Marilena Chauí - O Ideal Científico e a Razão Instrumental

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Filosofia De Marilena Chaui Ed. Ática, São Paulo, 2000. Unidade 7 - As ciências Capítulo 18 - O ideal científico e a razão instrumental O ideal científico O percurso que fizemos no estudo das ciências evidencia a eistência de um ideal científico! em"ora continuidades e rupturas marquem os con#ecimentos cient$ficos, a ciência % a confian&a que a cultura ocidental depo sita na razão como capacidade para con#ecer a realidade, mesmo que esta, afinal, ten#a que ser inteiramente constru$da pela pr'pria atividade racional. ( l')ica que re)e o pensamento cient$fico contempor*neo est+ centrada na id%ia de demonstra&ão e prova, a partir da defini&ão ou constru&ão do o"eto do con#ecimento por suas propriedades e fun&-es e da posi&ão do sueito do con#ecimento, atrav%s das opera&-es de an+lise, s$ntese e interpre ta&ão. ( ciência contempor*nea fundase!  na distin&ão entre sueito e o"eto do con#ecimento, que permite esta"elecer a id%ia de o"etividade, isto %, de independência dos fen/menos em rela&ão ao sueito que con#ece e a)e  na id%ia de m%todo como um conunto de re)ras, normas e procedimentos )erais, que servem para definir ou construir o o"eto e para o autocontrole do pensamento durante a investi)a&ão e, ap's esta, para a confirma&ão ou falsifica&ão dos resultados o"tidos. ( id%ia de m%todo tem como pressuposto que o pensamento o"edece universalmente a certos princ$pios internos 1 identidade, nãocontradi&ão, terceiro eclu$do, razão suficiente 1 dos quais dependem o con#ecimento da verdade e a eclusão do falso. ( verdade pode ser compreendida sea como correspondência necess+ria entre os conceitos e a realidade, sea como coerência interna dos pr'prios conceitos  nas opera&-es de an+lise e s$ntese, isto %, de passa)em do todo compleo s suas partes constituintes ou de passa)em das partes ao todo que as eplica e determina. O o"eto cient$fico % um fen/meno su"metido an+lise e s$ntese, que descrevem os fatos o"servados ou constroem a pr'pria entidade o"etiva como um campo de rela&-es internas necess+rias, isto %, uma estrutura que pode ser con#ecida em seus elementos, suas propriedades, suas fun&-es e seus modos de permanência ou de transforma&ão  na id%ia de lei do fen/meno, isto %, de re)ularidades e const*ncias universais e necess+rias, que definem o modo de ser e de comportarse do o"eto, sea este tomado como um campo separado dos demais, sea tomado em suas rela&-es com outros o"etos ou campos de realidade. ( lei cient$fica define o que % o fato fen/meno ou o o"eto constru$do pelas opera&-es cient$ficas. Em outras palavras, a lei cient$fica diz como o o"eto se constitui, como se comporta, por que e como permanece, por que e como se transforma, so"re quais fen/menos atua e de quais sofre a&ão. ( lei define o o"eto se)undo um sistema compleo de rela&-es necess+rias de causalidade, complementaridade, inclusão e eclusão. ( id%ia de lei visa a marcar o car+ter necess+rio do o"eto e a afastar as id%ias de acaso, contin)ência, indetermina&ão, oferecendo o o"eto como completamente determinado pelo pensamento ou completamente con#ecido o u co)nosc$vel  no uso de instrumentos tecnol')icos e não simplesmente t%cnicos. Os instrumentos t%cnicos são prolon)amentos de capacidades do corpo #umano e destinamse a aument+las na rela&ão do nosso corpo com o mundo. Os

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FilosofiaDe Marilena ChauiEd. Ática, São Paulo, 2000.

Unidade 7 - As ciências

Capítulo 18 - O ideal científico e a razão instrumental

O ideal científico

O percurso que fizemos no estudo das ciências evidencia a eistência de um idealcientífico! em"ora continuidades e rupturas marquem os con#ecimentoscient$ficos, a ciência % a confian&a que a cultura ocidental deposita na razão comocapacidade para con#ecer a realidade, mesmo que esta, afinal, ten#a que serinteiramente constru$da pela pr'pria atividade racional.

( l')ica que re)e o pensamento cient$fico contempor*neo est+ centrada na id%ia dedemonstra&ão e prova, a partir da defini&ão ou constru&ão do o"eto docon#ecimento por suas propriedades e fun&-es e da posi&ão do sueito docon#ecimento, atrav%s das opera&-es de an+lise, s$ntese e interpreta&ão. ( ciênciacontempor*nea fundase!

