MAURICIO GALEB - unicuritiba.edu.br · Title: MAURICIO GALEB Author: 4739 Created Date: 7/29/2014...
Transcript of MAURICIO GALEB - unicuritiba.edu.br · Title: MAURICIO GALEB Author: 4739 Created Date: 7/29/2014...
CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA
PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO
MAURICIO GALEB
DIREITO E CAPITALISMO: O PROCESSO DE TENTATIVA DE R ENDIÇÃO DOS
DIREITOS SOCIAIS
CURITIBA
2014
CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA
PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO
MAURICIO GALEB
DIREITO E CAPITALISMO: O PROCESSO DE TENTATIVA DE R ENDIÇÃO DOS
DIREITOS SOCIAIS
Dissertação de Mestrado apresentada como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Direito ao Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba – UniCuritiba. Orientador: Prof. Dr Paulo Ricardo Opuszka.
CURITIBA
2014
MAURICIO GALEB
Dissertação de Mestrado em Direito apresentada como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Direito pelo Centro Universitário Curitiba.
Banca Examinadora constituída pelos seguintes profe ssores:
Presidente: ________________________________ __________
DR. PAULO RICARDO OPUSZKA. (UNICURITIBA)
__________________________________________
DR. ALEXSANDRO EUGÊNIO PEREIRA. (UFPR)
__________________________________________
DR. MARCOS ALVES DA SILVA. (UNICURITIBA)
__________________________________________
DRA. VIVIANE COELHO DE SÉLLOS KNOERR (UNICURITIBA)
Curitiba, 14 de junho de 2014.
“A escassez é que torna a história possível, graças à unidade negativa da multiplicidade concreta dos homens”. Sartre
AGRADECIMENTOS
Ao verdadeiro Mestre, no sentido medieval da palavra, inspirador, veiculador de
ideias, de uma nova forma de se abordar o nosso objeto de pesquisa e quem, de
maneira ímpar, traduz o real significado da palavra “Historiador”: Ricardo Marcelo
Fonseca.
Ao incentivador maior desta empreitada cujo objeto se deslocou dialeticamente
de uma margem à outra, sem qualquer abalo, acreditando piamente que todas as
minhas limitações seriam suficientes para realizar um bom trabalho. Ao incorrigível
otimista: Paulo Ricardo Opuszka.
À liderança intelectual e espiritual inconteste desde os primórdios. Ao modelo
de magistério irretocável no trato com todos e na sapiência que não sonega. Ao
professor presente e amigo. Às virtudes que não fazem parte da minha biografia:
serenidade, equilíbrio, tolerância e a confiança de um futuro melhor: Marcos Alves
da Silva.
Desde mesmo antes de assumir o cargo de Coordenadora do Mestrado na
Unicuritiba, a professora Viviane Séllos foi a grande mentora e incentivadora deste
trabalho. Neste sentido, sem a contribuição e o estímulo da Viviane a experiência do
Mestrado não faria parte da minha vida.
Finalmente, ao incansável, inestimável e precioso zelo de meus pais Floriano e
Gleni Galeb cujos esforços indizíveis empreendidos por todo o tempo me
possibilitaram chegar até aqui.
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS .................................... .............................................................. v
RESUMO................................................................................................................... vii
ABSTRACT .......................................... .................................................................... viii
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 9
2. DESCONSTRUÇÃO DO DIREITO PRIVADO: O CONTRATO, A RESPONSABILIDADE CIVIL E A PROPRIEDADE ............ ..................................... 13
2.1 Direito Privado: o cenário do século XIX .......... .............................................. 13
2.2 Direito Privado: as mudanças no tempo estrutural .. ..................................... 19
2.3 Brasil: releitura do direito privado .............. .................................................... 24
3. A RENDIÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS ................... ........................................ 29
3.1 História e a relação entre Economia e Estado ...... ......................................... 29
3.2 Estado e direitos sociais ......................... ........................................................ 36
4. A ORDEM ECONÔMICA E POLÍTICA COMO ÓBICES À DIGNIDAD E DA PESSOA HUMANA NO BRASIL ........................... ................................................... 43
4.1 Colônia e Império ou a inexistência de direitos ... .......................................... 43
4.2 República: gradualismo e incompletude de direitos . .................................... 47
4.3 Modelo econômico versus “Dignidade da Pessoa Humana ”........................ 54
4.4 Emancipação possível dos direitos ................. ............................................... 58
5. GLOBALIZAÇÃO E ATAQUE AO MUNDO DO TRABALHO: RESISTÊ NCIA OU SUBMISSÃO? ..................................... ............................................................... 62
5.1 Estado e relações de trabalho na Revolução Industri al e a precarização-retorno da “velha fórmula” ........................ ................................................................. 68
5.2 Crise da sociedade do trabalho: da tese sobre a des valorização do valor trabalho à terceirização da atividade fim ......... ......................................................... 73
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................. ........................................................ 76
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................ ................................................. 82
RESUMO
O presente trabalho tem a finalidade de discutir o processo de tentativa de rendição dos direitos sociais sob a ótica do Direito Brasileiro, à luz de categorias históricas, observado transversalmente por reflexões teóricas que levam a elucidar o caminho do Capitalismo na Modernidade e o processo dialético de proteção X precarização de direitos fundamentais dos trabalhadores. A metodologia utilizada é a reflexão teórica crítica que parte da análise do real concreto para a tópica jurídico-positiva, presente na revisão bibliográfica, análise doutrinária, reflexão acerca dos fatos capturados do cotidiano e presentes no projeto de Lei que ilustra um dos impasses apresentados, no presente caso a terceirização. O principal objetivo do trabalho é analisar que tipo de relação existe entre a fase atual do sistema capitalista, radicalizada pela Globalização, e a ameaça concreta a uma estrutura historicamente construída de redes de proteção social. Assim sendo, mister problematizar a conexão entre o avassalador avanço da Globalização e um processo gradual de desconstrução dos Direitos Sociais, sobretudo os de natureza trabalhista, e o próprio conceito de cidadania. Palavras-chave: direitos sociais, globalização, processo histórico.
ABSTRACT
This paper aims to discuss the process of trying to rendition of social rights from the perspective of Brazilian law, in the light of historical categories, observed transversely theoretical reflections that lead to elucidate the path of Capitalism and Modernity in the dialectical process of securing X precariousness of basic workers' rights. The methodology used is critical theoretical reflection that part of the analysis of the real concrete for the legal-positive topical, in this literature review, doctrinal analysis, reflection on the facts of daily life and captured in the present Law project that illustrates one of the dilemmas presented in this case outsourcing. The main objective is to analyze what kind of relationship exists between the current phase of the capitalist system, radicalized by Globalization, and the concrete structure to a historically constructed social safety nets threat. Thus, a fundamental question the connection between the overwhelming advance of globalization and a gradual process of deconstruction of social rights, especially labor, and the concept of citizenship. Keywords: social rights, globalization, historical process.
9
1. INTRODUÇÃO
No mundo ocidental as transformações econômicas produziram
inevitavelmente profundas mudanças de caráter social. Este é o contexto histórico
da modernidade. Optou-se por um corte espacial e temporal que revolucionou por
completo as formas de produção e as relações de trabalho. Por evidente, que este
complexo processo de alterações substanciais forjou-se em uma dimensão
estrutural, ou seja, através de vários séculos, para utilizar a nomenclatura sugerida
pelo historiador da Escola dos Annales, Fernand Braudel.
Em consequência, o Capitalismo, como estrutura, ordem econômica ou mesmo
como “modo de produção”, ao revolucionar as formas de organização da produção,
transtornou igualmente as relações sociais, inclusive, e, sobretudo, aquelas
existentes no chamado “mundo do trabalho”. Aquele foi o momento da irrupção da
antítese muito bem representada pelas primeiras formações organizadas que
lutaram incansavelmente em torno da cidadania – ainda de perfil burguês, logo
limitado – e em direção ao reconhecimento e efetivação de direitos sociais, com
ênfase no locus do trabalho.
O objetivo deste trabalho é analisar que tipo de relação existe entre a fase atual
do sistema capitalista, em sua fase radicalizada, a Globalização – já em escala
mundial, sem respeitar fronteiras ou culturas – e a ameaça concreta a uma estrutura
historicamente construída de redes de proteção social. É necessário problematizar a
conexão entre o avassalador avanço da Globalização e um processo gradual de
desconstrução dos Direitos Sociais, sobretudo os de natureza trabalhista, e o próprio
conceito de Cidadania.
Recordemos a ideia de que este tênue “biombo” uma vez incorporado ao
imaginário coletivo dos trabalhadores e cidadãos em geral, positivados pelo Estado
burguês através da lei, tornaram-se, até aqui, um eficiente anteparo contra a
voracidade do sistema capitalista e a superexploração dos trabalhadores e a diluição
da ideia de cidadania.
Nos países do capitalismo central, no denominado “wellfare state”, isto
significou o embate minimamente equilibrado entre os poderosos interesses
econômicos corporativos, a chamada Ordem Econômica e a renhida resistência
daqueles grupos e movimentos que advogaram a causa dos Direitos Sociais em
10
larga escala. A derrocada deste projeto de sociedade e a erosão deste modelo
estatal e econômico nos lança diante deste impasse.
Estaríamos, portanto, frente à iminência do caos ou da convulsão social? No
caso brasileiro, tal questionamento é imperioso e exige aguda reflexão na busca por
possíveis saídas, tendo em vista o caráter muito diverso e particular das relações
sociais e o papel do Estado na proteção de um complexo de direitos ao longo da
nossa História.
O fio condutor da presente análise é o processo histórico, e dialético, dos
avanços e retrocessos do acesso aos direitos sociais, representados por um Estado
Ampliado e retraído, circunstância em que os trabalhadores ganham e perdem
direitos fundamentais e como esse processo comporta-se no Capitalismo Ocidental,
em especial no Brasil.
A metodologia utilizada é a reflexão teórica crítica que parte da análise do real
concreto para a tópica jurídico-positiva, presente na revisão bibliográfica, análise
doutrinária, reflexão acerca dos fatos capturados do cotidiano e presentes no projeto
de Lei que ilustra um dos impasses apresentados, no presente caso a terceirização.
No capítulo primeiro, argumenta-se em favor da ideia segundo a qual o cenário
do século XIX no continente europeu emoldurou o modelo jurídico do “Estatalismo” –
expressão urdida pelo historiador e jurista Paolo Grossi – cujas raízes foram
lançadas desde a Revolução Francesa. Presentes a supervalorização do sujeito e
sua vontade, o individualismo exacerbado, a propriedade e a liberdade econômica.
O contrato, pedra angular do direito privado, responsabilidade civil e a propriedade
foram severamente marcados por esta ideologia liberal e burguesa. As mudanças
destes institutos de direito privado foram o resultado de relações sociais altamente
complexas que alteraram a essência dos próprios significados das palavras contrato
responsabilidade civil e propriedade. Estas mudanças conceituais chegaram
tardiamente ao Brasil.
No segundo capítulo, é colocada a intrincada relação existente entre a
dimensão econômica e o Estado se considerado o momento pós-transição do
Medievo para a chamada Modernidade. As “Revoluções”, argutamente estudadas
pelo historiador E. Hobsbawn, de um lado propiciaram a transformação do próprio
capitalismo (industrial) e o surgimento de sua antítese (proletariado), de outro, a
partir das chamadas “revoluções burguesas”, deram início a um longo e tortuoso
processo de afirmação de direitos – de variadas matizes – e persecução à cidadania
11
integral. Novamente, este processo altamente conflitivo opõe, de forma severa, os
interesses imediatos da economia capitalista e a antítese representada por
trabalhadores urbanos e rurais, trabalhadores informais, desempregados,
consumidores, dentre outros.
No capítulo de número três, a dicotomia entre os limites do sistema capitalista e
a cidadania e os direitos sociais são trazidos para o cenário brasileiro. Uma leitura
acurada da História do Brasil aponta para o fato inconteste de que nas fases da
Colônia e do Império escravocrata não é possível se falar em “direitos” e “cidadania”,
nem do ponto de vista retorico. De outro lado, mesmo nas diversas fases da
República, o acesso aos direitos basilares e a uma cidadania mitigada passou por
processo lento, gradual e sempre incompleto. Cinquenta anos antes, as elites
nativas cortaram abruptamente um projeto econômico e social, desencadeado no
período 1961/964, que poderia ter sido um modelo capitalista “com face humana”. À
época um governo “popular, nacional e reformista” tinha como bandeira de políticas
públicas as chamadas “Reformas de Base”. O complexo de reformas que iniciava
com a Reforma Agrária, cinquenta anos depois, teria distribuído renda e garantida a
segurança alimentar; a Reforma Urbana, décadas após, teria assegurado o direito à
moradia – hoje previsto na C.F/88; a Reforma Tributária, fixaria uma tributação
progressiva, taxando a renda dos muito ricos e a herança; a Reforma Eleitoral,
incluiria na arena política o voto dos analfabetos; a Reforma Universitária, produziria
um maior número de vagas em conexão com ensino de qualidade; enfim, a Reforma
Bancária, desconcentraria o oligopólio do sistema financeiro. Teríamos, então, um
verdadeiro Estado de Bem-Estar-Social, erodindo as bases da nossa profunda
desigualdade?
Nem a abertura política de 1985, nem a C/F de 1988, e seu aparato jurídico
pró-cidadania e normas de proteção, inclusive, o patamar constitucional dos direitos
trabalhistas conseguiram efetivar, na prática, o princípio da dignidade da pessoa
humana. Como na época do Império e em um período que antecedeu o fim da
sociedade escravocrata, existem hoje sérias resistências por parte dos “donos da
Ordem Econômica” em face da implementação da Constituição Cidadã em sua
plenitude. Ou seja, ainda sobram direitos meramente formais em um plano muito
retórico para as chamadas classes subalternas.
Por fim, no quarto capítulo a Globalização mudou o perfil do Capitalismo do tipo
“Wellfare State”, diminuindo o papel do Estado, reduzindo, portanto, os gastos
12
públicos com direitos sociais básicos, inclusive, os de natureza trabalhista.
Precarização do trabalho, flexibilização das leis trabalhistas, o livre ajuste entre as
partes contratantes (capital versus trabalho), tudo isto nos remete à formula original
do sistema capitalista desenhada no século XIX, com alguma variante.
Talvez o caso mais simbólico e emblemático quanto à deterioração dos direitos
sociais de natureza trabalhista seja o projeto de Lei que tramita na Câmara Federal,
de autoria do Deputado Federal Sandro Mabel, com amplo apoio parlamentar, que
trata de tornar a Terceirização do trabalho uma regra para todas as categorias
profissionais, quando atualmente ela ainda é uma exceção reconhecida pelo Poder
Judiciário de forma limitada. Terceirizar significa precarizar a relação laboral,
fragilizar os vínculos de emprego, tornar o hipossuficiente uma figura ainda mais
débil na relação contratual de trabalho. Por fim, terceirizar significa solapar os
direitos humanos e sociais trabalhistas, sendo uma prova inequívoca do processo de
rendição destes direitos. Terceirizar é aumentar o número de casos de acidentes e
doenças do Trabalho. Olvidar tal fato é conformar-se com a ordem vigente.
Contestar este avanço sobre as normas de proteção é optar pelo caminho do
enfrentamento e da resistência.
O caso brasileiro inspira muito mais atenção se confrontado com as
experiências dos países do capitalismo central. De início, é imperioso observar que
as consequências da Globalização e do Neoliberalismo não encontraram no Brasil
as resistências opostas pelo Estado de Bem-Estar Social, já que não desfrutamos
deste patamar civilizacional que foi abortado em 31 de março de 1964.
De outro lado, a cidadania integral e os direitos sociais tão presentes na Carta
Magna foram positivados um ano antes do Consenso de Washington (1989), e, de
outro lado, a primazia dos valores da Ordem Econômica, na prática, tornam não
efetivas as promessas de superação social das classes trabalhadoras.
Pretende-se refletir, transversalmente, se o processo de rendição dos direitos
sociais é uma tentativa, como aponta o título, ou se as garantias constitucionais
conquistadas numa determinada conjuntura do processo civilizacional podem deter a
voracidade do capital.
13
2. DESCONSTRUÇÃO DO DIREITO PRIVADO: O CONTRATO, A
RESPONSABILIDADE CIVIL E A PROPRIEDADE
2.1 Direito Privado: o cenário do século XIX
O processo histórico demonstrou de forma cabal que aquilo que chamamos de
“monismo jurídico” teve suas raízes lançadas no complexo fenômeno em que se
fundiu a partir da Revolução Francesa. Movimento complexo porque adentrou e
transformou todas as dimensões daquela sociedade: política, social, econômica,
mas, sobretudo, jurídica. Portanto, é correta a assertiva segundo a qual a
modernidade do Direito – aquela que se cristalizou no século XIX – está
umbilicalmente ligada à revolução burguesa na França. Em outros termos, o Direito
europeu continental foi forjado a partir de um projeto, com valores e ideário
proveniente deste fenômeno histórico aqui referido.
O reflexo imediato desta modernidade jurídica pulsante é a exaltação do
sujeito, em sua faceta puramente individual. Paolo Grossi, historiador do Direito, fixa
as origens deste individualismo ainda no século XVIII. O jurista italiano o desnuda
como sendo “simples que se concretizam em simples faculdades, interesses tidos
como de importância vital que se concretizam em situações qualificadas (poderes e
direitos subjetivos)”1. A “civilização jurídica burguesa”, segundo Grossi, exige um
estado forte e um indivíduo proprietário em estreita conexão.
Outro historiador do Direito, Pietro Costa, da mesma escola “grossiana”, aduz
um elemento novo que vai cimentar a paisagem do século XIX e é herdeiro da
Revolução Francesa: a ideologia liberal (liberalismo burguês). Segundo Costa, a
preocupação liberal é “salvar o núcleo racional da mensagem revolucionária (os
direitos: a liberdade e a propriedade)”2.
Esta ideologia, hegemônica ao longo do século XIX, pressupõe três
fundamentos dos quais a sociedade burguesa e sua ordem jurídica não podem
1 GROSSI, Paolo. Para além do subjetivismo jurídico moderno. In: História do Direito em perspectiva: Do Antigo Regime à Modernidade. Organizadores: Ricardo Macelo Fonseca e Airton Cerqueira Leite Seelaender. Ano 2008. Curitiba: Juruá, 2011. 2 COSTA, Pietro. Estado de Direito e Direitos do Sujeito: o problema dessa relação na Europa Moderna. In: História do Direito em perspectiva: Do Antigo Regime à Modernidade. Organizadores: Ricardo Marcelo Fonseca e Airton Cerqueira Leite Seelaender. Ano 2008. Curitiba: Juruá, 2011.
14
prescindir: propriedade, igualdade civil e liberdade econômica. É a conclusão a que
chega o historiador Albert Soboul3.
Juridicamente, o rico século XIX que consagrou “sujeitos de direito” e seus
respectivos direitos subjetivos – sendo estas noções correlatas – também insere,
nesta perspectiva, a questão da vontade que será central para o Direito privado.
Neste diapasão, o historiador Ricardo Marcelo Fonseca assevera que “o direito
subjetivo tem como eixo central a vontade humana; seja ele um poder ou uma
senhoria da vontade”4, concepção representada, sobretudo, pelos nomes de
Windscheid e Savigny. Ricardo Marcelo arremata seu pensamento afirmando que as
relações jurídicas privadas estão fundadas na ideia de um sujeito de direito, que é
livre, e, especialmente, detentor de certa autonomia – a da vontade. Esta última está
no âmago de todas as relações relativas ao contrato. O historiador do Direito citado
fala em “ficções” acerca do estabelecimento da sociedade política (Hobbes, Locke,
Rousseau) que se adaptaram às relações jurídicas interpessoais. O resultado desta
adequação está expresso na seguinte equação: indivíduos livres e iguais possuem
autonomia de suas vontades e estão aptos a contratar.
A imperiosa ressalva que Fonseca faz de forma contundente, ao analisar o
contrato de trabalho moderno – gestado na Revolução Industrial – é que este é
pautado, desde o princípio até o seu final – por uma gama variada de
subordinações, dentre elas, a econômica – que faz uma das partes contraentes
depender do salário como contrapartida do trabalho prestado – a técnica –
fundamentalmente esboçada na superioridade do conhecimento e da produção.
Todavia, sem margem de dúvida, é a “subordinação jurídica”, o elemento
diferenciador, e ponto fulcral que retira do pacto laboral justamente aquilo que
compõe a tradicional teoria do contrato: liberdade, igualdade, autonomia e
supremacia da vontade.
Abstraindo o aspecto histórico “stricto sensu”, o Paulo Nalin, ao referir-se ao
tema “contrato”, faz uma abordagem bastante original, na medida em que o
relaciona com a modernidade e a pós-modernidade. A razão guardaria
metaforicamente relação com a modernidade e o caos teria vínculo com a pós-
modernidade, estes considerados momentos históricos distintos. Nalin afirma que O
3 SOBOUL, Albert. A Revolução Francesa . São Paulo. DIFEL, 1982. 4 FONSECA, Ricardo Marcelo. Modernidade e Contrato de Trabalho: Do Sujeito de Direito à Sujeição Jurídica. São Paulo: LTr, 2002. 5 Idem, p. 135.
15
Code Civil (1804) é o ápice de uma formulação conceitual em torno do contrato que
vem desde os “canonistas (período romano)”, e passa pelos jusnaturalistas e
jusracionalistas (Grotius/Kant). A dimensão obrigacional abstrata estará presente a
partir do código de Napoleão.5
Na esteira do pensamento de Nalin, Kant é o formulador de que a vontade
individual seria a única razão de ser das obrigações jurídicas. O “pacto” se dá
através de duas vontades individuais. Kant potencializa a centralidade do aspecto
volitivo nas relações privadas. Estas não nascem do Estado, mas do próprio homem,
revestido de um direito subjetivo absoluto (liberdade e igualdade). Paulo Nalin
surpreende e faz uma acurada análise do Direito privado, especialmente contratual,
a partir de lições da teoria da História.
Afirma o citado jurista que o Direito das Obrigações se pretende atemporal – ou
seja, de aplicação universal e eterna. Há uma forte preponderância de seu caráter
abstrato. Por deter esta última qualidade, perde-se a noção do mundo concreto dos
fatos, e se vincula apenas a conceitos e categorias formais. Ou seja, perde-se a
“historicidade”, resultado das relações sociais concretas. Em contrapartida, se
incorpora a “ahistoricidade” das obrigações, desvinculadas, portanto, do processo
histórico concreto.
Aliás neste particular, outro prodigioso jurista Edson Fachin afirma que uma
releitura crítica do Direito Privado só é viável se colocada sob sua perspectiva
histórica, leia-se, sua historicidade. Esta abordagem arejada e renovadora
pressupõe expor o Direito Privado, sua teoria, seus institutos e conceitos em
conexão com a vida cotidiana, a realidade concreta, enfim, a imbricação destes com
a teia complexa das relações sociais. Tal procedimento constituiria a “rota de fuga”
do Direito Privado de suas características obsoletas forjadas no século XIX,, a saber:
o formalismo e o abstracionismo.
