MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS...

140
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ECONOMIA MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS DE PRODUÇÃO DE PETRÓLEO E GÁS: O RIO DE JANEIRO NO CONTEXTO DA AMÉRICA DO SUL Campinas 2019

Transcript of MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS...

Page 1: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

MARIANE SANTOS FRANÇOSO

AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS DE PRODUÇÃO DE

PETRÓLEO E GÁS: O RIO DE JANEIRO NO CONTEXTO DA

AMÉRICA DO SUL

Campinas 2019

Page 2: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

MARIANE SANTOS FRANÇOSO

AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS DE PRODUÇÃO DE

PETRÓLEO E GÁS: O RIO DE JANEIRO NO CONTEXTO DA

AMÉRICA DO SUL

Prof. Dr. Célio Hiratuka – orientador

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutora em Ciências Econômicas, na área de Teoria Econômica. ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA MARIANE SANTOS FRANÇOSO E ORIENTADA PELO PROF. DR. CÉLIO HIRATUKA.

Campinas 2019

Page 3: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto
Page 4: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

MARIANE SANTOS FRANÇOSO

AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS DE PRODUÇÃO DE

PETRÓLEO E GÁS: O RIO DE JANEIRO NO CONTEXTO DA

AMÉRICA DO SUL

Prof. Dr. Célio Hiratuka – orientador

Defendida em 29/07/2019

COMISSÃO JULGADORA Prof. Dr. Célio Hiratuka - PRESIDENTE Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Prof.ª Dr.ª Ana Paula Vidal Bastos Universidade de Brasília (UnB) Prof. Dr. José Augusto Gaspar Ruas Faculdades de Campinas (FACAMP) Prof. Dr. Maurício Aguiar Serra Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Prof. Dr. Renato de Castro Garcia Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica da aluna.

Page 5: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa

do estado de São Paulo (FAPESP), através do processo n. 2016/06888-1.

Agradeço aos professores Maurício Serra, Ana Paula Bastos, Renato Garcia e José

Augusto Ruas pela participação na defesa e por terem contribuído com críticas e sugestões

que enriqueceram a versão final desta tese.

Agradeço ao professor Célio Hiratuka, por ter me orientado ao longo do

desenvolvimento desta tese, e ao professor Javier Revilla Diez por ter me recebido durante o

período que passei na Universität zu Köln. Agradeço aos colegas do projeto “Gateway cities

and their hinterland: global cities from the Global South as nodes in global commodity

chains”: Patrícia Alencar, Soren Scholvin, Maurício Aguiar e Ana Paula Bastos, pela

convivência e contribuições realizadas ao longo do desenvolvimento do projeto. Agradeço

especialmente ao colega Moritz Breul por ter cedido os dados das bases Zephyr e FDI

Markets, usados em parte da análise aqui desenvolvida. Todos vocês contribuíram muito para

a minha formação quanto pesquisadora.

Agradeço aos demais professores do IE pela enorme contribuição que deram a

minha formação e aos funcionários, por sempre se mostrarem tão prestativos e dedicados.

Agradeço às amigas de Assis, aos amigos da rep Coruja e, principalmente, à Flávia, sempre

tão querida e atenciosa.

Finalmente, mas não menos importantes, agradeço a três pessoas que foram

fundamentais ao longo desses anos de doutorado. Primeiramente, aos meus pais, que sempre

me mostraram o valor do conhecimento e sempre me incentivaram a estudar, que me

ampararam financeiramente (são tempos difíceis para a pesquisa), e também emocionalmente,

eu não tenho palavras para exprimir a minha gratidão por tudo que vocês fizeram e fazem por

mim. Agradeço também ao Lucas, meu companheiro, amigo, consultor de Excel, proof reader

e incentivador, a sua companhia faz toda a diferença.

Page 6: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

RESUMO

A estrutura produtiva global vem passando por grandes mudanças. Ao longo das

décadas de 1980 e 1990, verificou-se uma intensa fragmentação e dispersão geográfica de

atividades. Apesar dessa dispersão, as atividades de maior valor agregado das redes

produtivas continuam concentradas em apenas algumas cidades, que desempenham diferentes

papeis em diferentes redes produtivas. A partir dessas considerações, a presente tese analisou

o papel das cidades como locais estratégicos para o acoplamento de países e regiões às redes

globais de produção, abordando o caso do Rio de Janeiro, no contexto das cidades da América

do Sul, evidenciando o papel que a cidade desempenha no acoplamento à rede de petróleo e

gás. Para isso, foram usadas diversas bases de dados, entrevistas e foi aplicada a metodologia

de redes. Os resultados obtidos evidenciam que a cidade do Rio de Janeiro se destaca entre as

cidades da América do Sul, desempenhando diversas funções, especialmente a de produção de

conhecimento, atividade de alto valor agregado e que possibilita maior captura de valor. Esse

papel de destaque, em relação às outras cidades da região, está fortemente ligado ao fato do

Rio de Janeiro sediar a Petrobras.

Page 7: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

ABSTRACT

The global productive structure has undergone great changes. Throughout the

1980s and 1990s, there was an intense fragmentation and geographical dispersion of

production stages. Despite this dispersion, the higher value-added activities of the productive

networks remain concentrated in only a few cities, which play different roles in different

productive networks. Based on these considerations, this thesis analyzed the role of cities as

strategic locations for the coupling of countries and regions to global production networks,

addressing the case of Rio de Janeiro, in the context of the South American cities,

highlighting the role the city plays in the coupling to the oil and gas network. To do so, we

used several databases, interviews and applied the network methodology. The results show

that Rio de Janeiro stands out among the South American cities, performing several functions,

especially the knowledge generation, a high value-added activity, which allows greater value

capture. This prominent role, comparing to other cities in the region, is strongly linked to the

fact that Petrobras is headquartered in Rio de Janeiro.

Page 8: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Formas de acoplamento às redes globais de produção ............................................ 31

Gráfico 1 - Evolução das reservas provadas na América do Sul, de 2003 a 2016 (ton. Barris).

.................................................................................................................................................. 48

Figura 2 - Análise de cluster das cidades da América do Sul, a partir de variáveis

selecionadas, no período de 2007 – 2016 ................................................................................. 73

Figura 3- Rede de investimentos de petróleo e gás da América do Sul, no período 2007 - 2016

.................................................................................................................................................. 83

Figura 4 - Comunidades Louvain na rede de IDE e F&A em petróleo e gás na América do Sul,

no período 2007 - 2016 ............................................................................................................. 89

Figura 5 - Locais de administração das atividades das empresas operadoras nos poços de

petróleo e gás da América do Sul ............................................................................................. 98

Figura 6 - Locais de administração das atividades das empresas prestadoras de serviço nos

poços de petróleo e gás da América do Sul ............................................................................ 101

Figura 7 - Rede de conhecimento de petróleo offshore, a partir da localização de inventores

em patentes concedidas pelo USPTO, no período de 2007 – 2017 ........................................ 117

Page 9: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

LISTA DE TABELAS

Quadro 1- A abordagem de cadeias globais de commodities e de valor versus a abordagem de

redes globais de produção......................................................................................................... 27

Tabela 1 – Petroleiras estatais na América do Sul.................................................................... 48

Tabela 2 - Resultado do primeiro leilão público organizado pela ANP ................................... 53

Tabela 3 – Principais tópicos abordados pela literatura sobre a função das cidades em um

contexto de globalização .......................................................................................................... 64

Tabela 4 – Variáveis empregadas na análise e suas respectivas proxies .................................. 68

Tabela 5 – Grau de centralidade das cidades da América do Sul, a partir dos fluxos de IDE e

F&A em petróleo e gás, no período 2007 - 2016 ..................................................................... 69

Tabela 6 – Papel de gateway das cidades da América do Sul, a partir dos fluxos de IDE e

F&A em petróleo e gás, no período 2007 - 2016 ..................................................................... 71

Tabela 7 – Funções das cidades da América do Sul, de acordo com a descrição de projetos de

IDE e F&A, no período 2007 – 2016 ....................................................................................... 72

Tabela 8 – Outdegree da rede de investimentos em petróleo e gás da América do Sul, no

período de 2007 – 2016 ............................................................................................................ 84

Tabela 9 - Principais empresas investidoras na cadeia de petróleo e gás da América do Sul, no

período 2007 – 2016 ................................................................................................................. 85

Tabela 10 – Resumo dos dados coletados na base A barrel full............................................... 96

Tabela 11 –Localização das empresas prestadoras de serviços especializados para petróleo e

gás presentes na América do Sul. ........................................................................................... 102

Tabela 12 - Lista de IPCs de tecnologias relacionadas à exploração de petróleo offshore ..... 113

Tabela 13 - Camadas mais internas do particionamento k-core da rede de conhecimento de

petróleo offshore, a partir da localização de inventores em patentes concedidas pelo USPTO,

no período de 2007 - 2017 ...................................................................................................... 118

Page 10: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 12

CAPÍTULO 1 - Arcabouço teórico e caracterização do setor de petróleo ............................... 18

1.1. As redes globais de produção: antecedentes e discussões ......................................... 20

1.2. Cidades globais e gateway ......................................................................................... 33

1.3. A indústria do petróleo .............................................................................................. 42

1.4. A constituição da rede de petróleo e gás no Brasil .................................................... 49

1.4.1. A fundação da Petrobras e o período pré-liberalização ........................................... 49

1.4.2. A liberalização do setor ........................................................................................... 52

1.4.3. Pré-sal e o período recente ...................................................................................... 56

CAPÍTULO 2 - Conectando o hemisfério Sul às redes globais de produção: avaliando o papel

das cidades da América do Sul na rede de petróleo e gás ........................................................ 60

2.1. Introdução ...................................................................................................................... 60

2.2. As cidades nas redes globais de produção ..................................................................... 61

2.3. Metodologia ................................................................................................................... 65

2.3.1. Coleta e tratamento dos dados ................................................................................. 65

2.4. Resultados .................................................................................................................. 69

2.4.1 Análise descritiva ..................................................................................................... 69

2.4.2. Categorização das cidades ....................................................................................... 73

2.5. Considerações finais: ................................................................................................. 75

CAPÍTULO 3 - A organização espacial dos fluxos de IDE e F&A da cadeia de petróleo e gás

na América do Sul .................................................................................................................... 77

3.1. Introdução ...................................................................................................................... 77

3.2. Discussão teórica ........................................................................................................... 78

3.3. Metodologia ................................................................................................................... 80

3.4. Resultados e discussão ................................................................................................... 82

3.4.1. A rede sul-americana de investimentos em petróleo e gás...................................... 82

3.4.2. A centralidade do Rio de Janeiro ............................................................................ 84

3.4.3. Formação de Comunidades ..................................................................................... 88

3.5. Considerações finais: ..................................................................................................... 90

CAPÍTULO 4 - A geografia das atividades da etapa upstream na América do Sul ................. 92

4.1. Introdução ...................................................................................................................... 92

4.2. A organização das redes globais de produção ............................................................... 93

Page 11: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

4.3. Metodologia ................................................................................................................... 94

4.4. Resultados e discussão ................................................................................................... 97

4.5.Considerações finais ..................................................................................................... 104

CAPÍTULO 5 - A inserção de locais ricos em recursos naturais do Sul Global em redes de

conhecimento: o Rio de Janeiro na rede de conhecimento de petróleo offshore .................... 106

5.1. Introdução ................................................................................................................ 106

5.2. A produção de conhecimento em um contexto de redes globais de produção ............ 107

5.3. A dinâmica de produção de conhecimento no setor de petróleo ................................. 110

5.4. Metodologia: ................................................................................................................ 112

5.5. Resultados e discussões ............................................................................................... 115

5.6. O Rio de Janeiro na rede de conhecimento de petróleo offshore ................................. 119

5.7. Considerações finais .................................................................................................... 122

CONCLUSÃO .................................................................................................................... 124

Referências Bibliográficas:..................................................................................................... 129

Page 12: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

12

INTRODUÇÃO

A presente tese foi desenvolvida com apoio da FAPESP, processo n.

2016/06888-1, no âmbito do projeto “Gateway cities and their hinterland: global cities from

the Global South as nodes in global commodity chains”, desenvolvido com o financiamento

do consórcio FAPESP - DFG, em cooperação com pesquisadores brasileiros e alemães. O

projeto teve como objetivo mostrar como algumas cidades do Sul global funcionam como

intermediárias entre as suas respectivas regiões e a economia global, analisando o caso da

indústria de petróleo e gás na América do Sul, África subsaariana e sudeste asiático.

A estrutura produtiva global vem passando por grandes mudanças. Ao longo das

últimas décadas verificou-se uma intensa e crescente fragmentação e dispersão de atividades.

Esse processo foi marcado pela transferência internacional de etapas produtivas, de maneira a

aproveitar as possibilidades de redução de custos, acompanhada de ganhos de economias de

escala e escopo, viabilizados pela ampliação dos mercados e pela gestão coordenada de

atividades geograficamente dispersas. O processo de produção passou a ocorrer em uma

configuração de rede internacional, integrando diferentes locais e diferentes empresas

(HIRATUKA E SARTI, 2015).

A partir dessa nova configuração, a economia global recente pode ser definida

como uma série de complexas redes globais de produção, nas quais os fluxos materiais e

imateriais são controlados e coordenados por atores distribuídos em diversos locais (COE et

al, 2010). Nesse contexto, diversos atores (empresas, Estado, instituições financeiras e de

serviços) interagem, moldando as relações, a configuração das redes e a forma como os

diferentes locais estão inseridos nas redes. Essa inserção, por sua vez, condiciona as

possibilidades destes locais se desenvolverem economicamente (COE E YEUNG, 2015).

Embora essas atividades ocorram de forma globalizada e geograficamente

dispersa, os autores que abordam os aspectos espaciais de tal dispersão, afirmam que as

atividades de maior valor agregado, como as relativas ao controle e coordenação dessas redes

e à geração de conhecimento, ainda estão concentradas em poucas cidades, que, devido a esse

controle, concentram grande parte dos fluxos econômicos mundiais (SASSEN, 1991;

FRIEDMANN, 1986). Dessa forma, essas cidades aparecem como locais estratégicos para a

organização das redes globais de produção e também para a realização do acoplamento de

países e regiões às redes, já que essas cidades apresentam uma série de atributos que

possibilitam tal acoplamento.

Page 13: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

13

O papel das cidades como locais estratégicos para o acoplamento de diferentes

locais às redes globais de produção foi discutido por Scholvin et al (2017a, b), que destacam

que a integração às redes ocorre através de cidades que possuem determinados atributos,

como um grande setor de serviços, infraestrutura e mão de obra especializada. Essas cidades

teriam um papel estratégico especialmente em locais do hemisfério Sul, onde predominam as

desigualdades espaciais e problemas de infraestrutura.

A partir dessas considerações, a presente tese tem como objetivo geral analisar o

papel das cidades no contexto de produção globalizada e geograficamente dispersa. A

investigação desenvolvida neste trabalho destaca o papel das cidades como locais estratégicos

para o acoplamento de países e regiões às redes globais de produção, abordando o caso do Rio

de Janeiro, no contexto das cidades da América do Sul, evidenciando o papel que a cidade

desempenha no acoplamento à rede de petróleo e gás.

A opção pelo setor de petróleo e gás se justifica pelo fato deste ser um setor com

grande importância econômica, já que produz combustíveis e insumos que são empregados

em diversas indústrias, além de ser um importante fator para o entendimento da geopolítica e

das relações econômicas e de poder existentes entre diferentes locais.

Essa cadeia é globalmente dispersa, pois produtores e consumidores não se

encontram necessariamente no mesmo local, o que contribui para a formação de uma estrutura

global (BRIDGE, 2008). Adicionalmente, é possível delimitar o início dessa cadeia nas

atividades relacionadas à extração, e, sendo os poços de petróleo e gás geograficamente fixos,

é possível demarcar uma localidade na qual as atividades da cadeia produtiva têm início.

Dessa forma, a partir dos poços, é possível identificar como as atividades subsequentes da

cadeia estão localizadas espacialmente e quais são as localidades importantes para o

funcionamento dessa rede.

No caso da indústria de petróleo, o olhar no nível da cidade é apropriado por dois

motivos. Primeiramente, deve-se considerar que essa indústria é fortemente influenciada pelo

contexto regulatório dos países produtores. Ligado a isso, tem-se uma indústria caracterizada

pela proeminência das empresas estatais de países produtores, que exercem diferentes níveis

de influência no setor petrolífero de seus respectivos países, de acordo com a regulação

vigente. Finalmente, mas não menos importante, esse setor possui uma base de conhecimento

do tipo sintética (ASHEIM et al, 2007), pautada pela interação entre clientes, fornecedores e

prestadores de serviços especializados que, muitas vezes, devem fornecer soluções

personalizadas a problemas específicos. Essa base de conhecimento incentiva a aglomeração

das empresas em determinadas cidades para facilitar as interações entre os diferentes agentes.

Page 14: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

14

Essa aglomeração é ainda mais incentivada pelas características da indústria de petróleo, em

que as estatais são, ao mesmo tempo, importantes clientes e importantes atores políticos nas

indústrias locais. Assim, as empresas do setor petrolífero tendem a se concentrar na cidade

onde a sede da empresa estatal de petróleo do respectivo país está localizada.

Ao mesmo tempo, muitos países produtores não possuem uma estrutura completa

de produção domesticamente, e, muitas empresas estrangeiras estão localizadas nos países

produtores para cumprir requisitos condicionantes para a exploração e para facilitar as

negociações com os atores do setor, o que não necessariamente implica no desenvolvimento

de atividades de alto valor agregado nos países produtores (BREUL E REVILLA DIEZ,

2018). Assim, mesmo com a aglomeração de empresas em determinados locais, em muitos

casos, as empresas petroleiras e as prestadoras de serviços especializados continuam

recorrendo a fornecedores estrangeiros para produzir equipamentos e peças necessárias às

diferentes etapas produtivas, configurando uma estrutura de rede.

Além dos aspectos econômicos, geopolíticos e da estrutura industrial em si,

estudar a indústria de petróleo e gás no sul global, em um contexto de redes de produção, é

relevante também devido ao histórico de dependência e problemas associados a essa

atividade. O debate sobre os recursos naturais e o desenvolvimento econômico remontam aos

anos 1950, quando Prebisch (1950), Singer (1950) e Furtado (1957) abordaram algumas

questões relacionadas a um modelo de crescimento baseado em recursos naturais. Esses

trabalhos enfatizaram aspectos resultantes desse modelo, como a estrutura produtiva

heterogênea e especializada, a baixa elasticidade renda da demanda e a volatilidade dos

preços.

Em uma vertente semelhante, alguns autores também investigaram os efeitos das

exportações de recursos naturais na sobrevalorização da taxa de câmbio (CORDEN E

NEARY, 1982; GELD, 1988), cunhando o termo doença holandesa. Além desses aspectos, a

exploração desses recursos também evidenciaria a dependência econômica e tecnológica dos

países do sul global, em relação aos desenvolvidos do norte, e a influência dos últimos na

determinação de aspectos locais dos primeiros (CARDOSO E FALETTO, 1970). Para todos

esses trabalhos, os recursos naturais conduziam a um modelo de crescimento instável,

prejudicando a modernização e atualização dos países para atividades mais diversificadas e

intensivas em conhecimento.

No entanto, a literatura recente está mostrando uma perspectiva diferente sobre a

relação entre recursos naturais e desenvolvimento econômico. Alguns autores ressaltaram que

é possível mitigar a maldição dos recursos naturais e transformá-la em um presente se os

Page 15: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

15

países detentores de recursos se engajarem em atividades de geração de conhecimento e

tecnologia, superando a posição de meros fornecedores de recursos naturais, e usando-os

como plataforma para o desenvolvimento de atividades de alto valor-agregado e fazendo o

upgrading nas redes de produção (TORVIK, 2009; MARIN et al, 2015; CRESPI et al, 2018).

Nesse processo, o Estado é um ator fundamental para criar as condições necessárias para que

isso ocorra.

Para desenvolver a análise proposta, o presente trabalho integra duas abordagens

teóricas: a de redes globais de produção e de cidades globais e gateway. Ambas as abordagens

serão discutidas a fundo no capítulo 1, destacando como esses conceitos foram sendo

desenvolvidos ao longo do tempo. Para a análise empírica sobre o papel das cidades, foram

coletados dados em diversas fontes e foram realizadas, também, algumas entrevistas no

âmbito do projeto “Gateway cities and their hinterland: global cities from the Global South

as nodes in global commodity chains”. Embora o trabalho se baseie em diferentes bases de

dados, todas elas têm em comum a dimensão relacional. Essa dimensão é fundamental para o

desenvolvimento de análises baseadas nos conceitos propostos, já que, de acordo com tais

conceitos, o entendimento atual da produção e do desenvolvimento econômico se dá,

fundamentalmente, a partir de uma lógica de interligação, em que os atores não estão isolados,

mas inseridos em lógicas regionais e globais. Pensando nisso, em todos os capítulos são

realizadas análises baseadas na metodologia de redes.

Esta tese consiste, além do capítulo teórico, em quatro capítulos de análise

empírica, em formato de artigo, que buscam discutir e entender o papel das cidades,

principalmente do Rio de Janeiro, nas redes globais de produção. Os capítulos 2 e 3 discutem

a posição das cidades da América do Sul nas redes de investimentos de petróleo e gás de

forma agregada, abrangendo as diversas etapas da cadeia, através de dados sobre IDE

(Investimento Direto Estrangeiro) e F&A (Fusões e Aquisições). No capítulo 2 é proposta

uma categorização das cidades, baseada na sua centralidade, no papel de intermediária que

elas exercem (pensado sob a ótica do conceito de cidade gateway) e nas funções que elas

desempenham. No capítulo 3 é proposta uma análise sobre o poder que as cidades centralizam

nas redes de produção, quais os fatores que explicam esse poder e como ele é exercido em

uma dimensão espacial. Através das duas análises desenvolvidas a partir dos fluxos de IDE e

F&A, é possível avaliar mais diretamente o papel das cidades nas redes globais de produção, e

visualizar como o Rio de Janeiro se destaca no contexto da América do Sul.

Os capítulos 4 e 5 trazem discussões focadas em atividades específicas da rede: as

atividades administrativas e as de geração de conhecimento. O capítulo 4 discute a

Page 16: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

16

configuração espacial das atividades de coordenação da etapa upstream da rede de produção

de petróleo e gás, através da base “A barrel full”, mostrando como a política regulatória de

exploração nos países produtores influencia essa configuração. As análises desenvolvidas no

âmbito das redes globais de produção têm negligenciado o papel do Estado como um agente

crucial na organização dessas redes (HORNER, 2017). Na rede discutida, a de petróleo e gás,

o papel do Estado é ainda mais evidente, já que este detém os direitos sobre os recursos

naturais. Assim, uma discussão sobre essa rede deve necessariamente passar pela discussão de

como o Estado, em seu papel de regulador e de produtor, atua e como ele condiciona a

espacialidade dessa rede e, consequentemente, as possibilidades de acoplamento e criação de

valor.

O capítulo 5 trata especialmente do acoplamento às redes globais de produção

através da geração de conhecimento em um segmento específico dessa indústria: a exploração

offshore. Embora o setor de petróleo e gás seja considerado um setor maduro e de tecnologias

bem estabelecidas, esse segmento é intensivo em conhecimento, requerendo avanços

tecnológicos para a viabilização da exploração de novos poços de forma economicamente

eficiente e ambientalmente segura. A geração de conhecimento é uma atividade sofisticada e

de alto valor agregado, que possibilita não apenas a geração de valor, mas também a captura

deste. Dessa forma, estar inserido na rede como um local produtor de conhecimento é

fundamental para a captura de valor.

Essas quatro análises fornecem insights sobre como a configuração espacial dessa

rede produtiva e as atividades concentradas nas cidades analisadas podem incentivar ou minar

as possibilidades de desenvolvimento econômico local advindo do acoplamento às redes

globais de produção. Como esta tese é composta por quatro capítulos em formato de artigo,

que se baseiam em dados de diferentes fontes, cada capítulo apresentará uma breve discussão

teórica que norteia a análise a ser desenvolvida e uma explicação da metodologia específica a

cada análise.

A presente tese contribui para o entendimento da dinâmica das cidades de uma

região possuidora de recursos naturais (América do Sul), negligenciada pela literatura

(SURBORG, 2011), e o sistema global, identificando as cidades que contribuem para o

acoplamento dessa região às redes de petróleo e gás, que, por sua vez, também tem sido

negligenciado pela literatura sobre redes globais de produção (BREUL E REVILLA DIEZ,

2018). Essa identificação leva em consideração não apenas o papel das cidades como locais

concentradores de atividades administrativas e serviços, como ocorre com frequência na

Page 17: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

17

literatura de cidades globais, mas também como locais estratégicos para a produção e a

geração de conhecimento.

Ademais, a presente tese também contribui ao trazer uma visão crítica sobre os

benefícios obtidos através do acoplamento às redes produtivas globais, mostrando, através do

diferente papel desempenhado pelo Rio de Janeiro, em comparação a outras cidades da

América do Sul, a importância do papel do Estado nesse processo e da implantação de

políticas que favoreçam o desenvolvimento de atividades de produção de conhecimento e

tecnologia para o upgrading na rede.

Page 18: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

18

CAPÍTULO 1 - Arcabouço teórico e caracterização do setor de petróleo

Desde a década de 1970 ocorreram mudanças radicais na economia, que

culminaram com um novo padrão de organização espacial. Com a desregulação dos mercados

e do sistema de crédito global, desde o colapso de Bretton Woods em 1973, e o aumento da

globalização da produção e dos fluxos financeiros, não é mais possível os Estados se isolarem

da economia mundial (BRENNER, 1998). Assim, economias fechadas e centradas nos seus

respectivos mercados domésticos foram dando lugar a economias cada vez mais integradas e

organizadas sob uma nova forma de produção fragmentada, geograficamente dispersa e

internacionalizada.

Embora essa dispersão seja crescente, diversos autores verificaram que os fluxos

econômicos continuam concentrados em determinadas cidades, que concentram funções

administrativas e de coordenação de diferentes cadeias (FRIEDMANN, 1986; SASSEN,

1991). Para Brenner (1998), esse movimento de centralização dos fluxos em determinadas

cidades está relacionado com o surgimento de uma nova divisão internacional do trabalho,

dominada por empresas transnacionais, e com mudanças institucionais, que acompanharam

essa nova divisão.

No período pré-década de 1980, a divisão internacional do trabalho era baseada na

produção de matérias-primas pelos países periféricos e manufatura industrial nos países

centrais. Contudo, pós-década de 1980, com maior intensificação nas últimas décadas, houve

uma realocação de atividades, com a ida das indústrias para países periféricos, na busca por

mão de obra mais barata (BRENNER, 1998).

Esse movimento foi intensificado com as empresas americanas ao longo da

década de 1980, como resultado das políticas monetárias adotadas pelo governo. Após

sucessivos déficits no balanço de pagamentos e crescente inflação, houve perda de confiança

do mercado em relação ao dólar. Para conter tal desconfiança foi lançado um programa para

frear a inflação, em 1978, que previa diminuição dos gastos públicos e aumento das taxas de

juros. Na sequência, em 1979, foi lançada uma drástica política monetária, que ficou

conhecida como Plano Volcker (HELLEINER, 1994; BASSENS e VAN MEETEREN,

2015). Essa política implicou em um aumento expressivo dos custos de empréstimos para as

empresas americanas. Isso, associado a um dólar valorizado, exerceu grande pressão nos

custos da manufatura americana, incentivando as empresas a aumentarem o outsourcing

internacional. Com o passar do tempo, essa forma de produção foi se espalhando, conforme as

Page 19: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

19

empresas perceberam que esse movimento permitia maiores lucros, através da especialização

e dos ganhos com economias de escala e escopo (COE E YEUNG, 2015).

Essa reorganização, baseada na fragmentação, atingiu também as economias do

hemisfério sul. Com o novo formato produtivo e pressões crescentes para a abertura

econômica, países como China, Índia e Brasil foram integrados à economia global. Com isso,

as cadeias produtivas se internacionalizaram cada vez mais, concentrando algumas etapas

nestes novos players, que ofereciam vantagens como mão de obra barata, matéria-prima

abundante e grandes mercados domésticos (GEREFFI, 2013). Assim, novas cidades, inclusive

algumas do hemisfério sul, em áreas antes classificadas como periferia, passaram a ter

crescente importância nos fluxos de capital.

Além da reorganização espacial, Brenner (1998) afirma que também houve um

processo de desindustrialização de muitas cidades centrais, principalmente nos Estados

Unidos e na Europa, com aumento da presença dos serviços relacionados às atividades

administrativas nessas cidades. Dessa forma, as cidades do hemisfério norte, que antes

exerciam o seu poder na economia global principalmente como centros produtivos, passaram,

com a nova divisão internacional do trabalho e o novo formato produtivo, a participar da

economia global como centros administrativos, tornando-se centros de decisão, planejamento

financeiro e controle.

A partir dos novos formatos produtivo e de organização econômica que vêm se

delineando, algumas novas perspectivas de análise foram desenvolvidas, a fim de caracterizar

e discutir as implicações desse novo formato. Entre elas destacam-se as cadeias globais de

commodities, cadeias globais de valor e redes globais de produção. As duas primeiras

compartilham a mesma origem, já que a segunda é uma derivação direta da primeira. A

terceira, embora parta de pressupostos semelhantes aos das outras duas, diferencia-se mais

fortemente delas por incorporar ativamente aspectos institucionais. As três perspectivas têm

raiz na teoria de sistemas mundiais, sendo que as redes globais de produção também

incorporam aspectos relacionados à geografia econômica e à teoria de ator-rede, derivada de

estudos de sociologia do conhecimento científico (MCKINNON, 2012).

Outros conceitos também foram desenvolvidos com foco na organização espacial

e no papel que as cidades concentradoras de fluxos desempenham, tanto em uma perspectiva

global como em uma perspectiva de intermediação, mostrando como determinadas cidades

funcionam como canais entre as economias locais e o sistema global.

Essas vertentes teóricas vão orientar o desenvolvimento da análise proposta neste

trabalho. Portanto, faz-se necessário entender como esses conceitos foram desenvolvidos ao

Page 20: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

20

longo do tempo e os debates que orientaram as agendas de pesquisa relacionadas a eles. Essa

discussão será desenvolvida nas duas próximas seções. Além do entendimento dos conceitos,

também é importante entender a dinâmica específica envolvida no setor de petróleo e gás,

suas características e estrutura. Isso será abordado na terceira seção deste capítulo.

1.1. As redes globais de produção: antecedentes e discussões

No contexto de produção fragmentada e globalmente dispersa, três principais

perspectivas analíticas nortearam as pesquisas sobre o tema: cadeias globais de commodities e

de valor e redes globais de produção. As cadeias globais de commodities surgiram como uma

alternativa a forma como o mainstream vinha tratando os fluxos econômicos de larga escala,

que se tornaram cada vez mais intensos. A análise tradicional, pautada na visão do comércio

internacional que ocorria a partir da dotação de fatores de cada nação, mostrou-se insuficiente

para a análise da nova configuração que vinha se formando. Com isso, novas formas de

análise, como as cadeias de commodities, foram surgindo na tentativa de mostrar de forma

mais clara como tais fluxos ocorriam (BROWN et al, 2010).

De acordo com Bair (2005), o termo “cadeia de commodities” foi cunhado

inicialmente em um artigo de Hopkins e Wallerstein, de 1977. Nele, os autores destacavam a

sua visão sobre uma possível agenda de pesquisa sobre o tema de sistemas mundiais, pautada

em uma visão não ortodoxa da globalização. De acordo com essa visão, o processo de

globalização estava refletido na formação de uma cadeia de commodities, tratada pelos

autores como uma sucessão de processos envolvidos na produção de um bem final.

Embora esse termo tenha nascido com Hopkins e Wallerstein (1977), foi com

Gereffi e Korzeniewicz (1994), que ele assumiu um caráter mais dinâmico e se popularizou.

Os últimos definiram as cadeias globais de commodities como um conjunto de redes

interorganizacionais agrupadas em torno de um produto, ligando vários atores entre si e com a

economia global. A análise de uma cadeia de commodities mostra como a produção,

distribuição e consumo são moldados pelas relações sociais que caracterizam os estágios

sequenciais de aquisição de insumos, manufatura, distribuição, marketing e consumo. Para

Gereffi e Korzeniewicz (1994), essa abordagem permite visualizar as desigualdades espaciais

da economia mundial, em termos de acesso aos mercados e recursos.

Na apresentação do conceito, Gereffi e Korzeniewicz (1994) traçam como plano

de fundo para o seu desenvolvimento o fato de que a industrialização em escala global tem

Page 21: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

21

implicado em diversas mudanças, que têm sido vistas desde os anos 1970. Um dos resultados

dessas mudanças é a formação de uma estrutura produtiva global, na qual uma mercadoria é

produzida por muitos países, com cada nação desempenhando tarefas nas quais ela tem

vantagens de custos. O esquema produtivo que tem se configurado é baseado, assim, na

desagregação dos estágios produtivos e de consumo, extrapolando as fronteiras nacionais, sob

uma estrutura organizacional de rede.

Com o trabalho desses autores, o conceito de cadeias globais de commodities

passou a ser entendido não apenas como uma sucessão linear de etapas envolvendo a

transformação de matérias-primas em produtos, mas sim como um processo complexo que

conecta um conjunto de atividades produtivas. Além do entendimento sobre o funcionamento

da produção, os autores extrapolam o nível micro, mostrando também as consequências desse

formato, enfatizando como as cadeias reproduzem um sistema mundial hierárquico. Os

autores destacam, ainda, aspectos relacionados à criação de valor, sua distribuição e controle

dentro das redes transnacionais, que englobam desde a exploração da matéria-prima até

diferentes estágios de comércio e serviços (BAIR, 2005; DERUDDER E WITLOX, 2010).

Para Gereffi (1999), a abordagem da cadeia de commodity é especialmente

adequada para a análise do contexto de produção global, pois ela incorpora uma dimensão

internacional na análise, foca no poder exercido pela empresa líder em diferentes segmentos

da cadeia e ilustra como o poder muda ao longo do tempo. Essa abordagem vê a coordenação

da cadeia como uma fonte de vantagens competitivas, e olha para o aprendizado

organizacional como um dos mecanismos críticos pelos quais as empresas tentam melhorar ou

consolidar a sua posição dentro da cadeia.

Com essas considerações, uma das principais hipóteses dessa abordagem é que o

desenvolvimento econômico requer a conexão com as mais importantes empresas de um

setor. Essas empresas podem atuar em diferentes fases da produção, ou estar envolvidas no

fornecimento de componentes. O que vai efetivamente caracterizar as empresas líderes é o

fato de que estas controlam o acesso a importantes recursos produtivos, que geram os maiores

lucros em uma determinada indústria (GEREFFI, 1999).

Gereffi e Korzeniewicz (1994) identificaram quatro dimensões de análise das

cadeias globais de commodities:

1. Estrutura insumo-produto: uma cadeia de valor adicionado de produtos,

serviços, e recursos ligados em uma gama de indústrias relevantes;

2. Territorialidade: padrão da distribuição geográfica, que pode ser concentrada ou

dispersa;

Page 22: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

22

3. Estrutura de governança: as relações de poder e autoridade entre as firmas, que

determinam como os recursos serão alocados na cadeia;

4. Aspecto institucional: identifica como as condições locais, nacionais e

internacionais moldam o processo de globalização em cada estágio da cadeia.

Ao longo do desenvolvimento de seu trabalho, Gereffi se mostrará especialmente

preocupado com o terceiro aspecto, como em Gereffi et al (2005) e Gereffi e Lee (2016),

deixando em segundo plano as outras dimensões levantadas. Com a concentração do foco na

estrutura de governança, os estudos das cadeias de commodities foram abrindo espaço para os

de cadeias globais de valor, como Sturgeon et al (2008), Fernanadez-Stark et al (2011),

Gereffi et al 2005, entre outros.

Com esse foco, a forma como a empresa líder desenvolve as suas relações com as

empresas subordinadas dentro da cadeia se torna especialmente importante, sendo que o

aspecto poder passa a ganhar mais destaque. Em relação a isso, Gereffi (2013) considera que

as investigações sobre as formas de governança são fundamentais para entender como o poder

corporativo molda a distribuição de riscos e lucros em uma indústria, e para identificar quem

são os atores que concentram o poder e como ele está distribuído.

O desenvolvimento das categorias de governança tem forte vínculo com a teoria

dos custos de transação, além de considerar também as possibilidades de ganhos de escala e

escopo a partir da especialização. Assim, são levantados dois pontos principais:

1. Quanto mais específico é um produto ou serviço, mais provável é que ele

envolva investimentos específicos, o que aumenta o risco de oportunismo, eliminando a

possibilidade de terceirização ou tornando-a mais cara, devido à necessidade de salvaguardas;

2. Mesmo sem oportunismo, os custos de transação aumentam quando as relações

interfirma requerem grande coordenação, por exemplo, insumos que não são padrão envolvem

transferências de informações mais complexas e, consequentemente, interações intensas além

das fronteiras da empresa.

Considerando tais aspectos, Sturgeon et al (2008) destacam que existem 3 tipos de

relações de fornecimento, baseadas no grau de padronização da produção, enfatizando a

complexidade da troca de informação entre firmas e o grau de especificidade na produção:

1. Fornecedor de commodity: fornece produtos padrão;

2. Fornecedor cativo: fabrica produtos não padronizados, usando maquinário

dedicado às necessidades dos compradores;

3. Fornecedor-chave: fabrica produtos customizados pelos compradores e usa

maquinário com capacidade para atender a diferentes tipos de clientes.

