Mariana Almeida Passos de Freitas

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Mariana Almeida Passos de Freitas Zona Costeira e Meio Ambiente Aspectos jurídicos DISSERTAÇÃO DE MESTRADO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS Programa de Pós-Graduação em Direito Curitiba Julho de 2004

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Mariana Almeida Passos de Freitas

Zona Costeira e Meio AmbienteAspectos jurídicos

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAISPrograma de Pós-Graduação em Direito

CuritibaJulho de 2004

Mariana Almeida Passos de Freitas

Zona Costeira e Meio AmbienteAspectos jurídicos

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduaçãoem Direito da PUC-Paraná, como requisito parcial paraobtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Carlos Frederico Marés de Souza Filho

CuritibaJulho de 2004

Mariana Almeida Passos de Freitas

Zona Costeira e Meio AmbienteAspectos jurídicos

Dissertação apresentada como requisito parcialpara obtenção do grau de Mestre pelo Programa dePós-Graduação em Direito da PUC-PR.Aprovada pela Comissão Examinadora abaixoassinada.

Prof. Carlos Frederico Marés de Souza FilhoOrientador

Centro de Ciências Jurídicas e Sociais − PUC-PR

_______________________________________

_______________________________________

Curitiba, de julho de 2004

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ouparcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor edo orientador.

Mariana Almeida Passos de Freitas

Graduou-se em Direito na Faculdade de Direito de Curitiba em2000. Concluiu o Curso de Pós-Graduação: Especialização emDireito Administrativo Aplicado no ano de 2001, no Instituto deDireito Romeu Felipe Bacellar. Tem se dedicado ao estudo datutela dos direitos socioambientais.

Ficha Catalográfica

Freitas, Mariana Almeida Passos de

Zona costeira e meio ambiente: aspectos jurídicos / MarianaAlmeida Passos de Freitas; orientador: Carlos Frederico Marésde Souza Filho. − Curitiba: PUC, Centro de Ciências Jurídicas eSociais, 2004.

v., 194 f.; 29,7 cm

1. Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católicado Paraná, Centro de Ciências Jurídicas e Sociais.

Inclui referências bibliográficas.

1. Direito – Teses. 2. Direito ambiental. 3. Responsabilidadecivil – Brasil. 4. Proteção ambiental da zona costeira. I. SouzaFilho (Carlos Frederico Marés de). II. Pontifícia UniversidadeCatólica do Paraná. Centro de Ciências Jurídicas e Sociais. III.Título.

Resumo

Freitas, Mariana Almeida Passos de; Souza Filho, Frederico Marés de. ZonaCosteira e Meio Ambiente: aspectos jurídicos. Curitiba, 2004, 194 f.Dissertação de Mestrado – Departamento de Direito, PontifíciaUniversidade Católica do Paraná.

O meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do

povo e essencial à sadia qualidade de vida, é direito garantido pelo art. 225 da

Constituição Brasileira de 1988. Trata-se de direito difuso, que deve ser defendido

e preservado não só pelo Poder Público mas também pela coletividade. A zona

costeira, por sua vez, é considerada patrimônio nacional pela Constituição

Federal, em face de suas características e ecossistemas próprios, de grande

importância ambiental. No entanto, esse ambiente vem sendo degradado em

conseqüência principalmente do aumento do turismo, das construções irregulares,

da urbanização desenfreada e do total desrespeito às normas ambientais. A ação

humana está descaracterizando o litoral brasileiro, o que exige atitude fiscaliza-

dora mais efetiva por parte do Poder Público. O presente trabalho propõe,

primeiramente, o estudo de questões genéricas da zona costeira, como importân-

cia, natureza jurídica e planos de gerenciamento. E, na seqüência, a análise dos

diferentes bens pertencentes à zona costeira, como as dunas, as restingas, as

praias, os terrenos de marinha e as ilhas marítimas, com enfoque no tratamento

jurídico a eles dispensado, sempre com vistas à proteção ambiental.

Palavras-chave

Zona costeira; meio ambiente; plano de gerenciamento costeiro; duna;

restinga; praia; terreno de marinha; ilha marítima; patrimônio nacional.

Abstract

Freitas, Mariana Almeida Passos de; Souza Filho, Carlos Frederico Marésde. Coastal zone and the environment: legal aspects. Curitiba, 2004,194 p. MSc. Dissertation – Departamento de Direito, PontifíciaUniversidade Católica do Paraná.

People’s right to an ecologically balanced environment, which is a natural

good of common use and essential to a healthy standard of life, is guaranteed by

the Brazilian Constitution of 1988. It constitutes a diffuse right that is supposed to

be defended and preserved not only by the authorities but also by the community.

The coastal zone is a unique region, considered as national heritage by the Federal

Constitution due to its peculiar characteristics and ecosystem, as well as its great

ecological significance. However, the coastal zone has been suffering a

degradation process, mainly by the growth of tourism, irregular edifications,

uncontrolled urbanization and total disrespect to the environmental regulations.

Human activities have been causing the Brazilian shore to lose its natural

characteristics, which demands a more effective control by the authorities. The

present dissertation proposes, first of all, the study of general issues of the coastal

zone, such as its importance, legal nature and coastal management plans. Then,

the analysis of the other natural goods which belong to the coastal zone, such as

dunes, coastal shrubs, beaches, marine shorelands and maritime islands, focusing

on their juridical treatment, always aiming at the environmental protection.

Key words

Coastal zone; environment; coastal management plan; dune; coastal shrub;

beach; marine shoreland; maritime island; national heritage.

Sumário

Introdução 9

1. A zona costeira 13

1.1. Considerações preliminares 13

1.2. Definição, delimitação, características e proteção ambiental 15

1.3. Unidades de conservação na zona costeira 23

1.4. Zona costeira como patrimônio nacional 29

2. Planos de gerenciamento costeiro 33

2.1. Lei 7.661, de 16.05.1988 e Plano Nacional de Gerenciamento

Costeiro – PNGC 33

2.2. Planos Estaduais e Municipais de Gerenciamento Costeiro 40

2.3. Conclusão 41

3. Dunas e restingas 44

3.1. Dunas 44

3.2. Restingas 48

3.3. Importância e proteção jurídica 51

4. Praias 59

4.1. Conceito, características, importância 59

4.2. Praia como bem público de uso comum do povo 65

4.3. Ocupação da faixa de areia das praias 79

4.4. Construções na zona costeira 85

4.4.1. Introdução 85

4.4.2. Competência legislativa em matéria ambiental e urbanística.

Aplicação na zona costeira 87

4.4.3. Competência administrativa 98

4.4.4. Competência para autorizar obras e atividades na praia 104

4.4.5. Construções próximas à praia e que podem afetar seu uso 110

4.4.6. Necessidade de licenciamento ambiental e estudo prévio de

impacto ambiental para obras e atividades na praia 112

4.5. Sanções administrativas aplicáveis em casos de construções

irregulares 127

5. Terrenos de marinha 141

5.1. Introdução – histórico 141

5.2. A linha de preamar-médio 148

5.3. Terrenos acrescidos de marinha 151

5.4. Terreno de marinha como bem dominical 152

5.5. Forma de utilização 154

5.6. Situação atual do regime de aforamento 158

5.7. Demarcação dos terrenos de marinha 160

5.8. Construções em terrenos de marinha 166

5.9. Conclusão 167

6. Ilhas marítimas 172

6.1. Introdução 172

6.2. Titularidade e natureza jurídica 174

6.3. O caso da Ilha do Mel/PR 181

Conclusões 186

Referências bibliográficas 194

Lista de fotografias

Foto 1 - Praia de Calhetas/RE 13

Foto 2 - Exemplo de dunas – Praia de Flecheiras, Município de Trairi/CE 44

Foto 3 - Vegetação nativa de dunas 46

Foto 4 - Soterramento de via pública pela ação eólica das dunas - Cabo

Frio/RJ

47

Foto 5 - Soterramento da rodovia Cabo Frio - Arraial do Cabo/RJ, pela

ação das dunas

48

Foto 6 - Praia do Arpoador, Rio de Janeiro/RJ. Arquivo pessoal 58

Foto 7 - Balneário Atlântida, Município de Xangri-lá/RS. Demonstração do

descuido com as praias: carros estacionados em plena faixa de areia 62

Foto 8 - Praia do Arpoador, no Rio de Janeiro/RJ. Foto que demonstra ser

a praia bem público de uso comum do povo 70

Foto 9 - Balneário Atlântida, Município de Xangri-lá/RS. Plataforma com

instalação suspensa por ordem judicial 78

Foto 10 - Praia de Copacabana, Rio de Janeiro/RJ. Exemplo de ocupação

de faixa de areia 79

Foto 11 - Balneário Atlântida, Município de Xangri-lá/RS. Exemplo de

construção de bar na praia 83

Foto 12 - Balneário Scheveningen, Haia/Holanda. Exemplo de construção

em praia – pier 84

Foto 13 - Praia de Copacabana, Rio de Janeiro/RJ. Exemplo de

construção de palco para realização de shows na praia 102

Foto 14 - Praia de Copacabana, Rio de Janeiro/RJ. Verifica-se do lado

esquerdo o grande número de edifícios altos, voltados para a praia 109

Foto 15 - Praia de Copacabana, Rio de Janeiro/RJ. Banheiros na praia:

presunção de impacto ambiental 123

Foto 16 - Ilha Grande, Município de Angra dos Reis/RJ 167

Introdução

A proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes

e futuras gerações é um direito conquistado por todos na Constituição Federal de

1988. A Lei Maior é inovadora em diversos aspectos ligados ao meio ambiente.

Determina que não só o Poder Público mas também os cidadãos são responsáveis

por essa proteção. O Direito Ambiental, antes relegado a segundo plano, vem

adquirindo relevância nacional e internacional e se expandindo para os mais

diversos ramos que não só o do meio ambiente natural. Portanto, cresce a

importância da proteção ambiental à medida que se aprofunda o entendimento de

sua natureza difusa e de que dela depende o bem comum e a proteção do próprio

homem.

A legislação infraconstitucional brasileira, também em estágio avançado,

abrange as mais diversas situações. Uma lei pouco estudada, mas não de menor

importância nacional tendo em vista o tamanho de nossa costa e os problemas nela

gerados, é a Lei Federal n° 7.661, de 16.05.1988, que institui o Plano Nacional de

Gerenciamento Costeiro e dá outras providências.

A zona costeira brasileira, considerada patrimônio nacional pela Carta

Magna, é região de grande extensão e complexidade, inclusive ambiental, em face

da riqueza de seu ecossistema, isso porque nela interagem a terra, o mar e o ar.

Ademais, tem características peculiares, como hábitos e modo de vida. Por sua

importância turística, é objeto freqüente de especulação imobiliária. Por ser explo-

rada na maior parte das vezes sem a devida preocupação ambiental ou observância

do desenvolvimento sustentável, tanto por parte da população, quanto do Poder

Público, encontra-se atualmente descaracterizada.

O objetivo deste estudo é a análise da zona costeira brasileira e dos

problemas jurídicos que podem nela surgir, visando à proteção e ao equilíbrio

ecológico do meio ambiente. As principais questões dizem respeito às constru-

ções, que são freqüentes e, geralmente, não observam as normas ambientais.

O primeiro capítulo consiste em breve digressão sobre a zona costeira,

destacando suas principais características, a importância da proteção ambiental, as

unidades de conservação nela existentes e sua natureza de patrimônio nacional.

10

Em relação a esse último aspecto, verifica-se quais as conseqüências jurídicas

dessa qualificação. Trata-se de um ingresso na análise do assunto.

O segundo capítulo trata da Lei 7.661, de 16.05.1988, e do gerenciamento

costeiro. Há um breve histórico desse gerenciamento, até o estado em que se

encontra atualmente. As principais características da lei, bem como dos dois

Planos de Gerenciamento Costeiro já elaborados no Brasil, também não foram

olvidadas. É feita breve menção aos Planos Estaduais e Municipais de Gerencia-

mento Costeiro. Esse capítulo é a base para a continuação do estudo, uma vez que

a resolução de diversas questões jurídicas ocorridas na zona costeira será

fundamentada na Lei 7.661, de 16.05.1988, único diploma legal a tratar especifi-

camente sobre o tema.

Após essa visão geral da zona costeira e das bases de sua proteção, passa-se

ao estudo de locais específicos no litoral que merecem destaque em face da

proteção ambiental e da complexidade de conflitos neles ocorridos, estudo esse

organizado em mais quatro capítulos.

Assim, o terceiro capítulo cuida das dunas e das restingas, dois importantes

ecossistemas encontrados na zona costeira que vêm sendo degradados continua-

mente. Nele é dada uma visão geral, seguida da proteção jurídica destinada a essas

regiões.

O quarto capítulo é o de maior relevância, pois trata das questões jurídicas

que afetam o importante bem público denominado praia, cuja definição, caracte-

rísticas e importância ambiental são vistas já no início. Segue-se estudo da

natureza jurídica das praias e das conseqüências por ela geradas. A ocupação

muitas vezes indiscriminada de suas areias é igualmente levada em consideração.

As construções e as atividades nesse bem, incluindo a competência para expedi-

ção de autorização para construção e licença ambiental, são assuntos atuais a

serem enfrentados nesse capítulo. Prosseguindo, as sanções administrativas (como

embargos e demolições) aplicadas a quem desrespeita as normas de construção em

zona costeira, inclusive as de cunho ambiental, são também abordadas.

O quinto capítulo é dedicado aos terrenos de marinha, instituto bastante

antigo e ultrapassado. Seu histórico é essencial à compreensão do tema, bem

como sua delimitação, a qual gera dúvidas. É vista sua natureza jurídica, sua

utilização por particulares e o peculiar regime de aforamento ao qual se

submetem.

11

Finalmente, o sexto capítulo aborda outro bem público denominado ilha.

Trata-se aqui exclusivamente das ilhas marítimas, suas características, importân-

cia ambiental, natureza jurídica e titularidade. Conclui-se com menção a caso

específico ocorrido na Ilha do Mel, Estado do Paraná.

São esses os assuntos vertentes neste trabalho. Além do uso constante das

fontes normativas brasileiras (Constituição Federal, Constituições estaduais, leis

federais, estaduais e municipais, decretos, resoluções), aponta-se para a orientação

atual, com o posicionamento da sociedade e com a interpretação da doutrina pelos

tribunais brasileiros. Sobre isso, destaca Michel Prieur:

Assim delimitado como campo de estudo e admitindo uma grande flexibilidade nasfronteiras, o direito ambiental pode não ser outra coisa, em uma perspectivapuramente positivista, do que o estudo das regras jurídicas existentes em matériaambiental. Trata-se então do direito relativo ao meio ambiente. Mas um jurista nãopode estar destacado da sociedade em que vive e sua inserção social não o fazperder para tanto sua capacidade de análise objetiva e de rigor científico [traduçãonossa]1.

Fontes internacionais também foram buscadas a fim de instruir as idéias

aqui defendidas. Embora cada país tenha problemas peculiares na zona costeira, as

situações por vezes se assemelham.

Revelou-se igualmente necessário recorrer a outras fontes de informação,

como jornais e revistas. São elas que fornecem as notícias mais atualizadas, o que

é de grande utilidade, visto que meio ambiente é assunto diário e de mutação

permanente. Ademais, a questão meio ambiente, além da área do Direito, precisa

do conhecimento de outras áreas mais técnicas para que possa ser bem

compreendida e adequadamente enfrentada. No presente trabalho, história,

geologia e geografia são disciplinas bastante utilizadas. É importante destacar

ainda que o estudo do litoral brasileiro aqui apresentado está sempre relacionado

com a proteção ambiental e com a função social da propriedade.

Espera-se, com estas considerações, que o leitor compreenda as razões que

motivaram este estudo. Seu principal objetivo foi o de tratar questões complexas

________________1 Ainsi délimité comme champ d’étude et en admettant une grande souplesse dans les

frontières, le droit de l’environnement peut n’être, dans une perspective purement positiviste, quel’étude des règles juridiques existantes em matière d’environnement. Il s’agit alors du droit relatifà l’environnement. Mais un juriste ne peut être détaché de la société dans laquelle il vit et soninsertion sociale ne lui fait pas perdre pour outant sa capacité d’analyse objective et de rigueurscientifique. PRIEUR, Michel. Droit de l’environnement. 4. ed. Paris (França): Dalloz, 2001.p. 8.

12

que ocorrem na zona costeira para as quais nem a lei e em muitos casos nem a

doutrina apresentaram solução. É estudo de difícil abordagem, em face da

pouquíssima bibliografia específica, da legislação insuficiente, além de poucas

decisões judiciais. Mas a dificuldade é o maior dos desafios.

1A zona costeira

1.1Considerações preliminares

FOTO 1 - PRAIA DE CALHETAS/REArquivo pessoal

Entre os diversos termos usados para designar a linha de contato entre a

terra e o mar, os mais comuns são: litoral, zona costeira, costa e orla marítima.

Uma análise detida de cada uma dessas palavras mostrará que elas têm origem e

significado diversos. No presente trabalho, entretanto, a palavra litoral será

empregada como sinônimo de zona costeira (expressão com senso mais abran-

gente e genérico), que engloba também costa e orla2.

É oportuno lembrar alguns conceitos jurídicos de outros ambientes

encontrados na zona costeira, os quais não podem ser confundidos entre si: mar

territorial e plataforma continental. As definições de tais regiões encontram-se

dispostas na Lei 8.617, de 04.01.1993:

________________2 Ver: RUFINO, Gilberto D’Ávila. Droit et aménagement du littoral: étude de droit

comparé. Limoges, 1994. Tese (Doutorado em Direito Público) - Faculté de Droit et des SciencesEconomiques, Universidade de Limoges/França.

14

Art. 1o O mar territorial brasileiro compreende uma faixa de doze milhas marítimasde largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular,tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmenteno Brasil.

Art. 11. A plataforma continental do Brasil compreende o leito e o subsolo dasáreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensãodo prolongamento natural de seu território terrestre, até o bordo exterior damargem continental, ou até uma distância de duzentas milhas marítimas das linhasde base, a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que obordo exterior da margem continental não atinja essa distância.

Vê-se que essa lei brasileira seguiu exatamente o estipulado no artigo 3º daConvenção sobre o Direito do Mar, realizada em Montego Bay (que entrou emvigor no Brasil através do Decreto Presidencial n° 1530, de 22 de junho de 1995).O mar territorial é bem da União, nos termos do art. 20, VI, da ConstituiçãoFederal. Aliás, a Constituição anterior, através da Emenda Constitucional n° 1, de1969, já o havia reconhecido como bem pertencente à União .

Oportuna é a definição de Celso Ribeiro Bastos:

Mar territorial é aquela porção dos oceanos sobre a qual os Estados ribeirinhosexercem soberania. Pela Lei n° 8.617, de 04.01.1993, o Brasil fixou em 12 (doze)milhas de extensão o seu mar territorial, bem como o subsolo desse mar e o espaçoaéreo correspondente. Todavia, a soberania exercida no mar territorial encontralimites na ordem jurídica internacional.3

Quanto à plataforma continental, cuja definição por lei brasileira é exata-mente a constante do art. 76 da Convenção do Direito do Mar, o Estado brasileiroexerce direitos de soberania para efeitos de exploração e aproveitamento de seusrecursos naturais (art. 20, V da CF). Conforme destaca Diógenes Gasparini, “[...]sua importância encontra-se no fato de que contém as mesmas riquezas mineraisexistentes no território adjacente. É, assim, fonte de riqueza natural, viveiro dafauna e da flora marinha. Daí a razão de a Constituição prescrever que são bens daUnião ‘os recursos naturais da plataforma continental’(art. 20, V)”4.

________________3 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Saraiva,

1998. p.302.4 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 758.

15

1.2Definição, delimitação, características e proteção ambiental

A definição mais comum para zona costeira no Brasil é “zona de interaçãodos meios terrestres, marinhos e atmosféricos”. A Conferência das Nações Unidassobre Direito do Mar (UNCLOS) definiu-a como “aquela onde ocorre interaçãoentre a terra e o mar, na qual a ecologia terrestre e o uso afetam diretamente oespaço oceânico e vice-versa”. Entretanto, tais definições são deveras simplistas,pois não expressam o real significado de litoral. Como advertido por GilbertoD’Ávila Rufino, “no que toca à terra, uma definição das zonas costeiras não podenegligenciar os ecossistemas terrestres que interagem com o meio marinho” (tra-dução nossa)5. Muita propriedade tem essa afirmativa, já que ecossistemasterrestres como as dunas ou as restingas, uma vez degradados, podem causarmodificações substanciais na zona costeira.

Assim, a Resolução 01, de 21.11.90, da Comissão Interministerial para osRecursos do Mar (CIRM), define de forma mais completa zona costeira, nosubitem 3.2, como “a área de abrangência dos efeitos naturais resultantes dasinterações terra-mar-ar, leva em conta a paisagem físico-ambiental, em função dosacidentes topográficos situados ao longo do litoral, como ilhas, estuários e baías,comporta em sua integridade os processos e interações características dasunidades ecossistêmicas”.

Interessante é a definição de Jean Pierre Levy, citado por Rufino:

A definição de zona costeira obedece a critérios eminentemente variáveis. Se éunanimemente admitido que ela constitui um espaço privilegiado, caracterizadopela influência máxima recíproca dos meios terrestre e marinho, sua extensãoespacial é função de critérios utilizados: ela é às vezes definida sobre a base decaracterísticas ecológicas (salinas, mangues) ou geográficas, de limitesadministrativos (cantões, regiões) ou de distâncias arbitrárias [tradução nossa]6.

A delimitação da zona costeira brasileira é atualmente fornecida pelo Plano

de Gerenciamento Costeiro II. O primeiro dos planos havia remetido tal delimi

________________5 Du coté de la terre, une définition des zones côtières ne peut négliger les écossystèmes

terrestres qui interagissent avec le milieu marin. RUFINO, Droit et Aménagement du Littoral,p. 359.

6 La définition de la zone côtière obéit à des critères éminemment variables. S’il estunanimement admis qu’elle constitue un espace privilégié, caractérisé par l’influence maximaleréciproque des milieux terrestre et maritime, son extension spatiale est fonction des critèresutilisés: elle est parfois définie sur la base de caractéristiques écologiques (marais salants,mangroves) ou géographiques, de limites administratives (cantons, régions) ou de distancesarbitraires. LEVY, Jean Pierre. Gestion des zones côtières: autant de politiques que d’Etats.SAVOIRS. Le Monde Diplomatique. N. spécial Les Mers Avenir de L’Europe, p. 56. Apud:RUFINO, Droit et Aménagement du Littoral, p. 359.

16

tação aos Estados e Municípios . Apesar de longa, é essencial sua citação neste

momento do estudo:

[...] Zona costeira é o espaço geográfico de interação do ar, do mar e da terra,incluindo seus recursos ambientais, abrangendo as seguintes faixas:

Faixa Marítima – é a faixa que se estende mar afora distando 12 milhas marítimasdas Linhas de Base estabelecidas de acordo com a Convenção das Nações Unidassobre o Direito do Mar, compreendendo a totalidade do Mar Territorial.

Faixa Terrestre – é a faixa do continente formada pelos municípios que sofreminfluência direta dos fenômenos ocorrentes na zona costeira, a saber:

a) os municípios defrontantes com o mar, assim considerados em listagem destaclasse, estabelecida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE);

b) os municípios não defrontantes com o mar que se localizem nas regiõesmetropolitanas litorâneas;

c) os municípios contíguos às grandes cidades e às capitais estaduais litorâneas,que apresentem processo de conurbação;

d) os municípios próximos ao litoral, até 50 km da linha de costa, que aloquem, emseu território, atividades ou infraestruturas de grande impacto ambiental sobre azona costeira, ou ecossistemas costeiros de alta relevância;

e) os municípios estuarino-lagunares, mesmo que não diretamente defrontantescom o mar, dada a relevância destes ambientes para a dinâmica marítimo-litorânea;e

f) os municípios que, mesmo não defrontantes com o mar, tenham todos seuslimites estabelecidos com os municípios referidos nas alíneas anteriores.

Deste modo, de acordo com o Plano de Gerenciamento Costeiro em vigor,

são considerados municípios pertencentes à zona costeira não apenas os

diretamente ligados ao mar, mas também os que dele dependem ou com ele

possuem alguma forma de relação. Todavia, no presente trabalho o objeto de

estudo será apenas em relação aos municípios em ligação direta com o oceano.

Conforme dispõe o capítulo 17, item 17.3 da Agenda 21, datada de 1992,

mais da metade da população mundial vivia em um raio de sessenta quilômetros

do litoral. Em face do tempo decorrido, certamente esse número cresceu. O Brasil

possui 7.367 km de litoral. Se calculados os recortes litorâneos, como reentrân-

cias, golfões, baías, etc., a extensão fica em 8.500 km, com predominância de

praias oceânicas pouco sinuosas. Nessa faixa concentra-se um quarto da

população brasileira, aproximadamente 36,5 milhões de pessoas, residentes em

500 municípios. Na verdade, cerca de dois terços da humanidade habitam em

17

zonas costeiras. Na União Européia, metade da população reside em uma faixa de

50 quilômetros ao longo da costa7.

No Brasil, as atividades econômicas costeiras são responsáveis por cerca de

70% do produto interno bruto (PIB) nacional, principalmente devido à existência

de portos nos quais é realizada grande parte da atividade econômica exportadora

brasileira. A maioria das metrópoles encontram-se à beira-mar. Na faixa litorânea

existem desde grandes cidades, como o Rio de Janeiro, até pequenos municípios

pouco desenvolvidos, inclusive locais que nem são considerados municípios, mas

simples vilas.

A crescente exploração dos recursos marinhos sem o devido cuidado podelevar à degradação do ambiente, com conseqüente prejuízo da qualidade de vida.Segundo observou Michel Prieur, “o litoral é um espaço raro e frágil”8.

Outro ponto a destacar nesse tipo de região é a intensa atividade derivada danavegação e da existência de portos. Além disso, é nas áreas próximas à costa quese encontram com mais abundância e disponibilidade as fontes alimentarespróprias do sistema oceânico. São oportunas as palavras de Cíntia Maria Afonso,ao lembrar que:

É, dessa forma, fácil identificar a importância das regiões costeiras, concentradorasde intensa atividade biológica, e a vulnerabilidade às intensas atividades humanasvinculadas a estas.

No Brasil [...] o quadro apresentado se repete, com importantes atividades humanasse localizando em áreas próximas à costa, muitas vezes em áreas altamentesensíveis como os estuários9.

Atividade de grande relevância é o turismo, propiciada justamente pela

existência do mar. A propósito, a criação de Áreas Especiais e de Locais de

Interesse Turístico é disciplinada pela Lei n° 6.513, de 22.12.1977.

O litoral é identificado como espaço para o lazer, o que torna ainda mais

valorizadas as regiões bem preservadas e próprias para o ecoturismo. Antonio

Carlos Robert de Moraes, ao estudar a questão, afirma: “Identifica-se, assim, mais

um campo no qual a posição em tela apresenta, se não exclusividade, pelo menos

________________7 COMISSÃO EUROPÉIA. A União Européia e as zonas costeiras. Luxemburgo:

Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Européias, 2001. Não paginado.8 Le littoral est un espace rare et fragile. PRIEUR, op. cit., p. 378.9 AFONSO, Cintia Maria. Uso e ocupação do solo na zona costeira do Estado de São

Paulo: uma análise ambiental. São Paulo: FAPESP, 1999. p. 11.

18

grande favorabilidade locacional”10. Desse modo, o turismo é uma das principais

atividades econômicas de diversas cidades costeiras. Algumas, principalmente as

pequenas, nele têm a única atividade econômica, inclusive com reflexos negativos

na área imobiliária: a expansão dos loteamentos e a crescente demanda de áreas

disponíveis favorece o surgimento de construções irregulares, muitas vezes

realizadas sem a devida autorização do Poder Público.

O turismo é uma atividade importantíssima para as cidades litorâneas, mas

sua gestão deve ser realizada de maneira adequada para que se torne fonte

essencial de revitalização econômica. O ideal é que seja realizado de forma

sustentável, sempre com preocupação em relação aos bens socioambientais. Deve-

se evitar que as cidades litorâneas cresçam de forma caótica e engendrem dessa

forma graves problemas sociais e ambientais.

É interessante notar que na União Européia a situação não é diferente, como

mostra um estudo realizado pela Comissão Européia:

Os empreendimentos turísticos construídos no litoral tendem a exercer enormespressões, designadamente ao nível das reservas locais de água doce, estando naorigem dos graves problemas verificados nalgumas zonas do sul da Europa. Emmuitas zonas do Mediterrâneo, incluindo nas ilhas gregas, a exploração excessivados escassos recursos hídricos subterrâneos esteve na origem de infiltrações deágua do mar nos lençóis freáticos locais, tornando aquelas águas impróprias paraconsumo. Muitas dessas ilhas sofrem igualmente da falta de instalações adequadaspara a eliminação dos resíduos sólidos, situação que se traduz no crescimento daslixeiras não autorizadas11.

Não se olvide, também, que o ecossistema litorâneo é todo especial. Nele seencontra uma variedade de habitats e ecossistemas, como restingas, costões,manguezais, ilhas, dunas, praias arenosas, dentre outros, nos quais estão abrigadasinúmeras espécies da flora e da fauna brasileira. Explorando o presente assunto eressalvando sua importância, Cintia Maria Afonso pondera que “esses ecossiste-mas desempenham papel fundamental na manutenção da qualidade de vida: sãoestabilizadores climáticos e hidrográficos e protetores do solo (é indiscutível seuvalor para evitar assoreamento de rios, bem como controlar inundações), além deserem supridores de matéria-prima para consumo humano”12.

Registre-se que na zona costeira não só a natureza é diversa, mas também oscostumes, música, dança, culinária, o modo de ser dos habitantes. É uma região

________________10 MORAES, Antonio Carlos Robert. Contribuições para a gestão da zona costeira do

Brasil. São Paulo: Hucitec, 1999. p. 18.11 COMISSÃO EUROPÉIA, op. cit., não paginado.12 AFONSO, op. cit., p. 111.

19

sui generis inclusive em relação a sua ocupação e uso do solo, gerando uma rendadiferenciada devido aos tipos de atividades exclusivas desse local. Exatamentedessa forma manifesta-se Antonio Carlos Robert de Moraes:

Em termos ainda bastante genéricos pode-se dizer que se trata de uma localizaçãodiferenciada que, em qualquer quadrante do globo, apresenta característicasnaturais e de ocupação que lhe são próprias, circunscrevendo um monopólioespacial de certas atividades. Portanto, o recorte do litoral, justifica-se amplamentecomo uma mediação geográfica13.

O fato de ser a zona costeira um espaço com tanta diversidade, ademais de

escasso, torna-a mais atraente e ao mesmo tempo mais vulnerável do que as

regiões interiores. Não se trata de simples valor econômico, que obviamente é

importante para quem ali habita, mas principalmente do valor ambiental ou, ainda

mais, socioambiental, principalmente no que diz respeito às praias preservadas e

pouco exploradas do ponto de vista turístico e imobiliário. A perspectiva de

exploração dessas potencialidades leva a um processo acelerado de ocupação do

litoral brasileiro.

As zonas litorâneas do Brasil foram as primeiras a ser povoadas e

colonizadas quando do Descobrimento – dos dezoito primeiros núcleos fundados

pelos portugueses, apenas São Paulo não se encontrava à beira-mar. A escolha

pelo litoral deu-se pela facilidade de escoamento dos produtos para os mercados

internacionais. Formaram-se então aglomerados na zona costeira, principalmente

após a construção de estradas ligando o interior ao litoral. A ocupação deu-se de

forma um tanto irregular. Nestes termos destaca Cristina Adams:

A cultura litorânea brasileira, na qual a cultura caiçara está inserida, estáestreitamente relacionada com este modo de ocupação desigual do litoral. Osfatores geográficos tiveram um papel importante na criação de uma grandevariedade de densidades de população entre os grupos litorâneos, servindo oracomo elemento de atração para a fixação do homem, ora como elemento derepulsão. Desta forma, há locais no litoral que nunca foram povoados, ou apenasescassamente, enquanto outros, de melhor localização, sempre se constituíram emfoco de atração e denso povoamento. Estes fatores contribuíram também para aformação da morfologia social das formas de ocupação do solo e da utilização dosrecursos naturais14.

Hoje se intensifica o grande movimento migratório em direção à costa,

dando origem a contingente expressivo de pessoas que, por não serem absorvidas

________________13 Antonio Carlos Robert MORAES, op. cit., p. 17.

20

pelo mercado de trabalho, acabam por ficar no mercado informal. Esse fato por si

só já pode gerar problemas, como será visto adiante: sem emprego, acabam por

instalar-se na praia com barracas, quiosques, para desenvolver ali as mais variadas

formas de comércio.

Outro fenômeno mencionado por Antonio Carlos Robert de Moraes, é a

chamada “segunda residência”, ou seja, as residências de veraneio, que durante a

maior parte do ano se encontram vazias e constituem um fator expressivo na

urbanização litorânea. Assim, em decorrência desse contingente populacional que

migrou e ainda migra para a zona costeira, e das casas de veraneio (geralmente

pertencentes a pessoas com alto poder aquisitivo), o Poder Público passou a

preocupar-se mais com o desenvolvimento da região, com a execução de obras,

sem levar em conta o impacto que pudessem causar ao meio ambiente. Conforme

analisa Robert de Moraes,

[...] o avanço rápido sobre os espaços costeiros, nas últimas décadas, tem umsubstrato estatal claro, expresso em obras viárias, portuárias, e de instalação deequipamentos produtivos, conduzidas sem nenhuma preocupação com os impactosambientais ocasionados.

Tal fato permite incluir a Administração Pública entre os principais agentes

de intervenção nos espaços litorâneos, agente esse cuja ação cria atrativos

locacionais ao mesmo tempo em que dilapida o patrimônio natural e cultural

existente15. Ou seja, os Municípios preocupam-se muito com o progresso local,

com o intuito de criar atrativos para incrementar o turismo, esquecendo-se muitas

vezes de conciliar desenvolvimento com preocupação ambiental. A urbanização

crescente e descontrolada intensifica a demanda de terras, com conseqüentes

desmatamentos e aterros, como se pode verificar na zona costeira, já bastante

fragmentada e descaracterizada.

[...] a notória ampliação de usos do espaço notadamente urbano vem ocasionando,de forma crescente, a degradação dos frágeis ecossistemas correlatos, impondo-se a

14 ADAMS, Cristina. Caiçaras na mata atlântica: pesquisa científica versus planejamento

e gestão ambiental. São Paulo: FAPESP, 2000. p. 112.15 Antonio Carlos Robert MORAES, op. cit., p. 42.

21

inadiável conciliação do desenvolvimento sócio-econômico-urbanístico com apreservação do patrimônio ambiental local (tanto o natural como o cultural)16.

É previsível o crescimento das cidades litorâneas, principalmente daquelas

pequenas e pouco desenvolvidas, nas quais geralmente grande parte da população

vive em situação de extrema pobreza. É fundamental, entretanto, que tal cresci-

mento econômico seja compatível com a conservação da natureza, na forma do

chamado “desenvolvimento sustentável”, conforme definido pela Comissão de

Brundtland, de 1987, no relatório “Nosso Futuro Comum”: “ir ao encontro das

necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de

ir ao encontro de suas próprias necessidades”. E adiante completado: “O meio

ambiente é onde todos vivemos; e desenvolvimento é o que todos fazemos na

tentativa de melhorar o nosso quinhão dentro daquele local em que vivemos. Os

dois são inseparáveis” (tradução nossa)17.

Veja-se o que diz Antônio Augusto Cançado Trindade acerca do desenvol-

vimento sustentável:

Pode bem ocorrer que o princípio do desenvolvimento sustentável – que, no pontode vista da Comissão Brundtland, requer se atenda às necessidades e aspirações dopresente sem comprometer a habilidade de as gerações futuras atenderem a suaspróprias necessidades – forneça um possível vínculo entre o direito aodesenvolvimento e o direito a um meio-ambiente sadio. Enfatiza que o meioambiente e o desenvolvimento hão de ser enfocados conjuntamente, o que se aplicaa regiões desenvolvidas assim como em desenvolvimento do mundo, criandoobrigações para todos tendo em mente a comunidade internacional como um todo,e as gerações presentes assim como futuras: nesse sentido o desenvolvimentosustentável veio a ser tido não só como um conceito, mas como um princípio dodireito internacional contemporâneo18.

Assim, meio ambiente e desenvolvimento não devem ser vistos como

entidades antagônicas, mas percebidos e tratados como aspectos inseparáveis e

complementares.

Na conjuntura atual, é inevitável a ocorrência de impactos socioambientais

na zona costeira, daí ser essencial o combate a seus efeitos negativos. Foram

________________16 CUSTODIO, Helita Barreira. O Município e a preservação do meio ambiente.

[S.l.:s.n.], [19-], p. 65.17 No original: meet the needs of the present without compromising the ability of future

generations to meet their own. [...].the environment is where we all live; and development is whatwe all do in attempting to improve our lot within that abode. The two are inseparable.

18 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Direitos humanos e meio ambiente: paralelodos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1993. p. 165-166.

22

identificados por Cintia Maria Afonso19 os três principais aspectos do ambiente

costeiro a ser considerados: o natural, composto dos recursos abióticos e bióticos;

o socioeconômico, composto dos campos econômico, político-administrativo,

sociodemográfico e sociocultural e de uso do solo, composto de áreas naturais,

seminaturais, rurais e urbanas.

Outro importante aspecto a ser considerado é a paisagem da cidade costeira.

Merece censura o que vem ocorrendo no litoral na maioria das cidades médias ou

grandes, nas quais prédios enormes por toda a orla tornam a vista da praia e da

beleza natural um privilégio dos poucos que melhor conseguem tirar proveito da

especulação imobiliária. Exemplo de medidas contra esses abusos pode ser visto

no Balneário de Caiobá, município de Matinhos, no Paraná, onde, mesmo tendo

sido permitida a construção de prédios com até dez pavimentos, houve o cuidado

de estipular recuos progressivos para os que se voltam para o mar. Assim, quanto

maior for a edificação, maior o recuo da torre em relação ao alinhamento predial.

Essa medida permitiu que a praia continuasse a receber a luz do sol sem

interferência das sombras projetadas pelos edifícios, tornando a paisagem mais

bela para todos. Ou seja, a qualidade visual da região costeira, devido a suas

características naturais, deve ser protegida como parte do meio ambiente, pois

proporciona bem-estar às pessoas que ali se encontram.

O que importa não é apenas a proteção do litoral como importantíssimo bem

ambiental natural, mas também a proteção do ser humano habitante desses locais,

o seu bem-estar, o desenvolvimento de seu trabalho, o respeito a sua posição e a

atenção a seus principais problemas, pois, como conclui o autor português

Antônio José dos Santos Lopes Brito, “o litoral é o bioma mais produtivo,

povoado, poluído e perturbado do planeta”20.

A preocupação com a proteção ambiental do litoral geralmente se manifesta

de forma cíclica e sazonal, ou seja, quando chega o verão e, com ele, os turistas.

Nesse momento os problemas vêm à tona. O ideal é que as campanhas educativas

pela proteção ambiental nas cidades costeiras e a fiscalização contra abusos sejam

praticadas permanentemente.

________________19 AFONSO, op. cit., p. 48.20 BRITO, Antônio José dos Santos Lopes. A proteção do ambiente e os planos regionais

de ordenamento do território. Coimbra: Almedina, 1997. p. 74.

23

1.3Unidades de conservação na zona costeira

Uma das formas mais importantes e eficazes para proteger a zona costeira é

a criação de unidades de preservação em suas áreas mais delicadas. Tais unidades,

instaladas tanto na faixa terrestre quanto na marítima, podem constituir um

instrumento importante não só para propiciar a preservação de determinados

ecossistemas, como para disciplinar o uso de outros, visando a proteção dos

recursos ali existentes21.

Ademais, uma área que resta protegida ambientalmente está cumprindo sua

função social, que é a da preservação ambiental. A função social é descumprida

quando há rompimento do equilíbrio ecológico ou agressão à natureza. Oportuna a

observação de Carlos Frederico Marés de Souza Filho:

[...] isto significa que a função social está no bem e não no direito ou no seu titular,porque uma terra cumpre a função social ainda que sobre ela não paire nenhumdireito de propriedade ou esteja proibido qualquer uso direto, como, por exemplonas terras afetadas para a preservação ambiental: a função social é exatamente apreservação do ambiente22.

Nos termos do art. 225, §1o, III, da Carta Magna, cabe ao Poder Público

“definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus

componentes a serem especialmente protegidos”. Já o art. 9o, VI, da Lei 6.938, de

02.09.1981, determina que os espaços territoriais especialmente protegidos são

instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente. Destaca, com propriedade,

Celso Antonio Pacheco Fiorillo: “[...] os espaços especialmente protegidos podem

estar localizados em áreas públicas ou privadas. Por serem dotados de atributos

ambientais, merecem um tratamento diferenciado e especial, porque, uma vez

assim declarados, sujeitar-se-ão ao regime jurídico de interesse público”23.

A instituição de espaços protegidos é uma das principais estratégias para a

conservação da biodiversidade (inclusive litorânea), pois faz com que cesse o

processo de degradação ambiental. Segundo Marés de Souza Filho,

________________21 Ministério do Meio Ambiente/PNMA. Avaliação das normas legais aplicáveis ao

gerenciamento costeiro. Brasília, 1998, p. 62.22 SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. A função social da terra. Porto Alegre: S.

A. Fabris, 2003. p. 91-92.23 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 4. ed. São

Paulo: Saraiva, 2003. p. 82.

24

Esta obrigação de definir espaços protegidos é fundamental para garantir commaior eficácia o equilíbrio ecológico. A criação destes espaços há de ser feita poratos normativos ou administrativos que possibilitem ao Poder Público a proteçãoespecial de certos bens, restringindo ou limitando sua possibilidade de uso outransferência, pelas suas qualidades inerentes, ou porque fazem parte de umcomplexo que exige proteção especial pela sua fragilidade. Estes espaçosterritoriais protegidos podem ou não se converterem em unidades de conservaçãoespecialmente protegidas e administradas24.

Especificamente na zona costeira, as ainda poucas áreas protegidas (esse

tipo de preocupação é recente) destinam-se em sua maioria à proteção da

biodiversidade e à manutenção dos habitats. Observe-se que, “das 4500 áreas

protegidas no mundo, somente 850 incluem componentes marinhos e costeiros” e

isso se deve a fatores como “inacessibilidade ao ambiente marinho até 1950,

noção de que o ambiente marinho é uma propriedade comum a todos, disponível

para exploração e a idéia de que seus recursos são infinitos”25.

Espaço protegido é, então, lugar para o qual a lei garante especial proteção,

estejam ou não definidos seus limites. A partir do momento em que esses espaços

protegidos forem individualizados, com área determinada, com finalidade própria,

com destinação genérica (natural, cultural, etc.) de preservação do meio ambiente,

cria-se uma unidade de conservação.

A Lei 9.985, de 19.07.2000, estabelece o Sistema Nacional de Unidades de

Conservação, conhecido como SNUC, disciplinando seu regime e estabelecendo

seus principais tipos, divididos em unidades de proteção integral e de uso susten-

tável. Na zona costeira as de uso sustentável são a maioria, com áreas nos três

níveis governamentais – federal, estadual ou municipal. A propósito, a definição

de unidade de conservação é dada pelo art. 2o dessa lei:

I - unidade de conservação: espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindoas águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmenteinstituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos,sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas deproteção.

________________24 SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Espaços ambientais protegidos e

unidades de conservação. Curitiba: Ed. Universitária Champagnat, 1993. p. 10-11.25 Informação obtida em: PRATES, Ana Paula Leite; CORDEIRO, Alexandre Zananiri;

FERREIRA, Beatrice Padovani; e MAIDA, Mauro. Unidades de conservação costeiras emarinhas de uso sustentável como instrumento para a gestão pesqueira. In: CONGRESSOBRASILEIRO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO, 2., 2000, Campo Grande. Anais... CampoGrande: Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, 2000. v. 2, p. 544.

25

Muitas dessas unidades criadas em nosso litoral encontram-se nas ilhas.

Conforme notícia publicada em jornal paranaense, o Instituto Brasileiro de Meio

Ambiente (IBAMA) tem estudado a criação de parques ambientais marinhos para

a proteção de ilhas oceânicas na costa paranaense. “No litoral do Paraná, há três

conjuntos de ilhotas em mar aberto – as ilhas da Figueira, dos Currais e de

Itacolomi – que podem ser beneficiadas. Elas são consideradas pelos biólogos

importantes criadouros de aves, e também servem de proteção para peixes.”26.

Também está em estudo, conforme a mesma notícia, a criação de corredores

ecológicos na faixa litorânea da Mata Atlântica de Santa Catarina e Paraná.

Diversas são as categorias de unidades de conservação estabelecidas em

legislação, mas citar-se-ão aqui apenas as de maior ocorrência na zona costeira27.

A primeira é a “Estação Ecológica” (art. 9o da Lei 9.985, de 19.07.2000). A tabela

a seguir mostra quais as principais unidades de conservação e o tipo de ambiente

protegido28:

TABELA 1 - PRINCIPAIS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO E O AMBIENTE PROTEGIDO

UNIDADE ÁREA (ha) AMBIENTE

EE Foz do São Francisco 5.322 Dunas, restinga

EE das Ilhas Maracá-Jipioca 72.000 Manguezal, várzea

EE Mamanguape 9.992 Manguezal

EE de Guaraqueçaba 13.638 Manguezal

EE de Tamoios 8.450 Costão rochoso

EE do Taim 33.995 Banhados, marismas

EE dos Carijós 712 Manguezal

EE Tubinambás 27,8 Ilha, costão rochoso

Muito freqüentes também os “Parques Nacionais” (art. 11 da Lei 9.985, de

19.07.2000). Principais exemplos:

________________26 MARTINS, Fernando. Ibama estuda a criação de parques para proteger ilhas

paranaenses. Gazeta do Povo, Curitiba, 18 nov. 2002. Caderno Paraná, p. 3.27 Cabe mencionar aqui que no presente trabalho não se tem a intenção de aprofundar o

estudo sobre unidades de conservação. Apenas serão citadas as principais unidades existentes nolitoral, devido a sua importância na proteção da zona costeira. Para maiores esclarecimentos,remete-se à Lei 9.985/2000, que dispõe sobre o SNUC.

28 As tabelas constantes deste subcapítulo, referentes às unidades de conservação, sãooriundas do seguinte documento: PRATES, Ana Paula Leite; PEREIRA, Paula Moraes. Represen-tatividade das Unidades de Conservação Costeiras e Marinha: análise e sugestões. In:CONGRESSO BRASILEIRO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO, 2., 2000, Campo Grande.Anais... Campo Grande: Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, 2000. v. 2. p. 788-789.

26

TABELA 2 - PARQUES NACIONAIS E O AMBIENTE PROTEGIDO

UNIDADE ÁREA (ha) AMBIENTE

PARNA Cabo Orange 221.000 Manguezal

PARNA Monte Pascoal 22.500 Praia

PARNA Lençóis Maranhenses 155.000 Praia, dunas

PARNA do Superagui 21.400 Mata, praia, dunas, manguezal

PARNA Restinga de Jurubatiba 14.860 Restinga, praia

PARNA da Lagoa do Peixe 34.400 Restinga, dunas, lagunar, banhados

PARNA do Descobrimento 21.128 Praia

PARNA do Pau Brasil 11.535 Praia

PARNA dos Abrolhos 91.300 Recifes de coral, ilhas, marinho

PARNA de Fernando de Noronha 11.270 Marinho, recifes de coral, praia, ilhas

PARNA da Serra da Bocaina 61.500 Praia, costão rochoso, manguezal

Por fim, as “Reservas Biológicas” (art. 10 da lei 9.985, de 19.07.2000):

TABELA 3 - RESERVAS BIOLÓGICAS E O AMBIENTE PROTEGIDO

UNIDADE ÁREA (ha) AMBIENTE

REBIO Lago Piratuba 357.000 Manguezal

REBIO de Comboios 833 Mata, restinga

REBIO Atol das Rocas 36.249 Marinho, recifes de coral

REBIO de Santa Isabel 2.766 Praia

REBIO do Arvoredo 17.600 Ilha, costão rochoso, marinho

Foram vistos, portanto, os tipos mais comuns de unidades de conservação nacosta. Todavia, há outras áreas com a mesma relevância, dentre as quais a“Reserva Extrativista Marinha de Arraial do Cabo”, situada no Município demesmo nome, o qual faz parte da chamada “Região dos Lagos”, no Estado do Riode Janeiro. Local plano, com dunas próximas ao litoral, nele encontram-se praiasoceânicas de grande extensão, costões rochosos, ilhas e praias de pequenaextensão. Apresenta dois sistemas lagunares de grande importância – Saquarema eAraruama – e uma restinga praticamente intacta – a restinga de Massambaba. Areserva foi criada em 03.01.1997, e seu plano de utilização publicado em fevereirode 1999 estabelece como seu objetivo:

[...] assegurar a sustentabilidade da reserva mediante a regularização da utilizaçãodos recursos naturais e comportamentos a serem seguidos pela populaçãoextrativista no que diz respeito às condições técnicas e legais para a exploraçãoracional da fauna marinha, das atividades turísticas e de lazer de outros usuários29.

Há também a Reserva Extrativista Marinha do Batoque, no Ceará, criada na

Semana do Meio Ambiente de 2003, que consagra definitivamente o modelo de

________________29 PRATES, CORDEIRO, FERREIRA e MARIDA, op. cit., p. 547.

27

uso sustentável dos recursos naturais estabelecido pelo IBAMA para ser aplicado

em áreas litorâneas. Segundo notícia veiculada,

A exemplo do que o Centro Nacional de Populações Tradicionais-CNPT/Ibama jádesenvolve em outras doze reservas marinhas, a RESEX do Batoque garantirá aconservação dos ecossistemas da região, a permanência definitiva das cerca deduzentas famílias de extrativistas nativos e o acesso sustentável aos produtospesqueiros por sucessivas gerações.

Além das reservas marinhas, o CNPT criou e ajuda a administrar mais 24 RESEXem regiões de floresta, principalmente na Amazônia. A RESEX do Batoque fica nomunicípio de Aquiraz, localizado a 45 quilômetros ao sul de Fortaleza. Abrange601 hectares e caracteriza-se pela produção de pescado marinho. Mensalmente, areserva produz cerca de três mil quilos de peixes (cavala, pargo, etc.) e crustáceos,sobretudo a lagosta.A produção de polpa do murici, uma fruta típica da região, e o artesanato de rendade bilro complementam a economia dos habitantes do Batoque. A pesca de águadoce e a produção agrícola servem apenas para a subsistência30.

Outra importante forma de proteção do meio ambiente é o tombamento, que,

mesmo não se caracterizando tecnicamente como unidade de conservação, não

pode deixar de ser aqui tratado. Esse instituto, disciplinado pelo Decreto-Lei n°

25, de 06.12.1937, impõe uma limitação à propriedade, com fins de proteção

ambiental, histórica, cultural e paisagística.

Segundo Marés de Souza Filho, trata-se de

ato administrativo da autoridade competente, que declara ou reconhece valorhistórico, artístico, paisagístico, arqueológico, bibliográfico, cultural ou científicode bens que, por isso, passam a ser preservados. O tombamento se realiza pelo fatoadministrativo de inscrição ou registro em um dos livros do Tombo criados peloDecreto-Lei n° 25/3731.

Exemplo de tombamento realizado em zona costeira é o da Ilha de

Campeche, em Santa Catarina, composta de litoral rochoso, arenoso e mata, de

grande importância natural. Há ali, além de indícios de sambaquis, importantes

manifestações e resíduos biológicos de populações pré-históricas, que por si sós

demonstram o valor histórico e cultural da ilha. Antes de tombada, o fluxo

crescente de pessoas que tinham livre acesso a ela provocou intensa degradação

patrimonial. Após o tombamento, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico

________________30 IBAMA consagra modelo de uso sustentável de recursos naturais em áreas litorâneas.

Jornal Eletrônico Ambiente Brasil, Curitiba, 2003. Disponível em: www.ambientebrasil.com.br. Acesso em: 16 jun. 2003.

31 SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Bens culturais e proteção jurídica. PortoAlegre: EU/Porto Alegre, 1977. p. 61.

28

Nacional (IPHAN) estabeleceu contato com os usuários da ilha, promoveu

encontros e desenvolveu atividades educativas, assegurando, por exemplo, que

cessasse a visitação desacompanhada, eliminando-se assim os processos

destrutivos que ali ocorriam.

Segundo Cintia Costa Chamas, “o tombamento, através do tratamento de

toda a ilha como um patrimônio a ser preservado, resgata a interação que os

habitantes primitivos estabeleceram com o ambiente e evidencia a proteção

patrimonial através de atividades educativas e ecoturísticas”32.

