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MARIANA VIGIL BRAGANÇA UMA VISÃO PSICOLÓGICA DOS RELATOS DE ABDUÇÕES E AVISTAMENTOS Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Psicologia pela Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Educação Biguaçu. Orientador: Paulo Nascimento Banca examinadora: Maria Suzete Salib ([email protected]) Paulo Cesar Nascimento ([email protected]) Vera Baumgarten de Ulysséa Baião - ([email protected]) BIGUAÇU 2006

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MARIANA VIGIL BRAGANÇA

UMA VISÃO PSICOLÓGICA DOS RELATOS DE ABDUÇÕES E AVISTAMENTOS

Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Psicologia pela Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Educação Biguaçu. Orientador: Paulo Nascimento Banca examinadora: Maria Suzete Salib

([email protected]) Paulo Cesar Nascimento ([email protected])

Vera Baumgarten de Ulysséa Baião - ([email protected])

BIGUAÇU 2006

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UMA VISÃO PSICOLÓGICA DOS RELATOS DE ABDUÇÕES E AVISTAMENTOS

RESUMO Atualmente é comum nos deparamos com programas de televisão e filmes que abordem o tema da vida inteligente fora do planeta Terra. O boato mundial sobre objetos voadores não identificados e raptos por alienígenas coloca um problema que desafia também a Psicologia. Afinal, eles são reais ou produto da imaginação? Se forem reais, então o que são? No caso de serem fantasia, quais os motivos da existência de um boato como este? São muitas perguntas que ainda permanecem sem resposta. O fato é que, culturalmente, o fenômeno existe e isto já deveria ser um forte motivo para pesquisas sob um ponto de vista científico/psicológico. Utilizando-se da pesquisa bibliográfica de caráter exploratório, este trabalho tem como objetivos investigar na literatura algumas explicações psicológicas para os relatos de abduções e avistamentos e realizar um breve histórico da ufologia e sua relação com a Psicologia. Nesta pesquisa foram investigadas hipóteses como: memórias implantadas, paralisia do sono, projeção e psicopatologias. Concluiu-se que além destas possibilidades, a hipótese de ser um relato falso para chamar atenção da mídia não pode ser deixada de lado, por outro lado, não é possível descartar que os relatos se tratem de experiências verdadeiras, pois não há como provar a inexistência da vida extraterrestre e, tampouco, de contatos com seres de outros planetas. Palavras-chave: extraterrestres, memória, paralisia do sono, projeção.

ABSTRACT Currently it is common we come across with television programs and films that approach the subject of the intelligent life outside of our planet. The world-wide rumor on unidentified flying objects and aliens abductions places a problem that also defies Psychology. After all, are they real or product of the imagination? If they are real, then what are they? If it’s a fantasy, what are the reasons for the existence of a rumor like this? There are many questions that still remain without reply. The fact is that, culturally, the phenomenon exists and this already would have to be a strong reason for research under the psychological and scientific point of view. Using the bibliographical research of exploratory character, this work has an objective to investigate in literature some psychological explanations for the stories of abductions and to carry through a historical briefing of the ufology and its relation with psychology. In this research some hypothesis have been investigated as: false memories, sleep paralysis, projection and pathology. It was concluded that beyond these possibilities, the hypothesis of being a false story to call attention to the media can not be left on side, but, on the other hand, it is not possible to discard the possibility that the stories are true experiences, because there is

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no way to prove either the inexistence of the extraterrestrial life, nor contact with beings from other planets. Key-words: extraterrestrials, memory, sleep paralysis, projection.

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PARECER DO PROFESSOR ORIENTADOR

Eu, Paulo Cesar Nascimento, RG nº. 1.579.549 SSP-SC, CPF nº. 863.813.009-

06, indico o trabalho “Uma visão Psicológica dos relatos de abduções e

avistamentos” da acadêmica Mariana Vigil Bragança para concorrer ao prêmio Sílvia

Lane devido à originalidade do tema, ao compromisso ético, rigor teórico e

metodológico na execução de sua pesquisa.

Atenciosamente,

Paulo Cesar Nascimento

CRP-12/01561

e-mail: [email protected]

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO..............................................................................................................6 2 METODOLOGIA............................................................................................................8 2.1 PESQUISA BIBLIOGRÁFICA.....................................................................................8 3 BREVE HISTÓRICO DA UFOLOGIA.........................................................................10 4 A UFOLOGIA E A PSICOLOGIA................................................................................25 5 HIPÓTESES PSICOLÓGICAS PARA OS RELATOS DE ABDUÇÕES E AVISTAMENTOS...........................................................................................................27 5.1 Memórias implantadas ou falsas memórias.............................................................27 5.2 Paralisia do sono......................................................................................................32 5.3 Projeção....................................................................................................................33 5.4 Psicopatologias.........................................................................................................37 5.5 Outras explicações...................................................................................................38 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................39 REFERÊNCIAS..............................................................................................................42 OBRAS RECOMENDADAS...........................................................................................44 ANEXOS.........................................................................................................................45

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1 INTRODUÇÃO

Atualmente é comum nos depararmos com a descrição de fenômenos

relacionados a objetos voadores não identificados (OVNIs) nas páginas dos jornais,

sites da internet, revistas, filmes e livros. Inclusive testemunhas oculares se

apresentam na mídia. De acordo com Clancy (2005), pesquisas recentes realizadas

nos Estados Unidos da América mostram que 94% dos entrevistados acreditam na

existência de vidas inteligentes fora do planeta Terra. A autora ainda coloca que numa

pesquisa mais recente feita pela CNN, 65% dos entrevistados acreditam que objetos

voadores não identificados têm visitado a Terra atualmente. Muitas pessoas relatam ter

sido seqüestradas por seres de outros planetas, os quais as submeteram a estranhos

processos que deixaram, em alguns casos, cicatrizes pelo corpo, além de traumas

psicológicos. Os relatos no mundo todo intrigam a população, inspiram autores de

ficção científica e tornam visível o grande interesse da população por este assunto que

envolve crenças, religiões e misticismo. No entanto, no campo da psicologia as

pesquisas ainda são raras.

O boato mundial sobre OVNIs e raptos por alienígenas (abduções) coloca um

problema que desafia também a psicologia. Afinal, eles são reais ou produto da

imaginação? Se forem reais, então o que são? No caso de serem de fantasia, quais os

motivos da existência de um boato desses? São muitas perguntas que ainda

permanecem sem resposta. O fato é que, culturalmente, o fenômeno existe. Na mídia,

o fenômeno alienígena (alien) aparece tanto em filmes de ficção científica como em

seriados de grandiosa audiência no Brasil e no mundo e também em documentários

que procuram ser levados a sério.

Realmente, como fenômeno cultural eles estão entre nós e isto já deveria ser

um forte motivo para pesquisas sob um ponto de vista científico/psicológico. No ano de

1958, o psicólogo Carl Gustav Jung, publicou a obra: “Um mito moderno sobre coisas

vistas no céu”, considerada, por críticos, uma das mais vigorosas expressões da

ciência contemporânea.

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No entanto, devido à falta de material científico acerca do assunto,

principalmente no Brasil, a vida extraterrestre está entre os temas mais difíceis de

abordar academicamente. Isto se explica porque, apesar de despertar muita curiosidade

e ser tão polêmico, existem controvérsias acerca dos estudos dos OVNIs. De um lado

estão os ufólogos que defendem com unhas e dentes a teoria da existência dos aliens,

de outro, estão os cientistas que consideram a ufologia como uma pseudociência e até

ridicularizam os relatos. É de fundamental importância que um fenômeno que afeta

todos os cantos da terra seja levado a sério e seja estudado a partir de uma perspectiva

desprovida de pré-concepções, pois só assim será possível chegar a uma conclusão,

ou ao menos levantar hipóteses aceitáveis pela ciência. Neste sentido, o presente

trabalho pesquisará o fenômeno alien sob um ponto de vista neutro, nem

ridicularizando, nem tampouco o defendendo, mas buscando explicações plausíveis à

Psicologia – o que vem a contribuir para a sua relevância científica.

Esta monografia contribui em chamar atenção para um fenômeno que é

inegavelmente presente na nossa sociedade atual, assim como em diversas outras, e

que merece a atenção de pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, dentre

elas a Psicologia.

Jung (1988, p. XI) afirma que como psicólogo, não dispõe de recursos que

contribuam para a solução do problema sobre a realidade física dos OVNIs. Concorda-

se plenamente com esta afirmação e por isso, o que será feito, é estudar somente o

aspecto psíquico da questão, que sem dúvida existe.

Então, como problema de pesquisa esta monografia apresenta o seguinte:

Considerando-se que a questão da vida extraterrestre é um fato marcante na

atualidade, quais seriam as explicações psicológicas para os relatos abduções e

avistamentos1?

Como objetivo geral, coloca-se investigar na literatura algumas explicações

psicológicas para os relatos de abduções e avistamentos. Como objetivos específicos

destacam-se: realizar um breve histórico da ufologia e sua relação com a psicologia e

1 Avistamento (s) é uma palavra utilizada pela ufologia para designar especificamente as visões de OVNIs.

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fazer um levantamento dos aspectos psicológicos envolvidos nos fenômenos da

abdução e avistamentos.

METODOLOGIA

O método utilizado neste trabalho de conclusão de curso foi a pesquisa

bibliográfica, que de acordo com Lakatos e Marconi (1999, p. 73):

A pesquisa bibliográfica, ou de fontes secundárias, abrange toda bibliografia já tornada pública em relação ao tema de estudo, desde publicações avulsas, boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas, monografias, teses, material cartográfico etc., até meios de comunicação orais: rádio, gravações em fitas magnéticas e audiovisuais: filmes e televisão. Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com o tudo o que foi escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto, inclusive conferências seguidas de debates que tenham sido transcritos por alguma forma, quer publicadas, quer gravadas.

Segundo Lakatos e Marconi (1999, p. 65), a principal vantagem da pesquisa

bibliográfica é que a mesma permite ao investigador a cobertura de uma gama de

fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente.

Vantagem que se torna importante quando o problema de pesquisa abrange dados

muito dispersos pelo espaço. A pesquisa bibliográfica é indispensável nos estudos

históricos, pois em diversas situações não existe outra maneira de conhecer os fatos

ocorridos senão com base em dados secundários, como no caso de alguns tópicos

desta pesquisa.