Page 23: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

23

A partir das observações realizadas em estudos focados nessa área, como Gereffi

et al (2005), foram identificadas cinco formas de governança:

1. Mercado: as ligações do mercado não são necessariamente transitórias, elas

podem persistir com repetidas transações. O ponto essencial é que os custos de mudar para

novos parceiros são baixos para ambas as partes.

2. Cadeia de valor modular: os fornecedores nessas cadeias fabricam produtos de

acordo com as especificações dos clientes. Entretanto, quando fornecem serviços turn-key,

eles tomam toda a responsabilidade pelas competências envolvidas no processo tecnológico,

usando maquinário genérico que limita as transações de investimentos específicos.

3. Cadeia de valor relacional: ocorrem interações complexas entre compradores e

vendedores, que criam dependência mútua e altos níveis de especificidade de ativos. Muitos

autores destacam o papel da especificidade espacial no suporte dessas ligações. Contudo,

confiança e reputação podem funcionar para redes dispersas, em que as relações são

construídas ao longo do tempo.

4. Cadeias de valor cativas: pequenos fornecedores são dependentes de grandes

compradores, com alto grau de monitoramento e controle por parte das empresas líderes.

5. Hierárquica: essa forma de governança é caracterizada pela integração vertical,

com controle administrativo.

Algumas condições são especialmente importantes para a determinação de qual

forma de governança prevalecerá na cadeia, como a complexidade das transações, o nível de

codificação das informações requeridas para o desenvolvimento de determinada atividade, e

as capacitações dos fornecedores (GEREFFI et al, 2005).

Os autores envolvidos nessa abordagem afirmam que outros aspectos também são

relevantes no estudo das cadeias de valor, como a história, as instituições, os contextos

geográficos e sociais e as “regras do jogo”. Contudo, eles defendem que uma abordagem

simples pode ser útil para isolar variáveis-chave e fornecer uma visão sobre as forças

fundamentais que interagem moldando as relações que se desenvolvem ao longo da cadeia

(GEREFFI et al, 2005).

A análise das cadeias de valor enfatiza a expansão global das cadeias e como o

valor é criado e capturado nelas. Por analisar todas as atividades que empresas e trabalhadores

desempenham para produzir um determinado bem, da sua concepção ao uso final, a

abordagem de cadeias de valor fornece uma visão holística das indústrias globais, a partir de

duas perspectivas: top down e bottom up. O aspecto fundamental para a visão top down é a

governança das cadeias. Já para a perspectiva bottom up, o principal aspecto é o upgrading,

Page 24: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

24

que foca nas estratégias usadas por países, regiões e outros agentes econômicos para manter

ou melhorar as suas respectivas posições na economia global (GEREFFI, 2013).

O upgrading é definido como o processo pelo qual agentes econômicos se movem

das atividades de baixo para as de alto valor adicionado dentro das cadeias de valor. O desafio

do upgrading econômico nas cadeias é identificar as condições sob as quais cada país e firma

podem melhorar o seu posicionamento na cadeia de valor (GEREFFI, 2013; SALIOLA E

ZANFEI, 2009).

A abordagem de cadeias globais de valor também incorpora a questão do

embeddedness, que será central para o desenvolvimento subsequente da abordagem de redes

globais de produção, relacionando-o à dependência de trajetória contida nos processos

econômicos. Nesse sentido, Sturgeon et al (2008) afirmam que a história da indústria, sua

organização social e o desenvolvimento das instituições locais importam, na medida em que

eles delineiam os limites e possibilidades de upgrading e de funcionamento da cadeia dentro

de determinadas estruturas. Dessa forma, a mudança em redes espacialmente embedded é

lenta e de trajetória dependente.

Emprestando conceitos como embeddedness e upgrading e, incluindo mais

ativamente aspectos institucionais e outros atores, negligenciados pelas abordagens de cadeia

de commodities e de valor, surge a abordagem de redes globais de produção. Essa abordagem

foi desenvolvida a fim de constituir uma estrutura analítica para análise da economia global e

de seus impactos no desenvolvimento regional, entendendo-se as regiões de forma plural,

podendo se tratar de estados, regiões subnacionais, supranacionais ou cidades (COE et al,

2014). Essa abordagem se destaca e diferencia em relação às outras ao dar forte peso à

territorialidade (DICKEN et al 2001), desenvolvendo a análise de forma multiescalar (COE E

YEUNG, 2015). Como nos conceitos de cadeias, a base para essa abordagem também é a

teoria de custos de transação (COE E HESS, 2006).

As redes globais de produção podem ser definidas como as funções e operações

interconectadas, organizadas globalmente por firmas e outras instituições para a produção e

distribuição de bens e serviços. Essas redes integram firmas em estruturas que extrapolam as

fronteiras organizacionais tradicionais, através do desenvolvimento de diversas relações, e

integram as economias de forma a impactar o seu desenvolvimento econômico. A natureza da

articulação das redes de produção centradas nas firmas é influenciada pelos contextos sócio-

políticos nos quais elas estão inseridas, sendo que esses contextos são territorialmente

específicos (COE et al, 2010; YEUNG, 2014).

Page 25: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

25

Embora as três perspectivas analíticas estejam pautadas em uma abordagem

relacional, com o objetivo de entender a dinâmica do desenvolvimento capitalista

contemporâneo em contextos locais e globais (COE E HESS, 2006), elas apresentam algumas

diferenças. Apesar de a abordagem de redes globais de produção emprestar várias ideias das

abordagens de cadeias de commodities e de valor, ela muda o foco da análise ao traçar como

objetivo final o entendimento de como o acoplamento dos diferentes locais a essas redes

condiciona as possibilidades de desenvolvimento econômico. Ademais, pela sua estreita

relação com a geografia econômica, o conceito de redes globais de produção incorpora de

forma mais ativa a questão da territorialidade às análises dos processos econômicos.

Mahutga (2014) afirma que tanto a abordagem de cadeias de commodities e de

valor como a de redes globais de produção investigam o mesmo fenômeno: a crescente

globalização da produção e a extensão na qual a economia vem sendo organizada. Para

Mahutga (2014), as duas literaturas se apoiam na ideia de que os diferenciais de poder têm

implicações para o desenvolvimento econômico, na medida em que alguns atores têm maior

capacidade do que outros em definir os termos sob os quais outros atores poderão fazer parte

de uma determinada rede. Ele considera que o grande diferencial entre as abordagens está no

fato de que enquanto a abordagem de cadeias está mais preocupada com as relações

interfirma, a literatura de redes de produção está mais orientada ao impacto de forças

adicionais, como instituições nacionais, regionais e globais, aspectos que Gereffi et al (2005)

também consideravam importantes, mas que foram suprimidos da análise ou adicionados de

forma secundária.

Os autores que desenvolveram o conceito de redes globais de produção criticam o

fato de que os termos “commodity” e “cadeia” exprimem ideias que não estão de acordo com

o formato produtivo atual. A preferência pelo termo produção, em vez de commodity, deve-se

ao fato de que o último é entendido, muitas vezes, como um produto padronizado e com certa

rigidez na forma de produção. Essa é a realidade de muitas atividades produtivas, mas não da

totalidade das atividades industriais. De acordo com esses autores, o uso do termo

“produção” também denota uma ênfase analítica em processos sociais envolvidos na

produção, como a reprodução de conhecimento, e o poder do capital e do trabalho

(HENDERSON et al, 2002).

Já o termo “cadeia” é criticado por dar a noção de uma linearidade de processos,

em vez de uma ideia de fluxos de materiais, produtos intermediários, design, produção, e

serviços financeiros e de marketing, organizados de forma complexa para a obtenção de um

produto final (HENDERSON et al, 2002). Assim, uma importante diferença entre os

Page 26: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

26

conceitos de cadeias e de redes de produção, de acordo com os autores da última vertente, é

que, no segundo, as diferentes etapas do processo produtivo vão acontecendo de forma

simultânea, com diversos agentes envolvidos (PEPPARD E RYLANDER, 2006).

Contudo, para autores relacionados à tradição de cadeias de commodities e cadeias

de valor, como Bair (2005), o processo descrito pela abordagem desenvolvida por Gereffi,

Korzeniewicz (1984) e outros não implica em tamanha linearidade e rigidez, mas sim se dá de

forma dinâmica e complexa. Logo, embora existam diferenças facilmente identificáveis

quanto à extensão de elementos incorporados a análise, a defesa de muitos autores da

abordagem de redes de produção de que as abordagens de cadeias não captam a dinâmica dos

processos por tratarem dele de forma linear, pode ser questionada.

Em resposta às críticas “semânticas” dos autores da abordagem de redes globais

de produção aos da abordagem de cadeias, Sturgeon et al (2008) defendem que a metáfora da

cadeia é propositalmente simplista, pois ela tem como objetivo direcionar o foco para a

localização do trabalho e para as ligações entre as diferentes etapas que circunscrevem a

produção de um produto ou serviço, desde o inicio até o final. Dessa forma, ela seria usada

para facilitar e como uma forma de conduzir o processo de pesquisa sistematicamente.

No mesmo trabalho, os autores explicitam mais uma vez a sua contrariedade às

críticas proferidas pelos autores da abordagem de redes de produção, afirmando que a

abordagem de cadeia de valor não assume um fluxo unidirecional de recursos, embora haja

um foco no poder do comprador, em detrimento de outros atores da cadeia. Esse foco, de

acordo com Sturgeon et al (2008), incentiva o estudo e o direcionamento de um olhar mais

atento às assimetrias de poder e às diferentes formas de governança que ela implica. Por fim,

a defesa dos autores ao usar o arcabouço analítico da abordagem de cadeias de valor se baseia

no fato de que essa abordagem fornece uma visão de nível meso, em que grandes estruturas

são visualizadas, ao mesmo tempo em que entidades e atores de menor escala, como

trabalhadores e empresas são considerados e incorporados à análise, o que pode ser visto em

Fernandez-Stark et al (2011), por exemplo.

Outra crítica dos autores da abordagem de redes de produção a abordagem de

cadeias é que a última se preocupa demasiadamente com o âmbito nacional, sem dar a devida

atenção ao fato de que os diferentes locais estão inseridos em várias redes de escopo regional

e global (COE et al, 2004). Esse entendimento é visto pelos autores da abordagem de redes de

produção como fundamental para o entendimento do desenvolvimento econômico, que tem

destaque dentro dos estudos que se apoiam nesse conceito.

Page 27: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

27

As diferenças e os ganhos da análise sob a perspectiva das redes globais de

produção foram mais bem explorados no trabalho de Coe e Yeung (2015) – Global

Production Networks 2.0 – que enfatizam, mais objetivamente, como a incorporação de

questões institucionais, que vão além da produção em si, são cruciais para o entendimento das

diferentes formas de acoplamento dos diferentes locais às redes de produção, e como essas

diferentes formas de acoplamento resultam em desenvolvimento econômico desigual. As

diferenças entre as abordagens, tanto quanto ao seu background teórico e objeto de análise,

estão sumarizadas no quadro 1:

Quadro 1- A abordagem de cadeias globais de commodities e de valor versus a

abordagem de redes globais de produção

Cadeias de commodities/

cadeias de valor

Redes globais de

produção

Área teórica

Sociologia econômica;

estudos de

desenvolvimento; estudos

sobre a indústria

Geografia econômica;

economia política

internacional

Objeto de estudo Redes interfirma em

indústrias globais

Configuração das redes

globais e desenvolvimento

regional

Conceitos

orientadores

Cadeias de valor

adicionado; modelos de

governança; aprendizado

organizacional; upgrading

industrial

Criação de valor,

melhoramento e captura;

poder coletivo, institucional

e corporativo;

embeddedness social, de

rede e territorial;

acoplamento estratégico

Influências teóricas

Teoria dos sistemas

mundiais; business;

comércio internacional

Geografia econômica

relacional; GCC/GVC;

teoria ator-rede; variedades

do capitalismo

Fonte: Adaptado a partir de Coe (2009 apud COE E YEUNG, 2015).

Page 28: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

28

McKinnon (2012) considera que três questões têm papel fundamental dentro da

análise de redes globais de produção: valor, poder e embeddedness. Dentro dessa abordagem,

entende-se que o valor pode ser criado através do controle de um produto ou processo em

particular, do desenvolvimento de capacitações organizacionais, e do aproveitamento de

relações interfirma, além de ativos mais intangíveis, como a marca. Devido à competição por

maiores fatias do mercado, é necessário também melhorar a forma pela qual se cria valor

dentro da rede, através de transferência de tecnologias e melhora nas capacitações produtivas.

Esses aspectos levantam a questão da captura de valor, pensando em quais atores e locais na

rede são capazes de se apropriar do valor gerado.

A forma como o valor é incorporado dependerá da estrutura e da atuação das

instituições, que pode se dar em três sentidos:

1. Criação de valor: através de esforços das instituições em atrair atividades de

alto valor agregado, promover a rede de fornecedores e encorajar atividades empreendedoras;

2. Melhoramento: envolve transferência de conhecimento e tecnologia e

upgrading industrial;

3. Captura de valor: relacionado diretamente às questões de poder e valor. O papel

das instituições na negociação dessas questões está ligado às suas políticas de

desenvolvimento, propriedade e governança corporativa (COE E YEUNG, 2015).

Henderson et al (2002) identifica três formas de poder dentro das redes de

produção: o poder corporativo, institucional e coletivo. O poder corporativo diz respeito ao

controle de uma empresa líder em uma rede sobre determinados recursos, informações,

conhecimento, capacitações e marca. O poder institucional é exercido pelos Estados e

instituições supranacionais, que podem desenhar um espaço institucional de acordo com as

políticas e práticas implantadas. Por fim, tem-se o poder coletivo, que se refere a agentes de

ampla representação, como sindicatos, organizações de trabalhadores e organizações não-

governamentais.

Hess (2004 apud MCKINNON, 2012) identifica três formas de embeddedness: o

social, que reflete como os atores estão inseridos nas perspectivas institucionais e regulatórias;

a da rede, que destaca as relações sociais e econômicas nas quais um ator ou firma participam;

e a territorial, referindo-se a fixação e mobilidade restrita de algumas redes em determinados

locais.

É possível adicionar, ainda, que todas essas questões são localmente específicas.

Logo, a territorialidade poderia ser incluída como uma quarta dimensão fundamental na

análise das redes globais de produção. Dicken et al (2001) afirmam que as redes têm uma

Page 29: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

29

territorialidade e organização específicas, que podem ser entendidas como resultado das

atividades que estão sendo analisadas. Por exemplo, algumas redes de abrangência global são

controladas por atores espacialmente distantes de onde as atividades ocorrem, o que é o caso

quando são analisadas as relações entre o mercado financeiro e a indústria. Entretanto, quando

analisamos redes como a de petróleo e gás, a territorialidade desta será fortemente

influenciada pela localização das reservas, consumidores e histórico de políticas locais

(privatização e nacionalização do setor, regras para exploração), já que se trata de uma rede

que depende de dotações geológicas e com forte influência do Estado (MARTINUS E

TONTS, 2015; MARTINUS E SIGLER, 2017).

Coe e Yeung (2015) consideram que a configuração e a governança das redes

globais de produção são determinadas basicamente por três tipos de atores: firmas, atores

extrafirma e intermediários. As firmas são as empresas que participam diretamente da

produção, sendo que as redes são constituídas em torno de uma empresa líder, que exerce

funções de controle e de coordenação da rede, e por empresas que ocuparão um papel menor,

como fornecedoras da empresa líder, mas que estarão inseridas ativamente na rede, através da

sua relação com ela (COE E YEUNG, 2015).

As firmas são os elos centrais através dos quais o valor é criado, mas atores

extrafirma, como o Estado e organizações de trabalhadores, também podem contribuir para

essa criação. Sobre isso, Horner (2017) afirma que o envolvimento do Estado nesse processo

é fundamental, sendo que o grau de envolvimento deste varia significativamente.

Outro grupo de atores que tem ganhado cada vez mais relevância são os

intermediários. Esses atores são, como o nome já diz, as empresas que auxiliam na mediação

dos diferentes processos envolvidos no funcionamento das redes. Entre esses intermediários é

possível destacar as instituições financeiras, empresas de logística e agências que estabelecem

normas e padrões (COE E YEUNG, 2015).

A importância das instituições financeiras vai além do papel destas como fontes

de financiamento para a atividade industrial. Com a massiva securitização dos ativos

corporativos e as mudanças na gestão financeira das firmas, a dimensão financeira tem sido

colocada no centro das redes de produção. As empresas líderes são geridas de forma

crescentemente motivada pelos interesses dos acionistas e agências de rating (COE E

YEUNG, 2015; LAZONICK E O’SULLIVAN, 2000). Em um contexto de produção com

atividades geograficamente fragmentadas entre diferentes firmas, as operações são

administradas considerando os diferenciais de taxas de juros, câmbio e sistemas tributários e

regulatórios, a fim de garantir que a geração, melhoramento e captura de valor sejam

Page 30: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

30

realizados da forma mais eficiente possível. Assim, as empresas produtivas têm recorrido

cada vez mais a empresas prestadoras de serviços financeiros que auxiliam a lidar com os

riscos financeiros envolvidos no novo modelo produtivo (COE E YEUNG, 2015).

As empresas de logística também estão no centro dessa nova dinâmica dispersa

geograficamente, por serem atores fundamentais para garantir o funcionamento dessas redes.

Assim, locais com boa estrutura logística são estratégicos para o estabelecimento de

atividades econômicas. Essa é uma das justificativas para a aglomeração de determinadas

atividades em alguns locais (SCHOLVIN, 2017a; COE E YEUNG, 2015).

A articulação entre esses três atores - firmas, atores extrafirma e intermediários - é

balizada pelos aspectos levantados anteriormente, a saber: valor, poder e embeddedness. Essa

articulação é fundamental para a determinação de se e como os diferentes locais vão se

acoplar às redes globais de produção e quais serão as implicações desse acoplamento para o

seu desenvolvimento econômico.

Para Coe et al (2004), o desenvolvimento econômico depende de três condições

básicas:

1. A existência de economias de escala e escopo;

2. A possibilidade de economias de localização dentro das redes globais de

produção;

3. A configuração apropriada de instituições.

Para Coe e Yeung (2015), o processo de acoplamento estratégico, crucial para o

desenvolvimento econômico, tem três características básicas:

1. Ele é estratégico, pois resulta de ações deliberadas dos atores envolvidos;

2. É contingente em termos de tempo e espaço, pois envolve relações temporárias

e eventuais de atores que, não necessariamente, vão interagir permanentemente;

3. Supera as barreiras territoriais, juntando atores que operam em diferentes

escalas espaciais.

Logo, muitas das decisões fundamentais para o acoplamento de uma região é

tomada por agentes que se localizam fora dela. Esse é um ponto-chave na perspectiva das

redes de produção, pois ela considera que agentes com papeis em diferentes localidades e com

funções em diferentes níveis (nacional, regional, estatal) interagem para moldar as redes.

Nesse processo, o papel das instituições é garantir que o acoplamento ocorra,

moldando os ativos regionais para servirem às necessidades das empresas líderes nas redes

(MCKINNON, 2012). Esse acoplamento pode ocorrer, basicamente, de três formas: interno,

funcional e estrutural. No acoplamento interno, ocorre um movimento de dentro para fora, no

Page 31: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

31

qual as redes locais, mais autônomas e capazes de capturar valor, participam das redes de

produção já existentes ou criam novas redes regionais. No acoplamento funcional, as

empresas locais se concentram em atender às necessidades de uma rede específica e já

estabelecida. Os graus de autonomia e captura de valor neste caso são menores do que no

primeiro. No terceiro caso, o acoplamento estrutural, ocorre um movimento de fora para

dentro, em que as redes de produção conectam uma região às redes já existentes, por causa de

seus ativos. O acoplamento estrutural tende a ser marcado por baixa autonomia e pouca

captura de valor local (COE E YEUNG, 2015). Os acoplamentos são ilustrados pela figura 1:

Figura 1 - Formas de acoplamento às redes globais de produção

Fonte: Adaptado a partir de Scholvin et al (2017a).

Ao tratar do acoplamento estratégico e das implicações de desenvolvimento

resultantes, essa vertente também se propõe a tratar o desenvolvimento sob uma perspectiva

diferente, afastando-se de uma análise centrada exclusivamente no Estado, e colocando as

empresas no centro da análise. Ao desenvolver tal análise olhando para a trajetória dos países

asiáticos, Yeung (2014) destaca as estratégias específicas das firmas para explicar as relações

firma-estado, e mostra o processo dinâmico pelo qual as firmas nacionais se dissociaram,

parcial ou completamente, das suas estruturas econômicas e políticas locais e se associaram a

empresas multinacionais líderes, nas redes globais de produção.

Ainda sobre isso, Yeung (2014) argumenta que, embora a ação do Estado tenha

sido muito importante no desenvolvimento da estrutura industrial asiática, foi a participação

em redes globais de produção que levou a mudanças na trajetória de desenvolvimento das

economias da região, a partir da década de 1990. Ele considera que o desenvolvimento

Page 32: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

32

exitoso das indústrias asiáticas locais levou a uma maior integração das indústrias domésticas

aos mercados globais.

Coe e Yeung (2015) também olham para a Ásia ao afirmarem que algumas sub-

regiões, como Karnataka na Índia e as províncias costeiras da China têm estabelecido

políticas industriais altamente efetivas, que têm contribuído para a conexão dos seus

respectivos centros regionais (Bangalore e Shangai) a empresas líderes nas redes de produção.

Assim, a integração nas redes não é apenas resultado das iniciativas governamentais ou de

empresas locais, mas sim de ações empreendidas pelos dois atores (COE E YEUNG, 2015).

Essa visão afastada do Estado é fortemente criticada por alguns autores como o

Horner (2017) e Stephenson e Agnew (2015), que afirmam que, ao tratarmos de indústrias

extrativas, como a de petróleo, não é possível desvincular a rede do Estado, seja no seu papel

de regulador, produtor direto ou de agente responsável pela construção da infraestrutura

específica necessária para o funcionamento da indústria em suas diversas etapas.

Embora a abordagem de redes globais de produção incorpore vários outros

aspectos não contemplados pela abordagem de cadeias, a primeira também é criticada por

alguns autores por, apesar dos esforços, ainda negligenciar questões centrais para o

entendimento do funcionamento da economia global. Sobre isso, Mahutga (2014) afirma que,

embora a questão do poder esteja inserida na análise de forma significativa, como destaca

McKinnon (2012), os diferenciais de poder, fundamentais para o entendimento das relações

entre os diferentes atores, ainda não são tratados com a devida importância.

Ravenhill (2014) também apresenta uma crítica, tanto à abordagem de cadeias

como à de redes de produção, afirmando que muitos estudos desenvolvidos a partir dessas

perspectivas teóricas mostram que a fragmentação da produção gera ganhos para todas as

partes e que as empresas líderes costumam ter interesse em aumentar as capacitações dos seus

fornecedores, assim como de melhorar a qualidade e a eficiência dos custos das suas

operações. Contudo, o autor considera que esse modelo, ao contrário da visão otimista de

muitos estudos, baseia-se na reserva da empresa líder das partes da cadeia em que as barreiras

à entrada e o lucro são maiores, enquanto os fornecedores costumam operar com baixas

margens de lucro e em etapas mais expostas à competição de outras empresas, o que

evidencia a assimetria de poder existente entre os agentes, que, assim como a crítica feita por

Mahutga (2014), não é tratada tão amplamente pelos teóricos dessas abordagens.

Embora, assim como outros conceitos, o de redes globais de produção seja

passível de críticas, como as reportadas nos parágrafos anteriores, essa abordagem ainda se

mostra como a mais adequada para a análise que se pretende desenvolver nesta tese, pois

Page 33: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

33

permite a inserção ativa na análise não apenas de empresas, mas também de organização

governamentais e instituições, o que é feito apenas de forma marginal na abordagem de

cadeias.

1.2. Cidades globais e gateway

Identificando o papel concentrador de determinadas cidades e a fim de discutir o

papel das cidades dentro do novo contexto de produção fragmentada e dispersa, foi

desenvolvido o conceito de redes de cidades globais, que tem como principais expoentes

Friedmann, Sassen e, mais recentemente, Taylor. Esse conceito foi a base para o

desenvolvimento de diversos trabalhos que tentaram discutir o papel das cidades nesse novo

contexto. Entretanto, o conceito de cidades globais apresenta algumas limitações no que diz

respeito à ênfase excessiva nos serviços e a capacidade de análise de cidades do Sul global.

Para Brenner (1998), a formação das cidades globais está ligada à globalização do

capital e às mudanças nas dinâmicas espaciais. As cidades globais estão situadas em um plano

organizacional mais amplo, pois elas estão vinculadas às instituições dos países em que se

localizam. Elas são locais estratégicos, promovidos pelos seus países como nós para o

investimento de capital transnacional.

Parnreiter (2014) afirma que a formação da cidade global se dá a partir de dois

importantes movimentos:

1. dos fluxos das firmas prestadoras de serviços produtivos nas cidades globais

para empresas localizadas nessas mesmas cidades, ou em outros locais, que operam ou

coordenam cadeias de commodities;

2. da formação de centros de negócios globais e regionais, que geram ligações que

transbordam a rede de cidades globais, conectando-as a várias outras localidades, nas quais

ocorre a produção para o mercado mundial.

Os ganhos analíticos proporcionados pelo estudo das cidades globais em um

contexto de produção funcionalmente fragmentada e geograficamente dispersa já foram

discutidos em um volume editado por Derudder e Witlox (2010). De acordo com os autores,

essa articulação tem a ver com o fato de que o conceito de cidade global e os novos modelos

produtivos partem de uma ideia em comum: a de que a dinâmica de desenvolvimento

econômico em uma localidade está relacionada com como essa localidade tem sido

transformada pela sua participação em redes de produção, conhecimento, capital, trabalho e

Page 34: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

34

poder (DERUDDER E WITLOX, 2010). Essa participação, por sua vez, se dá através das

filiais e escritórios de corporações internacionais presentes nessas localidades e de todo o

aparato de serviços especializados que estas localidades dispõem para dar suporte à produção

globalizada.

As cidades globais aparecem como nós críticos para várias cadeias, pois elas

fornecem insumos essenciais para o funcionamento delas. De acordo com os estudiosos do

tema, toda cidade global é um nó de serviços para uma gama de cadeias, e são os produtores

de serviços que mantém as conexões entre as cidades. Desde o empréstimo de capital para

iniciar a produção, passando pelas empresas de serviços financeiros, de tecnologia da

informação, consultoria especializada, publicidade e serviços específicos a determinados

setores, o fornecimento de serviços nas cidades é fundamental para ligar espaços dispersos de

produção e consumo, sendo fundamentais para o sucesso das cadeias (BROWN et al, 2010).

De acordo com COE et al (2014), as empresas de serviços tendem a se aglomerar

em cidades globais com o objetivo de obter vantagens de economias de aglomeração,

localizando-se perto das sedes de empresas do setor produtivo. Dessa forma, as cidades

globais abrigam empresas transnacionais que organizam a produção global em grandes e

complexas escalas e abrigam também, as empresas de serviços que dão suporte a tal escala.

A ideia de uma economia mundial articulada através de cidades não é nova. Já em

1915, Geddes tratava dessa ideia e Hall (1966), seguindo a sua linha, definiu as cidades

mundiais como aquelas nas quais, proporcionalmente, uma grande parte das atividades

econômicas do mundo era conduzida. Contudo, a ideia de que algumas cidades tinham um

papel estratégico começou a ser desenvolvida posteriormente, ao longo dos anos 1970 e 1980

por autores que focaram no fato de que um número crescente de empresas multinacionais

estava se fixando em algumas cidades, o que implicava em importantes consequências para o

funcionamento da economia mundial. Inicialmente, o foco dos estudos que iam nessa linha

estava nas corporações multinacionais, e não no setor de serviços (SMITH, 2014).

Nesse sentido, os estudos seminais de Friedmann (1986) e Sassen (1991, 2001) e,

mais recentemente, os estudos de Taylor (2001, 2002, 2004 e 2009), são importantes

contribuições para o desenvolvimento e consolidação dessa linha de pesquisa, pois mostram

como os processos de globalização e dispersão da produção levaram à formação de uma nova

organização espacial, na qual os centros de negócios das cidades formam o coração da rede

urbana global, através de diferentes fluxos entre empresas.

Hymer e Cohen foram importantes precursores dos estudos nessa linha. Hymer

(1972) afirmava que os processos de tomada de decisão estavam centralizados em algumas

Page 35: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

35

cidades-chave, sendo que estas cidades seriam, assim, importantes centros de planejamento

estratégico para as empresas multinacionais. Dessa forma, o autor visualizava uma latente

hierarquia urbana com a centralização de funções estratégicas em um seleto grupo de cidades

de países avançados. Para o autor, essa centralização de atividades traria implicações quanto

às possibilidades de desenvolvimento dos diferentes locais, pois, aqueles que conseguissem

atrair as atividades mais sofisticadas realizadas pelas multinacionais, teriam melhores

possibilidades de se desenvolver economicamente, devido à proeminência dessas empresas

(BAILEY E DRIFFIELD, 2002).

Para Cohen (1981), as cidades funcionavam como centros da economia mundial,

incorporando importantes agentes, como corporações, instituições financeiras e empresas

prestadoras de serviços corporativos. Para o autor, as cidades que concentravam esses agentes

eram centros do controle corporativo e coordenação para a nova divisão internacional do

trabalho, que tinha na empresa multinacional e na organização das suas funções o seu cerne.

O conceito de cidade global foi mais desenvolvido e adquiriu mais importância

com Sassen e Friedmann, mas as abordagens de ambos diferem em alguns pontos, embora

partam das mesmas noções de globalização. Para Friedmann (1986), uma cidade global era

caracterizada essencialmente pela sua capacidade de acumular capital. Já para Sassen (1991),

não era apenas essa capacidade que caracterizava uma cidade global, mas também a

capacidade desta de interagir, em um contexto de rede, com outras cidades globais, através de

empresas que fornecem serviços de suporte à produção (ACUTO, 2011).

Friedmann (1986) considera que, apenas na década de 1980, o estudo das cidades

passou a ser ligado à economia mundial. O autor considerava que essa nova forma de tratar as

cidades oferecia uma perspectiva espacial na qual as fronteiras nacionais eram crescentemente

esquecidas. A concepção de Friedmann sobre as cidades abriu um novo caminho sobre como

trabalhar com o tema, que situa a cidade no contexto de desenvolvimento globalizado do

capitalismo. Nessa nova visão, algumas cidades desempenham um papel importante na

articulação das economias regionais e nacionais com a economia global, sendo locais-chave

para a realização do novo modelo produtivo vigente (ALDERSON E BECKFIELD, 2004).

Sobre este papel, Friedmann (1986) destaca sete aspectos relevantes para

entendermos as implicações dessa organização econômica e espacial:

1. A forma e a extensão da integração de uma cidade na economia mundial, e a

funções desempenhadas por ela na nova divisão espacial do trabalho serão decisivas para a

ocorrência de mudanças estruturais na cidade.

Page 36: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

36

2. Cidades-chave na economia são usadas pelo capital global como pontos de

comando e articulação da produção e dos mercados, sendo que as ligações entre estas cidades

permitem a identificação de uma complexa hierarquia espacial.

3. As funções de controle global das cidades são reflexo direto da sua estrutura e

dinâmica do setor produtivo. A expansão das cidades e sua ascensão como cidade global tem

ligação com determinados atributos dessas cidades, principalmente, em relação à estrutura de

transporte e comunicação e serviços de alto nível, como auditoria, seguros e serviços legais, e

finanças.

4. Cidades globais são locais de concentração e acumulação de capital

internacional.

5. As cidades globais são locais de grandes fluxos de imigração.

6. A formação das cidades globais traz a tona as principais contradições do

capitalismo, como a polarização de classes e espacial.

7. O crescimento da cidade global gera custos sociais que tendem a ser superiores

a capacidade fiscal do Estado.

Com esses pontos, Friedmann (1986) levanta não apenas os requisitos necessários

ao status de cidade global e ao pertencimento aos mais altos níveis hierárquicos urbanos, mas

também levanta as implicações sociais dessa posição. Para o autor, a função de cidade global

está baseada em uma estrutura urbana e econômica que torna determinadas cidades atraentes

ao capital transnacional. Em um contexto de rede, pode-se afirmar que as cidades globais são

como nós de ligação preferencial (BARABÁSI, 2009).

Sassen (1991) parte da ideia de que a dispersão espacial e a integração global

criaram um novo papel estratégico para as cidades. Para a autora, estas funcionam de quatro

maneiras:

1. Como locais de comando altamente concentrados da economia mundial;

2. Como locais-chave para o estabelecimento de serviços especializados e

financeiros, que têm substituído a manufatura na posição de setores líderes da economia;

3. Como locais de produção, incluindo a produção de inovações, nas principais

indústrias;

4. Como mercados para os produtos e inovações produzidos.

A autora afirma que as atividades econômicas vêm se concentrando em

determinadas cidades, o que têm relação direta com a existência de empresas prestadoras de

APS - Advanced Producer Services (SASSEN, 1991). Para a autora, o desenvolvimento da

corporação moderna e sua participação massiva em mercados internacionais fizeram com que

Page 37: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

37

o planejamento, administração, desenvolvimento de produto e pesquisa se tornassem

crescentemente complexos. Isso fez com que ocorresse um crescimento da dependência da

corporação por serviços, que, em contrapartida, possibilitaram o crescimento e

desenvolvimento de capacidades de alto nível no setor de APS (SASSEN, 1991).

Isso ocorreria devido ao fato de que as firmas que operam nesses serviços

necessitam de um ambiente rico em informação para manter a liderança no seu segmento.

Com a demanda por esses serviços em diversas áreas do globo, essas empresas se instalaram

em todas as regiões do mundo (SASSEN, 1991).

Os APS podem ser vistos como parte da capacidade de fornecimento das

economias. Eles são parte de uma economia intermediária mais ampla, e os serviços prestados

podem ser internalizados pela firma ou comprados de outra. Fazem parte dos APS os serviços

financeiros, legais, consultoria, de inovação, desenvolvimento, design, administração,

tecnologia de produção, manutenção, transporte, comunicação, distribuição, publicidade,

segurança e armazenamento. Essas atividades dão suporte à produção, por isso o nome de

serviços produtivos (SASSEN, 1991).

Os trabalhos de Friedmann e Sassen orientaram os desenvolvimentos no âmbito

da abordagem das cidades globais por muito tempo. Contudo, Martinus e Tonts (2015)

afirmam que os autores categorizam as cidades de acordo com atributos específicos, o que

implica em uma limitação de seus respectivos trabalhos, pois este escopo analítico negligencia

a complexa e dinâmica rede de relações existentes entre as cidades. Assim, em resposta às

limitações dos tradicionais estudos baseados na hierarquia das cidades, e mais voltados ao

ranqueamento dos locais de acordo com os seus atributos e características consideradas

estratégicas, surge uma nova corrente de estudos baseados em redes, mas ainda focados nos

APS.

Para os autores surgidos nessa corrente, uma abordagem de rede seria mais

eficiente no que diz respeito à captura de aspectos históricos de concentração, captando

também componentes regionais e locais da rede, sendo, consequentemente, mais eficiente no

entendimento da dinâmica de poder e padrões contemporâneos de produção. Um dos

principais expoentes dessa linha de estudos, que incorpora a ferramenta analítica das redes, é

Taylor. Atuando em uma linha semelhante à de Friedmann e Sassen, Taylor contribuiu

intensamente para a aplicação empírica desse conceito e para a sofisticação metodológica da

pesquisa sobre cidades globais.

Taylor (2001, 2004) estabelece uma ligação entre as cidades globais e o conceito

de redes. O autor considera que as rede de cidades globais são diferentes de outras redes, pois,

Page 38: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

38

enquanto a maioria das redes tem dois níveis, as de cidades globais têm três níveis: a

economia mundial, onde as ligações são estabelecidas; as cidades, que são os nós; e as

empresas de APS, que são os componentes que estabelecem as ligações entre os nós.

Para Taylor (2001), muitos centros financeiros e de negócios globais estão ligados

através de uma rede urbana, cuja intensidade das transações, especialmente em mercados

financeiros e transações em serviços avançados, tem aumentado desde a década de 1980. O

autor considera que as grandes cidades vêm consolidando a sua centralidade através das suas

conexões com outras grandes cidades no mundo. Consequentemente, as cidades vêm sendo

estudadas como nós em redes globais.

Embora Taylor incorpore certo dinamismo ao estudo das cidades globais, ele

ainda está focado nos APS. Diversos autores, como Jacobs et al (2011), Kratke (2014a),

Martinus e Tonts (2015), vêm criticando esse direcionamento da agenda de pesquisa dessa

área, afirmando que essa visão representa apenas uma faceta das cidades, não abrangendo a

complexidade das redes desenvolvidas nos diferentes setores, que podem incorporar cidades

que não apareceriam se apenas os APS fossem observados. Assim, diversos trabalhos de

escopo setorial vêm sendo desenvolvidos no âmbito das redes globais.