Também importantes por sua relevância na zona costeira são as “ÁreasEspeciais e Locais de Interesse Turístico”, as quais, quando assim declaradas comobjetivo de proteção ambiental, ficam sujeitas a restrições especiais, comlimitações ao uso e ocupação do solo, bem como à realização de obras e serviços.Conforme alerta Vladimir Passos de Freitas, “essas áreas não se encontramprotegidas por legislação ambiental, mas sim por normas que regulam a atividadeturística em áreas de preservação ambiental ou cultural”33. Trata-se da Lei 6.513,de 20.12.1977, e do Decreto 86.176, de 06.07.1981, que as classificam como“trechos contínuos do território nacional, inclusive suas águas territoriais, a serempreservados e valorizados no sentido cultural e natural, e destinados à realizaçãode planos e projetos de desenvolvimento turístico”.

Todavia, mesmo diante de todo esse quadro, ainda não são suficientes asáreas protegidas existentes no litoral. Tal aspecto foi bem abordado por Ana PaulaLeite Prates, Alexandre Zananiri Cordeiro e Paulo Moraes Pereira, segundo osquais “os dados apresentados mostram que as unidades de conservação brasileiraslocalizadas na zona costeira e marinha precisam de uma atenção maior, tanto emrelação à análise de sua representatividade, quanto à criação de novas áreas, aomanejo e administração das mesmas”34.

Interessante é notar que na Nova Zelândia há lei exclusiva − o MarineReserves Act − para tratar das reservas da costa, o que, por sua importância, é umexemplo a ser aplicado no Brasil. Segundo esclarece Mark Bellingham,

O propósito do Ato (lei) é preservar, para estudos científicos, áreas do marterritorial da Nova Zelândia [...] que contenham cenário submarino, aspectosnaturais ou vida marinha de tanta qualidade, ou que sejam tão típicas ou bonitas ou

________________32 CHAMAS, Cintia Costa. Tombamento como proteção ao patrimônio cultural e

natural: o caso da Ilha do Campeche. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE UNIDADES DECONSERVAÇÃO, 2., 2000, Campo Grande. Anais... Campo Grande: Fundação O Boticário deProteção à Natureza, 2000. v. 2, p. 562-571.

33 FREITAS, Vladimir Passos. A Constituição Federal e a efetividade das normasambientais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 152.

34 PRATES; PEREIRA, op. cit., p. 791.

29

únicas que sua preservação é de interesse nacional. As reservas marinhas são omodo mais efetivo e abrangente para se proteger as costas, mas o processo pode serdemorado35.

Em muitos Municípios não ainda há a devida preocupação com a ocupaçãode áreas da zona costeira, principalmente com as de preservação ambiental. Porémo Poder Judiciário vem tentando proteger tais áreas, conforme decisão do Tribunalde Justiça tomada sobre fato ocorrido no litoral do Estado de São Paulo:

O TJ (Tribunal de Justiça) do Estado de São Paulo vetou, em caráter liminar,modificações na Lei de Uso e Ocupação do Solo de São Sebastião, no litoral nortede São Paulo, que permitiriam ampliar o adensamento populacional em localidadespróximas a áreas de preservação ambiental.

A alteração da lei foi feita em outubro do ano passado. O presidente da Câmara,Marcos Aurélio Leopoldino dos Santos (PTB), apresentou dois projetos para mudaro texto da lei, que foram aprovados no mesmo dia, em caráter de urgência.

Uma das propostas do petebista alterou a classificação de áreas municipaisconsideradas de alta restrição para média restrição.

O outro projeto mudou a classificação da região central da cidade e em parte dacosta norte, permitindo a instalação de novos postos de combustíveis, oficinasmecânicas e garagens náuticas36.

1.4Zona costeira como patrimônio nacional

A Constituição Federal de 1988 dispõe em seu art. 225, § 4o:

A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o PantanalMato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meioambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais [grifo nosso].

O conceito de patrimônio nacional ainda não foi devidamente estabelecidopela doutrina, porém algumas conclusões podem ser tiradas acerca dessa expres-são. Em primeiro lugar, a de que o fato de ser patrimônio nacional não significaque seja patrimônio federal, ou seja, de propriedade da União. Os bens depropriedade desta encontram-se relacionados no art. 20 da Carta Magna.

________________35 The purpose of the Act is to preserve, for scientific study, areas of New Zealand’s

territorial sea [...] that contain underwater scenery, natural features or marine life of suchdistinctive quality, or which are so typical or beautiful or unique that their preservation is in thenational interest. Marine reserves are the most effective and comprehensive way to protect ourcoasts, but the process can be lengthy. BELLINGHAM, Mark. Handbook of environmental law.3. ed. Wellington (New Zealand): GP Publications, 1996. p. 101.

36 MENDONÇA, Eliane. Justiça mantém restrição a construções. Folha de S. Paulo, 31mar. 2004. Cotidiano, p. C4.

30

Conforme estudo do Ministério do Meio Ambiente, “o patrimônio nacional, pelocontrário, se constitui em patrimônio da nação e não se caracteriza pelo domínioreal sobre bens específicos, mas por um domínio eminente, exercido não pelaposse ou gestão, mas pelo disciplinamento legal de seu uso”37. Ou, como afirmaPaulo de Bessa Antunes sobre patrimônio nacional: “[...] na hipótese constitu-cional, existe uma simples manifestação do domínio eminente da Nação sobre osbens existentes em seu território, sem que isto implique o esvaziamento dodomínio útil ou do domínio pleno. O conceito deve ser operacionalizado, de fato,como um interesse comum de todos”38.

O Supremo Tribunal Federal, pacificou a discussão em acórdão relatado

pelo ministro Celso de Mello:

Recurso extraordinário – Estação ecológica – Reserva florestal na Serra do Mar –Patrimônio nacional (CF, art. 225, §4o) – Limitação administrativa que afeta oconteúdo econômico do direito de propriedade – Direito do proprietário àindenização – Dever estatal de ressarcir os prejuízos de ordem patrimonial sofridospelo particular – RE não conhecido.

- Incumbe ao Poder Público o dever constitucional de proteger a flora e de adotaras necessárias medidas que visem a coibir práticas lesivas ao equilíbrio ambiental.Esse encargo, contudo, não exonera o Estado da obrigação de indenizar osproprietários cujos imóveis venham a ser afetados, em sua potencialidadeeconômica, pelas limitações impostas pela Administração Pública.

- A proteção jurídica dispensada às coberturas vegetais que revestem aspropriedades imobiliárias não impede que o dominus venha a promover, dentro doslimites autorizados pelo Código Florestal, o adequado e racional aproveitamentoeconômico das árvores nelas existentes. A jurisprudência do Supremo TribunalFederal e dos Tribunais em geral, tendo presente a garantia constitucional queprotege o direito de propriedade, firmou-se no sentido de proclamar a plenaindenizabilidade das matas e revestimentos florestais que recobrem áreas dominiaisprivadas objeto de apossamento estatal ou sujeitas a restrições administrativasimpostas pelo Poder Político. Precedentes.- A circunstância de o Estado dispor de competência para criar reservas florestaisnão lhe confere, só por si – considerando-se os princípios que tutelam, em nossosistema normativo, o direito de propriedade -, a prerrogativa de subtrair-se aopagamento de indenização compensatória ao particular, quando a atividade pública,decorrente do exercício de atribuições em tema de direito florestal, impedir ouafetar a válida exploração econômica do imóvel por seus proprietário.

- A norma inscrita no art. 225, §4o, da Constituição deve ser interpretada de modoharmonioso com o sistema jurídico consagrado pelo ordenamento fundamental,notadamente com a cláusula que, proclamada pelo art. 5o, XXII, da Carta Política,garante e assegura o direito de propriedade em todas as suas projeções inclusiveaquela concernente à compensação financeira devida pelo Poder Público aoproprietário atingido por atos imputáveis à atividade estatal.

________________37 MMA/PNMA. Avaliação das normas legais aplicáveis ao gerenciamento costeiro.

Brasília, 1998, p. 22.38 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1996. p.

216.

31

- O preceito consubstanciado no art. 225, §4o, da Carta da República, além de nãohaver convertido em bens públicos os imóveis particulares abrangidos pelasflorestas e pelas matas nele referidas (Mata Atlântica, Serra do Mar, FlorestaAmazônica brasileira), também não impede a utilização, pelos própriosparticulares, dos recursos naturais desde que observadas as prescrições legais erespeitadas as condições necessárias à preservação ambiental.- A ordem constitucional dispensa tutela efetiva ao direito de propriedade (DC/88,art. 5o, XXII). Essa proteção outorgada pela Lei Fundamental da Repúblicaestende-se, na abrangência normativa de sua incidência tutelar, ao recolhimento,em favor do dominus, da garantia de compensação financeira, sempre que oEstado, mediante atividade que lhe seja juridicamente imputável, atingir o direitode propriedade em seu conteúdo econômico, ainda que o imóvel particular afetadopela ação do Poder Público esteja localizado em qualquer das áreas referidas no art.225, §4o, da Constituição.

- Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: a consagraçãoconstitucional de um típico direito de terceira geração (CF, art. 225, caput)39.

Dessa forma, os bens listados como de patrimônio nacional, dentre eles a

zona costeira, são de interesse público, do interesse de todos os brasileiros,

podendo ser do domínio de qualquer um dos entes políticos ou de particulares. A

peculiaridade reside no fato de que se encontram submetidos a disciplina jurídica

específica em relação a seu uso e gozo, justamente porque tais áreas devem ser

protegidas ambientalmente, garantindo-se assim, às futuras gerações, o direito de

viver em um ambiente saudável.

A regra geral constitucional tem sua importância não só por indicar aoadministrador público, aos particulares e ao juiz que o desenvolvimentoeconômico não deve ser predatório, como torna claro que a gestão do litoral nãointeressa somente a seus ocupantes diretos, mas a todo brasileiro, esteja ele ondeestiver, pois se trata de “patrimônio nacional”40.

Assim, em área de zona costeira podem ser exercidas todas as

competências normativas e administrativas da União, Estados e Municípios, uma

vez que a proteção do meio ambiente é interesse e competência de todos os entes,

inclusive dos cidadãos. Atente-se para o fato de que um dos objetivos da

declaração de patrimônio nacional dos bens constantes do § 4o do art. 225 da CF é

o de ratificar a impossibilidade de internacionalização de tais regiões, porquanto

________________39 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 1a Turma, Recurso Extraordinário 134.297/SP,

relator Min. Celso de Mello, j. 13.06.1995. Revista Trimestral de Jurisprudência, v. 158,p. 205-217.

40 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 11. ed. São Paulo:Malheiros, 2003. p. 851.

32

são patrimônio do Brasil. Se com a zona costeira até hoje não houve tal risco, em

relação à Amazônia a situação parece ser mais preocupante.

Visto, então, em que consiste o patrimônio nacional, suas características e

importância com relação à proteção ambiental, passa-se para a parte da

determinação constitucional constante do § 4o do art. 225 da CF, segundo o qual

“a utilização far-se-á na forma da lei”.

Trata-se de norma a que deve ser dada efetividade, já que, em sempre

oportuna manifestação de José Afonso da Silva, “impõe ao legislador ordinário e

ao Poder Público a adoção de medidas que diferenciem o tratamento patrimonial

dessas áreas no contexto geral do território brasileiro”41. Ou seja, são locais que

merecem tratamento diferenciado, com a elaboração de normas especiais para

cada um.Como o objeto de estudo do presente trabalho é apenas a zona costeira, cabe

mencionar a existência de uma única lei federal que dispõe especificamente sobre

o assunto, a de nº 7.661, de 16.05.1988, a ser analisada no próximo capítulo. Essa

norma possui caráter geral, o que não impede a elaboração de normas estaduais e

municipais.

________________41 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 4. ed. São Paulo: Malheiros,

2002. p. 263.

2Planos de gerenciamento costeiro

2.1Lei 7.661, de 16.05.1988, ePlano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC)

Tendo a norma constitucional estabelecido um regime especial para a costa

brasileira, o legislador federal viu-se compelido a disciplinar um sistema de

gerenciamento costeiro. A preocupação com tal região, todavia, já se havia

iniciado antes mesmo dessa determinação constitucional.

O princípio das ações referentes ao gerenciamento da costa brasileira deu-se

em 1982, quando a Comissão Interministerial dos Recursos do Mar (CIRM) criou

a Subcomissão de Gerenciamento Costeiro dentro de sua secretaria. Esta

subcomissão organizou no Rio de Janeiro, em 1983, o Seminário Internacional

sobre Gerenciamento Costeiro, que propiciou o surgimento das primeiras idéias

para a organização de um programa nacional. Em 1984 foi realizado o II Simpósio

Brasileiro sobre Recursos do Mar, também no Rio de Janeiro, que reuniu diversas

instituições dedicadas ao assunto.

Foi escolhido como paradigma inicial para estruturar um plano a ser

aplicado na costa o programa de zoneamento da zona costeira proposto pela

Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Em 1985 realizou-se em Fortaleza o II

Encontro Brasileiro de Gerenciamento Costeiro. Em 1987 a CIRM estabeleceu o

Programa Nacional de Gerenciamento Costeiro.

Surgiu então a necessidade de uma política específica para o litoral, que

promovesse o desenvolvimento de atividades econômicas e turísticas e, ao mesmo

tempo, a proteção de valores ambientais, culturais, patrimoniais e históricos. O

Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro foi instituído em nosso país pela Lei

7.661, de 16.05.1988, que foi promulgada antes mesmo da nossa atual

Constituição, mas perfeitamente recepcionada por ela. Esse plano é parte

integrante da Política Nacional para os Recursos do Mar (PNRM) e da Política

34

Nacional do Meio Ambiente (PNMA), fixada pela Lei 6.938, de 02.09.1981. A

Lei 7.661, de 16.05.1988 dedica cinco de seus treze artigos especialmente aos

Planos de Gerenciamento Costeiro.

O termo gerenciamento foi utilizado para designar a gestão da Zona

Costeira. Na verdade, é um neologismo derivado da palavra gerência, com

inspiração no termo oriundo do direito norte-americano management.. Aliás, a

Coastal Zone Management Act (lei norte-americana sobre as zonas costeiras), na

seção 1453, item 12, define assim o programa de gerenciamento, ou management

program:

A expressão “management program” inclui, mas não se limita a uma ampladeclaração em palavras, mapas, ilustrações ou outros meios de comunicação,preparada e adotada pelo Estado de acordo com as previsões deste capítulo,estabelecendo objetivos, políticas e padrões para guiar o uso público e privado dasterras e águas da zona costeira42 (tradução nossa).

Também em 1988 a supervisão e a coordenação federais do programa foram

transferidas para os órgãos ambientais da União – o Ministério do Meio Ambiente

e o IBAMA. O Plano tem, então, como finalidade reconhecer os problemas que

ocorrem atualmente no litoral, para que venham a diminuir ou a ser solucionados

no futuro.

O objetivo do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro encontra-se esta-

belecido no art. 2o da referida lei: “...o PNGC visará especificamente a orientar a

utilização racional dos recursos na Zona Costeira, de forma a contribuir para

elevar a qualidade da vida de sua população, e a proteção do seu patrimônio natu-

ral, histórico, étnico e cultural”. Assim, pode-se extrair desse artigo uma primeira

conclusão − a de que o PNGC não está limitado ao estabelecimento de normas

que digam respeito ao meio ambiente natural. O meio ambiente cultural também

deve estar contemplado nele, bem como questões de ordem história, étnica,

paisagística ou relacionadas com os habitantes da região e sua qualidade de vida.

Desse modo, caracterizada está a necessidade de o PNGC instituir uma

proteção socioambiental da Zona Costeira, tratando conjuntamente as questões________________

42 The term "management program" includes, but is not limited to, a comprehensivestatement in words, maps, illustrations, or other media of communication, prepared and adopted bythe state in accordance with the provisions of this title, setting forth objectives, policies, andstandards to guide public and private uses of lands and waters in the coastal zone. RUFINO, Droitet aménagement du littoral, p. 22.

35

ambientais com as culturais e as sociais e levando em conta o ser humano, uma

vez que ele interage diretamente com o meio ambiente natural.. No dizer de Marés

de Souza Filho,

[...] os bens socioambientais são todos aqueles que adquirem essencialidade para amanutenção da vida de todas as espécies (biodiversidade) e de todas as culturashumanas (sociodiversidade). Assim, os bens ambientais podem ser naturais ouculturais, ou se melhor podemos dizer, a razão da preservação há de serpredominantemente natural ou cultural se tem como finalidade a bio ou asociodiversidade, ou a ambos, numa interação necessária entre o ser humano e oambiente em que vive43.

Afonso da Silva determina os objetivos do PNGC:

O Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro tem por objetivo geral orientar autilização racional dos recursos na Zona Costeira, de forma a contribuir para elevara qualidade da vida de sua população, e a proteção do seu patrimônio natural,histórico, étnico e cultural, sempre tendo em vista os princípios e objetivos daPolítica Nacional do Meio Ambiente traçados nos arts. 2o e 4o da Lei 6.938/81.Visa, especialmente, lançar as bases para o estabelecimento de políticas, planos eprogramas estaduais e municipais de Gerenciamento Costeiro, e, de modopreponderante, objetiva planejar e gerenciar, de forma integrada, descentralizada eparticipativa, as atividades sócio-econômicas na Zona Costeira, de forma a garantira utilização, controle, conservação, proteção, preservação e recuperação dosrecursos naturais e ecossistemas costeiros (Resolução 1/90, Item 4) 44.

Analisando a Lei 7.661, de 16.05.1988, verifica-se que ela contém algunsdispositivos auto-aplicáveis e outros que necessitam de regulamentação. Aliás, sãopoucos os que podem ser diretamente aplicados. Até mesmo quando a lei definezona costeira, no art. 2o, parágrafo único, ela remete para um regulamento adefinição de limites. Uma disposição auto-aplicável é a constante do art. 10, quedispõe sobre as praias: “[...] art. 10 – as praias são bens públicos de uso comum dopovo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, emqualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse desegurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica”.

Estudo realizado pelo Ministério do Meio Ambiente esclarece algumascaracterísticas dessa lei e sua relação com o Plano de Gerenciamento Costeiro,mostrando algumas lacunas existentes:

Cabe notar que a lei em exame não estabeleceu normas genéricas ou específicasque regulem o uso e fruição de bens e recursos existentes na Zona Costeira, maslimitou-se a instituir o PNGC, a ser elaborado e, se necessário, atualizado por um

________________43 SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Introdução ao direito sócioambiental. In:

LIMA, André (Org.). O direito para o Brasil socioambiental. Porto Alegre: Fabris, 2002. p. 38. 44 SILVA, Direito ambiental constitucional, p. 153.

36

Grupo de Coordenação, e aprovado pela Comissão Interministerial para osRecursos do Mar – CIRM, ouvido o Conselho Nacional do Meio Ambiente -CONAMA. O que a lei fixou, na verdade, foram as normas e diretrizes para aelaboração do plano, pelo que o instituiu em tese, remetendo sua concretização aoutros diplomas legais45.

O art. 4o da Lei estabelece a competência para elaboração e atualização do

PNGC e a atribui a um Grupo de Coordenação dirigido pela Secretaria da

Comissão Interministerial dos Recursos do Mar (SECIRM). O plano atualizado é

submetido à Comissão Interministerial dos Recursos do Mar (CIRM), que o

aprovará com audiência do CONAMA. Mesmo que esse último órgão não o

aprove, é obrigatória sua manifestação. Aliás, Paulo Affonso Leme Machado,

comentando a importância desta determinação, adverte:

[...] quando a CIRM – Comissão Interministerial para os Recursos do Mar fordecidir, deverá apreciar as considerações exteriorizadas pelo CONAMA. Dessaforma, abre-se o debate, inclusive, no nível das associações ambientais, ainda queestas não tenham poder de decisão na CIRM, o que seria desejável46.

Aprovado o plano, ele já entra em vigor, sem necessidade de decreto

presidencial. O Grupo de Coordenação encontra-se atualmente estruturado pelo

Decreto Federal 1.540, de 28.06.1995.

O conteúdo do PNGC está previsto no art. 3o da Lei 7.661, de 16.05.1988,

que dispõe acerca dos bens que devem ter prioridade de conservação e proteção.

Certamente, como o próprio artigo diz, esse rol não é taxativo mas flexível, uma

vez que admite sejam considerados outros bens que não aqueles ali enumerados, o

que vai depender das condições da cidade litorânea no caso concreto. O plano

deve prever o zoneamento de usos e atividades da Zona Costeira, bem como fixar

normas e diretrizes a serem seguidas pelos Estados e Municípios.

O art. 5o da Lei é disposição que deve ser analisada, conforme dispõe no

caput:

Art. 5o – O PNGC será elaborado e executado observando normas, critérios epadrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente,estabelecidos pelo CONAMA, que contemplem, entre outros, os seguintesaspectos: urbanização; ocupação e uso do solo, do subsolo e das águas;

________________45 MMA/PNMA. Avaliação das normas legais ...,p. 15.46 MACHADO, Direito ambiental brasileiro, p. 860.

37

parcelamento e remembramento do solo; sistema viário e de transporte; sistema deprodução, transmissão e distribuição de energia; habitação e saneamento básico;turismo, recreação e lazer; patrimônio natural, histórico, étnico, cultural epaisagístico.

Esse artigo, com a redação que lhe foi dada, ficou pouco claro. Dá a de que

o legislador quando o elaborou tinha a intenção de disciplinar o conteúdo do

plano, que devia contemplar os aspectos ali relacionados. Todavia o modo como

foi escrito leva a crer que enumerou os aspectos que seriam disciplinados pelo

CONAMA e que orientariam a elaboração e execução do PNGC. Conforme

esclarece estudo do Ministério do Meio Ambiente,

[...] em princípio, com a redação que lhe foi dada, esse dispositivo legal acabouimplicando na ampliação do próprio campo de atuação do CONAMA na ZonaCosteira, pois menciona matérias não inseridas em sua esfera de competência ehabitualmente não disciplinadas pelo mesmo, [...]. Em alguns casos o efetivoestabelecimento das normas nela previstas dependerá da ação de outros ministériosou de decreto do Presidente da República, por escapar à esfera de atuação doCONAMA e envolve providências de outras áreas de governo47.

Dessa forma, pode-se ver que a redação dada à referida disposição legal fez

com que seu entendimento ficasse completamente distorcido. O mais adequado

nesse caso é buscar o real sentido da norma, ou seja, interpretar o artigo de acordo

com a verdadeira intenção da lei, que só poderia ser a de incluir no plano os

aspectos relacionados, como ensina o ilustre Alípio Silveira:

Também poder-se-á dizer, com Recaséns Siches, que a escolha da melhor soluçãose obtém pela “lógica do razoável”, isto é, atendendo-se às valorações ligadas aostextos, especialmente àquelas relativas à idéia de justiça e utilidade comum, ou emuma palavra, atinentes ao bem comum.

Quando a interpretação literal e a finalista divergirem, em certo caso, deve-se, semdúvida, optar pela última, que atende ao fim social da lei48.

Afonso da Silva49 cita os cinco instrumentos do Plano Nacional de

Gerenciamento Costeiro: zoneamento ecológico-econômico, monitoramento cos-

teiro, sistema de informações do gerenciamento costeiro, plano de gestão e

sistema nacional de gerenciamento costeiro.________________

47 MMA/PNMA. Avaliação das normas legais ..., p. 17.48 SILVEIRA, Alípio. Hermenêutica jurídica: seus princípios fundamentais no Direito

Brasileiro. São Paulo: Leia Livros, [19--]. v. 1., p. 224. 49 SILVA, Direito ambiental constitucional, p. 154.

38

O primeiro Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro foi aprovado pelo

CIRM por meio da Resolução n° 01, de 21.11.1990. Sete anos depois, pela

Resolução CIRM n° 05, de 13.12.1997, foi aprovado o segundo plano, chamado

PNGC II. Tal plano deve ser sempre atualizado por um Grupo de Coordenação

criado pelo Decreto 96.660, de 06.09.1988 (posteriormente substituído pelo

Decreto 1.540, de 27.06.1995), dirigido pela Secretaria da Comissão

Interministerial para os Recursos do Mar (SECIRM), que deverá aprová-lo com

audiência do CONAMA (art. 4o, caput, da Lei 7661, de 18.05.1988).

O primeiro plano deixou muito a desejar, pois não estabelecia normas e

diretrizes para a utilização do solo, do subsolo e das águas, nem limites para o

aproveitamento de imóveis. Apenas instituiu princípios que deveriam nortear o

gerenciamento costeiro e a ação dos Estados e Municípios, uniformizando a

metodologia a ser aplicada por esses entes. Criou o Sistema de Informações de

Gerenciamento Costeiro (SIGERCO) para vigorar em nível nacional, o qual,

segundo Marcos Covre e Robson José Calixto, “tem por função organizar a

sistematizar dados e informações referentes à elaboração, implantação e

monitoramento das atividades relativas ao gerenciamento costeiro”50.

O segundo plano também estabeleceu princípios que devem nortear o

gerenciamento costeiro e mais as normas e diretrizes para a sua execução pelos

Estados e Municípios. Mas, como o anterior, também não previu medidas

concretas a serem observadas na Zona Costeira, deixando tal assunto para ser

normatizado pelos entes políticos, o que até hoje não ocorreu. Esse foi um grande

defeito do Plano, que deixou sérias questões por ser equacionadas.

Um mérito desse segundo plano foi a delimitação da Zona Costeira, com o

que ficou devidamente assentado o que vem a ser essa zona, bem como a faixa

marítima e a faixa terrestre. Assim, não mais existe a necessidade de os Estados

estabelecerem tais limites, já que o plano tem eficácia em todo o território

nacional. Segundo Robert Moraes,

[...] modificação introduzida na definição mesma de “zona costeira”, que recebeuno PNGC II conceituação menos acadêmica e mais voltada para a prática doplanejamento. O entendimento que presidiu esta construção teórica foi o de que

________________50 COVRE, Marcos; CALIXTO, Robson José. O sistema de informações do gerencia-

mento costeiro no âmbito do plano nacional de gerenciamento costeiro. Brasília: ProgramaNacional do Meio Ambiente, 1995. p. 1.

39

inexiste uma definição genérica, absoluta e consensual de zona costeira, e que,portanto, sua delimitação varia conforme as características dos espaços em queexercite e/ou em consonância com os critérios (sempre parciais) estabelecidos emtal exercício. Sendo assim, as finalidades da ação pretendida emergem como umbalizador objetivo para orientar esta definição. E, no caso, trata-se claramente deuma finalidade de planejamento e gestão, o que realça a importância de consideraros próprios limites político-administrativos como critério51.

No que diz respeito aos objetivos, o PNGC II estabelece principalmente

normas gerais, lançando as bases para a criação de políticas, planos e programas

estaduais ou municipais. Assim, mesmo mantendo a gestão também a cargo dos

Estados e Municípios, o novo plano tem o objetivo de tornar mais efetivo o papel

da União.

Apesar do prazo de 180 dias estabelecido no art. 11 para a regulamentação

da lei pelo Poder Executivo, nada até hoje foi feito, o que é muito grave

considerando o tempo transcorrido desde 1988, quando ela foi assinada.

Observe-se que na Itália também existe um plano nacional para a defesa da

costa. Segundo esclarece Anna D’Amico Cervetti,

No primeiro caso há um momento real de programação geral que, todavia, develevar em conta o existente: a realidade, de fato, demonstra bem rápido o quãodifícil é intervir na situação das costas que foram utilizadas predominantementepara fins de edificação, para fins de instalação de indústrias, explorando, comcarência ou inobservância dos instrumentos urbanísticos, também existentes, demaneira selvagem, as possibilidades do território. Com o inevitávelcomprometimento dos espaços de mar adjacentes.

No segundo caso se opera uma tentativa de preservar o que ainda pode serpreservado da exploração indiscriminada das costas e das profundidades, com aprevisível e prevista resistência das populações costeiras e insulares que vêemlimitar-se cada vez mais suas possíveis atividades (tradução nossa)52.

________________51 Antonio Carlos Robert MORAES, op. cit., p. 127.52 Nel primo caso si ha un vero e proprio momento di programmazione generale che,

tuttavia, deve tenere conto dell’esistente: la realtá infatti dimostra ben presto quanto difficile siaintervenire sulla situazione delle coste che sono state utilizzate prevalentemente a fini edificatori, afini di insediamento di industrie, sfruttando, in carenza o con l’inosservanza degli strumentiurbanistici, pur esistenti, in maniera selvaggia le prossibilitá del territorio. Con l’inevitabilecoinvolgimento degli spazi di mare adiacente.

Nel secondo caso si opera um tentativo di preservare quanto ancora preservabile dallosfruttamento indiscriminato delle coste e dei fondali con la prevedibile e prevista resistenza dellepopolazioni costiere e isolane che vedono limitarsi sempre più le possibili attività. CERVETTI,Anna D’Amico. Elementi di diretto ambientale. Milão: Giuffrè, 2002. p. 108.

40

2.2Planos Estaduais e Municipais de Gerenciamento Costeiro

O art. 5o, §1o, da Lei 7.661, de 16.05.198853, preceitua que os Estados e

Municípios também poderão instituir Planos Estaduais e Municipais de Gerencia-

mento Costeiro, desde que observadas as normas e diretrizes do Plano Nacional e

da lei e designados os órgãos competentes para executá-los. Esses planos serão

instituídos também através de lei, certamente observando as diretrizes do Plano

Nacional de Gerenciamento Costeiro e as normas estabelecidas na Lei 7.661, de

16.05.1988. Aqui fica evidente a existência de competência concorrente dos entes

da Federação para legislar acerca de meio ambiente, conforme determina o art. 24,

VI, da nossa Constituição.

Essa participação estadual e municipal é de extrema importância. Na

maioria dos casos, os Estados e Municípios conhecem sua costa e seus problemas

ambientais muito melhor do que a União. Eles sabem de suas peculiaridades e do

que precisa ser desenvolvido ou evitado. À União cabe a elaboração de normas

gerais, com aplicabilidade em todo o País. Outrossim, para um determinado

Estado ou Município revela-se mais razoável a elaboração de um plano específico

para aquele local, desde que respeitada a norma federal. O ideal seria a existência

de planos de gerenciamento costeiro em todos os Municípios e Estados

brasileiros, adaptando a lei às características naturais e aos aspectos sócio-econô-

micos peculiares, como diz Afonso da Silva: “[...] o envolvimento de Estados e

Municípios da orla marítima nas malhas do planejamento da Zona Costeira, por

certo, ajudará sua eficácia e aplicabilidade”54.

Ademais, não compete aos Estados e Municípios apenas a elaboração dos

respectivos Planos de Gerenciamento, mas também a execução das atividades

relativas ao Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro.

Deve-se levar em conta a observação de Machado, acerca de não-elaboração

de plano de gerenciamento costeiro:

A ausência de um plano, ou a não terminação de um plano em elaboração ou aomissão de exigências em um plano não conferem aos particulares ou ao Poder

________________53 Art 5o, §1o – Os Estados e Municípios poderão instituir, através de lei, os respectivos

Planos Estaduais ou Municipais de Gerenciamento Costeiro, observadas as normas e diretrizes doPlano Nacional e o disposto nesta Lei, e designar os órgãos competentes para a execução dessesPlanos.

54 SILVA, Direito ambiental constitucional, p. 158.

41

Público plena liberdade de ocupação e de uso da zona costeira. As normasambientais federais, estaduais e municipais já existentes deverão ser semprepesquisadas e colocadas em prática no momento da concessão da autorização parainstalar, operar ou construir, como, também, no momento de aplicar sanções55.

O macrozoneamento é requisito essencial e preliminar a um plano estadual

de gerenciamento costeiro, pois orienta a ocupação da Zona Costeira. Novamente

observa Afonso da Silva: “[...] considerando-se a velocidade com que as

alterações ambientais têm ocorrido na zona costeira, podemos também indicar a

necessidade de agilizar a proposição do zoneamento, selecionando previamente

áreas problemáticas, aspectos fundamentais a detalhar e elaborando zoneamentos

preliminares”56.

Note-se que em alguns Estados brasileiros, direta ou indiretamente, o Plano

Estadual de Gerenciamento Costeiro é preceito constitucional57. Segundo o art.

217, XI, da Constituição de Alagoas, cabe ao Estado “estabelecer diretrizes gerais

e específicas e fiscalizar e normatizar a ocupação do litoral, tendo em vista fatores

econômicos, sociais, ecológicos, culturais, paisagísticos e outros com pertinência

ao planejamento da sua ocupação”.

Também a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul diz, no art. 251, X,

que cabe ao Poder Público (no caso o Estado) “promover o gerenciamento

costeiro para disciplinar o uso de recursos naturais da região litorânea e conservar

as praias e sua paisagem típica”.

2.3Conclusão

O estudo da Lei 7.661, de 16.05.1988, deixou evidentes nela diversaslacunas, provavelmente por ter sido tratada de forma extremamente genérica, compoucas normas auto-aplicáveis.

Veja-se o que Machado diz sobre ela:

Faltou, contudo, à Lei 7.661/88 um posicionamento explícito sobre questõescomplexas como exploração do solo e do subsolo, exploração de recursos minerais

________________55 MACHADO, Direito ambiental brasileiro, p. 715.56 AFONSO, op. cit., p. 26. 57 Ver mais sobre o assunto em: FREITAS, Mariana Almeida Passos. O meio ambiente nas

constituições estaduais. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n. 29, p. 72-82, jan./mar. 2003.

42

ou atividades para obtenção de petróleo; construção de estradas, instalação de pólospetroquímicos e cloroquímicos, lançamento de emissários de esgotos domésticos ede efluentes industriais. Ainda que sobre essas matérias, como sobre outras queinteressam ao meio ambiente, apliquem-se as leis, decretos e normas ambientais,nem por isso os planos de gestão da Zona Costeira poderão silenciar sobreagressões atuais à qualidade de vida litorânea, sob pena de serem imprestáveis aseus objetivos58.

Além desses, outros pontos há na lei que merecem ser destacados, como se

pretende mostrar a seguir:

a) é contraditório o tratamento dado pela lei à União e aos Estados e

Municípios sobre a instituição dos planos de gerenciamento costeiro, pois

enquanto o Plano Nacional foi deixado sob a responsabilidade do Poder

Executivo, os Estados e os Municípios são obrigados a instituir seus

planos por meio de lei;

b) impõe-se como necessidade urgente a elaboração de um novo Plano

Nacional de Gerenciamento Costeiro, um PNGC 3, ou a atualização do

PNGC 2, de modo que esteja o mais possível capacitado para atender às

questões correntes, questões que se alteram e renovam constantemente.

As ações da União devem tornar-se mais efetivas quando do estabele-

cimento das normas gerais. O atual plano descentraliza demasiadamente

os encargos que deveriam ser da competência da própria União.

Essencial também é que sejam aprimoradas nele as disposições acerca da

ocupação e utilização da zona costeira;

c) é crucial também que todos os Estados e Municípios costeiros elaborem

os próprios planos de gerenciamento, pois poderão fazê-los mais eficazes

para sua região, sem que com isso eximam a Uniãode sua

responsabilidade. Cabe a esta, por sua vez, manter sempre atualizados

seus planos e atuar em conjunto com os demais entes políticos, o que

com certeza resultará mais produtivo. Exemplo bem sucedido nessa área

é a Gestão Integrada da Zona Costeira, ou GIZC, aplicada na União

Européia: “[...] trata-se, simultaneamente, de proceder ao ordenamento e

gestão dos recursos costeiros e do espaço litoral. Não se trata de uma

solução mas sim de um processo dinâmico, em permanente evolução. [...]

________________58 MACHADO, Direito ambiental brasileiro, p. 859.

43

a GIZC pretende igualmente melhorar a qualidade de vida das zonas

costeiras”59;

d) o PNGC não deve tratar apenas do meio ambiente natural. A expressão

“meio ambiente”, hoje em dia, não diz respeito apenas à natureza, aos

ecossistemas. Abrange também o meio ambiente artificial, o meio

ambiente cultural, bem como o patrimônio étnico, histórico e paisagís-

tico, sem esquecer da interação do ser humano com os elementos nos

quais se desenvolve e desempenha suas atividades. Isto é o meio

ambiente;e) também é urgente a regulamentação da Lei 7.661/1988, prevista no

art. 11. Um decreto regulamentador provavelmente daria mais efetivi-

dade a ela, tornando assim possível concretizar o plano em nível federal.

Seria essencial que esse regulamento estabelecesse normas para o acesso

público às praias e ao mar, bem como para questões de caráter

urbanístico na orla marítima;

f) também são necessárias normas que disciplinem critérios e padrões

relativos à manutenção da qualidade ambiental, ao licenciamento am-

biental e às atividades realizadas na zona costeira.

Para finalizar, não é demais transcrever o que diz o Ministério do Meio

Ambiente em sua Avaliação das Normas Legais Aplicáveis ao Gerenciamento

Costeiro que, como se pode ver, sustenta os reparos acima arrolados:

Destaca-se [...] que o PNGC não se constitui em documento estático, destinadoapenas a fornecer orientação aos Estados e Municípios para elaboração de normaslegais aplicáveis à Zona Costeira. Ao contrário, deve tratar-se de documentodinâmico, que oriente a ação dos órgãos federais e dos Estados e municípios nasatividades desenvolvidas nessa área60.

________________59 COMISSÃO EUROPÉIA, op. cit. não paginada.60 MMA/PNMA. Avaliação das normas legais aplicáveis ..., p. 17.

3Dunas e restingas

3.1Dunas

“Duna: formação arenosa produzida pela ação dos ventos no todo ou em

parte, estabilizada ou fixada pela vegetação”61. Ou, de forma mais completa, con-

forme definida por Kenitiro Suguio:

Colina de areia acumulada por ação eólica, isto é, do vento podendo apresentar-semais ou menos coberta por vegetação. Pode ser subdividida segundo a forma,orientação em relação ao vento, etc. em transversais, longitudinais, parabólicas,piramidais, etc. Ela ocorre mais tipicamente nas porções mais centrais dos desertos(deserts), especialmente em deserto tropical (tropical desert), mas também podeser encontrada em regiões litorâneas ou em margens fluviais62.

FOTO 2 - EXEMPLO DE DUNAS – PRAIA DE FLECHEIRAS, MUNICÍPIO DE TRAIRI/CEDisponível em: <www.flecheiras.hpg.ig.com.br/albumdefotos>. Acesso em 24.06.2004

Dunas são pequenas elevações de areia formadas pelos ventos que vêm do

mar. Esses ventos carregam a areia fina, até que as dunas venham a ser

estabilizadas por uma vegetação pioneira. As dunas costeiras formaram-se durante

________________61 CARVALHO, Carlos Gomes de. Dicionário jurídico do ambiente. 2. ed. São Paulo:

Letras e Letras, 2002. p. 167.62 SUGUIO, Kenitiro. Dicionário de geologia sedimentar e áreas afins. Rio de Janeiro:

Bertrand Brasil, 1998. p. 251.

45

os últimos 5.000 anos pela interação do mar com o vento, a areia e a vegetação.

As correntes marítimas litorâneas transportam grandes quantidades de areia, e

parte desses grãos é depositada nas praias pelas marés altas. A areia acumulada, é,

então, transportada pelos ventos dominantes para áreas mais elevadas da praia.

São formas eólicas constituídas pelo acúmulo de sedimentos arenosos,

desenvolvidas onde ocorre competência de transporte pelo vento, o qual deve ser

perpendicular ou oblíquo à costa. O desenvolvimento das dunas depende de

importantes fatores, como tipo de sedimento existente e sua fonte, baixa precipi-

tação (chuva), presença de ventos e capacidade da vegetação de se estabilizar. As

dunas podem ser móveis, quando não vegetadas, e fixas, quando vegetadas.

A função e a importância do sistema de dunas estão intimamente relacio-

nadas, pois ele constitui uma "zona tampão", com a função de proteger a costa nos

momentos episódicos de maior energia (como ressacas).

Esse complexo ecossistema estende-se por 600 km de nosso litoral,

formando o maior sistema de praias arenosas do mundo. As dunas servem de

barreira natural à invasão da água do mar e da areia em áreas interiores e

balneários, e também protegem o lençol de água doce evitando a entrada de água

do mar.

A fauna é um pouco escassa nesse ambiente, devido a altas taxas de

salinidade, baixas taxas de umidade e instabilidade térmica. Sendo assim, poucos

animais são adaptados a esse habitat. Animal exemplar dessa área é o tuco-tuco,

um pequeno roedor que habita galerias escavadas nas areias, cuja alimentação é

composta de caules e raízes da vegetação nativa. Outros vivem em tocas, como o

Ocypode. Ainda encontram-se bactérias e larvas de insetos, como a libélula.

Nas dunas há uma vegetação nativa composta principalmente de gramíneas

e plantas rasteiras, que desempenham importante papel em sua formação e

fixação. São plantas adaptadas às condições ambientais, com alto índice de salini-

dade. À medida que a vegetação pioneira cresce, as dunas ganham volume e

altura. Com o passar do tempo, outras plantas colonizam o local, mantendo o

equilíbrio ecológico e a estabilidade do cordão de dunas litorâneas. Pode ser

encontrada ali grande quantidade de espécies pioneiras, como o cipó-de-flores,

46

entre outras63. Sobre a importância da vegetação das dunas, deve-se ressaltar

observação feita no Dicionário de Ecologia e Meio Ambiente:

As dunas arenosas litorais das nossas regiões estão fortemente ameaçadas pelaapropriação privada: são destruídas para construção. Ora, as dunas invasoras,quando desprovidas de vegetação, tornam-se úteis quando são imobilizadas porplantas de pequeno porte como Carex arenaria e Salix arenaria, a que se seguempinheiros. Elas cortam o vento, limitam as cheias das tempestades de equinócio eabrigam uma fauna e uma flora originais64.

FOTO 3 - VEGETAÇÃO NATIVA DE DUNASDisponível em <www.octopus.furg.br/nema/dunas/dunas.htm>.

Acesso em 24.06.2004

A preservação ambiental é da maior importância, pois, como afirmaAlessandro Allegretti, “a retirada da vegetação fixadora de dunas acarreta fre-qüentes movimentos de areia carregada pelo vento, que passam a cobrir casas eestradas e podem assorear lagoas e rios”.

Michel Prieur também aborda a questão, mostrando a situação na França:

A fixação das dunas: as dunas arrastadas pelos ventos possuem tendência a sedeslocar e a invadir as superfícies cultivadas. Por isso, as plantações vegetais e osviveiros de pinheiros marítimos são, desde o século XIX, operações indispensáveis.

________________63 Dados obtidos na internet: <www.ambientebrasil.com.br>. 64 FRIEDEL, Henri. Dicionário de ecologia e do meio ambiente. Tradução Carlos

Almaça. Cidade do Porto: Lello, 1987. p. 104.

47

O Código Florestal prevê no art. L. 431-1 que o Ministro encarregado das florestaspode declarar de utilidade pública e tornar obrigatórios os trabalhos de fixação dasdunas tais como semeadura, plantação e cultura de vegetais. Nenhum corte de“oyat” (gramínea empregada para fixar a areia das dunas), caniços de areia,espinheiros marítimos, pinheiros, abetos e outras plantas arenosas conservadorasdas dunas pode ser feito sem autorização administrativa. Disposições especiais sãoaplicáveis às dunas do departamento de Pas-de-Calais: ninguém pode fazer pastode animais nas dunas sem autorização da comissão sindical formada para aconservação das dunas e só os proprietários podem cortar ou arrancar as ervas,plantas e mato sobre os diques e dunas (art. L. 432-2 e 3, Código Florestal)(tradução nossa)65.

Note-se que em nosso país as dunas estão sendo bastante degradadas pelaação humana, principalmente com edificações. Miraci Samuel fala sobre as dunasno Estado do Rio Grande do Sul:

Em tempos antigos as nossas dunas eram bem mais fixas. A falta de acidentesgeográficos outros, que não as lagoas e os olhos d’água, faziam com que as dunasconstituíssem praticamente a única paisagem do litoral.

[...]

Os loteamentos e as cidades alteraram a paisagem, e as dunas ficaram mais móveise reduzidíssimas.As dunas baixas eram facilmente fixadas por vegetação especializada. O pisoteiohumano e do gado, o qual também come a vegetação, liberou as dunas para osventos. Mais tarde até automóveis com pneus especiais passaram a freqüentá-las,danificando-as violentamente. Depois os terríveis e numerosíssimos loteamentos.Aí entra o buldôzer e destrói tudo66.

________________65 La fixation des dunes: les dunes entraînées par les vents ont tendance à se déplacer et à

envahir les surfaces cultivées. Aussi les plantations végétales et les semis de pins maritimes sont-ils depuis le XIXe siècle des opérations indispensables. Le code forestier prévoit à l’article L. 431-1 que le ministre chargé des Forêts peut déclarer d’utilité publique et rendre obligatoires destravaux de fixation des dunes tels que ensemencement, plantation et cultures de végétaux. Aucunecoupe de plants d’oyats, roseaux de sable, épines maritime, pins, sapins et autres plantes aréneusesconservatrices des dunes ne peut être faite sans autorisation administrative. Des dispositionsspéciales sont applicables aux dunes du département du Pas-de-Calais: nul ne peut faire paître desbestiaux dans les dunes sans l’autorisation de la commission syndicale formée pour l’entretien desdunes et seuls les propriétaires peuvent couper ou arracher les herbes, plantes et broussailles surles digues et dunes (art. L. 432-2 et 3, c. forestier). PRIEUR, op. cit., p. 560-561.

66 SAMUEL, Miraci. O futuro das dunas no litoral riograndense. Boletim FBCN –Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza, Rio de Janeiro, v. 21 p. 124-125, 1986.

48

FOTO 4 - SOTERRAMENTO DE VIA PÚBLICA PELA AÇÃO EÓLICA DAS DUNAS - CABOFRIO/RJ. Disponível em: <www.reservataua.com.br/dunas_costeiras.htm>. Acesso em 24.06.2004

FOTO 5 - SOTERRAMENTO DA RODOVIA CABO FRIO - ARRAIAL DO CABO/RJ,PELA AÇÃO DAS DUNAS

Disponível em: <www.reservataua.com.br/dunas_costeiras.htm. Acesso em 24.06.2004

3.2Restingas

Restingas, segundo Cristina Adams, são “formações vegetais que crescem

em areias holocênicas, desde o mar até o sopé da Serra do Mar”67. Restinga pode

também ser definida como “faixa de solo por trás das dunas. Nela se misturam

________________67 ADAMS, op. cit., p. 84.

49

espécies provenientes da mata e das dunas, bem como xerófitas e higrófitas”68. Ou

“acumulação arenosa litorânea, paralela à linha da costa, de forma geralmente

alongada, produzida por sedimentos transportados pelo mar, onde se encontram

associações vegetais mistas características, comumente conhecidas como vegeta-

ção de restingas”69. Restinga, conjunto de dunas e areais distribuído ao longo do

litoral brasileiro, é também muito importante como vegetação fixadora de dunas.

A restinga tem algumas definições legais. A primeira foi dada pela

Resolução CONAMA n° 10, de 01.11.1993, no art. 5o, II:

Restinga – vegetação que recebe influência marinha, presente ao longo do litoralbrasileiro, também considerada comunidade edáfica, por depender mais danatureza do solo do que do clima. Ocorre em mosaico e encontra-se em praias,cordões arenosos, dunas e depressões, apresentando de acordo com o estágiosucessional, estrato herbáceo, arbustivo e arbóreo, este último mais interiorizado.

A Resolução CONAMA n° 303, 20.03.2002 também definiu o ecossistema,

em seu art. 2o, VIII:

Restinga: depósito arenoso paralelo a linha da costa, de forma geralmentealongada, produzido por processos de sedimentação, onde se encontram diferentescomunidades que recebem influência marinha, também consideradas comunidadesedáficas por dependerem mais da natureza do substrato do que do clima. Acobertura vegetal nas restingas ocorre em mosaico, e encontra-se em praias,cordões arenosos, dunas e depressões, apresentando, de acordo com o estágiosucessional, estrato herbáceo, arbustivos e arbóreo, este último mais interiorizado.

O conceito científico de restinga, porém, é mais abrangente. Maria

Esmeralda Santos de Moraes70 resumiu os diversos significados para essa

denominação:

1. sentido geológico, para designar depósitos costeiros de origens diversas,principalmente com relação aos cordões arenosos. Abrangem depósitos arenososcosteiros de origens variadas como os dos cordões litorâneos, das praias barreiras,das barras, dos esporões e dos tômbolos. Entre esses depósitos arenosos, os cordõeslitorâneos parecem ser os únicos capazes de formar, por acrescência lateral, asplanícies arenosas denominadas de planícies de restinga. Quanto ao sentido dapalavra, SEGUIO; TESSLER (1984: 195-216) sugerem a substituição do termo porpalavras de significado mais restrito e mais preciso. Eles propuseram que o termo

________________68 DICIONÁRIO de ecologia. Tradução Maria Luiza Alvarenga Correa. São Paulo:

Melhoramentos, 1980. p. 137.69 CARVALHO, op.cit., p. 303.70 MORAES, Maria Esmeralda Santos de. Dinâmica espacial da ocupação antrópica na

restinga do perímetro urbano de Paranaguá. Curitiba, p. 14-15. Tese (Doutorado em MeioAmbiente e Desenvolvimento) - Universidade Federal do Paraná, 1999.

50

“planícies de restinga” fosse substituído por planícies de cordões litorâneos, poisem geral, as planícies costeiras existentes no Brasil, principalmente as localizadasnas regiões Sul e Sudeste, em sua maioria, estão basicamente relacionadas acordões litorâneos regressivos, enquanto que as restingas referem-se a depósitoscosteiros de origem muito variada;

2. sentido náutico, como sinônimo de recife, significando um banco de areia oupedra em alto-mar, constituindo-se em um obstáculo à navegação ;

3. sentido fitogeográfico e botânico, sendo usado para designar formações vegetaisque ocorrem sobre as planícies quaternárias litorâneas, incluindo ou não assituações encontradas nas zonas de praia, antedunas. No sentido botânico, designauma vegetação arbustivo-arbórea característica das costas meridional e norte doBrasil. Neste sentido, a palavra “restinga” engloba diversas comunidades vegetais:as de praias, de antedunas, de cordões litorâneos e até de manguezais. Estavegetação característica da zona adjacente à praia, tem sido também denominadade “jundu” por alguns autores;

4. sentido ecológico, segundo SILVA (1990: 4-5), o termo se refere ao conjunto defatores bióticos (vivos) e abióticos (não vivos) das planícies arenosas costeiras doBrasil, e indica um ecossistema com características peculiares, que o diferencia dosdemais ecossistemas existentes na região costeira. Ao utilizar a restinga nestesentido, o autor ressalta um conjunto de ecossistemas que mantém estreitasrelações com o mar, tanto na sua origem quanto nos processos nele atuantes, alémde salientar que a restinga possui características próprias, principalmente emrelação à composição e estrutura da vegetação, ao funcionamento e interações como sistema solo-atmosfera.

Apresentando geralmente vegetação baixa, cria variações climáticas que

conferem grande diversidade ambiental e biológica. Na restinga, o solo não cons-

titui a principal fonte de nutrientes, uma vez que, por ser arenoso, é muito pobre;

mas é sobretudo a vegetação o suporte vital desse ecossistema. É classificada ofi-

cialmente como Formação Pioneira de Influência Marinha. Quando essa vegeta-

ção é destruída, o solo sofre intensa erosão pelo vento, o que ocasiona a formação

de dunas móveis, com riscos para o ambiente costeiro e para a população.

De forma geral, a área de restinga não tem fauna e flora próprias; ela é

ocupada por animais e plantas típicos de outros ecossistemas. Em zonas urbanas

costeiras, a restinga preservada facilita o controle de espécies com potencial para

pragas, como cupins, formigas, escorpiões e baratas. A preservação do solo

arenoso é importante, pois, sendo altamente poroso, a água da chuva infiltra-se

nele com facilidade, o que reduz os riscos de enchentes e os custos de obras de

drenagem. Além de sua grande importância medicinal, pois guarda relevantes

informações ainda desconhecidas da maioria do público, a restinga também se

destaca por sua importância ornamental e paisagística, uma vez que nela é

encontrada grande variedade de orquídeas, bromélias e outras epífitas.

51

A riqueza de sua vegetação manifesta-se também nas espécies de frutos

comestíveis, entre os quais o caju, a mangaba, a pitanga, o araçá, entre outros.

Caranguejo, maria-farinha, besourinho-da-praia, viúva-negra, gavião-de-coleira,

gafanhoto-grande, barata-do-coqueiro, sabiá-da-praia, coruja-buraqueira, tié-

sangue, perereca, jararacussu-do-brejo são alguns dos habitantes da restinga.

Quanto à flora, algumas espécies estão também presentes nesse ecossistema,

como: sumaré, aperta-goela, açucena, bromélia, orquídeas, cactos, coroa-de-frade,

aroeirinha, jurema, caixeta, taboa, sepetiba, canela, pitanga, figueira, angelim,

entre outras71.

3.3Importância e proteção jurídica

As dunas e as restingas, por sua fixação em frente ao mar, são áreas

valorizadas e alvo de especulação imobiliária. Já há muitos casos de destruição

desses locais para a construção de hotéis, residências e centros de lazer. Por

exemplo, os bairros de Copacabana e Ipanema, no Rio de Janeiro, não possuem

mais a vegetação de restinga anteriormente existente. Já o bairro Brejatuba, no

Município de Guaratuba, litoral paranaense, ainda apresenta em alguns pontos tal

tipo de vegetação.

