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Rev. Bras. Med. Vet., 38(2):147-152, abr/jun 2016 147 Mastocitoma cutâneo canino, com progressão de baixo grau para alto grau -Relato de caso* Sabryna Gouveia Calazans 1+ , Carlos Eduardo Fonseca-Alves 2 , Paula Cava Rodrigues 3 e Georgia Modé Magalhães 4 ABSTRACT. Calazans S.G., Fonseca-Alves C.E., Rodrigues P.C. & Magalhães G.M. [Canine cutaneous mast cell tumor, with progression of low-grade to high-grade - Case report.] Mastocitoma cutâneo canino, com progressão de baixo grau para alto grau - Relato de caso. Revista Brasileira de Medicina Vete- rinária, 38(2):147-152, 2016. Curso de Medicina Veterinária, Universidade de Franca, Av. Dr. Armando Salles Oliveira, 201, Parque Universitário, Franca, SP 14404-600, Brasil. E-mail: [email protected] Mast cell tumor is a common canine cutaneous neoplasm with variable biolo- gical behavior. Many studies in the literature evaluate predictive and prognostic factors for this neoplasm. The tumoral progression is an important phenomenon for many neoplasms, and in the canine prostatic neoplasm and squamous cell carcinoma this progression is well defined, however, don’t have a classic describe in the cutaneous canine mast cell tumors. This study reports the diagnostic and treatment assessment of cutaneous mast cell tumor in a dog presenting tumor progression. A five years old Shar Pei dog, male, 20 kg, was admitted to the veteri- nary clinic presenting chronic alopecia and pruritus and cutaneous nodules in left pelvic limb. The tumor was surgically excised and histopathological and immuno- histochemistry examination diagnosed a low grade of mast cell tumor, membrane localization of c-KIT (KIT I) and ki-67 under 23 cells, in five high magnification fields. The tumor recurred five months after initial diagnostic presenting a nodule in the surgical region. After cytological examination, mast cell tumor was confir- med and, cytoreductive chemotherapy was started. The patient presented no res- ponse to treatment and new nodules arrised, so surgical resection was performed. Histopathological and immunohistochemistry examination was performed again demonstrating tumor progression as high grade mast cell tumor, citoplasmatic localization in c-KIT (KIT III) and ki-67 superior 23 cells. After surgical procedure, tyrosine kinase inhibitors therapy was started, but twenty days after the patient presented adverse effects and died. The mast cell tumors are common in Shar Pei dogs, by which histopathological and immunohistochemistry examinations should be considered as prognostic factors. Recurrent or metastatic mast cell tu- mors can show more aggressive patterns regarding primary tumors, wherefore clinical monitoring is very important during disease in these patients. KEY WORDS. Canine, c-kit, ki-67, mast cell tumor. * Recebido em 23 de julho de 2015. Aceito para publicação em 30 de dezembro de 2015. 1 Médica-veterinária, DSc. Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal, Universidade de Franca (UNIFRAN), Av. Dr. Armando Salles de Oliveira, 201, Pq. Universitário, Franca, SP 14404-600. + Autora para correspondência, E-mail: [email protected] 2 Médico-veterinário, MSc. Programa de Pós-Graduação em Medicina Veterinária, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, UNESP/ Botucatu. Distrito de Rubião Júnior Botucatu, SP 18618-970/Coordenador do Curso de Oncologia Veterinária, Instituto Bioethicus, Rua Vicente Giacobino, 45, Jardim Santa Monica, Botucatu, SP 18605-542. E-mail: [email protected] 3 Médica-veterinária. Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal, Universidade de Franca (UNIFRAN), Av. Dr. Armando Salles de Olivei- ra, 201, Pq. Universitário, Franca, SP 14404-600. E-mail: [email protected] 4 Médica-veterinária, DSc. Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, UNIFRAN. Av. Doutor Armando de Sales Oliveira Parque Universitário, Franca, SP 14404-600. E-mail: [email protected]

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Rev. Bras. Med. Vet., 38(2):147-152, abr/jun 2016 147

Mastocitoma cutâneo canino, com progressão de baixo grau para alto grau -Relato de caso*

Sabryna Gouveia Calazans1+, Carlos Eduardo Fonseca-Alves2, Paula Cava Rodrigues3 e Georgia Modé Magalhães4