Jacobs et al (2011) trazem uma especialização setorial, embora ainda estejam

pautado nos APS. Os autores criticam a forma como a pesquisa na área vem sendo

desenvolvida e introduzem uma nova perspectiva a partir da consideração de que a

localização deve ser levada em consideração. De acordo com os autores, na pesquisa de

cidades globais muita atenção é dada aos APS, mas não é discutido se a especialização dos

APS pode influenciar a geografia das redes corporativas entre as cidades e quais fatores

explicam esse possível padrão geográfico.

Jacobs et al (2011) dão atenção às empresas que fornecem serviços para setores

específicos e consideram que o fato das empresas de APS oferecerem serviços a outras firmas,

que operam em uma gama de setores, pode gerar uma especialização de determinadas firmas

ou filiais na prestação de serviços para determinados setores. Esse argumento é um

contraponto a Sassen (1991), que afirma que essas firmas de APS fornecem commodities

organizacionais para dar sustentação às funções de comando e controle dos seus clientes

globais.

A especialização de APS e da existência de serviços específicos a determinados

setores, levantam a possibilidade de padrões de localização diferentes daqueles previstos pela

análise comum de cidades globais, se for admitido que esses serviços se aglomeram próximos

à indústria a qual eles são prestados. Assim, serviços especializados se concentrariam em

Page 39: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

39

cidades que são centros de comando e controle dos setores para os quais estes serviços são

prestados, mas que, não necessariamente, são centros de comando e controle em uma análise

mais agregada (JACOBS et al, 2011).

Já Kratke (2014a) e Martinus e Tonts (2015) desenvolvem uma vertente setorial

sem vínculo com a abordagem de APS. Eles se baseiam na ideia de que a forma como as

cidades estão inseridas na rede de cidades globais não se dá de forma padronizada, porque há

múltiplas formas de globalização. Assim, o foco exclusivo nos APS não seria suficiente para

captar o papel que as cidades desempenham na economia global. Os autores consideram que

as cidades assumem diferentes perfis, já que são nós importantes para muitas cadeias de valor.

Portanto, um estudo focado em um setor industrial específico é capaz de englobar as

particularidades da forma como as cidades participam na economia global, o que não é

possível em uma análise agregada.

Kratke (2014a) desenvolve um estudo sobre as redes formadas a partir da

indústria farmacêutica e de biotecnologia. O autor partiu da ideia de que a indústria

manufatureira também contribui para a formação da rede de cidades globais e que muitos nós

relevantes nas cadeias globais estão localizados em cidades fora do grupo de mais alto nível

hierárquico, obtido através da análise exclusiva do setor de serviços. Logo, a formação de

uma rede de cidades globais deveria ser concebida, de acordo com o autor, como resultado de

“múltiplas globalizações”, nas quais empresas de uma variedade de setores contribuem para a

conexão entre as cidades. Os resultados obtidos pelo autor corroboraram tal premissa, pois

mostraram diferentes cidades nas posições de maior centralidade, sendo que muitas delas não

costumam aparecer nos estudos tradicionais baseados no setor de serviços, o que reitera a

necessidade de atenção às globalizações múltiplas nas redes de cidades globais (KRATKE

2014a).

Mais recentemente, Martinus e Tonts (2015) desenvolveram um estudo voltado ao

setor de energia, identificando cidades centrais para o funcionamento das redes produtivas

desse setor. Nesse estudo, os autores afirmam que as particularidades do setor de energia,

como o alto grau de integração vertical, a participação dos governos nacionais, tanto na

regulação da exploração dos recursos como na produção direta através das empresas estatais,

implicam em certas particularidades. No estudo, Martinus e Tonts (2015) incorporam um

aspecto regional, mostrando algumas regiões principais no que diz respeito ao funcionamento

da cadeia de energia, sendo que cada uma delas apresenta um grupo de cidades que

concentram o poder administrativo de tal cadeia, tendo influência sobre a região na qual elas

Page 40: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

40

estão inseridas. Os autores consideram que tais cidades funcionam como intermediárias de

fluxos de capital e conhecimento, funcionando como pontes entre a esfera global e regional.

Captando essa relação de influência que algumas cidades exercem sobre as suas

respectivas regiões e o papel delas na integração da região à economia e às redes globais,

temos o conceito de “gateway cities”. Esse conceito parte de uma ideia considerada, porém

não explorada, nos estudos sobre cidades globais: o de que algumas cidades têm como

principal função a de conectar as suas respectivas vizinhanças globalmente. Essas cidades

gateway, além de serem importantes centros urbanos de negócios, são portas de entrada (e

saída) para uma determinada região ou país, atuando como agentes integradores da sua

própria região ou país, e destes com a economia global (BURGHARDT, 1971).

Quando o foco é no conceito de gateway, em vez de no de cidades globais,

desloca-se a atenção da questão de quais cidades dominam a economia mundial para como

essa dominância é exercida, ou seja, como as cidades gateway impactam as suas respectivas

regiões e país (SHORT et al, 2000).

Como os estudos mais tradicionais de cidades globais pautam-se na

hierarquização de cidades a partir dos APS, cidades como Nova York, Londres e Tóquio são

colocadas em um papel central. Entretanto, o processo de desindustrialização vivido por essas

cidades, fruto da nova divisão internacional do trabalho, não atingiu tão fortemente as cidades

de países em desenvolvimento, sendo que muitas delas ainda conservam a sua função de

centros de processamento industrial regional. Sendo assim, uma abordagem exclusivamente

baseada na análise da provisão de APS não é adequada para captar o papel e influência das

cidades do Sul global sobre as suas respectivas regiões e países e sobre como elas integram

tais regiões e países à economia global.

A partir dessas considerações, Scholvin et al (2017a) exploram aspectos que vão

além da tradicional discussão baseada em serviços, que predomina nos estudos voltados às

cidades globais. Ademais, os autores estabelecem uma nova abordagem para tratar as cidades

globais e gateway dos países em desenvolvimento. De acordo com Scholvin et al (2017a), as

cidades gateway atuam como intermediárias, sendo importantes centros para as suas

respectivas regiões e atuando como pontos de articulação das redes produtivas em cinco

aspectos principais: logística e transporte, processamento industrial, controle corporativo,

provisão de serviços e geração de conhecimento.

Transporte e logística são pontos fundamentais de articulação dentro das redes

globais de produção, sendo que cada rede tem necessidades específicas (transporte rodoviário,

ferroviário, marítimo ou aéreo), de acordo com os produtos transportados e com a estrutura da

Page 41: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

41

rede. Além de permitir fluxos de materiais e produtos, os serviços de transporte e logística

também são cruciais para a geração de vantagens competitivas, já que são capazes de atenuar

os custos relacionados à distância e tornar a cadeia de fornecimento mais eficiente. Dessa

forma, locais que não oferecem uma boa estrutura de transporte e logística podem ser

excluídos de determinadas redes produtivas (SCHOLVIN et al, 2017a).

As cidades gateway não desempenham apenas funções relacionadas ao setor de

serviços. Em muitos casos, elas são centros de processamento industrial. Dessa foram, elas

aparecem como centros de processamento de insumos das suas respectivas regiões e países,

onde empresas estrangeiras e nacionais se instalam para produzir para os mercados nacionais

e regionais (SCHOLVIN et al, 2017a).

As empresas transnacionais estão dispersas internacionalmente, com o objetivo de

obter vantagens a partir da execução de diferentes atividades em diferentes localidades, que

oferecem baixos custos, recursos e capacitações. Embora tal dispersão seja global, estudos

como o de Rugman e Verbeke (2005), mostraram que a organização das transnacionais se dá

através de escritórios regionais, que mantém relações próximas com as subsidiárias das

regiões e a sede da empresa, atuando como intermediários entre a organização regional e

global da empresa. Esses escritórios regionais concentram-se em algumas cidades que, de

acordo com Sigler (2013), tem a importante característica de incorporarem uma série de

atributos, como mão de obra especializada, boa estrutura de serviços e de transporte, entre

outras. Assim, devido a essa concentração, acabam desempenhando um importante papel

administrativo dentro das regiões cujas atividades são operadas a partir de tais escritórios

(SCHOLVIN et al, 2017a).

As empresas prestadoras de serviços, tão exploradas por Sassen (1991) e Taylor

em inúmeros trabalhos, também têm importante papel dentro das funções exercidas pelas

cidades gateway. Como explorado por Rabach e Kim (1994), as dispersão internacional

dessas empresas ocorreu, principalmente, com o objetivo de acompanhar as empresas que

contratavam os seus serviços e captar especificidades locais, como especificações de produto,

arcabouço institucional e regulatório, cultura e aspectos políticos. Elas se concentraram em

algumas cidades estratégicas, com frequência onde também estão as empresas para as quais

elas prestam serviços. Assim, as cidades gateway acabam desempenhando o importante papel

de centros de prestação de serviços (SCHOLVIN et al, 2017a).

A geração de conhecimento é o aspecto mais sofisticado das cidades gateway.

Dentro dessas cidades, as redes estabelecidas entre diferentes atores, como universidades,

instituições de pesquisa, empresas transnacionais e nacionais, favorecem o desenvolvimento e

Page 42: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

42

a transferência de conhecimento. Esses processos são de extrema importância, pois

possibilitam a adaptação de tecnologias já existentes às especificidades locais, o

desenvolvimento de tecnologias locais, além de favorecer o aprendizado, aspecto crucial no

processo inovativo como um todo (SCHOLVIN et al 2017a).

O conceito de cidades gateway é especialmente importante para a análise que será

realizada nesta tese, pois as cidades aqui analisadas integram áreas remotas na região, onde a

produção do petróleo tem inicio, à cadeia global de petróleo e gás. Entretanto, o conceito de

cidades gateway vem sendo empregado de forma marginal na literatura.

Embora Taylor (2002) considere que algumas cidades globais podem ser

classificadas como “regional command centres” e descritas como um ponto de articulação, ou

seja, um gateway entre as suas respectivas regiões e outras cidades globais, essa função não é

devidamente explorada no trabalho do autor que, ao contrário, tem mantido o foco nas

ligações existentes entre as diferentes cidades globais, negligenciando como essas ligações

transbordam essa rede e ocorrem também entre as cidades globais e os locais onde a produção

das diferentes cadeias ocorre e que, muitas vezes, estão fora da rede de cidades globais.

Até mesmo trabalhos focados na função gateway de determinadas cidades,

como Grant e Nijman (2002) e Parnreiter (2013) têm enfatizado a conexão que essas cidades

estabelecem com o sistema global, em detrimento da análise da sua conectividade em nível

regional.

Além disso, os estudos nessa área focam em um pequeno número de cidades,

principalmente na Europa ocidental e na América do Norte, havendo crescente interesse

também no leste e no sudeste da Ásia. Contudo, áreas como a América do Sul, entre outras,

não têm tido tanto destaque (SURBORG, 2011), havendo poucos trabalhos dedicados a elas,

como Rossi e Taylor (2005) e Rossi, Beaverstock e Taylor (2007). Adicionalmente, também

há um grande foco da análise em atividades voltadas ao setor financeiro (MARINGATI, 2011

apud SURBORG, 2011), ainda dentro do escopo dos APS.

1.3. A indústria do petróleo

A cadeia de petróleo e gás pode ser caracterizada por um conjunto de atividades

que ligam a exploração e produção (etapa upstream) de poços de petróleo e gás; o transporte,

refino e distribuição (etapa midstream); e a transformação de seus derivados pela indústria

petroquímica (etapa downstream), com uma gama de empresas atuando em cada uma das

Page 43: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

43

etapas (VALENTE, 2009; RUAS, 2012; OLIVEIRA, 2016). Embora diferente de cadeias e

redes produtivas tradicionais, como as de eletrônica e vestuário, Bridge (2008) considera que

a realização dessas etapas, que envolvem uma gama de empresas e locais em cada uma delas,

caracteriza a indústria de petróleo e gás como uma indústria na qual os projetos são realizados

em rede.

Essa indústria pode ser considerada como intensiva em capital, sendo composta

por grandes grupos que estão entre as maiores empresas do mundo. Essa indústria também é

caracterizada pela internacionalização das atividades, pois o fato de diferentes países

ocuparem as posições de grandes produtores e grandes consumidores estruturou o mercado

através de intensos fluxos de comércio internacional, com empresas atuando em várias partes

do mundo (RUAS, 2012).

O início da indústria de petróleo data da metade do século XIX, nos Estados

Unidos, e já no final do século, os derivados de petróleo eram importantes insumos, sendo

empregados em plantas industriais, substituindo o carvão nos navios, na forma de óleos

lubrificantes e, posteriormente, como alimento para o motor a combustão interna (LUSTOSA,

2002). A configuração geopolítica da indústria de petróleo foi sendo moldada ao longo do

tempo, refletindo a alternância de poderes entre os diferentes atores envolvidos no setor.

Desde o princípio, a indústria foi composta por grandes empresas,

internacionalizadas e verticalizadas, que dominavam o setor impondo controle de preços e de

produção, com destaque para a formação, já na década de 1930, do cartel internacional

conhecido como “sete irmãs”, formado pelas empresas Royal Dutch Shell, Anglo Persian Oil

Company (BP), Standard Oil of New Jersey (Esso), Standard Oil of New York

(Socony/Mobil), Standard Oil of California (Chevron), Texaco e Gulf Oil (LUSTOSA,

2002; RUAS, 2012).

No início da década de 1960, essas empresas, chamadas de IOCs (International

Oil Companies), chegaram a concentrar 90% da produção mundial. Essa dominância se

manteve até a década de 1980, quando elas controlavam aproximadamente 85% da produção

(MALECKI, 2013). Contudo, insatisfações com a forma de operação dessas companhias,

aliadas a mudanças geopolíticas e movimentos nacionalistas em importantes países ricos em

petróleo na África e no Oriente Médio, contribuíram para a formação da OPEP (Organização

dos Países Exportadores de Petróleo), em 1960, fundada por Irã, Iraque, Kwait, Arábia

Saudita e Venezuela, e com adesão posterior de outros países (LUSTOSA, 2002; MACHADO

E REIS, 2011).

Page 44: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

44

Além da formação da OPEP, a visão nacionalista em relação ao petróleo também

se materializou em outros países, como México e Brasil, que nacionalizaram os seus campos

de petróleo e criaram empresas estatais para a exploração deles, as chamadas NOCs (National

Oil Companies). Assim, ocorreu uma fragmentação na indústria de petróleo, pois, embora as

IOCs continuassem a dominar o refino e a tecnologia empregada, as atividades iniciais da

cadeia passaram a contar também com a participação das NOCs. Esse movimento fez com

que as IOCs procurassem reservas em áreas geográficas ainda não totalmente exploradas e de

mais difícil acesso, como Mar do Norte, Canadá e Austrália. Isso contribuiu para a expansão

da fronteira geográfica de exploração e para o avanço tecnológico na indústria, já que, para

viabilizar a exploração dessas áreas, foram necessários investimentos em P&D (Pesquisa e

Desenvolvimento), inclusive para a exploração offshore (LUSTOSA, 2002).

A configuração atual da indústria reflete esse movimento de aparecimento das

NOCs e diminuição das reservas exploradas por IOCs. Hoje, as NOCs controlam cerca de

90% das reservas mundiais e 75% da produção mundial de petróleo e gás (YANG E DONG,

2016). Contudo, as NOCs não são homogêneas entre si e muitas delas estão

significativamente atrasadas tecnologicamente em relação às IOCs, sendo que a dominância

de muitas se deve mais às questões regulatórias domésticas do que à eficiência (MALECKI,

2013).

Além dos grandes grupos petrolíferos, essa cadeia também é composta por

empresas que desempenham atividades mais especializadas, focadas em determinados

segmentos, compondo a chamada indústria parapetrolífera. As empresas dessa indústria são

responsáveis pela oferta de equipamentos e serviços especializados de suporte às atividades

da indústria de petróleo (RUAS, 2012).

De acordo com Ruas (2012), as empresas que compõe o segmento parapetrolífero

são muito heterogêneas, havendo desde empresas integradas e internacionalizadas até

empresas especializadas de atuação regional. Os fornecedores dessa área estão ligados à oferta

de produtos e serviços para a exploração, desenvolvimento e produção, como equipamentos e

serviços de prospecção e avaliação de estruturas geológicas, perfuração, cimentação,

elevação e bombeio, controle de fluxo, prevenção de explosões, processamento primário,

geração de energia, embarcações de apoio offshore e engenharia; ou refino, como

serviços de engenharia e montagem, fabricação de diversos equipamentos e estruturas,

produtos químicos, geração de energia, tanques de armazenamento, dentre outros.

Durante os anos 1990, as flutuações do preço de petróleo impactaram muitos

grupos envolvidos nesse setor. Tal movimento contribuiu para uma reestruturação da

Page 45: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

45

indústria, principalmente no que diz respeito às etapas upstream. Houve um intenso

movimento de fusões e aquisições, além de terceirização de determinadas atividades,

buscando economias de escala. Esse aumento na terceirização fez com que algumas empresas

parapetrolíferas ganhassem mais destaque no setor (BRIDGE, 2008).

As atividades da cadeia têm início com a identificação de locais com potencial

para a exploração. Como na maioria dos países o Estado tem jurisdição sobre o subsolo, ele

define os termos em que a exploração irá ocorrer e as empresas petroleiras devem adquirir os

direitos de exploração (BRIDGE, 2008; OLIVEIRA, 2016). A forma pela qual a atuação

dessas empresas vai ocorrer é definida de acordo com contratos, que podem ser, basicamente,

de quatro tipos: concessão, partilha, de serviços e joint ventures (MERCHÁN, 2015). A forma

de contrato vigente influencia fortemente a geografia desenvolvida pela cadeia de petróleo e

gás, já que, em muitos casos, a participação da NOC do país em que o campo de petróleo e

gás se encontra é obrigatória.

Na concessão, uma empresa adquire o direito de exploração e é proprietária

exclusiva do petróleo e gás produzidos, tendo que arcar com as taxas discriminadas no

contrato. Na partilha, embora as empresas adquiram o direito à exploração, as empresas

estatais do país em que o campo de petróleo e gás se encontra têm uma participação mínima

obrigatória no consórcio. No contrato de serviços, a NOC tem o direito exclusivo de explorar

os campos e pode contratar empresas, que receberão um pagamento pré-determinado. Nas

joint ventures, são formadas empresas mistas para a exploração dos campos. Os últimos dois

tipos de contrato são pouco comuns, sendo praticados em apenas alguns países (MERCHÁN,

2015).

Depois da aquisição dos direitos de exploração, serão realizadas pesquisas

sísmicas e perfuração. Após esta etapa, será construída a infraestrutura para possibilitar a

produção (OLIVEIRA, 2016). Ao longo do processo, as empresas operadoras contratarão

empresas prestadoras de serviços especializados, do segmento para petrolífero, que auxiliarão

em determinadas atividades.

Nas etapas de perfuração e completação ocorre uma parcela significativa dos

dispêndios necessários a um projeto de E&P (Exploração e Produção). Essas atividades da

cadeia são fortemente concentradas, com poucas empresas, como Schlumberger, Halliburton,

Baker Hughes e Weatherford (BLOOMBERG, 2017) respondendo por uma grande fatia do

mercado. Essas empresas se destacam pelo alto investimento em P&D (Pesquisa e

Desenvolvimento), o que constitui uma forte barreira à entrada nesse segmento (OLIVEIRA,

2016).

Page 46: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

46

Na perfuração, os requerimentos de capital necessário para a aquisição de

equipamentos também se colocam como barreiras à entrada. Os equipamentos utilizados nesta

etapa são construídos por fornecedores especializados e estaleiros, no caso da exploração

offshore (OLIVEIRA, 2016).

Na etapa de refino, os componentes mais leves são separados dos mais pesados,

produzindo uma ampla gama de combustíveis (gasolina, diesel, óleo combustível) e

matérias-primas (querosene, Nafta, asfalto, enxofre), que serão empregadas na indústria

química. Como existem diferentes tipos de petróleo, cada refinaria será construída de acordo

com o tipo de petróleo a ser processado e o mercado a ser atendido (VALENTE, 2009).

Na sequência, os combustíveis são transportados para os locais de

comercialização, o que requer uma complexa infraestrutura de logística e transporte. De

acordo com Stephenson e Agnew (2015), cada uma dessas etapas (upstream, midstream,

downstream) constitui uma rede diferente, nas quais atores específicos estão interagindo e o

Estado exerce diferentes papeis, seja como regulador, produtor ou agente responsável pela

infraestrutura necessária.

Considerando essas diferentes etapas, podemos exemplificar o funcionamento da

rede produtiva de petróleo e gás da seguinte forma: os projetos de E&P (Exploração e

Produção) são comandados por petroleiras (IOCs e NOCs), que, muitas vezes, se associam em

consórcios para dividir os riscos financeiros e geológicos. Além delas, também estão incluídas

algumas empresas parapetrolíferas, para as quais a perfuração costuma ser terceirizada.

Nesses projetos também estão envolvidas empresas fornecedoras de equipamentos, que

também podem fornecer serviços de manutenção, análise e processamento de dados

geológicos dos poços. Ademais, também são necessários serviços de suporte, de mais baixo

valor agregado, como serviços de pintura, manutenção e alimentação. Enquanto as

fornecedoras de equipamentos e as empresas terceirizadas de perfuração operam em nível

global, as empresas contratadas para atividades de suporte costumam ser empresas locais de

menor porte (BRIDGE, 2008).

Como já mencionado, a indústria de petróleo é fortemente influenciada pela

regulação dos Estados produtores nacionais. Essa característica faz com que, embora a

indústria esteja configurada em nível global, muitas das grandes empresas tenham unidades

operacionais em diversos países, concentradas, principalmente, nas cidades em que a sede da

respectiva NOC está localizada. Entretanto, autores que investigaram a organização

geográfica da indústria concluíram que essa presença, em muitos casos, se deve mais às

questões políticas do que à formação de redes de produção completas em nível nacional.

Page 47: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

47

Breul e Revilla Diez (2018) entrevistaram empresas atuantes nos diferentes ramos

da cadeia de petróleo e gás no sudeste asiático e descobriram que, embora elas possuíssem

unidades de operação nos países ricos em petróleo e gás, como Malásia e Indonésia, muitas

atividades administrativas de controle regional e de maior valor agregado, como refino e

P&D, eram realizadas em Cingapura, e a presença dessas empresas nos países produtores

estava fortemente ligada a motivos políticos.

Assim, podemos visualizar uma configuração de rede produtiva global na

indústria de petróleo e gás. Primeiramente, devido ao intenso comércio, seja de petróleo cru

ou derivados, que ocorre entre diferentes países, sendo influenciado por diferentes regulações

e contextos sócio-econômicos. Segundo, devido ao fato de que as diferentes etapas descritas

nos parágrafos anteriores estão fragmentadas entre diferentes empresas, muitas delas

localizadas em todo o mundo (BRIDGE, 2008). Terceiro, porque essas atividades ocorrem em

diferentes locais, por exemplo, o refino e a P&D são realizadas, em muitos casos, em locais

diversos de onde a exploração do poço ocorre; muitos fornecedores também estão localizados

em locais diversos, como é o caso dos fornecedores sul-coreanos e chineses, que se destacam

no ramo de plataformas offshore, e exportam materiais para a construção de instalações no

mundo todo, inclusive para o Brasil (OLIVEIRA, 2016).

A América do Sul tem se destacado mais recentemente como uma importante região

em termos de reservas. Como mostrado no gráfico 1, a região experimentou um intenso

aumento das reservas provadas ao longo dos anos 2000, passando a ser a segunda região do

mundo em números absolutos e apresentando crescimento médio anual das suas reservas no

período 2005-2015 de 12%, com o melhor desempenho no mundo (BP, 2016).

Page 48: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

48

Gráfico 1 - Evolução das reservas provadas na América do Sul, de 2003 a 2016 (ton.

Barris).

Fonte: British Petroleum, 2016.

O grande impulso de 2007 a 2010, que pode ser visto no gráfico 1, deve-se

majoritariamente à descoberta de novas reservas na Venezuela, e, em menor intensidade, às

descobertas do pré-sal no Brasil. Juntos, os dois países concentram 96% das reservas da

região, sendo que a Venezuela é o país com a maior reserva provada do mundo, concentrando,

sozinha, 92% das reservas da região.

O setor de petróleo e gás na América do Sul é marcado pela forte presença de

empresas estatais e de capital misto. A tabela 1 mostra todas as estatais do setor nos países da

região com a respectiva composição de capital.

Tabela 1 – Petroleiras estatais na América do Sul

Empresa País Capital

privado

PDVSA Venezuela 0

YPFB Bolívia 0

Petroecuador;

Petroamazonas Equador 0

Ecopetrol Colômbia 10%

YPF Argentina 49%

Petrobras Brasil 44,30%

Petroperu Peru -

Fonte: adaptado a partir de Grupo Faro, 2016.

-

50,0

100,0

150,0

200,0

250,0

300,0

350,0

20

03

20

04

20

05

20

06

20

07

20

08

20

09

20

10

20

11

20

12

20

13

20

14

20

15

20

16

América do Sul (total)

Brasil

Venezuela

Page 49: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

49

1.4.A constituição da rede de petróleo e gás no Brasil

1.4.1. A fundação da Petrobras e o período pré-liberalização

O início da exploração de petróleo no Brasil data do século XIX, quando foram

feitas as primeiras concessões para explorar campos petrolíferos na Bahia. Desde então,

muitas ações foram adotadas pelos governos brasileiros para melhorar o desempenho do país

neste setor e integrá-lo às redes produtivas globais. Essas ações permitiram a criação e

acumulação de capacidades internas, em particular na exploração offshore.

Entre outras importantes ações, está a criação da Petrobras. A empresa foi

fundada em 1953, no contexto dos movimentos nacionalistas, que influenciaram diversos

países e o setor como um todo, como discutido na seção anterior, e a partir da noção de que a

independência energética era algo fundamental para o crescimento econômico.

A fundação da empresa foi uma tentativa de dar inicio à indústria nacional,

formando uma rede produtiva internamente. A companhia foi criada com o claro objetivo de

atuar no Brasil e garantir que os ganhos da exploração de petróleo seriam capturados pelo

país. A lei de fundação da Petrobras, enviada ao Congresso por Getúlio Vargas, estabelecia a

criação de uma empresa de capital-misto, na qual 51% de participações seriam de propriedade

do governo e os outros 49% seriam comercializados entre investidores estrangeiros (ANP,

2015).

Inicialmente, a lei não previa que a Petrobras deteria o monopólio sobre as

diversas atividades da cadeia. Porém, devido a pressões de setores no governo e na sociedade,

e sob o lema “O petróleo é nosso”, foi iniciada uma campanha exitosa que garantiu o

monopólio da Petrobras sobre a exploração, produção, refino e transporte e a não

comercialização de participações na empresa. Apenas a distribuição e o setor petroquímico

ficaram de fora do monopólio da estatal (ANP, 2015). As outras etapas da cadeia, embora em

graus diferentes ao longo do tempo, foram mantidas sob o controle da Petrobras até a

liberalização do setor, em 1990.

Com a fundação da Petrobras e o monopólio estatal, foi garantido que, caso o

Brasil viesse a se tornar um país produtor de petróleo e começasse a gerar valor com essa

atividade, as rendas e lucros originados pelo setor seriam apropriados nacionalmente.

Entretanto, questões relacionadas às capacitações e outros ativos necessários para a execução

de projetos de E&P e geração de valor na área ainda estavam em aberto, já que a participação

Page 50: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

50

de empresas estrangeiras, que dominavam o conhecimento e a tecnologia na indústria, era

proibida.

Durante os anos 1970, as pressões na balança comercial causadas pela expansão

industrial ocorrida no âmbito do II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), associadas ao

aumento do preço de petróleo, devido ao choque de 1973, e ao fracasso na procura por

petróleo onshore, impulsionaram a Petrobras a iniciar buscas offshore. Essa decisão também

foi motivada pelo relatório de um consultor internacional, que afirmou não haver reservas

onshore comercialmente viáveis no Brasil (OLIVEIRA, 2012).

As buscas resultaram na descoberta da Bacia de Campos, em 1974. Entretanto,

sem tecnologia para atender aos desafios impostos pela exploração offshore, o setor de

petróleo brasileiro teve que reorientar a sua estratégia e as IOCs foram autorizadas a participar

dos projetos de E&P, embora de forma extremamente controlada, sob contratos de serviços

(OLIVEIRA, 2012). De acordo com esses contratos, se fosse encontrado petróleo, as

empresas IOCs teriam acesso aos ganhos pré-estabelecidos contratualmente, ou seja, as IOCs

atuariam como empresas contratadas com um pagamento previamente acordado. Se o petróleo

não fosse encontrado, as IOCs não ganhariam nada. Apesar dessas condições, 243 blocos

foram licenciados para 35 IOCs (OLIVEIRA, 2012), entre elas as gigantes Shell, Exxon, Elf

Total, Conoco e Texaco (LUCCHESI, 1998). Essa foi uma importante estratégia não apenas

para viabilizar a produção offshore, mas também para criar valor na área.

A fim de acelerar o desenvolvimento dos campos da Bacia de Campos, a

Petrobras começou a investir pesadamente em P&D, desenvolvida pelo Cenpes (Centro de

Pesquisa da Petrobras) e em parceria com diversas empresas e instituições internacionais do

setor. Essas parcerias deram origem ao PROCAP (Programa de Capacitação Tecnológica e

Desenvolvimento em Sistemas de Produção em Águas Profundas) 1000 e 2000. Esses

programas marcaram de forma definitiva o setor nacional e a atuação da Petrobras, pois eles

contribuíram para que a empresa fizesse o catch up com IOCs que lideravam a exploração

offshore e que, posteriormente, criasse as suas próprias tecnologias, delineando uma curva de

aprendizado de sucesso (OLIVEIRA, 2012; FREITAS E FURTADO, 2004).

Com essa iniciativa, as empresas multinacionais prestadoras de serviços

especializados com fortes capacitações na perfuração em águas profundas entraram mais

intensivamente no país, participando ativamente de projetos tanto de E&P como de P&D com

a Petrobras. Logo, essa iniciativa garantiu o melhoramento da geração de valor e o avanço da

Petrobras para a execução de atividades mais sofisticadas e de maior valor agregado dentro da

exploração de petróleo offshore, permitindo que fosse capturado valor nesse segmento.

Page 51: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

51

O PROCAP 1000 visava a perfuração a 1000m de profundidade e foi

desenvolvido pela Petrobras no período de 1986 a 1992, com o objetivo principal de adaptar

tecnologias já existentes, realizando o catch up com os principais atores internacionais. Em

1993 foi lançado o PROCAP 2000, agora também com o objetivo de produzir novas

tecnologias para a exploração a 2000m de profundidade (FREITAS E FURTADO, 2004).

De acordo com Freitas e Furtado (2006), comparando os dois programas, é

possível identificar uma mudança importante. Enquanto no PROCAP 1000, o foco principal

foi a absorção do conhecimento e a adaptação das tecnologias existentes que já estavam

disponíveis, já que algumas IOCs, como a Shell, as aplicavam no Golfo do México; no

PROCAP 2000, a Petrobras também se preocupou com a produção de novas tecnologias, com

base em pesquisas internas e cooperativas, já que o desafio da profundidade era ainda maior.

Ao longo desse tempo, as parcerias envolvendo empresas parapetrolíferas, como a Weir

Pump, Tronic, Pirelli, FMC Technologies, Foramer, Cameron, Siemens, universidades e

institutos de pesquisa, foram consolidadas (PRIEST, 2016; FURTADO E FREITAS, 2000).

No início da exploração offshore, durante a década de 1970 e no início da década

de 1980, a Petrobras comprava equipamentos de fornecedores internacionais, o que levou sua

taxa de compra interna (compras internas/compras totais) em 1980 para 52%. Isso ocorreu

porque as empresas locais não tinham experiência e capacitações para fornecer os

equipamentos necessários para os projetos de E&P em águas profundas. Entretanto, deve-se

lembrar que a fundação da Petrobras visava a criação de uma rede interna de petróleo e gás.

Logo, já em 1983, depois de transferir tecnologias para fornecedores domésticos, a taxa de

compra interna aumentou para 80% (SILVA E FURTADO, 2006). Com a política de compras

públicas da Petrobras e o aumento da taxa de compra interna, muitos fornecedores

internacionais estabeleceram filiais no Brasil ou fizeram parcerias com empresas brasileiras, a

fim de acessar o mercado brasileiro (ANP 1999 apud JESUS JUNIOR, 2015).

A trajetória seguida durante este período colocou o Brasil nas redes de pesquisas

globais de petróleo offshore e a estatal Petrobras tornou-se um importante ator na geração de

conhecimento em exploração de águas profundas. Além disso, o setor de petróleo brasileiro

começou a contar não apenas com as reservas como um ativo local na indústria do petróleo,

mas também com tecnologias de fronteira na exploração de águas profundas. O

desenvolvimento tecnológico obtido ao longo dos anos 1980 e 1990 permitiu não apenas a

criação e captura de valor local, mas também promoveu o melhoramento da geração de valor,

já que a empresa sofisticou seu processo de exploração e produção e se envolveu em projetos

avançados de pesquisa.

Page 52: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

52

No período pré-liberalização, o setor nacional contava com uma rede local

formada por fornecedores nacionais e internacionais, prestadores de serviços especializados

internacionais, IOCs e a empresa-líder, Petrobras.

1.4.2. A liberalização do setor

A liberalização do setor de petróleo brasileiro, ocorrida em 1997, deve ser

entendida como circunscrita a uma onda de liberalização de economias em desenvolvimento,

que adotavam posturas protecionistas. A essa onda foi somada a restrição de capital

experimentada pelos países da América Latina durante os anos 19801, que, associada a outros

fatores que não estão no escopo deste trabalho, contribuíram para colocar diversas empresas

estatais em uma situação financeira insustentável. Com isso, foi gerada também uma onda de

privatizações.

Essa onda inicialmente incluía a Petrobras, entretanto, esse plano foi rechaçado

por setores do governo e da sociedade. Em vez disso, o que foi feito foi a venda de 49% das

ações da empresa para investidores privados, tanto domésticos como estrangeiros. O governo

federal manteve os 51% das ações com direito a voto2 (OLIVEIRA, 2012).

A grande mudança no setor de petróleo e gás nesse período seria o fim do

monopólio da Petrobras, de acordo com a Emenda Constitucional 9/1995, que permitiu que

empresas internacionais de petróleo começassem a operar no Brasil sob o regime de

concessão. Também de acordo com essa emenda, seria criada uma estrutura institucional para

regular o setor e gerenciar a concorrência. Essa nova lei só viria a ser promulgada em 1997.

Dois anos depois da Emenda Constitucional, foi emitida a nova "Lei do Petróleo"

para regulamentar o setor e garantir sua competitividade. Nessa nova agenda regulatória, os

subsídios, importações e controle de preços foram eliminados para atrair mais investimentos

estrangeiros e fomentar a concorrência pretendida na exploração, produção, refino e

distribuição de petróleo (TROJBICZ, 2017). Com essas mudanças, o governo brasileiro

buscava atrair investimentos de IOCs, a fim de explorar mais amplamente a capacidade de

produção dos campos de petróleo nacionais (PRIEST, 2016) e ampliar a geração de valor

nesse segmento. Com o objetivo de executar a nova lei, a ANP (Agência Nacional de

Petróleo) foi criada como órgão regulador (TROJBICZ, 2017).

1 Mais detalhes em Tavares, 1985.

2 O Estatuto da Petrobras indica o número de ações ordinárias com direito a voto e de ações preferenciais sem

direito de voto.

Page 53: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

53

Com essa nova regulação, o licenciamento passou a ser realizado via leilões

públicos. No primeiro leilão realizado para a concessão dos direitos de exploração dos

campos de petróleo nacionais, em 1999, foram licenciados 14 blocos a 11 empresas de 6

países diferentes, como mostrado na tabela 2.

Tabela 2 - Resultado do primeiro leilão público organizado pela ANP

B

Bloco Empresa (%)

B

M-C-3 Petrobras (40)/ Agip(40)/ YPF(20)

B

M-C-4 Agip(55)/ YPF(45)

B

M-C-5 Texaco (100)

B

M-C-6 Petrobras (100)

B

M-

CAL-1

Petrobras (50)/ YPF(50)

B

M-ES-1 Esso (100)

B

M-ES-2 Unocal (40.5)/ Texaco (32)/ YPF (27.5)

B

M-

FZA-1

BP (30)/ Esso (25)/ Petrobras (20)/ Shell (12.5)/ British

Borneo (12.5)

B

M-

POT-1

Agip (100)

B

M-S-2 Texaco (100)

B

M-S-3 Amerada Hess (45)/ Kerr - McGee (30)/ Petrobras (25)

Page 54: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

54

B

M-S-4 Agip (100)

B

M-S-8 Petrobras (50) / Shell (40) / Petrogal (10)

B

M-S-9 Petrobras (45) / BG (30) / YPF (25)

Fonte: ANP, 2017.

Como mostrado na tabela 2, o primeiro leilão foi marcado pela intensa presença

da Petrobras, apesar do fim do monopólio, em diversas parcerias com empresas estrangeiras.

Essas parcerias com a estatal ocorreram em todos os leilões subsequentes que foram

realizados pela ANP. De acordo com Oliveira (2012), embora as IOCs pudessem concorrer

sem a associação com a Petrobras, elas preferiam não fazê-lo, especialmente em projetos de

alto risco, pois a estatal detinha expertise na exploração offshore e estava familiarizada com o

sistema político brasileiro e com a geologia nacional, o que a tornava uma parceira estratégica

para a atuação no mercado brasileiro. Consequentemente, mesmo após a liberalização do

setor, a Petrobras continuou respondendo por aproximadamente 90% da produção de petróleo

brasileiro durante os anos 2000 (ARAGÃO, 2005; ANP, 2017).

