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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS MARIANA FRESCHI BOMBINI ALTERAÇÃO OLFATÓRIA NA ESCLEROSE SISTÊMICA: FREQUÊNCIA E FATORES ASSOCIADOS CAMPINAS 2018

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

    FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS

    MARIANA FRESCHI BOMBINI

    ALTERAÇÃO OLFATÓRIA NA ESCLEROSE SISTÊMICA: FREQUÊNCIA E

    FATORES ASSOCIADOS

    CAMPINAS

    2018

  • MARIANA FRESCHI BOMBINI

    ALTERAÇÃO OLFATÓRIA NA ESCLEROSE SISTÊMICA: FREQUÊNCIA E

    FATORES ASSOCIADOS

    Tese apresentada à Faculdade de Ciências Médicas da

    Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos

    exigidos para a obtenção do título de Doutora em Ciências.

    ORIENTADORA: PROFA. DRA SIMONE APPENZELLER

    ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO

    FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA

    ALUNA MARIANA FRESCHI BOMBINI, E ORIENTADA PELA

    PROFA. DRA. SIMONE APPENZELLER.

    CAMPINAS

    2018

  • BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE DOUTORADO

    MARIANA FRESCHI BOMBINI

    ORIENTADOR: SIMONE APPENZELLER

    MEMBROS:

    1. PROFA. DRA. SIMONE APPENZELLER

    2. PROF. DR. ALEXANDRE WAGNER SILVA DE SOUZA

    3. PROFA. DRA. VIRGINIA FERNANDES MOÇA TREVISANI

    4. PROFA. DRA. ZORAIDA SACHETTO

    5. PROF. DR. FABIANO REIS

    Programa de Pós-Graduação em FISIOPATOLOGIA MÉDICA da Faculdade

    de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas.

    A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca

    examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno.

    01/02/2018

  • À MINHA MÃE

    Determinação, coragem e autoconfiança são fatores decisivos para o sucesso.

    Se estamos possuídos por uma inabalável determinação, conseguiremos superá-los.

    Independentemente das circunstâncias, devemos ser sempre humildes, recatados e

    despidos de orgulho.

    Dalai Lama

  • Agradecimentos

    A Deus por todo a estrutura que me permitiu acreditar.

    À minha mãe pela oportunidade de crescer constantemente. Por ser mantenedora e

    por suportar todas as minhas crises.

    Ao meu noivo, André, por estar comigo e tentar entender minhas escolhas.

    À minha orientadora Simone Appenzeller pelo suporte e pela oportunidade de

    desenvolver meu doutorado.

    À Tatiana Magalhães por ser minha amiga, principal ouvinte, por todo o carinho e

    amparo.

    À Rachel, por ser minha amiga, por nunca permitir que eu desanimasse, pela

    motivação, obrigada por toda a força.

    A Tatiana Mirabeti, pela amizade, carinho e amparo.

    A todas as amigas que conquistei no laboratório, foram extremamente importantes.

    À toda a equipe de alunos e funcionários do laboratório de neuroimagem e do

    laboratório de imagem médica computacional, obrigada pelo apoio.

    A todos os pacientes, que gentilmente permitiram que o projeto fosse desenvolvido,

    por todo o carinho e por compartilharem suas histórias comigo. Aprendi muito !!!

    À instituição UNICAMP, era um sonho antigo e finalmente se realizou.

    Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Cnpq) pelo apoio

    financeiro

  • RESUMO

    O sistema olfativo interage com o sistema nervoso central (SNC), humor, cognição e

    inflamação. A alteração olfatória (AF), frequente em doenças autoimunes, mas em

    pacientes com esclerose sistêmica (SSc) é pouco explorada. Objetivo: Avaliar a

    função olfatória em pacientes com SSc e controles, por um intervalo mínimo de 1 ano,

    e correlaciona-la com variáveis clínicas, cognitivas, sintomas de humor e volumes de

    estruturas cerebrais. Métodos: Avaliamos a função olfatória em 35 pacientes

    consecutivos e 40 controles com o Sniffin 'Sticks test (SST) normalizado para sexo e

    idade, que inclui limiar de odor (TH), discriminação de odor (DIS), identificação de odor

    (ID) e o TDI é a soma deles. Foi considerado AF para TDI

  • hipocampo direito e esquerdo. Para o TDI foram a idade, sintomas de ansiedade,

    volumes do hipocampo direito e esquerdo e da amígdala esquerda. A análise olfativa

    informou sobre o SNC e envolvimentos clínicos específicos.

    Palavras-chave: esclerose sistêmica, olfato e sistema nervoso central

  • ABSTRACT

    Olfaction is related to many systems including the central nervous system (CNS), mood

    disorder, cognition and inflammation. Olfactory abnormalities (OA) are frequent in

    autoimmune diseases however, it is no often explored in patients with systemic

    sclerosis (SSc). Objective: evaluated olfactory function during a minimum of a one-

    year period in order to identify its correlation with clinical aspects, cognition, mood

    disorder and cerebral structure´s volume. Methods: Olfactory functions on 35 SSc

    consecutive patients and 40 controls were evaluated using the Sniffin’ Sticks test (SST)

    according to sex and age, which includes odor threshold (TH), odor discrimination

    (DIS), odor identification (ID) and TDI, which is the sum of them. We considered OA

    as TDI

  • hippocampus volumes, and left amygdala volumes. The olfactory analysis provided

    information about CNS and specific clinical involvement.

    Key words: systemic sclerosis, olfactory, central nervous system

  • LISTA DE ILUSTRAÇÕES

    Figura 1. Escore cutâneo total – método de Rodnan modificado (ECT- RM)............24

    Figura 2. Fluxograma de pacientes e controles...........................................................40

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1. Histórico de nomenclaturas da SSc.............................................................17

    Tabela 2. Índice de atividade de doença de Valentini..................................................42

    Tabela 3. Índice de gravidade da doença de Medsger................................................43

    Tabela 4. Dados demográficos de pacientes e controles............................................49

    Tabela 5. Manifestações clínicas e a gravidade da doença em pacientes no início do

    estudo.........................................................................................................................50

    Tabela 6. Prevalências de alterações cognitiva e sintomas de ansiedade e depressão

    nos pacientes e controles ao longo do tempo..............................................................52

    Tabela 7. Perfil olfatório nos grupos etários separados por sexo. Comparação entre

    pacientes e controles e comparação entre controles e os dados

    normativos..................................................................................................................53

    Tabela 8. Comparações do volume do hipocampo e amígdala em pacientes e

    controles ao longo do estudo......................................................................................55

    Tabela 9. Avaliação dos escores do SST em pacientes ao longo do estudo...............58

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    a.C = antes de Cristo

    ACA = anticorpo anti centrômero

    ACR = American College of Rheumatology

    Anti NMDAR = Anti – receptor de n- metil – d – aspartato

    AVC = Acidente Vascular Cerebral

    BAI = Inventário de ansiedade de Beck

    BDI = Inventário de depressão de Beck

    BO = Bulbo Olfatório

    B-SIT = Brief smell identification test

    CC – SIT = Cross-Cultural Smell Identification Test

    CCL2 = quimiocitocina

    COF = córtex Orbito Frontal

    CP = Córtex Piriforme

    CT = Tomografia Computadorizada

    d.C = depois de Cristo

    DIS = Discriminação de odor

    DMMB = 1,3 dimetoxi -5 – benzeno metil

    DP = desvio padrão

    DPDP = distancia ponta digital palma

    EMR = Escore Modificado de Rodnan

    EO = Epitélio Olfatório

    ET -1 = Endotelina 1

    FR = Fenômeno de Raynaud

    HB = Hemoglobina

    HLA = Antígeno leucocitário humano

    HT = Hematócrito

    ID = Identificação de odor

    IFN = Interferon

    IL = Inter leucina

    LPS = Lipopolissacarídeo

    MEC = Matrix Extra Celular

    MHC = Complexo de histocompatibilidade maior

    MOCA = Avaliação Cognitiva de Montreal

  • NRO = Neurônio Receptor Olfatório

    OERP = Olfactory event-related potential

    OR = Receptor Olfatório

    P.P = Perda de Peso

    PAH = hipertensão arterial pulmonar

    PDGF = fator de crescimento derivado de plaquetas

    RM = Imagem de ressonância magnética

    SLE = Lúpus Eritematoso Sistêmico

    SNC = Sistema Nervoso Central

    SPECT = Tomografia Por Emissão De Fóton

    SRC = Crise Renal Esclerodérmica

    SSc = Esclerose Sistêmica

    SSc = Esclerose Sistêmica

    SScd = Esclerose Sistêmica cutânea difusa

    SScl = Esclerose Sistêmica cutânea limitada

    SST = Sniffing Stick Test

    TDI = soma dos três estágios olfatórios: limiar, discriminação e identificação

    TGF-b = fator de crescimento beta

    TH = Limiar de odor

    TLR = receptor do tipo TOLL

    UPSIT = University Of Pennsylvania Smell Identification Test

    UVA = Ultra Violeta

    VEGF = fator de crescimento endotelial vascular

  • SUMÁRIO

    1.Introdução................................................................................................................15

    2.Objetivos..................................................................................................................40

    3. Metodologia............................................................................................................41

    4.Resultados...............................................................................................................50

    5.Discussão................................................................................................................60

    6.Conclusão................................................................................................................67

    7. Referências.............................................................................................................68

    8. Anexos....................................................................................................................95

  • 16

    1. Introdução

    1.1 Histórico

    Possivelmente, um dos primeiros relatos sobre a esclerodermia foi de

    Hipócrates (460 -370 a.C). O filósofo descreveu os sintomas clínicos em um homem

    de Atenas como: “Pessoa de pele endurecida, ressecada e sem sudorese (aforismo

    V.1)”. A similaridade de sintomas também foi descrita por Galeno (131- 210 d.C) como:

    “Pacientes que apresentam palidez, espessamento cutâneo associado ao aumento

    da temperatura e constrição de poros”. Além destes, outros ilustres pensadores como

    Oribasius (325-403 d.C.), Aetius de Amida (sec. VI d.C.), Paulus Aegineta (625-690

    d.C.), e Avicenna (980-1036 d.C.) também descreveram sintomas semelhantes. Os

    relatos posteriores de Wolters consideraram as descrições dos pesquisadores,

    Zacutus Lusitanus (1634) e Diemerbroeck (1637) como indicativo de esclerodermia.

    Anos seguintes Machin (1731) e Vater (1736) apresentaram outra definição mais

    específica. Entretanto, a primeira descrição convincente da doença foi redigida por

    Carlo Curzio em sua monografia publicada em Nápoles em 1753 [apud (1)].

