Mecanismos jurídicos de articulação, institucionalização e ...

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Mecanismos jurídicos de articulação, institucionalização e controle de políticas públicas educacionais primordiais para o acesso à educação básica de qualidade Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie Relatório Técnico Científico Projeto de Pesquisa: Mecanismos jurídicos de articulação, institucionalização e controle de políticas públicas educacionais primordiais para o acesso à educação básica de qualidade Líder: Profa. Dra. Clarice Seixas Duarte Linha de Pesquisa: Cidadania Modelando o Estado. Faculdade de Direito – UPM.

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Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Político e Econômico da

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Relatório Técnico Científico

Projeto de Pesquisa:

Mecanismos jurídicos de articulação, institucionalização e controle de políticas públicas educacionais primordiais para o acesso à educação básica de qualidade

Líder: Profa. Dra. Clarice Seixas Duarte

Linha de Pesquisa: Cidadania Modelando o Estado.

Faculdade de Direito – UPM.

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Equipe Técnica:

Professores Pesquisadores:

1. Clarice Seixas Duarte (USP/Professora na Universidade Presbiteriana

Mackenzie/Representante da ASAP-Brasil)

2. Maria Paula Dallari Bucci (USP/Livre-Docente pela USP)

3. Geisa de Assis Rodrigues (UERJ/Professora na Universidade Presbiteriana

Mackenzie - PUC-SP/MPF - Procuradoria Regional da 3ª Região/ASAP)

4. Alessandra Gotti (PUC/Faculdades Integradas Rio Branco/Consultora da

UNESCO e Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação).

5. Luiz Ismael Pereira (Mackenzie/Professor Adjunto do Departamento de Direito

da UFV-MG/GT CLACSO/Instituto Luiz Gama/ASAP).

6. Maria Lúcia Indjaian Gomes da Cruz (PUC-SP/Professora CCSA)

7. Patricia Ulson Pizarro Werner (PUC-SP/Procuradora do Estado de São Paulo)

8. Silvio Luiz de Almeida (USP - graduado pela FFLCH/Professor na

Universidade Presbiteriana Mackenzie e na USJT)

9. Thamara Duarte Cunha Medeiros (Granada/Professora na Universidade

Presbiteriana Mackenzie)

Doutorandos:

1. Eduardo Tambelini Brasileiro (Doutorando pela Universidade Presbiteriana

Mackenzie/MBA em Gestão Empresarial pela FGV)

2. Fernando Büscher von Teschenhausen Eberlin (Doutorando pela Universidade

Presbiteriana Mackenzie/MBA pela ESPM/Professor do Programa de Pós-

Graduação Lato Sensu da FGV/SP)

3. Isabella Christina da Mota Bolfarini (Doutoranda pela Universidade

Presbiteriana Mackenzie)

4. Luiz Renato Telles Otaviano (Doutorando pela Universidade Presbiteriana

Mackenzie/Professor Adjunto na UFMS)

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5. Mario Jorge Tenório Fortes Júnior (Doutorando pelo Mackenzie/Professor no

entro Universitário Tiradentes)

6. Maykel Ponçoni (Doutoranda pelo Mackenzie/ASAP)

7. Susana Mesquita Barbosa (Doutoranda pelo Mackenzie - graduada em Filosofia

pela UNICAMP - mestre em Filosofia da Educação na UNICAMP/Professora na

Universidade Presbiteriana Mackenzie)

Mestres:

1. Ana Carolina Esposito Vieito (Mackenzie)

2. Fayola Sant Anna Cajuella (Pesquisadora Fundaçāo Getúlio Vargas)

3. Sérgio Luiz Pinel Dias (Mestrado - Procurador Regional da República - 2ª

Região)

Mestrandos:

1. Andressa Silva Melo (Mestranda em Educação pela USP, ex-aluna da graduação

da FADIr/UPM e orientanda de TCC da Profa. Clarice Seixas Duarte)

2. Bárbara Daniella Lago (Mestranda pela Universidade Presbiteriana Mackenzie)

3. Camille Bocanegra Caldana (Mestranda pela Universidade Presbiteriana

Mackenzie)

4. Caroline Lopes Placca (Mestranda pela Universidade Presbiteriana Mackenzie)

5. Diego Monteiro de Arruda Fortes (Mestrando pela Universidade Presbiteriana

Mackenzie)

6. Fabio Sampaio Mascarenhas (Mestrando pela Faculdade de Direito da USP)

7. Ighor Rafael de Jorge (Mestrando pela Faculdade de Direito da USP)

8. Thais Duarte Zappelini (Mestranda pela Universidade Presbiteriana Mackenzie)

Graduação/Egresso:

1. Alessandra Cristina Amaral Bezerra (Mackenzie)

2. Ingrid Sora (Mackenzie)

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Graduando:

1. Breno Silva Oliveira (Graduando pela Universidade Presbiteriana Mackenzie)

2. BrunoPereiraMalheiro(GraduandopelaUniversidadeMackenzie)

3. Erick Yuji Yamachi (Graduando pela Universidade Presbiteriana Mackenzie -

Graduando em Filosofia pela FFLCH)

4. Eriko da Silva Trindade (Graduando pela Universidade Presbiteriana

Mackenzie)

5. Maria Elisa de Castro Meneguelle Valtão (Graduanda pela Universidade

Presbiteriana Mackenzie)

6. Nathalia Torres dos Santos (Graduanda pela Universidade Presbiteriana

Mackenzie)

Resumo do projeto:

As atividades do Projeto de Pesquisa “Mecanismos jurídicos de articulação,

institucionalização e controle de políticas públicas educacionais primordiais para o

acesso à educação básica de qualidade” se desenvolveram ao longo do ano de 2017 e

início do ano de 2018, com financiamento do Fundo Mackpesquisa, envolvendo o

“Grupo de Pesquisa em Direitos Sociais e Políticas Públicas”, certificado pela

Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) e devidamente registrado no Diretório de

Pesquisa do CNPq.

O objetivo geral do presente projeto foi prosseguir no exame analítico dos

mecanismos jurídicos de articulação e institucionalização em políticas públicas

educacionais, com foco nas políticas primordiais para o acesso à educação básica de

qualidade, sem descuidar das políticas de formação de professores para essa etapa de

ensino, que ocorrem no ensino superior. A investigação também pretendeu estudar

como a institucionalização e a articulação dessas políticas, tendo como parâmetro a

realidade paulista, poderiam ser favorecidas pela implementação do Sistema Nacional

de Educação, preconizado na recente legislação de planejamento nacional do setor, para

o ano de 2016, como um instrumento normativo que enseja arranjos

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intergovernamentais mais sinérgicos.

Objetivos Específicos:

A proposta originária da pesquisa tinha como objetivos específicos os seguintes pontos:

1) Investigar, segundo um método estruturado, os vários pontos de desarticulação entre entes e órgãos responsáveis pela implementação das políticas públicas primordiais de acesso e qualidade na educação básica, especialmente as relacionadas à expansão sustentável da rede escolar, à carreira do magistério de educação básica e a permanência na escola, com exame destacado das metas do Plano Nacional de Educação relacionadas a estas políticas públicas;

2) Cotejar o quadro real com o “quadro ideal” ou “modelo ideal” de elaboração e execução das políticas públicas estudadas;

3) Identificar as eventuais decorrências normativas e de gestão ocorridos no Estado e no Município de São Paulo em virtude da estruturação do Sistema Nacional, previsto no Plano Nacional de Educação;

4) Identificar como as políticas públicas de educação básica, estudadas na pesquisa, serão impactadas pela estruturação do Sistema Nacional de Educação;

5) Identificar se o controle das políticas públicas de educação básica realizado pelo projeto do Ministério Público pela educação (MPEduc) considera a articulação institucional como um elemento relevante a impactar o resultado da implementação das políticas públicas;

6) Fazer um estudo comparado das políticas públicas de educação básica estudadas com as similares da Argentina, Coreia do Sul e Reino Unido, de modo a identificar as diversas soluções adotadas pelos países para articular e institucionalizar as políticas públicas, examinando o êxito dessas opções normativas;

7) Elaborar um relatório de pesquisa apontando os resultados da análise das políticas públicas de educação básica selecionadas, para eventual e futura publicação; e

8) Elaborar um relatório específico sobre a metodologia de análise de políticas públicas que está sendo desenvolvida dentro do Grupo de Pesquisa, para eventual e futura publicação.

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Descrição das etapas executadas e metodologia utilizada:

Em qualquer trabalho científico, o conhecimento da metodologia empregada é

fundamental para que a comunidade acadêmica possa entender as técnicas e caminhos

utilizados pelos investigadores para se chegar a determinadas conclusões. A

metodologia permite, inclusive, que haja a reprodução dos achados através da adoção de

idêntica metodologia. Nas ciências sociais, a metodologia assume um relevo importante,

também naquilo que possa apresentar de originalidade na compreensão dos fenômenos

sociais, objeto do estudo.

Empreendemos um esforço metodológico de empregar, além das ferramentas

tradicionais utilizadas pela área, um específico instrumento de análise de política

pública, que pode ser compartilhado por diferentes pesquisadores, permitindo a

identificação de elementos comuns que podem permitir um diálogo mais profícuo nesta

área temática.

Destacaram-se como técnicas de pesquisa a revisão bibliográfica, o

levantamento da produção legislativa, a análise documental e o estudo comparado de

políticas públicas de educação básica, que serão abaixo discriminados.

Na elaboração da pesquisa, a equipe técnica se dividiu em 4 subgrupos, de modo

que um professor coordenador supervisionou e atuou em conjunto com alunos de

graduação, mestrado e doutorado para empreender os estudos pertinentes, estabelecendo

planos de trabalho para cada pesquisador. Em reuniões periódicas gerais com a presença

de todo o grupo (foram realizadas sete reuniões gerais: em 06 de março, 12 de junho, 24

de agosto, 19 de outubro, 17 de novembro, 04 de dezembro de 2017 e em 16 de

fevereiro de 2018), os achados da pesquisa eram compartilhados por meio de

apresentações de resultados parciais e discussões para ensejar uma uniformidade de

análise.

Subgrupo 1: Educação infantil – Meta 01 e 05

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A proposta estudada por esse subgrupo, coordenado pela pesquisadora

convidada Professora Alessandra Gotti, tendo como integrantes a mestranda Ana

Carolina Esposito Vieito e a aluna da graduação Natalia Torres dos Santos, bolsista do

presente projeto, ambas da Universidade Presbiteriana Mackenzie, consistiu na análise

das metas 01 e 05 do Plano Nacional de Educação, relativas à ampliação da oferta de

educação infantil em creches, e a alfabetização de crianças, no máximo, até o terceiro

ano do ensino fundamental. Conforme previsto nos objetivos 1 e 2 da presente pesquisa,

foram escolhidos dois programas, um relativo a cada meta, para aplicação do método de

análise de políticas públicas proposto por Maria Paula Dallari Bucci: o “Busca Ativa” e

o “Avaliação Nacional da Alfabetização”.

As reuniões foram presenciais e virtuais, sendo essas últimas realizadas através

de troca de e-mails e mensagens eletrônicas.

A metodologia utilizada se baseou na atualização dos dados apresentados no

projeto de pesquisa anterior, bem como no levantamento bibliográfico sobre os temas

“busca ativa” e alfabetização”.

O trabalho foi dividido em duas partes: (i) atualização da legislação municipal,

estadual e federal, envolvendo a meta 01 e a meta 05, a qual fizemos no formato “linha

do tempo”, seguindo o modelo do relatório anterior; (ii) atualização dos dados

numéricos quanto a aplicação das metas.

No que consiste à meta 01, houve um foco maior na legislação do município,

enquanto na meta 5 buscou-se um levantamento das perspectivas e desafios da avaliação

Nacional sob a luz do Plano Nacional de Educação no âmbito Federal Estadual e

Municipal. (iii) aplicação do quadro de referência, elaborado pela professora Maria

Paula Dallari Bucci e comparação do quadro real com o quadro ideal.

A pesquisa resultou no artigo “A busca ativa como estratégia para a garantia do

direito à educação infantil”, abaixo reproduzido.

Subgrupo 2: Análise do papel do MPEduc no cumprimento das metas do PNE

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Este subgrupo, coordenado pelo pesquisador convidado Sergio Pinel, em

atendimento ao objetivo especifico de numero 05 do presente projeto, ficou responsável

pela análise do papel do “Projeto Ministério Público pela Educação” (MPEduc) no

cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação – PNE, tendo como integrantes

a então mestranda Maykel Ponçoni, hoje doutoranda do programa, o mestrando

Alexandre Izubara, bolsista do presente projeto durante o primeiro semestre de 2017, a

mestranda Thais Duarte Zappelini e o doutor Luiz Ismael, ex-pós graduando do

Programa de Pós Graduação em Direito Político e Econômico da UPM, e atualmente

Professor da Universidade Federal de Viçosa.

O MPEduc consiste num projeto de trabalho compartilhado pelo Ministério

Público Federal e o Ministério Público dos Estados, que visa, entre outros objetivos,

colocar a educação básica no centro das atenções dos Procuradores da República e

Promotores de Justiça que atuam na área. Os objetivos específicos do projeto, conforme

apresentado no sítio eletrônico www.mpeduc.mp.br, são: 1) identificar o motivo pelo

qual, apesar dos altos e crescentes investimentos financeiros do MEC/FNDE, o IDEB

dos municípios e das escolas brasileiras continuam longe do patamar educacional que

têm hoje a média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e

Desenvolvimento Econômico); 2) acompanhar a execução das políticas públicas

estabelecidas pelo MEC/FNDE, bem como a adequada destinação dos recursos

públicos; 3) verificar a existência e a efetividade dos órgãos de controle social previstos

em lei, bem como a participação da comunidade nos destinos das escolas; 4) estabelecer

o “Direito à Educação” como prioridade nos trabalhos desenvolvidos pelo Ministério

Público, com a criação de promotorias e ofícios exclusivos de educação; 5) levar ao

conhecimento do cidadão em geral e da comunidade escolar em especial, informações

essenciais sobre seus direitos em exigir a prestação de um serviço de educação de

qualidade, bem como sobre seus deveres em contribuir para que esse serviço seja

adequadamente ofertado.

Para alcançar os mencionados objetivos, os membros do Ministério Público

Federal e dos Estados, nos municípios em que o projeto está sendo executado, fazem

um diagnostico das redes públicas de ensino com: i) aplicação de questionários para os

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diretores das escolas, gestores e representantes dos conselhos de alimentação escolas e

acompanhamento do FUNDEB; ii) realização de audiência pública; iii) visitação às

escolas. Em seguida, com base no diagnóstico realizado, enviam recomendações aos

gestores e realizam uma segunda audiência pública para acompanhar os resultados e

prestar contas dos trabalhos desenvolvidos.

O estudo partiu do seguinte problema de pesquisa: a atuação dos membros do

Ministério Público, nos moldes da estabelecida no MPEduc, está em consonância com

as metas estabelecidas no PNE?

A hipótese estabelecida foi a de que o MPEduc, apesar de ter sido planejado

antes da publicação da Lei 13.005/2014, fomenta a atuação dos membros do Ministério

Público em vários temas abarcados nas metas do PNE, mas deixa de considerar algumas

delas. Para buscar responder à pergunta de pesquisa, o subgrupo utilizou a metodologia

de análise documental.

Assim, foram obtidos os questionários aplicados pelos membros do Ministério

Público no projeto MPEduc (nove questionários), as atas das audiências públicas

realizadas (cento e vinte atas), os modelos de atuação disponíveis aos participantes do

projeto (duzentos e cinquenta modelos) e as recomendações efetivamente expedidas

(mil cento e quinze recomendações), tendo sido analisada a correlação desses

documentos com as metas do PNE, cujos resultados serão abaixo apresentados.

Subgrupo 3: Análise do Sistema Nacional de Educação (SNE) e dos desafios a sua

implementação no Brasil.

O art. 214 da CF/88, com a redação dada pela EC 59/06, previu que a lei deverá

estabelecer o Plano Nacional de Educação, de duração decenal, com o objetivo de

articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes,

objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e o

desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades, por meio de

ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam à

erradicação do analfabetismo, à universalização do atendimento escolar, à superação das

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desigualdades educacionais, à melhoria da qualidade da educação (padrão nacional

mínimo de qualidade), à aplicação de recursos públicos em educação na proporção de

10% do PIB, à valorização dos profissionais da educação e ao respeito aos direitos

humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental.

Diante das diretrizes estabelecidas pelo art. 214, o Subgrupo 3, coordenado pela

Profa. Clarice Seixas Duarte e integrado pelos doutorandos Eduardo Brasileiro,

Fernando Eberlin, Luiz Renato Octaviano, Mario Jorge Fortes, pelo mestrando da UPM

Diego Fortes, pelo pesquisador convidado Fabio Mascarenhas, mestrando da Faculdade

de Direito da SUP, a então graduanda Andressa Melo (hoje mestranda na Faculdade de

Educação da USP), ficou responsável: (i) pela identificação dos principais desafios à

implementação do Sistema Nacional de Educação, articulado ao PNE e (ii) pela análise

da Meta 7, que trata da qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades

de ensino e da Meta 20, voltada à ampliação do investimento publico em educação

pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 10% do PIB no final do decênio.

A escolha pela analise do SNE se deve ao fato de que o mesmo constitui um

instrumento indispensável para que o PNE possa funcionar adequadamente, é preciso

que o SNE seja implementado, pois o mesmo permite: uma melhor articulação entre as

diferentes esferas federativas de governo, favorecendo: o surgimento de novas formas e

estratégias de intervenção por meio de politicas publicas para garantir o papel

redistributivo da Uniao; a criação de referenciais nacionais de qualidade que possam

orientar a ação supletiva e redistributiva da União; a consolidação de políticas de

Estado, evitando descontinuidade de programas de governo; a indicação, por meio de

sua normatização, ddos contornos da cooperação interfederativa e os mecanismos que

garantirão a gestão compartilhada entre Uniao e os entes federados.

A Lei 13.005/2014, que aprovou o PNE 2014-2024, determinou, expressamente,

em seu art. 13, o dever de “instituir, em lei específica, contados 2 (dois) anos da

publicação desta Lei, o Sistema Nacional de Educação, responsável pela articulação

entre os sistemas de ensino, em regime de colaboração, para efetivação das diretrizes,

metas e estratégias do Plano Nacional de Educação”.

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O dever de criação de um Sistema Nacional de Educação já estava determinado

desde a promulgação da Emenda 59/06, que deu uma nova redação ao artigo 214 da

CF/88, mas, com a Lei 13.005 de 2014, aumentou a expectativa de que tal instrumento

de fato pudesse sair do papel. Contudo, a despeito da importância de se instituir o SNE

e de sua previsão constitucional e infraconstitucional, até o momento de conclusão do

presente Relatório de Pesquisa, em março de 2018, este dever ainda não foi cumprido,

existindo tão somente projetos e propostas de lei destinados à sua normalização.

A omissão relativa ao dever de normalização do SNE prejudicou o cumprimento

de parte dos objetivos previstos inicialmente no presente Projeto de Pesquisa

(especialmente os objetivos 03 e 04, acima transcritos). Como consequência, o

Subgrupo 3 iniciou sua pesquisa pela análise dos Projetos de Lei em tramitação na

esfera federal relacionados ao tema, com vistas à elaboração de um quadro comparativo,

apontando as principais diferenças e semelhanças entre eles.

Foram analisados os seguintes projetos de lei:

• PLP 413/2014, de autoria do Deputado Ságuas Moraes, em trâmite na

Câmara dos Deputados;

• Substitutivo ao PLP 413/2014, sob a relatoria do Deputado Glauber Braga,

também em trâmite na Câmara dos Deputados;

• Projeto de Lei Complementar elaborado pelo MEC (SASE – Secretaria de

Articulação com os Sistemas de Ensino); e,

• Projeto de Lei Complementar elaborado pelo FNE – Fórum Nacional de

Educação.

Paralelamente à analise dos Projetos de Lei, foram realizadas pesquisas

bibliográficas acerca do conceito de sistema no âmbito jurídico, a partir da análise da

obra clássica de Canaris. No âmbito educacional, utilizou- se como marco teórico a

obra de Demerval Saviani, autor que, desde a década de 1960, vem se dedicando ao

estudo do tema.

Contrariamente ao que por vezes se propaga, a institucionalização de um sistema

não visa à criação de uma unidade monolítica, indiferenciada, mas um conjunto cuja

unidade não sufoca as diversidades, mas sim cria um todo capaz de articular uma

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variedade de elementos que, ao se integrarem ao todo, nem por isso perdem a própria

identidade; ao contrário participam do todo, integram o sistema na forma de suas

respectivas especificidades. Isso significa que uma unidade monolítica é tão avessa à

ideia de sistema quanto uma multiplicidade desarticulada. (SAVIANI, 2010, p. 381-

382).

Em relação às metas 7 e 20, relativas à qualidade e ao financiamento da

educação, respectivamente, a pesquisa partiu da identificação da base normativa

levantada no projeto anteriormente apresentado ao Mackpesquisa e, em seguida,

procedeu à sua atualização pós 2014.

Um avanço importante, a partir do novo PNE, foi a vinculação concreta dos

recursos a serem destinados à educação a proporção de 10% do PIB, conforme previsto

em sua meta 20. Mas talvez a estratégia mais inovadora tenha sido a previsão do Custo

Aluno Qualidade Inicial (CAQi), ferramenta que estabelece um valor para cada etapa e

modalidade de ensino, de forma a garantir o oferecimento de insumos essenciais para a

prestação de uma educação com um padrão mínimo de qualidade. A pesquisa buscou

analisar se e em caso positivo, como a inclusão do CAQi na atual política de

financiamento da educação poderia contribuir para a redução das desigualdades

regionais no país.

Para tanto, foi feita uma revisão bibliográfica de autores do Direito, da Ciência

Política e da Educação, além da análise de dados estatísticos nacionais e internacionais

sobre o tema.

Em relação aos preceitos constitucionais que regem o financiamento da

educação, foi feito um histórico de medidas relevantes à atual discussão do

financiamento da educação, primeiro por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento

do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF), depois através do

Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB), até chegar na Emenda

Constitucional n. 95/2016, relativa ao teto de gastos públicos que atingiu a educação.

Neste particular, o objetivo da pesquisa foi verificar se tal instrumento normativo

representou uma ruptura com o histórico de evoluções trazidas pelo Brasil com as

medidas mencionadas.

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Teve-se como objetivo específico fornecer subsídios para a compreensão do

objeto frente à legislação internacional e interna de proteção aos direitos sociais. No

âmbito internacional, analisou-se o quarto Objetivo de Desenvolvimento Sustentável

(ODS); no âmbito interno, o regime jurídico do direito à educação na Constituição

Federal Brasileira de 1988.

Subgrupo 4: Estudo Comparado

O objetivo 6 do projeto inicial, acima transcrito, pretendia fazer um estudo

comparado das políticas públicas de educação básica estudadas com as similares da

Argentina, Coreia do Sul e Reino Unido, de modo a identificar as diversas soluções

adotadas pelos países para articular e institucionalizar as políticas públicas, examinando

o êxito dessas opções normativas.

Para tanto foi constituído um subgrupo de pesquisadores, coordenados pelas

Professoras Geisa de Assis Rodrigues, Thamara Duarte Cunha Medeiros, tendo como

integrantes os alunos da pós graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie

Bárbara Daniella Lago Modernell, Caroline Lopes Placca, Izabella Christina da Mota

Bolfarini, e da pós graduação da Fundação Getúlio Vargas Fayola Cajuella, bem como

os alunos da graduação Erick Yuji Yamachi, Eriko da Silva Trindade e Breno Silva

Oliveira. Em todas as reuniões gerais da pesquisa (06/03/2017, 12/06/2017, 4/12e

16/02/2018) houve a participação de integrantes do subgrupo. Ademais, o subgrupo se

reuniu presencialmente em 8/05/2017 , 06/06/2017, 28/08/2017 e 27/10 (atas em

anexo), sem contar que os integrantes do subgrupo mantiveram ao longo do ano um

vivo contato virtual por meio de grupo do aplicativo WhatsApp “Grupo PPE

Comparados” e de trocas de mensagens por meio de correio eletrônico. Nas reuniões do

subgrupo houve discussões sobre a bibliografia básica necessária, os dados a serem

levantados que interessariam à comparação e a discussão de três planos de trabalho para

cada um dos países a serem estudados, Argentina, Coreia do Sul e Reino Unido.

A metodologia adotada pelo subgrupo foi essencialmente bibliográfica e

documental, mediante a consulta a textos acadêmicos e documentos oficiais dos

governos dos países estudados e de organismos internacionais, centrada no

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levantamento de dados relacionados a três planos de trabalho. Ademais, foi utilizado o

método comparativo no exame de sistemas jurídicos, normas constitucionais e

infraconstitucionais referentes ao direito à educação, dados quantitativos dos países,

bem como resultados e avaliações internacionais sobre o desempenho de cada país

referente aos critérios eleitos de acessibilidade à educação e a formação de professores.

Enfocamos também em que medida os países adotavam a educação intercultural nos

moldes previstas na educação dos povos indígenas no Brasil.

O plano n. 1 apresentava os três seguintes questionamentos: 1) O país estudado

se filia à família romano-germânica, do direito anglo-saxão, ou segue uma linha própria

(como as dos países do extremo Oriente?); 2) Qual é a forma de governo (República ou

Monarquia), forma de Estado (Estado Unitário ou Federal), e sistema de governo

(presidencialismo, parlamentarismo ou misto) do país estudado? 3) Qual é o papel que o

Poder Judiciário tem no país estudado em relação à revisão dos atos e omissões do

Poder Executivo (judicial review)? Qual é o papel que o Poder Judiciário tem no país

estudado na garantia do exercício dos direitos sociais como o direito à educação?

O plano 2 foi constituído das seguintes indagações: 1) O direito à educação

encontra previsão constitucional na legislação do país em análise? 2) A Constituição

prevê normas sobre repartição de competências na área de educação? 3) Em caso

negativo, como a legislação estabelece as atribuições em matéria de educação quanto

aos níveis nacional e local? 4) Quais os tratados internacionais sobre educação foram

ratificados pelos países em estudo (especialmente Pacto Internacional dos direitos

econômicos, sociais e culturais de 1966 e seu Protocolo, Convenção relativa à luta

contra as discriminações na esfera do ensino (1960) e seu Protocolo e Declaração

mundial sobre educação para todos de Jontiem (1990)? 5) Qual o número de estudantes

do país na educação básica? Qual o número de professores da educação básica? Qual o

salário médio do professor de educação básica no país? Como é país está colocado

dentro dos rankings internacionais (Pisa e outros- ver caderno da Unesco sobre o país)?

Qual o ranking do país no IDH? Qual o investimento médio por aluno de educação

básica no país? Qual o percentual do PIB do país é investido em educação? 6) Há norma

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no país análoga ao Plano Nacional de Educação? Desde quando? Existe o

acompanhamento das metas normativas?

Por último, o plano 3 contém 13 perguntas: 1)Quais os dados relativos aos

professores de educação básica no país: quantidade de professores, formação

universitária de professores de educação básica, situação remuneratória. 2) Quais os

dados relativos à educação infantil no país e alfabetização (número de crianças, idade da

alfabetização). 3) No país estudado as metas 1,5 e 15 já foram plenamente atendidas?

4) Em caso positivo, quando cada uma das metas foi atendida (as perguntas 4, 5 e 6 só

serão respondidas se esta pergunta for em sentido afirmativo)? 5) Essas metas estavam

previstas em um plano jurídico? 6) As estratégias adotadas no nosso PNE são similares

às que foram adotadas nesse país? 7) Existem outras estratégicas jurídicas que foram

adotadas e que não estão previstas em nossa normativa? 8) Em caso negativo, qual é o

atual estágio do país em relação às metas 1,5 e 15 de nosso PNE? (as perguntas

subsequentes só serão respondidas se for necessário responder essa pergunta) 9) A que a

doutrina, os diagnósticos governamentais e internacionais (trabalhos de ONGs locais)

atribuem esse quadro de deficiência na formação dos professores de educação básica

neste país? 10)Existem desigualdades regionais no atendimento dessas metas no país?

Por quê? 11) Existe normativa que configura o acesso à educação infantil e a

alfabetização na idade correta metas a serem atingidas? 12) Em caso positivo, as

estratégias a serem adotadas são similares a que prevemos no Brasil? 13) Existem outras

estratégias previstas?

As atividades do subgrupo de estudo de direito comparado foram impactadas

pela readequação do exame das metas normativas do Plano Nacional de Educação.

Assim, com a redução do escopo da pesquisa ao exame das metas de acesso à educação

infantil (metas 1 e 5 do PNE brasileiro) e formação de professores (meta 15 do PNE

brasileiro), também o objeto da comparação passou a focar os elementos relativos a

essas metas normativas. Também internamente no grupo houve uma readequação dos

propósitos iniciais, e não se examinou as políticas públicas específicas de cada país, mas

o foco foi o estudo das estratégias institucionais adotadas pelos demais países para o

atendimento das metas de acesso à educação infantil e formação de professores,

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Mecanismosjurídicosdearticulação,institucionalizaçãoecontroledepolíticas

públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

primordialmente se tais metas foram determinadas em instrumentos normativos como o

Plano Nacional de Educação e se a gestão da política pública no país era realizada por

meio de um Sistema Nacional de Educação.

Inicialmente o grupo procurou contextualizar normativamente os países

estudados, definindo qual a forma de governo, de Estado, de sistema presidencial, se

havia proteção constitucional do direito à educação, se o Estado havia aderido aos

pactos internacionais mais relevantes na área, e se havia jurisdição constitucional. A

hipótese era investigar se alguma das características da essência institucional do país,

poderia gerar algum impacto em matéria de resultados de políticas públicas

educacionais.

Resultados da pesquisa:

Subgrupo 1: Educação infantil – Meta 01 e 05

No que consiste à meta 01, o estudo demonstrou que ainda não há mecanismos

suficientes para a aplicação do Programa Busca Ativa, com o objetivo de universalizar a

educação infantil no país, principalmente no município de São Paulo.

Em razão dessa deficiência, a pesquisa se dedicou a analisar o Acórdão

2775/2017-Plenário, do Tribunal de Contas da União (TCU), que avança ao propor

medidas concretas para fomentar a cooperação interfederativa, por meio de algumas

recomendações, dentre as quais se destacam: a expedição de orientações técnicas por

parte do MEC, a disseminação de boas práticas e elucidação dos possíveis arranjos

institucionais para o levantamento da demanda e a adocao do programa busca ativa,

como mecanismo para o planejamento da expansão da oferta.

Na mesma linha, apurou-se que o TCU sugeriu a otimização de dados e dos

programas federais existentes, como a realização da busca ativa com uso dos dados do

CadÚnico, gerido pelo Ministério do Desenvolvimento Social, que reúne informações

atualizadas de 27 milhões de famílias brasileiras em situação de vulnerabilidade

econômica, ou da estrutura do Programa Criança Feliz, que faz visitas domiciliares

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Mecanismosjurídicosdearticulação,institucionalizaçãoecontroledepolíticas

públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

periódicas. Recomendou, ainda, a atualização periódica dos dados do “Mapa de

Expansão das Creches”, disponível no módulo público do Simec, para seu uso como

ferramenta de gestão e planejamento pelos municípios.

Por fim, a pesquisa analisou o "Programa Busca Ativa Escolar”, do Unicef. A

partir desse desdobramento da pesquisa, foi possível concluir que: (i) Para a expansão

da rede de ensino de educação infantil, é necessário a especificação da quantidade de

crianças que precisam do atendimento; (ii) A Busca ativa é um instrumento relevante

para auxiliar nessa pesquisa; (iii) há necessidade de apoio e orientação do governo

federal aos demais entes da federação.

No que tange à meta 05, a pesquisa apontou que há mecanismos suficientes para

a aplicação da “Avaliação Nacional da Alfabetização”, isso porque ela já foi aplicada

nos anos de 2013, 2014, 2016. Contudo, evidenciamos que pouco se tem feito com os

resultados obtidos a fim de melhorar efetivamente a educação brasileira visando a

alfabetização completa de crianças de até 8 anos.

Dentre os achados da pesquisa, merece destaque o papel que o Tribunal de

Contas da Uniao tem desempenhado um papel importante no acompanhamento do

cumprimento das metas do PNE, propondo recomendações concretas para fomentar a

cooperação interfederativa, a coordenação entre programas geridos por diferentes

ministérios e órgãos governamentais e a utilização de instrumentos de politicas publicas

já existentes, como o CadUnico (cf. Acórdão 2775/2017-Plenário TCU, acima

mencionado).

Subgrupo 2: Análise do papel do MPEduc no cumprimento das metas do PNE

Em relação ao 5º objetivo do presente Projeto de Pesquisa, o estudo não

comprovou que o Projeto MPEduc considera, de modo especifico, a articulação

institucional como um elemento relevante a impactar o resultado da implementação de

politicas publicas.

Contudo, o estudo indicou, a partir da análise das atas das audiências públicas

realizadas no âmbito do projeto pelos membros do ministério publico vinculados ao

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Mecanismosjurídicosdearticulação,institucionalizaçãoecontroledepolíticas

públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

MPEduc, que o mesmo se apresenta, ele próprio, como um instrumento de articulação

que permite realizar a interação e o diálogo entre a gestão pública e a sociedade, tendo

apresentado reflexos positivos no controle e na fiscalização dos recursos públicos

aplicados na área da educação básica.

De fato, embora o Projeto MPEduc tenha sido planejado antes da publicação da

Lei 13.005/2014, o mesmo fomenta a atuação dos membros do Ministério Público em

vários temas abarcados nas metas do PNE.

