Matéria - Dor (Carlos)

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Quando a Dor é a própria doença As angústias e as novas soluções para quem vive com dores crônicas que prejudicam o trabalho e até a convivência social A dona de casa Maria Helena Silva nunca imaginou que, em seus 62 anos de vida, pudesse enfrentar tantos problemas quanto os que vêm se sucedendo nos últimos nove anos. Insônia, falta de apetite, irritação, dificuldades de caminhar e até de realizar os serviços domésticos mais básicos, são transtornos decorrentes de dores nas costas, pontas dos pés e bacia. Inicialmente diagnosticada com fibromialgia, Helena encontra incertezas dos médicos cada vez que o tempo passa sem se descobrir a origem e o esperado alívio do desconforto. “Passei até por ressonância e outros exames, mas não aparece alteração nos ossos nem nos nervos. Fisicamente parece tudo bem, mas às vezes eu tremo de tanta dor; até já desmaiei por não suportar mais”, lamenta. Longe de ser um caso isolado, a chamada dor crônica ainda desafia a medicina pelo crescimento de casos e pela escassez de tratamentos eficazes ao paciente, que além dos diagnósticos inconclusivos, tem que enfrentar tratamentos analgésicos e a presença incômoda e constante da dor, intercalada com pequenos alívios. Diferente da dor aguda, que é momentânea e decorrente de lesões, ferimentos ou doenças, a dor crônica passa de três meses de duração e pode se prolongar por anos, se mantendo mesmo sem uma causa aparente ou quando esta já foi solucionada. Incluem-se nessa classificação especialmente as dores no sistema musculoesquelético (lombalgia, artrose, fibromialgia, coluna vertebral e membros), reumático e nervoso (sendo a enxaqueca a mais conhecida). Para o reumatologista Dr. Tseng Kuo Cheng, já se pode identificar alguns fatores que podem contribuir para agravar a dor, como problemas de ergonomia no trabalho: “sempre recomendamos aos pacientes como medidas preventivas atentarem para a questão da postura correta e exercícios físicos. A falta de acesso a tratamentos adequados, seja no caso das deficiências do setor público ou de não procurar um atendimento multidisciplinar, também pioram a situação do paciente”, destaca o médico.

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Quando a Dor é a própria doença

As angústias e as novas soluções para quem vive com dores crônicas que prejudicam o trabalho e até a convivência social

A dona de casa Maria Helena Silva nunca imaginou que, em seus 62 anos de vida, pudesse enfrentar tantos problemas quanto os que vêm se sucedendo nos últimos nove anos. Insônia, falta de apetite, irritação, dificuldades de caminhar e até de realizar os serviços domésticos mais básicos, são transtornos decorrentes de dores nas costas, pontas dos pés e bacia. Inicialmente diagnosticada com fibromialgia, Helena encontra incertezas dos médicos cada vez que o tempo passa sem se descobrir a origem e o esperado alívio do desconforto. “Passei até por ressonância e outros exames, mas não aparece alteração nos ossos nem nos nervos. Fisicamente parece tudo bem, mas às vezes eu tremo de tanta dor; até já desmaiei por não suportar mais”, lamenta.

Longe de ser um caso isolado, a chamada dor crônica ainda desafia a medicina pelo crescimento de casos e pela escassez de tratamentos eficazes ao paciente, que além dos diagnósticos inconclusivos, tem que enfrentar tratamentos analgésicos e a presença incômoda e constante da dor, intercalada com pequenos alívios. Diferente da dor aguda, que é momentânea e decorrente de lesões, ferimentos ou doenças, a dor crônica passa de três meses de duração e pode se prolongar por anos, se mantendo mesmo sem uma causa aparente ou quando esta já foi solucionada. Incluem-se nessa classificação especialmente as dores no sistema musculoesquelético (lombalgia, artrose, fibromialgia, coluna vertebral e membros), reumático e nervoso (sendo a enxaqueca a mais conhecida).

Para o reumatologista Dr. Tseng Kuo Cheng, já se pode identificar alguns fatores que podem contribuir para agravar a dor, como problemas de ergonomia no trabalho: “sempre recomendamos aos pacientes como medidas preventivas atentarem para a questão da postura correta e exercícios físicos. A falta de acesso a tratamentos adequados, seja no caso das deficiências do setor público ou de não procurar um atendimento multidisciplinar, também pioram a situação do paciente”, destaca o médico.

Entidades como a Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED) apontam outras condições estressantes que contribuem para o aumento nos sintomas: carga horária de trabalho excessiva, falta de lazer e problemas econômicos e familiares. A organização alerta para um perigoso prognóstico: entre 7 e 40% da população mundial sofrem com dores crônicas em maior ou menor grau, e destes, de 50 a 60% podem ficar parcial ou totalmente incapacitados para o trabalho, o que não só compromete a qualidade de vida, mas os sistemas econômico e previdenciário dos países.

O dr. Cheng, de formação médica ocidental e também chinesa, também lembra que, pelo fato de nenhum tipo de medicina ser 100% preciso, é fundamental para o diagnóstico a consulta “olho no olho”, mais sintonizada com o contexto geral do paciente: “sendo a dor um sinal vital do funcionamento do corpo, como é a temperatura, o pulso e a pressão arterial, o médico não pode tratá-la como uma simples consulta que gera uma receita. Felizmente a comunidade médica tem focado nessa conscientização, do sofrimento da dor relacionado com a qualidade de vida das pessoas.”