    A monografia de Curzio despertou grande interesse na comunidade científica e

    dos Governadores do hospital Royal em Nápoles. Por isso, o abade Nollet persuadiu

    Curzio a publicar um relato detalhado sobre a enfermidade. O relatório de Curzio

    chegou à cidade de Londres, por recomendação do abade. A monografia foi traduzida

    por Wilian Watson, com o título “Relato de uma extraordinária doença de pele, e sua

    cura”.

    O relato era baseado em uma paciente de 17 anos chamada de Patrizia Galiera,

    filha de um cidadão de Nápoles. Ela foi levada ao hospital Royal em Nápoles, em vinte

    e dois de junho de 1752 e examinada por Dr. Cursio. O tratamento era baseado em

    leite quente, banhos de vapor, sangramento do pé (a dureza da pele era um limitante)

    e pequenas doses de mercúrio. Após cerca de 11 meses a pele da paciente havia se

    tornado macia, flexível e capaz de realizar todos os movimentos e funções

    perfeitamente.

    Estas observações foram publicadas por Curzio na França em 1755. Na

    sequência, o dermatologista Robert Willan (1.808) referiu à doença em seus textos.

    Somente em 1936, o fisiologista de Milão, Giovam Battista Fantonetti, publicou um

    relato de caso de um paciente cuja doença denominou de “esclerodermia”. O termo

  • 17

    criado por Fantonetti ganhou grande repercussão e sofreu inúmeras alterações ao

    longo da história e foram resumidos na Tabela1 [apud (1, 2)].

  • 18

    Tabela 1. Histórico de nomenclatura de SSc Adaptada de Benedek e Rodnan (1).

    Nomenclatura Autores Ano/ Local

    Esclerema de adultos Alibert 1817 França

    Escleroderma Fantonetti 1836 Itália

    Esclerema adulto, Esclerema de

    adultos

    Thirial 1845 França

    Ictiosis cornea Startin 1846

    Clorionitis, Esclerostenose,

    cutânea

    Forget 1847 França

    Eritema crônico Grisolle 1847 França

    Escleroderma adulto Bruck 1847 Alemanha

    Cutis tensa crônica Funchs 1854 Alemanha

    Esclerema simples Gillette 1854 França

    Queloide de Addison Addison 1854

    Escleroma Foerster 1861 Alemanha

    Esclerosis cutânea simples Kohler 1861 Alemanha

    Hautsklerom Mosler 1862 Alemanha

    Esqueleriases, Esclerodermia Virchow 1863 Alemanha

    Cicatrisierendes hautsclerem Wemicke 1864 Alemanha

    Esclerodermia Arning 1864 Alemanha

    Elefantiases esclerosa Rasmussen 1867 Dinamarca

    Dermatosclerosis, Esclerosis,

    dermatos, Morfeia

    Wilson 1869

    Esclerodermia das extremidades Hardy 1877 França

    Esclerose sistêmica Progressiva Goetz 1945 África do Sul

    Esclerose Sistêmica Masi 1980

  • 19

    1.2 Esclerose sistêmica visão geral

    A esclerodermia, também denominada de esclerose sistêmica, é uma doença

    reumática caracterizada principalmente por uma inflamação crônica, fibrose de pele,

    comprometimento vascular e envolvimento de diversos órgãos (3, 4), incluindo rins,

    trato gastrointestinal, coração e pulmões (5). A fibrose cutânea é um fenômeno

    frequente nos pacientes. O grau de envolvimento da pele permite subdividir a doença

    em esclerose sistêmica limitada (SScl), esclerose sistêmica difusa (SScd) e sine

    escleroderma (6). Recentemente, o sistema nervoso central (SNC) (7) e a capacidade

    olfatória vêm recebendo destaque (8).

    1.3 Epidemiologia

    A doença apresenta sintomas clínicos heterogêneos que, por muitas vezes,

    dificulta ou atrasa o diagnóstico. Por isso, tornam-se necessários critérios

    pormenorizados que contribuam para um ágil e correto diagnóstico (6). Por tal razão,

    a determinação da incidência e prevalência da doença não é totalmente esclarecida.

    O sexo comumente afetado é o feminino, em mulheres de meia idade, embora possa

    ocorrer em homens, crianças e idosos (9). A taxa de incidência para o sexo feminino

    é de 6 mulheres para cada homem (10). Dentre as doenças reumáticas, a SSc é a

    que apresenta menor incidência, contudo é uma das mais altas taxas de mortalidade

    (11). Sabe-se que a SSc apresenta uma distribuição mundial, estimando-se que na

    Europa a prevalência seja de 150 casos por milhão/habitantes, no Japão entre 276 –

    443 casos por milhão/habitantes (12), França com 158,3 casos por milhão/habitantes

    (13), na Inglaterra com 88 casos por milhão/habitantes (14), na Itália com 34 casos

    por cem mil/habitantes (15), em Buenos Aires com 296 casos por milhão/habitantes

    (16) e no Brasil, a prevalência foi de 105,6 casos por milhão/habitantes (17). Os dados

    multicêntricos do Brasil assemelham-se à distribuição da Europa, possivelmente em

    decorrência da colonização. O Brasil é um país miscigenado e que, portanto, sofre a

    influência de outras etnias (18).

  • 20

    1.4 Patogênese

    Houve um substancial progresso sobre o entendimento da patogênese na SSc

    devido ao advento de técnicas moleculares (19). Todavia, a doença é complexa e

    ainda não foi totalmente esclarecida (9). Sabe-se que a influência de fatores

    ambientais, genéticos e epigenéticos é determinante para o desenvolvimento e

    evolução da doença (5, 20). As variações genéticas do Complexo de

    Histocompatibilidade Maior (MHC) e de regiões não-MHC (21), combinadas com

    fatores ambientais, como a exposição ao vinil, sílica, solventes orgânicos, trauma,

    medicação, radiação, infecção viral, citomegalovírus, parvo virose e a microbiota

    intestinal, são algumas das possibilidades preponderantes para a manifestação da

    enfermidade (9, 22, 23).

    Uma das propostas mais plausíveis para a integração dos mecanismos

    fisiopatológicos subjacentes à doença começaria com um evento desencadeador no

    sistema vascular, provavelmente no endotélio. Esse gatilho poderia ser uma infecção

    viral, um auto anticorpo, uma toxina ou até mesmo o estresse oxidativo. Estes

    estímulos promoveriam danos às células endoteliais e apoptose, resultando em

    edema, que é um dos sintomas clínicos iniciais. Simultaneamente ocorreria diminuição

    de células progenitoras endoteliais levando a um distúrbio na angiogênese e na

    vasculogênese. Paradoxalmente, o número de fatores proangiogênico estaria em

    maior concentração apesar da diminuição da angiogênese (24). Estes fatores incluem

    o PDGF, o VEGF, o TGF-β, a ET-1 e a quimiocina CCL2 que, além de proangiogênicas

    também são potentes ativadores do músculo liso vascular e fibroblastos, o que indica

    que eles estão envolvidos na vasculopatia proliferativa e na fibrose (24). A taxa de

    fatores vasoconstritores (endotelina 1; ET-1) superaria os vasodilatadores (óxido

    nítrico), levando à instabilidade vascular (25). O dano ao endotélio promove a ativação

    de plaquetas e quimiocinas. As plaquetas contribuem para a formação de trombos,

    processos isquêmicos e espécies reativas de oxigênio (ROS). As quimiocinas atraem

    os elementos do sistema imune inato e adaptativo. Os linfócitos B produzem auto

    anticorpos como o anti-topoisomerase 1, que formam imunocomplexos que irão ativar

    as células dendríticas via “toll like receptor” (TLR) e estas, por sua vez, irão produzir

    interferon 1 alfa (IFNs). A assinatura do IFN foi descrita pela primeira vez em pacientes

    com lúpus eritematosos sistêmico (SLE) que exibiam a doença em atividade (26, 27).

    No SLE, o INF exerce um papel fundamental e, de modo semelhante, foi descrito a

  • 21

    importância da assinatura genética do IFNs na patogênese da SSc (9, 28, 29). Os

    IFNs do tipo I, incluindo o IFN-α e β, intermedeiam a resposta do sistema imune inato

    e adaptativo, pois ativa as células dendriticas e natural killer. O aumento dos níveis de

    mRNA de IFN-α em células vasculares e perivasculares sugere ativação local de

    leucócitos (30). A semelhança da assinatura do IFN em SLE e SSc sugere que ambas

    compartilham mecanismos semelhantes em sua patogênese. Contudo, a deposição

    de imunocomplexos que ocorre no SLE não é semelhante na SSc (28, 31). Os

    linfócitos T diferenciam-se em vários subconjuntos, incluindo as células de linhagem

    T helper 2 (Th2), que podem desempenhar um papel importante na fibrose tecidual.

    Por último, os fibroblastos são intensamente recrutados e ativados por inúmeras

    citocinas e fatores de crescimento para diferenciar os miofibroblastos. A persistente

    ativação de fibroblastos, miofibroblasto e dano endotelial, associados com o

    espessamento da íntima vascular e estreitamento e obliteração vascular culminariam

    com uma excessiva deposição de colágeno e outras proteínas da matriz extracelular

    (MEC), o que eventualmente resultaria nas condições de isquemia, fibrose e disfunção

    orgânica (9). Evidências clínicas apontam para o dano endotelial como

    desencadeador primário na SSc (32, 33).

    Deste modo, a patogênese da doença envolve alterações vasculares e no

    sistema imune, as quais podem progredir para fibrose de pele e outros órgãos. As

    alterações vasculares consistem na proliferação fibrointimal de pequenos vasos e

    episódios de vasosespasmos desencadeados por frio ou estresse. Esta condição é

    clinicamente referida como fenômeno de Raynaud (FR), que leva à isquemia tecidual.

    A vasculopatia nos vasos maiores pode se manifestar como hipertensão arterial

    pulmonar (PAH) ou crise renal esclerodérmica (SRC). A desregulação imunológica

    causa um desequilíbrio do sistema imune inato e adaptativo. A ativação persistente

    de linfócitos induz à produção desordenada de autoanticorpos, citocinas e

    quimiocinas. A fibrose pode acometer o pulmão, o circuito gastrointestinal levando

    dismotilidade e má absorção, além da deficiência cardíaca. O envolvimento pulmonar

    na SSc é a causa mais comum de morte (34).

  • 22

    1.5 Classificação

    A etimologia de esclerodermia é originada do Grego sendo “sklero” traduzido

    duro ou endurecido e “derme” equivalente à pele, culminado com o entendimento de

    endurecimento da pele. A esclerodermia é dividida em dois grandes grupos, o primeiro

    denominado de “esclerodermia localizada”, cujo comprometimento apresenta-se

    quase que exclusivamente cutâneo, e o segundo “esclerose sistêmica” (SSc) que,

    além do envolvimento cutâneo, há um comprometimento visceral (35).