● na distin&ão entre sueito e o"eto do con#ecimento, que permite esta"elecer aid%ia de o"etividade, isto %, de independência dos fen/menos em rela&ão aosueito que con#ece e a)e

● na id%ia de m%todo como um conunto de re)ras, normas e procedimentos )erais,que servem para definir ou construir o o"eto e para o autocontrole do pensamentodurante a investi)a&ão e, ap's esta, para a confirma&ão ou falsifica&ão dosresultados o"tidos. ( id%ia de m%todo tem como pressuposto que o pensamentoo"edece universalmente a certos princ$pios internos 1 identidade, nãocontradi&ão,terceiro eclu$do, razão suficiente 1 dos quais dependem o con#ecimento da

verdade e a eclusão do falso. ( verdade pode ser compreendida sea comocorrespondência necess+ria entre os conceitos e a realidade, sea como coerênciainterna dos pr'prios conceitos

● nas opera&-es de an+lise e s$ntese, isto %, de passa)em do todo compleo ssuas partes constituintes ou de passa)em das partes ao todo que as eplica edetermina. O o"eto cient$fico % um fen/meno su"metido an+lise e s$ntese, quedescrevem os fatos o"servados ou constroem a pr'pria entidade o"etiva como umcampo de rela&-es internas necess+rias, isto %, uma estrutura que pode sercon#ecida em seus elementos, suas propriedades, suas fun&-es e seus modos depermanência ou de transforma&ão

● na id%ia de lei do fen/meno, isto %, de re)ularidades e const*ncias universais e

necess+rias, que definem o modo de ser e de comportarse do o"eto, sea estetomado como um campo separado dos demais, sea tomado em suas rela&-es comoutros o"etos ou campos de realidade. ( lei cient$fica define o que % o fatofen/meno ou o o"eto constru$do pelas opera&-es cient$ficas. Em outras palavras, alei cient$fica diz como o o"eto se constitui, como se comporta, por que e comopermanece, por que e como se transforma, so"re quais fen/menos atua e de quaissofre a&ão. ( lei define o o"eto se)undo um sistema compleo de rela&-esnecess+rias de causalidade, complementaridade, inclusão e eclusão. ( id%ia de leivisa a marcar o car+ter necess+rio do o"eto e a afastar as id%ias de acaso,contin)ência, indetermina&ão, oferecendo o o"eto como completamentedeterminado pelo pensamento ou completamente con#ecido ou co)nosc$vel

● no uso de instrumentos tecnol')icos e não simplesmente t%cnicos. Os

instrumentos t%cnicos são prolon)amentos de capacidades do corpo #umano edestinamse a aument+las na rela&ão do nosso corpo com o mundo. Os

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instrumentos tecnol')icos são ciência cristalizada em o"etos materiais, nadapossuem em comum com as capacidades e aptid-es do corpo #umano visam aintervir nos fen/menos estudados e mesmo a construir o pr'prio o"eto cient$ficodestinamse a dominar e transformar o mundo e não simplesmente a facilitar arela&ão do #omem com o mundo. ( tecnolo)ia confere ciência precisão e controledos resultados, aplica&ão pr+tica e interdisciplinaridade. O caso da "iolo)ia )en%tica

revela como a tecnolo)ia da f$sica, da qu$mica e da ci"ern%tica determinaram umaatividade interdisciplinar que resultou em desco"ertas e mudan&as na "iolo)ia

● na cria&ão de uma lin)ua)em espec$fica e pr'pria, distante da lin)ua)emcotidiana e da lin)ua)em liter+ria. ( ciência procura afastar os dados qualitativos eperceptivoemotivos dos o"etos ou dos fen/menos, para )uardar ou construirapenas seus aspectos quantitativos e relacionais.

( lin)ua)em cotidiana e a liter+ria são conotativas e polissêmicas, isto %, nelas aspalavras possuem m3ltiplos si)nificados simult*neos, su"entendidos, am"i)4idadese eprimem tanto o sueito quanto as coisas, ou sea, eprimem as rela&-es vividasentre o sueito e o mundo qualitativo de sons, cores, formas, odores, valores,sentimentos, etc.

5as ciências, por%m, sons e cores são eplicados como varia&ão no comprimentodas ondas sonoras e luminosas, o"servadas e medidas no la"orat'rio. 6alores esentimentos são eplicados pelas an+lises do corpo vivido e da consciência, feitaspela psicolo)ia pelas an+lises da estrutura e or)aniza&ão da sociedade, feitas pelasociolo)ia e pela antropolo)ia.