Para Manzo (1971 apud Gil, 1999, p.32), a bibliografia pertinente:

Oferece meios para definir, resolver, não somente problemas já conhecidos, como também explorar novas áreas onde os problemas já conhecidos não se cristalizaram suficientemente, e tem por objetivo permitir ao cientista o reforço paralelo da análise de suas pesquisas ou manipulações de suas informações.

Deste modo, a pesquisa bibliográfica não é apenas repetição do que já foi

escrito sobre um assunto, mas proporciona o exame de determinado tema sob novo

enfoque ou abordagem, chegando a conclusões inovadoras.

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Os materiais utilizados para a pesquisa foram livros e artigos nos idiomas

português e inglês, publicados nos últimos cinco anos, como o livro “Abducted: how

people come to believe they were kinapped by aliens” da psicóloga norte-americana

Susan Clancy, que é Ph.D. pela Harvard University. A obra “Eyewitness Testimony”

também serviu como base para a pesquisa. Esta é da autoria de Elizabeth Loftus,

psicóloga norte-americana, Ph.D. pela Stanford University, professora na Universidade

da Califórnia que, nos últimos 20 anos tem se dedicado ao estudo da memória humana.

Além destas, outra obra tida como base para a pesquisa foi “Um mito moderno sobre

coisas vistas no céu”, de autoria de Carl Gustav Jung, publicado em 1958.

Devido ao fato de se encontrarem poucas obras científicas publicadas

especificamente sobre o assunto que aborda, esta pesquisa bibliográfica caracteriza-se

como de caráter exploratório. O estudo exploratório, conforme Cervo e Bervian (1983, p.

56), “é normalmente o passo inicial no processo de pesquisa pela experiência e auxílio

que traz a formulação de hipóteses significativas para posteriores pesquisas”.

De acordo com os autores Cervo e Bervian (1983), os estudos exploratórios

não elaboram hipóteses a serem testadas na pesquisa, restringindo-se a definir

objetivos e procurar maiores informações sobre determinado assunto, como no caso

desta monografia.

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3. BREVE HISTÓRICO DOS OVNIS E DA UFOLOGIA.

A Ufologia, embora não seja considerada como uma ciência e, sim como uma

pseudociência, encarrega-se do estudo dos fenômenos aéreos e não aéreos

relacionados com inteligências extraterrestres. Para compreender a origem da ufologia

e dos fatos atuais, tais como os relatos de raptos por extraterrestres e os avistamentos

de OVNIs, é importante elaborar um breve histórico desta.

De acordo com autores como Erich Von Däniken1 (1969) e Raymond Drake2

(1975), os contatos com seres de outros planetas acontecem desde os mais remotos

tempos da humanidade. Relatos de avistamentos são encontrados na Bíblia, nos

antigos contos sumérios, egípcios e no folclore de vários países. Däniken pesquisou

sobre evidências e vida extraterrestre em várias partes do mundo. Na obra "Eram os

Deuses Astronautas?", ele defende a existência de seres inteligentes em outros

planetas e afirma também que eles trouxeram conhecimentos para a Terra. Através da

pesquisa de achados arqueológicos, pinturas rupestres, monumentos antigos, mapas e

marcas no solo, Däniken buscava evidenciar a existência da vida extraterrestre.

De acordo com Jung, (1988, p. 84), “apesar de a publicidade sobre os OVNIs

só ter começado por volta do final da segunda Guerra Mundial, o fenômeno já era

conhecido antes e não foi somente observado na primeira metade do século XX, mas,

talvez, já na antiguidade foi observado e registrado.” Como ilustração desta afirmação,

Jung coloca o Folheto de Basiléia, um folheto redigido por Samuel Coccius, estudioso

da Bíblia e das artes livres, em agosto de 1556. Conforme Jung, esta escritura:

“Relata que no dia sete de agosto desse ano, no horário da aurora, muitas bolas grandes e pretas foram vistas no ar; com grande velocidade rumaram em direção ao sol. Voltaram-se, também, umas contra as outras, como se disputassem uma luta; várias delas ficaram vermelhas e incandescentes, depois foram devoradas (pelas chamas) e se apagaram. JUNG, (1988, p. 84).

1 Däniken é um escritor suíço, conhecido por seus trabalhos sobre a influência extraterrestre na cultura humana desde os tempos pré-históricos. É autor de uma série de livros, dentre eles desataca-se “Eram os deuses astronautas?”. 2 Drake é um escritor inglês, autor do livro “Deuses e Astronautas no Antigo Oriente”.

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A figura a seguir é a ilustração do folheto de Basiléia, retirada do livro Um mito

moderno sobre coisas vistas no céu (JUNG, 1988).

Outro exemplo citado por Jung é um folheto proveniente de Nuremberg, no ano

de 1561, o qual descreve uma visão muito apavorante, no horário da aurora, no dia 15

de abril do referido ano. A visão tratava-se de bolas de cor vermelha como o sangue,

azulada e preta, de tubos e de discos, em grande número, perto do sol, enfileirados.

Essas bolas e discos começaram a brigar entre si cerca de uma hora, depois todos

sumiram do céu, como que se fossem ofuscados pelo céu. A figura abaixo, também

proveniente do livro de Jung, ilustra o fato relatado.

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David Grinspoon1 (2005),corrobora a noção da antiguidade dos relatos de

contatos com seres do espaço sideral colocando que existem pesquisadores que após

intensos estudos, identificaram passagens da Bíblia como sendo avistamentos de

discos voadores e até contatos feitos pelos personagens bíblicos com seres

extraterrestres.

Por exemplo, em Apocalipse: 10. 1, João descreve um anjo que tinha o rosto

como sol e os pés como colunas de fogo. Em Ezequiel: 1. 4-28, os supostos OVNIs são

descritos como “uma coisa que brilhava como bronze”, com luzes que tinham todas as

cores do arco-íris. Em outros livros da Bíblia, as visões também são descritas como

tronos de fogo, braseiros consumidores ou rios que jorram em montes de fogo.

Porém, a história da busca pela vida fora do planeta Terra ainda é mais antiga.

Grinspoon (2005) coloca que Epicuro (341-270 a.C.) já afirmava que era preciso

conceber o nosso planeta natal como uma parte limitada de um universo maior

contendo lugares semelhantes, com criaturas vivas, plantas e outras coisas que

existem na Terra. No entanto, nem todos os gregos concordavam com isto. Platão e

Aristóteles se opuseram aos epicuristas, argumentando contra a existência de vários

mundos. Existiam então duas correntes, a epicurista e a aristotélica, que levavam a

conclusões opostas sobre a existência de outros mundos e da vida extraterrestre.

Grinspoon (2005, p. 32) afirma que “Não poderíamos nos preocupar com a vida

em outros planetas antes que tivéssemos percebido que vivemos num planeta...” Esta

percepção foi possível a partir da Revolução Copérnica, quando Nicolau Copérnico2

(1473-1543) causou, através de seus estudos, uma metamorfose radical na visão de

mundo geocêntrica (centrada na Terra) para a heliocêntrica (centrada no sol).

Conforme o autor, Copérnico propôs que a Terra orbitava o sol, juntamente com mais

cinco planetas visíveis. Para Grinspoon, esta foi a mais difícil surpresa numa série de

súbitas conscientizações do nosso tamanho: somos apenas um ponto no meio do

infinito.

1 David Grinspoon é cientista do Departamento de Estudos Espaciais do Southwest Research Institute, em Boulder, Colorado EUA, e consultor da NASA sobre estratégias de pesquisa espacial. Escritor de divulgação científica tem textos publicados em revistas como Nature e Scientific American. 2 Nicolau Copérnico foi um visionário astrônomo polonês que defendia uma cosmologia centrada no sol (GRINSPOON,2005).

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De acordo com Grinspoon (2005), no ano de 1610, Galileu Galilei confirmou,

através de observações com seu telescópio, a realidade do universo abstrato

copernicano. Galilei concluiu que os outros planetas são mundos e que “o mundo” (a

Terra) é meramente um dos muitos planetas que giram em torno do sol. Em seu

Diálogo sobre os dois principais sistemas do mundo (1632), Galileu polarizou suas

descobertas. No entanto, a partir daí sua vida tornou-se um inferno: suas afirmações

colidiram com a autoridade bíblica e ele foi levado diante da inquisição, forçado a negar

suas crenças copernicanas e a viver em prisão domiciliar.

Grinspoon (2005) coloca que novas teorias foram propostas por Johannes

Kepler (1572-1630) que, como o autor afirma, “... foi um filósofo e maluco do fim do

século XVI que andou na linha tênue entre a genialidade e o delírio” (p. 34), foi o “pai

da física planetária” (p.35). Ele elaborou leis matemáticas de movimento planetário,

supôs a existência de seis planetas e acreditava na existência de uma civilização

avançada na lua. A crença em uma civilização na lua era baseada em observações -

ele supunha que as partes escuras eram terra seca, e as brilhantes, água. Além disso,

como afirma Grinspoon, Kepler atribuiu as machas lunares (crateras) à civilização

avançada que lá morava e que teria realizado tais construções.

Quase 400 anos depois, Arthur C. Clarke escreveu 2001:uma odisséia no

espaço, no qual astronautas desenterram na lua um monólito, e chegam à mesma

conclusão de Kepler: isso não parece natural, então, alguém deve tê-lo construído e

colocado aí.

De acordo com Grinspoon, o primeiro livro de ciência popular dedicado ao tema

da vida extraterrestre foi Diálogos sobre a pluralidade de mundos, escrito em 1686 pelo

poeta e filósofo francês Bernard le Bovier de Fontenelle, que se tornou

instantaneamente um best-seller e sensação internacional. Numa obra de enorme

imaginação, Fontenelle prevê o vôo espacial, discute a habitabilidade de outros

planetas neste sistema solar, e descreve vividamente a terra vista do espaço, séculos

antes do projeto Apollo. Estas raízes de pluralismo semeadas por Fontenelle e seus

contemporâneos se sustentaram até o século seguinte. Grinspoon (2005) afirma que

entre os anos 1700 e 1750 foram publicadas no mínimo uma dúzia de livros a favor do

pluralismo. Até uma fórmula para o cálculo do tamanho das criaturas em outros

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planetas foi publicada em 1735 pelo matemático alemão Christian Wolff. Grinspoon

ainda coloca que esta ousada visão pluralista inspirou poetas e filósofos do iluminismo.

