Marxismo e Direito

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MARXISMO & DIREITO: O FENÔMENO JURÍDICO N’A QUESTÃO JUDAICA MARXISM & LAW: THE LAW IN "THE ISSUE JEWISH" Éder Ferreira Maysa Rodrigues Cunha RESUMO O presente projeto de pesquisa situa-se no campo dos fundamentos do direito, pois pretende localizar n’A Questão Judaica, de Karl Marx, uma teorização do fenômeno jurídico. Trata-se de pesquisa exploratória, quanto aos objetivos, e de pesquisa bibliográfica, quanto às fontes e aos procedimentos de coleta de dados. Como fonte de pesquisa será utilizada, pois, A Questão Judaica produzida pelo jovem Marx, em 1843. A análise da fonte consistirá em revisão teórica centrada na categoria “direito”. Espera- se, com a realização da pesquisa, a produção de conhecimento novo quanto à teoria sociológica do direito que servirá de embasamento para futuras pesquisas, sobretudo na sub-área da Sociologia Jurídica. PALAVRAS-CHAVES: DIREITO, EMANCIPAÇÃO POLÍTICA, EMANCIPAÇÃO HUMANA, ESTADO, MARXISMO. ABSTRACT This research project is situated in the grounds of the law, because you want to find n'a Jewish Question, in Karl Marx, a legal theory of the phenomenon. It is exploratory research, about the goals, and bibliographic research on the sources and procedures for data collection. As a source of research will be used, therefore, the question produced by the Jewish young Marx in 1843. The analysis of the source is focused on theoretical review of "right." It is hoped the completion of the research, production of new knowledge about the sociological theory of law that serves as a basement for future research, especially in sub-field of legal sociology. KEYWORDS: LAW, POLITICAL EMANCIPATION, HUMAN EMANCIPATION, STATE, MARXISM. 1 INTRODUÇÃO 5431

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O presente projeto de pesquisa situa-se no campo dos fundamentos do direito, pois pretende localizar n’A Questão Judaica, de Karl Marx, uma teorização do fenômeno jurídico. Trata-se de pesquisa exploratória, quanto aos objetivos, e de pesquisa bibliográfica, quanto às fontes e aos procedimentos de coleta de dados. Como fonte de pesquisa será utilizada, pois, A Questão Judaica produzida pelo jovem Marx, em 1843. A análise da fonte consistirá em revisão teórica centrada na categoria “direito”. Esperase, com a realização da pesquisa, a produção de conhecimento novo quanto à teoria sociológica do direito que servirá de embasamento para futuras pesquisas, sobretudo na sub-área da Sociologia Jurídica.

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MARXISMO & DIREITO: O FENÔMENO JURÍDICO N’A QUESTÃO JUDAICA

MARXISM & LAW: THE LAW IN "THE ISSUE JEWISH"

Éder Ferreira Maysa Rodrigues Cunha

RESUMO

O presente projeto de pesquisa situa-se no campo dos fundamentos do direito, pois pretende localizar n’A Questão Judaica, de Karl Marx, uma teorização do fenômeno jurídico. Trata-se de pesquisa exploratória, quanto aos objetivos, e de pesquisa bibliográfica, quanto às fontes e aos procedimentos de coleta de dados. Como fonte de pesquisa será utilizada, pois, A Questão Judaica produzida pelo jovem Marx, em 1843. A análise da fonte consistirá em revisão teórica centrada na categoria “direito”. Espera-se, com a realização da pesquisa, a produção de conhecimento novo quanto à teoria sociológica do direito que servirá de embasamento para futuras pesquisas, sobretudo na sub-área da Sociologia Jurídica.

PALAVRAS-CHAVES: DIREITO, EMANCIPAÇÃO POLÍTICA, EMANCIPAÇÃO HUMANA, ESTADO, MARXISMO.

ABSTRACT

This research project is situated in the grounds of the law, because you want to find n'a Jewish Question, in Karl Marx, a legal theory of the phenomenon. It is exploratory research, about the goals, and bibliographic research on the sources and procedures for data collection. As a source of research will be used, therefore, the question produced by the Jewish young Marx in 1843. The analysis of the source is focused on theoretical review of "right." It is hoped the completion of the research, production of new knowledge about the sociological theory of law that serves as a basement for future research, especially in sub-field of legal sociology.