Jean Domat é um dos principais redatores do “code civil” que foi absolutamente
hegemônico nos séculos XIX e XX, sobretudo, quando pensamos na modalidade do
contrato. Em uma sociedade capitalista e burguesa, o contrato passa a ser o
instrumento que viabiliza a circulação da riqueza. Juridicamente, a vontade das
6 NALIN, Paulo. Do Contrato: Conceito Pós-Moderno. (Em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional) Curitiba: Juruá, 2006. 7 FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil . 2ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 26.
16
partes e o contrato cimentam aquilo que Kant filosoficamente já havia vislumbrado. A
vontade individual é a fonte única da justiça nesta sociedade burguesa.
Para Nalin, a conclusão a que se chega é óbvia: O Direito das Obrigações,
neste caso, contratual, completamente descolado da realidade fática e envolto em
uma espessa abstração acaba por se encerrar em suas categorias conceituais há
muito superadas.
Por fim, o século XIX é palco privilegiado da Revolução Industrial, com
consequências graves para o mundo jurídico do contrato. É Antônio Avelãs Nunes
que vai chamar atenção para o pensamento de Adam Smith.
O economista escocês – contemporâneo dos primeiros passos da Revolução
Industrial e um dos mentores da nova ordem burguesa – afirmava, de maneira muito
lúcida, que o novo contrato estabelecido entre capitalistas e trabalhadores era
altamente desvantajoso para os segundos. Por evidente o desequilíbrio entre as
partes contratantes era desconsiderado em face da plena “liberdade contratual” em
voga naquele período.6
A responsabilidade civil é outro instituto de Direito privado pleno de
historicidade, que, em um processo gradual, teve sua essência alterada. Assim,
dentro do século burguês por excelência (XIX) a sua conformação se adequou aos
cânones liberais. O próprio conceito de responsabilidade, em um sentido mais
amplo, ultrapassa os estritos limites do mundo jurídico, pois há um uso filosófico, um
“uso corrente”, religioso (protestante).
No campo do Direito privado, e em um sentido muito clássico, a
responsabilidade consiste na obrigação de reparar danos que eventualmente
infringimos a alguém em razão da ideia da culpa.
Na tradição filosófica, a ideia da responsabilidade é ainda mais vaga, no
sentido de uma ausência conceitual. No chamado “uso corrente” a amplitude do
termo se amplifica: “somos responsáveis por tudo e por todos”. De qualquer sorte, a
origem do termo “responsabilidade” está associada à ideia de obrigação.
Igualmente, o verbo “imputar” é elemento fundante da ideia de responsabilidade.
Imputar seria atribuir a alguém uma atitude socialmente reprovável, enquanto a
retribuição seria o corolário lógico do ato de reparar.
6 NUNES, Antônio Avelãs. Os sistemas econômicos: gênese e evolução do capitalismo. Coimbra: Serviços de acção social da U.C, 2009.
17
Para Kant, sinteticamente, a responsabilidade é a imputação de uma ação de
um agente, tendo por base a qualificação moral desta. Segundo Kant, a liberdade
reside na essência da Lei e esta é um processo de conhecimento da própria
liberdade. Como observou Paul Ricoeur, Kelsen vai retirar o componente moral do
conceito de responsabilidade, tornando-o estritamente jurídico, neste sentido,
avalorativo, “puro”.7
Inolvidável que o século XIX é o locus privilegiado no que toca a formação da
teoria chamada “tradicional” da responsabilidade civil. Inúmeras razões dão
sustentação a esta assertiva. Como já informado anteriormente, os efeitos da
Revolução Industrial modificaram, para usar uma terminologia marxista, da
infraestrutura à superestrutura da sociedade. Dito de outra maneira, a sociedade
europeia que emerge desta transformação do modo de produção capitalista se
depara também com novas consequências jurídicas, fruto destas monumentais
mudanças.
Neste sentido, a complexidade social decorrente destas alterações estruturais
impactou a dimensão jurídica. No mundo da “liberdade contratual”, acima esboçado,
as relações jurídicas entre capitalistas (industriais, banqueiros, financistas,
comerciantes), e proletários (operários fabris, bancários, trabalhadores em geral), e
nas relações interpessoais mais prosaicas surge a necessidade premente de
estabelecer os fundamentos do conceito da responsabilidade civil.
Em outros termos, a sociedade do “Antigo Regime”, pré-industrial, menos
complexa, na qual as demandas sociais eram resolvidas pelo “velho Direito” do
continente havia ficado para trás. Um novo modelo jurídico se instituiu.
Roberto Altheim, ao tratar da teoria tradicional da responsabilidade civil, de
maneira adequada – considerando o contexto histórico – faz alusão às seguintes
expressões: “mundo da segurança” e “era da segurança”.8
Para Altheim, neste ambiente de “segurança”, os pressupostos tradicionais do
dever de indenizar estão dispostos da seguinte forma: dano; ato ilícito; nexo de
causalidade.
7 RICOUEUR, Paul. Conceito de responsabilidade: ensaio de análises semânticas. In: RICOUEUR, Paul. O Justo : a Justiça como regra moral e como instituição. SP: Martins Fontes, 2006. 8 ALTHEIM, Roberto. Direito de Danos: pressupostos contemporâneos do dever de indenizar. Curitiba: Juruá, 2008.
18
Assim, resumidamente, o dano indenizável é aquele que agride um bem
tutelado juridicamente, sendo o resultado de um ato concreto. Este pode ser
material, moral, presente ou futuro. Já o ato ilícito importa na violação de um bem
jurídico protegido pela lei. O ato ilícito é o resultado de um ato omissivo ou
comissivo. A questão da vontade é central porque o autor deve ser imputável.
Finalmente, emerge a figura do nexo causal que exige uma relação de causalidade
entre os dois primeiros requisitos, ou seja, relação de causa e efeito entre
ação/omissão e o dano. Donde se conclui que o dever de indenizar somente existe
quando for demonstrado cabalmente o nexo causal. Assim foi arquitetada a teoria
tradicional da responsabilidade civil.
Finalmente, ao abordar o tema da propriedade, o jurista Luiz Edson Fachin
afirma ser este instituto do Direito Privado um de seus elementos que faz parte do
que ele denomina “tríplice vértice, a base fundante do privado”9. Neste mundo de
espessa abstração, o indivíduo, cada vez mais descolado e deslocado da realidade,
ou seja, da concretude da sociedade que habita é menos uma pessoa e suas
circunstâncias, e muito mais um titular patrimonial. Esta estreita visão ontológica
limita também a amplitude das relações jurídicas no campo do Direito Privado e, via
de consequência, sua própria teorização. Esta leitura mitigada do Direito Civil,
especialmente no que toca à “apropriação”, faz com que Fachin afirme que “nem
todas as pessoas são sujeitos de Direito”10. Parece basilar supor que em uma
sociedade capitalista, em que a propriedade individual é um fundamento econômico,
social, e, sobretudo, jurídico, os indivíduos despossuídos, não-proprietários, de fato,
não sejam elevados à categoria de sujeitos de Direito. Esta é a ótica clássica, sob o
crivo de uma perspectiva crítica.
Uma leitura que demande reflexão aprofundada sobre os institutos do Direito
Privado, mormente a propriedade permite a Fachin pensar uma “relação jurídica em
concreto”11. Esta importa um correspondente sujeito de Direito em concreto o que
abarca a universalidade das pessoas. Assim, na terminologia proprietária,
poderíamos inferir a existência de um “patrimônio mínimo indissociável do ser e do
9 FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil . 2ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 26. 10 FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil . 2ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 86/88. 11 FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil . 2ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 92.
19
seu coletivo” 12. Lembre-se, ainda, que Fachin também argumenta que a teoria
tradicional acerca do Direito Civil e da propriedade produz um conhecimento dentro
de um quadro de suposta neutralidade e objetividade. Esta visão eivada de
pressupostos positivistas desde há muito foi superada epistemologicamente.
Novamente, estamos diante de uma teoria que rompe com a realidade e está
divorciada das “condições concretas” das relações sociais nas quais foi produzida13.
Estes institutos e os conceitos do Direito privado devem ser enquadrados
historicamente, já que uma postura oposta a esta encará-los como verdadeiras
abstrações, divorciadas do mundo concreto. Afinal, a teoria contratual, os requisitos
da chamada responsabilidade civil e a noção original da propriedade foram
formulados a partir de uma sociedade burguesa, industrial, liberal, desconsiderando,
por completo as divisões sociais e as diversidades culturais.
2.2 Direito Privado: as mudanças no tempo estrutura l
Por evidente que os institutos de Direito privado, devidamente limitados para a
finalidade deste trabalho, não ficaram imobilizados nos fundamentos que o século
XIX lhes proporcionou. Em outros termos, como já se disse alhures, o direito
contratual, o conceito de responsabilidade civil e a concepção da propriedade
passaram por um lento processo de metamorfose até chegar aos dias atuais. A
importância do estudo da História do Direito é justamente problematizar e explicar
este conjunto de transformações jurídicas e, se possível, trazer a lume o resultado
social destas mudanças.
Neste sentido, ainda que de forma sintética, é preciso resgatar a importância
única da chamada Escola dos “Annales”, também conhecida como Escola Francesa,
que no século XX, realizou o que há de mais inovador, notável e significativo no
campo da historiografia. Grosso modo, pode-se dizer que os cânones dos “Annales”
tiveram por objetivo constituir um novo paradigma do conceito de História e,
consequentemente, superar, definitivamente, o Positivismo Histórico (“história
tradicional”) erigido em pleno século XIX.
12 FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil . 2ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 96-99. 13 FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil . 2ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 111.
20
O historiador inglês Peter Burke, maior estudioso da Escola Francesa, afirma
que um dos integrantes da segunda fase (geração), Fernand Braudel, a partir de sua
tese de doutoramento (“O mediterrâneo e o mundo mediterrâneo na época de Felipe
II”) transformou por completo, e de maneira definitiva, as noções de espaço e tempo.
O que nos interessa discutir aqui é a mudança conceitual acerca do tempo histórico
que Braudel nos apontou.14 O representante da escola dos Annales nos alertou para
a importância do chamado tempo de “longa duração” – o processo histórico refletido
em uma perspectiva de séculos. Longa duração ou “tempo estrutural” significa
pensar as mudanças que ocorrem ainda que em um ritmo mais lento. Em outros
termos, todas as estruturas, inclusive, as jurídicas e institucionais, estão sujeitas a
este câmbio gradual. O historiador do Direito Ricardo Marcelo Fonseca acentua esta
questão proposta por Braudel, sintetizada em uma metáfora que equipara o tempo
histórico com o oceano.15
Assim, o nível mais superficial do tempo histórico (tempo
breve/factual/acontecimento) seria “as espumas das ondas do mar” – visíveis, mas
“rápidas e nervosas” – já a longa duração ou tempo estrutural corresponderiam “as
correntes marítimas” que são profundas e invisíveis, porém decisivas na elucidação
do processo histórico.
O direito privado e suas instituições não estão imunes a este processo lento,
mas inexorável de mudanças, como previu com argúcia o historiador Fernand
Braudel de uma maneira mais ampla.
Para aprofundar a compreensão deste processo histórico de alterações pelo
qual passou a dimensão jurídica é sumamente relevante resgatar outro conceito-
chave da Escola dos Annales, cuja origem remonta à sua terceira fase, a chamada
“terceira geração”. Em razão da profunda aproximação dos historiadores franceses
com a Antropologia, em um diálogo francamente interdisciplinar, em uma síntese
que poderíamos chamar de “antropologia histórica”. Assim, através de uma
abordagem antropológica reflexiva, os historiadores franceses cunharam o conceito
de “Construção Histórico/Cultural”. O que equivale dizer que é imperioso
“historicizar” as ideias, as instituições, os valores. Para os Annales, tal tarefa é
14 BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): A Revolução Francesa da Historiografia. Trad. Nilo Odália. São Paulo: Ed. Universidade Estadual Paulista, 1991. 15 FONSECA, Ricardo Marcelo. Introdução teórica à História do Direito . Ricardo Marcelo Fonseca. Curitiba: Juruá, 2009.
21
possível porque todas estas dimensões da vida não são imutáveis, ou seja,
estáticas. Ao contrário, estão em uma perspectiva de constante mudança, ainda que
quase imperceptível. Logo são analisadas a partir das variáveis tempo/espaço.
Seguindo o roteiro fornecido pela escola francesa e fazendo uma aplicação
analógica, podemos afirmar que o Estado, a Lei e o Direito privado, logo o contrato,
a responsabilidade civil e a propriedade, são construções histórico-culturais.
Sinteticamente, estes não podem ser “naturalizados”, na medida em que nem
sempre existiram e nem sempre tiveram o mesmo significado. No presente e no
futuro se pode adquirir outra faceta, uma essência diversa daquela expressa no
passado ou no presente. Assinale-se aqui a monumental diferença com o
Positivismo, seja na sua modalidade histórica, ou jurídica, já que, neste caso, os
conceitos, os valores, as ideias, são ossificadas a partir de uma visão a-histórica e
atemporal.
A lenta, progressiva e parcial “desconstrução” da ideia de contrato, da
responsabilidade civil, bem como da propriedade, certamente tem origem na
mudança de paradigma do sistema econômico. Em outros termos, o capitalismo
liberal do século XIX foi superado historicamente pelo Estado de Bem-Estar Social,
em meados do século XX. As consequências no campo jurídico foram inevitáveis,
inclusive, no que concerne ao Direito privado.
Em outros termos, o velho pressuposto teórico, segundo o qual, todos os
indivíduos racionais são livres para contratar, fundados na autonomia da vontade
individual restou ultrapassada. Ou ainda, a ideia do livre ajuste entre as partes e a
não intervenção estatal na esfera privada contratual, mais conhecida como “Pacta
sunt servanda”, perdeu todo o sentido.
Por outro lado, não paira qualquer dúvida que este processo de mudanças no
âmbito do Direito Privado tem origem também no surgimento do Direito do Trabalho
e na criação do Direito do Consumidor, áreas onde surge a figura do hipossuficiente
nas relações contratuais. Aduza-se a tudo isto a chamada constitucionalização do
Direito Civil.
A grande mudança de paradigma pode ser traduzida na vaga expressão da
“pós-modernidade”. Neste ponto, urge retomar o texto de Paulo Nalin, para quem
este novo momento, do ponto de vista estritamente jurídico, teve um papel
iconoclasta no sentido de minar a convicção nos dogmas, nas certezas, na
uniformidade, sobretudo, na “objetividade” da ciência jurídica. Ainda, argumenta o
22
jurista que o modelo contratual original estava fundado em dois polos: o credor e o
devedor, o mesmo vale para a relação processual as relações proprietárias. Este
modelo estaria superado pelas ações plúrimas, coletivas, com interesses difusos. A
modalidade paritária, bilateral e de adesão foi soterrada pelo tempo. Na realidade, o
que entra em crise é a própria ideia de “manifestação livre da vontade” (antigo
elemento nuclear do contrato), máxime, se considerarmos uma sociedade de
consumo, uma sociedade de massas, e de “fetichização” da mercadoria.16
Nas pegadas de Nalin, para que se possa entender o novo formato do contrato
é preciso detectar de que forma este se acopla aos sistemas constitucional e
infraconstitucional. Por óbvio, que as questões afetas ao mercado
(concorrência/concentração econômica) seguem presentes nesta nova
conformação.
Por fim, como o próprio jurista confirma, uma nova ordem contratual clama pela
“boa-fé negocial” (objetiva), sobretudo a partir do CDC. Lembre-se que a expressão
boa-fé não existe no plano constitucional, nada obstante esta se aplica a todo
sistema jurídico-contratual. De certa maneira, ela está relacionada ao princípio
constitucional da solidariedade. Em outros termos, a boa-fé objetiva não está
circunscrita apenas às relações consumeristas.
Por fim, para efeitos deste capítulo é necessário que façamos alusão à “boa-fé
objetiva” e sua relação com a ideia de “justiça contratual”, bem como fazer uma nova
abordagem da propriedade. Retomando as reflexões de Nalin, há emergência de
uma nova perspectiva do contrato que deve ser “socialmente justo”, solidário, plenos
de princípios contemporâneos (transparência, confiança, equidade) que culminam
com a boa-fé objetiva, resultando numa “justiça contratual”. Importante ressaltar a
correlação de forças dos contratantes, do ponto de vista econômico, a existência do
hipossuficiente, em que o magistrado deve mensurar ainda mais os componentes de
um “contrato social justo” Paulo Nalin afirma que a boa-fé é um dos elementos
constitutivos que formam o negocio, em ela inexistindo o próprio contrato será
inexistente (invalidade do negócio jurídico). Para Nalin, sem desprezar a lei (direito
positivo), deve-se aplicar princípios gerais do direito, constitucionais e
infraconstitucionais, sem respeito à hierarquia das fontes. Há um realinhamento do
16 NALIN, Paulo. Do Contrato: Conceito Pós-Moderno. (Em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional) Curitiba: Juruá, 2006.
23
papel do julgador. O compromisso é com a justiça social na leitura constitucional dos
contratos. É a tal da “Justiça Comutativa”– que impeça cláusulas abusivas.17
Dentro da concepção do tempo histórico preconizado por Fernand Braudel,
também os pressupostos tradicionais da responsabilidade civil passaram por um
processo lento e gradual de mudanças. A superação destes fundamentos
tradicionais implicam na própria crise e exaurimento dos mesmos.
Roberto Althein, ao tratar dos pressupostos contemporâneos da
responsabilidade civil, volta a defender muito claramente que o modelo do direito
privado instaurado no século XIX estava divorciado por completo da realidade
concreta das pessoas e descolada das intrincadas relações sociais do mundo
contemporâneo18. A citação de Fachin é absolutamente proveitosa, pois põe em
cheque uma responsabilidade civil fundada em um excessivo individualismo, em
uma suposta neutralidade, é infenso aos princípios da justiça e eivado de um
abstracionismo descabido 19. Os autores citados afirmam que tanto uma
jurisprudência criativa, quanto uma doutrina crítica podem subverter os antigos
cânones desta matéria, implodindo a “era da segurança”, a partir da seguinte divisa:
“a revolta dos fatos contra as normas”.
Assim, os novos elementos a serem forjados na construção de uma nova
concepção da responsabilidade civil passam obrigatoriamente pelos princípios de
uma justiça distributiva e da solidariedade social.
A partir destes novos ingredientes, Althein, em completa oposição àquilo que
persistiu quase dois séculos, lança mão de inéditos pressupostos da
responsabilidade civil: antijuridicidade; dano injusto; nexo de imputação; nexo de
causalidade.20
Desta forma, sinteticamente poderíamos definir a “antijuridicidade” como um
ato praticado em franca contrariedade ao ordenamento como um todo (princípios,
leis, costumes). Esta não se confunde com a “ilicitude”, também não se refere ao ato
culposo ou doloso. Na realidade, é a lesão a interesse (s) protegido (s) pelo
ordenamento. Aqui, a primazia é o dano e sua extensão e não a conduta do ofensor.
17 NALIN, Paulo. Do Contrato: Conceito Pós-Moderno. (Em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional) Curitiba: Juruá, 2006. 18 ALTHEIM, Roberto. Direito de Danos: pressupostos contemporâneos do dever de indenizar. Curitiba: Juruá, 2008. 19 FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do Direito Civil . 3ª. Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. 20 ALTHEIM, Roberto. Direito de Danos: pressupostos contemporâneos do dever de indenizar. Curitiba: Juruá, 2008.
24
Já o “dano injusto” é o centro gravitacional de todos os outros pressupostos. O
dano injusto tem que ser indenizável, pois decorre de um fato antijurídico que viola
tanto a dignidade humana, quanto o patrimônio. Em suma, é a lesão de um bem
juridicamente protegido. Note-se que inexiste um rol prévio de danos injustos. Ao
contrário, estes são classificados caso a caso, a partir de uma análise concreta.
Assim, danos não injustos afastariam a incidência da responsabilidade civil.
O “nexo de imputação” é a forma de justificar a imposição do dano a outrem
(pessoa física ou jurídica). O nexo de imputação identifica quem deve indenizar e
aponta as respectivas razões. É o fundamento para que alguém deva indenizar. Ou
ainda, a causa da responsabilidade do agente que é imputado a indenizar. Neste
caso, o aspecto volitivo pode ser irrelevante. Pode estar vinculado a atos ilícitos
(responsabilidade subjetiva) ou lícitos, que impliquem riscos. Há uma miríade de
razões para indenizar: solidariedade social, o Estado por atos administrativos, a
Seguridade Social, e, sobretudo o CDC.
Finalmente, o “nexo de causalidade” que foi flexibilizado. Nesta perspectiva, o
nexo de causalidade apenas delimita o objeto da indenização. Por exemplo, em
casos fortuitos é o risco da atividade que gera a indenização. Althein afirma que, em
algumas hipóteses, o nexo de causalidade é absolutamente dispensável.
2.3 Brasil: releitura do direito privado
O Brasil-Império tentou, não sem grande frustração, adotar, ainda que de
maneira enviesada, o modelo do “civil law”, o que incluiu até um processo de
codificação nos moldes do direito europeu do continente. Ressalve-se, tendo em
vista a peculiar experiência de uma monarquia escravocrata e da ausência de
cidadãos efetivos, a falta de um Código Civil.
Por outro lado, quando da proclamação da república no Brasil, desde o início
ficou muito claro que a teoria positivista teria uma monumental influência sobre parte
significativa de nossa “intelligentsia”, nossas escolas de direito e nossos juristas.
Pode-se afirmar que ideologicamente a “República Oligárquica” era composta
por dois poderosos discursos ideológicos, a saber: o individualismo liberal e o
positivismo. A ideologia liberal está representada pelo princípio do “laissez-faire”. O
que equivale dizer que, em termos do Direito privado, o Estado não deve interferir
nas relações contratuais. De outro lado, a ideologia positivista foi a responsável por
25
forjar uma mentalidade profundamente conservadora e elitista entre nossos
bacharéis e juristas.
Por estas razões, a cultura jurídica da República Velha, inclusive no campo
constitucional, foi impregnada por este liberalismo individualista que preconiza a
“autonomia das vontades individuais”, a “liberdade dos particulares”, enfim, a
liberdade dos contratos. Não sem razão, o historiador do Direito José Reinaldo de
Lima Lopes assevera que a “República Oligárquica” tratou a propriedade privada
como algo absolutamente intocável (premissa lockeana). A postura da magistratura
brasileira de então não é diferente e os “tribunais vão em vários momentos proibir
inclusive o exercício da polícia sanitária em nome da liberdade individual.” 21
O CCB de 1916 incorporou esta concepção e toda a tradição da codificação
oitocentista, leia-se, uma codificação patrimonial imobiliária, conforme denominou
Luiz Edson Fachin. Articulando de forma diversa, Paulo Nalin afirma que o tripé do
CCB de 1916 seria a liberdade contratual, a obrigatoriedade do contrato e a
relatividade dos efeitos do contrato. 22
A superação do paradigma clássico do Direito privado no Brasil ocorre, com
algum atraso e obedecendo ao ritmo do nosso processo histórico, em um tempo
histórico que Fernand Braudel chamaria de estrutural ou de longa duração.