Após a nova "Lei do Petróleo", a Petrobras manteve seu foco no segmento

upstream, embora a sua maneira de operar tenha sofrido mudanças. Antes, as atividades dos

projetos de E&P da empresa eram concentradas pela própria Petrobras, que se encarregava de

organizar, negociar e contratar prestadores de serviços especializados e fornecedores. Após a

liberalização, a empresa adotou uma nova lógica operacional, com base em contratos EPC

(Engenharia, Compras e Construção) (SILVA E FURTADO, 2006). De acordo com esses

contratos, a Petrobras contratava um empreiteiro principal, que seria responsável pelo projeto

E&P e por contratar outras empresas, negociar os preços e realizar o controle de qualidade.

Dessa forma, a Petrobras deixaria de centralizar todas as atividades administrativas

envolvidas nos projetos de E&P e poderia concentrar seus esforços em atividades mais

centrais e estratégicas como planejamento (SILVA E FURTADO, 2006). Como discutido na

seção anterior, esse foi um processo ocorrido na indústria como um todo durante os anos

1990.

Alonso (2004) afirma que não havia empresas brasileiras capazes de operar sob

contratos de EPC nesse período (mais recentemente, empresas como Camargo Correa e

Page 55: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

55

Odebrecht3 entraram neste segmento). Desta forma, esses contratos foram estabelecidos com

empresas internacionais verticalmente integradas, como Hyundai, Marítima e Mitsubishi

(TEIXEIRA E GUERRA, 2003).

Como a Petrobras, mesmo após o fim do monopólio, se manteve como a principal

operadora no mercado brasileiro, o fato dela ter adotado contratos EPC como forma de

operação é crucial para entender todo o processo de desnacionalização da cadeia petrolífera

brasileira. De acordo com Teixeira e Guerra (2003), em muitos casos, as empresas de

contratação principal desenvolviam as unidades de produção offshore encomendadas em seus

próprios países, com a sua base de fornecedores, e apenas depois as enviavam para o Brasil,

não empregando fornecedores brasileiros para a sua fabricação. Essa nova possibilidade de

realocação espacial das atividades da cadeia de petróleo e gás implicou em um deslocamento

espacial de diversas atividades.

Nesse processo, os fornecedores domésticos acabaram tendo dificuldades em

sobreviver. A política de compras da Petrobras, embora visasse à estruturação de uma base de

fornecedores diversificada e moderna, não se preocupou em constituir uma estratégia na qual

as empresas instaladas localmente usassem o país como plataforma de exportação. Assim, a

segunda metade da década de 1990 testemunhou certo descolamento entre o crescimento da

atividade de exploração e a cadeia de fornecimento local, já que o Estado abandonou o seu

papel de comprador. Isso implicou em uma redução drástica da participação de fornecedores

locais em projetos de E&P (SILVA E FURTADO, 2006).

Silva e Furtado (2006) mostram a dimensão dessa mudança: em 1999, das 12

unidades de produção offshore encomendadas pela Petrobras, apenas uma foi construída no

Brasil. Isso também pode ser visto se analisarmos a participação de fornecedores nacionais

nos três leilões públicos iniciais, promovidos pela ANP. Na primeira rodada, a média da

participação dos fornecedores nacionais nos consórcios ganhadores foi de cerca de 25% na

exploração e 27% na produção. Na segunda rodada, esse número aumentou para 42% na

exploração e 48% na produção. Na terceira rodada, caiu novamente, para 28,4% e 32%,

respectivamente. Essa variação pode ser explicada pelo fato de que na primeira e terceira

rodadas a proporção de campos offshore a serem licenciadas foi maior do que na segunda

(TEIXEIRA E GUERRA, 2003). Comparando esses números com a média de 80% da taxa de

compra nacional da Petrobras alcançada durante a década de 1980, quando a política de

3 Essas empresas foram atores centrais nos escândalos de corrupção envolvendo a Petrobras, a partir de 2014.

Page 56: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

56

compras nacionais da Petrobras ainda estava em vigor, esses números são significativamente

inferiores.

Portanto, ao mesmo tempo em que a Petrobras se manteve como um ator central

na rede nacional e passou a interagir fortemente com IOCs que entraram no mercado nacional,

alavancando a geração de valor, foram perdidos elos da cadeia que possibilitavam a geração e

captura de valor na cadeia em outros segmentos, além da operação. Contudo, o fim da política

de compras por parte da Petrobras permitiu que a empresa atuasse de forma mais eficiente.

Logo, se por um lado foram perdidos elos da cadeia, com o enfraquecimento e extinção de

muitas empresas fornecedoras, por outro, a Petrobras teve o seu papel de empresa líder

alavancado.

1.4.3. Pré-sal e o período recente

O reservatório de pré-sal, descoberto em 2007, marcou uma nova fase para o setor

de petróleo no Brasil. O desenvolvimento dos recursos dessa camada implicou em altos custos

e grandes obstáculos tecnológicos, uma vez que as operações estão a 3000 metros no mar

(OLIVEIRA, 2016). Então, fez-se necessário o desenvolvimento de novos materiais e

equipamentos, bem como novas unidades de produção, como plataformas adaptadas, tubos

mais resistentes e flexíveis e tecnologias de perfuração de camada de sal (VIEIRA FILHO E

FISHLOW, 2017).

Para atender aos desafios impostos pelo pré-sal, a reativação do PROCAP foi

fundamental. O objetivo para o PROCAP 3000 era possibilitar a exploração de campos

potenciais em águas ultra profundas de até 3.000m, com foco na redução dos custos das

plataformas e no melhoramento da produtividade. Também como no PROCAP 2000, o foco

dessa etapa era a geração de inovações. Assim como nos programas anteriores, o PROCAP

3000 também contou com parcerias nas atividades de P&D entre a Petrobras e importantes

empresas estrangeiras do setor (SILVESTRE, 2015).

Outro movimento para atender aos desafios tecnológicos impostos pelo pré-sal foi

a criação do Programa Tecnológico para o Desenvolvimento da Produção dos Reservatórios

do Pré-sal (PROSAL), que estava orientado à resolução de questões relacionadas aos altos

custos de perfuração dos poços e ao calcário microbial, rocha predominante no pré-sal e ainda

pouco estudada no âmbito da exploração de petróleo (MORAIS, 2013).

Com a continuidade do desenvolvimento de pesquisas em associação com

empresas estrangeiras, a trajetória de melhoramento de valor teve novo ânimo com a

Page 57: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

57

descoberta do pré-sal, com a demanda por trabalho altamente qualificado na execução das

pesquisas e pela expansão dessa atividade de alto valor agregado internamente.

Esse período também foi marcado pelo grande número de investimentos da

Petrobras fora do Brasil, levando a um intenso processo de internacionalização. O principal

destino dos investimentos foi a América do Sul, mas também foram realizadas operações na

América do Norte e África. Posteriormente, alguns desses investimentos se mostraram

inviáveis, o que, somado a problemas financeiros, implicou em um plano de desinvestimento

por parte da empresa (PETROBRAS, 2015).

Além das pesquisas, outro traço marcante envolvendo o pré-sal é a política de

conteúdo local. Embora ela já constasse na “Lei do Petróleo” de 1997 como critério para a

concessão, ela ganhou força em 2003. Com a instituição dessa política, o Estado brasileiro,

que havia mudado a sua forma de atuação pós-liberalização, volta a assumir um papel forte na

regulação do setor.

Vale ressaltar que a adoção de políticas de conteúdo local na indústria de petróleo

e gás não é uma novidade. Esse tipo de política foi adotado inicialmente na década de 1970,

pela Noruega, na exploração de campos no Mar do Norte, e, além do Brasil, também há

políticas de cunho semelhante em outros países produtores, como Angola, Indonésia,

Cazaquistão, Malásia, entre outros (TORDO et al, 2013).

A política de conteúdo local no Brasil teve como principais objetivos o aumento

da participação da indústria nacional, o incentivo ao desenvolvimento de tecnologias

relacionadas à cadeia de petróleo e gás nacionalmente, o aumento das capacitações internas e

a criação de empregos. Os requerimentos de conteúdo nacional impostos pela ANP a partir de

2003 estão presentes em uma cláusula contratual, que define que “seja dada preferência à

contratação de fornecedores brasileiros sempre que suas ofertas apresentarem condições de

preço, prazo e qualidade equivalentes às de outros fornecedores convidados a apresentar

propostas” (site Promimp).

Contudo, com a definição dessa regra, muitas empresas estrangeiras instalaram-se

no Brasil, a fim de atender ao quesito “empresas brasileiras”, já que, de acordo com a

legislação, uma empresa é considerada brasileira se está instalada no Brasil. Essa motivação

foi confirmada por uma empresa multinacional do ramo naval em uma entrevista4. Assim, a

definição da lei de conteúdo local contribuiu para uma nova rodada de entrada de empresas

estrangeiras no país, alavancando, novamente, a geração de valor nesse segmento.

4 Entrevista realizada por Moritz Breul, no âmbito do projeto “Gateway cities and their hinterland: global cities

from the Global South as nodes in global commodity chains”.

Page 58: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

58

Para a definição do conteúdo local foram considerados vários aspectos, como a

localização do campo explorado (onshore ou offshore), a etapa do processo (exploração ou

desenvolvimento), implicando em um mínimo sendo estabelecido para cada item da cadeia. A

política também foi pensada com certa flexibilidade, pois empresas que superassem o

conteúdo nacional requerido na fase de exploração poderiam repassar o excedente para a fase

seguinte, mediante autorização da ANP. Em caso de não cumprimento da meta definida,

multas eram aplicadas (TORDO et al, 2013). Com essa ação, o Estado volta a assumir uma

posição forte de regulador e, como a Petrobras é a principal operadora do setor, o papel de

comprador também volta, embora em menor grau, considerando a relativa flexibilidade da lei.

Com essa regulação, o Estado tentou alavancar a geração e captura de valor em

ramos nos quais a Petrobras não atua, e voltar a adensar a cadeia produtiva de petróleo

nacional, que perdeu elos após a liberalização do mercado, como discutido na seção anterior.

A fim de dar suporte à estrutura interna que se pretendia criar, a Petrobras,

juntamente com o governo federal, elaborou uma série de programas e incentivos para o

desenvolvimento de fornecedores locais nos diferentes segmentos da cadeia. Entre os

programas criados, destaca-se o Promimp (Programa de Mobilização da Indústria Nacional de

Petróleo e Gás), criado em 2003, com o objetivo de estabelecer um diálogo entre diferentes

atores da cadeia, a fim de identificar gargalos, desafios e possíveis soluções para aumentar a

capacitação e a competitividade da indústria local (OLIVEIRA, 2016).

Além dos incentivos, o Promimp também contribuiu para a formalização da

política de conteúdo nacional, estabelecendo em 2004 uma Cartilha, que definia de forma

explícita a metodologia de cálculo do Conteúdo Local, consolidando-o no Índice de Conteúdo

Local. Na sequência, a fim de garantir a fiscalização e a medição desse índice, foi instituído

em 2007 o Sistema de Certificação de Conteúdo Local, que estabelecia os critérios para a

certificação e as regras para o credenciamento de entidades certificadoras junto à ANP. Essas

entidades tinham como função medir e informar à ANP o conteúdo local contratado pelas

empresas operadoras dos campos de petróleo, a partir das definições da Cartilha (site

Promimp). Uma das principais certificadoras é a ONIP (Organização Nacional da Indústria do

Petróleo).

Além de contribuir para a estruturação da política de conteúdo local em si, o

Promimp também atuava na cadeia de petróleo e gás fornecendo insumos para a formação de

fornecedores competitivos, atuando em três áreas prioritárias: qualificação, políticas

industriais e desempenho industrial. De acordo com dados divulgados pelo próprio Programa,

de 2006 a 2015 foram qualificados 99 mil profissionais, com investimento de

Page 59: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

59

aproximadamente 304 milhões de reais (site Promimp). O programa envolveu diversas

instituições de ensino, compreendeu quase mil cursos e abrangeu 17 estados (TORDO et al,

2013). Essa iniciativa poderia contribuir para o melhoramento do valor, formando mão de

obra qualificada para desempenhar funções mais sofisticadas internamente.

Ainda no âmbito do Promimp, a Petrobras estabeleceu uma parceria com o Sebrae

(Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), em 2004, a fim de incluir

pequenas e médias empresas na cadeia, através do mapeamento de oportunidades de negócios

e treinamentos. Em 2008 e 2011 o projeto foi renovado. Quanto ao desempenho, o Promimp

realizou um estudo diagnóstico, a fim de antecipar demandas das concessionárias,

identificando gargalos na cadeia e traçando planos para o ataque dessas deficiências (TORDO

et al, 2013).

O Promimp também incentivou a realização de atividades de P&D internamente,

instituindo benefícios fiscais a projetos de P&D, além de benefícios de financiamento.

Adicionalmente, uma legislação de 2005 impôs o investimento de 1% da produção bruta de

poços altamente produtivos em P&D, sendo obrigatoriamente uma parte destinada a pesquisas

realizadas em instituições sem fins lucrativos, como universidades (OLIVEIRA, 2016;

TORDO et al, 2013).

No âmbito das ações de conteúdo local, a indústria naval foi um dos segmentos da

cadeia de petróleo e gás com maior destaque. O segmento, que é crucial para a exploração

offshore em águas profundas, viveu um significativo salto, ocorrido a partir dos investimentos

realizados pelo governo. De acordo com dados apresentados por Oliveira (2016), com os

incentivos fornecidos e a entrada de diversos grandes grupos nacionais, como Queiroz

Galvão, Camargo Correa e Odebrecht no setor, em menos de uma década a posição do Brasil

no ranking mundial de produtores da indústria naval subiu de 18, em 2004, para 4, em 2013.

Entretanto o mesmo salto não foi visto na produtividade da indústria, que permaneceu muito

aquém dos principais concorrentes asiáticos, sendo, em média, metade da chinesa e oito vezes

menor que a coreana (SILVA, 2014 apud OLIVEIRA, 2016). Isso implicou em diversos

problemas quanto ao cumprimento de prazos de entrega.

Mais recentemente, a percepção de que a política de conteúdo local no setor de

petróleo e gás estava impondo limites à exploração e desencorajando investimentos tem

levado a uma mudança nos requerimentos, especialmente no que tange a exploração da

camada pré-sal, fazendo-os menores e menos rígidos (SCHOLVIN et al, 2017b).

Page 60: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

60

CAPÍTULO 2 - Conectando o hemisfério Sul às redes globais de produção: avaliando o

papel das cidades da América do Sul na rede de petróleo e gás

2.1. Introdução5

No contexto de globalização, a capacidade de acoplamento às redes de

produção globais e de interagir com outros atores, dispersos ao longo do globo, é crucial para

o desenvolvimento econômico. Desenvolvimento econômico é entendido aqui no âmbito das

redes globais de produção, ou seja, o desenvolvimento econômico mencionado implica em

progressão nas atividades desempenhadas por um local em direção a atividades mais

sofisticadas e de maior valor agregado (COE E YEUNG, 2015).

Uma vasta literatura sobre a concentração espacial das atividades econômicas e

a função estratégica de algumas cidades vem se desenvolvendo. Nessa literatura foram

destacados aspectos relacionados à hierarquia das cidades (TAYLOR, 2004; KRATKE,

2014), o papel de gateway desempenhado por algumas delas (DABLANC, 2014;

MARTINUS E TONTS, 2015; ROSSI et al, 2007; BREUL E REVILLA DIEZ, 2018;

SCHOLVIN et al, 2017; MUSLI, 2009; PARNREITER, 2014) e aspectos relacionados às

diferentes funções exercidas por elas (CRESCENZI et al 2016a). Contudo, esses estudos

desenvolveram análises focadas em um ou dois dos aspectos anteriormente mencionados

(hierarquia, papel gateway e funcionalidade), não abrangendo os três aspectos conjuntamente.

A partir dessas considerações, surgem as seguintes questões: em um contexto

de globalização e de redes globais de produção, quais são as principais cidades que conectam

a região supranacional da América do Sul ao sistema global? Como elas estabelecem essas

conexões e como o papel delas pode ser avaliado de forma ampla? Nesse contexto, esse

capítulo busca explorar o acoplamento de cidades da América do Sul à rede de produção de

petróleo e gás, identificando aquelas que contribuem, em alguma medida, a esse processo.

A fim de cumprir com tal objetivo, é proposta uma categorização das cidades,

baseada em uma análise quantitativa que abrange aspectos relativos à hierarquia, papel de

gateway e funcionalidade. Essa categorização permite a identificação de cidades que

conectam a região à rede de petróleo e gás de diferentes formas, e não apenas a partir de

serviços e arranjos administrativos, como já foi realizado em vários trabalhos da área, como

Martinus e Tonts (2015) e Kratke (2014).

5 Versão preliminar deste capítulo foi apresentada na RSA (Regional Studies Association) Annual Conference,

2018.

Page 61: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

61

A fim de cumprir com tais objetivos, são usados dados referentes a investimentos

brownfield e greenfield – F&A e IDE, respectivamente – entre 2007 e 2016, analisados

através da metodologia de redes. Esses dados já foram empregados em outras análises, como

Crescenzi (2016a), Musli (2009) e Zhao e Zhang (2007).

2.2. As cidades nas redes globais de produção

O acoplamento às redes de produção globais pode ocorrer, basicamente, de duas

formas: de fora pra dentro, quando empresas já participantes das redes investem em um local;

e de dentro pra fora, quando empresas de um local estabelecem relações internacionais com

atores participantes das redes (COE E YEUNG, 2015). Crescenzi e Iammarino (2017)

sugerem que o grau de conectividade que as regiões e cidades têm, considerando-se tanto

fluxos de entrada como de saída, contribui para o acúmulo de capacitações locais. Dessa

forma, a capacidade de empresas, organizações e instituições interagirem e se envolverem no

espaço geográfico e nas redes é crucial para o acoplamento às redes globais de produção e

para o desenvolvimento econômico.

Nesse contexto globalizado, em que as redes globais de produção orientam o

modo como as relações econômicas ocorrem, pesquisas anteriores destacaram o papel de

liderança que algumas cidades desempenham, atuando como locais estratégicos no processo

de acoplamento. Esse entendimento do papel central que certas cidades desempenharam em

um contexto de economia globalmente dispersa e fragmentada foi continuamente estudado a

partir de então.

Essa análise tem sido cada vez mais desenvolvida em um contexto de rede, em

que o papel desempenhado por uma cidade tem uma importante dimensão relacional e é

determinado por sua capacidade de se conectar com outros lugares e pelas atividades que

contribuem para o estabelecimento de tal conexão. Pesquisas recentes têm abordado a relação

entre as cidades e a economia global de maneira bidirecional: algumas cidades são centrais

porque abrigam muitas empresas e, ao mesmo tempo, atraem muitas empresas por causa das

suas vantagens locacionais (CRESCENZI E IAMMARINO, 2017).

Taylor (2001, 2002, 2004 e 2009) e Taylor et al (2013) consideram que algumas

cidades funcionam como centros financeiros e empresariais globais, conectando-se entre si

em uma rede urbana. Para o autor, algumas cidades vêm consolidando sua centralidade por

meio de redes interligadas, que conectam cidades através das ligações realizadas pelas

Page 62: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

62

empresas que elas sediam. Ele se concentra em empresas de serviços para estabelecer as

conexões entre as cidades, pois considera que estas empresas são cruciais para sustentar o

atual modelo de produção globalizado e fragmentado. Segundo Taylor, essas redes

representam o contexto urbano hierárquico em que a economia global é organizada. Próximos

à ideia de Taylor, Alderson e Beckfield (2004) exploram a hierarquias das cidades, mas

baseando sua análise nas redes desenvolvidas pelas 500 maiores multinacionais em 2000, e

não apenas nas empresas de serviços.

Também focado na hierarquia urbana, Kratke (2003, 2014) desenvolve um estudo

sobre redes formadas a partir de setores específicos: mídia e farmacêutico. O autor partiu da

ideia de que as cidades possuem perfis diferentes, o que implica que uma cidade que

concentra fluxos de um setor, não necessariamente terá o mesmo papel para outro setor.

Portanto, a formação de redes entre as cidades deve ser concebida como resultado de

‘múltiplas globalizações’, nas quais empresas de diversos setores contribuem para a conexão

entre as cidades.

Martinus e Tonts (2015) e Martinus et al (2015) também apresentam uma

abordagem setorial. Eles desenvolveram estudos sobre o setor energético, identificando

cidades centrais no funcionamento das redes de produção de energia. Este estudo traz um

aspecto regional, mostrando que cada região apresenta um conjunto de cidades que

concentram o poder administrativo da cadeia de energia, influenciando a região em que estão

inseridas.

O papel que algumas cidades desempenham como pontes entre as esferas regional

e global também foi investigado por Parnreiter (2010; 2014), Musli (2009) e Zhao e Zhang

(2007). Parnreiter (2010; 2014) mostra o papel que a Cidade do México e Hamburgo têm

como pontes entre seus respectivos países e o sistema global, com base nos fluxos das

empresas de serviços, pois concentram empresas de contabilidade propaganda etc. no

primeiro caso, e por ser uma cidade portuária, no caso de Hamburgo. Musli (2009) discute,

através dos fluxos de IDE, como Viena funciona como uma ponte entre a Europa oriental e

ocidental, agindo como um gateway, devido à sua localização intermediária entre as duas

áreas. Zhao e Zhang (2007) também analisam fluxos de IDE e argumentam que algumas

cidades da China são gateways estratégicos entre os mercados doméstico e internacional, pois

oferecem boa infraestrutura física e local.

Esse papel de gateway é amplamente discutido por Scholvin et al (2017), que

afirmam que essa função é especialmente estratégica para a conexão de localizações do

hemisfério Sul às redes globais de produção e à economia global. Segundo os autores, essas

Page 63: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

63

cidades do Sul global se destacam por serem locais de estabilidade e boa infraestrutura em

países ou regiões marcadas por dificuldades em fazer negócios. Em sua análise, em oposição

à abordagem de Taylor, a importância do gateway vem do fato de que algumas cidades

conectam-se tanto a outras cidades que são importantes centros de negócios quanto às cidades

periféricas dos seus respectivos países ou regiões.

Crescenzi et al (2016a) investigaram as funções específicas de algumas cidades.

Os autores analisaram a posição das cidades da União Europeia nas redes regionais formadas

a partir dos fluxos de IDE, destacando os diferentes perfis que as cidades têm em relação à

sua importância para determinados setores, seu papel como local receptor e/ou de origem para

investimentos e as diferentes funções das cidades. Em abordagens com foco mais específico, a

funcionalidade das cidades foi enfatizada também por Jacobs et al (2011) e Dablanc (2014),

que discutiram o papel das cidades como centros logísticos e de transporte.

A discussão da literatura desenvolvida nos parágrafos anteriores está resumida na

Tabela 3.

Page 64: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

64

Tabela 3 – Principais tópicos abordados pela literatura sobre a função das cidades em

um contexto de globalização

Autor Principal aspecto

analisado Escopo da análise

Fluxos

analisados

Taylor (2001, 2002,

2004 and 2009);

Taylor et al (2013)

Hierarquia Empresas de serviço Fluxos

administrativos

Alderson and

Beckfield (2004) Hierarquia

500 maiores

multinacionais no

ano 2000

Fluxos

administrativos

Kratke (2003, 2014) Hierarquia Setorial Fluxos

administrativos

Martinus and Tonts

(2015); Martinus et

al (2015)

Hierarquia/ papel

de gateway Setorial

Fluxos

administrativos

Parnreiter (2010;

2015) Papel de gateway

Empresas

multinacionais de

serviços e empresas

locais

Fluxos

interfirma

Musli (2009) Hierarquia/ papel

de gateway Agregado Fluxos de IDE

Zhao and Zang

(2007) Papel de gateway Agregado Fluxos de IDE

Scholvin et al

(2017) Papel de gateway Setorial

Fluxos

administrativos

e interfirma

Crescenzi et al

(2016) Funcionalidade Agregado Fluxos de IDE

Jacobs et al (2011) Hierarquia/

funcionalidade

Empresas de serviços

portuários

Fluxos

administrativos

Dablanc (2014) Funcionalidade Logística Fluxos de

logística

Fonte: elaboração própria.

Page 65: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

65

Esta breve revisão de literatura indica que um dos objetivos dos trabalhos que

discutem o papel das cidades como concentradoras de fluxos econômicos é mostrar quais

contribuem para o funcionamento da economia global. Embora focando em diferentes fluxos

(administrativos ou IDE) e com diferentes âmbitos de análise (setoriais ou agregados), a

literatura que trata do papel desempenhado pelas cidades em um contexto globalizado enfoca

basicamente a categorização das cidades quanto a um dos três aspectos: hierarquia, papel de

gateway e funcionalidade. Apesar desses três aspectos estarem sob os holofotes, pouco foi

feito no sentido de integrá-los e desenvolver uma análise mais ampla, que os aborde

conjuntamente.

Uma categorização baseada em uma análise ampla poderia ser um passo inicial

para a compreensão da organização espacial hierárquica da economia global e do

desenvolvimento econômico desigual, já que, como afirmam Hymer (1972) e Coe e Yeung

(2015), a capacidade relacional de um local e as atividades que são realizadas ali condicionam

sua participação na economia mundial e suas consequentes possibilidades de desenvolvimento

econômico. Dessa forma, uma categorização baseada em uma abordagem ampla fornece

insumos aos formuladores de políticas, permitindo-lhes traçar estratégias com base nos papéis

que as cidades possuem e em suas vantagens locacionais, mas também considerando as

características de seus vizinhos.

2.3. Metodologia

2.3.1. Coleta e tratamento dos dados

Neste capítulo, pretende-se categorizar as cidades de acordo com três

características principais: hierarquia, papel de gateway e funcionalidade. Entende-se que os

papéis das cidades derivam principalmente da capacidade destas de interagir com outros

locais e da forma como essa interação é realizada. Isso implica que a metodologia aplicada

deve possibilitar a análise dessa dimensão relacional. Por isso, será aplicada a metodologia de

redes, que visa essencialmente analisar dados relacionais. Essa metodologia já foi aplicada a

análises sobre a interação de cidades, como a desenvolvida em Alderson e Beckfield (2004),

Taylor (2001, 2002, 2004 e 2009), Martinus e Tonts (2015) e Martinus e Sigler (2017). Na

sequência, para separar as cidades em grupos, aplicamos uma análise de clusters, usando o

algoritmo k-means. “[…] A análise de cluster [...] permite agrupar observações de acordo

Page 66: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

66

com a proximidade entre as variáveis das quais os clusters são derivados” (CAPELLO E

LENZI, 2013: 128).

Para analisar as três dimensões propostas, foram adotadas algumas medidas como

proxies. Elas foram calculadas com base na rede desenhada a partir dos projetos de IDE e

F&A, reunidos nas bases de dados FDI Markets e Zephyr. A base FDI Markets compreende

dados sobre IDE greenfield, ou seja, somente os fluxos internacionais estão presentes nesta

base. Já a base de dados Zephyr, inclui dados sobre F&A, isto é, investimentos brownfield.

Nesta base de dados, tanto os fluxos intra como os internacionais estão presentes, já que o seu

foco não é estritamente no IDE, como na base FDI Markets.

Para coletar os dados em ambas as bases, foi estabelecido o período de 2007 a

2016, e os fluxos foram interpretados como conexões permanentes entre os locais, conforme

feito em Graf (2010). Para estabelecer as conexões, primeiramente, foram selecionados os

projetos de investimento relacionados à indústria de petróleo e gás. Em seguida, usou-se a

cidade de origem e a cidade de destino, especificadas em cada projeto de investimento em

ambos os bancos de dados.

Nem todos os projetos tinham a especificação sobre a cidade de origem e destino

dos investimentos. Assim, a amostra utilizada compreende cerca de 60% de todos os projetos

de investimento em petróleo e gás na região ao longo de nove anos, o que significa 367

projetos. Os dados coletados envolveram todas as etapas de produção da rede de petróleo e

gás, ou seja, exploração e produção (fase upstream) de campos de petróleo e gás; transporte e

refino (fase midstream); distribuição e varejo (fase downstream) (BRIDGE, 2008).

Após a coleta de dados, a análise quantitativa foi realizada. As cidades foram

enquadradas em uma matriz de adjacência, para representar a rede. Nessa rede, as cidades são

os nós e o número de projetos são os fluxos (arcos) existentes entre os nós. A partir dessa

matriz, a primeira medida calculada foi o grau de centralidade de cada cidade. Levando em

conta o fato de que o papel das cidades é baseado, entre outros, em sua capacidade de

conectividade (CRESCENZI E IAMMARINO, 2017; COE E YEUNG, 2015) e tomando

trabalhos anteriores já desenvolvidos nesta área (KRATKE, 2014; MARTINUS E TONTS,

2015), usou-se o grau de centralidade como proxy para o aspecto da hierarquia.

A seguir, foi calculada a proxy para a função de gateway das cidades. Embora a

análise de rede tenha sido amplamente aplicada em estudos de cidades, e as medidas de rede

mais tradicionais, como centralidade, densidade, betweenness e prestígio, sejam capazes de

capturar as relações entre todo o sistema, essas medidas não são capazes de capturar as

relações existentes entre dois sistemas diferentes (regional e global). Assim, para calcular essa

Page 67: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

67

função intermediária, foi empregado um índice desenvolvido por Graf (2010) para medir a

gatekeeperness.

Este índice é baseado no conceito de gatekeeper da análise de redes sociais. Os

gatekeepers são nós que intermediam a relação entre dois conjuntos diferentes de nós (GRAF,

2010). Como as cidades gateway funcionam como pontes entre o sistema local e o global, isto

é, entre dois conjuntos de nós, pode-se concluir que elas atuam de forma semelhante aos

gatekeepers discutidos por Graf (2010). O índice a ser calculado aqui é um índice de

intensidade, que é baseado na multiplicação do número de interações, aqui entendidas como

projetos de investimento, que uma cidade tem com outras cidades de dentro e de fora da sua

respectiva região supranacional.

A fim de calcular tal índice, a matriz de adjacência foi utilizada para contar o

número de interações que cada cidade estava fazendo, por meio de projetos de investimento,

com cidades da América do Sul e com cidades de fora da região, tanto como origem quanto

como destino. Esses dados resultaram em uma tabela, na qual cada cidade teve um número de

interações com outras cidades da mesma região e de fora da região. Essas interações capturam

a capacidade de acoplamento de uma cidade tanto de dentro para fora quanto de fora para

dentro.

A próxima etapa foi identificar as funções desempenhadas por cada cidade, para

medir a proxy de funcionalidade. Para tanto, foi analisada a descrição fornecida pelas bases de

dados sobre os projetos de IDE e F&A. Na sequência, estes foram enquadramos nas

categorias destacadas por Scholvin et al (2017): logística, manufatura, controle corporativo,

serviços e geração de conhecimento. Para identificar as funções, foram analisados apenas os

investimentos recebidos pelas cidades e não os que elas realizaram. Isso é explicado pelo fato

de que, segundo Meyer et al (2011), os investimentos que um local recebe refletem os

recursos que estão disponíveis naquele local, embutidos em empresas locais e disponíveis no

mercado local. Além disso, em um contexto redes globais de produção, os investimentos que

são destinados a um lugar refletem o papel que este lugar ocupa em uma estratégia

transnacional.

Após a identificação das diferentes funções, foram atribuídos pesos a essas

funções, pois, segundo Revilla Diez et al (2018) e Scholvin et al (2017), as diferentes funções

possuem diferentes graus de sofisticação e valor agregado. Desta forma, foi atribuído peso 3 à

geração de conhecimento; 2 ao controle e serviços corporativos; e 1 para manufatura e

logística. As variáveis e proxies empregadas na análise estão resumidas na tabela 4.

Page 68: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

68

Tabela 4 – Variáveis empregadas na análise e suas respectivas proxies

Variável Proxy

Hierarquia Grau de

centralidade

Papel de

gateway

Índice de

gatekeeper

Funcionalidade

Número de

projetos por

area x peso

Fonte: elaboração própria

Após o cálculo das três proxies, foram cortadas as cidades que apresentam um

índice de gateway de 0, porque isso significa que a cidade não tem uma função de gateway.

Em seguida, verificou-se que os valores do índice de gateway eram muito maiores que os

relacionados à hierarquia e funcionalidade. Portanto, para evitar que o índice de gateway

tivesse um peso maior no particionamento do cluster do que as outras variáveis, todas as

medidas foram normalizadas. Finalmente, foi utilizado o algoritmo k-means para categorizar

as cidades. Esse algoritmo permite definir o número de clusters gerados. Optou-se por separar

as cidades em 3 grupos, a fim de classificar as cidades como principais, cidades

intermediárias e de pouca importância.

“O algoritmo implementado pela análise de cluster k-means atribui

um caso ao cluster para o qual sua distância da média é a menor. Uma

vez que o número ‘k’ de clusters esperados tenha sido especificado, o

algoritmo começa com um conjunto inicial de médias e classifica os

casos com base em suas distâncias das médias. Em seguida, ele

calcula as médias do cluster novamente, usando os casos atribuídos, e

reclassifica todos os casos de acordo com o novo conjunto de médias.

Essa etapa é repetida até que a média do cluster não mude muito entre

as etapas sucessivas. Finalmente, as médias dos clusters são

calculadas novamente, e os casos são atribuídos a seus clusters

permanentes ”(CAPELLO E LENZI, 2013: 140).

Page 69: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

69

2.4. Resultados

2.4.1 Análise descritiva

Nesta seção é realizada uma descrição dos dados coletados nas bases de dados

FDI Markets e Zephyr. Os dados mostraram que existem 198 cidades que participam dos

fluxos de IDE e F&A em petróleo e gás da América do Sul. Embora 198 cidades componham

a rede, ela pode ser classificada como uma rede livre de escala (BARABÁSI, 2009), já que

nove cidades respondem por quase 48% de todos os fluxos, ou seja, um pequeno número de

nós responde por uma parte significativa dos fluxos da rede. Essa concentração é evidente

quando olhamos para o grau de centralidade, mostrado na tabela 5, que é usado como proxy

para a capacidade de conectividade.

Tabela 5 – Grau de centralidade das cidades da América do Sul, a partir dos fluxos de

IDE e F&A em petróleo e gás, no período 2007 - 2016

Rio de Janeiro 96

Buenos Aires 59

Bogota 53

Sao Paulo 51

Santiago 26

Lima 19

Belo Horizonte 17

Medellin 14

Camaçari 13

Caracas 11

La Paz 9

Montevideo 9

Porto Alegre 6

Barranquilla 5

Santiago de

Surco 4

Salvador 4

Miraflores 3

Fonte: elaboração própria, a partir de dados das bases FDI Markets e Zephyr.

Page 70: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

70

A Tabela 5 evidencia o fato de que apenas algumas cidades concentram uma

grande quantidade de fluxos no setor de petróleo e gás, o que já foi discutido na revisão da

literatura. Algumas das cidades mostradas na tabela 5, como Belo Horizonte, Medellín e

Camaçari, não são classificadas em posições altas nos rankings tradicionais de cidades, como

o AT Kearney 20176 ou o GaWC 2016

7, que são baseados em serviços e fluxos

administrativos. No entanto, essas cidades detêm papéis importantes em relação ao

funcionamento da rede de petróleo e gás na América do Sul. Assim, pode-se concluir que uma

abordagem setorial fornece resultados diferentes de uma abordagem agregada, sendo

potencialmente mais adequada em termos de estratégias políticas específicas para a inserção

em redes globais.

Além de estabelecer as conexões entre as cidades, é importante olhar

especificamente para o papel que as cidades desempenham conectando seus respectivos países

e regiões ao sistema global. Esse papel de gateway é especialmente crítico quando são

analisados locais do Sul global, como é o caso deste trabalho, já que as cidades que

desempenham esse papel de gateway são locais de estabilidade e boa infraestrutura em países

ou regiões marcadas por desigualdades espaciais internas, problemas de infraestrutura, falta

de mão de obra qualificada e dificuldades para fazer negócios (SCHOLVIN et al, 2017a).

Assim, essas cidades que desempenham papel de gateway são lugares estratégicos para o

acoplamento de áreas do Sul Global às redes globais de produção.

Apesar de alguns trabalhos, como Wall (2018), já terem aplicado a tradicional

medida de betweenness como forma de medir o papel de gateway, entende-se que ela não é

adequada, pois leva todo o sistema em consideração. Considerando que o papel de gateway

está relacionado à capacidade de intermediação que algumas cidades possuem, é necessária

uma medida que capte o papel intermediário que essas cidades desempenham entre dois

sistemas específicos (regional e global). Essa medida é mostrada na tabela 6, com o índice de

gatekeeper.

