectiva, tais constatações, que admitem para a matemática

um caráter estruturante do conhecimento físico, têm semelhanças e diferenças

quando contrapomos o conhecimento físico daquele que sabe em relação

àquele que quer saber.

Em ambos, há uma forte interdependência entre a matemática e o

conhecimento físico. No entanto, para o físico-cientista, a matemática parece

ser estruturante do próprio conhecimento a respeito da natureza, na medida em

que não há nenhum acontecimento ou fenômeno físico que possa adquirir

significado sem que a matemática lhe atribua “realidade”, lhe conferindo, dessa

forma, legitimidade. Ao contrário, para o aluno, o caráter estruturante da

matemática é de outra categoria, na medida que é nela que o aluno encontra e,

invariavelmente, reconhece o suporte para sua aprendizagem. No aprendizado,

a matemática estrutura o pensamento do aluno em relação ao conhecimento

físico.

Reforçando as semelhanças, para ambos, cientista e aluno, o

aprendizado em física consiste num “caminhar em duas pernas”, física e

matemática, um passo depois do outro, cada passo levando um pouco mais

longe. E é mais fácil e proveitoso quando um passo se apresenta como apoio

para o seguinte.

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107

Partindo-se desse ponto de vista, é importante reconhecer que há

diversas formas de conhecer e aprender sobre o mundo. Cada uma tem suas

especificidades e sua contribuição. Existem muitos tipos de “passos”. Será

sempre possível saber um pouco de física sem qualquer matemática, mas isso

certamente impõe limites ao caminhar.

No entanto, embora essencial para o aprendiz, parece-nos não ser

possível compreender física somente dominando suas estruturas e relações

algébricas. As situações de contexto, tal qual as dos parques de diversão,

estimulam e instauram relações conceituais que tornam o conhecimento

significativo. Todavia, em nosso entender, essas ocorrências podem e devem

ser mais abrangentes.

É essencial que o aluno ─ e o professor ─ percebam que a aprendizagem

de física se dá em dois âmbitos: o matemático e o conceitual. Ampliá-los é

condição para se conhecer cada vez com mais profundidade o que se pretende

ensinar. Sendo assim, entendemos que identificar e relacionar a vivência dos

alunos aos conceitos físicos, prescindindo das relações matemáticas que os

envolvem, impõe ao aprendiz um saber físico empobrecido, precário,

incompleto, diverso daquele historicamente obtido. Situações de contexto são

oportunidades de reafirmação ao aluno de que seu avanço no conhecimento se

fará tão mais consistente quanto mais significados físicos estiverem atrelados às

relações algébricas que lhes são próprias.

Encerrando este trabalho, salientamos que questões como as que

nortearam esta investigação podem contribuir para a formação de um quadro

teórico sobre a construção da aprendizagem do conhecimento físico no Ensino

Médio. Ao mesmo tempo, e principalmente, podem contribuir para o trabalho

cotidiano dos professores de Física. Esperamos ter contribuído, ainda que

modestamente, para essas tarefas.

Page 109: Maria Da Gloria de Andrade Martini

108

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Page 110: Maria Da Gloria de Andrade Martini

109

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POZO, Juan Ignácio. A solução de problemas . Porto Alegre. Artmed, 1998.

PREGNOLATTO, Yukimi. A eletrostática: o conhecimento possível e o

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de Educação. USP. São Paulo, 1994.

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Ciências, a experimentação e o lúdico, Tese de doutoramento, Faculdade de

Educação, USP, 1997.

ROBILOTTA, M. R., Construção e realidade no ensino de Física. Instituto de

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SCHWASBERG (Org.) , Parque da Ciência: o brinquedo como possibilidade do

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VILLANI, Carlos Eduardo Porto e NASCIMENTO, Silvania Sousa do. A

Argumentação de Alunos do Ensino Médio em uma Aula Inaugural no

Laboratório Didático de Física. Águas de Lindóia, VIII Encontro de Pesquisa

em Ensino de Física, 2002.

WUO, Wagner, A física e os livros: uma análise do saber físico nos livros

didáticos adotados para o ensino médio. São Paulo. EDUC; FAPESP,2000.

Page 111: Maria Da Gloria de Andrade Martini

110

ANEXO I 1º ano do Ensino Médio Questões de Termologia Classe A Classe B Classe C

1ª 1b 1a 1b 1a 1b 1 Propr. 1 Prop 2 Prop 2 cond 2 Propr 2 condut. Fenom 2 c Prop 4 3 Propr 1 Prop 2 Micro 3 4 Fenom. Fenom 1 Prop 2 c 5 Micro 2 Micro 3 Prop 1 6 Fenom 1 Prop 2 cond Fenom 4 7 Propr 2 rapidez Prop 2 rapidez Micro 1 8 Fenom. 3 Micro 1 Prop 2 tempo 9 Fenom. Prop 1 Prop 1 10 Micro 3 Prop 2 c Prop Ncn 11 Propr 2 tempo Prop 2 Micro Ncn 12 Fenom 1 Micro 2 Fenom 1 13 Propr NcN Ncn Eb Prop 1 14 Fenom. 2 Prop 3 Prop 1 15 Fenom 2 rapidez Eb Eb Micro 2 c 16 Propr 2 tempo Fenom 2 c Prop 2 cond Ncn 1 Fenom 2 18 Micro 1 Micro 1 Fenom 2 tempo 19 Propr 2 com calor Prop Ncn Prop 2 20 NcN 1 Micro 2 Prop 2 tempo 21 Propr 2 Tempo Micro 1 Prop 4 22 Micro 2 tempo Prop 1 Prop 1 23 Propr s/fusão da bola Fenom 2 c Micro 3 24 Micro 1 Fenom 2 tempo Fenom 4 25 Micro 3 Fenom 1 Ncn Ncn 26 Propr 2 Tempo Prop 1 Prop 4 27 Propr 2 capacid. Fenom 1 Micro 1 28 Propr 2 Prop 3 Prop 2 c 29 Fenom 3 Prop 4 Prop 2 c 30 Propr 2 Tempo Eb 1 Prop 1 31 Propr 2 Tempo Prop 2 c Fenom 3 32 Propr 2 Perde calor Prop 2 tempo Micro 2 tempo 33 NcN 2 Tempo Fenom 2 c Prop Ncn 34 Propr Fenom 4 Prop 1 35 Propr 2 Tempo Prop 4 Prop Ncn 36 Fenom 2 condutor Prop 2 Ncn 1 37 Propr 1 Prop 2 capaci Micro 4 38 Propr Sem explic. Prop 1 Prop 1 39 Fenom 2 40 Fenom 3 41 Prop 4