Immanuel Kant foi um deles, que em sua História universal da natureza e teoria dos

céus, escrita em 1755, fez contribuições importantes e duradouras à cosmologia:

Ponderando sobre a difusa banda brilhante que vemos á noite e chamamos de Via Láctea, ele deu um tremendo salto conceitual, deduzindo que essa visão era uma ilusão de ótica nascida de nossa posição dentro da Via Láctea. Kant percebeu que, se nosso Sol estiver embutido num disco achatado de sóis inumeráveis, então as terras distantes desse disco, distantes demais para estrelas individuais serem vistas, pareceriam para nós como a banda leitosa que vemos se estendendo através da noite. Kant tinha encontrado para nós a galáxia Via Láctea. GRINSPOON, 2005, p. 55.

Continuando com seus históricos sobre a busca pela vida fora do planeta

Terra, Grinspoon menciona William Herschel, um astrônomo alemão que realizou suas

pesquisas na Inglaterra, tornando-se um dos cientistas mais famosos da Idade da

Razão. Graças aos telescópios construídos por ele mesmo e pela sua irmã, Caroline,

Herschel deparou-se com o planeta Urano no ano de 1781.

Conforme Grinpoon (2005), o mais importante matemático do fim do século

XVIII foi Pierre Laplace, que contribuiu duradouramente em seus estudos sobre a

mecânica celeste – a teoria dos movimentos dos corpos celestes. Em 1796 Laplace

desenvolveu sua hipótese nebular, a qual explicava a origem do sistema solar a partir

de um disco de gás em contração, achatado e em rotação. Grinspoon afirma que na

atualidade, a física utilizada para descrever a formação do sistema solar é descendente

direta da de Laplace. Entretanto, assim como a maioria dos cientistas da sua época,

Laplace acreditava numa pluralidade de mundos habitados. Por volta do ano de 1800,

a comunidade científica internacional quase que unanimemente defendia as crenças

pluralistas. Ao findar do século XVII e no início do XVIII, a crença na vida fora deste

planeta evoluiu da marginalidade para a corrente dominante. Porém, em 1853, William

Whewell escreveu uma das primeiras polêmicas contra a vida em outros planetas, que

se baseava em evidências científicas. Whewell foi o primeiro a usar argumentos que

têm sido utilizados muitas vezes e que ressurgiram recentemente. Em seu livro que

gerou muita polêmica e indignação, William argumentava contra a vida em outros

planetas da seguinte maneira:

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1. Evidências empíricas indicam que outros planetas no nosso sistema solar

possuem condições diferentes da Terra e, portanto, devem ser inabitáveis por

qualquer tipo de vida.

2. Não havendo nenhuma evidência de planetas semelhantes à Terra em órbita de

outras estrelas, a Terra poderia ser inteiramente singular no universo.

3. Conforme revelações da geologia, a história de vida na Terra é um fenômeno

recente aqui. Durante maior parte da história cósmica não existiram formas

complexas de vida mesmo na Terra, o que enfraquece os argumentos por

analogia.

Conforme Grinspoon (2005), concluía Whewell, que a crença de que outros

planetas abrigam vida inteligente foi alimentada em geral, não por conseqüência de

razões físicas, mas apesar de razões físicas; pois era concebível que houvesse razões

de outra espécie, teológicas ou filosóficas para tal crença.

Já em meados do século XIX, o julgamento científico de Mitchell foi de que não

existe nada a partir do que raciocinar – os planetas podem ou não ser habitados.

Em 1859, de acordo com Grinspoon, a obra Sobre a origem das espécies, de

Charles Darwin, mudou permanentemente a visão da vida na Terra e o cosmos.

Darwin sugeriu a teoria da evolução, que alimentou mais uma vez o debate da vida

extraterrestre – o novo raciocínio era de que assim como ocorreu na Terra, a seleção

natural modelaria os seres de outros planetas para que estes aproveitassem as

condições locais em todo o cosmos.

Em 1877, Giovanni Schiaparelli tinha desenhado mapas de Marte com detalhes

sem precedentes, como mares aquosos, o que atiçou a imaginação de muita gente na

época, inclusive de Percival Lowell. Buscando uma maneira de confirmar sua visão

cósmica de vida e inteligência abundantes, Lowel construiu numa colina coberta de

floresta a 2.200 metros de altitude, nos arredores de Flagstaff, o observatório Lowel,

que até hoje em dia, é um dos mais importantes institutos norte-americanos de

pesquisa planetária. Em maio de 1894 Lowell iniciou suas observações. Pouco tempo

depois lançou descobertas incríveis sobre Marte, confirmando a presença de um

padrão geométrico de canais de irrigação cobrindo o globo inteiro. As zonas escuras,

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porém, não eram mares, como havia descrito Schiaparelli, mas sim desertos. Lowel

afirmou que os canais teriam sido construídos por uma avançada civilização marciana,

provavelmente muito superior aos seres humanos, tanto em intelecto quanto em

tecnologias. A teoria de Lowel foi publicada em muitos artigos de revistas científicas e

populares, em muitas palestras e eu seu livro MARTE, publicado em dezembro de

1895.

Grinspoon (2005) afirma que nesta época, a comunidade científica ficou

claramente dividida sobre a questão levantada por Lowell. A maior parte aceitava a

existência dos canais marcianos, mas havia um debate sobre a sua procedência, se

seriam artificiais ou naturais.

Em 1920 este debate refluiu. Com telescópios mais avançados e técnicas

fotográficas, o homem conseguiu provar que os canais marcianos não haviam sido

construídos, mas eram produto de uma atmosfera turbulenta. Lowel faleceu em 1916,

convicto da realidade da sua civilização marciana. Atualmente ele é lembrado como o

homem que levou o mundo a uma tentativa infrutífera, o que marcou um dos episódios

mais constrangedores da história da ciência. No entanto, Grinspoon ressalta o lado

positivo, como a construção do observatório. Também afirma que ele pode ter sido o

primeiro planetologista comparativo. Lowell teve grande influência sobre o debate

pluralista no século XX, sendo que a imagem de Marte como um lugar parecido com a

Terra, com clima moderado, água na superfície, canais e seres vivos, permaneceu na

psique humana permanentemente. Inclusive escritores de ficção científica se

inspiraram na teoria de Lowel, como foi o caso de H.G. Wells, que em 1897 escreveu

Guerra dos mundos, em resposta à descoberta de uma civilização marciana no ano de

1894. A obra tratava do planeta Marte ressecado e agonizante de Lowell, de onde os

superiores e malevolentes marcianos lançaram seu ataque sobre a Terra, em busca de

pastos mais verdes. Jung (1988) relata que em outubro de 1938, foi transmitida numa

rádio americana uma adaptação da obra de Wells. Ao ouvir o programa, muitas

pessoas acreditaram que fosse um fato verídico e entraram em pânico. Conforme

Grinspoon (2005,p. 376), ao ouvirem esta transmissão, “as pessoas fugiram de suas

casas, congestionaram as linhas telefônicas da polícia e fizeram o melhor possível para

se preparar para um ataque a gás por parte dos marcianos saqueadores”.

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Grinspoon completa, afirmando que desde então, é interminável o fluxo de

alienígenas ficcionais que nos invade tentando roubar nossa água, comida, mulheres,

homens, gado, e nossos preciosos fluídos corporais.

De acordo com Jung (1988), pode-se dizer que a história da ufologia moderna

começa na Segunda Guerra Mundial, mais especificamente em 1944, quando o

Estado-Maior da Força Aérea Alemã, perturbado com os relatórios de pilotos sobre

avistamentos de OVNI's, acionou a Operação “Uranus”. O veredicto era: novo

equipamento bélico inimigo, sofisticado e poderoso. Porém, a data que marca

oficialmente a "Era dos Discos Voadores" é o dia 24 de Junho de 1947, quando o piloto

civil Keneth Arnold, sobrevoando montanhas da costa oeste americana, viu objetos

que, segundo o mesmo, tinham formato de discos. Logo, a expressão "Discos

Voadores” foi adotada pela imprensa para definir um fenômeno múltiplo, que tem

recebido vários nomes, de acordo com a época e a cultura onde ocorre.

Dando continuidade ao histórico e ao fracasso de Lowell ao descrever a vida

marciana, Grinspoon afirma que o planeta Marte descrito pelo pesquisador

permaneceu na ficção muitas décadas depois de sua teoria ter sido banida. As crônicas

marcianas (1950), de Ray Bredbury, As areias de Marte; (1952), de Arthur Clarke; e

Um estranho numa terra estranha (1961), de Robert Heinlein.

Apesar disto, Grinspoon coloca que o caso Lowell deixou o pluralismo de

calças curtas e a crença na vida extraterrestre inteligente perdeu seu prestígio. No

entanto, surgiu uma crença mais geral na vida em Marte. A nova visão era apoiada por

todos os importantes astrônomos dos anos de 1920 e 1930 e se fundamentava da

crença de que embora Marte não tivesse vida inteligente, sua superfície era coberta por

vegetação que fazia com que as margens das amplas regiões escuras se deslocassem

com as estações. Porém, os avanços na tecnologia, gradativamente trouxeram a

realidade de Marte: um mundo frio e seco, com atmosfera rarefeita desprovida de

oxigênio. Os anos 1950 foram os últimos anos de inocência planetária, como afirma

Grinspoon (2005, p. 83) “os momentos finais de uma fase de 350 anos de bem-

aventurada ignorância entre os telescópios e a nave espacial – entre imaginar quais

eram os planetas e aprender que aparência tinham”. Desde 1960 o homem é capaz de

viajar à outros planetas, enviando extensões robóticas de seus olhos e nariz, para que

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este enviem de volta suas descobertas. Grinspoon afirma que os primeiros resultados

foram um balde de água fria em muitos sonhos de ambientes confortáveis e parecidos

com a Terra, com vida abundante. Analisados de perto, os oceanos de Vênus se

transformaram num sufocante incinerador sulfúrico e, os terrenos vegetais de Marte

eram miragens de poeira, soprada pelo vento num deserto congelado e estéril. Mas as

investigações em Marte prosseguiram. Conforme Grinspoon, Viking foi o programa

mais ambicioso e caro de exploração planetária da atualidade, composto por dois

orbitadores e duas sondas de sol. As naves Vikings pousaram em Marte no verão de

76. As esperanças de vida em Marte foram demolidas por cerca de duas décadas. A

figura abaixo1 mostra a vista panorâmica do local da sonda de solo Viking 1.