Sem que se recorra a uma estrutura de tempo linear, podemos afirmar que a
Carta Ma gna de 1988 impôs ao Direito Civil novos princípios como o do
desenvolvimento humano e a dignidade da pessoa, esta pensada num horizonte
concreto, alheia a toda sorte de abstração. Em outros termos, este “novo Direito
Civil” se viu despojado de seu caráter puramente conceitual e patrimonialista,
heranças do século burguês individualista (século XIX). É o jurista Luiz Edson
Fachin que afirma que a centralidade no texto constitucional da “dignidade da
pessoa humana” reconfigurou todo o ordenamento jurídico brasileiro, inclusive o
Direito privado. Considerando a supremacia da CF/88, é a proteção da pessoa
humana e seu pleno desenvolvimento que devem nortear todo o arcabouço da
legislação infraconstitucional. Segundo Fachin, ocorreu uma “inversão do locus” de
21 LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. Lições introdutórias. 2ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2000. 22 NALIN, Paulo. Do Contrato: Conceito Pós-Moderno. (Em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional) Curitiba: Juruá, 2006. xx FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil . 2ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 29.
26
preocupações que se retiram da esfera patrimonial e passaram a se concentrar no
respeito à pessoa humana.23
Nalin não diverge neste ponto quando lembra que estão presentes no CCB de
2002 alguns ingredientes do Código Civil anterior. A diferença fundamental reside na
adequação dos mesmos aos parâmetros da ética, da sociabilidade, dos novos
valores, inclusive, constitucionais.
Por óbvio que o direito contratual foi reorientado a partir das novas diretivas
constitucionais. É o que o professor Nalin chama de “os princípios que informam a
Nova Ordem Contratual”. Assim, a boa-fé negocial constitui a centralidade destes
princípios. Sobretudo a partir do CDC, a boa-fé objetiva é o novo paradigma a
influenciar o direito contratual. Investiga-se o comportamento dos contratantes, a
partir de múltiplos deveres. A expressão boa-fé não existe no plano constitucional,
nada obstante esta se aplica a todo sistema jurídico-contratual. De certa maneira,
ela está relacionada ao princípio constitucional da solidariedade. 24
Em outros termos, a boa-fé objetiva não está circunscrita às relações
consumeristas. Uma leitura constitucional do direito civil se impõe a partir das
decisões judiciais e assim o “dogma da vontade” do C.C.B/1916 é ultrapassado pela
principiologia do C.D.C. (boa-fé objetiva).
Outra questão candente a ser compreendida é a “aplicação subjetiva da boa-fé
objetiva”. Uma contradição aparente une a aplicação da boa-fé objetiva com uma
interpretação subjetiva. Paulo Nalin refuta o conceito europeu de “standard jurídico”
para qualificar os contratantes. A doutrina brasileira incorporou tal conceito e define
os contratantes de maneira ideal e abstrata, tais como: “homem médio, bom pai de
família, profissional competente, homem reto, honesto, probo, leal”. Todas as
“virtudes” elencadas têm origem no direito europeu, seja o common law, quanto o
civil law onde as disparidades sociais quase inexistem.
No Brasil, em situação bastante diversa, o “campeão das desigualdades
sociais”, tais categorias abstratas não têm fundamento na realidade concreta e
podem comprometer a compreensão e a aplicação da boa-fé objetiva, máxime, se
23 FACHIN, Luiz Edson. Reflexões abreviadas sobre aspectos da racionalidade histórico-cultural do arquétipo inserido no Código Civil Brasileiro de 2002. In: História do Direito em perspectiva: Do Antigo Regime à Modernidade. Organizadores: Ricardo Marcelo Fonseca e Airton Cerqueira Leite Seelaender. Ano 2008. Curitiba: Juruá, 2011. 24 NALIN, Paulo. Do Contrato: Conceito Pós-Moderno. (Em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional) Curitiba: Juruá, 2006.
27
considerarmos a nossa tradição positivista/elitista. Valores jurídicos e metajurídicos
devem orientar o interprete na persecução da boa-fé objetiva, como por exemplo, a
ética comportamental dos contratantes. Enfim, o conceito de boa-fé objetiva não é
estanque, restrito ou limitado, deve ser um sistema aberto e arejado à observação
da realidade concreta.
Registre-se, ainda, que a legislação estrangeira já havia apontado para o fato
que a boa-fé deve permear toda a relação contratual, na sua fase pré-contratual,
durante a execução do contrato, e após a cassação dos efeitos do contrato. O
CCB/2002 não inclui o período que antecede o contrato, tal fato, porém não ocorre
com o CDC, onde a boa-fé objetiva é plena. (artigos 51, 4º).
De maneira instigante, Nalin relaciona a boa-fé objetiva com a noção de “justiça
contratual”. Há uma nova perspectiva do contrato que deve ser “socialmente justo”,
solidário, plenos princípios contemporâneos – que incluam a transparência,
confiança, equidade – culminando com a boa-fé objetiva, resultando numa “justiça
contratual” 25.
Ou seja, a boa-fé substituiu a obsoleta “vontade dos contratantes”.
De qualquer forma, é importante ressaltar a correlação de forças dos
contratantes, do ponto de vista econômico e financeiro, a existência do
hipossuficiente nesta relação contratual em que o magistrado deve mensurar ainda
mais os componentes de um “contrato social justo”.
Não há dúvida de que a readequação ou reconstrução parcial do Direito Civil,
em especial do direito contratual, o conceito de responsabilidade civil e o instituto da
propriedade implicou, sim, no alargamento do conceito de “cidadania” e, de forma
mais radical e ousada, no incremento da própria ideia de justiça social. Dispensa-se
a ingenuidade teórica a defender que o quadro traçado pelos cânones originais
(século XIX), ditos tradicionais tenham desaparecidos ou desconstruídos por
completo. Todavia, cabe aos juristas e, sobretudo, aos magistrados, munidos de
uma mentalidade arejada, renovada e aberta, utilizando-se de um corpo doutrinário
crítico e de inovadoras decisões, reconstruir o modelo jurídico de nosso país,
especialmente no que toca ao direito obrigacional, a responsabilidade civil e o direito
de propriedade, com especial atenção a sua função social, e as inevitáveis
consequências que daí surgirão.
25 NALIN, Paulo. Do Contrato: Conceito Pós-Moderno. (Em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional) Curitiba: Juruá, 2006.
28
Este desafio, cotidianamente experimentado, coloca em campos opostos uma
genuína Dogmática crítica – fortemente enraizada no espaço acadêmico – e uma
jurisprudência crescentemente conservadora. Tome-se como exemplo o modelo
contratual mais contemporâneo, da era pós-industrial, qual seja o contrato de
Consumo. No Brasil, a despeito da doutrina consumerista estar em um patamar
assaz avançado, a jurisprudência, sobretudo, aquela que tem origem nos tribunais
superiores (Superior Tribunal de Justiça, em especial) e que influenciam as demais
instâncias, tem recuado ao modelo contratual tradicional.
Assim, em ações judiciais de relações de consumo, sobretudo, contra
instituições financeiras, as decisões, de modo geral, retomam a velha fórmula da
“autonomia das vontades contraentes”, “nexo causal”, “a não inversão do ônus da
prova”, a invisibilidade judicial da figura do “hipossuficiente”, o que, na prática, dá
legitimidade e legalidade ao desequilíbrio contratual.
O mesmo raciocínio vale para a questão da propriedade e a miragem da
“função social” – esta ignorada solenemente pelo judiciário pátrio. Caso emblemático
o que ocorreu em São José dos Campos/SP, em fevereiro de 2012, quando uma
instância judicial inferior determinou a reintegração de posse de um imóvel sobre o
qual vivia a denominada comunidade do “Pinheirinho”. Naquele triste e recorrente
episódio, mil e quinhentas famílias ocupavam um imóvel há mais de oito anos.
Todos os cidadãos sem cidadania foram despejados abrupta e violentamente com
base no artigo 928 do CPC que se sobrepôs ao direito fundamental de moradia (art.
6, da CF/88). A superposição do texto legal infraconstitucional e o descaso para com
a função social constitucionalmente prevista desvela a primazia da propriedade
individual sobre a dignidade humana e os direitos sociais, neste caso, a moradia.
A pretensão do próximo capítulo é perceber em que medida o direito do
trabalho, regulamentado entre o Direito Privado do Trabalho e a Intervenção do
Estado na tutela jurídica do trabalhador, foi um problema para Modernidade na
medida em que, quando se avança na construção de um colchão de proteção social,
o processo de desenvolvimento de acumulação do capital, obrigatoriamente
desacelera: a este processo denominou-se “processo de rendição dos direitos
sociais”.
29
3. A RENDIÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS
“As reformas sociais não se conseguem nunca pela debilidade dos fortes, mas sim
pelo fortalecimento dos débeis”. Karl Marx
3.1 História e a relação entre Economia e Estado
O surgimento do Estado Moderno não pode ser desvinculado do nascimento do
próprio sistema econômico capitalista.
Neste sentido, já no prefácio à Contribuição à crítica da Economia Política,
Marx havia consolidado sua fórmula clássica e, de maneira categórica, afirmado
que: “O Modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social,
política e intelectual”.
Ou seja, o Estado é a expressão, de forma reflexa, das relações de produção
travadas na infraestrutura da sociedade – que foram gradualmente hegemonizadas
pela burguesia – portanto encontra-se na superestrutura da sociedade, fazendo
parte de suas instâncias imateriais.
O contexto histórico em que tal processo se forjou na Europa Ocidental é
aquele que nos remete à segunda metade do século XV e XVI em diante, de
maneira bastante irregular. É neste momento que inúmeros eventos históricos
ocorrem concomitantemente, a saber: um lento, prolongado, mas inexorável “êxodo
rural”, com a “retomada” gradual do espaço urbano (“proletarização do
campesinato”); o nascimento da ciência moderna (invenção da imprensa,
heliocentrismo); as conquistas ultramarinas (as riquezas retiradas das Américas); a
reforma protestante; o clima personalista do renascimento.
Antônio Avelãs Nunes detecta ainda o surgimento de uma nova classe urbana,
comerciante, especuladora e financeira que inicia os primeiros passos do sistema
capitalista sob a forma mercantil (burguesia comercial).
O pensador português afirma que a colonização das “novas terras” tornou-se a
primeira grande empresa capitalista organizada com tentáculos para além dos
limites da Europa. Sobretudo a partir da exploração da mão-de-obra escrava.26
26 NUNES, Antônio Avelãs. Os sistemas econômicos: gênese e evolução do capitalismo. Coimbra: Serviços de acção social da U.C, 2009.
30
Nesta fase da acumulação do capital, percebe-se o gradual declínio econômico
da nobreza, vez que a terra, enquanto valor econômico deixa de ser a força matriz
do sistema produtivo.
A indústria artesanal estava representada nas pequenas oficinas dentro do
espaço urbano. Ali, os meios de produção eram compartilhados com a família,
companheiros e aprendizes, em uma unidade produtiva. Eram pequenos produtores
autônomos que viviam de suas manufaturas, sem intermediários.
Rapidamente, o artesão perdeu o controle sobre o mercado e sobre o produto
que produz, já que os meios de produção e a matéria prima lhe serão fornecidos
pelo comerciante capitalista (de produtor autônomo a produtor assalariado).
As “manufaturas” representam a antessala da indústria capitalista, pois ali, já
se reuniam dezenas de operários organizados por um comando, sob o mesmo teto,
realizando tarefas distintas, o que levou a um aumento da produtividade (subdivisão
do processo produtivo).
É com muita argúcia que Avelãs Nunes aponta para um fato que não pode ser
desprezado: o estado teve papel importante como agente facilitador na acumulação
do capital, e na gênese do próprio sistema capitalista. O protecionismo, o monopólio,
a garantia de produtos e mercados, a conquista de novas colônias - o que inclui a
matéria prima - tudo isto em prol de uma indústria nascente, e da classe emergente,
a burguesia.
As claríssimas considerações históricas de Avelãs nos ajudam a entender a
premissa maior formulada anteriormente, segundo a qual, há uma conexão umbilical
entre o sistema econômico capitalista e o poder político moderno.
O contexto histórico da revolução industrial se dá a partir da segunda metade
do século XVIII (1780) e o fenômeno propriamente dito foi meticulosamente
observado e estudado por Marx e Engels. O historiador Francisco Iglésias observou
que ao que tudo indica teria sido Friedrich Engels o primeiro a utilizar a expressão
“Revolução Industrial”.27
Marx captou seu exato sentido, tratando-se de uma análise completa e
profunda.
O impacto da Revolução Industrial sobre as relações sociais, sobretudo, as
relações de produção foi assombroso.
27 IGLÉSIAS, Francisco. A Revolução Industrial . 7ª ed., São Paulo: Editora Brasiliense, 1981.
31
A divisão técnica do trabalho, ou de funções, se impôs e a partir daí um objeto
qualquer simples ou complexo pode implicar em dezenas ou centenas de tarefas. É
a racionalização do trabalho, efeito inevitável deste processo.
De maneira perspicaz, Antônio Avelãs lembra, assim como Marx e Engels já
haviam definido, que talvez o traço mais marcante desta fase do capitalismo tenha
sido o surgimento das fábricas, como unidade de produção, que resultou na
separação total e definitiva entre o produtor e os meios da produção. Esta revolução
aconteceu geograficamente nas cidades, em torno das fábricas, para onde afluíram
hordas de pobres, miseráveis, marginalizados, muitos expulsos das atividades
agrícolas. É este contingente imenso de pessoas, é essa massa incontável de
indivíduos deserdados que vai constituir uma nova classe social, no seio da
Revolução Industrial, o Proletariado.
Outro estudioso do mesmo fenômeno, Eric Hobsbawm, em sua obra intitulada
“A Era das Revoluções”, afirma que a Revolução Industrial, dada a sua magnitude,
não pode ser enquadrada em termos rígidos, com marcos de início de maneira
inflexível. Neste sentido, a Inglaterra foi o terreno fértil para o desenvolvimento
original do capitalismo industrial (economia feudal desarticulada, manufatura
disseminada, mão-de-obra abundante e “homens de negócio”).28
Ainda segundo o historiador inglês, nas primeiras décadas o que se percebe é
um capitalismo monopolista que se utiliza do aparelho de estado para conquistar
mercados para seus produtos industrializados.
Uma vez consolidado o modo de produção capitalista do tipo industrial, emerge
com toda a força a chamada “ordem burguesa”. Esta só foi possível se legitimar
ideológica e juridicamente através do Estado Liberal. Novamente, é Antônio Avelãs
Nunes que vai chamar atenção para o pensamento de Adam Smith.
O economista escocês – contemporâneo dos primeiros passos da Revolução
Industrial e um dos mentores da nova ordem burguesa – asseverava, de maneira
muito lúcida, que o novo contrato estabelecido entre capitalistas e trabalhadores era
altamente desvantajoso para os segundos, dado o desequilíbrio entre as partes. Não
é só, reconhece textualmente que o Estado, e, portanto, a lei, favorece amplamente
a classe patronal.
28 HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções (1789-1848) . Trad. Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel. 4ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1982.
32
Note-se que outro problema apresentado pelo autor escocês é a dinamicidade
do processo de divisão do trabalho como propulsor do crescimento dos Estados,
denominados Nações.
Para Paulo Ricardo Opuszka, a divisão do trabalho em Smith, é a grande
causa do aumento da capacidade produtiva do próprio trabalho. Tal divisão poderia
ser copiada por outros ramos da produção generalizando-se.
Assim destaca o referido autor:
A vantagem da divisão do trabalho poderia ser demonstrada em três circunstâncias: maior destreza do trabalhador, já que confia uma tarefa específica à capacidade de aprimorá-la e assim, a capacidade e a habilitação técnica aumentariam; economia do tempo, quanto mais rápida a produção, mais tempo se ganharia no produto final do trabalho com o aumento da produção; utilização da maquinaria, inventada por operários construtores de máquinas, ou ainda, filósofos inventores29.
Mais do que isso, o liberalismo burguês, a partir de ideias também de David
Ricardo e Stuart Mill, constitui um conjunto de valores que forjou o século XIX, quais
sejam: liberdade de empresa, liberdade de concorrência, liberdade individual, a não
intervenção estatal nos negócios, iniciativa privada e o lucro como valor supremo.
Em suma, tivemos um período de longa hegemonia da ideologia do liberalismo
burguês, aqui entendido como o reino das liberdades econômicas, públicas,
políticas, da igualdade jurídica e da liberdade contratual, tudo sob um prisma
estritamente subjetivo, abstrato e individual.
A questão é que o capitalismo demonstrou-se, desde muito cedo, ser um
sistema econômico altamente volátil, e, por consequência, fortemente suscetível às
crises cíclicas e estruturais.
É nesta perspectiva que Vital Moreira revela que a incapacidade do sistema
para responder por si as perturbações do aparelho econômico provocadas por crises
cada vez mais agudas, obrigou o Estado a procurar disciplinar e economia no seu
conjunto.
Vital Moreira passa a tratar da expressão “intervenção econômica do Estado”.
Desde há muito tempo que o espaço da economia não é independente da atuação
estatal. Há na realidade uma interdependência entre as esferas mencionadas. A
29 OPUSZKA, Paulo Ricardo. Categorias fundantes da Economia de Mercado e elementos de uma análise crítica. In ASSAFIM, João Marcelo de Lima e SILVA, Nelson Finotti (orgs.). Direitos Humanos Fundamentais e Desenvolvimento Social . Rio de Janeiro: Letras Jurídicas, 2014, p.246.
33
vetusta separação estado-sociedade pertence ao já definhado Estado liberal. De
outro lado, é da essência do sistema capitalista, ver o Estado como algo intruso
quando este opera na ordem econômica. Entretanto, há uma mediação correta que
afirma que “o estado e a ordem jurídica são pressupostos inerentes à economia”. 30
O Estado Gendarme foi sepultado no século XIX, período no qual se assinala o
ponto zero da intervenção econômica. O autor sustenta a ideia de que o sistema
capitalista e o estado sempre mantiveram algum tipo de relação, nos mais variados
períodos históricos. Portanto, a suposta fronteira que separaria as duas esferas
(público/privada) jamais existiu, desautorizando os cânones liberais. Tanto no
Estado liberal, quanto no Estado social, o político e o econômico são dimensões
inseparáveis. O Estado liberal é a expressão da supremacia da infraestrutura
(economia), já o estado social, é a supremacia da política (superestrutura).
E qual seria o contexto histórico deste período de transição?
Vital Moreira afirma que é a guerra de 1914 que melhor representa o marco de
passagem para uma nova forma econômica. A primeira guerra mundial quebra a
tradição do liberalismo econômico, evidenciando a necessidade do controle integral
e coativo da vida econômica, constituindo uma experiência concreta de total
disciplina pública da economia.
No entendimento de Vital Moreira, a separação de princípio entre o estado e a
economia deu lugar à interpretação recíproca, num processo de politização do
econômico ou de economização do político, em uma relação dialética. Do Estado de
guarda noturno, abstencionista e negativo, passa-se ao estado afirmativo ou
positivo. Enfim noutra perspectiva que inclui ambos os aspectos da questão, ao
capitalismo de concorrência liberal e privado, substitui-se o capitalismo monopolista
de estado.
Emerson Gabardo completa a descrição deste modelo de estado que deu lugar
ao estado “providência” com suas marcantes características, senão vejamos:
redistribuição de renda; fixação de preços e controle do mercado.31
O ordenamento jurídico deste período (pós 2ª guerra) teve que adequar-se ao
que seria a “ordem pública econômica”. É o que o referido jurista chama de
30 MOREIRA, Vital. A ordem jurídica do Capitalismo . 3ª. Edição. Coimbra: Centelha. 1978. 31 GABARDO, Emerson. Interesse público e subsidiariedade . Belo Horizonte: Fórum, 2009.
34
“Constituição Econômica”. A Constituição Mexicana (1.917) e a de Weimar (1.919)
são predecessoras deste paradigma.
O “Estado Social” seria uma espécie de terceira via, nem liberal, nem “estado
forte” – que conjuga a intervenção a partir normas democráticas que não violem os
valores da cidadania, nem suprima direitos individuais.
De outro lado, esta metamorfose estatal define a supremacia do interesse
coletivo sobre o individual. É a troca da “mão invisível” do mercado, como um dado
natural, pelo controle estatal na correção das falhas do modelo liberal.
Na esteira deste raciocínio, o Antônio Avelãs Nunes, em tom crítico, ao citar o
prêmio Nobel de Economia de 1969, o economista Jan Tinbergen, afirma o equívoco
deste em considerar uma tentativa de “convergência dos sistemas”. Para o
economista holandês, o Estado Social seria um “sistema híbrido”, intermediário entre
o capitalismo e o socialismo.
Na visão de Tinbergen, o modelo que ressurgiu no pós-2ª. Guerra Mundial – de
forte intervenção e controle estatal – seria uma forma de “capitalismo social” ou
“economia social de mercado”.
É no quadro dos anos 70 que o discurso liberal – que hibernou ao longo de três
décadas – encontrou solo fértil para se reapresentar como projeto de oposição ao
“Wellfare State”. Dos dois lados do atlântico, governos ultraconservadores (do ponto
de vista político) e neoliberais (do ponto de vista econômico) – M.Thatcher e
R.Reagan – foram os arautos da nova/velha ordem, imbuídos do ideário do século
XIX. O consenso de Washington (1989) é o ápice deste retorno aos cânones
liberais. A “indisciplina fiscal” é a grande vilã do estado gastador, perdulário e
ineficiente. Em outros termos, a ideologia neoliberal advogou o desmonte do estado
de bem-estar social, já que, este seria um empecilho ao crescimento e
desenvolvimento econômicos. O capitalismo, como sistema econômico, é composto
por períodos históricos e segue uma sucessão de “crises”. A globalização, dentro da
História do Capitalismo, é, ao mesmo tempo, um período e uma crise. Como
período, o sistema capitalista é global, pois funciona em todas as partes e tudo
influencia. Como crise é uma crise persistente com efeitos duradouros, aquilo que se
pode chamar de “crise estrutural”.32
32 NUNES, Antônio Avelãs. Do capitalismo ao Socialismo . Florianópolis: Fundação Boiteux. 2007.
35
A globalização gera a tirania do dinheiro e da informação (controle dos
“espíritos”). A crise financeira gera outras crises: econômica, social, moral, política.
Todos estes problemas foram agravados pela diminuição do Estado. Esta
perversidade sistêmica gera ainda a corrupção e a morte da política, já que esta
passa a ter como protagonista os interesses das grandes corporações que
passaram a ser parceiras do Estado, conforme percuciente avaliação do pensador e
geógrafo brasileiro Milton Santos.33
Já para o sociólogo português Boaventura de Souza Santos, a Globalização é
um fenômeno multifacetado, pois afeta mais visivelmente a Economia, mas atinge a
Política, as relações sociais e o próprio Direito. O fenômeno da Globalização
aprofundou-se a partir do chamado “consenso neoliberal” que afirma o fim dos
paradigmas tradicionais (Revolução ou Reforma), a morte das Ideologias
(fascismo/comunismo), a hegemonia absoluta da Democracia Liberal e da Economia
de Mercado (regulação estatal mínima), programas de ajustamento estrutural,
protagonismo das agências financeiras de “rating” e das grandes corporações.34
Por outro lado, o declínio do Estado-nação – que significa uma crise de
soberania – como consequência mais visível do avanço da globalização e do
neoliberalismo implicaram efeitos nefastos na esfera política e na dimensão jurídica,
como bem assinalou o Abili Castro de Lima. A assumir, ainda que parcialmente, o
espaço deixado pelo Estado, há o protagonismo das grandes corporações
multinacionais. Segundo Abili, a transnacionalização da economia seria o motor para
esta inversão de papéis, numa reconfiguração das fronteiras políticas e econômicas.