Page 112: Maria Da Gloria de Andrade Martini

111

Classe A Classe B Classe C 2a 2b 2ª 2b 2a 2b 1 2 2 3 3 2 1 2 2 2 1 2 2 1 3 2 2 2 3 1 1 4 2 1 1 1 2 1 5 1 1 1 1 2 2 6 2 3 2 1 1 1 7 1- 2 3 2 2 2 8 1 1 1 1 1 2 9 1 2 Eb Eb 2 2 10 1 1 1 1 2 1 11 1- 3 2 1 1 1 12 1 1 1 3 1 1 13 2 2 2 2 2 1 14 1 1 2 2 1 1 15 2 1 1 1 1 1 16 2 1 2 1 2 2 17 1 1 2 1 1 2 18 2 2 2 1 1 1 19 2 1 2 2 2 2 20 2 2 1 1 2 2 21 1 1 2 1 1 1 22 1 1 2 1 3 2 23 2 2 1 1 2 1 24 Ncn 2 1 1 2 2 25 1 1 2 1 2 1 26 2 2 3 3 1 1 27 1 3 1 1 2 1 28 1 1 2 1 3 Eb 29 2 1 3 3 3 3 30 1 1 Eb Eb 1 1 31 2 2 2 2 1 1 32 1 1 2 2 2 1 33 3 3 2 1 2 2 34 2 Eb 2 1 2 2 35 1 1 2 1 2 3 36 1 2 2 3 2 2 37 1 2 3 3 2 1 38 2 Eb 2 2 2 3 39 2 1 40 1 1 41 2 2 Eb: em branco

Page 113: Maria Da Gloria de Andrade Martini

112

ANEXO II

(Respostas descritivas para a situação de aprendizagem sobre calor)

Padrões de respostas para 1 a:

• Propriedade intrínseca

Isso ocorre porque durante a mudança de estado de qualquer

material a temperatura permanece a mesma. (21)

• Abordagem fenomenológica

Porque ele precisará de uma certa quantidade de calor para passar

do estado físico sólido para o estado físico líquido. Enquanto esta

mudança de estado não ocorrer, o gelo não terá sua temperatura

aumentada (112)

• Explicação microscópica

porque o gelo irá usar a energia fornecida , o guaraná com

temperatura maior, para vencer a força de atração que as

moléculas da água tem no estado sólido, assim mudando o estado

físico. A temperatura só irá aumentar quando o gelo estiver

totalmente fundido (18)

Page 114: Maria Da Gloria de Andrade Martini

113

Padrão de respostas para 1 b:

A proposta de Luíza será a mais eficiente pois o calor específico do

gelo é menor. Já se colocássemos as bolinhas de gude no líquido

elas ganhariam calor mais rapidamente assim o guaraná não se

resfriaria tão rápido e nem a temperatura desejada. (20)

A proposta mais eficiente será a do gelo, a água fica congelada e a

bolinha de gude só resfria. O gelo se resfria mais rapidamente que

a bolinha de gude, assim ficando mais gelado e ao ser colocado no

refrigerante vai gelá-lo mais rápido e com maior eficiência (7)

O gelo vai ser mais eficiente pois esse troca calor mais rápido com

o refrigerante, por isso que o gelo quando colocado no refrigerante

vai derretendo. Assim, a medida que esse derrete, quer dizer que

há troca de calor e então o gelo vai esquentando e o refrigerante

vai esfriando. Ao contrário da bola de gude, que vai ganhar calor

com menos facilidade e rapidez que o gelo (15)

A proposta do gelo é a mais eficiente, pois se colocarmos as

bolinhas de gude no refrigerante, o equilíbrio térmico será superior

a 0ºC, pois as bolinhas não permanecem numa mesma

temperatura, podem variar muito pouco e rapidamente pois tem um

calor específico muito baixo. O gelo em fusão permanece a 0ºC

até fundir-se portanto, será necessário mais calor para faze-lo

atingir uma temperatura acima de 0ºC (fundindo-se totalmente).

(14).

O que acontece é que o gelo, tendo o ponto de fusão a 0ºC vai

manter sua temperatura e o refrigerante vai permanecer gelado. A bolinha

de gude não vai entrar em fusão, portanto sua temperatura vai aumentar

quando ela entrar em contato com um corpo mais quente (guaraná) (22).

Page 115: Maria Da Gloria de Andrade Martini

114

ANEXO III

ANÁLISE DAS RESPOSTAS ÀS QUESTÕES DE ELETRICIDADE

3º ano do Ensino Médio Turma A Aluno Compreensão

numérica: questão 1

a) força; b) aceleração

Compreensão algébrica: questão

2 a) aceleração b) velocidade

Compreensão conceitual: questão 3

a) trajetórias diferentes; b) tipo de movimento; c) maior aceleração.

1 a) erro em contas a) (1) a) carga b) - b) (2) (3) b) MUV

c) 1, pq maior d, maior E, maior aceleração

2 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (2) (1+) b) MUV

c) 1, pq força maior 3 a) acerto a) - a) carga

b) acerto b) (3) (4) b) acelerado c) 1, pq menor massa

4 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (1+) b) acelerado

c) 3, menor massa, maior a 5 a) acerto a) (1) a) carga

b) acerto b) (3) (4) b) MUV + lançamento horizontal c) 1, pq vai mais longe

6 a) - a) (1) a) carga b) - b) (1+) b) acelerado

c) - 7 a) erro em contas a) (1) a) carga

b) multiplicou e não dividiu

b) (3) (4) b) acelerado

c) 1, cargas neg. com vel. Grande 8 a) acerto a) (1) a) carga

b) acerto b) (2) (3) (4) b) - c) 1, d maior em t menor

9 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (2) (3) (4) b) -

c) 3, sem força de resistência

Page 116: Maria Da Gloria de Andrade Martini

115

Questão 1 Questão 2 Questão 3

10 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (3) (4) b) movimento hiperbólico

c) igual para todos

11 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (2) e se perde b) acelerado

c) igual para todos

12 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) - b) retilíneo uniforme

c) igual 13 a) acerto a) (1) a) carga

b) acerto b) (2) (3) (4) b) movimento horizontal e cai c) 1, menor massa

14 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (3) (4) b) -

c) 3 15 a) acerto a) (1) a) carga

b) acerto b) (3) (4) b) acelerado c) aquela que tiver menor massa

16 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) - b) movimento curvilíneo

c) 1, pois qto. maior d, maior acel. 17 a) acerto a) (1) a) carga

b) acerto b) (2) (3) (4) b) acelerado c) 3 pq atuam no mesmo sent. P e Fel

18 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (3) (4) b) lançamento horizontal