KEYWORDS: LAW, POLITICAL EMANCIPATION, HUMAN EMANCIPATION, STATE, MARXISM.

1 INTRODUÇÃO

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Remontemos à frase de Ulpiano: “Ubi homo ibi societas; ubi societas, ibi jus”. É indubitável que onde está o homem, está a sociedade; onde está a sociedade, está o direito. Sendo o homem um produto da história e de sua sociabilidade podemos também considerar o direito um fenômeno e uma expressão social. O conceito de direito não é unívoco e, em sua complexidade, é envolto por várias acepções das diversas ciências.

Segundo L. Vilanova:

para o direito há uma experiência histórica, antropológica, sociológica, psicológica e axiológica. Tais experiências, ainda que diferentes entre si, são complementares (...) A incidência maior num ângulo desta ou daquela experiência leva a cortes meramente metodológicos, a objetos formais diferentes: ao direito como fato histórico, como fato sociológico, etc. (apud DINIZ, 2008, p.4)

As oposições entre as concepções dos pensadores quanto ao conceito de direito e seu respectivo papel na organização da sociedade, corroboram sua complexidade. No entanto, tentar compreender tal fenômeno é de extrema relevância, visto que é produto de relações e transformações humanas ao longo da história.

Nos dedicaremos, então a analisar a concepção do fenômeno jurídico consoante um dos maiores pensadores de todos os tempos, herdeiro da filosofia alemã, Karl Marx, embora não tenha escrito nada de sistemático e extenso sobre o direito em si.

Diante os vastos estudos do filósofo marcado pela “determinação e um rigor extremamente raros na história do pensamento humano” (LUKÁCS, 2007, p. 121), almejamos identificar e analisar a categoria “direito” notadamente n’A Questão Judaica.

Ensaio produzido por Marx em 1843, A Questão Judaica é uma crítica aos estudos e ao idealismo de Bruno Bauer no debate sobre a emancipação política e humana dos judeus da Alemanha, pelo qual Marx faz sua análise relacionando-as com a religião e o Estado, dando à discussão um aspecto social. Marx, ainda interpreta os “direitos humanos” e os “direitos políticos” correlacionados com a questão da emancipação. Destarte, podemos perceber uma justaposição entre a concepção marxista e o fenômeno jurídico, visto que Marx apresenta em sua obra a dissonância entre as realidades humana e social e o direito proclamado pelo Estado. Vislumbramos o quanto tal análise é relevante ao nos possibilitar estudos proveitosos que certamente contribuirão para a formulação e entendimento das estruturas sociais atuais.

A pesquisa aqui apresentada é exploratória, quanto aos objetivos, e bibliográfica, quanto às fontes e aos procedimentos de coleta de dados.

2 O JOVEM MARX

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Karl Heinrich Marx, nasceu na data de 05 de maio de 1818 em Tréveris. Já em sua juventude, Marx se dedicava incansavelmente às suas pesquisas e desenvolveu-se intelectualmente de forma que suas características levaram-no a uma maturidade precoce, tornando-se um grande gênio.

Nos dizeres de Gyorgy Lukács:

(...) desde o início já manifestou-se com força o impulso de Marx no sentido da apropriação e da reelaboração dos mais importantes resultados científicos da época, bem como a inigualável atitude crítica com a qual, em cada oportunidade, ele se empenhou na reconstrução das idéias preexistentes. Nesta atividade Marx se distinguiu por uma determinação e um rigor extremamente raros na história do pensamento humano (...) (ibid., p.121)

Marx iniciou seus estudos em 1830 no Liceu Friedrich Wilhelm, em Tréveris. Mais tarde ingressou na Universidade de Boon onde era estudante de Direito, logo se transferiu para a Universidade de Berlin, cujo professor e reitor – Hegel, com sua dialética – exerceu grande influência sobre Marx. Este perdeu o interesse pelo direito e voltou-se para a Filosofia, tendo participado ativamente do movimento dos Jovens Hegelianos - dentre os quais estavam Engels, David Strauss, Bruno e Edgar Bauer, e Moses Hess.

Concluiu sua tese de doutorado intitulada “Diferenças da filosofia da natureza em Demócrito e Epicuro”, em 1841.