Os efeitos sociais deste movimento em escala global serão negativamente
incalculáveis, atingindo a todos os países. 35
Todavia, a sua incidência será mais contundente sobre as nações mais pobres,
em desenvolvimento, àquelas que têm que se posicionar segundo a nova/velha
divisão social do trabalho.
Por fim, o José Manuel Pureza, reforça a ideia apresentada pelo professor
brasileiro naquilo que chamou de “redirecionamento do Estado”, o que admite uma
33 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 5ª. Edição. Rio de Janeiro: Record, 2001. 34 SANTOS, Boaventura de Souza. Efeitos da Globalização e Neoliberalismo na garantia dos Direitos Humanos. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). A Globalização e as Ciências Sociais . 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002. 35 CASTRO DE LIMA, Abíli Lázaro. Globalização Econômica Política e Direito (Análise das mazelas causadas no plano político-jurídico). Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2002.
36
evidente fragilização do ente estatal, sobretudo na garantia do chamado “contrato
social” quanto à preservação de políticas de inclusão. Ainda, segundo Manuel
Pureza, a globalização assim conduzida atribui toda a prioridade à
complementaridade entre autonomia dos mercados e “Estados facilitadores”,
orientada para a liberalização, a privatização, a desregulamentação da economia, a
retratação dos gastos com bens públicos e dos encargos com o bem-estar social, a
plena mobilidade dos capitais e a sujeição do mercado de trabalho em simultâneo
com um estrito controlo internacional e uma total flexibilidade nacional. 36
3.2 Estado e direitos sociais
É indene de dúvida de que, ao lado da Revolução Industrial, a Revolução
Francesa marca de maneira indelével a modernidade política e jurídica, bem como
as relações em um novo espaço social. Na realidade, a Revolução Francesa é a
consolidação do poder e da ideologia burgueses por toda a Europa Ocidental.
A Revolução Francesa (1.789) distingue-se das demais revoluções por duas
características que lhe são essenciais: a) a sua universalidade, pois seus valores
transcendem as fronteiras europeias; b) a importância dos movimentos populares,
seja na cidade (sans culottes), seja no meio rural (camponeses), fato que a tornará
inigualável, pois tais segmentos foram a vanguarda num processo de demanda e
alargamento de direitos.
A despeito destas características, a Revolução Francesa acentuou o aspecto
da conquista do poder político por uma classe que já era detentora do poder
econômico. A Revolução Francesa se constitui na destruição do “Antigo Regime”,
sobretudo dos elos e dos privilégios medievais da nobreza e do clero. O chamado 3º
Estado (burguesia e classes populares, no campo/cidade) é a vanguarda do
processo revolucionário, evidentemente que o setor dirigente deste movimento foi a
culta burguesia francesa.
Some-se a tudo isso, o ideário iluminista que solidificou os princípios
ideológicos da Revolução: as potencialidades da razão contra o obscurantismo do
absolutismo e sua defesa inconteste do direito natural (vida, liberdade, propriedade).
36 PUREZA, José Manuel. Por um internacionalismo pós-westefaliano. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). A Globalização e as Ciências Sociais . 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
37
Por outro lado, o processo francês é revolucionário porque do confronto direto entre
as classes, emergiu um grupo social vencedor e o outro derrotado.
No plano econômico, todos os privilégios feudais e corporativos foram abolidos.
No plano jurídico, foi proclamada a igualdade civil e jurídica. Nada obstante a
retórica da igualdade cidadã há que se esclarecer que a nova ordem burguesa, ao
mesmo tempo em que assegurava serem os homens “livres e iguais”, assegurava
também o direito de propriedade como “inviolável e sagrado” (Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão).
A mesma ordem burguesa, no plano político, adotou o sufrágio censitário que
dividiu os homens em duas categorias, a saber: cidadãos ativos e passivos. Com
base na renda econômica, os últimos estavam excluídos do direito de votar e de ser
eleito. Já os cidadãos ativos, em função do critério da renda, eram cidadãos
completos, com todos os direitos.
No plano das relações sociais de produção (trabalho), a nova ordem burguesa
foi igualmente conservadora e excludente, pois a assembleia constituinte formulou a
Lei de Chapelier (1.791), (Le Chapelier, advogado constituinte), que vedava o direito
de associação/sindicalização (organização) dos trabalhadores e proibia o direito de
greve.
Os limites e as contradições do projeto burguês revolucionário são flagrantes,
máxime, se confrontados o discurso (pró-direitos) e a prática (excludente de
direitos). Concretamente, o que prevaleceu foi o individualismo, marca do liberalismo
burguês e as teses do contratualismo que formarão a ideologia hegemônica no
século XIX.
Poderíamos sintetizar que, além do direito inalienável e sagrado da
propriedade, estariam asseguradas a Igualdade Jurídica (Civil) e a liberdade
contratual, como pressuposto teórico, segundo o qual todos os indivíduos (racionais)
são livres para estabelecer contratos, para firmar contratos, fundados na autonomia
da vontade individual. Tudo sob um prisma profundamente individualista.
Como o próprio historiador inglês Eric Hobsbawm observou o movimento
revolucionário francês nada tinha de democrático ou igualitário. Como bem destacou
Hobsbawm, o burguês revolucionário do período é um devoto do constitucionalismo,
a favor de um Estado secular e de garantias para a livre empresa e os proprietários.
38
Por outro lado, o fenômeno da industrialização acirrou sobremaneira a luta de
classes, como assinalou Marx no Manifesto Comunista: “a História de toda a
sociedade até os nossos dias é a História da luta de classes”.37
Um fenômeno histórico antigo atingiu seu paroxismo já que a indústria
aumentou sensivelmente a distância entre ricos e pobres. Aliás, a ascensão
burguesa foi fulminante.
A crítica marxista ao conceito de “igualdade jurídica”, sobretudo se considerada
a relação entre “burgueses e proletários”, não tardou a emergir, conforme bem
observou Luciano Gruppi que à revolução jurídica (igualdade formal) deveria
desencadear-se uma revolução econômica e social a caminho de uma igualdade
material, fato que os limites da revolução burguesa não possibilitaram. 38
Na ótica de Marx a Igualdade Jurídica teria a função de ocultar as
desigualdades sociais. O caráter generalizante e abstracionista (generalidade e
abstração) da LEI oculta que, na realidade concreta, os indivíduos são radicalmente
desiguais e convivem em um meio social fortemente hierarquizado (econômica e
politicamente).
A partir de uma leitura materialista da sociedade, Marx já havia asseverado de
forma peremptória que “o modo de produção da vida material condiciona o processo
de vida social, política e intelectual.” Ou seja, o Estado e a Lei seriam expressões
(reflexos) das relações de produção travadas na infraestrutura das sociedades.39
Esta perspectiva da filosofia materialista permite a Marx também questionar qual o
significado da categoria “trabalhadores não proprietários” na sociedade burguesa.
Qual o papel a ser desempenhado pelo Estado e pelo Direito Privado nas relações
sociais de produção.
De qualquer sorte, há um legado das duas revoluções sob comento
(industrial/econômica e francesa/política/jurídica) a ser defendido, qual seja: ideias
morais que sustentaram serem os indivíduos os responsáveis pela riqueza coletiva
das nações por intermédio de um Estado democrático e social, isto, já no século XX.
37 HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções (1789-1848) . Trad. Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel. 4ª. edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1982. 38 GRUPPI, Luciano. Tudo começou com Maquiavel (As concepções de Estado em Marx, Engels, Lênin e Gramsci). Trad. Darcio Canali, 5ª. ed. Porto Alegre: L & PM Editores, 1986. 39 MARX, Karl. História . Org. Florestan Fernandes. Trad. Florestan Fernandes, 2ª. Ed. São Paulo: Àtica, 1984.
39
Os direitos sociais nasceram no contexto histórico do período entre guerras, e
não havia antecedentes nem no jusnaturalismo, nem no positivismo jurídico.
Decorrem do novo Estado social, e passam a ser a coluna cervical das modernas
constituições do século XX. O Direito ao trabalho e ao salário justo seriam dois bons
exemplos deste modelo. Aparentemente o direito ao trabalho é incompatível com o
caráter volátil e transitório da economia capitalista.
O pleno emprego seria uma utopia. O direito ao trabalho exigiria uma
intervenção do Estado sobre o mercado de trabalho, subsidiando-o, estimulando-o
fiscalmente, para efetivação de tal direito. É, na realidade, uma diretiva
constitucional. Já o direito ao salário justo, trata de início, de estabelecer seu
significado.
Ou o salário justo tem esta qualidade porque responde a todos os requisitos de
um bom padrão de vida, ou é justo porque ele é uma contribuição adequada ao
trabalho realizado. Nas duas situações, há graves dificuldades quanto a sua
definição. Os limites da economia capitalista acabam por frustrar a implementação
desses dois direitos. Aqui temos outra “diretiva constitucional”. Em outros termos, há
“um débil alcance normativo dos direitos sociais”. O sistema econômico tem sido o
limite implacável destes direitos.
Por outro lado, contemporaneamente os direitos fundamentais da propriedade
e da liberdade de empresa já não se restringem a esfera individual, mas estariam
subordinadas ao bem comum. É a partir daí, que se pode falar em “função social”
destes institutos previstos na constituição, ou seja, o interesse geral e o bem comum
prevaleceriam sobre a dimensão individual na ordem econômica.
O sujeito econômico seriam a grande corporação e o sistema financeiro, na
realidade portentosas instituições, com fundamentos econômicos fixados na
constituição, daí a propalada “responsabilidade social”. Todos estes ingredientes
colocados diante dos seus trabalhadores, consumidores e a própria sociedade.
Todavia, argumentos de ordem mais pragmática – “a intocabilidade do direito
econômico” – acabam por soterrar muitos dos direitos sociais. Vital Moreira
questiona qual é o real significado da expressão “estado social”, previsto em tantas
constituições europeias. Para Vital Moreira a adversidade conceitual já é uma
amostra das limitações deste modelo no que toca à efetividade dos direitos sociais.40
40 MOREIRA, Vital. A ordem jurídica do Capitalismo . 3ª. Edição. Coimbra: Centelha. 1978
40
A estes óbices de ordem econômico/jurídico, acresça-se a brutal investida da
globalização na desconstrução de inúmeros direitos sociais, sobretudo, os direitos
trabalhistas.
Nesta seara, Abili Castro com muita propriedade fala de “dissipação dos
direitos sociais” através da flexibilização e desregulamentação dos direitos
trabalhistas. É bom que se afirme que tais conceitos se transformaram em
verdadeiras palavras de ordem ao longo da década de noventa, adentrando este
século.
Resta claro que na sua origem os direitos sociais surgiram a partir de uma
concepção cidadã nos textos constitucionais dos assim chamados Estados de Bem-
Estar Social. Portanto, tais direitos, o que inclui o direito ao trabalho, estão
umbilicalmente ligados à própria ideia de cidadania e “padrões dignos de existência
na persecução de um equilíbrio social”, nas sábias palavras do professor brasileiro.
Abili Castro não tem qualquer dúvida quanto a ameaça que o processo de
globalização representa no campo jurídico ao emascular os direitos sociais, abrindo
as portas para um deletério retrocesso em termos histórico e civilizatório. Neste
sentido, o Estado não teria mais a missão primordial de minorar as abissais
diferenças sociais inscritas na comunidade. Antes ao contrário, o papel do Estado
seria garantir a liberdade da ordem econômica, inclusive, a partir dos textos
constitucionais. O resultado disso é a “dissipação dos direitos sociais”, em um
momento em que a economia se sobrepõe à política e ao próprio direito, incluindo-se
aqueles de índole trabalhista. 41
Por óbvio que a relações de trabalho contemporâneas devem ser pensadas no
marco do modo de produção capitalista e, mais precisamente, em sua fase atual
(neoliberalismo e globalização).
A globalização modificou profundamente a relação entre capital e trabalho.
Para o sociólogo Boaventura de Souza Santos as consequências sociais
decorrentes da globalização são conhecidas e independem em que continente ou
país em que são produzidas. Mesmo no país que pode ser considerado o carro-
chefe deste sistema dominante, os E.U.A., passa por um processo de degradação
social nunca antes visto, já que 1% das famílias americanas detinha 40% da riqueza
41 CASTRO DE LIMA, Abíli Lázaro. Globalização Econômica Política e Direito (Análise das mazelas causadas no plano político-jurídico). Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2002.
41
do país e as 20% mais ricas detinham 80% desta mesma riqueza (dados do FED,
para o final da década de 80).
No plano das relações de trabalho, a visão de Boaventura Santos não é menos
realista quanto aos efeitos nefastos da globalização:
No domínio da globalização social, o consenso neoliberal é o de que o crescimento e a estabilidade econômicos assentam na redução dos custos salariais, para o que é necessário liberalizar o mercado de trabalho, reduzindo os direitos laborais, proibindo a indexação dos salários aos ganhos de produtividade e os ajustamentos em relação ao custo de vida e eliminando a prazo a legislação sobre salário mínimo. O objetivo é impedir “o impacto inflacionário dos aumentos salariais”.
Na linguagem da tecnocracia econômica dominante é o chamado “custo país”,
na visão fundamentalista do discurso globalizante trata-se de um sério entrave ao
crescimento econômico.
Por óbvio que o enfraquecimento do fator “trabalho” tem relação direta com a
desarticulação do Estado, seu esvaziamento, a anemia funcional a que foi
submetido a partir dos anos oitenta. É o consenso do “Estado fraco”. Ainda segundo
Boaventura sugere-se que o “Estado é o oposto da sociedade civil e potencialmente
seu inimigo. Daí que o Estado fraco seja também tendencialmente o Estado mínimo.
O consenso do Estado fraco visa repor a ideia do estado liberal original”. 42
No quadro da globalização e suas consequências, o sociólogo português não
deixa de assinalar o papel do Direito:
Muito diferente deste processo é o que, na mesma área da justiça e do direito, tem vindo a ser protagonizado pelos países centrais, através de suas agências de cooperação e assistência internacional, e pelo Banco Mundial, FMI e Banco Interamericano para o Desenvolvimento, no sentido de promover nos países semiperiféricos e periféricos profundas reformas jurídicas e judiciais que tornem possível a criação de uma institucionalidade jurídica e judicial eficiente e adaptada ao novo modelo de desenvolvimento, assente na prioridade do mercado e das relações mercantis entre cidadãos e agentes econômicos.43
O ocaso do Estado de Bem-Estar social, a Globalização, o Capitalismo
essencialmente financeiro e a batalha desigual entre a “Ordem Econômica e os
42 SANTOS, Boaventura de Souza. Efeitos da Globalização e Neoliberalismo na garantia dos Direitos Humanos. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). A Globalização e as Ciências Sociais . 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002. 43 SANTOS, Boaventura de Souza. Efeitos da Globalização e Neoliberalismo na garantia dos Direitos Humanos. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). A Globalização e as Ciências Sociais . 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
42
Direitos Sociais”, no plano constitucional colocam a questão da rendição e um
processo de erosão das normas de proteção dos desiguais na ordem do dia do
debate sobre as sociedades contemporâneas.
No capítulo seguinte, opta-se por fazer uma leitura crítica destas candentes
questões à luz da História do Brasil, considerando nossas especificidades e
particularidades se comparadas com a experiência vivenciada nos países do
Capitalismo central ainda no sentido de apresentar o processo de rendição dos
direitos sociais (ou ainda, a tentativa do mesmo) na luta por um Direito do Trabalho
da sociedade brasileira.
43
4. A ORDEM ECONÔMICA E POLÍTICA COMO ÓBICES À DIGNI DADE DA
PESSOA HUMANA NO BRASIL
4.1 Colônia e Império ou a inexistência de direitos
O processo histórico brasileiro, ao cabo de suas diferentes fases, produziu um
conceito de cidadania deveras limitado, quando não inexistente. As raízes profundas
da História brasileira que, por óbvio, têm as mais diversas nuances, explicam o
acentuado grau de dificuldades que resultaram em uma noção de cidadania muito
diferente daquela construída pelos países que passaram pelas chamadas
“revoluções burguesas”, notadamente a França. Mas não é só isso, mesmo alguns
dos nossos vizinhos latino-americanos, por razões históricas variadas, conseguiram
avançar mais do que nós no campo da construção de direitos elementares.
É evidente que a realidade brasileira, do passado e do presente, tem,
obrigatoriamente, que ser pensada no quadro do modo de produção capitalista.
Como é de conhecimento geral o capitalismo, como sistema econômico, é composto
por períodos históricos muito diferentes e segue uma sucessão de “crises”.
Como bem observou o professor Vital Moreira, o capitalismo domina a História
econômica, social, política e ideológica dos últimos dois séculos, mas suas origens
remotas encontram-se já no final do século XV. Mais do que isso, o pensador
português assinala que o capitalismo, como sistema social, não é apenas um fato
econômico: é também um fato jurídico e um fato político.44
Quando o Brasil se tornou uma colônia da metrópole portuguesa, o capitalismo
em sua fase muito inicial, denominada por Marx como “acumulação primitiva do
capital”, foi o resultado da ação cada vez mais protagonista de uma nova classe
urbana, comerciante, especuladora e financeira que inicia os primeiros passos do
sistema capitalista sob a forma mercantil.
É o que Antônio Avelãs Nunes chamou de a “mundialização do comércio”. Em
outros termos, banqueiros e comerciantes foram os grandes beneficiários desta
espoliação dos recursos naturais retirados das Américas, sendo ouro e prata em
particular. A colonização das “novas terras” tornou-se a primeira grande empresa
44 MOREIRA, Vital. A ordem jurídica do Capitalismo . 3ª. Edição. Coimbra: Centelha, 1978.
44
capitalista organizada com tentáculos para além dos limites da Europa. A inserção
do Brasil dentro deste sistema mercantil é exclusivamente de fornecedor de matéria-
prima e assim o será desde o século XVI até as duas primeiras décadas do século
XIX.45
Por evidente que este gigantesco mecanismo de “acumulação primitiva de
capital”, esta empresa mercantil uniu economicamente a Europa ocidental às
Américas.
Tal empreendimento teve como um dos seus tripés a utilização da mão-de-obra
compulsória explorada intensamente nos imensos latifúndios que se estabeleceram
desde o princípio. Inicialmente sob a forma de “servidão” – largamente utilizada nos
países hispânicos – e, no caso do Brasil, exclusivamente sob a forma de escravidão,
primeiro em relação aos chamados “povos originários”, e depois, com as
comunidades negras trazidas da África.
Do ponto de vista jurídico, o historiador do Direito José Reinaldo de Lima Lopes
detalhou o funcionamento do “sistema judicial” no Brasil colonial, principalmente nos
casos que envolvessem matéria criminal. Nesta seara, Lima Lopes afirma que os
alvos preferenciais desta “justiça” que deveria punir com exemplaridade eram os
“brancos pobres, ou os libertos, os pequenos artesãos e os trabalhadores braçais”.
Os negros escravos eram, em regra, resgatados por interesses de seus proprietários
e castigados privadamente. José Reinaldo afirma que a escravidão (de índios e
negros), os privilégios sociais decorrentes da origem estamental, o caráter colonial e
espoliativo da exploração da terra e das populações pobres “impôs ao direito
brasileiro, do ponto de vista da proteção de grandes setores da população, pouca
efetividade”. 46
Sobre o Brasil-Colônia, o historiador do Direito Antônio Carlos Wolkmer, faz
uma análise muito semelhante a que foi até aqui traçada. Do ponto de vista político,
há um descompasso completo entre as demandas da massa miserável e as
autoridades que a metrópole, senhores de escravos e proprietários de terras, em
suma, o “casamento” entre a coroa e as elites locais. Do ponto de vista jurídico,
Wolkmer considera aquilo que virou uma tradição na História do Direito brasileiro:
45 NUNES, Antonio Avelãs. Os sistemas Econômicos: gênese e evolução do capitalismo. Coimbra: Serviços de acção social da U.C., 2009. 46 LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História: lições introdutórias. São Paulo: Max Limonad, 2002.
45
um espaço abissal entre os interesses das elites governantes e esmagadora maioria
da população. Ainda, segundo o referido historiador, “... no Brasil-Colônia, a
administração da justiça atuou sempre como instrumento de dominação colonial”, o
que tem como corolário lógico a impossibilidade completa de se instituir qualquer
noção mínima de cidadania durante o longo período colonial.47
A segunda fase da História do Brasil, considerada a divisão clássica da
historiografia, é representada pelo Império, cuja duração foi de 1822 a 1889. O
contexto histórico do processo de independência reflete um período posterior às
Revoluções Americana e Francesa, um período influenciado pela ascensão da
burguesia, no qual vicejavam ideias liberais, fruto do pensamento Iluminista.
A independência constitui um movimento cujo conteúdo é extremamente
conservador, que se dá sem rupturas com o regime colonial anterior. Em outros
termos, no inusitado processo brasileiro de independência, “guerras”, rebeliões, ou
revoluções, como as que ocorreram em quase todos os países que hoje compõem a
América Latina, simplesmente inexistiram. Ao contrário de rupturas políticas,
institucionais e sociais, o que ocorreu foi a manutenção das velhas fórmulas desde
os tempos coloniais: a persistência da Monarquia e do Imperador, ou seja, a falta de
um modelo republicano; e, sobretudo a manutenção da escravidão e do latifúndio.
Mais do que isso, na visão da historiografia mais arejada, é consenso de que a
independência foi um movimento que se deu a partir das elites nativas, portanto foi
forjada em processo bastante elitista. Disso decorreu uma falta de participação
popular, tendo em vista a ausência de temas de interesse do povo, tais como:
abolição da escravatura; democratização da terra; sufrágio universal, melhoria das
condições de vida, dentre outros.
Aos dois fatos acima conjugados some-se a adoção de uma ideologia liberal,
de cunho individualista, mas que é praticada essencialmente no campo econômico,
em seus principais fundamentos: propriedade privada, livre empresa e livre
comércio.
Juridicamente, a construção de um “estado nacional soberano” requer a
elaboração de um ordenamento jurídico pátrio. O primeiro passo neste sentido
demandou a feitura de uma Constituição. O histórico deste documento jurídico já
denuncia seu vício essencial de origem, posto que a primeira Constituição brasileira,
47 WOLKMER, Antônio Carlos. História do Direito no Brasil . Rio de Janeiro: Forense, 2002.
46
não é o resultado da expressão da “vontade popular” – como queriam os iluministas
franceses. Ao contrário, os fatos se sucederam da seguinte maneira: uma
Constituinte foi convocada em 1822, dissolvida em 1823, sendo a carta
constitucional do Império outorgada no ano de 1824.