6 Disponível em: : https://www.atkearney.com/documents/10192/12610750/Global+Cities+2017+-

+Leaders+in+a+World+of+Disruptive+Innovation.pdf/c00b71dd-18ab-4d6b-8ae6-526e380d6cc4

7 Disponível em: http://www.lboro.ac.uk/gawc/world2016t.html

Page 71: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

71

Tabela 6 – Papel de gateway das cidades da América do Sul, a partir dos fluxos de IDE e

F&A em petróleo e gás, no período 2007 - 2016

Rio de Janeiro 2223

Buenos Aires 760

Bogotá 672

São Paulo 468

Belo Horizonte 168

Santiago 133

Lima 70

Medellin 33

Caracas 30

Montevideo 14

Camaçari 12

La Paz 8

Barranquilla 6

Porto Alegre 5

Santiago de

Surco 4

Salvador 3

Miraflores 2

Fonte: elaboração própria, a partir de dados das bases fDi Markets e Zephyr.

A Tabela 6 mostra que o ranking de cidades em relação ao papel de gateway é um

pouco diferente daquele relacionado à capacidade de conectividade. Embora as posições das

cidades mudem um pouco, é possível ver que a assimetria persiste, pois quatro cidades

possuem índices significativamente mais altos em comparação com as outras. As quatro

principais cidades em relação ao papel de gateway são as mesmas quatro principais cidades

em relação à conectividade. A importância dessas cidades também pode ser vista em termos

das atividades realizadas em cada uma delas, mostradas na tabela 7.

Page 72: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

72

Tabela 7 – Funções das cidades da América do Sul, de acordo com a descrição de

projetos de IDE e F&A, no período 2007 – 2016

Geração de

conhecimento

Controle

corporativo Serviço

Processament

o industrial

Logístic

a

Barranquilla 0 0 0 1 2

Belo Horizonte 0 0 4 0 1

Bogota 0 0 21 3 8

Buenos Aires 0 0 22 2 12

Camacari 0 0 1 2 0

Caracas 0 0 1 3 0

La Paz 0 0 0 0 1

Lima 0 0 0 1 8

Medellin 0 0 1 0 1

Miraflores 0 0 1 0 0

Montevideo 0 0 3 0 0

Porto Alegre 0 0 0 0 1

Rio de Janeiro 4 0 29 6 3

Salvador 1 0 0 0 0

Santiago 0 0 3 2 6

Santiago de

Surco 0 0 0 0 1

Sao Paulo 1 0 2 11 3

Fonte: elaboração própria, a partir de dados das bases fDi Markets e Zephyr.

A revisão da literatura realizada na primeira seção deste capítulo indica que, no

contexto globalizado das redes de produção, a capacidade de conectividade e as atividades

realizadas em determinado local são importantes para viabilizar o desenvolvimento

econômico. Por isso, é crucial observar os diferentes tipos de atividades que as cidades estão

realizando. Essas informações são mostradas na tabela 7. De acordo com essa tabela, é

possível perceber que a maioria das cidades realiza apenas uma ou duas atividades,

principalmente as de baixa complexidade e apenas algumas cidades executam várias

atividades, incluindo as mais sofisticadas e de maior valor agregado.

Page 73: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

73

Isso indica que, embora muitas cidades tenham papéis nas redes de produção de

petróleo e gás da América do Sul, é importante qualificar esse papel, já que a relação que as

cidades têm com outros lugares do mundo tem naturezas diferentes.

2.4.2. Categorização das cidades

Com base nas três variáveis - capacidade de conectividade, função de gateway e

funcionalidade -, foi elaborada uma categorização, que visa mostrar que as cidades estão

conectadas ao sistema global de maneiras diferentes, pois possuem perfis diferentes.

Investigando essas dinâmicas, é possível identificar as cidades que estão conectando a

América do Sul à rede global de produção de petróleo e gás e como essas cidades estão

fazendo isso. Aplicando uma análise de clusters com o algoritmo k-means, foram definidos

três grupos diferentes, que representam as cidades principais, cidades de alta importância e

cidades menores. Os resultados dessa categorização são exibidos na figura 2.

Figura 2 - Análise de cluster das cidades da América do Sul, a partir de

variáveis selecionadas, no período de 2007 – 2016

Fonte: Elaboração própria.

A figura 2 mostra uma característica evidente das cidades envolvidas nos fluxos

de IDE e F&A em petróleo e gás na América do Sul: a alta concentração. Como mostrado na

figura 6, embora muitas cidades participem desses fluxos, a maioria foi cortada por não

possuir a função de gateway. Das que continuaram na análise, a maioria foi agrupada no

Page 74: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

74

terceiro cluster, e apenas quatro foram classificadas nos outros dois clusters, que representam

as principais cidades e as cidades de alta importância.

O principal cluster é formado por uma única cidade: o Rio de Janeiro. Esta cidade

apresenta a maior capacidade de conectividade e papel de gateway, estando

significativamente distante da segunda cidade classificada, Buenos Aires, em ambas as

medidas. A cidade, juntamente com São Paulo, é a que desempenha mais funções e é aquela

que recebe mais investimentos em geração de conhecimento, o papel mais sofisticado

desempenhado pelas cidades.

Esse papel desempenhado pelo Rio de Janeiro tem muito a ver com o fato de a

cidade sediar a Petrobras, uma das principais NOC da região, destacando-se por sua liderança

no desenvolvimento da exploração em águas profundas e ultra-profundas (COSTA E

PESSALI, 2009; PRIEST, 2016). O fato de a Petrobras estar sediada no Rio de Janeiro atrai

muitos fluxos para as cidades, já que muitas empresas do setor de petróleo e gás buscam

estabelecer parcerias e cooperações com a NOC, a fim de acessar o mercado brasileiro.

O cluster de alta importância é formado por três cidades: Buenos Aires, Bogotá e

São Paulo. Essas três cidades também apresentam alta conectividade, papel de gateway e

desempenham entre três e quatro funções, embora São Paulo seja a única que desempenhe o

papel de geração de conhecimento, de acordo com as bases de dados. Elas têm algumas

características em comum, como o fato de serem os centros econômicos mais importantes em

seus respectivos países, e também abrigarem NOCs. Buenos Aires sedia a YPF, Bogotá sedia

a Ecopetrol e São Paulo concentra o comando das atividades do segmento downstream da

Petrobras, sendo um dos principais centros da indústria petroquímica na América do Sul

(SCHOLVIN et al, 2017b).

As quatro cidades que compõem os dois principais clusters estão localizadas no

Brasil, Colômbia e Argentina. Esses países destacam-se por estar entre os principais

produtores regionais e por adotar o sistema de concessão e partilha de produção para os

direitos de exploração de petróleo e gás, sendo menos rigorosos quanto à participação

estrangeira no setor de petróleo e gás do que os demais países da região (MERCHÁN, 2015),

o que será explorado em mais detalhes no capítulo 4. Outros importantes produtores

regionais, como Venezuela, Bolívia e Equador, são mais rigorosos em relação à participação

de empresas estrangeiras, exigindo a participação obrigatória das NOCs locais, em diferentes

níveis, no processo de exploração. Essa evidência indica que a abertura e a estrutura de

Page 75: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

75

regulação são aspectos críticos para promover ou prejudicar a conexão das cidades às redes

globais de produção.

O último cluster é o que engloba o maior número de cidades. Essas cidades

geralmente realizam uma ou duas funções, principalmente as de baixa sofisticação e baixo

valor agregado. Essas cidades também são marcadas por uma capacidade de conectividade e

papel de gateway médio ou baixo. Isso significa que, embora as cidades do cluster 3 façam

parte dos fluxos de petróleo e gás na região, elas têm papéis menos importantes na conexão

com as redes de produção, e essa conexão é baseada principalmente em manufatura e

logística. Assim, são lugares que funcionam mais como canais para possibilitar o

funcionamento da configuração geograficamente dispersa da rede do que como locais

estratégicos, como as cidades dos outros dois clusters.

2.5.Considerações finais:

Este capítulo explora os diferentes papéis e a extensão em que as cidades

contribuem para a conexão de seus respectivos países às redes globais de produção.

Procurando preencher uma lacuna na literatura relacionada às cidades, foi realizada uma

análise baseada na hierarquia, papel de gateway e funcionalidade, a fim de investigar em que

medida e de que forma as cidades da América do Sul contribuem para conectar a região à rede

de produção de petróleo e gás e integrar a região à economia global. Para desenvolver essa

análise, foi adotada uma estrutura de rede e realizada uma análise de cluster, com dados sobre

projetos de IDE e F&A de 2007 a 2016.

Os resultados indicam que, embora muitas cidades participem dos fluxos de

petróleo e gás na América do Sul, a maioria das cidades está alocada no cluster de "cidades

menores", e apenas quatro cidades estão alocadas nos clusters das "cidades principais" e das

"cidades de alta importância". Isso indica que, como foi discutido no capítulo 1, embora a

economia esteja organizada de maneira globalizada, expressa na configuração das redes

globais de produção, apenas alguns poucos locais concentram a maior parte dos fluxos

econômicos.

As quatro cidades que se destacam como locais importantes para a conexão da

América do Sul com a rede global de produção de petróleo e gás são: Rio de Janeiro, Buenos

Aires, São Paulo e Bogotá. Essas cidades têm em comum o fato de serem os principais

centros econômicos de seus respectivos países, embora não sejam necessariamente capitais,

Page 76: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

76

como é o caso do Rio de Janeiro e São Paulo. A análise desenvolvida indica que essas cidades

desempenham pelo menos três funções diferentes na rede, dentre as cinco listadas. No

entanto, apenas as cidades brasileiras, notadamente o Rio de Janeiro, conseguiram participar

na geração de conhecimento, a dimensão mais sofisticada da participação de cidades nas redes

de produção. Isso coloca o Rio de Janeiro como única cidade no cluster principal. A análise

também indica que as quatro cidades apontadas nos dois principais clusters estão altamente

conectadas a outros lugares, tanto na América do Sul quanto fora da região. Assim, essas

quatro cidades apresentam alto desempenho em hierarquia, papel de gateway e

funcionalidade.

Rio de Janeiro, São Paulo, Bogotá e Buenos Aires sediam as atividades das NOCs

locais, e as quatro cidades estão localizadas em países que adotam uma regulação mais aberta

às operações estrangeiras, em comparação aos outros países da região. Isso indica que, em um

contexto de redes globais de produção, a abertura e a estrutura de regulação são aspectos

importantes para possibilitar o acoplamento às redes.

Esta análise contribui para a pesquisa sobre as cidades tanto empírica quanto

metodologicamente. Empiricamente, através da análise da dinâmica envolvendo o papel das

cidades conectando seus respectivos países e regiões às redes globais de produção,

concentrando em uma região e um setor que têm sido continuamente negligenciados pela

literatura. Ademais, também foram feitas contribuições metodológicas: propondo um índice

para medir o papel de gateway das cidades e fornecendo uma análise quantitativa, que

engloba aspectos relacionados à hierarquia, papel de gateway e funcionalidade e que permite

abordar as diferentes formas pelas quais as cidades participam nas redes globais de produção.

Esta metodologia pode ser aplicada para investigar a dinâmica de outros setores e regiões.

A categorização proposta neste capítulo mostrou que a cidade do Rio de Janeiro

ocupa uma posição especial como centralizadora dos fluxos da indústria de petróleo e gás na

região e desempenhando todas as funções que as cidades têm na cadeia, inclusive as de maior

sofisticação e valor agregado. No próximo capítulo, será explorada a relação direta entre as

cidades investidoras e os locais que recebem tal investimento, buscando evidenciar as relações

de poder existentes entre os diferentes locais e a extensão espacial dessas relações.

Page 77: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

77

CAPÍTULO 3 - A organização espacial dos fluxos de IDE e F&A da cadeia de petróleo e

gás na América do Sul

3.1. Introdução8

Apesar da dispersão espacial e do fato de a indústria ter se afastado das grandes

cidades, estas ainda concentram grande parte das atividades administrativas das redes de

produção (FRIEDMANN, 1986; SASSEN, 1991). Assim, surgem questões relativas a como a

organização dessas redes é realizada em nível espacial, ou seja, quais cidades são importantes

para cada rede, e qual o escopo espacial de tal importância (nacional, regional ou global).

Essas questões estão relacionadas a muitos fatores que envolvem as características das redes

estudadas.

Considerando essas questões, o presente capítulo busca identificar as cidades que

são as principais fontes de investimento para a rede de petróleo e gás na América do Sul;

entender por que elas ocupam tal posição, ou seja, quais são os atributos que as tornam a

principal origem dos investimentos em petróleo e gás na região; e a extensão espacial de tal

centralidade (regional ou nacional).

Vários estudos sobre a organização das redes de produção/cadeias de valor já

foram realizados. No entanto, grande parte deles (PEPPARD E RYLANDER, 2006;

FERNANDEZ-STARK et al, 2011; STURGEON et al., 2008; SOOSAY et al, 2012)

desenvolve análises baseadas em estudos de caso, focando nas relações entre as diferentes

empresas nas redes. Este capítulo procura contribuir incluindo mais fortemente a dimensão

espacial da organização das redes e as assimetrias de centralidade existentes entre os

diferentes locais.

Para isso, foram elaboradas redes a partir de dados sobre fluxos de IDE e F&A na

rede de petróleo e gás, de 2007 a 2016. Essas redes foram analisadas de acordo com o

outdegree dos nós e a partir da elaboração de comunidades Louvain. A aplicação das

comunidades representa uma contribuição metodológica significativa, uma vez que este

método tem sido amplamente utilizado em ciências naturais, mas não em ciências sociais

(HIDALGO, 2016; MARTINUS E SIGLER, 2017).

8 Uma versão deste capítulo foi aceita para publicação na revista Nova Economia.

Page 78: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

78

3.2. Discussão teórica

Sassen (1991) considera que a forma com que as cidades desempenham o papel

de concentradoras de atividade econômica varia, uma vez que algumas desempenham tal

papel no nível global e outras nos níveis regional e nacional. Apesar de Sassen mencionar

essa diferença, ela não explora os papéis regionais e nacionais das cidades em seu trabalho.

Outros autores enfatizaram esse ponto, como Martinus et al. (2015), que afirmam que muitas

cidades desempenham um papel importante nas cadeias que são desenvolvidas regionalmente,

e que esse papel vem sendo negligenciado pela literatura.

Embora haja uma crescente dispersão geográfica e globalização das atividades

econômicas, uma vez que diferentes estágios de uma mesma cadeia produtiva ocorrem em

diferentes localidades em todo o mundo, Sassen (1991) afirma que há uma concentração

contínua de controle e propriedade econômica. Essa concentração está diretamente

relacionada à configuração assumida pelas redes de produção, pois, embora o processo

produtivo esteja sofrendo fragmentação, tanto geográfica como funcionalmente, as relações

desenvolvidas dentro das redes não são igualitárias, pois alguns agentes detêm mais poder que

outros. Qual empresa ocupa a posição de líder e como ela desenvolve suas relações com as

empresas subordinadas dentro da cadeia torna-se, então, especialmente importante. Nesse

contexto, o aspecto do poder ganha mais destaque. Sobre isso, em seus primeiros trabalhos,

Gereffi (1999) afirma que existem dois tipos de cadeias: as orientadas pelo produtor e as

orientadas pelo comprador.

As cadeias orientadas pelo produtor têm como característica principal o fato de

possuírem grandes produtores no papel central de coordenação da cadeia, sendo mais

frequentes em indústrias intensivas em capital, como automóveis, computadores e máquinas.

As cadeias orientadas pelos compradores são características de indústrias nas quais grandes

cadeias de varejo desempenham um papel importante no estabelecimento de uma produção

descentralizada em muitos países, tipicamente em países em desenvolvimento. Esse padrão de

industrialização liderado pelo comércio é comum em setores intensivos em mão de obra,

como calçados e brinquedos (GEREFFI, 1999).

Essa classificação tem orientado vários trabalhos na área. De acordo com Carballa

et al (2016) esses trabalhos podem ser sumarizados em três abordagens: 1. Como acontecem

as trocas entre empresas em diferentes etapas da produção; 2. Quais atores podem definir o

Page 79: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

79

processo de coordenação; 3. Quais são as consequências dessa coordenação para os

participantes da rede, no que diz respeito à distribuição de riscos e lucros.

Essas três abordagens, contudo, não permitem a compreensão da configuração da

hierarquia espacial, resultante da distribuição das atividades e das assimetrias de poder entre

os participantes delas (MAHUTGA, 2014; RAVENHILL, 2014). No entanto, segundo Dicken

et al (2001), essas questões são centrais para a compreensão da economia global e das novas

dinâmicas interconectadas que foram desenvolvidas. A metodologia de redes permite essa

análise.

Vários autores, como Powell (1990) e Kirman (1997), já aplicaram a estrutura de

redes para investigar a dinâmica da economia global. A análise de redes parte da ideia de que

o desenho da rede reflete um conjunto de processos relacionais que produzem padrões

observáveis na economia. Portanto, o desenho das redes compreende a identificação de atores,

seus relacionamentos e os resultados estruturais dessas relações.

Para Dicken et al. (2001), o poder e a centralidade dentro das redes da economia

global não estão relacionados a ações específicas, mas principalmente ao controle de recursos

que alguns agentes possuem. Para os autores, o papel que um nó desempenha na rede é

derivado não apenas da posição que o nó ocupa, mas também do controle que ele tem sobre

recursos estratégicos, sejam eles físicos, políticos, econômicos ou tecnológicos. Os autores

também apontam que as redes possuem territorialidade e organização específicas, o que é

entendido como resultado das atividades que estão sendo analisadas (DICKEN et al, 2001).

Assim, a territorialidade das redes é moldada pelos agentes participantes da rede e

pelas relações desenvolvidas entre eles. Este ponto se relaciona com o trabalho de alguns

autores, que argumentam que a análise espacial, que envolve a identificação de cidades

importantes para os fluxos econômicos mundiais, deve ser realizada em abordagens setoriais,

já que muitas cidades são importantes para determinados setores, mas não para outros

(MARTINUS E TONTS, 2015; KRATKE, 2014a; WALL E VAN DER KNAAP, 2011).

Martinus e Sigler (2017) adotaram o método de redes e identificação de

comunidades em um trabalho que abordava a dinâmica específica de diferentes indústrias e

sua organização espacial. Os autores concluíram que esta é uma maneira importante de

contextualizar as cidades dentro da dinâmica econômica de certos setores. No entanto, esse

recurso metodológico ainda não foi amplamente explorado nas ciências sociais.

Page 80: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

80

3.3. Metodologia

A fim de cumprir os objetivos propostos no presente capítulo, foram combinadas

diferentes medidas de rede com uma análise qualitativa das cidades identificadas como

proeminentes na rede. A ideia central que guia a estrutura metodológica deste capítulo é

baseada em Dicken et al. (2001), que afirma que a análise da economia global envolve: 1. A

compreensão de quem são os atores mais poderosos; 2. O entendimento sobre quais recursos

os tornam poderosos; e 3. Como eles exercem esse poder. Entende-se o poder aqui como ter a

maior centralidade na rede, e o exercício do poder é explicado aqui em um nível espacial.

Assim, a pesquisa foi conduzida em três etapas:

1. Desenho da rede e medição da centralidade dos nós, para identificar os nós com

maior outdegree na rede;

2. Análise qualitativa sobre os recursos que contribuem para a posição ocupada

pelos nós centrais, identificados na etapa 1;

3. Identificação da extensão espacial da centralidade dos nós, através da formação

de comunidades.

Para o desenho das redes analisadas no presente capítulo, foram coletados dados

das bases FDI Markets e Zephyr sobre os projetos de IDE e F&A de 2007 a 2016. Foi

realizado um corte temporal de longo prazo com o objetivo de eliminar o risco de viés

causado por um curto corte temporal, que pode envolver eventos extraordinários. Para a

composição da rede, foram usados todos os fluxos presentes nas bases de dados que foram

originados ou destinados a um local na América do Sul.

A opção de usar fluxos de IDE e F&A para analisar a centralidade de diferentes

localidades tem a ver com o fato de que, como afirmam Bathelt e Fei Li (2014), tais relações

de investimento são a base para a realização de diversos outros fluxos (material, capital

humano, conhecimento, tecnologia), estabelecendo relações intensas e de longo prazo entre

diversas localidades. Dessa forma, entende-se que as localidades com maior centralidade, ou

seja, aquelas que são a origem de maior número de investimentos, estabelecem mais canais

para fluxos com outras localidades, possuindo, assim, uma maior capacidade relacional.

Entende-se também que, o fato de um local ser a origem do investimento, o coloca em uma

posição de poder, pois ele tem controle sobre o projeto de investimento. Assim, foi adotada a

medida de outdegree como principal medida para identificar as cidades mais importantes.

Page 81: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

81

A base FDI Markets compreende dados sobre IDE greenfield, e a base de dados

Zephyr, inclui dados sobre F&A, investimentos brownfield. Vale lembrar novamente que os

dados do FDI Markets compreendem apenas fluxos internacionais, e os dados do Zephyr

mostram fluxos intra e internacionais.

Como o objetivo deste trabalho é identificar as cidades com maior centralidade na

rede e, devido à insuficiência de informações no nível da cidade para todos os fluxos

existentes, foi decidido que a origem do investimento seria definida no nível da cidade e o

destino seria definido no nível do país. Assim, foi gerada uma rede two-mode. Essa prática

não afeta os objetivos analíticos do trabalho e favorece a análise, permitindo a inclusão de

100% dos casos disponíveis nas bases de dados, uma vez que muitos projetos de IDE e F&A

mostram a cidade de origem, mas não informam a cidade de destino. Isso acontece porque,

muitas vezes, o local de destino do investimento é o local de exploração de um campo de

petróleo e gás, que não necessariamente está localizado em uma cidade, mas sempre pertence

a um país. Logo, as informações do país de destino estão sempre disponíveis.

Para traçar as conexões, foi usado o número absoluto de projetos, como em

Crescenzi et al (2016:7), que afirma que usar o número de projetos, em vez do valor investido,

é mais adequado quando estamos olhando para aspectos relacionados à localização, já que a

escolha de investir em um determinado local é “amplamente independente do valor

investido”.

Após o desenho da rede, algumas análises serão realizadas com base nas medidas

de centralidade dessa rede, principalmente o outdegree. O outdegree, ou seja, o número de

arcos originados em um nó, é calculado da seguinte maneira:

𝑂𝐷(𝑖) = ∑ 𝑊(𝑗, 𝑖)𝑁𝑗=1

Onde ‘i’ e ‘j’ são nós da rede e ‘W(j, i)’ o peso da conexão entre ‘i’ e ‘j’ na matriz

de adjacência que forma a rede (MARGARIDO et al, 2008).

Na sequência, para entender a natureza da posição das cidades na rede, será

realizada uma análise qualitativa. Essa análise foi desenvolvida através de revisão

bibliográfica, quatro entrevistas9 com empresas de petróleo e gás e documentos oficiais

relacionados à cadeia de petróleo e gás.

Finalmente, foi investigada a extensão espacial da centralidade das cidades. Para

isso, foi aplicado o método de agrupamento de comunidades, proposto por Blondel et al

9 Entrevistas realizadas no âmbito do projeto “Gateway cities and their hinterland: global cities from the Global

South as nodes in global commodity chains”.

Page 82: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

82

(2008), chamado método de Louvain. Essa abordagem também implica um avanço

metodológico do trabalho, uma vez que, até o momento, poucos estudos nas ciências sociais

aplicaram o particionamento de comunidades (MARTINUS E SIGLER, 2017).

Esse método é focado na maximização da modularidade, definida como:

𝑄 =1

2𝑀∑[𝐴𝑖,𝑗 −

𝑘𝑖𝑘𝑗

2𝑚𝐼,𝐽

] 𝛿(𝑐𝑖, 𝑐𝑗)

Onde ‘A’ é a soma dos pesos dos vértices ‘i’, ‘c’ é a comunidade onde ‘i’ é

inserido, a função ‘δ(u, v)’ é 1, se ‘u =v’ e 0 se ‘u ≠ v’, e ‘m = 1/2ΣA’ . A técnica usada para

identificar comunidades no método Louvain é baseada em dois estágios:

1. Cada nó é atribuído a uma comunidade para maximizar a modularidade Q da

rede. O ganho obtido na alocação de um nó ‘i’ a uma comunidade ‘c’ pode ser calculado

como:

∆𝑄 =∑ +𝑘𝑖

𝐶𝑐

2𝑚− (

∑ +𝑘𝑖𝐶

𝑐̇

2𝑚)

2

− [∑𝑐

2𝑚− (

∑𝑐̇

2𝑚)

2

− (𝑘𝑖

2𝑚)]

Onde Σc é a soma dos pesos dos arcos incidentes em ‘c’, ‘k’ é a soma dos pesos

incidentes no nó ‘i’, ‘kic’

é a soma dos pesos dos arcos que saem de ‘i’ para os nós em ‘c’, ‘m’

é a soma dos pesos de todos os nós na rede.

2. O segundo estágio é a elaboração de uma nova rede com os nós pertencentes a

cada comunidade. Em seguida, o processo se repete até que haja uma melhoria significativa

na modularidade da rede.

3.4. Resultados e discussão

3.4.1. A rede sul-americana de investimentos em petróleo e gás

A Figura 3 mostra a rede delineada a partir dos fluxos de IDE e F&A em petróleo

e gás na América do Sul. Os locais que aparecem em laranja estão na América do Sul,

enquanto os em verde são de fora da região.

Page 83: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

83

Figura 3- Rede de investimentos em petróleo e gás da América do Sul, no período de 2007 – 2016

Fonte: elaboração própria.

Page 84: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

84

A característica mais notável desta rede é a concentração de conexões em poucos

nós e a existência de muitos nós pequenos com participação limitada nos fluxos de

investimento. Isso caracteriza uma rede livre de escala, segundo Barabási (2009), o que

significa que a rede não possui um nó representativo, mas sim que existe uma hierarquia com

conectores grandes, conectores médios e nós com poucas conexões.

A análise visual da figura permite a verificação de que o Rio de Janeiro é a

principal origem dos investimentos na cadeia de petróleo e gás na América do Sul e que o

Brasil é o principal destino. Para mostrar mais detalhadamente o papel desempenhado por

algumas localidades, a tabela 8 mostra o outdegree dos nós da rede na figura 4.

Tabela 8 – Outdegree da rede de investimentos em petróleo e gás da América

do Sul, no período de 2007 – 2016

Rio de Janeiro 63

São Paulo 31

Bogota 26

Buenos Aires 26

Caracas 22

Calgary 20

Madrid 17

Medellin 13

Fonte: elaboração própria.

Os valores de outdegree mostrados na tabela 8 evidenciam que as cidades da

América do Sul desempenham um papel importante dentro da rede regional. Das 8 principais

cidades de origem dos investimentos na região, apenas duas são de fora da região: Calgary e

Madri. Outro aspecto importante é o domínio do Rio de Janeiro como a principal origem dos

investimentos. O Rio de Janeiro foi a fonte de 63 investimentos, duas vezes mais que São

Paulo, a segunda cidade mais bem colocada, seguida de perto por Bogotá.

3.4.2. A centralidade do Rio de Janeiro

A centralidade do Rio de Janeiro confere uma posição de poder à cidade dentro da

rede, uma vez que ela é a líder isolada na origem dos investimentos em petróleo e gás na

América do Sul. Dessa forma, o número de canais para outros fluxos estabelecidos entre esta

cidade e outros locais da rede é o mais alto. Assim, devido à sua grande conectividade, o Rio

Page 85: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

85

de Janeiro é classificado como um forte conector dentro dessa rede (BARABÁSI, 2009). A

posição da cidade dentro da rede é explicada com base na perspectiva de Dicken et al (2001),

ou seja, são enfatizados os recursos que a cidade detém, e que contribuem para a sua

centralidade, tornando-a um conector forte.

Um dos fatores que explicam a centralidade do Rio de Janeiro é que esta cidade

sedia a Petrobras. A empresa é responsável pela exploração de grande parte dos campos de

petróleo do país e responde por quase 90% do petróleo produzido no Brasil (ANP, 2016). A

Petrobras é a maior companhia de petróleo da América do Sul, segundo ranking divulgado

pela consultoria Platts, que avalia critérios como valor de ativos, receita, lucro e retorno de

capital. A empresa ocupou essa posição desde 2002, quando foi criado o ranking (Revista

Exame, disponível em http://exame.abril.com.br/negocios/petrobras-perde-o- posto-de-maior-

da-américa-do-sul-veja-o-ranking/). O papel da Petrobras na rede de fluxos de investimentos

em petróleo e gás na América do Sul é visto na tabela 9, que mostra as principais empresas

investidoras da rede.

Tabela 9 - Principais empresas investidoras na cadeia de petróleo e gás da

América do Sul, no período 2007 – 2016

Empresa Número de

projetos Cidade sede

Principal atividade na

cadeia

Petrobras 38 Rio de

Janeiro E&P

PDVSA 25 Caracas E&P

Repsol 11 Madrid E&P

Ultrapar 10 São Paulo Distribuição/

especialidades químicas

Braskem 10 São Paulo Petroquímica

Fonte: FDI Markets e Zephyr.

A Tabela 9 mostra que, dentro dos fluxos de IDE e F&A na América do Sul, a

Petrobras é a empresa com a maior participação, com um número de projetos 50% maior que

a segunda colocada, a venezuelana PDVSA. Também é possível observar que as três

Page 86: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

86

principais empresas da tabela são grandes petroleiras. Como já mencionado, a cadeia do

petróleo é do tipo orientada pelo produtor. Assim, grandes e integradas empresas petrolíferas

desempenham um papel central nessa rede.

A Petrobras atua em diversas partes do globo, incluindo África, América, Ásia e

Europa, em diferentes etapas da cadeia (COSTA E PESSALI, 2009). No entanto, sua atuação

internacional é mais intensa na América do Sul. Em 2015, quase 47% das reservas provadas

internacionais da Petrobras estavam localizadas na região. A empresa atua em diferentes áreas

em muitos países. No Chile, Paraguai e Uruguai, com comércio e distribuição, sendo líder no

setor. No Peru e na Bolívia tem negócios de exploração, produção e transporte por oleodutos.

Na Venezuela e na Colômbia, existem parcerias no setor de distribuição. Este segmento

também está presente no Chile, onde existem 279 postos; na Argentina, com 265 postos; no

Paraguai, com 180 postos; no Uruguai, com 87 postos. A participação de mercado da empresa

em cada um desses países é de 12,5%, 6,1%, 19,5% e 22,7%, respectivamente

(PETROBRAS, 2015). Entretanto, esse quadro vem passando por mudanças, com a nova

estratégia de desinvestimento adotada pela empresa.

Além da Petrobras, empresas privadas de petróleo também estão presentes no Rio

de Janeiro. De acordo com o relatório de 2016 da ANP (Agência Nacional do Petróleo), das

104 concessionárias de E&P que operavam nos poços de petróleo brasileiros, 65 delas

estavam sediadas no Rio de Janeiro, e várias dessas empresas eram multinacionais. Segundo

Costa e Pessali (2009), uma vez que o sistema de licitação para a concessão de blocos de

exploração foi instituído pela ANP, em 1999, a Petrobras tem participado ativamente, e as

empresas estrangeiras participam frequentemente em parceria com ela. Essa relação próxima

que muitas empresas estrangeiras desenvolveram com a Petrobras - desde a liberalização do

setor petrolífero nacional brasileiro - motivou a instalação dessas empresas no Rio de Janeiro,

para explorar vantagens oriundas da proximidade geográfica e institucional (BOSCHMA,

2005).

Vale destacar que o Rio de Janeiro não é a única cidade da América do Sul que

abriga escritórios de empresas multinacionais de petróleo e gás. Essas empresas estão

localizadas em várias cidades, refletindo a descentralização desse setor, que é fortemente

influenciado pelo marco regulatório e pela agenda nacional de segurança energética dos

países (MARTINUS E SIGLER, 2017), além das relações usuário-produtor, que motivam as

empresas parapetrolíferas a se instalarem próximas às empresas petroleiras. Essas empresas

parapetrolíferas também estão fortemente concentradas no Rio de Janeiro (ROCHA E

URRACA-RUIZ, 2011).

Page 87: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

87

Além da concentração de empresas, o Rio de Janeiro também concentra esforços

significativos de pesquisa na área. Primeiro, há o Cenpes, centro de pesquisa da Petrobras.

Este centro - que é o principal, mas não o único da empresa - foi fundamental no

desenvolvimento de tecnologias de perfuração em águas profundas, o que garantiu a liderança

tecnológica nessa área à Petrobras (COSTA E PESSALI, 2009), o que foi discutido em mais

detalhes no capítulo 1.

Ademais, alguns centros de P&D de empresas transnacionais envolvidas na fase

de exploração de petróleo e gás também estão instalados no Rio de Janeiro. Dados

apresentados em Piquet et al (2016) mostram que, dos 18 novos centros de P&D de petróleo e

gás que foram instalados no Brasil nos últimos dez anos, 15 estão localizados na cidade,

sendo que a maioria desses centros está localizada numa área de propriedade da UFRJ

(Universidade Federal do Rio de Janeiro). A instalação desses centros de P&D de empresas

transnacionais no Rio de Janeiro é motivada, entre outros fatores, pela descoberta do pré-sal

em 2007, proveniente das bacias sedimentares, que vão do litoral do Espírito Santo até São

Paulo (PEDROSA JR. E CORREA, 2016). A exploração da camada exige novas tecnologias,

adaptações às já existentes e soluções logísticas (PIQUET, 2012). Portanto, a demanda por

novas tecnologias e soluções adaptadas, além da importância do pré-sal como novo depósito

com grande potencial produtivo, estimularam o investimento estrangeiro em P&D na cidade

(BELLUZZO et al, 2014 apud PIQUET, 2016).

As atividades de P&D realizadas por empresas estrangeiras no Rio de Janeiro e no

Brasil também se devem à legislação do setor que, desde 2005, determina que 1% da

produção bruta total de campos altamente produtivos seja investido em P&D. Parte desse 1%

pode ser aplicado em centros próprios de P&D ou no Cenpes, e outra parte deve ser aplicada

em instituições sem fins lucrativos, como universidades e institutos públicos de pesquisa

(OLIVEIRA, 2016; TORDO et al, 2013).

Assim, o Rio de Janeiro é um centro do estágio upstream da rede de petróleo e

gás. Essa centralidade se materializa na concentração da origem dos fluxos de IDE e F&A da

rede sul-americana naquela cidade. Tal concentração é explicada em grande parte pela

presença da Petrobras, que detém um papel de liderança na região. O fato de o Rio de Janeiro

abrigar a sede da empresa motiva outras empresas, que buscam atuar em parceria com a

Petrobras, a se instalarem no Rio de Janeiro, informação confirmada em entrevistas10

.

10

Entrevistas realizadas no âmbito do projeto “Gateway cities and their hinterland: global cities from the Global

South as nodes in global commodity chains”.

Page 88: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

88

3.4.3. Formação de Comunidades

Os dados apresentados sobre os fluxos de investimento em petróleo e gás mostram

a centralidade do Rio de Janeiro. No entanto, a Figura 3 não permite a visualização da

extensão espacial do papel da cidade. Apesar de o Rio de Janeiro se destacar como fonte de

investimentos na cadeia de petróleo e gás, essa centralidade se estende ao contexto regional

ou se concentra no nível nacional? Foi realizada uma análise de comunidades para responder

a essa questão. As comunidades mostram a extensão espacial do papel das cidades que

concentram os fluxos em petróleo e gás, através da formação das subredes. Essas subredes são

mostradas na figura 4.

Page 89: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

89

Figura 4 - Comunidades Louvain na rede de IDE e F&A em petróleo e gás na América do Sul, no período 2007 – 2016

Fonte: elaboração própria

Page 90: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

90

Inicialmente, é possível verificar que a comunidade do Brasil é a que possui o

maior número de cidades. Isso evidencia a importância que o país tem como pólo de atração

de investimentos na cadeia de petróleo e gás, pois é o país que estabelece fortes relações com

mais cidades, implicando que ele recebe investimentos de uma maior variedade de cidades.

Agrupando os nós mais conectados, a análise das comunidades permite ver o forte

escopo nacional dos fluxos de investimento na América do Sul. Em quase todas as

comunidades há um ou dois países da América do Sul e, na mesma comunidade a qual esses

países foram designados, há também um grande número de cidades do mesmo país.

Isso fica claro quando olhamos para a comunidade em que o Brasil está inserido.

São Paulo e Rio de Janeiro também estão nessa comunidade, além de várias outras cidades

brasileiras. Apenas uma pequena parte das cidades brasileiras está em comunidades

diferentes. Esse padrão é o mesmo se forem observadas as comunidades da Argentina,

Colômbia, e assim por diante.

Dessa forma, é possível concluir que a rede de investimentos da América do Sul

tem forte escopo nacional. Assim, embora seja uma cidade de destaque dentro da rede sul-

americana, os investimentos que se originam no Rio de Janeiro estão voltados

majoritariamente para o Brasil e pouco ecoam na região, como um todo. Esta é a tendência

geral dos fluxos nesta cadeia, uma vez que todas as comunidades têm padrões semelhantes.

Este resultado está de acordo com resultados obtidos em outros estudos que

também trataram do setor energético, e evidenciaram que as especificidades institucionais dos

diferentes países produtores contribuem para a descentralização dos fluxos da cadeia em nível

global e concentração em nível nacional. Martinus e Sigler (2017) mostraram a forte

descentralização da organização do setor energético em geral. Breul e Revilla Diez (2017)

também identificaram uma forte concentração no nível nacional da organização de empresas

de E&P no Sudeste Asiático.