    A patogênese da doença não é completamente esclarecida, mas é sabido que

    o sistema vascular está fortemente comprometido em todos os subtipos (36, 37). A

    Esclerodermia localizada, também denominada de morfeia, distingue-se da forma SSc

    pelo envolvimento quase que exclusivamente cutâneo, pois ocasionalmente pode

    acometer músculos subjacentes e geralmente poupa os órgãos internos (38). Em

    1854, Addison descreveu as áreas de endurecimento cutâneo como queloides.

    Posteriormente, Wilson cunhou o termo morfeia e somente em 1868 Fagee fez a

    diferenciação dos queloides e descreveu variantes da forma localizada, incluindo

    “golpe de sabre.” Em 1942, Klemper incluiu a esclerodermia no grupo das colagenases

    [apud (39)].

    No outro grupo denominado de Esclerose Sistêmica (SSc), o padrão de

    envolvimento cutâneo subdivide a doença em esclerose sistêmica cutânea limitada

    (SScl), esclerose sistêmica cutânea difusa (SScd) e sine (40). Todos os subtipos da

    SSc apresentam comprometimento sistêmico e visceral (40).

    A SScl apresenta envolvimento cutâneo distal para os cotovelos e joelhos,

    sendo que alguns dos sintomas podem ser resumidos no acrônimo de CREST. O

    termo CREST faz alusão à Calcinose, Fenômeno de Raynaud (FR), Dismotilidade

    Esofágica, Esclerodactilia e Telangiectasia (41).

    A SScd apresenta fibrose da pele estendendo-se de modo proximal aos

    membros e/ou tronco e face (34, 42), sendo que, além do comprometimento cutâneo,

    há comprometimento de órgãos internos como coração, pulmão e rins, especialmente

    nos primeiros 3 anos da doença. Outras complicações como úlceras digitais, doença

    anorretal, FR secundário, comprometimento musculoesquelético, fadiga severa, dor e

    alterações psicossociais, podem exercer um impacto importante na qualidade de vida

    do paciente (43).

  • 23

    Não há testes específicos, nem um único exame laboratorial capaz de determinar o

    diagnóstico da esclerodermia. Existem inúmeras informações clínicas que compõem

    uma somatória de critérios que permitem classificar os pacientes com esclerodermia.

    A doença é complexa e heterogênea, dificultando um ágil diagnóstico (44).

    A primeira tentativa em encontrar um padrão classificatório para esclerodermia

    começou em 1980, no antigo Colégio Americano de Reumatologia. Naquele momento

    levou-se em consideração o comprometimento cutâneo como a principal variante. O

    objetivo inicial era distinguir a esclerodermia de outras doenças reumáticas (45). Para

    ser classificado como esclerodermia o paciente deveria apresentar um critério maior

    ou ≥ dois critérios menores. O critério maior era a presença de esclerodermia proximal

    (fibrose simétrica da pele proximal metacarpofalangeanas ou metatarsofalangeanas).

    O critério menor era composto por três itens: esclerodactilia, úlceras nas ponta digitais

    (ou reabsorção falangeana) e fibrose pulmonar. Estes critérios foram desenvolvidos

    em pacientes que já apresentavam a doença há muito anos, fato este que garantiu

    uma alta especificidade, mas excluía pacientes em estágio iniciais e outros subtipos

    da doença (42, 45). Pacientes com telangiectasia, calcinose, FR, PAH, disfagia e

    positivos para anticorpos anticentrômero não estariam classificados como SSc pelos

    critérios de 1980. Por isso, os dados epidemiológicos foram subestimados, uma vez

    que não incluíam todos os doentes. Cerca de 20% dos pacientes com SScl não eram

    classificados (42, 44, 46). A fim de identificar os pacientes em estágios iniciais, em

    1988, LeRoy e colaboradores propuseram a classificação da SSc em limitada (SScl)

    e difusa (SScd). Esta classificação, assim como a anterior, considerou o

    comprometimento cutâneo. A SScl foi classificada como envolvimento cutâneo distal

    aos cotovelos e joelhos e acima da clavícula, enquanto que o subtipo SScd quando

    há envolvimento cutâneo proximal e distal dos membros. Em 2001 os mesmos autores

    publicaram critérios reformados visando incorporar o padrão de auto anticorpos

    (anticentrômero, anti-Scl 70, anti-RNA polimerase III) e a capilaroscopia periungueal,

    além das características clínicas. Este novo critério incorporou os avanços

    tecnológicos que contribuíram para a inclusão de pacientes em estágios precoces da

    doença (34, 47). O critério considerava duas condições: a primeira seria a evidência

    objetiva do FR (observado pelo médico) com capilaroscopia periungueal de padrão

    esclerodérmico ou a presença de auto anticorpos específicos; a segunda, seria a

  • 24

    evidência subjetiva do FR (relatado pelo paciente) com capilaroscopia periungueal de

    padrão esclerodérmico e presença de auto anticorpos específicos.

    Os auto anticorpos contribuem significativamente tanto para o diagnóstico

    como para a classificação de pacientes com esclerose sistêmica. SScl é comumente

    associada a anticorpos específicos do centrômero (ACA), enquanto que a SScd

    associa-se a anticorpos topoisomerase I (anti - Scl70) ou RNA polimerase III (48). O

    anticorpo anti-RNA polymerase III é encontrado em aproximadamente 20% dos

    pacientes com SScd e associa-se à um maior risco de crise renal esclerodérmica

    (SRC) (49, 50). Padrões de produção de citocinas de células T como IL-17, IFN -γ ou

    TGF-β podem ajudar a diferenciar os subconjuntos clínicos de SSc (51).

    A capilaroscopia periungueal (ao redor da unha) é um exame não invasivo

    que permite avaliar a morfologia da microcirculação e ampara o diagnóstico precoce

    entre indivíduos com FR primário e secundário. Os principais achados na SSc são

    aumento de colágeno, alteração vascular e infiltrado inflamatório (9).

    A incorporação de auto anticorpos, capilaroscopia, telangiectasia e FR aos

    critérios de 1980 melhorou a sensibilidade e especificidade, resultando no diagnóstico

    de mais pacientes com SSc (46, 52-54).

    Em 2013, o American College of Rheumatology juntamente com a European

    League Against Rheumatism elaboraram uma classificação para o diagnóstico da

    SSc. Na ocasião, foi adotado critério de somatória de pontos para validação

    diagnóstica que incluía nove escalas órgão-específicas (Pele, Lesão de ponta de

    dedos, telangiectasia, capilaridade periunguealanormal, hipertensão arterial pulmonar

    e doença pulmonar, presença de auto anticorpos: anti centrometro, anti-

    topoisomerase1 (anti-Scl-70), anti-Rna polimerase III). Com este critério, uma

    pontuação superior ou igual a 9 seria classificado como SSc (55).

    A SSc é uma doença reumática autoimune, cujo comprometimento é

    multissistêmico, caracterizada principalmente por três pilares, sendo eles: o prejuízos

    na função e estrutura de vasos sanguíneos; desregulação do sistema imune inato e

    adaptativo; e fibrose dos órgãos internos e pele, incluindo o trato gastrointestinal,

    pulmões, coração e rins (56).

  • 25

    1.6 Sintomas clínicos

    a. Pele

    O comprometimento cutâneo na SSc é muito frequente, exceto em pacientes com

    o subtipo sine escleroderma. Os prejuízos na pele causam morbidade (prurido,

    despigmentação, úlceras abertas), entretanto não estão associados ao aumento da

    mortalidade (57, 58). Por outro lado, o precoce e progressivo comprometimento

    cutâneo pode estar associado ao rápido envolvimento de órgãos internos,

    aumentando o risco de mortalidade (59). Geralmente, a rigidez da pele tende a

    aumentar nos estágios iniciais da SScd e diminuir em estágios tardios. O

    espessamento da pele envolve os dedos (esclerodactilia), estendendo-se para as

    articulações metacarpofalangeanas.

    O comprometimento cutâneo pode afetar os membros, incluindo o dorso e a

    face. A fibrose na face limita a abertura da boca tornando o rosto inexpressivo. O grau

    de comprometimento cutâneo é avaliado pelo escore cutâneo total – método de

    Rodnan modificado (ECT- RM) que requer a palpação de 17 áreas do corpo (dedos

    das mãos, dorso das mãos, braços, antebraços, pés, pernas, coxas, face, tórax e

    abdômen), usando uma escala de 0-3, sendo 0 = normal, 1 = espessamento leve, 2 =

    espessamento moderado e 3 = espessamento intenso (60), como demostrado na

    figura 1.

    Figura 1. Escore cutâneo total – método de Rodnan modificado (ECT- RM)

  • 26

    Úlceras digitais e cicatrizes nas pontas dos dedos (fingertip pitting scars) são

    encontradas em 42% da SScd e com 33% na SScl. Estes sintomas podem evoluir

    para um desconforto grave, como dor, infecção, deficiência funcional, gangrena e

    amputação (61, 62). No Brasil, preconiza-se a utilização terapêutica do metotrexato.

    Porém, para casos não responsivos ao metotrexato é sugerido o uso de

    ciclofosfamida, o micofenolato de mofetil e o rituximabe (63).

    b. Fenômeno de Raynaud

    Em 1865, Maurice Raynaud descreveu os episódios vaso espasmo que foram

    nomeados de fenômeno de Raynaud em sua homenagem. Contudo, somente em

    1883 Jonathan Hutshinson associou tais sintomas à esclerodermia [apud (1)]. A

    primeira manifestação clínica e a mais frequentes é o FR, com 95% dos pacientes. Os

    sintomas ocorrem bilateralmente e também podem afetar pés, nariz e orelhas. A

    capilaroscopia periungueal é uma ferramenta que ampara a identificação do FR (64,

    65). As anormalidades tipicamente encontradas na capilaroscopia incluem a presença

    de capilares alargados e perda capilar com ou sem hemorragias peri-capilares (66).

    Os pacientes com presença simultânea de FR, edema de mãos e anticorpos

    antinucleares indicaram valores preditivo positivo de 88% para desenvolver esclerose

    sistêmica (67). Pacientes com anti-topoisomerase-1 desenvolveram FR rapidamente

    e tiveram um comprometimento cutâneo mais grave (68). O FR associado às

    anormalidades na capilaroscopias periungueal e/ou presença de anticorpos

    específicos (ACA, anti-Scl70, anti-RNA polimerase III, anti-PmScl ou anti Th / To são

    fundamentais para um diagnóstico precoce de SSc. Em alguns casos, a vaculopatia

    evolui rapidamente para PAH, SRC ou gangrena. O comprometimento microvascular

    é caracterizado por alterações periungueal e telangiectasias. Os dados clínicos e

    patológicos sustentam que a vasculatura é o desencadeador inicial na SSc (9). O

    endotélio regula o fluxo sanguíneo e a migração transendotelial dos leucócitos,

    também mantém um revestimento antitrombótico e regula a coagulação e a fibrinólise.