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Tratamentos alternativos

Além da medicação tradicional, Maria Helena já testou diversas modalidades como hidroginástica, RPG (exercícios para reeducação postural) e acupuntura, mas sem muito sucesso: “Sempre uso gel e compressas, fitoterápicos e homeopáticos, além de chás calmantes como o de maracujá, mas o alívio é muito lento. O medicamento que até agora faz a dor dar uma trégua é o que eu uso contra a insônia (Rivotril), e ainda assim tenho que conciliar com o tratamento da hipertensão.” Mesmo com a demora na solução em casos como o da dona de casa, a recomendação dos médicos é aliar o tratamento com um programa de reabilitação e diversos profissionais.

No Recife, um dos centros pioneiros para o tratamento específico das dores crônicas é a Clínica de Tratamento da Dor, que funciona desde 1987 com a direção do Dr. Luciano Braun, também fundador da Clínica de Dor do Hospital Barão de Lucena. Para o filho e integrante da equipe, Dr. Leandro Braun, a escolha das técnicas começa na distinção da doença, se é ou não do tipo oncológica: “hoje já dispomos de diversos procedimentos minimamente invasivos, que incluem uso de vídeo e raios-X.” O médico, que também possui Título Superior em Anestesiologia e especializações em Tratamento de Dor Crônica pela USP e em Dor Oncológica pela Universidade do México, também alerta que o uso de toxinas como o botox (indicado recentemente para tratamento da enxaqueca), deve ser usado como última opção, quando o medicamento não funciona.

O aumento na procura de técnicas complementares é constatado por profissionais como a fisioterapeuta Clara Novaes, que buscou especialização em Medicina Chinesa e acupuntura quando observou que a maioria dos pacientes atendidos era para tratamento de patologias crônicas. Segundo Clara, um ponto positivo desses tipos de tratamento é a compreensão do indivíduo como um todo único e indivisível, que não manifesta simples sintomas isolados. “Como outras técnicas ditas alternativas, a Acupuntura trata o indivíduo e não a doença. Por isso, antes de iniciar o tratamento, o paciente passa por uma anamnese bastante minuciosa com perguntas sobre a qualidade do sono e alimentação, por exemplo.” A fisioterapeuta acrescenta os benefícios de os resultados aparecerem de forma rápida e sem efeitos colaterais, sem prejudicar recomendações dos médicos.

De forma geral, o entendimento dos profissionais é que o tratamento para a dor crônica sempre visa, além de conhecer e tratar a causa, minimizar suas consequências utilizando o máximo de recursos médicos e terapêuticos disponíveis: medicações analgésicas e anestésicas, fisioterapia, acupuntura, psicoterapia, entre outros. Contudo, o mais importante é a humanização, o respeito à realidade individual e social do paciente, para que seja alcançado o resultado mais esperado: a melhora da dor e a volta do prazer de viver.

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BOX - Tratamento da Dor no Recife

Clínica de Tratamento da Dor (Dr. Luciano Braun e Equipe) - Av. Domingos Ferreira, 636 - Sala 112 - Edifício Clinical Center Karla Patrícia, Boa Viagem - Contato: (81) 3465.5321.

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Hospital Memorial São José - Clínica de Neuro (Neuro Memorial) - Dr. Julio Lustosa - Contato: (81) 3221.2073.

Dr. Tseng Kuo Cheng - Rua Jorn. Paulo Bittencourt, 61, Derby (ao lado do Hospital da Restauração) - Contato: (81) 3222.1125.

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ARTE - Os Tipos mais comuns (e incomuns) de dores crônicas

Com dificuldades que vão do diagnóstico ao tratamento, os pacientes geralmente reclamam de sensações como choques, pontadas ou formigamentos constantes, que não aliviam com repouso e se agravam à noite e ao frio.

- Somáticas: afetam pele e músculos e são mais facilmente localizadas; podem durar a vida toda, como a fibromialgia, as dores nas costas.

- Dores de Cabeça: podem ter causas conhecidas como a sinusite ou tumores cerebrais, ou desconhecidas como a enxaqueca, mais frequente de um lado da cabeça e que pode provocar náuseas e vômitos, aversão à luz e a barulhos (foto e fonofobia).

- Neuropatias Periféricas: são dores provenientes de irritações dos nervos; as mais reclamadas são a do nervo ciático (final da coluna), que se espalha para as pernas e a espinha, e a da hérnia de disco; outra mais rara é a dor de membro fantasma (causadas pela perda de um membro).

- Ósseas: osteoporose e artrose são mais comuns em idosos, mas os mais jovens podem sofrer com a dor do câncer ósseo, da osteomielite (infecção no osso), artrite reumatóide (inflamação das pequenas juntas) e outras dores reumáticas de longa duração.

- Dores Viscerais: afetam os órgãos internos, são pouco frequentes e o cérebro tem dificuldade de localizá-las; é o caso da dor da pancreatite ou da hepatite crônicas, de maior duração e gravidade para serem tratadas.

Fonte: Clínica de Tratamento da Dor Crônica - Londrina (PR)