Outra forma de degradação é a que resulta da retirada de plantas

ornamentais nativas desses locais, como as bromélias e orquídeas, para comércio

ou projetos de paisagismo. Tal prática representa grave ameaça à sobrevivência de

muitas dessas espécies. Aceita com passividade, na verdade constitui crime

previsto no art. 49 da Lei 9.605, de 12.02.1998, conforme comentário de Luiz

Régis Prado:

Objetos da ação são plantas ornamentais de logradouros públicos (espaços livres,inalienáveis, destinados à circulação pública de veículos ou pedestres, tais comoruas, avenidas, praças, etc.) ou de propriedade privada alheia. Por plantasornamentais entende-se as que decoram, adornam, embelezam ou enfeitam umlocal, como begônias, lírios, tulipas, orquídeas, samambaias, entre outras72.

________________71 Dados obtidos na internet: www.ambientebrasil.com.br. Também em ADAMS, op. cit.72 PRADO, Luiz Regis. Crimes contra o ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1998. p. 113.

52

Outra ação antrópica que danifica a restinga é a plantação de abacaxis. Ela

causa a remoção da vegetação nativa.

É oportuno lembrar que a própria Constituição Federal atribui ao Poder

Público, nos termos do art. 225, § 1o,

definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentesa serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidasomente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridadedos atributos que justifiquem a sua proteção.

A primeira lei infraconstitucional que estabelece a importância da proteção

das dunas e restingas é a 7.661, de 16.05.1988, que dispõe: “art. 3o – o PNGC

deverá prever o zoneamento de usos e atividades na Zona Costeira e dar priori-

dade à conservação e proteção, entre outros, dos seguintes bens: I –...; restingas e

dunas; [...]”.

A segunda lei ordinária que dispõe sobre a questão é a de número 4.771,

16.09.1965, mais conhecida como Código Florestal. Tal diploma legal considera

as restingas como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues, e a vegeta-

ção destinada a fixar dunas, como de preservação permanente. Essa determinação

está assim prevista nos arts. 2o, f e 3o, b:

Art. 2o – Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, asflorestas e demais formas de vegetação natural situadas:

f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues.

Art. 3o – Consideram-se, ainda, de preservação permanente, quando assimdeclarada por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetaçãonatural destinadas:

b) a fixar as dunas.

O primeiro ponto a destacar é que a própria Lei 4.771, de 16.09.1965, defineo que vem a ser área de preservação permanente:

Art. 1o, § 2o, II: área de preservação permanente: área protegida nos termos dosarts. 2o e 3o desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambientalde preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, abiodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

53

Já a Resolução n° 302, de 20.03.2002, do CONAMA, no art. 2o, II,

estabelece a função de uma Área de Preservação Permanente (APP) nos mesmos

termos da lei. Assim, conforme ensinamento de Juraci Perez Magalhães, “[...] essa

vegetação visa proteger locais que não podem ser desflorestados em razão de sua

importância já cientificamente comprovada. Sem as árvores, as fontes secam, os

rios se aterram, os morros desabam e o solo se lateraliza”73.

Outro ponto a destacar pela leitura do artigo 3o do Código Florestal é que

apenas a vegetação das dunas é considerada como de preservação permanente. As

dunas não vegetadas não têm nenhuma proteção específica determinada por lei.

Todavia tal falta legal foi suprida em parte com a edição da Resolução do

CONAMA nº 341, de 25.09.2003, que dispõe sobre critérios para a caracterização

de atividades ou empreendimentos turísticos sustentáveis como de interesse social

para fins de ocupação de dunas originalmente desprovidas de vegetação, na Zona

Costeira. Essa resolução não declara as dunas não vegetadas como de preservação

permanente, porém trata dos casos de atividades e empreendimentos turísticos

sobre elas, os quais, para que sejam autorizados, devem ser declarados de

interesse social.

De acordo com o art. 2º, § 2, dessa Resolução, "as dunas desprovidas de

vegetação somente poderão ser ocupadas com atividade ou empreendimento

turístico sustentável em até 20% de sua extensão, limitada a ocupação a 10% do

campo de dunas, recobertas e desprovidas de vegetação". Além disso, as dunas

que vierem a ser ocupadas deverão estar previamente definidas e identificadas

pelo órgão ambiental competente, com aprovação do Conselho Estadual de Meio

Ambiente. Cada empreendimento deverá, ainda, ser precedido por Estudo de

Impacto Ambiental. Como motivos para a preservação das dunas, o CONAMA

aponta o papel que representam na formação e recarga de aqüíferos e no controle

da erosão costeira, além de sua beleza cênica e propensão para o turismo.

Ademais, a Resolução do CONAMA nº 303, de 20.03.2002, no art. 3o, IX e

XI, também considera as dunas e restingas como áreas de preservação perma-

nente. Dessa forma, tanto as dunas vegetadas quanto as não vegetadas encontram-

se protegidas da ação humana, mesmo que por diversos diplomas legais.

________________73 MAGALHÃES, Juraci Perez. Comentários ao código florestal. 2. ed. São Paulo: Juarez

de Oliveira, 2001. p. 53.

54

Assim, a regra é que as dunas e restingas não podem ser exploradas. Abre

uma exceção o art. 4o do Código Florestal para caso de utilidade pública ou

interesse social, ao determinar que:

a supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá serautorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamentecaracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quandoinexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto.

Portanto, reitera-se que tal fato é exceção à regra. Em princípio, não podem

ser realizadas construções e atividades sobre tais áreas.

Nestes termos, importante precedente da Corte Federal da 4a Região:

Administrativo. Legalidade de auto de infração. Multa. Execução de serviço deterraplanagem com movimentação de dunas em área de preservação permanente,sem licença do órgão ambiental competente. Obra de urbanização a 50 metros dalinha preamar máxima.

A Lei n° 4.771/65, artigo 2o, letra f, inclui como área de preservação permanente asformas de vegetação natural situadas em restingas, como fixadoras de dunas ouestabilizadoras de mangues. O art. 60 da Lei n° 9.985/00 revogou os arts. 5o e 6o daLei n° 4.771/65, mas manteve o art. 2o que categoriza as áreas de restinga como depreservação permanente. A lavratura de Auto de Infração n° 25857-D efetivou-sedentro das possibilidades fornecidas pela legislação ambiental, uma vez que nãoexiste um artigo específico que verse exclusivamente sobre a realização deterraplanagem em área de proteção ambiental. Apelação improvida74.

Outro ponto a ser destacado em relação ao disposto no Código Florestal é

que, por essa lei, não há necessidade de ato anterior do Poder Público declarando

como de preservação permanente as vegetações citadas no art. 2o da Lei. Na

verdade, elas assim são consideradas só pelo efeito da lei. Já nos termos do art. 3o,

é necessário ato do Poder Público para que sejam consideradas como de

preservação permanente. Todavia, no caso em estudo – dunas e restingas – o art.

2o estabelece como de preservação permanente “as restingas, como fixadoras de

dunas e estabilizadoras de mangues”. O art. 3o considera como de preservação

permanente, se declarado por ato do Poder Público, a vegetação destinada a fixar

dunas. Isso faz crer que este artigo trate apenas de outros tipos de vegetação

fixadora de dunas, que não as restingas, pois a proteção destas já está assegurada

pelo art. 2º. De qualquer maneira, já existe ato do Poder Público declarando essas

________________74 BRASIL, TRF 4a R., apelação em mandado de segurança 79841, processo

200272000012959/SC, Rel. Juíza Maria de Fátima Freitas Labarrére, DJU 30.10.2002, p. 1014.

55

áreas como de preservação permanente (Resolução CONAMA 303, de

20.03.2002).

Dessa forma, bem conclui Luis Carlos Silva de Moraes:

Tanto as alíneas d/h, do art. 2o, quanto todas as alíneas, do art. 3o (a/h), foramconcebidas no intuito de proteger o meio ambiente contra danos de difícilrecuperação. Preocupam-se em manter o terreno em condições estáveis. Certasáreas devem ser resguardadas do livre-arbítrio de seus proprietários por suaspeculiaridades. O espaço geológico deve ser preservado de maneira que apropriedade de uma pessoa não danifique a propriedade de outra; a liberdade de umtermina no começo da do outro.

Certas áreas devem ser policiadas para que não haja degradação não só em umapropriedade, mas também em toda a região75.

Além de todas estas disposições legais, existe também Projeto de Lei em

tramitação, de número 1.197, de 05.06.2003, atualmente sujeito à apreciação do

Plenário da Câmara dos Deputados. Esse projeto considera como espaços territo-

riais especialmente protegidos, constituindo áreas de proteção especial, as dunas

móveis ou ativas, as fixas ou semifixas, as fósseis ou eolianitos. De acordo com o

projeto, atividades que comprometam ou ameacem a sustentabilidade ambiental

serão proibidas nas regiões protegidas. O texto exige licença ambiental e

audiências públicas com as comunidades para construção de vias de transporte,

execução de projetos de uso do solo e extração de recursos minerais potencial-

mente causadores de impacto ambiental naquelas áreas.

Para quem descumprir essas determinações a proposta prevê tipo penal com

pena de detenção de um a quatro anos, aumentada de 50% se o crime for praticado

por funcionário público ou durante a noite. A mesma punição é prevista para o agente

político ou público que se omitir na adoção de medidas de conservação de dunas ou

falésias. No caso de empresa infratora, as penalidades previstas são: multa, suspensão

parcial ou total de atividades, interdição temporária do estabelecimento ou da obra e

proibição de contratar com o Poder Público. A empresa pode ser condenada ainda à

prestação de serviços à comunidade, como o custeio de programas ambientais,

execução de obras de recuperação de áreas degradadas, manutenção de espaços

públicos e contribuição a entidades ambientais ou culturais públicas.

________________75 MORAES, Luís Carlos Silva. Código florestal comentado. 3. ed. São Paulo: Atlas,

2002. p. 36.

56

Embora cause sérios danos ambientais, como já se viu, é comum, até mesmogerando ações judiciais, a construção de hotéis, estacionamentos ou outros estabe-lecimentos sobre dunas e sua vegetação, incluindo a restinga. A jurisprudênciatem também defendido a regularidade de embargo ou interdição de atividadesaplicadas por órgão ambiental em relação a obras que destroem a vegetação nativade restinga e dunas. Sobre isso, há ementa de julgado originário do TribunalRegional Federal da 4a Região:

Processual civil. Administrativo e ambiental. Área de praias e dunas. Estabeleci-mento comercial. Paralisação de atividades. Possibilidade.

I – É cabível a antecipação dos efeitos da tutela, em ação civil pública que visa àremoção de estabelecimento comercial construído em área de praias e dunas, zonade proteção permanente, propriedade da União e bem de uso comum do povo, paraque as suas atividades sejam paralisadas. Impede-se, dessa forma, que as operaçõesusuais continuem a causar danos ao meio ambiente, maiores do que os jáconstatados.

II – Em sendo a remoção do estabelecimento indevidamente construído o objeto dalide, não se mostra razoável, em agravo de instrumento, determinar-se a imediatademolição do estabelecimento, sob pena de tornar irreversível a medida anteci-patória76.

Além dessas disposições, impedir a regeneração da vegetação de dunas, bem

como promover a sua destruição ou danificação, é ato considerado crime

ambiental previsto no art. 50 da Lei 9.605, de 13.02.1998, que sujeita o infrator a

pena de 6 meses a 1 ano de prisão e multa77. Tal cominação penal demonstra a

importância da vegetação protetora de dunas, uma vez que sua destruição pode

acarretar conseqüências danosas ao meio ambiente. Por oportuno, o precedente de

condenação sobre tal infração:

Penal. Crime Ambiental. Construção irregular em área litorânea. Destruição devegetação fixadora de dunas. Dano. Tipificação. Arts. 50 e 64 da Lei 9.605/98. Art.163, III, do Código Penal. Descabimento. Rejeição da denúncia. Prescrição emabstrato.

1. O ato de construir um quiosque em área de dunas e restinga, considerada depreservação permanente, sem autorização dos órgãos ambientais competentes,

________________76 BRASIL. TRF, 4a Região, Agravo de Instrumento n° 20020401057782-5/RS, Rel. Des.

Fed. Valdemar Capeletti, j. 04.06.2003.77 Art. 50. Destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de

dunas, protetora de mangues, objeto de especial preservação: penas – detenção, de três meses a umano, e multa.

57

causando danos à vegetação do local, configura infração aos arts. 50 e 64 da Lei9.605/98. [...]78.

As dunas e restingas são também protegidas em algumas Constituições

Estaduais brasileiras, que, além disso, determinam sua condição de áreas de

preservação permanente: Constituição da Bahia, art. 215, IV; Constituição do

Espírito Santo, art. 196; Constituição do Maranhão, art. 241, IV, f; Constituição da

Paraíba, art. 227, IX; Constituição do Rio de Janeiro, art. 265, II e Constituição de

Sergipe, art. 233. Machado notou bem a importância da menção das dunas nas

Constituições estaduais, ao afirmar:

O fato de as dunas estarem mencionadas nas constituições Estaduais revela queesses Estados da Federação brasileira resolveram tentar proteger não só avegetação que fixa as dunas, como as próprias dunas. Não era missão dasConstituições referidas delimitar as dunas, pois essa tarefa é da lei ordinária,ressaltando-se que as Constituições da Bahia e de Sergipe mencionam claramenteessa tarefa79.

Além disso, há legislações estaduais que também protegem esses ecossiste-

mas. A Lei n° 6.950, de 20.08.1996, do Estado do Rio Grande do Norte, que

institui o Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro, determina, no art. 20, que as

dunas com ou sem cobertura vegetal são áreas de preservação, e inclui as restingas

nesse artigo.

Essas regiões podem também ser protegidas por lei municipal, que pode

considerar a sua área de incidência como Zona de Preservação Permanente, em

conformidade com o Plano Diretor, tal qual ocorre no Município de Florianópolis,

cuja legislação inclui esse preceito no art. 21, IV, do seu Plano Diretor.

Diante desse quadro, foi possível ver o quanto são importantes osecossistemas de dunas e restingas. Notou-se que as dunas não têm apenas funçãopaisagística, mas também grande função ambiental. A necessidade de sua preser-vação deve ser divulgada ao máximo, para que se possa evitar sua degradação.Cabe, então, aqui mencionar a interessante campanha realizada pelo Centro deCiências Tecnológicas da Terra e do Mar (CTTMar), da Universidade do Vale doItajaí (Univali), em Santa Catarina, com a elaboração de cartilhas que destacam a

________________78 BRASIL, TRF 4a Região, processo 200372080021513/SC, 8a T., Juiz Élcio Pinheiro de

Castro, DJU: 01.10.2003.79 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Estudos de direito ambiental. São Paulo:

Malheiros, 1994. p. 133.

58

importância das dunas, para distribuição nos mais diferentes ambientes litorâneosdo País. Segundo notícia,

Ela reúne informações técnicas e legais, sob o ponto de vista jurídico, para serdistribuída à população que freqüenta os ambientes litorâneos. "Essa cartilha devese constituir numa referência para que todos conheçam bem as características daspraias que visitam e, com isso, usufruam com segurança dos estados litorâneos".Além disso, segundo Diehl, "a cartilha é importante também para os órgãos degestão ambiental e planejamento territorial, como as Prefeituras Municipais, nadefinição de políticas sustentáveis de uso e ocupação da orla".

Nomeada "Nino e Tonho em: conhecendo as dunas", a cartilha define aimportância dos sistemas de dunas e sua vegetação característica. Com ela épossível saber qual a importância das dunas e da vegetação como anteparo para osavanços da maré e ressacas, estas últimas, eventos periódicos de máxima energia,muito freqüentes nas praias de Santa Catarina devido às característicasgeomorfológicas do litoral do Estado80.

Tais campanhas educativas devem ser destacadas, pois é pela educação que

se levará as gerações futuras a preocupar-se mais com o meio ambiente. Aliás, a

louvável iniciativa da Universidade Federal catarinense atende ao estabelecido no

art. 225, § 1o, VI, da Carta Magna, ou seja, à educação ambiental.

Por fim, vista a importância das dunas e da vegetação de restinga, é

necessário citar ensinamento de Miraci Samuel, que, de forma simples mas nem

por isso menos profunda, bem define a importância de preservar o litoral

brasileiro na sua forma original:

Praia a praia, loteamento a loteamento, continuamente vão eliminando os cômorosde areia e em breve, a paisagem do nosso litoral será a mais feia, monótona,desértica e sem vida de todo o mundo. Entretanto, alguns veranistas ficam bastantesatisfeitos e recompensados em entrar na água suja do mar e ficam embasbacadosmirando qualquer palacete como se fosse deles. Gostos não se discutem81.

________________80 Cartilha da Univali destaca a importância das dunas e sua vegetação. Jornal Eletrônico

Ambiente Brasil, Curitiba, 2003. Disponível em: www.ambientebrasil.com.br. Acesso em: 05 fev.2003.

81 SAMUEL, op. cit. p. 125.

4Praias

4.1Conceito, características, importância

FOTO 6 - PRAIA DO ARPOADOR, RIO DE JANEIRO/RJArquivo pessoal

Primeiramente, é importante deixar claro que, por tratar o presente trabalhode questões referentes ao litoral, quando aqui se falar em praia referir-se-á sempreàs marítimas. Isto deve ser mencionado para que não existam dúvidas, pois hátambém praias fluviais e lacustres.

Praia pode ser entendida como a região costeira em que as ondas trabalhamsobre os sedimentos, os quais são constituídos por partículas de areias, grossas efinas. A definição de praia pode ser também remetida às Institutas (2.1 § 3o),como terreno que o mar cobre nas suas maiores enchentes, ou Est autem litusmaris quaternuns hibernus fluctus maximus excurrit82. Há ainda definiçãofornecida por Antônio Teixeira Guerra:

Praia: depósito de areias acumuladas pelos agentes de transportes fluviais oumarinhos. As praias representam citas anfíbias de grão de quartzo, apresentandouma largura maior ou menor, em função da maré. Algumas vezes podem sertotalmente encobertas por ocasião das marés de sizígia. Quanto ao material quecompõe as praias, há um domínio quase absoluto dos grãos de quartzo, isto é, asareias83.

________________82 BEVILAQUA, Clovis. Teoria geral do direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Ministério da

Justiça, 1972. p. 214.83 GUERRA, Antônio Teixeira; GUERRA, Antônio José Teixeira. Novo dicionário

geológico-geomorfológico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. p. 503.

60

Para melhor esclarecimento, segundo relatório técnico realizado na Baixada

Santista/SP:

A praia, compreendendo a zona de arrebentação, é a região da costa onde as forçasdo mar reagem contra a terra. O sistema físico dentro dessa região é compostoprincipalmente do movimento do mar, que fornece energia ao sistema e à praiaque, então absorve essa energia. Devido à linha de praia corresponder a umainterseção entre o ar, a terra e a água, as interações físicas que ocorrem nesta regiãosão muito complexas, às vezes difíceis de serem descritas84.

As praias nem sempre se encontram expostas à ação do mar, pois algumas

vezes estão abrigadas em baías, estuários e lagunas. Quando expostas a essa ação,

sofrem maiores e mais rápidas evoluções nos seus perfis e alinhamentos. Os

processos litorâneos resultam da interação de diversos fenômenos que ocorrem

nessa zona. As praias podem ser erodidas, acrescidas ou podem permanecer

estáveis, dependendo dos sedimentos que chegam ou dela são removidos. Claro

que o acréscimo ou a erosão excessiva podem colocar em risco a integridade ou

utilidade da praia, acabando com seu equilíbrio. Por isso, conforme o mesmo

relatório técnico citado acima, “um objetivo comum dos projetos de engenharia

costeira é manter uma linha de praia estável, onde o volume de sedimento que

chega à praia é equilibrado com o volume que é removido da mesma”85.

Sua definição legal foi sempre necessária e importante para que esse bem

fosse devidamente delimitado, uma vez que diversas questões jurídicas sobre ele

podem surgir. Assim, foi a Lei Nacional de Gerenciamento Costeiro que finalmente

deu o conceito legal de praia nos termos do art. 10, § 3o: “[...] entende-se por praia a

área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa

subseqüente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos

até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece

um outro ecossistema”. Sua proteção é garantida pelo art. 3o, I, da mesma lei.

Quando não for possível a demarcação da praia, a solução será realizar

perícia segundo os parâmetros ditados pela Lei 7.661, de 16.05.1988. Assim, deve

________________84 Relatório técnico elaborado por SUGUIO, Kenitiro; FORNERIS, Liliana; ROSS,

Jurandyr Luciano Sanches; SOUZA, Odair José de; NOVELLI, Yara Schaeffer (Coord.). Asareias da baixada santista e os impactos causados por sua remoção. Santos, p. 8. Trabalho nãopublicado.

85 SUGUIO; FORNERIS; ROSS; SOUZA; NOVELLI, op. cit., p. 8.

61

o Poder Público evitar a invasão, a privatização ou o desvio de finalidade desse

bem, que não está previamente delimitado.

Pela conceituação dada a praia, entende-se que ela não se confunde com

terreno de marinha, nem mesmo pelos regimes jurídicos a que está sujeita.

Quanto a sua importância, primeiramente tem-se de levar em conta o lazer

por ela proporcionado. A maioria das pessoas no País utilizam-na como forma de

diversão, tanto para o banho de mar quanto para práticas esportivas e sociais.

Tem também grande importância paisagística. Boa parte da população que

habita em cidades litorâneas vive em imóveis voltados para a praia, devido a sua

beleza natural; o mesmo se dá com os que possuem imóveis na zona costeira para

fins de veraneio. Por tal motivo, os terrenos que se encontram de frente para o mar

possuem valor mais elevado para compra e aluguel. Portanto, do ponto de vista

econômico, é importante que a praia se mantenha com suas características naturais

e preservada, ambientalmente falando.

Outrossim, sendo direto o contato do mar com a praia, esta poderá afetar e

ser afetada pelas águas marinhas. O art. 1o da Convenção das Nações Unidas

sobre o Direito do Mar, assinada em Montego Bay, que entrou em vigor no Brasil

pelo Decreto 1.530, de 10.12.1982, assinala que, para os efeitos dessa Convenção,

Poluição do meio marinho significa a introdução pelo homem, direta ou indireta-mente, de substâncias ou de energia no meio marinho, incluindo os estuários,sempre que a mesma provoque ou possa vir a provocar efeitos nocivos, tais comodanos aos recursos vivos e à vida marinha, riscos à saúde do homem, entrave àsatividades marítimas, incluindo a pesca e as outras utilizações legítimas do mar,alteração da qualidade da água do mar, no que se refere à sua utilização edeterioração dos locais de recreio.

Como alerta Robson José Calixto, “a principal fonte de poluição marinha

está principalmente, baseada em terra e relacionada com a ação antrópica”86. O

doutrinador demonstra também que as fontes terrestres são responsáveis por 44%

da poluição do mar. Por fontes terrestres de poluição entendam-se as atividades

sócio-econômicas cujo lixo produzido − que inclui tanto o depositado pelos vera-

nistas, quanto o esgoto sanitário e os sedimentos e nutrientes − não tem nem trata-

mento nem destino controlado.

________________86 CALIXTO, Robson José. Poluição marinha: origens e gestão. Brasília: Ambiental,

2000. p. 25.

62

Certamente em razão de tais fatores, caiu a qualidade das praias no Estado

de São Paulo no ano de 2003, como mostra esta notícia de jornal:

Os índices de balneabilidade de todas as praias paulistas pioraram em relação a2002 [...] segundo o relatório, 48% das praias paulistas permaneceram própriaspara banho no ano passado, isto é, receberam classificação ótima ou boa durante os12 meses de 2003. Nas demais (52%), ocorreu durante o ano pelo menos umepisódio de impropriedade (classificação regular ou má)87.

Não só o crescimento do turismo, com conseqüente especulação imobiliáriae o lixo produzido pelos veranistas são causa de degradação do ambiente praiano emarinho, mas também as construções (marinas, barragens, portos), a expansãourbana, instalações industriais, obras de recreação e turismo (muitas vezes realiza-das na própria praia), mineração costeira (retirada de areia), construção de centrosde pesquisa, bem como os bares e restaurantes erigidos sobre as areias.

Vale aqui citar o ensinamento de Cintia Maria Afonso:

[...] são de grande importância na zona costeira a recreação e o lazer associados àspraias. É também sabido que, em sua grande maioria, os municípios da zonacosteira são desprovidos de sistemas adequados para coleta e disposição final dosefluentes líquidos produzidos por seus habitantes/ocupantes. A inexistência dessessistemas tem como conseqüência o lançamento direto ou indireto dos esgotos innatura nos cursos d'água mais próximos. Como a drenagem desses cursos se fazobrigatoriamente em direção ao mar, os esgotos acabam por afluir às praias,interferindo de forma acentuada na balneabilidade destas88.

Em suma, a poluição das praias gera problemas não só em termos de meio

ambiente natural − como a poluição do mar e o comprometimento de sua balnea-

bilidade −, mas também sociais, ou socioambientais, e atinge inclusive os

pescadores. Não são raras na imprensa notícias de situações graves por que

passam os que vivem da pesca e em razão de poluição marítima se vêem privados

de seu sustento.

A falta de cuidado do Poder Público com as praias fica, por vezes, evidente.

Há dez anos foi lançado o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara/RJ,

local de grande relevância ambiental, tendo em vista ser formado por 138,2 km2

de manguezal. O ano de 2003 era o prazo marcado para que a pesca nas águas

aumentasse em 100%, que a renda das cinco colônias de pescadores que vivem

em suas margens superasse US$ 390 mil por ano e que os preços dos terrenos de

________________87 SIQUEIRA, Fausto. Qualidade das praias de SP piora em 2003. Folha de S. Paulo,

7 abr. 2004. Cotidiano, p. C3.

63

sua orla também subissem, com altas de 8% a 24%. As metas não foram atingidas,

frustrando-se as expectativas.

FOTO 7 - BALNEÁRIO ATLÂNTIDA, MUNICÍPIO DE XANGRI-LÁ/RS. Demonstração do descuidocom as praias: carros estacionados em plena faixa de areia. Arquivo pessoal.

A falta de cuidado com a praia, bem ambiental tão importante, não se

verifica apenas em nosso país. No Compêndio de Sumários de Decisões

Judiciais em Casos Relacionados ao Meio Ambiente, editado pela UNEP

(United Nations Environment Programme)89 quando do simpósio de juízes

realizado na África, em Johannesburg, de 18 a 20 de agosto de 2002, há registro

de casos de grande interesse, como o ocorrido em Chanaral, no Chile, em que a

poluição causada por uma indústria foi tão alta que causou a completa destruição

da zona costeira da cidade:

Chanaral é uma pequena cidade a 2.000 km de Santiago, Chile. Por 50 anos umacompanhia de mineração depositou seus resíduos de aparas de cobre diretamentenas praias de Chanaral, destruindo qualquer traço de vida marinha na área. De 1939a 1974, 200 milhões de toneladas de resíduos foram despejados na baía deChanaral, criando um litoral artificial biologicamente morto. Esta poluição afetoumais de 15 milhas da zona costeira e os mais ricos recursos do oceano, matandotodas as formas de vida animal e vegetal e todo o potencial de desenvolvimento ecrescimento da comunidade portuária de Chanaral. O dano às praias de Chanaralfoi irreversível. Uma pesquisa do UNEP listou Chanaral como um dos casos maissérios de poluição no Oceano Pacífico (tradução nossa)90.

88 AFONSO, op. cit., p. 117.89 Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas.90 Chanaral is a small town 2.000 kilometers of Santiago, Chile. For fifty years, a mining

company deposited its copper tailing wastes directly on to the beaches of Chanaral, destroying anytrace of marine life in the area. From 1939 to 1974, 200 million tons of waste were dumped into

64

O caso foi submetido à apreciação da Suprema Corte do Chile, que

determinou não só o fim das atividades que estavam destruindo o meio ambiente

marinho, dando para isso o prazo de um ano a contar da data da decisão, como

também que a empresa reconstruísse um dispositivo para eliminar seu lixo.

Entretanto, mesmo diante de evidente panorama de descuido com nossas

praias, algumas boas iniciativas têm sido tomadas. Em setembro de 2003 o Estado

da Paraíba participou de uma campanha de limpeza de praias realizada pela Área

de Proteção Ambiental da Barra do Rio Mamanguape, que para isso mobilizou

400 voluntários distribuídos em onze praias daquele litoral. Segundo a

reportagem,

A Campanha do Dia Mundial de Limpeza de Praias (International CoastalCleanup) é o maior esforço de limpeza do ambiente marinho em todo o mundo,realizado anualmente desde 1989. Os objetivos são remover o lixo das regiõescosteiras, praias e canais dos oceanos, rios e lagos do mundo; coletar informaçãovaliosa sobre a quantidade e qualidade deste lixo; educar as pessoas em relação aodescarte de lixo no ambiente marinho. E também usar a informação obtida parapromover mudanças positivas visando a redução da poluição e a conservação doambiente marinho91.

Na cidade do Rio de Janeiro/RJ, pelo Decreto Municipal n° 20.225, de

13.07.2001, foi previsto pagamento de multa para quem depositar lixo na praia

fora dos locais apropriados. Também poderá ser conduzido à delegacia quem

permanecer com animais na areia. Fazer churrasco, acampar e retirar ou danificar

a vegetação, principalmente a restinga, típica de praias, também foi proibido. A

instalação de chuveiros passou a ser autorizada desde que obedecidas as

determinações da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, que obriga seja feita a

ligação na rede de abastecimento de água.

the Bay of Chanaral, creating a biologically dead artificial shore. This pollution affected more thanfifteen miles of coastal zone and the richest resources of the ocean, killing all forms of animal andplant life and all potential for development and growth of the Chanaral port community. The harmto the beaches of Chanaral was irreversible. A 1983 UNEP survey listed Chanaral as one of themost serious pollution cases in the Pacific Ocean. UNEP. UNEP (United Nations EnvironmentProgramme). Compendium of summaries of judicial decisions in environment related cases.Policy Series 4. In: GLOBAL JUDGES SYMPOSIUM ON SUSTAINABLE DEVELOPMENTAND THE ROLE OF LAW, 2002, Johannesburg. Johannesburg: Division of Policy Developmentand Law, 2002, p. 59. Suprema Corte do Chile. Pedro Flores e outros v. Corporación Del Cobre,Codelco, Division Salvador. ROL. 12.753, 1988.

91 PARAÍBA participa de evento internacional de limpeza de praias. Jornal EletrônicoAmbiente Brasil, Curitiba, 2003. Disponível em: www.ambientebrasil.com.br. Acesso em: 02 set.2003.

65

Um último e interessante exemplo é o programa “Jogue Limpo”, de

educação ambiental, realizado há 16 anos no litoral paranaense. O projeto tem

como intuito educar os banhistas para a importância de não jogar lixo nas praias e

de separar os materiais orgânicos recicláveis. Foi animadora a pesquisa realizada

pelo Ecoplan, que demonstrou que 100% dos entrevistados apóiam o programa e a

realização de iniciativas na área ambiental, conforme notícia em jornal eletrônico:

Outro dado interessante é que 69% (138 pessoas) reciclam o lixo quando estão naareia da praia. Deste mesmo universo de pessoas, apenas 58% (116) reciclam o lixoquando estão em casa. "O dado demonstra que a reciclagem na areia da praia, emum momento de lazer, é mais assimilada pela população do que durante seu dia-a-dia", conclui Padilha. Para ele, isso comprova que o trabalho de educaçãoambiental realizado pelo projeto ao longo dos anos obteve resultados concretos92.

4.2Praia como bem público de uso comum do povo

Tema complexo e pouco discutido é o da natureza jurídica das praias, a

quem pertencem, qual seu regime de uso, como podem ser utilizadas e de que

forma é feito o acesso a elas. O estudo passa, necessária ainda que brevemente,

pelos bens públicos e o regime jurídico a eles aplicado pela legislação brasileira.

A propósito, urge definir o que vem a ser bem, e para isso ninguém melhor que

Washington de Barros Monteiro:

[...] juridicamente falando, bens são valores materiais ou imateriais, que podem serobjeto de uma relação de direito. O vocábulo, que é amplo no seu significado,abrange coisas corpóreas e incorpóreas, coisas materiais ou imponderáveis, fatos eabstenções humanas93.

Em nosso Direito existem basicamente dois tipos de bens, quais sejam, os

públicos e os particulares, conforme disposto no Código Civil, art. 98 (antigo

artigo 65, no Código de 1916). Conforme a atual legislação civil, bens públicos

são aqueles de propriedade das pessoas jurídicas de direito público interno (União,

________________92 PESQUISA revela que 100% dos banhistas aprovam programa Jogue Limpo. Jornal

Eletrônico Ambiente Brasil, Curitiba, 2003. Disponível em: www.ambientebrasil.com.br. Acessoem: 07 fev. 2004.

93 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 23. ed. São Paulo: Saraiva,1984. v. 1, p. 135.

66

Estados, Municípios e Distrito Federal), os quais são de domínio nacional. Os

particulares são todos os restantes, que fazem parte do domínio particular,

independentemente da pessoa a que pertençam.

O que interessa no momento são os bens públicos, que, conforme distingue

Odete Medauar,

[...] têm importância pelo que representam em termos de riqueza pública,integrando patrimônio ao Estado, por serem meios de que dispõe a Administraçãopara atendimento de seus fins e por serem elementos fundamentais na vida dosindivíduos em coletividade. Muitos bens públicos revestem-se de grande relevo emmatéria ambiental94.

Na ótica de Celso Antônio Bandeira de Mello,

[...] são todos os bens que pertencem às pessoas jurídicas de Direito Público, isto é,União, Estados, Distrito Federal, Municípios, respectivas autarquias e fundações deDireito Público (estas últimas, aliás, não passam de autarquias designadas pela baseestrutural que possuem), bem como os que, embora não pertencentes a tais pessoas,estejam afetados à prestação de um serviço público. O conjunto dos bens públicosforma o ‘domínio público’, que inclui tanto bens imóveis como móveis 95.

Os bens públicos formam o patrimônio público e são do interesse da

Administração ou da comunidade em geral. Ressalva-se o fato de que tais bens

devem servir como meios de atendimento a interesses públicos, sejam estes

mediatos ou imediatos, e ter destinação específica para finalidades determinadas.

Com propriedade, Mário Masagão analisa a questão dos bens públicos:

Em nossa opinião, só há dois característicos próprios dos bens públicos: a)pertencem às pessoas jurídicas do direito público interno; b) estão sujeitos a regimeespecial, oriundos das normas do direito público.

Quanto ao primeiro característico, observe-se que o pertencerem ao Estado nãoimplica em serem todos os bens públicos objeto de direito pessoal ou real nosentido das leis civis. Muitos desses bens pertencem-lhe no sentido de que são porele administrados, no interesse coletivo96.

Ainda a esse respeito veja-se o que diz Odete Medauar:

Os bens públicos têm titulares, mas os direitos e deveres daí resultantes, exercidospela Administração, não decorrem do direito de propriedade no sentido tradicional.

________________94 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 2. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1998., p. 255.95 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo. 10. ed. São Paulo:

Malheiros, 1998. p. 566.96 MASAGÃO, Mário. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1974. p. 130.

67

Trata-se de um vínculo específico, de natureza administrativa, que permite e impõeao poder público, titular do bem, assegurar a continuidade e regularidade da suadestinação, contra quaisquer ingerências.97.

Os bens públicos em nosso país podem ser federais, estaduais ou municipais,

de acordo com a entidade a que pertencem. De qualquer forma, segundo Hely

Lopes Meirelles98, todos são nacionais, pois integram o patrimônio da Nação. Estão

também sujeitos a regime especial oriundo das normas de direito público.

Os bens públicos em nossa atual Constituição encontram-se enumerados nos

artigos 20 (bens da União) e 26 (bens dos Estados). As praias marítimas foram

incluídas no rol de bens da União pela primeira vez no art. 20, IV, quando então

passaram para o domínio federal. Portanto as praias marítimas são bens públicos

federais.

O mencionado art. 20 da Constituição, entretanto, mesmo relacionando os

bens públicos, não se refere em momento algum ao regime jurídico que deve ser

aplicado a cada um, o que, aliás, nem caberia à Carta Magna, uma vez que não é

sua função prever todos os tipos de situações jurídicas. A simples leitura do art. 20

não esclarece qual é o tipo de domínio exercido pela União sobre quais bens, ou

seja, não se sabe se são bens de uso comum, dominicais ou de uso especial. Há

sim, em cada um dos incisos, uma mistura de bens, cada qual com um regime

diverso. A questão é bem analisada por Rufino:

[...] também no inciso IV do art. 20, as praias marítimas estão em conjunto com asilhas fluviais, oceânicas e costeiras. Mas ao passo em que não se põe dúvida quantoa que as praias pertençam ao domínio público, a possibilidade de extensão de talclassificação às ilhas de qualquer natureza, não é tão evidente99.

Da leitura do art. 20, a conclusão a que se chega é que os bens citados dizem

respeito apenas à sua titularidade, sem a mínima distinção do tipo de regime jurí-

dico de cada um, nem da sua forma de utilização. Devido a essa omissão, o tipo de

domínio exercido sobre tais bens deve ser buscado em sua natureza, em seu uso e

destinação, de forma a garantir seu uso em proveito da coletividade. Por fim, o

tipo de direito exercido sobre tais bens e sua titularidade será definido em lei.

________________97 MEDAUAR, op. cit., p. 258.98 MEIRELLES. Direito administrativo brasileiro. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

p. 470.

68

Em nosso país, a primeira classificação dos bens públicos foi feita pelo

Código Civil de 1916, no art. 66 (artigo 99 do Código de 2002). Nela, eles são

divididos, de acordo com sua destinação, em: bens de uso comum, de uso especial

e dominicais, portanto considerados conforme a natureza do direito exercido sobre

eles pelos titulares.

Os de uso especial são os destinados exclusivamente à execução de serviços

públicos, aqueles considerados instrumentos desses serviços, isto é, o local onde se

realiza a atividade pública ou onde o serviço público está à disposição dos

administrados. Mário Masagão afirma que “os bens públicos de uso especial são de

propriedade da União, do Estado ou do Município, mas estão destinados ou

adstritos a algum serviço público, o que os torna indisponíveis enquanto durar a

destinação”100. Já Sílvio de Salvo Venosa diferencia-os dos bens de uso comum,

afirmando que “estes bens distinguem-se dos anteriores, porque o Poder Público

não tem apenas a titularidade, mas também sua utilização. Seu uso pelos particu-

lares é regulamentado, e a Administração tanto pode permitir que os interessados

ingressem em suas dependências, como proibir”101. Como exemplos têm-se os

edifícios das repartições públicas e os veículos da Administração, bens esses com

finalidade pública permanente, também chamados bens patrimoniais indisponíveis.

Os dominicais são bens do patrimônio disponível da Administração.

Embora integrem o domínio público, podem ser utilizados para qualquer fim ou

mesmo ser alienados pela Administração. Por serem objeto de direito real, a

Administração tem sobre eles poderes de proprietário. Sobre esses bens, observa

com propriedade Bandeira de Mello:

[...] são os próprios do Estado como objeto de direito real, não aplicados nem aouso comum, nem ao uso especial, tais os terrenos ou terras em geral, sobre os quaistem senhoria, à moda de qualquer proprietário, ou que, do mesmo modo, lheassistam em conta de direito pessoal102.

Neste capítulo, entretanto, o interesse maior recai sobre os bens de uso

comum do povo, aqueles abertos a toda a comunidade, em igualdade de condições

99 RUFINO, Gilberto D’Ávila. Regime jurídico dos bens públicos litorâneos. Anais do

curso de Direito Ambiental – IBAMA e Universidade Livre do Meio Ambiente, Curitiba, v. 0,p. 90-96, 1995.

100 MASAGÃO, op. cit., p. 133.101 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

v. 1., p. 340-341. 102 MELLO, op. cit., p. 566-567.

69

e sem exigência do consentimento da Administração. Qualquer pessoa pode deles

fazer uso, concorrendo igualitariamente com os demais. Destinados a fins públi-

cos (afetados) por sua própria natureza ou por determinação legal, são

insuscetíveis de apropriação privada. Como observa Sérgio Sérvulo da Cunha, “o

uso comum do povo constitui restrição ao direito de propriedade”103. Não é outro

o entendimento de Meirelles:

Esse uso comum não exige qualquer qualificação ou consentimento especial, nemadmite freqüência limitada ou remunerada, pois isto importaria atentado ao direitosubjetivo público do indivíduo de fruir os bens de uso comum do povo semqualquer limitação individual. Para esse uso só se admitem regulamentações geraisde ordem pública, preservadoras da segurança, da higiene, da saúde, da moral e dosbons costumes, sem particularizações de pessoas ou categorias sociais104.

Esses bens, em geral gratuitos (eventualmente podem ser retribuídos), sãosujeitos ao poder de polícia do Estado por meio de regulamentação, fiscalização eaplicação de medidas coercitivas, com o objetivo de conservação da coisa públicae proteção do usuário. Assim dispõe o art. 103 do Código Civil: “o uso comumdos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecidolegalmente pela entidade a cuja administração pertencerem”. Segundo MariaSylvia Zanella di Pietro:

[...] o administrado frente ao bem afetado a uso comum do povo, pode estar emduas posições como membro da coletividade, participando do interesse coletivo,preservando o uso comum; individualmente considerado, como usuário do bem,sendo titular do direito subjetivo público, defensável nas vias administrativa ejudicial105.

Na visão de Marcelo Caetano, “enquanto forem o que são e como são, hãode estar necessariamente ao serviço da coletividade”106. E continua, em afirmaçãoque cabe perfeitamente no caso das praias:

[...] todos estes bens possuem utilidade pública inerente à sua existência eutilização. E por isso não se concebe que sejam objeto de propriedade privada e

________________103CUNHA, Sérgio Sérvulo. Município: poder de polícia sobre a zona costeira. Revista de

Informação Legislativa, Brasília, n. 115, p. 296, jul./set. 1992.104 MEIRELLES, op. cit., p. 473.105 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas,

2001. p. 547-548.106 CAETANO, Marcelo. Princípios fundamentais do direito administrativo. Rio de

Janeiro: Forense, 1989 p. 412.

70

devem estar sob o domínio de entidades públicas e num regime em que sejapermitido que cumpram o seu destino107.

O art. 99, I, do Código Civil relaciona alguns bens de uso comum do povo:rios, mares, estradas, ruas e praças. Vê-se que a praia, embora não se encontreexplicitada nesse dispositivo, tem a mesma natureza. Em primeiro lugar, essaenumeração é apenas exemplificativa, conclusão a que se chega primeiramentepela expressão utilizada “tais como”; significando portanto que não é exaustiva.Além disso, diversos bens vêm sendo constantemente incorporados ao patrimôniopúblico através de lei. É também essa a opinião de Washington de BarrosMonteiro, como se vê:

[...] os bens de uso comum, acessíveis a todos, acham-se especificados no art. 66,n° I. São os mares territoriais (inclusive golfos, baías e enseadas, rios, estradas,ruas e praças). Não se perca de vista que a enumeração é meramenteexemplificativa, tanto que são também do domínio público todos os animais evegetais que se encontram nas águas dominiais108.

Ademais, o fato de estarem “os mares” inseridos na enumeração do Código

Civil, torna possível a inclusão das praias no mesmo rol. Nessa linha, afirma Caio

Tácito que “a noção do domínio hídrico alcança, por abrangência, o litoral sobre

que se desenvolve o movimento das marés”109. Não é diferente a afirmação de

Rufino quando observa que, sendo os mares bens públicos de uso comum do povo,

nos termos do Código Civil, e estando contidas nessa palavra as praias, o leito ou o

fundo do mar, as praias também estarão sujeitas ao mesmo regime de bens: “[...]

verifica-se, portanto, que a inclusão das praias no domínio público marítimo decorre

serem consideradas no direito pátrio como leito do próprio mar”110.

Na verdade nunca houve para os doutrinadores dúvida sobre a inclusão das

praias entre os bens públicos de uso comum do povo, apesar de não se

encontrarem especificadas no Código Civil. Aliás, tal dúvida não poderia mesmo

surgir, já que desde há muito existe essa concepção: a Ordem Régia de 1678 já

consagrava o princípio jurídico de que todas as áreas justamarítimas onde se

verificar a ação poderosa do mar pertencem ao uso comum do povo; a Ordem

________________107 Ibid., p. 413.108 MONTEIRO, op. cit., p. 153.109 TÁCITO, Caio. Temas de direito público: estudos e pareceres. São Paulo: Renovar,

2002. v. 2, p. 1738. 110 RUFINO, Gilberto D’Ávila. A condição jurídica dos aterros das praias do mar. Revista

de Direito Público, São Paulo, n° 97, p. 243, jan./mar. 1991.

71

Régia de 10.01.1732 enunciava que as praias pertenciam ao domínio público

marítimo, o que as tornava inapropriáveis.

Ademais, mesmo omissa a Constituição de 1988 em relação às praias, tal

regime já havia sido estabelecido pela Lei de Gerenciamento Costeiro nos termos

do art. 10, caput, da Lei 7.661, de 16.05.1988:

as praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre,livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados ostrechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreasprotegidas por legislação específica [grifo nosso].

Posteriormente, a Lei n° 9.636, de 15.05.1998, também reconheceu essa

natureza das praias, mesmo que de forma indireta: “art. 4o, § 1o - na elaboração e

execução dos projetos de que trata este artigo, serão sempre respeitados a

preservação e o livre acesso às praias marítimas, fluviais e lacustres e a outras

áreas de uso comum do povo”.

Dessa forma, sendo a praia bem público de uso comum do povo, é livre sua

utilização por todos indistintamente. Ademais, sendo afetada ao patrimônio públi-

co, somente poderá ser apropriada por terceiro em caso de desafetação, conforme

ensinamento de Machado:

Há uma afetação constitucional da praia como bem público da União. Essadesafetação só poderá ser feita expressamente por uma emenda à ConstituiçãoFederal; e, assim, nenhuma lei federal, nenhuma Constituição Estadual, lei esta-dual, lei orgânica do Município, lei municipal, poderá mudar, parcial ou total-mente, o destino ou a função de uma praia111.

Dessa forma, a inalienabilidade (extracomercialidade) é uma típica caracte-

rística dos bens de domínio público. Além dela, existe também a afetação ao uso

público como elemento essencial, e isso quer dizer que o Estado não pode de

modo algum alienar esses bens sem lei que o permita. Aliás, essa mesma lei só

pode permitir o desnaturando por meio de desafetação. Essa inalienabilidade

decorre justamente de serem tais bens inapropriáveis.

________________111 MACHADO, Direito ambiental brasileiro, p. 855.

72

FOTO 8 - PRAIA DO ARPOADOR, NO RIO DE JANEIRO/RJ.Foto que demonstra ser a praia bem público de uso comum do povo.

Arquivo pessoal

Todavia, a realidade mostra casos em que proprietários dificultam o acesso

às praias, como ocorre quando residências particulares são construídas em

terrenos limítrofes a elas. Em tal situação, a solução, por vezes, poderá ser a

instituição de uma servidão de passagem, desapropriando-se a área para que a

população tenha assegurado seu acesso ao mar.

Outra situação é a construção de condomínios particulares e fechados na

beira da praia, aos quais somente tem acesso quem for proprietário de imóvel

localizado em seu interior. Conseqüentemente, só esses mesmos proprietários é

que podem freqüentar a praia, também cercada pelo condomínio, o que a torna

privativa de um grupo restrito.

As praias devem ser de uso comum da população. A prática de privatizá-las,

agora agravada e justificada pela falta de segurança, vai de encontro ao disposto

na Constituição, não só pela existência dos condomínios particulares, mas também

pela construção de áreas esportivas de clubes, bares e restaurantes. Segundo

ensina Caio Tácito,

Não há, em nossa tradição jurídica, como no tratamento legal, sombra de dúvidaque as praias são de livre disposição a qualquer do povo, não se podendo sobre elasconstituir seja domínio especial da União, seja – e menos ainda – domínio privado.

Livre é, a toda evidência, o acesso às praias pelos caminhos do mar ou pelo trânsitodesembaraçado por toda a orla do litoral, no sentido horizontal às águas, salvo os

73

obstáculos da natureza, ou, quando for o caso, pela via pública confinante com apraia112.

Aliás, o § 1o do art. 10 da Lei 7.661, de 16.05.1988, dispõe que: “não será

permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na Zona Costeira

que impeça ou dificulte o acesso garantido no caput desse artigo”. Essa norma

apresenta efeitos concretos e imediatos. Assim, fica claro que construção de

loteamentos na beira da praia e o conseqüente impedimento de acesso do público

é conduta contrária à lei, que pode e deve ser coibida.

Rufino manifesta-se nesse sentido ao referir-se à efetividade desta norma

legal:

Dois raciocínios promanam desse dispositivo. Primeiramente, o fato de dizer-seque o acesso é assegurado significa que o livre e franco acesso às praias, não setrata de mero princípio programático, mas de preceito imperativo que protege odireito subjetivo de todo cidadão ao uso comum da orla. Em segundo lugar, se deacordo com o §1o toda nova atividade exercida a partir da vigência da lei recai sobseu império, então a ausência de regulamento não favorece as urbanizações ouutilizações capazes de obstar o direito de livre acesso à orla 113.

O § 2o do art. 10 da Lei 7.661, de 16.05.1988, determina que as

características e as modalidades de acesso que garantam o uso público das praias e

do mar devem ser previstas em sua regulamentação. Entretanto, apesar de antiga,

a lei ainda não foi regulamentada e isso pode levar a supor que o preceito relativo

ao livre e franco acesso às praias possa ser inaplicável. Não é bem assim. Pode-se

perfeitamente, aqui, invocar preceitos constitucionais como o do art. 225, caput,

combinado com o art. 5o da Carta Magna, pois é justamente no fato de ser possível

fruir em liberdade dos bens ambientais, que o direito do acesso se realiza

concretamente. Além disso, há ainda o já mencionado art. 10 e seus parágrafos da

Lei de Gerenciamento Costeiro.

Dessa forma, nada adiantaria a Constituição e a lei ordinária de Gerencia-

mento Costeiro estabelecerem que a praia é bem público de uso comum do povo,

se seu uso e acesso pudessem ser dificultados.

Existem atualmente diversas ações judiciais em que se discute a matéria,

geralmente em regiões de turismo. Na comarca de Guarujá, litoral paulista, o

Ministério Público Estadual ingressou com ação civil pública, com pedido de

________________112 TÁCITO, op. cit., p. 1740.113 RUFINO, Regime Jurídico dos bens públicos litorâneos, p. 90-96.

74

liminar para que a ré se abstivesse de impedir ou dificultar o acesso do público à

Prainha Branca, local onde foi construído um loteamento. O juiz de primeira

instância deferiu o pedido de liminar para que a ré cessasse imediatamente

qualquer conduta que impedisse ou dificultasse o acesso do público ao loteamento

e se abstivesse de qualquer identificação prévia ou outra forma de constran-

gimento, a fim de deixar livre o acesso à praia. Determinou se retirasse cancela,

corrente, guarita ou qualquer outro obstáculo impeditivo da entrada e que a ré

garantisse de alguma forma o acesso de todos à areia e à água do mar,

providenciando a passagem114.

A decisão foi devidamente fundamentada no art. 20, IV, da Constituição

Federal; art. 66, I, do Código Civil de 1916; art.10, caput e § 1o, e art. 6o da Lei

7.661, de 16.05.1988. Em sua decisão, afirma o juiz:

a pretensão da ré em fechar ou controlar a passagem em via pública que serve deúnico acesso à praia não pode ser admitida perante a lei, vulnerando em cheio osprincípios constitucionais da isonomia (art. 5o, caput), da legalidade, da liberdadede ação (art. 5o, II) e o da liberdade de locomoção e de circulação (art. 5o, XV).

O Supremo Tribunal Federal, em fato semelhante, chegou a igual conclusão.

No caso, o Prefeito Municipal de Ubatuba/SP mandou retirar algumas correntes

que impediam o acesso do público em geral ao trecho da estrada de rodagem à

Praia do Lázaro. Os recorrentes alegavam a ilegalidade do ato do prefeito. O

acórdão do STF prestigiou a decisão do Chefe do Executivo local:

[...] objetiva assegurar outros direitos constitucionalmente garantidos, como aliberdade de ir e vir, a utilização dos bens públicos ou de uso comum do provo, etc.A prevalecer a pretensão dos impetrantes, esses outros direitos fundamentais detodos ou da coletividade, haveriam de subordinar-se aos daqueles poucos, emcompreensão ampliada e distorcida do direito de propriedade. Ao invés de sereconhecer a este, pela asseguração e uso individual sem dano social, antescompatibilizando-se com a função social que se reconhece, estar-se-ia a subordiná-lo ao critério pessoal dos indivíduos, em exacerbação que voltaria aos temposremotos do absoluto ius utendi, fruendi et abutendi, incompatível com a modernaconcepção, constitucionalmente fixada no art. 160, III da CF115.