( lin)ua)em cient$fica destaca o o"eto das rela&-es com o sueito, separao daeperiência vivida cotidiana e constr'i uma lin)ua)em puramente denotativa paraeprimir sem am"i)4idades as leis do o"eto. O sim"olismo cient$fico rompe com osim"olismo da lin)ua)em cotidiana construindo uma lin)ua)em pr'pria, coms$m"olos un$vocos e denotativos, de si)nificado 3nico e universal. ( ciência constr'io al)oritmo e fala atrav%s dos al)oritmos ou de uma com"inat'ria de estilo

matem+tico.7ustamente por serem estes os principais tra&os do ideal cient$fico, podemoscompreender por que eistem os pro"lemas epistemol')icos eaminados noscap$tulos precedentes. Em outras palavras, o ideal de cientificidade imp-e s id%iascrit%rios e finalidades que, quando impedidos de se concretizarem, for&am rupturase mudan&as te'ricas profundas, fazendo desaparecer campos e disciplinascient$ficos ou levando ao sur)imento de o"etos, m%todos, disciplinas e campos deinvesti)a&ão novos.

Ciência desinteressada e utilitarismo

Desde a 8enascen&a 1 isto %, desde o #umanismo, que colocava o #omem nocentro do 9niverso e afirmava seu poder para con#ecer e dominar a realidade 1

duas concep&-es so"re o valor da ciência estiveram sempre em confronto.( primeira delas, que c#amaremos de ideal do con#ecimento desinteressado,afirma que o valor de uma ciência encontrase na qualidade, no ri)or e na eatidão,na coerência e na verdade de uma teoria, independentemente de sua aplica&ãopr+tica. ( teoria cient$fica vale por trazer con#ecimentos novos so"re fatosdescon#ecidos, por ampliar o sa"er #umano so"re a realidade e não por seraplic+vel praticamente. Em outras palavras, % por ser verdadeira que a ciência podeser aplicada na pr+tica, mas o uso da ciência % conseq4ência e não causa docon#ecimento cient$fico.

( se)unda concep&ão, con#ecida como utilitarismo, ao contr+rio, afirma que o valorde uma ciência encontrase na quantidade de aplica&-es pr+ticas que possa

permitir. : o uso ou a utilidade imediata dos con#ecimentos que prova a verdadede uma teoria cient$fica e l#e confere valor. Os con#ecimentos são procurados para

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resolver pro"lemas pr+ticos e estes determinam não s' o aparecimento de umaciência, mas tam"%m suas transforma&-es no decorrer do tempo.

(s duas concep&-es são verdadeiras, mas parciais. Se uma teoria cient$fica fosseela"orada apenas por suas finalidades pr+ticas imediatas, in3meras pesquisas

 amais teriam sido feitas e in3meros fen/menos amais teriam sido con#ecidos,

pois, com freq4ência, os con#ecimentos te'ricos estão mais avan&ados do que ascapacidades t%cnicas de uma %poca e, em )eral, sua aplica&ão s' % perce"ida e s'% poss$vel muito tempo depois de #aver sido ela"orada.

5o entanto, se uma teoria cient$fica não for capaz de suscitar aplica&-es, se não forcapaz de permitir o sur)imento de o"etos t%cnicos e tecnol')icos, instrumentos,utens$lios, m+quinas, medicamentos, de resolver pro"lemas importantes para osseres #umanos, então seremos o"ri)ados a dizer que a t%cnica e a tecnolo)ia sãoce)as, incertas, arriscadas e peri)osas, porque são pr+ticas sem "ases te'ricasse)uras. 5a realidade, teoria e pr+tica cient$ficas estão relacionadas na concep&ãomoderna e contempor*nea de ciência, mesmo que uma possa estar mais avan&adado que a outra.

( distin&ão e a rela&ão entre ciência pura e ciência aplicada pode solucionar oimpasse ou o confronto entre as duas concep&-es so"re o valor das teoriascient$ficas, )arantindo, por um lado, que uma teoria possa e deva ser ela"oradasem a preocupa&ão com fins pr+ticos imediatos, em"ora possa, mais tarde,contri"uir para eles e, por outro lado, )arantindo o car+ter cient$fico de teoriasconstru$das diretamente com finalidades pr+ticas, as quais podem, por sua vez,suscitar investi)a&-es puramente te'ricas.

Podese dizer que são pro"lemas e dificuldades t%cnicas e pr+ticas que suscitam odesenvolvimento de con#ecimentos te'ricos. Sa"emos, por eemplo, que o qu$mico;avoisier decidiu estudar o fen/meno da com"ustão para resolver pro"lemasecon/micos da cidade de Paris, que <alileu e =orricelli investi)aram o movimentodos corpos no v+cuo para resolver pro"lemas de carre)amento de )randes pesos

nos portos e para responder a uma per)unta dos construtores de fontes dos ardinsda cidade de >loren&a.

5o entanto, o que sempre se verifica % que a eplica&ão cient$fica e a teoria aca"amcon#ecendo muito mais fatos e rela&-es do que o que era necess+rio parasolucionar o pro"lema pr+tico, de tal modo que as pesquisas te'ricas vãoavan&ando + sem a preocupa&ão pr+tica, em"ora comecem a sur)ir e a suscitar,tempos depois, solu&-es pr+ticas para pro"lemas novos. (ssim, por eemplo,passouse muito tempo at% que a teoria eletroma)n%tica de ?ertz levasse st%cnicas de radiodifusão.