Em outubro de 1842, começou a trabalhar na Rheinische Zeitung (Gazeta Renana) como redator e multiplicou seus estudos filosóficos e trabalhos jornalísticos. Mais tarde, veio a assumir a direção da mesma. Em seus escritos, ele abordou os problemas – lutas de classe em que o proletariado começava a se apropriar da ideologia socialista – como um democrata radical, jacobino, o que aborreceu as autoridades do governo e os ricos burgueses acionistas, acarretando sua demissão e o fechamento da Gazeta. “Marx interpretou os trabalhos publicados na Gazeta Renana como seu primeiro passo no sentido do socialismo.” (ibid., p. 141).

Considerado pelo jovem hegeliano Kopper um “reservatório de idéias”, Marx era superior aos outros jovens hegelianos radicais por suas riqueza conceitual e profundidade e por ir além deles na questão decisiva para o desenvolvimento ideológico da Alemanha da época, ou seja, na crítica da filosofia de Hegel. Portanto, Marx era superior aos jovens hegelianos tanto politicamente, pelo seu democratismo radical, quanto filosoficamente, pela profundidade no desenvolvimento crítico da filosofia hegeliana.

Dessa maneira, começa haver divergências entre Marx e os outros jovens hegelianos vez que estes colocam-se diante dos princípios fundamentais da filosofia hegeliana de maneira totalmente acrítica, enquanto Marx agia de modo contrário, embora não tenha descartado a dialética de Hegel.

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Tais críticas a Hegel avultaram-se quando Marx conheceu Feuerbach e sua respectiva idéia do materialismo. Assim, em sua formação, Marx passou pelo processo de superação do hegelianismo e do próprio Feuerbach, por meio de sua crítica e a reformulação da dialética idealista de Hegel e de sua inversão de um ponto de vista materialista, fundando o materialismo dialético. As outras duas fontes do marxismo – o socialismo utópico francês e a economia política inglesa – cuja importância foi evidenciada por Lenin, vieram à tona somente num momento posterior de Marx.

Marx só realizou a passagem para a definitiva concepção científica do socialismo proletário no decorrer de 1844. Em sua fase de transição para esta etapa escreveu os Anais franco-alemães, frutos de sua crítica materialista da dialética hegeliana e de sua inversão materialista da relação entre sociedade civil-burguesa e Estado, além da compreensão da contraditoriedade interna do Estado. Aqui surge A Questão Judaica em que Marx se vale de seu decisivo ponto de vista social e científico:

E a religião é de fato a autoconsciência e o sentimento de si do homem que não se encontrou ainda ou voltou a se perder. Mas o homem não é um ser abstrato, acocorado fora do mundo. O homem é o mundo do homem, o Estado, a sociedade. Este Estado e esta sociedade produzem a religião, uma consciência invertida do mundo, porque eles são um mundo invertido. (apud LUKÁCS, op. cit., p. 172)

As maiores influências sobre Marx foram, indubitavelmente, de Hegel e Feuerbach, mas também tiveram outros pensadores que o influíram como Epicuro e Demócrito que foram citados em sua tese de doutorado. Destarte não podemos olvidar a grande contribuição de Engels nos textos de Marx, claro que com a superioridade deste.

Dentre os importantes estudos de Marx podemos citar: O manifesto Comunista, O Capital, O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, Sobre a Questão Judaica, A Ideologia Alemã, Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844 e Teses sobre Feuerbach.

Marx veio a falecer em 1883.

Reportemo-nos às palavras de Engels, colaborador e amigo de Marx:

Marx era, antes de tudo, um revolucionário. Sua verdadeira missão na vida era contribuir, de um modo ou de outro, para a derrubada da sociedade capitalista e das instituições estatais por esta suscitadas, contribuir para a libertação do proletariado moderno, que ele foi o primeiro a tornar consciente de sua posição e de suas necessidades, consciente das condições de sua emancipação. A luta era seu elemento. E ele lutou com uma tenacidade e um sucesso com quem poucos puderam rivalizar. (...) (http://www.marxists.org/archive/marx/works/1883/death/dersoz1.htm - acesso em 20/01/09)

Expomos acima uma breve nota sobre a vida daquele que contribuiu de forma imensurável para o nosso desenvolvimento histórico e que ainda instiga muitos estudos, como este que ora fazemos.