É certo que são constitucionalmente assegurados a inviolabilidade do

domicílio e o direito de propriedade. Entretanto um bem público de uso comum

________________114 BRASIL. Guarujá. 1a Vara. Processo. n° 11046/96. Juiz de Direito Mauro Ruiz Daró.

Revista de Direito Ambiental, n. 5. Revista dos Tribunais: 1997, p. 155-156.

75

do povo não é passível de ser privatizado, pois há uma limitação ao direito de

propriedade, que já não é absoluto como outrora, tendo em vista reconhecimento

expresso de sua função social em nossa Constituição, nos arts. 5o, XXIII; 170,

III116. Entretanto se um loteamento é construído legalmente junto à areia de uma

praia, em terreno particular, certamente as casas aí erigidas serão propriedades

particulares e o direito dos moradores será devidamente respeitado. A propósito,

Luiz Edson Fachin define o que vem a ser a função social da propriedade:

A função social da propriedade corresponde a limitações fixadas no interessepúblico e tem por finalidade instituir um conceito dinâmico de propriedade emsubstituição ao conceito estático, representando uma projeção da reaçãoantiindividualista. O fundamento da função social da propriedade é eliminar dapropriedade privada o que há de eliminável117.

Portanto é permitida a construção de residências em longa área de terrenos

limítrofes com a praia, mas é essencial que haja passagens reservadas da rua para

a praia, pelo simples fato de que os direitos reais suportam limitações administra-

tivas quando devem atender a interesse público determinado por lei.

Uma das figuras que limita a propriedade é a servidão. Veja-se o que diz

Lúcia Valle Figueiredo a propósito dessa questão: “[...] conceituamos como

servidão administrativa o ônus real imposto à propriedade, consistente no dever de

suportar pelo proprietário, tendo em vista interesse público a ser implemen-

tado”118. Deve-se levar em consideração que o livre acesso a um bem público de

uso comum – no caso, a praia – é assegurado pela legislação brasileira. Assim,

quando necessário, o Poder Público deverá constituir por ato específico a corres-

pondente servidão administrativa, assegurando o acesso de todos ao referido bem

de uso comum. Ajusta-se perfeitamente a essa conclusão a respeitada doutrina de

Caio Tácito:

115 BRASIL, STF, RE 94.253 – Praia Vila Formosa Ltda x Prefeitura Municipal da Estância

Balneária de Ubatuba, SP, 1a Turma, Rel. Min. Oscar Corrêa, j. 12.11.82.116 Art. 5o – Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, garantindo-

se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, àliberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXIII – a propriedadeatenderá a sua função social. Art. 170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalhohumano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditamesda justiça social, observados os seguintes princípios: III – função social da propriedade.

117 FACHIN, Luiz Edson. A função social da posse e a propriedade contemporânea.Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 19.

118 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 6. ed. São Paulo:Malheiros, 2003. p. 304.

76

[...] se socorrem os paladinos da hermenêutica de que ao particular é vedado, porqualquer forma, impedir a passagem de quantos demandem as praias mediantetravessia desembaraçada e livre da propriedade privada, alodial ou foreira.

A chamada “privatização das praias”, intolerável a juízo da Capitania dos Portos,na espécie da consulta, exprime essa concepção, limitando a propriedade privada, atítulo de sujeitá-la a uma servidão administrativa geral e indeterminada, a seconstituir de facto pela vontade do transeunte, garantido a ter acesso à praia,segundo sua conveniência pessoal ou por ordem da autoridade119.

Há no Estado do Rio de Janeiro uma situação bastante peculiar e interes-

sante, que é a da ocupação de praias pelas Forças Armadas. Segundo notícia da

imprensa,

Seis praias localizadas em áreas nobres da região metropolitana do Estado do Riosão ocupadas pelas Forças Armadas, que só permitem o acesso ao local parabanhos e atividades esportivas a militares ou a convidados previamentecredenciados.

Os militares ocupam trechos supervalorizados da orla, como é o caso da prainha doForte de Copacabana (zona sul da cidade), e outros quase inacessíveis, como arestinga da Marambaia120.

Além das praias mencionadas, também há restrições em relação às praias de

Fora e de Dentro (na Urca) e às praias do Imbuí e do Forte Rio Branco (em

Niterói). Para a manutenção dessas restrições, as Forças Armadas dão duas

justificativas.

A primeira é de que nesses locais há quartéis que dão acesso direto às

praias, guardando grande quantidade de armamento. Assim, alega-se não haver

pessoal e infra-estrutura com capacidade para cuidar da segurança das unidades e

dos banhistas ao mesmo tempo.

A segunda é de cunho ambientalista. Argumenta-se que, por não haver

intervenção urbana, essas praias encontram-se com seus ecossistemas originários

totalmente preservados, diversamente de outras praias vizinhas. Isso permite que

ainda existam dentro dos limites urbanos praias com preservação ambiental

inédita. É o caso da praia de restinga da Marambaia, que ainda guarda intactas as

características ambientais encontradas pelos portugueses no século XVI. Trata-se

de importante forma de vegetação, considerada pelos ambientalistas um santuário

________________119 TÁCITO, op. cit., p. 1742.120 TORRES, Sérgio. Forças armadas mantêm praias privativas. Folha de S. Paulo, 06 ago.

2003. Caderno Cotidiano, p. C1.

77

ecológico. As praias da Urca e de Niterói permitem o acesso apenas a pessoas

credenciadas.

A conclusão inevitável é de que essas praias não estariam bem preservadas

se estivessem liberadas para o público. Desse conflito uma pergunta se impõe:

Deve prevalecer a determinação de que a praia é bem público de uso comum do

povo, portanto aberta a todos, ou tem primazia a proteção ambiental?

Neste caso, o bem continua sendo público, pertencendo à União, mas seu

uso encontra-se restrito, contrariando o que foi até agora dito. Essas praias não se

tornam bens de uso especial, nem tampouco dominicais, permanecendo inaliená-

veis, imprescritíveis e impenhoráveis.

Assim, deve-se utilizar o princípio da razoabilidade, juntamente com um

contrabalanceamento de interesses. O princípio da razoabilidade não está explícito

na Constituição Federal, pois é, conforme afirma Gasparini, “uma decorrência dos

princípios da legalidade e da finalidade”; entretanto está consagrado no art. 111 da

Constituição do Estado de São Paulo. Nas palavras de Odete Medauar, a este

princípio “atribuem o sentido de coerência lógica nas decisões e medidas adminis-

trativas, o sentido de adequação entre meios e fins”121.

Tais princípios são necessários para avaliar o que seria de maior relevância:

a proteção ambiental de um ecossistema importantíssimo ou a fruição do bem pela

população. Esta é a opinião de Salvo Venosa, quanto aos bens públicos de uso

comum do povo:

Não perdem tal característica se o Poder Público regulamentar seu uso, restringi-loou tornar sua utilização onerosa, como é o caso do pedágio nas rodovias. Pode atémesmo a administração restringir ou vedar o uso, em razão de segurança nacionalou do próprio povo, como é o caso da proibição do tráfego ou a interdição de umaestrada122.

A hipótese é complexa e difere da situação da privatização de praias para

uso exclusivo de terceiros, no caso dos condomínios. Se nos condomínios o

objetivo é fechar a praia apenas para o uso de terceiros particulares que ali

habitam, nas praias restringidas pelas Forças Armadas o objetivo é a sua

preservação, sua proteção em relação a atitudes do próprio público. No conflito de

interesses deve prevalecer a proteção ao meio ambiente, porém facultando-se o

________________121 MEDAUAR, op. cit., p. 141.122 VENOSA, op. cit., p. 340.

78

acesso ao público, ainda que em número restrito, de modo que não se ponha em

risco o bem ambiental.

Não difere de tudo que foi dito a legislação americana, já que estabelece no

Coastal Management Act (§ 1.452, D), de 1972, que os planos de gerenciamento

estaduais deverão conter a previsão de “acesso público às costas para propósitos

de recreação”123.

Bem mais completa que a brasileira, a Ley de Costas, da Espanha (Ley

22/1988, de 28/07) contém dispositivos importantes acerca desse assunto: no art.

31.1, assegura o domínio público do mar e suas margens e sua utilização pública e

gratuita124, e no art. 33 diz expressamente que as praias não serão de uso privado e

que o acesso público a elas será sempre garantido125.

Por fim, não se pode deixar de mencionar a figura constante do art. 54, § 2o,

IV, da Lei 9.605, de 12.02.1998 (Lei de Crimes Ambientais), que, no caput,

estabelece como crime “causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que

resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a

mortandade de animais ou a destruição significativa da flora”. O § 2o enumera,

então, qualificadoras do crime de poluição e, dentre elas, a constante do inciso IV:

“dificultar ou impedir o uso público das praias”. Conforme esclarecem Vladimir e

Gilberto Passos de Freitas:

Esse inciso é apenas uma forma qualificada do crime de poluição, e não um tipopenal autônomo. Vale dizer, não se trata de crime de dificultar ou impedir o uso depraia, mas sim da conduta de poluir tornando difícil ou inviável a utilização dapraia. É causa de aumento de pena, e não tipo penal autônomo. A redação originatal tipo de dúvidas e por isso o esclarecimento se revela indispensável126.

Essa previsão de aumento de pena é muito importante, porque ultimamente

têm sido rotineiros os casos de poluição das praias, principalmente por derrama

________________123 No original, “public access to the coasts for recreation purposes”.124 31.1. La utilización del dominio público marítimo-terrestre y, en todo caso, del mar y su

ribera será libre, pública y gratuita para los usos comunes y acordes con la naturaleza de aquél,tales como pasear, estar, bañarse, navegar, embarcar y desembarcar, varar, pescar, coger plantas ymariscos y otros actos semejantes que no requieran obras e instalaciones de ningún tipo y que serealicen de acuerdo con las leyes y reglamentos o normas aprobadas conforme a esta Ley.

125 33.1. Las playas no serán de uso privado, sin perjuicio de lo establecido en la presenteLey sobre las reservas demaniales. 2. Las instalaciones que en ellas se permitan, además decumplir con lo establecido en el artículo anterior, serán de libre acceso público, salvo que porrazones de policía, de economía u otras de interés público, debidamente justificadas, se autoricenotras modalidades de uso.

79

mento de óleo dos navios. É dizer: se a poluição em si já é grave, muito maior será

o dano se vier a ser atingida uma praia. É de todo acertado o agravamento da

sanção corporal.

4.3Ocupação da faixa de areia das praias

O fechamento de praias para uso de condomínios não é a única forma de

apropriação desse bem público. Ocorre também, com freqüência, a ocupação por

clubes e hotéis que, por estarem localizados à beira-mar, utilizam a faixa de areia

das praias para estender sua propriedade, até mesmo com a colocação de guarda-

sóis, mesas e cadeiras, atrapalhando a locomoção das pessoas que desfrutam do

local.

Outra situação é a construção de plataformas (piers) sem a devida

autorização, com bares ou restaurantes sobre elas, o que atinge a estética local e a

beleza natural. Ressalte-se que não é permitido a um particular apropriar-se de

bens da União, de uso comum, sem a devida autorização da Administração

Pública. Salvo Venosa é claro a respeito, alertando acerca do papel do Poder

Público diante desse tipo de situação: “[...] sobre esses bens de uso comum, a

administração tem a guarda, direção e fiscalização. Tem, portanto, o ente público

a faculdade de reivindicá-los de quem quer que deles se aposse ou impeça a

utilização pelo povo, sob qualquer aspecto”127.

126 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos. Crimes contra a natureza.

7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 180. 127 VENOSA, op. cit., p. 340.

80

FOTO 9 - BALNEÁRIO ATLÂNTIDA, MUNICÍPIO DE XANGRI-LÁ/RSPlataforma com instalação suspensa por ordem judicial. Arquivo pessoal

Veja-se um caso concreto verificado na cidade do Guarujá, no litoralpaulista:

[...] durante a temporada e, principalmente, nos finais de semana, logo nasprimeiras horas da manhã, os funcionários dos prédios, mesmo sem saber aquantidade de pessoas (a maioria de São Paulo) que estão ocupando o prédio,fixam os equipamentos em uma grande faixa de areia, como se a área fosse de usoexclusivo do edifício 128.

Segundo consta, durante a madrugada o zelador dos prédios cerca um trechoda praia e instala os equipamentos, no exato número de apartamentos existentesno condomínio, embora a maioria dos condôminos prefira ficar na piscina, o quesignifica que nem metade dessas cadeiras é ocupada. O mais grave é que oscondomínios têm funcionários até mesmo para retirar turistas que ocupem a áreapor eles arbitrariamente delimitada, e, além disso, colocam ali equipamentos compropaganda. A Prefeitura já multou quatro condomínios por tal conduta e agoravai encaminhar à Câmara um projeto de lei destinado a regulamentar a instalaçãode tais equipamentos.

Assim, o que ocorre em casos como esse é que tais condomínios acabam

invadindo grande extensão da areia da praia, que é área pública, e transformam-na

impunemente em propriedade particular. Os responsáveis colocam-se na condição

de donos do bem público da União e de uso comum do povo, sem nenhuma

preocupação com a legislação e também sem retribuição alguma ao real

proprietário, a União.

________________128 PROJETO disciplina ocupação da areia da praia. A Tribuna Digital, Santos, 11 jan.

2004. Disponível em: www.atribuna.com.br. Acesso em: 11 jan. 2004.

81

FOTO 10 - PRAIA DE COPACABANA, RIO DE JANEIRO/RJExemplo de ocupação de faixa de areia. Arquivo pessoal

A própria Lei de Gerenciamento Costeiro, no art. 10, § 1o, proíbe tal prática

dispondo que “não será permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do

solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso assegurado no caput deste

artigo”. Também a da Lei 9.636, de 18.05.1998, garante, no § 1o, art. 4o, o livre

acesso à praia: “[...] na elaboração e execução dos projetos de que trata este artigo,

serão sempre respeitados a preservação e o livre acesso às praias marítimas, fluviais

e lacustres e a outras áreas de uso comum do povo” [grifo nosso].

Acerca da ocupação das praias, são oportunas, como sempre, as palavras de

Machado:

Contraria a finalidade de utilização comum pela população a concessão de parte dapraia para clubes construírem áreas esportivas, a ocupação por guarda-sóis deedifícios fronteiriços ou a autorização para a construção de bares, restaurantes ouhotéis nas praias. Além disso, o Poder Público haverá de proceder com grandeprudência na construção de postos para policiamento e/ou construção de sanitáriospúblicos, evitando cometer atentados à estética e à paisagem – interesses tuteladospela ação civil pública129.

O bem público de uso comum do povo tem uma relação jurídica na qual

uma entidade de direito público é a proprietária e o usuário é todo o povo, ou,

conforme afirma Maria Helena Diniz: “[...] temos aí uma propriedade sui generis

[...] como uma posse em nome do interesse coletivo, pois o que é livre é a

________________129 MACHADO, Direito ambiental brasileiro, p. 855.

82

utilização do bem por qualquer pessoa e não o domínio”130. Assim, ninguém pode

apropriar-se da praia, impedindo ou dificultando seu uso por outras pessoas.

Nestes termos, afirma Caio Mário da Silva Pereira:

[...] nos bens de uso comum do povo, o uso por toda a gente não só se concilia como domínio público da coisa, como constitui mesmo o fator de sua caracterização.Não obstante, tem o ente público a faculdade de reivindicação, no caso de algumapessoa natural ou jurídica arrogar-se no uso exclusivo da coisa comum, e impedir,desta forma, a continuidade de seu franquio ao grande público131.

Deve-se ter em mente que, em bens de uso comum do povo, o que deve ser

levado em consideração é o interesse da coletividade. Como lembra Sérgio

Sérvulo da Cunha,

se os bens de uso comum do povo são indisponíveis, sua vantagem reduz-se ao usoe à fruição. Dizer que determinados bens de uso comum do povo são da União,significa que ela tem sua administração e fruição, no interesse do povo, e no queessa administração e fruição não colidir com o interesse do povo132.

Os bens de uso comum do povo, mesmo estando à disposição da

coletividade, continuam sob a administração e vigilância do Poder Público, o qual,

por sua vez, deve manter o local em condições adequadas para a utilização das

pessoas. Ou seja, o bem de uso comum do povo é um tipo de bem público

insuscetível de apropriação privada e reservado à utilização coletiva. A utilização

por outra forma, através de apropriação, deve ser combatida pelo Poder Público. O

próprio art. 225 da Constituição preceitua que é dever do Poder Público defender

e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e

futuras gerações. E a praia é, além de tudo, um importantíssimo bem ambiental. A

inércia ou conivência da União, Estados ou Municípios pode gerar danos muitas

vezes irreparáveis. No caso, a fiscalização deve ser feita tanto pela União quanto

pelos Estados e Municípios, tendo em vista a competência administrativa comum

e legislativa concorrente quanto à proteção do meio ambiente, conservação da

natureza, controle da poluição, proteção ao patrimônio turístico e paisagístico (art.

24 e art. 23, VI da Carta Magna Federal).

________________130 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 1,

p. 323.131 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 12. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1991, v. 1, p. 302.132 CUNHA, op. cit., p. 296.

83

Há também importante prescrição neste sentido na Lei 9.636, de

18.05.1998, que trata dos bens imóveis de domínio da União, no art. 11, § 4o:

Constitui obrigação do Poder Público federal, estadual e municipal, observada alegislação específica vigente, zelar pela manutenção das áreas de preservaçãoambiental, das necessárias à proteção dos ecossistemas naturais e de uso comum dopovo, independentemente da celebração de convênio para esse fim.

O Tribunal Regional Federal da 5a Região já se manifestou sobre o assunto

em três oportunidades, através de acórdãos cujas ementas são as seguintes:

Administrativo e processual civil. Ação civil pública. Obrigação da União parafiscalização de área de praia.

1. Pedido de atribuição de efeito suspensivo à decisão que determinou que a Uniãofiscalize a praia de Ponta Negra (Natal-RN) a fim de evitar o uso privativo egarantir o livre acesso de todos.

2. O parágrafo 4º do artigo 11 da lei nº 9.636/98 outorga também à União o deverde fiscalização das áreas de uso comum do povo, reafirmando, no particular aorientação tracejada no artigo 23 da Carta Magna em vigor. Indeferimento dopedido133.

Administrativo. Construção em área comum do povo. Praia. Falta de autorizaçãoda administração pública.

- Não pode o particular apropriar-se de bens da União de natureza de uso comumdo povo.

- Não sendo autorizadas pela Administração Pública construções realizadas napraia, devem ser retiradas, nos termos do Decreto-Lei 9760/46 e Decreto-Lei2398/87.

- Apelação e Remessa Oficial Providas.134

Administrativo e processual civil. Ação civil pública. Praia de Ponta Negra (Natal-RN). Colocação de cadeiras, mesas e demais utensílios na areia pelosestabelecimentos comerciais. Situação desordenada. Bem de uso comum do povo.Antecipação dos efeitos da tutela.

1. Pedido de atribuição de efeito suspensivo à decisão que determinou que osagravantes (estabelecimentos comerciais) se abstivessem de colocar na areia dapraia da Ponta Negra, a qualquer título, cadeiras, mesas, bancos ou outro qualquerutensílio símile, sob pena de apreensão, responsabilização criminal e multa diáriade mil reais pelo descumprimento.

2. Situação desordenada, amplamente noticiada pela imprensa local, que não deveperdurar, por ser a praia um bem de uso comum do povo e em face do princípio da

________________133 BRASIL, TRF 5a Região, agravo de instrumento 27284, 3a Turma, Desembargador

Federal Geraldo Apoliano. DJ 10.03.2000, p. 1096.134 BRASIL. TRF 5a Região. Apelação cível 207237, primeira turma. Desembargadora

Federal Margarida Cantarelli, DJ 13.05.2003, p. 362.

84

prevalência do interesse público da sociedade em geral sobre o interesse privadodos estabelecimentos comerciais e seus clientes.

3. Presença do perigo da demora, ante à desordem cada vez maior e aocerceamento do direito de uso, que o povo detém sobre o bem em discussão.

4. Inexistência de situação irreversível. Agravo improvido135.

É importante ressaltar que a regra é a supremacia do interesse público sobre

o interesse privado. É o que deve prevalecer, como afirma Diogo de Figueiredo

Moreira Neto: “[...] podemos esclarecer que o interesse público objeto da tutela

estatal não é outro senão o bem comum”136. O bem comum prevalece sobre o

individual. Sobre a importância da supremacia do interesse público, afirma

Bandeira de Mello:

[...] trata-se de verdadeiro axioma reconhecível no moderno Direito Público.Proclama a superioridade do interesse da coletividade, firmando a prevalência delesobre o do particular, como condição até mesmo, da sobrevivência easseguramento deste último137.

Registre-se, ainda, que o problema existente nas praias não é apenas

referente à colocação de cadeiras e guarda-sóis. É ainda mais grave a construção

de anexos de hotéis, bares e restaurantes, que podem, além de dificultar o acesso e

uso da praia, desfigurar sua paisagem e ser fonte de poluição. Certamente não se

defende aqui a abolição de todo tipo de bar localizado na faixa de areia das praias,

mas sim que, nos casos de impacto relevante, a concessão de licença de

construção seja precedida de estudo de impacto ambiental. No estudo não pode ser

esquecida a importância da estética e da paisagem da praia, que também fazem

parte do meio ambiente.

De resto, o exame das Constituições estaduais revela que a única que prevê

a garantia de livre acesso às praias é a da Bahia que, no art. 214, IX, dispõe:

art. 214 – o Estado e Municípios obrigam-se, através de seus órgãos daAdministração direta e indireta, a: IX - garantir livre e franco acesso às praias,proibindo-se qualquer construção particular, inclusive muros, em faixa de, nomínimo, sessenta metros, contados a partir da linha de preamar máxima.

________________135 BRASIL, TRF 5a R. Agravo de Instrumento 27152, 3a Turma, Desembargador Federal

Geraldo Apoliano. DF 23.02.2001, p. 525.136 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 4. ed. Rio

de Janeiro: Forense, 1983. p. 8.137 MELLO, op.cit., p. 29.

85

4.4Construções na praia

4.4.1Introdução

Entre os problemas que se verificam com mais freqüência na zona costeirasão especialmente preocupantes a invasão da praia e até mesmo de dunas erestingas para a construção de obras ou para atividades as mais diversas semnormas claras que as disciplinem. Trata-se de ocorrências irregulares, principal-mente pelo fato de que tais terrenos são públicos e, conseqüentemente, suautilização por particulares é condicionada à autorização do Poder Público.

Vêm-se tornando comuns as construções nas praias brasileiras, nas quaisbares, quiosques, pousadas vão desfigurando a imagem natural. Via de regra, taisconstruções são irregulares ou autorizadas pelos municípios com base no art. 30,inc. I, da Carta Magna, ou seja, o assunto é tratado como de interesse local,embora em alguns casos seja entendido pela União como de sua competência,uma vez que a praia é bem de seu domínio.

FOTO 11 - BALNEÁRIO ATLÂNTIDA, MUNICÍPIO DE XANGRI-LÁ/RSExemplo de construção de bar na praia. Arquivo pessoal

Nos casos concretos é confusa a competência dos entes federados, pois elesveladamente a disputam entre si. Os problemas locais, pelo distanciamento dopoder central, são por ele pouco percebidos; por seu lado, o poder local, mesmo

86

próximo aos fatos, acaba às vezes envolvido pelos próprios interesses, inclusiveos de ordem política ou de arrecadação de tributos.

No que toca à urbanização de localidades da zona costeira, são comunsconflitos de competência e aplicabilidade de normas que estabelecem padrões deconstrução, conflitos que ocorrem geralmente quando uma lei municipal vemdisciplinar situação já estabelecida por lei estadual ou federal.

Na seara administrativa, essas construções e atividades são condicionadas adois tipos de atos administrativos: a autorização, concedida por ente político(União, Estado ou Município) especificamente para construção ou atividade embem público; e a licença ambiental, expedida por órgão ambiental vinculado aoPoder Público (em caso de atividade que gere impacto ambiental).

Aqui será vista primeiramente a questão legislativa, ou seja, de quem é acompetência para expedição de normas a respeito do assunto e como solucionareventuais conflitos. Na seqüência, abordar-se-á a questão da licença administra-tiva e o licenciamento ambiental, estudando-se obrigatoriamente a competênciaadministrativa dos entes políticos, inclusive na seara ambiental, e o domínio queexercem sobre a zona costeira. Por fim, serão examinados os tipos de sançõesaplicáveis em caso de construção irregular.

FOTO 12 - BALNEÁRIO SCHEVENINGEN, HAIA/HOLANDAExemplo de construção em praia – pier. Arquivo pessoal

É oportuno lembrar que, além do direito ao meio ambiente ecologicamentepreservado, também o direito urbanístico deve ser considerado. Para MoreiraNeto, “Direito Urbanístico é o conjunto da disciplina jurídica, notadamente denatureza administrativa, incidente sobre os fenômenos do Urbanismo, destinada

87

ao estudo das normas que visem a impor valores convivenciais na ocupação eutilização dos espaços habitáveis”138.

4.4.2Competência legislativa em matéria ambiental e urbanística.Aplicação na zona costeira

É comum a existência de conflitos entre legislações, principalmente entre a

municipal e a estadual, em matéria de meio ambiente e urbanismo na zona

costeira. Em primeiro lugar, é certo que, sendo o meio ambiente um direito

fundamental garantido pela Constituição de 1988, sua proteção e defesa cabe a

todos, isso abrangendo indivíduos, União, Estados e Municípios (art. 225 da CF).

Assim, com os olhos postos nesse dispositivo constitucional, passa-se ao exame

da competência legislativa dos entes federados em matéria ambiental, com ênfase

nas questões referentes à zona costeira.

Em primeiro lugar, deve-se definir o que vem a ser competência e para isso

ninguém melhor que J.J. Gomes Canotilho:

Por competência entender-se-á o poder de acção e de actuação atribuído aos váriosórgãos e agentes constitucionais com o fim de prosseguirem as tarefas de que sãoconstitucional ou legalmente incumbidos.

A competência envolve, por conseguinte, a atribuição de determinadas tarefas bemcomo os meios de acção (poderes) necessários para a sua prossecução. Além disso,a competência delimita o quadro jurídico de actuação de uma unidade organizatóriarelativamente a outra139.

A República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos

Estados e Municípios e do Distrito Federal (art. 1° da CF). Ademais, nos termos

do art. 18 da Constituição Federal, a organização político-administrativa do Brasil

compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos

autônomos. Com a Constituição de 1988 houve fortalecimento dos Estados e

Municípios, descentralizando-se as decisões. Dessa maneira, compete à União a

elaboração de normas gerais, e às demais pessoas políticas a especificação das

________________138 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Introdução ao direito ecológico e ao direito

urbanístico: instrumentos jurídicos para um futuro melhor. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977.p. 56.

139 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed.Coimbra: Almedina, 2003. p. 543.

88

condutas, sempre atentando para a realidade local. O que norteia a repartição da

competência é a predominância do interesse, ou seja, à União, as matérias de

interesse geral; aos Estados-membros, as matérias de interesse regional; aos

Municípios, as matérias de interesse local; e ao Distrito Federal, as matérias de

interesse regional e local.

No que diz respeito à competência legislativa, a Constituição Federal

elaborou um sistema de competências exclusivas, concorrentes e supletivas. O art.

22 da Carta Magna define a competência legislativa privativa da União, ou seja, a

que ela deve exercer diretamente, com exclusão dos demais entes da federação.

São de sua atribuição exclusiva assuntos com interesse predominantemente nacio-

nal. Celso Ribeiro Bastos ressalta que

[...] não há dúvidas de que aí estão arroladas as competências legislativas maistranscendentais para o Estado brasileiro. Aí se encontra todo o direito substantivo:direito civil, comercial, penal, processual, e ramos mais modernos da ciênciajurídica como: o direito agrário, o direito eleitoral, o direito marítimo, oaeronáutico e até mesmo o espacial140.

Não se pode olvidar a disposição constante no parágrafo único do art. 22 da

Constituição sobre a possibilidade dos Estados de legislar sobre assuntos ali

enumerados. Raul Machado Horta manifestou-se com muita propriedade quando

abordou a questão da competência legislativa:

A competência da legislação privativa é, por sua natureza, monopolística econcentrada no titular dessa competência. Desfazendo a rigidez inerente àcompetência privativa, a Constituição Federal de 1988 prevê, no parágrafo únicodo art. 22, após enumeração das matérias incluídas na privatividade legislativa daFederação, que lei complementar poderá autorizar os Estados a legislarem sobrequestões específicas relacionadas na competência privativa. Essa forma dedelegação legislativa da União aos Estados, no nível dos ordenamentosconstitutivos da República Federal, exige lei complementar, portanto, a aprovaçãoda maioria absoluta das duas Casas do Congresso Nacional (art. 69), e não sereveste de generalidade, requerendo, ao contrário, a particularização de ‘questõesespecíficas’, subtraídas ao elenco das matérias incluídas na privatividade daUnião141.

Quanto ao Município, a Constituição de 1988 modificou sua posição, consi-

derando-os componentes da estrutura federativa (arts. 1o e 18). Dessa forma, o

________________140 BASTOS, op. cit., p. 298.141 HORTA, Raul Machado. Estudos de direito constitucional. Belo Horizonte: Del Rey,

1995. p. 415.

89

Município brasileiro atualmente é dotado de autonomia política, administrativa e

financeira, assegurada pelos arts. 18, 29 e 34, VII, c. Autonomia significa, nas

palavras de Afonso da Silva, “capacidade ou poder de gerir os próprios negócios,

dentro de um círculo prefixado por entidade superior”142.Essa competência legislativa encontra-se prevista no art. 30 da Constituição

Federal. O inciso I, talvez o mais importante, dispõe acerca do interesse localcomo assunto de legislação do Município. A expressão “interesse local” veio asubstituir o antigo “peculiar interesse”, consagrado pela Constituição da Repú-blica de 1891 e seguido pelas demais. O termo “interesse” significa: conveniência,lucro, proveito, vantagem ou utilidade que alguém encontra em alguma coisa.

Em outras palavras, é assunto que se refere diretamente ao agrupamentolocal, que importa e diz respeito tão-somente a determinado Município e àspessoas que ali habitam. Na verdade, são todos os interesses que se inserem nodomínio local para o exercício da competência legislativa e administrativa munici-pal. Ao abordar o tema, Diomar Ackel Filho ressalta que:

Interesse local é o que se circunscreve ao âmbito do Município, não se irradiandocom a mesma intensidade além do território municipal. É o que atine ao contextogeo-econômico e social da comuna instalada na área do Município, refletindo asrelações que interessam predominantemente àquele meio, como o trânsito, asdiretrizes urbanísticas e de desenvolvimento local, a limpeza pública, a iluminação,os serviços públicos locais, a instituição e a arrecadação de tributos e taxas, a parde tantos outros143.

Observa José Nilo de Castro:

Esta competência explícita diz-se não enumerada, contendo previsão abrangente,pois que, ao invés de indicar as hipóteses e espécies de interesse, cuida de enunciarordenação jurídica de interesses genéricos. São interesses locais, do Município.Mas quais? Todos os que se inserem no domínio local para o exercício dacompetência legislativa e administrativa local144.

Vale lembrar, no entanto, que o interesse local não precisa ser comum a

todo o território municipal; basta que exista em parte dele. Muitos doutrinadores

defendem a tese de que o interesse local não se caracteriza pela exclusividade do

interesse, mas sim por sua predominância. Como observa Michel Temer, “doutri-

na e jurisprudência, ao tempo da Constituição anterior, se pacificaram ao dizerem

________________142 SILVA, Curso de direito constitucional positivo, p. 623.143 ACKEL FILHO, Diomar. Município e prática municipal: à luz da Constituição Fede-

ral de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 40-41.

90

que é de peculiar interesse aquele em que predomina o do Município em

confronto com os interesses do Estado e da União.”145. Outro não é o

entendimento do sempre lembrado Hely Lopes Meirelles: “[...] o que caracteriza o

interesse local é a predominância desse interesse para o Município em relação ao

eventual interesse estadual ou federal acerca do mesmo assunto”146.

Merece destaque a Lei n° 7.833, de 19.12.1991, do Município de Curitiba

que, no art. 3o, relaciona os assuntos que considera de interesse local, para fins de

aplicação do inciso I do art. 30 da Constituição. E também o inciso II do art. 30 da

Carta Magna segundo o qual cabe ao Município “suplementar a legislação federal

e a estadual no que couber”.

A propósito, no que diz respeito ao meio ambiente, tão importante na zona

costeira, deve ficar claro que essa suplementação se dará sempre que com ela o

Município vise à ampliação da proteção ambiental em comparação com a prevista

nas normas federais e estaduais. Entretanto normas que restrinjam a proteção

ambiental em relação ao que estabelece a legislação federal ou estadual são

inconstitucionais. Esta é a posição de Passos de Freitas que, ao tratar de lei

municipal de Barra do Quaraí/RS sobre pesca, conclui:

Trata-se de lei suplementar. Não se daria o mesmo se a lei municipal fosse maisconcessiva que o diploma federal e o estadual. Aí certamente incorreria eminconstitucionalidade, pois estaria no município invadindo área de competênciaalheia e autorizando aquilo que já estava proibido por aqueles que detêmcompetência constitucional para legislar. No entanto, sendo mais restritiva a leimunicipal, ela em nada está a afrontar os textos dos demais entes políticos; aocontrário, está protegendo o meio ambiente e sensibilizando a comunidade para aimportância da preservação dos pescados.

E continua:

Além disso, a legislação municipal que regula o uso do solo urbano deve, damesma forma, ater-se às prescrições gerais da União, na esfera de sua competência.Por exemplo, se norma geral da União como é o caso do Código Florestal,disciplina determinada matéria, não pode o município, alegando autonomia,legislar diminuindo a restrição geral. Pode, até, criar novas restrições na proteçãodo meio ambiente, porém não pode afastar as existentes na lei geral147.

144 CASTRO, José Nilo. Direito municipal positivo. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1992.

p. 135.145 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros,

1995. p. 101.146 MEIRELLES, op. cit., p. 315-316.147 Vladimir Passos de FREITAS, A Constituição Federal ..., p. 68 e 70.

91

Quanto aos Estados, a única disposição constitucional que mencionacompetência legislativa privativa é a que se encontra no § 1o do art. 25: “sãoreservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por estaConstituição”, o que significa que aos Estados são reservadas de forma privativaas competências não exclusivas da União, nem dos Municípios. Nas palavras dePatrícia Azevedo da Silveira,

o legislador não enumerou as competências dos Estados-Membros. Elas sãoobtidas por exclusão e ficam a cargo do legislador que elabora a ConstituiçãoEstadual, respeitando-se, é claro, a ordem jurídica nacional, ou seja, os termos daConstituição da República Federativa do Brasil (art. 18)148.

Além do regime de competências privativas, a Carta Magna também

estabeleceu regime de competências concorrentes dos entes políticos. Veja-se o

que diz o art. 24 sobre as questões que interessam especificamente ao presente

estudo:

Art. 24 – Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislarconcorrentemente sobre:

I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;

[...]

VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dosrecursos naturais, proteção ao meio ambiente e controle da poluição;

VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;

[...].

Destarte, aos três entes da federação cabe legislar sobre direito urbanístico e

meio ambiente, incluindo nele normas de ordem cultural, histórica, artística,

turística e paisagística.

Estabelece o § 1o do mesmo art. 24 que “no âmbito da legislação concor-

rente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais”. As

normas gerais são normas fundamentais ou diretrizes. A propósito, afirma Paulo

Luiz Neto Lobo: “[...] normas gerais são as que estabelecem princípios funda-

mentais. Não podem especificar situações que, por sua natureza, são campo

reservado aos Estados-membros. Estão contidas pela finalidade de coordenação e

________________148 SILVEIRA, Patrícia Azevedo da. Competência ambiental. Curitiba: Juruá, 2002. p. 67.

92

uniformização” 149. Para Leonardo Greco, “normas gerais são todas as normas

emanadas da União, desde que aplicáveis uniformemente a todos os Estados e a

todos os cidadãos, sem discriminações, ou seja, normas de aplicação isonômica

em todo o território nacional”150.

Nos termos dos §§ 2o e 3o do art. 24 da Carta Federal151, não existindo

normas gerais o Estado pode legislar em caráter suplementar, atendendo a suas

peculiaridades. Em suma, atento à extensão do território nacional e às diferenças

regionais, o constituinte determinou que a legislação federal deve pautar-se mais

em princípios e a estadual deter-se mais nas particularidades de cada Estado-

membro. Permite-se então aos Estados a suplementação da legislação, como

esclarece Passos de Freitas: “[...] inexistindo normas gerais da União, os Estados

exercerão a competência legislativa plena para atender às suas peculiaridades”152.

No mesmo sentido, explica Michel Temer:

Finalmente, a competência suplementar, que decorre da concorrente. Explico. Nascompetências concorrentes a União pode editar apenas normas gerais. Mas oEstado pode suplementar essa atividade da União. Ou seja: o Estado pode – ematenção, naturalmente, às suas peculiaridades locais – legislar sobre normas geraisnos claros deixados pelo legislador federal. E, inexistindo lei federal sobre taisnormas, o Estado as expedirá sem limitação, plenamente153.

Não é demais lembrar que, nos termos do § 4o do art. 24 da Constituição

Federal, “a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia

da lei estadual, no que lhe for contrário”. Conclui-se que no campo das compe-

tências concorrentes, em caso de choque entre normas federais e estaduais

prevalecem as editadas pela União. De acordo com Fernanda Dias Menezes de

Almeida,

Dos fundamentos invocados para justificar esta conclusão, descartado o que seapóia na hierarquia política entre os membros da Federação – que nos parece

________________149 LOBO, Paulo Luiz Neto. Competência legislativa dos Estados-membros na Constituição

de 1988. Revista de Informação Legislativa, Brasília: Senado Federal, v. 101, p. 98, jan./mar.1989.

150 GRECO, Leonardo. Competências constitucionais em matéria ambiental. Revista dosTribunais, São Paulo, n° 687, p. 27, jan. 1993.

151 § 2o – A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a compe-tência suplementar dos Estados.

§ 3o – Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competêncialegislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

152 Vladimir Passos de FREITAS, A Constituição Federal ..., p. 59. 153 TEMER, Michel, op. cit., p. 84.

93

inaceitável em face das características já conhecidas do modelo federal de Estado –o mais razoável é o do “primado do interesse nacional”, prestigiando-se, em seunome, “a expressão política máxima com vistas aos efeitos integradores sobre anação como um todo”154.

Note-se que no art. 24 há exclusão do Município, o que não significa, no

entanto que lhe tenha sido negado o direito de legislar sobre as questões ali

enumeradas. Tal direito existe desde que observadas as condições estabelecidas na

Constituição, ou seja, tratar-se de assunto de interesse local, com respeito às

disposições das legislações federais e estaduais.

Mesmo antes da Constituição de 1988, a Lei da Política Nacional do Meio

Ambiente já havia previsto tal situação no art. 6o, que assim dispõe:

§ 1o – Os Estados, na esfera de suas competências e nas áreas de sua jurisdição,elaborarão normas supletivas e complementares e padrões relacionados com o meioambiente, observados os que forem estabelecidos pelo CONAMA,

§ 2o – Os Municípios, observadas as normas e os padrões federais e estaduais,também poderão elaborar as normas mencionadas no parágrafo anterior.

Sobre essa questão, esclarece Helita Barreira Custódio:

Não obstante o silêncio da norma constitucional no tocante aos Municípios,evidencia-se que a competência legislativa concorrente da União, com os Estados eo Distrito Federal inclui implicitamente os Municípios, como importante Unidadeda Federação, autônoma e integrante da organização político-administrativa daRepública Federativa do Brasil (C., art. 18) [...]. Assim é que, por força dasexpressas normas constitucionais, observadas as normas gerais da lei decompetência da União, ou inexistindo a lei federal, as normas gerais decompetência estadual (onde se encontra o Município), a competência legislativaconcorrente do Município, para legislar sobre específicas matérias de seu evidenteinteresse local concorrente, justifica-se constitucionalmente [...].

Dessa maneira, fica evidente que no âmbito da competência concorrente

pode o Município tratar de matéria de interesse local, o que, entretanto, não o

autoriza a legislar plenamente. Deve, sim, pautar-se pelos diplomas federais e

estaduais porque, como visto, os Estados podem editar normas que comple-

mentem os princípios gerais estabelecidos pela União. Seguindo uma seqüência

lógica, o interesse local deve ser compatível com a legislação estadual, ou, por

outras palavras, as leis editadas pelos Municípios não devem contrariar a

________________154 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. São

Paulo: Atlas, 1991. p. 149.

94

legislação do Estado a que pertençam. Essa é a interpretação mais razoável a ser

dada ao art. 24 da Constituição, visto que o contrário significaria admitir que em

um mesmo Estado coexistissem legislações municipais contraditórias relativas à

mesma matéria já regulamentada pelo Estado.

Tal interpretação decorre da aplicação do princípio da unidade da

Constituição. Nas palavras de Canotilho,

O princípio da unidade da Constituição ganha relevo autónomo como princípiointerpretativo quando ele se quer significar que a constituição deve ser interpretadade forma a evitar contradições (antinomias, antagonismos) entre as suas normas.[...] Daí que o intérprete deva sempre considerar as normas constitucionais nãocomo normas isoladas e dispersas, mas sim como preceitos integrados num sistemainterno unitário de normas e princípios155.

Levando em conta esse princípio, Ana Cláudia Bento Graf e Márcia

Dieguez Leuzinger assim discorrem sobre o papel dos Municípios na competência

legislativa concorrente:

A determinação do papel do ente municipal nesse contexto requer a observância deque temas afetos ao direito urbanístico, conservação da natureza, proteção do meioambiente e do patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico,matérias arroladas nos incisos I, VI e VII do artigo 24 da Constituição Federal, sãode competência legislativa concorrente entre União e Estados-membros, tornando-se forçoso concluir que a legislação municipal, ao tratar de semelhantes questões,não pode contrariar a disciplina contida em regras federais e estaduais156.

Por fim, conclui Fernanda Dias Menezes de Almeida:

Parece-nos que a competência conferida aos Estados para complementarem asnormas gerais da União não exclui a competência do Município de fazê-lo também.Mas o Município não poderá contrariar nem as normas gerais da União, o que éóbvio, nem as normas estaduais de complementação, embora possa tambémdetalhar estas últimas, modelando-as mais adequadamente às particularidadeslocais157.

Exemplo concreto de conflito entre norma municipal e estadual em relação àurbanização e meio ambiente em zona costeira ocorre no Estado do Paraná. Combase na Lei Federal n° 6.513, de 20.12.1977 (norma geral), foi editada a Lei

________________155 CANOTILHO, op. cit., p. 1223.156 GRAF, Ana Cláudia Bento; LEUZINGER, Márcia Dieguez. A autonomia e a repartição

constitucional de competências em matéria ambiental. In: FIGUEIREDO, José Purvin (Org.).Temas de direito ambiental e urbanístico. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 51.

157 ALMEIDA, op. cit., p. 170.

95

Estadual n° 7.389, de 12.11.1980, instituindo o litoral paranaense como área deespecial interesse turístico. Esta lei foi elaborada justamente para compatibilizar odesenvolvimento econômico com a proteção ao meio ambiente, ou seja, preservaro meio ambiente e estimular o turismo na região. O Decreto n° 2.722, de14.03.1984, que regulamentou a lei, especifica condições de ocupação dessasáreas. Nesse regulamento foram delimitadas algumas zonas do litoral e para cadauma especificamente foi estabelecida a altura máxima das edificações.

Ainda no litoral paranaense, em 10.03.1989 foi promulgada a Lei Municipaln° 05, do Município de Guaratuba, instituindo novas diretrizes para o zoneamentoe uso do solo, alterando também o gabarito das construções já estabelecido em leiestadual. Dessa forma essa lei municipal permitiu a construção de edifícios de atédez andares em locais onde a altura máxima permitida pela lei estadual é dequatro pavimentos.

Note-se que o objeto dessa lei municipal está afeto a direito urbanístico,proteção à natureza e patrimônio turístico e paisagístico, matérias relacionadas noart. 24 da Constituição, tratando-se, portanto, de competência concorrente entre osentes, o que permite concluir que a legislação municipal não poderia disciplinarmatéria contrária à legislação estadual.

Ademais, tal norma municipal não se coaduna com a disposição do art. 225da Carta Federal, uma vez que o Município também tem o dever de proteger edefender o meio ambiente de modo a mantê-lo ecologicamente equilibrado. Aconstrução de prédios de dez andares em locais protegidos, já com legislaçãoanterior limitando-os em quatro andares, não está de acordo com as normas deproteção ao meio ambiente.

Outrossim, não é correto que as normas municipais ambientais, ao suple-mentar legislação estadual ou federal, o façam no sentido de diminuir a proteçãoambiental do lugar, uma vez que a competência suplementar do Município nessaquestão tem caráter restrito. Contribui para essa afirmação o disposto no art. 5o, §2o, da Lei 7.661, de 16.05.1988:

[...] normas e diretrizes sobre o uso do solo, do subsolo e das águas, bem comolimitações à utilização de imóveis poderão ser estabelecidas nos Planos deGerenciamento Costeiro, Nacional, Estadual e Municipal, prevalecendo sempre asdisposições de natureza mais restritiva.

Registre-se que deve prevalecer o princípio in dubio pro natura, ou seja,considerada como direito fundamental pela nossa Constituição, a proteção aomeio ambiente deve predominar sobre eventual conflito de normas. Aplicado esse

96

princípio ao caso do Estado do Paraná, resta claro que a lei estadual prevalecesobre a municipal. Essa é a posição também defendida por Paulo José Leite deFarias, no seu estudo sobre a federação e o meio ambiente:

[...] eventuais conflitos, nos quais a noção de norma geral e norma especial não sejasuficiente, devem ser resolvidos pela prevalência da norma que melhor defenda odireito fundamental – relativo à proteção ao meio ambiente, por se tratar depreceito constitucional (lei nacional) que se impõe à ordem jurídica central ouregional158.

No caso de construções nas praias, ressalte-se que uma lei estadual que as

limite não será em princípio inconstitucional por interferir na competência do

Município. Ao inverso, será sim constitucional se limitar construções que afetem

o meio ambiente ecologicamente equilibrado ou mesmo a importância paisagística

local. Em aprofundado exame da matéria pela Suprema Corte, antes mesmo da

vigência da Carta de 1988, o relator, ministro Djaci Falcão expôs a questão com

clareza no voto:

[...] o acelerado crescimento dos centros

urbanos tem demonstrado a necessidade de participação não só do Município,como também do Estado e da União no que toca ao desenvolvimento urbano demodo ordenado e sistemático, tendo em vista o interesse público comum e nãoapenas o interesse isolado do Município.

A decisão restou assim ementada:

Constituição do Estado da Paraíba. São acoimados de inconstitucionais os seusarts. 164 e 165, que rezam:

Art. 164 – é vedada a concessão de licença para construção de prédio com mais dedois pavimentos, na avenida da orla marítima, desde a praia da Penha até a PraiaFormosa.

Parágrafo único – é igualmente vedada a concessão de licença para construção deprédio com mais de três pavimentos, na capital do Estado e na cidade de CampinaGrade, sem que tenha o mesmo área nunca inferior a de um pavimento, destinado àgaragem.

Art. 165 – nas avenidas ou ruas residenciais da Capital do Estado e da cidade deCampina Grande somente será permitida a construção de edifícios que sejam

________________158 FARIAS, Paulo José Leite. A federação como mecanismo de proteção do meio

ambiente. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 135, p. 299, jul./set. 1997.

97

isolados e distem, pelo menos, cinco metros para cada lado, do limite do seuterreno.

Parágrafo único – os edifícios de que trata este artigo, não poderão ter menos devinte metros de frente.

As regras em causa, sem dúvida de elevado alcance, visam salvaguardar epreservar valores que se sobrepõem ao interesse meramente Municipal,constituindo sim, um interesse comum ao Município e ao Estado, que colaboramno planejamento integrado do desenvolvimento econômico e social, tendo em vistaa saúde, a segurança, a comodidade da população, o patrimônio ecológico epaisagístico, etc. atendidas as peculiaridades não somente locais, como da própriaregião.

O valor político-administrativo dessas regras é abrangente dos interesses doMunicípio e do Estado. Por isso mesmo transcendem o chamado peculiar interessedo Município (art. 15, inc. II, da Constituição Federal)

Improcedência da representação. Decisão tomada por maioria de votos159.

Submetida a matéria a crivo judicial, diversas decisões do Tribunal deJustiça do Estado do Paraná reconheceram a constitucionalidade da mencionadalei estadual que limita o gabarito das construções no litoral. Confira-se:

Município. Autonomia Municipal – Planejamento urbano – Abuso de Poder –Legislação concorrente – Interferência do Estado Federado no que tange aogabarito das construções litorâneas – Legitimidade – Regulamentação de interessepúblico – Inexistência de direito adquirido contra essas normas – Segurançadenegada – Decisão por maioria.

- Se o município, abusando de sua autonomia, na ânsia de arrecadar mais tributos,age contra o interesse público, autorizando a construção de espigões na orlamarítima, provocando com isso grande concentração de esgoto doméstico à beirado mar, diminuição da insolação na praia em certas horas do dia, dificuldade àcirculação do vento, excessiva concentração de veículos, tudo contribuindo até paradesvalorização dessas construções e evidente prejuízo para o turismo litorâneo,legítimas se mostram as normas estaduais que, sem ferir a autonomia municipal, selimitam a estabelecer gabarito máximo para construções na orla marítima, visando,inclusive, a preservação do meio ambiente, na ausência de norma legal que reguleo equilíbrio do desenvolvimento e do bem estar em âmbito nacional (art. 23,“caput” e parágrafo único, da Constituição Federal)160.

O Superior Tribunal de Justiça também já se manifestou nesse sentido. Estessão os termos de uma das ementas:

Administrativo. Construção em área especial de interesse turístico.

Hipótese em que não há se falar em direito adquirido de construção do edifíciopretendido, concedido que foi o alvará respectivo com desatenção a leis estaduais efederais vigentes.

________________159 BRASIL, STF, representação n° 1.048-1/Paraíba, Rel. Djaci Falcão, DJ 30.04.82.160 TJ/PR, Mandado de Segurança n° 46.680-4, Hauer Construções Civis Ltda v. Secretário

de Estado do Meio Ambiente. III Grupo de Câmaras Cíveis, Rel. Des. Antonio Lopes de Noronha,05.12.1996.

98

Recurso improvido161.

Todavia o mesmo Superior Tribunal de Justiça já decidiu em sentido opostoao julgar recurso ordinário em mandado de segurança interposto pelo Municípiode Guaratuba em relação à mencionada lei. Veja-se a ementa:

Licença para construir.

Compete ao Poder Público Municipal expedir alvará para construir, não podendo oEstado embargar o que já foi construído, sob pena de afrontar o direito depropriedade dos impetrantes e a autonomia do Município. Recurso ordinárioconhecido e provido.162

Inconformado com esse acórdão, o Estado do Paraná ingressou com a açãorescisória nº 756, ainda em andamento no Superior Tribunal de Justiça, o quedemonstra que a matéria ainda não se encontra pacificada.

4.4.3Competência administrativa

Competência administrativa é a que atribui a um dos entes políticos, ou aseus órgãos, o direito de fiscalizar e impor sanções em caso de descumprimentoda lei. Identifica-se pelo uso dos verbos “prover”, “editar”, “autorizar”, “promo-ver”, “administrar” e “organizar”. Ou, de acordo com Leonardo Greco, “ascompetências administrativas são as que conferem ao Poder Público o exercíciode determinadas atividades concretas”163. A competência material, geralmente decunho administrativo, trata de competência para execução de atos.

Sua importância neste momento do estudo decorre da necessidade decompreender de quem é a competência para autorizar construções ou atividades eeventos na zona costeira. Tais atividades se realizam mediante autorização doPoder Público. O alvará é o meio material usado para expedição de tais atos, ou,segundo Gasparini, “é a fórmula segundo a qual a Administração Pública expedeautorização e licença para a prática de ato ou para o exercício de certa atividadematerial”164. Essa autorização é necessária, pois a praia é bem público. Assim, o

________________161 BRASIL, STJ, RMS n° 465/PR, Rel. Min. Armando Rolemberg. Partes: Jorge Miguel

Ajuz e Estado do Paraná, DJ de 18.02.1991.162 BRASIL, STJ, Recurso ordinário em mandado de segurança n° 1.112/PR, Rel. Min.

José de Jesus Filho, j. 31.03.1993.163 GRECO, op. cit., p. 25.164 GASPARINI, op. cit., p. 85.

99

particular pode fruir do bem público mediante uso especial dele. Mas ressalvaMeirelles:

Todos os bens públicos, qualquer que seja sua natureza, são passíveis de usoespecial por particulares, desde que a utilização consentida pela Administração nãoos leve a inutilização ou destruição, caso em que se converteria em alienação165.

Ao Poder Público cabe, então, interferir como poder administrador, discipli-nando a utilização de seus bens pela coletividade, indivíduos ou repartiçõespúblicas, de modo que se mantenham conservados e seu uso normatizado.

Dessa forma, existem alguns atos administrativos voltados para o uso debens públicos por particulares.