Vênus também foi alvo de muitas explorações, conforme Grinspoon, em 1979 a

nave espacial norte-americana Pioneer Vênus entrou em órbita, mas foi apenas uma

provocação, pois não era possível descrever ao certo os dados obtidos. Em 1979 e

1980, respectivamente, duas Voyagers voaram por Júpiter e Saturno. Em 1986 a

Voyager 2 chegou a Urano e em 1989 a Netuno. Em 1989 a Magellan foi colocada em

órbita e mapeou Vênus durante quatro anos.

Grinspoon (2005, p. 93) coloca que “depois dos estupendos sucessos das

sondas planetárias lançadas entre 1961 e 1978, a exploração planetária perdeu seu

ímpeto nos anos 80”. O autor afirma que, querendo ou não, é necessário considerar

que a Guerra Fria deu o primeiro grande impulso para as explorações planetárias,

ajudou e muito no avanço das pesquisas espaciais e contribuiu com o surgimento da

Ufologia.

Só na década de 90 que a exploração planetária foi ressuscitada e Marte voltou

ao foco central. Em 1992 foi lançada a Mars Observer que, conforme Grinspoon, 1 Figura retirada do Livro Planetas Solitários – GRISNPOON, 2005, p. 88.

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infelizmente não obteve sucesso. Logo, em 1997, a Mars Pathfinder, envolta em air

bags, pousou em território marciano e soltou o veículo Sojouner, o que Grinspoon

afirma ter sido um sucesso científico e de relações públicas, pois o veículo rastejava no

solo vermelho tirando fotos e farejando rochas. Depois desta, o autor descreve muitas

outras sondas enviadas ao espaço para realizar pesquisas planetárias, mas como não

é o foco deste trabalho, elas não serão especificadas.

De acordo com Grinspoon, no ano de 1995 foi anunciada a descoberta do

primeiro planeta extra-solar, batizado como 51 Peg. Desde então, uma resposta sólida

a uma das questões levantadas desde as eras mais remotas da nossa história

apareceu: nós não somos únicos no Cosmos, pelo menos do ponto de vista de sistema

planetário. Este primeiro planeta extra-solar tem as dimensões de Júpiter e orbita uma

estrela da Constelação de Pégasus. Desde então, diversos novos planetas extra-

solares foram descobertos. A maioria destes, apresenta uma composição gasosa e

dimensões próximas das de Júpiter, alguns estando localizados dentro da chamada

"zona habitável". Ou seja, planetas cujas distâncias até suas estrelas são iguais às

distâncias da Terra e de Marte até o Sol.

Com a descoberta dos novos sistemas planetários, surgiu então uma questão

natural: quando serão descobertos planetas extra-solares telúricos, ou seja, planetas

rochosos do tipo terrestre? Este será, sem dúvidas, o primeiro passo real para a

descoberta de atividade biológica fora do sistema solar e de Vida extraterrestre. Mas,

pouco ainda é conhecido sobre os outros planetas do sistema solar, alguns dos quais,

como Marte, Júpiter e Saturno, apresentando condições potenciais para o

desenvolvimento de algum tipo de atividade biológica.

Conforme Grinspoon (2005), hoje em dia coexistem duas linhagens distintas de

crentes na vida extraterrestre: os adeptos científicos racionalistas do projeto Busca por

Inteligência Extraterrestre (o SETI – que será explicado a seguir), e os crentes new age

místicos de OVNIs. Grinspoon considera Kepler como o elo perdido entre as duas

modernas fontes de crença em alienígenas:

“As raízes da ciência e da pseudociência estão inteiramente entrelaçadas no trabalho de Kepler. Assim como um cientista moderno, ele procurava padrões simples por trás de fenômenos aparentemente complexos. Assim como um moderno new ager, ele era obcecado pelas coincidências numerológicas e

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convencido de que tinham um significado cósmico” (GRINSPOON, 2005, p. 36.)

Na obra Planetas Solitários: a filosofia natural da vida alienígena, Grinspoon

(2005) dedica um capítulo ao SETI (iniciais do programa americano Search for Extra-

terrestrial Intelligence, em português – busca por vida extraterrestre inteligente). O

programa procura se comunicar através de sinais de rádio com seres de outros

planetas. A tentativa de comunicação com inteligências extraterrestres através de rádio

existe desde o ano de 1899. O pioneiro foi o físico norte-americano nascido croata,

pioneiro da eletricidade (e uma pessoa cultuada da new age), Nikola Tesla. Conforme

Grinspoon, Nicola afirmou ter recebido comunicações elétricas de extraterrestres,

provavelmente moradores de Marte ou de Vênus. Vinte anos depois, o italiano

Guglielmo Marconi (pioneiro do rádio) propôs que o rádio poderia ser utilizado para a

comunicação interplanetária e interestelar. Marconi equipou seu luxuoso iate com

receptores de rádio e navegou até o meio do oceano atlântico, onde seria possível

ouvir os aliens livres da interferência local. Ele acreditou que os ouviu.

Porém, a verdadeira radioastronomia nasceu da invenção do radar na Segunda

Guerra Mundial. Voltadas para o céu, “as novas e poderosas técnicas de rádio

desenvolvidas para detectar aeronaves inimigas revelaram um universo vibrante de

ruídos e uma vasta e oculta paisagem salpicada de pulsares radiantes com

radiogaláxias.” (GRINSPOON, 2005, p. 379). Desde aí surgiu o questionamento:

Poderia haver algum sinal, ou alguma conversação vazada no meio de todo aquele

barulho de rádio?

Conforme o autor, a era moderna do SETI teve início em setembro de 1959,

quando os astrofísicos Giuseppe Cocconi e Philip Morrison, da Universidade de

Cornell, publicaram um artigo na Nature, sob o título: procurando por comunicações

interestelares (Searching for interstellar communications). Neste artigo Cocconi e

Morrison raciocinaram que com a tecnologia da época (final dos anos 50), o homem

seria capaz de detectar algum sinal de rádio dirigido a nós de algum outro lugar da Via-

Láctea. Esse argumento foi fundamentado com cálculos convincentes e até afirmaram

a freqüência da qual os extraterrestres estariam transmitindo. Isto obviamente, ocorreu

antes de que as sondas estelares revelassem toda a verdade sobre a vida nos planetas

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que nos cercam. Dentre as tentativas pioneiras acima descritas, muitas outras se

destacaram. Esta fase ficou marcada como “a época do otimismo adolescente”

(GRINPOON, 2005, p. 394), quando os humanos imaginavam seres semelhantes a

eles, apontando suas antenas diretamente para a Terra. Nessa época o SETI era

chamado de CETI ( Comunication with ExtraTerrestrial Intelligence - comunicação com

inteligência extraterrestre).

Conforme Barcelos e Quillfeldt (2003), em abril de 1960, no observatório de

Radioastronomia, em Green Bank - na Virgínia Ocidental, Frank Drake iniciava-se na

busca de civilizações alienígenas por ondas de rádio.

Grinspoon (2005), afirma que só no ano de 1970 a NASA começou a financiar

pequenos programas de observação (contando com os maiores radiotelescópios do

mundo), porém, o programa SETI da NASA tornou-se alvo de políticos que queriam se

fazer passar como fiscalmente responsáveis. Em 1978 o programa recebeu de um

famoso senador da época o prêmio Velocino de Ouro de gastos governamentais

estúpidos e, em 1981 este mesmo senador conseguiu cancelar todos os fundos para

as pesquisas por rádio. Criou-se então toda uma polêmica acerca do ocorrido e após

um ano do cancelamento dos fundos, o financiamento do SETI foi restabelecido. No

entanto, em 1993, foi apresentada por outro senador, uma emenda bem sucedida

cancelando novamente os fundos para o SETI da NASA. Nesse ano, o SETI que havia

sido criado na união Soviética também desmoronou. O autor coloca que felizmente um

par de bilionários além de muitas pessoas comuns, resgataram o SETI norte-americano

que foi privatizado. Dentre os salvadores do SETI destacam-se os co-fundadores da

Intel e da Microsoft. Este novo projeto que renasceu das cinzas do SETI governamental

foi adequadamente batizado de Projeto Fênix e iniciou suas pesquisas em fevereiro de

2005.

A imagem a seguir é da maior antena1 do SETI. Ela foi construída no

observatório de Arecibo, em Porto Rico e possui 305 metros.

1 Referência: site do SETI@HOME. Disponível em <http://setiathome.ssl.berkeley.edu>

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Grinspoon coloca que o mais novo desenvolvimento do SETI chama-se

SETI@home (SETI em casa), no qual qualquer pessoa que possua em casa um

computador conectado à internet pode participar. Para isso é necessário baixar o

software gratuito que os computadores fazem o resto. A máquina-mãe situa-se em

Berkeley, esta envia automaticamente à todos os computadores conectados um pacote

de dados coligidos em Arecibo. Quando os micros dos participantes acabam de

pesquisar as regularidades que poderiam indicar um sinal de contato, eles enviam de

volta as análises e esperam pelo próximo lote de bytes. Este projeto teve início em

maio de 99 e, em 2005, mais de 4,4 milhões de usuários de micro de 226 países

tinham aderido ao programa.

Atualmente é de visível crescimento o interesse da população por questões

acerca da vida fora do planeta Terra, o que se confirma através dos dados do

programa SETI@home. Com o interesse do público em geral, a mídia também volta

seus holofotes ao assunto. Semanalmente podemos encontrar programas na televisão

aberta e a cabo, como alguns que serão ilustrados a seguir.

Pelo Discovery Channel são transmitidos vários programas abordando o

assunto tão polêmico. No dia 22 de junho de 2006, às 20:00 horas, foi transmitido o

programa Histórias de OVNIs, o qual tratava de buscar hipóteses compreensivas para

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a história do “chupa-cabras” (criatura que sugava o sangue de animais como vacas,

cavalos, etc). Conforme o programa, o fenômeno chupa-cabras surgiu em Porto Rico,

cerca do paralelo de Equador, no ano de 1995, quando pessoas relataram que animais

estariam sendo atacados por alienígenas. Após os relatos em Porto Rico, surgiram

rumores em Miami, na Flórida – EUA. No ano de 1996 os relatos desceram para a

América Central e América do Sul. Em 2001 foram ouvidos relatos no Chile e

consecutivamente no Brasil. Na época o fenômeno chocou muita gente e chamou a

atenção da mídia que até os dias de hoje busca explicações, como no caso deste

programa que tentou explicar o chupa-cabras como um extraterrestre, como um inseto

grande e evoluído, como um cão, um vizinho dimensional, ou até um experimento que

fugiu do controle da CIA.