Após ter sido traçado um quadro comparativo entre os questionários

direcionados às instituições de ensino, as recomendações expedidas pelos órgãos do

Ministério Público e as metas e estratégias previstas no Plano Nacional de Educação,

constatou-se que atuação do Ministério Público deu ênfase às seguintes metas e

estratégias: Meta 1, estratégias 1, 4, 5, 6, 11 e 14; Meta 2, estratégias 2, 6 e 9; Meta 3,

estratégias 7 e 8; Meta 4, estratégias 1, 3, 4, 5, 6, 7 e 13; Meta 6, estratégias 1, 2, 3, 4 e

8; Meta 7, estratégias 10, 13, 15, 17, 18, 20, 22, 23 e 33; Meta 9, estratégia 7; Meta 15,

estratégia 1, Meta 17, estratégia 1; Meta 18, estratégias 1, 3 e 5; Meta 19, estratégias 1,

2, 5, 6, 7 e 8; Meta 20, estratégias 1, 4, 5 e 7.

O grupo produziu um documento de 54 páginas consolidando a correlação de

cada pergunta dos questionários aplicados no MPEDUC com as metas do PNE; um

documento de 5 páginas consolidando a correlação dos modelos de atuação relacionado

à alimentação escolar e aspectos estruturais das escolas com as metas do PNE; um

documento de 13 páginas consolidando a correlação das recomendações expedidas no

Estado do Rio de Janeiro e as metas do PNE; um texto da pesquisadora Thaís Zappelini

com o título MPEduc e o implemento das metas do PNE, apresentado no evento de

encerramento do Projeto; publicação do artigo com a seguinte referência.

Alem disso, o grupo produziu o seguinte artigo, já publicado: DIAS, Sérgio;

PONÇONI, Maykel. “A Tutela do Direito à Educação Básica de Qualidade no Brasil e

o Projeto Ministério Público pela Educação”. In: Irene M. Portela; Rubén Miranda

Gonçalves; Fábio da Silva Veiga. (Org.). Paradigmas do Direito Constitucional Atual. 1

ed. Barcelos, Portugal: Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, 2017, p. 521-532.

Page 19: Mecanismos jurídicos de articulação, institucionalização e ...

Mecanismosjurídicosdearticulação,institucionalizaçãoecontroledepolíticas

públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

Subgrupo 3 - Análise do Sistema Nacional de Educação (SNE) e dos desafios a sua

implementação no Brasil.

O estudo constatou que a educação no Brasil é marcada por intensas

desigualdades, aprofundas pela adoção de políticas educacionais descentralizadoras, em

grande parte induzidas pelos arranjos federativos que caracterizam o Estado Brasileiro.

A descentralização não seria um problema se houvesse mecanismos que forçassem a

Uniao, ente federal que mais arrecada, a contribuir de modo efetivo para que os

municípios pudessem realizar suas atribuições em matéria educacional. Assim, a

autonomia para organizar e fazer funcionar seus próprios sistemas de ensino, de acordo

com a realidade social local, não acabaria sendo tão relativizada.

Diante dessa realidade, o desafio da criação de um mecanismo jurídico capaz de

promover a articulação e cooperação entre os diferentes sistemas educacionais,

contribuindo para a melhoria da educação nacional, adquire enorme relevância. Tal

tarefa foi atribuída ao SNE, cuja institucionalização viria realizar o regime de

colaboração entre os entes federativos em matéria educacional, preconizado no art. 23

da CF/88.

De fato, o que se projetou para o SNE foi justamente o compromisso de unificar

os esforços dos entes federados na implementação das politicas publicas educacionais,

em regime de colaboração, melhorando a articulação governamental, para que cada

ente, a partir das suas peculiaridades e de suas competências normativas, pudesse

contribuir para a realização de objetivos comuns, notadamente a melhoria da educação

nacional e a superação das desigualdades educacionais. Vale destacar que a Lei

13.005/2014 propôs a criação de instâncias permanentes de negociação e pactuação na

esfera federal

Contudo, foram encontrados inúmeros desafios à institucionalização do

sistema, dentre os quais podemos destacar: a necessidade de superação dos caminhos

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Mecanismosjurídicosdearticulação,institucionalizaçãoecontroledepolíticas

públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

históricos que levaram à desarticulação interinstitucional das politicas publicas

educacionais; a necessidade de definição de meios concretos para inclusão de interesses

dos municípios para reduzir elevados graus de desigualdade; a necessidade de criação e

consolidação de arranjos institucionais capazes de fazer com que o SNE venha a

melhorar a estrutura; a qualidade e os resultados da educação brasileira; a necessidade

de definição, de forma clara, do que deve ser de responsabilidade nacional e local; a

necessidade de combater e reverter os efeitos da cultura das Politicas descentralizadoras

que historicamente vêm retirando do governo central a responsabilidade pela educação

básica nacional, gerando grandes disparidades entre os serviços educacionais prestados

pelos diversos entes federados; garantir a colaboração efetiva da União, de modo que a

responsabilidade pela qualidade da educação básica não recaia de modo desproporcional

sobre estados e municípios sem os aportes correspondentes da União, o ente que mais

arrecada; definir a forma de normatização dos instrumentos de gestão (ex: Programa de

Formação de Professores - PARFOR, analisado do Projeto de Pesquisa anteriormente

apresentado ao Mackpesquisa), que permitam uma maior e melhor articulação entre os

entes federativos; a necessidade de se garantir um padrão de qualidade em termos

nacionais, o que poderia ser alcançado pela implementação do CAQi, instrumento capaz

de garantir a qualidade e expansão do sistema.

Diante da omissão do dever de institucionalização do SNE, restou-nos a análise

dos projetos de lei acima mencionados, da qual resultou a elaboração de um quadro

comparativo, anexado ao presente Relatório, que permitiu identificar algumas

similitudes e diferenças entre eles.

De modo geral, pôde-se verificar que todos os PLs possuem um objetivo

comum, qual seja, regulamentar o parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal de

1988, instituindo o Sistema Nacional de Educação, a partir da fixação de normas de

cooperação federativa entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios em

prol da educação. Vale ressaltar que essa cooperação, à luz dos PLs analisados, deverá

se dar tanto no aspecto técnico da educação, quanto no aspecto financeiro.

Por outro lado, foram identificadas diferenças entre eles, em especial no que

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Mecanismosjurídicosdearticulação,institucionalizaçãoecontroledepolíticas

públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

diz respeito ao detalhamento e à forma dessa cooperação, além de particularidades

quanto à nomenclatura, estrutura e função dos órgãos previstos para operar o sistema e

promover uma maior articulação entre seus elementos.

Em relação às políticas de financiamento da educação das últimas décadas,

como principais achados da pesquisa, verificou-se que, embora as mesmas tenham

trazido alguns avanços, não obtiveram os resultados esperados. O FUNDEF, vigente até

1996, contribuiu para cristalizar as desigualdades regionais, uma vez que os aportes

realizados pela União correspondiam a um valor muito baixo.

O FUNDEB, atual política, por meio do aumento substancial da participação

da União no financiamento da educação básica brasileira, permitiu uma maior

aproximação dos valores investidos na educação entre os diferentes estados,

contribuindo, de fato, para a redução das desigualdades regionais no oferecimento da

educação, porém, sem alcançar a garantia de um padrão mínimo nacional de qualidade.

As principais causas dessa situação podem ser atribuídas à falta de atuação

preponderante da União, motivada pela ausência de um regime de colaboração em

efetivo funcionamento. Outro fator preocupante diz respeito à própria lógica do

financiamento da educação, que é pautada por critérios monetários, e não de qualidade.

Neste cenário, a inclusão do CAQi, ao introduzir um valor único nacional, a ser

implementado através da atuação conjunta dos entes federados, permite impulsionar

ainda mais a criação de um regime de colaboração entre eles, possibilitando a redução

das desigualdades regionais por meio da equalização dos valores investidos. Além

disso, o CAQi rompe com a lógica do financiamento da educação baseada na

disponibilidade de recursos, priorizando a efetivação do direito a uma educação de

qualidade.

Merece destaque o retrocesso representado pela adoção da EC/95, que rompeu

com a tendência de ampliação dos instrumentos de financiamento da educação, acima

apontados, tornando-se um obstáculo aos avanços introduzidos pela meta 20 e pela

perspectiva de normalização do SNE.

Enquanto não houver a garantia de um padrão nacional mínimo de qualidade

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Mecanismosjurídicosdearticulação,institucionalizaçãoecontroledepolíticas

públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

da educação, a ser adotado em todo país, tal como preconizado pela meta 07, capaz de

minimizar as desigualdades educacionais, nem a formalização de um SNE, prevista no

art. 214 e no artigo 13 da Lei 13.005/2014, com medidas e instâncias eficazes para

promover uma maior articulação entre os diversos sistemas de ensino, a tendência é a

reprodução e o aprofundamento das disparidades educacionais já existentes.

O subgrupo produziu 4 artigos, em que os resultados da pesquisa foram

discutidos e aprofundados, quais sejam: (1) “Sistema Nacional de Educação como

instrumento de política pública educacional e de cooperação federativa”, de autoria de

Clarice Seixas Duarte, seu doutorando Eduardo Brasileiro e o mestrando Diego Fortes;

(2) O Financiamento da Educação Brasileira e a Emenda Constitucional nº 95 de 2016,

de autoria de Clarice Seixas Duarte e do pesquisador convidado Fabio Mascarenhas,

aluno egresso da graduação do Mackenzie; (3) “Em busca de um padrão nacional de

qualidade: Inclusão do Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi) no FUNDEB como

mecanismo para redução das desigualdades regionais no oferecimento da educação

básica”, de autoria de Clarice Seixas Duarte e Andressa Silva Melo, fruto do Trabalho

de Conclusão de Curso desenvolvido pela aluna, sob a supervisão da Profa. Clarice e (4)

O uso do big data nas politicas publicas educacionais, de autoria do doutorando da UPM

Fernando Eberlin, também professor do curso de Direito da Fundação Getúlio Vargas e

de Fayola Cajuella, pesquisadora desta ultima instituição.

Este ultimo artigo aponta na direção que pretendemos desenvolver em nossas

próximas pesquisas, notadamente a análise de dados e informações sobre a educação no

Brasil disponíveis. Pretendemos investigar o grau de cumprimento das metas propostas

pelo PNE. Para tanto, a coleta de dados será realizada por meio de softwares de

inteligência artificial desenvolvidos para esta finalidade e os critérios para definição do

método de analise serão elaborados pelo grupo de pesquisa a partir de hipóteses

formuladas nos resultados apresentados na pesquisa ora concluída.

Os artigos foram traduzidos para a língua inglesa com o financiamento do

Mackpesquisa com o objetivo de serem publicados no exterior, para fortalecer a

internacionalização do Programa de Pos Graduacao em Direito Politico e Econômico da

UPM. O artigo sobre o “Financiamento da Educação Brasileira e a Emenda

Page 23: Mecanismos jurídicos de articulação, institucionalização e ...

Mecanismosjurídicosdearticulação,institucionalizaçãoecontroledepolíticas

públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

Constitucional nº 95 de 2016” já foi inclusive apresentado pela Profa. Clarice Seixas

Duarte em evento internacional realizado na Universidade de Yale, com o apoio da

Reitoria da UPM.

Com o objetivo de dar visibilidade ao PPGDPE da UPM foi traduzido o artigo

“A internacionalização na educação superior no Brasil: um estudo na área de direito”,

de autoria de Maria Lucia Indjhaian, do CCSA da UPM.

Subgrupo 4: Estudo Comparado

A tabela abaixo denota o quadro comparativo elaborado pelo subgrupo, entre os

dados sobre a configuração da estrutura normativa dos países:

País Família

Jurídica

Forma de

Estado

Forma de

governo

Sistema de governo Previsão

constitucion

al do direito

à educação

Adesão a tratados

internacionais(Pac

to Internacional

dos direitos

econômicos,

sociais e culturais

de 1966 e seu

Protocolo,

Convenção

relativa à luta

contra as

discriminações na

esfera do ensino

(1960) e seu

Protocolo e

Declaração

mundial sobre

educação para

todos de Jontiem

(1990)

Jurisdição

constituticional

Argentin

a

Romano-

germânic

a (civil

law)

Federação República Presidencialismo Sim Sim Sim

Brasil Romano-

germânic

a (civil

law)

Federação República Presidencialismo Sim Sim Sim

Coreia

do Sul

Romano-

germânic

Estado

Unitário

República Semipresidencialis

mo (O Presidente

Sim Sim Sim, após a

redemocratizaç

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Mecanismosjurídicosdearticulação,institucionalizaçãoecontroledepolíticas

públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

a com

influência

s anglo-

saxã e

cultura

jurídica

asiática

nomeias o Primeiro

Ministro que

governa)

ão em 1987

Reino

Unido

Anglo-

saxã(

common

Law)

União

Real

(estado

composto

que

integra

países que

têm mais

autonomia

se

comparado

s com os

Estados

membros

de uma

Federação)

-

Inglaterra,

Escócia,

Paíse de

Gales e

Irlanda do

Norte

Monarqui

a

Parlamentarismo

clássico

Não há

Constituição

rígida no

Reino

Unido,

reputava-se

que a Carta

europeia de

direitos

humanos era

a referência

constitucion

al ao direito

à educação,

com o

Brexit há

discussão

sobre esse

aspecto

Sim,

principalmente

após a

introdução da

Convenção

Europeia de

direitos

humanos em

1998

Também para melhor precisar o quadro comparativo, foi identificada a

organização do sistema educacional do país, especialmente a quantidade de estudantes e

professores, no sistema público e privado, idh e índice de alfabetização, índice de

desigualdade social (GINI) :

Critério distintivo

Argentina Brasil Coreia do Sul Reino Unido

Número de estudantes

10.820.896 (2016) 43.695.150 (2016) 5.897.985 (2016) 22.672.034

(2016)

Número de Estudantes fora

da educação básica

23.235 (2014) 1.513.480 (2015) 45.042 (2015) 37.936(2014)

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Mecanismosjurídicosdearticulação,institucionalizaçãoecontroledepolíticas

públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

Percentual de alunos na

escola pública

72% (2016) 78,5% (2016) 86% (2013) 96%

Número de Professores na

educação básica pública

953. 275 (2014) 2.200.000 (2016) 428.511(2016) 609.542 (2016)

Investimento em

educação/PIB

5,33% do PIB (2014) 5.99% do PIB (2013) 5.05 do PIB

(2015)

5.68 % do PIB

(2015)

Gasto por aluno na

educação básica

3546,61 (2014) 3294,61(2013) 9.739,14 (2015) 8.889,67 (2014)

Posição no IDH

45-0.827 79- 0.754 17-0,898 14-0,907

Índice de alfabetização

97.49% da população 88.04% 98% (2008) 99% (2015)

Coeficiência de índice de

desigualdade

15.2 (2017) 25(2017) 15.9 (2017) 7,8 (2017)

Pode-se perceber que a educação pública de qualidade é um importante traço do

desenvolvimento social de um país, bem como um investimento per capta adequado por

aluno de educação básica pode gerar importantes resultados, independentemente do

volume desse investimento em relação ao Produto Interno Bruto Nacional. A

desigualdade social está relacionada ao acesso à educação, restando evidente o passivo

educacional do Brasil em relação aos outros países, que fizeram opções que ensejaram a

maior inclusão social atual há mais tempo.

Apenas a Argentina enfrenta o desafio de uma educação intercultural, nos

moldes da brasileira, por terem a obrigação de preservarem seus povos indígenas,

minorias étnicas descendentes dos povos pré-colombianos. Os dois países passaram

pela mesma mudança de paradigma normativo, da imposição da educação ocidental

para fins de integração forçada dos índios na comunhão nacional para o

reconhecimento do valor da cultura indígena e da necessidade da escola ser

intercultural, promovendo os valores das comunidades indígenas e permitindo o

diálogo com a sociedade circundante.

Na Argentina essa virada ocorreu com a reforma constitucional de 1994 e no

Brasil com o advento da Constituição de 1988. A legislação argentina e subsequente

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Mecanismosjurídicosdearticulação,institucionalizaçãoecontroledepolíticas

públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

repercutiram esses novos padrões normativos. A Lei de Educação Nacional argentina

(LEN - Lei n. 26.206) em 2016, impôs a renovação dos pressupostos dos planos

educacionais para os povos indígenas previstos na Lei n. 23.302, de 12 de novembro de

1985, para se garantir o direito à preservação da cultura indígena, o direito a receber

educação que preserve sua identidade linguística e estabeleceu também que o Estado

em articulação com as Províncias, deve promover programas de resgate e revalorização

das línguas e culturas indígenas, originando o Programa de Educação Intercultural

Bilíngue. No Brasil, também a Lei de Diretrizes e Bases da educação de 1996 tem

normas que garantem o desenvolvimento de programas integrados de ensino e pesquisa

para oferta de educação escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas. Além

disso, Argentina e Brasil ratificaram a Convenção nº 169 da Organização Internacional

do Trabalho (OIT), que trata dos povos indígenas e tribais, com hierarquia supralegal

nos dois países.

Tanto na Argentina quanto no Brasil há uma responsabilidade maior do Governo

Central quanto à promoção da educação indígena, ainda que as escolas frequentadas

pelos indígenas sejam administradas por outras instâncias governamentais. De forma

geral, em ambos os países a taxa de escolaridade dos povos indígenas locais no ensino

primário atingiram níveis similares aos da população total, chegando a índices

aproximados de 94,6% de acesso da população indígena à educação primária, em

relação aos 95,3% registrados para o restante dos indivíduos, o que não ocorre nos

demais níveis. Todavia, há muitos questionamentos sobre a efetividade da

interculturalidade na educação indígena, sobretudo em virtude dos óbices que ainda

existem para a adequada formação dos professores de educação indígena.

Todos os países estudados já cumpriram as metas de acesso de mais de 50% das

crianças de 0 a 3 anos na escola infantil, meta ainda não alcançada pelo Brasil. Quanto à

alfabetização em nenhum dos países estudados esse critério é investigado, pois

aparentemente não há divórcio entre a alfabetização esperada pelas crianças que estão

na escola para serem alfabetizadas. Ademais, a questão do analfabetismo já foi

praticamente solucionada nesses países há mais tempo.

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públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

Do mesmo modo, a formação acadêmica exigida pela norma para os docentes

não parece ser um problema nos demais países que já têm a meta cumprida de 100% de

professores com a formação superior exigida pela Lei.

Todos os países trabalham com fixação de metas para avaliação para suas

políticas públicas educacionais, mas apenas no Brasil e na Argentina essas metas estão

previstas em normas jurídicas e não apenas em documentos administrativos. Percebe-se

que, embora de importante valor simbólico e político, a existência de uma legislação

que veicula um Plano Nacional de Educação não é um fator decisivo para o bom

funcionamento do sistema educacional.

Portanto, não se pode associar, com segurança, a fixação de metas educacionais

em leis com resultados de melhoria de indicadores sociais pretendidos pela lei. A sua

relevância e alcance consistem principalmente em permitir o controle das políticas

públicas educacionais, fixando critérios de accountablity desde a formulação da política

pelo Poder Executivo, no debate social, na esfera do Poder legislativo e nas instâncias

da sociedade, e, ensejando, a possibilidade de controle judicial. As metas normativas

qualificam o debate sobre as políticas públicas e permitem exposição da falência dos

governos em cumpri-las.

Em todos os países estudados existe a necessária articulação entre as esferas

nacionais e locais de implementação da educação com diferentes graus de centralização.

A Coreia do Sul é um Estado Unitário, portanto os órgãos administrativos têm um papel

muito relevante na gestão do sistema educacional. No Reino Unido, em matéria

constitucional Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte gerem de forma

autônoma o seu próprio sistema educacional, com resultados distintos entre os países

com melhor desempenho educacional da Inglaterra e da Escócia.

Na Argentina, único Estado Federal como o Brasil, os Estados (Províncias

argentinas) repartem com a União a responsabilidade com a educação, sendo que na

Argentina os Municípios têm pouca autonomia no sistema, ou seja, o sistema é mais

centralizado que o brasileiro. Por outro lado, há desigualdades regionais no sistema

educacional dos dois países, pois nos Estados mais pobres as políticas públicas

educacionais são mais comprometidas.

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Mecanismosjurídicosdearticulação,institucionalizaçãoecontroledepolíticas

públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

Parte dos resultados da pesquisa foram expostos no artigo “Metas normativas

para fins de implementação de políticas públicas sobre acesso à educação infantil e

formação de docentes na Argentina e no Brasil: relevância e alcance”, de autoria de

Geisa de Assis Rodrigues, Caroline Placca Isabella Bolfarini e Barbara Modernell.

O artigo foi traduzido para a língua inglesa com o financiamento do

Mackpesquisa com o objetivo de ser publicado no exterior, para fortalecer a

internacionalização do Programa de Pós Graduação em Direito Politico e Econômico da

UPM.

Discussão e conclusões finais:

Vamos apresentar as discussões e conclusões finais através dos artigos

elaborados pelos integrantes do grupo, acima mencionados e abaixo transcritos.

ARTIGO 1:

SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO: UM VALIOSO INSTRUMENTO DE

POLÍTICA PÚBLICA EDUCACIONAL E DE COOPERAÇÃO FEDERATIVA

Autores: Clarice Seixas Duarte. Eduardo Tambelini Brasileiro. Diego Monteiro de

Arruda Fortes.

RESUMO. O artigo se propõe a analisar o conceito jurídico de Sistema Nacional de Educação (SNE) enquanto instrumento de política pública educacional destinado à melhoria da educação e superação das desigualdades educacionais. Investiga, também, o seu potencial como mecanismo capaz de favorecer a implantação do regime de cooperação federativa em matéria educacional. Embora o dever de institucionalização do SNE tenha fundamento constitucional (art. 214) e previsão infraconstitucional na lei 13.005/2014 (art. 13), o mesmo ainda não foi criado. Defende-se que um dos principais entraves à sua concretização seja justamente o principal problema jurídico que ele deveria enfrentar: a desarticulação governamental no planejamento e implementação de políticas educacionais.

PALAVRAS CHAVE: Sistema Nacional de Educação. Política pública educacional. Cooperação federativa.

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ABSTRACT. The article proposes to analyze the legal concept of the National Education System (NES) as an instrument of public educational policy, aimed at improving education and overcoming educational inequalities, both as an instrument that favors the federative cooperation of entities of the Brazilian Federation in the fulfillment of educational duty. Although the NES has not yet been established, it exists as a legal concept, with a constitutional provision in art. 214 of Federal Constitution of 1988 and in specific legislation n. 13005/2014 (art. 13), having as one of the main obstacles to its creation, the legal problem of governmental articulation.

KEYWORDS: National Education System. Public policy education. Federal cooperation. Sumário: Introdução. 1. Conceito jurídico do sistema nacional de educação. 2. Sistema nacional de educação enquanto política pública educacional. 3. Sistema nacional de educação e cooperação federativa entre os entes públicos no cumprimento do dever fundamental educacional. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

A partir da promulgação da lei 13.005/2014 (Lei do PNE), muito se tem falado

acerca do Sistema Nacional de Educação (SNE), já que essa lei determinou um prazo

expresso de dois anos após a sua edição para a institucionalização dessa nova forma de

organização da política educacional brasileira. Esse sistema, que tem fundamento

jurídico na Constituição Federal de 1988, (art. 214), é originário da pressão de vários

setores da sociedade civil (movimentos populares em prol da educação pública de

qualidade, sindicatos de professores e de dirigentes de ensino, organizações não

governamentais, dentre outros), além de parlamentares que, só após mais de 25 anos da

promulgação do texto constitucional, conseguiram chegar a um consenso mínimo sobre

a importância da reunião dos diversos sistemas educacionais existentes em torno de um

sistema único, de dimensão nacional.

Embora o prazo previsto no art. 13 da Lei 13.005/14 para o cumprimento do

dever jurídico de criação do SNE já tenha se exaurido desde junho de 2016, até o

momento, o mesmo ainda não foi instituído, e não há sinais que apontem nessa direção,

nem no curto, nem no médio prazo.

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Diante desse cenário, o presente artigo tem como objetivo investigar se e, em

caso positivo, de que forma o SNE, enquanto vetor de políticas públicas educacionais,

pode contribuir para uma maior cooperação federativa entre os entes públicos no

cumprimento de seus deveres. Pretende-se, com isso, contribuir para o debate em torno

da superação dos principais obstáculos que dificultam a criação desse sistema,

considerando-se duas hipóteses principais. A primeira delas, referente à falta de

articulação governamental entre os diferentes atores, órgãos e entes federativos

responsáveis pelas políticas públicas educacionais. A segunda, relativa à inexistência de

arranjos institucionais aptos a promover uma maior coordenação entre os elementos

desse sistema em torno de finalidades comuns. Para responder à indagação proposta,

partiu-se da análise do conceito jurídico de SNE e sua relação com as principais

políticas públicas educacionais.

O método de pesquisa adotado neste trabalho baseou-se no levantamento e

análise crítica da bibliografia existente sobre o tema (não apenas na área jurídica, mas

também da educação, sociologia e ciência política).

1. CONCEITO JURÍDICO DE SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇĀO:

A institucionalização de um sistema não é novidade no cenário jurídico

brasileiro, haja vista o exemplo do Sistema Único de Saúde (SUS), previsto no texto

constitucional desde a sua promulgação, em 1988. No caso da educação, a primeira

menção expressa a um sistema educacional no ordenamento jurídico brasileiro se deu

apenas com a Emenda Constitucional n. 59, de 2009 (EC 59/2009). Esta emenda, ao

modificar o art. 214 da Constituição Federal de 19881 (CF/88), inovou ao transformar o

Plano Nacional de Educação (PNE) num dispositivo voltado à construção desse sistema.

1 “Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a: I - erradicação do analfabetismo;

II - universalização do atendimento escolar;

III - melhoria da qualidade do ensino;

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É importante destacar que, embora a expressa previsão normativa do dever de

institucionalização de um SNE tenha se dado apenas com a EC n. 59/09, a ideia de um

sistema como forma de organizar a política educacional brasileira tem sua origem

histórica que remonta ao Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932. O

movimento que levou à publicação desse documento, liderado por autores como

Lourenço Filho, Fernando Azevedo e Anísio Teixeira, já expressava a necessidade de

criação de um sistema único e coerente em prol de uma educação pública, universal,

gratuita, de qualidade, de caráter nacional2, voltado para a coletividade em geral,

reconhecendo a todos os indivíduos o direito a ser educado em igualdade de condições.

A preocupação com a criação de um sistema educacional de caráter nacional

surgiu num contexto em que o Estado brasileiro contava com serviços de educação

organizados de maneira descentralizada e autônoma, provocando inúmeras disparidades

entre os diferentes sistemas existentes. Naquele cenário, buscava-se a integração como

forma de superar as desigualdades educacionais e garantir de um padrão mínimo

nacional de qualidade educacional, a despeito da diversidade social, cultural e financeira

entre as diferentes regiões do Brasil.3

IV - formação para o trabalho;

V - promoção humanística, científica e tecnológica do País.

VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto.” (CONSTITUIÇÃO 1988) 2 Os pesquisadores ABRUCIO e SEGATTO ao analisarem a origem do pensamento de um sistema educacional de caráter nacional, apontam para o Manifesto dos Pioneiros de 1932, afirmando que: “Além das ideias mais disseminadas relacionadas à defesa da escola única, pública, laica, obrigatória e gratuita, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, escrito por Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e outros intelectuais na década de 1930, apresenta uma ideia de que seria possível haver uma política de Educação nacional forte com descentralização da sua execução. Mais tarde, ideia similar aparece na Constituição Federal de 1988 e, mais recentemente, na Emenda Constitucional nº 59.” (ABRUCIO; SEGATTO, 2014, p. 50)3 “Portanto, estamos diante de um sistema complexo em sua variação interna, podendo-se afirmar a existência de quatro sistemas públicos e federativos de educação, nos quais, sob regime de autorização, se incluem as redes privadas coexistindo com as redes públicas. Logo, as redes privadas existem nos sistemas públicos sob autorização e coexistem com as públicas, todas obedientes às normas gerais da educação nacional e obrigadas à persecução da qualidade (art. 209). Mas, se há quatro sistemas públicos que se desdobram em duas redes coexistentes, passamos a ter oito redes sob a denominação ampla de uma educação nacional e que, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, será objeto no Título IV da Organização da Educação Nacional.” (CURY, 2014, p.38)

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Hoje, passados mais de 80 anos do Manifesto dos Pioneiros, a previsão de

criação do SNE aparece de forma expressa na Constituiçāo Federal, documento da mais

alta hierarquia no ordenamento jurídico brasileiro. No entanto, tal dispositivo apenas

mencionou a tarefa do PNE como instrumento articulador do SNE, sem, contudo,

definir o que seria o SNE, ou seja, qual seria o seu conteúdo. Já a Lei 13.005/2014, que

aprovou o Plano Nacional de Educação PNE 2014-2024, em observância ao referido

dispositivo constitucional, determinou, de modo expresso, em seu art. 13: O poder público deverá instituir, em lei específica, contados 2 (dois) anos da publicação desta Lei, o Sistema Nacional de Educação, responsável pela articulação entre os sistemas de ensino, em regime de colaboração, para efetivação das diretrizes, metas e estratégias do Plano Nacional de Educação.

Mas, afinal, em que consiste o conceito de sistema? Quais são seus elementos

essenciais? Como aplicá-lo no âmbito jurídico e, mais especificamente, para a

organização de prestações e serviços educacionais? Para a análise do conceito de

sistema, adota-se no presente artigo o conceito proposto por Demerval Saviani (2014).

Segundo esse autor, entende-se por “sistema” a união de vários elementos

intencionalmente reunidos, para que possam, de forma agrupada e conjunta, convergir

para uma finalidade comum, com vistas a atingir o propósito a que se destinam, de

forma eficiente e operante. De acordo com essa definição, pode-se dizer que a

existência de um sistema depende dos seguintes requisitos: (a) intencionalidade; (b)

unidade; (c) variedade; (d) coerência interna; (e) coerência externa.4 Vejamos cada um

deles.

A intencionalidade decorre da capacidade humana de analisar inúmeros

aspectos dispersos de uma mesma realidade ou problema, refletindo sobre suas

características comuns, de forma a abrangê-los em um único agrupamento. Por meio de

uma ação intencional, a mente humana é capaz de conferir unidade a uma variedade de

elementos, em torno de um conjunto dotado de coerência interna. Esta decorre da

relação que os elementos que formam o todo guardam entre si, os quais podem ser

interligados justamente porque possuem uma finalidade comum.

4 Cf. SAVIANI (2014, p. 3)

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Já a coerência externa exige que o agrupamento esteja apto a produzir efeitos

para fora dele, cumprindo a finalidade para a qual foi criado. Um sistema que seja capaz

de agrupar diferentes elementos em torno de uma finalidade comum, mas que não esteja

apto a cumprir o propósito para o qual foi criado carece de coerência externa, não

podendo ser considerado um “sistema” nos termos da definição aqui adotada.5

Trazendo essa definição para o campo da realidade educacional brasileira atual,

cabe verificar quais os elementos necessários para a configuração do sistema de

educação de âmbito nacional, tal como previsto no art. 13 da Lei 13.005/14: (a)

intencionalidade: a criação do sistema é fruto de um processo de tomada de decisão

humana que, no caso, decorre de um dever estabelecido no art. 13 da Lei 13.005/2014

que, por sua vez, tem seu fundamento no art. 214 da CF/88; (b) unidade: reunião dos

sistemas de ensino existentes (com suas instâncias, normas, medidas e serviços

educacionais), num todo articulado, com vistas à realização do regime de colaboração

previsto na CF/88; (c). variedade: agrupamento dos diferentes sistemas de ensino

atualmente existentes, em ação de maneira simultânea (mas não necessariamente sob

uma coordenação comum); d. coerência interna: convergência entre os diversos

elementos que compõem os sistemas de ensino em torno de finalidades comuns – no

caso, as metas e estratégias previstas na Lei do PNE6; (e) coerência externa: criado o

5 Embora existam inúmeras definições de “sistema”, o presente artigo adotou a definição esposada pelo pesquisador SAVIANI (2014, p. 4), assim formulada: “Sistema é a unidade de vários elementos intencionalmente reunidos de modo que forme um conjunto coerente e operante. A simples leitura revela que nessa definição estão contidos todos os caracteres básicos que compõem a noção de ‘sistema’. Foi necessário acrescentar o termo ‘operante’ para se evitar que a coerência fosse reduzida apenas à coerência interna. Na verdade, um sistema insere-se sempre num conjunto mais amplo do que ele próprio; e a sua coerência em relação à situação de que faz parte (coerência externa) exprime-se precisamente pelo fato de operar intencionalmente transformações sobre ela. Com efeito, se o sistema nasce da tomada de consciência da problematicidade de uma situação dada, ele surge como forma de superação dos problemas que o engendraram. E se ele não contribuir para essa superação terá sido ineficaz, inoperante, ou seja, incoerente do ponto de vista externo. E tendo faltado um dos requisitos necessários (a coerência externa) isso significa que, rigorosamente falando, ele não terá sido um sistema.” 6 As 20 Metas preconizadas estão distribuídas nos seguintes temas: (1) Educação Infantil; (2) Ensino Fundamental; (3) Ensino Médio; (4) Educação Especial/Inclusiva; (5) Alfabetização; (6) Educação integral; (7) Aprendizado adequado na idade certa; (8) Escolaridade Média; (9) Alfabetização e alfabetismo funcional de jovens e adultos; (10) EJA integrado à Educação Profissional; (11) Educação Profissional; (12) Educação Superior; (13) Titulação de professores da Educação Superior; (14) Pós-graduação; (15) Formação de Professores; (16) Formação continuada e pós-graduação de professores; (17) Valorização do Professor; (18) Plano de Carreira Docente; (19) Gestão Democrática e (20) Financiamento da Educação.