Os termos “autorização de uso”, “permissão de uso”, “concessão de uso” e“cessão de uso”, por vezes, confundem-se. Ademais, são usados de forma aleató-ria, indistintamente, pela legislação, doutrina e até mesmo pela própriaConstituição brasileira, o que denota falta conhecimento técnico. Não seria demaisaqui lembrar, com Meirelles, a definição de cada uma dessas figuras jurídicas:

Autorização de uso: é o ato unilateral, discricionário e precário pelo qual aAdministração consente na prática de determinada atividade individual incidentesobre um bem público. Não tem forma nem requisitos especiais para suaefetivação, pois visa apenas a atividades transitórias e irrelevantes para o PoderPúblico, bastando que se consubstancie em ato escrito, revogável sumariamente aqualquer tempo e sem ônus para a Administração.

Permissão de uso: é o ato negocial, unilateral, discricionário e precário através doqual a Administração faculta ao particular a utilização individual de determinadobem público. [...]. Qualquer bem público admite permissão de uso especial aparticular, desde que a utilização seja também de interesse da coletividade que iráfruir certas vantagens desse uso, que se assemelha a um serviço de utilidadepública.

Concessão de uso: é o contrato administrativo pelo qual o Poder Público atribui autilização exclusiva de um bem de seu domínio a particular, para que o exploresegundo sua destinação específica.

Cessão de uso: é a transferência gratuita da posse de um bem público de umaentidade ou órgão para outro, a fim de que o cessionário o utilize nas condiçõesestabelecidas no respectivo termo, por tempo certo ou indeterminado. É ato decolaboração entre repartições públicas, em que aquela que tem bens desnecessáriosaos seus serviços cede o uso a outra que deles está precisando.

A permissão de uso encontra-se prevista na Lei 9.636, de 15.05.1998, art.

22, que dispõe o seguinte:

________________165 MEIRELLES, op. cit., p. 474.

100

A utilização, a título precário, de áreas de domínio da União para a realização deeventos de curta duração, de natureza recreativa, esportiva, cultural, religiosa oueducacional, poderá ser autorizada, na forma do regulamento, sob o regime depermissão de uso, em ato do Secretário do Patrimônio da União, publicado noDiário Oficial da União.

Na praia, o que ocorre com mais freqüência é a expedição de autorização ou

permissão de uso. A diferença entre elas é que a permissão é concedida pela

Secretaria de Patrimônio da União para atividades que denotem interesse da

coletividade e que se estendem por mais tempo; já a autorização é geralmente

fornecida para atividades de curta duração. A cessão é realizada geralmente entre

dois entes políticos, e a concessão, além de ter natureza contratual, serve para

exploração de finalidade específica que não cabe no presente caso.

Neste trabalho, tratar-se-á dos atos que outorgam a um particular o direito

de utilizar-se do bem público praia, ou seja, da autorização ou permissão de uso.

Tratam esses dois institutos de atos administrativos discricionários. Veja-se como

João Roberto Santos Régnier situa e define discricionariedade:

[...] mais precisamente na esfera da Administração Pública, discricionariedade –considerados aqueles limites – encerra compreensão em torno da possibilidade deescolha conferida ao agente administrativo de agir ou não agir numa determinadadireção, consultando para isso a oportunidade e a conveniência da medida166.

O correto é que as autorizações e permissões sejam concedidas com

observância preponderante do interesse público, principalmente quanto a bens

como a praia, de uso comum do povo. O direito do particular fica condicionado ao

interesse geral, que deve predominar. Segundo Marcia Walquiria Batista dos

Santos,

mais correto é dizer que o interesse privado, ao exercer o conteúdo do direitosubjetivo de propriedade, fica condicionado à obtenção de licença. Condiciona-se asatisfação de um interesse ao anterior atendimento de outro, aquele privado, estepúblico167.

Com os olhos postos nessas circunstâncias, e já esclarecidas as conceitua-

ções terminológicas, passa-se ao estudo de quem detém a competência para

autorizar construções e atividades na zona costeira. Ressalve-se em caso de

________________166 RÉGNIER, João Roberto Santos. Discricionariedade administrativa: significação,

efeitos e controle. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 28.

101

permissão de uso deve haver, por determinação legal (art. 22 da Lei 9.636, de

15.05.1998), a necessária manifestação da Secretaria de Patrimônio da União,

antes da concessão do alvará.

A competência administrativa, de modo semelhante à competência

legislativa, foi estabelecida pela Constituição em privativa e comum, distribuídas

entre os entes políticos.

A competência administrativa exclusiva da União encontra-se prevista no

art. 21 da Constituição Federal. Os incisos que tratam de assuntos relacionados

com o meio ambiente e com urbanismo (construções) são os seguintes:

Art. 21 – Compete à União: VI – autorizar e fiscalizar a produção e o comércio dematerial bélico; IX – elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenaçãodo território e de desenvolvimento econômico e social; XIX – instituir sistemanacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga dedireitos de seu uso.

Sobre a competência administrativa exclusiva da União assim se manifesta

Fernanda Dias Menezes de Almeida:

Neste artigo confere-se competência à União para desempenhar certas atividadesde cunho político, administrativo, econômico ou social que, por sua natureza,inserem-se na órbita do Poder Executivo, pressupondo o seu exercício a tomada dedecisões governamentais e a utilização da máquina administrativa. Em algunscasos, o desempenho dessas atividades e serviços pressupõe ainda a participação doPoder Legislativo, que deve autorizar previamente ou aprovar a posteriori os atosdo Poder Executivo. É o que se dá, por exemplo, com a declaração de guerra ecelebração da paz ou com a decretação do estado de sítio, que dependem deautorização do Congresso Nacional (...)”168.

Em relação aos Municípios, sua competência exclusiva geralmente se limita

aos assuntos de interesse local, conforme disposto no art. 30 da Constituição.

Importa também, neste ponto, o disposto no inciso VIII desse artigo, segundo o

qual compete ao Município “promover, no que couber, adequado ordenamento

territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da

ocupação do solo urbano”. Na maioria das vezes, porém, a competência do

Município insere-se na seara comum.

Quanto aos Estados-membros, a competência administrativa privativa, que é

apenas remanescente, está disposta no § 1o do art. 25 da Carta Magna, o qual

167 SANTOS, op. cit., p. 36.

102

assim dispõe: “[...] são reservadas aos Estados as competências que não lhes

sejam vedadas por esta Constituição”. Portanto, na área administrativa, cabem ao

Estado privativamente todas as competências que não forem exclusivas da União

e dos Municípios, bem como as competências comuns, que serão objeto de estudo

em outro tópico. Conforme alerta J. Cretella Junior sobre a questão, “eis a

competência administrativa do Estado, nas Federações: o exercício ou desem-

penho de serviços públicos estaduais. Só, ou em conjunto”169.

Registre-se que, mesmo em casos de legislação federal ou municipal, o

Estado tem competência material para agir administrativamente em defesa do

meio ambiente.

No entanto, a competência de maior relevância e complexidade é a comum

entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal, consagrada no art. 23 da

Carta Magna. Dentre seus incisos, cumpre destacar os seguintes:

III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico ecultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;IV – impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e deoutros bens de valor histórico, artístico e cultural; VI – proteger o meio ambiente ecombater a poluição em qualquer de suas formas; VII – preservar as florestas, afauna e a flora; XI – registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos depesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios.

A competência comum é realizada de forma semelhante à concorrente. Masse vê pela leitura do artigo art. 23 que, diferentemente desta, aquela incluiuexplicitamente o Município no caput. As normas de competência comum são,segundo Raul Machado Horta, “regras não exclusivas, não dotadas deprivatividade e que deverão constituir objeto da preocupação comum dos quatroníveis de Governo, dentro dos recursos e das peculiaridades de cada um”170.

Esse dispositivo significa que todos os entes, isolados ou em conjunto,podem atuar segundo regras preestabelecidas, ou conforme ensina Afonso daSilva:

Muitos dos assuntos do setor social, especialmente, referidos antes como decompetência da União, não lhe cabem com exclusividade. A Constituição abriu apossibilidade de Estados, Distrito Federal e Municípios compartilharem com ela da

168 ALMEIDA, op. cit., p. 91.169 CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Fo-

rense Universitária, 1991. v. 4, p. 1742.170 HORTA, op. cit., p. 417.

103

prestação de serviços nessas matérias, mas, principalmente, destacou umdispositivo (art. 23), onde arrola temas de competência comum171.

No mesmo sentido a lição de J. Cretella Junior:

[...] proteção ao meio ambiente é poder-dever da União, dos Estados, do DistritoFederal e dos Municípios que, para a concretização desse relevante desiderato,devem empregar esforços conjuntos, no uso de sua competência administrativacomum (art. 23, VI), sempre sob incidência de leis da União, dos Estados e doDistrito Federal, a qual expressa regra jurídica constitucional (art. 24, VI) delegoucompetência concorrente para legislar sobre tal matéria 172.

No caso da proteção ao meio ambiente, o art. 23 dá a qualquer um dos entesda federação amplos poderes para atuar. Todavia − é preciso que se diga − naprática há dificuldade para definir qual a competência comum dos entes federadosque, aliás, não poderão exercê-la indistintamente, pois, segundo Meirelles,

Todo ato emanado de agente incompetente, ou realizado além do limite de quedispõe a autoridade incumbida de sua prática, é inválido, por lhe faltar umelemento básico de sua perfeição, qual seja, o poder jurídico para manifestar avontade da Administração.173

Nestes termos, bem adverte Toshio Mukai:

Entretanto, não será dado a cada ente federativo o exercício indistinto destacompetência, sobre qualquer matéria; queremos dizer que, sobre uma determinadasituação agressora do meio ambiente, não cabe, a título de exercício destacompetência, nem à União, nem ao Estado-membro ou ao Município, a atuaçãoindistinta sobre tal assunto, sob pena de ficarem infringidas as competênciasprivativas174.

Na competência comum, da mesma forma que na concorrente, o que deve

preponderar é o interesse em questão. Assim, ao analisar o tema conflito de

competência material entre os entes políticos, Passos de Freitas observa que

“quando a competência for comum (por exemplo, preservação de florestas), deve

ser verificada a existência ou não de interesse nacional, regional ou local e, a

partir daí, definir a competência material”175.

________________171 SILVA, Curso de direito constitucional positivo, p. 475.172 CRETELLA JUNIOR, op. cit., p. 1764.173 MEIRELLES, op. cit., p. 141. 174 MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Uni-

versitária, 2002. p. 20.175 FREITAS, A Constituição Federal ..., p. 81.

104

4.4.4Competência para autorizar obras e atividades na praia

Feitas essas breves considerações, impõe-se analisar o aspecto de quem

detém a competência para autorizar construção ou realização de atividades em

área litorânea, em especial na praia, tendo em vista tratar-se de competência

comum entre os entes políticos.É habitual que o Município, sem consulta a nenhum outro órgão, expeça

autorização para obras nas praias, desde construções modestas destinadas a bares,

quiosques ou barraquinhas na faixa de areia, até as mais sofisticadas como hotéis

e grandes empreendimentos; não é raro encontrar tais construções sobre áreas de

dunas e restingas. Comum também é a autorização de atividades na praia, como

espetáculos musicais ou esportivos. Tais fatos nos põem diante do impasse que

significa definir sobre a competência para autorizar tais empreendimentos, uma

vez que praia, mesmo que pertencente ao patrimônio indisponível da União, é

bem público, de uso comum do povo. Ademais, localiza-se em zona costeira,

patrimônio nacional, de acordo com o art. 225, § 4o, da Carta Magna.

Na realidade, a prática revela que não se faz nenhuma consulta nem se

requer a devida autorização à União ou aos órgãos federais (v.g. SPU ou Capitania

dos Portos). Concedida a autorização pelo Município e concluída a construção,

estará criada uma situação de fato, de difícil solução. É verdade que a construção

irregular é passível de demolição, e aí está o maior problema. A União,

entendendo caber a ela a autorização, aplica a sanção depois de consumada a

irregularidade, o que permite ao infrator justamente invocar o fato consumado ou

razões de natureza social para justificar a manutenção de tais edificações.

Principalmente porque na maioria das vezes nelas funcionam apenas pequenos

bares, de pessoas simples e de condição social na linha da pobreza que delas

dependem para a própria sobrevivência. Mas o problema apresenta gravidade

ainda maior, com manifesto prejuízo ao equilíbrio ambiental e paisagístico, no

caso de construções maiores como mansões de veraneio ou hotéis.

105

FOTO 13 - PRAIA DE COPACABANA, RIO DE JANEIRO/RJExemplo de construção de palco para realização de shows na praia. Arquivo pessoal

A solução desse impasse pode ser obtida apenas com análise e interpretaçãoda Constituição Federal, tendo sempre em vista três princípios, dos quais oprimeiro é o da supremacia da Constituição. Conforme observa Luís RobertoBarroso,

[...] toda interpretação constitucional se assenta no pressuposto da superioridadejurídica da Constituição sobre os demais atos normativos no âmbito do Estado. Porforça da supremacia constitucional, nenhum ato jurídico, nenhuma manifestação devontade pode subsistir validamente se for incompatível com a Lei Fundamental176.

O segundo princípio a ser levado em consideração é o da interpretação

conforme a Constituição. Nas palavras de Jorge Miranda,

A interpretação conforme à Constituição não consiste tanto em escolher entrevários sentidos possíveis e normais de qualquer preceito, o que seja mais conformecom a Constituição, quanto em discernir no limite – na fronteira dainconstitucionalidade – um sentido que, conquanto não aparente ou não decorrentede outros elementos de interpretação, é o sentido necessário e o que se tornapossível por virtude da força conformadora da Lei Fundamental177.

Por fim, não se pode olvidar o princípio da unidade da Constituição.

Novamente ensina Luís Roberto Barroso:

O papel do princípio da unidade é o de reconhecer as contradições e tensões – reaisou imaginárias – que existam entre normas constitucionais e delimitar a força

________________176 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo:

Saraiva, 1996. p. 150.177 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 1983.

4 t., apud BARROSO, op. cit., p. 176.

106

vinculante e o alcance de cada uma delas. Cabe-lhe, portanto, o papel deharmonização ou otimização das normas, na medida em que se tem de produzir umequilíbrio, sem jamais negar por completo a eficácia de qualquer delas178.

A princípio, poder-se-ia pensar que edificação em praia não deveria ficar

limitada à autorização municipal porque a praia é bem federal, além de ser

patrimônio nacional. Possuindo a União domínio sobre este bem, conforme

determinado constitucionalmente, é inegável seu interesse em tudo que ocorra

nele. Isto decorre principalmente do fato de que tais atitudes podem acarretar

lesão ao patrimônio público federal e, sendo em áreas de uso comum do povo,

podem ainda lesar o interesse coletivo ao uso pleno do bem conferido.

Por outro lado, mesmo sendo bem da União, também há determinação

constitucional admitindo a autoridade do Município quando existente o interesse

local (art. 30, I). Esse interesse é de fácil verificação quando se trata de construção

ou de atividade na praia, já que ninguém melhor que o Poder Público local para

saber das suas reais necessidades. Já a União, mesmo sendo a proprietária do bem,

encontra-se muito distante dos fatos e das questões locais para ter uma visão

adequada do que realmente interessa a um Município litorâneo e seus habitantes,

pois União e Município têm cada qual os próprios interesses, por vezes totalmente

diferentes. Como afirma Sérgio Sérvulo da Cunha,

As praias marítimas, o mar territorial e os terrenos de marinha, embora sendo bensda União, localizam-se, não obstante, no território de algum município. Como partedesse território incluem-se no âmbito da autonomia municipal e da respectivajurisdição. A população do município, titular não exclusiva do direito de uso dessasáreas, faz delas variado proveito, com objetivo econômico ou de lazer. Elas não seprestam apenas, eventualmente, à circulação, mas também à urbanização [...].Aqui, o Município exerce o seu poder de polícia como em qualquer outra área doseu território, disciplinando as edificações, o trânsito, a higiene, lançando tributos,fiscalizando e impondo sanções; os bens e atividades do próprio Estado-Membro eda União, existentes ou desenvolvidas nessas áreas – à parte a imunidade tributária– sujeitam-se ao poder de polícia local, conforme definido em lei179.

Note-se que deve ser levado em conta o interesse preponderante. Por outras

palavras, eventualmente uma obra na praia pode ser do interesse da União; mas se

for preponderantemente o interesse local, a competência é do Município.

________________178 BARROSO, op. cit., p. 185.179 CUNHA, op.cit., p. 297.

107

Ademais, o fato de estar a praia situada em área de patrimônio nacional não

pressupõe competência da União. Como já foi dito, uma área de patrimônio

nacional é do interesse de toda a Nação, não exclusivamente da União. O

Município também partilha esse interesse.

Além do interesse local, a competência do Município nesse caso é também

demarcada pelas funções sociais da cidade e pelo bem-estar de seus habitantes,

conforme determina o art. 182 da Constituição: “a política de desenvolvimento

urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais

fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções

sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”. Por funções sociais

da cidade entende-se morar, circular, trabalhar, estudar, divertir-se.

Assim, não há fundamento para que o Município não possa outorgar

autorização para construção ou atividades na praia. Geralmente tais autorizações

são concedidas para que um particular possa exercer atividade econômica e,

conseqüentemente, seu direito ao trabalho. Tais direitos encontram-se previstos na

Constituição, no art. 1o, IV: “a República Federativa do Brasil, formada pela união

indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em

Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: os valores sociais do

trabalho e da livre iniciativa”; no art. 6o: “são direitos sociais a educação, a saúde,

o trabalho, a moradia [...]” e no art. 170: “a ordem econômica, fundada na

valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a

todos existência digna, conforme os ditames da justiça social [...]”.

O ente que pode aferir com mais exatidão a real necessidade de um cidadão

para exercer seus direitos é o Poder Público Municipal. Imagine-se, por exemplo,

se para a prática de um pequeno comércio, como a venda de cachorro-quente na

praia, o cidadão tivesse que se dirigir à autoridade competente da União. É

simples perceber que não se trata de atividade de interesse federal a justificar

interferência do Poder Público Federal, e que a demora no atendimento, agravada

no mais das vezes pela distância entre a repartição pública e o cidadão, criaria

uma situação de prejuízo manifesto ao interessado. Não seria demais ver nisso

ofensa ao princípio da dignidade humana.

Reconhecido pela Declaração e Programa de Ação de Viena, na Conferência

Mundial sobre Direitos Humanos de 1993, a importância desse princípio em nosso

108

ordenamento jurídico é demonstrada por Eros Roberto Grau: “[...] embora assuma

concreção como direito individual, a dignidade da pessoa humana, enquanto

princípio, constitui, ao lado do direito à vida, o núcleo essencial dos direitos

humanos”180.

Esse mesmo raciocínio vale para realização de atividades promovidas pelo

próprio Município, na praia. A princípio, não há necessidade de autorização da

União para isso. Sérgio Sérvulo da Cunha conclui esse pensamento com muita

propriedade:

O exercício de suas funções rotineiras, no que toca a essas áreas, não reclamaqualquer tipo de autorização da União, como por exemplo, as que dizem respeito àcolocação de barracas, ou à retirada de areia da praia por parte da administração domunicípio, para desobstruir canais ou calçadas, em pontos de acumulação dessematerial. Inexiste hierarquia, entre as pessoas internas de direito público, queentregue a umas em detrimento de outras, a primazia de salvaguardar o interessepúblico. O Município, desse ponto de vista, não se presume menos qualificado quea União. E o poder de fiscalização da União – principalmente quando se trata deprovidências comuns, ordinárias, ou rotineiras da administração municipal, nãoimplica a necessidade de autorização ou licença prévia, caso a caso181.

Ademais, como pôde ser visto acima, a competência, conforme estabelecido

pela Constituição de 1988, dá-se pela matéria e não pelo domínio do bem. Dessa

forma, no caso de construção e atividades na praia, não se sustenta o impedimento

do Município para expedir autorização.

Todavia, tal poder conferido ao Município não é absoluto. Há situações

básicas que demonstram o notório interesse da União e fazem com que o mero

interesse local seja absorvido por outro maior. São situações nas quais a União

será o único ente competente para expedir autorização, conforme afirma Sérgio

Sérvulo da Cunha:

[...] assim como a União, para construir edifício ou obra em território municipalprecisa submeter-se às normas edilícias, solicitando e obtendo alvará, também oMunicípio necessita de autorização da União, quando o ato, atividade ou obraenvolver interesses da navegação, das comunicações, da defesa nacional, da políciade fronteiras182.

________________180 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 6. ed. São Paulo:

Malheiros, 2001., p. 231.181 CUNHA, op. cit., p. 298.182 CUNHA, op. cit., p. 298.

109

Esses são interesses que se relacionam diretamente com a União, tendo em

vista sua competência privativa, conforme determinado no art. 21 da Carta Magna

Federal, o que torna inevitável e essencial a sua manifestação.

Entretanto, deve ser adicionado aos interesses mencionados pelo doutrina-

dor o relevante interesse coletivo que, quando atingido, também enseja competên-

cia federal. Inserida nele está a proteção ambiental. Assim, se a intenção é a

realização de obra de grande vulto que agrida o meio ambiente de forma

significativa gerando efeitos maléficos em nível nacional, cabe à União a

autorização.

A proteção do meio ambiente é direito difuso ao qual a própria ordem

econômica se submete, conforme art. 170, VI, da Carta Federal, principalmente

em caso de atividade que acabe atingindo e poluindo os mares. Como visto no

capítulo 1 deste trabalho, a poluição dos nossos mares pode gerar conseqüências

danosas em toda a costa brasileira e também na de outros países. Portanto, a

União é o único poder competente para expedir autorização para iniciativas que

incluam risco de ocorrência de situações de tal gravidade, tendo em vista o claro

interesse nacional.

Ressalve-se que nos casos de empreendimentos mais duradouros e que

sejam de interesse coletivo, como construção de quiosques no calçadão da praia, o

instituto que deve ser aplicado é o da permissão de uso. Isso quer dizer que,

preliminarmente à autorização do Município e expedição de alvará, a Secretaria

de Patrimônio da União deve expedir o seu ciente e até mesmo estabelecer

condições para que seja garantido o uso ordenado do bem público. O caso da

cidade de Guaratuba/PR é exemplar de tal situação, vislumbrada na seguinte

notícia:

No último dia 2 de outubro, a Associação dos Verdadeiros Ambulantes deGuaratuba – AVAG, recebeu a cópia do ofício n° 551/2002 assinada pelo gerenteregional do Patrimônio da União no Paraná, Dinarte Antonio Vaz, relatando sobreo pedido que havia sido feito, pela Associação, sobre o uso de espaços na praia,para a colocação dos quiosques.

A reportagem da Folha depois de receber uma cópia do documento, procurou pelopresidente da Associação para saber a que pé anda mais uma vez as negociaçõesentre a Associação dos Verdadeiros Ambulantes, a Prefeitura e o Patrimônio daUnião, sobre o uso de espaço do Patrimônio da União na praia e foi informada deque as coisas não estão muito fáceis para se chegar a um consenso.

110

Dentre os itens que estão travando um acordo, está a padronização dos quiosques, aproibição de uso de fogões ou similares e a colocação de um quiosque a cada 100metros183.

Por vezes, os interessados tentam recorrer diretamente ao Ministério da

Marinha para obter autorização para construção na praia. Tal autorização,

entretanto, é possível apenas para prevenir prejuízos que tais obras possam causar

à navegação, pois certamente não dão direito ao uso privado de um bem público

ao construtor. A competência do Ministério da Marinha restringe-se a interesses

navais e de segurança da navegação.

Assim também decidiu a Justiça Federal do Rio Grande do Sul sobre caso

ocorrido no Município de Tramandaí/RS, no qual três empresas particulares

administravam três plataformas de pesca, com acesso exclusivo aos sócios ou

cobrando ingresso dos visitantes. Tal obra construída à margem de qualquer

autorização do IBAMA, órgão ambiental da União, tivera autorização apenas do

Ministério da Marinha; as plataformas foram construídas parte sobre a plataforma

continental, parte sobre a praia. Em sua sentença, afirmou o magistrado federal:

“[...] por outro lado, a existência de nihil obstat por parte do Ministério da

Marinha aos projetos não implica por si só direito à utilização privada de bem

público”184.

4.4.5Construções próximas à praia que podem afetar seu uso

É sério o problema da construção de prédios na orla marítima, geralmente

sobre terrenos de marinha. Trata-se de verdadeiros arranha-céus de concreto

autorizados pelos Municípios, destinados tanto para residência quanto para

comércio, que gradativamente substituem a beleza natural de diversas cidades de

veraneio, desfigurando a paisagem e tornando-as cada vez mais parecidas com o

local de origem dos turistas. A preocupação com essa questão não é recente, como

se pode verificar em notícia veiculada na imprensa em 1983:

________________183 Quiosques: a indefinição continua. Folha de Guaratuba, Guaratuba, 8 nov. 2002, p. 6.184 BRASIL. Processo 91.00.01046-4, 2a Vara Federal de Porto Alegre, Juiz Rômulo

Pizzolatti. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n. 24, p. 353-356, out./dez 2001.

111

A infra-estrutura urbana que foi crescendo ao longo dos anos atingiu tal proporçãoque os motivos que inicialmente atraíam tanta gente estão se deteriorando quasetotalmente. É o caso de Camboriú, de Copacabana ou de Ipanema, só para citaralguns exemplos. Surgiram espigões de concreto quase dentro da areia utilizadapelos banhistas. Os espigões projetam sombra e, lógico, acabam com o sol. Osesgotos, por sua vez, acabam com a antiga limpidez das águas. A brisa, antes frescae perene, agora bate de encontro com o paredão de edifícios; o ar não circulaconvenientemente e torna o ambiente abafado. O trânsito intenso de automóveis naavenida beira-mar tira a segurança e a tranqüilidade de qualquer um,principalmente das mães.

Quem quer uma praia assim?

Ninguém185.

Além da questão paisagística, é de registrar o problema da sombra nas

praias. José Rodolfo Ângulo destaca muito bem:

[...] o sombreamento da praia durante a tarde é um novo problema; tem como causaos grandes prédios construídos muito próximos a ela. Além disso, a próprialegislação criada para contornar esses problemas acaba gerando outros, como ainsatisfação de setores da sociedade que se consideram prejudicados186.

Esse não é, entretanto, problema exclusivo do Brasil. Mas, por ser exemplar

do compromisso da justiça com o meio ambiente, merece ser citado precedente

judicial sobre praia no Estado da Flórida, Estados Unidos, assim resumido:

Fontainebleau Hotel Corp v Forty-Five Twenty-Five Inc.District Court of Appeal of Florida114 So 2d 357: August 27, 1959 (USA)

O reclamante-apelado procurou proibir os acusados-apelantes de prosseguir com aconstrução do anexo a Fontainebleau, alegando que a construção interferiria com aluz e o ar na praia em frente a Eden Roc e projetaria uma sombra de tamanho talque tornaria a praia completamente inadequada ao uso e divertimento de seushóspedes, para irreparável dano ao reclamante. O acusado negou as alegaçõesmateriais da reclamação. O julgador concedeu uma medida liminar, impedindo oacusado de prosseguir com a construção do anexo.187

________________185 COMO NASCE e morre uma praia. Gazeta do Povo, Curitiba, 29 dez. 1983. 186ÂNGULO, Rodolfo José. As praias do Paraná: problemas decorrentes de uma ocupação

inadequada. Revista Paranaense de Desenvolvimento, Curitiba, n. 99, p. 98, jul./dez. 2000.187 No original: The plaintiff-appellee sought to enjoin the defendants – appellants from

proceeding with the construction of the addition to the Fontainebleau alleging that the constructionwould interfere with the light and air on the beach in front of the Eden Roc and cast a shadow ofsuch size as to render the beach wholly unfitted for the use and enjoyment of its guests to theirreparable injury of the plaintiff. The defendant denied the material allegations of the complaint.The chancellor granted a temporary injunction restraining the defendant from continuing with theconstruction of the addition.

112

Além dos problemas da falta de sol nas praias e da interferência na paisagem,a construção de espigões na orla marítima provoca ainda acúmulo de esgotodoméstico à beira-mar, dificuldade de circulação do vento e grande concentração deveículos. Devido a isso, diversas normas estaduais vêm sendo estabelecidas − e pornormas entendam-se leis estaduais e disposições das Constituições Estaduais −limitando o gabarito máximo para construção na orla marítima.

FOTO 14 - PRAIA DE COPACABANA, RIO DE JANEIRO/RJVerifica-se do lado esquerdo o grande número de edifícios altos,

voltados para a praia. Arquivo pessoal

4.4.6Necessidade de licenciamento ambiental e estudo prévio de impactoambiental para obras e atividades na praia

Além de autorização administrativa para construção na zona costeira, que

deve ser concedida pelos entes políticos, é também essencial a expedição de

licenciamento ambiental, que, por sua vez, cabe aos órgãos ambientais. Assim,

para qualquer construção ou atividade na orla marítima é indispensável seu

licenciamento por órgão competente.

No que diz respeito à terminologia, a Resolução n° 237, de 22.12.1997, do

CONAMA, faz no art. 1º uma diferenciação técnica entre licenciamento ambiental

e licença ambiental:

I - Licenciamento Ambiental: procedimento administrativo pelo qual o órgãoambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação deempreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradasefetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam

113

causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentarese as normas técnicas aplicáveis ao caso.

II - Licença Ambiental: ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente,estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão serobedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar,ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursosambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que, sobqualquer forma, possam causar degradação ambiental.

Note-se que licenciamento é o procedimento administrativo e licença é o ato

administrativo que estabelece as condições a serem obedecidas. Entretanto, como

esclarece Machado,

[...] o emprego na legislação e na doutrina do termo ‘licenciamento’ ambiental nãotraduz necessariamente a utilização da expressão jurídica licença, em seu rigortécnico. Na matéria ambiental a intervenção do Poder Público tem o sentidoprincipal de prevenção do dano188.

Aliás, o art. 170, parágrafo único, da Constituição Federal, faz uso do termo

autorização ao tratar de assunto correlato: “... é assegurado a todos o livre exercí-

cio de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de

órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei” [grifo nosso].

Tendo em vista tais divergências doutrinárias, e para evitar interpretação

equivocada, utilizar-se-á neste trabalho indiferentemente o termo licenciamento

ou, simplesmente, licença.

Voltando ao art. 170, ele declara que, sendo livre no Brasil o exercício de

atividade econômica, a licença é exigível apenas se prevista em lei. A intervenção

do Poder Público nesse tipo de atividade só se dará em razão de interesse geral,

que no presente caso é a proteção de um meio ambiente ecologicamente

equilibrado na zona costeira.

Em relação ao licenciamento ambiental para construção na praia, encontra-

se esse instituto devidamente previsto em lei, por isso a sua exigência. A Lei de

Política Nacional do Meio Ambiente assim dispõe:

Art. 9o - São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente:

IV - o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmentepoluidoras;

________________188 MACHADO, Direito ambiental brasileiro, p. 258.

114

Art. 10 - A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentose atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva oupotencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causardegradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento por órgão estadualcompetente, integrante do SISNAMA, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.

Outrossim, mais especificamente em relação a obras na zona costeira, reza a

Lei 7.661, de 16.05.1988:

Art. 6º. O licenciamento para parcelamento e remembramento do solo, construção,instalação, funcionamento e ampliação de atividades, com alterações dascaracterísticas naturais da Zona Costeira, deverá observar, além do disposto nestalei, as demais normas específicas federais, estaduais e municipais, respeitando asdiretrizes dos Planos de Gerenciamento Costeiro.

Pela leitura do art. 10 da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente,

verifica-se que a exigência da licença ambiental só se aplica àquelas atividades

que têm potencial de causar degradação ambiental ou que se utilizem de recursos

naturais. A Lei de Gerenciamento Costeiro também restringe a exigência desse

licenciamento ao especificar atividades que possam resultar em alteração das

características naturais da zona costeira.

O licenciamento, conforme observa Patrícia Azevedo da Silveira,

Consiste em um procedimento administrativo pelo qual o órgão ambientalcompetente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação deempreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradasefetiva ou potencialmente poluidoras, ou daquelas que, sob qualquer forma,possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais eregulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso189.

Já Heli Alves de Oliveira define assim licenciamento ambiental:

Um procedimento administrativo através do qual a Administração, comfundamento no poder de polícia, exige dos administrados o cumprimento de umasérie de requisitos os quais culminarão ou não na expedição de atos denominados‘licenças ambientais’ para a localização, instalação e operação de atividadesconsideradas efetiva ou potencialmente poluidoras190.

Ressalte-se que a Resolução CONAMA n° 237, de 19.12.1997, no art. 2o, §

1o, e Anexo I, apresenta uma listagem de atividades e empreendimentos que se

________________189 SILVEIRA, op. cit., p. 175-176.190 OLIVEIRA, Heli Alves. Da responsabilidade do Estado por danos ambientais. Rio

de Janeiro: Forense, 1990. p. 11.

115

sujeitam a licenciamento ambiental, mas não inclui nela obras em zona costeira.

Apesar disso, em face de determinação explícita da Lei de Gerenciamento Costei-

ro, é essencial a expedição de tal ato administrativo nos casos previstos.

Não existe apenas uma licença ambiental necessária às construções que

possam gerar danos ambientais. Na verdade, em cada etapa do empreendimento

será expedida uma licença, de acordo com o art. 19 do Decreto 99.274, de

06.06.1990, e art. 8o da Resolução 237, de 19.12.1997, do CONAMA:

I – Licença Prévia (LP), na fase preliminar do planejamento da atividade, contendorequisitos básicos a serem atendidos nas fases de localização, instalação eoperação, observados os planos municipais, estaduais ou federais de uso do solo;

II – Licença de Instalação (LI), autorizando o início da implantação, de acordo comas especificações constantes do projeto executivo aprovado;

III – Licença de Operação (LO), autorizando, após as verificações necessárias, oinício da atividade licenciada e o funcionamento de seus equipamentos de controlede poluição, de acordo com o previsto nas Licenças Prévia e de Instalação.

Assim, a necessidade de licença ambiental reforça a relevância do princípio

da prevenção. Ressalva Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer:

Possui o licenciamento uma função eminentemente preventiva: antes mesmo de seiniciar uma determinada atividade, o Poder Público verifica se a maneira como elaserá desenvolvida não contraria os requisitos legais a ela impostos, evitando-se,assim, futuros danos à coletividade. Por isso, podemos afirmar ser o licenciamentoum instrumento de controle ambiental prévio191.

Esse princípio foi consagrado e adotado pela ONU durante a ECO/92, na

Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em seu

princípio número 15, que assim dispõe:

[...] a fim de proteger o meio ambiente, a abordagem preventiva deve seramplamente aplicada pelos Estados, na medida de suas capacidades. Onde houverameaças de danos sérios e irreversíveis, a falta de conhecimento científico nãoserve de razão para retardar medidas adequadas para evitar a degradação ambiental.

Em nossa legislação, tal princípio foi adotado pela Constituição no art. 225,caput, ao dizer que cabe ao Poder Público e à coletividade “proteger e preservar o

________________191 PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. A publicidade e o direito de acesso a

informações no licenciamento ambiental. In: FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin (Org.).Temas de direito ambiental e urbanístico. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 338.

116

meio ambiente para as presentes e futuras gerações”. Cristiane Derani observa apropósito:

Precaução é cuidado (in dubio pro securitate). O princípio da precaução está ligadoaos conceitos de afastamento de perigo e segurança das gerações futuras, comotambém de sustentabilidade ambiental das atividades humanas. Este princípio é atradução da busca da proteção da existência humana, seja pela proteção de seuambiente como pelo asseguramento da integridade da vida humana. A partir destapremissa, deve-se também considerar não só o risco iminente de uma determinadaatividade como também os riscos futuros decorrentes de empreendimentoshumanos, os quais nossa compreensão e o atual estágio de desenvolvimento daciência jamais conseguem captar em toda densidade192.

Para a concessão de licença ambiental é exigido estudo prévio de impactoambiental, sem o qual ela não será expedida. O conceito jurídico da expressão“impacto ambiental” é dado pela Resolução 01, de 03.01.1986, do CONAMA, nosseguintes termos:

Art. 1o. Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental qualqueralteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente,causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividadeshumanas que, direta ou indiretamente afetam:

I – a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

II – as atividades sociais e econômicas;

III – a biota;

IV – as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;

V – a qualidade dos recursos naturais.

Impacto ambiental é, segundo definição de Alessandro Allegretti, “qualqueralteração ou mudança no meio ambiente resultante de atividade humana, podendoser negativa quando degradadora dos recursos naturais ou positiva quandoregeneradora de áreas e/ou funções que foram destruídas”193. Para LuigiTramontano, “a expressão impacto ambiental indica todas as variações que secriam a partir de um determinado evento, no sistema homem-ambiente” (traduçãonossa)194.

________________192 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997.

p. 167.193 ALLEGRETTI, Alessandro. Explicando o meio ambiente. Rio de Janeiro: Memory,

2001. p. 184.194 L’espressione “impatto ambientale” indica tutte le variazioni che si creano, a seguito di

um determinato evento, nel sistema uomo-ambiente. TRAMONTANO, Luigi. Dirittodell’ambiente: ecologia ed educazione ambientale. 3. ed. Napoli: Simone, 1996. p. 577.

117

A exigência de estudo de impacto ambiental é preceito da Constituição

Federal, conforme o §1º do art. 225, que tem o seguinte teor:

Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [...] IV –exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmentecausadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impactoambiental, a que se dará publicidade.

A Constituição brasileira é a primeira do mundo a impor a obrigatoriedade

de estudo de impacto ambiental (EIA), aliás preconizado na maioria das Constitui-

ções estaduais brasileiras, do que são exemplos a Constituição da Bahia (art. 214,

IV) e a Constituição do Espírito Santo (art. 187).

Alguns termos e expressões do § 1º do art. 225 da Constituição Federal

podem ser considerados pouco precisos. É o caso do adjetivo “significativa”,

usado como antônimo de “insignificante”, com que se pretendeu qualificar um

grau de agressão ambiental capaz de causar dano sensível. Sobre esse aspecto, é

oportuna a observação de Celso Antonio Pacheco Fiorillo:

Além disso, a atividade de significativa impactação não foi definida, de forma quese criou um conceito jurídico indeterminado, o que, por evidência, dificulta a tarefado operador da norma. Vale frisar ainda que a palavra obra também não foidefinida, de modo a sugerir que qualquer uma pode estar sujeita à execução doEIA/RIMA.

Assim, admitimos que o EIA/RIMA nem sempre poderá ser exigido nas obras ouatividades que não forem de significativa impactação e que o conceito de obra ouatividade deverá ser compreendido de forma ampla. Na verdade, o referencial àexigência do estudo encontra-se vinculado ao efeito e à impactação que possacausar e não propriamente à natureza do empreendimento (obra, atividade,construção etc.)195.

Como se vê nessa análise, a obrigatoriedade do EIA não é questão simples.

A exigência constitucional, segundo Michel Prieur, é

Evitar que uma construção ou uma obra, justificadas em face do plano econômicoou do ponto de vista dos interesses imediatos do construtor, revelem-seposteriormente nefastas ou catastróficas para o meio ambiente. Busca-se prevenir apoluição e os danos à natureza, avaliando antecipadamente os efeitos da ação dohomem sobre seu meio natural196.

________________195 FIORILLO, op. cit., p. 71.196 Éviter qu’une construction ou un ouvrage justifié au plan économique ou au point de

vue des intérêts immédiats du constructeur ne se révèle ultérieurement néfaste ou catastrophique

118

A insuficiência do texto do art. 225 é também objeto de análise de ÉdisMilaré e Antonio Herman V. Benjamin:

Por seu alto custo e complexidade, deve ser usado com parcimônia e prudência, depreferência para os projetos mais importantes sob a ótica ambiental.

Esse o sentido da lei brasileira, ao fazer depender o seu desencadeamento apenasante o vislumbre de significativa degradação que o empreendimento possa causarao ambiente.

Não constitui tarefa fácil, entretanto, precisar o conceito de “significativadegradação”, dado que na implantação de um projeto sempre haverá “alteraçãoadversa das características do meio ambiente197.

Note-se que é difícil saber se a obra ou atividade terá significativo impactoambiental antes de realizado o estudo. Tentando solucionar tal impasse, oCONAMA elaborou uma lista das obras e atividades que dependem de prévioestudo de impacto ambiental (art. 2o da Resolução n° 01, de 17.02.1986), lista essaapenas exemplificativa como parece demonstrar a expressão “tais como” aliempregada.

O EIA é previsto também da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente,nos artigos 9, IV, e 10198 e na Lei 7.661, de 16.05.1988 que, além das disposiçõesgerais, estabelece no art. 6o os trâmites para obras e atividades previstas para azona costeira:

§ 2o. Para o licenciamento, o órgão competente solicitará ao responsável pelaatividade a elaboração do estudo de impacto ambiental e a apresentação dorespectivo Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, devidamente aprovado, naforma da Lei.

Dessa forma, qualquer construção na zona costeira que possa alterar suas

características naturais só será autorizada mediante estudo prévio de impacto

ambiental. Portanto, em se tratando de zona costeira, a lei pressupõe a

possibilidade de dano ao meio ambiente.

pour l’environnement. On cherche à prévenir les pollutions et les atteintes à la nature en évaluant àl’avance les effets de l’action de l’homme sur son milieu naturel.PRIEUR, op. cit., p. 67.

197 MILARÉ, Édis; BENJAMIN, Antonio V. Herman. Estudo prévio de impactoambiental: teoria, prática e legislação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 27.

198 Art. 9o - São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: IV - o licenciamentoe a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras.

Art 10 - A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos eatividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores,bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de préviolicenciamento por órgão estadual competente, integrante do SISNAMA, sem prejuízo de outraslicenças exigíveis.

119

Alguns pontos devem ser destacados em relação a toda essa questão,

conforme alerta Machado199. Primeiro, o estudo deve ser sempre anterior à

autorização da obra, prevalecendo novamente o princípio da prevenção, uma vez

que se uma construção tem grande impacto no meio ambiente de nada adiantará

tal constatação depois que ela for realizada. Nesta hipótese, a única solução seria a

demolição da obra, o que resultaria apenas em sanção ao infrator, já que o meio

ambiente local estaria comprometido, e de forma mais grave tratando-se da zona

costeira, região bastante frágil na qual, na maioria das vezes, os danos ambientais

são irreversíveis e irreparáveis.

O segundo ponto refere-se à regulamentação da matéria, que, segundo artigo

da Constituição, é remetida para a legislação ordinária. Além disso, o texto exige

estudo de impacto ambiental não só para a construção de obra, mas também para

atividades.

Paulo de Bessa Antunes comenta:

[...] a moderna doutrina jus-ambientalista vem se orientando no sentido de entenderser inafastável a exigência dos estudos de impacto ambiental, sempre que presentesas condições tratadas no inciso IV do parágrafo 1o do art. 225 da Constituição daRepública Federativa do Brasil200.

Segundo o autor, qualquer licenciamento concedido sem estudo de impacto

ambiental prévio será nulo de pleno direito. A propósito, merece ser citada

decisão judicial acerca da essencialidade do EIA/RIMA na zona costeira:

Processual civil. Agravo de instrumento. Estudo de impacto ambiental paralicenciamento de obra em zona costeira.

1. A autoridade administrativa não pode prescindir da elaboração de prévio Estudode Impacto Ambiental (EIA) e da apresentação de seu respectivo relatório (RIMA)aprovado pelo órgão competente para o licenciamento de obra em zona costeira,louvando-se, apenas, em pareceres de seus técnicos, que não têm o alcance e acomplexidade do EIA-RIMA.

2. Em se tratando de obra em zona costeira, a lei presume a existência depossibilidade de dano ao meio ambiente e exige o respectivo estudo de impactoambiental.

________________199 MACHADO, Direito ambiental brasileiro.200 ANTUNES, op. cit., p. 161.

120

3. Agravo de instrumento ao qual se dá parcial provimento201.

Note-se que tanto o licenciamento quanto o EIA deverão ser informados ao

público, ou seja, dele deve ser dada publicidade pelos órgãos de comunicação,

conforme disposto no art. 225, § 1o, IV da Carta Magna; no art. 10, § 1o da Lei

6.938, de 31.08.1981: “[...] os pedidos de licenciamento, sua renovação e a

respectiva concessão serão publicados no jornal oficial do Estado, bem como em

um periódico regional ou local de grande circulação” e no art. 37 da Constituição

Federal.

Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer destaca com propriedade a importân-

cia da publicidade do licenciamento ambiental:

Como já ressaltado, a exigência de publicidade relaciona-se com o princípio daparticipação popular no licenciamento: sem ter o conhecimento da existência dasolicitação da licença ambiental, não haveria como as pessoas e entidadesambientalistas interessadas reunirem elementos para intervirem qualificadamenteno processo202.

E continua, sobre o estudo de impacto ambiental:

Aliás, se não houvesse tal exigência, o estudo perderia muito de sua utilidade.Como a sua elaboração fica a cargo de uma equipe multidisciplinar, contratadapelo proponente, a publicidade visa justamente permitir que a população possaparticipar ativamente das discussões a respeito da viabilidade da obra ou atividadelicencianda, realizando, sempre que for possível, pesquisas e estudos próprios203.

Registre-se que o estudo de impacto ambiental deve ser instruído com o

relatório de impacto ambiental (RIMA). Este conterá as principais conclusões

acerca do EIA, sempre em linguagem clara para comunicação ao público em geral.

Um exemplo de dano ambiental que a falta de estudo de impacto acabou

gerando foi o causado por um espetáculo realizado na orla marítima do Guaru-

já/SP, no verão de 2004, quando chegou a haver trepidação nos prédios

localizados em frente à praia, conforme noticiado pela imprensa local:

Preocupados com a possibilidade de ocorrerem novas trepidações em seus imóveis,como aconteceu na semana passada, moradores do Edifício Joana Mussa Gaze, emGuarujá, vão solicitar laudos técnicos sobre as vibrações provocadas pelos shows

________________201 BRASIL, TRF 1a Região. Agravo de instrumento n° 2002.01.00.010801-2/BA, 6a

Turma, Rel. Des. Fed. Maria Isabel Gallotti Rodrigues, j. 07.04.2003.202 PFEIFFER, op. cit., p. 346.203 Ibid., p. 347.

121

do Festival de Verão na Cidade, que acontecem nos fins de semana na PraçaHorácio Lafer, na Enseada. Com esse objetivo, eles ingressaram na última quarta-feira, com um pedido formal à Promotoria do Meio Ambiente do Município, paraque o Ministério Público (MP) tome a iniciativa de solicitar os serviços de umtécnico da Cetesb para elaborar um documento já nos shows de amanhã, de LuluSantos e Gabriel O Pensador.

“A Cetesb informou que só poderá enviar um técnico para medir a intensidade doruído por intermédio da solicitação de um órgão público: Prefeitura ou Promotoria.Como foi a Prefeitura que liberou o alvará do show em terreno público, elalogicamente vai adiar as solicitações para o fim dos eventos’’, disse a subsíndica doedifício, Maria Ângela Gonzalez204.

Tal tipo de espetáculo geralmente produz impacto ambiental, portanto viola

o art. 1º, I, da Resolução 01, pois afeta diretamente o bem-estar da população que

ali está presumidamente para descansar durante as férias. O estudo prévio de

impacto ambiental, nesses casos, seria de todo oportuno e os danos evitáveis.

A falta do EIA em obras realizadas na orla marítima tem originado ações

judiciais. Na Subseção Judiciária da Justiça Federal de Santos/SP foi interposta

ação civil pública pelo Ministério Público Federal, na qual se enumeram as razões

que tornam o EIA necessário:

1. evitar o emparedamento da paisagem natural, assim como o sombrea-

mento artificial da praia e do mar, respeitando o relevo natural e evitando

interferências artificiais nocivas;

2. manter a livre acessibilidade à praia e ao mar em qualquer direção e

sentido, bem como respeitar a finalidade pública e gratuita do espaço de

uso comum do povo;

3. evitar todas as formas de poluição, inclusive a atmosférica, a marinha e a

sonora artificial, disciplinando espaços e horários para atividades diferen-

ciadas;

4. reservar faixa de areia suficiente, preservando-a de ocupações indevidas

para resguardar o direito da presente e das futuras gerações;

5. evitar intervenções que provoquem indesejáveis reflexos na circulação de

meios de transporte;

________________204 SHOWS na orla preocupam moradores. A Tribuna Digital, Santos, 11 jan. 2004.

Disponível em: www.atribuna.com.br. Acesso em: 11 jan. 2004.

122

6. avaliar o bem público, considerando a localização privilegiada, para efei-to de apuração do valor de mercado, de modo a servir como parâmetromínimo para subsidiar eventuais decisões sobre cessões de áreas.

Na mencionada ação civil a liminar concedida foi assim justificada:

[...] para impedir edificações de qualquer espécie, permanentes ou sazonais, nazona costeira dos municípios abrangidos pela jurisdição desta Subseção, queimpliquem em alteração de características naturais, sem a realização de prévioEstudo de Impacto Ambiental e do respectivo Relatório de Impacto Ambiental(EIA/RIMA), sob pena de multa diária de R$20.000,00 (vinte mil reais)205.

Passando a tratar agora especificamente da competência para expedição delicenciamento ambiental, a Constituição Federal, no art. 23, III e VI, estabeleceque ela é comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Para cada casoconcreto a legislação infraconstitucional deve ser interpretada à luz da Constitui-ção Federal.

O art. 10 da Lei 6.938, de 31.08.1981, estabelece no caput ser competentepara a expedição da licença ambiental o órgão estadual ambiental integrante doSISNAMA (v.g. IAP/PR, FATMA/SC):

Art. 10 - A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentose atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva oupotencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causardegradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento por órgão estadualcompetente, integrante do SISNAMA, sem prejuízo de outras licenças exigíveis[grifo nosso].

O principal objetivo dessa norma foi atribuir aos Estados nesses casosprimazia no atendimento dos problemas ambientais. O § 3o do mesmo artigodispõe:

O órgão estadual do meio ambiente e o IBAMA, este em caráter supletivo,poderão, se necessário e sem prejuízo das penalidades pecuniárias cabíveis,determinar a redução das atividades geradoras de poluição, para manter asemissões gasosas, os efluentes líquidos e os resíduos sólidos dentro das condições elimites estipulados no licenciamento concedido.

Segundo Machado, o IBAMA, no caso, geralmente intervém “se o órgão

estadual ambiental for inepto ou se o órgão permanecer inerte ou omisso”206;

________________205 BRASIL, Santos, processo n° 2003.61.04.008242-0, juíza Daldice Maria de Almeida,

data da decisão: 05 de novembro de 2003.206 MACHADO, Direito ambiental brasileiro, p. 262.

123

todavia o § 4o do mesmo artigo estabelece que:“compete ao Instituto Brasileiro do

Meio Ambiente e Recursos Renováveis – IBAMA o licenciamento previsto no

caput deste artigo, no caso de atividades e obras com significativo impacto

ambiental, de âmbito nacional ou regional”; o que permite concluir que o IBAMA

tem competência para expedir a licença em dois casos: em caráter supletivo

quando inerte o órgão estadual, e quando possa haver significativo impacto

regional ou nacional.

Impacto regional ocorre quando atinge dois ou mais Estados. E é justamente

da especificação dessa abrangência que surgem problemas e divergências, uma

vez que obras e atividades podem gerar impacto ambiental de alcance municipal,

regional ou nacional, alcance esse nem sempre facilmente delimitado. Nesses

casos poderá haver duplicidade de licenciamento ou até mesmo licenciamento

elaborado por autoridade incompetente.

Cumpre, neste ponto, recorrer ao art. 7o da Resolução 237, de 22.12.1997,

do CONAMA, que diz: “[...] os empreendimentos e atividades serão licenciados

em um único nível de competência, conforme estabelecido nos artigos anteriores”,

isso porque, conforme Daniel Roberto Fink, Hamilton Alonso Junior e Marcelo

Dawalibi, “a legislação não define um único órgão para proceder a todo e

qualquer licenciamento. Fixa, isto sim, a competência conforme a abrangência

direta do impacto ambiental provocado, ou que se pode provocar”207. O interesse

ambiental preponderante, junto com o princípio geral da predominância do

interesse, é que indicarão o órgão competente.

A definição rigorosa da competência é extremamente importante, uma vez

que, conforme Daniel Roberto Fink, Hamilton Alonso Junior e Marcelo Dawalibi,

“o licenciamento ambiental realizado por órgão administrativo incompetente é

inválido”208.

No que respeita a impacto na zona costeira, um raciocínio superficial

poderia levar à conclusão de que qualquer atividade aí realizada, por tratar-se de

patrimônio nacional e portanto objeto de interesse nacional, demandaria a

intervenção do IBAMA. Todavia, da mesma forma que no caso das construções

nas praias, não basta essa condição para que uma obra com potencial para gerar

________________207 FINK, Daniel Roberto; ALONSO JUNIOR, Hamilton; DAWALIBI, Marcelo. Aspectos

jurídicos do licenciamento ambiental. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. p. 19.208 FINK; JUNIOR e DAWALIBI, op. cit., p. 38.