No dia 26 de junho de 2006 foi ao ar no canal National Geographic o programa

Mistérios da Ciência, apresentando uma entrevista com o cientista planetário David

Grinspoon. O foco da entrevista era a vida extraterreste. Neste programa Grinspoon

afirmou que tem sido encontrada vida microbiana nos lugares mais inóspitos do planeta

Terra, como os extremófilos1. Grinspoon colocou que no nosso planeta já foram

encontrados microorganismos congelados, e que este tipo de vida o homem também

está buscando lá fora. O cientista afirmou que Europa, a lua de Júpiter, foi fotografada

através da sonda espacial Galileu, a qual mostrou que a atmosfera congelada da lua

apresenta linhas entrecruzadas debaixo do gelo, o que poderia ser uma evidência de

vida microbiana assim como a encontrada no planeta Terra. Os cientistas que

estudaram estas imagens e outras tiradas em missões anteriores dizem que também

pode haver um oceano líquido debaixo da sua crosta gelada. O astrônomo concluiu

que se há água na lua Europa, é bem possível que com estas condições possa ter sido

ou vir a ser criada a vida. A seguir consta uma fotografia da lua Europa2, tirada a partir

da sonda espacial Galileu.

1 Conforme Barcelos e Quilfeldt (2003), os Extremófilos são organismos unicelulares (bactérias e arquebaqueotérias) capazes de viver e se reproduzirem em ambientes antes considerados extremos para permitir a vida. 2 Europa é uma lua do planeta Júpiter. A fotografia foi obtida no site do Califórnia Institute of Technology, da NASA. Disponível em: <http://www.jpl.nasa.gov/news/features-print.cfm?feature=534>

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Os programas descritos acima foram citados como mera ilustração,

semanalmente muitos outros são apresentados em diversos canais privados, inclusive

reportagens em canais da televisão aberta.

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4. A UFOLOGIA E A PSICOLOGIA

Pode-se afirmar que o primeiro elo entre a psicologia e a ufologia surgiu no ano

de 1958 com a publicação do livro “Um mito moderno sobre coisas vistas no céu”, da

autoria de Carl Gustav Jung. Nesse trabalho, Jung considera o mito dos OVNIs como

uma compensação pela unilateralidade de nossa era tecnológica, cuja tendência

preponderante é cientificista. De acordo com o autor, a realidade física dos OVNIs

permaneceu por anos como um assunto problemático que não pôde ser definido com a

desejável clareza, embora nesse meio tempo, tenha acumulado um vasto arsenal de

experiências. Quanto mais tempo persistia a insegurança, mais crescia a probabilidade

de que o fenômeno tivesse além de um possível fundamento físico, um importante

componente psíquico. E um fenômeno desta magnitude desafia, como nenhum outro, a

fantasia consciente e inconsciente. Na referida obra, Jung alerta que é preciso pensar

os OVNIs de um modo mais abrangente e captar a verdade psicológica das aparições,

deixando de lado a questão da sua existência física.

Em 1994 o psiquiatra da Universidade de Harvard, John Mack, publicou o livro

Abduction: Human Encounters with Aliens, onde defende a veracidade dos relatos de

raptos por extraterrestres. Mack afirma que a força ou a intensidade com que o

indivíduo sente uma coisa é uma indicação de sua veracidade, posição que foi criticada

por Sagan no ano seguinte.

Carl Edward Sagan1 publicou no ano de 1995, o livro intitulado “O Mundo

Assombrado por Demônios - A Ciência vista como uma Vela na Escuridão”, o qual

discorre por todo o tipo de fenômeno bizarro que ocorre na atualidade ou ocorreu em

épocas remotas. O fenômeno alienígena ganhou um capítulo na obra. Sagan (1996, p.

75) afirma que foi revelado por repetidas pesquisas de opinião pública que a maioria

dos norte-americanos acredita que este planeta esteja sendo visitado por habitantes de

outros planetas que viajam em UFOS 2. O autor cita como exemplo o número 4 de

setembro de 1994 de Publisher’s Weekly (um renomado jornal norte-americano), o qual

1 Carl Sagan, astrônomo americano, respeitado e crítico das pseudociências, doutor pela Universidade de Chicago, dedicou-se à pesquisa e à divulgação da Astronomia, e, também ao estudo da Exobiologia. 2 Em inglês, sigla de Unidentify Flyer Object (objeto voador não identificado).

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apresenta uma pesquisa de opinião onde mais de 3 milhões de norte-americanos

acreditam ter sido raptados por alienígenas. No entanto, o autor critica a veracidade

dos relatos de abduções, e a posição de pesquisadores de abduzidos, como John

Mack. Mesmo não sendo psicólogo, algumas das hipóteses que Sagan levanta para

explicar os relatos de contatos aliens se relacionam com a psicologia, como a hipótese

de falsas memórias (dentre outras), que será explicada no tópico correspondente ao

assunto nesta monografia.

No ano de 2005, a psicóloga norte-americana Susan Clancy publicou o livro

“Abducted: how people come to believe they were kidnapped by aliens” (Abduzidos:

como as pessoas passam a acreditar que foram raptadas por aliens), ainda sem

tradução no Brasil. A obra é o resultado de uma série de estudos sobre

memória/memórias, emoções e culturas que defendem histórias de abdução como

compreensíveis, e acreditáveis. Através desse trabalho, a autora busca explicar a

psicologia das experiências transformadoras - sejam elas supostas abduções, ou

realidade.

De acordo com Clancy (2005), as experiências de pessoas que se julgam

abduzidas por extraterrestres deveriam ser levadas a sério, pois entender por que se

acredita neste fenômeno é muito importante para qualquer um que queira saber mais

sobre pessoas.

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5. HIPÓTESES PSICOLÓGICAS PARA OS RELATOS DE AVISTAMENTOS E

ABDUÇÕES

5.1 Memórias implantadas ou falsas memórias

De acordo com Izquierdo (2002,p.9), “ memória é a aquisição, a formação a

conservação e a evocação de informações.” Para o autor, a memória humana sofre

algumas deformações, pois ao longo dos anos a memória vai perdendo aquilo que não

interessa, aquilo que não marcou, mas geralmente o homem vai incorporando no

decorrer dos anos, mentiras e variações que as enriquecem.

Izquierdo coloca que a memória dos seres humanos provém de experiências,

portanto, é bem mais coerente falar em memórias e não em memória, sendo que

existem tantas memórias quanto experiências possíveis. Por isto, o autor considera que

as memórias se distinguem conforme as experiências. Existem as memórias adquiridas

em segundos, outras em semanas e outras em anos. Algumas são mais visuais, outras

somente olfativas; algumas não requerem nenhum conhecimento prévio, outras sim.

Os mecanismos nervosos de cada tipo de memória é diferenciado, bem como os seus

componentes emocionais. Por este motivo, o autor afirma que talvez seja mais sensato

reservar o uso da palavra memória para se referir à capacidade do cérebro e demais

sistemas para adquirir, manter e evocar informações; e usar a palavra memórias para

distinguir cada uma delas. É importante considerar que “existe um processo de

tradução entre a realidade das experiências e a formação da memória respectiva; e

outro entre esta e a correspondente evocação” (Izquierdo, 2002, p. 17). Assim, as

emoções e o contexto influenciam na aquisição, retenção e evocação de memórias.

De acordo com Izquierdo (2002,p.32), “ é bom lembrar que a base sobre a qual

formamos e evocamos memórias constantemente é constituída por memórias e

fragmentos de memórias, mas principalmente por este últimos. Temos mais memórias

extintas ou quase-extintas no nosso cérebro do que memórias inteiras e exatas.

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As pesquisas de Loftus (1996) corroboram as descrições de Izquierdo sobre a

aquisição, retenção e evocação de memórias. O esquema abaixo representa o

processo estudado pela autora.

Loftus (1996) coloca que muitos estudos mostraram que a memória humana é

suscetível a distorções. A autora dedica-se ao estudo da memória humana em

situações de testemunhas oculares, como no caso de crimes e acidentes, porém, as

questões sobre a aquisição, retenção e evocação de memórias pode ser aplicadas aos

casos dos relatos de abdução e avistamentos, pois os processos envolvidos são os

mesmos.

De acordo com Sagan (1996), há um século Sigmund Freud introduziu o

conceito de repressão. Este conceito baseia-se no fato das pessoas esquecerem

certos eventos por serem de origem dolorosa, traumatizante – este seria um

mecanismo essencial da luta pela sanidade psíquica. Este mecanismo parecia

manifestar-se especialmente em pacientes com diagnóstico de histeria, cujos sintomas

incluíam alucinações e paralisia. No começo, Freud acreditava que por trás de cada

caso de histeria, haviam memórias reprimidas de abuso sexual na infância. Porém,

acabou mudando sua explicação, afirmando que a histeria seria causada por fantasias,

nem todas desagradáveis, de ter sofrido abuso sexual na infância. Hoje em dia a

hipótese das memórias reprimidas está em questão novamente. Sagan coloca que são

muito questionáveis os casos em que as lembranças vêm à tona de repente,

especialmente sob ajuda de um psicoterapeuta ou hipnotizador.

No artigo A construção de falsas memórias, Calegaro (2005) relata um caso em

que as memórias reprimidas de uma paciente (na época com 22 anos) foram

estimuladas a vir à tona, e os fatos inaceitáveis e doloridos tornaram-se conscientes,

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com o estímulo da terapeuta. Durante a terapia, a paciente lembrou-se de que fora

regularmente violentada pelo seu pai entre a idade de sete e quatorze anos, e que sua

mãe às vezes teria sido cúmplice segurando-a durante o ato. Segundo suas memórias,

o pai a engravidou duas vezes, forçando-a a abortar sozinha, com uma agulha de tricô.

Quando as acusações foram tornadas públicas, o pai da jovem teve sua reputação e

sua vida destruídas, e teve de fechar-se em casa para não ser agredido ou linchado.