c) - 19 a) acerto a) (1) a) carga

b) acerto b) (3) (4) b) - c) 3, pq tem a força do campo a favor

20 a) acerto a) (1) a) acelerações diferentes b) acerto b) (3) (4) b) MUV

c) 1, pq tem traj. mais curva 21 a) acerto a) (1) a) carga

b) acerto b) (1+) b) MCU c) 1, pq tem menor massa

22 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (3) (4) b) MUV

c) 3, pq resultante é maior

Page 117: Maria Da Gloria de Andrade Martini

116

Questão 1 Questão 2 Questão 3 23 a) acerto a) - a) carga

b) erro em potência b) - b) MUV c) 1, d maior em mesmo t

24 a) acerto a) (1) a) carga b) erro em potência b) - b) MCUV

c) 3, pq atuam P e Fel

25 a) acerto a) (1) a) carga b) erro em

transposiçao de dados

b) (3) (4) b) MU

c) a que tiver menor massa

26 a) acerto a) - a) carga b) acerto b) - b) semi-parábola

c) 1, pq tem a maior trajetória 27

a) acerto a) - a) carga b) acerto b) - b) MUV

c) 1 e 3 pq têm mesma carga. 28 a) - a) - a) carga

b) - b) - b) acelerado c) 1, pq além de ser repelida pela

placa B é atraída pela placa A 29 a) acerto a) (1) a) carga

b) erro em potência b) (1+) b) MUV c) 1, pq o campo da placa + é o mais

forte 30 a) acerto a) (1) a) carga

b) acerto b) (3) (4) b) MUV retardado c) 1, pois tem menor massa

31 a) - a) (1) a) carga b) - b) (1+) b) MUV acelerado

c) 1, d maior em t igual

Page 118: Maria Da Gloria de Andrade Martini

117

Legenda da questão 2

(1) cálculo de a = q. E/m

(2) expressão para v : d = a. t2/2 e v = a. t

(3) v = a ad /2 ou v = da2 ou v2 = 2 d a

(4) v = mdqE /2

(1+) quando: v = a . t = q . E . t / m

Page 119: Maria Da Gloria de Andrade Martini

118

ANEXO III ANÁLISE DAS RESPOSTAS ÀS QUESTÕES DE ELETRICIDADE

3º ano do Ensino Médio Turma B Aluno Compreensão

numérica: questão 1

a) força; b) aceleração

Compreensão algébrica: questão

2 a) aceleração b) velocidade

Compreensão conceitual: questão 3

a) trajetórias diferentes; b) tipo de movimento; c) maior aceleração.

1 a) erro em contas a) (1) a) carga b) - b) (3) (4) b) MUV + lançamento horizontal

c) 1 e 3, pq 2 não tem aceleração 2 a) - a) - a) carga

b) - b) - b) movim. curvilíneo unif. Acelerado c) acelerações iguais

3 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (3) (4) b) acelerado

c) 1, pq d é maior para o mesmo t 4 a) - a) (1) a) carga

b) - b) - b) movimento oblíquo c) 2

5 a) - a) - a) carga b) - b) - b) lançamento vertical

c) 3 pq realiza uma “queda” 6 a) acerto a) (1) a) carga

b) acerto b) (3) (4) b) lançamento horizontal c) 1, pq d é maior para o mesmo t

7 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (3) (4) b) lançamento horizontal

c) acelerações iguais 8 a) acerto a) (1) a) carga

b) acerto b) (3) (4) b) lançamento horizontal c) 1, pq d é maior para o mesmo t

9 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (3) (4) b) MUV

c) 1 porque a força nela é maior 10 a) - a) (1) a) carga

b) - b) (1+) b) MRU c) 1, pq tem maior carga

Page 120: Maria Da Gloria de Andrade Martini

119

Questão 1 Questão 2 Questão 3 11 a) acerto a) (1) a) carga

b) acerto b) (3) (4) b) lançamento horizontal

c) 1, pq está a favor do campo

12 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (3) (4) b) lançamento horizontal

c) 3, pq Fr = Fel + P 13 a) acerto a) (1) a) carga

b) acerto b) (3) (4) b) lançamento horizontal c) a1 = a3

14 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (3) (4) b) movimento curvilíneo acelerado

c) 1, por alcançar maior distância 15 a) - a) - a) carga

b) - b) - b) MRUV c) 3 pq está descendo

16 a) acerto a) (1) a) carga b) - b) (3) (4) b) lançamento horizontal

c) 1 e 3 pq estão sujeitos a força elétrica

17 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (3) (4) b) MUV

c) é a de menor massa 18 a) acerto a) (1) a) carga

b) acerto b) - b) lançamento oblíquo c) 1, pq é a aceleração que faz

movimento oblíquo 19 a) - a) - a) carga

b) - b) - b) MRU c) 1 pq sua força resultante é maior

20 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (2) (3) (4) b) MUV

c) 3 pq está sujeita a mais forças 21 a) - a) (1) a) carga

b) - b) (2) (3) b) queda livre c) 1, pq d é maior para o mesmo t

22 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (2) (3) (4) b) MUV

c) iguais pq estão sob a mesma força elétrica

Page 121: Maria Da Gloria de Andrade Martini

120

Questão 1 Questão 2 Questão 3

23 a) - a) (1) a) carga b) acerto b) (3) b) MCU

c) 1, pq é a que mais desvia 24

a) - a) (1) com –q a) - b) - b) (3) (4) com –q b) lançamento oblique

c) acelerações iguais 25

a) acerto a) (1) a) carga

b) acerto b) (1+) b) MUV

c) acelerações iguais

26 a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (3) (4) com –q b) movimento retardado

c) 3, pq está caindo 27

a) acerto a) (1) a) carga b) acerto b) (3) (4) b) MUV

c) acelerações iguais pois estão sujeitas a mesma força

28 a) acerto com erro em potência

a) (1) a) carga

b) acerto com erro na potência

b) (3) (4) b) MUV

c) 3, pq o campo atua no sentido do movimento

Legenda da questão 2

(1)cálculo de a = q. E/m

(2)expressão para v : d = a. t2/2 e v = a. t

(3) v = a ad /2 ou v = da2 ou v2 = 2 d a

(4) v = mdqE /2

(1+) quando: v = a . t = q . E . t/ m

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121

ANEXO IV ELEMENTOS IDENTIFICADOS NA ANÁLISE DOS LIVROS DIDÁTICOS Apresentamos, a seguir, os diversos elementos identificados na

análise dos dois livros didáticos selecionados, a partir dos quais foi possível

estabelecer as considerações comparativas discutidas no texto do capítulo III.

Segue-se a mesma estrutura proposta no texto.

I. Aspectos relativos à estrutura dos livros analisados.

II. Em relação ao desenvolvimento do conceito de campo elétrico.

III. Em relação ao desenvolvimento dos conceitos de calor e mudança

de estado.

IV. Exercícios propostos e resolvidos.

I. Aspectos relativos à estrutura dos livros analisados

Estrutura geral do volume 2 dos livros A e B Curso de Física – Livro A

Volume 2

Leis da conservação – 1 capítulo (29 pag)

Termologia – 4 capítulos (145 pag)

Óptica – 2 capítulos (90 pag)

Ondulatória – 2 capítulos (64 pag)

Questões de vestibular – 168 questões Tabelas – funções trigonométricas Principais constantes físicas

Fundamentos da Física – Livro B

Volume 2

Termologia – 9 capítulos (172 pag)

Óptica – 5 capítulos (142 pag)

Ondulatória – 4 capítulos (116 pag) Apêndice – Unidades do Sistema Internacional Índice Remissivo

Page 123: Maria Da Gloria de Andrade Martini

122

Estrutura geral do Volume 3 dos livros A e B Curso de Física – Livro A

Volume 3

Eletrostática – 3 capítulos (100 pag)

Eletrodinâmica – 2 capítulos (100 pag)

Eletromagnetismo – 4 capítulos (160 pag)

Nova Física – 1 capítulo (10 pag)

Questões de vestibular – 212 questões Questões sobre física moderna – 20 questões Tabelas – funções trigonométricas Principais constantes físicas

Fundamentos da Física – Livro B

Volume 3

Eletrostática – 4 capítulos (100 pag)

Eletrodinâmica – 8 capítulos (100 pag)

Eletromagnetismo – 5 capítulos (100 pag)

Física Moderna – 3 capítulos (40 pag)

Análise Dimensional – 1 capítulo (6 pag) Apêndice – Unidades do Sistema Internacional

Índice Remissivo Considerações sobre a estrutura

• Livro A

A organização geral dos assuntos, no livro A, não difere muito de um

tipo clássico: volume 1 com os conteúdos de mecânica, volume 2 com

termologia, óptica e ondas e volume 3 com eletricidade.