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sistema, que seja capaz de produzir efeitos reais, para efetivação das finalidades para as

quais foi criado.

Considerando os requisitos apresentados, chega-se à formulação de um

conceito jurídico de SNE: trata-se da reunião, em âmbito nacional, de forma articulada e

intencional, de um conjunto de medidas, serviços e processos educacionais (hoje

espalhados em diversos sistemas de ensino) para que, em regime de colaboração,

possam, de forma conjunta e integrada, efetivar objetivos comuns, no caso as diretrizes,

metas e estratégias do PNE7.

Em relação às diretrizes, metas e estratégias do PNE, destacam-se a

erradicação do analfabetismo, a universalização do atendimento escolar, a superação das

desigualdades educacionais, a melhoria da qualidade da educação (padrão nacional de

qualidade), a formação para o trabalho e para a cidadania, a meta de aplicação de

recursos públicos em educação correspondente a uma porcentagem do PIB, a

valorização dos profissionais da educação, o respeito aos direitos humanos, à

diversidade e à sustentabilidade socioambiental.8

7SAVIANI ao verificar as indicações para a construção do SNE no Brasil, o definiu nos seguintes termos: “Se o sistema pode ser definido como a unidade de vários elementos intencionalmente reunidos de modo que formem um conjunto coerente e operante, segue-se que o Sistema Nacional de Educação é a unidade dos vários aspectos ou serviços educacionais mobilizados por determinado país, intencionalmente reunidos de modo que forme um conjunto coerente que opera eficazmente no processo de educação da população do referido país”. (SAVIANI, 2014, p. 51). Já no texto elaborado pela SASE/MEC (2015), com a contribuição de Carlos Augusto Abicalil (OEI), Carlos Roberto Jamil Cury (PUC/MG), Luiz Fernandes Dourado (UFG e CNE) e Romualdo Luiz Portela de Oliveira (USP), o SNE foi assim definido: “Sistema Nacional de Educação entendido aqui como um aperfeiçoamento na organização da educação nacional, sustentada por um pacto federativo construído de forma democrática e inscrito em um conjunto de leis nacionais, capazes de orientar cada sistema ou rede de ensino para que o direito constitucional inalienável seja garantido, com equidade, a cada cidadão brasileiro.”8 PNE, Lei 13.005/14: “Art. 2o São diretrizes do PNE: I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; III - superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação; IV - melhoria da qualidade da educação; V - formação para o trabalho e para a cidadania, com ênfase nos valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade; VI - promoção do princípio da gestão democrática da educação pública; VII - promoção humanística, científica, cultural e tecnológica do País;

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É certo que a institucionalização do SNE não constitui tarefa simples, pois traz

consigo o desafio complexo de implementar mecanismos que garantam uma maior

cooperação entre os entes federativos e seus respectivos sistemas de ensino,

respeitando-se a autonomia de cada um deles. Note-se que não se trata de ferir a

autonomia dos entes federativos, mas de viabilizar o regime de colaboração previsto na

CF/88, em prol do interesse coletivo na educação. Para que isso ocorra, é necessário

melhorar a articulação governamental, entre os diferentes agentes e processos em ação,

por meio da criação de arranjos institucionais adequados.9

O grande problema é que a falta de articulação entre os entes federativos,

sintoma que a institucionalização de um SNE deveria combater, acaba sendo um dos

principais obstáculos à concretização de políticas públicas educacionais coordenadas

entre si, dificultando a própria criação do SNE, já que este depende de um esforço de

articulação de diferentes sistemas educacionais. Sem articulação governamental e

arranjos institucionais10 adequados, será difícil ou impossível institucionalizar o SNE.

VIII - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do Produto Interno Bruto - PIB, que assegure atendimento às necessidades de expansão, com padrão de qualidade e equidade; IX - valorização dos (as) profissionais da educação; X - promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental.” 9 Acerca da importância dos arranjos institucionais, destaca BUCCI (2013): “Não basta descrever tecnicamente mecanismos e expedientes de ação articulada. Examinar as premissas do funcionamento do Estado e compreender as razões de sua sustentação política e jurídica é necessário para que o trabalho com a ação governamental não se limite ao tratamento técnico (e tecnocrático) das regras e componentes do funcionamento do aparelho de Estado. A sustentabilidade desses mecanismos reclama uma fundamentação político-institucional que represente busca e obtenção de legitimidade política e social, pelo tempo necessário para que os resultados visados com a ação governamental sejam percebidos pelo público externo ao governo. (...) O que confere densidade social à ação governamental é estar lastreada em fundamentação da moral coletiva, suficiente para gerar um sentimento compartilhado de utilidade e valor positivo. Em outras palavras, a fundamentação do Estado, sua justificação filosófica. Esse argumento é nuclear para uma abordagem das políticas públicas que considere a centralidade da ação governamental na vida social.” (p.41) (...) “E se pretendemos um tratamento jurídico da ação governamental hábil a superar ou minimizar os efeitos da fragmentação, faz-se necessário compreender e aprofundar mecanismos jurídicos de coordenação e articulação de agentes envolvidos com a sua produção e implementação, sem perder de vista o seu fundamento primeiro.” (p.43-44)

10 “O traço a destacar no arranjo institucional, portanto, é seu caráter sistemático, de ordem, que atua graças, em grande medida, à coesão proporcionada basicamente pelos instrumentos jurídicos. No ambiente caótico da multiplicidade de normas e estruturas, o arranjo institucional se configura como

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Além disso, a ausência de institucionalização traz, ainda, o problema da

descontinuidade das políticas11, de forma que eventuais avanços acabam sendo

facilmente desconstruídos a cada alternância de governo.

Embora a institucionalização do SNE pudesse vir a contribuir para dar maior

unidade, racionalidade e organicidade à ação dos entes federativos em direção ao

cumprimento de seus objetivos comuns, e embora o ordenamento jurídico brasileiro

tenha sido claro no sentido de estabelecer não apenas um dever jurídico, mas também

um prazo específico de dois anos para sua realizaçāo, a contar da publicação da Lei do

PNE 2014-2024, até o presente momento, como acima mencionado, a mesma não

ocorreu. Contudo, o fato de o prazo não ter sido cumprido (e, portanto, de o sistema não

produzir os efeitos para os quais deveria ter sido criado) não significa que o mesmo não

possa vir a ser construído e adquirir coerência externa (afinal, os mecanismos jurídicos

existem para que essa omissão possa ser inclusive questionada juridicamente, tais como

a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, o mandado de injunção, a ação civil

pública).

2. SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA

EDUCACIONAL

Feitas as considerações sobre o conceito jurídico de SNE e a análise de seus

elementos, verifica-se que o mesmo pode ser caracterizado como um instrumento de

política pública educacional, projetado para tornar eficaz as diretrizes, metas e

ordem definida, que permite visualizar seus contornos, distinguindo-o do ambiente de normas e decisões circundante.” (BUCCI, 2013, p.37)11 Com relação à descontinuidade nas políticas públicas, BUCCI (2013, p. 40) afirma: “Um outro aspecto para o qual é importante a idéia sistemática é a “articulação temporal”, visando enfrentar a descontinuidade administrativa, que põe em risco a execução dos programas de ação quando ocorrem trocas de comando político, associadas ou não ao processo eleitoral. Essa questão, primordialmente política ou político-partidária, pode ser enfrentada, pelo menos em parte, se a estruturação jurídica da ação governamental considerar um “regime de efeitos” no tempo, isto é, se for definida de modo a minimizar os riscos de inefetividade que terminam por esvaziar os objetivos finais previstos na norma. Isso só é possível com base na construção programada de um encadeamento de normas e seus efeitos, que redundem na organização concreta e operacional da atuação dos agentes públicos envolvidos na política pública.”

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estratégias do PNE. Para entender melhor essa condição, vale uma reflexão sobre o

conceito de políticas públicas, em especial, no âmbito educacional.

Na realidade brasileira atual, especialmente após a promulgação da CF/88, com

a positivação de inúmeros direitos sociais e a previsão de garantias concretas para a sua

efetivação, muito tem-se se falado sobre as políticas públicas. Isso porque o modelo de

Estado adotado a partir do processo de redemocratização do país está voltado à

realização de objetivos coletivos sintetizados no art. 3o da CF/88 (redução de

desigualdades, realização de justiça social) e necessidades básicas dos indivíduos,

grupos sociais e regiões menos favorecidas do país, o que depende da formulação e

implementação de politicas públicas (algumas universais, outras focalizadas) por parte

do Estado.

No presente artigo, adotar-se-á o conceito de políticas públicas elaborado por

BUCCI (2006, p. 39):

Política pública é o programa de ação governamental que resulta de um conjunto de processos juridicamente regulados – processo eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo judicial – visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados.

Ao analisar o conceito em questão, DUARTE (2013, p. 18) destaca que a:

política pública, de acordo com essa concepção, está voltada à realização de direitos por meio de arranjos institucionais que se expressam em programas de ação governamental complexos. Trata-se de uma série de estratégias para fomentar o uso racional dos meios e recursos postos à disposição dos Poderes Públicos para desempenhar as tarefas próprias do Estado Social e Democrático de Direito.

Nessa concepção, em que as políticas públicas são entendidas como programas

de ação governamental coordenados entre si e unidos por finalidades comuns, trata-se

de identificar parâmetros que venham imprimir maior racionalidade à ação do Estado,

justificando suas escolhas prioritárias (por quê, pra quem e como o Estado age, dadas

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determinadas condições?). A política pública se coloca como um instrumento efetivo do

Poder Público para a concretização de direitos por meio de processos complexos e

atividades das mais diversas naturezas, passando pela realização de estudos

multidisciplinares (estatísticos, sociológicos) para um diagnóstico da situação concreta

que está por trás de determinado problema; pelo planejamento (cf. art. 174 da CF/88);

procedimentos administrativos (contratação de pessoal, aquisição de materiais),

destinação de recursos (processo orçamentário), criação de órgãos ou leis específicas,

como a do PNE (processo legislativo) , eleitoral (escolha de programas de ação e

prioridades concretas), dentre outros, com vistas a cumprir as tarefas do Estado Social e

Democrático de Direito.12

Direcionando o presente conceito para o âmbito educacional, pode-se dizer que

as políticas públicas educacionais são ações governamentais voltadas para a

concretização dos direitos educacionais, que exigem a coordenação de diversas

instâncias, poderes, processos e programas educacionais socialmente relevantes e

politicamente determinados. Nesse contexto, é que se insere o SNE, já que consiste na

reunião articulada e intencional de diferentes sistemas de ensino para que, em regime de

colaboração, possam, de forma conjunta e integrada, efetivar as diretrizes, metas e

estratégias do PNE. Trata-se, portanto, de um arranjo institucional voltado à promoção

de uma maior articulação entre diferentes políticas públicas (não apenas do âmbito

educacional), como entre os agentes e instâncias envolvidos no processo de sua

elaboração, implementação, monitoramento e fiscalização. Constitui, portanto,

simultaneamente uma política de Estado e um instrumento (arranjo institucional)

voltado à reunião de sistemas de ensino autônomos com o objetivo de atingir finalidades

comuns, tais como a erradicação do analfabetismo, universalização do atendimento

escolar, superação das desigualdades educacionais, dentre outros.

12 Quanto à complexidade dos processos inseridos nas políticas públicas, JUNQUEIRA; FREITAS (2013, p.174) asseveram: “a concretização das políticas públicas é tarefa complexa, que demanda a intervenção reacional do Estado, em um conjunto de ações que envolvem, além da escolha de prioridades, medidas legislativas, administrativas e financeira. As políticas públicas não constituem atos isolados, mas complexos e coordenados, visando a um objetivo comum e envolvendo as etapas de planejamento, fixação de objetivos, escolha de meios, criação de órgãos e definição de métodos de ação e fonte de recursos.

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Outro aspecto que deve ser ressaltado, é que as políticas públicas, em especial

as de âmbito educacional e, portanto, o SNE, deve ter, entre seus objetivos, a

concretização da cidadania. SMANIO (2013, p. 13) ao analisar essa questão afirma:

As políticas públicas a serem desenvolvidas em nosso país devem ter o norte da concretização da cidadania em todas as suas dimensões, integrando os diversos aspectos sociais, políticos e econômicos, bem como atendendo às necessidades de inclusão social, pois esta é a determinação constitucional de 1988.

Os valores fundamentais adotados pela Constituição Federal transformam-se em princípios gerais de direito e passam a ser a base racional-filosófica para qualquer exercício dos poderes constituídos do Estado. A cidadania, considerada em todas as suas dimensões, é um desses valores, refletida em princípio geral de direito para a atuação do Estado Democrático e Social de Direito.

As Políticas Públicas somente ganham legitimidade, portanto, nessa dimensão.

É nesse sentido que a CF/88 reconheceu o direito à educação como um direito

social essencial ao exercício da cidadania.13 O art. 205 da CF/88 evidencia essa ideia ao

prever que o objetivo da educação é proporcionar o “pleno desenvolvimento da pessoa,

seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.14

Já o art. 206 da CF/88 afirma que a educação deve estar calcada nos princípios

da igualdade de condições para o acesso e permanência dos alunos na escola; na

liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; no

pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; na gratuidade do ensino público; na

valorização dos profissionais da educação escolar; na gestão democrática do ensino

público e na garantia do padrão nacional de qualidade.

13“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (CONSTITUIÇÃO 1988)14“Educar é capacitar o homem a exercer seu papel de sujeito da história, por meio da sua apreensão da cultura existente em suas diversas facetas; e não prepará-lo para o trabalho ou para ganhar dinheiro. Educar é transformar a personalidade, do educador e do educando, na medida em que o processo pedagógico dialógico permite que ambos construam o conhecimento segundo suas próprias características e necessidades de aprendizagem; e não a mera transmissão de conteúdo. Educar é se preocupar com a construção de um sujeito, que só se educa como sujeito e segundo sua vontade, como um ser atuante capaz de dialogar com o educador e estabelecer, com ele, a prática do aprendizado; e não a imposição arbitrária de conteúdo independentemente da subjetividade do educando.” (BASILIO, 2009, p. 27)

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Com essa base de princípios e valores é que o SNE foi inserido no art. 214 da

CF/88, sendo, portanto, um valioso instrumento de política pública educacional, razão

pela qual, deve-se empregar esforços para que, com a maior brevidade possível, o SNE

possa ser de fato instituído e para que esteja apto a cumprir eficazmente os propósitos a

ele confiados. Esta “coerência externa”, relativa à capacidade de cumprir os objetivos

estabelecidos, é da maior relevância, pois não basta ser criada a lei específica de

instituição do SNE, fazendo dele um mero “guarda-chuva”15 dos inúmeros sistemas de

ensinos dos entes federativos, ou seja, um mero agrupador de sistemas, sem qualquer

melhoria na qualidade da educação nacional. O SNE deve ser muito mais que isso: além

de articular os sistemas de ensino, precisa fazer com que, em regime de colaboração,

haja a melhoria da educação, assegurando um padrão mínimo de qualidade da educação

em âmbito nacional e superando as desigualdades educacionais. Só assim é que o SNE

poderá ser visto como um “sistema” legítimo, de concretização da cidadania e um

valioso instrumento de política pública educacional.

1. SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO E COOPERAÇÃO

FEDERATIVA ENTRE OS ENTES PÚBLICOS NO CUMPRIMENTO DO

DEVER FUNDAMENTAL EDUCACIONAL

A instituição de um Sistema Nacional de Educação como meio de dotar o

Estado de condições para suprir anseios sociais fundamentais não retira a necessidade

de se impor limites a este mesmo Estado, levando em conta as garantias fundamentais

15 SAVIANI (2014, p. 58) conjecturando a instituição do SNE, manifesta a sua preocupação na forma de criação do SNE, asseverando que “Trata-se de construir um verdadeiro Sistema Nacional de Educação, isto é, um conjunto unificado que articula todos os aspectos da educação no país inteiro, com normas comuns válidas para todo o território nacional e com procedimentos também comuns visando assegurar educação com o mesmo padrão de qualidade a toda a população do país. Não se trata, portanto, de se entender o Sistema Nacional de Educação como um grande guarda-chuva com a mera função de abrigar 27 sistemas estaduais de ensino, incluído o do Distrito Federal, o próprio sistema federal de ensino e, no limite, 5.570 sistemas municipais de ensino, supostamente autônomos entre si. Se for aprovada uma proposta nesses termos, o Sistema Nacional de Educação se reduzirá a uma mera formalidade, mantendo-se, no fundamental, o quadro de hoje com todas as contradições, desencontros, imprecisões e improvisações que marcam a situação atual, de fato avessa às exigências da organização da educação na forma de um sistema nacional.”

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da coletividade para que este realize a sua função de promover o processo de inclusão e

integração social.

Segundo Casalta Nabais, o homem é “titular (único titular, de resto), não só dos

direitos fundamentais, que são inerentes a sua dignidade, mas também dos deveres que a

existência e o funcionamento da comunidade (organizada em Estado) necessariamente

implicam”.16

Nessa linha de pensamento, cabe analisar a questão dos deveres fundamentais,

que por um longo espaço de tempo, muito pouco foi abordada. Isso se deu haja vista o

próprio significado originário de Estado de Direito e da tensão entre poder e Direito.

Segundo as palavras de Luciano Feldens: “Tratava-se tão-somente, nesses

tempos de antanho, de priorizar a liberdade (individual) sobre a responsabilidade

(comunitária)”.17

José Cassalta Nabais também compartilha desse ponto de vista: “A concepção

dos direitos fundamentais como poderes individuais contra o Estado não seria, de facto,

suficiente nem adequada para exprimir juridicamente as relações entre os cidadãos e os

poderes públicos: àqueles não caberiam apenas direitos nem a estes meros deveres”.18

Surgiu a necessidade de se reconhecer os deveres fundamentais como categoria

jurídica constitucional própria. Uma categoria que, apesar de própria, integra o domínio

ou a matéria dos direitos fundamentais, na medida em que este domínio ou esta matéria

polariza todo o estatuto dos direitos e os deveres do indivíduo.

16 NABAIS, José Casalta. Solidariedade Social, Cidadania e Direito Fiscal. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (Coord.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 119. 16 Idem, p. 41. 17 FELDENS, Luciano. Tutela penal dos interesses difusos e crimes do colarinho branco: por uma relegitimação da atuação do ministério público: uma investigação à luz dos valores constitucionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 83. 18ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2004, p.160.

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Apesar de independentes dos direitos fundamentais, gravitam em torno destes.

Ou seja, “traduz a mobilização do homem e do cidadão para a realização dos objetivos

do bem comum”.19

Complementarmente, menciona o autor: “(...) a instituição ou não de deveres

fundamentais repousa, em larguíssima medida, na soberania do estado enquanto

comunidade organizada, soberania que não pode, todavia, fazer tábua rasa da dignidade

humana, ou seja, da ideia da pessoa humana como princípio e fim de sociedade e do

estado (...)” 20

O que se nota é que o dever fundamental é com facilidade confundido com

determinadas figuras que lhes são próximas, sendo estas como os deveres

constitucionais orgânicos ou organizatórios; os limites (imanentes ou restrições)

legislativas aos direitos fundamentais; os deveres correlativos aos direitos fundamentais,

que são a face passiva dos direitos fundamentais; as garantias institucionais; e as tarefas

constitucionais stricto sensu, que possuem como destinatário exclusivo o Estado.

Contudo, com elas não se misturam.

Desse modo, o dever fundamental de desenvolvimento e implantação do

Sistema Nacional de Educação é autônomo em relação aos direitos fundamentais,

contrariamente aos deveres fundamentais associados a Direitos. Pertence aos “deveres

imediatamente decorrentes da própria ideia de Estado como comunidade política e que

não podem, por isso, deixar de ser considerados fundamentais, independentemente de

sua consagração expressa com esse nome”.21

Deve-se ter atenção, no sentido de que os deveres fundamentais, independente

da categoria a qual pertençam (autônomos ou associados a direitos), não são aplicáveis

se não forem expressos constitucionalmente, diferentemente dos direitos fundamentais.

Estes apenas são reconhecidos pelo legislador constituinte; aqueles, ao invés, devem ser

criados a fim de que possam ser cobrados.

19 NABAIS, op.cit., p. 64. 20 Idem, p. 61. 21 ANDRADE, op.cit., p.161.

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Interessante observar, que diante de uma visão histórica, os deveres

fundamentais podem ser divididos conforme o seu conteúdo: cívico-político; e

econômico, social e cultural. Assim, o dever fundamental de instauração do SNE faz

parte dos primeiros, deveres clássicos, comprometidos com a existência e o

funcionamento do Estado Moderno, bem como os demais, são modernos, adquiridos

pelo Estado Democrático e Social de Direito e relacionados ao empenho de cada

cidadão na promoção ou fomento de determinada sociedade.

Ou seja, trata-se assim de deveres jurídicos e não da soma dos pressupostos

éticos da vigência da própria constituição ou de meros deveres morais, o que

naturalmente não impede que, para além de deveres jurídico-constitucionais, eles

continuem a ser o que, por via de regra, já era, antes da sua integração no direito, e,

portanto, na constituição, deveres morais.

Nessa linha de pensamento, o que se deve dimensionar é que o dever

fundamental de educação não é apenas o modo de efetivar os direitos sociais

prestacionais, mas também de garantir a incolumidade das denominadas liberdades

negativas, os direitos civis e políticos.

Nota-se que é dever do Estado implementar um Sistema Nacional de Educação,

mas historicamente, um dos empecilhos e entraves para a criação do SNE foi a alegação

de que iria ferir a autonomia dos entes federativos, pois a instituição do SNE implicaria

em reduzir a autonomia educacional dos entes federativos, que passarão a ter que

cumprir uma cooperação obrigatória e hierárquica, fato este que por si só, se contrapõe

ao federalismo de colaboração recíproca e descentralizado, pois as relações

interfederativas não se dão por processos hierárquicos, mas sim, por meio do respeito

aos campos próprios das competências.

Essa suposta “invasão” ou redução da autonomia dos entes federativos, no

entanto, não se sustenta, pois, a realidade é totalmente diferente desse pensamento. A

realidade que se está analisando é de uma federação, que representa a união de vários

estados autônomos, com graus diferenciados de autonomia, dentro de um mesmo espaço

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territorial, cujo monopólio da soberania é exercido pela União.22 A federação se

diferencia da confederação, pois na federação a união se dá por meio de estados

autônomos, enquanto na confederação a união se dá entre entes soberanos. Portanto, a

cooperação entre os entes federativos, ainda que obrigatória e determinada pela própria

CF/88, tal fato não representa uma afronta ao sistema federativo, pois a autonomia não

pode ser confundida com soberania. A soberania é exercida por apenas um ente

federativo, a União. Além disso, o dever de cooperação entre os entes federativos em

prol da educação decorre da CF/88, e o SNE irá contribuir para que essa tarefa seja

desempenhada a contento23. E mais, não é à toa que o ente federativo que exerce a

soberania se chama “União”, razão pela qual a “união” dos sistemas de ensino no SNE e

a cooperação entre eles, fortalecem o sistema federativo e contribui para a melhoria do

sistema educacional em âmbito nacional.

A cooperação entre os entes federativos está expressamente determinada na

CF/88, o que por si só, de maneira simplista, afasta o argumento de que a cooperação

obrigatória afrontaria a autonomia dos entes federados:

“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...]

V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação; [...]

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. [...]

Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.”

22 Cf. COSTA (2010, p. 730) 23 “Constitui-se, desse modo, um sistema de educação pleno, obviamente público, inteiramente autônomo com normas próprias que obrigam a todos os seus integrantes em todo o território nacional. No âmbito dos estados, preserva-se um grau próprio de autonomia que lhes permite baixar normas de funcionamento do ensino, mas sem a plenitude de que goza a União, uma vez que devem subordinar-se às diretrizes e bases traçadas pela União, esfera que escapa à sua atribuição. E se passamos ao nível municipal, a autonomia torna-se mais restrita porque sequer a Constituição lhes faculta estabelecer normas próprias, o que é admitido apenas em caráter complementar pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).” (SAVIANI, 2014, p. 54)

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Além disso, a união e cooperação dos entes federativos, por sua vez, deve

deixar de ser vista em sentido verticalizado e hierarquizado, para passar a ser visto sob

uma ótica horizontal, em que se terá a soma de esforços de cada ente federativo em prol

de um interesse comum, o de prover uma educação de qualidade a toda população,

independente da região geográfica que se situa. Torna-se necessário, ao invés de se

pensar em quebra da autonomia, analisar o SNE como um instrumento de união e

cooperação, e ao mesmo tempo, de repartição das tarefas e responsabilidades,

considerando as capacidades e experiências de cada ente federativo, tudo isso em prol

do bem comum, a educação nacional.24 O que se propõe com o SNE, inclusive a partir

de seu conceito jurídico mencionado alhures, é que haja a unificação dos esforços e se

dê eficácia ao regime de cooperação entre os entes federativos, melhorando a

articulação governamental, para que cada ente a partir das suas peculiaridades e de suas

competências legais, possam contribuir para a melhoria da educação nacional e

superação das desigualdades educacionais. Esse regime compartilhado no SNE se dará

observando todos os níveis e modalidades da educação, agrupando de forma harmônica

e articulada todos os recursos (técnicos e financeiros), processos e medidas necessárias

ao pleno desenvolvimento da educação nacional.

Ainda, quanto ao argumento de quebra da autonomia, afirma-se que o SNE

anularia a identidade dos sistemas de ensino dos entes federativos autônomos. Mas,

contrariamente ao que se argumenta, o SNE não visa anular a identidade dos sistemas, e

sim articula-los, para que, em regime de colaboração, possam superar as desigualdades

educacionais e implementar um padrão nacional de qualidade na educação. O SNE dará

o “norte” aos sistemas autônomos, para que se tornem aptos a atingirem as diretrizes,

metas e estratégias do PNE, e possam cooperar entre eles harmonicamente e

articuladamente, sem perderem as suas particularidades e identidade. O que se projeta, é

a união da variedade de elementos que integrarão um todo, participando cada um deste

todo com suas especificidades, sem que isso acarrete em perda de identidade. Em 24 “Aqui é preciso quebrar a lógica atual hierarquizada que coloca cada nível de ensino sob a responsabilidade de cada instância federativa em sentido ascendente: os municípios com a educação infantil e o ensino fundamental, os estados com o ensino fundamental e o ensino médio e a União com as escolas técnicas profissionais e o ensino superior. Em lugar dessa responsabilização verticalizada, cabe fazer uma distribuição horizontal na qual cada ente federativo assume, em relação ao sistema como um todo, responsabilidades consentâneas com suas capacidades e experiência consolidada.” (SAVIANI, 2014, p. 63)

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sentido contrário, deixando os sistemas de cada ente federativo por conta própria,

totalmente independentes e isolados, tal medida em nada contribuirá para a superação

das desigualdades educacionais, mas favorecerá que os entes mais pobres e com uma

educação deficitária, carecedores de atenção e ajuda, tendem a permanecerem em

condição de precariedade, resultando no agravamento das desigualdades educacionais.

O SNE vem, portanto, como uma política pública educacional viável para corrigir essas

disparidades, utilizando da articulação entre os sistemas e fortalecendo os mecanismos

de cooperação entre eles.

Um outro ponto que merece destaque quando se fala em cooperação, é o fato

de que o art. 23, parágrafo único, da Constituição Feral de 1988 ainda não foi

regulamentado.

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...)

V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação;

(...)

Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.

A ausência de regulamentação do parágrafo único do art. 23, da CF/88, ao

contrário de alguns argumentos que se apresentam, de que o SNE não poderia ser

instituído enquanto tal parágrafo único não fosse regulamentado, na verdade, a criação

do SNE por lei complementar, poderá, inclusive, dar cumprimento ao referido

dispositivo legal no âmbito da educação (art. 23, V, CF/88), promovendo a cooperação

entre os entes federativos, já que o SNE se propõe exatamente a criar normas e

mecanismos de cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios, em prol da melhoria da educação nacional e superação das desigualdades

educacionais.

A criação do SNE aparece, nestes termos, como uma resposta à

regulamentação do parágrafo único do art. art. 23, da CF/88, promovendo e

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regulamentando a cooperação entre os entes federativos, se mostrando como um valioso

instrumento de cooperação federativa entre os entes públicos no cumprimento do dever

educacional.

CONCLUSÃO

Após as ideias esposadas no presente artigo, pôde-se evidenciar o SNE como

sendo um valioso instrumento de política pública educacional e de cooperação

federativa entre os entes públicos no cumprimento do dever fundamental educacional.

O sistema educacional brasileiro, originário de uma política descentralizada e

autônoma, favorecida pelo regime federativo do Estado Brasileiro, carece de uma

melhoria na articulação entre os diferentes sistemas de ensino, para que, de forma unida

e harmoniosa, possam em regime de cooperação, superar as desigualdades educacionais

existentes e melhorar a educação nacional. A despeito da diminuição da taxa de

analfabetismo, ainda persiste na educação brasileira um número considerável de

analfabetos, sem contar o baixo nível do ensino nas escolas públicas, em especial nas

regiões mais pobres do Brasil. Essa desigualdade educacional, por sua vez, agrava a

manutenção das desigualdades sociais, já que a educação está intimamente ligada ao

exercício pleno da cidadania, o que afeta a liberdade e exercício dos direitos

fundamentais.25

Portanto, diante de um cenário educacional desequilibrado, fica claro o desafio

da criação de um sistema nacional de educação que seja capaz de modificar essa

25 O pesquisador CASTRO (2009) ao estudar a evolução e desigualdade na educação brasileira apontou a desigualdade educacional como sendo um dos principais problemas que agravam a manutenção das desigualdades sociais no Brasil. Afirmou o pesquisador: “Este estudo apresenta a evolução e as desigualdades ainda reinantes nas condições educacionais dos brasileiros. O foco na desigualdade educacional foi adotado por se entender ser este um dos principais problemas que potencializam a manutenção das enormes desigualdades sociais enfrentadas pela população brasileira. A análise mostrou que, apesar da ampliação que vem ocorrendo, ainda existe no Brasil um baixo acúmulo de escolarização; que, a despeito da diminuição da taxa de analfabetismo, persiste ainda um elevado contingente de analfabetos; que, embora tenha ocorrido ampliação do acesso à educação infantil, ainda é muito restrito o acesso às creches e insuficiente para o ensino médio; a insuficiência e o desigual desempenho para conclusão dos ensinos fundamental e médio; e o acesso restrito e desigual à educação superior. Além disso, verificou graves níveis de desigualdade quando se consideraram os aspectos regionais e a renda, sendo que os habitantes da região Nordeste e os mais pobres ficaram em pior situação em quase todos os indicadores analisados.”

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realidade. Pelo que se viu, essa tarefa foi confiada ao SNE, que se mostra em um

valioso instrumento de política pública educacional e de cooperação federativa entre os

entes públicos no cumprimento do dever educacional, apto em seu conceito jurídico, a

cumprir as diretrizes, metas e estratégias do PNE, em especial, para viabilizar a

erradicação do analfabetismo, a universalização do atendimento escolar, a superação das

desigualdades educacionais, a melhoria da qualidade da educação (padrão nacional de

qualidade), a formação para o trabalho e para a cidadania, a aplicação de recursos

públicos em educação, a valorização dos profissionais da educação e o respeito aos

direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental.

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educação básica, e dá nova redação ao § 4º do art. 211 e ao § 3º do art. 212 e ao caput do art. 214, com a inserção neste dispositivo de inciso VI. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 11 nov. 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc59.htm#art4 Acesso: 20/05/17.

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ARTIGO 2:

O FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA E A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 95 DE 2016

Autores: Clarice Seixas Duarte e Fábio Sampaio Mascarenhas

Resumo

A pesquisa examina os impactos do limite aos gastos públicos instituído no Brasil pela Emenda Constitucional nº 95 de 2016 (EC/95) nos instrumentos brasileiros de financiamento da educação. Para tanto, inicia estabelecendo os preceitos constitucionais que regem o financiamento da educação. Em seguida, desdobra o histórico de medidas relevantes à atual discussão do financiamento da educação, primeiro por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF), depois através do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do Magistério (FUNDEB). Logo após, a pesquisa atinge seu ponto fulcral que é a questão do financiamento no Plano Nacional de Educação, para tanto focaliza a análise na meta 20 e no Sistema Nacional de Educação. Por fim, a pesquisa explica a EC/95 e como ela rompe com todo o histórico de evoluções trazidas pelo Brasil com as medidas mencionadas. O objetivo geral da pesquisa é demonstrar a ruptura ocasionada pelo teto de gastos ao financiamento educacional brasileiro. Tem-se como objetivo específico, fornecer subsídios para a compreensão do objeto frente à legislação internacional e interna de proteção aos direitos sociais. No âmbito internacional, tem-se

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como foco o quarto Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS), no âmbito interno, o instituto do Direito à Educação presente na Constituição Federal Brasileira de 1988. Concluiu-se por meio da pesquisa que a EC/95 rompe com o histórico de instrumentos brasileiros de financiamento da educação, sobretudo com a meta 20 do Plano Nacional de Educação. Além disso, viola a legislação internacional no que tange ao quarto objetivo de desenvolvimento sustentável e a legislação interna que resguarda o direito à educação.

Palavras-chave: Financiamento da Educação. Plano Nacional de Educação. Sistema Nacional de Educação. Objetivo de Desenvolvimento Sustentável. Emenda Constitucional 95/2016.

1. O Financiamento da Educação e o Federalismo Cooperativo na

Constituição Federal Brasileira de 1988.