ABSTRACT. Calazans S.G., Fonseca-Alves C.E., Rodrigues P.C. & Magalhães G.M. [Canine cutaneous mast cell tumor, with progression of low-grade to high-grade - Case report.] Mastocitoma cutâneo canino, com progressão de baixo grau para alto grau - Relato de caso. Revista Brasileira de Medicina Vete-rinária, 38(2):147-152, 2016. Curso de Medicina Veterinária, Universidade de Franca, Av. Dr. Armando Salles Oliveira, 201, Parque Universitário, Franca, SP 14404-600, Brasil. E-mail: [email protected]

Mast cell tumor is a common canine cutaneous neoplasm with variable biolo-gical behavior. Many studies in the literature evaluate predictive and prognostic factors for this neoplasm. The tumoral progression is an important phenomenon for many neoplasms, and in the canine prostatic neoplasm and squamous cell carcinoma this progression is well defined, however, don’t have a classic describe in the cutaneous canine mast cell tumors. This study reports the diagnostic and treatment assessment of cutaneous mast cell tumor in a dog presenting tumor progression. A five years old Shar Pei dog, male, 20 kg, was admitted to the veteri-nary clinic presenting chronic alopecia and pruritus and cutaneous nodules in left pelvic limb. The tumor was surgically excised and histopathological and immuno-histochemistry examination diagnosed a low grade of mast cell tumor, membrane localization of c-KIT (KIT I) and ki-67 under 23 cells, in five high magnification fields. The tumor recurred five months after initial diagnostic presenting a nodule in the surgical region. After cytological examination, mast cell tumor was confir-med and, cytoreductive chemotherapy was started. The patient presented no res-ponse to treatment and new nodules arrised, so surgical resection was performed. Histopathological and immunohistochemistry examination was performed again demonstrating tumor progression as high grade mast cell tumor, citoplasmatic localization in c-KIT (KIT III) and ki-67 superior 23 cells. After surgical procedure, tyrosine kinase inhibitors therapy was started, but twenty days after the patient presented adverse effects and died. The mast cell tumors are common in Shar Pei dogs, by which histopathological and immunohistochemistry examinations should be considered as prognostic factors. Recurrent or metastatic mast cell tu-mors can show more aggressive patterns regarding primary tumors, wherefore clinical monitoring is very important during disease in these patients.KEY WORDS. Canine, c-kit, ki-67, mast cell tumor.

* Recebido em 23 de julho de 2015.Aceito para publicação em 30 de dezembro de 2015.

1 Médica-veterinária, DSc. Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal, Universidade de Franca (UNIFRAN), Av. Dr. Armando Salles de Oliveira, 201, Pq. Universitário, Franca, SP 14404-600. +Autora para correspondência, E-mail: [email protected]

2 Médico-veterinário, MSc. Programa de Pós-Graduação em Medicina Veterinária, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, UNESP/Botucatu. Distrito de Rubião Júnior Botucatu, SP 18618-970/Coordenador do Curso de Oncologia Veterinária, Instituto Bioethicus, Rua Vicente Giacobino, 45, Jardim Santa Monica, Botucatu, SP 18605-542. E-mail: [email protected]

3 Médica-veterinária. Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal, Universidade de Franca (UNIFRAN), Av. Dr. Armando Salles de Olivei-ra, 201, Pq. Universitário, Franca, SP 14404-600. E-mail: [email protected]

4 Médica-veterinária, DSc. Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, UNIFRAN. Av. Doutor Armando de Sales Oliveira Parque Universitário, Franca, SP 14404-600. E-mail: [email protected]

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Sabryna Gouveia Calazans et al.