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3 A QUESTÃO JUDAICA

A questão judaica é uma crítica de Marx aos estudos de Bruno Bauer quanto à luta dos judeus alemães que almejavam a emancipação civil e política no período pós-Revolução Francesa.

Segundo Bauer, a emancipação política dos judeus seria possível somente se eles renunciassem à sua consciência religiosa – emancipação do Estado cristão – pois, a emancipação política requer um estado secular.

O Estado cristão não pode, sem abrir mão de sua essência, emancipar os judeus, assim como – acrescenta Bauer – o judeu não pode, sem abrir mão de sua essência, ser emancipado. Enquanto o Estado permanecer cristão e o judeu, judeu, ambos serão igualmente incapazes: um de outorgar a emancipação, o outro, de recebê-la (MARX, 2002, p.14)

Assim, Bauer estabelece que, para ser emancipado como cidadão, o judeu precisa abandonar o judaísmo – religião considerada por ele como restrita e egoísta, assim como os outros homens devem abandonar sua religião, somente assim poderão obter os “direitos gerais do homem”. O Estado também deveria renunciar à sua religião, nos dizeres de Bauer: “O Estado que pressupõe a religião não é um verdadeiro Estado, um Estado real.” (apud MARX, op. cit., p.17).

Em contraponto, Marx questiona a análise “teológica” de Bauer quanto à relação judaísmo x cristianismo, pois dirige sua crítica ao Estado cristão e não ao Estado geral. Marx argumenta que o Estado secular não está em oposição à religião, ou seja, não é necessária aos judeus ou aos outros cristãos a preterição da religião para que alcancem a emancipação política em um Estado.

Marx critica o fato de Bauer não ter transformado a questão judaica numa ampla crítica social e, por sua vez, transforma o problema das relações da emancipação política com a religião no problema das relações da emancipação política com a emancipação humana.

Não se trata de investigar, apenas, quem há de emancipar e quem deve ser emancipado. A crítica tem que indagar-se, além disso, outra coisa: de que espécie de emancipação se trata; quais as condições implícitas da emancipação que se postula. (MARX, op. cit., p.17)

Para Marx, a emancipação política da religião possui a mesma natureza da emancipação política da propriedade privada, ambas reguladas pelo Estado, premissas sobre as quais ele se faz valer como Estado político. Além disso, defende ser possível que o Estado se emancipe da religião e a grande maioria dos homens que o formam continue religiosa,

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sendo a religiosidade um fator puramente privado, uma vez que o homem se emancipa politicamente da religião quando esta já não é de direito público e sim de direito privado – idéia de Estado livre e direitos liberais.

Ainda, segundo Karl Marx, a ascensão política do homem acima da religião ou a anulação da propriedade privada não significa a destruição das mesmas e, sim, as pressupõe de modo a analisar o cidadão desconexo delas.

Marx vê a emancipação política como necessária para a emancipação humana, mas não a realização desta.

Não há, dúvida de que a emancipação política representa um grande progresso. Embora não seja a última etapa da emancipação humana em geral, ela se caracteriza como a derradeira etapa da emancipação humana dentro do mundo atual. (ibid., p. 24 - 25)

Além de não atribuir à emancipação política a emancipação humana, Marx vai além da concepção de direitos liberais, analisando também os direitos humanos. Aqui, a questão judaica se insere no problema da emancipação geral da humanidade.

Destarte, analisemos, ainda que superficialmente, a crítica de Marx aos direitos do homem e do cidadão, n’A questão judaica.

Segundo Bauer, o homem tem que sacrificar o “privilégio da fé” se quiser obter os direitos gerais de homem. Detenhamo-nos, um momento, a examinar os chamados direitos humanos em sua forma autêntica, sob a forma que lhes deram seus descobridores norte-americanos e franceses. (ibid., p.32)

Segundo Marx, os direitos do cidadão são os direitos políticos, podendo ser exercidos somente em comunidade, mais precisamente no Estado. Já os direitos humanos se diferem dos direitos do cidadão pelo fato de serem os direitos dos membros da sociedade civil – os homens burgueses, egoístas.

Dentre os direitos humanos, de acordo com Marx, estão a liberdade de consciência e a prática de qualquer culto. Portanto, a liberdade religiosa é um direito humano geral.