    A lesão endotelial ativa as moléculas de adesão, resultando em aumento do tráfico e

    migração de leucócitos. Estes fatos podem explicar os infiltrados perivasculares

    observados na SSc (69). Existem inúmeros tratamentos para reduzir a frequência e a

    gravidade do FR, destacando-se os seguintes: bloqueadores dos canais de cálcio

    como a nifedipina e a anlodipina (70, 71); análogos da prostaglandina como a iloprosta

  • 27

    (72, 73); bloqueadores alfa-adrenérgicos (74); antagonistas dos receptores da

    endotelina como bosentana (75); inibidores da enzima conversora de angiotensina I

    (IECA) e antagonistas de receptores da angiotensina II como quinapril e losartana (76,

    77); inibidores da fosfodiesterase como tadalafila (78, 79). Todavia, no Brasil

    preconiza-se o uso de bloqueadores dos canais de cálcio como primeira linha no

    tratamento do fenômeno de Raynaud da esclerose sistêmica (63)

    c. Calcinose

    A calcinose foi descrita por H. Weber em 1878. [apud (1)]. Os tratamentos

    para a calcinose são inúmeros, mas não há um consenso para uma droga

    completamente eficaz (63). Na fase inicial da doença uma das opções seria a

    warfarina (80, 81); entretanto o diltiazem pode reduzir ou melhorar a calcinose (82); e

    a minociclina ou a colchicina contribuem para a melhora da cicatrização das

    ulcerações e a inflamação da calcinose (83, 84). Portanto, o tratamento de escolha

    depende de inúmeros fatores (63).

    d. Acroesclerose

    Em 1931, Sellei foi o primeiro a incluir a acroesclerose como um dos sintomas da

    esclerose sistêmica [apud (1)].

    e. Envolvimento Articular

    Em 1847, Forget descreveu sintomas em uma mulher de 33 anos como dor e

    inchaço em muitas articulações. A grande frequência de queixas nas articulações no

    início ou durante o curso da esclerodermia era interpretada como uma variante de um

    "reumatismo agudo" ou simplesmente relacionada às mudanças na pele subjacente.

    As complicações articulares apresentam uma frequência de 45% a 90% na SSc,

    incluindo artralgia e, de modo menos prevalente, a artrite simétrica, afetando

    pequenas articulações das mãos, pulsos, joelhos e tornozelos. A rigidez articular pode

    ser decorrente do espessamento cutâneo ou da peri-artrite calcificada (67).

  • 28

    f. Envolvimento pulmonar

    Von Notthafft realizou em 1898 o primeiro exame do pulmão de um paciente com

    indícios de esclerose sistêmica. O paciente analisado apresentava além de

    pneumonia, tuberculose e um importante aumento de tecido conjuntivo intersticial,

    semelhante a um pulmão de sífilis. No mesmo século, a tosse e a dispneia, em

    pacientes com suposta SSc, eram atribuídos à compressão do tórax pelo

    espessamento cutâneo. Em 1924 a presença de fibrose pulmonar na esclerose

    sistêmica foi confirmada e somente em 1945 Getzowa detalhou as mudanças císticas

    como consequência da degeneração de paredes alveolares [apud (1)]. As

    manifestações pulmonares usualmente encontradas na SSc incluem doença

    pulmonar intersticial e hipertensão pulmonar, com ou sem fibrose pulmão. A

    hipertensão pulmonar (> 25mmHg) pode ser secundária à doença vascular associada

    à SSc ou, relacionada à fibrose pulmonar com prognóstico diferente (85). Os fatores

    associados à ocorrência de fibrose pulmonar foram decorrentes do subtipo. A SScd

    apresentou um risco relativo (RR) de 1.7, a presença de anti-topoisomerase 1

    apresentou um RR de 1.8, a capacidade vital forçada

  • 29

    esôfago. Existem inúmeros tratamentos para os sintomas relacionados à dismotilidade

    gastrointestinal utilizados no Brasil (63), como os agentes pró-cinéticos, o

    metoclopramida e a domperidona (63). Os inibidores de bomba de próton melhoram

    tanto a esofagite de refluxo e os sintomas de refluxo gastroesofágico como as

    complicações locais ou respiratórias, podendo, contudo, ocorrer piora nos sintomas

    de disfagia (87). Em condições de pacientes não responsivos aos tratamentos citados

    anteriormente é indicado a cirurgia. A combinação sequencial de antibióticos pode ser

    utilizada para erradicar a proliferação bacteriana e o suporte nutricional (nutrição

    parenteral) pode ser benéfico nos casos mais graves de desnutrição (63).

    h. Envolvimento cardíaco

    Em 1895 Lewin e Heller analisaram 28 autópsias de pacientes com esclerodermia,

    das quais 16 apresentaram alterações no miocárdio ou doença pericárdica. Estes

    dados também contribuíram para o esclarecimento de que na esclerodermia há

    comprometimento cardíaco [apud (1)]. Sabe-se que a frequência do comprometimento

    cardíaco ou arritmias na SSc é de 10 a 35%. Se o comprometimento cardíaco tiver

    origem cardiopulmonar, a frequência de mortalidade pode alcançar 70% (88, 89).

    Devido à elevada frequência de doenças cardíaca em pacientes com esclerose

    sistêmica, no Brasil é consensual a recomendação para o uso de bloqueadores de

    canal de cálcio (nifedipina, nicardipina), inibidores da enzima conversora de

    angiotensina (captopril), amiodarona e carvedilol (63).

    i. Envolvimento renal

    Em 1863 Auspitz descreveu pela primeira vez a doença renal vinculada à SSc.

    Moore e Sheehan relataram 3 pacientes que morreram de insuficiência renal e

    apresentam simultaneamente achados histológicos correspondentes à esclerodermia

    [apud (1)]. Estes dados inicias reforçaram que a esclerodermia também poderia

    apresentar complicações renais. Atualmente, o comprometimento renal apresenta

    uma baixa frequência (4%-6%), todavia quando ocorre nos pacientes, costuma ser

    grave, sendo mais frequente na SScd (4%) do que na SScl (2%) (67). A presença de

    crise renal na SSc pode contribuir para a gravidade da doença. A SRC pode ser

    definida como uma doença grave ou associada à piora da hipertensão arterial

    (>150/85 mmHg) duas vezes em 24h e, ainda, uma insuficiência renal rapidamente

  • 30

    progressiva, às vezes oligo-anúrico (90, 91). A crise renal esclerodérmica está

    fortemente vinculada ao subtipo SScd. Esta manifestação, quando ocorre, é rápida e

    progressiva, também vinculda à presença de anti-RNA polimerase III, anemia e evento

    cardiovascular recente. Sugere-se nesta situação administração de alta doses de

    corticosteróides (>15 mg/dia) (92, 93).

    j. Envolvimento do sistema nervoso central

    A observação mais antiga de lesões do SNC foi realizada por Steven JL em 1898

    (STEVEN, JL. 1898. Quoted by Leinwand, I. et al 1954) (94). Steven relatou mudanças

    nos vasos da medula espinhal na autópsia de um paciente com SSc (94). O

    envolvimento do SNC foi considerado por muitos anos um evento raro, mas vem

    ganhado progressivo reconhecimento e, por isso, será objeto deste estudo.

    k. Envolvimento olfatório

    O envolvimento olfatório na SSc foi pouco explorado durante muitos anos, até que em

    2014 uma pesquisa lançou luz sobre tal aspecto clínico, abrindo uma nova

    perspectiva (8). Atualmente a análise olfatória vem ganhando progressivo

    reconhecimento, razão pela qual também será objeto deste estudo.

    1.7 Envolvimento do SNC na esclerose sistêmica

    Breve histórico.

    A pioneira observação do envolvimento do SNC na esclerodermia foi realizada por

    Steven em 1898 e motivou estudos posteriores (94). Dentre todas as manifestações

    clínicas da SSc, o envolvimento do SNC foi considerado raro ou consequência

    secundária da hipertensão, uremia, disfunção pulmonar e do tratamento com

    esteroides (95-97). Todavia, atualmente o envolvimento do SNC é descrito como

    consequência primária na SSc (98, 99). Em 1961, Tuffanelli e Winkelmann realizaram

    uma revisão de 727 pacientes com SSc e encontraram somente 6 casos com

    alterações neurológicas (100). Em 1970, outro estudo retrospectivo, desenvolvido

    pelos pesquisadores Gordonr e Silversteian, identificou que 24 de 130 (18,5%)

    pacientes com SSc apresentaram algum comprometimento neurológico (101). Em

    1980 o envolvimento do sistema nervoso periférico (PNS), especialmente o nervo

    trigêmeo, também foi identificado na SSc (102, 103). Quatro anos mais tarde, em

  • 31

    1984, Lee e colaboradores relataram que numa coorte de 125 pacientes apenas 7

    (5,6%) apresentavam lesões neurológica (104). Em 1987, Dierckx e colaboradores

    relataram que 14 pacientes com SSc apresentaram sinais neurológicos (105). No

    mesmo ano, alguns pesquisadores discutiam que os diferentes tipos de colágeno I,

    III, e IV estavam contidos tanto nas paredes dos vasos periféricos, quanto do SNC

    (106). Aprofundando nestes conceitos, postulou-se que a neuropatia vinculada à

    esclerodermia poderia ser decorrente dos mesmos mecanismos que desencadeavam

    a fibrose em outros órgãos, uma vez que a fibrose ocorria em consequência da

    exagerada produção de colágeno. Isto promoveu o estreitamento vascular e

    compressão das fibras nervosas, bem como uma vasculopatia não-inflamatória (107).

    De modo complementar, a possível vasculopatia cerebral foi comprovada com

    autopsias de pacientes com síndrome de CREST. Estes pacientes apresentavam

    focos de necrose neuronal isquêmica e calcificação das artérias cerebrais profundas

    sem aspecto glial ou inflamatório. Outro dado reforçando tal possibilidade foi

    proveniente de pacientes com reversível vasculite devido à utilização de uma terapia

    imunossupressora agressiva (107, 108). Embora a vasculite no SNC seja um evento

    raro em pacientes com SSc, deve ser considerada como hipótese diagnóstica em

    casos de doentes com comprometimento neurológico (109). Em 1997, afim de lançar

    luz ao debate sobre o comprometimento vascular cerebral em pacientes com SSc,

    realizou-se um estudo com sonografia doppler transcranio para verificar a perfusão

    cerebral. O principal resultado foi que a maioria dos pacientes apresentaram

    hipoperfusão focal ou multicocal. Este dado foi reforçado por imagem de ressonância

    magnética (RM) que apresentou sinais difusos na substância branca (110). Anos mais

    tarde, o mesmo grupo de pesquisadores propôs que a lesão cerebral em pacientes

    com SSc era decorrente de uma disfunção endotelial que culminaria em uma

    microangiopatia não inflamatória típica, caracterizada por um processo de

    angiogenese e lesões microvasculares obliterante, dados confirmados pelo exame de

    tomografia por emissão de fóton (SPECT) (111). No mesmo estudo, foi possível

    verificar a hipoperfusão nos gânglios da base, tálamo e córtex (111). Em 2011,

    confirmou-se os resultados anteriores (104) que justificavam que o comprometimento

    vascular do SNC poderia ser subclínico e independente do tempo de doença (112).