3.5. Considerações finais:

Este capítulo teve como objetivo analisar a organização espacial da cadeia de

petróleo e gás na América do Sul, com base nos fluxos de IDE e F&A da região. Os fluxos

foram analisados combinando redes com uma abordagem qualitativa. Dessa forma, procurou-

se contribuir para a literatura, trazendo uma análise espacial com foco nas cidades, e uma

metodologia pouco aplicada nos estudos da área até o momento.

Page 91: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

91

Com base na análise realizada, foi verificada a forte centralidade do Rio de

Janeiro nos fluxos de investimento da região. Essa centralidade coloca a cidade em uma

posição de poder na rede sul-americana e se deve, no sentido usado por Dicken et al (2001),

aos recursos que a cidade possui.

Um dos atributos centrais do Rio de Janeiro é o fato da cidade sediar a Petrobras.

Como essa cadeia é caracterizada como sendo orientada pelo produtor, as grandes empresas

de petróleo exercem controle sobre as atividades da cadeia. Além de ser a maior petroleira da

América do Sul, a Petrobras é um importante player no segmento de exploração offshore em

águas profundas, sendo uma das líderes tecnológicas mundiais nesse segmento. Além disso, a

empresa atua internacionalmente em várias etapas, desde a exploração até a distribuição.

Visando a proximidade com a Petrobras, muitas empresas petroleiras privadas, prestadoras de

serviços especializados e fornecedores também estão localizados no Rio de Janeiro.

Além de abrigar importantes empresas da etapa upstream, o Rio de Janeiro

também abriga vários centros de pesquisa de petróleo e gás. Além do Cenpes, da Petrobras,

algumas empresas privadas também possuem centros de P&D instalados na cidade. Portanto,

além de ser um importante centro de empresas do segmento, o Rio de Janeiro também se

caracteriza como um importante centro de produção de conhecimento e tecnologia. Em

relação a essa questão, o Estado desempenha um papel fundamental, uma vez que o marco

regulatório estimula a instalação de unidades de P&D.

Por meio do particionamento em comunidades, foi possível verificar que o escopo

dessa centralidade é principalmente nacional, embora a centralidade do Rio de Janeiro na rede

de investimentos da América do Sul seja notável. Esse resultado está de acordo com outros

estudos que já discutiram a forte centralização nacional da cadeia de petróleo e gás. Isso

ocorre, principalmente, pelo fato dessa cadeia ser fortemente influenciada pela política local e

pelo ambiente institucional, fatores que moldam os termos em que a produção do setor de

petróleo e gás será realizada.

Este capítulo e o capítulo 2 contribuíram para o entendimento da organização

espacial e hierárquica das diferentes cidades sul-americanas, destacando também as diferentes

posições que elas ocupam dentro da cadeia e a concentração nacional desses fluxos. Nos

capítulos 4 e 5 serão exploradas duas funções específicas desempenhadas pela cidade do Rio

de Janeiro, que foram identificadas nos capítulos 2 e 3: a função de coordenação na etapa

upstream e a função de geração de conhecimento.

Page 92: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

92

CAPÍTULO 4 - A geografia das atividades da etapa upstream na América do Sul

4.1. Introdução11

Este capítulo tem como objetivo mapear a organização das atividades da cadeia de

petróleo e gás, na etapa upstream (a produção de petróleo e gás em si), na América do Sul,

evidenciando as cidades que detêm importantes papeis para a organização das atividades de

operação e prestação de serviços especializados. Também é destacado como as políticas locais

e o ambiente regulatório moldam a organização da rede na região, e como as estratégias

adotadas pelo Estado brasileiro impactaram a inserção da cidade do Rio de Janeiro, centro da

indústria petrolífera local, na rede.

Foi definido que a atenção desta análise estaria focada na etapa upstream e não na

cadeia como um todo. Primeiramente, pelo fato de que no capítulo anterior foi identificado

que o Rio de Janeiro tem um importante papel nessa etapa, no contexto da América do Sul.

Em segundo lugar, mas não menos importante, devido ao fato de que, de acordo com

Stephenson e Agnew (2015), a configuração da rede de petróleo e gás, que envolve a extração

em um determinado local, o transporte desse local para unidades de processamento ou

mercados em outro local, através de estruturas específicas (dutos, embarcações), implica em

uma geografia específica para cada etapa. Ainda, de acordo com esses mesmos autores, as

atividades upstream envolvem diversas firmas, como operadoras e prestadoras de serviços

especializados que atuarão na perfuração, completação e fabricação de plataformas, formando

uma rede por si só.

A fim de desenvolver a análise proposta foram coletados dados na base “A barrel

full”, que traz informações sobre campos de petróleo e gás no mundo todo e as empresas que

atuam na sua exploração; em sites de empresas, a fim de identificar a localização destas; e

foram realizadas entrevistas e pesquisas em reportagens e estudos já realizados na área. Para o

tratamento dos dados encontrados, foi empregada a análise de redes e calculadas medidas de

centralidade.

Com essa análise o presente capítulo busca contribuir para o entendimento da

dinâmica espacial da organização das redes produtivas e para o entendimento dos fatores

específicos locais que determinam tal organização, evidenciando o fato de que, embora as

11

Versões preliminares deste capítulo foram apresentadas no 57th ERSA (European Regional Science

Association) Congress e no XV Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos.

Page 93: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

93

redes produtivas sejam globais, sua geografia é fortemente determinada por elementos

territoriais locais.

4.2. A organização das redes globais de produção

Dicken et al (2001) afirmam que as redes globais de produção têm uma

territorialidade e organização específicas. Esse forte vínculo com as condições territoriais

locais também foi identificada por Bridge (2008), ao analisar as redes de produção de

petróleo. O autor afirmou em seu trabalho que o Estado participa do processo produtivo da

rede em questão de várias formas: estabelecendo os termos sob os quais os recursos serão

acessados; operando diretamente poços através das empresas estatais; e através de regulações

ao longo de toda a cadeia, desde a segurança do trabalho e meio-ambiente até a taxação de

combustíveis. Devido a essas características, determinadas por governos e instituições locais,

a rede de petróleo seria um ótimo exemplo do aspecto territorial envolvido nas redes globais

de produção, de acordo com o autor.

No contexto da territorialidade específica das redes e dos fatores locais que

determinam as suas respectivas configurações, a forma como o Estado pode impactar a

geração, melhoramento e captura de valor tem sido estudada em alguns trabalhos. Nesse

sentido, Horner (2017) desenvolve uma tipologia de quatro papeis desempenhados pelo

Estado nas redes globais de produção. De acordo com o autor, o Estado pode atuar como

facilitador, regulador, produtor ou comprador.

O papel de facilitador está baseado no auxílio, por parte do Estado, às empresas

inseridas nas redes globais de produção, através de subsídios e incentivos fiscais, por

exemplo. O papel de regulador se refere ao aspecto regulatório, que condiciona a forma como

as empresas e locais podem participar das redes, o que envolve políticas de comércio, controle

de preços e restrições a investimentos estrangeiros. O papel de produtor está diretamente

relacionado à existência de empresas estatais, que costumam atuar, principalmente, em setores

estratégicos, como o de petróleo e gás. O papel de comprador tem a ver com políticas de

compra pública, que fazem com que haja uma demanda garantida para determinados

produtos, incentivando as empresas envolvidas na produção destes.

A forma espacial com a qual as redes produtivas globais estão organizadas vêm

sendo debatida desde a década de 1980. Friedmann (1986) e Friedmann e Wolff (1982)

afirmam que as atividades organizacionais das empresas multinacionais, ou seja, atividades

Page 94: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

94

voltadas à administração da produção e não à produção em si, estão concentradas apenas em

algumas cidades, devido ao fato de que estas dispõem de uma série de recursos como mão de

obra especializada, setor de serviços desenvolvido, infraestrutura de transportes, entre outros.

Scholvin et al (2017a) afirmam que as cidades são pontos de articulação das redes de

produção, atuando como centros de logística e transporte, processamento industrial, controle

corporativo, prestação de serviços e geração de conhecimentos. Assim, apenas algumas

poucas cidades exercem um papel importante no que diz respeito à organização das redes

globais de produção.

O estudo sobre a organização espacial dessas redes vem sendo desenvolvido

recentemente com uma abordagem de escopo setorial. Os autores envolvidos nesses estudos

afirmam que as cidades têm diferentes perfis, ou seja, uma cidade que é importante para um

setor, não necessariamente terá a mesma importância para outro setor. Logo, é necessário um

estudo de escopo setorial para captar as especificidades espaciais da organização de cada setor

e identificar quais são os locais-chave para o funcionamento das diferentes redes produtivas

(KRATKE, 2014).

Martinus e Tonts (2015) desenvolvem um estudo nesse escopo, analisando a

cadeia de energia. Os autores consideram que, devido a forte influência do Estado e das

agendas locais de segurança energética, essa rede de produção deve ser entendida como

fortemente circunscrita às condições institucionais locais. Os autores mostraram que a

organização dessa rede pode ser entendida através do desenho de regiões, sendo que cada uma

delas apresenta um grupo de cidades que concentram o poder administrativo de tal cadeia,

tendo influência sobre a região na qual elas estão inseridas e atuando como um canal entre as

suas respectivas regiões e outros locais do mundo.

Os autores consideram que tais cidades atuam como intermediárias de fluxos de

capital e conhecimento, funcionando como pontes entre a esfera global e regional. Essa

função se deve ao fato dessas cidades sediarem diversos escritórios (sedes, sedes regionais e

nacionais, escritórios de vendas) de diferentes empresas envolvidas na cadeia de energia. De

acordo com os autores, o fato de as empresas se instalarem nessas cidades têm justificativas

históricas (relação histórica de Moscou com o leste europeu, por exemplo), logísticas (locais

de produção e mercados consumidores) e financeiras (cidades que são paraísos fiscais)

(MARTINUS E TONTS, 2015).

4.3. Metodologia

Page 95: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

95

A metodologia empregada para o desenvolvimento deste capítulo foi realizada em

quatro etapas:

1. Coleta de dados na base “A barrel full”, a fim de identificar os poços de

petróleo e gás ativos na América do Sul e as empresas participantes na exploração destes;

2. Busca da localização de escritórios das empresas encontradas na etapa 1, a

partir de informações encontradas em seus respectivos websites.

3. Desenho de redes a partir das informações de localização coletadas e análise da

centralidade de diferentes cidades.

4. Entrevistas com alguns importantes players do setor e revisão de textos

acadêmicos e reportagens de jornais sobre o assunto.

A fim de obter dados sobre os poços de petróleo e gás da América do Sul, foi

utilizada a base de dados “A barrel full”. A base fornece dados sobre os diferentes poços de

petróleo e gás existentes no mundo, com informações relativas à localização deles, com dados

referentes ao país, cidade ou bacia (caso dos poços offshore) em que o poço se encontra.

Dessa forma, é possível ter a localização precisa do poço em questão. Além de dados relativos

à localização dos poços, a base também traz informações sobre as empresas que atuam em

cada poço, tanto as operadoras como as prestadoras de serviço contratadas. Essas prestadoras

fornecem serviços relacionados à engenharia, abastecimento, construção, instalação, entre

outros.

Com as informações sobre os poços de cada país da América do Sul, foi dado

início a segunda etapa da metodologia. Nela, foi realizada uma pesquisa nos respectivos

websites das empresas encontradas na etapa 1. Nessa pesquisa buscou-se informações sobre a

localização dos escritórios das empresas encontradas na etapa 1 em todo o mundo, inclusive

na América do Sul. Tal pesquisa sobre a localização de escritórios apresenta algumas

limitações, pois apenas algumas empresas fornecem informações sobre a natureza dos

escritórios, ou seja, se o escritório é uma sede regional, um escritório para vendas etc.

Contudo, na ausência de dados extras que auxiliassem na informação sobre a importância de

cada escritório, optou-se pela utilização de todas as localizações informadas.

Estas duas etapas foram realizadas durante o ano de 2016. Logo, o desenho da

rede reflete as condições de localização daquele ano.

Após a coleta das informações de localização dos escritórios, foram elaboradas

duas redes: a primeira foi feita a partir da localização das empresas operadoras; a segunda foi

feita a partir da localização das empresas prestadoras de serviços especializados.

Page 96: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

96

Com a elaboração dessas duas redes é possível conectar o local de início da cadeia

de petróleo e gás, o poço em si, aos locais dos quais as atividades subsequentes que compõem

essa cadeia são administradas. Dessa forma, é possível captar a importância que determinadas

cidades sul-americanas têm para o funcionamento da sub-rede desenvolvida na região.

As conexões estabelecidas nas duas redes entre os poços de petróleo e gás e as

diferentes cidades foram realizadas a partir da metodologia proposta por Hennemann e

Derudder (2014) e replicada por Breul e Revilla Diez (2017), também na análise de atividades

upstream na indústria de petróleo e gás, mas com foco no sudeste asiático. De acordo com tal

metodologia, são identificadas as mais prováveis conexões entre dois nós dentro de uma rede,

de acordo com a proximidade e a posição hierárquica dos escritórios corporativos das

empresas atuantes na exploração dos poços.

Assim, as conexões seguiram o seguinte padrão: um poço é preferencialmente

conectado ao escritório do operador ou prestador de serviços existente no país em que este se

localiza, devido a questões de proximidade. Quando existe mais de um escritório no mesmo

país, optou-se por conectar o poço ao escritório hierarquicamente mais importante, de acordo

com as informações coletadas nos websites, por exemplo, uma sede nacional é

hierarquicamente mais importante que um escritório de vendas. No caso de não haver

escritórios no país, mas haver em outro local da América do Sul, a conexão foi feita entre o

poço e o escritório nessa localidade. Nos casos de não haver escritórios no país e nem em

outra localidade da América do Sul, a conexão foi realizada com a sua sede. A seguir, a tabela

10 mostra um resumo dos dados coletados e analisados.

Tabela 10 – Resumo dos dados coletados na base A barrel full

Países Poços

Brasil 27

Argentina 5

Bolívia 4

Colômbia 8

Equador 2

Peru 2

Venezuela 21

Fonte: A barrel full.

Page 97: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

97

Após o desenho das redes foram calculadas medidas de centralidade (outdegree),

a fim de detectar as cidades com importante papel para a organização das atividades da cadeia

de petróleo e gás na sub-rede da América do Sul.

Na sequência, foram realizadas quatro entrevistas12

(no ano de 2017) com

gerentes e diretores de empresas do setor, e revisão de textos acadêmicos e reportagens em

jornais, a fim de entender os fatores que influenciam na geografia da organização das

atividades da cadeia, dando suporte às interpretações sobre os desenhos encontrados nas

redes.

4.4. Resultados e discussão

A análise desenvolvida nesta seção buscará evidenciar, a partir da metodologia

proposta na seção anterior, como as atividades da cadeia de petróleo e gás na América do Sul

estão espacialmente organizadas, quais cidades concentram tais atividades, quais fatores

justificam tal organização e qual o papel desempenhado pelo Estado.

Essa análise será realizada a partir da localização dos escritórios das empresas

que operam a exploração dos poços de petróleo e gás e das empresas contratadas que prestam

serviços especializados relacionados à etapa upstream nesses poços.

A figura 5 mostra a relação entre os poços de petróleo e gás e a sua ligação

com as cidades, a partir das empresas operadoras. Nessa figura, o tamanho dos nós centrais,

que representam as cidades, é determinado pelo outdegree, ou seja, a quantidade de conexões

que saem dessas cidades em direção aos poços.

Os nós que estão conectados às cidades representam os poços. As diferentes

cores com as quais eles são representados indicam o país no qual eles estão localizados, como

mostra a legenda.

12

Entrevistas realizadas no âmbito do projeto “Gateway cities and their hinterland: global cities from the Global

South as nodes in global commodity chains”.

Page 98: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

98

Figura 5 - Locais de administração das atividades das empresas operadoras nos poços de

petróleo e gás da América do Sul

Fonte: elaboração própria a partir dos dados da base A Barrel Full e de informações de

localização de escritórios de empresas operadoras.

A figura 5 mostra que a atividade de operação é organizada essencialmente em

nível nacional, com uma cidade responsável pela concentração de escritórios de empresas que

atuam como operadoras no setor.

Casos em que cidades de fora da América do Sul operam poços de petróleo

ocorrem apenas em quatro poços venezuelanos, em que Moscou e Beijing aparecem como

centros de operação. Entretanto, em todos esses poços, também atuam operadores com

localização em Caracas.

Esse resultado não é surpreendente, já que, como discutido no capítulo 1, o setor

de petróleo e gás tem grande participação de empresas estatais. Essa forte participação,

associada à regulação dos países da região, está refletida no desenho da rede mostrada na

figura 5. Brasil, Argentina, Bolívia, Venezuela, Peru, Equador e Colômbia têm empresas

estatais no setor de petróleo e gás, embora a empresa peruana, a Petroperu, não se dedique às

atividades de exploração, concentrando a sua atuação na etapa midstream da cadeia.

Além da existência de empresas estatais, é importante ressaltar que a legislação

sob a qual estas empresas e também as empresas privadas atuam, é crucial para o

entendimento da concentração das atividades de operação em nível nacional verificada na

figura 5.

Page 99: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

99

No Brasil, o regime de exploração é por concessão. Embora, o monopólio da

Petrobras tenha acabado legalmente em 1997, a empresa de capital misto ainda responde por

aproximadamente 90% da produção de petróleo no país (ANP, 2017). A empresa participa

ativamente dos leilões de concessão, formando, inclusive, consórcios com a participação de

empresas estrangeiras. A Petrobras também atua operando poços em outros países, inclusive

na América do Sul, sendo que em 2015, 47% das reservas estrangeiras provadas da Petrobras

estavam na América do Sul.

Na Argentina, os contratos de exploração também são estabelecidos via concessão

(MERCHÁN, 2015). A YPF, estatal do país, tem um importante desempenho nessa atividade,

respondendo por aproximadamente metade da produção nacional (EL CRONISTA, 2017),

mas empresas como a Petrobras e empresas privadas também operam poços e formam

consórcios com a estatal argentina para explorá-los.

Já na Bolívia, o regime de exploração é mais rígido, e 3 tipos de contratos podem

ser estabelecidos, sendo difícil classificá-los nas categorias discriminadas na seção 2.

Entretanto, em todos os casos, a produção é entregue à estatal YPFB, sendo que esta

necessariamente terá algum tipo de papel nas atividades de operação (MERCHÁN, 2015).

Na Colômbia, os contratos também são estabelecidos na forma de concessões e a

Ecopetrol é a empresa estatal do país (MERCHÁN, 2015). A empresa é uma das maiores sul-

americanas do setor (REVISTA EXAME, 2016.).

No Equador, terceira maior reserva da região, a legislação é rígida quanto à

presença de empresas estrangeiras na exploração. Estas são permitidas apenas em caráter

excepcional, caso as estatais Petroecuador e Petroamazonas não possam explorar os campos.

Nesse caso, contratos no formato de prestação de serviços serão estabelecidos (MERCHÁN,

2015).

A Venezuela, maior reserva da América do Sul, também é o país que detém a

legislação mais rígida quanto à participação de empresas estrangeiras. Os contratos firmados

são do tipo joint-venture, ou seja, é formada uma empresa mista para a realização da

exploração, na qual o governo venezuelano tem, ao menos, 51% de propriedade, sendo

representado pela estatal PDVSA (MERCHÁN, 2015).

Contudo, não são apenas as empresas estatais que atuam na exploração dos poços

da América do Sul. Muitas empresas privadas, como Chevron e Shell, também atuam nessa

atividade, e mesmo assim, as cidades que aparecem na rede são quase exclusivamente da

América do Sul. Isso se deve ao fato de que, como evidenciado por Scholvin et al (2017a) e

Breul e Revilla Diez (2018), e também destacado nas entrevistas realizadas, devido às

Page 100: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

100

especificidades e ao contexto institucional de cada país, estar presente no país em que se atua

favorece o estabelecimento de relações com as autoridades públicas e com outras empresas,

principalmente as estatais, que podem ser potenciais parceiras. Ademais, no Brasil e na

Colômbia, onde os contratos de concessão são adotados e a participação das estatais não é

obrigatória, apenas empresas internacionais estabelecidas nos respectivos países são elegíveis

para participar dos leilões públicos (INTERNATIONAL COMPARATIVE LEGAL GUIDE,

2017).

A análise do contexto institucional e da existência de empresas estatais auxilia no

entendimento da estrutura desenvolvida pela rede da figura 5. Essa rede mostra que as cidades

da região desempenham papeis semelhantes, sendo importantes centros para a organização

das atividades de operação nos seus respectivos países.

Com as regras de direitos de exploração nos países da América do Sul, em que a

participação das empresas estatais é obrigatória em muitos países, os Estados tentam

assegurar a captura de valor nas atividades de operação. Assim, é possível inferir, baseado na

tipologia de Horner (2017), que o Estado atua tanto como produtor, através das empresas

estatais, quanto como regulador, já que o Estado define as condições sob as quais as empresas

(sejam elas privadas ou estatais) vão operar. Essa é uma evidência de que a organização

espacial da rede de operação é fortemente influenciada pelo Estado.

Dessa forma, essa rede produtiva é fortemente atrelada aos países produtores, já

que estes possuem os recursos a serem explorados, sediam empresas que, em alguns casos,

devem obrigatoriamente participar do processo de E&P ou então requerem que as empresas

que pretendem participar dos processos de leilão estejam localizadas no país onde a

exploração ocorrerá.

Enquanto a rede de operadores mostrou grande concentração em nível nacional,

com cidades do mesmo país em que os poços estavam localizados exercendo atividades de

operação, isso acontece de forma menos pronunciada quando analisamos as empresas

prestadoras de serviços especializados, que são contratadas pelas operadoras para a realização

de serviços técnicos específicos em cada um dos poços analisados.

A figura 6 mostra a rede formada pela localização das prestadoras de serviços

especializados, conectando as cidades em que estas empresas se localizam aos poços em que

elas atuam. Nessa rede, as dimensões dos nós seguem o mesmo padrão já descrito na figura 5.

Page 101: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

101

Figura 6 - Locais de administração das atividades das empresas prestadoras de serviço

especializados nos poços de petróleo e gás da América do Sul

Fonte: elaboração própria a partir dos dados da base A Barrel Full e de

informações de localização de escritórios de empresas operadoras.

O que se pode notar inicialmente nessa rede é que há muitas novas cidades,

principalmente cidades de fora da América do Sul, como Milton Keynes e Houston. Essa

diferença pode ser atribuída ao fato de que as atividades de prestação de serviços, mostradas

na segunda rede, são controladas majoritariamente por empresas multinacionais, ao contrário

da dominância por estatais que permeia as atividades de operação mostradas na figura 5.

Empresas locais também atuam nesse segmento, contudo, o mercado ainda é fortemente

concentrado por poucas multinacionais (OLIVEIRA, 2016).

Nessa rede, as conexões entre cidades e poços de outro país são mais frequentes,

como o caso do Rio de Janeiro, que se conecta com poços no Brasil, Argentina e Venezuela;

Macaé que se conecta a poços argentinos, brasileiros e venezuelanos; Buenos Aires que se

conecta a um poço brasileiro e a poços argentinos e Santiago que se conecta a um poço

venezuelano.

Page 102: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

102

Mesmo com a forte dominância das empresas multinacionais, a rede ainda

apresenta muitas cidades de dentro da região. Isso pode ser explicado pela já mencionada

facilidade encontrada pelas empresas em estabelecerem parcerias com as estatais locais

quando estão próximas delas, informação fornecida por uma empresa entrevistada.

O Rio de Janeiro se destaca na rede da figura 6, devido ao número de conexões

estabelecidas e por ser a cidade que estabeleceu conexões com poços de mais países. Para

entender melhor esse destaque do Rio de Janeiro, foi realizado um esforço de mapear a

localização dos escritórios de 45 empresas que prestam serviços especializados em petróleo e

gás na América do Sul. Através desse mapeamento foi possível visualizar que o Rio de

Janeiro é a cidade sul-americana que conta com o maior número de escritórios de companhias

prestadoras de serviços, apresentando números significativamente superiores aos das outras

cidades da região, como mostrado na tabela 11.

Tabela 11 – Localização das empresas prestadoras de serviços especializados para

petróleo e gás presentes na América do Sul

Cidade

Número de empresas

presentes

Rio de Janeiro (BRA) 18

Bogota (COL) 7

Lima (PER) 7

Caracas (VEN) 4

Santiago (CHI) 4

Macaé (BRA) 3

Buenos Aires (ARG) 2

São Paulo (BRA) 2

Santa Cruz de la Sierra

(BOL) 2

Fonte: websites das empresas.

Page 103: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

103

A partir da constatação de que o Rio de Janeiro é a cidade que realiza mais

conexões com poços de outros países e que é a cidade com expressivamente o maior número

de escritórios, a seguinte questão pode surgir: considerando que o Brasil tem a segunda maior

reserva da região, por que o Rio de Janeiro é a cidade com a maior concentração de empresas

prestadoras de serviços?

A concentração dessas empresas no Rio de Janeiro pode ser atribuída a três

fatores: o tamanho do mercado brasileiro; a posição da estatal brasileira, a Petrobras, de líder

tecnológica no segmento offshore e de águas profundas; e à política de conteúdo local.

De acordo com Oliveira (2016), dados divulgados pelo IEA (International Energy

Agency) em 2013, mostraram que o Brasil detinha 21% das unidades de FPSO (floating,

production, storage and offloading) e 37% das árvores de natal molhadas do mundo. Esses

equipamentos são fundamentais para a exploração offshore, e esses números evidenciam que

o país é um dos principais mercados mundiais desses equipamentos.

A Petrobras é referência no desenvolvimento tecnológico de exploração de águas

profundas, tendo ganhado por três vezes o prêmio da OTC (Offshore Technology

Conference), por conta das tecnologias empregadas na exploração da camada do pré-sal. As

especificidades do pré-sal e o desenvolvimento tecnológico da Petrobras contribuíram para

que muitas grandes empresas prestadoras de serviços especializados, como Baker Hughes e

FMC Corporation, que atuam no segmento offshore e de águas profundas, instalassem, além

de escritórios, centros de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) na cidade (PIQUET, 2016). Em

uma entrevista realizada, uma empresa multinacional prestadora de serviços afirmou que todo

o segmento de águas profundas da empresa é administrado a partir da cidade do Rio de

Janeiro.

Outro ponto fundamental é o fato de o Brasil ter uma política de conteúdo local.

De acordo com avaliação publicada em 2016 pelo Grupo Faro, o Brasil era o único país da

região que incluía cláusulas de conteúdo local em seus contratos e que tinha uma lei clara

sobre a utilização de conteúdo local no setor, com metas e instrumentos de avaliação e

fiscalização bem estabelecidos. Os outros países da região também incentivam a preferência

por conteúdo local, mas as regras quanto ao emprego deste estão pulverizadas em várias leis

relacionadas ao setor, e não sistematizadas, como no caso do Brasil. Ademais, muitas das

regras dos outros países só definem metas para o emprego de mão de obra local.

De acordo com a lei brasileira, o conteúdo local é atendido por empresas

instaladas no Brasil, sejam estas de capital nacional ou internacional (OLIVEIRA, 2016). A

política de conteúdo local é uma tentativa de criar valor em estágios da cadeia de petróleo e

Page 104: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

104

gás em que a Petrobras não atua, incluindo algumas com alto conteúdo tecnológico. Nessa

situação, o Estado tem um papel de regulador e de comprador, já que a Petrobras é uma das

maiores empresas do setor (HORNER, 2017). Contudo, como já mencionado no capítulo 1, a

política de conteúdo local vem sendo modificada.

Apesar dessas mudanças recentes, estar no Brasil ainda é estratégico para

empresas multinacionais poderem atuar aqui, principalmente para aquelas que atuam no ramo

offshore e de águas profundas, devido ao tamanho do mercado brasileiro, declaração obtida

em entrevista realizada com uma empresa multinacional atuante no ramo naval.

A densidade de empresas especializadas na prestação de serviços em petróleo e

gás possibilita a criação de valor nesse segmento. Adicionalmente, a concentração dessas

empresas, que atuam em um segmento caracterizado pelo alto conteúdo tecnológico, tem o

potencial de promover o desenvolvimento de atividades mais sofisticadas e de maior valor

adicionado, levando ao melhoramento da geração de valor. Nesse contexto, a inserção do Rio

de Janeiro na rede de produção de petróleo e gás pode ser entendida a partir das categorias

discriminadas por Schovin et al (2017a), anteriormente citadas. A cidade aparece como um

importante centro de serviços especializados, atividades corporativas e geração de

conhecimento13

.

Também é necessário levar em consideração a imobilidade dos recursos naturais.

Como o setor de petróleo e gás é fortemente influenciado pela localização das reservas, o fato

dessas empresas estarem localizadas no Rio de Janeiro, e não em outra cidade brasileira, tem a

ver com a proximidade desta cidade à bacia de Campos, o que influenciou a constituição

dessa indústria no Brasil desde o seu início, na localização da Petrobras e futura constituição

de uma estrutura industrial voltada ao setor de petróleo e gás na cidade.

4.5.Considerações finais

O presente capítulo buscou mapear a organização das atividades da etapa

upstream da rede produtiva de petróleo e gás na América do Sul e mostrar como aspectos

territorialmente específicos explicam a geografia assumida por essas redes e a forma como os

diferentes locais participam delas.

Através de medidas de centralidade e da metodologia empregada, foi possível

desenhar duas redes: uma a partir da localização das empresas operadoras e outra a partir da

13

As atividades de logística e manufatura não foram analisadas nesse capítulo.

Page 105: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

105

localização das empresas prestadoras de serviços especializados. A partir dessas redes, foi

possível verificar que as duas atividades apresentam organizações espaciais diferentes.

Quanto à operação, foi constatado que a organização das atividades se dá

essencialmente em nível nacional. Grande parte dos operadores dos poços da região operam

as atividades a partir de dentro do mesmo país onde o poço explorado está localizado, não

havendo grande integração das atividades em nível regional. Isso se deve à forte participação

de empresas estatais e à legislação de alguns países que determina a obrigatoriedade de

participação de empresas estatais na exploração. Até mesmo países com a regulação menos

rígida quanto à participação das empresas estatais, como Colômbia e Brasil, determinam que

os campos de petróleo e gás sejam operados por empresas que possuam filiais localmente.

Quanto à prestação de serviços especializados, o quadro encontrado foi diferente,

com mais conexões entre cidades de um país e poços de outro país, e muitas cidades de fora

da região participando da rede, o que não aconteceu na mesma magnitude na rede de

empresas operadoras.

Nessa rede, o Rio de Janeiro apareceu como a cidade que se conecta com poços de

maior número de países e como a cidade que concentra o maior número de empresas

prestadoras de serviços especializados de petróleo e gás, o que é explicado pelo tamanho do

mercado brasileiro, pela posição de líder tecnológica nos segmentos offshore e de águas

profundas da Petrobras e pela lei de conteúdo local, que se apresenta como a mais bem

estruturada da região, o que faz com que empresas estrangeiras se estabeleçam no país.

Com esses resultados, este capítulo mostra que a organização espacial de redes

como a de petróleo e gás é fortemente influenciada pelo ambiente institucional dos locais

produtores e pela influência de atores locais, tanto na regulação como no desenvolvimento da

cadeia em si.

Esse ambiente institucional é fortemente determinado pelo papel desempenhado

pelo Estado (facilitador, regulados, produtor e comprador) nos países produtores, pois 1. Os

locais possuem os recursos a serem explorados; 2. Em alguns casos há requerimentos quanto

à participação da estatal local; 3. Em outros casos há requerimentos quanto à presença das

empresas privadas no território nacional, o que condiciona, por sua vez, a forma como os

diferentes locais vão criar, melhorar e capturar valor.

No próximo capítulo, será explorada em mais detalhes mais uma função

desempenhada pelo Rio de Janeiro, sendo uma das mais complexas e de maior valor agregado

da rede de produção, a geração de conhecimento.

Page 106: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

106

CAPÍTULO 5 - A inserção de locais ricos em recursos naturais do Sul Global em redes

de conhecimento: o Rio de Janeiro na rede de conhecimento de petróleo offshore

5.1.Introdução14

Como já discutido nos capítulos anteriores, uma das atividades mais sofisticadas

nas redes de produção global é a geração de conhecimento, já caracterizada na literatura como

um processo espacialmente concentrado, cumulativo, dependente de trajetória e interativo, no

qual atores de apenas alguns locais específicos participam e a capacidade de aprender depende

do acesso ao conhecimento externo e capacidade de absorção local (BOSCHMA et al, 2014a;

DAVID, 2000; COHEN E LEVINTHAL, 1990; ACS et al, 2002).

O conhecimento tem sido visto como um ativo-chave no contexto de uma

economia do conhecimento globalizada, influenciando a configuração geográfica e a

organização das redes de produção em muitos setores, não apenas nos tradicionalmente

baseados em conhecimento (PAVITT, 1984; BRIDGE E WOOD, 2006). Mesmo na indústria

de petróleo e gás, que é considerada madura e com tecnologias bem estabelecidas, a

descoberta de novas reservas está colocando novos desafios com relação à viabilidade da

exploração, custos e segurança ambiental. Esses novos desafios envolvem atividades

intensivas em conhecimento, baseadas na adaptação de tecnologias já existentes e também na

geração de novos conhecimentos (CRESPI et al, 2018; SOLHEIM E TVETERAS, 2017).

As cidades são o locus do processo de geração de conhecimento, pois reúnem uma

ampla variedade de atores e ativos necessários a essa atividade. Em vez de se concentrar em

uma única empresa, a geração de conhecimento tem crescentemente envolvido a interação

entre atores e ativos de diferentes cidades, constituindo uma rede (FLORIDA et al, 2016;

LEYDESDORFF et al, 2014 e BALLAND et al, 2018). No entanto, nem todas as cidades

conseguem fazer parte dessa rede, uma vez que esta é uma atividade com alta concentração

espacial, que segue sua própria lógica geográfica, já que as cidades globais tradicionais15

não

são necessariamente os principais nós dessas redes de conhecimento (GOERZEN et al, 2013).

Considerando essas questões, este capítulo tem como objetivo mapear e investigar

a rede de conhecimento no segmento de petróleo offshore, mostrando se (e como) as cidades

14

Versões preliminares deste capítulo foram apresentadas na SASE's (Society for the Advancement of Socio-

Economics) 31st Annual Conference e na 5th Global Conference on Economic Geography.

15 Como as estudadas por Friedman (1986), Sassen (1991) e Taylor (2001, 2004).

Page 107: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

107

do Sul Global, de países ricos em petróleo, estão inseridas nela e como os diferentes atores

contribuem para esta inserção. Essa investigação é relevante, pois, embora a exploração de

petróleo seja condicionada por questões geológicas, o mesmo não ocorre com a produção de

conhecimento na área (PERRONS, 2014). Ademais, como a realização de atividades

relacionadas à produção de conhecimento são cruciais para aumentar o valor adicionado

internamente (LEE et al, 2018) e capturar valor nas redes de produção (COE E YEUNG,

2015), entender a estrutura das redes de conhecimento, como os diferentes locais estão

inseridos e quais atores estão envolvidos pode ter implicações para o desenho de políticas

públicas que favoreçam tal inserção.

Para atender aos objetivos propostos, foi criada uma base de dados de patentes no

segmento offshore da indústria de petróleo, desenvolvida a partir de patentes concedidas pelo

USPTO entre 2007 e 2017, e, a partir desses dados, foi desenhada uma rede com base na

localização dos inventores das patentes. Em seguida, foi selecionado um caso específico, o do

Rio de Janeiro, para análise e investigação dos fatores internos que contribuíram para a

inserção da cidade na rede.

Empregando ferramentas da metodologia de redes, foram identificadas as

principais cidades na geração de conhecimento em um setor que vem sendo negligenciado por

trabalhos que vão nessa direção, que tem continuamente focado em indústrias tradicionais de

alta tecnologia, como biotecnologia e eletrônica (LEYDESDORFF et al , 2014; CASSI E

PLUNKET, 2015; NEPELSKI E de PRATO, 2014; BOSCHMA et al, 2014a; ESLAMI et al,

2013; BALLAND 2012). Adicionalmente, a análise aqui desenvolvida é focada também em

cidades do Sul global, que não têm sido amplamente estudadas por essa literatura, que tem se

concentrado em cidades norte-americanas e europeias (BALLAND et al, 2018; BERGE et al,

2017; BOSCHMA et al, 2014b; HOEKMAN et al, 2008).

5.2. A produção de conhecimento em um contexto de redes globais de

produção

Iammarino e McCann (2018) argumentam que, embora em um contexto

crescentemente globalizado, a economia mundial pode ser descrita, em relação à

espacialidade, como uma “dispersão concentrada”, em que a produção é geograficamente e

funcionalmente fragmentada, mas apenas alguns locais concentram as atividades de alto valor

agregado, como mostrado nos capítulos anteriores. Essa concentração espacial é diretamente

Page 108: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

108

proporcional à sofisticação e complexidade das atividades analisadas. Logo, a produção de

conhecimento é uma atividade extremamente concentrada, o que já foi mostrado

empiricamente em alguns trabalhos, como Balland et al (2018), Goerzen et al (2013),

Nepelski e Prato (2015), Acs et al (2002), Cassi e Plunket (2015), Li e Phelps (2018). De

acordo com Leydesdorf et al (2014) e Balland et al (2018), essa concentração está ocorrendo

crescentemente em algumas cidades, pois estas concentram diversas instituições de pesquisa e

mão de obra qualificada, desempenhando assim o papel de nós de conexão preferencial.