A discussão do financiamento da educação no Brasil está intimamente ligada a

uma análise das normas estabelecidas para a destinação orçamentária na Constituição

Federal de 1988. (CONTI, 2013). Isso pois, conforme relembra Tomasevski (2006), o

Brasil é um dos poucos países no mundo a definir na Constituição Federal o orçamento

da Educação. Em seu artigo 212, a Constituição prevê que a União deverá aplicar pelo

menos 18%, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, pelo menos de 25% das

receitas resultantes de impostos na educação, especificamente com despesas de

manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE).

Essa alocação, no entanto, em que pese seja relevante, não assegura por si só a

garantia de uma educação de qualidade (TOMASEVSKI, 2006; TAPOROSKY, 2016).

Este problema se expressa nas precárias condições de grande parte das escolas públicas

brasileiras (ALVES; PINTO, 2011; GATTI, 2014; GOUVEIA; SOUZA, 2014; PINTO,

2014; CRUZ; JACOMINI, 2017). Nesse sentido relembra Taporosky (2016) e Amaral

(2015) que os valores médios aplicados por aluno no Brasil ainda são muito inferiores à

média da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No

ano de 2012 o valor brasileiro era de US$ 1.696 na educação infantil e US$ 2.304 nas

demais etapas da educação básica. Enquanto a média da OCDE era de US$ 6.424 na

educação infantil e US$ 8.511 nas demais etapas da educação básica.

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Em seu artigo 211, §1, a Constituição também garante padrões mínimos de

qualidade, os quais foram definidos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (LDB), em seu artigo 4, inciso IX como um dever do Estado com educação

escolar pública, a garantia de “padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como

a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao

desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem” (BRASIL, 1996). Sobre tais

dispositivos, autores como Toporosky (2016) e Ximenes (2014), ressaltam que trazem

uma garantia para a atuação da União de forma redistributiva dentre os entes federados

e supletiva no que tange à complementação de recursos da União após a redistribuição,

a fim de garantir uma qualidade mínima de ensino.

Essa garantia de qualidade mínima de ensino trazida pela constituição dialoga

com o formato de federalismo por ela adotado. Para estabelecer esse diálogo, como diria

Natalino Irti (2003) não devemos concentrar-nos em aplicar a Constituição como

núcleos isolados, mas sim como uma unidade. Nesse sentido, autores como Jamil Cury

(2010, p.149-152) e Conti (2013) explicam que o tratamento e a avaliação de políticas

educacionais, no Brasil, exige que consideremos o fato de sermos uma República

Federativa, pois tratar do federalismo é remeter a um tipo específico de Estado que

induz à uma união de membros que formam uma entidade soberana: o Estado Nacional.

Nesse regime, a existência de um Estado Soberano decorre da limitação da autonomia

das unidades federativas subnacionais. No Brasil, esse federalismo, por opção da

Constituição Federal de 1988 é um federalismo cooperativo, que busca um equilíbrio de

poderes entre a União e os Estados-membros, por meio do estabelecimento de laços de

colaboração e distribuição das competências através de atividades planejadas e

articuladas entre si, em busca de finalidades comuns. Essa colaboração, no que tange à

educação, conforme relembra Cury (2010, p.160) e Pinto (2015, p. 101-117) está

explicitamente estabelecida no artigo 211 da Constituição Federal, o qual traz que: “a

União, os Estados e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas

de ensino”. Adiciona-se a esse dispositivo o artigo 24, em seu §1 que limita a

competência da União às normas gerais, restando aos outros entes, de acordo com artigo

24, §2, e o artigo 30, inciso II, a complementação ou suplementação, no que couber. A

partir dessa necessidade de articulação do sistema que surge a exigência, por meio do

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públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

artigo 214, de um Plano Nacional de Educação racional nos meios e nas metas e efetivo

em sua finalidade.

Cury (2010, p.160-161) expõe que essa busca por um regime de colaboração que

efetive os grandes princípios e normas gerais da educação, atribuindo políticas

relevantes aos entes federativos foi feita pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (LDB), no entanto, não houve um consórcio articulado e compromissado, pois

não foi estabelecido um regime fiscal e financeiro que atendesse ao pacto federativo,

minimizando o alcance das políticas.

Entretanto, houve algumas iniciativas nacionais que impactaram os entes

federativos de modo a gerar um progresso nos índices de acesso ao ensino fundamental

e a entrelaçar os entes federativos em busca da redução das desigualdades por meio do

financiamento à educação (CURY, 2010, p. 161-162; ARAÚJO, 2007; DAVIES, 2006;

ARELARO, 2007). Dentre eles, serão destacados aqui: o FUNDEF, o FUNDEB e o

Plano Nacional de Educação.

2. O Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e

Valorização do Magistério (FUNDEF)

Diante dessa necessidade de redistribuição e de suplementação, foi criado por

meio da Emenda Constitucional (EC), nº 14 de 1996, o Fundo Nacional de

Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF). O

Fundo entrou em vigor em 1º de janeiro de 1998 e a sua vigência foi prevista até 31 de

dezembro de 2006. Seu princípio básico era o da disponibilização de um valor mínimo

anual em âmbito nacional por matrícula no ensino fundamental nas redes municipais e

estaduais (BRASIL, 1996).

Por meio dele, os fundos contábeis de âmbito estadual passaram a constituir 60%

dos recursos de MDE através do Fundo de Participação dos Estados (FPE), do Fundo de

Participação dos Municípios (FPM), do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e

Serviços (ICMS), do Imposto sobre Produtos Industrializados proporcional às

exportações (IPI-exp) e da Desoneração de Exportações prevista na Lei Complementar

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nº 87/96 (Lei Kandir). Esses tributos passaram a ser redistribuídos nas redes estaduais e

municipais com base no número de matrículas. As unidades federativas que não

alcançassem o valor mínimo por aluno definido anualmente seriam complementadas da

União. Porém, conforme ressaltam autores como Arelaro (2007), Cruz e Jacomini

(2017), Lima e Didonet (2006) e Davies (2006) e Araujo (2007) o valor por aluno

definido pelo governo federal durante o período de vigência do FUNDEF (1996-2006)

não alcançou o necessário à garantia da equalização da oferta, exatamente por se basear

nas receitas que o governo disponibilizava para o gasto por aluno, não tendo, assim,

como baliza um custo-qualidade.

Nicholas Davies (2006) ressalta que, não obstante o FUNDEF tenha advindo do

governo federal, sua complementação para os fundos estaduais foi minúscula e

decrescente (em termos percentuais e reais). O FUNDEF foi formado por 15% de

alguns impostos (ICMS, FPE, FPM, IPI-exportação e compensação financeira prevista

na Lei Complementar n. 87/96) do governo estadual e dos municipais existentes em

cada estado, e consequentemente não conseguiu alcançar o valor do padrão mínimo

estipulado. Sendo assim, o governo federal, além de dar uma contribuição irrisória,

deixou de cumprir o próprio decreto que o estabeleceu, no que tange ao critério de

cálculo do valor mínimo nacional, que servia de base ao cálculo da complementação

federal. Ao todo, de acordo com o Ministério da Educação, dentre os anos de 1998 e

2002, essa irregularidade fez com que o governo deixasse de contribuir com mais de

12,7 bilhões de reais (BRASIL, 2003). Sendo assim, em que pese o fundo ter sido

apontado como uma redenção da educação fundamental e de valorização do magistério,

conforme vislumbra Davies (2006), ele apenas redistribuiu na esfera estadual, entre os

governos estadual e municipal, parte dos impostos já vinculados à manutenção e

desenvolvimento do ensino (MDE) antes de sua criação, balizado no número de

matriculas presentes no ensino fundamental regular das redes de ensino estadual e

municipais.

Cury (2010, p. 162), explica, no entanto, que o FUNDEF teve uma influência

positiva na concretização do pacto federativo, pois sua estratégia trazia uma cooperação

intergovernamental financeira que objetivava um acesso universal ao ensino

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públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

fundamental, sendo que a coparticipação a esse financiamento tinha como regra a

vinculação de recursos estabelecida na Constituição Federal. Além disso, a distribuição

de competências proposta pelo fundo buscava retirar o ensino fundamental de uma

espécie de “zona cinzenta” no que se refere às competências e responsabilidades de

cada ente federativo. O FUNDEF trouxe resultados mais claros no Norte e no Nordeste.

Sua influência na redução das desigualdades regionais não foi mais expressiva, somente

porque a União não cumpriu com o financiamento legalmente estabelecido. Porém, em

que pese o fundo tenha seus vícios, Cury (2010, p. 162) afirma que o FUNDEF: “revela

a possibilidade de um pacto federativo com um desenho de fato cooperativo e uma

descentralização harmônica”. Isso fez com que o Congresso, por meio da Emenda

Constitucional nº 53, convertesse o fundo em uma tentativa mais promissora e

substancial em termos de cooperação, o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica

e Valorização do Magistério (FUNDEB).

3. O Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do Magistério

(FUNDEB)

A fim de dar um passo mais significativo no financiamento da educação

brasileira, surge por meio da Emenda Constitucional nº 53 de 2006, o FUNDEB. O

fundo estabelece a subvinculação de recursos para a alocação exclusiva na educação

básica. Sua principal designação está na redistribuição operada pelos Estados, posto que

a União contribui somente com 10% do total arrecadado pelas outras unidades

federativas, restando a ela, portanto, uma função mais supletiva do que propriamente

redistributiva.

Por meio dela, em seu artigo 60, conforme relembra Taporosky (2016, p. 2),

estabelece-se uma busca pela manutenção e desenvolvimento da educação básica e à

remuneração condigna dos trabalhadores da educação, através da destinação de 20%,

em âmbito estadual, das receitas resultantes do Imposto sobre Transmissões Causa

Mortis e Doações (ITCMD), do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços

(ICMS) e do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Além da

eventual quota-parte devida aos estados e ao Distrito Federal. Vale-se destacar, também,

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os 10% do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que é devido pela União aos

Estados e Distrito Federal, proporcionalmente às exportações de referidos produtos.

Em âmbito municipal, tem-se o valor da quota-parte devida pela União aos

municípios referente ao Imposto Territorial Rural (ITR) dos imóveis neles situados.

Além da quota-parte devida pelos estados relativa ao Imposto sobre Propriedade de

Veículos Automotores (IPVA) dos veículos licenciados em seus territórios, assim como

sobre a quota-parte do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de

transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação. No mais, os municípios

também contam com o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e o Fundo de

Participação dos Estados e Distrito Federal (FPE). (TAPOROSKY, 2016)

Um outro elemento ressaltado por autores como Davies (2006), Cury (2010)

Gouveia e Souza (2015), Taporosky (2016) e Cruz e Jacomini (2017) e Araújo (2007)

como um avanço do FUNDEB em relação ao FUNDEF no financiamento à educação é

o aumento da abrangência da lei que passa a beneficiar não somente o ensino

fundamental, mas toda a educação básica, o que inclui parte da educação infantil (pré-

escola), o ensino fundamental e o médio. Contudo, esse fundo não contempla novas

fontes de financiamento à educação, mas sim, redistribui as receitas já existentes na

Constituição Federal, no que tange aos estados, Distrito Federal e aos municípios. Além

disso, Cruz e Jacomini (2017) também destacam o estabelecimento do dever de

reorganização dos conselhos de controle e acompanhamento social, visando a inserção

de mecanismos para maior efetividade do fundo.

Houve, também, a previsão da complementação pela União, na ADCT da

Constituição Federal em seu artigo 60, inciso VIII, afirmando que ainda eram

necessários mecanismos para a garantia de um padrão mínimo de qualidade. O artigo 8º

da lei que regulamenta o FUNDEB (Lei 11.494 de 2007) veio no sentido de funcionar,

em termos legais, como este mecanismo, ao prever que: “a distribuição de recursos que

compõem os Fundos, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, dar-se-á, entre o

governo estadual e os de seus Municípios, na proporção do número de alunos

matriculados nas respectivas redes de educação básica pública presencial”, sendo assim,

a partir da lei, os fundos passariam a ser constituídos no âmbito de cada estado e se o

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valor não atingisse o mínimo nacional, a União o complementaria. (DAVIES, 2006;

TAPOROSKY, 2016; CRUZ; JACOMINI, 2017).

Entretanto, o cálculo do valor mínimo por aluno realiza-se por meio de uma

estimativa de receitas do FUNDEB, considerada a complementação mínima da União.

Sendo assim, em que pese tenha havido um forte debate com intensa participação da

sociedade civil durante o período de aprovação da Emenda Constitucional nº 53 de 2006

na busca por uma vinculação ao Custo-Aluno-Qualidade (CAQ), que possibilitasse

assegurar um orçamento capaz de financiar um padrão mínimo de qualidade à educação

brasileira, isso não ocorreu. Como consequência, o direcionamento do fundo não se

pautou pela realização de parâmetros relacionados à qualidade escolar, e sim pelos

valores que estavam disponíveis no orçamento (DAVIES, 2006; TAPOROSKY, 2016;

MARTINS, 2009; JESUS, 2012, ALMEIDA, 2014; CRUZ; JACOMINI, 2017).

Um outro ponto destacado por autores como Davies (2006), Pinto (2014) e

Taporosky (2016) é que na prática, a aplicação dos recursos na educação está sendo

realizada utilizando a política de fundos e a vinculação constitucional como um limite

máximo, não como um limite mínimo, o que prejudica a qualidade da educação. Diante

disso, os autores que trabalham com o tema chegam a duas conclusões: a primeira é que

a qualidade da educação é diretamente relacionada a um financiamento bem estruturado

(MONLEVADE, 2014; PINTO, 2015; XIMENES, 2014; TAPOROSKY, 2016); a

segunda é a de que, em que pese o FUNDEB tenha trazido substanciais melhorias no

financiamento à educação, os critérios adotados para sua implementação não garantem

um padrão mínimo de qualidade, sendo assim necessário que a complementação da

União adotasse os parâmetros relacionados ao CAQ (SENA, 2012; TAPAROSKY,

2016).

Diante dessa insuficiência, o FUNDEB, não obstante tenha auxiliado os

municípios com menores condições, em termos de educação, a aumentarem seu

percentual de recursos recebidos, não gerou uma redução na desigualdade das condições

de ensino em termos nacionais (SOUZA, 2015; TAPOROSKY, 2016), o que faz com

que o fundo não seja suficientemente eficaz para cumprir os objetivos de redução das

desigualdades regionais e sociais, previstas como um importante vetor de

direcionamento da atuação da República Federativa do Brasil, no artigo 3º, inciso III da

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públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

Constituição Federal (BERCOVICI, 2003). Nem contribua de forma adequada para a

redução das desigualdades raciais que permeiam a estrutura social brasileira, e que está

prevista como objetivo brasileiro, no artigo 3º, inciso IV da Constituição Federal

(MOREIRA, 2016). Diante disso, além de a falta de uma distribuição de recursos com

parâmetros mais adequados, não cumprir de forma completamente adequada à

promoção da educação em âmbito nacional, ele mantém uma estrutura que é

segregacionista em âmbito regional, social e racial, não cumprindo, totalmente, com

objetivos brasileiros estabelecidos na Constituição Federal, restando necessária a

vinculação a padrão mínimos de qualidade por meio do Custo-Aluno-Qualidade (CAQ).

De acordo com Jesus (2012, p.220-221) o CAQ é o “custo potencial de um aluno

da educação básica durante o período de um ano, recebendo um ensino de qualidade”.

Alguns autores como o próprio Jesus (2012), Pinto (2003), Carreira e Pinto (2006),

Camargo (2005), Monlevade (2014) e Taporosky (2016), se debruçam especificamente

na questão do CAQ e nos ajudam a compreender esse instituto.

O debate relacionado à qualidade e ao financiamento da educação por meio do

CAQ teve ampla participação da sociedade civil. Ressalta-se nesse sentido a Campanha

Nacional pelo Direito à Educação, que deu direcionamentos relacionados à equidade,

considerando parâmetros econômicos, de gênero, raça, região e necessidades especiais;

de modalidades da educação básica; de insumos - que se relacionam à infraestrutura, aos

trabalhadores da área - de gestão democrática e de dimensões ambiental, estética e

relacionamento humano (CARREIRA; PINTO, 2006; TAPOROSKY, 2016). A

necessidade das dimensões acima nos direcionamentos do CAQ relaciona-se, para

Camargo (2005), à amplitude conceitual e à abrangência do que venha a ser a qualidade,

para a definição de um custo por aluno. Camargo (2005) também explica que mesmo

que a LDB traga uma vinculação da qualidade aos insumos, isso não é suficiente à

garantia dos padrões mínimos de qualidade educacional. Diante dessa insuficiência da

LDB e diante do fato de o CAQ ser um conceito em fase de elaboração, e que padrões

atemporais e dinâmicos de qualidade são extremamente difíceis de serem fixados,

exatamente em virtude da amplitude mencionada, a sua formulação contou com a

participação de diversas entidades educacionais, assim como especialistas, pais e alunos

(PINTO, 2013; JESUS, 2012; TAPOROSKY, 2016).

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Diante dessa discussão, surge o CAQi, que tem como finalidade a garantia e a

implementação de um piso salarial aos professores, assim como a garantia de uma

infraestrutura nas escolas e de um máximo de alunos por sala de aula, visto que a

jornada dos alunos, o tamanho das escolas, os salários dos profissionais e a relação de

alunos por turma, impactam diretamente na qualidade educacional (JESUS, 2012;

TAPOROSKY, 2016; CARREIRA; PINTO, 2006).

A pretensão do CAQi não é a de estabelecer a previsão de uma escola ideal, mas

sim de postular um ponto de partida aos insumos básicos que as escolas devem

assegurar. Não é buscada, também, a criação de novas unidades educacionais. O que se

busca é a manutenção e atualização das já existentes (PINTO, 2003). Em decorrência a

essa busca pondera-se desde o tamanho das escolas e as suas instalações, como também

a oferta de recursos didáticos em quantidade e qualidade; a razão de alunos por turma; a

jornada dos alunos; a remuneração, formação e jornada do pessoal; os projetos especiais

e a gestão democrática da escola (TAPOROSKY, 2016, p. 7).

Após o FUNDEB, uma alteração constitucional destacável para a questão do

financiamento da educação foi a ampliação da obrigatoriedade do ensino para crianças e

adolescentes dos 4 aos 17 anos de idade, trazido pela Emenda Constitucional nº 59/2009

e pelas metas do PNE 2014-2024 (CRUZ; JACOMINI, 2017). A emenda também foi

responsável por fazer com que os planos decenais de educação passassem à condição de

instrumentos de planejamento que ultrapassam períodos de governo e abrangessem todo

o território a que pertencem compreendendo todos os níveis, etapas e modalidades de

ensino. (BRASIL, 2016).

4. O Financiamento da Educação Brasileira no Plano Nacional da Educação

(Lei nº 13.005 de 2014)

Diante dessa nova perspectiva de planejamento das políticas públicas de

educação que se deu o processo de elaboração do PNE, tendo como um marco a

Conferência Nacional de Educação (CONAE), ocorrida em 2010, responsável por

elaborar um documento que foi enviado ao Ministério da Educação e Cultura (MEC).

Após alterações por parte do MEC, esse documento foi encaminhado ao Congresso

Nacional e transformado no Projeto de Lei nº 8035 de 2010. (CARVALHO, 2017).

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Após quatro anos, por meio da Lei 13. 005 de junho de 2014, o Plano Nacional de

Educação (PNE) foi aprovado.

O PNE atualmente vigente é responsável por determinar diretrizes, metas e

estratégias para a política educacional até o ano de 2024. O plano é dividido em quatro

grupos de metas. O primeiro deles refere-se às metas que tem como finalidade a

garantia do direito à educação básica com qualidade, em busca da garantia do acesso, da

universalização do ensino obrigatório, e da ampliação das oportunidades educacionais.

O segundo grupo refere-se à redução das desigualdades e à valorização da diversidade,

tendo como finalidade a equidade. O terceiro busca a valorização dos profissionais da

educação e o quarto grupo busca a melhoria do ensino superior. (BRASIL, 2014)

Diferentemente do primeiro PNE, estabelecido pela Lei n. 10.172, de 2001 que

teve a enorme maioria dos seus dispositivos relativos ao financiamento da educação

vetados pelo então governo Fernando Henrique Cardos – o que foi decisivo para seu

fracasso (FERNANDES; SANTOS, 2017) –, o novo PNE traz importantes disposições

tendentes ao cumprimento de dispositivos constitucionais que reverberam na questão do

financiamento da educação, além de continuar os avanços descritos nos tópicos

anteriores. Em destaque para o objeto do presente trabalho tem-se a meta 20, que aduz,

especificamente, ao financiamento da educação.

Essa meta é baseada vinculação constitucional e direciona os esforços para o

financiamento à educação no decênio 2014-2024. Seu objetivo é:

Ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto (PIB) do País no 5º (quinto) ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio (BRASIL, 2014).

Diante desse dispositivo, o plano amplia o investimento público em educação

pública, buscando atingir, no mínimo, 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do País no

quinto ano de vigência dessa lei e, no mínimo, o equivalente a 10% do PIB no fim do

decênio do PNE. Representando, assim, um significativo avanço, considerando que no

ano de 2012, de acordo com o INEP, o investimento público em educação foi de 6,4%

do PIB (BRASIL, 2014)

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Fernandes e Santos (2017, p.3-4), ao trabalharem o tema, destacam que a meta

20 do PNE trouxe dispositivos concernentes à redução das desigualdades regionais. Em

uma de suas diretrizes ele estabelece que a distribuição dos recursos disponíveis aos

estados, municípios e Distrito Federal será designação da União, conforme previu a

legislação do FUNDEB. Sendo esses recursos formados, dentre outros, pelo Fundo de

Participação dos Estados (FPE), pelo Fundo de Participação dos Municípios (FPM), por

transferências aos Estados e ao Distrito Federal, pelo Imposto de Renda sobre Pessoa

Física (IRPF), pelo Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), pelo Imposto sobre

Produtos Industrializados (IPI) – aos Municípios por meio do Imposto de Renda sobre

Pessoa Física (IRPF), pelo Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e pelo Imposto

sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), além da compensação financeira da

desoneração do ICMS previsto pela Lei Kandir. Além disso, o Plano Nacional de

Educação também trouxe o financiamento a partir da contribuição social do salário-

educação que é recolhido pelas empresas conforme disposição legal. (BRASIL, 2014)

De forma mais desdobrada, visualiza-se que a primeira das estratégias

determinada pela meta é referente à garantia de fontes de financiamento permanentes e

sustentáveis para a educação básica, respeitando a colaboração entre os entes

federativos. A segunda estratégia foca no aperfeiçoamento dos mecanismos de

acompanhamento da contribuição social do salário educação. A terceira estratégia busca

destinar à manutenção e desenvolvimento do ensino, uma parcela da participação no

resultado ou da compensação financeira de petróleo de gás natural, assim como outros

recursos. A quarta estratégia busca o fortalecimento dos mecanismos e instrumentos que

assegurem a transparência e o controle social na utilização dos recursos públicos em

educação, sobretudo por meio de audiências públicas, da criação de portais eletrônicos e

da capacitação dos membros de conselhos e de controle social do Fundeb, mais uma

vez, com a colaboração dos demais entes federativos, por meio do MEC, dos Tribunais

de Contas e das Secretarias de Educação. A quinta estratégia tem por objetivo

desenvolver através do INEP, estudos e um acompanhamento regular dos investimentos

e dos custos por aluno da educação básica e superior pública (BRASIL, 2014).

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As estratégias de número 6, 7, 8 e 10, dizem respeito à implantação de padrões

mínimos ao financiamento da educação por meio dos já mencionados CAQ e do CAQi.

A adoção deste aparece como um avanço. O limite estabelecido para a sua

implementação, de acordo com a meta 20 do plano, foi o ano de 2016. A finalidade é

que por meio da implementação do CAQi, o CAQ seja alcançado progressivamente.

Conforme relembra Taporosky (2016), a partir do advento do PNE o CAQ passa a

funcionar um parâmetro ao financiamento da educação no Brasil, modificando a ótica

anterior, que pauta o orçamento a partir da disponibilidade orçamentária, substituindo-o

por um orçamento que se pauta em uma educação de qualidade. Martins (2015. p. 01)

ressalta que a adoção do CAQi e CAQ é uma vitória das propostas formuladas pela

Campanha Nacional pelo Direito à Educação, pois o CAQi é uma relevante estratégia de

política pública para a educação brasileira, na busca de vencer as históricas

desigualdades educacionais brasileiras. 20.6) no prazo de 2 (dois) anos da vigência deste PNE, será implantado o Custo Aluno-Qualidade inicial - CAQi, referenciado no conjunto de padrões mínimos estabelecidos na legislação educacional e cujo financiamento será calculado com base nos respectivos insumos indispensáveis ao processo de ensino-aprendizagem e será progressivamente reajustado até a implementação plena do Custo Aluno Qualidade - CAQ; 20.7) implementar o Custo Aluno Qualidade - CAQ como parâmetro para o financiamento da educação de todas etapas e modalidades da educação básica, a partir do cálculo e do acompanhamento regular dos indicadores de gastos educacionais com investimentos em qualificação e remuneração do pessoal docente e dos demais profissionais da educação pública, em aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino e em aquisição de material didático-escolar, alimentação e transporte escolar; 20.8) o CAQ será definido no prazo de 3 (três) anos e será continuamente ajustado, com base em metodologia formulada pelo Ministério da Educação - MEC, e acompanhado pelo Fórum Nacional de Educação - FNE, pelo Conselho Nacional de Educação - CNE e pelas Comissões de Educação da Câmara dos Deputados e de Educação, Cultura e Esportes do Senado Federal; (...) 20.10) caberá à União, na forma da lei, a complementação de recursos financeiros a todos os Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios que não conseguirem atingir o valor do CAQi e, posteriormente, do CAQ;

A nona estratégia da meta 20 merece especial atenção visto ao estabelecimento

da necessidade de regulamentação da Constituição Federal Brasileira de 1988, em seus

artigos 23 e 211, no prazo de dois anos, por meio de lei complementar a forma de

estabelecer normas de cooperação entre os entes federados em matéria educacional,

assim como a articulação do Sistema Nacional de Educação em regime de colaboração,

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resguardando um equilíbrio na repartição das responsabilidades e dos recursos, para o

efetivo cumprimento das funções redistributiva e supletiva da União, em busca das

desigualdades regionais em âmbito educacional, dando foco especial ao Norte e ao

Nordeste do Brasil.

Esta estratégia é especialmente relevante pois destaca uma preocupação, em

âmbito de financiamento à educação, de algumas questões constitucionais de relevo,

como por exemplo a previsão do Artigo 214 da Constituição Federal, que tem como

objetivo articular o Sistema Nacional de Educação (SNE) em regime de colaboração e

definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a

Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE) em seus diversos níveis, etapas e

modalidades (BRASIL, 1988). Reconhecendo, portanto, que a efetivação das metas e

estratégias dos planos educacionais, no sentido de implantar ações para a

universalização, acesso e permanência dos estudantes a uma educação pública e com

qualidade é uma premissa para a efetivação de um financiamento adequado e coerente

das políticas educacionais. (FERNANDES; SANTOS, 2017; ABICALIL; CURY;

DOURADO; PORTELA, 2014).

O documento “Planejando a Próxima Década: Conhecendo as 20 Metas do Plano

Nacional de Educação” (BRASIL, 2016), ao versar sobre a meta 20 do plano, traz uma

relevante análise para a compreensão da função do financiamento da educação para a

concretização do Sistema Nacional de Educação. De acordo com ele:

O art. 214 da Constituição Federal, com as alterações da redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009, dispõe que o PNE deve estabelecer meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto. Esses dispositivos constitucionais são fundamentais para a garantia da educação como direito social, por meio de seu financiamento público e pelo estabelecimento de condições objetivas de oferta de educação pública de qualidade que respeite a diversidade. Nesse sentido, a vinculação de recursos financeiros para a educação, a ampliação dos percentuais do PIB para a educação nacional, bem como a vinculação do financiamento a um padrão nacional de qualidade, o acompanhamento e o controle social da gestão e uso dos recursos, entre outros, são passos imprescindíveis para a melhoria do acesso, permanência e aprendizagem significativa dos estudantes. Ou seja, a garantia de financiamento adequado das políticas educacionais é base e alicerce para a efetivação do Sistema Nacional de Educação e, por conseguinte, para o alcance das metas e estratégias do PNE, com vistas à garantia de educação em todos os níveis, etapas e modalidades, além da superação das desigualdades regionais.

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Para a estruturação do financiamento da educação a fim de desenvolver um

sistema nacional de educação, um outro dispositivo constitucional relevante, que é

destacado no Plano Nacional de Educação é o artigo 212, que, conforme expusemos no

tópico referente à Constituição Federal, foi responsável por instituir tanto a estrutura

quanto as fontes de financiamento da educação, a fim de que o Estado pudesse

implementar políticas educacionais de forma coerente, vinculando recursos para a

educação com vistas a garantir recursos financeiros à MDE. (FERNANDES; SANTOS,

2017)

De acordo com Abicalil, Cury, Dourado e Portela (2014), o Sistema Nacional de

Educação funciona como uma

“Definição de diretrizes, metas, recursos e estratégias de manutenção e desenvolvimento direcionadas à garantia do direito social à educação em ambos os níveis (educação básica e superior), considerando todas as etapas e modalidades educativas. Remete, sobretudo, à garantia da universalização da educação básica obrigatória dos 04 aos 17 anos, em regime de colaboração.”

Esse viés de universalização da educação trazido pelo SNE é também

resguardado por alguns dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da UNESCO.

Nesse sentido, vale ressaltar as diretrizes do quarto objetivo que busca: “Assegurar a

educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de

aprendizagem ao longo da vida para todos”, que devem ser cumpridos até 2030:

(4.1) “garantir que todas as meninas e meninos completem o ensino primário e secundário livre, equitativo e de qualidade, que conduza a resultados de aprendizagem relevantes e eficazes”;

(4.2) “garantir que todos as meninas e meninos tenham acesso a um desenvolvimento de qualidade na primeira infância, cuidados e educação pré-escolar, de modo que eles estejam prontos para o ensino primário”;

(4.3) “assegurar a igualdade de acesso para todos os homens e mulheres à educação técnica, profissional e superior de qualidade, a preços acessíveis, incluindo universidade”;

(4.4) “aumentar substancialmente o número de jovens e adultos que tenham habilidades relevantes, inclusive competências técnicas e profissionais, para emprego, trabalho decente e empreendedorismo”;

(4.5) “eliminar as disparidades de gênero na educação e garantir a igualdade de acesso a todos os níveis de educação e formação profissional para os mais vulneráveis, incluindo as pessoas com deficiência, povos indígenas e as crianças em situação de vulnerabilidade”;

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(4.6) “garantir que todos os jovens e uma substancial proporção dos adultos, homens e mulheres estejam alfabetizados e tenham adquirido o conhecimento básico de matemática”;

(4.7) “garantir que todos os alunos adquiram conhecimentos e habilidades necessárias para promover o desenvolvimento sustentável, inclusive, entre outros, por meio da educação para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis, direitos humanos, igualdade de gênero, promoção de uma cultura de paz e não violência, cidadania global e valorização da diversidade cultural e da contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável”;

(4.a) “Construir e melhorar instalações físicas para educação, apropriadas para crianças e sensíveis às deficiências e ao gênero, e que proporcionem ambientes de aprendizagem seguros e não violentos, inclusivos e eficazes para todos;

(4.c) “substancialmente aumentar o contingente de professores qualificados, inclusive por meio da cooperação internacional para a formação de professores, nos países em desenvolvimento, especialmente os países menos desenvolvidos e pequenos Estados insulares em desenvolvimento”.

Especificamente a meta ‘4.b’, estabelece um prazo menor para o seu

cumprimento. De acordo com ela, até o ano de 2020, é obrigação dos países signatários

(4.b) “Substancialmente ampliar globalmente o número de bolsas de estudo para os países em desenvolvimento, em particular os países menos desenvolvidos, pequenos Estados insulares em desenvolvimento e os países africanos, para o ensino superior, incluindo programas de formação profissional, de tecnologia da informação e da comunicação, técnicos, de engenharia e programas científicos em países desenvolvidos e outros países em desenvolvimento”.

De acordo com o documento ‘Educação para os Objetivos de Desenvolvimento

Sustentável’ da UNESCO, tais dispositivos embarcam no caminho de um

desenvolvimento sustentável que exigirá uma profunda transformação na forma como

pensamos e agimos. Para isso, os indivíduos precisam de conhecimentos, habilidades,

valores e atitudes que lhes permitam contribuir para o desenvolvimento sustentável.

Nesse sentido, não é possível visualizar uma alteração nas estruturas sociais sem ter em

conta uma evolução educacional, pois é a educação a responsável por desenvolver tais

atributos (UNESCO, 2017)

Na contramão de todas essas evoluções nacionais e internacionais, após o golpe

institucional sofrido por Dilma Rousseff no ano de 2016, foram instauradas pelo

presidente Michel Temer algumas políticas de austeridade, utilizando como argumento

central a necessidade de redução dos gastos públicos e de ‘modernização’ da legislação.

Dentre elas, a Emenda Constitucional nº 95 de 2016, que será desdobrada a seguir.

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5. A Emenda nº 95 de 15 de dezembro de 2016: O dobre de finados da Educação Brasileira

Em dezembro de 2016 foi aprovada pelo Congresso Nacional a Emenda

Constitucional nº 95 que altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Dentre as alterações, fica instituído o Novo Regime Fiscal no âmbito dos Orçamentos

Fiscal e da Seguridade Social da União, que vigorará por vinte exercícios financeiros.

Tanno e Callegari (2017), destacam que o argumento utilizado pelo governo para a

instituição de tal medida foi a busca de um maior realismo e uma maior racionalidade

nas definições orçamentárias. No entanto, autores como Luiz Araujo (2016), ressaltam

que a medida ameaça direitos sociais como a educação e rompem com todo um

histórico de medidas que progressivamente vem trazendo avanços no campo da

educação nacional.