A ideoloia cientificista

O senso comum, i)norando as compleas rela&-es entre as teorias cient$ficas e as

t%cnicas, entre ciência pura e ciência aplicada, entre teoria e pr+tica e entreverdade e utilidade, tende a identificar as ciências com os resultados de suasaplica&-es. Essa identifica&ão desem"oca numa atitude con#ecida comocientificismo, isto %, fusão entre ciência e t!cnica e a ilusão da neutralidadecientífica.

Eaminemos "revemente cada um desses aspectos que constituem a ideolo)ia daciência na sociedade contempor*nea.

O cientificismo

O cientificismo % a cren&a infundada de que a ciência pode e deve con#ecer tudo,que, de fato, con#ece tudo e % a eplica&ão causal das leis da realidade tal como

esta % em si mesma.

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(o contr+rio dos cientistas, que não cessam de enfrentar o"st+culosepistemol')icos, pro"lemas e eni)mas, o senso comum cientificista desem"ocanuma ideolo)ia e numa mitolo)ia da ciência.

"deoloia da ciência! cren&a no pro)resso e na evolu&ão dos con#ecimentos que,um dia, eplicarão totalmente a realidade e permitirão manipul+la tecnicamente,

sem limites para a a&ão #umana.Mitoloia da ciência! cren&a na ciência como se fosse ma)ia e poderio ilimitadoso"re as coisas e os #omens, dandol#e o lu)ar que muitos costumam dar sreli)i-es, isto %, um conunto doutrin+rio de verdades intemporais, a"solutas einquestion+veis.

( ideolo)ia e a mitolo)ia cientificistas encaram a ciência não pelo prisma dotra"al#o do con#ecimento, mas pelo prisma dos resultados @apresentados comoespetaculares e miraculososA e so"retudo como uma forma de poder social e decontrole do pensamento #umano. Por este motivo, aceitam a ideoloia dacompetência, isto %, a id%ia de que #+, na sociedade, os que sa"em e os que nãosa"em, que os primeiros são competentes e têm o direito de mandar e de eercerpoderes, enquanto os demais são incompetentes, devendo o"edecer e sermandados. Em resumo, a sociedade deve ser diri)ida e comandada pelos que

 Bsa"emC e os demais devem eecutar as tarefas que l#es são ordenadas.

A ilusão da neutralidade da ciência

omo a ciência se caracteriza pela separa&ão e pela distin&ão entre o sueito docon#ecimento e o o"eto como a ciência se caracteriza por retirar dos o"etos docon#ecimento os elementos su"etivos como os procedimentos cient$ficos deo"serva&ão, eperimenta&ão e interpreta&ão procuram alcan&ar o o"eto real ou oo"eto constru$do como modelo aproimado do real e, enfim, como os resultadoso"tidos por uma ciência não dependem da "oa ou m+ vontade do cientista nem desuas pai-es, estamos convencidos de que a ciência % neutra ou imparcial. Diz razão o que as coisas são em si mesmas. Desinteressadamente.

Essa ima)em da neutralidade cient$fica % ilus'ria.

uando o cientista escol#e uma certa defini&ão de seu o"eto, decide usar umdeterminado m%todo e espera o"ter certos resultados, sua atividade não % neutranem imparcial, mas feita por escol#as precisas. 6amos tomar três eemplos quenos audarão a esclarecer este ponto.

O racismo não % apenas uma ideolo)ia social e pol$tica. : tam"%m uma teoria quese pretende cient$fica, apoiada em o"serva&-es, dados e leis conse)uidas com a"iolo)ia, a psicolo)ia, a sociolo)ia. : uma certa maneira de construir tais dados, desorte a transformar diferen&as %tnicas e culturais em diferen&as "iol')icas naturaisimut+veis e separar os seres #umanos em superiores e inferiores, dando aos

primeiros ustificativas para eplorar, dominar e mesmo eterminar os se)undos.Por que op%rnico teve que esconder os resultados de suas pesquisas e <alileu foifor&ado a comparecer perante a Fnquisi&ão e ne)ar que a =erra se movia ao redordo SolG Porque a concep&ão astron/mica )eocêntrica @ela"orada, na (nti)uidade,por Ptolomeu e (rist'telesA permitia que a F)rea 8omana mantivesse a id%ia deque a realidade % constitu$da por uma #ierarquia de seres, que vão dos maisperfeitos 1 os celestes 1 aos mais imperfeitos 1 os infernais 1 e que essa #ierarquiacolocava a F)rea acima dos imperadores, estes acima dos "ar-es e estes acimados camponeses e servos.