124

significativo impacto ambiental seja licenciada pelo órgão federal. Se assim não

fosse, o IBAMA seria o órgão responsável pelo licenciamento ambiental para toda

a Floresta Amazônica, Mata Atlântica, Serra do Mar, Pantanal Mato-Grossense e

Zona Costeira. Avalie-se cada uma dessas áreas e sua extensão, bem como a

estrutura que tem o IBAMA e se concluirá que seria impossível para o órgão

licenciar todas as obras ou atividades pretendidas para essas regiões. Ademais,

trata-se de zonas muito sensíveis e de importantes ecossistemas, e portanto a

realização de obras e atividades ali pode expô-las a risco de significativo impacto

ambiental.

A solução mais adequada é prever restrições para a atuação do órgão

ambiental federal em cada uma dessas regiões. No Direito, o bom senso deve ser

empregado com vistas à razoabilidade, que, nas palavras de Lúcia Valle

Figueiredo, “vai se atrelar à congruência lógica entre as situações postas e as

decisões administrativas. Vai se atrelar às necessidades da coletividade, à

legitimidade, à economicidade, à eficiência”209.

No caso específico da zona costeira, o IBAMA deve limitar-se a intervir

quando for notório o interesse da União. Por outras palavras, deve agir sempre que

obra ou atividade em zona costeira possa atingir as águas do mar. Como exemplo

tem-se a construção de portos. A poluição marítima pode gerar danos irreversíveis

em grande parte da costa brasileira e também na de outros países.

Corrobora essa afirmação o art. 4o da Resolução 237, de 22.12.1997, do

CONAMA, onde estão enumerados os empreendimentos e atividades com

significativo potencial para produzir impacto ambiental de alcance nacional ou

regional e que, conseqüentemente, devem ser licenciados pelo IBAMA. Embora

não haja nessa lista nenhuma menção específica a praia, ela fica subentendida no

inciso I, que associa tais obras ou atividades com mar territorial, plataforma conti-

nental e zona econômica exclusiva.

Ademais, conforme anotam Daniel Roberto Fink, Hamilton Alonso Junior e

Marcelo Dawalibi, “a regra geral é determinada pela área de influência direta dos

impactos, indicando a esfera de atuação administrativa”210.

Registre-se que em alguns casos o impacto ambiental pode circunscrever-se

ao território de um determinado Município, o que permite o licenciamento da obra

________________209 FIGUEIREDO, op. cit., p. 50.

125

por órgão ambiental municipal. Por outras palavras, se a área de influência direta

atingida for exclusivamente do Município, este poderá ser responsável pelo

licenciamento. O interesse preponderante é que indicará o órgão competente, tal

como estabelece o art. 6o da Resolução do CONAMA n° 237, de 22.12.1997:

Compete ao órgão ambiental municipal, ouvidos os órgãos competentes da União,dos Estados e do Distrito Federal, quando couber, o licenciamento ambiental deempreendimentos e atividades de impacto ambiental local e daquelas que lhe foremdelegadas pelo Estado por instrumento ou convênio.

Édis Milaré destaca a importância de órgão municipal específico para cuidardas questões ambientais:

Por isso, é próprio enfatizar que cada Município, pela ação legítima do PoderPúblico local, deve preocupar-se em instituir o Sistema Municipal do MeioAmbiente, considerado como o conjunto de estrutura organizacional, diretrizesnormativas e operacionais, implementação de ações gerenciais, relaçõesinstitucionais e interação com a comunidade. Tudo o que interessa aodesenvolvimento com qualidade ambiental deverá necessariamente ser levado emconta211.

No entanto, havendo impacto ambiental que atinja mais de um Município, acompetência será do Estado, conforme art. 5o da Resolução CONAMA 237, de22.12.1997:

Art. 5º - Compete ao órgão ambiental estadual ou do Distrito Federal olicenciamento ambiental dos empreendimentos e atividades:

I - localizados ou desenvolvidos em mais de um Município ou em unidades deconservação de domínio estadual ou do Distrito Federal;

II - localizados ou desenvolvidos nas florestas e demais formas de vegetaçãonatural de preservação permanente relacionadas no artigo 2º da Lei nº 4.771, de 15de setembro de 1965, e em todas as que assim forem consideradas por normasfederais, estaduais ou municipais;

III - cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais de um oumais Municípios;

IV – delegados pela União aos Estados ou ao Distrito Federal, por instrumentolegal ou convênio.

Essa mesma Resolução do CONAMA estabelece no art. 4º, § 2º, que “oIBAMA, ressalvada sua competência supletiva, poderá delegar aos Estados olicenciamento de atividades com significativo impacto ambiental de âmbitoregional, uniformizando, quando possível, as exigências”.

210 FINK, JUNIOR e DAWALIBI, Marcelo, op. cit., p. 20.211 MILARÉ, op. cit., p. 492.

126

Tal delegação seria muito bem-vinda e deveria ocorrer com mais freqüência,

pois resolveria grande parte dos freqüentes conflitos de competência. Além disso,

conforme ensina Passos de Freitas, “nada impede que Estado e Município

celebrem convênio através do qual o primeiro delega poderes ao segundo para

fornecer licenciamento”212. Aí Freitas fala de Estado e Município, mas sua

sugestão poderia ser estendida a União e Estado, uma vez que é notória a

importância do trabalho conjunto dos entes administrativos.

Evidentemente, o ideal seria que o próprio IBAMA licenciasse obras que

implicassem possibilidade de impacto ambiental, mas isso demandaria o reapare-

lhamento de todo o órgão, sua presença em todo o País, e até mesmo com mais de

uma sede em cada Estado. Tais carências explicam por que o órgão acaba

tentando muitas vezes eximir-se de sua responsabilidade; explicam mas não

tornam menos válido licenciamento que faça para obra fora dos parâmetros

estabelecidos.

FOTO 15 - PRAIA DE COPACABANA, RIO DE JANEIRO/RJBanheiros na praia: presunção de impacto ambiental. Arquivo pessoal

Além de melhor aparelhamento do órgão, também a contratação de mais

funcionários certamente agilizaria qualquer processo de concessão de licencia-

mento ambiental, já que a morosidade é uma das maiores críticas que se fazem ao

IBAMA. Segundo notícia de jornal, medidas estão sendo tomadas para que esse

quadro reste revertido:

________________212 FREITAS, Vladimir Passos de. Direito administrativo e meio ambiente. 3. ed.

Curitiba: Juruá, 2001. p. 75.

127

O Ibama - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos NaturaisRenováveis vai contratar novos profissionais e informatizar os processos delicenciamento ambiental com o objetivo de desburocratizar e agilizar estesprocessos. [...]. A instituição realizará concurso público para contratação de 500servidores, sendo que 151 vagas serão destinadas a especialistas em licenciamentoambiental. Em seis meses, o Ibama colocará todas as informações sobre processosde licenciamento na Internet para que o cidadão possa acessá-las213.

Ressalve-se que a licença ambiental pode ser renovada a qualquer momento,

o que torna o IBAMA responsável por obras permanentes realizadas no passado

ou que já tenham degradado a área.

É oportuno lembrar que a licença ambiental deverá ser concedida para o

empreendimento em seu todo, e não de forma fragmentada, pois embora algumas

partes possam separadamente não oferecer risco ao meio ambiente, isso não

significa que a obra como um todo não seja degradadora.

Por fim, deve ser ressalvada opinião contrária, do ilustre Paulo Affonso

Leme Machado, acerca das Resoluções do CONAMA: “as licenças ambientais

não podem ser instituídas por portaria do IBAMA - Instituto brasileiro do Meio

Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, pelos órgãos públicos ambientais

dos Estados e dos Municípios, pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente –

CONAMA ou por outros conselhos”214.

4.5Sanções administrativas aplicáveisem casos de construção irregular

Sanção é pena imposta por lei para punir infrações contra ela consumadas.

Segundo García de Enterría e Fernandez:

Por sanção administrativa entendemos aqui um mal infligido pela Administração aum administrado como conseqüência de uma conduta ilegal. Esse mal (fim aflitivoda sanção) consistirá sempre na privação de um bem ou de um direito (revogaçãode um ato favorável, perda de uma expectativa ou de um direito, imposição de umaobrigação de pagamento de uma multa) [...].

________________213 IBAMA informatiza área de licenciamento ambiental para agilizar processos. Jornal

Eletrônico Ambiente Brasil, 26 maio 2004. Disponível em: www.ambientebrasil.com.br. Acessoem: 26.05.2004.

214 MACHADO, op. cit., p. 261.

128

Distinguem-se estas sanções das penas propriamente ditas por um dado formal, aautoridade que as impõe; aquelas, a Administração; estas, os tribunais penais.215

As sanções administrativas são aplicadas pelos próprios órgãos da

administração direta ou indireta da União, dos Estados ou dos Municípios, os

quais detêm poder de polícia que, segundo definição do Código Tributário

Nacional:

Art. 78 – Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que,limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ouabstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, àhigiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, aoexercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização doPoder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitosindividuais ou coletivos.

Também no que diz respeito ao meio ambiente, naturalmente crimes e

infrações contra ele praticados são regulados pelo poder de polícia da Adminis-

tração Pública. Na definição de Machado:

Poder de polícia ambiental é a atividade da Administração Pública que limita oudisciplina direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção defato em razão de interesse público concernente à saúde da população, àconservação dos ecossistemas, à disciplina da produção e do mercado, ao exercíciode atividades econômicas ou de outras atividades dependentes de concessão,autorização/permissão ou licença do Poder Público de cujas atividades possamdecorrer poluição ou agressão à natureza216.

Sanções só são cabíveis em caso de infração se previstas em lei, isso em

decorrência do princípio da legalidade, como esclarecem García de Enterría e

Tomás-Ramón Fernández:Tem uma dupla vertente: por uma parte, não há infração nem sançãoadministrativas possíveis sem lei que as determine, de uma maneira prévia; emsegundo lugar, essa previsão legal, que tem aqui além disso o caráter próprio dalegalidade administrativa que conhecemos, a atribuição à Administração depotestade para sancionar, tem que realizar-se justamente através de lei formal217.

________________215 ENTERRÍA, Eduardo García; FERNÁNDEZ, Tomáz Ramón. Curso de direito admi-

nistrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 875-876.216 MACHADO, Direito ambiental brasileiro, p. 309-310.217 ENTERRÍA e FERNÁNDEZ, op. cit., p. 894.

129

Infração ambiental, como está definida no art. 70 da Lei de Crimes

Ambientais, é “toda ação ou omissão que viole regras jurídicas de uso, gozo,

promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”. Pode-se ver que a conduta

nela descrita é genérica, bastando para configurar infração qualquer ação ou

omissão lesiva ao meio ambiente, o que torna esse conceito bastante abrangente.

Esclarece Edis Milaré que “a infração administrativa em matéria ambiental

não se caracteriza apenas pela inobservância de normas específicas, mas também

pelo resultado danoso advindo de ato ou omissão que alterem o meio ambiente”218.As sanções que dizem respeito especificamente ao presente trabalho encon-

tram-se disciplinadas no Decreto n° 3.179, de 21.09.1999, nos seguintes artigos:

Art. 41 – Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem oupossam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade deanimais ou a destruição significativa da flora.

§ 1o – Incorre nas mesmas multas quem:

IV – dificultar ou impedir o uso público das praias.

Art. 44 – Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquerparte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmentepoluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, oucontrariando as normas legais e regulamentos pertinentes.

Como visto, são infrações ambientais não somente as estabelecidas de formagenérica no art. 70 da Lei de Crimes Ambientais.

Esse mesmo art. 70, nos §§ 1º e 3º, trata da competência e responsabilidadedos órgãos ambientais diante de infração praticada contra o meio ambiente:

§ 1o – são autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental einstaurar processo administrativo os funcionários de órgão ambientais integrantesdo Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, designados para asatividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos, doMinistério da Marinha.

§ 3o - a autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração ambiental éobrigada a promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativopróprio, sob pena de co-responsabilidade.

A Constituição Federal, no art. 225, § 3o, prevê a possibilidade de aplicaçãode sanções administrativas ambientais:

________________218 MILARÉ, op. cit., p. 374.

130

As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão osinfratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

São os próprios órgãos ambientais que aplicam as sanções, pois para issoeles independem de decisão judicial. Geralmente as sanções são aplicadas ao finaldo procedimento administrativo, isto é, a decisão só é tomada depois de ouvida aparte interessada e produzidas as provas (inclusive com estudo de impactoambiental). Todavia, quando há notório risco de grave dano ambiental a sançãopode ser aplicada logo depois de lavrado o auto de infração. É o caso de embargode obra ou suspensão de atividade que evidentemente estejam causando dano aomeio ambiente.

A sanção administrativa tem por objetivo intimidar, coagir os infratores paraque não venham a causar mais degradação ambiental. O poder de polícia dos entesfederados seria inútil e ineficiente se não fosse aparelhado por sanções. Além deseu conteúdo didático pois servem de exemplo a terceiros, elas têm basicamenteduas funções: a primeira é alertar o infrator, para que não mais pratique a condutailícita, pois em caso de reincidência estará sujeito a nova sanção, agravada; asegunda função, mais importante e mais eficaz, é possibilitar ao infratorrecuperar-se ressarcindo o lesado dos prejuízos por ele causados. Heraldo GarciaVitta ressalta a função preventiva da sanção: “a finalidade da sanção administra-tiva não é punir o sujeito infrator ou responsável. Tem por escopo desestimular aspessoas a cometerem futuras violações. A finalidade é preventiva”219.

Todavia, existe também a sanção de caráter punitivo, e sobre ela fala José deOliveira Ascensão:

[...] consiste numa sanção imposta de maneira a representar simultaneamente umsofrimento e uma reprovação para o infrator. Já não interessa reconstituir a situaçãoque existiria se o fato se não tivesse verificado, mas aplicar o castigo previsto aoviolador220.

As sanções administrativas previstas para punir infrações contra o meioambiente são tratadas em nosso ordenamento jurídico em textos legais esparsos. Oprimeiro é o art. 14 da Lei 6.938, de 31.08.1981:

________________219 VITTA, Heraldo Garcia. A sanção no direito administrativo. São Paulo: Malheiros,

2003. p. 66.220 ASCENSÃO, José de Oliveira. O direito: introdução e teoria geral, uma perspectiva

luso-brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 67.

131

Art. 14 – Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual emunicipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correçãodos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambientalsujeitará os transgressores:

I – à multa simples ou diária, nos valores correspondentes [...];

II – à perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo poderpúblico;

III – à perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento emestabelecimentos oficiais de crédito;

IV – à suspensão de sua atividade.

O art. 72 da Lei 9.605, de 12.02.1998, estabelece nos incisos os tipos desanções administrativas em matéria ambiental, que são os seguintes:

I - advertência;II - multa simples;III - multa diária;IV - apreensão de animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos,petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;V – destruição ou inutilização do produto;VI – suspensão de venda e fabricação do produto;VII – embargo de obra ou atividade;VIII – demolição de obra;IX – suspensão parcial ou total de atividades;X – (vetado);XI – restritiva de direitos.

Também a Lei de Gerenciamento Costeiro dispõe acerca de sanção para

infração ambiental:

art. 6o, § 1o. A falta ou o descumprimento, mesmo parcial, das condições dolicenciamento previsto neste artigo serão sancionados com interdição, embargo oudemolição sem prejuízo da cominação de outras penalidades previstas em lei.

Como se vê, esse dispositivo trata justamente de infrações comuns nas

praias, como as construções destinadas ao funcionamento de bares, pousadas,

hotéis, sem a devida licença ambiental ou apenas com a licença provisória.

Passando preliminarmente àquilo que deve necessariamente referendar a

aplicação de penalidade pela Administração Pública, para que possa ser considera-

da válida, veja-se o que preceitua o art. 2o da Lei n° 9.784, de 29.01.1999: “a

Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade,

132

finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defe-

sa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”. Entre esses

princípios, serão analisados os mais relevantes para fundamentar a necessidade de

aplicação de pena por construção irregular na zona costeira.

Como qualquer outro ato administrativo, a aplicação de sanção deve ser

devidamente motivada. Trata-se de requisito essencial para validade do ato, sem o

qual não é possível nem gerar o procedimento nem dar à pessoa acusada condição

de defender-se. O autor da infração tem o direito de saber o porquê da aplicação

de penalidade específica. Assim, o princípio da motivação deve ser levado em

conta quando da aplicação de pena por infração ambiental. Para Sérgio Ferraz e

Adilson Abreu Dallari,

O princípio da motivação determina que a autoridade administrativa deveapresentar as razões que a levaram a tomar uma decisão. “Motivar” significaexplicitar os elementos que ensejaram o convencimento da autoridade, indicandoos fatos e os fundamentos jurídicos que foram considerados.

Sem a explicitação dos motivos torna-se extremamente difícil sindicar, sopesar ouaferir a correção daquilo que foi decidido. Sem a motivação fica frustrado ou, pelomenos, prejudicado o direito de recorrer, inclusive perante o Poder Judiciário. Nãobasta que a autoridade invoque um determinado dispositivo legal como supedâneode sua decisão; é essencial que aponte os fatos, as inferências feitas e osfundamentos de sua decisão221.

Também o princípio da proporcionalidade deve ser levado em conta na

imposição da sanção. Segundo Passos de Freitas,

[...] entre a falta cometida pelo infrator e a sanção imposta pelo Estado, deve haveruma relação de proporcionalidade, observando-se a gravidade da lesão, suasconseqüências, o dolo com que tenha agido o autor e as demais peculiaridades docaso222.

Para Suzana de Toledo Barros,

A expressão proporcionalidade tem um sentido literal limitado, pois arepresentação mental que lhe corresponde é a de equilíbrio: há, nela, a idéiaimplícita de relação harmônica entre duas grandezas. Mas a proporcionalidade emsentido amplo é mais do que isso, pois envolve também considerações sobre a

________________221 FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo. São Paulo:

Malheiros, 2002. p. 58.222 Vladimir Passos de FREITAS, Direito administrativo e meio ambiente, p. 94.

133

adequação entre meios e fins e a utilidade de um ato para a proteção de umdeterminado direito223.

Nada diz a Lei 9.605, de 12.02.1998, nem explicitamente a Constituição,

sobre a necessária obediência a tal princípio. No entanto, a imposição exagerada

de penalidade constitui abuso de poder, passível de anulação por via judicial.

Segundo bem define Odete Medauar,

O princípio da proporcionalidade consiste, principalmente, no dever de não seremimpostas, aos indivíduos em geral, obrigações, restrições ou sanções em medidasuperior àquela estritamente necessária ao atendimento do interesse público,segundo critério de razoável adequação dos meios aos fins. Aplica-se a todas asatuações administrativas para que sejam tomadas decisões equilibradas, refletidas,com avaliação adequada da relação custo-benefício, aí incluído o custo social224.

Não se podem olvidar também os princípios da ampla defesa e docontraditório, ou seja, deve-se dar ciência ao infrator da lavratura do auto eposterior aplicação de sanção.

Veja-se que as sanções em espécie são as mais freqüentemente aplicadas emcaso de infração contra o meio ambiente ocorrida na zona costeira, e a advertênciaé a sanção administrativa de maior incidência. É pena branda, porém diferente demera recomendação. Com ela se objetiva prevenir a reincidência, desestimulandoo infrator. O verbo “advertir” significa:

1. Observar com palavras; censurar levemente; admoestar. 2. Atentar ou repararem; notar, observar. 3. Chamar a atenção para; fazer que repare em. 4. Concluir,inferir, deduzir. 5. Acautelar, prevenir, precatar. 6. Dizer, participar, comunicar,repreendendo. 7. Avisar, admoestar. 8. Fazer observar, atentar, reparar. 9. Reparar,atentar. 10. Fazer advertência, informar225.

Assim, quando uma empresa está iniciando a construção de obra irregular napraia, isto é, sem a devida licença ou sem apresentação de EIA/RIMA, está sujeitaa sanção. Se a obra está ainda no início sem que tenha ocorrido maior danoambiental, a pena de advertência revela-se a mais adequada, pois orienta aempresa a cessar aquela atividade.

________________223 BARROS, Suzana Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de

constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica,1996. p. 71.

224 MEDAUAR, op. cit., p. 141-142.225 NOVO Dicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. p. 18.

134

Outra penalidade passível de aplicação é a multa, tanto simples quantodiária. Considerada a mais efetiva, é por isso objeto de estudos doutrinários.Diferente da advertência, a multa é aplicada como forma de punir o infrator paraque não reincida ou para que repare o dano causado. Não sendo pena auto-executória, deve ser cobrada judicialmente.

Como pôde ser visto na enumeração do art. 72 acima, a lei separou a multasimples da diária. É estranha a redação do § 3o desse artigo: “a multa simples seráaplicada sempre que o agente, por negligência ou dolo [...]”. Tal dispositivo levaao entendimento de que a aplicação da multa só se aplicará quando comprovadaculpa ou dolo na conduta. Além disso, esse texto vai de encontro ao queestabelece a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, que consagra o princípioda responsabilidade objetiva no Direito Ambiental brasileiro, ou seja, basta aprática do fato previsto para ser configurada a responsabilidade. Por oportuna,transcreve-se citação de Edis Milaré: “[...] prescinde-se de prova de culpa ou dolo,em conformidade ao princípio da responsabilidade objetiva que informa amatéria”226.

A multa simples pode ser convertida em serviço de preservação, melhoria erecuperação da qualidade do meio ambiente (art. 72, § 4o, Lei 9.605, de12.02.1998). Conforme advertem Nicolao Dino de Castro Costa Neto, Ney deBarros Bello Filho e Flávio Dino de Castro Costa,

Na esteira deste raciocínio não há inconveniente no dispositivo em comento.Considera-se, no entanto, que cautelas devem ser observadas pela Administraçãoao deferir a conversão em foco. Esta só deve ser considerada consumada com aefetiva realização dos “serviços de preservação, melhoria e recuperação daqualidade do meio ambiente”, ou seja, a transação que resulte na conversão emfoco deverá ser formalmente avençada, só ocorrendo a desconstituição da multaapós o integral cumprimento das obrigações ajustadas227.

O art. 60 do Decreto 3.179, de 22.09.1999, estabelece que a exigibilidade damulta pode ser suspensa a partir do momento em que o infrator obrigar-se a tomarmedidas para fazer cessar ou para corrigir a degradação ambiental medianteassinatura de termo de compromisso. Isso, todavia, não significa que elesimplesmente não mais pagará a multa; ela apenas ficará suspensa até que atransação seja cumprida, pois, se não o for, o valor deverá ser cobradonormalmente. Esses dispositivos atinentes à transação e à conversão de multa para________________

226 MILARÉ, op. cit., p. 378.227 COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro; BELLO FILHO, Ney de Barros; COSTA,

Flávio Dino de Castro. Crimes e infrações administrativas ambientais. Brasília: BrasíliaJurídica, 2000. p. 348.

135

recuperação e preservação do meio ambiente são extremamente importantes elouváveis. No Direito Ambiental é o que importa: a recuperação do meio ambientedegradado (princípios da prevenção e da reparação) e não a simples arrecadaçãoaos cofres públicos.

Já a multa diária será aplicada quando a infração prolongar-se no tempo.Aqui também vale a questão mencionada acima sobre suspensão da multa,conforme dispõe o art. 2o, § 5o do Decreto 3.179, de 22.09.1999228, que poderá serreduzida em 90%. A multa, em que pese ser a pena mais adequada, não vem tendoresultado prático, principalmente pela dificuldade de cobrança, decorrente da faltade estrutura dos órgãos ambientais. Noticiou-se na imprensa paranaense quedurante todo o ano de 2003 um valor muito reduzido das multas ambientais foicobrado pelo IBAMA no Paraná. Além da falta de estrutura, a baixa arrecadaçãose deve à protelação dos pagamentos, em face do grande número de recursos, e àredução de até 90% no valor das multas. Os dados noticiados dão idéia dagravidade do problema:

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) arrecadou, no ano passado,apenas 5,1% do valor das multas ambientais cobradas do Paraná, segundo dados dosetor de arrecadação do instituto, em 2003 foram cobrados R$ 8,76 milhõesreferentes aos autos de infrações ambientais lavrados no estado. Apenas R$ 446,13mil foram pagos229.

Por fim, resta tratar do destino dos valores arrecadados com as multas. Pordeterminação legal, eles não ingressarão diretamente nos cofres públicos, masserão revertidos para um Fundo de Proteção Ambiental. Se se tratar de multasimpostas pelo IBAMA, os valores reverterão para o Fundo Nacional do MeioAmbiente (Lei 7.797, de 10.07.1989); se impostas por órgão ambiental estadual, aquantia será direcionada ao respectivo fundo no caso de haver lei estadual quedisponha a respeito.

A multa não deve ser entendida como fonte de recursos destinados asolucionar problemas da Administração Pública. Por outras palavras, o correto éque o valor arrecadado com as multas tenha como destino específico a reparaçãodo dano ao meio ambiente, de preferência no próprio local em que ocorreu. Nocaso de danos ambientais ocorridos na zona costeira, o dinheiro arrecadado emmultas deverá ser aplicado em melhoramentos nesse ecossistema especial ou,

________________228 A multa diária será aplicada sempre que o cometimento da infração se prolongar no

tempo, até a sua efetiva cessação ou regularização da situação mediante celebração, pelo infrator,de termo de compromisso de reparação de dano.

229 MARTINS, Fernando. Ibama só recolhe 5% das multas no Paraná. Gazeta do Povo,Curitiba, 14 abr. 2004. Caderno Paraná, p. 14.

136

excepcionalmente, no aparelhamento ou até mesmo na realização de concursospara provimento de cargos nos órgãos ambientais.

Cabe aqui o exemplo da lei norte-americana sobre a zona costeira, o CoastalZone Management Act (título 16, capítulo 33, seção 1456, i, 3), segundo a qual osvalores coletados por multas aplicadas por infração administrativa praticada nazona costeira deverão ser depositados em um fundo específico da própria área,chamado Coastal Zone Management Fund.

Além da multa, as demais sanções administrativas de interesse para esteestudo são o embargo de atividade ou de obra e a demolição. Geralmente previstasem caso de construção irregular em praia ou ilha, são as de mais difícil aplicação.

O embargo faz cessar a obra ou atividade. É medida preventiva, para que seevite construção ou atividade que não observe as normas ambientais. SegundoPassos de Freitas,

o embargo da obra é sanção mais preventiva que repressiva. Por tal motivo ela serevela oportuna, pois, sabidamente, se a obra estiver concluída, a demolição éproblemática e gera conseqüências paralelas. Sua aplicação dá-se principalmenteem áreas protegidas por órgãos ligados ao patrimônio histórico e cultural230.

Aqui, o embargo pode ser realizado em caso de infração não só à Lei 9.605,

de 13.02.1998, mas também a qualquer norma ambiental infralegal, como, por

exemplo, uma portaria do IBAMA. É sanção de grande relevância utilizada em

casos de construção irregular na zona costeira. As irregularidades mais freqüentes

são: falta de licenciamento ambiental; falta de prévio estudo de impacto

ambiental; licença expedida por autoridade incompetente; construção realizada em

área de preservação permanente, como dunas ou restingas.

Junto com esta pena vem a suspensão parcial ou total de atividades, pena

esta muito comum motivada geralmente por construção irregular de bares nas

praias. O interessante da suspensão é que ela faz cessar imediatamente o impacto

ambiental causado por atividade irregular. Para Édis Milaré,

A suspensão da atividade cabe especialmente quando há perigo iminente para asaúde pública ou grave risco de dano ambiental. Cabe, também, nos casos derecalcitrância, em que as multas anteriormente impostas não tiverem bastado para acorreção do infrator.

________________230 Vladimir P. de FREITAS, Direito administrativo e meio ambiente, p. 105.

137

Essa penalidade não implica necessariamente o fechamento do estabelecimentocomo um todo, mas pode ser aplicada apenas em relação às máquinas ou aosequipamentos poluidores, por exemplo. O restante da atividade pode prosseguir231.

Veja-se um caso concreto. Na praia de Pitangueiras, Guarujá/SP, umaequipe do IBAMA interditou a construção de um deck de madeira na praia eautuou os proprietários de um restaurante responsáveis pela obra. A construção,de aproximadamente três metros de largura por vinte metros de comprimento, foicercada com fitas pelo Ibama, que assim impediu sua ocupação. Segundo o agentedo órgão que lavrou o auto de infração, os proprietários do restaurante eramreincidentes, pois no ano anterior o restaurante havia sido ampliado, ocupandomais alguns metros do calçadão. Na verdade, eles violaram uma interdição de usode obra irregular, em desrespeito à legislação vigente232. Esse deck foiposteriormente demolido.

Já a pena de demolição é mais drástica, de natureza repressiva e preventiva.É também preventiva, pois, por vezes, a obra ou atividade pode estar causandoimpacto ambiental. É utilizada nos mesmos casos citados antes, quando do estudodo embargo de obra ou atividade. Demolir significa derrubar as paredes, destruir,desfazer toda a construção, ou seja, nada mais restará após essa sanção. Por issoessa pena deve ser aplicada com cautela, apenas em casos de irregularidadeinsanável, perigo à saúde pública ou grave dano ambiental. Pode ser a soluçãotanto para o caso de obras embargadas quanto para construções já concluídas.

Existe previsão também no Código Civil de 2002, art. 1.312, acerca dedemolição de construções feitas contra disposições legais: “art. 1.312 - Todo aqueleque violar as proibições estabelecidas nesta Seção é obrigado a demolir asconstruções feitas, respondendo por perdas e danos”. É certo que esse artigo não serefere a demolição por causas ambientais, mas a questões próprias de construção.

É comum a pena de demolição de casa de veraneio construída em ilha daUnião, geralmente área de preservação ambiental. Os proprietários costumamalegar que não são responsáveis pela infração, pois teriam comprado o imóvel jáconstruído, ou que têm apenas a posse e não o domínio do imóvel. Certamenteque, antes de ser determinada a pena de demolição, o particular deve sernotificado do que a motivou e ter a oportunidade de exercer sua ampla defesaadministrativa, nos termos do art. 5o, LV, da Carta Federal.

________________231 MILARÉ, op. cit., p. 709.232 RESTAURANTE da orla é autuado por instalar deck na faixa de areia. A Tribuna

Digital, Santos, 18 fev. 2004. Disponível em: www.atribuna.com.br. Acesso em: 18 fev. 2004.

138

Como toda pena radical, deve ser aplicada com redobrado cuidado, pois podegerar sérios danos, alguns irreparáveis. Daí a necessidade de análise que leve emconta o nível econômico da pessoa interessada, seu grau de instrução, o modo peloqual se deu a licença para a construção e, naturalmente, o aspecto mais importante:se a construção realmente gerou dano ambiental de proporções significativas. Issoporque tanto pode haver na praia pequenos bares de pescadores quanto grandeshotéis de luxo. Portanto, para a aplicação da pena de demolição, deve havernecessariamente o ato motivador. Algumas vezes o dano a ser sofrido pelo proprie-tário do estabelecimento é tão grande que a aplicação de tal pena não compensa.Mesmo assim, alguns órgãos ambientais vêem aplicando-a indistintamente.

Ao apreciar o Mandado de Segurança sobre questão relativa a direitoadquirido de construir, a Colenda 1ª Turma do Egrégio Superior Tribunal deJustiça, com relato do ministro Garcia Vieira, assim decidiu:

Autorizada a construção sem o prévio cumprimento dos regulamentosadministrativos pode ser ela (a licença), revogada, ou anulada porque deferida aoarrepio da lei, uma vez tratar-se de área considerada como de preservaçãopermanente pela Lei Municipal nº 1.721/79.

A concessão de alvará nas condições acima descritas o desqualifica como atogerador de direito adquirido e afasta a sua presunção de definitividade233.

Pode ocorrer que o verdadeiro culpado de determinada construção irregular

seja o Município ao expedir a licença e o alvará. Nesse caso, será ele o

responsável, e dos danos que causar deve ressarcir a vítima. Se o empreendimento

tiver sido demolido, deverá o construtor receber do Município o valor referente a

seus gastos, podendo assim realizar sua atividade em outro local e da maneira

legalmente correta.

Existem precedentes judiciais visando à destruição de estabelecimentos

construídos de forma irregular na praia. Neles é oportuno que se defira a

antecipação de tutela para suspensão das atividades. Se durante o processo for

constatada real ocorrência de impacto ambiental, deve ser determinada a

demolição da obra. De caso semelhante é exemplo a seguinte decisão do Tribunal

Regional Federal da 4a Região:

Processual civil. Administrativo e ambiental. Área de praias e dunas.Estabelecimento comercial. Paralisação de atividades. Possibilidade.

________________233 BRASIL, STJ, 1a Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, mandado de segurança, sessão

02.04.1990.

139

I – É cabível a antecipação dos efeitos da tutela, em ação civil pública que visa àremoção de estabelecimento comercial construído em área de praias e dunas, zonade proteção permanente, propriedade da União e bem de uso comum do povo, paraque as suas atividades sejam paralisadas. Impede-se, dessa forma, que as operaçõesusuais continuem a causar danos ao meio ambiente maiores do que os jáconstatados.

II – Em sendo a remoção do estabelecimento indevidamente construído o objeto dalide, não se mostra razoável, em agravo de instrumento, determinar-se a imediatademolição do estabelecimento, sob pena de tornar irreversível a medidaantecipatória234.

Quanto à competência para aplicação das penas, o raciocínio usado deve ser

o de que, nos termos do art. 23 da Constituição, os três entes políticos têm poderes

para fiscalizar, em igualdade de condições. Ademais, quando o art. 225, caput,

dispõe: “[...] impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo

e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, com “Poder Público” quer

referir-se à União, ao Estado e ao Município. Se o Município não está

fiscalizando, tal incumbência pode passar para o Estado; se este também não está

cumprindo seu dever, o IBAMA pode aplicar a penalidade. Quando se trata de

fiscalizar a proteção ambiental, qualquer uma das três esferas do Poder Público

pode agir em cumprimento da lei.

No que se refere à zona costeira, mesmo sendo a praia bem público federal,

de uso comum do povo, e a zona costeira patrimônio nacional, cabe também ao

Município ou ao Estado, por meio de seus órgãos, a fiscalização e a aplicação de

sanções administrativas em prol do meio ambiente. Esse é o ensinamento de

Heraldo Garcia Vitta:

Então, podemos argumentar ser coerente outro caso: o município atuar em prol domeio ambiente, num bem pertencente à União ou Estado, diante da omissão destesúltimos. Agiria na competência administrativa fixada no art. 23 da CF/88. Poderiaatuar com base em lei federal, estadual ou municipal. Pouco importa.

Embora as leis devam ser editadas nos termos fixados na Constituição daRepública, ou seja, cada entidade deve atuar dentro de sua competência legislativa,a sua aplicação, na competência administrativa comum, pode dar-se, em casosexcepcionais, por intermédio de entidade diferente daquela que editou a normalegal. O servidor municipal, estadual ou federal poderia aplicar as sançõespertinentes, uma vez fixadas em lei (municipal, federal ou estadual)235.

________________234 BRASIL, TRF 4a R., Agravo de Instrumento n. 2002.04.01.0577852-5/RS, Rel. Des.

Edgard Lippmann Junior.235 VITTA, Heraldo Garcia. A divisão de competências das pessoas políticas e o meio

ambiente. Revista de Direito Ambiental, n° 10, p. 98, abr./jun. 1998.

140

Por fim, deve-se deixar claro que a pena de demolição só será aplicada

quando necessária, portanto o motivo da penalidade deve ser justo e a solução

para o dano ambiental, embora drástica, a única possível.

5Terrenos de marinha

5.1Introdução – histórico

São terrenos de marinha em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidoshorizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de1831: a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios elagoas, até onde se faça sentir a influência das marés; b) os que contornam as ilhassituadas em zona onde se faça sentir a influência das marés. Parágrafo único. Paraos efeitos deste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilaçãoperiódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas, que ocorraqualquer época do ano.

Essa é a definição dada pelo Decreto-Lei n° 9.760, de 05.09.1946, no art. 2o,

a qual não esclarece o que é linha de preamar-médio e por que deve ser

considerada aquela do ano de 1831.

Os terrenos de marinha, instituto peculiar do direito brasileiro, têm sido

citados com freqüência na mídia, e os processos judiciais dos quais são o objeto

principal vêm-se multiplicando. Isso se deve principalmente à cobrança do foro

anual e da taxa de ocupação a serem pagos pelos proprietários de terrenos

localizados nessas áreas.

Os terrenos de marinha de que trata este capítulo são os localizados na zona

costeira, cujo meio ambiente é o objeto deste estudo. É essa correlação que aqui

será analisada, ficando de fora, portanto, os institutos que regulam esses terrenos,

como a enfiteuse, por exemplo.

Machado mostra, em pouquíssimas pinceladas, como evoluiu, desde os

portugueses até os dias atuais, a idéia da importância dos terrenos de marinha:

[...] a preocupação com a defesa do litoral e das zonas adjacentes foi uma daspreocupações que levou a Coroa Portuguesa a reservar as “marinhas”. Essa era aidéia mater nos diversos países que instituíam essa limitação ao direito depropriedade. Essa diretriz permanece, mas acrescida da idéia do livre acesso ao mare da proteção do meio ambiente litorâneo236.

Também abordam a questão Armando Gonçalves Madeira e Ziegler de

Souza: “[...] hoje, ganha relevo o interesse ecológico, uma vez que a maior parte

________________236 MACHADO, Direito ambiental brasileiro, p. 132-133.

142

desses terrenos constitui área de preservação permanente: Mata Atlântica,

mangues, morros, dunas [...]”237.

Estudos acerca da institucionalização dos terrenos de marinha revelam que

sua origem se deu na cidade do Rio de Janeiro. É o que conta Gasparini:

Ao que tudo indica, os terrenos de marinha – ou simplesmente marinhas -, comoinstituto do Direito, tiveram sua origem na cidade do Rio de Janeiro. Realmente, osprimeiros atos públicos que deles cuidaram, datados do século XVII, fazemreferências a fatos ocorridos nessa cidade. Por outro lado, juristas e historiadores,ao se referirem a essas espécie de bem público, ligam-na à antiga Rio de Janeiro238.

Para que seja mais bem compreendido esse instituto jurídico e sua

dimensão, é essencial a consulta ao livro de Rosita de Sousa Santos239, específico

sobre o tema.

O termo “terra de marinha” ou “terreno de marinha” foi fixado entre nós

quando o País era ainda colônia. O primeiro documento brasileiro que registra o

termo “marinha” é a Ordem Régia, de 21.10.1710. Após essa data, diversos atos

fazem referência a ele: a Carta Régia, de 07.05.1725, que mandava o Governador

do Rio de Janeiro informar sobre conveniência de mediar marinha entre o mar e as

edificações; o Decreto, de 21.01.1809, que mandava aforar os terrenos das praias

da Gamboa e Saco dos Alferes; o Aviso, de 18.11.1818, que declarava que “15

braças da linha da água do mar e pela sua borda são reservadas para servidão

pública, e que tudo que toca a água do mar e acresce sobre ela é da nação”.

Até então nenhuma lei havia tratado do assunto, reservado apenas à seara

administrativa. A primeira lei que dispôs expressamente sobre terras de marinha

foi a Lei Orçamentária de 15.11.1831. Até essa data, os aforamentos dos terrenos

de marinha eram aproveitados apenas pelos que tinham conhecimento dos editais

publicados, que, desde então, já não alcançavam a totalidade da população. Dizia

o art. 51 da mencionada Lei Orçamentária:

Art. 51. O governo fica autorizado a arrecadar no ano financeiro do 1o de julho de1832 ao último de junho de 1833, as rendas, que foram decretadas para o ano de1831-1832, com as seguintes alterações:

14. Serão postos à disposição das Câmaras Municipais, os terrenos de Marinha, queestas reclamarem do Ministério da Fazenda, ou dos Presidentes das Províncias,

________________237 MADEIRA e SOUZA, op. cit., p. 20.238 GASPARINI, op. cit., p. 736.239 SANTOS, Rosita de Souza. Terras de marinha. Rio de Janeiro: Forense, 1985.

143

para logradouros públicos, e o mesmo Ministro da Corte, e nas Províncias osPresidentes, em Conselho, poderão aforar a particulares aqueles de tais terrenos,que julgarem convenientes, e segundo o maior interesse da Fazenda, estipulando,também, segundo for justo, o foro daqueles dos mesmos terrenos, onde já se tenhaedificado sem concessão, ou que, tendo já sido concedidos condicionalmente, sãoobrigados a eles desde a época da concessão, no que se procederá a arrecadação. OMinistro da Fazenda no seu relatório da sessão de 1832, mencionará tudo o queocorrer sobre este objeto.

Note-se que em um mesmo tópico a lei contém diversas decisões, conforme

ficou bem explicitado por Rosita de Sousa Santos:

Deste momento em diante, como parece ter sido usual na época, quando em umamesma lei, e em um mesmo inciso, se tomavam variadas medidas e se faziamdiversas determinações, os terrenos de marinha alcançaram espaço em um corpo delei; passaram ao controle do Ministério da Fazenda, porque sua renda foi incluídana receita pública; foram postos à disposição das Câmaras Municipais paralogradouros públicos; foi permitido ao Ministro da Corte, e aos Presidentes nasProvíncias, proceder o aforamento deles a particulares; foi deixado a essasautoridades o julgamento do que fosse o ser mais conveniente segundo o maiorinteresse da Fazenda, a determinação do foro segundo for justo, controle,fiscalização e regularização das situações que fossem encontradas em tais terras, eafinal, a arrecadação dos foros240.

Destaque-se que ainda hoje os terrenos de marinha são medidos tendo comoparâmetro a linha de preamar-médio de 1831, por força, provavelmente, da LeiOrçamentária promulgada nesse ano. A definição de “terreno de marinha” é dadapela Instrução n° 348, de 14.11.1832, que no art. 4o assim dispõe: “considera-seterrenos de marinha todos os que, banhados pelas águas do mar ou dos riosnavegáveis, vão até a distancia de 15 braças craveiras para a parte da terra,contadas estas desde os pontos a que chega o preamar médio”.

A partir de então, o terreno de marinha passou a figurar nas leisorçamentárias como elemento gerador de renda. Entretanto os decretos n° 467, de23.08.1846, e n° 656, de 05.12.1849, embora tratassem do pagamento delaudêmio nas transações relacionadas a terrenos aforados em geral e conseqüente-mente a terrenos de marinha, nenhuma menção explícita faziam a eles.

Em 22 de fevereiro de 1868, objetivando estabelecer um norte para aquestão, decretou-se a primeira consolidação dos ordenamentos existentes sobreterrenos de marinha, até então definidos apenas pela Instrução nº 348. Já oDecreto n° 4.105, de 22.02.1868, definiu tal instituto em caráter de lei nosmesmos termos da mencionada instrução, mas explicitando em metros (33) ovalor antes referido em braças (15).

________________240 SANTOS, op. cit., p. 12.

144

A partir daí, muitas tentativas foram feitas para transferir para as Províncias

e depois para os Estados o domínio da União sobre os terrenos de marinha. A Lei

nº 25, de 30.12.1891, também lei orçamentária, registrou no exercício de 1892 a

receita de alta quantia oriunda de diversas arrecadações, dentre as quais os foros

de terrenos de marinha, bem como os laudêmios decorrentes de sua venda.

Tornado assim evidente o valor desses terrenos como fontes de receita, passaram

eles a ser objeto de disputa e a dominar os assuntos jurídicos da época.

Reivindicando a propriedade dos terrenos de marinha, os Estados do

Espírito Santo e Bahia ingressaram com ação no Supremo Tribunal Federal,

denominada Ação Originária n° 8. Tal ação tinha como invólucro definir a

marinha como terra devoluta (o art. 64 da Constituição de 1891 definia as terras

devolutas como pertencentes aos Estados). O principal objetivo desses Estados

era, em verdade, estabelecer o domínio pleno dessas terras em favor próprio.

Todavia, não foi esse o entendimento da Corte Suprema, que, favorável ao

domínio da União, prolatou decisão em 31.01.1905 deixando claro que terras de

marinha não se confundem com terras devolutas.

Posteriormente a Lei n° 1.145, de 31.12.1903, estabeleceu a escala das

plantas dos terrenos de marinha, seguida pelo Decreto 5.390, de 10.12.1904, que

determinou a anulação de aforamento ou arrendamento feitos pelos Municípios.

Em 29.08.1907, o Decreto n° 6.617 proibiu construção, aterro e qualquer outra

obra sobre os terrenos de marinha, exigindo também aforamento prévio. Mesmo

assim, a Administração continuava a tomar as próprias decisões, independente-

mente do que prescreviam as normas.

Em 31.12.1915 entrou em vigor a nova Lei Orçamentária, n° 3.070,

importante no histórico das terras de marinha, pois confirmou a competência da

diretoria do Patrimônio da União e das Delegacias Fiscais dos Estado para

delimitação das zonas urbanas e rurais; alterou o valor do laudêmio e determinou

que a Diretoria do Patrimônio compelisse os ocupantes dos terrenos de marinha e

acrescidos a legitimarem sua posse no prazo de três meses. Finalmente, em 1916

foi promulgado o Código Civil, que, nos artigos 65 a 68, dispunha acerca dos bens

públicos sem contudo mencionar explicitamente os terrenos de marinha.

Com Epitácio Pessoa na presidência da República, relevantes normas foram

elaboradas acerca do tema. Sem dúvida, a mais importante e a que mais gera

efeitos até hoje foi o Decreto n° 14.595, de 31.12.1920, que estabeleceu a

145

cobrança da taxa de ocupação das terras de marinha nos valores de 6% e 4% sobre

o valor venal da área ocupada.

Na seqüência, três decretos − n° 16.183, de 25.10.1923, n° 16.184, de

25.10.1923 e n° 16.197, de 31.10.1923 − tratavam da concessão de terras de

marinha nas costas e nas ilhas para fundação de colônia de pescadores.

O seguinte importante diploma legal a tratar do assunto foi o Código de

Águas, Decreto n° 24.643, de 10.07.1934, que no art. 13 definiu os terrenos de

marinha: “art. 13 – constituem-se terrenos de marinha todos os que, banhados

pelas águas do mar ou dos rios navegáveis, vão até 33 (trinta e três) metros para a

parte da terra, contados desde o ponto a que chega a preamar média”.

Em 15.09.1934, pelo Decreto n° 6.871, a Diretoria do Patrimônio converteu-

se no Serviço de Patrimônio da União (SPU). Foi editado, então, o Decreto-Lei n°

710, de 17.09.1938, que, entre outras determinações, reconhecia como bens de

domínio da Nação − à qual cabia a superintendência da Diretoria do Domínio da

União − os terrenos de marinha; transferia à União a arrecadação dos foros e

laudêmios relativos aos terrenos de marinha existentes no então Distrito Federal;

estabelecia a forma de cobrança de laudêmio e obrigava os ocupantes de imóveis

da União a apresentar títulos e documentos comprovando seu direito de proprie-

dade. Mais tarde, o Decreto-Lei n° 2.490, de 16.08.1940, aperfeiçoou e organizou

as situações previstas no decreto-lei anterior, regulando o processo para concessão

do aforamento.

Nova alteração da legislação é introduzida pelo Decreto-Lei n° 4.120, de

21.02.1942:

Art. 1o – A concessão de novos aforamentos de terrenos de marinha e de seusacrescidos só será feita a critério do Governo, para fins úteis, restritos edeterminados, expressamente declarados pelo requerente.

Parágrafo único – Se, no fim de três anos, o enfiteuta não tiver realizado oaproveitamento do terreno, conforme se obrigara, o aforamento concedido ficaráautomaticamente extinto.

O mesmo decreto-lei voltou a tratar da marcação da linha de preamar, com a

diferença de, pela primeira vez, mencionar o preamar máximo atual. O Decreto-

Lei n° 5.666, de 15.07.1943, determinou que os aforamentos só seriam concedidos

em concorrência pública, por iniciativa do Governo ou de particulares; além disso,

proibiu a concessão de aforamento de áreas de marinha a particulares para divisão

146

em lotes e transferência a terceiros. Já o Decreto-Lei n° 7.937, de 05.09.1945,

permitiu, no art. 1o, “a concessão de aforamento de quaisquer áreas de terrenos de

marinha, para divisão em lotes e posterior transferência a terceiros, desde que os

lotes a transferir tenham sido aproveitados com construções”.

Finalmente, publicou-se o Decreto-Lei 9.760, de 05.09.1946, em vigor até

os dias de hoje. Esse decreto dispõe sobre os bens imóveis da União – entre os

quais inclui, no art. 1º, a, os terrenos de marinha e seus acrescidos – e dá outras

providências.

O reconhecimento explícito dos terrenos de marinha como bens públicos,

antes referido apenas em legislação infraconstitucional, passou a ser preceito

constitucional a partir de 1988, com a atual Constituição Federal, que, no art. 20,

VII, dispõe: “São bens da União: [...] VII – os terrenos de marinha e seus

acrescidos”.

Já sob a nova Constituição, novos dispositivos legais completaram a

legislação concernente a terrenos de marinha: a Lei n° 9.636, de 15.05.1998, que

dispôs sobre a regularização, administração, aforamento e alienação de bens

imóveis de domínio da União; o Decreto no 3.725, de 10.01.2001, que regulamen-

tou essa lei, e a Instrução Normativa da SPU, n° 2, de 12.03.2001, que dispôs

sobre a demarcação dos terrenos de marinha.

Assim, atualmente os terrenos de marinha são regidos basicamente pelos

seguintes diplomas legais: Constituição Federal de 1988; Decreto-Lei no 9.760, de

05.09.1946; Lei n° 9.636, de 15.05.1998 e Decreto no 3.725, de 10.01.2001.

É curioso que, mesmo tendo sido criado pela Coroa portuguesa, o instituto

dos terrenos de marinha não existia no direito português. O grande número de leis

acerca do assunto demonstra sua relevância.

Pelo histórico feito a partir da legislação apresentada, pode-se ver que os

terrenos de marinha tinham como funções principais o embarque e desembarque

de coisas públicas e privadas, a defesa da cidade, a extração de sal e obtenção de

renda. Ao tempo ainda do Brasil colônia, era estratégico o domínio das terras

junto à costa. Além disso, nas palavras de Antônio Chaves, “as atividades

econômicas estavam visceralmente ligadas ao litoral, o que era motivo bastante

para el rei desejar tanto quanto possível o domínio daquelas terras”241.

________________241 CHAVES, Antônio. Praias, ilhas e terrenos de marinha. Revista Trimestral de Juris-

prudência dos Estados, Santana, v. 109, a. 17, p. 11, fev. 1993.

147

Não é demais destacar que terrenos de marinha não se confundem com

terrenos da marinha. Conforme observa Celso Bastos referindo-se aos terrenos de

marinha,

[...] estes são bens da União e não do Ministério da Marinha. Consistem naquelesterrenos debruçados à faixa litorânea. Um exemplo típico são lotes que se situamde fronte ao mar, os quais não são objeto de propriedade do particular, mas simregem-se pelo instituto da enfiteuse242.

Os terrenos de marinha não podem também confundir-se com terras

devolutas, como ocorria no passado. Estas são terras que não foram incorporadas

a nenhum patrimônio particular ou foram incorporadas ao patrimônio público mas

sem destinação para uso público. Ao longo da história inúmeras ocupações e

transações de terras devolutas vêm gerando graves conflitos sociais entre particu-

lares e o Poder Público

Bandeira de Mello esclarece definitivamente a diferença entre terras de

marinha e terras devolutas:

São as terras públicas não aplicadas ao uso comum nem ao uso especial. Suaorigem é a seguinte. Com as descoberta do País, todo o território passou a integraro domínio da Coroa Portuguesa. Destas terras, largos tratos foram trespassados aoscolonizadores, mediante as chamadas concessões de sesmarias e cartas de data,com a obrigação de medi-las, demarcá-las e cultivá-las (quando então lhes adviria aconfirmação, o que, aliás, raras vezes sucedeu), sob pena de “comisso”, isto é, dereversão delas à Coroa, caso fossem descumpridas as sobreditas obrigações. Tantoas terras que jamais foram trespassadas, como as que caíram em comisso, se nãoingressaram no domínio privado por algum título legítimo e não receberamdestinação pública, constituem as terras devolutas. Com a independência do País,passaram a integrar o domínio imobiliário do Estado brasileiro.

Pode-se definir as terras devolutas como sendo as que, dada a origem pública dapropriedade fundiária no Brasil, pertencem ao Estado – sem estarem aplicadas aqualquer uso público – porque nem foram trespassadas do Poder Público aosparticulares, ou, se o foram, caíram em comisso, nem se integraram no domínioprivado por algum título reconhecido como legítimo”243.

________________242 BASTOS, op. cit., p. 303.243 MELLO, op. cit., p. 571-572.

148

5.2A linha de preamar-médio

Pela definição dada às terras de marinha no Decreto-Lei n° 9.760, de

05.09.1946, entende-se que elas são medidas a partir de suposta linha de preamar-

médio, o que suscita uma primeira dúvida: o que vem a ser essa linha. Para a

definição de preamar-médio, recorre-se a De Plácido e Silva:

PREAMAR: Derivado do castelhano pleamar, contração de plena mar (pleno marou mar cheio), entende-se o fim da enchente de maré ou do crescimento do mar,bem assim o tempo de duração da maré cheia. É, portanto, indicativo do auge damaré cheia ou enchente do mar, cujo limite é dito de linha da preamar.