A religião, longe de se constituir incompatível com o conceito dos direitos humanos, inclui-se expressamente entre eles. Os direitos humanos proclamam o direito de ser religioso, sê-lo como achar melhor e de praticar o culto que julgar conveniente. O privilegio da fé é um direito humano geral (ibid., p.34)

Marx analisa os direitos humanos: liberdade – o qual considerava ser o direito à propriedade privada, fundamento da sociedade burguesa; igualdade – igualdade da propriedade privada garantida pelo direito anterior e segurança – o policiamento pelo qual a sociedade garante a conservação de sua pessoa, seus direitos e sua propriedade.

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A emancipação política para Marx, seria “a emancipação do Estado em face da religião”. Este Estado prega a igualdade política de todos os cidadãos, porém, a emancipação política coincide com a emancipação da propriedade privada. Marx, então, declara que tal determinação do Estado não passa de formalismos, sendo sua finalidade real garantir o interesse comum da burguesia, detentora das propriedades, o que o torna uma “comunidade política ilusória”. Aqui, consagra-se o materialismo da sociedade civil. Nas palavras de Marx:

Contudo, a consagração do idealismo do estado era, simultaneamente, a consagração do materialismo da sociedade civil. Ao sacudir-se o jugo político, romperam-se ao mesmo tempo, as cadeias que aprisionavam o espírito egoísta da sociedade civil. Daí, a emancipação política ter sido a emancipação da sociedade civil em relação à política, sua emancipação até mesmo da aparência de um conteúdo geral. (...) Este homem, membro da sociedade burguesa, é agora a base, a premissa do Estado político. (ibid., p.41-42)

Marx propõe uma alternativa para a questão judaica:

Por isto, não dizemos aos judeus, como Bauer; não podeis emancipar-vos politicamente se não vos emancipais radicalmente do judaísmo. A contrário, dizemos; podeis emancipar-vos politicamente sem vos desvincular radical e absolutamente do judaísmo porque a emancipação política não implica em emancipação humana. (ibid., p.31)

A emancipação humana, consoante Marx, se processa quando o homem reconhece e organiza suas próprias forças, não separando de si a força social sob a forma de força política.

Para tanto, será necessária a desalienação do homem, suprimindo as condições nas quais vive com seu egoísmo e em função de transformar seu trabalho em mercadoria, pois, segundo o pensador, “A alienação e não o homem rege, certamente, o chamado Estado cristão”. Em suas palavras:

Somente quando o homem individual real recupera em si o cidadão abstrato e se converte, como homem individual, em ser genérico, em seu trabalho individual e em suas relações individuais, somente quando o homem tenha reconhecido e organizado suas “forces propes” como forças sociais e quando, portanto já não separa de si a força social sob a forma de força política, somente então se processa a emancipação humana. (ibid., p.29).

Vê-se, portanto, que a crítica do filósofo de Tréveris é imbuída de aspirações no sentido de transformar o homem em um ser capaz de se libertar e realizar suas potencialidades, sendo a emancipação a auto-realização do homem.

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4 O CONCEITO DE DIREITO N’A QUESTÃO JUDAICA

Analisaremos, aqui, A Questão Judaica sob a ótica jurídica, embora, como já citado em outro momento, Marx não tenha tratado do direito especificamente. Vê-se que na perspectiva marxista o direito obteve seu crédito principalmente na ordem política. A própria dimensão estrutural social adotada por Marx ante a tentativa de emancipação dos judeus na Alemanha implica na análise do direito na obra em questão.

Percebemos o direito n’A Questão Judaica na interpretação que Marx faz dos direitos humanos, mostrando o direito como parte da superestrutura ideológica, uma forma de alienação e também quanto ao direito idealista sancionado pelo Estado.

Nas palavras do próprio Marx em outro de seus textos O Estado e a Lei:

Se a fôrça é tomada como base da lei, como em Hobbes, o Direito e os atos legislativos são apenas um sintoma ou expressão de outras condições, sôbre as quais repousa o poder do Estado. (MARX, 1964, p. 216)

N’A Questão Judaica, Marx critica os formalismos do direito burguês, que enquanto parte da superestrutura é resultante das forças produtivas e das relações de produção – base econômica – pautadas nos interesses da classe dominante. Assim, ele estabelece a contradição entre os direitos da burguesia – sociedade civil – e os direitos do cidadão abstrato – Estado político.