Nos três volumes é mantida uma mesma estrutura. Cada capítulo é

dividido em uma série de secções, que variam de número de acordo com a

temática. Cada secção está dividida em vários pequenos blocos sendo que,

eventualmente, o último bloco da secção é uma série de comentários, nos

quais são avaliados os efeitos daquela teoria ou daqueles conceitos em

situações do cotidiano ou onde é necessário maior aprofundamento teórico. A

linguagem utilizada é simples, porém precisa e o capítulo começa com uma

exposição teórica apresentando os conceitos associados a alguns dados da

Page 124: Maria Da Gloria de Andrade Martini

123

realidade ou do cotidiano, visando nitidamente à aquisição, por parte do

aluno, de uma concepção e linguagem, condizentes com a percepção de

saber físico dos autores. Somente após a exposição qualitativa, essa

construção receberá uma formulação matemática. Nas descrições há

significativa utilização de figuras, geralmente desenhos e fotografias, ligadas

ao assunto.

Em vários momentos aproveita-se para expor o significado cognitivo

de uma teoria como uma verdade que tem um campo de validade definido.

Outro fato notável são as figuras que acompanham o texto e que estão

diretamente ligadas aos assuntos. (Wuo, 2000, p. 61)

Os tópicos são seguidos de exercícios de fixação, questionários

simples, de abordagem qualitativa e nos quais é feito um passo a passo do

conhecimento desenvolvido na secção. Na maior parte deles a formulação

matemática não é o destaque, pois segundo os autores a idéia desses

exercícios é sedimentar o conhecimento em estudo para incentivar o aluno a

prosseguir em outras atividades, concretizando as idéias básicas

apresentadas (Alvarenga e Máximo, 2000, ...) .

Quase ao fim do capítulo é apresentada a ultima secção chamada de

Tópico Especial. Trata-se de um texto que amplia e aprofunda os conceitos

desenvolvidos no capítulo. São abordadas, geralmente, aplicações

tecnológicas mais modernas ou são apresentados aspectos históricos

relacionados aos temas aprendidos ou, ainda, são mostradas curiosidades

relacionadas ao conhecimento desenvolvido. Há ainda as chamadas

questões de revisão cujo objetivo é fazer com que o estudante adquirira,

depois de respondê-las, uma noção da unidade do conhecimento

desenvolvido no capítulo, utilizando-se como referência o texto.

Algumas atividades experimentais simples são sugeridas. Não

requerem materiais sofisticados para seu desenvolvimento.

Por último, fechando cada um dos capítulos, estão os problemas e

testes e os problemas suplementares. Apresentam-se situações mais

sofisticadas e que exigem mais do estudante. A maioria desses problemas

não trabalha apenas com relações puramente matemáticas, mas

Page 125: Maria Da Gloria de Andrade Martini

124

problematiza situações do cotidiano ou de interesse mais amplo tanto para a

Física quanto para o aluno.

Neste trabalho, interessa-nos particularmente os volumes 2 e 3 que

contém na seqüência: leis da conservação, termologia, óptica e ondas;

eletrostática, eletrodinâmica, eletromagnetismo e uma unidade denominada

física nova. Especificamente vamos nos deter nos capítulos 12 e 13 de títulos

Primeira Lei da Termodinâmica (com 7 secções) e Mudança de fase (com 6

secções), contidos nas unidades reservadas ao calor, e nas unidades de

eletrostática, ao capítulo 18 de título Campo elétrico, dividido em 5 secções,

sendo a última, o Tópico Especial que trata da rigidez dielétrica-poder das

pontas.

Livro A - Volume 2

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125

Livro A - Volume 3

Cada secção do capítulo está dividida em pequenos blocos. Na secção

sobre campo elétrico os quatro blocos de teoria são: o que se entende por

campo elétrico; comentários; o vetor campo elétrico; movimento de cargas

em um campo elétrico. Essa subdivisão em pequenos blocos se repete em

todas as secções. Em todos os finais de secção são propostos exercícios e

encerrando a parte teórica do capítulo, aparece o Tópico Especial sobre

rigidez dielétrica e poder das pontas. Há ainda uma bateria de questões

formuladas com o objetivo de revisar a matéria e duas atividades

experimentais simples.

São 30 os problemas e testes propostos e 12 os problemas

suplementares.

Nos capítulos referentes ao calor, as secções que interessam a esse

trabalho contém quase sempre 4 blocos de teoria. Analisaremos o papel da

matemática na construção do saber físico nas seguintes secções: o calor

como energia; capacidade térmica e calor especifico; sólidos, líquidos e

gases; fusão e solidificação; vaporização e condensação. Assim como no

volume 3, invariavelmente, ao término de cada secção de teoria são

propostos exercícios de fixação. No final de cada um dos capítulos

estudados, há uma série de questões de revisão, atividades experimentais

simples, seguidos de um bloco de problemas e testes e finalmente um

conjunto dos chamados problemas suplementares.

Vale dizer que para o livro A, o conceito de calor e suas relações sem

mudança de estado pertencem a um grande capítulo 12 (34 páginas)

denominado 1ª Lei da Termodinâmica que contém, além das secções citadas

e que serão objetos desse trabalho, todos os conteúdos relativos à

Page 127: Maria Da Gloria de Andrade Martini

126

termodinâmica, incluindo maquinas térmicas. Ressalte-se que esta é uma

disposição não usual em livros de ensino médio que preferem apresentar a

unidade de termodinâmica separadamente.

O capítulo 13, sobre mudanças de fases, também traz um assunto

que não costuma estar presente nessas descrições em outros manuais.

Trata-se da secção comportamento de um gás real que apresenta, inclusive,

a expressão algébrica para a umidade relativa do ar.

• Livro B

A estrutura geral do livro B é semelhante a adotada no livro A. São três

volumes que apresentam, na ordem, mecânica, termologia, óptica e ondas e

no

último volume, eletricidade e uma introdução à física moderna. A distribuição

do conteúdo se dá por capítulos. Em cada um deles, o início se dá com a

listagem dos itens que serão contemplados no capítulo ao lado de um box

que contém uma descrição sucinta do conteúdo que será tratado.

Inicialmente, para cada item, há uma exposição teórica onde os

conceitos são apresentados. Nessa descrição há significativa utilização de

figuras, geralmente desenhos e fotografias. Posteriormente há um conjunto

de exercícios resolvidos relacionados ao conteúdo do item e, em seguida,

uma série de exercícios propostos, sendo a maioria, de resolução semelhante

aos resolvidos. Alem disso, são propostos exercícios chamados de

recapitulação que têm grau de dificuldade mais elevado e pretendem fazer

Page 128: Maria Da Gloria de Andrade Martini

127

uma síntese e uma revisão do conteúdo do capítulo. Encerrando o capítulo,

há uma série de testes propostos, ordenados de acordo com a exposição da

teoria e cujo objetivo seria, segundo os autores, revisar a teoria estudada. Em

alguns casos, um texto sobre história da física, encerra o capítulo. No volume

3 estudado, um dos capítulos, mais precisamente o de número 13 ( campo

magnético), traz, ainda, os chamados exercícios especiais , que relacionam

o conteúdo do capítulo com outros já estudados.