Se a astronomia demonstrasse que a =erra não % o centro do 9niverso e que o Solnão % apenas uma perfei&ão im'vel, e se a mec*nica )alileana demonstrasse quetodos os seres estão su"metidos s mesmas leis do movimento, então as#ierarquias celestes, naturais e #umanas, perderiam le)itimidade e fundamento,não precisando ser respeitadas. ( f$sica e a astronomia pr%copernicanas

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@ela"oradas por Ptolomeu e (rist'telesA serviam 1 independentemente da vontadede Ptolomeu e de (rist'teles, % verdade 1 a uma sociedade e a uma concep&ão dopoder que se viram amea&adas por uma nova concep&ão cient$fica.

9m 3ltimo eemplo pode ser dado atrav%s da antropolo)ia. Durante muito tempo,os antrop'lo)os afirmaram que #avia duas formas de pensamento cientificamente

o"serv+veis e com leis diferentes! o pensamento l')icoracional dos civilizados@europeus "rancos adultosA e o pensamento pr%l')ico e pr%racional dos selva)ensou primitivos @africanos, $ndios, tri"os australianasA. O primeiro era consideradosuperior, verdadeiro e evolu$do o se)undo, inferior, falso, supersticioso e atrasado,ca"endo aos "rancos europeus BauiliarC os selva)ens BprimitivosC a a"andonar suacultura e adquirir a cultura Bevolu$daC dos colonizadores.

O mel#or camin#o para perce"er a impossi"ilidade de uma ciência neutra % levarem considera&ão o modo como a pesquisa cient$fica se realiza em nosso tempo.

Durante s%culos, os cientistas tra"al#aram individualmente @mesmo quepossu$ssem auiliares e disc$pulosA em seus pequenos la"orat'rios. Suas pesquisaseram custeadas ou por eles mesmos ou por reis, no"res e "ur)ueses ricos, quedeseavam a )l'ria de patrocinar desco"ertas e as vanta)ens pr+ticas que delaspoderiam advir. Por sua vez, o senso comum social ol#ava o cientista comoin#entor e ênio.

?oe, os cientistas tra"al#am coletivamente, em equipes, nos )randes la"orat'riosuniversit+rios, nos dos institutos de pesquisa e nos das )randes empresastransnacionais que participam de um sistema con#ecido como compleo industrialmilitar. (s pesquisas são financiadas pelo Estado @nas universidades e institutosA,pelas empresas privadas @em seus la"orat'riosA e por am"os @nos centros deinvesti)a&ão do compleo industrialmilitarA. São pesquisas que ei)em altosinvestimentos econ/micos e das quais se esperam resultados que a opinião p3"licanem sempre con#ece. (l%m disso, os cientistas de uma mesma +rea deinvesti)a&ão competem por recursos, tendem a fazer se)redo de suas desco"ertas,

pois dependem delas para conse)uir fundos e vencer a competi&ão com outros.Sa"emos, #oe, que a maioria dos resultados cient$ficos que usamos em nossa vidacotidiana 1 m+quinas, rem%dios, fertilizantes, produtos de limpeza e de #i)iene,materiais sint%ticos, computadores 1 tiveram como ori)em investi)a&-es militares eestrat%)icas, competi&-es econ/micas entre )randes empresas transnacionais ecompeti&-es pol$ticas entre )randes Estados. Huito do que usamos em nossocotidiano prov%m de pesquisas nucleares, "acteriol')icas e espaciais.

O senso comum social, a)ora, vê o cientista como enenheiro e mao, em roupas"rancas no interior de )randes la"orat'rios repletos de o"etos incompreens$veis,rodeado de outros cientistas, fazendo c+lculos misteriosos diante de dezenas decomputadores.

=anto na visão anterior 1 o cientista como inventor e )ênio solit+rio 1 quanto naatual 1 o cientista como mem"ro de uma equipe de en)en#eiros e ma)os , o sensocomum vê a ciência desli)ada do conteto das condi&-es de sua realiza&ão e desuas finalidades. Eis porque tende a acreditar na neutralidade cient$fica, na id%ia deque o 3nico compromisso da ciência % o con#ecimento verdadeiro e desinteressadoe a solu&ão correta de nossos pro"lemas.

( ideolo)ia cientificista usa essa ima)em idealizada para consolidar a daneutralidade cient$fica, dissimulando, com isso, a ori)em e a finalidade da maioriadas pesquisas, destinadas a controlar a 5atureza e a sociedade se)undo osinteresses dos )rupos que controlam os financiamentos dos la"orat'rios.