    Deste modo, uma das possíveis interpretações para a baixa frequência de achados

    neurológicos na SSc pode ser decorrente de manifestações subclínicas e ainda, de

  • 32

    exames de eletroencefalografia predominantemente normais ou com pequenas

    alterações consideradas inespecíficas (113).

    Entre os pesquisadores, a explicação mais prevalente sobre os principais

    mecanismos que modulam o envolvimento do SNC na SSc inclui três aspectos: i- não

    imunes (com atividade mediada por células e produção de auto anticorpos); ii-

    vascular (comprometimento endotelial causando uma microangiopatia não

    inflamatória) e o iii- alterações do colágeno (fibrose) (56, 98, 112). Contudo, estes

    mesmos pesquisadores também citam que a etiologia das lesões poderia ser atribuída

    à deposição de imunocomplexo afetando a vasculatura intracraniana, o que pode

    causar oclusão nas artérias (56, 98, 112). Em 2013, Appenzeller e colaboradores

    realizaram uma revisão sistemática na qual identificaram 187 artigos com a temática

    do envolvimento do SNC na SSc. A análise minuciosa dos artigos identificou o

    envolvimento do SNC em pacientes com SSc como dor de cabeça (23,73%),

    convulsões (13,56%) e redução cognitiva (8,47%). O envolvimento do sistema

    nervoso periférico (SNP) foi miopatia (51,8%), neuropatia trigeminal (16,52%),

    polineuropatia motora sensorial (14,25%) e síndrome de túnel do carpo (6,56%). A

    neuropatia autonômica envolvendo os sistemas cardiovascular e gastrointestinais foi

    descrita regularmente. Entretanto, os sintomas psiquiátricos foram muito frequentes,

    como a depressão (73,15%) e a ansiedade (23,95%) (7). Com todas estas

    constatações, exames cerebrais não invasivos tornam-se fundamentais para a

    compreensão do envolvimento do SNC na esclerose sistêmica. Os exames mais

    utilizados são SPECT, CT (tomografia computadorizada) e a RM (7). Estudos

    utilizando RM identificaram que pacientes com SSc apresentaram atrofia cerebral com

    frequência de 2,94% dos casos e em exames de CT 6,86%. A RM tem sido

    considerada a técnica de diagnóstico mais sensível para detectar lesões sintomáticas

    e assintomáticas no cérebro (98). O advento e o aprimoramento de técnicas

    contribuíram significativamente para expandir o conhecimento sobre as diferentes

    manifestações clínicas da SSc. O crescente reconhecimento do envolvimento do SNC

    em pacientes com SSc motivou esta pesquisa.

  • 33

    1.8 A importância do olfato e seu envolvimento na esclerose sistêmica --

    breve histórico

    Dentre os sentidos experimentados pelo homem como olfato, tato, audição, visão

    e paladar, o olfato foi o que recebeu menor atenção nas pesquisas nos últimos

    tempos. Porém, em épocas antes de Cristo este sentido recebia destaque especial.

    No Egito antigo (1.500 a.C), odores eram utilizados em inúmeros rituais para atingir

    estados de elevação da alma. A mesma estratégia foi usada na medicina ocidental

    chinesa (2700-3000 A.C). O livro Shen Nung’s Pen Tsao descrevia a utilização de

    plantas aromáticas para benefícios da saúde. Anos mais tarde, a obra De Materia

    Medica, datada de 60 anos d.C., descreveu a utilização de plantas aromáticas como

    tratamento. O autor, médico e cirurgião grego Pedanios Dioscorides, não dispensou

    explicações sobre tal benefício. No século XI, os mesmos princípios foram aplicados

    na prática clínica pelo médico persa Avicenna, que utilizou as propriedades medicinais

    de inúmeros óleos essenciais, como o óleo de rosas. A tradicional medicina

    ayurvédica, desenvolvida na Índia há mais de 5.000 anos, utiliza até hoje os princípios

    aromáticos de fitoterápicos em massagens e outras terapias. Entretanto, este

    conhecimento milenar não tem sido aplicado na medicina ocidental com o mesmo

    afinco do passado [apud (114)]. As implicações terapêuticas do olfato não são

    comumente aplicadas no ocidente como ocorre na medicina oriental. Mesmo assim, a

    aromaterapia tem ganhado certa popularidade como uma estratégia terapêutica

    coadjuvante (115, 116).

    O sistema olfatório detecta, processa e discrimina milhares de fragrâncias, e por

    tal razão é um sensor fundamental na interpretação dos estímulos ambientais. O olfato

    envolve processos bioquímicos e eletrofisiológicos que medeiam a conversão de

    odores em sensações (117). Tal capacidade ocorre devido a uma complexa interação

    entre o epitélio olfativo da cavidade nasal, o bulbo olfatório e as áreas superiores do

    SNC que integram e interpretam os estímulos.

    A primeira etapa começa quando moléculas odoríferas voláteis penetram nas

    narinas e alcançam níveis superiores da cavidade nasal onde são retidas no epitélio

    olfatório (EO). O epitélio olfatório contém neurônios que realizam constantemente

    neurogênese e seus numerosos cílios compõem uma extensa superfície receptora

    numa área de 5mm2. A cito arquitetura do EO é composta por neurônios receptores

    olfatórios (NRO) bipolares com axônios projetados para estruturas cerebrais, células

  • 34

    de suporte, células basais, células-tronco e a glândula de Bowman. Os receptores dos

    NRO localizam-se nos cílios dos dendritos e são capazes de identificar diferentes

    moléculas odorantes. Estes receptores são membros família dos receptores

    acoplados à proteína G e recebem a denominação de “proteína G dos receptores

    olfatórios” – Golf (118). As glândulas de Bowman produzem uma camada de muco

    que recobre o neuroepitélio olfatório. O muco é substituído a cada 10 minutos e é

    composto por mucopolissacarídeos, imunoglobulinas A e M, lactoferrina, lizoenzima,

    sais e proteínas que fixam as substâncias odorantes. Juntos, estes elementos

    protegem o epitélio da desidratação e impedem que agentes infecciosos acessem o

    sistema nervoso central (119).

    A segunda etapa ocorre quando as substâncias odoríferas ligam-se a

    receptores específicos presentes nos cílios dos NRO. Esta ligação estimula a abertura

    de canais permitindo o influxo de cálcio e sódio e o efluxo de cloreto, resultando em

    despolarização e potencial de ação em seus axônios, conectando-se, por fim, ao bulbo

    olfatório (BO). O BO é uma estrutura par e considerada sob o aspecto evolutivo como

    extensões rostrais de porções do telencéfalo, possuindo uma estrutura laminar do tipo

    cortical. Os estímulos iniciados pela ligação da molécula odorífera ao seu receptor

    localizado nos dendritos do NRO percorrem os axônios dos neurônios que atravessam

    pequenos pertuitos da lâmina crivosa do osso etmoide e alcançam o BO, onde

    realizam sinapses em regiões pré-estabelecidas.

    No BO, especificamente na região intitulada glomérulo, os axônios dos NROs

    realizam as sinapses com neurônios de segunda ordem, denominadas células mitrais

    e tufadas. A comunicação entre os inúmeros glomérulos ocorre com dois tipos de inter

    neurônios: células periglomerulares e células granulares. Estas células são inibitórias,

    ao passo que a primeira se localiza na camada plexiforme externa, formando sinapses

    recíprocas em um glomérulo e enviam inibições para outros. A segunda, células

    granulares, formam sinapses com neurônios secundários. Assim, o BO ocupa uma

    posição intermediadora importante no processamento olfatório, pois recebe estímulos

    sensoriais aferentes das células receptoras olfativas situadas no neuroepitélio

    olfatório, permitindo a transmissão do estímulo. O BO se estende até o trato olfativo e

    relaciona-se intimamente com o sulco olfatório do lobo frontal. Próximo ao BO existem

    astrócitos chamados de células olfativas ensheathing. Estas células representam o

    único tipo de célula glial no sistema olfatório periférico, situado próximo ao axônio do

  • 35

    primeiro nervo craniano (nervo olfatório) e são consideradas capazes de reparar as

    lesões do sistema nervoso central (SNC) (120, 121).

    As projeções axonais das células mitrais e tufadas agrupam-se em feixes

    formando o trato olfatório do nervo olfatório. Este trato emite prolongamento centrais,

    bifurcando-se em trato olfatório medial e lateral. As fibras olfatórias mediais

    incorporam-se à comissura anterior e ao bulbo olfatório do lado oposto. O trato lateral

    converge para o “córtex olfatório primário” que inclui inúmeras estruturas (122).

    De modo detalhado, os estímulos aferentes do BO passam pelo trato olfatório

    lateral e, com projeções monossinápticas, atingem inúmeras regiões, atravessando o

    núcleo olfatório anterior, o tubérculo olfatório, córtex piriforme anterior, córtex piriforme

    posterior, amígdala e córtex entorrinal. Esta sequência é conhecida como “córtex

    olfativo primário” e tem sido demostrada em meta-análise de neuroimagem (122, 123).

    Depois do córtex olfatório primário partem comunicações com o tálamo, o córtex órbito

    frontal, a ínsula agranular, o hipotálamo, a amígdala lateral e basolateral, o córtex

    pirirrinal e, no hipocampo, realizam ligações com o striatum para sistemas que estão

    associados com a aprendizagem, memória e afeto (122, 124). Muitas dessas

    conexões são bidirecionais e alguns autores destacam a participação do córtex

    piriforme como um grande intermediador do BO (122, 124, 125). O córtex piriforme

    (CP) faz comunicação com o tálamo, o hipotálamo e o córtex órbito frontal (COF). Os

    núcleos talâmicos têm conexões com o COF e o córtex insular. Do córtex enthorinal

    partem conexões para o hipocampo.