Porém, exames médicos revelaram com segurança absoluta que ela continuava

virgem, e que nunca esteve grávida. Sendo assim, ficou evidente que as memórias dos

abusos foram involuntariamente implantadas, ou criadas, durante a terapia.

Segundo Calegaro (2005), quanto maior for o tempo discorrido do fato a ser

investigado, mais sujeita à distorção está a memória. Porém, Calegaro deixa claro que

quando se trata de falsas memórias a pessoa não está mentindo, pois acredita que

aquela vivência foi real. Entretanto, mesmo com uma riqueza de dados, não é possível

saber se a pessoa está relatando algo que realmente ocorreu ou uma falsa memória.

Geralmente, além de ter discorrido certo período de tempo após a relatada

experiência, é comum que pesquisadores façam o uso da hipnose para que a pessoa

venha a recordar.

De acordo com a Sociedade Brasileira de Hipnose, a hipnose abrange qualquer

procedimento que venha causar, por meio de sugestões, mudanças no estado físico e

mental, podendo produzir alterações na percepção, nas sensações, no comportamento,

nos sentimentos, nos pensamentos e na memória. O Conselho Federal de Psicologia

aprova e regulamenta o uso da hipnose como recurso auxiliar de trabalho do psicólogo,

de acordo com a resolução n.º 013/00 de 20 de dezembro de 2000 (em anexo).

Entretanto, não são apenas psicólogos que investigam a memória das pessoas que

relatam avistamentos ou abduções. Este é um fato relevante, considerando-se que

pode ocorrer algum tipo de sugestão por parte do pesquisador, levando a pessoa a

acreditar em algo que não aconteceu.

Loftus (1996) acredita que indivíduos quando hipnotizados podem facilmente

ser levados a acreditar em fatos que não ocorreram, devido ao alto grau de

sugestionabilidade que esta técnica causa.

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De acordo com Clancy (2005), os abduzidos fornecem indícios de memórias

implantadas. Nos últimos dez anos, a psicóloga dedica-se ao estudo deste fenômeno.

Conforme a autora, um dos debates mais amargos e inconstantes que ocorrem na

psicologia dizem respeito à veracidade das memórias reprimidas e recuperadas de

eventos traumáticos. Das alegações muito sérias e plausíveis de abuso sexual durante

a infância, às menos confiáveis, como os raptos por alienígenas, os psicólogos acham

remotas as probabilidades de que as pessoas possam reprimir os eventos traumáticos

e, então, recuperar estas memórias intactas, anos mais tarde. No meio deste impasse,

de um lado estão os psicólogos clínicos que afirmam que as memórias dolorosas

podem ser reprimidas, banidas da consciência de uma pessoa que sofreu o trauma, até

que sejam recuperadas com a ajuda de determinadas técnicas psicoterapêuticas. Os

pesquisadores da memória, por outro lado, afirmam que os indivíduos não reprimem

eventos traumáticos; mas recordam todos os fatos com demasiada clareza que às

vezes não conseguem parar de pensar sobre o trauma.

Intrigada por este debate, e por suas enormes implicações políticas, legais e

sociais, ao iniciar seu Ph.D. em Harvard no ano de 1996, sob a orientação do

professor Richard McNally, Clancy observou que faltava alguma coisa em estudos

precedentes. Ninguém havia realizado pesquisas com a população que estava no

centro da controvérsia: aqueles que relatavam memórias recuperadas.

A partir daí Clancy iniciou suas pesquisas. Usando testes de memória (padrões

de laboratório), Clancy estudou inicialmente mulheres que relatavam recuperar

memórias de abuso sexual na infância. Concluiu que era mais provável que estas

mulheres criassem falsas memórias em testes de laboratório, do que aquelas mulheres

que sempre lembraram da experiência de abuso. Porém, quando seus achados eram

interessantes, eram limitados: era muito difícil confirmar, ou não, se as mulheres com

memórias recuperadas de abuso sexual na infância tinham sido abusadas realmente.

Foi assim que a brecha nas pesquisas de Clancy sobre memórias de abuso sexual na

infância lhe conduziram ao mundo dos indivíduos que acreditam terem sido

seqüestrados por alienígenas.

Confiante na suposição de que as experiências eram falsas, ela pôde provar

que as pessoas que criaram falsas memórias no "mundo real" provavelmente criariam

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falsas memórias em laboratório. No entanto, de acordo com Clancy, convencer os

abduzidos a participar do estudo era um desafio enorme. A autora afirma que estes

estavam muito céticos sobre o que ciência irá afirmar sobre sua opinião. Clancy

conseguiu formar dois grupos de pessoas que acreditavam que foram seqüestrados

por alienígenas: um grupo dos abduzidos que relatavam ter recuperado memórias de

sua experiência, e um grupo que não teve nenhuma memória da abdução. Este

segundo grupo atribuiu sua crença à variedade de sinais e sintomas (como as

cicatrizes ou os sinais inexplicáveis, a depressão, o distúrbio do sono, ou o pânico

estranho em ver um retrato de um alienígena) que afirmam serem típicos de pessoas

abduzidas.

Clancy estudou como controle, um grupo onde os indivíduos afirmavam nunca

terem sido seqüestrados por aliens. Testando as falsas memórias, Clancy usou

diversos modelos padrões de laboratório para testar a memória e a recordação. Um

teste chamado o modelo de Deese/Roediger-McDermott, pede aos indivíduos para

memorizar e então recordar uma lista de palavras relacionadas: bolinho, biscoito,

açúcar e bala, por exemplo. O grupo dos abduzidos que recuperaram memórias de

seus seqüestros recordou a lista das palavras com sucesso. Não havia nenhum déficit

da memória global. Clancy afirma que as pessoas que recuperaram memórias de

abduções raramente apresentam algum dano psicológico. São pessoas normais, muito

agradáveis com nenhuma psicopatologia. Contudo, os abduzidos da memória-

recuperada, como um grupo, eram muito mais suscetíveis a recordar falsamente a

palavra doce - que não estava na lista, mas era sugerida por esta - do que qualquer um

dos outros dois grupos. Neste teste de laboratório, o grupo da memória-recuperada era

mais inclinado do que outros dois grupos a criar memórias falsas. E, supondo que

nenhum dos sujeitos foi realmente seqüestrado por aliens, a pesquisadora concluiu que

as pessoas que desenvolvem memórias falsas no laboratório são, também, mais

propensas a desenvolver memórias falsas das experiências que foram sugeridas ou

imaginadas.

Com base nos resultados de sua pesquisa, Clancy (2005) coloca que quando o

sujeito relata memórias reprimidas/recuperadas de eventos traumáticos, é mais

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provável que elas sejam implantadas, pois podem ser memórias distorcidas de coisas

que estes tenham lido ou visto.

5.2 Paralisia do sono

Clancy (2005) coloca em seus estudos que uma pesquisa adicional ajuda a

explicar a propensão do grupo da memória-recuperada para memórias falsas de

abduções. Todos neste grupo desenvolveram suas crenças na abdução após terem

descrito um episódio condizente com a paralisia do sono, uma dessincronização

inofensiva, mas não pouco assustadora dos ciclos do sono.

Para Dalgalarrondo, (2000, p. 225), “a paralisia do sono consiste num despertar

(ou adormecer) incompleto.” Como coloca o autor, a paralisia do sono ocorre quando o

indivíduo ao despertar (ou ao adormecer) apresenta uma fraqueza muscular

importante, ficando incapaz de realizar qualquer atividade motora voluntária. Sente-se

então, angustiado por não poder mover um só dedo, apesar de já estar consciente.

Neste momento podem ocorrer alucinações hipnagógicas (alucinações geralmente

visuais ao adormecer) ou hipnopômpicas (alucinações geralmente visuais ao

despertar).

De acordo com Clancy (2005), a paralisia do sono ocorre quando a pessoa

acorda do sono do REM (movimento rápido do olho), mas ainda sente a paralisia que

acompanha normalmente o sono do REM. Ocorrendo através das culturas em

aproximadamente 15 por cento da população, a paralisia pode ser acompanhada por

alucinações: uma sensação de choque elétrico ou levitação, ruídos/zumbidos na

audição, luzes piscando ou figuras escuras que pairam perto da cama. Conforme a

autora, esta é uma experiência que vem assustando os anoiteceres de pessoas por

séculos. E por séculos as pessoas vêm procurando uma explicação no mundo exterior:

“Uma sensação de não estar sozinho, o vulto de uma criatura se movendo no quarto, uma estranha imobilização, uma pressão esmagadora e uma sensação dolorosa por várias partes do corpo vem sendo historicamente compatíveis com muitas explicações improváveis.” CLANCY, 2005, p. 49

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A autora afirma que a fenomenologia destas experiências pode ser a mesma,

mas as explicações variam de acordo com o que o sujeito, e o contexto cultural no qual

este se insere, crê, espera, ou deduz ser possível. Em outras épocas e em outros

lugares no mundo, costumava-se atribuir as experiências noturnas de terror à satanás,

demônios, bruxas, dragões, vampiros, anjos, etc. Hoje em dia são os extraterrestres.

Ela explica que um quinto das pessoas passarão por este tipo de situação pelo menos

uma vez na vida, e que a paralisia no sono geralmente está associada a sensações

como tremores elétricos no corpo, impressão de levitação e alucinações - o que leva as

pessoas a acreditarem num suposto contato alienígena. Segundo a pesquisa de

Clancy, esse tipo de associação acontece com quem já possui interesse em

misticismo, paranormalidade e crença em vida extraterrena. Além disso, Clancy afirma

que a origem de grande parte da crença nos alienígenas verdes de olhos grandes está

na própria cultura e na mídia. Clancy (2005) considera que não é surpreendente que as

pessoas relacionem a paralisia do sono às abduções, devido ao extenso certificado

cultural compartilhado que ajuda a explicar estas experiências aterrorizantes durante os

episódios. A partir dos Arquivos X, dos filmes, livros, e da mídia em geral, o grupo

inclinado a criar memórias falsas, pode escolher entre estas vastas fontes para a

sugestão.

5.3 Projeção

Jung (1988, p. IX ), inicia sua obra “Um mito moderno” tratando a questão dos

discos voadores como um boato visionário, afirmando que “Trata-se daquela notícia que

chega até nós de todos os cantos da Terra; daquele boato sobre corpos redondos que

percorrem a nossa troposfera e estratosfera e são chamados de ‘saucers, pratos,

soucoupes, discos, Ufos (Unidentified Flying Objects) e OVNIs (Objetos Voadores Não

Identificados)”.