O regime estabelece limites para cada exercício financeiro, individualizados para

as despesas primárias em âmbito federal dos Poderes Executivo, Legislativo e

Judiciário, do Tribunal de Contas da União, Ministério Público da União e Defensoria

Pública da União. Tais limites equivalerão, para o exercício de 2017, à despesa primária

paga no exercício de 2016, incluídos os restos a pagar saldados e demais operações que

afetam o resultado primário, corrigida em 7,2% (sete inteiros e dois décimos por cento),

assim como para os exercícios posteriores, ao valor do limite referente ao exercício

imediatamente anterior, corrigido pela variação do Índice Nacional de Preços ao

Consumidor Amplo - IPCA, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística, ou de outro índice que vier a substituí-lo, para o período de doze meses

encerrado em junho do exercício anterior a que se refere a lei orçamentária. (BRASIL,

2016).

O estudo elaborado pela Organização Não-Governamental Conectas (2017) e

publicado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

(UNESCO), prevê que a EC 95/2016 resultará em uma séria erosão dos direitos sociais,

como resultado de despesas per capita menores, o que se agravará na medida em que a

demanda por serviços forem maiores. Essa situação prejudicará o dever de

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implementação progressiva de vários direitos sociais, estabelecido no art. 13 do Pacto

Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, especialmente para

os grupos mais pobres e mais vulneráveis da população, que dependem exclusivamente

do acesso aos serviços públicos. O aumento da população brasileira nas próximas

décadas prejudica ainda mais esse quadro. Esta alteração também teria o efeito

pernicioso de aprofundar as desigualdades econômicas existentes, resultantes das

políticas fiscais do país, que tem se demonstrado como um empecilho para que as

pessoas saiam da situação de pobreza, o que atinge de forma mais agravada

particularmente os grupos sociais já desfavorecidos.

Especificamente no que tange à educação (desenvolvimento do ensino) e à

saúde, a emenda adicionou o artigo 110 ao ADCT, o qual afirma que, em sua vigência,

as aplicações mínimas equivalerão, no exercício de 2017, às aplicações mínimas

calculadas nos termos do inciso I do § 2º do art. 198 e do caput do art. 212, da

Constituição Federal e nos exercícios posteriores, aos valores calculados para as

aplicações mínimas do exercício imediatamente anterior, corrigidos na forma

estabelecida pelo inciso II do § 1º do art. 107 do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias. (BRASIL, 2017).

Tais alterações, conforme aduz Pedro Rossi e Esther Dweck (2016, p.2), trazem

impactos tanto macroeconômicos quanto sociais, especialmente na educação e saúde.

No âmbito macroeconômico, a ideia da proposta é de que o gasto público federal tenha

crescimento real nulo, o que geraria uma redução do gasto público em proporção do

PIB.

Diferentemente da experiência internacional, esse “Novo Regime Fiscal”,

conforme explicitam Rossi e Dweck (2016) não possui uma ‘cláusula de escape’, ou

seja, não permite uma flexibilização das regras fiscais diante de crises econômicas

extraordinárias, configurando-se como uma medida que impõe à demanda pública um

caráter contracionista por vinte anos e retira do Estado os instrumentos fiscais capazes

de enfrentar crises econômicas.

No âmbito da educação, conforme expusemos no tópico referente à Constituição

Federal, os autores também relembram que o mínimo para os gastos públicos

estabelecido pelo artigo 212, é de 18% da Receita Líquida de Impostos (RLI). Já de

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acordo com a Proposta de Emenda Constitucional n. 55 (PEC 55), que foi aprovada e

convertida na Emenda 95, é previsto que, em 2017, o gasto com educação seria de 18%

da RLI. De acordo com Luiz Araujo (2016), atualmente os recursos destinados à

educação aumentam ou diminuem conforme o comportamento das receitas dos

impostos. A partir da PEC 241 (posteriormente convertida na EC/95), os gastos com a

educação somente serão corrigidos de acordo com a inflação, ou seja, crescendo ou não

a arrecadação acima da inflação, este valor incrementado não será destinado à educação.

O que faz com que os estados, os municípios e a União possam investir menos do que o

percentual constitucional previsto no artigo 212. Diante dessa desvinculação, haveria

uma substancial redução de recursos para a educação, sobretudo quando não estivermos

em uma conjuntura de crise econômica. Atualmente, em face da recessão, a medida não

surtirá grandes impactos. No entanto, qualquer retomada será prejudicial à educação,

que não acompanhará, por força da emenda, a retomada do crescimento.

Estabelecendo uma comparação entre as duas regras, Rossi e Dweck (2016)

afirmam que o piso previsto pela emenda é, ‘deslizante’. Isto é, ao longo do tempo, o

valor mínimo destinado à educação cai em proporção das receitas e do PIB. Ressaltam

os autores que, apesar dessa característica ‘deslizante’ do piso, é possível o aumento nos

gastos para educação acima do mínimo, havendo a necessidade, porém, da redução de

outros gastos, limitada pela redução dos gastos totais e pelo crescimento de outros.

Conforme explicam Tanno e Callegari (2017), aqueles que defendem a medida

argumentam que, com a vinculação do mínimo constitucional à inflação, haveria, na

verdade, um aumento na proteção ao setor. Porém, tal argumento não se sustenta, pois

não foi tomado como referência que a inflação foi superior ao avanço da receita de

impostos da União de 2014 a 2016.

Convém destacar que a aplicação do teto de gastos com a correção inflacionária

é aplicada ao somatório das áreas previstas no orçamento, não somente na inflação.

Diante disso, caso haja uma ampliação dos recursos em uma das pastas, outras pastas

ficariam prejudicadas. Sendo assim, considerando que a previdência social, seguindo o

que vem ocorrendo nos anos anteriores, terá um reajuste acima da inflação, em

consequência do crescente número de aposentadorias, o somatório dos demais

orçamentos, inclusive o da educação, deverá ser reajustada abaixo do valor da inflação.

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Isso não necessariamente traria perdas reais à educação, em termos econômicos, visto

que os gastos sociais podem ser preservados frente às demais despesas do governo,

porém há a possibilidade de que os gastos em políticas sociais sejam reduzidos

conforme a pressão das diferentes áreas para a destinação do orçamento se intensifique.

(TANNO; CALLEGARI, 2017).

O ponto mais crítico da emenda, no entanto, não é simplesmente a perda real em

termos econômicos no âmbito educacional, mas sim, o retrocesso nos avanços

alcançados na garantia do direito à educação. Sobretudo no que tange ao Plano Nacional

de Educação, que se pauta em uma expectativa de expansão da contribuição financeira

do governo federal, suplementando os estados e redistribuindo os valores. A emenda,

nesse sentido, é extremamente danosa à educação pois, em que pese a previsão

constitucional de financiamento da educação por meio da União seja de somente 18%, a

sua arrecadação tributária é de 70% do total dos impostos, sendo assim, o ente mais

relevante em termos de potencial de esforço fiscal. (TANNO; CALLEGARI, 2017;

ARAÚJO, 2016).

Esse parcial rompimento do poder público com o compromisso de planejar a

educação nacional vem em contradição ao ideal de planejamento, que em um país

subdesenvolvido, de acordo com Gilberto Bercovici (2005, p.69) demanda um

alargamento das funções do Estado e uma e readaptação de seus órgãos e estrutura. No

âmbito educacional esse alargamento e readaptação estava sendo paulatinamente

efetivado pelo Plano Nacional de Educação. Essa função de planejar uma educação de

qualidade, conforme aduz Celso Furtado (1999), em ensaio sobre ‘A Reconstrução do

Brasil’ vem em um contexto maior de reformas estruturais de longo prazo. Reformas

estas que devem ter como objetivos estratégicos: reverter o processo de concentração

patrimonial e de renda que está na raiz das distorções sociais que caracterizam o Brasil;

romper com o atraso nos investimentos no fator humano, que se traduz em extremas

disparidades entre salários de especialistas e do operário comum; e compreender de que

forma o Brasil se inseriria no processo da globalização.

Em sentido contrário, o Brasil, que apresenta altas taxas de concentração

patrimonial e de renda, baixo investimento no fator humano e uma tímida inserção no

contexto internacional é ainda mais atingido com o limite aos gastos públicos. A crise

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da constituição econômica e a blindagem da constituição financeira (BERCOVICI;

MASSONETO, 2007, p.80), se tornaram ainda mais agudas e houve um esvaziamento

da possibilidade de aumento real de investimentos no setor social para os próximos

vinte anos.

O financiamento das políticas educacionais que vinham com uma trajetória

extremamente importante de crescimento nos últimos anos e uma tendência de expansão

para os próximos anos foi obstada e o direito à educação, tão caro à uma sociedade que

busca superar o subdesenvolvimento foi violado.

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ARTIGO 3:

EM BUSCA DE UM PADRÃO NACIONAL DE QUALIDADE: INCLUSÃO DO

CUSTO ALUNO QUALIDADE INICIAL (CAQI) NO FUNDEB COMO

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MECANISMO PARA REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES REGIONAIS NO

OFERECIMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA

Autores: Clarice Seixas Duarte e Andressa Silva Melo

Resumo: Uma das principais estratégias para a garantia da meta 20 do Plano Nacional

de Educação 2014-2024, que trata do financiamento da educação, é o Custo Aluno

Qualidade Inicial (CAQi), ferramenta que estabelece um valor para cada etapa e

modalidade de ensino, capaz de garantir o oferecimento de insumos essenciais para a

prestação de uma educação com um padrão mínimo de qualidade. O artigo analisa se e

como a inclusão do CAQi na atual política de financiamento da educação poderia

contribuir para a redução das desigualdades regionais no país. Para tanto, foi feita uma

revisão bibliográfica de autores do Direito, da Ciência Política e da Educação, além da

análise de dados estatísticos nacionais e internacionais sobre o tema. Como principais

achados da pesquisa, verificou-se que as políticas de financiamento da educação das

últimas décadas, embora tenham trazido alguns avanços, não obtiveram os resultados

esperados. O Fundef, vigente até 1996, apenas contribuiu para cristalizar as

desigualdades regionais. O Fundeb, atual política, através do aumento da participação

da União, permitiu uma maior aproximação dos valores investidos na educação entre os

diferentes estados, contribuindo para a redução das desigualdades regionais no

oferecimento da educação, porém, sem alcançar a garantia de um padrão nacional de

qualidade. As principais causas dessa situação estão na falta de atuação preponderante

da União, motivada pela ausência de um regime de colaboração em efetivo

funcionamento. Outro fator preocupante diz respeito à própria lógica do financiamento

da educação, que é pautada por critérios monetários, e não de qualidade. Neste cenário,

a inclusão do CAQi, ao introduzir um valor único nacional, a ser implementado através

da atuação conjunta dos entes federados, impulsiona ainda mais a criação de um regime

de colaboração entre os entes federados, possibilita a redução das desigualdades

regionais por meio da equalização dos valores investidos. Além disso, o CAQi rompe

com a lógica do financiamento da educação baseada na disponibilidade de recursos,

priorizando a efetivação de uma educação de qualidade.

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Palavras- chave: Padrão Nacional de Qualidade; Custo Aluno Qualidade Inicial; Financiamento da Educação; Fundeb; Desigualdades Regionais. Introdução

A Constituição Federal de 1988 estabelece a educação como um direito social e,

em seu artigo 205, a reconhece como um direito de todos e como dever do Estado e da

família. No cumprimento dessa obrigação, o Estado deve observar as determinações

constitucionais, tais como a do artigo 20826, que, ao determinar as prioridades na sua

atuação, estabelece como educação obrigatória o período que se estende dos quatro aos

dezessete anos, abarcando a pré-escola, o ensino fundamental e o ensino médio27.

Apesar do caráter obrigatório da educação e das previsões constitucionais

acerca da universalização da chamada educação básica, o Brasil continua enfrentando

graves problemas para assegurar a educação a todas as crianças e adolescentes titulares

desse direito. Segundo o Censo Escolar de 201628, cerca de 2,8 milhões de crianças e

adolescentes entre quatro e dezessete anos não frequentam a escola. As maiores taxas

de exclusão se encontram nas pontas do sistema: a educação infantil, com mais de 800

mil crianças fora da escola; e o ensino fundamental, que deixa de receber mais de 1,5

milhões de adolescentes.

Déficit de vagas, baixa qualidade de ensino, altos índices de evasão, repetência e

distorção idade-série, crise do modelo do ensino médio, são algumas das mazelas que

caracterizam o sistema educacional brasileiro. Esses problemas ficam ainda mais

evidentes quando comparamos o quadro brasileiro com o de outros países do

Hemisfério Sul. Segundo a Operação para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

(OCDE), o Brasil apresenta a segunda maior taxa de adultos entre 25 e 64 anos que não

completaram o ensino médio. O índice brasileiro é de 16,6%, ficando atrás somente da

Índia, com 45,5%, e um pouco superior às do México e da Costa Rica, com 13,9 e 13,4%

respectivamente. Quando comparado com os vizinhos, o quadro do Brasil é alarmante:

26 A redação desse artigo foi alterada através da Emenda Constitucional nº 59/2009. Antes dessa reforma, o texto estabelecia como educação obrigatória apenas o ensino fundamental, que, no Brasil na época, se estendia dos 7 aos 14 anos. 27 No Brasil, a educação obrigatória ou básica abrange essas três etapas do ensino: pré-escola, para crianças de 4 e 5 anos; ensino fundamental, para crianças de 6 a 14 anos; e ensino médio, para adolescentes de 15 a 17 anos. A pré-escola faz parte da educação infantil, que abarca também a creche, que atende crianças de 0 a 3 anos, mas que não tem caráter obrigatório.

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nossa taxa é duas vezes maior que a taxa chilena (7,3%) e quase quatro vezes maior que

a taxa argentina (4,7%) (OCDE, 2017).

Para reverter o atual quadro da educação brasileira, são necessárias políticas

educacionais de Estado de médio e longo alcance, articuladas com medidas

econômicas, capazes de enfrentar o desafio de garantir uma educação de qualidade

num país de dimensões continentais, com desigualdades sociais e regionais históricas.

No início do milênio, o INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais Anísio Teixeira – publicou o Mapa do Analfabetismo no Brasil,

considerando os dados até o ano de 2001. Essa publicação se tornou referência, pois

apresentou o quadro de extrema desigualdade na distribuição da taxa de analfabetos

pelo território brasileiro, o que não somente desnudou a desigualdade no oferecimento

da educação, mas evidenciou que a disparidade entre os índices é fruto de uma

realidade social marcadamente desigual.

A desigualdade fica evidente quando verificamos que a taxa do Sudeste do

Brasil, região mais rica, foi de 20,4% enquanto que o Nordeste, uma das regiões mais

pobres, apresentou uma taxa de 42,8%. O quadro só se agrava quando analisamos as

taxas estaduais: enquanto a menor taxa foi do Distrito Federal, com 15,1% de

analfabetos, o estado com maior número de analfabetos foi Alagoas, que tinha mais de

metade da sua população analfabeta, com 50,2% (INEP, 2001).

Os dados acima mostram que há uma relação intrínseca entre a oferta da

educação no país e o problema das desigualdades regionais. São as desigualdades

regionais acentuadas que agravam ainda mais o quadro da prestação da educação no

Brasil, de modo que, para a sua superação, faz-se necessária uma ação direcionada que

leve em conta essa perspectiva. Essa discussão se torna ainda mais candente quando se

verifica que as previsões acerca da educação no ordenamento jurídico brasileiro não se

resumem à universalidade, gratuidade e obrigatoriedade, mas em diversos artigos

constitucionais e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei nº 9.394/1996, é

estabelecida a necessidade de se garantir a qualidade da educação, o que representa um

desafio ainda maior.

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A qualidade da educação ainda é tratada ao longo de todo o Plano Nacional de

Educação 2014-2024, que foi estabelecido através da Lei nº 13.005/2014,

representando um dos mais importantes documentos no direcionamento da atuação

dos entes federados no oferecimento da educação. Nesse documento foram

estabelecidas 20 metas e diversas estratégias a serem perseguidas durante os dez anos

de vigência do plano, dentre as quais se destacam as estratégias 20.6, 20.7, 20.8 e

20.10, que tratam do Custo Aluno Qualidade (CAQ) e o Custo Aluno Qualidade Inicial

(CAQi), instrumentos que devem ser utilizados para se chegar a um valor por aluno

capaz de proporcionar insumos necessários para a garantia de uma educação de

qualidade.

O financiamento da educação, tal como previsto no ordenamento jurídico

brasileiro, conta com o mecanismo da vinculação constitucional de receitas. Por meio

das Emendas Constitucionais nº 14/1996 e nº 53/2006, foram criados fundos

contábeis para a distribuição de recursos para a educação, inicialmente o Fundef –

Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do

Magistério – e, posteriormente, o Fundeb – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento

da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.

O presente artigo pretende investigar se, e, em caso positivo, de que modo, a

inclusão do CAQi na atual política nacional de financiamento da educação brasileira – o

Fundeb – auxiliaria na redução das desigualdades regionais, permitindo a promoção de

um padrão nacional de qualidade educacional.

Para tanto, o artigo está dividido em três partes: a primeira discute o modo

como a Constituição Federal Brasileira (CF/88) trata a questão da qualidade da

educação e como o CAQi se insere nessa discussão; a segunda tem como objetivo

destacar a lógica do financiamento da educação presente no Brasil através dos fundos

contábeis, Fundef e Fundeb, compreendendo qual o arranjo institucional estabelecido

para a prestação da educação e para a redução das desigualdades regionais; e, por fim,

na última parte, busca-se analisar a forma como o CAQi poderia ser inserido nesta

política, podendo ou não contribuir para o aprimoramento dos mecanismos de redução

das desigualdades regionais existentes. Para a compreensão desses pontos, foi feita

uma revisão bibliográfica de autores do direito, da ciência política e da educação, a

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análise dos dispositivos legais sobre a matéria e de dados de instituições

governamentais e internacionais.

1. A garantia do direito à educação básica de qualidade no ordenamento

jurídico brasileiro

A Constituição Federal de 1988 trata da educação de forma mais reforçada e

abrangente do que as Constituições anteriores, pois não apenas a estabelece como um

direito fundamental de natureza social, que deve ser garantido pelo Estado, mas

também estabelece princípios para a sua efetivação, dentre os quais destacamos a

“garantia de padrão de qualidade”, conforme previsto em seu art. 206. Além do art.

206, o texto constitucional menciona a qualidade da educação em diversos outros

dispositivos. Ao tratar do regime de colaboração dos sistemas de ensino, o §1º do artigo

211 da Constituição estabelece:

Art. 211 § 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. (BRASIL, 1988, grifo nosso)

Mais uma vez é mencionada a garantia do padrão mínimo de qualidade da

educação como um objetivo a ser perseguido na atuação dos entes federados. O artigo

212, que trata da vinculação de receitas para a educação estabelece, em seu §3º, que a

distribuição dos recursos deve prioritariamente atender às necessidades do ensino

obrigatório, de modo a garantir a universalização e o padrão de qualidade e equidade,

nos termos estabelecidos no PNE, o que também confere grande importância a esse

dispositivo.

Para a realização do PNE a Constituição estabelece alguns objetivos no artigo

214 e entre eles figura mais uma vez a “melhoria da qualidade do ensino”. De igual

modo, a Emenda Constitucional nº 53/2006, que cria o Fundeb, estabelece que os

entes federativos deverão atuar de forma a melhorar a qualidade de ensino para

“garantir padrão mínimo definido nacionalmente”.

Assim, fica estabelecida a condição de princípio constitucional da qualidade da

educação, porém, ainda que não houvesse a sua previsão específica Ximenes (2014, p.

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132) apresenta a impossibilidade de desenvolvimento dos fins da educação sem que

fosse considerada a questão da qualidade na sua promoção:

Do vínculo entre qualidade da educação e suas finalidades enquanto um bem público, poderíamos ainda concluir, em exercício analítico, que o princípio da qualidade do ensino é logicamente anterior à sua própria inscrição no rol dos princípios constitucionais expressos. Ou seja, ainda que a Constituição de 1988 fosse omissa em expressá-los, como foram suas antecessoras, não haveria meios de assegurar o cumprimento dos fins atribuídos à educação e ao ensino, positivados no direito interno e no direito internacional, sem que a qualidade fosse observada como elemento relevante do direito à educação. Afinal, como bem sintetiza José Sérgio de Carvalho (2007), ‘(...) o bem social que se almeja democratizar com o acesso de todos à escola não é uma vaga na sala de aula, ou o acesso físico às dependências da escola’ (CARVALHO, 2007, p.309).

A partir do reconhecimento constitucional da qualidade da educação como um

princípio, o seu tratamento passa a ser distinto do de uma regra, pois a sua forma de

efetivação deve ser diferenciada. De acordo com Alexy (2008, pp. 90-91), princípios são

“mandamentos de otimização”, “normas que ordenam que algo seja realizado na maior

medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”. Ximenes, ao

discorrer sobre a estrutura normativa do princípio da qualidade da educação, à luz da

teoria de Alexy, esclarece que uma de suas características – o alto grau de abstração e

generalidade – não lhe retira a imperatividade (afinal, como norma que é, pertence ao

mundo do dever ser), apenas exige um modo próprio de aplicação prática, havendo

critérios jurídicos para sua delimitação:

Por isso [...] não começamos por identificar os conteúdos mínimos e imediatamente exigíveis da qualidade educativa, mas por desenvolver algumas proposições normativas sobre o seu conteúdo amplo e sobre os critérios juridicamente legítimos para sua delimitação e aplicação prática. É sobre esse conteúdo amplo e sobre sua aplicação máxima que se assenta o direito fundamental à educação. É ele quem deve mobilizar o planejamento das políticas públicas e a implementação progressiva dos direitos. Isso não significa desconsiderar o fato que, no curso de sua implementação, será necessário estabelecer padrões básicos ou mínimos progressivos (essa é a noção de conteúdo essencial relativo dos direitos, como veremos), extremamente importantes quando sequer muitas das necessidades “existenciais” são universalizadas. Mas não é do ‘mínimo’ que se parte para parte para a construção do conteúdo dos direitos fundamentais, nem é o ‘mínimo’ o que se almeja em termos de desenvolvimento e direitos humanos. Disto a emergente e complexa questão da qualidade da educação básica como um direito é uma das maiores provas. (2014, p. 124 – grifos nossos)

A preocupação com a garantia da qualidade da educação não se resume aos

preceitos constitucionais. Lei nº 9.394/1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação,

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repete o texto constitucional ao estabelecer a garantia do padrão nacional de qualidade

como um princípio a ser perseguido no oferecimento do ensino. Também, em seu artigo

4º, apresenta como dever do Estado a efetivação da educação com garantia de padrões

mínimos de qualidade do ensino, definindo os “insumos indispensáveis ao

desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem” (BRASIL, 1996). Além da LDB,

toda a Lei nº 13.005/2014, lei que estabelece o Plano Nacional de Educação, trata de

aspectos que são importantes para a garantia da qualidade do ensino.

No entanto, apesar da extensa previsão acerca da qualidade da educação tanto

em dispositivos constitucionais quanto infraconstitucionais, não existe uma

conceituação jurídica expressa a respeito do Padrão Nacional de Qualidade da

Educação. Pode-se dizer que alguns dispositivos trazem alguns parâmetros que

norteiam a atuação do Estado para sua garantia, como por exemplos os artigos 70 e 71

da LDB, que tratam do que pode ser considerado gasto com ensino e o que não pode.

No entanto, podemos destacar um instrumento citado em uma das estratégias do PNE

que se propõe a estabelecer um valor específico capaz de cubrir os insumos essenciais

para o oferecimento de uma educação de qualidade, o Custo Aluno Qualidade, CAQ.

O CAQ surge de uma proposta da “Campanha Nacional pelo Direito à

Educação”, como uma estratégia para a política de financiamento no sentido de

“contribuir para o aumento do financiamento educacional visando à implementação de

um conjunto articulado, duradouro e coerente de políticas que garantam uma educação

pública de qualidade” (PINTO e CARREIRA, 2007, p.73). Segundo a formulação

contida no documento final da Conferência Nacional de Educação, de 2010, o

instrumento consiste no:

custo potencial de um aluno da educação básica durante o período de um ano, recebendo um ensino de qualidade. O CAQ deve objetivar que a “educação básica pública adquira e se realize com base em um padrão mínimo de qualidade”, funcionando como “uma alternativa ao atual desequilíbrio regional e à oferta de educação básica pública” (CONAE, 2010, p. 104, grifo do autor).

Como uma forma de se se atingir a proposta do CAQ, a Campanha Nacional

pelo Direito à Educação criou o CAQi, o Custo Aluno Qualidade Inicial, que representa

um primeiro passo para uma educação de qualidade. Segundo José Marcelino Rezende

Pinto (2015, p. 107), o CAQi é a ferramenta que melhor se comunica com as políticas de

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financiamento de educação atuais e com a necessidade de se estabelecer um padrão

nacional de qualidade:

Ele [Custo Aluno Qualidade Inicial] nasce de um esforço pioneiro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação com o objetivo de transformar em políticas concretas duas determinações legais. De um lado, parte-se do artigo 211 § 1º da CF, que estabelece o dever da União de “garantir a equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino” (Brasil. Constituição, 1988). De outro, considera-se o artigo 4º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), quando define que “o dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: [...] IX – padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem” (Brasil. Lei nº 9.394, 1996).

De acordo com essa perspectiva, foi estabelecida uma metodologia para a

definição de um valor para o CAQi, fruto de uma parceria entre o Conselho Nacional de

Educação (CNE) e a Campanha Nacional de Educação. Essa definição foi aprovada pela

Conferência Nacional de Educação Básica 2008 (Coneb) e pela Conae 2010, sendo

normatizada pelo CNE no Parecer CEB/CNE 8/2010, que desde então aguarda

homologação do Ministério da Educação.

Apesar da inércia do Ministério da Educação em homologar o Parecer

CEB/CNE 08/2010, o Custo Aluno Qualidade Inicial configura uma importante

estratégia para c0nsolidação da meta 20 do PNE, que trata do financiamento da

educação:

20.6. no prazo de dois anos da vigência deste PNE, será implantado o Custo Aluno-Qualidade inicial (CAQi), referenciado no conjunto de padrões mínimos estabelecidos na legislação educacional e cujo financiamento será calculado com base nos respectivos insumos indispensáveis ao processo de ensino-aprendizagem e será progressivamente reajustado até a implementação plena do Custo Aluno Qualidade (CAQ);

A homologação do referido Parecer pelo Ministério da Educação poderia ser

um marco do estabelecimento de uma definição oficial para o Padrão Nacional de

Qualidade. No entanto, apesar de já ter se encerrado o prazo definido na lei, o

Ministério da Educação ainda não homologou o documento, atrasando o cumprimento

dessa e de outras estratégias relacionadas ao cumprimento da meta 20 do Plano

Nacional de Educação, bem como da consolidação de uma definição jurídica para o

conceito de Padrão Nacional de Qualidade.

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A inexistência de uma definição jurídica clara acerca do conceito de Padrão

Nacional de Qualidade acaba por impedir a sua efetiva cobrança pelos envolvidos no

sistema educacional, no sistema de justiça e pela sociedade civil em geral. Com isso, nas

situações em que o Estado atua de forma insatisfatória em relação à garantia da

qualidade na educação – como verificamos em sua atuação no Fundef e no Fundeb,

políticas de financiamento da educação por meio de fundos, com o estabelecimento dos

valores aluno/ano mínimos – fica muito mais difícil corrigir os seus rumos.

2. Financiamento da educação básica no Brasil: fundamento, evolução,

estrutura e lógica de funcionamento

Como acima mencionado, o financiamento da educação representa um dos

maiores desafios para os governos brasileiros. Analisando o histórico brasileiro,

verificamos que essa questão ainda não está bem resolvida. Em uma análise desse

processo, Vieira e Vidal (2015) delimitam três momentos distintos: o primeiro, de

indefinição de recursos, que se estende desde o Brasil colônia, com os jesuítas num

arranjo de “autofinanciamento”29, até aproximadamente 1930. Nesse período não havia

previsão constitucional acerca do financiamento da educação. Em 1932, foi elaborado o

Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova que, entre outros temas educacionais,

levantou preocupações sobre o financiamento da educação no Brasil. Em resposta a

essas preocupações, a Constituição de 1934 trouxe artigos que estabeleceram a

vinculação de impostos para a manutenção e o desenvolvimento do ensino, que

deveriam ser aplicados pela União, pelos Estados e Municípios, iniciando-se o segundo

momento da história do financiamento da educação brasileira. Essa vinculação, no

entanto, foi suprimida três anos depois, pela Constituição de 193730, sendo retomada

apenas pela Constituição de 194631, com a redemocratização32, mantendo-se até hoje.

29 “Para a instalação do Colégio, o Rei dava à Companhia um dote inicial suficiente para sua construção e equipamento e, como reforço de custeio e possibilidade de expansão, lhe doava terras e a faculdade de nelas investir e delas tirar proveito”. (MONLEVADE, 1997, p. 52) 30 “Embora defenda a obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário, estabelece alguns ‘senões’ ao afirmar, por exemplo, que, ‘por ocasião da matrícula, será exigida aos que não alegarem, ou que notoriamente não puderem alegar escassez de recursos, uma contribuição módica e mensal para a caixa escolar’ (Brasil. Constituição, 1937, art. 130), ou seja, há um flagrante descompromisso do poder público com o financiamento da educação pública, remetendo às famílias o ônus desse direito”. (VIEIRA e VIDAL, 2015, p. 22 e 23) 31 “Art 169 - Anualmente, a União aplicará nunca menos de dez por cento, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nunca menos de vinte por cento da renda resultante dos impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino” (BRASIL. Constituição Federal 1946)

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Durante o governo militar, houve o corte da vinculação dos impostos federais

para a educação, mantendo-se somente os impostos municipais e estaduais, o que

representou uma diminuição significativa dos recursos para a área33. No processo de

redemocratização, com a promulgação da Constituição de 1988, o art. 212 estabeleceu a

forma de financiamento da educação, fortalecendo a vinculação de receitas

constitucionais para a educação. O dispositivo determina que a União deve aplicar

“anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios

vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a

proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino”. Assim, é

retomada a participação da União na vinculação de receitas para educação, e além disso

é estabelecido o papel redistributivo e supletivo, por meio da assistência técnica e

financeira aos Estados e Municípios, através do artigo 211 da Constituição34.

Após a promulgação da Constituição de 1988, o Brasil entrou em um programa

de estabilização econômica, pautado pela privatização, a desregulamentação e o

controle de gastos. Essas ações estavam em consonância com o chamado “Consenso de

Washington”, que consistia em diretrizes elaboradas pela ideologia neoliberal

(BERCOVICCI, 2003). Nesse sentido, houve uma descentralização de receitas

promovida pelo desenho do sistema tributário da nova Constituição, o que causou uma

perda de recursos para a União. Tal fato apontava para a possibilidade de uma menor

participação da União na promoção dos serviços sociais, sem, no entanto, haver um

projeto de descentralização, tornando a sua efetivação uma incógnita e uma

preocupação de muitos especialistas (OLIVEIRA e BIASOTO, 1999).

Nos anos que se seguiram, a União respondeu à perda de recursos

estabelecendo uma política de recuperação de recursos e redução de seus gastos,

32 Neste mesmo período foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 4.024/1961, que estabelecia uma vinculação de “12% dos impostos federais, 20% dos estaduais e 20% dos municipais” (MONLEVADE, 2012, p.5). 33 Nesse mesmo período foi aprovada a Lei nº 4.440/1964 que estabeleceu o salário-educação, uma contribuição social devida pelas empresas, destinada a suplementar as despesas com educação. Essa contribuição, apesar de não representar o mesmo valor arrecadado pela vinculação, possibilitou o desenvolvimento de políticas de assistência na construção de escolas, alimentação escolar, material didático (MONLEVADE, 2012). 34 Art 211 - § 1º A União organizará e financiará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, e prestará assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória. (BRASIL. Constituição Federal, 1988 - Redação Original)

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diminuindo as transferências não constitucionais para estados e municípios e criando

tributos e aumentando as alíquotas de impostos não sujeitos à partilha com os estados

e municípios. Houve, assim, um processo de descentralização dos encargos para os

estados e municípios sem o estabelecimento de um projeto gradual que visasse evitar

prejuízos à população. Além disso, não foi estabelecido nenhum programa de

assistência técnica ou financeira que permitisse aos estados e municípios cumprir com

os encargos que estavam recebendo. Na prática os recursos não cresceram de forma

proporcional às obrigações assumidas (BERCOVICCI, 2003, OLIVEIRA e BIASOTO,

1999 e COSTA, 2013).

Assim, o processo de descentralização no Brasil ocorreu de uma forma

desordenada, não privilegiando a manutenção da prestação dos serviços sociais, uma

vez que os entes se viram com mais encargos que recursos, o que impactou

significativamente a promoção dos serviços sociais. E foi nesse contexto de

descentralização de encargos que surgiram os dois institutos que inauguram a terceira

fase do financiamento da educação pautada pelos fundos contábeis.

Através da Emenda Constitucional nº 14/1996, foi criado o Fundo de

Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério –

Fundef, regulamentado pela Lei nº 9.424/1996 e através da Emenda Constitucional nº

53/2006 foi estabelecido o seu sucessor, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento

da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb,

regulamentado pela Lei nº 11.494/2007. As políticas de fundos destinados à educação

apresentavam um desenho institucional que basicamente transferia as

responsabilidades referentes à educação para os entes federados, sem oferecer uma

participação efetiva da União. A relação entre os entes para a efetivação dessas políticas

foi estabelecida para que houvesse uma maior responsabilização dos estados e

principalmente dos municípios e uma mínima participação da União. Além disso,

analisando sua estrutura, verifica-se que não houve uma preocupação com a

manutenção da prestação dos serviços e, muito menos, com a qualidade do

oferecimento da educação.