    Os processos olfativos são lateralizados entre os hemisférios cerebrais. As

    áreas localizadas no hemisfério direito, como o COF e CP estão mais diretamente

    envolvidos na memória, já o hemisfério esquerdo e suas respectivas estruturas (COF,

    ínsula, córtex piriforme e amígdala) participam da resposta emocional dos odores

    (126). Todos os estímulos sensoriais, à exceção dos olfatórios, passam pelo tálamo

    antes de atingir o córtex cerebral. Entretanto, o sistema olfativo é o único que realiza

    a conexão direta entre meio externo e o SNC. Desta forma, o cheiro é o elo e o acesso

    direto ao sistema nervoso central. O sistema olfativo é filogeneticamente mais antigo

    do que outras áreas corticais sensoriais e possui proximidade anatômica e funcional

    com o sistema límbico. A memória emocional, evocada pelo odor, promove a ativação

    específica na amígdala, sendo que odores considerados prazerosos ativam o

    complexo amígdala-hipocampo (127).

  • 36

    O circuito olfatório contempla grande parte do córtex límbico e paralímbico (128)

    e, por isso, está associado a processos fisiológico e comportamentais vinculados à

    emoção (129). A porção olfativa do cérebro (rinencéfalo ou arquipálio) compreende a

    maior parte do telencéfalo em mamíferos, peixes e anfíbios. Em mamíferos, a

    presença de um grande lóbulo olfativo adjacentes ao hipocampo foi considerada uma

    forte evidência da importante função olfativa nesta região. No entanto, quando

    realizada a neuroanatomia comparada entre os diversos mamíferos marinhos que

    tiveram aparelho olfativo rudimentar (por exemplo, golfinhos e baleias) foi observada

    a presença de um grande hipocampo. Todas estas evidências anatômicas

    estimularam inúmeras questões.

    1.8.1 Olfato, emoções e SNC

    Ensaios com ratos bulbectomizados (retirada do bulbo olfatório) são considerados

    bons modelos de depressão comumente utilizados, pois apresentam similaridade com

    o comportamento humano de transtorno depressivo (130, 131), além de parâmetros

    bioquímicos, imunológicos e neuronais. Sob o aspecto imunológico, os resultados

    destes experimentos apontam para a redução da fagocitose de neutrófilos, do número

    de linfócitos, das proteínas negativas de fase aguda e o aumento da adesividade de

    leucócitos/agregação, fagocitose de monócitos, número de neutrófilos e proteínas de

    fase aguda positivas (131-134). Além disso, o aumento da secreção noturna de

    corticosterona ocorreu em ratos bulbectomizados (efeito controlado com

    dexametasona) (134). Estas alterações foram revertidas tanto pelo uso de

    antidepressivos de longo prazo (131, 134), quanto pela exposição à fragrância citrus

    (frutas cítricas) (135), como o limão (136).

    O estresse provoca o aumento de substancia P e induz a ativação de mastócitos.

    Um importante estudo sobre este tema avaliou os efeitos do estresse, do aumento da

    produção da substancia P em mastócitos e o tratamento com odorante 1,3-dimetoxi-

    5- benzeno metil (DMMB). O aumento de substância P, causado pelo estresse, pode

    ser suprimido pela inalação do odor DMMB. Este composto odorante bloqueia a

    substância P que, por sua vez, inibe a ativação de mastócitos. Por este processo há

    uma modulação da resposta imune cutânea, já que a substância P ativa os mastócitos

    da pele e induz a liberação da prostaglandina D2, da histamina e do leucotrieno B4,

    todos também exercem alguma influência central sobre a função imunológica (137).

  • 37

    Outro experimento também identificou que odorantes poderiam minimizar efeitos

    do estresse sobre as reações de hipersensibilidade cutâneas. Nesta ocasião, a

    fragrância de óleo de valeriana regulou negativamente os níveis de corticosterona

    induzidos pelo estresse (138)

    Os dados obtidos com outros modelos animais mostram que as manifestações

    neuropsiquiátricas estavam intimamente associadas ao comprometimento do cheiro e

    a desregulação autoimune por meio de auto anticorpos (anti-NMDAR, P anti-

    ribossomal) ou outros mecanismos (115).

    O modelo animal de estresse, com a administração crônica de corticosterona e

    acompanhado pelo tratamento de antidepressivo fluoxetina, foi utilizado para analisar

    o eixo Hipotálamo-hipófise-adrenal e a secreção de corticosterona, que é conhecida

    por prejudicar a neurogênese hipocampal. Seus efeitos sobre a neurogênese olfativa

    e influência na capacidade olfatória permanecem desconhecidos. A administração

    crônica de corticosteróides não teve efeito sobre a proliferação celular nos neurônios

    olfativos, mas induziu a déficits pronunciados na acuidade olfativa, como a

    discriminação de odores, memória olfativa e diminuição significativa na neurogênese

    adulta no giro denteado e no bulbo olfatório. A fluoxetina, embora não tenha

    restaurado a discriminação olfativa, reverteu os estados de depressão e melhorou a

    acuidade olfativa, restabelecendo a neurogênese adulta prejudicada (139).

    A neurogênese adulta, descrita em 1998 por Peter Eriksson (140), foi uma quebra

    de paradigma e atualmente é reconhecida pelo seu importante papel na plasticidade

    estrutural do cérebro. Embora os mecanismos moleculares envolvidos nestes

    processos não estejam totalmente esclarecidos, a neurogênese do hipocampo adulto

    desempenha um papel significativo na aprendizagem e formação da memória que

    podem ser afetadas por alterações ambientais e doenças (141). Os sistemas

    imunológico e vascular são necessários para a formação neuronal e determinação do

    destino das células-tronco neurais (142).

    Os achados em modelos animais também foram reproduzidos em seres humanos,

    pois pacientes com sintomas de depressão apresentaram prejuízos olfatórios (143,

    144).

    Outra investigação sugeriu que sintomas depressivos eram acompanhados por

    deficiências olfatórias (145) e diminuição bilateral do tamanho das amígdalas (146).

    Análises com neuroimagem funcional demonstraram a diminuição do fluxo sanguíneo

  • 38

    e prejuízos funcionais na amígdala em pacientes com depressão (147, 148). Somente

    um trabalho realizado em 2014 demonstrou que a alteração olfatória estava associada

    a sintomas de depressão em pacientes com SSc (8). Em razão de inúmeras doenças

    apresentarem sintomas de depressão, aventou-se a possibilidade de que também

    pudessem ter distúrbios no olfato.

    1.8.2 Olfato, sistema imune e SNC

    Um experimento ofertou um odor específico e em seguida água com açúcar para

    abelhas (Apis melífera). A resposta comportamental foi a extensão de sua probóscide,

    elemento indicativo de efetivo aprendizado e formação da memória. Neste ensaio as

    abelhas associaram o específico odor à água com açúcar. Posteriormente, estes

    insetos treinados foram estimulados com um imunógeno não-patogênico –

    lipopolissacarídeo (LPS), e foi observada uma redução na habilidade em associar um

    odor à recompensa do açúcar (149). Este experimento sugeriu que o sistema imune

    exerce influência no olfato e memória (149).

    Outro modelo experimental de timectomia murino promoveu um aumento

    considerável da citosina IL-1 e alterações nas concentrações de corticosterona e

    neurotransmissores. Nesta pesquisa, os ratos apresentaram déficits nos aspectos

    espacial e medo, relacionados à depressão. Concluiu-se que a IL-1 apresenta efeitos

    que envolvem tanto o sistema imunológico como o sistema nervoso. Além disso, ratos

    e camundongos mostraram quantidade moderada de receptores de IL-1 no córtex

    olfativo primário e, no bolbo olfatório, exibiram um número significativamente maior. A

    presença de mRNA de IL1β no bulbo olfatório pôde sugerir a importância desta

    citocina nos mecanismos envolvendo a olfação (150).

    Outro ensaio analisou a taxa de secreção salivar de imunoglobulina A frente a dois

    estímulos. Para análise do perfil salivar, foram oferecidos a voluntários duas

    situações: a primeira opção somente com açúcar e a segunda com açúcar associado

    a um odor. Níveis superiores de imunoglobulina A encontrados na secreção salivar

    foram associados ao estímulo conjugado de açúcar e odor, tanto para jovens como

    para idosos (151).

    Todas as evidências mostradas em trabalhos anteriores podem ser avaliadas sob

    a interpretação anatômica e genética. O conjunto de genes de receptores olfativos

    está localizado próximo ao complexo de histocompatibilidade principal (MHC),

  • 39

    associados à susceptibilidade para doenças autoimunes, o que sugere não só uma

    proximidade física, mas uma associação funcional (152). Um conjunto de genes de

    receptor olfativo (OR) foi mapeado em proximidade ao lócus do HLA no cromossomo

    6. Os genes do HLA são altamente polimórficos. Este achado pode constituir uma

    associação entre autoimunidade, distúrbios psiquiátricos e a deficiência no cheiro

    (153). Assim, tanto o sistema imunológico quanto o sistema olfativo contam com a

    participação MHC para reconhecer as diferenças entre as estruturas próprias do corpo

    e os patógenos (152).

    Pacientes com SLE tiveram diminuição na habilidade olfatória correlacionada com

    o tempo de doença e manifestações neuropsiquiátricas (154). Outros pesquisadores

    mostraram que pacientes com doenças autoimunes poderiam apresentar alterações

    na amígdala e no hipocampo (155-158). Outras alterações incluem aumento do

    tamanho ventricular e redução do volume das estruturas límbicas, tais como o

    hipocampo, amígdala e bulbo olfatório (159, 160). Outras inúmeras doenças

    autoimunes também demonstraram alteração no sistema olfatório (8, 161-206), entre

    estas doenças, inúmeras pesquisas utilizaram o exame de ressonância magnética

    (RM) (173, 175, 179, 182, 183, 186, 188, 189, 191, 193, 194, 196, 197) para reforçar

    o comprometimento de estruturas cerebrais com a alteração olfatória.

    Diante da importância do olfato no SNC em doenças autoimunes, em distúrbios

    de humor e cognitivos e, dada a carência de estudos em pacientes com SSc, tornou-

    se bastante relevante a necessidade e o interesse de se ampliar o conhecimento

    acerca da intrínseca relação entre todas estas variáveis.

  • 40

    2. Objetivos Gerais

    Identificar alterações olfatórias em pacientes com SSc.

    2.1 Objetivos específicos

    1. Determinar frequência de alteração olfatória com o teste SST em pacientes

    com SSc e controles

    2. Determinar os fatores associados às alterações olfatórias na SSc

    3. Determinar o comportamento da alteração olfatória em um período mínimo

    de 2 anos em pacientes e controles.

    4. Determinar fatores preditivos para alteração olfatória na SSc.

  • 41

    3. Metodologia

    3.1. Tipo de Estudo

    Trata-se de um estudo observacional, longitudinal, aberto, com grupo controle.