Apesar da intensa concentração espacial, as organizações não podem confiar

exclusivamente no conhecimento desenvolvido localmente. Em um contexto globalizado,

fazer parte de uma rede e ter a capacidade de interagir com outros locais e outros atores é

fundamental. Assim, o acesso ao conhecimento desenvolvido em outros locais é muito

importante para a geração de conhecimento, pois possibilita o contato com uma variedade de

conhecimentos mais ampla e aumenta a capacidade de adaptação às mudanças tecnológicas,

evitando o lock-in (BATHELT et al, 2004; GRAF, 2010; BERGE et al, 2017). O acesso a

conhecimentos externos ocorre através das organizações localizadas nas cidades, via canais de

conexão global (global pipelines), que funcionam como canais através dos quais o

conhecimento pode ser transmitido (BATHELT et al, 2004). Essa transmissão pode ocorrer

através de diversos mecanismos, como cooperações de universidades, laboratórios de P&D,

entre outros.

Para ter capacidade de acessar o conhecimento externo, a capacidade de absorção é de

extrema importância. De acordo com Cohen e Levinthal (1990), o papel dessa capacidade está

relacionado ao fato de que o desenvolvimento de conhecimentos internos depende, entre

outros, da habilidade de avaliar e utilizar os conhecimentos vindos de uma fonte externa. Essa

habilidade, por sua vez, é condicionada pelo conhecimento prévio já acumulado internamente.

Com a capacidade de absorver conhecimentos de fontes externas, é possível reconhecer o

valor de novas informações, assimilá-las e aplicá-las adequadamente.

Esse conhecimento acessado externamente pode transbordar e ser transmitido para

outros agentes geograficamente próximos, por meio do buzz local, que consiste tanto em

formas formais quanto informais de interação, como mobilidade de trabalho e redes sociais

entre pessoas e empresas, possíveis em um contexto de proximidade geográfica (BAHTELT

et al, 2004; BRESCHI E LISSONI, 2001; BOSCHMA, 2005; BOSCHMA et al 2014b). O

buzz local implica que as conexões que uma organização mantém com um agente

geograficamente externo também podem beneficiar outros atores que estão localizados

próximos à organização, impulsionando a geração local de conhecimento. Assim, é possível

Page 109: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

109

inferir que o acesso ao conhecimento externo é um passo importante para a geração de

conhecimento local.

Embora levantado pela literatura como algo fundamental para o processo de

inovação e geração de conhecimento, o buzz local não é uma unanimidade. De acordo com

Asheim et al (2007), a importância dele depende da base de conhecimento de cada indústria.

Essa base de conhecimento se refere à dinâmica de conhecimento em cada área, ou seja, qual

a combinação de conhecimento tácito e conhecimento codificado, quais são as possibilidades

e limites para a codificação e os desafios tecnológicos envolvidos.

De acordo com essa visão, a base de conhecimento da indústria do petróleo

poderia ser classificada como uma base sintética, o que implica que os avanços tecnológicos

na área resultam, embora não exclusivamente, da necessidade de resolver determinados

problemas que surgem ao longo do processo produtivo na interação entre os clientes

(empresas petrolíferas) e fornecedores ou prestadores de serviços especializados. Nessa base,

os conhecimentos obtidos em outras empresas e atuando em situações semelhantes é

relevante. Assim, para as indústrias que têm essa base de conhecimento, a proximidade

geográfica e a intensa interação entre clientes e fornecedores ou prestadores de serviços é

muito importante.

Vale ressaltar que, embora seja possível classificar a base de conhecimento da

indústria de petróleo como sintética, isso não significa que a produção de conhecimento no

setor siga exclusivamente os padrões definidos nessa categoria. Como Asheim et al (2007)

afirmam, os setores podem apresentar características das diferentes bases de conhecimento.

Contudo, é possível identificar uma categoria como predominante. Um exemplo da variedade

envolvida na base de conhecimento da indústria de petróleo é a exploração do pré-sal

brasileiro, pois, embora sejam necessárias adaptações de tecnologias já existentes e

consolidadas na exploração offshore, também são necessárias tecnologias novas.

A dinâmica das redes de conhecimento já foi amplamente investigada na literatura

sob diversas perspectivas. Alguns trabalhos destacaram a rede de conhecimento de um setor

específico e outros focaram em algumas regiões específicas. No entanto, mesmo sob

diferentes perspectivas, a maioria dos estudos sobre redes de conhecimento lida com setores

de alta tecnologia e/ou com a dinâmica no Norte Global.

Cassi e Plunket (2015) mostram os fatores que contribuem para as colaborações

científicas e tecnológicas na área de genômica, investigando o caso da França. Nepelski e de

Prato (2014) analisam a dinâmica de localização de unidades de P&D na indústria de

tecnologia da informação e comunicação. Balland et al (2013) investigam a geografia da

Page 110: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

110

inovação e as redes de conhecimento nos sistemas de navegação por satélite, enfocando o

caso europeu. Eslami et al (2013) usam a ferramenta de rede small world para investigar as

redes de artigos e de patentes de biotecnologia no Canadá. Boschma et al (2014a; 2014b)

investigam a relação científica e tecnológica na área de biotecnologia e nas cidades dos

Estados Unidos.

Restringir a investigação de redes de conhecimento a setores de alta tecnologia

naturalmente exclui alguns locais do globo da análise, especialmente os do Sul global. Porém,

não são apenas os setores de alta tecnologia que são afetados pela produção de conhecimento.

Como mostra Malecki (2013), o setor de petróleo e gás, por exemplo, contradiz a visão

tradicional baseada na teoria do ciclo de vida da indústria (para mais detalhes, ver Utterback e

Abernathy, 1975), que afirma que indústrias maduras tendem ao esgotamento das atividades

inovadoras.

Outro ponto importante, que justifica o estudo das redes de conhecimento nos

mais diversos setores e locais, é o de que, como destacado por Lee et al (2018), em um

contexto de redes globais de produção, ser capaz de gerar conhecimento é fundamental para a

realização do upgrading, o que possibilita, no longo prazo, não apenas a produção e o

melhoramento da produção de valor, mas principalmente a sua captura. Embora muitos

autores envolvidos nos estudos de redes globais de produção e de cadeias globais de valor

tratem o desenvolvimento econômico resultante de tal participação como um processo

automático, é sabido que, principalmente no caso dos países em desenvolvimento, a simples

participação nessas redes pode não levar a tal desenvolvimento, devido ao aprisionamento de

determinados locais a atividades de baixo valor adicionado.

Algo semelhante foi destacado nos trabalhos de Marin et al (2015), que afirmam

ser crucial que locais ricos em recursos naturais participem das redes de conhecimento, pois

essa participação pode contribuir para o desenvolvimento local de atividades intensivas em

conhecimento, contribuindo para que esses locais superem a função de fornecedores de

recursos naturais e utilizem tais recursos como plataforma para a geração de conhecimento.

5.3. A dinâmica de produção de conhecimento no setor de petróleo

Além de entender o próprio processo de geração de conhecimento, é necessário

entender as características específicas envolvidas na geração de conhecimento do setor de

petróleo. Embora considerada uma indústria madura, com tecnologias bem estabelecidas

Page 111: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

111

(GIELFI et al 2017), o setor de petróleo está enfrentando recentemente algumas mudanças

que estão impactando fortemente a dinâmica tecnológica nesse setor. Essas mudanças estão

relacionadas principalmente às dificuldades impostas pelas novas reservas, que estão em

águas profundas, e pelos padrões ambientais mais rigorosos (PERRONS, 2014).

Segundo Bridge e Wood (2006), a geração de novos conhecimentos e o uso de

novas tecnologias, produzidas principalmente por prestadores de serviços especializados,

estão expandindo a fronteira de exploração, possibilitando a perfuração de reservas em águas

cada vez mais profundas e moldando a geografia da produção. Nesse contexto, soluções novas

e personalizadas são continuamente requeridas. Como os poços de petróleo estão localizados

em áreas com requisitos específicos de temperatura, pressão, profundidade e outros aspectos

geológicos, a adaptação das tecnologias existentes e a geração de novas tecnologias é crucial

para permitir a exploração dos mais diversos poços (CRESPI et al, 2018; SOLHEIM E

TVETERAS, 2017).

As atividades offshore de E&P são as mais intensivas em conhecimento na

indústria de petróleo. Nesse segmento, os projetos de inovação demoram cerca de dezesseis

anos desde o conceito inicial até a aplicação comercial (PERRONS, 2014). IOCs, NOCs,

fornecedores e prestadores de serviços especializados estão envolvidos nesses projetos. IOCs

e NOCs são responsáveis pelos projetos de E&P e demandam soluções específicas de

prestadores de serviços especializados em diferentes etapas da produção (SOLHEIM E

TVETERAS, 2017), o que caracteriza uma forte relação usuário-produtor (GIELFI, 2017).

Uma pesquisa realizada por Perrons (2014), baseada na aplicação de questionários

em 199 empresas atuantes em diferentes etapas da cadeia produtiva e de diferentes países,

buscou mostrar algumas tendências na geração de conhecimento no setor de petróleo. Em

relação aos atores envolvidos, o autor verificou que os prestadores de serviços especializados

são as empresas que mais depositam patentes atualmente no setor. Isso se deve à adoção de

modelos de P&D mais colaborativos e redução da P&D in-house, por parte das petroleiras,

que passou a vigorar no setor a partir dos anos 1990. Além disso, também foi constatado que

as universidades e instituições públicas não têm se mostrado relevantes para a inovação no

setor, o que está de acordo com as características da base de conhecimento sintética.

Em relação à distribuição espacial, Perrons (2014) identificou os Estados Unidos

como o centro de geração de conhecimento nesse setor, especialmente a área da cidade de

Houston, o que já foi identificado por outros autores que estudaram esse setor, como Bridge

(2008). Embora espacialmente concentrada, a importância de acessar redes externas de

Page 112: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

112

conhecimento no setor de petróleo é reconhecida por muitos autores, como McKinnon (2012)

e Gielfi et al (2017).

A fim de contribuir com o entendimento da produção de conhecimento nesse

setor, mais especificamente no segmento offshore, e investigar mais profundamente as

características espaciais dessa atividade, será desenhada e analisada a rede formada pelos

inventores de patentes, seguindo os procedimentos metodológicos descritos na próxima seção.

5.4. Metodologia:

A metodologia aplicada neste capítulo é desenvolvida em três etapas:

1. Construção de uma base de dados de patentes;

2. Desenho da rede e particionamento k-core;

3. Medidas de centralidade e um estudo de caso específico.

O primeiro passo no desenvolvimento da análise proposta foi selecionar o

segmento da indústria a ser estudado. O segmento offshore foi o escolhido, porque nele a fase

de exploração é intensiva em conhecimento e vem enfrentando crescentes desafios

tecnológicos para redução de custos, acesso a poços ultra profundos e maior segurança

ambiental, exigindo soluções tecnológicas específicas para cada reservatório (BRIDGE, 2008;

PERRONS, 2014; SOLHEIM E TVETERAS, 2017).

A opção por um segmento específico impôs a necessidade de constituir uma base

de dados refinada especificamente para tal segmento. Para isso, foram coletados dados sobre

patentes e, em seguida, foi usada a colaboração entre inventores para construir uma rede de

conhecimento no nível da cidade. Colocando as cidades em uma perspectiva global, é possível

visualizar como diferentes locais estão inseridos na rede de conhecimento de petróleo offshore

e como essa rede específica é configurada.

Uma maneira de explorar tanto o sistema global quanto alguns fatores locais é por

meio dos dados de patentes. Embora consideradas um indicador imperfeito, pois não

abrangem os esforços de geração de conhecimento como um todo, já que nem tudo é

patenteável, as patentes são os resultados formais do sistema de geração de conhecimento de

um local (LEYDESFORF ET AL, 2014), fornecendo uma pista para rastrear a produção de

conhecimento (BERGE ET AL, 2017).

Por um lado, alguns autores afirmam que as patentes representam apenas uma

parte da P&D realizada e não representam o valor econômico das tecnologias (ACS et al,

Page 113: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

113

2002). Por outro, estudos empíricos mostram que as patentes são indicadores eficientes para a

atividade inovativa e são indicadores adequados para explorar a localização da produção de

conhecimento (LEYDESDORF ET AL, 2014). Além disso, o setor de petróleo tem uma alta

propensão a patentear (PERRONS, 2014). Considerando esses aspectos, entende-se que as

patentes são um indicador adequado para a análise desenvolvida neste capítulo.

A primeira etapa para conduzir a análise proposta foi construir uma base de dados

específica. Para tanto, foram empregados procedimentos já utilizados por Eslami et al (2003),

Murakami (2015) e Bueno (2016). Primeiramente, foram identificados os IPCs (International

Patent Classifications) relacionados ao segmento offshore. Para isso, foi usado o banco de

dados WIPO (World International Property Organization), que fornece uma lista de IPCs que

se ajustam a um termo de procura específico. Para realizar essa busca inicial de IPCs, optou-

se por usar termos de consulta amplos, como “subsea+oil”, “platform+oil”, “underwater+oil”,

“offshore+oil” e “drilling+subsea”. Dessa forma, foi possível ter uma longa lista de IPCs,

abrangendo diferentes tecnologias de produção e, posteriormente, filtrar os resultados. Em

seguida, foi verificado a que tipos de tecnologias esses IPCs se referiam, de acordo com sua

definição oficial, o que resultou na seguinte lista final de IPCs, mostrada na tabela 12.

Tabela 12 - Lista de IPCs de tecnologias relacionadas à exploração de petróleo

offshore

E21B 17/01 E02B 17/02 E21B 15/02 E21B 43/013

E21B 43/01 B63B 21/50 E21B 41/48 E21B 41/04

E21B 21/08 B63B 35/44 E21B 7/104 E21B 41/06

E21B 33/035 B63B 35/58 E21B 19/09 E21B 49/00

E21B 43/12 B63B 21/26 E21B 34/04 E63B 22/02

E21B 33/10 B63B22/02 E21B 33/064 E21B 33/00

E02B 17/00 E21B 7/12 E21B 33/043 E21B 34/06

Fonte: Elaboração própria, a partir de dados da WIPO.

Após a identificação dos IPCs adequados, a próxima etapa foi pesquisar as

patentes que comporiam a base de dados, usando os IPCs pré-selecionados. Para tanto, foi

utilizado o banco de dados do USPTO e adotado o período de 2007 a 2017. Optou-se pelo

USPTO porque ele é um banco de dados amplamente utilizado em estudos baseados em

patentes, para evitar o viés que poderia ser gerado pela adoção de um escritório de um país

específico do Sul global, e porque as empresas depositam patentes nos locais em que

pretendem aplicar a tecnologia patenteada (MIRANDA, 2014) e, como o Golfo do México é

Page 114: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

114

uma das principais áreas de petróleo offshore, empresas que pretendem usar uma determinada

tecnologia nessa área, provavelmente depositarão essa patente no USPTO, o que torna esse

escritório uma opção adequada. Além disso, esse banco de dados já foi usado por Maleki

(2013), em uma investigação de inovação na indústria de petróleo e gás, que empregava dados

de patentes.

Embora muitos estudos usem a citação de patentes em vez do número absoluto de

patentes como um indicador para a produção de conhecimento, entende-se aqui, como em

Leydesdorf et al (2014), que esse indicador não é o mais adequado para uma análise espacial,

pois o diferente número de citações de cada patente pode se dever a diferentes práticas e

regulações e não necessariamente à importância das patentes dentro da rede. Assim, a análise

baseada no número de citações pode ser viesada.

A coleta inicial de documentos de patentes no USPTO foi refinada através da

análise dos resumos dos documentos, buscando termos que permitissem identificar a patente

como específica ao segmento de petróleo offshore. Os termos que orientaram esse

refinamento foram mais específicos do que os aplicados na pesquisa por IPCs. Eles foram

selecionados com base em trabalhos já escritos sobre o setor e no banco de dados da SPE

International (Sociedade de Engenheiros de Petróleo)16

, o petrowiki. Após esse refinamento,

foram obtidas 1217 patentes. Vale ressaltar que esse número não constitui o universo de

patentes na exploração de petróleo offshore no período, mas apenas uma amostra, devido às

limitações da metodologia. No entanto, essa amostra abrange vários aspectos da exploração

offshore, tais como plataformas, fluídos de injeção, manifolds, sistemas de prevenção de

rompimento, embarcações, tubos e cabos.

Após a elaboração da base de dados, foi realizado o desenho da rede. Para projetar

a rede não direcionada, foi adotado o nível da cidade e, para estabelecer as ligações, foram

usados os dados de localização dos inventores e não a localização da organização solicitante.

Essa opção se baseia no fato de que, em muitos casos, as organizações que depositam as

patentes têm escritórios específicos com a função de gestão de propriedade intelectual. No

entanto, a localização desses escritórios não reflete necessariamente a localização dos

laboratórios de P&D e a própria produção de conhecimento. Dessa forma, optou-se por usar a

localização dos inventores como uma proxy para a localização da produção de conhecimento,

considerando que as pessoas geralmente vivem perto de onde trabalham (ESLAMI et al,

2013). Além disso, considerando que as pessoas geralmente moram perto de onde trabalham,

16

A SPE é uma organização internacional, com mais de 110.000 membros em 141 países, com foco no setor de

petróleo e gás upstream (PERRONS, 2014).

Page 115: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

115

mas não necessariamente na mesma cidade, foi adotada uma faixa de 50 km para definir uma

cidade. Isso significa que inventores que moram em Katy (EUA) e Duque de Caxias (BR), por

exemplo, foram designados para Houston (EUA) e Rio de Janeiro (BR), respectivamente.

Depois de desenhar a rede, foram realizadas algumas análises. Primeiro, para

analisar o sistema global e suas características estruturais e espaciais, foi utilizado o método

k-core. Formalmente, a definição de k-core é “a subrede máxima H de [uma rede] G com a

propriedade de que o número mínimo de arestas de qualquer vértice em H em relação a outros

vértices de H é pelo menos k” (ALVAREZ-HAMELIN et al, 2006). Em linhas gerais, a

premissa básica desse método é que as redes podem ser particionadas em camadas, que

reproduzem uma estrutura centro-periferia, de acordo com as características da rede. Portanto,

aplicando esse método, é possível identificar os nós que estão no centro e os que estão na

periferia de uma rede específica (CRESCENZI et al, 2016; ALVAREZ-HAMELIN et al,

2005).

Com a análise inicial do particionamento k-core, foi possível identificar as cidades

dos países produtores de petróleo que estão no mais alto nível hierárquico da geração de

conhecimento. Posteriormente, duas medidas foram calculadas: o grau de centralidade, que

mede o número absoluto de conexões que um nó estabelece com outros; e o eigenvector, que

é uma medida chave em uma rede de conhecimento porque, como afirmado por Nooy et al

(2011: 153), “você é mais central se tiver mais contatos - como no grau de centralidade - e

especialmente se seus contatos são mais centrais, isto é, se tiverem muitos contatos centrais ”.

Assim, o eigenvector mostra a "qualidade" dos lugares conectados: eles são lugares centrais

com uma posição forte na rede ou são lugares marginais? Eles são um hub na rede,

produzindo e conectando-se a muitos outros nós?

Na sequência, foi realizada a última etapa da análise proposta que é o estudo do

caso específico da inserção do Rio de Janeiro na rede, abordando algumas características de

tal inserção e alguns fatores que contribuíram para o destaque da cidade.

5.5. Resultados e discussões

Aplicando a metodologia descrita na seção anterior, foi obtida uma amostra de

1217 patentes. Os inventores dessas patentes estão localizados em 377 cidades. Analisando a

base de dados, verificou-se que muitas das características encontradas nela estão de acordo

com a pesquisa de Perrons (2014) sobre a inovação no setor de petróleo. Essa correspondência

Page 116: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

116

indica que a amostra é capaz de mostrar uma imagem aproximada da dinâmica de produção

de conhecimento no segmento offshore.

Conforme descrito na pesquisa de Perrons, as universidades tiveram um pequeno

papel nessa rede, respondendo por apenas 11 patentes. Dessas 11 patentes, 7 foram aplicadas

por universidades chinesas. Também foi possível verificar, em consonância com a pesquisa de

Perrons (2014), a predominância de empresas prestadoras de serviços especializados: dos 10

principais aplicantes, 7 são prestadores de serviços especializados e 3 são IOCs.

Outra característica é o pequeno número de aplicações conjuntas entre

organizações. Apenas 29 patentes foram concedidas para colaborações entre duas empresas

diferentes. Entretanto, 770 patentes envolveram cooperação entre inventores, sob a mesma

organização solicitante.

Em relação aos lugares que concentram a criação de conhecimento no segmento

de petróleo offshore, Perrons (2014) indica que os Estados Unidos são um lugar-chave. Na

base de dados construída para essa análise, a área de Houston se apresenta como a principal

área. Na Europa, há menor concentração, em comparação com a América do Norte. Lá,

aparecem muitos nós relevantes, como Oslo, Aberdeen, Delft e Paris. No Sul Global, os

destaques são principalmente o Rio de Janeiro e Cingapura17

. No entanto, Cingapura não

possui campos petrolíferos sob sua jurisdição, e os padrões de renda locais são

significativamente superiores aos de localidades do sul global.

Essa configuração espacial da rede de produção de conhecimento de petróleo

offshore, com as principais cidades destacadas, é exibida na figura 7 e o tamanho dos nós é

ponderado pelo respectivo grau de centralidade de cada nó, ou seja, reflete o número de

conexões que as cidades estabelecem com outras cidades, por meio da cooperação entre

inventores18

.

17

Embora Kuala Lumpur também apareça nas 4 primeiras camadas do particionamento k-core, o número de

patentes originadas lá é menor que a metade do número de patentes originadas no Rio de Janeiro e em

Cingapura.

18

Devido às limitações do software, a ponderação de tamanho dos nós não considera loops, mas apenas arcos.

No entanto, o particionamento k-core considera tanto arcos como loops.

Page 117: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

117

Figura 7 - Rede de conhecimento de petróleo offshore, a partir da localização de inventores em patentes concedidas pelo

USPTO, no período de 2007 - 2017

Fonte: Elaboração própria a partir de dados coletados no USPTO.

Page 118: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

118

Uma primeira análise da rede global de conhecimento do segmento de petróleo

offshore permite compreender as características estruturais dessa rede. Ela tem uma densidade

de 0,014, mostrando que apenas 1,4% das conexões possíveis foram feitas. Isso evidencia

que, embora muitos nós estejam participando da rede, muitos deles não estão fortemente

conectados aos outros. O grau médio é de 9,92, evidenciando que cada cidade está, em média,

conectada a outras 9 cidades.

A rede é composta por 2178 arcos e 1377 loops. Loops são conexões estabelecidas

entre um nó com ele mesmo. Portanto, o número de conexões entre diferentes cidades é 1,5

vezes superior ao número de conexões entre uma cidade consigo mesma, evidenciando a

importância das conexões entre inventores localizados em cidades diferentes.

Aplicando o algoritmo k-core, a rede foi particionada em 8 camadas, da mais

periférica para a mais central. Embora a rede seja composta por 377 cidades, apenas 15 fazem

parte das duas camadas mais centrais. Isso indica uma alta concentração, mostrando que

muitas cidades participam dos fluxos de conhecimento, mas há uma hierarquia clara nesses

fluxos, e apenas algumas cidades estão no centro dessa hierarquia, conforme exibido na tabela

13.

Tabela 13 - Camadas mais internas do particionamento k-core da rede de conhecimento

de petróleo offshore, a partir da localização de inventores em patentes concedidas pelo

USPTO, no período de 2007 - 2017

Cidade Camada Cidade Camada

ABERDEEN(UK)

8

MAGNOLIA(US)

7

PARIS(FR)

CAMBRIDGE(UK)

MONTGOMERY(US) OSLO (NO)

EDMONTON(CA)

HOUSTON(US)

RICHMOND(US) YOKOHAMA (JP)

MISSOURI CITY(US)

BERGEN(NO) RIO DE

JANEIRO(BR) SINGAPORE(SG)

PERTH (AU)

Fonte: elaboração própria.

Page 119: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

119

De acordo com o particionamento k-core, é possível ver que o Rio de Janeiro é a

única cidade do sul global, que aparece nas camadas mais centrais da rede. Assim, a análise

subsequente será concentrada no Rio de Janeiro, que aparece como a única cidade de um país

rico em petróleo do sul global que conseguiu se inserir na rede de conhecimento de petróleo

offshore em nível global, e nas posições mais hierárquicas.

5.6. O Rio de Janeiro na rede de conhecimento de petróleo offshore

Nesta seção é destacada a participação do Rio de Janeiro na rede, mostrando

características, implicações e os principais atores que contribuem para essa inserção única.

Vale ressaltar que todos os tópicos discutidos nesta seção refletem as características da base

de dados que foi construída.

A principal aplicante de patentes com inventores no Rio de Janeiro é a Petrobras,

que responde por aproximadamente 50% das patentes nas quais o Rio de Janeiro esteve

envolvido. Os outros 50% foram divididos em 10 empresas internacionais, principalmente

prestadoras de serviços especializados. As patentes da Petrobras são originárias de inventores

localizados no Rio de Janeiro, representando muitos dos loops que acontecem dentro da

cidade. Já os fluxos entre o Rio de Janeiro e outras cidades são estabelecidos através da

cooperação em patentes depositadas por empresas estrangeiras, especialmente as prestadoras

de serviços especializados.

Essa característica mostra que o conhecimento interno da cidade está fortemente

relacionado à Petrobras, mas o acesso ao conhecimento externo ocorre via prestadores

estrangeiros de serviços especializados. Outra característica é que, além da NOC local, não há

outra organização nacional gerando conhecimento em escala internacional. Pensando no novo

formato delineado pela indústria de petróleo, no qual as empresas prestadoras de serviços

especializados são crescentemente a principal fonte de inovação, a cidade do Rio de Janeiro

não tem um representante nacional de peso nesse segmento, dependendo de empresas

estrangeiras para a geração de conhecimento na prestação de serviços especializados.

Analisando os dados é possível verificar que existem dois grupos de atores com

funções bem definidas em relação à inserção do Rio de Janeiro na rede de conhecimento de

petróleo offshore. Primeiramente, há a Petrobras, que é a principal responsável pelos loops,

contribuindo para a geração interna de conhecimento. Em segundo lugar, há empresas

estrangeiras, principalmente prestadoras de serviços especializados, responsáveis pelos arcos,

e contribuindo para o acesso ao conhecimento externo.

Page 120: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

120

O Rio de Janeiro é a localização dos inventores de 26 patentes da base de dados.

Outras cidades brasileiras foram a localização dos inventores de apenas 4 patentes, o que

mostra a forte concentração no Brasil de geração de conhecimento relacionado ao petróleo

offshore no Rio de Janeiro. Dessas 26 patentes, 12 envolviam a cooperação com inventores

localizados em outras cidades. Essa cooperação é mostrada através do grau de centralidade do

Rio de Janeiro. O grau de 42 leva em conta o número de interações estabelecidas com outros

lugares, ou seja, o Rio de Janeiro se conectou 42 vezes com outras cidades da rede.

O principal local de cooperação do Rio de Janeiro é Houston. Isso significa que a

cidade está fortemente conectada ao maior hub da rede, tendo acesso ao local que é o

principal centro da geração de conhecimento em petróleo offshore. Isso se deve à forte

participação de empresas estrangeiras nos fluxos de conhecimento do Rio de Janeiro, já que

muitas dessas empresas que desenvolvem pesquisas no Rio de Janeiro, também têm

instalações de P&D em Houston. No entanto, o Rio de Janeiro também está conectado a

muitas cidades menos centrais, o que gera um eigenvector de 0,0178, um número

relativamente pequeno19

. De acordo com os IPCs, foi possível identificar que as patentes

concedidas aos inventores do Rio de Janeiro estavam focadas em cabos e instalações

subaquáticas.

Considerando o particionamento k-core, o Rio de Janeiro está em uma posição

estratégica, pois faz parte da segunda camada mais central. Essa posição tem implicações para

a manutenção da sua participação na rede, pois os nós esparsamente conectados, como os das

camadas periféricas, têm mais chance de serem excluídos da rede, pois estão fracamente

incluídos nela (KHAOUID et al, 2015). Além disso, os nós das camadas mais periféricas têm

menos acesso a conhecimentos externos, pois não são tão intensivamente conectados a outros

nós e, consequentemente, estão mais propícios a uma situação de lock-in, e têm mais

dificuldades de realizar um upgrading na rede de produção global (CRESCENZI et al, 2016).

As cidades dentro das camadas mais centrais, como o Rio de Janeiro, estão mais

conectadas à rede, envolvidas em mais cooperações e conectadas a mais cidades (ALVAREZ-

HAMELIN et al, 2005). Essa posição central implica em mais acesso a conhecimento externo.

Assim, a posição do Rio de Janeiro na rede é mais estável, em comparação com as cidades

que estão nas camadas mais periféricas. Ademais, estando nas camadas principais, o Rio de

Janeiro está mais exposto ao conhecimento externo, o que, por sua vez, contribui para reforçar

19

Na rede, o eigenvector variou entre 0 e 0,6.

Page 121: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

121

sua posição central na rede e para sustentar uma trajetória de upgrading na rede de produção

global.

De acordo com a base de dados, os fluxos externos do Rio de Janeiro dependem

muito de empresas estrangeiras especializadas. A instalação das unidades de P&D dessas

empresas no Rio de Janeiro está fortemente relacionada à natureza da base de conhecimento

desse setor, como discutido em seções anteriores, e pode ser explicado por dois principais

fatores: os requisitos tecnológicos da camada pré-sal e a expertise da Petrobras na exploração

em águas profundas.

Como já mencionado anteriormente, os requisitos tecnológicos específicos ao pré-

sal e a base de conhecimento sintética do setor, baseada fortemente na interação entre usuário

e produtor, contribuem para que diversos fornecedores e prestadores de serviços

especializados se instalem no Rio de Janeiro, para facilitar a interação com as empresas

petroleiras, que chefiam os projetos de E&P, e fornecer soluções que atendam aos desafios

tecnológicos específicos colocados pelo pré-sal.

Dados apresentados em Piquet et al (2016) mostram que, desde 2006, quando da

descoberta do pré-sal, 15 novos centro de P&D se instalaram no Rio de Janeiro. Entre as

empresas que instalaram centros de P&D na cidade estão grandes prestadoras de serviços

especializados e grandes patenteadoras no segmento offshore, como a Baker Hughes e a FMC

Corporation. A instalação de unidades estrangeiras de P&D impulsionou significativamente a

geração local de conhecimento, pois as empresas estrangeiras não só contribuíam com suas

práticas, rotinas e tecnologias, como também desenvolveram novos conhecimentos. O acesso

ao conhecimento externo também foi impulsionado, já que muitas novas tecnologias e

adaptações passaram a envolver a cooperação entre pesquisadores nas instalações cariocas e

estrangeiras.

Em estudo realizado por Rocha e Urraca-Ruiz (2011), que entrevistaram algumas

das empresas prestadoras de serviços especializados que instalaram unidades de P&D no Rio

de Janeiro, quando questionadas sobre a sua motivação para a instalação de unidades de P&D

na cidade, as empresas afirmaram que queriam atender às demandas tecnológicas da camada

pré-sal, e que as soluções desenvolvidas para ela poderiam servir de base para outros campos

de petróleo em águas profundas. Algumas das empresas também afirmaram querer aprender

com a Petrobras, que desenvolveu a expertise na exploração de campos petrolíferos em águas

profundas.

Através dessas informações, é possível inferir que a Petrobras desempenha um

papel duplo na inserção do Rio de Janeiro na rede, pois ela, ao mesmo tempo, contribui

Page 122: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

122

diretamente para a geração de conhecimento interno e é um fator de atração para empresas

estrangeiras, que decidem instalar unidades de P&D na cidade. Isso evidencia que a Petrobras

é um ator fundamental para explicar a inserção do Rio de Janeiro na rede de conhecimento de

petróleo offshore.

5.7. Considerações finais

O objetivo deste capítulo foi mapear e analisar a rede de conhecimento no

segmento de petróleo offshore, mostrando quais cidades do sul global e de países ricos em

petróleo estão inseridas na rede e como se dá tal inserção. Para tanto, foram usados dados de

patentes como proxy da produção de conhecimento e ferramentas da metodologia de redes.

Essa análise foi motivada, além das lacunas da literatura, pelo fato de que, especialmente nas

redes produtivas de recursos naturais, a produção de conhecimento é crucial para a realização

do upgrading na rede e possibilidade de maior captura de valor. O resultado obtido foi que a

única cidade que atendia aos requisitos de ser do sul global e de um país rico em petróleo, e

que estava inserida nas camadas hierarquicamente mais altas da rede, era o Rio de Janeiro.

Ao analisar mais profundamente as características da inserção da cidade,

verificou-se que a Petrobras é um ator-chave na produção de conhecimento interno do Rio de

Janeiro, sendo responsável pela maioria dos loops dentro da cidade. No entanto, no que diz

respeito ao acesso ao conhecimento externo do Rio de Janeiro, a Petrobras contribui apenas

indiretamente, por ser um importante fator de atração das unidades de P&D das empresas

estrangeiras de serviços especializados, como já abordaram Rocha e Urraca-Ruiz (2011). No

entanto, a NOC não está contribuindo diretamente para o acesso do Rio de Janeiro ao

conhecimento externo, já que as conexões entre o Rio de Janeiro e outras cidades foram

traçadas através de patentes concedidas a empresas estrangeiras de serviços especializados, o

que mostra que a cidade depende fortemente de capital estrangeiro para acessar conhecimento

externo.

A conclusão da análise desenvolvida neste capítulo coloca o Rio de Janeiro em

uma posição de destaque em nível global, quando comparada a outras cidades do Sul global.

Essa posição não pode ser entendida sem que seja feita uma relação ao histórico de esforços

por parte da Petrobras para constituir capacitações e conhecimentos locais desde a década de

1970, como discutido no capítulo 1. Esses esforços vão de encontro com alguns estudos

recentes que relacionam a capacidade de upgrading dentro das redes de produção com a

estruturação de um sistema nacional de inovação que dê suporte a esse processo, como Lee et

Page 123: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

123

al (2018). Assim, o entendimento da posição do Rio de Janeiro na rede passa,

necessariamente, pelo entendimento da natureza da base de conhecimento da indústria de

petróleo, e pelo papel desempenhado tanto pelas organizações nacionais como pelas

organizações internacionais, que iniciaram cooperações em pesquisas na área com os

PROCAPs.

Page 124: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

124

CONCLUSÃO

Em um contexto de globalização e produção funcional e geograficamente

fragmentada, a presente tese buscou explorar o papel das cidades na atual configuração

econômica, destacando o papel da cidade do Rio de Janeiro na rede de petróleo e gás, no

contexto da América do Sul. Para isso, foram utilizadas as abordagens analíticas de redes

globais de produção e de cidade gateway, e foi empregada a metodologia de redes em dados

sobre investimentos, localização de empresas e patentes.

Após um capítulo teórico discutindo os conceitos que nortearam a análise, esta foi

desenvolvida em quatro capítulos empíricos em formato de artigo. Esses capítulos foram

desenvolvidos de forma a abordar o tema inicialmente de forma mais agregada, no nível da

cadeia, partindo para uma forma mais focada em funções específicas dentro da cadeia. Nos

capítulos empíricos buscou-se não apenas discutir o papel das cidades nas redes de produção,

mas fazê-lo através de abordagens metodológicas que também oferecessem contribuições para

a literatura, como o cálculo de papel de gateway proposto e o uso de comunidades Louvain na

análise.

No capítulo 2 a análise empírica foi iniciada com a proposição de uma

categorização das cidades da América do Sul na rede de petróleo e gás, a partir de variáveis

relacionadas à centralidade, papel de gateway e funcionalidade e de dados de IDE e F&A.

Com essa categorização foi possível constatar empiricamente a concentração das atividades

mais complexas e de maior valor agregado em apenas algumas cidades, como já havia sido

discutido no capítulo teórico. No caso da América do Sul, foi possível verificar que, na

categorização proposta, o Rio de Janeiro se encontrava em uma posição diferente das outras

cidades da América do Sul, apresentando alta centralidade, alto índice de gateway e

desempenhando todas as funções investigadas, inclusive as de maior valor agregado.

No capítulo 3, os dados de IDE e F&A foram empregados em uma nova análise,

baseada na relação entre as cidades de origem dos investimentos em petróleo e gás, no

contexto da América do Sul, e os países recebedores, a fim de investigar o poder que

determinadas cidades tinham na rede de investimento em petróleo e gás na região e qual a

amplitude espacial desse poder. Com essa investigação foi, novamente, constatado o papel de

destaque da cidade do Rio de Janeiro no contexto da América do Sul, sendo ela a cidade de

origem do maior número de projetos. Essa centralidade foi atribuída a alguns atributos da

cidade, como ser a cidade sede da Petrobras. Embora a posição do Rio de Janeiro seja notável,

em relação à rede de investimentos da América do Sul, verificou-se que o escopo dessa

Page 125: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

125

posição é mais nacional do que regional, o que está de acordo com outros trabalhos que

analisaram o setor.