Ressalte-se a posição de professor Wolkmer que denuncia a escancarada
contradição entre a consciência liberal no texto constitucional e a existência do
sistema escravocrata adicionado da exclusão dos brasileiros livres e pobres. Seria a
“contradição entre o formalismo retórico do texto constitucional e a realidade social
agrária”.48
Do ponto de vista do reconhecimento de direitos elementares e o conceito de
cidadão, é relevante pinçar no texto constitucional alguns pontos que são cruciais
para responder aos dois desafios propostos. A Constituição do Império traz as
seguintes questões que restringem severamente tanto direitos, quanto à cidadania,
senão vejamos: a) voto censitário – traz para a arena política um critério econômico
para alguém votar e ser votado, incluídos no jogo eleitoral apenas os indivíduos com
renda superior; b) religião oficial (a união entre o Estado e a Igreja) – a ausência de
um estado laico implica negar a liberdade de culto, o acesso às funções públicas, e
os direitos políticos para todos aqueles que não professassem a fé católica; c) a
propriedade, o que inclui o latifúndio e os escravos.
A questão da propriedade, em face de sua relevância histórica e sérias
consequências ainda no presente, merece destaque. É importante ressaltar o fato de
que o Brasil foi o último país das Américas a por fim ao trabalho escravo. Tal fato só
foi possível tendo em vista a tenaz resistência das elites rurais brasileiras,
proprietárias de escravos. Aqui, Volkmer afirma que tanto o texto constitucional,
quanto o Código Criminal ocultaram deliberadamente a questão da escravidão. Para
Antônio Volkmer, a visão jurídica do Império assim se apresentava: “O formalismo
oficial ocultava uma postura autoritária e etnocêntrica do legislador da primeira
metade do século XIX, com relação a certos segmentos marginalizados e excluídos
da cidadania.”
Assim como a escravidão, o regime de propriedade da terra não sofreu
alterações na transição entre a Colônia e o Império. Ou seja, a grande propriedade
rural (latifúndio), nascida com as capitanias hereditárias, manteve-se intacta sendo
48 WOLKMER, Antônio Carlos. História do Direito no Brasil . Rio de Janeiro: Forense, 2002.
47
adquirida pelos grandes proprietários de terra através de doação ou posse. Mesmo
após a Lei de Terras de 1850 – que supostamente modernizaria compra de terras
devolutas em leilões públicos – a concentração fundiária só se aprofundou até os
dias de hoje. Aliás, o historiador José Reinaldo havia alertado para a questão central
que se constituiu a propriedade para a História do Brasil, e isto em dois sentidos: a
questão da mão-de-obra (escrava ou imigrante); a centralidade do instituto da
propriedade para o próprio Direito privado, no qual ela passou a ter uma dimensão
ilimitada, ou um “exercício quase que despótico do poder político dos
proprietários.”49
De outro lado, a legislação infraconstitucional também não propiciou direitos,
nem cidadania. Há uma relação direta entre o processo de codificação executado no
Brasil-Império e a ideia de cidadania, só que de maneira inversa ao processo
ocorrido na França do século XVIII e seus pares. Assim, por oposição cerrada dos
latifundiários, (proprietários de escravos), não tivemos um Código Civil – ainda que
com um viés elitista. É muito simbólico que o Brasil Imperial tenha iniciado o seu
processo de codificação a partir do Código Criminal (1830), seguido do Código de
Processo Criminal (1832).
Diante do ordenamento jurídico do Império, conclui-se não ser possível aventar
um país composto de cidadãos, com direitos mínimos. Ao contrário, uma leitura
crítica, mas precisa da fase imperial nos remete a uma cidadania muito restrita, onde
liberdade, propriedade e segurança não são direitos, mas privilégios.
4.2 República: gradualismo e incompletude de direit os
A terceira fase da História do Brasil é a republicana e se inicia em 1889 com a
queda do Império. A república instituída não decorreu de um processo
revolucionário, como na França, por exemplo. Foi, antes sim, o resultado de um
golpe de estado, articulado pelo exército com alguns setores civis. Assim como o
processo de Independência, a proclamação da república sofreu de uma ausência
popular, o que demonstra, desde o princípio, o caráter altamente elitista deste
regime. O historiador José Murilo de Carvalho relata que o povo ou as “massas”
49 LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História: lições introdutórias. São Paulo: Max Limonad, 2002.
48
assistiram atônitas à proclamação da república, que em vez de “ter sido protagonista
dos acontecimentos, assistira a tudo bestializado, sem compreender o que se
passava, julgando ver talvez uma parada militar.”50 A frase é lapidar no sentido de
demonstrar a falta de uma participação cidadã em um evento tão espetacular. Não
por acaso, a esta primeira fase é chamada de a República Oligárquica (1889/1930),
vindo a se constituir em modelo politicamente conduzido pelas elites locais, tendo o
protagonismo dos oligarcas paulistas e mineiros.
Para entender este período da república é fundamental desvendar as
ideologias que habitavam as mentes das nossas elites. Assim, duas poderosas
vertentes ideológicas estão presentes neste momento, a saber: a) Liberalismo
individualista, a partir do princípio do “laissez-faire” - ou seja, o estado não tem
função reguladora, logo, não deve interferir nas atividades produtivas, nas relações
sociais, nas relações de propriedade. Cite-se como exemplo o fato de que a
educação fundamental deixa de ser obrigação do Estado; b) Positivismo - a
república recepcionou fortemente o Positivismo, inclusive na divisa da bandeira
(“ORDEM e PROGRESSO”). A influência do Positivismo vai gerar uma mentalidade
conservadora e autoritária entre nossos intelectuais (juristas), nas faculdades de
Direito e nos políticos. Segundo o ideário positivista “As mudanças sociais se dão
através da evolução gradual da sociedade e suas instituições, e não através da
revolução”. No plano jurídico, a primeira Constituição republicana (1.891), imbuída
de um espírito inovador, adotou alguns institutos modernizantes no que toca a
ampliar o conceito de cidadania. O texto constitucional impõe a liberdade de culto,
decretando o fim da religião de estado, ou seja, separando Igreja do Estado (Laico).
De outro lado, há uma modernização no campo dos direitos políticos com a
adoção do voto universal e o fim do voto censitário. Neste ponto, é importante
ressaltar que o voto universal, apesar de ser um avanço em relação ao modelo
anterior, excluía da arena política as mulheres e os analfabetos, tornando o exercício
do direito do voto à uma parcela ínfima da população.
Ninguém melhor retratou a incidência da limitação de direitos sobre a ideia de
cidadão do que José Murilo de Carvalho, quando traça um paralelo com a
Constituição francesa de 1791:
50 CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1985.
49
(...) aliás incluída na própria Constituição brasileira, entre cidadãos ativos e cidadãos inativos, ou simples cidadãos. Os primeiros possuem, além dos direitos civis, os direitos políticos. Os últimos só possuem os direitos civis da cidadania. Só os primeiros são cidadãos plenos, possuidores do ius civitatis do direito romano. 51
É consenso entre os historiadores do direito que a Constituição de 1891 foi
fortemente influenciada pelo modelo norte-americano. Dai o peso da ideologia do
liberalismo individualista. No campo do direito privado, isto significa a absoluta
observância da “autonomia das vontades individuais” e o respeito incondicional à
“liberdade dos particulares”. Em outros termos, o interesse individual tende a se
sobrepor ao interesse coletivo ou público. O ordenamento jurídico privilegia direitos
individuais, dentro de uma perspectiva da “liberdade contratual”. Por outro lado, o
texto constitucional não assegurou os mais basilares direitos sociais, o que significa
que na República Oligárquica há uma massa de pobres e miseráveis, analfabetos,
desassistidos pelo Estado.
Conclui-se que, a despeito da pregação e do discurso liberal, na primeira
experiência republicana há uma prática conservadora e autoritária. Aliás, é de triste
memória o lema mais representativo desta fase da História republicana: “A questão
social é uma questão de polícia”. Exemplos não faltam que ilustrem este quadro
dramático de negação de cidadania e direitos básicos: Canudos, Contestado, a
perseguição às lideranças operárias do início do século, dentre outros.
O fim da República Oligárquica (1930), em grande medida, foi o resultado da
grande crise do liberalismo em escala mundial. Internamente, significou o começo da
chamada “Era Vargas” que vai durar, alternando democracia e ditadura, quinze
anos.
Por outro lado, anote-se, desde já, que a idealizada “Revolução de 1930” é um
movimento de oligarquias regionais descontentes com o protagonismo da elite
paulista. Em outros termos, são elites dissidentes, capitaneadas pela oligarquia
gaúcha que organizam o “movimento revolucionário”. Não se trata, portanto, de uma
“Revolução Popular”, antes sim, um rearranjo na composição de forças entre as
elites brasileiras. Aliás, o historiador Ítalo Tronca afirma: “a dominação oculta”, faz
51 CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1985.
50
uma análise muito precisa acerca do conteúdo político do movimento que levou
Vargas ao poder. Tronca afirma peremptoriamente que “A convergência desses
objetivos – exclusão, repressão, manipulação e controle dos trabalhadores – confere
conteúdo real àquilo que a História oficial (a memória dos vencedores) chama de
Revolução de 1930”. 52
Embora não seja uma revolução no sentido clássico do termo (a troca de
classes sociais no poder), 1930 marca uma profunda alteração na concepção do
Estado brasileiro. Os mandatários de 1930 propugnam por um Estado forte e
intervencionista. Na prática, qual é o significado disso? O Estado deve ser o
mediador (árbitro) dos conflitos entre as classes sociais; o Estado deve ser o
regulador de setores estratégicos da economia; o Estado deve ser o interventor no
campo do Direito, em especial, na produção legislativa.
Em síntese, há uma inversão do papel do Estado, que se transforma de uma
postura passiva – tipicamente liberal – para uma postura ativa, do tipo
intervencionista. Esta metamorfose estatal significou, dentre outras coisas, na
superação, ainda que parcial, do “princípio da primazia das liberdades particulares”.
Neste sentido, as relações sociais passam a ser mediadas pelo Estado, ou seja, a
“esfera pública invade a esfera privada”.
Há reflexo evidente deste novo papel do Estado na concepção do próprio
Direito. A intervenção estatal no campo jurídico produziu uma flexibilização da
primazia absoluta do Direito Privado, uma relativização da “autonomia das
vontades”. Pode-se falar em fim da liberdade contratual, sobretudo nas relações de
trabalho. Em suma, é o fim do predomínio absoluto do interesse privado sobre
interesses coletivos, que tenham um caráter social. Exemplos: Lei de Usura (1933)
que trata da limitação de juros; Legislação de Inquilinato, restritiva dos despejos
imotivados e aumento dos aluguéis; a criação do Ministério do Trabalho (1930).
No plano constitucional, o texto da Carta Magna de 1934, fruto de uma
assembleia constituinte, assegurou direitos políticos (voto secreto e o voto feminino),
instituiu a Justiça do Trabalho (ainda na esfera administrativa). Criou, pela primeira
vez, alguns direitos sociais, como o direito à Educação (Ensino básico passa a ser
obrigação do Estado), inclusive de índole trabalhista (salário mínimo, jornada de 8
horas, assistência médica, legislação sobre acidente de trabalho).
52 TRONCA, Ítalo. Revolução de 1930: a dominação oculta. 5ª ed. Editora Brasiliense, 1986.
51
Lamentavelmente, a deterioração do quadro político, no mundo e no Brasil fez
da Constituição de 1934, algo efêmero. O golpe de Estado realizado em
novembro/1937, protagonizado por Vargas e setores militares marca o início da
ditadura do Estado Novo. Este período que só terminará em 1945 é fortemente
marcado por uma centralização político/administrativa e jurídica, com tons
acentuados de autoritarismo.
A cidadania é novamente aviltada e, literalmente, engolida pelo todo-poderoso
Estado. O congresso é fechado, os partidos extintos, decreta-se o fim do período
das autonomias estaduais. Os estados perdem poder (político/jurídico).
Praticamente, toda a legislação relevante passa a ser de competência da União. Em
outros termos, o processo legislativo sai do âmbito do parlamento e passa para o
poder Executivo (Decretos; decretos-leis). O fim da função congressual significa o
próprio fim do sistema representativo.
Ideologicamente, há uma mudança profunda, pois se substitui o liberalismo
pelo corporativismo – que tem origem no termo “corporação de ofício” que vêm da
Idade Média. A Itália de Mussolini e Portugal de Salazar são os paradigmas a serem
copiados. A nação como um “todo homogêneo” está ancorada nas categorias
profissionais. Do ponto de vista ideológico, a ideia é fulminar com a concepção
marxista de luta de classes.
Por paradoxal que possa parecer, a Constituição de 1937, extremamente
autoritária e outorgada, manteve os direitos sociais do texto constitucional anterior.
Aliás, ampliou os direitos dos trabalhadores urbanos.
A estratégia da ditadura varguista parece apontar no seguinte sentido: em
nome da “Paz Social”, as relações entre capital/trabalho não podem mais ser
tratadas como se fossem particulares. Ao contrário, as relações laborais devem ser
reguladas, coordenadas e fiscalizadas pelo Estado. O símbolo maior da intervenção
estatal no âmbito das relações de trabalho é a CLT (01o./05/43); Compilação de toda
a legislação (decretos e regulamentos) desde 1930, englobando os Direitos Sociais,
Legislação Sindical e a Organização Judiciária.
O que aconteceu a partir de 1930 foi uma profunda mudança do modelo de
Estado e do modelo jurídico, especialmente no que toca à legislação trabalhista, que
sobreviveu à queda de Vargas (1945). O que é relevante frisar é que parte
substancial dos direitos sociais, em especial, aqueles de natureza trabalhista, foram
incorporados ao conceito de cidadania, sob um regime ditatorial que, de maneira
52
profundamente autoritária e paternal, “concedeu direitos” aos trabalhadores urbanos.
Em um processo diametralmente oposto, nos países capitalistas centrais, tais
conquistas se deram em democracias do tipo “Wellfare State”, com a participação
ativa e livre dos movimentos sociais.
O período que se seguiu à ditadura do Estado Novo, ficou conhecida como
“República Democrático/Populista”, e se estendeu de 1945 a 1964. A Constituição
de 1946 foi promulgada por uma Assembleia Constituinte e, em seu artigo 145,
quando trata da “Ordem Econômica” repetiu a fórmula varguista de conciliar a
liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho e a promoção da justiça social.
Como observou Arnaldo Süssekind a liberdade sindical, o direito de greve e a
participação dos trabalhadores no lucro das empresas estão amplamente
assegurados.53
Ao longo da década de 50, frise-se que a luta social pela ampliação da
cidadania consistia em aprovar o chamado “Estatuto do Trabalhador Rural”,
estendendo aos trabalhadores do campo os mesmos direitos trabalhistas das
categorias profissionais urbanas. Os partidos dentro do Congresso Nacional que
representavam as classes proprietárias barraram todas as iniciativas neste sentido.
Aspásia de Alcântara Camargo, em seu texto “A Questão Agrária: crises de poder e
reformas de base (1930/1964)”, observou com argúcia que nem o segundo governo
Vargas, nem o governo Kubitschek conseguiram dobrar a resistência do chamado
“bloco ruralista”. É apenas no governo João Goulart que o “Estatuto do Trabalhador
Rural”, em março/63, foi aprovado, estendendo os direitos trabalhistas para a zona
rural e incluía medidas para uma tímida Reforma Agrária.54
Caio Navarro de Toledo assinala que a quebra da institucionalidade
democrática em 31/03/64 resulta do fato de que as classes proprietárias não
toleraram sequer um modelo econômico e social assentado em um “capitalismo
humano e patriótico”. Navarro lembra que o governo Goulart estava assentado em
um conjunto de “reformas de base”, que incluía, dentre outras coisas, uma cidadania
mais completa para os trabalhadores rurais, a facilidade do acesso à terra, o voto do
analfabeto, a reforma urbana. Enfim, o que o bloco civil-militar, ao violar a
53 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho . Rio de Janeiro: Renovar, 1999. 54 CAMARGO, Aspásia de Alcântara. A Questão Agrária: crises de poder e reformas de base (1930/1964), In, O Brasil Republicano: Sociedade e Política, História Geral da Civilização Brasileira. 3º. Volume. São Paulo: DIFEL, 3ª. Ed.
53
Constituição de 1946, e promover um golpe de estado contra o governo Goulart, foi
rejeitar, pela força, um governo nacional-reformista.55
O regime civil-militar que se instaurou durou de 1964 a 1985, e, neste longo
período, violou sistematicamente tanto os direitos civis, como os direitos humanos
de forma geral. Mas também, por razões de uma política econômica de
concentração de renda, atacou direitos dos trabalhadores, como por exemplo: o fim
da estabilidade de emprego decenal, a proibição do direito de greve (1968), o
achatamento salarial tanto do setor público quanto do setor privado. Os atos
institucionais, sobretudo o Ato n. 5, removeram qualquer possibilidade de se invocar
a luz dos textos constitucionais outorgados qualquer aparência de cidadania.
Como anotado por Thomas Skidmore a tortura foi executada com frequência e
eficiência e começou dias depois da deflagração do golpe militar, “muito antes do
aparecimento de qualquer oposição armada.” Afirma ainda o brasilianista norte-
americano que há uma ligação direta entre a brutalidade dos castigos da escravidão
e a tortura que “é rotina nos interrogatórios de presos não pertencentes à elite”. A
tortura física atravessou todas as fases da República, recrudescendo, é claro,
durante a ditadura militar que a ampliou para atingir a todos os seus oponentes.
O tortuoso fim do regime militar e a redemocratização abriram espaço para a
“Nova República”, que já nasceu sob o signo da “conciliação” como já é cultural na
história brasileira. É o próprio Skidmore quem observa que a palavra de ordem do
“novo regime” é a conciliação o que inclui incontáveis figuras políticas do “velho
regime”.
Prossegue Thomas Skidmore que para a remoção do entulho jurídico
autoritário (Constituição de 1969) se fizesse uma assembleia constituinte exclusiva e
autônoma, separada do velho Congresso Nacional. Tal tese, no entanto, foi
derrotada pelas forças da reação agora conciliadas com os novos donos do poder
da “Nova República”.56
55 TOLEDO, Caio de Navarro de. O governo Goulart e o golpe de 64. 6ª ed., Editora Brasiliense, 1985. 56 SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985. Trad. Mário Salviano Silva. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
54
4.3 Modelo econômico versus “Dignidade da Pessoa Hu mana”
Historicamente, é generalizada a ideia de um período conjuntural de três
décadas surgido logo após o fim da Segunda Guerra Mundial que foi denominado do
modelo do Estado-Providência. Neste estágio se propiciou direitos individuais e
coletivos de forma estável. O direito neste período adquiriu um caráter promocional,
especialmente, aqueles de natureza trabalhista e previdenciária, de nítido interesse
social.
A globalização emergente desde o início da década de oitenta do século XX,
mas de forma mais acentuada a partir do chamado Consenso de Washington
(1989), produziu o renascimento de alguns ingredientes muito presentes no século
XIX. Mais do que isso, se trata de desmontar o Estado de Bem-Estar Social.
Em outros termos, pode-se dizer que certos aspectos supostamente sepultados
historicamente, reapareceram no quadro da chamada globalização, conhecida
também como a era dos “consensos” e do “discurso único”. Neste sentido, a onda
neoliberal de alcance global tem uma agenda obrigatória assentada nos seguintes
pontos: a fragilização do papel do Estado-Nação e, em certa medida, a sua retirada
de cena para determinados fins, sobretudo, aqueles destinados a assegurar direitos
sociais. De outro vértice, o ocaso do Wellfare State teve como consequência a
liberalização do sistema econômico e financeiro, a privatização desenfreada, a
desregulamentação da economia, a retratação dos gastos com bens públicos e dos
encargos com o bem-estar social, o ajuste fiscal, a plena mobilidade dos capitais e a
sujeição do mercado de trabalho em simultâneo com um estrito controle
internacional.
No terreno do Direito do Trabalho, verificou-se significativamente a
precarização dos vínculos contratuais e segmentação e dualização dos mercados de
trabalho. Ainda, se no âmbito do velho Estado-Providência houve uma ascensão da
classe operária capitaneada por uma sólida estrutura sindical, em tempos de
globalização extremada o que se percebe é o exatamente o oposto. Em outros
termos, o movimento sindical está em uma encruzilhada e diante de incontáveis
problemas e, em consequência disso, vê minguar o rol de seus filiados. Abili Castro
55
com muita propriedade fala de “dissipação dos direitos sociais” através da
flexibilização e desregulamentação dos direitos trabalhistas. 57
É bom que se afirme que tais conceitos se transformaram em verdadeiras
palavras de ordem da “nova” agenda.
Resta claro que na sua origem os direitos sociais surgiram a partir de uma
concepção cidadã nos textos constitucionais dos assim chamados Estados de Bem-
Estar social. Portanto, tais direitos, o que inclui o direito ao trabalho, estão
umbilicalmente ligados à própria ideia de cidadania e “padrões dignos de existência
na persecução de um equilíbrio social”, nas sábias palavras do professor brasileiro.
Abili Castro não tem qualquer dúvida quanto à ameaça que o processo de
globalização representa no, campo jurídico, ao emascular os direitos sociais, abrindo
as portas para um deletério retrocesso em termos histórico e patamar civilizatório.
Neste sentido, o Estado não teria mais a missão primordial de minorar as abissais
diferenças sociais inscritas na comunidade. Antes ao contrário, o papel do Estado
seria garantir a liberdade da ordem econômica, inclusive, a partir dos textos
constitucionais. O resultado disso é a “dissipação dos direitos sociais”, em um
momento em que a economia se sobrepõe à política e ao próprio direito, incluindo-
se aqueles de índole trabalhista.
Da análise perfunctória da CF/88 percebe-se desde logo que um dos princípios
fundamentais da República Federativa do Brasil é a persecução, a manutenção e a
ampliação da dignidade da pessoa humana (artigo 1º., III). Considerando o longo
histórico brasileiro de violação de direitos das mais variadas naturezas e de negação
de uma efetiva cidadania para a maioria esmagadora de sua população, tem-se pela
frente uma tarefa hercúlea e permanente. Aliás, após vinte e um anos de ditadura
militar, este é o primeiro texto constitucional pátrio a consagrar um título específico
aos Princípios fundamentais. Tais princípios norteiam direitos e garantias
fundamentais que constituem o núcleo essencial da CF/88.
Ingo Sarlet, afirma que o Estado Constitucional de Direito deve impedir que as
pessoas sejam reduzidas à condição de mero objeto no ambiente
57 CASTRO DE LIMA, Abíli Lázaro. Globalização Econômica Política e Direito (Análise das mazelas causadas no plano político-jurídico). Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2002.
56
social/econômico/político e cultural, ou seja, deve se opor a não efetivação de um rol
mínimo de direitos sociais, pois isto seria contrário à própria ideia de democracia.58
Haveria uma interdependência de todos os direitos fundamentais, como por
exemplo: a “ecocidadania”, que seria a conexão entre saúde, habitação, trabalho,
meio ambiente, função ambiental da propriedade, etc.. O jurista gaúcho afirma que
“nos países periféricos, há uma crise de efetividade dos direitos fundamentais”.