    3.2. Termo de consentimento

    Todos os pacientes e voluntários foram previamente informados e assinaram o termo

    de consentimento livre e esclarecido, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da

    FCM – UNICAMP (CEP No 975/2011) (Anexo 3).

    3.3 . Seleção de pacientes e controles

    De um total de 228 pacientes consecutivos com SSc, acompanhados no ambulatório

    de Reumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, de 2012 a

    dezembro de 2016, foram incluídos 35 pacientes acompanhados por pelo menos 1

    ano (Figura 2).

    Figura 2. Fluxograma de pacientes e controles

  • 42

    3.4. Critério de inclusão

    Foram incluídos pacientes com diagnóstico de SSc segundo os critérios do ACR (45),

    com idade superior a 18 anos e acompanhados rotineiramente nos ambulatório de

    Reumatologia do Hospital das Clínicas da UNICAMP, que concordaram em participar

    do projeto e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo 3).

    3.5. Critérios de exclusão

    Presença de marca passo, clipes metálicos, implantes ferromagnéticos, síndrome de

    sobreposição, sine escleroderma, hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus,

    acidente vascular cerebral prévio. Pacientes com claustrofobia ou que não

    conseguiram realizar RM.

    3.6. Grupo controle

    Foram selecionados 120 controles saudáveis, recrutados da comunidade local e

    conhecidos dos pacientes, e todos desconheciam ter qualquer doença. Foram

    excluídos indivíduos com presença de marca passo, clipes metálicos, implantes

    ferromagnéticos; hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, acidente vascular

    cerebral prévio e com claustrofobia ou que não conseguiram realizar RM (Figura 2).

    Um total de 40 voluntários foram incluídos no estudo, com idade e sexo similar ao

    grupo de pacientes. Estes voluntários realizaram todas as avaliações clínicas,

    preencheram os questionários, fizeram o exame de RM e assinaram o termo de

    consentimento livre e esclarecido, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da

    FCM e foram acompanhados por pelo menos 1 ano (Anexo 3)

    3.7. Avaliação longitudinal de pacientes e controles.

    Os pacientes e controles incluídos neste estudo foram avaliados em dois tempos, com

    um intervalo mínimo de 1 ano.

    3.8. Revisão de prontuário

    Todos os pacientes incluídos tiveram os prontuários revistos a fim de verificar a data

    do diagnóstico de SSc segundo os critérios do ACR de 1980 (45) e o subtipo da

    doença segundo LeRoy (34) , além de dados clínicos, laboratoriais e de tratamento.

  • 43

    3.9. Atividade da doença por Valentini

    A atividade da doença foi calculada pelo índice de Valentini (207, 208). Este índice é

    composto por 10 variáveis, das quais sete são clínicas e três laboratoriais. Entre as

    variáveis clínicas, três são subjetivas, dependendo da avaliação do próprio paciente.

    A cada variável é atribuída uma pontuação de 0,5 a 2,0 (Tabela 2) e a somatória

    desses valores determina o índice de Valentini. Pontuações iguais e superiores a 3,0

    indicam atividade da doença. Em 2002, a ESSG e o Scleroderma Clinical Trials

    Consortium adotaram esse índice para classificação da atividade de doença em

    pacientes com SSc (207, 208).

    Tabela 2. Índice de atividade de doença de Valentini (207, 208) As variáveis com (*)

    indicam a piora orgânica mencionada pelo paciente referente ao mês anterior.

    Categoria Pontuação

    Escore de Rodnan modificado 1,0

    Escleroedema 0,5

    Delta-pele* 2,0

    Necrose digital 0,5

    Delta-vascular * 0,5

    Artrite 0,5

    DLCO < 80% 0,5

    Delta-coração-pulmão * 2,0

    VHS > 30 mm na primeira hora 1,5

    Hipocomplementenemia 1,0

    Índice total de atividade da doença 10,0

  • 44

    3.10. Gravidade de Medsger

    A gravidade da doença foi calculada com o índice de gravidade de Medsger (209).

    Esse índice consiste em nove itens órgão-específicos (avaliação geral, vascular

    periférico, pele, articulações/tendões, muscular, trato digestivo, pulmões, coração,

    rins) que recebe uma pontuação de 0 a 4, conforme a presença de alteração e sua

    gravidade (leve, moderada, intensa e terminal) (Tabela 3) (209).

    Tabela 3. Escala da gravidade da doença de Medsger (209).

    Órgão/

    Sistema

    0 (normal) 1 (Leve) 2 (Moderado) 3 (Grave) 4 (Terminal)

    Geral

    P.P

  • 45

    Radiológica;

    pressão

    arterial

    pulmonar 35–

    49 mmHg

    Leve; pressão

    arterial pulmonar

    50-64 mmHg

    moderada a

    grave;

    pressão

    arterial

    pulmonar

    65+ mmHg

    Coração Normal Defeito

    condução ao

    ECG; Fração

    de ejeção VE

    45 - 49%

    Arritmia

    sintomática;

    Alargamento VD

    e VE; Fração de

    ejeção VE 40 -

    44%

    Fração de

    ejeção VE <

    40%

    Insuficiência

    cardíaca

    congestiva

    Rim Normal Histórico de

    SRC com

    creatinina

    sérica

    5mg/dl

    P.P = perda de peso, HT = hematócrito, Hb = hemoglobina, FR= fenômeno de Raynaud, SRM=

    score de Rodnan modificado, DPDP= distancia ponta digital palma, CO= dióxido de carbono,

    CVF= capacidade vital forçada, mmHg = milímetros de mercúrio, CVF= capacidade vital

    forçada, VD= ventrículo direito, VE= ventrículo esquerdo.

    3.11. Avaliação olfatória – “Sniffing Sicks Test” – SST

    Os pacientes e controles realizaram a avaliação olfatória, no mesmo dia do

    exame de ressonância magnética (RM), com o kit Sniffing Sticks (SST)

    (BurghartMedizintechnik, Wedel, Alemanha) (210-212). O teste consiste em um

    conjunto de odorantes concentrados numa estrutura semelhante a uma caneta. Estas

    são apresentadas aos indivíduos para a realização do teste. O SST consiste em três

    etapas e quatro pontuações, que avaliam o limiar olfatório (TH), identificação (ID),

    discriminação de odores (DIS) e o TDI é a soma de todos (212). Durante a aplicação

    deste teste os indivíduos foram vendados nas etapas de TH e DIS para evitar a

    identificação visual da resposta correta, pois as canetas continham marcações. A

    estrutura semelhante a uma caneta utilizada neste teste, é aberta e posicionada a 2

    cm da narina de cada indivíduo por 3 segundos. A etapa denominada de limiar olfatório

    é composta por quarenta e oito canetas organizadas em dezesseis trios. Em cada trio

  • 46

    somente uma caneta estaria impregnada com uma solução de n-butanol. A

    concentração de n- butanol foi crescente a cada trio, e o participante deveria descrever

    a caneta que continha a solução. A apresentação dos trios foi em ordem crescente de

    concentração do n-butanol. Após o correto reconhecimento da caneta com odor de n-

    butanol no tripleto apresentado, as canetas foram embaralhadas novamente e

    apresentadas ao participante em ordem aleatória. Cada caneta pertencente foi

    apresentada por 3 segundos e entre as apresentações dos trios ocorreu um intervalo

    de 30 segundos, a cada resposta correta o indivíduo recebia um ponto. A pontuação

    que o sujeito poderia obter variava de zero e 16. A etapa seguinte denominada de

    discriminação de odores (DIS) era composta por quarenta e oito canetas organizadas

    em dezesseis trios. Em cada trio, duas canetas continham o mesmo odor e somente

    uma apresentava um odor diferente. O participante deveria ser capaz de identificar a

    caneta com o odor diferente, e desta forma marcaria um ponto. Cada caneta

    pertencente ao trio foi apresentada por 3 segundos e para o próximo trio teve um

    intervalo de 30 segundos. A pontuação que o sujeito poderia obter ficaria entre zero e

    16. A etapa de identificação de odores (ID) era composta por dezesseis canetas com

    odores diferentes. Cada caneta foi apresentada ao participante por 3 segundos e

    posteriormente foi oferecido quarto opções de resposta. A próxima caneta foi

    apresentada após 30 segundos para evitar a sobreposição de fragrâncias O sujeito

    deveria escolher a resposta correta, e desta forma receberia um ponto. Deste modo,

    a pontuação máxima que o sujeito poderia em cada teste seria 16, totalizando 48

    pontos (210). A caracterização da alteração olfatória foi realizada de acordo com os

    dados normalizadas por sexo e idade. A hiposmia (diminuição da capacidade olfatória)

    foi definida como valores abaixo do 10º percentil obtido no grupo de indivíduos da

    faixa etária de 16 a 35 anos, sendo eles: para o sexo feminino os estágios TH = 6,5,

    DIS= 10, ID = 11 e o TDI =30,5; e para o sexo masculino os estágios TH = 6, DIS= 10,

    ID = 11 e o TDI =29,5. A anosmia (perda da capacidade olfatória) funcional foi definida

    como TDI < 16 (213).

  • 47

    3.12. Teste para avaliar sintomas de ansiedade – inventário de ansiedade de

    Back (BAI)

    Os pacientes e controles responderam ao inventário de ansiedade de Beck

    (BAI) que foi aplicado na ocasião do exame de RM. Este inventário é frequentemente

    utilizado na prática clínica e em pesquisas para quantificar sintomas de ansiedade.

    Essa escala foi desenvolvida para avaliar a gravidade dos sintomas de ansiedade. O

    teste é composto por 21 itens que descrevem sintomas comuns em quadros de

    ansiedade. As perguntas são referentes a semana transcorrida, por cada sintoma

    variando de 0 (ausência do sintoma) a 3 (desconforto intenso). Os itens somados

    resultam em um escore total que pode variar de 0 a 63, classificando os sintomas

    ansiosos em ausentes (0 a 7 pontos), leves (8 a 15), moderados (16 a 25) e graves

    (26 a 63) (214).

    3.13. Teste para avaliar sintomas de depressão – inventário de depressão de

    Back (BDI)

    Os pacientes e controles responderam ao inventário de depressão de Beck

    (BDI) que foi aplicado na ocasião do exame de RM. Este questionário é composto por

    21 itens que incluem grupos de afirmações. Cada grupo de afirmação avalia aspectos

    relacionados à atitudes, sintomas e sinais encontrados em quadros depressivos, como

    tristeza, pessimismo, sensação de fracasso, falta de satisfação, sensação de culpa,

    sensação de punição, auto depreciação, autoacusações, ideias suicidas, crises de

    choro, irritabilidade, retração social, indecisão, distorção da imagem corporal, inibição

    para o trabalho, distúrbio de sono, fadiga, perda de apetite, perda de peso,

    preocupação somática e diminuição de libido.