O processo de descentralização em si não foi o problema, uma vez que o mesmo

pode ser conduzido de forma ordenada, privilegiando a manutenção da prestação dos

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serviços sociais, devendo ter, segundo Marta Arretche35, uma atuação forte e

coordenada do governo federal. No entanto, não foi o que se verificou no processo de

descentralização do financiamento da educação na década de 90, como aponta

Bercovicci (2003, p. 182-183):

Infelizmente, a política deliberada do Governo Federal vem sendo a inclusão de dispositivos na Constituição para obrigar os entes federados a assumir certas políticas sociais, sem qualquer contrapartida federal e vinculando receitas, como nos casos do ensino fundamental (Emenda Constitucional n. 14, de 12 de setembro de 1996) e dos serviços públicos de saúde (Emenda Constitucional n. 29, de 13 de setembro de 2000).

Em relação ao Fundef, criado em 1996, o mesmo consistia em um fundo de

natureza contábil, ou seja, tinha como objetivo organizar os valores destinados à

educação, sem que novas receitas fossem criadas. Apenas reunia as receitas de um

determinado estado e seus municípios, não tendo sido criado um fundo único nacional.

Eram destinados a esse fundo 15% dos seguintes recursos: Imposto sobre Circulação de

Mercadorias e Serviços (ICMS); Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); Fundo

de Participação dos Estados (FPE); Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e o

ressarcimento pela desoneração das exportações estabelecido pela Lei nº 87/1996.

Como o foco do Fundef era o ensino fundamental, os valores destinados ao

fundo eram redistribuídos às redes estadual e municipais de ensino, proporcionalmente

ao número de matrículas no ensino fundamental que cada uma das redes possuía.

Assim, ao dividir os recursos do fundo pelo número de alunos matriculados no estado,

obtinha-se um valor por aluno chamado valor aluno/ano. Esse valor era comum em

todo o estado, mas diferente de estado para estado, de modo que no Brasil houve 27

diferentes valores, correspondente ao número de estados existentes no país. Todos os

anos o governo federal, através de um decreto, deveria estabelecer um valor aluno/ano

35 “Na verdade, o grau de sucesso de um programa de descentralização está diretamente associado à decisão pela implementação de regras de operação que efetivamente incentivem a adesão do nível de governo ao qual se dirigem: reconduzindo os custos financeiros envolvidos na execução das funções de gestão; minimizando os custos de instalação da infra-estrutura necessária ao exercício das funções a serem descentralizadas ; elevando o volume de receita disponível; transferindo recursos em uma escala em volume de receita em uma escala em que a adesão se torne atraente; e, finalmente, revertendo as condições adversas derivadas da natureza das políticas, do legado das políticas prévias e [...] dos atributos estruturais de Estado e municípios. Inversamente, na ausência de programas que gerem tais incentivos, os recursos dos cofres locais serão disputados pelas demais áreas possíveis de aplicação” (ARRETCHE, 2000, p. 53 – destaque no original)

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mínimo e, caso algum estado apresentasse um valor aluno/ano abaixo desse valor,

havia uma complementação da União para que esse valor fosse aplicado.

A participação da União se resumia a essa complementação e tinha como

objetivo reduzir as disparidades entre os estados, permitindo o investimento de valores

mais próximos por aluno no território brasileiro. No entanto, essa complementação não

foi suficiente para promover uma significativa redução das desigualdades regionais,

como Gouveia e Souza (2015, p. 49) destacam:

[...] o que o Fundef propôs foi uma redistribuição em cada estado da Federação, portanto, as diferenças entre São Paulo e os estados do Nordeste se mantiveram. O mecanismo de complementação da União foi insuficiente para resolver tal cenário, visto que definiu um patamar muito baixo de referência para os gastos em educação, ou seja, o gasto por aluno ao ano com base no qual se estabeleceu a contribuição da União ao fundo foi pequeno e coerente com a perspectiva de que não faltavam recursos.

O Fundef foi duramente criticado pelos especialistas e houve uma tentativa de

responder a essas críticas através da criação do seu sucessor, o Fundeb. Esse fundo

manteve a mesma estrutura do Fundef, embora tenha apresentado diferenças

relevantes que se refletiram em resultados mais significativos para a educação

brasileira. Como principais diferenças, pode-se citar a abrangência do fundo - o Fundeb

considerou para a redistribuição dos recursos todas as etapas da educação básica:

educação infantil, ensino fundamental e ensino médio – e os critérios para a

determinação da complementação da União, baseado num percentual da receita total

do fundo.

Como existe uma diferença nos custos dos alunos nas diferentes etapas da

educação básica, foram estabelecidos fatores de ponderação para determinar o valor

aluno por ano para cada etapa, de modo a conceder um valor por aluno mais

compatível com os gastos de cada uma delas.

Por outro lado, de modo semelhante ao Fundef, no Fundeb é mantida a

complementação da União, no entanto, o valor de complementação da União não é

determinado por meio de um decreto presidencial, mas é determinado pela Emenda

Constitucional nº 53/2006 em, pelo menos, 10% do valor total do fundo. Dessa forma,

o valor aluno ano mínimo atingem patamares bem maiores do que no Fundef. O

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públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

aumento na participação da União representa um avanço em relação à política anterior,

como Gouveia e Souza (2015, p. 57) destacam:

A baixa participação da União no investimento em educação básica era, como vimos, uma das críticas centrais ao mecanismo de fundos. A fixação de um patamar mínimo de contribuição da União como percentual da receita total do fundo pode operar na direção de alguma presença mais efetiva do governo federal no financiamento da educação básica.

A atuação maior da União também permitiu uma maior aproximação entre os

valores aluno ano dos diferentes estados. A proporção continua representando uma

grande desigualdade, mas foi reduzida significativamente em relação ao praticado no

Fundef.

Houve ainda uma mudança na composição do fundo. De acordo com o artigo 4º

da Lei nº 11.494/2007, que regulamenta o Fundeb, são destinados ao fundo 20% dos

impostos que formavam o Fundef, acrescido dos seguintes impostos: Imposto sobre

Propriedade de Veículos Automotores (IPVA); Imposto sobre Transmissão Causa

Mortis e Doação (ITCMD); Imposto sobre a propriedade Territorial Rural (ITR).

O Fundeb, de modo geral, representou um grande avanço em relação do Fundef

no financiamento da educação, ao ampliar a cobertura do fundo para toda a educação

básica e aumentar a participação da União nos valores oferecidos para a educação

básica. Assim, é possível verificar uma mudança na relação entre os entes federativos

no período de vigência dos fundos, o que será o objeto de nossa análise no próximo

ponto.

O papel dos entes federados no financiamento da educação e a redução

das desigualdades regionais

A CF/88 adotou, dentre os seus objetivos fundamentais, inscritos em seu art. 3o,

a redução das desigualdades regionais e a realização da justiça social. Por ser o Brasil

um país marcadamente desigual, a atuação do Estado deve ser voltada para a superação

desse quadro, caso contrário, ocorre apenas o agravamento dessa situação,

aprofundando-se ainda mais as desigualdades existentes. Dai resulta que, mesmo num

contexto de descentralização, o papel da União é extremamente relevante pois, por

meio do planejamento de políticas públicas (como é o caso do PNE), deve guiar a sua

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públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

atuação para a redução de desigualdades, coordenando processos de criação,

manutenção e melhoria da situação dos serviços sociais, como destaca Bercovici:

No Brasil, a decisão de descentralizar está, irremediavelmente, ligada à questão histórica das desigualdades regionais, que nunca foram encarados como prioridade nacional máxima. Desta forma, sem uma real preocupação com as desigualdades regionais os efeitos da própria descentralização se tornam limitados. E na questão das disparidades regionais, o papel da União é fundamental: os entes federados não podem suprir o planejamento e decisões que exigem visões supraregionais, nem têm como obter, isoladamente, grandes recursos. Os efeitos da repartição de rendas e encargos foram diferentes nas várias regiões, dado totalmente ignorado pelo Governo Federal, que não pode ser subsidiário (como querem alguns), patrocinando o desmonte de políticas públicas. É a problemática das desigualdades regionais que deve determinar os limites da descentralização no Brasil, questão esta que, no processo descoordenado de descentralização que vem ocorrendo no Brasil, foi deixada de lado. (2003, p. 183)

Assim, quando analisamos as políticas públicas educacionais em um país com

profundas disparidades regionais, é necessário observar de que forma elas atuam para

minimizá-las. Segundo Carreira e Pinto (2007), são poucos os dados que buscam

estabelecer uma relação entre a qualidade da oferta dos serviços educacionais e as

desigualdades regionais, e os poucos dados apontam no sentido de de reforço das

desigualdades regionais e não sua redução.

Tanto o Fundef quanto o Fundeb foram desenhados para enfrentar o desafio do

financiamento da educação para o oferecimento do ensino fundamental, no primeiro

caso, e da educação básica como um todo, no segundo. Contudo, os mecanismos de

articulação da atuação dos três entes federativos para a ampliação e promoção de

melhorias no sistema foi bastante distinta.

Um dos principais resultados que o Fundef obteve no que concerne á relação

entre os entes federativos foi a maior responsabilização dos municípios na oferta do

ensino fundamental, por meio do fenômeno da municipalização. Como a distribuição

dos recursos para cada rede de ensino se dava com base no número de matrículas no

ensino fundamental, quanto maior o atendimento da rede, mais recursos o município

receberia. Isso acabou gerando uma “corrida” por matrículas, ou seja, os municípios

passaram a competir tanto com a rede estadual, quanto com a rede de municípios

próximos. Antes do Fundef, em geral, as redes estaduais representavam a maior parte

do atendimento no ensino fundamental. Com a corrida por matrículas, houve uma

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Mecanismosjurídicosdearticulação,institucionalizaçãoecontroledepolíticas

públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

inversão nessa proporção. Assim, os municípios passaram a responder por 60% das

matrículas no ensino fundamental em todo o território nacional36.

O grande problema do processo de municipalização acima descrito está ligado à

fragilidade deste ente federado. Isso porque aos municípios, entes que detêm o menor

potencial de arrecadação de impostos, foi transferida grande responsabilidade no

oferecimento da educação, o que os tornou refém das políticas de redistribuição.

Quebrou-se, assim, o equilíbrio entre o atendimento e a capacidade financeira do ente,

como Pinto destaca:

Uma outra conseqüência deste aumento da participação municipal nas matrículas da educação é que se rompeu o equilíbrio entre alunos atendidos e capacidade financeira dos municípios. Assim é que, embora os municípios já possuam uma matrícula na educação básica maior que aquela apresentada pelos estados, sua receita líquida de impostos é bem inferior àquela obtida pelos estados (cerca de três quartos), o que demonstra uma situação de grande fragilidade do atual sistema de financiamento. Quando analisamos esta distribuição nas diferentes regiões do país, os problemas se acirram (2007, p. 881)

Diante dessa dependência da redistribuição dos recursos para a garantia do

oferecimento da educação é necessário entender como ela funcionava. Inicialmente,

cumpre destacar que a forma de destinação de recursos para a educação através da

vinculação de receitas cria, de acordo com Gouveia e Souza (2015, p. 47), um “fundo de

proteção ao patamar de investimentos”. Anualmente existe uma reserva relativamente

estável - pois depende das flutuações de arrecadação de impostos - que é destinada à

educação em cada ente federativo. Ou seja, os 26 Estados, o Distrito Federal e os mais

de 5.500 Municípios destinam à educação o mesmo percentual resultante de sua

arrecadação de impostos. O estabelecimento de um mesmo percentual para todos os

entes federativos pode ser visto, em um primeiro momento, como uma forma

igualitária de destinação de recursos para a educação, mas isso só seria possível se

houvesse uma equidade na arrecadação entre todos os entes. No entanto, no Brasil, a

arrecadação de impostos é extremamente desigual.

36 Durante esse processo não houve uma preocupação efetiva com os quesitos de qualidade do ensino ou os impactos que essa inversão causaria, de forma geral, as motivações foram puramente financeiras, os municípios buscando mais recursos e os estados querendo reduzir seu atendimento da educação. Assim, em geral, nos contratos de municipalização de escolas estaduais, as questões sobre a qualidade não foram prioridade. Além disso, muitas vezes, esses contratos promoveram desperdícios de recursos, pois os professores da rede estadual muitas vezes não tinham onde trabalhar e foram realizados novos concursos para as redes municipais (PINTO, 2007, p. 880).

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O Estado de São Paulo é o que tem a maior arrecadação, cerca de R$ 500

bilhões, representando aproximadamente 43% da arrecadação total de impostos,

enquanto Estados como Acre, Roraima e Amapá arrecadam juntos aproximadamente

R$ 1,5 bilhões. A disparidade no potencial de arrecadação de impostos se reflete nos

valores destinados à educação por cada ente.

Essa desigualdade em si não é um problema, pois um estado que arrecada

poucos recursos e possui uma rede de ensino pequena poderia ter um valor

proporcional ao aplicado em uma rede de ensino que atende muitos alunos em um

estado com alta arrecadação. No Brasil, porém, não foi o que ocorreu. Não houve uma

equalização dos gastos com a educação, como afirmou o Ministro da Educação, Paulo

Renato Souza, em atuação durante a implementação do Fundef:

Observou-se, portanto, que este modelo de financiamento implantado a partir da Constituição de 1988 não logrou promover o aumento de recursos aos níveis demandados pelo ensino obrigatório, nem garantiu maior transparência e eqüidade no gasto público em educação. Ao contrário, como cada escola ficou sujeita à capacidade de arrecadação da instância de governo à qual estava administrativamente subordinada, cristalizaram-se os contrastes regionais e as diferenças entre as redes estaduais e municipais de ensino. Em suma, os recursos vinculados à educação disponíveis em cada esfera de governo não mantinham qualquer correspondência com o número de alunos atendidos pela respectiva rede de ensino. (MEC, 1999)

Segundo o Ministério da Educação e Cultura, o Fundef foi implementado para

combater dois cenários: o dos municípios com alta arrecadação que, com uma rede de

ensino pequena, não conseguiam investir os 25% dos impostos na educação,

redirecionando-os para outros fins; e o dos municípios que não possuíam arrecadação

suficiente para manter suas redes de ensino, chegando a oferecer salários abaixo do

salário mínimo para seus professores. Através de um fundo estadual é possível destinar

recursos de um município do primeiro cenário para o segundo, promovendo uma

divisão mais compatível com os encargos assumidos por cada rede de ensino.

Contudo, apesar de ter surgido em meio a esse discurso de combate às

desigualdades regionais, esse não foi um dos resultados do Fundef por dois motivos:

primeiro, porque o Fundef apenas atuava no plano estadual, assim, somente se

equalizavam os valores investidos na educação dentro de cada estado, mantendo as

desigualdades entre os estados e as regiões do país. Segundo, pois, para que fosse

efetivada uma política mais ampla de redução de desigualdades, deveria ter havido uma

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públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

forte atuação do poder central, o que não ocorreu: a complementação da União durante

o Fundef foi muito baixa.

Podemos verificar essa desigualdade quando comparamos os valores aluno/ano

de cada estado durante o Fundef. Tendo por base os valores do ano de 2006, último

ano de vigência do Fundef, notamos que sete estados37 investiram um valor por aluno

superior a R$ 1.500,00, sendo o maior valor superior a R$2.000,00 por aluno,

enquanto que nove estados apresentaram um valor abaixo de R$1.000,00 por aluno,

sendo o mais baixo de R$ 682,00. Essa disparidade se deu em virtude da ausência de

mecanismos que possibilitassem a (re)distribuição de recursos em âmbito nacional e

pelo baixo valor da contribuição da União para o Fundef:

[...] o mecanismo do Fundef não prevê a redistribuição dos recursos do Fundo no plano nacional, ou seja, entre as unidades federadas. Com isso, a responsabilidade pela correção das desigualdades interestaduais no financiamento do ensino fundamental recai, exclusivamente, sobre a União. Por outro lado, conclui-se que a política de correção das desigualdades interestaduais proposta pelo Fundef foi limitada pela restrição orçamentária da União, tendo em vista o programa de ajuste fiscal da política econômica vigente, não permitindo a alocação dos recursos federais necessários para a complementação do Fundef, a fim de estabelecer uma efetiva política de correção destas desigualdades. (VAZQUEZ, 2005, p. 163)

Além disso, os valores determinados pelo governo federal para a

complementação da União não respeitaram as determinações da lei de criação do

Fundef, criando um déficit na contribuição da União, conforme Nicholas Davies

apresenta:

Além de dar uma contribuição irrisória, sobretudo porque tanta propaganda fez dos milagres que o FUNDEF é capaz de operar, o governo federal (tanto FHC quanto Lula) não cumpriu o artigo da lei do FUNDEF (n. 9.424), que estabelece o critério de cálculo do valor mínimo nacional, que serviria de base para o cálculo da complementação federal. Essa irregularidade, reconhecida no relatório do GT criado pelo MEC em 2003, significou que ele deixou de contribuir com mais de R$ 12,7 bilhões de 1998 a 2002 (Brasil, MEC, 2003). Como essa irregularidade continuou de 2003 a 2006, a dívida do governo federal com o FUNDEF, tendo em vista a Lei n. 9.424, alcançará um valor em torno de R$ 30 bilhões até o final de 2006, pois, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), em seu relatório sobre as contas da União em 2004 (Brasil, TCU, 2005), a complementação deveria ter sido em torno de R$ 5 bilhões só em 2004, não de R$ 485 milhões, se o governo tivesse calculado o valor mínimo conforme manda a Lei n. 9.424. (2006, p. 757).

37 Os estados em questão são: Tocantins, Espírito Santo, Acre, Distrito Federal, Amapá, São Paulo e Roraima.

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A complementação da União praticada durante o Fundef girou em torno de

R$300 a R$500 milhões, o que representa um valor irrisório quando se trata de uma

política de financiamento da educação de abrangência nacional. Considerando o

quadro da desigualdade brasileira, o desenho do Fundef somente permitiu que as

desigualdades regionais fossem cristalizadas. Essa distorção foi consertada no Fundeb,

pois a complementação da União deveria ser, por determinação da Emenda

Constitucional nº 53/2006, de 2 bilhões no primeiro ano do fundo e no quarto ano

deveria corresponder a pelo menos 10% do valor total do fundo.

Os valores da complementação da União foram se elevando ano a ano durante o

Fundeb, chegando ao valor de R$ 12 bilhões, que foi o previsto para o ano de 2017.

Essa complementação da União permitiu o estabelecimento de um valor mínimo muito

maior do que o praticado durante o Fundef. O valor mínimo em 2007 foi de R$ 946,29,

cerca de 50% a mais do que o estabelecido no ano anterior pelo Fundef, correspondente

ao valor de R$ 682,60. Ao longo dos dez anos, o valor triplicou, passando para

R$2.875,03. Além disso, em 2017, a complementação da União era destinada a 9

estados: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco e

Piauí. Essa maior participação da União apresentou resultados muito mais

significativos na redução das desigualdades regionais.

Um dos fatores que apontam para essa redução das desigualdades é a taxa de

crescimento dos valores aluno/ano dos diferentes estados. Verificamos que os valores

aluno/ano mais baixos cresceram a uma taxa maior do que os maiores valores aluno/

ano do país. O valor aluno/ano mínimo triplicou nos 11 anos do Fundeb, enquanto que

o valor aluno/ano de São Paulo no mesmo período cresceu 90%. Por certo esse

crescimento não foi suficiente para igualar os valores, porém, foi possível promover

uma maior aproximação dos valores aluno/ano dos estados. Em 2007 a razão entre o

valor aluno ano mínimo e o valor aluno por ano do estado de São Paulo era de

aproximadamente 0,51; no ano de 2017, essa razão passou para 0,8, demostrando uma

maior aproximação entre os estados.

Atualmente, a razão entre o maior e o menor valor aluno/ano é de

aproximadamente 1,4, o que mostra que ainda existe um longo caminho a ser

percorrido para que os resultados educacionais atinjam patamares mais equitativos.

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Mas é preciso frisar que, embora tanto no Fundef quanto no Fundeb tenha havido um

aumento dos valores aluno/ano nos estados, somente no Fundeb podemos notar essa

maior aproximação de valores entre os diferentes estados.

Da análise dos resultados obtidos em ambas as políticas de fundos, pode-se

afirmar que apenas o aumento significativo dos valores aluno/ano mínimo por meio de

uma volumosa complementação da União durante toda a sua vigência foi capaz de

reduzir desigualdades regionais. Fica evidente que o potencial de redistribuição de

renda entre os entes federativos, à luz dos modelos implementados pelo Fundef e

Fundeb, pode ser alcançado (ainda que não em uma escala ideal), especialmente

quando existe uma participação significativa da União no compartilhamento dos

gastos. Dessa forma, evidencia-se o papel da União como equalizador das condições de

oferta da educação e a importância de uma atuação coordenada entre os três entes, de

modo a equalizar a oferta da educação no Brasil (PINTO, 2015).

3 A Inclusão do CAQi no Fundeb como mecanismo para redução das

desigualdades regionais

Ausência de um regime de colaboração entre os entes federados

O Brasil, sendo uma federação, é divido em entes federados dotados de

autonomia e que se submetem a um poder soberano central. Para a prestação da

educação, a Constituição Federal38 estabelece que todos os entes federados devem agir

em um regime de colaboração39.

Um regime de colaboração pressupõe a participação de todos os entes

federativos em uma atuação conjunta para o desenvolvimento de objetivos comuns.

Quando tratamos de políticas públicas educacionais, cujo âmbito de abrangência é

extremamente extenso e, no caso brasileiro, incidente num cenário marcadamente 38 “Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino” (BRASIL, 1988). 39 Para a compreensão devida do regime de colaboração é necessário diferenciar coordenação e colaboração federativa. Segundo Araújo (2010), a coordenação e colaboração se diferem basicamente na forma como são tomadas as decisões, na coordenação, em geral, existe uma iniciativa maior do governo central através de um programa que atua visando um resultado comum aos entes federados. Enquanto que, na colaboração as decisões são tomadas de forma conjunta entre os entes, definindo competências concorrentes e comuns.

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desigual, faz-se imperiosa a aplicação de um regime de colaboração. No entanto,

quando analisamos a atuação dos entes federativos nas políticas de fundo apresentadas

no tópico anterior, é possível verificar a ausência desse regime.

Especialmente em relação ao Fundef, houve uma grande preocupação em se

restringir a atuação da União no financiamento da educação. Apesar de ser o ente

federativo com o maior potencial de arrecadação, a União foi o ente que teve menor

participação na formação do Fundef, enquanto os municípios, entes com menor fonte

de recursos próprios, passaram a assumir a responsabilidade por mais da metade das

escolas de ensino fundamental durante esse período.

Durante o período de vigência do Fundef, o fator que mais impulsionou a

atuação dos entes federados na educação foi o monetário. A União diminuiu a sua

participação no financiamento da educação, pois esperava conter recursos; os Estados

acabaram celebrando diversos contratos de municipalização de escolas da rede estadual

e os municípios, visando receber mais recursos, aumentaram suas redes, sem levar em

conta a preocupação com a qualidade. Em diversas redes municipais, houve um alto

número de matrículas fantasmas e a superlotação de salas40.

Já com o Fundeb houve uma maior articulação entre os entes federativos, o que

só foi possível pelo aumento da participação da União, essencial para garantir um

maior equilíbrio entre os encargos atribuídos aos entes federados e os respectivos

recursos. Os municípios continuaram a ter uma grande responsabilidade na garantia do

direito à educação, uma vez que são os únicos a oferecer a educação infantil e por terem

assumido papel preponderante no ensino fundamental durante o processo de

municipalização induzido pelo Fundef.

40 Pode-se dizer que hoje, para boa parte das redes públicas, o aluno é visto tão somente como um valor monetário que, para render, é aceitável superlotar as salas (pois o dinheiro rende mais com 40 alunos/turma do que com 20), ou falsear os dados do censo escolar, incluindo no ensino fundamental regular alunos fantasmas, alunos da educação de jovens e adultos, ou ainda incluir nas escolas de ensino fundamental (com oito anos de duração) alunos de 5 e 6 anos. E quando a prática de inchar artificialmente as matrículas para conseguir mais recursos do Fundef se generaliza, o truque perde a eficácia, pois com mais alunos para um mesmo montante total, o valor por aluno cai na mesma proporção do aumento virtual das matrículas. Não basta criar um fundo único por estado para a educação básica enquanto persistirem escolas estaduais e escolas municipais. É necessário fundir as duas redes em uma rede pública única, administrada por um conselho gestor cujos membros sejam eleitos democraticamente pela comunidade escolar, com atribuições, composição e critérios de paridade definidos em lei federal. (CURY, 2006, 209)

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Em que pesem os avanços, essa maior colaboração entre os entes para o

oferecimento da educação está longe do ideal necessário para resolver a questão da

falta de qualidade e das desigualdades regionais no oferecimento da educação no país.

A esse respeito Cury (2006, p.209) salienta a necessidade de criação de um regime de

colaboração efetivo:

São necessários mais recursos, maior eqüidade entre as regiões e no interior destas e, finalmente, é fundamental pensar uma organização do regime de colaboração entre estados e municípios que ponha fim à atual “guerra fiscal” da educação, acirrada pelo Fundef, e que o Fundeb não deve aplacar.

É necessário destacar que o regime de colaboração vigente, apesar de deficiente,

foi estabelecido por meio de Emendas Constitucionais, tendo um prazo de vigência

determinada. Quando se considera a situação dos municípios nesse arranjo, temos uma

combinação possivelmente catastrófica. Caso essa organização se desmonte, a maior

parte dos municípios não teria recursos financeiros para manter a responsabilidade

pelo oferecimento da educação básica sem alguma forma de distribuição ou

complementação. Nesse sentido, José Marcelino de Rezende Pinto (2007, p. 881)

menciona a necessidade de uma política de caráter permanente que estabeleça a forma

de atuação conjunta dos entes federados no oferecimento da educação:

O sistema de financiamento só não entrou em colapso porque o FUNDEF, e agora o FUNDEB, transferem recursos de uma esfera de governo para a outra, mas considerando que os fundos são transitórios, montou-se uma bomba de efeito retardado com data certa para explodir: 31 de dezembro de 2020, quando finda o FUNDEB. Se nenhuma medida de caráter permanente for tomada neste ínterim, o país viverá naquela data uma grave crise no pacto federativo, pois os municípios ficarão com um número de alunos muito superior à sua capacidade de financiamento.

Essa visão é reforçada por Costa (2013, p. 14-15), que destaca a necessidade de

maior planejamento (estabelecimento de estratégias) e preparo técnico para a

superação das desigualdades regionais no oferecimento da educação no Brasil:

O efeito das recentes reformas de descentralização tem se traduzido no aumento das responsabilidades dos municípios sem a devida formação desses. Os sistemas municipais de educação têm agora mais alunos e mais recursos à sua disposição sem um preparo técnico. A transferência de recursos para um nível local levou a decisões sobre a alocação de despesas que parecem responder melhor às necessidades educacionais. Faltam mais formação e estratégias de equidade na distribuição dos recursos. É urgente a necessidade de revisar o regime de colaboração no financiamento da educação, uma vez que as desigualdades regionais só podem ser resolvidas com uma distribuição mais equitativa dos recursos. Os Fundos implantados até o momento não foram eficazes

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para reduzir as desigualdades constadas desde a proposição do pacto federativo em vigor.

Fica evidente a necessidade da criação de um regime de colaboração que

estabeleça a forma como os entes federados devem atuar visando assegurar uma

educação de qualidade, e que tenha caráter permanente. Não se pode permitir que a

atuação dos entes na prestação da educação seja determinada por medidas de caráter

provisório e que não tenham a abrangência necessária de um regime de colaboração41.

A ausência de um regime de colaboração permanente no Brasil se dá apesar das

previsões constitucionais a seu respeito. A melhor forma para a sua normatização seria

através da institucionalização de um Sistema Nacional de Educação (SNE), que, após a

Emenda Constitucional nº 59/2009, foi previsto no Plano Nacional de Educação 2014-

2442 como um dever do Estado.

No entanto, apesar de ser estabelecido em uma meta do PNE com data limite

para cumprimento marcada para 2016, a institucionalização do SNE ainda não foi

concretizada, o que demonstra a baixa prioridade que o estabelecimento de um regime

de colaboração para o governo brasileiro.

4. A inclusão do CAQi: a mudança na lógica do financiamento da

educação e os possíveis impactos no investimento em educação e na

redução das desigualdades regionais

Analisando as políticas de fundo aplicadas nos últimos anos, podemos

compreender que a lógica do financiamento da educação no Brasil se baseia quase

41 No processo de regulamentação do regime de colaboração, há que se levar em conta um grande desafio para as relações intergovernamentais no Brasil: o estabelecimento de uma justa distribuição de poder, autoridade e recursos entre os entes federados, garantindo a independência e interpenetração dos governos nacional e subnacionais sem que haja comprometimento de um projeto de desenvolvimento nacional, no qual um dos elementos é a educação (ARAÚJO, 2010a, p. 764) 42 A previsão a respeito do Sistema Nacional de Educação consta na meta 20.9 do PNE: “20.9) regulamentar o parágrafo único do art. 23 e o art. 211 da Constituição Federal, no prazo de 2 (dois) anos, por lei complementar, de forma a estabelecer as normas de cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, em matéria educacional, e a articulação do sistema nacional de educação em regime de colaboração, com equilíbrio na repartição das responsabilidades e dos recursos e efetivo cumprimento das funções redistributiva e supletiva da União no combate às desigualdades educacionais regionais, com especial atenção às regiões Norte e Nordeste” (BRASIL, 2014)

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exclusivamente em questões estritamente monetárias, sem que a questão da qualidade

faça parte das decisões, como Jesus (2012, p.217) destaca:

No estabelecimento do valor-aluno-ano, o principal parâmetro utilizado constituiu-se das estimativas de recursos de impostos disponíveis, considerando a vinculação e os fundos constitucionalmente estabelecidos. Assim, a prioridade está condicionada aos recursos orçamentários, e não às necessidades do setor educacional. Dessa forma, não existia uma efetiva participação da sociedade na construção dos referenciais, na discussão orçamentária e mesmo na definição do valor/aluno/ano. Cabia ao Governo Federal tomar as decisões e deliberações a partir de critérios estabelecidos pelo próprio Executivo, tendo sempre como referência a posição da “equipe econômica”.

Assim, verifica-se que a lógica vigente na política dos fundos é a monetária, o

valor a ser investido por aluno é determinado pela quantidade de recurso disponível e

não pela qualidade da prestação educacional que se pretende oferecer, ou do sistema

educacional que se pretende construir. A ideia do CAQi, diferentemente, foi

desenvolvida considerando-se primeiramente as condições essenciais necessárias para

o oferecimento de uma educação de qualidade (PITO; CARREIRA, 2007). Dessa forma,

obtém-se um valor que deve ser investido para que esse padrão de qualidade seja

assegurado, de acordo com critérios objetivos. Essa concepção muda a lógica do

financiamento da educação, retira-se do centro das decisões o fator monetário,

substituindo-o pelo fator qualidade.

A mudança da lógica do financiamento da educação é a chave para que seja

oferecida uma educação de qualidade e que se aumente o potencial redutor de

desigualdades regionais na sua prestação.

Conforme verificamos anteriormente, a maior participação da União foi um

ponto central para se garantir o potencial de redução das desigualdades regionais das

políticas de fundo de financiamento da educação. No entanto, ainda existem mudanças

que precisam ser efetivadas no sentido de maximizar esse potencial de redução de

desigualdades, a fim de que elas sejam efetivamente superadas, por meio do

oferecimento de uma educação de qualidade em todo o território nacional.

Mas afinal, em que medida a inclusão do CAQi na política de financiamento

atual mudaria a forma de relação dos entes federativos na constituição do

financiamento e qual seria o seu impacto na redução das desigualdades regionais? Para

responder a essas questões, inicialmente é preciso levar em conta a dimensão de quanto

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dinheiro a mais deveria ser incluído na política de financiamento para que fosse

assegurado o CAQi.

Conforme mencionado anteriormente, os valores do CAQi foram apresentados

no Parecer CEB/CNE nº8/2010, seus cálculos foram baseados no oferecimento de

alguns insumos considerados essenciais para a prestação de uma educação de

qualidade. No Quadro 01 podemos verificar a comparação entre os valores aluno/ano

mínimo do Fundeb de 2012 e os valores previstos para o CAQi atualizados para o

mesmo ano.

A diferença entre os valores do CAQi e dos valores praticados no Fundeb em

alguns casos é muito grande, como acontece com a creche, que apresenta um valor duas

vezes menor no Fundeb. Em outros casos, representa uma pequena diferença, como é o

caso dos anos finais do ensino fundamental urbano, cuja diferença entre os dois valores

é de R$600,00.