Citando o provérbio alemão: “Pela boca de duas testemunhas, revela-se toda a

verdade” (JUNG, 1988, p. 2), o autor afirma que estatisticamente, o fato pode ser

verdadeiro, mas em certos casos, pode ser que não corresponda a verdade e cria uma

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incerteza colocando que “pode acontecer que em plena consciência, e em poder de

todos os sentidos, sejam percebidas coisas que não existem” (p. 2).

Agora além de nos afirmar que o que os olhos vêem pode não ser verdade, Jung

nos coloca de frente com a possibilidade de um mundo novo e mágico onde as forças

físicas perdem lugar de destaque para uma força até então desconhecida, que tem sua

origem na própria psique humana, capaz de moldar formas além da privacidade

alucinativa - objetos que se tornam vislumbre de multidões. Em relação a isto, o autor

coloca que

[...] nos aproximamos um pouco mais da compreensão do enigmático paralelismo psicofísico, pois agora sabemos que existe um fator que transcende a aparente incomensurabilidade de corpo e psique uma certa “materialidade”, através das quais um pode agir sobre o outro. [...] Ambas as concepções, tanto a materialista quanto a espiritualista, são preconceitos metafísicos. A suposição de que a matéria viva possua um aspecto psíquico e que a psique possua um aspecto físico condiz melhor com a experiência (JUNG, 1988, p. 94).

Tratando do assunto como um boato visionário, Jung propõe que a condição

prévia para o aparecimento de um fenômeno deste tipo e, portanto, o que o diferencia

de um boato comum, é a presença de uma emoção incomum, para cujo

desenvolvimento e propagação, basta a curiosidade popular e o sensacionalismo, que

se encontram em qualquer meio. Porém, a intensificação para tornar-se visão nasce de

uma excitação mais forte, portanto, de fonte mais profunda. De acordo com o autor, é

necessário compreender que quando um mito emerge das profundezas da psique para

a vida cotidiana, força a consciência a integrar novos aspectos da existência e inaugura

uma nova fase de evolução psíquica.

Jung coloca que já que os OVNIs que aparecem no céu estão sendo tratados

como visões, não se pode deixar de interpretá-los como quadros arquetípicos, ou seja,

como projeções involuntárias, com base no instinto. Ainda tratando-se de projeção

psicológica, Jung coloca que

(...) deve haver uma causa psíquica, já que, certamente, não se pode admitir que uma afirmação de procedência mundial, como é a saga dos OVNIs, seja apenas um acaso insignificante. Pelo contrário, os milhares de testemunhos individuais devem ter muito mais, devem ter uma base causal de extensão equivalente. Quando uma afirmação desta espécie é confirmada, como se diz, em todo lugar, então deve-se admitir que em todo lugar também haja um motivo respectivo para tal. Os boatos visionários podem, por certo, ser causados ou acompanhados por todas as possíveis circunstâncias externas, mas a sua

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existência baseia-se essencialmente num fundamento emocional presente em todo lugar; neste caso, então, fundamenta-se numa situação psicológica geral. O fundamento para este tipo de boato é uma tensão emocional que tem sua origem numa situação de calamidade coletiva, ou seja, de perigo; ou numa necessidade psíquica vital. JUNG, 1988, p. 6.

As figuras de um boato, para Jung, estão sujeitas aos mesmos princípios da

interpretação dos sonhos1. Ele explica então, a aparência física dos OVNIs descritos e

faz uma analogia com um símbolo arquetípico. Os objetos voadores avistados são

geralmente na forma redonda, ou de disco. Os símbolos circulares desempenham um

papel significativo em todo o lugar e em toda a época. A mandala2 descreve a

totalidade psíquica protegendo de dentro para fora e procurando unir opostos internos,

simboliza a unificação, o equilíbrio. Paralelamente é declarado símbolo de individuação,

como diz Jung: “ Em nossa esfera cultural, por exemplo, como imagem de Deus... A antiga afirmação diz : “Deus est circulus cuius centrum est ubique, cuius circumferentia vero nusquam” (Deus é um circulo cujo centro está em todo lugar, cuja circunferência, porém, em nenhum lugar). “Deus” e sua “omniscientia”, “omnipotentia” e “omnipraesentia”, um Uno, o cosmo, é o símbolo da totalidade por excelência, um redondo completo, um absoluto (JUNG, 1988, p. 13-14).

O fenômeno dos OVNIs, mito que alcançou a consciência coletiva no meio do

século XX, é visto por Jung como uma projeção nos céus devido a um intenso anseio

coletivo de salvação num momento de desespero. Jaffé (1977, p. 249) pontua que

“Jung assinalou que o símbolo autêntico só aparece quando há necessidade de

expressar aquilo que o pensamento não consegue formular.” É impossível ignorar que

se tratava da época da Segunda Guerra Mundial quando houve rumores a respeito de

visões de corpos voadores redondos que se tornaram conhecidos como discos

voadores.

1 Interpretação dos Sonhos: Para Jung, o sonho é uma porta aberta para os mais recônditos e secretos recessos da alma, sendo um auto-retrato espontâneo, em forma simbólica, da situação presente no inconsciente. 2 Mandala é uma palavra Sânscrita para círculo de cura ou mundo inteiro. É uma representação do universo e de tudo que há nele. Foi Jung quem chamou a atenção desses desenhos circulares percebido por ele enquanto estudava religião Oriental. Ele percebeu que seus clientes experienciavam estas imagens circulares como movimentos em direção a um crescimento psicológico, expressando a idéia de um refúgio seguro, de reconciliação interna e inteireza. Para Jung as mandalas são vasos ou embarcações na qual nós projetamos nossa psique que retorna a nós como um caminho de restauração. Ele reconheceu que figuras arquetípicas (símbolos universais) de várias culturas podiam ser identificados nesta expressão espontânea do inconsciente.

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De acordo com Jung (1988), os relatos das visões de OVNIs assemelham-se com

visões coletivas a época das cruzadas ou dos lutadores de Mons1 e tropas de fronteiras

respectivamente nas 1ª e 2ª Guerra Mundiais ou até mesmo o das multidões de fiéis de

Fátima em Portugal. Ele associa as aparições aos momentos de clamor das massas. Então, Jung nos permite perceber que o momento histórico influencia na percepção dos

fatos, que uma situação psicológica geral, uma tensão emocional pode ter origem numa

situação de calamidade coletiva, uma necessidade psíquica vital.

Jung afirmou que

Na atual situação de ameaça do mundo, em que se começa a perceber que tudo pode estar em jogo, a fantasia produtora de projeções amplia seu espaço para além do âmbito das organizações e potências terrestres, para o céu, isto é, para o espaço cósmico dos astros, onde outrora os senhores dos destinos, os deuses, tinham sua sede nos planetas. (JUNG, 1988, p. 7)

O autor ainda afirma que é provável que o homem se sinta apertado na Terra e

queira escapar de sua prisão, onde não só sofre a ameaça de bombas, mas como da

explosão demográfica, que cresce cada vez mais e causa muitas preocupações. A

natureza usa meios diferentes para se desfazer das criações supérfluas da humanidade.

Então, o perigo de catástrofes se agrava proporcionalmente ao crescimento da

densidade demográfica. Este aperto causa medo, que por sua vez leva o homem a

buscar ajuda no espaço extraterrestre já que a Terra não a fornece. É aí que o

inconsciente tende a buscar medidas particularmente drásticas para que os seus

conteúdos se tornem perceptíveis.

Jaffé (1977) coloca, em outras palavras, que os avistamentos são uma tentativa

do inconsciente coletivo para curar a dissociação de uma época apocalíptica através do

símbolo do círculo.

Na atualidade, a situação não é muito distinta da que se apresentava na época

analisada por Jung. Clancy (2005) coloca que estamos vivendo na era da ciência:

datas, fatos, experimentos, especialistas. Porém, para muitas pessoas, a ciência está

falhando no que se refere a ajudá-las a encontrar suas necessidades, seus interesses e

seus anseios. A autora expõe que a primeira lição que aprendeu nas suas pesquisas 1 Durante a Primeira Guerra Mundial, em Mons, na Bélgica, pessoas afirmaram que entre os dias 26 e 28 de agosto de 1914, anjos visitaram o local. Os franceses tiveram a visão do arcanjo Gabriel. Para os britânicos era São Jorge.

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com os abduzidos, é que muitos de nós buscamos por contato com o divino, e os aliens

são um meio de voltar ao tradicional conflito entre ciência e religião. Muitos dos

abduzidos entrevistados por Clancy afirmaram que se sentem gratos por terem sido

escolhidos, que se sentem menos sozinhos e abençoados por suas experiências.

Clancy (2005) coloca que no momento em que uma pessoa acredita que nós não

estamos sozinhos, muda suas prioridades na vida, passa a se preocupar mais com a

trajetória espiritual da humanidade, passa a considerar os extraterrestres como anjos

mensageiros de Deus.

Clancy concorda com Jung e afirma que fica claro que os crentes em abduções

buscam o mesmo significado que milhões de pessoas no mundo todo buscam em suas

religiões: significação, confiança, segurança, revelações místicas e espiritualidade. Ou

seja, os extraterrestres são anjos muito desenvolvidos tecnologicamente e o lado bonito

desta crença ela oferece uma visão mais compreensiva do mundo, uma explicação para

a existência humana e a promessa de uma vida melhor.

5.4 Psicopatologias

Em suas pesquisas experimentais com abduzidos, Clancy (2005) descarta a

hipótese de psicopatologias, tais como transtorno delirante, personalidade

esquizotípica e esquizofrenia paranóide. A autora coloca que normalmente os

abduzidos se tratam se pessoas com um bom convívio social, um discurso bem

articulado, com uma simpatia e senso de humor fora de série. Porém, não é possível

generalizar a conclusão da autora, ou seja, não se pode descartar a hipótese de que

possa haver algum indivíduo relatando experiências de contatos com seres de outros

planetas que sofra de algum distúrbio psíquico.

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5.5 Outras Explicações

Não existem provas concretas e aceitas pela ciência de que a Terra tem sido

visitada por objetos não identificados vindos do espaço. Por este motivo, a hipótese de

que os relatos de abduções e avistamentos se tratam de mentiras não pode ser

deixada de lado, considerando que algumas pessoas poderiam utilizar-se destes

relatos para chamar atenção e conseguir um espaço na mídia.