A razão instrumental

Por que #+ uma ideolo)ia e uma mitolo)ia da ciênciaG

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uando estudamos a teoria do con#ecimento, eaminamos a no&ão de ideolo)iacomo l')ica social ima)in+ria de ocultamento da realidade #ist'rica. (o estudarmoso nascimento da >ilosofia, eaminamos a diferen&a entre mythos e logos, isto %,entre a eplica&ão antropom'rfica e m+)ica do mundo e a eplica&ão racional.uando estudamos a razão, vimos que al)uns fil'sofos alemães, reunidos na Escolade >ranIfurt, descreveram a racionalidade ocidental como instrumentaliza&ão da

razão. Se reunirmos esses v+rios estudos que fizemos at% aqui, poderemosresponder per)unta so"re a ideolo)iza&ão e a mitolo)iza&ão da ciência.

( razão instrumental 1 que os franIfurtianos, como (dorno, Harcuse e ?orI#eimertam"%m desi)naram com a epressão razão iluminista 1 nasce quando o sueitodo con#ecimento toma a decisão de que con#ecer % dominar e controlar a5atureza e os seres #umanos. (ssim, por eemplo, o fil'sofo >rancis Jacon, noin$cio do s%culo K6FF, criou uma epressão para referirse ao o"eto docon#ecimento cient$fico! Ba 5atureza atormentadaC.

(tormentar a 5atureza % fazêla rea)ir a condi&-es artificiais, criadas pelo #omem.O la"orat'rio cient$fico % a maneira paradi)m+tica de efetuar esse tormento, pois,nele, plantas, animais, metais, l$quidos, )ases, etc. são su"metidos a condi&-es de

investi)a&ão totalmente diversas das naturais, de maneira a fazer com que aeperimenta&ão supere a eperiência, desco"rindo formas, causas, efeitos que nãopoderiam ser con#ecidos se cont+ssemos apenas com a atividade espont*nea da5atureza. (tormentar a 5atureza % con#ecer seus se)redos para domin+la etransform+la.

O tormento da realidade aumenta com a ciência contempor*nea, uma vez que estanão se contenta em con#ecer as coisas e os seres #umanos, mas os constr'iartificialmente e aplica os resultados dessa constru&ão ao mundo f$sico, "iol')ico e#umano @ps$quico, social, pol$tico, #ist'ricoA. (ssim, por eemplo, a or)aniza&ão doprocesso de tra"al#o nas ind3strias apresentase como cient$fica porque % "aseadaem conceitos da psicolo)ia, da sociolo)ia, da economia, que permitem dominar econtrolar o tra"al#o #umano so" todos os aspectos @controle so"re o corpo e o

esp$rito dos tra"al#adoresA, a fim de que a produtividade sea a maior poss$vel pararender lucros ao capital.

5a medida em que a razão se torna instrumental, a ciência vai deiando de seruma forma de acesso aos con#ecimentos verdadeiros para tornarse uminstrumento de domina&ão, poder e eplora&ão. Para que não sea perce"ida comotal, passa a ser sustentada pela ideolo)ia cientificista, que, atrav%s da escola e dosmeios de comunica&ão de massa, desem"oca na mitolo)ia cientificista.

=odavia, devemos distin)uir entre o momento da investi)a&ão cient$ficapropriamente dita e o da ideolo)iza&ãomitolo)iza&ão de uma ciência. 9m eemplopoder+ auiliarnos a perce"er essa diferen&a. uando DarLin ela"ora a teoria"iol')ica da evolu&ão das esp%cies, o modelo de eplica&ão usado por ele permitia

l#e supor que o processo evolutivo ocorria por sele&ão natural dos mais aptos so"revivência.

Ora, na mesma %poca, a sociedade capitalista estava convencida de que opro)resso social e #ist'rico provin#a da competi&ão e da concorrência dosindiv$duos, se)undo a lei econ/mica da oferta e da procura. 9m fil'sofo, Spencer,aplicou, então, a teoria darLiniana sociedade! nesta, os mais BaptosC @isto %, osmais capazes de competir e concorrerA tornamse naturalmente superiores aosoutros, vencendoos em riqueza, privil%)ios e poder.

(o transpor uma teoria "iol')ica para uma eplica&ão filos'fica so"re a essência dasociedade, Spencer transformou a teoria científica da evolu&ão em ideoloia evolucionista. Por quêG Em primeiro lu)ar, porque )eneralizou para toda a realidade

resultados o"tidos num campo particular de con#ecimentos espec$ficos. Emse)undo lu)ar, porque tomou conceitos referentes a fatos naturais e os converteuem fatos sociais, como se não #ouvesse diferen&a entre 5atureza e sociedade. 9ma

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vez criada a ideolo)ia evolucionista, o evolucionismo tornouse teoria da ?ist'ria e,a se)uir, mitolo)ia cient$fica do pro)resso #umano.

( no&ão de razão instrumental nos permite compreender!