Quadro 01 – Valores de referência do CAQi em comparação com valores aluno

por ano do Fundeb – 2012 (valores nominais)

Etapa / Modalidade Valor Mínimo

Fundeb

Fonte/Cálculo Valor CAQi

Creche (integral) 2.725,69 CAQi 8.288,28

Creche (parcial) 1.677,35 CAQi + Fundeb* 5.097,29

Pré-escola (integral) 2.725,69 CAQi+Fundeb* 4.171,77

Pré-escola (parcial) 2.096,68 CAQi 3.209,05

EF anos iniciais – urbano 2.096,68 CAQi 3.060,29

EF anos finais – urbano 2.306,35 CAQi 2.996,53

EF anos iniciais – rural 2.411,19 CAQi 5.057,98

EF anos finais – rural 2.516,02 CAQi+Fundeb* 3.867,86

EF (integral) 2.727,69 CAQi 3.978,38

EM – urbano 2.516,02 CAQi 3.081,54

EM – rural 2.725,69 CAQi+Fundeb* 3.867,86

Educação Especial 2.516,02 CAQi 6.120,50

EJA 1.677,35 CAQi 3.060,29

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Obs: *nos casos em que o Parecer CEB/CNE nº 8/2010 não estabeleceu um valor para

o CAQi, usou-se o valor por aluno do CAQi para a etapa correspondente o fator de

ponderação do Fundeb. Fonte: FINEDUCA, 2013

Para se entender o impacto que a inclusão do CAQi teria no montante destinado

à educação é necessário considerar o cenário geral, verificar quanto é investido através

do Fundeb, quanto seria necessário para implementar o CAQi e qual a diferença entre

os dois valores. Em 2012, foram destinados ao Fundeb cerca de R$ 101 bilhões

acrescidos de uma complementação de cerca de R$ 9,5 bilhões. Para a efetivação dos

valores do CAQi seriam necessários um pouco mais de R$147,5 bilhões, o que

representaria uma complementação da União de aproximadamente R$46,5 bilhões.

Esse montante representa uma complementação cinco vezes maior da União, o

que pode ser visto como um aumento considerável, no entanto, quando analisamos

esses valores como percentuais do PIB, verificamos que o aumento necessário para a

garantia do CAQi é de apenas 1,05% do PIB. No Brasil investe-se anualmente cerca de

40 a 50% do PIB para o pagamento dos juros da dívida, o que torna irrisório o valor

necessário para a inclusão do CAQi na política de financiamento da educação.

Segundo estudo da Fineduca (2013), os valores do CAQi ficam próximos aos

valores aluno/ano praticados pelo estado de São Paulo, o que implicaria em uma

complementação da União, em maior ou menor escala para quase todos os estados,

aumentando o potencial equalizador da política. A partir dessa afirmação, dois

questionamentos importantes podem ser feitos: (i) por que seria necessária a

complementação da União para o estado de São Paulo, o estado com maior potencial de

arrecadação de impostos do país? E (ii) os valores estabelecidos pelo CAQi seriam

suficientes para garantir uma educação de qualidade e reduzir as desigualdades

regionais?

Para responder à primeira pergunta é necessário considerar que os valores

praticados pelo Fundeb, mesmo pelos estados mais ricos da federação, ainda estão

defasados em relação aos valores estabelecidos pelo CAQi. É o caso da creche em São

Paulo. O valor apresentado pelo CAQi para a creche é de cerca de R$ 8 mil por aluno,

cerca de 2,7 vezes maior do que o valor aluno/ano para os anos iniciais do ensino

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fundamental urbano; já o valor praticado pelo Fundeb em 2012 para a creche nesse

estado foi de R$ 4.150,55. Note-se que, ainda que estados mais ricos já pratiquem

valores aluno/ano próximos dos valores indicados pelo CAQi, existem algumas

defasagens que devem ser corrigidas e a complementação da União seria essencial para

enfrentar esses desafios.

É importante destacar que, mesmo havendo a complementação da Uni�o em

relação a todos ou quase todos os estados brasileiros, ela não se daria na mesma

proporção para todos eles, pois estados pertencentes a regiões mais pobres do país,

como o Norte e Nordeste, ficariam com cerca de 56% dos recursos repassados.

(FINEDUCA, 2013). Segundo Araújo (2014), fica clara a importância de uma maior

complementação da União para a efetivação e o aprofundamento de políticas

redistributivas que induzam comportamentos mais equânimes, visando a superação do

quadro de desigualdades no Brasil.

Para responder à segunda pergunta é necessário compreender que o CAQi não

configura o valor ideal para o financiamento de uma educação de qualidade, mas

representa apenas o primeiro passo para a consecução do CAQ, que o representa.

Assim, os esforços para a inclusão do CAQi apontam para um caminho que deve ser

percorrido para que seja efetivada uma educação com um padrão nacional de

qualidade. A esse respeito Pinto (2015) destaca:

Considerando que esse valor é próximo daquele já disponibilizado pelo Fundeb em São Paulo – estado cujas redes públicas ainda possuem fontes adicionais razoáveis advindas dos recursos vinculados ao ensino e que não compõem o Fundeb e, mesmo assim, suas escolas, tanto da rede estadual de ensino quanto das redes municipais, apresentam sérios problemas relacionados à qualidade –, pode-se afirmar que o CAQi é apenas um primeiro passo rumo a um ensino de qualidade. Aproximar o padrão de financiamento de todas as escolas públicas do País ao padrão de São Paulo seria uma revolução em termos de criação de um sistema nacional de educação, mas o Brasil ainda estaria longe de um ensino de qualidade. O horizonte a se atingir nessa caminhada é o CAQ (Custo Aluno Qualidade).

Em estudo realizado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação (2009),

verificou-se que o montante que deveria ser acrescido à educação ao longo dos dez anos

de vigência do PNE para que os parâmetros de qualidade propostos fossem cumpridos

seria da ordem de aproximadamente R$ 170 bilhões, o que correspondia, na época, a

5% do PIB, metade do previsto na meta 20 do PNE, relativa a um investimento em

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educação, correspondente a 10% do PIB em dez anos. O cumprimento dessa meta

depende de uma atuação direcionada da União para que os recursos sejam

efetivamente destinados à educação. Segundo José Marcelino de Rezende Pinto (2015),

a implementação do CAQ está em um futuro longínquo, porém a garantia de uma

educação de maior qualidade hoje é completamente plausível, a depender também de

uma atuação maior da União para isso:

[...] as simulações apontam que o Brasil pode sim chegar a um padrão de gasto por aluno que é mais que o dobro dos melhores valores aluno do Fundeb (Roraima e São Paulo), garantindo uma ampliação da oferta concomitante na educação infantil, no ensino médio e nas modalidades de educação de jovens e adultos (EJA) e educação do campo. E isso em um horizonte de seis anos. A única forma de viabilizar essa expansão será mediante um novo pacto federativo no qual a União passe a ter um papel mais proeminente no financiamento da educação básica. [...] Portanto, a iniciativa está nas mãos da União, e o Fundeb ainda é o melhor meio para viabilizar uma mudança de qualidade na educação brasileira.

É necessário destacar, como acima mencionado, que o PNE representa um

instrumento de direcionamento da atuação da União, de caráter vinculante, visando à

superação de sua omissão na implementação das mudanças na política de

financiamento. No entanto, diante do cenário brasileiro de constantes violações ao

direito à educação, embora existam garantias jurídicas, na prática não existe garantia

de que as suas estratégias serão cumpridas, ou que não serão interpretadas de maneira

a contrariar o propósito do próprio PNE (XIMENES, 2014).

Exemplo de ameaça ao efetivo cumprimento da progressividade no

oferecimento dos direitos sociais é a Emenda Constitucional nº 95/2016 que, apesar de

não incluir em sua limitação de gastos as receitas do Fundeb, aponta para uma

tendência da União em limitar os custos, e não em ampliar as destinações. Faz-se

necessária uma análise dos impactos das limitações de gastos gerados por essa emenda

para os serviços sociais e em especial para a educação, porém, esse não foi o objetivo do

presente estudo.

Assim, torna-se cada vez mais necessário o fortalecimento das previsões a

respeito do oferecimento da educação no Brasil, o estabelecimento de um regime de

colaboração efetivo entre os entes federados e o controle social sobre o cumprimento

das metas e estratégias do PNE, de modo a não permitir a omissão e os retrocessos no

oferecimento das prestações educacionais, principalmente por meio do fortalecimento

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de uma política de financiamento que tenha por base a prestação de uma educação de

qualidade e como objetivo a redução das desigualdades regionais:

Nesse sentido, busca-se um desempenho mais efetivo da União ao garantir a implantação do CAQ, bem como o do CAQi, para que um padrão mínimo de qualidade para o ensino público se efetive. Desse modo, é imprescindível que se estabeleça de forma clara e efetiva os prazos e participação financeira de cada ente federado, para que tal estimativa se torne uma realidade nas escolas públicas do país. Outro grande desafio posto no PNE, que não se pode deixar de ponderar, é a regulamentação do regime de colaboração entre os entes federados, ou seja, uma justa redistribuição de responsabilidades, para que as metas sejam cumpridas, na esperança de um efetivo avanço na educação brasileira. (FERNANDES e SANTOS, 2017, p.9)

Considerações Finais

Analisando as políticas de financiamento atualmente em vigor no Brasil,

verificamos que, apesar de apresentar um potencial de redução de desigualdades

regionais na oferta da educação, ainda é necessário que haja o seu aprimoramento para

que esse potencial se torne mais efetivo.

A proposta do presente artigo foi a de analisar de que forma a inclusão do CAQi

no Fundeb poderia contribuir como um mecanismo de redução das desigualdades

regionais. Assim, concluímos destacando que a inclusão do CAQi atuaria inicialmente

de modo a mudar a lógica do financiamento da educação básica no Brasil. A lógica

vigente tanto no Fundef quanto no Fundeb é baseada na disponibilidade de recursos,

ou seja, destinam-se recursos para a educação e divide-se o valor pelos alunos

atendidos pela rede pública de ensino. No entanto, essa lógica não é pautada por

critérios que garantam padrões nacionais mínimos para uma educação de qualidade. A

inclusão do CAQi no Fundeb possibilitaria a inversão dessa lógica, pois de acordo com

esse instrumento, primeiro determina-se o padrão de qualidade que queremos oferecer

e depois determinam-se os valores necessários para essa prestação. Essa lógica, que

privilegia a garantia da qualidade da educação é necessária para que se reduza as

inúmeras desigualdades no tocante aos serviços de educação ofertados no país.

É necessário destacar aqui que a quantidade de recurso investido na educação

não é o único fator responsável para a melhoria na sua qualidade, mas representa um

fator importante para permitir que esse objetivo se concretize.

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Além disso, ao estabelecer o CAQi como critério para a aplicação de recursos na

educação, garante-se um valor nacional que proporciona uma educação com um padrão

mínimo de qualidade. Garante-se, assim, que todos os entes federativos investirão um

mesmo valor por aluno, o que reduz a diferença entre os estados, promovendo um

quadro que possibilita a efetiva superação das desigualdades regionais na oferta da

educação. Isso não é possível em um fundo que estabelece 27 valores aluno/ano

diferentes e que, mesmo com a complementação da União, ainda possuem uma grande

distância um do outro.

Como vimos, de acordo com os critérios estabelecidos pelo CAQi, chegaríamos a

valores aluno/ano próximos dos praticados por São Paulo, um dos mais altos do país.

Para a sua implementação em todos os estados seria necessário um montante de

aproximadamente 1% do PIB. Não existe uma forma de conseguir esse valor sem uma

atuação da União complementando o fundo, que passaria a ser muito mais compatível

com a sua capacidade de arrecadação.

A importância da participação da União na política de financiamento ficou

evidente com o Fundeb, pois por meio dessa politica de financiamento, uma

complementação maior da União ao fundo permitiu um salto gigantesco na superação

das desigualdades regionais, como foi possível ver na transição do Fundef para o

Fundeb. Além disso, a participação da União possibilita um maior equilíbrio dentro da

política do fundo, uma vez que com a sua atuação, os valores são estabelecidos de

forma mais equânime e as redes de ensino recebem recursos proporcionais às suas

responsabilidades.

Assim, demonstra-se que a inclusão do CAQi no Fundeb possibilitaria o

aumento do potencial dessa política não para uma lenta redução das desigualdades,

mas para uma efetiva superação do quadro das desigualdades regionais no

oferecimento da educação. Somente através de uma política educacional que tenha

como prioridades o estabelecimento de uma educação de qualidade e a redução das

desigualdades regionais é que se torna possível a implementação de padrão nacional de

qualidade.

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Cabe, no entanto, destacar dois pontos importantes que podem vir a ser objetos

de pesquisas posteriores: a atuação do governo federal frente à redução dos custos dos

direitos sociais no país através da Emenda Constitucional nº 95/2016 e a atual

negociação do Projeto de Emenda Constitucional que visa estabelecer a permanência

do Fundeb. Como a EC de limite dos gastos não abarca os recursos do Fundeb, muitos

especialistas apontam a configuração do Fundeb permanente como a salvação da

educação nos próximos 20 anos.

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ARTIGO 4:

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A BUSCA ATIVA COMO ESTRATÉGIA PARA A GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO INFANTIL43 Autoras: Alessandra Gotti. Ana Carolina Esposito Vieito. Introdução O objetivo do presente artigo é analisar a busca ativa como estratégia-chave para a garantia do direito à educação infantil e, consequentemente, o cumprimento da meta 1 da Lei nº 13.005/2014, que aprovou o Plano Nacional de Educação (PNE), para o decênio de 2014-2024.

De acordo com o Anuário Brasileiro da Educação Básica 201744, no que se refere à educação infantil, o percentual de crianças de 0 a 3 anos que frequentam a escola no Brasil, em 2015, é de 30,4%, segundo o IBGE-PNAD. Todavia, enquanto 52,3% das crianças 25% mais ricas estão na escola esse percentual é de 21,9% para as 25% mais pobres. Há diferenças também quando se considera o fator raça/cor: 34% brancos, 26,4% pardos e 33% pretos. O contraste entre o acesso da população de 0-3 anos à creche no Amazonas (9,7%) e em São Paulo (43,5%) revela a desigualdade regional.

Já no tocante à pré-escola, o percentual de atendimento de crianças de 4 e 5 anos

é de 90,5% no mesmo período. Relativamente à equidade, 96,3% das crianças 25% mais ricas estão na escola, enquanto para as 25% mais pobres esse percentual é de 88,3%. Da mesma forma, quando se considera o fator raça/cor, há uma oscilação no percentual de crianças: 91,6% brancos, 89,8% pardos e 87,3% pretos. É nesse cenário que se interesse a meta 1 – Educação Infantil do PNE, cujo objetivo é “universalizar, até 2016, a Educação Infantil na pré-escola para as crianças de 4 a 5 anos de idade e ampliar a oferta de Educação Infantil em Creches de forma a

43 Pesquisa financiado pelo MackPesquisa (Projeto de Pesquisa: “Mecanismos Jurídicos de articulação, institucionalização e controle de políticas públicas educacionais primordiais para o acesso à educação básica de qualidade”). 44 “Meta do PNE: Educação Infantil”. Todos pela Educação e Moderna Editora (Org.). In: Anuário da Educação Básica 2017. Endereço eletrônico: https://www.todospelaeducacao.org.br//arquivos/biblioteca/anuario_brasileiro_da_educacao_basica_2017_com_marcadores.pdf. Acesso: 29/12/2017.

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atender, no mínimo, 50% das crianças de até 3 anos até o final da vigência deste PNE”, e, especialmente, os desafios ao seu cumprimento. 1. O direito à educação e a primeira infância A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) representou um grande marco na garantia do direitos sociais em geral e, em especial do direito à educação (art. 6º), conferindo à União, ao Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios competência comum para proporcionar os meios de acesso à educação (art. 23, V). Segundo o artigo 205 da CRFB/88, a educação é um direito de todos e dever do Estado e da família, que deverá ser garantido com absoluta prioridade à criança, adolescente e ao jovem (art. 227).

No que diz respeito à educação infantil, o artigo 208, IV, prevê que é dever do Estado garanti-la, em creche e pré-escola, às crianças até 5 anos de idade. Previu que compete aos Municípios manter programas de educação infantil, em cooperação técnica e financeira com a União e o Estado (art. 30, VI e art. 211, §2º), ressaltando a função redistributiva e supletiva da União, no art. 211, §1º, para garantir a equalização de oportunidades educacionais e o padrão mínimo de qualidade do ensino, mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.

Com a Emenda Constitucional nº 59/2009, o dever do Estado de ofertar

educação básica obrigatória e gratuita passou a contemplar a pré-escola e o ensino médio, abrangendo, portanto, a faixa etária dos 4 aos 17 anos de idade, além de assegurar sua oferta para os que não tiveram acesso na idade própria. Previu, ainda, esta Emenda Constitucional que a etapa da pré-escola deveria ser universalizada até 2016. No tocante à legislação infraconstitucional, há que se mencionar a Lei nº 8.069/1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade o direito à educação (art. 4º), compreendendo a garantia de prioridade, a preferência na formulação e na execução das políticas públicas sociais (art. 4°, parágrafo único, alínea “c”) e a destinação privilegiada de recursos públicos art. 4°, parágrafo único, alínea “d”). No tocante à educação infantil, prevê, em seu art. 54, o dever do Estado de assegurar atendimento em creche e pré-escola às crianças de 0 a 5 anos de idade.

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Merece destaque, ainda, a Lei nº 9.394/1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que contempla o dever do Estado de garantir a educação infantil gratuita de até 5 anos de idade (art. 4º, II), a qual deve oferecida pelos Municípios (art. 11, V), com assistência técnica e financeira da União (art. 9º, III). O objetivo da educação infantil, conforme o art. 29 da LDB, é o desenvolvimento integral de crianças de até 5 anos de idade, em seus aspectos físicos, psicológicos, intelectual e social. O art. 30, por sua vez, estabelece que a educação infantil deve ser ofertada em creches ou entidades, para crianças de até 3 anos de idade, e, em pré-escolas, para as crianças de 4 a 5 anos de idade. Por fim, o art. 31 prevê as regras para a organização da educação infantil. Cabe destacar ainda que, segundo o art. 58, §3º, a educação especial tem início na educação infantil. O Marco Legal da Primeira Infância, instituído pela Lei nº 13.257/2017, considera a educação infantil uma das áreas prioritárias para as políticas públicas para a primeira infância (art. 5º). Por sua vez, o art. 16 determina que a expansão da educação infantil deve ser feita de maneira a assegurar a qualidade da oferta, tanto no tocante à infraestrutura, quanto à qualificação de profissionais e materiais pedagógicos utilizados. 2. O direito à educação infantil no PNE

A Lei nº 13.005/2014, que aprovou o PNE, para o decênio de 2014-2024, definiu 20 metas para a educação brasileira, bem como 254 estratégias para o atingimento das metas. A meta nº 1 dispõe sobre a universalização da pré-escola, até 2016, para as crianças de 4 e 5 anos e a ampliação da oferta da educação infantil em creches, de modo a atender, no mínimo, 50% das crianças de até 3 anos até o final da vigência deste PNE. Para o seu cumprimento, é necessário o planejamento da expansão necessária das respectivas redes de atendimento, o que somente pode ser feito, de forma adequada, com o levantamento da demanda existente, a qual é objeto das estratégias 1.3, 1.4, 1.15 e 1.16:

1.3) realizar, periodicamente, em regime de colaboração, levantamento da demanda por creche para a população de até 3 (três) anos, como forma de planejar a oferta e verificar o atendimento da demanda manifesta;

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1.4) estabelecer, no primeiro ano de vigência do PNE, normas, procedimentos e prazos para definição de mecanismos de consulta pública da demanda das famílias por creches; 1.15) promover a busca ativa de crianças em idade correspondente à educação infantil, em parceria com órgãos públicos de assistência social, saúde e proteção à infância, preservando o direito de opção da família em relação às crianças de até 3 (três) anos; 1.16) o Distrito Federal e os Municípios, com a colaboração da União e dos Estados, realizarão e publicarão, a cada ano, levantamento da demanda manifesta por educação infantil em creches e pré-escolas, como forma de planejar e verificar o atendimento;

Assim, dentre as estratégias previstas no PNE, figura no item 1.15 a promoção da

busca ativa de crianças em idade correspondente à educação infantil, que será melhor enfocado no próximo tópico deste artigo. Buscando o aprimoramento da educação brasileira, além do PNE, foram aprovados planos de educação no âmbito dos Estados e Municípios, prevendo metas a serem cumpridas nos prazos que estipulam. Apenas a título ilustrativo, destaca-se a meta relacionada à educação infantil, no Estado de São Paulo e no Município de São Paulo.

O Plano Estadual de Educação de São Paulo e a Meta 1 – Educação Infantil A Lei Estadual nº 16.279/2016, que aprovou o Plano Estadual de Educação do Estado de São Paulo (PEE-SP), previu como meta 1:

Universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches, de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos até 2023.

Dentre as estratégias relativas ao levantamento da demanda, destacam-se as seguintes:

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1.5. Garantir, em regime de colaboração entre o Estado, os Municípios e a União, a equidade na oferta do atendimento educacional nas diversas regiões administrativas, a partir de estudo de demanda atualizado periodicamente. 1.7. Realizar, periodicamente, em regime de colaboração entre o Estado e os Municípios, levantamento da demanda por creche para a população de até 3 (três) anos, como forma de planejar o atendimento. 1.8. Estabelecer, em regime de colaboração entre o Estado e os Municípios, normas, procedimentos e prazos para definição de mecanismos de chamada pública, para identificar a demanda por creches. 1.18. Estimular a busca ativa, pelos Municípios, de crianças em idade correspondente à educação infantil, em parceria com órgãos públicos de assistência social, saúde e proteção à infância, preservando o direito de opção da família em relação às crianças de até 3 (três) anos.

O Plano Municipal de Educação de São Paulo e a Meta 5 – Educação Infantil No âmbito municipal, a Lei 16.271/2015, que instituiu o Plano Municipal de Educação do Município de São Paulo (PME-SP), prevê, na meta 5, “universalizar, até 2016, a Educação Infantil para as crianças de 4 (quatro) e 5 (cinco) anos de idade e assegurar, durante a vigência do Plano, atendimento para 75% das crianças de zero a 3 anos e 11 meses ou 100% da demanda registrada, o que for maior”. Dentre as estratégias, merece destaque a 5.8 que dispõe sobre a promoção, através da Secretaria Municipal de Educação, da busca ativa de crianças em idade correspondente à Educação Infantil, em parceria com órgãos públicos de assistência social, saúde e proteção à infância, preservando o direito de opção da família em relação às crianças de zero até 3 anos. Como se observa, a busca ativa foi prevista como uma das estratégias para a implementação da meta relativa à educação infantil no PNE, no PEE-SP e no PME-SP. Fazendo-se um balanço, verifica-se que, embora o atendimento das crianças de 4 a 5 anos, em 2015, era de 90,5%, ainda estava distante da meta de universalização prevista na Emenda Constituição nº 59/2009 e na meta 1 do PNE, do PEE-SP e do

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PME-SP. Isso sem considerar as desigualdades regionais: no Amapá o percentual de atendimento em pré-escola é 70,2%, enquanto que, em São Paulo, chega a 93,8%. A situação é mais crítica no tocante à meta de atendimento de 50% das crianças de 0 a 3 anos. Segundo o Anuário Brasileiro da Educação Básica 2017, “mantida a atual taxa de crescimento, o atendimento estabelecido na meta só se dará em 25 anos. Ainda mais grave é a má distribuição desse atendimento, que vem sendo insuficiente para reparar desigualdades históricas da sociedade brasileira, como se vê no quadro abaixo”45. 3. A busca ativa como estratégia para garantia do direito à educação infantil Para que o atingimento da educação infantil na etapa da creche não seja atingido em 25 anos, é fundamental que seja feito o dimensionamento da quantidade de crianças a serem atendidas em cada município e, posteriormente, o planejamento da expansão necessária da rede de atendimento, prevendo-se metas ao longo do tempo para sua concretização. O levantamento da demanda é, portanto, elemento crucial para o adequado planejamento, pois somente a partir dele será possível verificar a parcela já atendida da população e planejar a expansão da sua oferta. A respeito dos mecanismos de levantamento previstos no PNE, esclarecem Salomão Ximenes e Ananda Grinkraut que:

O novo PNE, como se vê, estipula um detalhado regime de levantamento periódico da demanda por creches e pré-escolas, articulando-o ao planejamento público e à busca ativa. Foi previsto o estabelecimento, já no primeiro ano de vigência do Plano, de normas, procedimentos e prazos para o levantamento regular da demanda das famílias por creches. Tal regulamentação, em termos gerais, pode se dar em âmbito nacional, o que não exime os municípios da obrigação de estabelecerem normas próprias sobre o assunto. As estratégias 1.3 e 1.16 coincidem em muitos pontos, ao estabelecerem parâmetros para a regulamentação e aplicação das obrigações de levantar e de publicar a demanda manifesta. Esta última estabelece que tal levantamento e

45 Ibid., p. 17.

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publicação deve acontecer a cada ano e deve abranger toda a educação infantil, ainda que o conceito de demanda manifesta se adeque às etapas de escolaridade não obrigatórias. Os propósitos legais são analisar a efetividade das políticas de promoção do acesso e possibilitar a atualização do planejamento nesse campo. Previu-se também a promoção da busca ativa de crianças em idade correspondente à educação infantil, tendo como propósitos: a) instrumentalizar as políticas de universalização da pré-escola, possibilitando que sejam alcançadas aquelas crianças em situação de vulnerabilidade e exclusão, e b) enfrentar as desigualdades socioeconômicas no acesso à creche, por meio do estímulo à matrícula e frequência por parte das crianças dos estratos mais pobres. Nesse sentido, essa é uma estratégia complementar à meta de equalização já analisada (Estratégia 1.2). Esses mecanismos de levantamento, estímulo e publicização da demanda tornam o processo de matrícula e as listas de espera, quando houver, mais transparentes e plausíveis de controle social, evitando a reprodução de práticas clientelistas e antidemocráticas nas políticas públicas de educação infantil. Também são essenciais para possibilitar um planejamento mais próximo da realidade, das demandas e necessidades da população local. A busca ativa de crianças na idade correspondente à educação infantil, mas que ainda não estão matriculadas, contribuirá para uma efetiva universalização do atendimento das crianças de 4 e 5 anos, e para o acesso das crianças pequenas que as famílias assim o desejarem46.

O levantamento da demanda deve englobar não apenas a demanda manifesta, com a divulgação das listas de espera eventualmente existentes, mas também aquela não manifesta, a qual é identificada e quantificada pela realização da busca ativa de crianças em uma dada faixa etária. Para avaliar o cumprimento da meta 1 do PNE, o Tribunal de Contas da União (TCU) realizou uma auditoria (TC 025.153/2016-1 - Fiscalização de Orientação Centralizada) para avaliar as medidas adotadas pelo governo federal e pelas prefeituras municipais para dar concretude à meta relativa à educação infantil.

46 XIMENES, Salomão; GRINKRAUT, Ananda. “Acesso à educação infantil no novo PNE: parâmetros de planejamento, efetivação e exigibilidade do direito”. In: De Olho nos Planos. p. 11 e 12. Endereço eletrônico: http://www.deolhonosplanos.org.br/wp-content/uploads/2014/12/Acesso-%C3%A0-Educa%C3%A7%C3%A3o-Infantil-no-novo-PNE.pdf. Acesso: 29/12/2017.

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A Fiscalização de Orientação Centralizada – FOC, realizada com o apoio de 17 secretarias regionais (Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, São Paulo e Tocantins), coletou informações de 815 municípios, por meio da aplicação de um questionário e de entrevistas in loco. A demanda não manifesta, que é identificada e quantificada pela busca ativa, abrange, segundo a SecexEducação, “de um lado, as crianças fora da escola cujos responsáveis não buscaram realizar sua matricula, mas têm a obrigação constitucional-legal de serem atendidas (idade escolar obrigatória), e, de outro, as crianças que, embora não estejam na faixa etária correspondente à educação básica obrigatória, necessitam do atendimento estatal, sendo a razão para a não manifestação do seu interesse o desconhecimento acerta do serviço gratuito ofertado pelo Estado ou alguma condição de vulnerabilidade socioeconômica (por exemplo, extrema pobreza da família)”47.

Na medida em que a busca ativa localiza as crianças que se encontram fora da escola, mas que deveriam estar nela, seja porque se inserem na faixa etária de educação obrigatória, seja em função da sua condição socioeconômica, é uma ferramenta indutora do acesso escolar das crianças mais vulneráveis, como observa a SecexEducação48. É oportuno destacar que a busca ativa é fundamental não apenas para a definição da meta de expansão da rede (estratégia 1.1), mas para garantir a equalização do atendimento educacional (estratégia 1.2), que prevê que, ao final da vigência do PNE, a diferença entre as taxas de frequência à educação infantil das crianças de até 3 anos oriundas do quinto de renda familiar per capita mais elevado e as do quinto de renda familiar per capita mais baixo seja inferior a 10%. Segundo o Observatório do PNE, em 2015, esse percentual era de 31,8%49. 4. Desafios e perspectivas para a implementação da busca ativa na visão do TCU A auditoria relativa à meta 1, realizada pelo TCU, apontou que, apesar da oferta da educação infantil ser incumbência municipal, 45% dos Municípios pesquisados não

47 TCU – Plenário – Relatório de Auditoria - TC 025.153/2016-1 – Relatora Ministra Ana Arraes – Relatório, p. 14 (itens 99 e 100). 48 Ibid., p. 28 (item 193). 49 Observatório do PNE. Endereço eletrônico: http://www.observatoriodopne.org.br/metas-pne. Acesso: em 29/12/2017.

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realiza o levantamento da demanda e, quando o faz, não há evidências de que o dado é de fato utilizado para o planejamento da expansão da rede de atendimento50. A SecexEducação apontou que, a despeito das estratégias 1.3 e 1.16 mencionarem a colaboração interfederativa para o levantamento da demanda, observa-se a ausência de orientação efetiva do governo federal. “Ante a ausência de direcionamento, muitos municípios deixam de realizar o levantamento, e outros que o realizam, o fazem de modo inadequado ou insuficiente. Por seu turno, o desconhecimento da demanda prejudica o planejamento da oferta, uma vez que o ente não consegue precisar o esforço de expansão necessário para atender a população local”51. A fiscalização apurou, ademais, que boa parte dos municípios não implementou processo de busca ativa, em grande medida porque muitos gestores não têm pleno conhecimento do que ela é e de como pode realizá-la, também por falta de orientação do governo federal, entre outros fatores, pela ausência de orientação do Ministério da Educação (MEC)52.

Nesse sentido, constatou a SecexEducação que “não estão claras, para grande parte dos municípios pesquisados, as atribuições e formas de atuação dos diversos agentes responsáveis pela busca ativa. Dos municípios respondentes não visitados, 37% não concordam com a afirmação de que ‘as competências dos principais atores envolvidos com a execução das ações de busca ativa estão identificadas’ (questão 7.2 do questionário). Entre os entes visitados, o índice de não concordância é ainda maior, de 47%”53.

Tais falhas foram atribuídas pela SecexEducação à deficiência dos mecanismos

de governança da meta 1 do PNE, dada a ausência de uma definição clara e formal das atribuições dos principais atores, já que relega a explicitação da forma como se dará o regime de colaboração ao Sistema Nacional de Educação (art. 13, PNE) e da instância permanente de negociação e cooperação entre os entes da federação (art. 7º, §5º e §6º, PNE), ainda não implantados.

50 Relatório de Auditoria (TCU), p. 16 (item 117). 51 Ibid., p. 24 (item 162). 52 Idem, p. 29 e seguintes. 53 Idem, p. 32 (item 232).

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A implementação dos mecanismos de levantamento não é trivial, já que os dados populacionais do Censo (2010), coletados pelo IBGE a cada 10 anos, estão defasados e não correspondem à realidade demográfica dos municípios. Não prescindem, portanto, para serem adequadamente feitos de orientação ou ajuda técnica do governo federal.