Ainda não é possível provar a existência da vida extraterreste, tampouco das

supostas visitas de seres de outros planetas à Terra, no entanto, como coloca Sagan

(1996), também não é possível provar a inexistência destes fatos. Sendo assim, pode-

se levantar a hipótese de que os relatos de abduções e avistamentos estejam se

referindo a experiências verdadeiras.

Jung (1988) também se revela incapaz de realizar considerações sobre a

realidade física dos OVNIs e afirma que existe a possibilidade de serem objetos físicos

de natureza desconhecida.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considera-se que esta monografia cumpriu com os objetivos propostos, apesar

da dificuldade de encontrar material específico sobre o assunto. Na área da Ufologia se

encontra muita coisa, mas não se trata de pesquisas científicas e, portanto não podem

ser utilizadas academicamente.

Grande parte do material pesquisado teve que ser encomendado do exterior, o

que causou certo atraso no início das leituras, na elaboração dos fichamentos e

redação da monografia.

Na elaboração do breve histórico sobre a ufologia e a busca por vida fora do

nosso planeta encontrou-se outra dificuldade. A busca por algo além deste planeta

acompanha o homem desde as épocas mais remotas da história da sua existência, o

que torna impossível elaborar um breve histórico. No entanto, o histórico apresentado

nesta monografia é muito breve se comparado à toda história encontrada nas obras

pesquisadas.

Em relação às hipóteses psicológicas para os relatos de avistamentos e

abdução os objetivos também foram alcançados. Como hipóteses compreensivas

foram levantadas seis. Primeiramente, foi encontrada a hipótese das memórias

implantadas, que foi levantada por Sagan (1996) e Clancy (2005) especificamente

relacionando-as aos relatos de abduções. No entanto, outros autores, como Loftus

(1996) e Calegaro (2005) corroboram a noção das memórias implantadas, só que

investigam fenômenos diferentes. Calegaro estudou-as em relação a casos de abuso

sexual na infância e, Loftus, em casos de relatos de testemunhas oculares de crimes e

acidentes. O material publicado pelos autores foi utilizado como base para aplicar esta

hipótese aos relatos de abdução, porque independentemente do fenômeno ser distinto,

o processo que envolve a aquisição/retenção/evocação das memórias é o mesmo.

Considerando que a memória humana é altamente sugestionável e sujeita a

distorções no decorrer dos anos que passarem desde a data da aquisição até o

momento da evocação, conclui-se que esta hipótese pode ser aplicada aos relatos de

abduções e avistamentos. Porém, é importante colocar que prefiro chamá-las de

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memórias implantadas e não de falsas memórias como colocam alguns autores. Isto

porque, quando a pessoa relata uma memória falsa, esta não tem consciência que se

trate de algo falso, absorvido inconscientemente pelo seu cérebro e guardado como

próprio. A pessoa que relata uma memória implantada pode ter certeza absoluta de

que o fato realmente ocorreu e que ela esteve lá.

A segunda questão explorada foi a hipótese da paralisia do sono, levantada por

Clancy (2005). Realmente, existem muitos fatores num relato de abdução que se

assemelham às alucinações hipnagógicas e hipnopômpicas que podem ocorrer durante

a paralisia do sono. Além disto, muitos dos abduzidos entrevistados por Clancy

relataram acordar durante a noite, paralisados e daí discorre todo o processo do rapto

por extraterrestres. Levando em consideração estas semelhanças, a paralisia do sono

pode ser uma hipótese plausível para tais relatos.

Em relação à terceira hipótese, a proposta por Jung, é extremamente

compreensível e aplicável na atualidade. Levando-se em conta que um mito também

tem sua origem devido a causas exteriores, analisemos a época na qual estamos

vivendo. A época da tecnologia, da ciência, da robótica, das máquinas que substituem

o serviço que antes era desempenhado pelo homem. É compreensível que a

humanidade eleve seus olhos aos céus em busca de um sentido para a vida, já que a

ciência e a tecnologia não são suficientes para tal propósito. É aceitável a hipótese de

que a fantasia produtora de projeções volte-se para os céus em busca de uma

salvação, que homem projete nas alturas o símbolo da totalidade psíquica, o arquétipo

da unificação, do equilíbrio, em compensação à unilateralidade na qual se encontra.

A quarta hipótese apresentada diz respeito às psicopatologias. Este tópico não

foi mais explorado porque os autores consultados que abordavam especificamente o

tema das abduções e avistamentos descartaram esta hipótese. Ele foi mencionado por

ser uma hipótese que pode ser levantada, mas conforme as pesquisas experimentais

de Clancy (2005), não se confirma. No entanto, isto não descarta que possa haver

algum indivíduo relatando experiências de contatos com seres de outros planetas que

sofra de algum distúrbio psíquico. Portanto, não podemos generalizar.

Para verificar melhor a hipótese das psicopatologias, sugiro a realização de

pesquisas com sujeitos que relatem ter sido abduzidos ou avistado OVNIs. Isto é

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importante até mesmo porque no Brasil não foram constatas pesquisas realizadas na

área da Psicologia, apenas da Ufologia.

Por fim, foram apresentadas outras duas hipóteses. Como a vida extraterrestre

é um assunto que está em foco na atualidade, para o qual a mídia chama muito a

atenção, poderiam haver pessoas inventando contatos com aliens para conseguir os

seus minutos de fama. Mas, também não podemos deixar de mencionar que muitos

relatos podem se tratar de lembranças verdadeiras. Pois como já foi mencionado, é

impossível provar a inexistência da vida em outros planetas e a visita de alienígenas à

Terra.

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REFERÊNCIAS BARCELOS, E.; QUILLFELDT, J. Onde estão todos os outros? Scientific American Brasil. São Paulo: Duetto. Ano 2, nº 19, dez. 2003. BOCK, A. Regulamentação do uso da hipnose pelo Conselho Federal de Psicologia. Brasília, 2000. Arquivo disponível em: < www.pol.org.br/legislacao/pdf/resolucao2000_13.pdf > acesso em: fevereiro de 2006. CALEGARO, M. A construção de falsas memórias. Neurociências. São Paulo:, v. 2, n. 3, maio/jun. 2005. CERVO, A.; BERVIAN, P. Metodologia científica. São Paulo, McGraw Hill, 1983 CLANCY, S. Abducted: how people come to believe they were kidnapped by eliens. Harvard: Hardcover, 2005. DÄNIKEN, E. Eram os Deuses Astronautas? São Paulo: Melhoramentos, 1969. DRAKE, R. Deuses e astronautas no antigo oriente. São Paulo: Círculo do livro, 1975 GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 1999. GRINSPOON, D. Planetas solitários. A filosofia natural da vida alienígena. São Paulo: Ed. Globo, 2005. IZQUIERDO, I. Memória. POA: Artmed, 2002. JAFFÉ, A. O simbolismo nas artes plásticas. In: JUNG. C. (Org) O homem e seus símbolos. São Paulo: Nova fronteira, 2003. p. 226-270. JUNG, C. Um mito moderno sobre coisas vistas no céu. Petrópolis: Vozes, 1988. LAKATOS, E. M; Marconi, M. A. Técnicas de pesquisa. 4ªed.São Paulo: Atlas, 1999. LOFTUS, E. Eyewitness Testimony. USA: Harvard University Press, 1996. LOFTUS, E. Recovered Memories. Annu. Ver. Clinical Psychology. 2006.2:469-498.

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LOFTUS, E. Susceptibility to memory distortion: how do we decide it has occurred? American Journal of Psychology . 2006. Vol. 119. N. 2.p 255-276. Board of Trusters of the University of Illinois. Mack, J. Abduction: Human Encounters with Aliens. Harvard: Mass Market Paperback, 1994. SAGAN, C. O mundo assombrado por demônios. A ciência vista como uma vela na escuridão. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. VON FRANZ, M. O processo de individuação. In JUNG, C. (Org) O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977. p. 157-229. JAFFÉ, A. O simbolismo nas artes plásticas. In JUNG, C. (Org) O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977. p. 230-270.

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OBRAS RECOMENDADAS RANGEL, M. Seqüestros alienígenas. Investigando a ufologia com e sem hipnose. São Paulo: Centro brasileiro de pesquisas de discos voadores, 2001. Bíblia Sagrada: Nova tradução na linguagem de hoje. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2000.

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ANEXO

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Regulamentação do uso da Hipnose na Psicologia

RESOLUÇÃO CFP N.º 013/00 DE 20 DE DEZEMBRO DE 2000

Aprova e regulamenta o uso da Hipnose como recurso auxiliar de trabalho do

Psicólogo.

O CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, no uso de suas atribuições legais e

regimentais, que lhe são conferidas pela Lei nº 5.766, de 20 de dezembro de 1971 e;

CONSIDERANDO o valor histórico da utilização da Hipnose como técnica de recurso

auxiliar no trabalho do psicólogo e;

CONSIDERANDO as possibilidades técnicas do ponto de vista terapêutico como

recurso coadjuvante e;

CONSIDERANDO o avanço da Hipnose, a exemplo da Escola Ericksoniana no campo

psicológico, de aplicação prática e de valor científico e;

CONSIDERANDO que a Hipnose é reconhecida na área de saúde, como um recurso

técnico capaz de contribuir nas resoluções de problemas físicos e psicológicos e;

CONSIDERANDO ser a Hipnose reconhecida pela Comunidade Científica Internacional

e Nacional como campo de formação e prática de psicólogos,

RESOLVE:

Art. 1º – O uso da Hipnose inclui-se como recurso auxiliar de trabalho do psicólogo,

quando se fizer necessário, dentro dos padrões éticos, garantidos a segurança e o bem

estar da pessoa atendida;

Art. 2º - O psicólogo poderá recorrer a Hipnose, dentro do seu campo de atuação,

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desde que possa comprovar capacitação adequada, de acordo com o disposto na

alínea “a” do artigo 1º do Código de Ética Profissional do Psicólogo.

Art. 3º - É vedado ao psicólogo a utilização da Hipnose como instrumento de mera

demonstração fútil ou de caráter sensacionalista ou que crie situações constrangedoras

às pessoas que estão se submetendo ao processo hipnótico.

Art. 6° - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 7° - Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília (DF), 20 de dezembro de 2000.

ANA MERCÊS BAHIA BOCK Conselheira-Presidente