● a transforma&ão de uma ciência em ideolo)ia e mito social, isto %, em sensocomum cientificista

● que a ideolo)ia da ciência não se reduz transforma&ão de uma teoria cient$ficaem ideolo)ia, mas encontrase na pr'pria ciência, quando esta % conce"ida comoinstrumento de domina&ão, controle e poder so"re a 5atureza e a sociedade

● que as id%ias de pro)resso t%cnico e neutralidade cient$fica pertencem ao campoda ideolo)ia cientificista.

Confusão entre ciência e t!cnica

6imos que a ciência moderna e contempor*nea transforma a t%cnica em tecnolo)ia,isto %, passa da m+quinautens$lio m+quina como instrumento de precisão, quepermite con#ecimentos mais eatos e novos con#ecimentos.

Essa transforma&ão traz duas conseq4ências principais! a primeira se refere aocon#ecimento cient$fico e a se)unda, ao estatuto dos o"etos t%cnicos!

M. o con#ecimento cient$fico % conce"ido como l$ica da in#en%ão @para a solu&ãode pro"lemas te'ricos e pr+ticosA e como l$ica da constru%ão @de o"etoste'ricosA, )ra&as possi"ilidade de estudar os fen/menos sem depender apenasdos recursos de nossa percep&ão e de nossa inteli)ência. : assim que, poreemplo, <alileu se refere ao telesc'pio como um instrumento cua fun&ão não % ade simplesmente aproimar o"etos distantes, mas de corri)ir as distor&-es denossos ol#os e )arantirnos a ima)em correta das coisas. O mesmo foi dito so"re omicrosc'pio, so"re a "alan&a de precisão, so"re o cron/metro.

Em nosso tempo, os instrumentos t%cnicotecnol')icos vão al%m da corre&ão denossa percep&ão, pois corri)em fal#as de nosso pensamento, uma vez que sãointeli)ências artificiais @o computador foi c#amado de Bc%re"ro eletr/nicoCA maisacuradas do que nossa inteli)ência individual. Evidentemente, são con#ecimentoscient$ficos que permitem a constru&ão desses instrumentos, mas dandol#escapacidades que cada um de n's, enquanto indiv$duo, não possui. Ora, os o"etost%cnicotecnol')icos ampliam a id%ia da ciência como inven&ão e constru&ão dospr'prios fen/menos

2. os o"etos t%cnicos são criados pela ciência como instrumentos de au$lio aotra"al#o #umano, m+quinas para dominar a 5atureza e a sociedade, instrumentosde precisão para o con#ecimento cient$fico e, so"retudo, em sua formacontempor*nea, como aut/matos. Estes são o o"eto t%cnicotecnol')ico porecelência, porque possuem as se)uintes caracter$sticas, marcas do novo estatuto

desse o"eto!● são con#ecimento cient$fico o"etivado, isto %, depositado e concretizado numo"eto. São resultado e corporifica&ão de con#ecimentos cient$ficos

● são o"etos que possuem em si mesmos o princ$pio de sua re)ula&ão,manuten&ão e transforma&ão. (s m+quinas anti)as dependiam de for&as eternaspara realizar suas fun&-es @alavancas, polias, manivelas, for&a muscular de seres#umanos ou de animais, for&a #idr+ulica, etc.A. (s m+quinas modernas sãoaut/matos porque, dado o impulso eletroeletr/nico inicial, realizam por si mesmastodas as opera&-es para as quais foram pro)ramadas, incluindo a corre&ão de suapr'pria a&ão, a realimenta&ão de ener)ia, a transforma&ão. São autore)uladas eautoconservadas, porque possuem em si mesmas as informa&-es necess+rias aoseu funcionamento

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● como conseq4ência, não são propriamente um o"eto sin)ular ou individual, masum sistema de o&'etos interli)ados por comandos rec$procos

● são sistemas que, uma vez pro)ramados, realizam opera&-es te'ricas compleas,que modificam o conte3do dos pr'prios con#ecimentos cient$ficos, isto %, os o"etost%cnicotecnol')icos fazem parte do tra"al#o te'rico.

Ora, o senso comum social i)nora essas transforma&-es da ciência e da t%cnica econ#ece apenas seus resultados mais imediatos! os o"etos que podem ser usadospor n's @m+quina de lavar, videogame, televisão a ca"o, m+quina de calcular,computador, ro"/ industrial, etc.A.

omo, para us+los, precisamos rece"er um conunto de informa&-es detal#adas esofisticadas, tendemos a identificar o con#ecimento cient$fico com seus efeitostecnol')icos. om isso, deiamos de perce"er o essencial, isto %, que as ciênciaspassaram a fazer parte das for&as econ/micas produtivas da sociedade e trouerammudan&as sociais de )rande porte na divisão social do tra"al#o, na produ&ão e nadistri"ui&ão dos o"etos, na forma de consumilos. 5ão perce"emos que aspesquisas cient$ficas são financiadas por empresas e )overnos, demandando)randes somas de recursos que retornam, )ra&as aos resultados o"tidos, na formade lucro e poder para os a)entes financiadores.