Marx considera os direitos humanos uma forma negativa de alienação, repletos de formalismos e individualismos. Destarte, propõe um direito social que possa contribuir para além da emancipação política, tornando-se precursor da verdadeira emancipação humana.

Remontemos a José Afonso da Silva:

Por isso, acrescentamos que “a verdade, a que se chega através da lei, é apenas formal, como na sentença judicial, pois que a lei jurídica nem sempre corresponde ao direito sócio-cultural, nem sempre interpreta a realidade social segundo um princípio de justiça. Várias vezes, o direito legislado representa tão-só um compromisso entre os interesses de choque”. (SILVA, 2008, p.131)

Marx pensava, até mesmo pela sua universalidade, que “os direitos e deveres legais não estariam vinculados a classes ou a status, mas eles pertenceriam ao “cidadão”, ou seja, todos os indivíduos seriam considerados iguais”. (LOCHE, 1999, p. 58).

Ao negar a tese de Bauer de que os judeus teriam de abrir mão de seu judaísmo para obter a igualdade civil, Marx defendeu que a religião era uma questão privada, e o que Estado não tinha o direito de intervir senão nas questões relacionadas com o indivíduo

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como cidadão. Notamos aqui a divisão que Marx faz entre direito público e privado, sendo somente o exercício daquele, função do Estado, este por sua vez seria laico – “O homem se emancipa politicamente da religião ao bani-la do direito público para o privado. A religião já não é espírito do Estado (...)”.

Segundo Marx, os direitos humanos são resultantes de lutas e conquistas ao longo da história. Vemos então, a noção de cidadania em Marx, pela qual o cidadão torna-se um ser genérico, reconhecedor de sua força social, alcançando assim, a emancipação humana.

N’A Questão Judaica percebemos, já apresentada por Marx, a necessidade da solidariedade entre homens para a realização de sua emancipação humana. Hoje, percebe-se que tal solidariedade, a coletividade, é fundamental para a conquista de direitos e o exercício da cidadania e de um Estado democrático.

Nas palavras de Coutinho:

Um dos conceitos que melhor expressa essa reabsorção dos bens sociais pelo conjunto dos cidadãos -- que melhor expressa, portanto, a democracia -- é precisamente o conceito de cidadania. Cidadania é a capacidade conquistada por alguns indivíduos, ou (no caso de uma democracia efetiva) por todos os indivíduos, de se apropriarem dos bens socialmente criados, de atualizarem todas as potencialidades de realização humana abertas pela vida social em cada contexto historicamente determinado. Sublinho a expressão historicamente porque me parece fundamental ressaltar o fato de que soberania popular, democracia e cidadania (três expressões para, em última instância, dizer a mesma coisa) devem sempre ser pensadas como processos eminentemente históricos, como conceitos e realidades aos quais a história atribui permanentemente novas e mais ricas determinações. A cidadania não é dada aos indivíduos de uma vez para sempre, não é algo que vem de cima para baixo, mas é resultado de uma luta permanente, travada quase sempre a partir de baixo, das classes subalternas, implicando um processo histórico de longa duração. (COUTINHO, 2005, p.2)

Pensar a perspectiva de Marx quanto à emancipação política e a emancipação humana é extremamente relevante para compreender o processo de reflexão de questões atuais como o reconhecimento e a proteção aos direitos humanos, hoje discutida mundialmente.

Vale lembrar a contribuição de Marx, direta ou indiretamente, para os estudos da sociologia frente à observação de políticas que possibilitem uma organização social estruturada, indo além das fronteiras religiosas, focando a própria emancipação, cidadania, direitos humanos e o desenvolvimento das classes, dentro de uma nova configuração dos Estados.

Em suma podemos considerar que a concepção da emancipação humana de Marx nos remete à cidadania e à democracia em que todos exercem seus direitos civis e políticos e têm assegurada sua dignidade humana.