Podemos concluir então que há uma crise quanto ao respeito ao princípio da
dignidade humana.
No texto da CF/88, os direitos sociais estão incluídos no mesmo título II, dos
direitos e garantias fundamentais (direitos civis e políticos). De outro lado, Os direitos
trabalhistas (art. 7º) integram os direitos sociais e têm um sentindo amplo e
heterogêneo. Wolfgang Sarlet reconhece a imensa dificuldade para tornar efetivos
os direitos sociais e uma eficiente máquina judiciária. Porém, vislumbrando
problemas estruturais no processo legislativo tradicional, sugere um
aperfeiçoamento das ações afirmativas, qualitativa e quantitativamente com a
finalidade de diminuir o “fosso” social entre as pessoas e as classes sociais. Propõe
também uma superação, ainda que parcial, da democracia representativa – esta em
parte obsoleta, portanto, ineficiente – por um modelo que privilegie a efetiva
participação popular direta, através da realização de plebiscitos e referendos, ideia
também defendida pelo jurista Fábio Konder Comparato.
Ainda na esteira do pensamento de Sarlet, a pessoa é o fundamento e o fim da
sociedade e do Estado e a dignidade da pessoa humana é base de todos os direitos
fundamentais.59 O princípio da dignidade humana tem uma função hermenêutica, ou
seja, nas decisões judiciais deve haver uma interpretação que coloque este princípio
fundamental no vértice da pirâmide. Colocada sob esta ótica da função
hermenêutica da dignidade da pessoa humana, o direito de todos à moradia seria
superior ao direito de propriedade que não cumpra sua função social.
Paradoxalmente, em país de capitalismo periférico e atrasado como o Brasil, a
Constituição de 1988 – chamada de cidadã pela amplitude de direitos, sobretudo
58 SARLET, Ingo Wolfgang. Los derechos sociales en el constitucionalismo contemporâneo: algunos problemas y desafios. In: Los derechos sociales como instrumento de emancipac ión . Editores: LINERA, Miguel Ángel Presno Linera e Ingo Wolfgang Sarlet. España: Thomson Aranzadi, 2010. 59 SARLET, Ingo Wolfgang. Los derechos sociales en el constitucionalismo contemporâneo: algunos problemas y desafios. In: Los derechos sociales como instrumento de emancipac ión . Editores: LINERA, Miguel Ángel Presno Linera e Ingo Wolfgang Sarlet. España: Thomson Aranzadi, 2010.
57
sociais, nela contidos – foi promulgada em pleno movimento de globalização que
sugere exatamente o oposto: o expurgo dos direitos sociais, vistos como “fardo” na
perspectiva das contas públicas, e seu viés estritamente financeiro.
Talvez por essa razão, a hegemonia neoliberal global, os constituintes da
Assembleia Congressual optaram por repetir a velha fórmula do texto constitucional
de 1946, isto é claro, sem qualquer conexão histórica: conciliar o inconciliável, ou
seja, garantir a livre iniciativa e livre empresa e defender a valorização do trabalho
humano (artigo 1º., IV).
A pergunta que se impõe é: em um país onde predominam condições de
trabalho degradantes, baixíssimos salários, estatísticas colossais de acidentes e
doenças do trabalho, trabalho precarizado via terceirização, trabalho informal (sem
registro em carteira profissional), trabalho infantil e escravo, é realmente possível
falar-se em “valorização” da mão-de-obra, ou ainda, dignidade da pessoa humana
do trabalhador?
De outro lado, a livre iniciativa, urbana e rural, especialmente aquela
representada pelas grandes corporações (agronegócio, os bancos, as empreiteiras,
as empresas multinacionais, os grandes grupos midiáticos) têm, dentro e fora
(lobbies) do Congresso Nacional, bancadas que subvertem o significado da
“representação parlamentar”. A razão desta distorção é essencialmente econômica
posto que as poderosas associações patronais tem o poder eleger uma folgada
maioria de representantes para fazer valer os seus interesses.
Concretamente, esta é a razão para que direitos sociais amplos, embora
previstos na Carta Magna, não sejam regulamentados, logo, não passem de mera
formalidade. Exemplos não faltam, a saber: propriedade e sua função social, art. 5º.,
inc. XXIII e XXIX; no artigo 7º, proibição da despedida arbitrária, I; participação nos
lucros ou resultados, XI; aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, XXI;
adicional de remuneração para as atividades penosas, XXIII; a criação do Conselho
de Comunicação Social, art. 224.
Resta claro que a não regulamentação de determinados direitos sociais –
inclusive aquele que trata da radiodifusão, pois implica no direito à informação plena
que todo cidadão deveria dispor (artigos 220 e 221 e incisos) – implica em violar
gravemente a dignidade da pessoa humana. Lembremos a prodigiosa lição de Ingo
Sarlet para quem a violação de qualquer um dos direitos fundamentais –
58
irrenunciáveis e inalienáveis – implica na violação da própria dignidade da pessoa
humana.60
À guisa de metáfora, e com o risco das simplificações, no Brasil e seu
ordenamento jurídico, mais especificamente no plano constitucional, é como se
presenciássemos, no cotidiano, uma “batalha” entre a “Ordem Econômica e
Financeira” versus “Direitos Sociais”.
Este embate de natureza jurídica, mas de fundo político e econômico, terá
como resultado inexorável uma relação absolutamente assimétrica entre os dois
polos. A depender, ao longo de um processo gradual de lutas concretas dentro de
uma gama ampla dos movimentos sociais, tentar reverter o polo hegemônico na
correlação de forças dentro da sociedade brasileira.
4.4 Emancipação possível dos direitos
O século XIX é o “século burguês” por excelência, é o que informam
observadores atentos deste período. Neste momento histórico reinou a hegemonia
da ideologia do liberalismo burguês, aqui entendido como a defesa intransigente da
igualdade jurídica e civil, sob o lema “Todos são iguais perante a lei”. Óbvio avanço
se considerarmos a sociedade do “Antigo Regime”, fundada em privilégios ou
tratamento diferenciado, por nascença (origem), posição social (corporação).
Aliás, já no mesmo o século XIX, Marx alertava para os estreitos limites da
igualdade jurídica. Por evidente, esta concepção abstrata, formal, de cunho
superficial era insuficiente para dar vazão à heterogeneidade das complexas
sociedades contemporâneas. Ou seja, a igualdade formal não era um garantidor de
direitos para os setores mais vulneráveis da sociedade, como minorias étnicas,
sexuais, culturais, religiosas, sociais, dentre outras.
No pós-2ª. Guerra mundial, verificado o morticínio planejado, começa-se a
esboçar um conceito mais profundo e amplo, o da igualdade material ou substancial
que defende uma ideia síntese: tratar de maneira uniforme as partes desiguais é
perpetuar a desigualdade. Este é o lema que impulsionou o “Estado social de
direito”. Neste sentido, o princípio da igualdade deveria fazer a promoção, na prática,
60 SARLET, Ingo Wolfgang. Los derechos sociales en el constitucionalismo contemporâneo: algunos problemas y desafios. In: Los derechos sociales como instrumento de emancipac ión . editores: LINERA, Miguel Ángel Presno Linera e Ingo Wolfgang Sarlet. España: Thomson Aranzadi, 2010.
59
da recuperação de direitos aos grupos historicamente marginalizados e excluídos
que devem ser percebidos na sua, concretude, na sua especificidade (gênero, idade,
etnia, classe social).
É a superação de uma dicotomia histórica, ainda não resolvida em nosso país
para a maioria da população, qual seja: a igualdade formal registrada nos textos
legislativos, inexistente ou parcialmente existente no mundo real, versus a igualdade
material. A não superação desta antiga dicotomia significaria, em termos práticos,
relegar dois terços da população brasileira à condição de cidadãos de segunda
categoria, a negar os direitos fundamentais inscritos no texto constitucional, ou a
tornar ficcional a ideia essencial da “dignidade da pessoa humana”.
Por outro lado, a experiência histórica brasileira tem demonstrado que durante
séculos, direitos se constituíram em privilégios, revelando o predomínio quase
absoluto do caráter formal da igualdade jurídica. Logo, a questão que se impõe é
como ultrapassar dialeticamente a igualdade do século XIX, para adentrarmos em
outro patamar, uma superação qualitativa que é a da igualdade material.
Pela análise da História do Brasil e o estudo da História do Direito brasileiro,
emerge uma nova dicotomia. Em outros termos, a discussão que gira em torno da
ampliação de direitos (civis, sociais, humanos), a observância estrita da justiça social
a partir do ordenamento jurídico e o pensamento radical em torno da dignidade da
pessoa humana passa obrigatoriamente pela oposição entre os intransigentes
defensores da ordem economia e política e aqueles que analisam a realidade social
do país através da lente da contradição.
É o cientista político Michel Löwy que chama atenção para o fato de que a
preocupação da teoria positivista comtiana é a manutenção da ordem pública, a
partir de uma inflexível resignação dos trabalhadores, afinal, como no mundo
natural, também no mundo dos homens devem prevalecer relações harmônicas.
Löwy estende este pensamento até Dürkhein, pai da sociologia moderna, para quem
a desigualdade social não pode ser interrompida ou transformada, em uma alusão
muito clara de respeito irrestrito à ordem (burguesa/capitalista).61
Quando da proclamação da república no Brasil, já ficou muito claro que a teoria
positivista teve uma monumental influência sobre parte significativa de nossa
61 LÖWY, Michael. As Aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchha usen . (Marxismo e Positivismo na Sociologia do Conhecimento). Trad. Juarez Guimarães e Suzanne Felicie Léwy. 8ª. Edição. São Paulo: Cortez, 2003.
60
“intelligentsia”, nossas escolas de direito, nossos juristas. Definitivamente, este não
é um fenômeno novo na História brasileira que desde sempre pareceu estar diante
desta encruzilhada: democracia como ordem ou democracia como conflito. Para
ficarmos apenas no período republicano e, nos limitarmos a um evento histórico
crucial cujas consequências duraram vinte anos. Basta que voltemos ao dia 31 de
março de 1964: a queda do governo do então presidente João Goulart.
Como afirmado anteriormente, Caio Navarro de Toledo propõe a seguinte
reflexão acerca deste tema naquele grave período:
Este período da história política brasileira é significativo ainda pois nele se intensificam e se condensam alguns dos impasses e dos conflitos da democracia burguesa. Se entendemos que as contradições sociais são processos constitutivos da formação social capitalista e de seus regimes políticos, então o período de 1961/1964 deve ser visto como um momento privilegiado da vida política brasileira posto que nele ocorreu uma polarização política e ideológica com dimensões inéditas e com características singulares. Para os que veem nos conflitos e nos antagonismos o sinal da desagregação social, os ‘tempos de Goulart’ só podem ser encarados como trágicos ‘tempos de caos e da anarquia.62
A luta pelos direitos humanos, pela justiça social, enfim, pela conquista da
dignidade humana passa obrigatoriamente pela primeira percepção (contradição)
colocada por Navarro em seu texto, a saber: a democracia deve ser pensada na
perspectiva do conflito.
Somente esta concepção de democracia fará, como já fez em outras
oportunidades históricas, avançar o conceito de cidadania, ampliar os direitos
fundamentais para setores historicamente excluídos, retirar da letra fria do texto
constitucional o ideário contido no princípio da dignidade da pessoa humana. Aqui, o
ordenamento jurídico cumpriria uma função nobre e moderna, a de assegurar
direitos e garantias.
O contrário disso, ou a escolha pela segunda percepção (ordem) tornaria todo
o sistema jurídico como um “guardião” da “paz social”, em um Estado-Gendarme, no
modelo do liberalismo original. Tal entendimento, deslocado e descolado da
conjuntura histórica, tornaria o Direito um instrumento conservador utilizado pelas
elites para manutenção do “status quo”.
62 TOLEDO, Caio de Navarro de. O governo Goulart e o golpe de 64. 6ª ed., Editora Brasiliense, 1985.
61
Através da mobilização dos mais variados movimentos sociais e da
organização coletiva das pessoas a pressionarem os poderes constituídos (poder
legislativo, judiciário, executivo, o Ministério Público) com a finalidade de cumprir a
sua missão histórica no alargamento dos direitos e da cidadania completa, desde há
muito prometida.
A advertência feita por Fábio Konder Comparato é a síntese deste
pensamento:
Ora, justamente, o diagnóstico da crise atual aponta para uma espécie de entropia ou desordem universal, causada por carência governativa, tanto no interior das nações quanto na esfera internacional. O movimento neoliberal capitalista, ao propagar no mundo todo a desregulamentação das instituições financeiras, deixando que elas se transformassem em autênticos cassinos, provocou em 2008 uma recessão mundial, comparável, segundo a grande maioria dos observadores, à grande depressão de 1929. Os perdedores, como sempre, são fracos, os pobres, os humildes.63
Chegamos, no inicio do século XXI, ao apogeu do capitalismo, no preciso
sentido etimológico do termo, isto é, à fase histórica em que ele se coloca na
posição de maior distanciamento da Terra e da Vida. É este, portanto, o momento
crítico, segundo a velha tradição hipocrática, em que se pode precisar a diagnose da
moléstia e traçar-lhe a prognose evolutiva.
A alternativa que se descortina agora diante de nossos olhos é bem vincada:
ou a humanidade se deixa conduzir à dilaceração definitiva, na direta linha do
apogeu capitalista, ou tomará afinal o rumo da justiça e da dignidade, segundo o
luminoso caminho traçado pela sabedoria clássica. “Não há terceira via.”
A segunda via foi uma experiência histórica, para certos países do capitalismo
central, cujo projeto social e econômico, de forma bastante consciente, parece ter
sido descartado pelas suas respectivas elites. A consequência mais imediata e
perceptível desta medida foi a concentração de renda e riqueza e o aumento da
desigualdade nestas nações. A reflexão que se impõe para as sociedades do
capitalismo periférico é se incorporaremos este modelo social/econômico e
enfrentaremos os inafastáveis resultados desta opção.
63 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos . 8ª. Edição, São Paulo: Saraiva, 2013, p. 234.
62
5. GLOBALIZAÇÃO E ATAQUE AO MUNDO DO TRABALHO: RESI STÊNCIA
OU SUBMISSÃO?
O fenômeno da mundialização da economia, ou a chamada globalização, do
ponto de vista acadêmico de acento social, tem diversas vertentes ou perspectivas.
Segundo PAGLIARINI (2010) destacam-se as perspectivas religiosa, cultural,
política, jurídica e econômica64.
Diz o autor:
Todos os campos e áreas do saber internacionalizaram-se, supranacionalizaram-se e globalizaram-se, ficando os que mal compreendem a palavra globalização avisados que ela não é sinônimo de Consenso de Washington mas, significa simplesmente superação de barreiras, fator este que, sem dúvida, é includente do povo na participação da construção de uma sociedade mundial de governo, cultura e informação, respeitadas as diversidades – evidentemente…65
A perspectiva religiosa da globalização evidencia-se na diminuição dos marcos
religiosos baseados nos dogmas de fé e de doutrina e na crescente mistificação
acompanhada de grande carga exotérica, afastada de conteúdo em que a auto-
ajuda e o pan-sincretismo, ou mesmo a espiritualização, ganham formas e
desprendem-se de conteúdos precisos que apontem tradições.
Segundo Renato Ortiz, em artigo intitulado “Anotações sobre religião e
globalização”, a relação entre religião e globalização pode ser explicada pela
influência da primeira no mercado global. Para este autor
O mercado global contém duas qualidades frequentemente associadas à herança religiosa: transcendência e omnipresença. Sua globalidade transcende os indivíduos, as classes sociais e as nações, envolvendo a todos no seio de uma mesma integralidade. Seu domínio não conhece fronteiras, abarca o planeta por inteiro; homens, povos, natureza, a ele são submetidos. A universalidade do mercado, ou seja, sua extensão confere-lhe a dimensão de totalidade (e muitas vezes de totalitarismo). A transcendência é, contudo, sempre abstrata, algo latente; para se realizar ela deve manifestar-se no mundo, afirmar sua omnipresença. A transcendência do mercado perpetua-se através do consumo, este é o ato que a situa, a singulariza, inserindo o indivíduo no seu ser. Metaforicamente eu diria que o consumo torna coetânea a presença na transcendência. Entretanto, tais virtudes nada têm de “verdadeiras”, falta-lhes um fundamento ontológico, sagrado, por isso o mercado se apresenta como uma “falsa religião”, e sua adoração, uma “idolatria”. Religião e mercado
64 PAGLIARINI, Alexandre. Sobre povo, Estado, Mundo e Democracia . Anina, OPET, 2012, p. 339. 65 PAGLIARINI, Alexandre. Idem 59.
63
surgem assim como entidades morais mundiais, concorrentes e conflitantes. Cada um com seus deuses, suas exigências, sua ética66.
Já na perspectiva cultural, representada por expressões como o
multiculturalismo tal como presente na obra de Charles Taylor, Boaventura de Souza
Santos, Jessé Souza, entre outros, ou ainda, a teoria da complexidade, tendo entre
seus principais representantes o filósofo Edgar Morin.
WOLKMER (2010) assinala aspectos positivos da Globalização Cultural,
especialmente no que tange ao processo de construção de redes de solidariedade
em busca da emancipação social, política e cultural, na elaboração do que
denominou pluralismo jurídico.
Assinala o autor:
O reconhecimento do pluralismo na perspectiva da alteridade e da emancipação revela o locus de coexistência para uma compreensão crescente de elementos multiculturais criativos, diferenciados e participativos. Em uma sociedade composta por comunidades e culturas diversas, o pluralismo fundado numa democracia expressa o reconhecimento dos valores coletivos materializados na dimensão cultural de cada grupo e de cada comunidade. Tal intento de conceber a pluralidade de culturas na sociedade, de estimular a participação de grupos culturais minoritários e de comunidades étnicas se aproxima da temática do “multiculturalismo”67.
Segundo a perspectiva política da Globalização, as fronteiras políticas deram
espaço aos arranjos políticos administrativos das Uniões Políticas como a União
Europeia e os Mercados Comuns como o Mercosul, do ponto de vista prático, na
medida em que o Estado Nação vai sendo substituído pelas (des)figuras acima
referidas.
A partir de uma análise dos aspectos teóricos, a velha Teoria do Estado, que
funda os principais conceitos da Política como Território, Nação, Governo,
Nacionalidade e mesmo a categoria Estado, vai sendo substituída pelo conceito de
políticas públicas onde a gestão dos interesses é movida por uma prática de
compartilhamento de interesses, em especial mercado/população sob o argumento
da falência do Estado.
66 Uma versão abreviada deste texto foi apresentada no encontro “Os desafios da globalização”, em julho de 2000, organizado pela World Association for Christian Communication e pelo Centro de Estudios Avanzados da Universidade de Córdoba, Argentina. 67 WOLKMER, Antonio Carlos. História do Direito no Brasil . Rio de Janeiro: Forense, 2002.
64
Nesta mesma onda, a cidadania e a participação popular dão lugar ao exercício
de direitos dos usuários/clientes e a responsabilidade social.
Assim sendo, o que se entende por perspectiva jurídica, evidentemente,
decorrente da perspectiva política porque a sustenta do ponto de vista normativo, as
novas legislações apresentam elementos de modelos políticos e arranjos das novas
organizações e instâncias de decisão política.
Por fim na perspectiva econômica representa uma das inovações
organizacionais das últimas décadas do séc. XX e primeiras no séc. XXI, assentada
na organização em Rede, decorrente de uma nova divisão do trabalho.
Segundo LIMA (Fabris, 2002) a globalização econômica gera uma exclusão
estrutural, para além dos limites dos direitos garantidos pelas estruturas estatais.
Vejamos:
Quando analisamos a globalização econômica, vimos que ela produziu uma nova divisão internacional do trabalho, caracterizada pelo processo de produção sendo realizado em vários países. Este novo processo, que engendra o desemprego, a diminuição progressiva de salários e das condições de trabalho e a perda das garantias sociais, segundo a leitura de Milton Santos gerou um tipo de peculiar pobreza, por ele denominada “pobreza estrutural” orquestrada pelas empresas transnacionais e instituições internacionais, globalizando-se por podo mundo e propagando a exclusão social68.
Feitas as introdutórias considerações, cabe ao presente capítulo discutir em
que medida o aprofundamento do processo de globalização transtornou o mundo do
trabalho, especificamente no que toca ao estreitamento das garantias trabalhistas
em face das normas que regem a relação laboral.
Em que medida, a consequência mais visível desta intrincada relação
economia versus “mundo do trabalho” – que é a degradação física dos trabalhadores
(doenças e acidentes de trabalho) – está vinculada aos efeitos decorrentes de uma
terceirização desenfreada.
Por óbvio que o termo oriundo das relações de trabalho contemporâneas em
epígrafe deve ser pensado no marco do modo de produção capitalista e, mais
precisamente, em sua fase atual.
Para o geógrafo brasileiro Milton Santos, relacionando o Mundo e a
Globalização, estes assim se apresentam: “o mundo como nos fazem vê-lo”, (a
68 LIMA, Abili Lázaro Castro de. Globalização econômica, política e direito: as mazelas causadas no plano político jurídico. Porto Alegre: Fabris, 2002, p.291-292.
65
globalização como fábula); ”o mundo tal como ele é”, (a globalização como
perversidade).
Ainda, segundo o mesmo autor, a Globalização se constitui como o ápice do
processo de internacionalização do sistema capitalista e como fase histórica que
combina o “estado das técnicas e o estado da política”.
Um exemplo de globalização como “fábulas” é a “ALDEIA GLOBAL”, ou, a
informação instantânea planetária, que é produzida a partir de interesses privados
dos grupos hegemônicos, onde se combinam empresas transnacionais e Estados.
Outro exemplo é a ideia de um “mercado global” cujo comércio está concentrado nas
mãos de poucos países e empresas, excluídos os países periféricos e as empresas
menores.
Por outro lado, a Globalização “perversa” está nas tiranias do dinheiro e da
informação que constituem a base do sistema ideológico a legitimar a globalização.
A competitividade, o consumo extremo e a produção viraram os novos
“Totalitarismos”.
A solidariedade e a noção de bem público diminuem na mesma proporção do
papel do estado em seu viés político e social. O papel da empresa privada, no que
tange à regulamentação das vidas das pessoas, aumentou. Não é só! O professor
Milton Santos chega a mencionar a existência de uma “fábrica de perversidades”
decorrente, é claro, da acirrada competitividade, entre empresas, pessoas e
estados. Neste quadro caótico, a fome passa a ser um dado generalizado e
permanente, há a falência da saúde pública, alta taxa de desemprego, sistema de
educação deficiente, enfim, o aumento da pobreza em geral. Aliás, o geógrafo
brasileiro aponta para o surgimento de uma Pobreza estrutural, nela, a
globalização aprofundou o desemprego, diminuiu os salários, e reduziu a proteção
social do estado. A pobreza é generalizada, permanente e global. Governos
nacionais e “intelectuais” do sistema legitimam a pobreza. Nesta fase, os pobres não
são mais incluídos, nem marginalizados, mas excluídos. As soluções propostas
partem dos organismos multilaterais (Banco Mundial/FMI) – e aumentam a pobreza
estrutural.