Essa estrutura baseada na apresentação teórica, abordagem

conceitual quantitativa, figuras abstratas, exercícios resolvidos e exercícios

propostos semelhantes aos resolvidos se repete em todos os capítulos e em

todos os itens.

...este é o esquema que caracteriza as obras desse grupo: abordagem

conceitual resumida, com os pontos lógicos fundamentais e muitos

exercícios. Como já foi citado, o livro segue o modelo das apostilas dos

cursos pré-vestibular que visam preparar o aluno para a resolução de

problemas e testes. (Wuo, 2000, p.63)

No volume 3, o capítulo sobre campo elétrico, é dividido em 5 itens:

conceito de campo elétrico, campo elétrico de uma carga puntiforme fixa,

campo elétrico de várias cargas puntiformes fixas, linhas de força e campo

elétrico uniforme. Ao final da descrição do primeiro item, são resolvidos dois

exercícios e propostos outros dois. Essa estrutura se repete para os demais

itens – entre um a três exercícios resolvidos e entre um a quatro exercícios

propostos. No final do capítulo, são propostos 10 exercícios de recapitulação

e 20 testes retirados de vestibulares.

No volume 2, o capítulo 4 trata da Calorimetria e é dividido em 5 itens:

calor: energia térmica; calor sensível e latente; equação fundamental da

calorimetria; capacidade térmica de um corpo; trocas de calor, calorímetro. Já

o capítulo 5, que apresenta as mudanças de fase, é dividido em 4 itens:

considerações gerais; quantidade de calor latente; curva de aquecimento e

de resfriamento; o fenômeno da superfusão. A cada final de item são

resolvidos alguns exercícios e propostos outros. No final de cada um dos

Page 129: Maria Da Gloria de Andrade Martini

128

capítulos, são propostos exercícios de recapitulação e uma bateria de testes

retirados de vestibulares.

Livro B Volume 2

Volume 3

II. Em relação ao desenvolvimento do conceito de campo elétrico

• No livro A

Como já dissemos o capítulo é dividido em 5 secções. Na secção

denominada O conceito de campo elétrico os dois primeiros blocos (o que se

entende por campo elétrico e comentários) privilegiam uma abordagem

qualitativa. Nesses blocos não há nenhuma menção a expressões algébricas.

Page 130: Maria Da Gloria de Andrade Martini

129

No bloco comentários é utilizada uma analogia entre o campo elétrico e o

campo gravitacional. Na verdade, o conceito de campo é apresentado pelos

autores nesse trecho do livro. O campo gravitacional não havia sido

considerado como tal até que fosse definido o campo elétrico. Sendo assim, a

descrição do campo elétrico introduz a noção dos diversos campos

(gravitacional, de temperaturas, elétrico). O campo aparece como o

responsável pelas forças existentes em pontos do espaço ao redor do

gerador, seja ele uma carga, um ponto material, etc. As figuras utilizadas

acompanham a descrição conceitual e não sugerem nada matemático.

No terceiro bloco, o vetor campo elétrico, são apresentadas as

características do vetor campo elétrico. Seu módulo é definido como a razão

entre a força aplicada, Fr

, sobre uma carga de prova q em um ponto qualquer

no espaço ao redor da geradora Q e a intensidade da carga elétrica q. A

direção e o sentido do vetor campo elétrico, Er

, é definida e explicada através

Page 131: Maria Da Gloria de Andrade Martini

130

de exemplos que utilizam figuras para serem compreendidos. Essa descrição

não é numérica e se dá em, aproximadamente, uma página de texto. Ao final

desse bloco, um quadro resume o que foi dito, apresentando a expressão

algébrica para Er

, além da convenção para a direção e sentido do vetor.

No próximo bloco é descrito qualitativamente o que ocorre quando

cargas de prova positivas ou negativas ficam sob a ação de um campo

elétrico qualquer. Os deslocamentos das cargas de prova são analisados e

um quadro conclui que estes se darão no sentido do campo se a carga de

prova for positiva e no sentido contrário ao do campo, caso seja negativa. O

conjunto de três blocos é finalizado com um exemplo numérico comentado.

É possível notar que ao longo do capítulo os autores enfatizam os

princípios gerais, reduzindo o numero de informações muito específicas e que

poderiam dificultar a aprendizagem e desviar a atenção do que de fato é

fundamental. Isso parece estar de acordo com as ponderações que constam

do prefácio do manual do professor do volume 3 onde lê-se:

Temos observado, nos cursos de física do ensino médio, uma

excessiva preocupação com o formalismo, isto é, esta disciplina vem sendo

apresentada com uma estrutura muito semelhante à da matemática: os

princípios físicos são “postulados”, suas conseqüências são “teoremas” e

suas aplicações se restringem à solução de “problemas numéricos”. Este

modo de apresentar a fisica transmite ao estudante deste nível uma visão

deformada desta ciência, uma vez que ela não foi, e continua não sendo,

estruturada e desenvolvida daquela maneira. (Alvarenga e Máximo, 2000,

p.4)

Page 132: Maria Da Gloria de Andrade Martini

131

É importante salientar que não existem exemplos do cotidiano

associados a conceituação de campo elétrico, todavia o texto lança mão de

uma analogia concreta e macroscópica em relação ao campo gravitacional,

o que por si só é algo mais próximo do mundo vivencial do aluno.

A próxima secção chama-se: Campo elétrico criado por cargas

puntuais e está dividida em 4 blocos de teoria. A dedução do campo como E

= 2dQko é feita utilizando-se a lei de Coulomb e a expressão do campo da

secção anterior. No bloco de comentários, chama-se a atenção do estudante

para o fato de que a carga de prova q não aparece na expressão, concluindo-

se que o campo elétrico não depende dela; comenta-se a proporcionalidade

entre a intensidade de E e o valor de Q, apresentando-se o gráfico E X Q.;

explica-se a proporcionalidade inversa com o quadrado da distância entre Q e

o ponto onde se quer determinar o campo elétrico, apresentando-se o gráfico

E X d.

O próximo bloco trata do campo de várias cargas puntuais como a

soma vetorial dos vários campos produzidos separadamente por cargas

diversas. Para encerrar a secção descreve-se como é o campo de uma

esfera. O bloco trata somente do campo em pontos exteriores à esfera. A

análise, apesar de simples aponta para o procedimento adotado no cálculo

diferencial integral, na medida em que considera que a carga total na esfera

seria constituída de cargas elementares (puntuais) que criariam campos

elementares que somados resultariam no campo criado por uma distribuição

contínua de cargas em uma esfera. Esta associação é feita utilizando-se

somente da expressão já apresentada para o campo elétrico ( E = 2dQko ) .

Na próxima secção é desenvolvida a noção de linhas de força. Os

blocos são: o que são linhas de força, comentários, campo elétrico uniforme.

São três páginas de texto entremeadas com figuras e um box. Nesses blocos

a abordagem é apenas qualitativa e descreve a importância das linhas de

força como representativas do campo tal como desejava Faraday, objeto de

uma pequena biografia em um box no primeiro bloco. Há nessa secção dois

Page 133: Maria Da Gloria de Andrade Martini

132

quadros resumos. Em um deles resume-se a utilidade das linhas de força

para a determinação da direção e do sentido do campo em um ponto, além

de possibilitar obter informações sobre o módulo do vetor campo elétrico a

partir da proximidade entre elas. Em outro há a definição de campo elétrico

uniforme. A secção tem muitas figuras e uma foto que mostra o mapeamento

das linhas de força do campo elétrico existente entre duas placas eletrizadas

com cargas de sinais contrários.