Conforme as águas atinjam ponto mais ou menos elevado da praia, cobrindo-a, apreamar diz-se máxima, média ou mínima.

A máxima é aquela em que as águas se elevam ou sobem ao ponto mais alto,quando no auge da maré cheia.

A preamar máxima, pois, é a que se anota nas grandes e maiores cheias, em que aságuas alcançam o ponto de maior elevação.

A preamar mínima, ao contrário da máxima, é assinalada pela menos elevação daságuas, verificada nas pequenas marés.

A preamar média indica-se a evidência do ponto médio entre as marés cheiasmáximas (preamar máxima) e as marés cheias mínimas (preamar mínima)244.

Quanto às marés, conforme ensinam Carlos Roberto Soares e Rodolfo José

Ângulo,

[...] são fenômenos de oscilação do nível do mar, tratando-se de ondas de grandeperíodo (6 a 12 horas) que afetam a superfície do mar. A amplitude das marés podevariar de zero a mais de 16 metros, dependendo do local da Terra considerado245.

Também é de Carlos Roberto Soares e Rodolfo José Ângulo a definição de

linha de costa a seguir:

A linha de costa é o limite entre a costa e o litoral, cuja materialização espacial sedá através da presença de falésias (popularmente barrancos ou combros), no limiteentre as dunas vegetadas e a praia, no limite máximo atingido pelas ondas noscostões rochosos, ou em qualquer outra feição geomorfológica que indique o limite

________________244 SILVA, De Plácido. Vocabulário jurídico. Atualizadores: Nagib Slaib Filho e Glaúcia

Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 1072. 245 SOARES, Carlos Roberto; NGULO, Rodolfo José. Sobre a delimitação da linha de

preamar-médio de 1831, que define os terrenos de marinha. Revista de Direito Ambiental, SãoPaulo, n° 20, p. 263, out./dez. 2002.

149

máximo atingido pela ação do mar ou outro corpo d’água, que separe a costa dolitoral. Esta linha não coincide com a linha de preamar-médio de 1831246.

Como se vê, a conceituação de terrenos de marinha leva em conta

principalmente três aspectos: sua ligação com a orla litorânea, a movimentação

das marés e, conseqüentemente, a linha de preamar-médio.

Sobre preamar-médio, esclarece J. Cretella Junior:

A linha de preamar médio, fixada pela influência das marés, em determinadosperíodos, sob o efeito das lunações, serviu de ponto de referência constante para adelimitação da faixa dos terrenos de marinha, como se pode observar pela análisede nossa vasta legislação sobre o assunto, desde os primeiros alvarás, avisos, leis,decretos, até nossas disposições mais recentes247.

Observe-se que precisar a linha de preamar-médio de 1831 não é tarefa

simples. E é justamente da solução desse complexo desafio que depende a

delimitação dos terrenos de marinha, ou seja, dos 33 metros contados “desde os

pontos a que chega o preamar médio”, delimitação essa a ser estabelecida pela

Secretaria de Patrimônio da União.

Nos termos do Decreto-Lei n° 9.760, de 05.09.1946, devem ser usadas

como base “plantas de autenticidade irrecusável relativas àquele ano, ou, quando

não obtidas, à época que do mesmo se aproxime”. É evidente a enorme

dificuldade de localização de tais plantas, tendo em vista o longo tempo decorrido.

No decreto de 1946, a data escolhida deveria ter sido a mesma em que se tivessem

estabelecido referenciais cartográficos capazes de definir a linha de preamar-

médio, o que tampouco foi feito na norma de 1831. É clara a dificuldade de obter

plantas de autenticidade irrecusável datadas desse ano.

Exemplo dessa dificuldade é dado por Mário Müller Romiti:

[...] em 1832 – e apenas na cidade do Rio de Janeiro – foi efetuada delimitaçãoparcial. Na cidade de Santos, em 1913, advertia-se que, aos 81 anos de vigência daLei, já não se encontravam documentos que permitissem afirmar qual seria aefetiva linha do preamar médio de 1831248.

________________246 SOARES; ÂNGULO, op. cit., p. 263.247 CRETELLA JUNIOR, op. cit., v. 3, p. 1244.248 ROMITTI, Mário Müller. Terrenos de marinha. Revista do Advogado, São Paulo:

Associação dos Advogados de São Paulo, n° 62, p. 10, mar. 2001.

150

Mas não só por isso é questionável a manutenção da linha de preamar-médio

de 1831 como parâmetro para limitar os terrenos de marinha. Também as

mudanças que ocorrem na costa brasileira deveriam ser consideradas, uma vez

que ela é extremamente dinâmica, e portanto não guarda ao longo do tempo

feições sempre estáveis. Esta questão tem sido objeto do interesse de

pesquisadores, como noticiado em interessante reportagem jornalística:

A linha costeira do Brasil, que se estende por mais de 8 mil quilômetros, ao longodo tempo. Em alguns pontos avança continente adentro, abrindo caminho para ainvasão do mar. Em outros, empurra o oceano, alargando as praias. É um vaivémeterno, que agora começa a ser estudado e mapeado por equipes de pesquisadoresde 16 universidades e instituições de pesquisa. O trabalho vai resultar no Atlas deErosão e Progradação Costeira do Litoral Brasileiro, que deverá ser publicadoainda este ano249.

Outrossim, a linha de preamar-médio pode mudar de um local para outro da

costa. A costa brasileira é enorme e a questão é saber qual referência deve ser

utilizada para a medição da linha de preamar-médio estabelecida em ano tão

distante.

Por fim, Carlos Roberto Soares e Rodolfo José Ângulo demonstram exata-

mente a dificuldade de encontrar a linha de preamar-médio de 1831:

Considerando-se a extensão da costa brasileira e a rede geodésica existente, pode-se afirmar que na maior parte da costa não há possibilidade de delimitar a linha depreamar-média atual. Fora este aspecto, a dinâmica dos ambientes costeiros,especialmente as praias, faz com que a linha de preamar possa mudar, até mesmodiariamente. Cabe ressaltar que a linha de preamar-média geralmente não coincidecom nenhuma feição física da costa, que possa ser facilmente identificada tal comoa linha de costa.

Para conhecer o nível da preamar-média do ano de 1831 deveria ser encontrado umregistro maregráfico desse ano, além da necessidade deste estar referenciado a ummarco ou nível de referência. Este registro parece não existir para a costa brasileira.Uma possibilidade, para se obter um dado aproximado seria, da mesma forma quese faz uma previsão astronômica de maré para qualquer local situado na costa,calcular a altura da preamar-médio astronômica de 1831. Porém, permaneceria oproblema da localização, pois não há menção no decreto-lei a um local ou a umnível qualquer de referência250.

O Projeto de Lei n° 617, de 09.11.1999, pretende alterar o caput do art. 2o

do Decreto-Lei 9.760, de 05.09.1946, reduzindo de 33 para 13 metros a faixa do

________________249 SILVEIRA, Evanildo da. Um atlas vai mostrar o vaivém do litoral brasileiro. O Estado

de S. Paulo, 20 jun. 2004. Geral, p. A12.250 SOARES e ÂNGULO, op. cit., p. 264.

151

terreno de marinha e determinando o preamar-médio de 1999 como referência

para a medição. Os principais argumentos apresentados para justificar o projeto

foram: a origem remota da linha do preamar de 1831, que, por ser de difícil

determinação, estaria tornando inseguros diversos adquirentes de imóveis no

litoral, e a grande concentração no domínio da União dos terrenos acrescidos de

marinha, que a teriam tornado a maior proprietária de áreas urbanas em muitos

Estados brasileiros (alguns desses terrenos acrescidos são tão distantes da praia

que até edificações existem sobre eles). Conforme observam Armando Gonçalves

Madeira e Ziegler de Souza:

Na ótica do legislador, portanto, com a redução de 33 (trinta e três para 13 (treze)metros a área, a ser delimitada a partir do preamar médio do ano de 1999 (e não ode 1831, como prescreve a norma em vigor), ocorreria não só a contribuição parareduzir a atual margem de insegurança jurídica de que se ressentem muitosmilhares de famílias, como sobretudo permitirá uma precisa definição do ponto apartir do qual devem ter início os terrenos de marinha e seus acréscimos251.

Esse projeto de lei merece profunda discussão não só entre os parlamen-tares, mas também e principalmente entre eles e as várias instituiçõesrepresentativas da sociedade, pois a redução proposta da área dos terrenos demarinha resolveria apenas parcialmente os problemas apontados em relação a esseinstituto. Menos pessoas seriam atingidas, isso é fato, mas outras questõesconflituosas permaneceriam.

5.3Terrenos acrescidos de marinha

Segundo o art. 20, VII, da Carta Magna Federal, são bens da União não sóos terrenos de marinha, mas também “os seus acrescidos”. Aliás, essa não énovidade do constituinte, já que essa disposição já existia no Decreto-Lei 9.760,de 05.09.1946, no art. 1o, a. A definição desses terrenos acrescidos pode serencontrada nesse mesmo decreto, no art. 3o, com a seguinte redação: “São terrenosacrescidos de marinha os que se tiverem formado natural ou artificialmente, para olado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha”. Essadefinição também já havia sido prevista no Decreto-Lei n° 4.105, de 1868.________________

251 MADEIRA, Armando Gonçalves; SOUZA, Ziegler. Terreno de marinha: um bempúblico a ser preservado. Direito Administrativo, Contabilidade e Administração Pública, n. 1,p. 18, jan./2001.

152

Os acrescidos são, então, extensões naturais dos terrenos de marinha, queem nada os desnaturam e tampouco deslocam a linha de preamar-médio. Oportunaé a definição de Bandeira de Mello:

[...] são os que, por aluvião ou por avulsão, se incorporam aos terrenos de marinhaou aos terrenos marginais, aquém do ponto a que chega o preamar médio ou doponto médio das enchentes ordinárias, respectivamente, bem como a parte do álveoque se descobrir por afastamento das águas252.

5.4Terreno de marinha como bem dominical

Já foi visto que os terrenos de marinha e seus acrescidos são bens federais,conforme estabelecido na Constituição Federal, art. 20, VII. Todavia,diferentemente das praias, são bens que se encontram dentro do domínio privadoda União, ou seja, são bens dominicais, com utilização e tratamento jurídico bas-tante diverso. Aliás, tal situação foi bem notada por Caio Tácito:

No sentido interior do território, uma seqüência de espécie de bens se oferece àincidência de diversos regimes jurídicos: a partir do mar territorial colocam-se,sucessivamente, as praias, as terras de marinha e os terrenos alodiais. Na primeira,é pleno e exclusivo o domínio público, vedado constituir-se domínio privado; naúltima, como regra, prevalece a livre propriedade particular; na intermediária,convivem o domínio direto do senhorio público e o domínio útil do titular doaforamento253.

Os bens dominicais são os que, pertencentes ao domínio privado da União,fazem parte de seu patrimônio disponível. Sua qualidade de bem público estáexpressa no art. 99, III, do Código Civil, que dispõe: “art. 99 – São bens públicos:III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direitopúblico, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades”.Sobre a natureza desses bens esclarece o parágrafo único: “Não dispondo a lei emcontrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas dedireito público a que se tenha dado estrutura de direito privado”. Além do CódigoCivil, também o Código de Águas (Decreto 24.643, de 10.07.1934) estabelece, noart. 11, os terrenos de marinha como bens dominicais.

Mário Masagão define assim o que vêm a ser os bens dominicais:

________________252 MELLO, op. cit., p. 574. 253 TÁCITO, op. cit., p. 1741.

153

Os bens dominicais constituem propriedade das pessoas jurídicas a que pertencem,e em cujo patrimônio se acham. Tal propriedade só encontra, quanto ao seuexercício, as restrições estabelecidas pelo direito público em razão da natureza daspessoas que são titulares dela254.

Para Gasparini,

Os bens dominicais são os destituídos de qualquer destinação, prontos para serutilizados ou alienados ou, ainda, ter seu uso trespassado a quem por eles seinteresse. Pertencem à União, aos Estados-Membros, aos Municípios, ao DistritoFederal, às autarquias e fundações públicas. Tais entidades exercem sobre essesbens poderes de dono, de proprietário255.Os bens dominicais têm diferenças jurídicas claras em relação aos de uso

comum do povo e aos especiais, principalmente por serem regidos pelo direito

privado, conforme esclarece Moreira Neto:

Este terceiro tipo, dos dominicais, enseja ao Estado uma possibilidade legal dedisposição mais ampla que em relação aos anteriores, quase semelhante à abertapelo regime privado. Na verdade, os poderes do Estado sobre tais bens sãoestabelecidos pelo Direito Público, através de prescrições constitucionais eadministrativas, apropriadas para cada nível federativo, somente se valendo danormatividade civil em caráter complementar ou suplementar, no que compa-tível256.

Maria Sylvia Zanella di Pietro estabelece as principais características dessa

classe de bens, na qual se incluem os terrenos de marinha:

1. comportam uma função patrimonial ou financeira, porque se destinam aassegurar rendas ao Estado, em oposição aos demais bens públicos, que sãoafetados a uma destinação de interesse geral; a conseqüência disso é que agestão dos bens dominicais não era considerada serviço público, mas umaatividade privada da Administração;

2. submetem-se a um regime jurídico de direito privado, pois a AdministraçãoPública age, em relação a eles, como um proprietário privado257.

Porém não é sempre que o Poder Público visa apenas renda com tais bens.

Pode ter também como finalidade o cumprimento de um interesse geral, inclusive

relacionado com a proteção ambiental.

________________254 MASAGÃO, op. cit., p. 133.255 GASPARINI, op. cit., p. 687.256 MOREIRA NETO, Curso de direito administrativo, p. 233.257 DI PIETRO, op. cit., p. 536.

154

5.5Forma de utilização

O tipo do terreno de marinha é que determina sua forma de uso. O Decreto

Lei n° 9.760, de 05.09.1946, prescreve no art. 64 que a utilização de bens imóveis

da União pode ser feita mediante locação, aforamento ou cessão, certamente

quando não estejam sendo usados pelo serviço público. Com os terrenos de

marinha ocorre o aforamento, instituto disciplinado também pelo Decreto-Lei n°

9.760, de 05.09.1946, nos arts. 99 a 124, com alterações advindas da Lei n° 9.636,

de 15.05.1998. Sérgio de Andréa Ferreira interpreta assim o texto legal: “[...] os

bens dominicais são os que, por excelência, são utilizáveis, por terceiros,

privativamente, segundo diferentes regimes jurídicos”258, e inclui entre eles o

aforamento ou enfiteuse.

O regime dos terrenos de marinha pauta-se pelas normas da enfiteuse, que

na verdade tem significado semelhante a “aforamento”, com a diferença de que

esse último é instituto de direito administrativo (quando trata dos bens públicos) e

aquele, de direito civil (tratando mais especificamente de bens privados). Verifica-

se que enfiteuse é instituto de direito privado porém também utilizado no direito

público, conforme previsto no art. 64 do Decreto-Lei n° 9.760, de 05.09.1946.

Dessa forma, quando o aforamento ou enfiteuse diz respeito a terras da União,

rege-se pelas normas do Decreto-Lei n° 9.760, de 05.09.1946.

No caso concreto, as duas áreas do direito (público e privado) coexistem,

conforme manifestação de Rosita de Sousa Santos:

[...] assim, quando a União defere a proposta de se constituir um aforamento, elaestá praticando um ato administrativo, mas quando ela contrata a negociação dodomínio útil com o pretendente ao aforamento, transformando-o em foreiro, ela éparte em um contrato regido pelo Código Civil259.

Ou, nas palavras de Pontes de Miranda:

________________258 FERREIRA, Sérgio Andréa. Direito administrativo didático. 3. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1985. p. 166.259 SANTOS, op. cit., p. 66.

155

[...] o ato da União, ou dos Estados-membros, ou do Distrito Federal, ou dosMunicípios que defere o pedido de enfiteuticação é ato de direito administrativo,mas a constituição ou resulta de lex specialis ou se regula pelo Código Civil260.

Assim, naquilo que se refere a terrenos de marinha, por serem bens públicos

a concessão do aforamento resulta de ato administrativo. Devido a esse aspecto

específico, o presente trabalho tratará de abordar a questão nas óticas do direito

civil e do direito administrativo.

O significado etimológico da palavra “enfiteuse” é “plantio da terra” e isso

explica o uso atual do termo. No início, enfiteuse era uma maneira de conceder

uma fonte de renda a pessoa que desejasse trabalhar a terra. Isto se comprova por

preceito do Código Civil de 1916 que, no art. 680, limitava seu alcance às terras

não cultivadas e a terrenos urbanos não edificados. Acerca do histórico desse

instituto, é essencial o ensinamento de Caio Tácito:

Inexistente o reconhecimento do direito de propriedade privada, no ImpérioRomano (como na Idade Média) as terras eram públicas e sobre elas se exercia odomínio do Estado (ager publicus). O gozo pelo particular se exprimia em relaçãoequivalente ao aforamento, sujeito ao pagamento de uma contribuição (vectigal). Oterreno permanecia publicus, convivendo com a concessão de uso outorgada aoparticular (ager vectigalis), semente histórica da enfiteuse moderna261.

Na verdade, essa concessão de terra servia na época como estímulo à

agricultura, o que certamente não ocorre hoje em dia. É interessante notar que a

enfiteuse existe apenas no direito brasileiro, português e italiano.

Na seara do direito privado, o conceito de enfiteuse era dado pelo próprio

Código Civil de 1916, no art. 678, da seguinte maneira:

[...] dá-se a enfiteuse, aforamento, ou emprazamento, quando por ato entre vivos,ou de última vontade, o proprietário atribui a outrem o domínio útil do imóvel,pagando a pessoa, que o adquire, e assim se constitui enfiteuta, ao senhorio diretouma pensão, ou foro, anual, certo e invariável.

Todavia tal artigo não encontra correspondência no Código Civil de 2002,

que excluiu todo o capítulo dedicado à enfiteuse existente no Código de 1916. A

causa mais provável para essa exclusão é o pouco uso de tal instituto, que

________________260 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado: parte especial. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 1983. tomo XVIII, p. 79.261 TÄCITO, op. cit., p. 1780.

156

entretanto ainda vigora no tratamento jurídico dos terrenos de marinha,

subordinando-se às disposições do antigo código, conforme previsto no art. 2.038

do atual Código Civil.

A propósito da definição de enfiteuse, cabe mostrar a visão do civilista

Washington de Barros Monteiro, para quem “enfiteuse é relação jurídica por via

da qual o senhorio direto (o proprietário), autoriza outra pessoa (o enfiteuta) a

usar, gozar, e dispor da coisa, com certas restrições, inclusive pagamento de

retribuição anual, chamada pensão”262.

Assim, a utilização de terreno de marinha por particular se faz sob regime de

aforamento ou enfiteuse, pelo qual fica a União com o domínio direto e transfere

ao enfiteuta o domínio útil mediante pagamento de importância anual, denomi-

nada foro ou pensão. Por aí se verifica que sobre o mesmo bem incidem dois tipos

de domínio, nas claras palavras de Meirelles:

[...] domínio útil consiste no direito de usufruir o imóvel do modo mais completopossível e de transmiti-lo a outrem, por ato entre vivos ou de última vontade(testamento). Domínio direto, também chamado domínio eminente, é o direito àsubstância mesma do imóvel, sem as suas utilidades263.

Na enfiteuse o proprietário do bem denomina-se senhorio e o beneficiário,enfiteuta ou foreiro. Tem o primeiro o domínio direto, e o segundo, o domínioútil. Todavia Bandeira de Mello ressalta que “o enfiteuta dispõe dos mais amplospoderes sobre o bem: pode usá-lo, gozá-lo e dispor dos frutos, produtos e rendas,mas não pode mudar-lhe a substância ou deteriorá-la”264. Orlando Gomesmanifesta-se no mesmo sentido: “[...] ainda se diz que o foreiro tem o domínio útildo terreno aforado, mas por sobrevivência residual de linguagem. Em verdade,seu direito é de gozo da coisa alheia, tanto que deve conservar sua substância”265.Por isso esses civilistas entendem como imprópria a expressão “domínio útil”.

Observe-se o preceito inovador existente no Código Civil de 2002 que, no §2o do art. 2.038, dispõe: “[...] a enfiteuse dos terrenos de marinha e acrescidosregula-se por lei especial”. Tal disposição significa que, mesmo extinta a enfiteusena seara do direito privado, ela continuará existindo no direito público. É essatambém a interpretação de Salvo Venosa:

________________262 MONTEIRO, op. cit., p. 200.263 MEIRELLES, op. cit., p. 424.264 MELLO, op. cit., p. 582.265 GOMES, Orlando. Direitos reais. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 267.

157

[...] o legislador utiliza-se apenas dos princípios fundamentais do instituto dedireito civil, tanto que, se extinta a enfiteuse no campo privado, a instituiçãopública subsistirá por sua própria legislação. Subsidiariamente, é verdade,chamam-se à colação os princípios do direito privado266.

Por fim, cabe dizer que enfiteuse é direito real sobre coisa imóvel alheia e é

perpétua. No caso dos terrenos de marinha, por serem bens públicos, no regime de

aforamento, o direito real sobre coisa alheia é constitutivo. Assim, depende de

prévia inscrição no Registro de Imóveis.

A própria definição dada a aforamento ou enfiteuse deixa clara a

necessidade do pagamento anual do foro ou pensão ou cânon, como requisito

essencial para a configuração do instituto, o que deve ser feito pelo aforado ou

enfiteuta. O foro é de 0,6% do valor do domínio pleno respectivo, conforme

estabelecido no art. 101 do Decreto-Lei n° 9.760, de 05.09.1946. Conclui com

propriedade Meirelles: “[...] foro, cânon ou pensão é a contribuição anual e fixa

que o foreiro ou enfiteuta paga ao senhorio direto, em caráter perpétuo, para o

exercício de seus direitos sobre o domínio útil do imóvel”267.

Além do foro, outra taxa que deve ser paga pelo enfiteuta é o laudêmio. No

caso dos terrenos de marinha, a União tem direito de opção ou preferência na

aquisição do domínio útil pelo prazo de trinta dias. Se não exercer essa

preferência, incidirá laudêmio quando o imóvel for alienado, ficando o enfiteuta

obrigado a pagar, além do preço, a quantia de 5% sobre o valor do domínio pleno

e benfeitorias. Essa porcentagem é o dobro da cobrada em aforamentos civis.

Na lição de Meirelles,

Laudêmio é a importância que o foreiro ou enfiteuta paga ao senhorio diretoquando ele, senhorio, renuncia seu direito de reaver esse domínio útil, nas mesmascondições em que o terceiro o adquire. Sempre que houver pretendente à aquisiçãodo domínio útil, o foreiro é obrigado a comunicar a existência desse pretendente eas condições da alienação, para que o senhorio direto – no caso, o Estado – exerçaseu direito de opção dentro de trinta dias, ou renuncie a ele, concordando com atransferência a outrem, caso em que terá direito ao laudêmio (CC, Cart. 683) nabase legal ou contratual (CC, art. 686)268.

Teoricamente, como leciona Rosita Sousa Santos, “quanto ao mais, no

Direito Privado, como no Direito Público, o laudêmio é uma compensação dada

________________266 VENOSA, op. cit., p. 390.267 MEIRELLES, op. cit., p. 424.268 Ibid., p. 424.

158

ao senhorio por não ter este exercido o direito de preferência previsto no art. 686,

do Código Civil, e no art. 102, § 1o, do Decreto-Lei 9.760, de 05.09.1946”269.

O foro e o laudêmio são créditos fiscais cujo não-pagamento pode gerar

ação executiva por parte da União (execução fiscal), conforme estabelecido no art.

201 do Decreto-Lei 9.760, de 05.09.1946: “são consideradas dívida ativa da União

para efeito de cobrança executiva, as provenientes de aluguéis, taxas, foros,

laudêmios e outras contribuições concernentes a utilização de bens imóveis da

União”.

Desse modo, em caso de alienação da propriedade o morador de imóvel

localizado em terreno de marinha deve pagar, além do imposto territorial urbano

(IPTU), o foro anual e o laudêmio, o que exige grande gasto ao foreiro.

A administração dos terrenos de marinha é competência do Serviço de

Patrimônio da União (SPU), órgão hoje em dia pertencente ao Ministério do

Planejamento, Orçamento e Gestão; antigamente pertencia ao Ministério da

Fazenda. Conforme explanação de Gasparini, “à SPU cabe manter constante

vigilância sobre as marinhas, cuidando para que não sejam irregularmente

ocupadas, e aforá-las aos interessados, observadas as exigências legais. Cabe-lhe

indicar o foro e a taxa de ocupação”270. Ao SPU cabe administrar o patrimônio

imobiliário da União.

5.6Situação atual do regime de aforamento

O instituto da enfiteuse no direito civil é fadado ao desaparecimento. Tal

afirmação comprova-se primeiramente no art. 49 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias, que reza: “a lei disporá sobre o instituto da enfiteuse

em imóveis urbanos, sendo facultada aos foreiros, no caso de sua extinção, a

remição dos aforamentos mediante aquisição do domínio direto, na conformidade

do que dispuserem os respectivos contratos”. Assim, segundo Orlando Gomes, “a

Constituição de 1988 programou, praticamente, a extinção das enfiteuses entre

________________269 SANTOS, op. cit., p. 103.270 GASPARINI, op. cit., p. 741.

159

particulares. O art. 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias asse-

gurou aos enfiteutas a remição dos aforamentos [...]”271.

Outrossim, na leitura do art. 2.038 do Código Civil de 2002, abordado

acima, verifica-se a proibição de novas enfiteuses ou subenfiteuses. Ressalva o

artigo que as já existentes, até sua extinção, regem-se pelas disposições do Código

Civil de 1916 e leis posteriores. Sobre isso se manifesta Maria Helena Diniz: “[...]

a animosidade contra a enfiteuse não é recente e muitos Códigos a aboliram, por

não se coadunar com o princípio da função social da propriedade”272.

No entanto o regime de aforamento dos terrenos de marinha permanece. O §

3o do art. 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias prevê: “a enfi-

teuse continuará sendo aplicada aos terrenos de marinha e seus acrescidos,

situados na faixa de segurança, a partir da orla marítima”. Ademais, o § 2o do art.

2.038 do Código Civil dispõe que “a enfiteuse dos terrenos de marinha e acres-

cidos regula-se por lei especial”. Em suma, o aforamento/enfiteuse em terrenos

públicos permanece, enquanto em bens privados se encontra em vias de extinção.

A existência do regime de aforamento nos terrenos de marinha, mesmo com

respaldo legal, não se justifica nos dias de hoje. No passado esse regime tinha

razão de ser, de vez que propiciava aos agricultores ou industriais a obtenção de

terras para o cultivo ou desenvolvimento de suas atividades. Atualmente, o único

objetivo de tal regime é o recebimento de rendas advindas do pagamento de foro e

laudêmio. Essa é a opinião de diversos doutrinadores, entre os quais Hely Lopes

Meirelles:

Já acentuamos em tópico anterior a inutilidade do regime enfitêutico e suainconveniência mesmo na prática administrativa. Muitos Estados já o excluíram desuas leis orgânicas, e os que o conservam não encontrarão razões ponderáveis parasua subsistência, quando a Administração dispõe de tantos outros meios de tornarprodutivo seu patrimônio e de ajudar os desfavorecidos que desejam cultivar suaterra. [...]

O aforamento é uma velharia que bem merecia desaparecer de nossa legislação e,principalmente, da prática administrativa273.

________________271 GOMES, op. cit., p. 267.272 DINIZ, op. cit., p. 350.273 MEIRELLES, op. cit., p. 481-482.

160

5.7Demarcação dos terrenos de marinha

A demarcação dos terrenos de marinha, que como foi demonstrado é

questão extremamente complexa, só foi disciplinada em 05.09.1946, pelo Decre-

to-Lei 9.760, nos arts. 9o a 14.

Art. 9º É da competência do Serviço do Patrimônio da União (S.P.U.) adeterminação da posição das linhas do preamar médio do ano de 1831 e da médiadas enchentes ordinárias.

Art. 10. A determinação será feita à vista de documentos e plantas de autenticidadeirrecusável, relativos àquele ano, ou, quando não obtidos, a época que do mesmo seaproxime.

Art. 11. Para a realização do trabalho, o S. P. U. convidará os interessados, certos eincertos, pessoalmente ou por edital, para que no prazo de 60 (sessenta) diasofereçam a estudo, se assim lhes convier, plantas, documentos e outrosesclarecimentos concernentes aos terrenos compreendidos no trecho demarcando.

Art. 12. O edital será afixado na repartição arrecadadora da Fazenda Nacional nalocalidade, e publicado por 3 (três) vezes, com intervalos não superiores a 10 (dez)dias, no Diário Oficial, se se tratar de terrenos situados no Distrito Federal, ou nafolha que nos Estados ou Territórios lhes publicar o expediente.

Art. 13. De posse desses e outros documentos, que se esforçará por obter, e após arealização dos trabalhos topográficos que se fizerem necessários, o Chefe do órgãolocal do S. P. U. determinará a posição da linha em despacho de que, por editalcom o prazo de 10 (dez) dias, dará ciência aos interessados para oferecimento dequaisquer impugnações.

Parágrafo único. Tomando conhecimento das impugnações porventuraapresentadas, a autoridade a que se refere este artigo reexaminará o assunto, e, seconfirmar a sua decisão, recorrerá ex-offício para o Diretor do S. P. U., semprejuízo do recurso da parte interessada.

Art. 14. Da decisão proferida pelo Diretor do S. P. U. será dado conhecimento aosinteressados, que, no prazo improrrogável de 20 (vinte) dias contados de suaciência. poderão interpor recurso para o C. T. U.

Segundo essa norma, o SPU seria o órgão responsável pela demarcação da

linha do preamar-médio de 1831, a ser feita com base em documentos da época ou

de período próximo a ela, de autenticidade irrecusável. Esse cuidado mostra que

até então os terrenos de marinha não se encontravam devidamente demarcados.

Apenas a partir de 1946, quando a questão foi normatizada, é que se iniciou essa

atividade com o objetivo de descobrir a posição do preamar-médio de 1831 –

certamente tarefa nada simples, pois se tratava do levantamento topográfico de

todo o litoral brasileiro, que, aliás, ainda hoje está por terminar.

161

O texto dos artigos acima transcritos indica que muitas pessoas já habitavam

nos terrenos posteriormente identificados como de marinha, identificação essa que

acabou gerando nova situação jurídica para esses moradores, que até então se

consideravam plenos proprietários do imóvel.

O art. 11 determinava que se convidassem os interessados “certos e incertos,

pessoalmente ou por edital”, para que apresentassem documentação concernente a seu

direito sobre o imóvel, isso em obediência aos princípios do contraditório e da

ampla defesa. Os interessados diretos teriam, portanto, oportunidade de tomar

conhecimento do procedimento administrativo que estava sendo realizado e de

defender seus interesses.

Sabe-se que não têm sido poucos os casos em que mesmo os interessados

diretos são convocados por edital, o que, por determinação legal, torna tal ato

nulo. O Superior Tribunal de Justiça já se posicionou nesse sentido, entendendo a

necessidade da convocação pessoal dos interessados diretos. A ementa da decisão

é a seguinte:

Recurso especial. Alegada violação aos artigos 458 e 535 do CPC. Inocorrência.Terreno de marinha. Procedimento administrativo de fixação da linha de preamarde 1831. Convocação dos interessados mediante edital. art. 11 do Decreto-Lei n.9.760/46. Ofensa aos princípios da ampla defesa e contraditório. Ausência deprequestionamento no que toca à qualificação do imóvel como terreno de marinha.Incidência da súmula n. 07/STJ.

A função teleológica da decisão judicial é a de compor, precipuamente, litígios.Não é peça acadêmica ou doutrinária, tampouco destina-se a responder aargumentos, à guisa de quesitos, como se laudo pericial fora. Contenta-se o sistemacom a solução da controvérsia observada a res in iudicium deducta.

A interpretação do artigo 11 do Decreto-lei n. 9.760/46, em consonância com osprincípios do contraditório e ampla defesa, leva à conclusão de que o legisladordeterminou que, quando certos os interessados no procedimento demarcatório deterras de marinha, na delimitação da Linha Preamar Média de 1831, suaconvocação deverá ser pessoal, ao contrário do que ocorre quanto aos interessadosincertos, convocados por edital. Como bem ponderou o r. Juízo de primeiro grau,"não se pode permitir que através de edital sejam convocados quaisquerinteressados para a determinação da posição das linhas de preamar médio, pois éconsabido que após a demarcação, a propriedade passa ao domínio público e osantigos proprietários passam à condição de ocupantes irregulares, sendo instados aregularizar sua situação e a pagar o foro pela utilização do bem."

In casu, a Administração, ao convocar por edital a recorrente, proprietária comtítulo registrado no Cartório de Imóveis, sem ao menos incluir seu nome noinstrumento convocatório, não lhe concedeu oportunidade de defesa e sequer lhedeu ciência do procedimento administrativo que culminou na perda de suapropriedade.

162

Nulidade do procedimento administrativo, por não ter sido a exigência legal deconvocação pessoal da recorrente, interessada certa na demarcação, para que, emconformidade com o disposto no Decreto-lei n. 9.760/46, pudesse ofereceresclarecimentos concernentes aos terrenos compreendidos no trecho demarcado, ouquaisquer impugnações à demarcação. Ausência de prequestionamento da questãorelativa à qualificação do imóvel da recorrente como terreno de marinha (Súmulasns. 282 e 356/STF). Ainda que assim não fosse, referida questão escapa do âmbitode cognição do recurso especial, pois envolve reexame de matéria fático-probatória, o que encontra óbice no enunciado da Súmula n. 07 deste Sodalício.

Recurso especial provido274.

A Lei 9.636, de 15.05.1998, no art. 2o determinou que “concluído, na formada legislação vigente, o processo de identificação e demarcação das terras dedomínio da União, a SPU lavrará, em livro próprio, com força de escritura pública,o termo competente, incorporando a área ao patrimônio da União”. E, noparágrafo único: “O termo a que se refere este artigo, mediante certidão de inteiroteor, acompanhado de plantas e outros documentos técnicos que permitam acorreta caracterização do imóvel, será registrado no Cartório de Registro deImóveis competente”.

Para que a área seja considerada terreno de marinha, bem público dominical

da União, deve haver primeiramente a delimitação da linha de preamar-médio, e

em seguida a demarcação do terreno pelo SPU, atendendo a todas as exigências

mencionadas no Decreto-Lei 9.760/1946; por fim, a inscrição no Registro de

Imóveis.

Portanto cabe ao SPU identificar, demarcar, cadastrar, registrar, fiscalizar,

regularizar as ocupações e promover a utilização ordenada dos bens imóveis de

domínio da União, podendo, para tanto, firmar convênios com os Estados e

Municípios em cujos territórios se localizem (arts. 4o e 5o da Lei 9.636, de

15.05.1998) e, observados os procedimentos licitatórios previstos em lei, celebrar

contratos com empresas privadas. Por fim, concluído o processo de identificação e

demarcação dessas terras, o SPU lavrará em livro próprio, com força de escritura

pública, o termo competente, incorporando a área ao patrimônio da União.

Somente depois de cumpridas essas determinações e regularizada a situação

dos habitantes de tais terrenos é que será constituído o aforamento desses bens e

haverá a possibilidade legal da exigência de foro e laudêmio por parte da União.

________________274 BRASIL, STJ, Recurso Especial 2003/0092927-3, 2a Turma, Rel. Min. Franciulli Netto,

j. 23.09.2003, DJU 13.10.2003.

163

Portanto apenas nesse momento é que a União passa a ser o senhorio, e o

habitante no terreno, o foreiro.

Até que o aforamento reste constituído, o que estará ocorrendo é a ocupação

do terreno de marinha, e os habitantes, chamados de ocupantes, estarão sujeitos ao

pagamento de taxa de ocupação, nos termos do art. 127 do Decreto-Lei

9.760/1946: “os atuais ocupantes de terrenos da União, sem título outorgado por

esta, ficam obrigados ao pagamento anual da taxa de ocupação”. Atente-se para o

fato de que, além de ser um novo valor a ser pago, a taxa de ocupação incide sobre

o imóvel desde o início, nos termos do parágrafo único do art. 128 do mesmo

decreto-lei. Destarte, embora essas ocupações sejam inscritas no SPU a partir do

momento de sua constatação, nos termos determinados no art. 128, a taxa será

cobrada retroativamente, desde seu início, incidindo sobre os anos em que ainda

não se encontravam inscritas.

A aplicação pelo SPU das normas estabelecidas pelo Decreto-Lei

9.760/1946 tem sido causa constante de intranqüilidade entre os moradores, que se

vêem surpreendidos com a cobrança de taxas de ocupação referentes a anos

anteriores. Grande parte dessas taxas começaram a ser cobradas apenas no ano de

2001, o que resultou em elevadíssimo valor acumulado a ser pago, sujeito a

cobrança executiva.

Conforme esclarece Mário Muller Romiti, “ocupantes seriam todos aqueles

que ocupam terreno de marinha, sem prévio aforamento”. Não é demais lembrar

que, segundo o art. 105 do Decreto-Lei 9.760/1946, têm preferência ao

aforamento em primeiro lugar os ocupantes que tiverem título de propriedade

transcrito em Registro de Imóveis, do que se deduz que há duas categorias de

ocupantes, quais sejam: aqueles com direito de propriedade e aqueles sem esse

direito.

Em relação aos ocupantes com título de propriedade surge uma interessante

situação, conforme alerta Mário Muller Romiti: “[...] assim sendo, se o Registro –

depositário central e maior – não traz qualquer referência à condição de imóvel de

marinha, será de presumir-se o domínio particular, exclusivo e ilimitado”275. Por

outras palavras, o ocupante de imóvel localizado em terreno de marinha comprou

tal bem e o inscreveu no Registro de Imóveis, constituindo-se dessa forma seu

________________275 ROMITI, op. cit., p. 102.

164

proprietário único, na visão do Direito Privado. A existência de registro pleno faz

presumir que o imóvel seja propriedade particular, e é essa situação que, a nosso

ver, deve prevalecer.

No entanto, o SPU vem enviando aos cartórios, há algum tempo, uma

listagem de imóveis que seriam de marinha, tanto sob regime de ocupação quanto

de aforamento, cujo registro não poderá ser feito sob pena de responsabilidade

prevista no § 2o do art. 33 da Lei 9.636, de 15.05.1998:

os Cartórios de Notas e Registro de Imóveis, sob pena de responsabilidade dos seusrespectivos titulares, não lavrarão nem registrarão escrituras relativas a bensimóveis de propriedade da União, ou que contenham, ainda que parcialmente, áreade seu domínio.

Tal medida significa perda de segurança jurídica para os moradores de

imóveis localizados nesses terrenos, que na maioria dos casos os compraram com

boa-fé e ainda se vêem agravados com cobrança de taxas de ocupação, mesmo

com o imóvel matriculado muitos anos antes. O absurdo dessa situação é expresso

por Mário Mueller Romiti: “[...] não será, por óbvio, a singela listagem enviada

pelo SPU a ter o diabólico condão de transmudar vinho em água e condenar a

inocuidade e ruína todo o sistema registrário cujo norte específico é a segu-

rança”276.

Para ilustrar a brusca mudança de situação jurídica desses moradores, leia-se

notícia da imprensa do ano de 2001:

Em Joinville, cerca de 25 mil famílias residem em regiões que poderão ser afetadascaso o governo federal coloque em prática a lei 9.636/98, que trata das terras demarinha. Apesar do número, somente 106 pessoas foram à Câmara de Vereadores,na semana passada, onde dois técnicos do Serviço do Patrimônio da União (SPU),de Florianópolis, montaram um plantão para tirar dúvidas de moradores. A chefedo serviço negocial do órgão, Tereza Cristina e o chefe de serviço decadastramento e demarcação, engenheiro Carlos Bauer, ficaram na cidade entre osdias 3 e 7. Prestaram esclarecimentos sobre a propriedade efetiva do imóvel e, nocaso de a terra ser realmente “de marinha”, como fazer para regularizar asituação277.

________________276 ROMITI, op. cit., p. 103.277 ANACLETO, Antônio. Lei pode afetar 25 mil famílias. A Notícia, Joinville, 16 dez.

2001. Geral, p. 11.

165

Por essa notícia verifica-se que, mesmo datadas de 1946 e 1998 as leis que

regulam o assunto, apenas em 2001 é que o SPU começou a preocupar-se com a

questão, ao menos no Estado de Santa Catarina.

Situação semelhante ocorre com pessoas que compram o imóvel, registram-

no devidamente e, após demarcação feita pelo SPU geralmente anos depois, vêem

o imóvel passar para o domínio público e o antigo proprietário obrigado a

pagamento das já mencionadas taxas.

Fatos como esses têm gerado diversas ações judiciais, porque em alguns

casos o SPU notifica o morador para que pague valores de taxas de ocupação

referentes a anos anteriores, e, ao serem cobrados, os moradores das terras de

marinha ingressam, na maior parte das vezes, com ação mandamental, visando o

não-pagamento da taxa e do foro. Mas, mesmo ainda não pacificado o assunto

entre os magistrados, os moradores de terrenos de marinha estão começando a

obter suas primeiras vitórias, como mostra recente reportagem:

O psicólogo Osvaldo Antônio de Souza, 52 anos, esperou quatro anos por umadecisão judicial que poderia colocar em risco o seu imóvel adquirido em 1988 àsmargens do rio Cachoeira, em Joinville. No início de novembro deste ano, oministro Franciulli Netto, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília,determinou que Souza não precisa pagar novamente pelo seu imóvel como exigia oGoverno Federal. A decisão foi em última instância e não cabe mais recorrer278.

Também os ocupantes de imóveis em terreno de marinha sem título depropriedade são surpreendidos pela nova situação, certamente bem mais compli-cada juridicamente do que os que têm tal título. Com as atuais normas existentes,o mais sensato é que estes ocupantes continuem inscritos no SPU pagando a taxade ocupação. No entanto, ao nosso ver, não é justa a determinação legal de que ataxa seja cobrada desde o início da ocupação, gerando efeitos ex tunc.

Registre-se que os habitantes de terrenos de marinha com inscrição depropriedade anterior ao ano de 1946, ano da assinatura do Decreto-Lei 9.760,estão isentos do pagamento de taxas de ocupação ou de foro relativas aos anosanteriores, pelo impedimento de retroatividade da lei.

Não se olvide também das pessoas que compram imóveis, já sabendo da sualocalização em terreno da União e da taxa de foro anual. Nesse caso, não seriamsurpreendidas pela cobrança.

________________278 BRAGA, Marco Aurélio. Catarinense ganha posse de área de marinha. A Notícia,

Joinville, 04 dez. 2003. Geral, p. A7.

166

5.8Construções em terrenos de marinha

Não são raras as construções em terrenos de marinha. Ali, como nas praias,são freqüentes as construções destinadas a hotéis e bares, e até mesmo a museusou outros empreendimentos voltados ao desenvolvimento do turismo na regiãolitorânea. Também não é raro, infelizmente, que os empreendedores se esqueçamda necessidade de licenciamento com prévio estudo de impacto ambiental quandoa magnitude do empreendimento indicar a possibilidade de significativo prejuízoao meio ambiente. As mesmas normas legais que regem o licenciamento empraias regem o uso dos terrenos de marinha, ou seja, a Constituição Federal, a Leida Política Nacional do Meio Ambiente e a Lei de Gerenciamento Costeiro. Damesma forma que nas praias, a competência do órgão que deverá expedir olicenciamento é determinada pela predominância do interesse: municipal,regional, nacional.

Por vezes o Município autoriza a construção sem que tenha sido feito estudode impacto ambiental, o que pode ensejar ação judicial visando à sua anulação.Obras realizadas de forma irregular, sem licenciamento ambiental expedido damaneira correta ou sem a apresentação de EIA-RIMA são passíveis de aplicaçãode sanção administrativa, como embargo ou demolição da obra, da mesma formaque nas praias. Tal pena pode ser aplicada administrativamente ou por decisãojudicial.

Observe-se caso ocorrido na cidade de Santos, no litoral paulista, com a

construção do chamado Museu Pelé sobre emissário submarino, área de terreno

acrescido de marinha. Trata-se de empreendimento vultoso, cuja obra inclui vários

pavimentos, lojas, salas de cinema, restaurantes e cervejarias, autorizado pela

Prefeitura sem o estudo prévio de impacto ambiental previsto em lei. O Ministério

Público Federal ingressou com ação civil pública e obteve medida liminar que

determinou a paralisação da obra até que fosse cumprida a exigência legal279.

Correta a ordem judicial, uma vez que a obra, além dos aspectos paisagísticos,

poderia afetar o meio ambiente. O EIA-RIMA no caso era indispensável, pois

conciliaria desenvolvimento com proteção ambiental, dando sustentabilidade ao

projeto, que, sem dúvida, é importante.

________________279 Referente à Ação Civil Pública n° 2003.61.04.001402-4, 1a Vara Cível de Santos, Juíza

Federal Eliana Parisi e Lima, j. 19.03.2003.

167

5.9Conclusão

Uma reflexão que deve necessariamente ser feita é sobre o sentido e a

utilidade da permanência até hoje da figura jurídica que define como propriedades

da União os terrenos de marinha. Se no passado essa propriedade era justificada

em nome da defesa do território nacional, hoje essa justificativa carece de

fundamento, uma vez que ataques ao nosso país são possibilidades muito remotas,

principalmente por via marítima. Corrobora essa afirmação o fato de os terrenos

de marinha no País estarem em sua maior parte já urbanizados e ocupados por

expressiva população, na qual a presença de força militar é bastante restrita. Em

resumo, não há situação fática que justifique a existência de terrenos de marinha

de propriedade da União como recurso estratégico de segurança nacional.

O que foi visto permite concluir que nos dias atuais o único objetivo da

União com a manutenção da propriedade das terras de marinha é arrecadar

dinheiro para os cofres públicos, em forma de foros, laudêmios e taxas de

ocupação, o que pode gerar a inclusão do inadimplente no Cadim, uma vez que a

cobrança desses valores é feita por meio de execução fiscal.

Manter como bens públicos os terrenos de marinha, mesmo que dominicais,

na forma como vêm sendo utilizados, não atende o interesse público. Em quase

toda a sua extensão o que se vê são casas, loteamentos, edifícios. Se são terrenos

públicos, pertencentes à União, o interesse da coletividade deveria ser levado em

conta, mas o que se vê é que na posição de proprietária do bem a União apenas

autoriza as pessoas a ali habitar, sem nenhuma contraprestação.

O único fundamento para a manutenção desse instituto seria destinar essas

áreas à proteção ambiental, ao lazer e até mesmo a atividades turísticas, ou seja, a

atividades de cunho social coletivo. Sendo o terreno de marinha parte da zona

costeira, é clara a necessidade de conservação de suas características ambientais.

Assim, a criação de áreas de preservação ambiental justificaria por si só a

existência de terras de marinha como bens federais, e a instituição ali de unidades

de conservação também seria de todo adequada.

Cumpre ao Poder Público promover medidas que garantam a função

ambiental e social da propriedade (art. 170, II, III e VI da Constituição),

conforme esclarece Fabíola Santos Albuquerque:

168

Apesar da crítica inicial, a atitude de legislador constituinte foi bastante louvável,quando estabeleceu o uso da propriedade privada atrelada a uma função social, cujapeculiaridade é o atendimento simultâneo ao interesse coletivo e à preservaçãoambiental. Os princípios são a representação concreta de valores. Esses por sua vezsão relativos, mutáveis, intrinsecamente relacionados com o momento social.

Merece destaque a sensibilidade quanto à exigência de se utilizar adequadamenteos recursos naturais disponíveis e à preservação do meio ambiente, como um dosrequisitos para o cumprimento da função social. Impõe-se ao proprietário, umaobrigação ambiental, pelo despertar da imprescindibilidade do meio ambientecomo condição de resguardo da espécie humana. Essa regra corresponde a umatendência mundial crescente de limitar a propriedade privada em razão da tutelaambiental”280.

Também não pode ser olvidada a promoção do turismo, tão importante

quanto básico para o desenvolvimento dos Municípios litorâneos. Em algumas

cidades como Santos, no litoral paulista, além do famoso aquário, foram

construídos calçadões com ciclovias e outras obras com fins sociais e de interesse

público, sempre com o devido licenciamento ambiental.

Paulo Salvador Frontini mostra a necessidade de reformar a legislação que

trata dos terrenos de marinha:

Sob um enfoque publicístico, urge atualizá-las, ajustando-a às solicitações doBrasil de hoje. Para tanto, ainda que não se ampliem as dimensões da faixa demarinha, impõe-se compatibilizar as áreas adjacentes ao interesse público presenteem cada segmento da faixa. Esse é o primeiro tópico de qualquer reforma, porquepossibilitará adequar a faixa, de marinha e suas adjacências aos imperativos deproteção da natureza, urbanização adequada, saneamento, turismo, bem como aosobjetivos da política de transportes (portos, ferrovias, etc.) e às exigências dadefesa nacional281.

Essa é também a opinião de Odete Medauar: “[...] muitos desses bens

propiciam recursos ao ente estatal. Embora essa seja a característica predominante

dos bens dominicais, também podem ser utilizados com finalidades sociais

[...]”282. Áreas de preservação permanente podem ser criadas nos terrenos de

marinha, da mesma forma que vem fazendo a União, como atestam Armando

Gonçalves Madeira e Ziegler de Souza:

Com efeito, a União vem utilizando esses terrenos e seus acrescidos para instalaçãode unidades militares, desenvolvimento de projetos urbanísticos comunitários

________________280 ALBUQUERQUE, Fabíola Santos. Direito de propriedade e meio ambiente. Curitiba:

Juruá, 1999. p.113-114. 281 FRONTINI, Paulo Salvador. Terrenos de marinha: notas e sugestões sobre um tema

atual. Revista Justitia, v. 38, n. 92, p. 224, jan./mar. 1976.282 MEDAUAR, op. cit., p. 263.

169

(praças, avenidas, jardins, calçadões, etc.), assentamentos de populações carentes eoutros projetos de interesse público.

Hoje, ganha relevo o interesse ecológico, uma vez que a maior parte dessesterrenos constitui área de preservação permanente: Mata Atlântica, mangues,morros e dunas, inclusive as praias, que são bens de uso comum do povo283.

O instituto dos terrenos de marinha é algo enraizado no direito brasileiro, de

difícil alteração, o que não impede, entretanto, que ao menos seja discutido. Não

cabem no ordenamento jurídico instituições sem objetivo claro que justifique sua

existência, daí por que é inadmissível o que ocorre com os terrenos de marinha.

Diante de tais circunstâncias, duas soluções são possíveis de ser tomadas em

relação a esses bens públicos. A primeira, a mais radical, é a sua total supressão

do sistema jurídico, conforme preconiza a Proposta de Emenda Constitucional n°

40, de 05.05.1999, que pretende a extinção dos terrenos de marinha e seus

acrescidos do rol de bens da União.

A segunda solução, mais moderada, é uma reforma total da legislação sobre

o assunto. Deve ser revista, antes de tudo, a necessidade de delimitar o terreno de

marinha a partir do preamar-médio de 1831; depois, o regime de aforamento para

esses terrenos, instituto esse já ultrapassado em nosso ordenamento jurídico e

praticamente extinto na seara do Direito Privado; conseqüentemente, também

deve ser reestudada a obrigatoriedade de pagamento de foro, taxa de ocupação e

laudêmio; por fim, se se concluir que os terrenos de marinha devem mesmo

continuar pertencendo à União, que ao menos se observe o interesse social e

ambiental desses bens públicos, instituindo onde ainda há espaço projetos e

atividades voltados para a coletividade e para a proteção do meio ambiente.

Estudo realizado pelo Ministério do Meio Ambiente resume bem essa

opinião:

[...] assim, como já observado neste trabalho, a destinação dos terrenos de marinhapara uso público, ou para execução de projetos de interesse público pelasmunicipalidades, poderia ser de grande serventia para o gerenciamento costeiro,ressaltando que, por se tratar de imóveis da União, não teriam que serdesapropriados para dar os usos aqui referidos284.

Rufino comenta assim a questão:

________________283 MADEIRA e SOUZA, op. cit., p. 20. 284 Ministério do Meio Ambiente, op. cit., p. 57.

170

Na realidade, o legislador brasileiro persiste em não enfrentar a necessidade deproceder à apropriação pública dos espaços a proteger. O porque não valoriza osbens já pertencentes ao domínio do Estado, também permite que se exerça umagestão perdulária dos bens públicos do patrimônio imobiliário natural. (É o casodos terrenos de marinha, pois, em relação a esses, “...jusqu’à maintenant, lesemphitéoses des terrains au bord de la mer ont causé une agression constante etsensible à l’environnement du littoral.” Machado, Paulo Affonso Leme. Brésil.Droit de Propriété et Environnement. Centre International de Droit Comparé del’Environnement, Université de Limoges (França), 1988 p. 23-35 (p. 33)285.