RESUMO. O mastocitoma é a neoplasia cutânea mais comum em cães e apresenta comportamento biológico variável. Muitos trabalhos na literatura buscam definir marcadores prognósticos e predi-tivos para esta neoplasia, no entanto, apesar dos avanços obtidos nos últimos anos é difícil predizer recidivas e metástases deste tumor. A progressão tumoral também é um aspecto importante para as diversas neoplasias, e em neoplasias prostáticas caninas e no carcinoma de células escamosas essa progressão é bem definida, no entanto, em relação ao mastocitoma cutâneo canino não há uma des-crição clássica dessa progressão. Devido à impor-tância dessa neoplasia em cães, o presente trabalho descreve a conduta diagnóstica e abordagem tera-pêutica de um caso de mastocitoma cutâneo cani-no com progressão do grau histológico. Um cão da raça Shar-pei, cinco anos de idade, não castrado, pesando 20 kg, foi encaminhado para atendimento, com histórico de alopecia e prurido crônico, apre-sentando nódulo localizado em membro pélvico esquerdo. O nódulo foi retirado cirurgicamente e o material foi encaminhado ao exame histopatoló-gico e imunoistoquímico revelando mastocitoma de baixo grau, marcação membranosa de c-kit (KIT I) e proliferação celular (ki-67) menor que 23 célu-las, contadas em cinco campos de grande aumento. Cinco meses após diagnóstico inicial, o animal re-tornou apresentando nódulo aderido e localizado na ferida cirúrgica. Após diagnóstico de mastoci-toma através do exame citológico, iniciou-se qui-mioterapia objetivando citorredução, no entanto, notou-se crescimento tumoral. Como a tentativa de redução tumoral não foi satisfatória e surgiram no-vos nódulos, optou-se por realizar retirada cirúrgi-ca. Em nova avaliação histopatológica e imunois-toquímica, verificou-se progressão tumoral, com diagnóstico de mastocitoma de alto grau, marcação citoplasmática de c-kit (KIT III) e proliferação ce-lular (ki-67) maior que 23 células. Após o procedi-mento cirúrgico, houve recidiva tumoral e iniciou--se protocolo terapêutico com inibidor de tirosina quinase. Nos primeiros dias o paciente tolerou bem a medicação, mas sem resposta clínica e, 20 dias após início do tratamento, apresentou efeitos ad-versos evoluindo para óbito. Os mastocitomas são neoplasias comuns nos cães da raça Shar-Pei, pelos quais os exames histopatológicos e imunoistoquí-micos devem ser cautelosamente avaliados como fatores prognósticos. Mastocitomas recidivantes ou mestastáticos podem apresentar padrões mais agressivos em relação ao tumor primário, fazendo--se necessário o acompanhamento clínico durante a

evolução da doença nos pacientes acometidos por esta neoplasia.PALAVRAS-CHAVE. Canino, c-kit, ki-6, neoplasias cutâneas, progressão tumoral.

INTRODUÇÃOO mastocitoma é a neoplasia cutânea mais co-

mum em cães e frequentemente acomete animais da raça Shar-Pei. Essa predisposição pode estar relacionada com a mucinose cutânea, comum nos cães dessa raça (Lopez et al. 1999, Broden et al. 2010, Shoop et al. 2015). Independentemente da raça, mutações no domínio transmembrânico do receptor de tirosina quinase (c-kit) estão envolvidas na etiologia de grande parte dos mastocitomas ca-ninos (Webster et al. 2004).

A ressecção cirúrgica com margens de seguran-ça consiste na modalidade terapêutica mais efetiva, proporcionando possibilidade de cura em tumores de baixo grau de malignidade. Em alguns casos, a quimioterapia antineoplásica é indicada para citorredução ou como terapia adjuvante (Camps--Palau et al. 2007, London et al. 2013). A avaliação histopatológica é fundamental para definir o grau de malignidade do tumor, além de auxiliar no tra-tamento e determinar o prognóstico (Kiupel et al. 2011). Alguns aspectos que podem ser considera-dos como fatores prognósticos são: localização do tumor, presença de ulceração, grau histológico, padrões de expressão de c-kit e proliferação celular (Webster et al. 2004, Webster et al. 2007, Kiupel et al. 2011, London et al. 2013).

O processo de progressão tumoral é alvo de muitas pesquisas na atualidade, pois entendendo o processo da transformação maligna de uma célula, é possível desenvolver modalidades terapêuticas mais eficazes (Fonseca-Alves et al. 2013). Em pou-cos tumores esse processo foi bem estabelecido, dentre eles destaca-se a transformação pré-maligna das células escamosas em ceratose actínica e pos-terior carcinoma de células escamosas (Costa et al. 2012). Para o mastocitoma, esse processo não foi descrito, no entanto, há divisão desta neoplasia em dois grupos (baixo e alto grau) e a maioria dos es-tudos na literatura comparam as duas categorias, mas não avaliam os casos em que ocorre progres-são de um tumor de baixo grau (melhor prognósti-co) para um tumor de alto grau (pior prognóstico) (Kiupel et al. 2011).

Devido à importância do processo de progres-são tumoral e ao reduzido número de trabalhos avaliando este fenômeno nos mastocitomas, o pre-sente relato objetiva descrever um caso de um cão

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com mastocitoma de baixo grau com progressão para alto grau e sobrevida de 16 meses.