Todos estes problemas foram agravados pela diminuição do Estado. Esta
perversidade sistêmica gera ainda a corrupção e a morte da política, já que esta
passa a ter como protagonista os interesses das grandes corporações.
66
Por fim, depreende-se da citada obra do geógrafo brasileiro uma singular
leitura do processo histórico que se estende do século XVIII, no contexto da
revolução industrial, da racionalização econômico/produtiva e, sobretudo, da
organização do trabalho. A este processo altamente renovador, acrescente-se uma
nova concepção sobre o homem erigida a partir de novas ideias filosóficas com força
política. O exemplo mais eloquente disto é representado pelo Pensamento
Iluminista, presente nas Revoluções Políticas (Americana/Francesa). O resultado
desta combinação entre as transformações econômicas e políticas foram ideias
morais que sustentaram serem os indivíduos os responsáveis pela riqueza coletiva
das nações por intermédio de um Estado democrático e social, isto, já no século XX.
Para o autor a globalização, portanto, é um modelo de ruptura histórica nesse
processo social e moral, sobretudo a partir dos anos 80, do século anterior. A
globalização não se realiza para toda a humanidade, ela mata a noção de
solidariedade. Ao contrário, ela gera o narcisismo individualista.
Na mesma perspectiva, o sociólogo português Boaventura de Souza Santos
percebe na Globalização um fenômeno multifacetado, pois afeta mais visivelmente a
Economia, mas atinge a Política, as relações sociais, o Direito.
O fenômeno da Globalização aprofundou-se a partir do chamado “consenso
neoliberal” que afirma o fim dos paradigmas tradicionais (Revolução ou Reforma), a
morte das Ideologias (fascismo/comunismo), a hegemonia absoluta da Democracia
Liberal e da Economia de Mercado (regulação estatal mínima), programas de
ajustamento estrutural, protagonismo das agências financeiras de “rating” e das
grandes corporações.
A globalização modificaria profundamente a relação entre capital e trabalho:
Por sua vez, os conflitos entre capital e trabalho que, por deficiente institucionalização, contribuíram para a emergência do fascismo e do nazismo, acabaram sendo plenamente institucionalizados nos países centrais depois da Segunda Guerra Mundial. Hoje, num período pós-ordista, tais conflitos estão a ser relativamente desinstitucionalizados sem que isso cause qualquer instabilidade porque, entretanto, a classe operária fragmentou-se e estão hoje a emergir novos compromissos de classe menos institucionalizados e a ter lugar em contextos menos corporativistas.
Para o sociólogo português as consequências sociais decorrentes da
globalização são conhecidas e independem em que continente ou país são
produzidas.
67
Mesmo no país que pode ser considerado o carro-chefe deste sistema
dominante, os E.U.A., passa por um processo de degradação social nunca antes
visto, já que 1% das famílias americanas detinha 40% da riqueza do país e as 20%
mais ricas detinham 80% desta mesma riqueza (dados do FED, para o final da
década de 80).
No plano das relações de trabalho, a visão de Boaventura Santos não é menos
realista quanto aos efeitos nefastos da globalização:
No domínio da globalização social, o consenso neoliberal é o de que o crescimento e a estabilidade econômicos assentam na redução dos custos salariais, para o que é necessário liberalizar o mercado de trabalho, reduzindo os direitos laborais, proibindo a indexação dos salários aos ganhos de produtividade e os ajustamentos em relação ao custo de vida e eliminando a prazo a legislação sobre salário mínimo. O objetivo é impedir “o impacto inflacionário dos aumentos salariais”.
Na linguagem da tecnocracia econômica dominante é o chamado “custo país”,
na visão fundamentalista do discurso globalizante trata-se de um sério entrave ao
crescimento econômico.
Não raras vezes nos defrontamos com a ideia segundo a qual a legislação
trabalhista e as normas do Direito do Trabalho são o sempre indesejável “custo
Brasil”.
Por evidente que o enfraquecimento do fator “trabalho” tem relação direta com
a desarticulação do Estado, seu esvaziamento, a anemia funcional a que foi
submetido a partir dos anos oitenta. É o consenso do “Estado fraco”. Ainda segundo
o prof. Boaventura:
No quadro da globalização e suas consequências, o sociólogo português não
deixa de assinalar o papel do Direito:
Muito diferente deste processo é o que, na mesma área da justiça e do direito, tem vindo a ser protagonizado pelos países centrais, através de suas agências de cooperação e assistência internacional, e pelo Banco Mundial, FMI e Banco Interamericano para o Desenvolvimento, no sentido de promover nos países semiperiféricos e periféricos profundas reformas jurídicas e judiciais que tornem possível a criação de uma institucionalidade jurídica e judicial eficiente e adaptada ao novo modelo de desenvolvimento, assente na prioridade do mercado e das relações mercantis entre cidadãos e agentes econômicos”.
No caso específico do Brasil, a lição acima deixada pelo prof. Boaventura nos
ajuda a desvelar o que está dissolvido na tão propalada “reforma trabalhista” que os
68
extratos dominantes, com o auxílio inestimável da grande mídia, chamam de
“urgente”. Não paira dúvida que, mesmo antes da sobredita reforma legal, existem
os espaços que possibilitam a flexibilização de alguns direitos dos trabalhadores,
bem como, a própria precarização das relações laborais. O sistema de terceirização
da mão-de-obra é o mais nítido exemplo desta empreitada.
5.1 Estado e relações de trabalho na Revolução Indu strial e a
precarização-retorno da “velha fórmula”
O contexto histórico da revolução industrial se dá a partir da segunda metade
do século XVIII (1780) e o fenômeno propriamente dito foi meticulosamente
observado e estudado por Marx e Engels. O historiador Francisco Iglésias, em seu
livro chamado “A Revolução Industrial” assim observa:
Por último, breve palavra sobre o uso da expressão Revolução Industrial. Quem a teria criado? ... Ao que parece foi Friedrich Engels (1820-95) que pela primeira vez, entre autores significativos, usou a expressão, em 1845, em Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra; ... Marx tratou explicitamente da Revolução Industrial, captando-lhe o exato sentido; a sua obra representa a mais completa análise do fenômeno, pois o autor conhecia toda a literatura econômica, vivia na Inglaterra, que fora a pioneira e era a mais avançada nação no gênero, e o estudioso penetrara como ninguém na gênese e na essência da indústria, principal expressão do capitalismo, do qual é o mais profundo analista.
Por outro lado, o fenômeno da industrialização acirrou sobremaneira a luta de
classes, como assinalou Marx no Manifesto Comunista: “a História de toda a
sociedade até os nossos dias é a História da luta de classes”. Um fenômeno
histórico antigo atingiu seu paroxismo já que a indústria aumentou sensivelmente a
distância entre ricos e pobres. Aliás, a ascensão burguesa é fulminante.
É consenso entre os historiadores que o século XIX é o “século burguês” por
excelência. É o período da hegemonia da ideologia do liberalismo burguês, aqui
entendido como:
a) Liberalismo econômico, não só àquele consagrado ao direito de propriedade,
mas a liberdade do comércio, do empreendimento, da atividade empresarial, do
lucro; da não intervenção estatal nos negócios;
b) Liberdades públicas e políticas, oriundas do Direito Natural de caráter
subjetivo, as liberdades individuais em geral
(Expressão/Pensamento/Culto/Reunião/Associação);
69
c) Igualdade Jurídica e Civil, sob o lema “Todos são iguais perante à Lei”;
d) liberdade contratual, como pressuposto teórico, segundo o qual todos os
indivíduos (racionais ) são livres para estabelecer contratos, para firmar contratos,
fundados na autonomia da vontade individual (Reprodução, no âmbito jurídico das
relações privadas, dos discursos do Jusnaturalismo Individual e das teses
Contratualistas ).
Ou seja, é o terreno soberano para a livre fixação de preços e de estipulação
de cláusulas contratuais nas atividades econômicas (Comércio/Sistema
Financeiro/Indústria). Mais do que isso é o livre ajuste dos salários na relação capital
e trabalho, sem qualquer tipo de ingerência estatal, ou ainda, a ausência de
legislação reguladora na “esfera privada” (patrão x empregado), mais comumente
chamado de “Pacta sunt servanda”.
Ressalve-se, ainda, que os contratos independem da condição
econômica/social dos indivíduos-contratantes. Assim, contratos desproporcionais
entre as partes são válidos, não importando a desigualdade material entre as
mesmas, já que a figura do hipossuficiente inexiste do ponto de vista legal. Ao
contrário, há suposição de que há igualdade (jurídica) entre as partes.
Ricardo Marcelo Fonseca realça o elemento da sujeição ou da subordinação no
âmbito do contrato de trabalho, quebrando por completo o paradigma clássico dos
sujeitos de direito, livres, dotados de autonomia intelectual e vontade própria para
agir no mundo dos contratos. Fala-se em dirigismo contratual, ou autonomia da
vontade limitada em que as partes contratantes, sujeitos de direito ora contratam e
propiciam a contraprestação do trabalho contratado e o outro polo presta serviços de
forma subordinada, mediante remuneração equivalente.
Ainda, Fonseca chama este episódio de “acontecimento histórico”. Em se
tratando da História do Brasil a razão é bastante simples: tanto na Colônia, quanto
no império, é o trabalho servil e escravo que prevaleceram. Mesmo no séc. XIX, os
trabalhadores livres não estavam enquadrados no paradigma contratual clássico
europeu. Sintetiza Fonseca que é apenas no séc. XX, em pleno processo de
urbanização, industrialização, sobretudo, novos atores sociais e relações sociais
mais complexas é que se superam as chamadas “relações de dominação direta” por
“vínculos contratuais jurídicos formais”.
Enquanto nova fórmula, a partir da abordagem do presente capítulo, a
globalização emergente de meados da década de oitenta do século XX, de maneira
70
mais acentuada, produziu o renascimento de alguns ingredientes muito presentes no
século XIX.
Em outros termos, considerando o enfoque da relação entre capital e trabalho,
pode-se dizer que certos aspectos supostamente sepultados historicamente,
reapareceram no quadro da chamada globalização, da era dos “consensos” e do
“discurso único”, tais como: a fragilização do papel do Estado e, em certa medida, a
sua retirada de cena para determinados fins; a flexibilização das normas que regem
as relações de trabalho, e isto inclui, sobretudo, o sistema de terceirização da
produção; em face disso, a suposição de que as partes (patrões e empregados)
estão em igualdade de condições para “negociar direitos” – a volta da autonomia das
vontades; enfim, a propalada precarização que significa tornar insegura as
condições de trabalho as quais o obreiro está submetido.
Historicamente, é generalizada a ideia de um período conjuntural de décadas
surgido logo após o fim da segunda Guerra Mundial que foi denominado pelo prof.
Antônio Casimiro Ferreira, em um capítulo chamado Para uma concepção decente e
democrática do trabalho e dos seus direitos (re) pensar o Direito das Relações
Laborais, inserido na obra “A Globalização e as Ciências Sociais” (organizada por
Boaventura de Souza Santos) de “capitalismo Organizado”, vejamos:
(...) que se foi mais longe na tentativa de regulação dos riscos associados às questões operária e social tendo-se estabelecido “ padrões de segurança” e de previsibilidade” ontológica e jurídica aos níveis individual e coletivo nunca antes alcançados na história do trabalho. A politização de algumas dimensões da “questão social” contribuiu para que no período do “capitalismo organizado” se fortalecessem concomitantemente os princípios do Estado, do mercado e da comunidade (Santos, 2000: 138). Combinação em muitos sentidos inédita, se atendermos ao modo como estes princípios de regulação co-existiram no período do “capitalismo liberal” ou se articulam na atual fase do “capitalismo desorganizado”. Com efeito, a regulação política, o caráter público e a racionalidade jurídica do direito do trabalho acentuam o seu caráter “ promocional” e o seu entendimento como direito de discriminação positiva, assente no princípio do favor laboratoris e no estabelecimento de padrões de emprego, de relações laborais e de condições de trabalho. Enquanto modelo jurídico-social de referência, ao tentar “impor” reciprocidade nas relações de trabalho, regulando a discricionariedade, a contingência e o risco considerados “normais” e co-extensivos ao “espaço da produção”, criou expectativas de justiça, equidade e democraticidade.
Na contramão do modelo acima descrito, temos o ocaso do Estado-previdência
naquilo que o professor português José Manuel Pureza, em um artigo intitulado
“Para um Internacionalismo Pós-Westfaliano”, inserido na obra “A Globalização e as
71
Ciências Sociais” (organizada por Boaventura de Souza Santos), chamou de
redirecionamento do Estado:
A condução da globalização dos mercados segundo uma lógica neoliberal determinou uma evidente fragilização – ainda que obviamente diferenciada, em função da posição ocupada por cada Estado concreto na hierarquia do sistema mundial – dos Estados na sua função de garantia do contrato social e das inerentes políticas de inclusão. A globalização assim conduzida atribui toda a prioridade à complementaridade entre autonomia dos mercados e “Estados facilitadores” (Falk, 1999;1), orientada para a liberalização, a privatização, a desregulamentação da economia, a retratação dos gastos com bens públicos e dos encargos com o bem-estar social, a plena mobilidade dos capitais e a sujeição do mercado de trabalho em simultâneo com um estrito controlo internacional e uma total flexibilidade nacional ... Não se trata, pois,’ de um puro e simples esvaziamento do Estado enquanto estrutura regulatória.
Dentro do “capitalismo organizado”, as relações de trabalho são pautadas
pelos requisitos legais estatuídos no artigo 3º. da CLT, na medida em que:
Na subordinação jurídica e no espaço da grande empresa como meio privilegiado onde se presta o trabalho subordinado; na unicidade do empregador prestando o trabalhador serviço a um único empregador; e na estabilidade temporal e remuneratória sendo o trabalho assalariado prestado a tempo inteiro, ou completo, obedecendo a uma duração temporal limitada, normalizada, etc.
No que podemos denominar, segundo o prof. Antônio Casimiro Ferreira, de
“capitalismo desorganizado”, a situação acima descrita muda radicalmente e num
sentido claramente negativo se considerados os interesses da classe trabalhadora:
Ao contribuírem (normas laborais) para a precarização dos vínculos contratuais e para a segmentação e dualização dos mercados de trabalho este tipo de normas laborais aprofundam os desequilíbrios estruturais associados às relações de trabalho, provocam maior insegurança ontológica e jurídica e põem em causa o modo como o trabalho se constitui em vínculo de integração social. Para além dos exemplos associados à precariedade e atipicidade legais geradoras de insegurança sócio-jurídica é igualmente de referir o “uso perverso” das normas laborais, como sucede nas situações de falsos despedimentos coletivos, de constrangimentos nos processos de reformas antecipadas e rescisões de contratos por mútuo acordo, de falências fraudulentas, de salários em atraso, de eficácia real das sentenças judiciais, de violação da privacidade no local de trabalho, de discriminação em razão do sexo, raça, etnia ou deficiência, de violação das normas respeitantes à duração do trabalho, etc.
É da lavra do mesmo autor a análise jurídica que bem demonstra este ponto de
inflexão das normas trabalhistas decorrentes da mudança do cenário econômico:
72
Em suma, a especificidade do direito do trabalho, que sempre reconheceu na sua estrutura nomológica a proteção à parte mais desprotegida, cauciona agora padrões de emprego flexíveis e desregulados. A desregulamentação e flexibilização, como resposta à juridificação das relações laborais, traduz-se na redução dos padrões de proteção legal dos trabalhadores, tendendo os seus defensores, apoiados em políticas econômicas neoclássicas e liberais, a criticar as normas de proteção do emprego, os direitos de consulta, participação e negociação dos trabalhadores e seus representantes, e a intervenção da administração, dos tribunais de trabalho e das organizações internacionais como a OIT.
Por fim, se no âmbito do Estado-Providência houve um ascensão da classe
operária capitaneada por uma sólida estrutura sindical, em tempos de globalização
extremada o que se percebe é o exatamente o oposto. O movimento sindical está
em uma encruzilhada e diante de incontáveis problemas, como bem enunciou o prof.
Elísio Estanque, na obra Reinventar a Emancipação Social: Para novos tempos,
mais especificamente no capítulo 8 (“A reinvenção do sindicalismo e os novos
desafios emancipatórios: do despotismo local à mobilização global”):
Como é sabido, a mitologia comunista caiu por terra e o sindicalismo “de classe” vê-se hoje mergulhado em inúmeros problemas e fragilidades. Não só o capitalismo conseguiu “canibalizar” as lutas da classe trabalhadora, mas até as estruturas dirigentes dos principais sindicatos se tornaram em larga medida instrumentos da ação reguladora do Estado. Com isso, contribuíram também os sindicatos para “canibalizar” as velhas propostas de ação emancipatória. No meio de todo esse processo, as conquistas dos trabalhadores e do movimento sindical tradicional cederam, na prática, às pressões da lógica cooptativa, entrando sem o perceber na dinâmica do sistema, ou seja, deixando-se absorver pela lógica de regulação (Santos, 2000: 335).
Por óbvio que a debilidade da ação sindical nos dias de hoje é mais um
sintoma da reconstrução da “velha fórmula”, insculpida no século XIX, aquele do
liberalismo “original”. Para o bom observador da paisagem na qual se configura cada
vez mais uma emasculação de certos direitos do trabalhador esta questão não pode
ser olvidada.
A Terceirização da atividade fim é o símbolo maior deste quadro de diminuição
de garantias e de direitos de natureza social já que chancelado pelo próprio sistema
legal. Tome-se como exemplo o caso das grandes montadoras de automóveis,
corporações multinacionais, que, protegidas pelo texto da lei, e, portanto, pelo
próprio Estado, terceirizam a linha de produção de peças automotivas inteiras. Em
73
ritmo acelerado e alucinado, a fim de cumprir um rol de metas intermináveis e
inatingíveis, milhares ou milhões de trabalhadores têm sua higidez física
comprometida parcial ou totalmente, de maneira temporária ou definitiva, a depender
da gravidade da lesão e/ou do acidente de trabalho de que são vítimas.
Esses trabalhadores, mutatis mutandis, ressalvadas as diferenças do tempo
histórico, podem ser equiparados aos operários do século XIX, já que suas duras
condições de existência no locus do trabalho não estão ao abrigo nem da lei, nem
do Estado. Mais do que isso, o beneficiário direto do seu esforço e da consequente
degradação física está sob o biombo do sistema de terceirização.
5.2 Crise da sociedade do trabalho: da tese sobre a desvalorização do
valor trabalho à terceirização da atividade fim
Uma das principais ilustrações do impasse apresentado, denominado ataque
aos direitos sociais, se faz demonstrar no projeto de Lei 4.330/2004, do Deputado
Sandro Mabel, reconhecido pelos representantes juízes da Anamatra, Ivan José
Tessaro e André Simionato Doenha Antônio como “mais um novo ataque aos
direitos trabalhistas a partir da alegada finalidade de desenvolver a legislação que
dispõe sobre as relações de trabalho”69.
O projeto deverá ser votado nos próximos meses na Câmara dos Deputados,
com o objetivo de regulamentar a terceirização no Brasil. Convém lembrar que, até a
presente data, o trabalhador presta seus serviços diretamente em benefício da
empresa que o contratou e através dela se insere em determinado meio ambiente de
trabalho. Se em algum momento tiver direitos lesados, pode cobrar do empregador o
que lhe é devido.
A terceirização foi e é um instituto desenvolvido originalmente dentre as
ciências da administração qualificando-se pela possibilidade de uma empresa ou
Ente Público delegar para outra empresa a execução de parte das suas atividades.
Desse modo, a prestadora de serviços terceirizados disponibiliza mão de obra
para a tomadora e, o que ocorre, é que os empregados terceirizados, a despeito do
69 TESSARO, Ivan José. Críticas ao Projeto de Lei da Terceirização (PL 4.330/2004). HiperNotícias, Cuiabá - MT, setembro 2013. Disponível em: <http://www.hipernoticias.com.br/TNX/conteudo.php?sid=174&cid=28982>
74
local onde trabalham, não são empregados da empresa ou servidores do Ente
Público em que atuam.
A principal finalidade da opção pela contratação de uma empresa terceirizada é
a de maximização de resultados bem como redução de custos, o que na prática
implica desde cortes de despesas com direitos trabalhistas até mesmo como
mecanismo de diminuição de garantias e de direitos para boa parte dos empregados
terceirizados, os quais recebem salários mais baixos e tem menos benefícios
quando comparados com trabalhadores da mesma função que não sejam
terceirizados.
Convém lembrar que a empresa terceirizada é responsável direta pela quitação
de todas as verbas trabalhistas, ficando a tomadora na posição de devedora
subsidiária, ou seja, só arca com os direitos laborais, normalmente verbas salariais,
depois de esgotadas as tentativas de cobrança contra a primeira, dificultando assim,
para o trabalhador, o recebimento daquilo que lhe é devido.
Tessaro ainda destaca que:
A terceirização comprovadamente também diminui a disponibilidade de postos de empregos e paralelamente aumenta a rotatividade de mão de obra, pontos que são absolutamente prejudiciais não só à classe trabalhadora, mas também à toda a sociedade, pois quanto mais vezes o trabalhador for demitido, para, poucos meses depois, ser novamente contratado, maior será o tempo em que ficará recebendo seguro-desemprego, benefício concedido a partir de aportes feitos por toda a sociedade ao FAT (fundo de amparo ao trabalhador).
O que pode ser considerado mais grave é que a mudança constitui ainda fator
concreto de risco à saúde e à integridade física dos trabalhadores terceirizados,
porquanto a redução de custos com a intermediação desse tipo de mão de obra tem
sacrificado investimentos não só na remuneração e em outros benefícios acessórios,
como também nas condições de segurança e saúde dessas pessoas.
Para o autor supracitado os dados a respeito são alarmantes: 4 em cada 5
mortes por acidente de trabalho no Brasil ocorrem com empregados de empresas
terceirizadas e em cada 10 acidentes de trabalho, 8 ocorrem em empresas que
utilizam mão de obra terceirizada.
Assim, uma legião de dependentes da previdência social vem se formando em
face dos elevados índices de acidentes, recaindo a conta com o pagamento dos
benefícios, em última análise, sobre a sociedade pagadora de impostos.
75
A despeito da realidade exposta, o projeto de Lei 4.330/2004, com a intenção
de aparentemente preencher uma lacuna da Lei, já que nosso ordenamento jurídico
não dispõe de uma regulamentação - especialmente, quanto à responsabilidade
trabalhista do tomador e à especificação das atividades em que a terceirização seria
lícita – simplesmente ignora toda a experiência acumulada pela Justiça do Trabalho,
que só a admite em situações excepcionais: quando se trata de serviço
especializado e no desenvolvimento de atividades acessórias da empresa.
Em sentido diverso ao consolidado perante a maioria dos que lidam
diretamente com as questões trabalhistas, a ideia que norteia o referido projeto é
estender de forma indiscriminada a terceirização de serviços a quaisquer atividades,
inclusive, para aquelas essenciais ou principais das empresas (atividades fim).
Ou seja, desta forma, a contratante/tomadora entregando a outrem o
cumprimento direto da atividade que justifica a existência dela, poderia terceirizar a
si mesma às custas do sacrifício de direitos trabalhistas.