Esta obra proporciona uma visão das múltiplas faces da ciência em

geral e particularmente da física. Apresenta a construção histórica da física, o

desenvolvimento de suas idéias, traços do pensamento e personalidade dos

cientista, aspectos sociais e econômicos que, de uma forma mais direta,

estão ou estiveram mais ligados à física. (Wuo, 2000, p. 84)

A última secção antes do tópico especial chama-se Comportamento de

um condutor eletrizado e está dividida em 3 blocos: a carga se distribui na

superfície do condutor; campo no interior e na superfície do condutor;

blindagem eletrostática.

Trata-se, novamente de abordagem apenas qualitativa, feita em,

aproximadamente, 3 páginas. Nos dois primeiros blocos há a descrição dos

fenômenos através de texto e figuras e um quadro resumo em cada um dos

blocos. No bloco sobre blindagem eletrostática explica-se a gaiola de Faraday

e associa-se o fenômeno a eventos do cotidiano, utilizando-se fotos da queda

de raios em automóveis ou da blindagem dos fios internos de cabos coaxiais

Page 134: Maria Da Gloria de Andrade Martini

133

Encerrando a parte teórica do capítulo, aparece o Tópico Especial

sobre Rigidez dielétrica e poder das pontas. A leitura privilegia aspectos dos

conceitos que são próximos do universo dos alunos. São descritos os

fenômenos envolvidos na formação de raios e de trovões, o poder das pontas

e como funcionam os pára-raios.

Ao se terminar a leitura do capítulo, é

possível perceber uma abordagem do

conceito de campo elétrico que se dá

primeiramente pela aproximação do

estudante daquilo que é fundamental para o

entendimento do conceito, traduzindo-o, na

medida do possível, primeiramente em

Page 135: Maria Da Gloria de Andrade Martini

134

termos de idéias para só depois, aproximar-se da expressão algébrica. Há

uma tentativa bastante perceptível do texto em manter um equilíbrio em

relação aos aspectos quantitativos e qualitativos.

• No livro B

O capítulo sobre o título Campo Elétrico do livro B, como já dito, divide-

se em 5 itens: conceito de campo elétrico, campo elétrico de uma carga

puntiforme fixa, campo elétrico de várias cargas puntiformes fixas, linhas de

força e campo elétrico uniforme. No box, ao lado desta lista, é apresentada a

descrição do que será estudado:

Neste capítulo, apresentamos o conceito de campo elétrico e

analisamos aqueles originados por uma carga elétrica puntiforme e por

diversas cargas. Conceituamos linhas de força e campo elétrico uniforme. Os

conceitos de campo e linhas de força foram introduzidos pelo cientista e

conferencista inglês Michael Faraday (Ramalho e outros, 2003, p. 33).

No item 1 que trata do conceito de campo elétrico, os autores utilizam

a idéia de modificação da região que envolve uma carga geradora de campo.

Ao se colocar uma carga de prova nessa região aparecerá uma força de

origem elétrica sobre ela. Algumas figuras representam as forças sobre a

carga de prova.

O texto segue apresentando uma analogia entre o campo gravitacional

e o campo elétrico que visa caracterizar este último. Essa analogia é feita por

meio da equação vetorial Pr

= m . gr , ressaltando o fator escalar (m) e o fator

vetorial gr . Para o campo elétrico, então, deve-se associar, segundo o texto,

Page 136: Maria Da Gloria de Andrade Martini

135

um fator escalar análogo a m, representado pela carga de prova q e um fator

vetorial análogo a gr , representado pelo campo elétrico. Dessa analogia

algébrica, surge eFr

= q . Er

. Também da Matemática extraem-se os sentidos

de eFr

e Er

, mais precisamente da definição de produto entre um número real

e um vetor onde para q > 0, Er

e eFr

devem ter mesmo sentido e se q < 0, eFr

e Er

devem ter sentidos opostos. É apresentada uma figura, representando

os vetores e seus sentidos concordantes ou discordantes. Definida a

expressão, o texto conclui, por meio dela, que a unidade é N/C, no S.I.

Seguem-se dois exercícios resolvidos e outros dois propostos.

No item seguinte, que trata do campo elétrico de uma carga puntiforme

fixa, a idéia se repete. A teoria é desenvolvida centrada na abordagem

quantitativa. A dedução da intensidade do campo gerado por uma carga

puntiforme Q fixa, é feita a partir da lei de Coulomb igualando-se esta à

força elétrica definida no item anterior.

Page 137: Maria Da Gloria de Andrade Martini

136

Algumas figuras são utilizadas e as caracterizações dos campos

elétricos como sendo de afastamento ou de aproximação dependendo do

sinal da carga geradora desse campo são apresentados e as conclusões

colocadas em quadros que se parecem com um box- lembrete.

Ao final deste item, é resolvido um exercício e proposto outro.

Page 138: Maria Da Gloria de Andrade Martini

137

Essa estrutura baseada na apresentação teórica, abordagem

conceitual quantitativa, figuras abstratas, exercícios resolvidos e exercícios

propostos se repete em todos os itens. Percebe-se que a característica

marcante da obra, expressa nesse capítulo, é uma exposição lógica e sucinta

das referências teóricas, sem a preocupação em se deter no conteúdo de

realidade de um conceito.

No final do capítulo, são apresentadas fotos das linhas de força dos

campos elétricos originados por uma carga elétrica puntiforme isolada obtidas

com fiapos de tecidos suspensos em óleo, onde cada fiapo torna-se um

dipolo que se orienta na direção do vetor campo elétrico. Nenhuma referência

de como ou onde essas situações tiveram lugar aparece no texto.

III. Em relação ao desenvolvimento dos conceitos relacionados ao

calor e mudança de estado

• Livro A

O livro A apresenta o conceito de calor como forma de energia em

uma secção dividida em 4 pequenos blocos. Nesses blocos são discutidas as

idéias que transformaram a substância calor, conhecida como calórico, em

uma das tantas formas de energia. Os autores dispensam a matemática

nessa secção. O intuito, segundo o descrito no manual destinado ao

professor, é enfatizar a necessidade da precisão no uso do termo calor,

caracterizando-o como grandeza física e chamando a atenção para o fato de

que os alunos não devem usar a idéia de frio como grandeza que se opõe ao

calor.

É evidente a intenção de traçar um panorama histórico desde a idéia

de calor da teoria do calórico até os trabalhos de Joule. Parte desse trajeto

pela história é descrito nessa secção e parte é apresentada em um texto no

final do capítulo onde se descreve com detalhes o aparelho e os trabalhos de

Joule para obter o “equivalente mecânico do calor”.

... é digna de nota a preocupação dos autores em remeter aos

pensadores envolvidos na criação dessas idéias, o que é feito no próprio

Page 139: Maria Da Gloria de Andrade Martini

138

desenrolar do texto, contribuindo de forma significativa para a visão de

ciência como obra construída no transcurso da historia humana e não algo

nascido pronto e acabado (Wuo, 2000, p. 61).