HISTÓRICOUm cão da raça Shar-Pei, com cinco anos de idade,

não castrado, pesando 20 kg, foi encaminhado para o atendimento com histórico de alopecia e prurido crôni-co, ao longo de dois anos. O proprietário relatou que o paciente fazia uso de prednisolona há pelo menos um ano e que, ao suspender a medicação, os sinais dermato-lógicos recidivaram. Adicionalmente, informou que ha-via presença de dois nódulos, observados pela primeira vez há um ano e, localizados no membro pélvico esquer-do que se apresentava frequentemente edemaciado.

Ao exame clínico, observou-se que o animal apresen-tava dois nódulos no membro citado, sendo o maior de-les localizado em face externa, na região de fêmur, me-dindo 5cm x 4cm x 2cm. O nódulo menor localizava-se em região de joelho e media 2cm de diâmetro. Ambos os nódulos apresentavam superfície lisa, consistência macia, não estavam aderidos à musculatura e apresen-tavam alopecia e eritema local. Não foram observadas demais alterações clínicas ao exame físico. Os nódulos foram submetidos à análise citológica, que sugeriu diag-nóstico de mastocitoma.

Na semana seguinte, o paciente foi submetido à res-secção cirúrgica dos nódulos com margem de segurança e o material removido foi encaminhado ao exame his-topatológico e imuno-histoquímico para avaliação das proteínas c-kit e ki-67. Para realizar histopatológico, fo-ram realizados cortes transversais no tumor e o mesmo ficou por 24 horas no formol. Após fixação foram con-feccionadas lâminas coradas com hematoxilina e eosi-na que foram analisadas em microscópio óptico. Para o exame imuno-histoquímico, os cortes foram desparafi-nizados com xilol e com álcool etílico em concentrações decrescentes. A recuperação antigênica foi realizada com tampão citrato pH 6,0, em panela de pressão (Pas-cal®; Dako, Carpinteria, CA, EUA). Em seguida, as lâmi-nas foram resfriadas por 20 min a temperatura ambiente e lavadas em água corrente. Após esse procedimento as lâminas foram colocadas na plataforma automática para realização de imuno-histoquímica (AutoStainer, Dako, Carpinteria, CA, EUA). Os cortes histológicos foram incubados com anticorpo primário contra as proteínas c-kit (CD117 - DakoCytomation, Carpinteria, EUA) e kKi67 (DakoCytomation, Carpinteria, EUA) nas dilui-ções 1:800 e 1:50 respectivamente durante 45 minutos. Os anticorpos foram incubados com polímero Envision (Dako, Carpinteria, CA, EUA) por 45 minutos. A colo-ração foi obtida utilizando-se 3,3’ diaminobenzidine tetrachloride (DakoCytomation, Carpinteria, EUA). Os cortes foram contra-corados com hematoxilina Harrys e desidratados em concentrações crescentes de álcool e xilol. Em seguida, as lâminas foram montadas com re-sina e lamínula. Como controle positivo o foi utilizado um mastocitoma sabidamente positivo para as proteínas c-kit e ki67. Para controle negativo, foi realizada a omis-são do anticorpo primário.

A análise histopatológica identificou mastocitoma grau I (Patnaik et al. 1984) ou de baixo grau (Kiupel et al. 2011). O exame imuno-histoquímico identificou mar-cação membranosa de c-kit (KIT I) e proliferação celular (ki-67) menor que 23 células, contadas em dez campos de grande aumento (400x) (Webster et al. 2007) (Figura 1). As margens cirúrgicas estavam livres de células ne-oplásicas.

O proprietário retornou com o paciente cinco meses após a remoção da sutura, quando um novo tumor foi observado no mesmo local onde havia o maior nódulo. Este nódulo media aproximadamente 5cm de diâmetro e apresentava características semelhantes às já descri-tas, exceto pelo fato de estar aderido à musculatura ad-jacente.