Por não perce"ermos o poderio econ/mico das ciências, lutamos para ter acesso,para possuir e consumir os o"etos tecnol')icos, mas não lutamos pelo direito deacesso tanto aos con#ecimentos como s pesquisas cient$ficas, nem lutamos pelodireito de decidir seu modo de inser&ão na vida econ/mica e pol$tica de umasociedade.

Eis porque, entre outros efeitos de nossa confusão entre ciência e tecnolo)ia,aceitamos, no Jrasil, pol$ticas educacionais que profissionalizam os ovens nose)undo )rau 1 portanto, antes que ten#am podido ter acesso s ciênciaspropriamente ditas 1 e que destinam poucos recursos p3"licos s +reas de pesquisanas universidades 1 portanto, mantendo os cientistas na mera condi&ão de

reprodutores de ciências produzidas em outros pa$ses e sociedades.

O pro&lema do uso das ciências

(l%m do pro"lema anterior, isto %, de teorias cient$ficas serem formuladas a partirde certas decis-es e escol#as do cientista ou do la"orat'rio onde tra"al#am oscientistas, com conseq4ências s%rias para os seres #umanos, um outro pro"lematam"%m % trazido pelas ciências! o de seu uso.

6imos que uma teoria cient$fica pode nascer para dar resposta a um pro"lemapr+tico ou t%cnico. 6imos tam"%m que a investi)a&ão cient$fica pode ir avan&andopara desco"ertas de fen/menos e rela&-es que + não possuem rela&ão direta comos pro"lemas pr+ticos iniciais e, como conseq4ência, % freq4ente uma teoria estar

muito mais avan&ada do que as t%cnicas e tecnolo)ias que poderão aplic+la.Huitas vezes, ali+s, o cientista sequer ima)ina que a teoria ter+ aplica&ão pr+tica.

: eatamente isso que torna o uso da ciência al)o delicado, que, em )eral, escapadas mãos dos pr'prios pesquisadores. : assim, por eemplo, que a microf$sica ouf$sica qu*ntica desem"oca na fa"rica&ão das armas nucleares a "ioqu$mica e a)en%tica, na de armas "acteriol')icas. =eorias so"re a luz e o som permitem aconstru&ão de sat%lites artificiais, que, se são conect+veis instantaneamente emtodo o )lo"o terrestre para a comunica&ão e informa&ão, tam"%m são respons+veispor espiona)em militar e por )uerras com armas tele)uiadas.

9ma das caracter$sticas mais novas da ciência est+ em que as pesquisas cient$ficaspassaram a fazer parte das for&as produtivas da sociedade, isto %, da economia. (automa&ão, a informatiza&ão, a telecomunica&ão determinam formas de poderecon/mico, modos de or)anizar o tra"al#o industrial e os servi&os, criam profiss-ese ocupa&-es novas, destroem profiss-es e ocupa&-es anti)as, introduzem a

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velocidade na produ&ão de mercadorias e em sua distri"ui&ão e consumo,modificando padr-es industriais, comerciais e estilos de vida. ( ciência tornouseparte inte)rante e indispens+vel da atividade econ/mica. =ornouse a)enteecon/mico e pol$tico.

(l%m de fazer parte essencial da atividade econ/mica, a ciência tam"%m passou a

fazer parte do poder pol$tico. 5ão % por acaso, por eemplo, que )overnos criemminist%rios e secretarias de ciência e tecnolo)ia e que destinem ver"as parafinanciar pesquisas civis e militares. Do mesmo modo que as )randes empresasfinanciam pesquisas e at% criam centros e la"orat'rios de investi)a&ão cient$fica,assim tam"%m os )overnos determinam quais as ciências que irão serdesenvolvidas e, nelas, quais as pesquisas que serão financiadas.

Essa nova posi&ão das ciências na sociedade contempor*nea, al%m de indicar que %m$nimo ou quase ineistente o )rau de neutralidade e de li"erdade dos cientistas,indica tam"%m que o uso das ciências define os recursos financeiros que nelasserão investidos.

( sociedade, por%m, não luta pelo direito de interferir nas decis-es de empresas e)overnos quando estes decidem financiar um tipo de pesquisa em vez de outra.Dessa maneira, o campo cient$fico tornase cada vez mais distante da sociedadesem que esta encontre meios para orientar o uso das ciências, pois este % definidoantes do in$cio das pr'prias pesquisas e fora do controle que a sociedade poderiaeercer so"re ele.

9m eemplo de luta social para intervir nas decis-es so"re as pesquisas e seususos encontrase nos movimentos ecol')icos e em muitos movimentos sociaisli)ados a reivindica&-es de direitos. De um modo )eral, por%m, a ideolo)iacientificista tende a ser muito mais forte do que eles e a limitar os resultados quedeseariam o"ter.