A matemática aparece na próxima secção onde a capacidade térmica

e o calor específico são definidos a partir de situações de aquecimento em

que são apresentadas diferentes massas de uma mesma substância. Após a

obtenção da fórmula, o texto indica como deve ser lido determinado resultado

numérico em uma perspectiva que aponta para o significado físico do valor

encontrado. Por exemplo, o que representa, do ponto de vista físico, um

corpo ter capacidade térmica 5 cal/oC ou o que indica um corpo que tem

essa grandeza maior do que outro. O mesmo desenvolvimento é usado na

idéia de calor específico, sendo que, nesse bloco, há um quadro que

descreve as relações entre o calor específico e o ambiente, por exemplo, na

praia, entre a areia e a água do mar. Além disso, uma tabela dos calores

específicos de diversas substâncias ajuda o bloco comentários a explicitar o

que significam os valores distintos para, por exemplo, a água e o gelo ou para

o alumínio e o chumbo.

O próximo bloco apresenta, a partir das expressões de capacidade

térmica e calor específico, a equação da calorimetria Q = m. c. ∆t.

Nota-se nessas secções do livro A uma tentativa dos autores em

concretizar as idéias básicas apresentadas. Os conceitos são abordados em

ângulos diversos, sugerindo uma busca por uma captação mais intuitiva e

mais profunda do significado conceitual. Constata-se isso, sobretudo, quando

a equação da calorimetria é apresentada pela via das relações entre as

grandezas, estabelecidas, em princípio, conceitualmente.

Esse modo de entender o papel da matemática parece estar de acordo

com a perspectiva realista discutida por Matos e Terrazina (1996) em seu

texto Didáctica da Matemática onde compreendem matematizar como uma

atividade estruturante e organizativa pela qual conhecimentos e capacidades

são chamados para serem explorados. Desse ponto de vista, a matemática

introduzida pelo livro A ao final da secção está inserida em um processo

dinâmico onde para se entender a equação é necessário estabelecer-se a

organização conceitual da situação problema.

Page 140: Maria Da Gloria de Andrade Martini

139

No capítulo 13, sobre mudanças de fase essa impressão se reafirma.

Nas secções que interessam a esse trabalho, são aproximadamente 11

páginas onde praticamente só são discutidos conceitos. Começa-se

descrevendo os três estados da matéria, utilizando-se exemplos e

apresentando exceções tais como o vidro ou os cristais líquidos e suas

aplicações em LCD. Em seguida são apresentadas as mudanças de fase.

Cada uma delas é descrita em seu aspecto microscópico e são apresentadas

as leis de mudança de estado aplicadas a cada uma delas. Na secção sobre

vaporização e condensação a evaporação também é discutida, assim como

os fatores que a influenciam.

Nas secções analisadas, foram inseridos e discutidos no decorrer do

texto, os significados físicos dos valores encontrados nas tabelas dos calores

latentes de algumas substâncias e suas temperaturas de mudança de estado.

Ao final da secção fusão e solidificação assim como da secção vaporização e

condensação um exemplo numérico é apresentado. São exemplos simples

onde o que se quer é obter a quantidade de calor necessária para que, por

exemplo, 20 g de gelo a 0oC, transformem-se em vapor d’água,

superaquecido, a 200oC. Não são, no entanto, problemas onde o contexto é

privilegiado e, portanto, parecem romper com o texto, em sua proposta de

concretizar, aproximando-se de uma visão mecanicista do papel da

matemática onde esse tipo de problematização tem lugar.

Page 141: Maria Da Gloria de Andrade Martini

140

Prevalece no decorrer das secções, o uso adequado e elucidativo de

figuras. Percebe-se um cuidado significativo em estabelecer com o estudante

uma linguagem que denote proximidade didática, tal qual uma aula,

preservando-se a precisão dos termos e significados.

Page 142: Maria Da Gloria de Andrade Martini

141

Livro B

O capítulo 4 chama-se A medida do calor – Calorimetria e é dividido

em 5 itens. No primeiro deles há a definição de calor. Essa apresentação do

conceito é feita usando-se de uma abstração tal qual se segue:

Considere dois corpos A e B em diferentes temperaturas, θA e θB, , tais

que θA > θB, (fig. 1a). Colocando-os um em presença do outro, verifica-se

que a energia térmica é transferida de A para B. Essa energia térmica em

trânsito é denominada calor (grifos do autor) (Ramalho e outros, 2003, vol 2,

p. 47).

Apesar da precisão de linguagem se sobressair na definição, parece

importante observar o distanciamento da consideração utilizada pelos

autores na definição, relativa a dois corpos A e B, descontextualizada de

uma situação experimental ou mesmo vivencial do aluno e vinculada a uma

sentença algébrica (θA > θB) .

Essa escolha da matemática como linguagem que dá forma e apóia

uma definição parece estar associada a uma tendência dos autores em

considerar a matemática aquilo que dá confiabilidade a uma definição ou a

uma apresentação de equação. Sendo assim, a sentença matemática é

considerada explicativa na medida em que parece ser intenção dos autores

que os alunos adquiram o domínio da matemática como linguagem para

poderem resolver melhor os exercícios propostos. Os exemplos durante o

texto seguem essa linha. Incumbem a matemática da função elucidativa e da

tarefa de trazer a equação para mais próximo do aluno. Isso pode ser

verificado na dedução da equação fundamental da calorimetria. O calor

específico é apresentado como o fator de proporcionalidade da equação e,

por isso, característico do material. Seu significado é discutido somente do

ponto de vista numérico e dimensional. Sua relação com o cotidiano não é

abordada.

Page 143: Maria Da Gloria de Andrade Martini

142

No próximo item os autores definem a capacidade térmica e para

discutir seu significado físico, apresentam como exemplo as fagulhas de um

esmeril que apesar de estarem a uma alta temperatura, não queimam a pele

do operador porque têm pequena capacidade térmica. Novamente, o

exemplo é distante do cotidiano da maior parte dos alunos e não há ao

menos uma figura que ilustre a situação desconhecida.

Já no final do capítulo, o texto apresenta como se dão as trocas de

calor em recipientes termicamente isolados, mostrando o esquema de um

calorímetro cortado de modo que seus componentes apareçam. Nesse item,

as figuras são explicativas, mas os exemplos continuam formalistas. Um texto

sobre as calorias dos alimentos finaliza o capítulo. Nesse artigo é explicado o

que é a caloria alimentar (Cal), assunto de interesse de grande parte dos

alunos. A associação é interessante e colocada adequadamente no final do

Page 144: Maria Da Gloria de Andrade Martini

143

capítulo em uma tentativa de relacionar o conhecimento físico adquirido a

outros aspectos que não só os quantitativos.

A última página do capítulo apresenta um item denominado Historia da

Física que trata da evolução do conceito de calor desde os gregos até

Clausius. A abordagem é factual e desvinculada do texto teórico.

O capítulo 5 trata das mudanças de fase e o faz em 4 itens. No

primeiro item são feitas considerações gerais sobre as fases que uma

substância pode apresentar e como é a disposição molecular em cada uma

delas além de explicar porque e quando ocorre a mudança de fase. Esses

aspectos são discutidos de modo qualitativo em um texto curto, de grande

objetividade. Os exemplos relacionados a aplicações mais próximas dos

alunos estão descritos somente na legenda das três figuras que encerram o

item.

No próximo item, sobre calor latente, é apresentada a equação de

mudança de estado, além dos valores dos calores latentes e temperatura de

mudança de estado para a água, o gelo e o vapor. O item é curto e as

explicações são concisas e diretivas.