    Os itens somados resultam em escore total que pode variar de 0 a 63,

    classificando os sintomas ansiosos em ausentes (0 a 13 pontos), leves (14 a 19),

    moderados (20 a 28) e graves (29 a 63) (215, 216).

    3.14. Teste para avaliar aspectos cognitivos – Avaliação cognitiva de Montreal

    – MOCA

    Os pacientes e controles foram submetidos à avaliação cognitiva Montreal

    (MOCA) na ocasião d. O teste de MOCA é um instrumento de breve de rastreio para

    deficiência cognitiva que acessa diferentes domínios cognitivos e que possui uma

  • 48

    metodologia de aplicação bem determinada e rígida. O teste inclui alguns domínios

    como: Atenção e concentração, funções executivas, memória, linguagem, habilidades

    viso-construtivas, conceituação, cálculo e orientação temporal e espacial são

    avaliadas.

    O tempo de aplicação do MOCA é de aproximadamente de 10 minutos. O escore total

    é de 30 pontos; sendo que escores maiores ou iguais a 26 foram considerados

    normais. Em pacientes com tempo de escolaridade menor que 12 anos, foi acrescido

    01 ponto ao valor obtido no teste (217).

    3.15. Ressonância magnética

    Todos os pacientes e controles incluídos no estudo foram submetidos à dois

    exames de RM com um intervalo mínimo de 1 ano. As imagens de RM foram obtidas

    utilizando-se um aparelho da Phillips Achieva de 3 Tesla (Netherlands), com

    aquisições em plano coronal, sagital e axial, além de aquisições em 3 D

    (volumétricas), que permitiram a reconstrução das imagens em qualquer plano ou

    inclinação.

    O parâmetro de imagens utilizado para quantificar o volume das diferentes

    estruturas cerebrais inclui: Aquisições em 3D obtidas no plano sagital “gradient echo”

    T1 ponderadas com espessura de 1mm, ângulo de excitação de 35º TR=22, TE=9,

    matriz de 256x220, FOV=230x250 cm, pixel 1x1

    3.16. Volume de estruturas cerebrais – Freesurfer

    Para mensurar o volume das estruturas cerebrais utilizamos um sistema

    automatizado denominado Freesurfer software package. O FreeSurfer é um

    compilado de ferramentas computacionais que contribuem para a análise de

    neuroimagem obtidas por exames de RM. Este sistema utiliza algoritmos para

    quantificar as propriedades funcionais, estruturais e as conexões neuronais do

    cérebro humano. Estas análises são obtidas por imagens ponderadas em T1.

    O software é gratuito e pode ser acessado pelo link

    http://surfer.nmr.mgh.harvard.edu/fswiki e executado em várias plataformas. Assim, o

    Freesurfer tem se tornado uma ferramenta de fácil utilização, promissora e capaz

    realizar análises complexas e automatizadas do cérebro humano, incluindo a

    segmentação volumétrica de estruturas macroscópicas (218).

    http://surfer.nmr.mgh.harvard.edu/fswiki

  • 49

    3.17. Analise estatística

    As características demográficas e clínicas foram apresentadas em médias e

    desvios-padrão (DP) para as variáveis contínuas ou por frequências e percentuais

    para variáveis categóricas. Realizamos o teste de normalidade Shapiro-Wilk-teste. As

    comparações entre as variáveis foram realizadas com o teste t de Student para dados

    paramétricos ou o teste de Mann-Whitney para variáveis contínuas não paramétricas.

    A regressão linear multivariada foi utilizada para determinar o fator preditivo da

    alteração olfatória. A análise foi construída com as pontuações dos estágios olfatórios

    da segunda análise com as variáveis da primeira análise. O Teste t para Amostras

    Pareadas foi utilizado para determinar diferenças entre os pacientes do tempo 1 e 2.

    Os valores de P ≤ 0,05 foram considerados significativos. Todas as análises foram

    realizadas com software estatístico SPSS, versão 22.0.

  • 50

    4. Resultados

    1. Dados demográficos

    Foram incluídos 35 [32 do sexo feminino (91,43%); média de idade de 50,71 anos (DP

    ± 12,71; intervalo de 28,14 a 69,5)] pacientes consecutivos com SSc, e 40 [32 (80%)

    do sexo feminino (p=0,163); média de idade de 47,17 (DP ± 9,90; intervalo 23 - 83); p

    = 0,523)].

    A duração média da doença foi de 11,94 anos (DP ± 5,11; intervalo de 2 a 22). A

    distribuição do sexo de pacientes e controles nos grupos etários e os subtipos da SSc

    foram apresentados na Tabela 4.

    Tabela 4. Dados demográficos de pacientes e controles.

    Pacientes N (%) Controles N (%) P

    Sexo

    Feminino

    Masculino

    32 (91,4)

    3 (8,6)

    32 (80)

    8 (20)

    0,163

    Feminino

    16-35 anos

    36-55 anos

    >55 anos

    Masculino

    16-35 anos

    36-55 anos

    4 (11,4)

    13 (37,1)

    15 (51,5)

    1 (2,85)

    2 (5,7)

    6 (15)

    18 (45)

    8 (20)

    2 (5)

    6 (15)

    Subtipos da SSc

    SScl

    SScd

    23 (65,7)

    12 (34,3)

  • 51

    2. Avaliação da SSc no início do estudo

    No início do estudo foram observados que 6 (17,1%) pacientes estavam com a doença

    ativa e o escore médio de Valentini foi de 1,45 (DP ± 1,43 pontos, variando de 0 - 4,5).

    No início do estudo os pacientes estavam em uso das seguintes medicações: 11

    (31,42%) predinisona, 8 (22,85%) nifedipina, 2 (5,71%) anlodipina, 7 (20%) losartana,

    1 (2,85%) diltiazen, 6 (17,14%) bromoprida, 1 (2,85%) captopril, 2 (5,71%) rituximabe,

    2 (5,71%) hidroxicloroquina, 2 (5,71%) alendronato sódico, 6 (17,14%) azatioprina, 9

    (25,71%) ciclofosfamida (CFO), 4 (11,4%) bosentan, 15 (42,8%) metotrexato, 2

    (5,71%) sildenafil. As manifestações clínicas e a gravidade da doença foram

    detalhadas na Tabela 5.

    Tabela 5. Manifestações clínicas e gravidade da doença observadas em pacientes

    no início do estudo.

    Manifestações clínicas Cumulativa

    N (%)

    Gravidade Geral:

    Leve

    Moderado

    Grave

    Terminal

    12 (34,3%)

    1 (2,9%)

    0

    0

    Gravidade Vascular:

    Leve

    Moderado

    Grave

    Terminal

    26 (74,3%)

    0

    5 (14,3%)

    0

    Gravidade pele:

    Leve

    Moderado

    Grave

    Terminal

    19 (54,3%)

    2 (5,7%)

    7 (20%)

    1 (2,9%)

    Gravidade TGI:

    Leve

    Moderado

    22 (62,8%)

    0

  • 52

    Grave

    Terminal

    0

    1 (2,9%)

    Gravidade Pulmonar:

    Leve

    Moderado

    Grave

    Terminal

    10 (28,6%)

    8 (22,9%)

    1 (2,9%)

    1 (2,9%)

    Miopatia 8 (22,9%)

    Cefaleia 7 (20%)

    Polineuropatia 3 (8,6%)

    Convulsão 1 (2,9%)

    Fenômeno de Raynaud 32 (91,4%)

    Esôfago 28 (80%)

    Pulmão 21 (60%)

    Hipertensão pulmonar 15 (42,8%)

    Ulcera digital 10 (28,6%)

    Acrosteólise 2 (5,7%)

    Garra 2 (5,7%)

    Intestino 1 (2,9%)

    Calcinose 4 (11,4%)

    Telangiectasia 9 (25,7%)

    Fan 27 (77,1%)

    Scl-70 7 (20%)

    Anticorpo anti-centrômero 8 (22,9%)

  • 53

    3. Prevalência de alterações cognitivas, sintomas de ansiedade e depressão no

    início do estudo.

    As alterações cognitivas foram observadas em 25 (71,4%) pacientes e 3 (7,5%)

    controles (p 7 N (%)

    14,22±12,2

    23 (65,7)

    7,3± 10,5

    12 (30)

    0,010

    0,001

    11,9±9,67

    19 (54,3)

    6.8±10.6

    10 (25)

    0,029

    0,009

    0,163

    0,211

    0,325

    0,799

    Sintomas

    Depressão

    Escore média

    (DP)

    BDI> 11 N (%)

    13,2±8,9

    13 (37,14)

    6,5±7,21

    7 (17,5)

  • 54

    estágio DIS, no sexo feminino. A anosmia funcional foi observada somente em 2

    (5,7%) pacientes do sexo feminino e nenhum controle. Os escores dos controles foram

    semelhantes aos dados normativos. Não observamos diferenças no TH, DIS, ID e TDI

    entre pacientes e controles do sexo masculino. As comparações entre o grupo controle

    e os dados normativos, e as comparações entre os pacientes e controles foram

    detalhadas na Tabela 7.

    Tabela 7. Perfil olfatório nos grupos etários separados por sexo. Comparação entre

    paciente e controle e comparação entre controle e dados normativos.

    1º Análise

    Sexo Feminino (média ± DP) Sexo Masculino (média ± DP) Total

    Grupos

    Etários

    Dado

    Normativ

    o

    Controles

    p# Pacientes

    p* Dado

    Normativo

    Controles

    p# Pacientes

    p* Pacient

    e

    Control

    e

    p

    16-35

    Anosmia

    Hiposmi

    a

    Idade

    TH

    DIS

    ID

    TDI

    36-55

    Anosmia

    Hiposmi

    a

    Idade

    TH

    DIS

    ID

    TDI

    >55

    Anosmia

    Hiposmi

    a

    idade

    TH

    DIS

    ID

    TDI

    9,39

    ±2,56

    12,91

    ±1,92

    13,68

    ±1,62

    36,06

    ±4,17

    9,08

    ±3.09

    12,46

    ±1,96

    13,49

    ±1,56

    35,16

    ±4,52

    7,44

    ±3,51

    10,66

    ±2,50

    12,06

    ±2,31

    29,83

    ±6,77

    N=6

    N=0

    N=2

    28,16±4,5

    9,47±4,34

    12,33±1,2

    1

    12,16±2,2

    2

    33,47±4,5

    4

    N=18

    N=0

    N=5

    46,83±4,9

    7

    9,28±3,29

    11,72±1,4

    4

    12,77±2,3

    4

    33,95±5,1

    9

    N=8

    N=0

    N=3

    64,5±8,36

    10,59±3,3

    6

    10,87±3,3

    1

    11,12±1,4

    5

    33,33±6,7

    9

    ns

    ns

    ns

    ns

    ns