Em suma, é paradoxal a situação que se verifica no Brasil. Qualquer país

preocupado com seu desenvolvimento sustentável empregaria todos os seus

recursos para adquirir (desapropriando) terras litorâneas destinadas a áreas de

preservação, evitando a degradação de tão importante ecossistema. Aqui, o fato de

essas terras pertencerem à União torna mais fácil a situação, mas, como pôde ser

visto neste trabalho, o Poder Público não aproveita essa benesse. Ao contrário, o

que vemos é o loteamento desse bem, sem preocupação com a preservação

ambiental, o que compromete o futuro das políticas de gerenciamento costeiro.

Portanto, o fato de os terrenos de marinha serem bens dominicais é um

contra-senso, pois mesmo sendo dominicais são aforados a terceiros, que os

utilizam como bem entendem. O correto seria sua afetação ao uso comum dos

habitantes. No entanto, na situação a que se chegou no atual estágio de

urbanização, tal solução seria infrutífera.

Se nenhuma dessas soluções for tomada, que pelo menos os valores obtidos

com o foro, taxa de ocupação e laudêmio sejam destinados a um fundo que

desenvolva atividades de preservação do meio ambiente centradas principalmente

no litoral, o que é perfeitamente cabível, tendo em vista a importância ambiental

dos terrenos de marinha. Que pelo menos esse dinheiro seja utilizado em benefício

de toda a coletividade é o que se espera.

Essa é também a preocupação manifesta de Rufino:

Em que pesem os avanços constatados, a Constituição Federal não correspondeu àsaspirações no sentido da ampliação do domínio público. Dentre os muitos eventosonde essa demanda apareceu, pode ser citado o V Simpósio de Direito Ambiental(Curitiba, 1987) onde se propugnou que a nova Carta declarasse pertencentes “aodomínio público natural da União as praias, os mangues, as dunas, os terrenos demarinha e seus acrescidos, as margens dos rios, as falésias, os promontório e asrestingas litorâneas”, com ressalva apenas dos “direitos privados que sobre essesbens se houverem constituído legitimamente até essa data”. Propunha-se,

________________285 RUFINO, Regime jurídico dos bens litorâneos, p. 02.

171

outrossim, que as rendas obtidas com a gestão desses bens fossem aplicadas naconservação da natureza286.

Sobre a mesma questão, assim se expressou Antônio Chaves ao responder a

uma pergunta sobre o que poderia justificar a manutenção dos terrenos de marinha

como bens imóveis diferenciados, sob o domínio da União, na própria

Constituição de 1988:

Reiteram a invocação ao aludido imperativo que se impõe ao Estado e à própriasociedade civil: a preservação ambiental. Tal preocupação vem alterandosubstancialmente as políticas governamentais de vários países do primeiro mundo etambém do Brasil. Os terrenos de marinha enquadram-se perfeitamente neste novocontexto, tal como se pode observar dos termos da Resolução n. 1, da ComissãoInterministerial para os Recursos do Mar, que aprovou o Plano Nacional deGerenciamento Costeiro (DOU de 27.11.90), verbis: “na zona costeira estãosituados os terrenos de marinha e [...] devem constituir usufruto da comunidadenacional”.

[...]

Vale lembrar que os atuais ocupantes e foreiros que pagam suas respectivas taxasde ocupação e foro, bem como o laudêmio, acreditamos, ficariam mais tranqüilosse essas verbas, auferidas a título de renda pelas Delegacias do Patrimônio daUnião, fossem efetivamente aplicadas em projetos de preservação edesenvolvimento, em benefício do patrimônio ecológico brasileiro287.

________________286 RUFINO, Regime jurídico dos bens litorâneos, p. 02.287 CHAVES, op. cit., p. 28.

6Ilhas marítimas

6.1Introdução

Ilha é uma porção de terra que se eleva acima das águas e por elas estácercada. Tal porção de terra, para caracterizar-se como ilha, deve ter estabilidade efirmeza. Quando surge no mar, chama-se marítima; quando em rio público oulago, é fluvial ou lacustre, respectivamente. Neste estudo interessam apenas asilhas marítimas, que, para serem assim consideradas, devem, conformeensinamento de J. Cretella Junior, “ter altura tal que não seja coberta pelas maisaltas marés periódicas”288.

As ilhas marítimas podem ser costeiras ou oceânicas. As primeiras resultamdo relevo continental ou da plataforma submarina; as segundas são as que seencontram afastadas da costa e nada têm que ver com o relevo continental ou coma plataforma submarina. Exemplos de ilhas oceânicas são: Fernando de Noronha,grupo da ilha de Trindade e as três ilhas de Martin Vaz, o recife das Rocas e ospenedos de São Pedro e São Paulo.

FOTO 16 - ILHA GRANDE, MUNICÍPIO DE ANGRA DOS REIS/RJDisponível em: <www.ilhagrande.com>. Acesso em 24.06.2004

________________288 CRETELLA JUNIOR, op. cit., p. 1234.

173

Pela inegável importância ambiental das ilhas marítimas em face da

grande riqueza de seu ecossistema, elas são protegidas em nosso ordenamento

jurídico pela Lei 9.985, de 18.07.2000, que determina no art. 44: “as ilhas

oceânicas e costeiras destinam-se prioritariamente à proteção da natureza e sua

destinação para fins diversos deve ser precedida de autorização do órgão

ambiental competente”, e pela Lei 7.661, de 16.05.1988, cujo art. 3º assim dispõe:

“O PNGC deverá prever o zoneamento de usos e atividades na Zona Costeira e

dar prioridade à conservação e proteção, entre outros, dos seguintes bens: I – [...];

ilhas costeiras e oceânicas; [...]”.

Assim, tendo as ilhas grande valor ambiental e sendo áreas especialmente

protegidas, conclui-se que sua ocupação deve ser controlada, limitada ou até

mesmo vedada, especialmente quando cobertas de vegetação igualmente

protegida. As ilhas com vegetação típica de Mata Atlântica são protegidas pelo §

4o do art. 225 da Constituição Federal.

A importância ambiental das ilhas é reconhecida no seguinte parecer:

[...] as ilhas costeiras servem de abrigo para várias espécies marinhas, incluindoaves migratórias e locais, que as utilizam como área de descanso ou de nidificação,e também mamíferos marinhos, peixes e outros invertebrados aquáticos, cujohabitat característico são as margens rochosas289.

Apesar de todas essas disposições legais em defesa das nossas ilhas, são

corriqueiros os danos causados por ocupações irregulares, cujos efeitos são

dramáticos para o meio ambiente, como mostra este parecer do IBAMA sobre a

Ilha dos Remédios:

[...] as ocupações, as construções e as demais interferências antropogênicas geradasnaquela Ilha dos Remédios, causam o afastamento e/ou impedimento do usodaquele ambiente pela fauna marinha, que obriga-se a procurar abrigo e ambientepara fixação, desenvolvimento e/ou reprodução, em outras ilhas da região290.

Outro exemplo é este noticiado na imprensa:

Sem defesas contra espécies invasoras, as ilhas têm como grandes inimigos osdesmatamentos, queimadas, caça, coleta de ovos e filhotes e introdução de animaise plantas. Na de São Sebastião, por exemplo, que abriga o município e o Parque

________________289 Parecer constante do processo judicial n° 2001.72.01.001388-9, 3a Vara Federal de

Joinville/SC, Juiz Federal Sérgio Fernando Moro.290 Id.

174

Estadual de Ilhabela, os biólogos creditam à caça e à destruição da floresta aausência de quase um terço das espécies de aves nativas. Aí há três papagaiosameaçados de extinção, incluindo o moleiro Amazona farinosa, o maior do País291.

A ocupação desenfreada e as construções desordenadas geram tambémproblemas paisagísticos: o olhar não alcança além de amontoados de edifíciosmuito próximos uns dos outros; até mesmo a visão livre da praia é impedida porconstruções sobre ela. Conflitos sociais e culturais são comuns, uma vez que casasde veraneio vão surgindo nas ilhas e a comunidade nativa se vê obrigada apartilhar os seus recursos com os novos ocupantes, que acabam interferindotambém no modo de vida local.

Em dezembro de 2001 o Departamento de Patrimônio da Unesco, com sedeem Paris, considerou a ilha de Fernando de Noronha patrimônio natural dahumanidade. Com isso, além do reconhecimento internacional, esse título ajuda aincrementar o ecoturismo na região, bem como facilitar a captação de recursospara projetos de preservação. É necessário lembrar que tal certificação significa oreconhecimento de que a área é importante para o mundo todo.292

Também algumas de nossas ilhas oceânicas foram consideradas parquesnacionais por força de dispositivo legal. A finalidade de um parque nacional é,segundo Marés de Souza Filho, “preservar o meio ambiente contra os efeitos dadegradação natural e eliminar a possibilidade de intervenção artificial, que impor-te em lhe alterar o aspecto, conteúdo ou desenvolvimento” 293. Os parques sãobens públicos de domínio da União, Estados ou Municípios, portanto inalienáveise indisponíveis.

6.2Titularidade e natureza jurídica

As ilhas oceânicas foram integradas oficialmente ao patrimônio da União apartir da Constituição de 1967 (art. 4o, II). Nesse momento criou-se um problema,uma vez que, segundo J. Cretella Junior, “por determinação constitucional expres-sa, centenas de proprietários da área inteira da ilha e dos imóveis sobre elasituados perderam os direitos de propriedade que tinham, alguns, desde tempos

________________291 Desprotegidas, ilhas ficam expostas a “predadores”. O Estado de S. Paulo, 26 jan.

2003. Geral, p. A12.292 Patrimônio da humanidade. Gazeta do Povo, Curitiba, 14 dez. 2001. Brasil, p. 13.293 SOUZA FILHO, Espaços ambientais protegidos ..., p. 23.

175

imemoriais”294. Explica Moreira Neto que, “com a Constituição de 1967, extin-guiu-se a propriedade privada sobre terras das ilhas oceânicas brasileiras, quepassaram a ser bens públicos da União”295.

A Constituição Federal estabelece, no art. 20, IV, serem bens da União “asilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as áreas referidas no art. 26, II”.As ilhas costeiras foram incluídas como bens da União principalmente por sualocalização dentro do mar territorial, que é bem federal. Segundo o art. 26, II,incluem-se entre os bens dos Estados “as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras,que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União,Municípios ou terceiros”; na palavra “terceiros”está implícita a possibilidade dealgumas áreas dessas ilhas oceânicas ou costeiras pertencerem a particulares.Observe-se que o artigo se refere a “áreas nas ilhas”, isso porque pode ocorrer queem uma mesma ilha haja área pertencente à União e área pertencente a um Estadomembro. Dessa forma, como concluiu J. Cretella Junior, “excluídas, de qualquermodo, as áreas sob domínio da União, dos Municípios, ou de terceiros, as áreasdas ilhas oceânicas, que estiverem sob domínio do Estado-membro serão incluídasentre os bens dominicais estaduais (art. 26, II)”296. O mesmo raciocínio utiliza-separa as ilhas costeiras.

Se não houver nenhum registro de que a ilha tenha integrado alguma vezpatrimônio estadual, municipal ou privado, ela é considerada, por determinaçãoconstitucional, propriedade da União. É fato que no passado alguns particularespuderam adquirir ilhas, das quais atualmente têm a posse. Com a Constituição de1988 esses antigos proprietários continuam com a posse da ilha, mas deverãopagar as taxas decorrentes do regime de aforamento, porque na verdade eles setransformaram em aforados.

É importante ressaltar que, mesmo que a ilha não seja pública, o mar e aspraias que a contornam são públicos e de uso comum do povo, o que significadizer que é assegurado a qualquer pessoa o direito de acesso a esses locais.

Na maioria dos casos as ilhas são bens dominicais da União, conformeestabelecido no art. 25 do Código de Águas: “as ilhas ou ilhotas, quando dedomínio público, consideram-se coisas patrimoniais, salvo se estiverem destinadasao uso comum”. Na maior parte das ilhas existem terrenos de marinha (art. 2o, bdo Decreto-Lei 9.760, de 05.09.1946); assim, essas áreas regem-se pelo mesmoinstituto jurídico, ou seja, pela enfiteuse ou aforamento, o que permite à União

________________294 CRETELLA JUNIOR, op. cit., p. 1234.295 MOREIRA NETO, Curso de direito administrativo, p. 241.296 CRETELLA JUNIOR, op. cit., v. 4, p. 1847.

176

transferir a posse da ilha a particulares mediante pagamento de foro, taxa deocupação e laudêmio.

A população permanente dessas ilhas é composta da comunidade caiçara,geralmente pescadores que têm ali os meios de trabalho e sobrevivência. Além dacomunidade nativa, o espaço das ilhas é partilhado com moradores das cidades,que ali constroem mansões de veraneio, muitas vezes em terreno obtido dospróprios pescadores, sem que haja um título de propriedade e nem mesmo autori-zação da União para muitas dessas construções.

Mas há também casos de utilização de ilhas com fins de entretenimento,como ocorre em Angra dos Reis/RJ, nas quais, em todos os verões, são montadosverdadeiros clubes para diversão noturna (v.g. Ilha do Ouriço, do Arroz e Chivas),como mostra esta notícia: “a Isla oferece de tenda com massagem a restaurantejaponês, além de uma pista inacreditável com vista para o mar, um bar compiscina e até uma drogaria que vende Viagra com desconto”297. Isto faz com quealguns privilegiados paguem o valor da taxa de ocupação de R$ 5.000,00 para terdireito ao uso de até 300 mil metros quadrados na ilha.

O nosso sistema que regula o uso do solo nas ilhas marítimas é injusto, umavez que a lei não diferencia o pescador que dela precisa para a própriasobrevivência, de uma pessoa que a utiliza para seu simples lazer. O correto seriaque o valor das taxas cobradas dos ocupantes fosse investido na própria ilha emprogramas sociais e ambientais.

Surpreendentemente notícias nos dão conta de venda e leilão de ilhapertencente a particular, como é o caso da ilha de Sororoca, localizada no Rio deJaneiro. Leia-se:

Quem sempre desejou ter uma ilha própria, mas não encontrava oferta no mercado,já pode tentar realizar o sonho. O primeiro passo, que não deixa de ser outro sonho,é dispor de cerca de R$ 3 milhões. O segundo é disputar o imóvel em um leilão, napróxima quarta-feira. A ilha está situada na vila de Itapuruçá, entre Angra dos Reise Rio de Janeiro. O proprietário, o arquiteto italiano Eugênio Restelli, querdesfazer-se do pequeno pedaço de paraíso de 20 mil metros quadrados [...]298.

Além do leilão, ilhas são vendidas pela internet. Como se trata de ilhas

particulares, supõe-se que haja pagamento de laudêmio para a União, em confor-

midade com o que determina a lei. Confira-se a inusitada notícia:

________________297 DÁVILA, Sérgio; COSSO, Roberto. Elite brasileira encontra paraíso em Angra dos

Reis. Folha de S. Paulo, 01 fev. 2004. Cotidiano, p. C8.298 SILVA, Cleide. Ilha vai a leilão, com lance de R$ 3 milhões. O Estado de S. Paulo, 21

fev. 2003. Economia, p. B9.

177

Os anúncios são fantásticos: em Angra dos Reis, uma ilha de 50 mil metrosquadrados com casa, píer e água potável vale US$ 2 milhões. Com o mesmo valor,dá para comprar em Paraty um “paraíso tropical”, com 250 mil metros quadrados,coberto pela mata atlântica. Quem preferir pode alugar a Ilha do Pico por US$55,00 a diária ou optar entre vários outros pontos do litoral. Para descobri-los, bastauma pesquisa na internet, em sites nacionais e estrangeiros299.

Note-se que, de acordo com o art. 102, § 1o, do Decreto-Lei n° 9.760, de

05.09.1946, “Nas transmissões onerosas, a União terá direito de opção e, quando

não o exercer, cobrará laudêmio de 5% (cinco por cento) sobre o valor do domínio

pleno do terreno e benfeitorias”. Por outras palavras, quando pretender vender seu

direito de uso sobre determinada área, o aforado o oferecerá primeiramente à

União, e somente se ela não o quiser ele poderá vendê-lo a terceiro. No caso das

ilhas, o indicado é que a União reivindique o terreno, já que tem sobre ele o

direito de domínio, para protegê-lo e impedir que outro particular venha a

degradá-lo ainda mais. Em poder da União, o terreno poderia ser destinado a nova

área de proteção ambiental ou a outra atividade de cunho social.

O grande problema em relação às ilhas é que a própria Secretaria de

Patrimônio da União desconhece quantas existem no País. É urgente a necessi-

dade de um levantamento dessas ilhas todas, a maioria das quais são bens da

União, que tem interesse direto nelas, principalmente nas oceânicas por sua

localização em alto-mar. Já sobre algumas ilhas costeiras, como São Luís/MA ou

Florianópolis/SC, completamente urbanizadas, é óbvio que prevalece o interesse

municipal.

Assim, na maioria das vezes é a União, por meio de seus órgãos,

principalmente o SPU, que deve autorizar ou permitir obras nas ilhas. O poder de

polícia é exercido principalmente pela União, mas nos termos do art. 23, VI, da

CF, tal incumbência cabe também aos Estados e Municípios.

Repetem-se nessas ilhas os problemas já vistos no estudo dos terrenos de

marinha. No que se refere ao pagamento de taxa de ocupação e de foro, é provável

que a inadimplência no País seja generalizada, se não for exceção o que ocorre no

Estado de São Paulo:

Dados da Gerência Regional do Patrimônio da União em São Paulo mostram quemetade das 25 pessoas a quem oficialmente foi concedido direito de uso de ilhas

________________299 PARAÍSOS são vendidos até pela internet. O Estado de S. Paulo, 26 jan. 2003. Geral,

p. A11.

178

paulistas está inadimplente com as taxas de ocupação e pode perder a concessãocaso não regularize sua situação. “Tem gente devendo muito dinheiro”, diz ogerente Newton Ferreira de Andrade, explicando que, caso haja perda de domíniopor algum particular, a União poderá abrir novas licitações ou transferi-las a órgãosambientais300.

Aliás, a transferência de áreas ocupadas nas ilhas para órgãos ambientais

deveria ser a regra, como preceitua o art. 44 da Lei 9.985, de 18.07.2000, que diz:

“[...] as ilhas oceânicas e costeiras destinam-se prioritariamente à proteção da

natureza [...]”, e não exceção, como vem ocorrendo. As ilhas têm sido utilizadas

muito mais privativamente, como sinal de status, do que aproveitadas

ambientalmente, o que se caracteriza como verdadeiro desvio de finalidade para

com as ilhas brasileiras.

São comuns também nas ilhas casos de fechamento de praias para uso

particular ou de construção irregular, como se vê nesta notícia:

[...] mesmo assim, na ausência de controle, proliferam nas ilhas não só ocupaçõesilegais como também deques, píeres e marinas totalmente irregulares. Também nãosão raras denúncias de pessoas que fecham ilegalmente as praias, como se fossemparticulares301.

Tais irregularidades decorrem do não-cumprimento da norma que obriga

estudo prévio de impacto ambiental para licenciamento de atividades ou obras

potencialmente prejudiciais ao meio ambiente.

Nas ilhas marítimas − principalmente tratando-se de ilhas oceânicas −

quando consideradas bens da União o licenciamento é feito pelo IBAMA, órgão

federal. No caso específico das ilhas oceânicas, é natural o interesse do IBAMA,

já que danos ambientais causados em alto mar podem gerar impactos de alcance

até continental.

Não é novidade a construção de casas de veraneio em ilhas consideradas

Parques Nacionais, que por isso mesmo deveriam ser preservadas. É o caso da

Ilha de Superagüi/PR, Ilha das Peças/PR e Ilha das Cabras/SP. Qualquer atividade

ou obra nesses locais e em seus entornos deve ter licença ambiental, com prévia

aprovação do IBAMA, o que não se verificou no caso das mencionadas

edificações. Devido a tais irregularidades, diversas obras estão sendo embargadas

________________300 GARBIN, Luciana. Governo vai atrás dos donos de nossas ilhas. O Estado de S. Paulo,

26 jan. 2003. Geral, p. A11.301 Ibid.

179

e casas já prontas vêm sendo demolidas, sem prejuízo da multa a ser paga pelo

realizador da obra.

Segundo notícia da revista Isto É302, o Brasil está começando a se defender

dos turistas. O Ministério do Meio Ambiente, o Estado e o Município do Rio de

Janeiro assinaram há pouco tempo um Termo de Ajustamento de Conduta

Ambiental para salvar a Ilha Grande, que tem 106 praias e é considerada uma das

maiores reservas de Mata Atlântica do Rio. Esse termo prevê remoção de lixo,

instalação de redes de esgoto, reflorestamento, fiscalização de pousadas e acampa-

mentos, criação de programas de educação ambiental e limitação do número de

turistas. Segundo Fernando Reverendo Vidal Akaoui,

Na área ambiental, o compromisso de ajustamento de conduta cumpre oconstitucional princípio da prevenção, na medida em que é instrumento deexcelente resultado prático na composição dos conflitos neste campo, inclusiveevitando a longa espera pelo provimento jurisdicional no caso de ajuizamento deação competente303.

Diversos problemas jurídicos são gerados nas ilhas marítimas. Comoexemplo, há o ocorrido na Ilha dos Remédios/SC, cuja proteção é vital para apreservação dos sambaquis e da Mata Atlântica ainda ali existentes. Apesar disso,ela não foi poupada de ocupações irregulares e construções − antigas e novas −sem a devida autorização; tampouco foi poupada de conflitos entre antigos enovos ocupantes, conflitos esses até inevitáveis, pois ali convivem pescadoresantigos em terreno ocupado regulamente, e turistas que ali construíram suas casasde veraneio. O direito de ocupação foi concedido, a princípio, em 1977 ao ClubeJoinvillense de Caça Submarina e, depois, à Colônia de Pescadores Z-3. Subme-tida a questão ao Poder Judiciário, foi decidida em 1a instância, com sentença quemerece ser citada em face de sua pertinência e da análise de todas as situações:

84. Ante o exposto, julga procedentes os pedidos veiculados na inicial para:

a) manter a proibição de novas ocupações ou edificações na Ilha dos Remédios;

b) vedar a realização de visitas por não-ocupantes à Ilha salvo com autorizaçãodeste Juízo; e

c) condenar os ocupantes atuais a desocuparem a Ilha, com o levantamento dasedificações e a retirada de todo o material de construção, incluindo asfundações.

________________302 CUIDADO: turistas. Isto É, n. 1687, p. 64-65, jan. 2002.303 AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal. Compromisso de ajustamento de conduta

ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 140.

180

[...]87. Confirmo ainda a determinação à União que se abstenha de conceder qualquerdireito de ocupação da referida Ilha, salvo com autorização deste Juízo.

88. Como a definição da situação da Ilha demandará algum tempo, sendonecessário reunir os interessados e a elaboração de Plano de Manejo, e como não éconveniente que a Ilha permaneça totalmente abandonada até então, autorizo queEnésio de Souza, Laércio Pereira e Gervásio Albanaz, os únicos que declararamque ali estabeleceram sua morada, permaneçam na Ilha, sem a necessidade dedemolição de suas ocupações e até que seja elaborado o Plano de Manejo, quandoentão haverá nova deliberação do Juízo. Tendo ali residência permanente, poderão,ao contrário dos demais, melhor contribuir para inibir novas invasões oudescontroladas visitações não podendo os demais oferecer igual contribuição.

89. Poderá a Colônia dos Pescadores apresentar a este Juízo projeto paraconstrução, em área reservada na Ilha, de abrigo coletivo para atendimento dasnecessidades dos pescadores locais, com a elaboração de regras para uso, o queserá avaliado também pelo Plano de Manejo.

[...]304.

Não se pode deixar de citar aqui o Projeto de Emenda Constitucional n° 15,

de 31.03.2004, atualmente em trâmite no Congresso Nacional, que altera o inciso

IV do art. 20 da Constituição Federal para excluir dos bens da União as ilhas

costeiras que sejam sede de Município. Com essa proposta, Santos/SP, Florianó-

polis/SC, São Luiz/MA e Marajó/PA deixarão de pertencer à União.

Por fim, transcrevem-se abaixo algumas decisões jurisprudenciais de

relevância no caso de propriedade das ilhas:

Ação declaratória proposta por Município em relação a terras situadas em ilhacosteira. Reconhecimento da legitimidade do domínio municipal. ConstituiçãoFederal, artigos 20, inciso IV, e 26, inciso II.

Reconhecida pelo acórdão recorrido a dominialidade das terras situadas na Ilha deMacau", situada no Município de Macau - RN, em face de título regularcomprobatório de domínio que remonta ao ano de 1939, está-se diante de situaçãoconsolidada anteriormente ao advento da Constituição Federal vigente, apta àaquisição da propriedade imóvel, incluída, portanto, na ressalva contida no artigo20, inciso IV, do texto constitucional. Recurso extraordinário não conhecido305.

Processual civil. Ação discriminatoria das terras publicas situadas na "Ilha doCardoso", no litoral paulista, proposta pelo Estado de São Paulo. Oposiçãomanifestada pela União, ao fundamento de que se trata de terras de domínio daUnião.

________________304 BRASIL, Justiça Federal de Joinville/SC, 3a Vara, processo n° 2001.72.01.001388-9,

Juiz Federal Sérgio Fernando Moro, j. 19.07.2002.305 BRASIL, STF, RE 217013/RN, 1a Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 14.12.1998, DJU

14.05.1999.

181

1. Remédio judicial destinado ao deslinde do que resta de terra devoluta em áreapreviamente delimitada, a fim de extremá-la das terras objeto de dominialidadealheia.

2. Legitimado para exercita-lo, todavia, e o ente federado com domínio sobre a áreadescriminanda.

3. Incertezas acerca da dominialidade das terras devolutas, nas ilhas costeiras, até oadvento da Constituição Federal de 1988, que, no art. 20, IV, inclui expressamenteas ilhas da espécie entre os bens da União.

4. A ressalva contida no mencionado dispositivo, quanto às áreas, nelas situadas,que estiverem no domínio dos Estados, tem sentido explicitativo quanto apossibilidade de parcelas de tais ilhas terem sido, no passado, e virem a ser, nofuturo, transferidas para os estados, pelos meios regulares de direito.

5. Dessas áreas de que cuida o art. 26, II, da Carta de 1988, ao referir às áreas, nasilhas costeiras, que estiverem no domínio dos Estados.

6. Trata-se de terras que, dada a natureza do respectivo titulo aquisitivo, hão deestar neles devidamente descritas, delimitadas e extremadas, bastando, para suadefesa, o emprego das ações que o nosso sistema põe a disposição dos proprietáriose possuidores em geral, entre as quais não se conta a ação discriminatoria.

7. Ilegitimidade do Estado de São Paulo para a ação em tela. Procedência daoposição306.

Ilhas oceânicas. C.F., art-4.- II. Há de ser entendida esta expressão em seu sentidotécnico e estrito, visto que o constituinte de 1967 por certo não pretendeu inscrever,abruptamente, no domínio da União, bens situados em centros urbanos, nas Ilhaslitorâneas, e integrantes do patrimônio de Estados, Municípios e particulares.Mérito da sentença singular e do acórdão do TFR. Hipótese de não-conhecimentodo recurso extraordinário da União307.

6.3O caso da Ilha do Mel/PR

Como foi visto, as ilhas marítimas são bens da União. Todavia com a Ilha

do Mel, localizada no litoral paranaense, ocorre situação peculiar. Com autoriza-

ção da Secretaria Geral do Ministério da Fazenda (Portaria 160, de 22.04.1982), o

Estado do Paraná adquiriu o domínio da ilha, situada no Município de Paranaguá,

por meio de contrato de cessão sob o regime de aforamento, verbis:

________________306 BRASIL, STF, ACO 317/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 17.09.1992,

DJU 20.11.1992. 307 BRASIL, STF, RE 101037/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Francisco Resek,

j. 06.03.1985, DJ 19.04.1985.

182

Art. 1o – O Serviço do Patrimônio da União fica autorizado a promover a cessão,sob o regime de aforamento, ao Estado do Paraná, dos terrenos de marinha enacional interior que constituem a denominada “Ilha do Mel”, situada na Baía deParanaguá, Município de Paranaguá, Estado do Paraná, exceto os terrenos e asbenfeitorias neles existentes que se acham sob a jurisdição de órgãos daadministração federal;

Art. 2o – Os terrenos a que se refere o artigo anterior destinam-se a preservação doambiente natural e o equilíbrio ecológico, proteção da flora e fauna e dos benstombados; reflorestamento, bem assim, para execução de plano turístico e deurbanização;

Art. 3o – Obriga-se o cessionário a submeter à prévia aprovação do Serviço doPatrimônio da União, no prazo de até 12 (doze) meses, a partir da presente data, umPlano de Utilização da Ilha, onde deverão ser especificadas as condições de uso, osprojetos a executar e os respectivos cronogramas.

Art. 6o – A cessão tornar-se-á nula, independentemente de ato especial, sem direitoo cessionário a qualquer indenização, inclusive por benfeitorias realizadas, se aosterrenos, no todo ou em parte, vier a ser dada destinação diversa da prevista nosartigos 2o e 3o desta Portaria ou se ocorrer inadimplemento da cláusula contratual.

Sobre a cessão, dispõe o Decreto-lei n° 9.760, de 05.09.1946:

Art. 64, § 3o - A cessão se fará quando interessar à União conscientizar, com apermissão da utilização gratuita de imóvel seu, auxílio ou colaboração que entendaprestar.

Art. 165 - Por ato do Governo, e a seu critério, poderão ser cedidos, gratuitamenteou em condições especiais, sob qualquer dos regimes previstos neste Decreto-lei,imóveis da União aos Estados, aos Municípios, a entidades educacionais, culturaisou de finalidades sociais e, em se tratando de aproveitamento econômico deinteresse nacional, que mereça tal favor, a pessoa física ou jurídica.

A sempre lembrada Odete Medauar esclarece:

[...] os imóveis da União poderão ter seu uso cedido aos Estados, aos Municípios, aentidades educacionais [...]. A cessão, autorizada pelo Presidente da República,formaliza-se por termo ou contrato e torna-se nula se ao imóvel, no todo ou emparte, for dada aplicação diversa da fixada308.

As únicas áreas na ilha que permaneceram sob o domínio da União foram aFortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres, o Farol de Conchas e o Rádio Farol.

Pelo Decreto Estadual n° 5.395, de 03.09.1983, o Instituto de Terras,Cartografia e Florestas (ITCF), atual Instituto Ambiental do Paraná (IAP), recebeudelegação para executar as atribuições constantes da portaria acima mencionada,condicionando sua atuação ao cumprimento das disposições do Plano de Uso daIlha do Mel, elaborado pela comissão especial instituída pelo Decreto n° 2.611/80.

________________308 MEDAUAR, op. cit., p. 272.

183

O Plano de Uso da Ilha do Mel, de 1981, tem como objetivo preservar omeio ambiente e os bens culturais da ilha. Foi feito um zoneamento dividindo ailha em duas grandes áreas: de ocupação e de preservação. Em 1982 foi criada,pelo Decreto n° 5.454, a Estação Ecológica Ilha do Mel, com o objetivo deproteger e preservar os ecossistemas de restingas e morros. Essa categoria deUnidade de Conservação é disciplinada pelo art. 9o da Lei 9.985, de 18.07.2000,que, no caput, dispõe: “a Estação Ecológica tem como objetivo a preservação danatureza e a realização de pesquisas científicas”.

Nesse Plano de Uso foram estabelecidas as áreas para ocupação tanto dapopulação local quanto dos veranistas, bem como os critérios para a execução deobras. Há, por exemplo, regras para a altura das casas, tamanho dos lotes eproximidade de áreas de preservação permanente. A ilha tem 670 lotesregularizados, e as construções só podem ser remanejadas nessas áreas comautorização do IAP. Atualmente, 43% das ocupações da ilha estão irregulares.

Há estudo do IAP que mostra os principais problemas da Ilha do Mel, bemcomo suas causas. A ocupação desordenada é um deles, e as principais causas, asuperposição das jurisdições estadual e federal e o padrão de edificações nãocondizente com as características locais. Outro é o turismo desordenado, quedesconsidera a infra-estrutura insuficiente da ilha, sua atividade econômicasazonal e a indefinição de sua vocação econômica, ou seja, não leva em conta qualseria o tipo de turismo mais apropriado para aquele ambiente. Há ainda conflitosde interesse entre o setor comercial, que quer lucro, e o órgão ambiental, queexige a conservação. Por fim, o uso inadequado dos recursos naturais, oriundo dainexistência de programa de educação ambiental específico, da fiscalizaçãoprecária, da baixa capacitação dos policiais e da não-consolidação da EstaçãoEcológica, é mais um dos problemas309.

A Ilha do Mel transformou-se nos últimos anos em importante póloturístico, atraindo pessoas de todo o País. As pousadas multiplicam-se dia a dia e,junto com elas, os restaurantes e bares, que, em grande número, acabam causandodegradação ambiental.

A fiscalização ambiental da ilha é realizada pelo IAP. Para conter esseturismo desenfreado, esse órgão restringiu a 5.000 o número de visitantes, etomou medidas efetivas para que esse limite fosse respeitado:

________________309 Dados obtidos em: PLANO de Gestão Integrado Ilha do Mel. Ministério do Meio

Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal; Programa Nacional do Meio Ambiente;Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos e Instituto Ambiental do Paraná.Curitiba, 1996.

184

[...] o controle vinha sendo feito apenas por meio do posto de embarque de Pontaldo Paraná. A lotação de barcos que saem de duas em duas horas de Paranaguá e aqualquer momento de outras praias não entrava na contagem.

[...]

a contagem será feita por quatro funcionários do órgão que vão permanecer nostrapiches de acesso à ilha, em Encantadas e Brasília.

[...]

O rigor contra o mau comportamento também aumentou. Os turistas podem acabarcumprindo pena alternativa no local. Cerca de 80 policiais civis e militares vãoregistrar infrações e encaminhar os visitantes a quatro juízes de plantão. Os casosdevem ser julgados em menos de uma semana e os infratores podem ter que pagarmulta equivalente a 30% de sua renda mensal, ou permanecer ilhados prestandoserviços à comunidade.

Quem estiver na reserva até terça-feira terá que fazer silêncio a partir das 2 horas.Uma determinação do IAP só permite som ao vivo depois deste horário no Forródo Mariscão (Brasília) e no Forró do Jaco (Encantadas), pontos de encontrotradicionais310.

Além dessas, outra medida foi tomada para controle da degradação local.

Trata-se de uma ação conjunta entre órgãos públicos para a defesa da ilha:

O IAP - Instituto Ambiental do Paraná vai atuar em conjunto com a Polícia e oMinistério Público Federal na fiscalização de obras irregulares na Ilha do Mel, nolitoral paranaense. Nos últimos dez anos, 58 construções foram embargadas, mascontinuaram a ser executadas, ignorando a determinação do órgão. Desde 1981, oIAP assumiu a gestão da ilha, que é patrimônio da União.

[...]

Por meio da ação conjunta, quem desrespeitar a ordem de embargo será preso pelaPolícia Federal ou Florestal. O material de construção também será apreendido eficará sob a responsabilidade do instituto. O presidente do IAP, Rasca Rodrigues,informou ainda que pretende, por meio de instrumentos legais, conseguir ordens dedemolição das construções irregulares. Segundo ele, será feito em 20 dias umlevantamento da atual situação das obras embargadas na última década e osrelatórios serão encaminhados ao Ministério Público para que os promotorespossam ajuizar ações civis públicas pedindo a destruição dos imóveis, caso nãohaja condições de adequação ao Plano de Uso, que determina os critérios deconstrução.

[...]311.

________________310 INSTITUTO Ambiental do Paraná quer evitar abusos na Ilha do Mel. Jornal Eletrônico

Ambiente Brasil, Curitiba, 2004. Disponível em: www.ambientebrasil.com.br. Acesso em:20.02.2004.

311 AÇÃO conjunta vai prender donos de imóveis ilegais na Ilha do Mel/Pr. JornalEletrônico Ambiente Brasil., Curitiba, 2004. Disponível em: www.ambientebrasil.com.br/.Acesso em: 27.05.2004.

185

Sendo a Ilha do Mel região de turismo intenso, tais medidas tomadas pelo

órgão ambiental estadual são essenciais para que as características ambientais

sejam preservadas.

Conclusão

Ainda não há uma conceituação legal completa sobre zona costeira que

abranja seus aspectos essenciais. O litoral brasileiro, por sua grande extensão,

beleza natural e localização privilegiada, tem importância econômica, turística e

imobiliária, além de notória riqueza ambiental. É região com características

próprias não só em relação à natureza, mas também à cultura, modo de ser,

hábitos, ocupação e uso do solo.

São fenômenos próprios da zona costeira a imigração desenfreada e as

“segundas residências” ou casas de veraneio. Esse grande contingente humano

vem ocasionando urbanização crescente e descontrolada, causando ao meio

ambiente problemas que devem ser combatidos com mais afinco e constância, não

apenas quando chega o verão. Uma das formas de proteção é a criação de

unidades de conservação.

A zona costeira é considerada patrimônio nacional, nos termos do art. 225, §

4o, da Lei Maior, o que não significa ser patrimônio federal. Trata-se, na verdade,

de patrimônio da Nação, de todos os entes federados, de todos os cidadãos. Essa

mesma disposição constitucional determina que a utilização se fará na forma da

lei, que no caso da zona costeira é a Lei Nacional de Gerenciamento Costeiro (n°

7.661, de 16.05.1988). Trata-se de norma genérica, com poucos artigos auto-

aplicáveis e diversas lacunas. Não aborda relevantes questões ocorridas no litoral,

havendo urgente necessidade de ser elaborada regulamentação, conforme deter-

mina o art. 11 da Lei.

Urge a publicação de um novo Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro

adequado à atual situação, que cuide não só do meio ambiente natural, mas

também do artificial, do cultural e dos patrimônios étnico, histórico e paisagístico.

A atuação da União deve ser mais efetiva. Por outro lado, a criação de planos de

gerenciamento por parte dos Estados e Municípios, de forma conjunta, é essencial

para que se atinjam melhores resultados.

Encontradas com freqüência na zona costeira, as dunas e restingas têm

função não apenas paisagística, mas também ambiental. Sua proteção está

garantida no ordenamento jurídico pátrio, que as considera áreas de preservação

187

permanente: Lei 7.661, de 16.05.1988; Lei 4.771, de 16.09.1965 (Código

Florestal); Resolução CONAMA n° 302, 20.03.2002; Resolução CONAMA nº

341, de 25.09.2003, além de Constituições Estaduais. Mesmo com toda essa base

legal, as dunas e restingas estão sendo degradadas pela ação antrópica. O mais

comum é a construção de hotéis, estacionamentos ou outros estabelecimentos

sobre elas, sem a devida autorização.

As praias, cuja definição jurídica é encontrada no art. 10, § 3o, da Lei

Nacional de Gerenciamento Costeiro, são os mais importantes bens ambientais

encontrados no litoral, com proteção garantida pela mesma lei. Além da função

paisagística e ambiental, são propícias para a prática de atividades de lazer. A

ação humana, o turismo, a especulação imobiliária, o lixo produzido pelos vera-

nistas e as construções irregulares causam poluição marítima, com prejuízo à

balneabilidade e conseqüente mortandade de peixes, o que gera prejuízos de

cunho social. Muitas campanhas de limpeza de praias estão sendo realizadas, mas

ainda são insuficientes.

Quanto à natureza jurídica, a praia é bem público federal e de uso comum

do povo, o que dá direito a todos de livre acesso a ela, em igualdade de condições,

conforme estabelecem as leis n° 7.661, de 16.05.1988, e n° 9.636, de 15.05.1998.

Cria-se aqui uma interessante situação na qual o bem é federal, mas o usuário é

todo o povo. Assim, esse bem público não é passível de privatização. Em caso de

construções que dificultem o acesso à praia, deve haver passagem para que os

demais usufruam o bem, mesmo que seja necessária a criação de servidão. A

ocupação da faixa de areia por clubes e hotéis, com o fim de estender suas

propriedades, também é indevida, visto que dificulta o uso da praia por terceiros e

fere o princípio da prevalência do interesse público sobre o particular. Ao Poder

Público (União, Estados e Municípios), em face da competência comum do art.

23, VI, da Carta Magna, cabe a fiscalização das atividades que se desenvolvem na

praia.

As construções nas praias revelam-se os problemas mais complexos e de

mais difícil solução na zona costeira, pois desfiguram a paisagem natural.

Conflitos de competência surgem com freqüência, tendo em vista competência

legislativa concorrente (art. 24, I, VI e VII) e competência administrativa comum

(art. 23, VI), ambas em matéria ambiental e urbanística. A competência legislativa

concorrente fixa-se basicamente em face do interesse em questão local, regional

188

ou nacional. O Município tem autonomia jurídica e pode atuar, conforme

determinado constitucionalmente, pelo seu interesse local. Todavia, isso não

significa que poderá legislar plenamente. Deve pautar-se pelas normas federais e

estaduais, principalmente quando uma norma estadual rege situações passíveis de

ocorrência em diversos municípios do mesmo Estado. Outra forma de atuação

legislativa em matéria ambiental do Município é suplementando a legislação

federal e estadual no que couber, mas apenas de forma mais restritiva, ou seja,

com maior proteção ambiental. Em casos de conflitos de normas, prevalece o

princípio in dubio pro natura.

Por tratar-se de bem público federal e em face de sua fragilidade, as

construções e realização de atividades nas praias, por particulares, sujeitam-se à

autorização do Poder Público, fornecida por um dos entes políticos para atividades

precárias, geralmente de curta duração. Atividades mais prolongadas e de

interesse da coletividade são autorizadas através de permissão de uso, devendo ter

também o aval da Secretaria de Patrimônio da União. Tal autorização deve ser

necessariamente fornecida com vistas ao interesse público. A questão é saber qual

ente expediria a autorização, já que se trata de competência comum: interesse

local e ao mesmo tempo propriedade do bem por parte da União.

A conclusão a que se chega através de uma análise exclusivamente

constitucional é que, a princípio, havendo interesse preponderantemente local, o

Município é competente, por ter maior conhecimento das necessidades locais e

saber como atingir plenamente as funções sociais da cidade e o bem comum de

seus habitantes. A União encontra-se muito distante e a maior parte das atividades

a serem realizadas apenas nos limites do Município não ensejam interesse

nacional que justifique autorização a ser expedida pelo Poder Público Federal.

Ademais, a competência administrativa dá-se pela matéria, não pelo domínio de

bens. Todavia, a autorização deve ser feita com cautela, visando ao bem comum e

não a interesses puramente políticos.

Ressalve-se que a competência conferida ao Município não é absoluta.

Quando há claro interesse federal − como nos casos de envolvimento de interesses

da navegação, das comunicações, da defesa nacional, da polícia de fronteiras e o

relevante interesse coletivo, a União é competente para autorizar construções e

atividades na praia.

189

Essencial para a construção nas praias é a concessão de licença por órgão

ambiental da Administração Pública, prevista de forma genérica na Lei da Política

Nacional do Meio Ambiente (n° 6.938, de 31.08.1981) e especificamente em

relação à zona costeira na Lei 7.661, de 16.05.1988. Somente serão passíveis de

licenciamento as obras que possam causar alteração das características naturais da

zona costeira. O licenciamento privilegia o princípio da prevenção, um dos

corolários do Direito Ambiental.

Requisito indispensável para a concessão da licença é a realização de prévio

estudo de impacto ambiental (EIA), previsto constitucionalmente no art. 225, § 1o,

IV. Limita-se a atividades que possam causar significativo impacto ambiental. A

competência para expedição desse licenciamento fixa-se pela abrangência direta

do impacto provocado ou que se pode provocar, ou seja, o interesse ambiental

preponderante é que determinará o órgão competente.

Haverá atuação do IBAMA, de forma supletiva, na inércia do órgão estatal e

em casos de significativo impacto ambiental regional ou nacional. Todavia agirá o

órgão federal apenas quando o interesse da União seja notório, quando a obra ou

atividade possa atingir as águas do mar, uma vez que a poluição marítima gera

danos em toda a costa e até mesmo em outros países. Se o impacto atingir mais de

um Estado, a competência é também do IBAMA.

Quando o impacto ambiental circunscrever-se apenas ao território de

determinado Município, o órgão ambiental local expedirá a licença. Atingindo

mais de um Município, a competência é do órgão do Estado. Ademais, a União

pode delegar ao Estado o licenciamento de atividades de impacto regional ou

nacional, nos termos do art. 4o, § 2o, da Resolução CONAMA 237, de 22.12.1997.

Essa disposição é bastante pertinente, visto que o IBAMA encontra-se

assoberbado e a delegação ao órgão estadual mais próximo do problema torna-se a

melhor solução para a questão da competência. Ressalve-se que a delegação deve

ser realizada com prudência.

As obras e atividades realizadas sem observância da legislação ambiental

são passíveis de sanção administrativa por parte dos órgãos ambientais dos três

níveis da federação, em face da competência comum do art. 23, VI, da

Constituição Federal.. Sua aplicação deve atentar para o devido processo legal,

com ampla defesa e contraditório, e estar devidamente motivada. Justifica-se sua

aplicação imediata já no início do processo quando a perpetuação da atividade

190

possa continuar causando danos ambientais. As penas de maior complexidade são

o embargo e a demolição da obra. A primeira é utilizada de forma preventiva; a

segunda será aplicada com bastante cautela e motivação suficiente, porquanto sua

má utilização pode gerar danos irreversíveis. Os princípios da proporcionalidade e

da razoabilidade devem nortear a aplicação de sanções. Multas também são

bastante comuns. O mais razoável seria sua destinação a um fundo ambiental,

dirigido especificamente para atividades voltadas à preservação da zona costeira.

Não é o que acontece.

Instituto jurídico bastante ultrapassado são os terrenos de marinha, contados

de 33 metros a partir do preamar-médio de 1831, criados em tempos imemoriais.

Em verdade, essa linha acaba sendo meramente presumida, em face da quase

impossibilidade de sua identificação nos dias de hoje. Além disso, a costa brasi-

leira não é estável, o que dificulta mais a delimitação. Há proposta de lei para

diminuição da área do terreno de marinha, de 33 metros para 15 metros. Mas tal

solução seria meramente paliativa, não solucionando o problema principal.

As terras de marinha são bens dominicais pertencentes ao patrimônio

disponível da União. São utilizadas por particulares através de aforamento ou

enfiteuse, instituto praticamente extinto do ordenamento jurídico pátrio. Por esse

regime, deve o aforado pagar à União, anualmente, a taxa de ocupação ou o foro,

bem como o laudêmio em caso de transmissão da posse.

As construções realizadas em terrenos de marinha são passíveis de

licenciamento ambiental, tendo em vista sua importância para o meio ambiente,

em razão de pertencerem à zona costeira. Para se saber qual o órgão que licencia

obra ou atividade nesse bem, utiliza-se o mesmo raciocínio usado para as praias.

Não há justificativa plausível para a existência de terrenos de marinha

pertencentes à União até os dias de hoje. No passado serviam para a proteção e

defesa do país. Atualmente isso não mais se justifica, visto que esses terrenos já se

encontram quase totalmente urbanizados, com raríssimos casos de presença

militar. Em face dessa situação, verifica-se que o único objetivo da União em

mantê-los em sua propriedade é a arrecadação das taxas cobradas. Da forma como

vêm sendo utilizados, os terrenos não estão atendendo à finalidade pública;

mesmo sendo bens públicos, não cumprem sua função social. O único fundamento

que justificaria sua manutenção em propriedade da União seria sua destinação

para fins públicos, de interesse coletivo, inclusive com criação de áreas de

191

preservação ambiental. Em suma, em face do atual ordenamento jurídico pátrio,

não é correto que ainda existam institutos obsoletos e sem razão plausível de ser.

Os terrenos de marinha ou devem ser extintos ou transformados em algo que

atenda a aspirações sociais e ambientais. Em último caso, entendendo-se pela

manutenção do regime de terrenos de marinha da forma como se encontram hoje,

seria de todo oportuno que os valores arrecadados fossem destinados a um fundo

ambiental, para a realização de atividades de proteção ao litoral brasileiro em prol

da coletividade.

As ilhas marítimas, divididas em costeiras e oceânicas, sendo bens

dominicais, podem pertencer à União, ao Estado ou a particular. Por sua riqueza

ambiental e ecossistema peculiar, devem ter sua utilização controlada. A

construção e ocupação desordenadas geram graves problemas socioambientais. A

ocupação por forasteiros chega a gerar conflitos com as comunidades nativas,

inclusive pela disputa de bens naturais, como a água. Os próprios costumes locais

podem vir a ser alterados.

Na maior parte das ilhas encontram-se terrenos de marinha regidos por esse

instituto. Os ocupantes, que devem pagar todas as taxas já mencionadas, vão de

pescadores a famosos milionários brasileiros e estrangeiros. Antes da determi-

nação constitucional que passou as ilhas para domínio da União, muitas delas

pertenciam a particulares de forma plena. Com sua publicização, as propriedades

passaram a um regime de aforamento. Hoje ainda existem muitos habitantes de

ilhas, verdadeiros donos. Mas, na verdade, se um dia pretenderem vender seus

terrenos deverão oferecê-los primeiramente à União. Muitas ilhas são leiloadas ou

vendidas pela internet como se fossem mercadorias sem importância.

O mais sensato a fazer atualmente, considerando a situação jurídica

apresentada, seria a União adquirir a ilha quando o particular pretender vendê-la e

passá-la para um órgão ambiental que tomaria todos os cuidados possíveis. Essa

seria a solução que privilegiaria o interesse coletivo e o meio ambiente. Outra

possibilidade seria a criação de unidades de conservação, o que não vem sendo

feito. As ilhas estão sendo utilizadas mais com fins de status do que ambientais.

Interessante é a situação da Ilha do Mel/PR, onde foi feito um contrato de cessão.

O Estado do Paraná adquiriu a ilha da União e o Instituto Ambiental do Paraná

passou a cuidar da região.

192

Por fim, deve ser ressalvada a importância ambiental da zona costeira

brasileira, incluindo as praias, dunas, restingas, terrenos de marinha e ilhas.

Através de um estudo sistemático da legislação que se tem em mãos atualmente,

da Constituição brasileira, da legislação infraconstitucional federal, estadual e

municipal, das resoluções e decretos, podem-se achar soluções plausíveis para o

problema de degradação da zona costeira causada principalmente pela construção

e ocupação desordenada. Todavia, muitas questões não estão claras,

principalmente pelo fato de não haver uma lei que abranja todas as situações

jurídicas que ocorrem no litoral.

A Lei 7.661, de 16.05.1988, tem seu mérito, mas deixa muito a desejar,

principalmente quando comparada à legislação estrangeira. É urgente a elaboração

de uma lei completa, que disponha sobre construções, competência para expedi-

ção de autorização, competência para expedição de licença ambiental, normas

para a ocupação da faixa de areia nas praias, altura dos edifícios da orla, proteção

das ilhas, destinação dos valores arrecadados com elas e com os terrenos de

marinha, dentre outras disposições. Não se olvide da necessidade de educação

ambiental, com programas de despoluição de praias e conscientização dos

veranistas e moradores do litoral.

O cuidado com o meio ambiente costeiro é dever de todos. Como diz

Leonardo Boff:

Pelo cuidado não vemos a natureza e tudo que nela existe como objetos. A relaçãonão é sujeito-objeto, mas sujeito-sujeito. Experimentamos os seres como sujeitos,como valores, como símbolos que remetem a uma Realidade fontal. A natureza nãoé muda. Fala e evoca. Emite mensagens de grandeza, beleza, perplexidade e força.O ser humano pode escutar e interpretar esses sinais. Coloca-se ao pé das coisas,junto delas e a elas sente-se unido. Não existe, co-existe com todos os outros. Arelação não é de domínio sobre, mas de con-vivência. Não é pura intervenção, masinter-ação e comunhão.

Cuidar das coisas implica ter intimidade, senti-las dentro, acolhê-las, respeitá-las,dar-lhes sossego e repouso. Cuidar é entrar em sintonia com, auscultar-lhes o ritmoe afinar-se com ele. A razão analítico-instrumental abre caminho para a razãocordial, o esprit de finesse, o espírito de delicadeza, o sentimento profundo. Acentralidade não é mais ocupada pelo logos razão mas pelo pathos sentimento.

Este modo de ser-no-mundo, na forma de cuidado, permite ao ser humano viver aexperiência fundamental do valor, daquilo que tem importância e definitivamenteconta. Não do valor utilitarista, só para o seu uso, mas do valor intrínseco às coisas.A partir desse valor substantivo emerge a dimensão de alteridade, de respeito, desacralidade, de reciprocidade e de complementaridade312.

________________312 BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela Terra.

6. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 95-96.

193

Por fim, o dever de proteção ambiental da zona costeira impõe-se em

relação não só ao Poder Público, mas também a todo o povo, aqui incluídas as

pessoas físicas e jurídicas, fazendo com que a determinação constante do caput do

art. 225 da Lei Maior: “impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de

defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, tenha efetividade.

________________

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