Firmado o diagnóstico citológico de mastocitoma, iniciou-se quimioterapia antineoplásica com predni-sona (1mg kg-1, por via oral, a cada 24 horas, durante 30 dias), vimblastina (2 mg m2 -1, por via intravenosa, a cada duas semanas) e ciclofosfamida (200 mg m2 -1, por via oral, a cada três semanas). Observou-se a remissão parcial do tumor após o terceiro ciclo de tratamento. Contudo, antes de iniciar o quarto ciclo, houve progres-são do tumor e marcante edema do membro acometi-do. Devido ao posicionamento do proprietário contra qualquer cirurgia mutiladora (amputação de membro), optou-se pela terapia com lomustina (90 mg m2 -1, por via oral, a cada três semanas). Ao longo de três ciclos, o paciente encontrava-se em remissão parcial, mas apre-sentando elevação considerável da atividade sérica de alanina amino transferase (ALT) e de fosfatase alcalina (FA), com valores acima de 300 e 800 U L-1, respecti-vamente. Prescreveu-se tratamento de suporte com S--adenosil metionina (SAMe) (20 mg kg-1, por via oral, a cada 24 horas), por tempo indeterminado. Ao final de seis sessões, as enzimas hepáticas continuavam altas, embora mais próximas dos valores normais (ALT = 180 U L-1 e FA = 330 U L-1). Contudo, três novos nódulos fo-ram observados, um em região abdominal e outros dois em membro pélvico esquerdo. Conduziu-se a ressecção cirúrgica dos nódulos e o material foi encaminhado ao exame histopatológico e imunoistoquímico. Diferente-mente das primeiras avaliações, os mastocitomas foram classificados em alto grau (Kiupel et al. 2011), apresen-tando localização citoplasmática difusa de c-kit (Kiupel et al. 2004) e proliferação (ki-67) maior que 23 células marcadas em campo de grande aumento (400x) (Webs-ter et al. 2007) (Figura 1).

Quinze dias após o procedimento cirúrgico, o pa-ciente apresentou dois focos de recidiva no membro acometido, que estava edemaciado, com regiões alopé-cicas e hiperêmicas. Diante da resistência aos quimio-terápicos convencionais, optou-se pelo uso do inibidor de receptor de tirosina quinase, o masitinib na dose de 12,5 mg m2 -1, por via oral, a cada 24 horas, continuamen-te. O paciente tolerou bem a medicação nos primeiros dias, apesar de não ter sido observada remissão clínica. Contudo, 20 dias após o início do tratamento, o paciente retornou apresentando novos focos neoplásicos, ascite, episódios eméticos e de diarreia. Procedeu-se à inter-

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nação do animal para terapia de suporte e, ao mesmo tempo o masitinib foi suspenso. Exames laboratoriais revelaram anemia, trombocitopenia, hipoalbuminemia e valores de ALT e FA elevados (ALT = 420 U L-1 e FA = 1050 U L-1). O paciente evoluiu para óbito no dia se-guinte. Considerando-se o dia da consulta até o óbito, o animal apresentou sobrevida de 16 meses.

DISCUSSÃOCães da raça Shar-Pei são sabidamente predis-

postos ao mastocitoma, assim como a dermatopa-tias crônicas podendo estar associadas ao desen-volvimento dessa neoplasia (Broden et al. 2010, London et al. 2013, Shoop et al. 2015). López et al.

Figura 1. Fotomicrografia de mastocitoma canino. A - Mastocitoma de baixo grau avaliado pela técnica de hematoxilina e eosina (HE). Notar células bem diferenciadas, com granulação citoplasmática, baixa anisocitose e anisocariose. B - Mastocitoma de alto grau avaliado pela técnica de HE. Notar células indiferenciadas, sem granulação citoplasmática, com alta anisocariose e ani-socitose. C - Marcação de membrana da proteína c-KIT em mastocitoma de baixo grau. D - Marcação citoplasmática difusa da proteína c-KIT em mastocitoma de alto grau. E - Imunomarcação de MIB1 (ki-67) em mastocitoma de baixo grau apresentando menos que 23 células marcadas em campo de grande aumento. F - Imunomarcação da proteína MIB1 (ki-67) em mastocitoma de alto grau apresentando mais 23 células marcadas em campo de grande aumento.

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(1999) descreveram dois casos de mastocitoma em cães da raça Shar-Pei associados a dermatopatias crônicas. Esses autores também relataram o uso in-termitente de prednisolona pelo paciente. Corticos-teroides como a prednisolona compõem diversos protocolos de quimioterapia para o tratamento de mastocitomas em cães (Camps-Palau et al. 2007). Além do efeito anti-inflamatório dos corticosteroi-des, o fármaco pode promover remissão da neopla-sia e minimizar manifestações de sinais clínicos, o que consequentemente pode dificultar a definição do diagnóstico.