Nos capítulos 4 e 5 foram desenvolvidas análises mais focadas em determinados

estágios da rede, principalmente atividades de maior valor agregado. No capítulo 4 foi

investigada a configuração espacial das atividades de organização e prestação de serviços da

etapa upstream, destacando como a regulação e o papel do Estado, de acordo com a

taxonomia proposta por Horner (2017), influenciam a configuração espacial das atividades de

organização da rede produtiva de petróleo. Como discutido, as características da rede de

petróleo e gás fazem com que, embora organizada em nível global, essa rede seja fortemente

influenciada pelas condições locais, como a regulação. No capítulo 4 também foi possível

verificar o escopo nacional da organização da rede de petróleo e gás e como o Rio de Janeiro

se destaca, em relação às outras cidades da América do Sul, sendo um pólo de concentração

de empresas envolvidas nos segmentos de maior valor agregado da etapa upstream, as

prestadoras de serviços especializados.

No capítulo 5 foi investigada em mais detalhes a função de local de geração de

conhecimentos da cidade do Rio de Janeiro. Nesse capítulo a análise foi desenvolvida não

apenas no contexto da América do Sul, mas foi adotada uma perspectiva global. Isso foi

necessário, pois a cidade do Rio de Janeiro foi a única que se destacou na rede de inventores

de patentes offshore, não tendo nenhuma companheira sul-americana relevante para que a

análise pudesse ser desenvolvida nesse contexto.

Ao analisar a atividade mais sofisticada e de maior valor agregado na rede de

produção, sendo importante não apenas para a geração, melhoramento e captura de valor, mas

também para o upgrading na rede, o papel da cidade do Rio de Janeiro, em comparação com o

das outras cidades da América do Sul, ficou ainda mais evidente, mostrando que essa cidade

não apenas participa da rede de inventores de patentes, mas o faz nos níveis hierárquicos mais

altos.

Em resumo, a análise desenvolvida ao longo desta tese permitiu a compreensão de

que o Rio de Janeiro é a principal cidade sul-americana no que diz respeito à rede de petróleo

e gás, exercendo todas as funções desempenhadas pelas cidades nas redes de produção,

discriminadas na literatura. Como evidenciado na introdução e ao longo da tese, esse papel

não pode ser desvinculado do fato de que a cidade é a sede da Petrobras, principal empresa

petroleira da região. A trajetória da empresa se diferencia de outras importantes empresas da

região, como a PDVSA, por exemplo, pelo forte investimento em P&D e na geração de

conhecimento realizado desde a década de 1970. Associando-se a parceiros estrangeiros, a

Page 126: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

126

empresa desenvolveu projetos de pesquisa que culminaram na quebra de recordes de

profundidade de perfuração e reconhecimento internacional.

Embora muitas cidades da América do Sul participem na rede de petróleo e gás, a

maioria o faz através de atividades de baixo valor agregado. Verificar o papel do Rio de

Janeiro nesse contexto e a diferenciação dessa cidade em relação às outras cidades da região

levanta discussões sobre os benefícios e desenvolvimento econômico que a participação nas

redes de produção gera e, consequentemente, levanta importantes implicações para a

elaboração de políticas públicas inseridas no contexto de redes globais de produção.

Na literatura que trata de cadeias de valor e redes de produção, os benefícios da

participação nessas redes são tratados como algo quase automático, porém, como mostrado

nos capítulos desta tese, verificou-se que eles não necessariamente ocorrem, estando

circunscritos a apenas alguns locais. Afinal, é possível afirmar que cidades que participam de

redes de produção através de atividades de logística e cidades que participam como locais de

geração de conhecimento estão obtendo benefícios semelhantes? Logo, é necessário ir além

da participação em redes em si e qualificar tal participação. Quando se observa que as cidades

do tipo da primeira são significativamente mais numerosas, é levantada a hipótese de Lee et al

(2018), que afirmam que o aproveitamento dos benefícios está ligado à constituição de um

sistema nacional de inovação, que possibilite o upgrading na rede.

A cidade do Rio de Janeiro ilustra essa hipótese, devido à estrutura de inovação

em petróleo e gás formada em torno da Petrobras, que permitiu que a cidade fizesse o

upgrading. Essa posição da cidade está fortemente ligada ao papel desempenhado pelo

Estado, que agiu como um empreendedor (MAZZUCATO, 2014), incentivando a constituição

de uma estrutura científica e tecnológica que possibilitou a superação da dependência em

relação às tecnologias estrangeiras, implicando em maior autonomia e maior capacidade de

captura de valor dentro das redes. Essas ações foram cruciais para que o Rio de Janeiro e o

Brasil realmente obtivessem os benefícios econômicos gerados pelo acoplamento às redes, o

que ocorreu em menor medida em outros locais da América do Sul.

Contudo, o papel do Estado deve ser visto muito criticamente. Embora o Rio de

Janeiro se destaque na região como local de coordenação e geração de conhecimento, a

Petrobras aparece como única empresa doméstica que desempenha esse papel e a política de

conteúdo local implantada no Brasil foi duramente criticada em entrevistas realizadas no

âmbito dessa pesquisa, que indicaram a necessidade de reajuste da política. Aqui, cabe uma

reflexão sobre a atuação do Estado brasileiro no setor, pois, mais recentemente, vem sendo

adotada uma postura de desmonte da política de conteúdo local nacional. Como já

Page 127: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

127

mencionado, ela foi duramente criticada nas entrevistas realizadas, entretanto, indagamos se o

afrouxamento da política de conteúdo local, em vez de uma reformulação, é a iniciativa mais

adequada, já que ela pode implicar em desaparecimento de elos da cadeia.

Outro ponto a ser destacado é a atual conjuntura da indústria de petróleo e gás no

Brasil, que coloca em cheque a manutenção da posição do Rio de Janeiro. Após ter vivido o

seu auge no início dos anos 2000, com o boom de commodities e a descoberta do pré-sal, o

setor vem passando por graves problemas desde 2014, com a queda do preço de petróleo, o

controle de preços dos combustíveis, a insustentabilidade financeira e os escândalos de

corrupção envolvendo a Petrobras. Tudo isso gerou forte incerteza em relação ao futuro da

trajetória virtuosa desenvolvida pela cidade do Rio de Janeiro na rede de petróleo e gás.

Associado às incertezas causadas pela crise no setor, para a qual contribuíram

fatores externos, locais e internos à Petrobras, outro vetor de incertezas reside nos governos

recentemente eleitos, tanto na esfera federal como na esfera estadual. Como visto ao longo

deste trabalho, o desenvolvimento de estratégias voltadas à constituição de uma estrutura local

de inovação e de geração de conhecimentos foi crucial para o posicionamento do Rio de

Janeiro na rede de produção de petróleo e gás. Entretanto, com a ascensão de governos que

tratam universidades, institutos de pesquisa, cientistas e o conhecimento formal em geral com

tamanho descrédito, é difícil imaginar que a manutenção dessa estrutura será uma prioridade.

Essas incertezas quanto ao futuro da principal atividade econômica da cidade e do

estado do Rio de Janeiro se materializam na atual situação do estado, que enfrenta altos

índices de criminalidade, problemas na saúde, educação e nos serviços públicos como um

todo. Isso mostra que as cidades devem ser vistas muito além de seus papeis nas redes globais

de produção, sendo necessário investigar como o papel desempenhado por elas nessas redes

pode ser traduzido não apenas em desenvolvimento econômico, mas também em

desenvolvimento social e urbano.

Outra questão crítica que pode ser levantada sobre o papel do Estado e as

implicações para a política pública, a partir da análise aqui desenvolvida, é a articulação entre

as esferas municipal, estadual e federal. Embora a análise desenvolvida nesta tese esteja

focada nas cidades, fica claro que estas devem ser vistas como inseridas em um contexto

político-institucional mais amplo. Assim, faz-se necessária a articulação entre as diferentes

esferas na busca pela inserção dos diferentes locais nas redes produtivas, considerando os

ativos locais e o contexto sócio-espacial desses locais.

A presente tese levanta duas questões principais, que podem ser exploradas mais

profundamente em trabalhos futuros. Primeiramente, em linha com o já mencionado trabalho

Page 128: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

128

de Lee et al (2018), a relação entre o tipo de participação das diferentes cidades nas redes de

produção e a constituição de um sistema local de inovação pode ser explorada, abordando

como funciona essa dinâmica e em que setores essa relação pode ser vista. Em um segundo

momento, pensando nas questões levantadas por Kratke (2014) e Martinus e Tonts (2015),

que afirmam que as cidades exercem diferentes funções em diferentes redes de produção,

pesquisas semelhantes à realizada nesta tese, mas referentes à participação de cidades nas

redes de diferentes setores, seriam pertinentes e, aliadas a primeira linha de pesquisa

mencionada neste parágrafo, poderiam contribuir para o direcionamento e elaboração de

políticas públicas.

Page 129: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

129

Referências Bibliográficas:

A BARRELL FULL. Available in: http://abarrelfull.wikidot.com/

ACS, Z. J.; ANSELIN, L.; VARGA, A. Patents and innovation counts as measures of

regional production of new knowledge. Research policy, 31(7), p. 1069-1085, 2002.

ACUTO, M. Finding the global city: an analytical journey through the ‘invisible

college’. Urban Studies, 48(14), 2953-2973, 2011.

ALDERSON, A. S.; BECKFIELD, J. Power and Position in the World City System.

American Journal of Sociology 109(4), 811–51, 2004

ALVAREZ-HAMELIN, I.; DALL’ASTA, L.; BARRAT, A.; VESPIGNANI, A. LaNet-vi in

a Nutshell. Available in: http://lanet-vi.fi.uba.ar/lanetvi-2_2.pdf, 2006.

ALVAREZ-HAMELIN, I.; DALL’ASTA, L.; BARRAT, A.; VESPIGNANI, A. K-core

decomposition of internet graphs: hierarchies, self-similarity and measurement biases. arXiv

preprint cs/0511007, 2005.

ANP (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO). Anuário Estatístico. Rio de Janeiro, 2016.

ANP (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO). Anuário Estatístico. Rio de Janeiro, 2017.

ANP (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO). Petróleo e Estado. Rio de Janeiro, 2015.

ARAGÃO, A. P. Estimativa da contribuição do setor petróleo ao Produto Interno Bruto

brasileiro: 1955/2004. Tese de Doutorado apresentada na Universidade Federal do Rio de

Janeiro, 2005.

ASHEIM, B.; COENEN, L.; VANG, J. Face-to-face, buzz, and knowledge bases: sociospatial

implications for learning, innovation, and innovation policy. Environment and Planning C:

Government and Policy, 25(5), 655-670, 2007.

BAILEY, D.; DRIFFIELD, N. Hymer and uneven development revisited: foreign direct

investment and regional inequalities. Contributions to Political Economy, 21(1), 55-68, 2002.

BALLAND, P.A. Proximity and the evolution of collaboration networks: evidence from

research and development projects within the global navigation satellite system (GNSS)

industry. Regional Studies, 46(6), p. 741-756, 2012.

BALLAND, P.A. et al. Complex Economic Activities Concentrate in Large Cities. arXiv

preprint arXiv:1807.07887, 2018.

BARÁBASI, A. L. Linked: a nova ciência dos networks. São Paulo: Leopardo, 131, 2009.

BASSENS, D.; van MEETEREN, M. World cities under conditions of financialized

globalization: Towards an augmented world city hypothesis. Progress in Human

Geography, 39(6), 752-775, 2015.

Page 130: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

130

BATHELT, H.; FEI LI, P. Global cluster networks—foreign direct investment flows from

Canada to China. Journal of Economic Geography, 14(1), 45-71, 2014.

BATHELT, H.; MALMBERG, A.; MASKELL, P. Clusters and knowledge: local buzz,

global pipelines and the process of knowledge creation. Progress in human geography, 28(1),

31-56, 2004.

BERGÉ, L. R.; WANZENBÖCK, I.; SCHERNGELL, T. Centrality of regions in R&D

networks: A new measurement approach using the concept of bridging paths. Regional

Studies, 51(8), p. 1165-1178, 2017.

BLONDEL et al. Fast unfolding of communities in large networks. Journal of statistical

mechanics: theory and experiment, 2008(10), P10008, 2008.

BLOOMBERG. Threat of Venezuelan Oil Ban Pits Oil Boss Hamm Against Refiners.

Available in: https://www.bloomberg.com/news/articles/2017-08-11/threat-of-venezuelan-oil-

ban-pits-oil-boss-hamm-against-refiners , 2017.

BOSCHMA, R. Proximity and innovation: a critical assessment. Regional studies, 39(1), 61-

74, 2005.

BOSCHMA, R.; BALLAND, P. A.; KOGLER, D. F. Relatedness and technological change in

cities: the rise and fall of technological knowledge in US metropolitan areas from 1981 to

2010. Industrial and corporate change, 24(1), 223-250, 2014a.

BOSCHMA, R.; HEIMERIKS, G.; BALLAND, P.A. Scientific knowledge dynamics and

relatedness in biotech cities. Research Policy, v. 43, n. 1, p. 107-114, 2014b.

BP (BRITISH PETROLEUM). BP Statistical Review of World Energy. Available in:

https://www.bp.com/content/dam/bp/en/corporate/pdf/energy-economics/statistical-review-

2017/bp-statistical-review-of-world-energy-2017-full-report.pdf , 2016.

BRENNER, N. Global cities, glocal states: global city formation and state territorial

restructuring in contemporary Europe. Review of International Political Economy, 5(1), 1-37,

1998.

BRESCHI, S.; LISSONI, F. Knowledge spillovers and local innovation systems: a critical

survey. Industrial and corporate change, 10(4), 975-1005, 2001.

BREUL, M.; REVILLA DIEZ, J. Städte als regionale Knotenpunkte in globalen

Wertschöpfungsketten: das Beispiel der Erdöl-und Erdgasindustrie in Südostasien. Zeitschrift

für Wirtschaftsgeographie, 2017.

BREUL, M.; REVILLA DIEZ, J. An intermediate step to resource peripheries: The strategic

coupling of gateway cities in the upstream oil and gas GPN. Geoforum 92 9–17, 2018.

BRIDGE, G. Global production networks and the extractive sector: governing resource-based

development. Journal of Economic Geography, 8(3), 389-419, 2008.

Page 131: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

131

BRIDGE, G.; WOOD, A. Geographies of knowledge, practices of globalization: learning

from the oil exploration and production industry. Area, 37(2), p. 199-208, 2006.

BROWN, E. et al. World City Networks and Global Commodity Chains: towards a world‐

systems' integration. Global Networks, 10(1), 12-34, 2010.

BUENO, C.S. Cumulatividade científica e apropriabilidade do conhecimento: redes de

colaboração internacional e o caso brasileiro no paradigma dos biocombustíveis. Tese de

Mestrado, Universidade Estadual de Campinas, 2016.

CAPELLO, R.; LENZI, C. Territorial patterns of innovation: a taxonomy of innovative

regions in Europe. The Annals of Regional Science, 51(1), 119-154, 2013.

CARBALLA, B., DURAND, C.; KNAUSS, S. Uneven development patterns in global value

chains. HAL, 2014.

CARDOSO, F. H.; FALETTO, E. Dependência e desenvolvimento na América Latina: ensaio

de interpretação sociológica, 1970.

CASSI, L.; PLUNKET, A. Research collaboration in co-inventor networks: combining

closure, bridging and proximities. Regional Studies, 49(6), p. 936-954, 2015.

COE, N. M.; HESS, M. Global production networks: debates and challenges. In GPERG

workshop, University of Manchester (Vol. 2526), 2006.

COE, N. M.; LAI, K. P.; WOJCIK, D. Integrating finance into global production

networks. Regional Studies, 48(5), 761-777, 2014.

COE, N. M; YEUNG, H. W. Global Production Networks: Theorizing Economic

Development in an Interconnected World. Oxford: Oxford University Press, 2015.

COE, N. M. et al. Making connections: global production networks and world city

networks. Global Networks, 10(1), 138-149, 2010.

COE, N. M. et al. Globalizing’regional development: a global production networks

perspective. Transactions of the Institute of British geographers, 29(4), 468-484, 2004.

COHEN, W.; LEVINTHAL, D. Absorptive Capacity: A New Perspective on Learning and

Innovation. ASQ, 35, p.128-15, 1990.

CORDEN, W. M.; NEARY, J. P. Booming sector and de-industrialization in a small open

economy. The Economic Journal, 92, p. 829-831, 1982.

COSTA, A.; PESSALI, H. F. A trajetória de internacionalização da Petrobras na indústria de

petróleo e derivados. História econômica & história de empresas, 12, 5-31, 2009.

CRESCENZI, R.; IAMMARINO, S. Global investments and regional development

trajectories: the missing links. Regional Studies, 51(1), 97-115, 2017.

Page 132: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

132

CRESCENZI, R.; DATU, K.; IAMMARINO, S. European Cities and Foreign Investment

Networks. Paper in Evolutionary Economic Geography, 16(16), 2016a.

CRESCENZI, R.; PIETROBELLI, C.; RABELLOTTI, R. Regional strategic assets and the

location strategies of emerging countries’ multinationals in Europe. European Planning

Studies, 24(4), 645-667, 2016b.

CRESPI, G.; KATZ, J.; OLIVARI, J. Innovation, natural resource-based activities and growth

in emerging economies: the formation and role of knowledge-intensive service

firms. Innovation and Development, 8(1), p. 79-101, 2018.

DABLANC, L. Logistics sprawl and urban freight planning issues in a major gateway city.

In: Sustainable urban logistics: Concepts, methods and information systems (p. 49-69).

Springer, Berlin, Heidelberg, 2014.

DANTAS, E.; BELL, M. The co-evolution of firm-centered knowledge networks and

capabilities in late industrializing countries: the case of Petrobras in the offshore oil

innovation system in Brazil. World Development, 39(9), 1570-1591, 2011.

DAVID, P. A. Path dependence, its critics, and the quest for ‘historical economics’, 2000.

DERUDDER, B.; WITLOX, F. World cities and global commodity chains: an

introduction. Global Networks, 10(1), 1-11, 2010.

DICKEN, P. et al. Chains and networks, territories and scales: towards a relational framework

for analysing the global economy. Global networks, 1(2), 89-112, 2001.

ESLAMI, H.; EBADI, A.; SCHIFFAUEROVA, A. Effect of collaboration network structure

on knowledge creation and technological performance: the case of biotechnology in

Canada. Scientometrics, 97(1), p. 99-119, 2013.

FERNANDEZ-STARK, K.; BAMBER, P.; GEREFFI, G. The Offshore Services Global

Value Chain. SKILLS FOR UPGRADING, 132, 2011.

FINANCIAL TIMES. Oilfield services groups struggles outside US. Available in:

https://www.ft.com/content/6a0cefb4-2a86-11e7-9ec8-168383da43b7 , 2017.

FLORIDA, R.; ADLER, P.; MELLANDER, C.. The city as innovation machine. Regional

Studies, 51(1), p. 86-96, 2017.

FREITAS, A. G. D.; FURTADO, A. Processo de aprendizagem da Petrobrás: programas de

capacitação tecnológica em sistemas de produção offshore. Revista Brasileira de Energia

8(1), 2006.

FRIEDMANN, J. The World City Hypothesis. In: Development and Change, 17(1), 69–83,

1986.

FRIEDMANN, J.; WOLFF, G. World city formation. An agenda for research and action. Los

Angeles, 1982.

Page 133: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

133

FURTADO, C. O desenvolvimento recente da Venezuela. In: Ensaios sobre a Venezuela, Rio

de Janeiro: Contraponto e Centro Celso Furtado, 35-118, 2008 (ed), 1957.

FURTADO, A. T., FREITAS, A. G. Nacionalismo e aprendizagem no Programa de Águas

Profundas da Petrobras. Revista Brasileira de Inovação, 3(1 jan/jun), 55-86, 2004.

GEDDES, P. Cities in evolution. Benn, London, 1915.

GELB, A. H. Oil windfalls: blessing or curse? Washington, D.C.: The World Bank, 1988.

GEREFFI, G. Beyond the Producer‐driven/Buyer‐driven Dichotomy The Evolution of Global

Value Chains in the Internet Era. IDS bulletin, 32(3), 30-40, 2001.

GEREFFI, G. Global value chains in a post-Washington Consensus world. Review of

international political economy, 21(1), 9-37, 2013.

GIELFI, G. G.; FURTADO, A. T.; CAMPOS, A. S.; TIJSSEN, R. A interação universidade-

empresa na indústria de petróleo brasileira: o caso da Petrobras. Revista Brasileira de

Inovação, 16(2), 325-350, 2017.

GEREFFI, G.; KORZENIEWICZ, M. (Eds.). Commodity chains and global capitalism (No.

149). ABC-CLIO, 1994.

GOERZEN, A.; ASMUSSEN, C. G.; NIELSEN, B. B. Global cities and multinational

enterprise location strategy. Journal of international business studies, 44(5), 427-450, 2013.

GRAF, H. Gatekeepers in regional networks of innovators. Cambridge Journal of

Economics, 35(1), 173-198, 2010.

GRANT, R.; NIJMAN, J. Globalization and the Corporate Geography of Cities in the Less-

Developed World. Annals of the Association of American Geographers 92(2), 320–40, 2002.

GRUPO FARO. Local Content Frameworks in Latin American Oil and Gas sector: Lessons

from Ecuador and Colombia. Research Paper series, ELLA: Evidence and Lessons from Latin

America, 2016.

HALL, P. The world cities. World University Library, London, 1966.

HELLEINER, E. States and the Reemergence of Global Finance, from Bretton Woods to the

1990´s. Ithaca and London: Cornell University Press, 1994.

HENDERSON, J. et al. Global production networks and the analysis of economic

development. Review of international political economy, 9(3), 436-464, 2002.

HENNEMAN, S.; DERUDDER, B. An Alternative Approach to the Calculation and Analysis

of Connectivity in the World City Network. In: Environment and Planning B, 41(3), 392–412,

2014.

HIDALGO, C. A. Disconnected, fragmented, or united? a trans-disciplinary review of

network science. Applied Network Science, 1(1), 6, 2016.

Page 134: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

134

HIRATUKA, C.; SARTI, F. Transformações na estrutura produtiva global,

desindustrialização e desenvolvimento industrial no Brasil: uma contribuição ao

debate. Campinas: Unicamp. Instituto de Economia, 2015.

HOEKMAN, J.; FRENKEN, K.; VAN OORT, F. The geography of collaborative knowledge

production in Europe. The Annals of Regional Science, 43(3), p. 721-738, 2008.

HOPKINS, T. K.; WALLERSTEIN, I. Patterns of development of the modern world-

system. Review (Fernand Braudel Center), 111-145, 1977.

HORNER, R. Beyond facilitator? State roles in global value chains and global production

networks. Geography Compass, 11(2), 2017.

HYMER, S. The multinational corporation and the law of uneven development.

In: International Economics Policies and their Theoretical Foundations (pp. 325-352), 1972.

IAMMARINO, S.; MCCANN, P. Network geographies and geographical networks: co-

dependence and co-evolution of multinational enterprises and space. In: Clark, G.L.;

Feldman, M.P.; Gertler, M.S.; Wójcik (eds) (2018). The New Oxford Handbook of Economic

Geography. Oxford University Press, 2018.

INTERNATIONAL COMPARATIVE LEGAL GUIDES. Available in: https://iclg.com/,

2017.

JACKSON, M. O. Social and economic networks (Vol. 3). Princeton: Princeton University

Press, 2009.

JACOBS, W.; KOSTER, H.; HALL, P. The location and global network structure of maritime

advanced producer services. Urban Studies, 48(13), 2749-2769, 2011.

JESUS JUNIOR, L. B. Petrobras, intervenção governamental e maximização do valor para o

acionista: uma sugestão de interpretação. Tese de doutorado, Universidade Estadual de

Campinas, 2015.

KHAOUID, W et al. K-core decomposition of large networks on a single PC. Proceedings of

the VLDB Endowment, 9(1), 13-23, 2015.

KIRMAN, A. The economy as an evolving network. Journal of evolutionary economics, 7(4),

339-353, 1997.

KRATKE, S. Global media cities in a world-wide urban network. European Planning

Studies, 11(6), 605-628, 2003.

KRATKE, S. Global Pharmaceutical and Biotechnology Firms' Linkages in the World City

Network. In: Urban Studies, (51)6, 1196–1213, 2014.

LAZONICK, W.; O'SULLIVAN, M. Maximizing shareholder value: a new ideology for

corporate governance. Economy and society, 29(1), 13-35, 2000.

Page 135: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

135

LEE, K.; SZAPIRO, M.; MAO, Z. From global value chains (GVC) to innovation systems for

local value chains and knowledge creation. The European Journal of Development

Research, 30(3), 424-441, 2018.

LEYDESDORFF, L. et al. Patents as instruments for exploring innovation dynamics:

geographic and technological perspectives on “photovoltaic cells”. Scientometrics, 102 (1), p.

629-651, 2014.

LI, Y.; PHELPS, N. Megalopolis unbound: Knowledge collaboration and functional

polycentricity within and beyond the Yangtze River Delta Region in China, 2014. Urban

Studies, 55(2), 443-460, 2018.

LUCCHESI, C. F. Petróleo. Estudos Avançados (online), 12(33), 17-40, 1998.

LUSTOSA, M.C.J. Meio ambiente, inovação e competitividade na indústria brasileira: a

cadeia produtiva do petróleo. Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro,

2002.

MACHADO, M. S.; REIS, C. M. A Petrobras na nova configuração energética global. Geo

UERJ, 2(22), 362-378, 2011.

MAHUTGA, M. C. Global models of networked organization, the positional power of nations

and economic development. Review of International Political Economy, 21(1), 157-194,

2014.

MALEKI, A. Dynamics of knowledge base complexity: An inquiry into oil producing

countries’ struggle to build innovation capabilities. Doctoral Thesis, University of Edinburgh,

2013.

MARGARIDO, P. R. et al. Estabilização de métricas de redes complexas. SBC, 61, 2008.

MARIN, A.; NAVAS-ALEMAN, L.; PEREZ, C. Natural resource industries as a platform for

the development of knowledge intensive industries. Tijdschrift voor economische en sociale

geografie, 106(2), 154-168, 2015.

MARTINUS, K.; TONTS, M. Powering the world city system: energy industry networks and

interurban connectivity. Environment and Planning A, 47(7), 1502–1520, 2015.

MARTINUS, K.; SIGLER, T. J. Global city clusters: theorizing spatial and non-spatial

proximity in inter-urban firm networks. Regional Studies, 1-13, 2017.

MARTINUS, K. et al. Strategic globalizing centers and sub-network geometries: A social

network analysis of multi-scalar energy networks. Geoforum, 64, 78-89, 2015.

MAZZUCATO, M. O Estado Empreendedor: desmascarando o mito do setor público vs.

setor privado. Portfolio-Penguin, 2014.

MCKINNON, D. Beyond strategic coupling: reassessing the firm-region nexus in global

production networks. Journal of Economic Geography, 12(1), 227-245, 2012.

Page 136: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

136

MERCHÁN, C. R. Novos arranjos na distribuição dos royalties do petróleo: uma análise do

debate no Brasil e sua convergência com outras reformas da América Latina. Tese de

Doutorado, Fundação Getulio Vargas, 2015.

MEYER, K. E.; MUDAMBI, R.; NARULA, R. Multinational enterprises and local contexts:

The opportunities and challenges of multiple embeddedness. Journal of management

studies, 48(2), 235-252, 2011.

MIRANDA, P.C. A internacionalização das atividades tecnológicas e a inserção dos países

em desenvolvimento: uma análise baseada em dados de patentes. Tese de doutorado,

Universidade Estadual de Campinas, 2014.

MORAIS, J. M. D. Petróleo em águas profundas: uma história tecnológica da Petrobras na

exploração e produção offshore, 2013.

MURAKAMI, T.G.L. Trajetórias tecnológicas na etapa de hidrólise enzimática para a

produção de bioetanol de 2ª geração. Tese de doutorado, Universidade Estadual de

Campinas, 2015.

MUSLI, R. Global capital control and city hierarchies: an attempt to reposition Vienna in a

world city network. Cities, 26(5), 255-265, 2009.

NEPELSKI, D.; DE PRATO, G. Corporate control, location and complexity of ICT R&D: A

network analysis at the city level. Urban Studies, 52(4), p. 721-737, 2014.

NOOY, W. Networks of action and events over time. A multilevel discrete-time event history

model for longitudinal network data. Social Networks, 33(1), 31-40, 2011.

OLIVEIRA, A. Brazil’s Petrobras: strategy and performance, 2012. In: Victor, DG, Hults, DR

and Thurber, M. (2012). Oil and Governance, Cambridge University Press, Cambridge.

OLIVEIRA, R.L. Resource-Led Industrial Development in the Oil & Gas Supply Chain: The

Case of Brazil. MIT-IPC Working Paper 16-002, 2016.

PARNREITER, C. Global cities in global commodity chains: exploring the role of Mexico

City in the geography of global economic governance. Global Networks, 10(1), 35-53, 2010.

PARNREITER, C. Network or hierarchical relations? A plea for redirecting attention to the

control functions of global cities. Tijdschrift voor economische en sociale geografie, 105(4),

398-411, 2014.

PAVITT, K. Sectoral patterns of technical change: Towards a taxonomy and a theory.

Research Policy, 13(6), p. 343-73, 1984.

PEDROSA Jr, O. A.; CORREA, A. C. F. A crise do petróleo e os desafios do pré-sal. Boletim

de Conjuntura, (2), 4-14, 2016.

PEPPARD, J.; RYLANDER, A. From value chain to value network: Insights for mobile

operators. European Management Journal, 24(2), 128-141, 2006.

Page 137: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

137

PERRONS, R. K. How innovation and R&D happen in the upstream oil & gas industry:

Insights from a global survey. Journal of Petroleum Science and Engineering, 124, 301-312,

2014.

PETROBRAS. Fatos e Dados. Disponível em: http://www.petrobras.com.br/pt/? , 2015.

PIQUET, R. P.; HASENCLEVER, L.; SHIMODA, E. O desenvolvimento e a política de

conteúdo local na indústria petrolífera: visões divergentes. Revista Tecnologia e

Sociedade, 12(24), 2016.

PIQUET, R. P. S.; HASENCLEVER, L.; SHIMODA, E. O desenvolvimento e a política de

conteúdo local na indústria petrolífera: visões divergentes. Revista Tecnologia e

Sociedade, 12(24), 45-58, 2016.

POWELL, W. Neither market nor hierarchy. The sociology of organizations: classic,

contemporary, and critical readings, 315, 104-117, 1990.

PREBISCH, R. The Economic Development of Latin America and its Principal Problems.

Lake Success, NY: United Nations Department of Economic Affairs, 1950.

PRIEST, T. Petrobras in the history of offshore oil. In: Schneider, B. R. (2016). New order

and progress: development and democracy in Brazil. Oxford University Press, 2016.

RAVENHILL, J. Global value chains and development. Review of International Political

Economy, 21(1), 264-274, 2014.

REVILLA DIEZ, J. R., Breul, M., & Moneke, J. Territorial Complementarities and

Competition for Oil and Gas FDI in the SIJORI Growth Triangle. Economics Working Paper,

N. 2, Singapore, 2018.

REVISTA EXAME. Petrobras perde o posto de maior da América do Sul; veja o ranking. Available in:

http://exame.abril.com.br/negocios/petrobras-perde-o-posto-de-maior-da-america-do-sul-veja-

o-ranking/ , 2016.

ROCHA, F.; URRACA-RUIZ, A. The role of the network coordinator in the attraction of

foreign investment in R&D: the case of the Brazilian oil and gas industry. Transnational

Corporations, 20(3), 34-35, 2011.

ROSSI, E. C.; BEAVERSTOCK, J. V.; TAYLOR, P. J. Transaction links through

cities:‘decision cities’ and ‘service cities’ in outsourcing by leading Brazilian

firms. Geoforum, 38(4), 628-642, 2007.

ROSSI, E. C.; TAYLOR, P. J. Banking networks across Brazilian cities: interlocking cities

within and beyond Brazil. Cities, 22(5), 381-393, 2005.

RUAS, J.A.G. Dinâmica de concorrência na indústria parapetrolífera offshore: evolução

mundial do setor de equipamentos subsea e o caso brasileiro. Tese de Doutorado.

Universidade Estadual de Campinas, 2012.

Page 138: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

138

RUGMAN, A. M.; VERBEKE, A. Analysis of multinational strategic management. Books,

2005.

SALIOLA, F.; ZANFEI, A. Multinational firms, global value chains and the organization of

knowledge transfer. Research Policy, 38(2), 369-381, 2009.

SASSEN, S. The global city. Readings in Urban Theory. Oxford: Blackwell, 1991.

SCHOLVIN, S. et al. Gateway cities in global production networks: exemplified by the oil

and gas sector. Unicamp Texto para Discussão, 307, 2017a.

SCHOLVIN, S. et al. Plugging into global production networks: density, distance, division

and the local context of Brazil’s oil and gas sector. Unicamp Texto para Discussão, 317,

2017b.

SHORT, J. et al. From world cities to gateway cities: Extending the boundaries of

globalization theory. City, 4(3), 317-340, 2000.

SILVA, C. G. R. S.; FURTADO, A. T. Uma análise da nova política de compras da

PETROBRAS para seus empreendimentos offshore. Revista Gestão Industrial, 2(3), 2006.

SINGER, H. The Distribution of Gains between Investing and Borrowing Countries.

American Economic Review 44, 473–485, 1950.

SMITH, R. G. Beyond the global city concept and the myth of ‘command and

control’. International Journal of Urban and Regional Research, 38(1), 98-115, 2014.

SOLHEIM, M.C.W; TVETERÅS, Rr. Benefitting from co-location? Evidence from the

upstream oil and gas industry. The Extractive Industries and Society, 4(4), p. 904-914, 2017.

SOOSAY, C.; FEARNE, A.; DENT, B. Sustainable value chain analysis–a case study of

Oxford Landing from “vine to dine”. Supply Chain Management: An International

Journal, 17(1), 68-77, 2012.

STEPHENSON, S. R.; AGNEW, J. A. The work of networks: Embedding firms, transport,

and the state in the Russian Arctic oil and gas sector. Environment and Planning A, 48(3),

558-576, 2016.

STURGEON, T., VAN BIESEBROECK, J.; GEREFFI, G. Value chains, networks and

clusters: reframing the global automotive industry. Journal of economic geography, 8(3), 297-

321, 2008.

SURBORG, B. World cities are just “basing points for capital”: Interacting with the world

city from the global South. In Urban Forum (Vol. 22, No. 4, p. 315). Springer Netherlands,

2011.

TAYLOR, P. J. Specification of the world city network. Geographical analysis, 33(2), 181-

194, 2001.

TAYLOR, P. J. World city network: a global urban analysis. Psychology Press, 2004.

Page 139: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

139

TAYLOR, P. J. et al. New regional geographies of the world as practised by leading advanced

producer service firms in 2010. Transactions of the Institute of British Geographers, 38(3),

497-511, 2013.

TAYLOR, P. J. et al. The way we were: command-and-control centres in the global space-

economy on the eve of the 2008 geo-economic transition. Environment and Planning A 41(1),

p. 7-12, 2009.

TAYLOR, P. J. et al. Diversity and power in the world city network. Cities, 19(4), 231-241,

2002.

TAVARES, M. C. A retomada da hegemonia americana. In: Tavares, M. C. & Fiori, J. L.

Poder e dinheiro, 1985. Rio de Janeiro: Vozes, 1997.

TEIXEIRA, F.; GUERRA, O. A competitividade na cadeia de suprimento da indústria de

petróleo no Brasil. Revista de Economia Contemporânea, 7(2), 263-288, 2003.

TORDO, S.; WARNER, M.; MANZANO, O.; ANOUTI, Y. Local content policies in the oil

and gas sector. The World Bank, 2013.

TORVIK, R. Why do some resource-abundant countries succeed while others do not?. Oxford

Review of Economic Policy, 25(2), 241-256, 2009.

TROJBICZ, B. Ideas and economy in the policy reforms of the Brazilian oil sector: 1995 to

2010. Revista de Administração Pública, 51(5), 767-787, 2017.

UTTERBACK, J. M.; ABERNATHY, W. J. A dynamic model of process and product

innovation. Omega, 3(6), 639-656, 1975.

VALENTE, F.S.P.F. A dinâmica da acumulação de capital e os movimentos de fusões e

aquisições em estruturas de mercado oligopolísticas: um estudo focado na evolução recente

da indústria mundial do petróleo. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de

Campinas, 2009.

VIEIRA FILHO, J. E. R.; FISHLOW, A. Agricultura e indústria no Brasil: inovação e

competitividade. IPEA. Brasília: 2017

WALL, R.S. The geography of African investment. Disponível em:

http://blogs.lse.ac.uk/gild/2018/01/15/the-geography-of-african-investment/, 2018.

WALL, R. S.; van der KNAAP, G. A. Sectoral differentiation and network structure within

contemporary worldwide corporate networks. Economic Geography, 87(3), 267-308, 2011.

YANG, Y.; DONG, W. Global energy networks: Insights from headquarter subsidiary data of

transnational petroleum corporations. Applied Geography, 72, 36-46, 2016.

YEUNG, H. W. C. Governing the market in a globalizing era: developmental states, global

production networks and inter-firm dynamics in East Asia. Review of International Political

Economy, 21(1), 70-101, 2014.

Page 140: MARIANE SANTOS FRANÇOSO AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/335152/1/... · 2019-10-04 · universidade estadual de campinas instituto

140

ZHAO, S. X.; ZHANG, L. Foreign direct investment and the formation of global city-regions

in China. Regional Studies, 41(7), 979-994, 2007.