É dizer, por exemplo, que um frigorífico poderá terceirizar setores como abate e
desossa. Uma agropecuária poderá terceirizar o preparo do solo, o plantio, a
colheita ou o manejo do gado. Uma construtora poderá terceirizar a construção da
fundação de um prédio ou o levantamento de paredes.
Enxerga-se um futuro com empresas sem empregados, realizando seus
objetivos exclusivamente através de trabalhadores terceirizados, não assumindo
sequer a responsabilidade direta pelo cumprimento das obrigações trabalhistas.
E se no contexto atual em que não há uma regulamentação da questão e em
que prevalece o entendimento restritivo a respeito das hipóteses de terceirização de
serviços perante a Justiça do Trabalho do Brasil, ainda assim, esta já se encontra
repleta de processos movidos por trabalhadores contra empresas terceirizadas que,
muitas vezes, simplesmente encerraram suas atividades sem quitar qualquer parcela
rescisória.
Muito pior será se efetivamente houver uma Lei ampliando a possibilidade de
terceirização para todas e quaisquer atividades das empresas possam ser
terceirizadas.
Assim, na contramão da realidade protetiva, escopo maior da Constituição
Federal de 1988, o Projeto de Lei 4.330/2004 permite expandir o que necessita ser
restringido, representando séria ameaça aos direitos e garantias fundamentais do
cidadão trabalhador, com reflexos danosos para toda a sociedade.
76
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o lançamento triunfal, em nível internacional, do livro intitulado “O
Capitalismo no Século XXI”, do economista francês Thomas Piketty, a discussão a
discussão em torno da desigualdade entre as pessoas e a origem das razões que a
motivam passou a ser o centro do debate intelectual no mundo. Uma leitura do
Capitalismo, desde o século XVIII, em suas várias fases, demonstra o oposto
daquilo que todos aparentemente supunham: estávamos caminhando para uma
redução das desigualdades sociais em nível global, graças à “Economia de
Mercado”. Esta visão pretensamente evolutiva da História deste sistema econômico,
além de otimista e superdimensionada, parece se demonstrar bastante equivocada.
Como bem observou Piketty, nos países ricos a desigualdade social aumentou
sensivelmente a partir dos anos 70/80 do século passado, fato que coincide com o
fim do Estado-Providência, a desregulamentação do sistema financeiro, o ajuste
fiscal, o corte de gastos públicos com a Saúde, a Educação e a Previdência, a
precarização do trabalho. O processo de Globalização e o receituário do “Consenso
de Washington” desaguaram na crise estrutural do Capitalismo do ano de 2008, com
consequências sócias gravíssimas para os pobres.
De forma magistral, Piketty, ao colocar no centro da discussão o tema do
aumento da pobreza de muitos e a opulência ascendente de poucos, redescobriu a
importância da História, esta tida como morta por Francis Fukuyama nos anos 90 do
século XX. Neste sentido, cumpre recordar a lapidar frase de Marx, na obra
intitulada “A Ideologia Alemã”: “Conhecemos apenas uma única ciência, a ciência da
História. ”.
A atualidade do tema do avanço das desigualdades entre as classes sociais a
partir de uma leitura do Modo de Produção Capitalista conecta-se, de alguma
maneira, com muitas questões levantadas neste trabalho. Assim, tem-se que
considerar que a luta intransigente e sem quartel em torno de direitos sociais latu
sensu, da cidadania integral e da efetividade da dignidade da pessoa humana estão
permanentemente ameaçados pelo viés do atual sistema Capitalista na retirada
gradual de normas de proteção.
Em outros termos, a corrosão dos direitos sociais, sobretudo aqueles oriundos
do Mundo do Trabalho, é o resultado do atraque dos interesses das grandes
77
corporações econômicas nacionais e multinacionais. Sob qualquer aspecto, a
rendição destes direitos significa o incremento das desigualdades. Situação ainda
pior se considerado o cenário brasileiro.
Tarso Fernando Genro, na obra “o futuro por armar” afirma que, na era
globaritária, a discussão deveria ser
Diante da nova relação entre Estado e Sociedade, em todo esse processo de lutas e superações multiculturais no âmbito local, cria-se um novo espaço comunitário, “de caráter neo-estatal, que funde o Estado e a Sociedade no público: um espaço de decisões não controladas nem determinadas pelo Estado, mas induzidas pela sociedade70.
Tal hipótese é possível?
Recuperando-se um processo histórico, presente na literatura dos interpretes
do Brasil, que Luiz Bernardo Pericás carinhosamente denominou clássicos, rebeldes
e renegados71,em especial Celso Furtado, a formação econômica brasileira
apresenta pistas acerca das possibilidades de rendição ou saídas para manutenção
dos direitos sociais.
Uma vez que, segundo FURTADO (2002) a ocupação econômica da América e
o resultado da expansão comercial da Europa não foi o resultado de uma expansão
demográfica ou de um movimento migratório, mas da atividade comercial do período
em exame pelo autor e, ainda, que o intenso desenvolvimento deste comércio
interno Europeu se deu no séc. XV.
Também, a ocupação das Américas acabou por contrapor Espanha e Portugal
com as demais nações europeias concorrentes (Holanda, França, Inglaterra),
tornando-se também um problema político e, esta pressão política impôs à Portugal
e à Espanha a missão de ocuparem as terras americanas recém conquistadas.
Desta forma, tratava-se de conservar as terras americanas, os metais
preciosos, no caso da Espanha, que se tornou, no início, economicamente atraente.
Mas nas regiões não auríferas prevaleceu um ambiente de escasso interesse
econômico.
Assim sendo, o eixo econômico de que fala o autor é o complexo México-Peru
que, segundo, Furtado coube à Portugal a tarefa de ocupar o espaço físico sem o
70 GENRO, Tarso. O futuro por armar . São Paulo: Vozes, 2001. 71 PERICÁS, Luiz Bernardo (org.) Interpretes do Brasil: clássicos, rebeldes e renegados. São Paulo: Boitempo, 2014.
78
uso exclusivo da exploração dos metais preciosos, ou seja, a partir da exploração
agrícola das terras brasileiras.
O resultado desta ocupação é a produção de bens para o mercado europeu
que Portugal iniciou nas Américas sendo a a “primeira grande empresa colonial
agrícola europeia”, vale dizer, a partir da produção de açúcar (“engenhos
açucareiros”).
Desta forma, a partir do refino, realizado nos países baixos, o açúcar produzido
por Portugal se espalhou pela Europa, tornando possível e efetiva a colonização do
Brasil. A Holanda contribuiu decisivamente com sua experiência comercial e com
elevados capitais para o sucesso da empresa açucareira.
Para contornar o problema da mão-de-obra – uma vez inviável a importação de
trabalhadores europeus – os portugueses adotaram o “mercado africano de
escravos” – constituindo-se uma mão-de-obra barata.
Reflete o autor que as Razões do monopólio seriam o fato de que Espanha
prosseguiu com sua exploração de metais preciosos (ouro/prata), não produzindo
uma alternativa econômica e por isso, uma das razões de sua decadência
econômica: a não variação dos seus produtos comerciais que acabou por favorecer
a empresa colonial portuguesa.
Ainda, a desarticulação do sistema: Guerra da Holanda versus Espanha pelo
controle do comércio de açúcar e a segunda metade do séc. XVII marcada o declínio
de preços da indústria açucareira.
Por fim, Colônia de povoamento do hemisfério norte: assistiu-se neste período
a derrocada do império espanhol e a, concomitante, emergência de seus rivais:
Holanda, França e Inglaterra. Desta forma, as Antilhas tornam-se pontas-de-lança
para futuros ataques à América espanhola e suas riquezas.
Convém destacar que a colonização inglesa é uma colonização de
povoamento, com excedente de população, sobretudo, com origem na zona rural e
uma desarticulação da agricultura coletiva. Tais colônias estavam fincadas na
pequena propriedade. Nas Antilhas, a situação é diferente devido ao clima que
possibilitava a produção de algodão, café e fumo (produtos tropicais) para o
mercado Europeu.
O autor conclui que a produção de açúcar é incompatível com a pequena
propriedade. Assim, foi esta razão que levou ao êxito da propriedade açucareira nas
terras brasileiras, permeadas pelo latifúndio e a mão-de-obra escrava. Tais fatores
79
inexistiam nas colônias antilhanas num primeiro momento, passando para o Brasil o
monopólio da produção de açúcar.
A expulsão dos holandeses do Brasil, fez com que estes montassem uma nova
produção açucareira nas Antilhas – já em um segundo momento – em colaboração
com os ingleses e franceses. A mão-de-obra escrava substituiu a população
europeia. O açúcar desorganizou a economia de subsistência nas Antilhas. Assim,
as colônias do norte passaram a exportar alimentos, madeira e outros produtos
manufaturados para as colônias caribenhas.
O desenvolvimento das colônias setentrionais teria se dado a partir deste
intenso comércio com as colônias produtoras de artigos comerciais. Para o autor a
diferença fundamental entre os dois tipos de colonização reside no fato de que nas
colônias setentrionais prevaleceram as pequenas unidades produtivas, de base
familiar, população europeia, produtos não tropicais e a pequena propriedade. Já
nas colônias Antilhanas imperou a monocultura (açúcar; fumo), a mão-de-obra
escrava, o latifúndio e a produção em grande escala. Ainda, nas colônias de
pequenos proprietários, a concentração de renda foi muito menor.
Também a mentalidade das classes dominantes, tanto nas colônias de
povoamento, quanto nas colônias de produção era radicalmente diferente: nas
colônias antilhanas, as classes dominantes tinham uma ligação umbilical com o
poder econômico e político da metrópole, já os habitantes das colônias setentrionais
eram refratários à intromissão da metrópole (Inglaterra).
Furtado ilustra o que chama de encerramento da etapa colonial: Para
sobreviver como metrópole colonial, Portugal, alienando parte de sua soberania,
firmou acordos com a Inglaterra (século XVII), o que perdurará por mais dois
séculos. Alega a semi-dependência em relação à Inglaterra, o que se dava na
modalidade de privilégios comerciais, paradoxalmente, em nome da liberdade
comercial, enfim, houve uma clara ascendência política sobre o Reino Português.
Era uma política de concessões econômicas do reino de Portugal.
Restava um problema econômico: a desorganização da indústria açucareira em
terras brasileiras caracterizada por uma nova “parceria” entre os dois países foi
encetada no começo do século XVII que proíbe o desenvolvimento manufatureiro
português (tecidos de lã, por exemplo), em troca da preservação da colônia e seu
território.
80
Este período será consagrado pelo ciclo do ouro. A Inglaterra beneficiou-se
financeiramente do ouro brasileiro, se capitalizando e criando um forte sistema
bancário. Portugal, por outro lado, copiando o modelo espanhol anterior, criou uma
falsa aparência de riqueza com o referido metal. No final do séc. XVII, o ciclo
aurífero entra em crise e a Inglaterra já entrava na primeira fase da revolução
industrial. O mercantilismo ficara para trás e o discurso liberal de mercados abertos
e livres para as manufaturas inglesas passa a ser hegemônico.
Quando da Independência do Brasil, devido a um processo de continuidade, os
compromissos entre Portugal e Inglaterra, passam a ser os compromissos
(comerciais/políticos) entre Brasil e Inglaterra. A história se repete, ou seja, o Brasil
delimita sua soberania em prol dos privilégios ingleses.
Do ponto de vista econômico, o Brasil de meados do séc. XIX era praticamente
o mesmo de três séculos anteriores: trabalho escravo; falta de industrialização. A
“nova” economia cafeeira representou um período de transição econômica.
Dentre os principais objetivos das reflexões de Furtado nas considerações
finais é demonstrar o processo de seletividade da construção do desenvolvimento
econômico brasileiro, ou seja, uma perspectiva ocidental, formada pelas categorias
do sistema teórico eurocêntrico, não resolveria a análise do processo de rendição
dos direitos sociais ou a tentativa dele.
O objetivo do primeiro capítulo foi aprofundar a discussão em torno da releitura
do Direito Privado no Brasil, sobretudo no que toca às questões candentes que
envolvem o contrato e a responsabilidade civil. Entende-se haver um absoluto
descompasso entre o novo e fecundo saber acerca do destes institutos de Direito
Civil e uma teoria renovada produzida na academia e a resistência ou ignorância de
parte significativa do poder judiciário na aplicação do Direito em favor dos
hipossuficientes.
Já no segundo capítulo o objetivo fundamental é demonstrar o processo de
rendição dos direitos sociais e suas marcas no Direito Brasileiro, aprofundadas no
quarto capítulo quando destaca-se os efeitos da Globalização – que, aliás, ainda não
se esgotaram – e as formas de precarização do trabalho, ilustrados na análise do
projeto de lei em trâmite no Congresso Nacional acerca da “Terceirização” de todos
os setores da produção econômica.
Acerca do terceiro capítulo, há uma pretensão de debater as ideias acerca das
limitações e contradições (insanáveis?) entre os Direitos Sociais, o conceito de
81
cidadania e o princípio da dignidade humana para além da férrea e indestrutível
“Ordem Econômica” ou como a mesma estaria solapando as bases sociais da
chamada “Constituição Cidadã”.
Por fim, na retomada sobre a análise do quarto capítulo tornar mais nítido o
cenário do “retorno à velha fórmula”, ou seja, a reaparição extemporânea de
ingredientes do capitalismo do século XIX, representados nas relações de trabalho.
Seria isto um movimento inexorável? Estaríamos diante de uma perigosa lacuna na
correlação de forças tese/antítese que resultaria num grave quadro social? Quais
seriam as saídas intermediárias possíveis? A resposta viria de uma possibilidade de
análise da realidade, sob a base da libertação pela história, enquanto elucidação da
verdade que os registros oficiais por vezes tendem a encobriram e que fatalmente
serão descortinados pela disciplina e virulência de cientistas destemidos.
82
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALTHEIM, Roberto. Direito de Danos: pressupostos contemporâneos do dever de indenizar. Curitiba: Juruá, 2008. ANTUNES, Ricardo. Adeus trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 3ª ed. São Paulo: Editora Cortez, 1995. BERCOVICI, Gilberto. Tentativa de instituição da democracia de massas no Brasil: Instabilidade Constitucional e Direitos Sociais na Era Vargas (1930/1964). In: História do Direito em perspectiva: Do Antigo Regime à Modernidade. Organizadores: Ricardo Marcelo Fonseca e Airton Cerqueira Leite Seelaender. Ano 2008. Curitiba: Juruá, 2011. BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Tradução e notas Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. ______. Da estrutura à função: novos estudos da teoria do direito. Tradução Daniela Beccaccia Versiani. Barueri, São Paulo: Manole, 2007. BURKE, Peter. A Revolução Francesa da Historiografia: a Escola dos ANNALES, 1929 – 1989. Trad. Nilo Odália. São Paulo: Editora Universidade Estadual Paulista, 1991. CALI HERNANDEZ, Oswaldo Rafael. A democracia participativa na Constituição Venezuelana de 1999. In: Constitucionalismo Latino-Americano: Tendências Contemporâneas. Organizadores: Antônio Carlos Wolkmer e Milena Petters Melo. 2013. Curitiba: Juruá, 2013. CAMARGO, Aspásia de Alcântara. A Questão Agrária: crises de poder e reformas de base (1930/1964), In, O Brasil Republicano: Sociedade e Política, História Geral da Civilização Brasileira. 3º. Volume. São Paulo: DIFEL, 3ª. Ed. CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1985. CASTRO DE LIMA, Abíli Lázaro. Globalização Econômica Política e Direito (Análise das mazelas causadas no plano político-jurídico). Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2002.
83
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos . 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013. COSTA, Pietro. Estado de Direito e Direitos do Sujeito: o problema dessa relação na Europa Moderna. In: História do Direito em perspectiva: Do Antigo Regime à Modernidade. Organizadores: Ricardo Marcelo Fonseca e Airton Cerqueira Leite Seelaender. Ano 2008. Curitiba: Juruá, 2011. D´ARAÚJO, Maria Celina. Estado, classe trabalhadora e políticas sociais. In: O tempo do nacional estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do estado novo. Org. Jorge Ferreira e Lucília de Almeida Neves Delgado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do Direito Civil . 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. ______. Reflexões abreviadas sobre aspectos da racionalidade histórico-cultural do arquétipo inserido no Código Civil Brasileiro de 2002. In: História do Direito em perspectiva: Do Antigo Regime à Modernidade. Organizadores: Ricardo Marcelo Fonseca e Airton Cerqueira Leite Seelaender. Ano 2008. Curitiba: Juruá, 2011. FAGUNDES, Lucas Machado. Reflexões sobre o processo constituinte Boliviano e o novo Constitucionalismo Sul-Americano. In: Constitucionalismo Latino-Americano: Tendências Contemporâneas. Organizadores: Antônio Carlos Wolkmer e Milena Petters Melo. Curitiba: Juruá, 2013. FERREIRA, Antônio C. Para uma concepção decente e democrática do trabalho e dos seus direitos (re) pensar o Direito das Relações Laborais, In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). A Globalização e as Ciências Sociais . 2 ed. São Paulo: Cortez, 2002. FONSECA, Ricardo Marcelo. Modernidade e Contrato de Trabalho: Do Sujeito de Direito à Sujeição Jurídica. São Paulo: LTr, 2002. ______. Introdução teórica à História do Direito . 1ª ed. Curitiba: Juruá, 2009. GABARDO, Emerson. Interesse público e subsidiariedade . Belo Horizonte: Fórum, 2009.
84
GENRO, Tarso. O futuro por armar: democracia e socialismo na era globaritária. Petrópolis: Vozes, 1999. GROSSI, Paolo. História da Propriedade e outros ensaios . Tradução Luiz Ernani Fritoli/Ricardo Marcelo Fonseca. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. ______. Mitologias jurídicas da modernidade . Tradução de Arno Dal Ri Júnior. Florianópolis: Fundação Boitex, 2004. ______. Para além do subjetivismo jurídico moderno. In: História do Direito em perspectiva: Do Antigo Regime à Modernidade. Organizadores: Ricardo Marcelo Fonseca e Airton Cerqueira Leite Seelaender. Ano 2008. Curitiba: Juruá, 2011. ______. Primeira Lição Sobre Direito . Tradução Ricardo Marcelo Fonseca. Rio de Janeiro: Forense, 2006. GRUPPI, Luciano. Tudo começou com Maquiavel (As concepções de Estado em Marx, Engels, Lênin e Gramsci). Trad. Darcio Canali, 5ª ed. Porto Alegre: L & PM Editores, 1986. HESPANHA, Antônio Manuel. Panorama Histórico da Cultura Jurídica Europeia . Portugal: Publicações Europa-América, fev/1997. HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções (1789-1848). Trad. Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel. 4ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1982. IGLÉSIAS, Francisco. A Revolução Industrial . 7ª ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981. LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. Lições introdutórias. 2ª. Ed. São Paulo: Max Limonad, 2000. ______. O Direito na História: lições introdutórias. São Paulo: Max Limonad, 2002. LÖWY, Michael. As Aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchha usen . (Marxismo e Positivismo na Sociologia do Conhecimento). Trad. Juarez Guimarães e Suzanne Felicie Léwy. 8ª ed. São Paulo: Cortez, 2003.
85
MARX, Karl. HISTÓRIA. Org. Florestan Fernandes. Trad. Florestan Fernandes, 2ª ed. São Paulo: Àtica, 1984. MOREIRA, Vital. A ordem jurídica do Capitalismo . 3ª ed. Coimbra: Centelha. 1978. NALIN, Paulo. Do Contrato: Conceito Pós-Moderno. (Em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional). Curitiba: Juruá, 2006. NUNES, Antônio Avelãs. Do capitalismo ao Socialismo . Florianópolis. Fundação Boiteux. 2007. ______. Os sistemas Econômicos: gênese e evolução do capitalismo. Coimbra: Serviços de acção social da U.C., 2009. OPUSZKA, Paulo Ricardo. Categorias fundantes da Economia de Mercado e elementos de uma análise crítica. In ASSAFIM, João Marcelo de Lima e SILVA, Nelson Finotti. Direitos Humanos e fundamentais e desenvolvimento s ocial . Rio de Janeiro: Letras Jurídicas, 2014, p. 243-256. PASTOR, Viciano Roberto e DALMAU, Rubén Martinez. O processo constituinte venezuelano no marco do novo Constitucionalismo Latino-Americano. In: Constitucionalismo Latino-Americano: Tendências Contemporâneas. Organizadores: Antônio Carlos Wolkmer e Milena Petters Melo. Curitiba: Juruá, 2013. PRONER, Carol. O Estado Plurinacional e a nova Constituição Boliviana – Contribuição da experiência boliviana ao debate dos limites ao modelo Democrático Liberal. In: Constitucionalismo Latino-Americano: Tendências Contemporâneas. Organizadores: Antônio Carlos Wolkmer e Milena Petters Melo. Curitiba: Juruá, 2013. PUREZA, José Manuel. Por um internacionalismo pós-westefaliano. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). A Globalização e as Ciências Sociais . 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2002. RESENDE, Maria Efigênia Lage. O processo político na Primeira República e o liberalismo oligárquico. In: O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. Org. Jorge Ferreira e Lucília de Almeida Neves Delgado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
86
RICOUEUR, Paul. Conceito de responsabilidade: ensaio de análises semânticas. In: RICOUEUR, Paul. O Justo: a Justiça como regra moral e como instituição. São Paulo: Martins Fontes, 2006. RUZIK, Carlos Eduardo Pianovski. Locke e a Formação da Racionalidade do Estado Moderno: o Individualismo Proprietário entre o Público e o Privado. In: Repensando a Teoria do Estado . Ricardo Marcelo Fonseca (Org.). Belo Horizonte: Fórum, 2004. SANTOS, Boaventura de Souza. Efeitos da Globalização e Neoliberalismo na garantia dos Direitos Humanos. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). A Globalização e as Ciências Sociais . 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2002. SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 5ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2001. SARLET, Ingo Wolfgang. Los derechos sociales en el constitucionalismo contemporâneo: algunos problemas y desafios. In: Los derechos sociales como instrumento de emancipación . Editores: LINERA, Miguel Ángel Presno Linera e Ingo Wolfgang Sarlet. España: Thomson Aranzadi, 2010. SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985. Trad. Mário Salviano Silva. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho . Rio de Janeiro: Renovar, 1999. SOBOUL, Albert. A Revolução Francesa . São Paulo: DIFEL. 1982.
TESSARO, Ivan José. Críticas ao Projeto de Lei da Terceirização (PL 4.330/2004). HiperNotícias, Cuiabá - MT, setembro 2013. Disponível em: <http://www.hipernoticias.com.br/TNX/conteudo.php?sid=174&cid=28982> TOLEDO, Caio de Navarro de. O governo Goulart e o golpe de 64. 6ª ed. Editora Brasiliense, 1985. TRONCA, Ítalo. Revolução de 1930: a dominação oculta. 5ª ed. Editora Brasiliense, 1986. VOVELLE, Michel. Ideologias e Mentalidades . Trad. Maria Julia Goldwasser. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987. WOLKMER, Antônio Carlos. História do Direito no Brasil . Rio de Janeiro: Forense, 2002.