A ressecção cirúrgica é opção mais efetiva de tratamento para cães com mastocitoma, principal-mente se realizada com margens de segurança. To-davia, mesmo quando as bordas da lesão se apre-sentam livres de células neoplásicas, ainda há risco de recidiva (Michels et al. 2002). Esse fato foi obser-vado no presente relato que, apesar das margens cirúrgicas livres, a recidiva ocorreu cinco meses após o procedimento. Dois protocolos de quimio-terapia foram realizados, até que o paciente fosse novamente submetido à exérese cirúrgica. Toxici-dade hepática foi evidenciada pela elevação nos valores de ALT e FA, observada a partir do terceiro ciclo de administração da lomustina. Esta, apesar de ser indicada para mastocitoma quimiorresisten-te, é potencialmente hepatotóxica.

Após os dois procedimentos cirúrgicos, avalia-ções histopatológicas e imuno-histoquímicas foram conduzidas. Curiosamente, as análises demonstra-ram resultados distintos entre os momentos. Ini-cialmente, pela avaliação histopatológica, aspec-tos como diferenciação e atipia celular permitiram classificar o mastocitoma em baixo grau de ma-lignidade, cuja média de tempo de sobrevida está acima de dois anos (Kiupel et al. 2011), superior à observada no cão relatado (16 meses). Pela análise imunoistoquímica, a marcação membranosa de c--kit confere melhor prognóstico quando compara-da à sua distribuição citoplasmática (Kiupel et al. 2004). O índice de proliferação celular mensurado pela avaliação imunoistoquímica de ki-67 também é considerado importante fator prognóstico para mastocitoma canino, uma vez que valores acima de 23 células contadas em cinco campos de grande aumento (400X) estão relacionados a altos riscos de recidiva e metástase. Mesmo apresentando resulta-dos imuno-histoquímicos favoráveis, observou-se recidiva cinco meses após a primeira ressecção ci-rúrgica. A segunda avaliação histopatológica e imu-noistoquímica revelaram padrões mais agressivos, demonstrando células indiferenciadas, marcação

citoplasmática difusa de c-kit e positividade de ki-67 em mais de 23 células em cinco campos de grande aumento (400X). Para as neoplasias prostáticas, há descrição da progressão de lesões pré-neoplásicas para neoplásicas, ou mesmo, a progressão de um tumor de baixo grau para alto grau (Fonseca-Alves et al. 2013). Em mulheres, pode ocorrer progressão do carcinoma mamário durante o tratamento, onde tumores que apresentam positividade para recepto-res hormonais podem perder essa marcação quan-do tratados com quimioterapia, conferindo maior agressividade e pior prognóstico para a paciente (Foulkes et al. 2010). O mesmo ocorre com carcino-mas prostáticos em homens. Quando há positivida-de para receptor de andrógeno pela imunoistoquí-mica nessa neoplasia, o paciente apresenta melhor prognóstico e tumores menos agressivos. No entan-to, alguns tumores apresentam negatividade para o receptor de andrógeno após quimioterapia, confe-rindo maior agressividade e pior prognóstico para o paciente (Foulkes et al. 2010).

A teoria mais aceita para a progressão de um tumor de baixo para alto grau é a seleção de clo-nes resistentes. Quando o paciente é tratado com quimioterapia, as células sensíveis ao quimioterá-pico entram em apoptose, há regressão tumoral e melhora clínica. No entanto, as células resistentes ao quimioterápico se proliferam conferindo um fe-nótipo mais agressivo para o tumor (Hanahan & Weinberg 2011).

Após a segunda intervenção cirúrgica e reali-zação de exame histopatológico e imuno-histo-químico, foram observadas características mais agressivas, com alta proliferação e marcação cito-plasmática de c-KIT. Diante deste novo fenótipo, o inibidor de receptor de tirosina-quinase foi ad-ministrado ao paciente durante 20 dias e nenhuma resposta foi observada, já que a remissão do tumor não costuma ocorrer no início do tratamento (Hanh et al. 2010). Todavia, a continuidade desta terapia não foi possível devido aos efeitos colaterais gas-trointestinais do medicamento que, associados à hepatopatia pré-existente, culminaram no seu óbi-to, 16 meses após diagnóstico.

CONCLUSÃOOs fatores prognósticos previamente descritos

devem ser cautelosamente avaliados ao instituir uma terapia para os pacientes com mastocitoma cutâneo. No cão relatado houve modificação do grau de malignidade do tumor, da localização de c-kit e aumento da proliferação celular, que podem caracterizar a progressão tumoral do mastocitoma.

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Sabryna Gouveia Calazans et al.

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