Consoante José Afonso da Silva:

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Democracia é conceito histórico. Não sendo por si um valor-fim, mas meio e instrumento de realização de valores essenciais de convivência humana, que se traduzem basicamente nos direitos fundamentais do homem, compreende-se que a historicidade destes a envolva na mesma medida, enriquecendo-lhe o conteúdo a cada etapa do envolver social, mantido sempre o princípio básico de que ela revela um regime político em que o poder repousa na vontade do povo. Sob esse aspecto, a democracia não é um mero conceito político abstrato e estático, mas é um processo de afirmação do povo e de garantia dos direitos fundamentais que o povo vai conquistando no correr da história. (SILVA, op. cit., p. 125-6)

Logo, percebemos que Marx, em suas aspirações lutava pelo nosso atual “governo do povo, pelo povo e para o povo”- conceito que devemos ao liberal Lincoln - em que todo homem se reconheça como tal, lute pelos seus direitos e conquiste o pleno exercício deles.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Localizar n’A Questão Judaica, de Karl Marx, uma teorização do fenômeno jurídico é experimentar sua incrível capacidade crítica, mesmo que seja considerada por muitos utópica, que nos revela o desejo do menino de Tréveris de que o homem, não continue subordinado à alienação, se liberte e realize suas potencialidades.

Ao escrever tal obra Marx quis demonstrar que Bauer incorreu em erros, pois é direito do homem praticar o culto que mais lhe convir, tal escolha é particular, a religião é questão privada em detrimento da comunidade política, do Estado. Conceber o direito em Marx é tratá-lo no âmbito social. Assim, Marx estuda a questão judaica além dos limites da particularidade, não tratou somente da emancipação dos judeus, mas de toda a humanidade.

O socialismo seria a realização da emancipação; para Marx, não há o efetivo exercício dos direitos enquanto a sociedade civil, em seu egoísmo, e o Estado se impõe sobre a classe dominada, retirando dos que a formam o direito de participar da vida política, de exercer sua cidadania.

José Afonso da Silva cita as palavras de Burdeau quanto à democracia:

Politicamente, o objetivo da democracia é a liberação do indivíduo das coações autoritárias, a sua participação no estabelecimento da regra, que, em todos os domínios, estará obrigado a observar. Econômica e socialmente, o beneficio da democracia se traduz na existência, no seio da coletividade, de condições de vida que assegurem a cada um a segurança e a comodidade adquirida para a sua felicidade. Uma sociedade democrática é, pois, aquela em que se excluem as desigualdades devidas aos azares da vida econômica, em que a fortuna não é uma fonte de poder, em que os trabalhadores estejam ao abrigo da opressão que poderia facilitar sua necessidade de buscar um

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emprego, em que cada um, enfim, possa fazer valer um direito de obter da sociedade uma proteção contra os riscos da vida. A democracia social tende, assim, a estabelecer entre os indivíduos uma igualdade de fato que sua liberdade teórica é impotente para assegurar. (ibid., p.134)

Por isso, o fenômeno jurídico em Marx, por ser concebido como fruto da organização social, das reações e transformações sociais históricas, permite pensar em sua reconstrução, reorganização e aperfeiçoamento.

6 REFERÊNCIAS

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COUTINHO, Carlos Nelson. Notas sobre cidadania e modernidade. In Revista Ágora: Políticas Públicas e Serviço Social, Ano 2, nº 3, dezembro de 2005 – ISSN – 1807-698X. Disponível em: http://www.assistentesocial.com.br

FERREIRA, Éder; ARANTES, Mariana Furtado; QUERINO, Rosimar Alves. Materialismo histórico-dialético I: Produção e reprodução social – uma leitura do trabalho como categoria ontológica. In: ABRÃO, Maria Bárbara Soares e. Serviço Social: Etapa 01. v.3. Uberaba: UNIUBE, 2008, p. 11-29.

FERREIRA, Éder; ARANTES, Mariana Furtado; QUERINO, Rosimar Alves. Materialismo histórico-dialético II: Luta de classes e revolução social - contribuições marxianas para a crítica e a superação da sociedade capitalista. In: ABRÃO, Maria Bárbara Soares e. Serviço Social: Etapa 02. v.2. Uberaba: UNIUBE, 2008, p. 18-33.

LOCHE, Adriana A., et al. Sociologia Jurídica: estudos de sociologia, direito e sociedade. Porto Alegre: Síntese, 1999.

LUKÁCS, György. O jovem Marx, sua evolução filosófica de 1840 a 1844. In: ______. O jovem Marx e outros escritos de filosofia. Rio de Janeiro: EDUFRJ, 2007, p.89-120.

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SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30.ed. rev. e atualiz. até a Emenda Constitucional n. 56 de 20.12.2007. São Paulo: Malheiros, 2008.

www.marxists.org

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