Page 145: Maria Da Gloria de Andrade Martini

144

O item seguinte, sobre curvas de aquecimento e de resfriamento,

apresenta duas curvas a partir de um exemplo que acompanha a variação de

temperatura de um bloco de gelo inicialmente a 20oC e sua transformação em

vapor a mais de 100oC e depois o processo inverso, o resfriamento. Não são

calculadas as quantidades de calor o que favorece a compreensão do que é

proposto no item, ou seja, estabelecer o conjunto de retas obtido em uma

curva de aquecimento ou de resfriamento. Note-se que a abordagem é

quantitativa e a exposição não relaciona o conteúdo do item ao descrito em

item anterior. Não se explica o significado dos “patamares” ou mesmo da

razão que explica a diferença nas inclinações das retas A e C da figura 5.

Page 146: Maria Da Gloria de Andrade Martini

145

IV. Exercícios propostos e resolvidos

• Livro A O primeiro exemplo numérico do capítulo sobre campo elétrico aparece

quando o conjunto de três blocos de teoria é finalizado. A resolução da

situação do exemplo faz uso da expressão algébrica para Er

, além da

aplicação da regra definida para o sentido do vetor. Nota-se que é uma

resolução comentada, ou seja, chama-se a atenção do aluno para aspectos

que os autores julgam relevantes. Tão logo o exemplo é descrito é proposto

ao estudante que responda 5 exercícios de fixação.

Page 147: Maria Da Gloria de Andrade Martini

146

Observa-se que três deles são de abordagem conceitual e os outros

dois, com itens a e b, fazem uso da expressão do campo elétrico em um dos

itens.

Esta proposta se repete ao longo dos blocos que compõe o capítulo.

Tão logo os exemplos comentados são oferecidos, sobrevêm os exercícios

de fixação que em sua maioria evocam situações concretas onde se

privilegia o aspecto qualitativo. Juntam-se a estes, outros, em menor número,

de ênfase quantitativa, onde se apresentam situações que repetem as

descritas no exemplo ou onde a resolução supõe uma aplicação mais direta

da fórmula.

Page 148: Maria Da Gloria de Andrade Martini

147

No final dos itens do capítulo, na secção Revisão são formuladas 10

questões de abordagem qualitativa que devem ser respondidas, segundo os

autores, voltando-se ao texto, caso haja dúvidas. São questões simples e ao

respondê-las o aluno passa a ter um resumo descritivo dos tópicos

abordados no capítulo, incluindo as expressões matemáticas nele

desenvolvidas.

Page 149: Maria Da Gloria de Andrade Martini

148

Ao finalizar o capítulo uma bateria de 30 problemas e testes é

proposta. Além deles, são sugeridos mais 12 problemas suplementares. Em

todos eles percebe-se a preocupação em contextualizar as situações

descritas, descrevendo as mais abstratas por meio de um texto mais longo ou

de figuras.

A proposta didática de exercícios é a mesma nos dois capítulos sobre

calor. Ao fim das primeiras secções de teoria dos capítulos 12 e 13, os

exercícios de fixação abordam situações das quais se esperam análises

qualitativas relacionadas aos conceitos de equilíbrio térmico, calor como

Page 150: Maria Da Gloria de Andrade Martini

149

energia de transferência, a transformação de energia mecânica em calor,

fases e mudança de estado de uma substância. Nas secções seguintes, são

propostos os exercícios chamados de fixação, sempre, também, no final de

cada uma delas. Assim como no volume 3, os exercícios são em sua maioria

de aplicação conceitual. É possível se reconhecer, em alguns exercícios, uma

tentativa de utilizar a matemática como o agente facilitador de uma

compreensão mais profunda dos conceitos, ou seja, aquilo que contribui para

induzir visões distintas de um mesmo conceito.

Ao final dos capítulos 12 e 13 são propostas 10 questões de revisão

em cada um deles. Em seguida, é indicada uma seqüência de 30 problemas

e testes em cada um dos dois capítulos. Além desses, uma lista de

problemas suplementares é sugerida. Vale ressaltar que nem todos esses

problemas se relacionam aos assuntos de interesse desse trabalho visto que

o capítulo 12, como já dito, além da calorimetria, contempla toda a

termodinâmica. O capítulo 13, por sua vez, traz, além dos aspectos de

mudança de fase aqui examinados, outros tais como a influência da pressão,

comportamento de um gás real e uma secção sobre sublimação e diagramas

de fases. No livro B esses conteúdos estão separados, em outros capítulos, o

que facilita nossa análise.

Page 151: Maria Da Gloria de Andrade Martini

150

• Livro B

No livro B, logo após a apresentação do conceito de campo elétrico,

são resolvidos dois exercícios. O primeiro trata da aplicação imediata da

fórmula e da regra do sentido entre Er

e eFr

. O segundo, retrata uma situação

de equilíbrio entre eFr

e Pr

em formato de questão literal, pedindo que se

determine a carga de prova q. Nos dois exercícios propostos a seguir, fazem-

se aos alunos as mesmas solicitações com a diferença de que o exercício

sobre equilíbrio não é mais literal e sim numérico.

Parece evidente que a intenção dos autores é, originalmente, estimular

o aluno a transpor para a linguagem matemática o conceito aprendido, na

medida em que não só a definição de campo elétrico utiliza-se dessa

abordagem quantitativa, incluindo a analogia. Os exercícios posteriores à

formação do conceito, ou seja, aqueles que fazem parte dos outros itens

também fazem uso dessa estratégia de repetição de resoluções. Há que se

reconhecer nessa seqüência, uma tentativa de associar o saber físico à

destreza em se resolver exercícios, problemas e testes de vestibulares,

mantendo a coerência e reforçando, portanto, a proposta do livro que como já

dissemos é centradamente teórica e quantitativa.

Vale ressaltar que os exercícios de recapitulação são na sua grande

maioria extraídos de vestibulares, sendo assim um pouco mais criativos e

exigentes do ponto de vista do conceito, procurando desvincular as situações

propostas de um tratamento puramente matemático, sem, no entanto, dele

prescindir. Uma bateria de 20 testes propostos fecha o capítulo.

Em relação aos capítulos 4 e 5, sobre calor e mudança de estado, os

exercícios resolvidos encontram-se mais concentrados uma vez que

aparecem após a quase totalidade dos itens de teoria. São 3 exemplos no

capítulo 4 e 5 no capítulo 5. Não há, também nesses capítulos, nenhum

exercício que aborde somente a parte conceitual e em nenhum deles é

sugerida relações matemáticas envolvendo os aspectos fenomenológicos dos

conceitos e não suas aplicações formais.

Page 152: Maria Da Gloria de Andrade Martini

151

Os exercícios propostos reforçam os resolvidos, sendo do mesmo

nível de dificuldade e, em muitas das vezes repetição dos exemplos. Os

exercícios de recapitulação ampliam a abstração na medida em que as

relações pedidas são mais sofisticadas, sendo que alguns deles descrevem

situações reais, visto serem, na sua grande maioria retirados de vestibulares.

São 17 os testes propostos pelo capítulo 4 e 11 os do capítulo 5. Ainda no

capítulo 4, há um item especial que traz problemas aplicados em situações

em que há variação do valor do calor específico com a temperatura e

transformações de energia mecânica em calor. São 3 problemas resolvidos e

8 propostos.