O relatório da auditoria elencou experiências de alguns municípios visitados

para o levantamento da demanda: Técnicas de projeção ou atualização dos bancos de dados existentes: em Vila Velha/ES o diagnóstico da situação local é feito a partir de informações do Censo atualizadas pelo Instituto Jones dos Santos Neves, órgão de pesquisa do governo capixaba, em parceria com o Ministério Público Estadual do Espírito Santo; Censo demográfico atrelado à consulta ao Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos da Secretaria de Saúde do Estado do Paraná: Curitiba/PR quantifica o número de crianças nascidas no município desde a realização do último Censo Populacional. Esse município ainda aplica, sobre a estimativa de crianças na faixa etária correspondente à educação infantil, um fator de correção de 1%, a fim de contemplar possíveis saldos migratórios positivos. Uso de registros da assistência social e da saúde: é o que ocorre, por exemplo, em Maceió/AL e Santana do Ipanema/AL. Já no tocante à busca ativa propriamente dita, foram apontadas pela

SecexEducação as seguintes estratégias adotadas por alguns municípios: Uso de informações oriundas das áreas de assistência social e saúde: em Imbituva/PR, a Secretaria Municipal de Educação recebe dos órgãos locais de assistência social e saúde fichas cadastrais com os dados de crianças de 0 a 3 anos. Essas fichas são então comparadas com os registros de solicitações de matrícula, para identificação das crianças que não constam da lista de espera por vaga; Agentes comunitários de saúde/educação para promoção de visitas familiares para identificar crianças fora da escola: em Afonso Bezerra/RN, no começo de cada ano letivo, a Secretaria Municipal de Educação realiza visitas domiciliares, conduzidas por professores e outros profissionais de escolas locais, a fim de

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identificar crianças de zero a cinco anos que não estão matriculadas. As visitas também são utilizadas em Aracati/CE, mediante o Programa Onde Anda Meu Aluno. Utilização do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), combinado com visitas de agentes comunitários: em Fortaleza/CE, os gestores municipais afirmaram que, além da utilização do CadÚnico, passaram a empregar em 2017 agentes comunitários de saúde para a realização da busca ativa. Em Camocim/CE, os agentes comunitários já são utilizados para essa finalidade. Já no tocante às oportunidades de utilização de outros bancos de dados e

programas existentes no âmbito federal, a SecexEducação sugeriu o aperfeiçoamento das seguintes medidas para operacionalizar as busca ativa por parte dos municípios:

Atualização dos dados do Portal de Expansão das creches, constante do modulo público do Simec: os próprios municípios poderiam atualizar periodicamente o mapa, mediante a prestação de informações no âmbito do Plano de Ações Articuladas (PAR), que, segundo o MEC já vem sendo feita no ciclo atual do Plano de Ações Articuladas; Critério para seleção de pedido de apoio no âmbito do Proinfância ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE): orientação para que o levantamento da demanda seja feito em todo o território do município, e não apenas no entorno da região da obra pretendida como é exigido atualmente; Utilização do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), gerido pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS): o CadÚnico é um extenso repositório de informações sobre famílias brasileiras em situação de vulnerabilidade econômica e pode ser utilizado para delimitar o universo de crianças carentes residentes no município; Cruzamento dos bancos de dados do CadÚnico e o Censo Escolar da Educação Básica, realizado anualmente pelo Inep: o Censo constitui fonte de informações para a identificação das crianças matriculadas em creches e pré-escolas e, por meio da sua confrontação com o CadÚnico, possibilitará a identificação daquelas que não se encontram na escola;

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Promoção da busca ativa por meio do Programa Criança Feliz, instituído pelo Decreto nº 8.869/16: o programa tem como finalidade promover o desenvolvimento integral de crianças de até 3 anos, em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Para alcançar seus objetivos, o Programa Criança Feliz realiza visitas domiciliares periódicas, por profissional capacitado, as quais podem ser usadas também promover a busca ativa. Ao analisar o relatório de autoria produzido pela Secretaria de Controle Externo

da Educação, da Cultura e do Desporto (SecexEducação), o Plenário do Tribunal de Contas da União (TCU), destacou, no Acórdão nº 2775/2017, prolatado em 06/12/2017, o papel central da busca ativa para o cumprimento da meta 1 e a redução das desigualdades educacionais e determinou, dentre outras coisas, que, em 90 dias, o Ministério da Educação apresente ao TCU plano de ação para implementação das recomendações abaixo indicadas, informando prazo e unidade responsável e justificativa para a não implementação das que não considerar convenientes ou oportunas:

a) deliberar, definir e formalizar as responsabilidades de cada esfera de governo e as formas de cooperação interfederativa para execução das estratégias da Meta 1 do Plano Nacional de Educação, tão logo se reúna a Instância Permanente de Negociação Federativa, instituída pela Portaria MEC 619/2015, tendo em vista o vencimento do prazo de cumprimento da meta de universalização da pré-escola e a obrigatoriedade constitucional de oferta dessa etapa de ensino; b) expedir orientações ao Distrito Federal e aos municípios acerca do levantamento da demanda por educação infantil, indicando boas práticas e possíveis processos e instrumentos de trabalho para:

i. adequada aferição da demanda local; ii. utilização das informações aferidas para verificação do atendimento da

demanda e para planejamento da expansão da oferta, à luz dos compromissos e prazos previstos na Meta 1 do Plano Nacional de Educação;

iii. promoção da publicidade da relação de crianças atendidas e das listas de espera por vaga na rede pública de educação infantil, especialmente sua divulgação na rede mundial de computadores.

c) promover estudos e debates com os entes federados e com os atores que julgar pertinentes, a fim de propor soluções para:

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i. superação de dificuldades relacionadas ao levantamento da demanda em

municípios com grande extensão territorial ou de grupos populacionais específicos, como indígenas, quilombolas e populações itinerantes, de modo que todos sejam contemplados pelo levantamento;

ii. dirimir ou minimizar eventuais conflitos que possam surgir entre demandantes de vagas na rede pública de educação infantil, com a publicidade das listas de atendidos e de espera.

iii. d) criar rotina de trabalho para atualização periódica das informações constantes do “Mapa de Expansão das Creches”, disponível no módulo público do Simec, a partir, por exemplo, das informações coletadas por meio do Plano de Ações Articuladas, a fim de que o Mapa se fortaleça enquanto instrumento de gestão e transparência; e) definir e normatizar critérios de priorização de pedidos de construção de novas unidades escolares do Proinfância com base em estimativa dos déficits de atendimento escolar dos municípios solicitantes, a exemplo do que foi realizado no âmbito da segunda etapa do Programa de Aceleração do Crescimento; f) expedir orientações ao Distrito Federal e aos municípios com a definição do conceito de busca ativa no âmbito da educação infantil, a demonstração da importância de sua implementação e a indicação das possíveis práticas e arranjos institucionais para sua efetivação, a exemplo das instruções operacionais emitidas pelo Ministério do Desenvolvimento Social; g) orientar, de modo detalhado, gestores distritais e municipais a utilizarem os registros administrativos de que dispõem, especialmente os do Cadastro Único e os da rede municipal de educação, para identificar, por meio do cruzamento de dados, crianças de zero a cinco anos que estejam fora da escola; h) expedir orientações ao Distrito Federal e aos municípios para explicitar a responsabilidade destes para com a redução da desigualdade no acesso a creches, disposta na Estratégia 1.2 do PNE, com indicação da possibilidade de estabelecimento de critérios que priorizem crianças economicamente mais vulneráveis no acesso a creches públicas ou conveniadas, esclarecendo a oportunidade de se utilizar o Cadastro Único para Programas Sociais do

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Governo Federal no sentido de verificar objetivamente a renda familiar das crianças demandantes.

Outras iniciativas: Programa Busca Ativa Escolar do Unicef Trata-se de uma plataforma gratuita para ajudar os municípios a combater a exclusão escolar na etapa obrigatória dos 4 aos 17 anos, desenvolvida pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) em parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), o Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas) e o Instituto TIM.

A intenção é “apoiar os governos na identificação, registro, controle e acompanhamento de crianças e adolescentes que estão fora da escola ou em risco de evasão”54. No que diz respeito à busca ativa, comenta Ítalo Dutra, chefe da Educação do Unicef, que:

A proposta é reunir, em cada município, representantes das áreas de Educação, Saúde e Assistência Social, entre outras, para identificar crianças e adolescentes longe das salas de aula, entender as causas da exclusão e tomar as medidas necessárias em cada esfera pública para garantir o acesso à escola, a permanência nela e a aprendizagem de cada menino e menina, em especial os mais vulneráveis. A metodologia e a ferramenta de gestão foram desenvolvidas e testadas inicialmente em oito municípios, no ano passado. Em seguida, passaram por aperfeiçoamentos e foram aplicadas de maneira controlada em mais 24 municípios, em abril deste ano. Por meio de um grande processo de mobilização, o programa ganhou escala nacional a partir de junho de 2017 (saiba mais em <https://buscaativaescolar.org.br/>)”55.

O trabalho é feito por uma equipe multidisciplinar, que envolve profissionais de

diferentes áreas, tais como educação, saúde e assistência social, e que conta com três principais passos: (i) primeiro passo: entender onde estão os meninos e meninas fora da

54 Busca Ativa Escolar. Unicef. Endereço eletrônico: https://buscaativaescolar.org.br/. Acesso em: 30/12/2017. 55 “Fora da Escola não pode!”. In: De Olho nas Metas 2015-16. Sétimo relatório de monitoramento das 5 Metas do Todos pela Educação. 2017. p. 119. Endereço eletrônico: https://www.todospelaeducacao.org.br//arquivos/biblioteca/olho_metas_2015_16_final.pdf. Acesso: 30/12/2017.

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escola; (ii) segundo passo: analisar os fatores de exclusão em cada faixa etária; (iii) terceiro passo: unir esforços em prol de cada criança e adolescente56. A estratégia da Busca Ativa Escolar, lançada pelo Unicef em 2017, a conta com a participação das prefeituras municipais, dos gestores políticos, coordenadores operacionais, supervisores institucionais, técnicos verificadores e agentes comunitários, cada um com um papel específico. Conclusões Para que seja possível cumprir a meta 1 do PNE no prazo nele estipulado é fundamental que seja feito o dimensionamento da quantidade de crianças a serem atendidas em cada município e, posteriormente, o planejamento da expansão necessária da rede de atendimento, prevendo-se metas ao longo do tempo para sua concretização. O levantamento da demanda e a busca ativa são cruciais para guiar o adequado planejamento, pois somente a partir deles será possível verificar a parcela já atendida da população, identificar e quantificar as crianças que estão fora da escola, mas que deveriam estar nela, seja porque se inserem na faixa etária de educação obrigatória, seja em função da sua condição socioeconômica, e, finalmente, planejar a expansão da sua oferta. Não se pode olvidar que a busca ativa é fundamental não apenas para a definição da meta de expansão da rede (estratégia 1.1), mas para garantir a equalização do atendimento educacional (estratégia 1.2), que prevê que, ao final da vigência do PNE, a diferença entre as taxas de frequência à educação infantil das crianças de até 3 anos oriundas do quinto de renda familiar per capita mais elevado e as do quinto de renda familiar per capita mais baixo seja inferior a 10%. Segundo o Observatório do PNE, em 2015, esse percentual era de 31,8%. Para que a busca ativa passe a ser efetivamente utilizada pelos municípios como uma ferramenta para impulsionar o cumprimento da meta, é fundamental o papel do governo federal na difusão e orientação da importância da busca ativa e das possíveis práticas e arranjos institucionais para operacionalizá-la. Com essas ações, estar-se-á mais próximo de garantir o direito à educação infantil dos brasileiros e brasileiras.

56 Ibid., p. 116-119.

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Referências: Anuário da Educação Básica 2017. “Meta do PNE: Educação Infantil”. Todos pela Educação e Moderna Editora (Org.). In: Endereço eletrônico: https://www.todospelaeducacao.org.br//arquivos/biblioteca/anuario_brasileiro_da_educacao_basica_2017_com_marcadores.pdf. BUCCI, Maria Paula Dallari. “Quadro de referência de uma Política Pública: primeiras linhas de uma visão jurídico-institucional”. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patricia Tuma Martins; BRASIL, Patricia Cristina (orgs.). O Direito na Fronteira das Políticas Públicas. São Paulo: Páginas & Letras Editora e Gráfica, 2015. Busca Ativa Escolar. Unicef. Endereço eletrônico: https://buscaativaescolar.org.br/. DUTRA, Ítalo. “Fora da Escola não pode!”. In: De Olho nas Metas 2015-16. Sétimo relatório de monitoramento das 5 Metas do Todos pela Educação. 2017. p. 119. Endereço eletrônico: https://www.todospelaeducacao.org.br//arquivos/biblioteca/olho_metas_2015_16_final.pdf. GOTTI, Alessandra. Direitos Sociais: Fundamentos, Regime Jurídico, Implementação e

Aferição de Resultados. 1ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.

_________. “O corte etário e o direito a ser criança”. In: De Olho nas Metas 2013-2014.

Sexto relatório de monitoramento das 5 metas do Todos pela Educação. São Paulo:

Editora Moderna, 2015.

Observatório do PNE. Endereço eletrônico: http://www.observatoriodopne.org.br/metas-pne. XIMENES, Salomão; GRINKRAUT, Ananda. “Acesso à educação infantil no novo PNE: parâmetros de planejamento, efetivação e exigibilidade do direito”. In: De Olho nos Planos. p. 11 e 12. Endereço eletrônico: http://www.deolhonosplanos.org.br/wp-content/uploads/2014/12/Acesso-%C3%A0-Educa%C3%A7%C3%A3o-Infantil-no-novo-PNE.pdf

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ARTIGO 5:

METAS NORMATIVAS PARA FINS DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS

PÚBLICAS SOBRE ACESSO À EDUCAÇÃO INFANTIL E FORMAÇÃO DE

DOCENTES NA ARGENTINA E NO BRASIL: RELEVÂNCIA E ALCANCE

Autoras: Geisa de Assis Rodrigues, Bárbara Lago Modernell, Isabela Bolfarini e

Caroline Placca

1. Por que vale a pena comparar?

O presente artigo versa sobre resultados preliminares do projeto de pesquisa

“Mecanismos jurídicos de articulação, institucionalização e controle de politicas

públicas educacionais primordiais para o acesso à educação básica de qualidade”,

conduzido por Grupo de Pesquisa interinstitucional envolvendo docentes e discentes, da

graduação e da pós-graduação, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, da

Universidade de São Paulo e da Faculdades Integradas Rio Branco, além de integrantes

da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo e do Ministério Público Federal,

especialmente no tocante a um dos objetivos da investigação acadêmica, que consiste na

análise comparada de políticas públicas de educação básica relacionadas à educação

infantil e à formação de professores de educação básica, sendo a Argentina um dos

países objeto da comparação, tendo como eixo de comparação as metas referentes a

estas temáticas adotadas no Plano Nacional de Educação brasileiro 2014/2024.

O escopo deste artigo se limita à reflexão sobre a relevância e o alcance de

fixação de metas normativas para a implementação de políticas públicas educacionais,

identificando-se as convergências e dissonâncias entre as opções normativas e a sua

contextualização dentro dos dados disponíveis sobre sua avaliação. A pergunta mais

relevante a ser respondida é qual a contribuição de fixação de metas normativas para o

aprimoramento dos níveis educacionais, a partir dos resultados educacionais obtidos nos

dois países.

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A comparação é um método de análise que requer muitos cuidados, como é

consenso tanto na esfera do direito comparado (DANTAS, 1997), quanto na educação

comparada (CATANI & AZEVEDO, 2013). Precisa superar vários desafios, desde o

inócuo discurso meramente descritivo, que pouco contribui para o debate científico, do

qual sempre se espera mais do que meras informações, até as prejudiciais distorções do

objeto de estudo, com indevida redução da complexidade dos fatores comparados e a

sujeição da comparação, muitas vezes de forma implícita, a uma lógica de

hierarquização entre o que se busca cotejar.

Assim, muitos estudiosos das ciências humanas são refratários ao emprego dessa

metodologia, pois a descrição é um passo intrínseco da comparação, e a eleição dos

objetos de comparação sempre obedece a pautas valorativas. Todavia, gestores públicos,

operadores do Direito, agências financiadoras em escala local e global e outros atores

sociais frequentemente se valem de comparações para formular e avaliar todo tipo de

política pública, inclusive, e especialmente as de natureza educacionais.

Consideramos que o potencial de enriquecimento da pesquisa acadêmica,

sobretudo quando a comparação é um dos seus elementos não seu único objeto, deve

nos estimular a enfrentar os riscos inerentes ao método comparativo. Para tanto

explicitaremos o objeto de nossa comparação, o período alvo da comparação e os

pressupostos que nos motivaram a empreendê-la.

A pretendida análise da fixação de metas normativas para políticas educacionais

específicas de acesso à educação infantil e à formação inicial de professores avaliará

como o arcabouço normativo de Argentina e Brasil veiculam tais metas nas normas

constitucionais, infraconstitucionais e eventuais decisões judiciais e se esse processo

tem gerado os resultados programados.

Faremos a comparação principalmente após os anos 2000, quando a fixação de

metas normativas passou a ser mais intensa nos dois países, embora nem sempre os

dados cotejados se referem rigorosamente aos mesmos períodos. Assim, pretende-se ter

um quadro objetivo sobre se as metas relacionadas às políticas públicas de educação

infantil e de formação de professores foram cumpridas, quais as estratégias adotadas e

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os maiores desafios vivenciados pelos dois países, justamente para se avaliar o

relevância e o alcance de fixação de metas normativas.

Argentina e Brasil configuram, a nosso juízo, interessante objeto de comparação

pois integram a mesma família de sistema jurídico, estão na mesma região geopolítica,

são países com desigualdade social e regional, partilham, ao menos em parte, da mesma

cultura político-institucional e lidam o desafio da educação intercultural de povos

indígenas.

A tabela abaixo nos apresenta alguns dados gerais comparativos dos dois países

que nos permitem inferir que o sistema educacional brasileiro é um mais complexo, não

só pela sua dimensão, mas pela necessidade de superar um passivo maior do que o

argentino, o que contudo, não invalida o esforço comparativo:

Critério Argentina Brasil

Número de estudantes 10.820.896 (2016) 43.695.150 (2016)

Número de Estudantes fora da

educação básica

23.235 (2014) 1.513.480

Número de Professores na

educação básica

953. 275 (2014) 2.200.000 (2016)

Investimento em educação/PIB 5,33 (2014) 5.99 (2013)

Gasto por aluno na educação

básica

3546,61 (2014) 3294,61(2013)

Posição no IDH 45-0.827 (muito alto

desenvolvimento humano- 2017)

79- 0.754( alto desenvolvimento

humano- 2017)

Índice de alfabetização 97.49% da população 88.04%

Índice GINI 42.7 (2017) 51.5 (2017)

Dados obtidos no site da Unesco http://uis.unesco.org/en/country/br e http://uis.unesco.org/en/country/ar,

com os informes dos respectivos Ministérios de Educação: Censo Escolar da Educação Básica 2016

(http://download.inep.gov.br/educacao_basica/censo_escolar/notas_estatisticas/2017/notas_estatisticas_ce

nso_escolar_da_educacao_basica_2016.pdf), Censo Nacional del Personal de los estabelecimentos

educativos, Phttp://portales.educacion.gov.ar/diniece/wp-content/blogs.dir/37/files/2016/08/CENPE-

2014-Resultados-Preliminares.pdf, e relatórios sobre desenvolvimento humano da ONU

http://hdr.undp.org/en/countries/profiles/BRA e http://hdr.undp.org/en/countries/profiles/ARG

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Na primeira parte do trabalho ressaltaremos os fundamentos do sistema jurídico

e os panorama normativos da educação dos dois países, na segunda parte

apresentaremos as metas normativas para acesso à educação infantil e formação de

professores de educação básica, para ao fim, avaliarmos se podemos aferir o impacto

efetivo da estipulação de metas normativas nos dois países.

2 Panorama da proteção do direito à educação na Argentina e no Brasil

Espanha e Portugal deixaram como legado às suas ex-colônias o direito romano-

germânico, que tem como característica principal o primado da lei geral, impessoal e

abstrata para a formação da norma jurídica (DAVID, 1996). Conforme lembra Buján y

Fernández (1993), as codificações argentinas e brasileiras são bons exemplos da

permeabilidade aos institutos, conceitos e princípios do Direito Romano. Conquanto,

especialmente no Brasil, tendências características do sistema anglo-saxão, como o

valor dos precedentes no Código de Processo Civil de 2015 venham dando novo

colorido à tradição jurídica, sem dúvida ainda as bases do direito desses países é

fundada no direito legislado. Se por um lado, seria inconcebível que uma legislação

clássica fixasse metas para direção do Poder Executivo na implementação de políticas

públicas, de outro, a lógica desse tipo de sistema jurídico dá prevalência à lei, dentre

outras fontes possíveis do Direito, o que acaba por torná-la, o espaço privilegiado para a

definição de metas.

Adotam uma constituição rígida e tiveram uma evolução constitucional marcada

por grande instabilidade política, no caso da Argentina, foi mantida a Constituição de

1853, submetida a seis emendas57 e no Brasil houve a criação de oito constituições58, e

57 Apesar da independência da Argentina ter ocorrido em 1811, o país só foi formalmente unificado sob uma Constituição em 1853. De maior ou menor extensão a constituição foi reformada em 1860, 1866, 1898, 1949 (Peron) e1957 (reforma de retorno a 1898). Para maiores informações vide ROSAS, Jose Rafael Lópes. Historia constitucional argentina. Buenos Aires: Editorial Astrea, 1996. 58 O Brasil teve 8 constituições: 1824 (proclamação da independência- Império brasileiro), 1891 (República Federal brasileira), 1934 (Revolução de 1930 - contra as oligarquias), 1937 (Estado Novo - Ditadura Vargas), 1946 (redemocratização), 1967 (Constituição do Golpe Militar), Emenda n. 01/1969 (considerada uma nova constituição após o endurecimento da ditadura militar) e redemocratização. Para

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na Argentina com cinco emendas à Constituição de 1853, sem contar os períodos nos

dois países de franco desrespeito às normas constitucionais vigentes pelos ditadores de

plantão. De qualquer sorte. É na norma constitucional que radicam as mais importantes

deliberações políticas dos países: forma de Estado federal, forma de governo

republicana, sistema de governo presidencial, democracia representativa com previsão

de direitos fundamentais individuais e sociais.

Digna de nota é a diferença quanto à separação entre religião e o Estado, sendo a

Argentina, em termos constitucionais, um Estado confessional católico e o Brasil um

Estado laico. Todavia, o ensino religioso nas escolas públicas é facultativo nos dois

países, na Argentina desde o advento da Lei 1420 de 1884, que disciplinou a educação

primária, deve ser prestado em horário extracurricular, e no Brasil desde a Constituição

de 1891. Não obstante, os dois países ainda enfrentam debates sobre o ensino da

religião em escolas públicas, tendo a Corte Suprema da Nação Argentina considerado

inconstitucional a lei da Província de Salto que incluía o ensino religioso, ainda que

facultativo, no horário escolar e permitia que o seu conteúdo fosse confessional, ou seja,

promovesse a catequese de uma dada religião, que no caso era a católica apostólica

romana59, já o Supremo Tribunal Federal do Brasil decidiu em sentido contrário

admitindo que o ensino religioso facultativo em escolas públicas pode ser

confessional60.

Tanto no texto da Constituição argentina quanto na Constituição brasileira

vigentes há expressa referência ao direito à educação, previsão que existe desde a

primeira versão da Constituição argentina de 185361 e a constituição imperial de

maiores informações sobre a evolução constitucional brasileira vide BONAVIDES, Paulo & ANDRADE, Paes de. História Constitucional da do Brasil. Brasília: OAB Editora, 2002. 59 No caso CSJ 1870/2014/CSI, julgado em 12/2017, que pode ser encontrado em http://www.cij.gov.ar/nota-28821--La-Corte-Suprema-resolvi--que-en-Salta-no-podr--darse-educaci-n-religiosa-en-las-escuelas-p-blicas-en-el-horario-escolar-y-como-parte-del-plan-de-estudios.html 60 O STF julgou por maioria apertada (6x5) na ADIN 4439, em 27/11/2017. O acórdão da decisão ainda não foi publicado mas a decisão foi divulgada nos Informativos 875 e 878 do STF, bem como no site do STF http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=357099. 61Conforme previsto nos artigos 5 e 14. Art. 5o.- Cada provincia dictará para sí una Constitución bajo el sistema representativo republicano, de acuerdo con los principios, decla- raciones y garantías de la Constitución Nacional; y que asegure su administración de justicia, su régimen municipal, y la educación primaria. Bajo de estas condiciones el Gobierno federal, garantiza a cada provincia el goce y ejercicio de sus instituciones. A rt. 14.- Todos los habitantes de la Nación gozan de los siguientes dere- chos conforme

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182462. A redação vigente da Constituição argentina mantém a fórmula clássica, do

direito de “enseñar y aprender”, o que, ensejou concepções diversas entre os que

enfatizavam o protagonismo do Estado na oferta de educação pública e os que

entendiam a atuação estatal como subsidiária (FINNEGAN & PAGANO, 2007)63.

Vários outros dispositivos constitucionais argentinos tratam do direito à

educação, tais como: o artigo 5º que estabelece a obrigação às províncias de garantir a

educação primária; o artigo 2 que outorga aos estrangeiros o direito ao ensino das

ciências e das artes; o artigo 75, XVIII que concede ao Congresso a atribuição de

organizar a educação em todos os níveis; o artigo 75, XIX que confere ao Congresso a

competência legislativa para elaborar leis que organizem e definam as bases da

educação, que consolidem a unidade nacional, respeitando as particularidades das

províncias e locais e que assegurem a responsabilidade do Estado em relação à garantia

da educação, à participação da família e da sociedade e a promoção dos valores

democráticos; que assegurem a igualdade de oportunidades sem qualquer tipo de

discriminação e a garantia da gratuidade e equidade da educação pública.

No Brasil, a Constituição de 1988, em sua redação atual, reservou um capítulo

específico sobre a educação e afirma no artigo 205 que a educação é direito de todos e

dever do Estado e da família, e será promovida e incentivada com a colaboração da

a las leyes que reglamenten su ejercicio; a saber: de trabajar y ejercer toda in- dustria lícita; de navegar y comerciar; de peticionar a las autoridades; de entrar, permanecer, transitar y salir del territorio argentino; de publicar sus ideas por la prensa sin censura previa; de usar y disponer de su propiedad; de asociarse con fines útiles; de profesar libremente su culto; de enseñar y aprender.

62Artigo 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte. XXXII. A instrução primária, e gratuita a todos os Cidadãos. 63 Como citam os autores, tal controvérsia se apresentava nas decisões da Corte Suprema da Argentina: Un estudio de la jurisprudencia argentina en materia de educa- ción. Que analiza los fallos de la Corte Suprema de Justicia de la Nación en el período 1930-1985, concluye que indica que “el derecho a aprender o derecho a la educación (modernamente) es el derecho al acceso y la permanencia en establecimientos de enseñanza, de los distintos niveles y tipos, de todos los habitantes del país. No es un derecho absoluto, admitiéndose excepcionalmente la posibilidad de que tales instituciones, en ejercicio de sus facultades disciplinarias, lleguen incluso a disponer la medida de expulsión. En los estableci- mientos educativos de gestión privada, el derecho de aprender suele ceder ante el derecho de enseñar, dado que este tipo de institucio- nes está fundada, preferentemente, sobre la base de este último, conocido también como libertad de enseñanza” (Bravo, 1986).” PAGANO, Ana & FINNEGAN, Florencia. El derecho a la educación en Argentina. Buenos Aires: Fund. Laboratorio de Políticas Públicas, 2007.pg. 22

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sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da

cidadania e sua qualificação para o trabalho, reconhece o direito à educação como um

direito social no artigo 6º, que o salário mínimo deve atender as necessidades da

educação no artigo 7º, IV; a competência da União para legislar sobre diretrizes e bases

da educação nacional no artigo 22, XXIV, a competência comum da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para prestar serviços educacionais n

artigo 23, V, a competência da União Federal, dos Estados e do Distrito Federal para

legislar concorrentemente sobre educação artigo 24, X, competência dos Municípios em

manter com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado programas de

educação infantil e de ensino fundamental artigo 30, possibilidade de intervenção

federal nos Estados e Estadual nos municípios em virtude de falta de investimento dos

percentuais mínimos na educação (artigo 34, VII, “e” e 35, II), e no capítulo da

educação dos artigos 205 a 214 define os princípios do ensino, normas sobre autonomia

universitária, etapas de ensino, percentuais mínimos de investimento, sistema nacional

de educação e direito de ensino na língua materna para os povos indígenas, dentre

outras normas.

Nos dois países a Constituição se destaca no ordenamento jurídico, situando-se

no topo das normas nacionais. Embora haja supremacia constitucional, isso não

significa que esses países não reconheçam a força dos tratados internacionais, por eles

ratificados, sobretudo, em relação aos que versam sobre Direitos Humanos. Na

Argentina, os tratados internacionais são considerados hierarquicamente superiores às

leis e vários tratados que versam sobre Direitos Humanos mencionados na Constituição,

como o Pacto Internacional de direitos civis e políticos têm status constitucional, e os

demais tratados de direitos humanos podem adquirem status constitucional se forem

aprovados por 2/3 de cada Casa Legislativa nos termos do artigo 75, XXII64.

64 Artículo 75.- Corresponde al Congreso:(…) XXII. Aprobar o desechar tratados concluidos con las demás naciones y con las organizaciones internacionales y los concordatos con la Santa Sede. Los tratados y concordatos tienen jerarquía superior a las leyes. La Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre; la Declaración Universal de Derechos Humanos; la Convención Americana sobre Derechos Humanos; el Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales; el Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos y su Protocolo Facultativo; la Convención sobre la Prevención y la Sanción del Delito de Genocidio; la Convención Internacional sobre la Eliminación de

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No ordenamento jurídico brasileiro, os tratados internacionais possuem três

hierarquias que cumprem ser diferenciadas: os tratados e convenções internacionais

sobre direitos humanos, que forem aprovados em ambas as Casas do Congresso

Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão

equivalentes às emendas constitucionais65, já os tratados internacionais de direitos

humanos aprovados pelo procedimento ordinário terão o status de norma supralegal, e

os tratados internacionais que não versam sobre direitos humanos são equivalentes às

leis ordinárias.

Além do fato do direito à educação estar constitucionalmente previsto em ambos

ordenamentos jurídicos, tanto o Brasil quanto a Argentina ratificaram os mais

importantes documentos jurídicos na esfera internacional e interamericana de direitos

humanos, que têm importante impacto na conformação do direito à educação como um

direito humano, que deve ser assegurado de forma igualitária, sem discriminação de

gênero ou orientação sexual, identidade étnica ou condição sócio-econômica 66.

A Federação argentina possui duas esferas de governo: o Governo Nacional, 23

governos provinciais, cada um dos quais considerados precedentes à nação, exercendo

todos os poderes não delegados expressamente ao governo federal e a Cidade Autônoma

de Buenos Aires, que abriga a capital do país. As províncias têm como suas principais

atribuiçõesitar sua própria Constituição; organizar seus Poderes; arrecadar tributos; todas las Formas de Discriminación Racial; la Convención sobre la Eliminación de todas las Formas de Discriminación contra la Mujer; la Convención contra la Tortura y otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes; la Convención sobre los Derechos del Niño; en las condiciones de su vigencia, tienen jerarquía constitucional, no derogan artículo alguno de la primera parte de esta Constitución y deben entenderse complementarios de los derechos y garantías por ella reconocidos. Sólo podrán ser denunciados, en su caso, por el Poder Ejecutivo Nacional, previa aprobación de las dos terceras partes de la totalidad de los miembros de cada Cámara. Los demás tratados y convenciones sobre derechos humanos, luego de ser aprobados por el Congreso, requerirán del voto de las dos terceras partes de la totalidad de los miembros de cada Cámara para gozar de la jerarquía constitucional. 65 Artigo 5º, §3º, Constituição de 1988 - Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. 66Ambos os países são membros da Organização das Nações Unidas, esignatários da Declaração universal de direitos do homem e da Declaração americana de direitos humanos, e ratificaram os mais importantes tratados e, convenções e declarações de direitos humanos, a exemplo do Pacto de Direitos Civis e Econômicos, da Convenção internacional contra todas as formas de discriminação racial, da Convenção internacional contra tortura e outros tratamentos cruéis, da Convenção sobre os direitos das crianças, Convenção internacional dos direitos das pessoas com deficiência, Convenção dos direitos dos povos indígenas etc.

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realizar seus próprios investimentos; promover a educação e a saúde de seus habitantes.

A Constituição argentina não reconhece o Município como um ente da Federação, mas

antes mesmo da Reforma Constitucional de 1994 a Corte Suprema da Justiça da Nação

reconhecia que os Municípios gozavam de autonomia e podiam legislar sobre matérias

de seu interesse específico e prestar diversos serviços públicos67. A partir de 1994, a

Constituição Federal exige que as Constituições das Províncias reconheçam a

autonomia dos Municípios, que se dá nos termos das Constituições das Províncias68, o

que pode gerar competências e resultados diversos na implementação das políticas

públicas nos Municípios , inclusive em matéria de educação.

A Federação brasileira é integrada, nos termos constitucionais, pela União,

Estados, o Distrito Federal, que abriga a capital nacional, e os municípios, todos dotados

de autonomia, e com atribuição de competências legislativas e materiais privativas,

legislativas concorrentes e materiais comuns. No Brasil todos os entes da Federação têm

o mesmo regime jurídico, mas as desigualdades regionais também condicionam os

resultados das políticas públicas educacionais.

Nos termos da Constituição dos dois países é a União Federal que legisla sobre

as diretrizes e base da educação, havendo espaço para Províncias argentinas, Estados e

Municípios brasileiros de legislarem sobre questões específicas. Tanto o Distrito

Federal brasileiro como a Cidade Autônoma de Buenos Aires têm as mesmas

competências legislativas da esfera regional.

A história da Argentina evidencia o papel do Governo Central na definição dos

parâmetros normativos do direito à educação, já em 1884 foi editada a Lei 1420 da

educação comum que impôs ao Governo Federal o dever da garantia do acesso à

educação primária pelo Governo Federal, o que foi estendido a todas as Províncias com

a Lei 4874/1905 com criação de escolas sob a égide do Conselho Nacional de Educação

pela Lei 12558/38. Posteriormente, no governo de Perón, duas tendências contraditórias

67No famoso caso Rivademar a Corte entendeu que os Municípios eram instituições autônomas, que podiam estabelecer normas para sua regulamentação e não eram meras autarquias estaduais. Para conhecer o teor integral da decisão vide http://www.biblioteca.jus.gov.ar/fallo-rivademar.html 68 embora as importantes Províncias de Buenos Aires, Mendoza e Santa Fé ainda não o tenham feito

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ocorreram foi editada a Lei 13047/1947, que passou a dar subsídios para a educação

privada, bem como foi reformada a constituição, fortalecendo direitos sociais e do

trabalhador e concebido um Plano Quinquenal para a educação de 1947/1951. A

ditadura militar revogou a reforma constitucional de 1947 e continuou o apoio ao ensino

privado. Com a redemocratização de 1984, foi editada a Lei 23114/1984 que criou o

Congresso Pedagógico Nacional para refletir sobre a educação. Sob o governo Menin

houve a transferência da administração de escolas e de serviços educacionais federais

para as Províncias por meio da Lei de Transferência dos serviços educativos nacionais

às Províncias e à cidade de Buenos Aires (1991) e da Lei Federal de Educação (1993) e

a Lei de Educação Superior (1995). Em 1993 foi estabelecido uma meta de investimento

na educação, que não foi atendida.

Reconhecendo a necessidade de maior uniformidade na prestação do ensino,

sobretudo em virtude da desigualdade crescente do sistema educacional, agravada com

as medidas da década de 1990, uma a Lei 26.206/ 2006, nova Lei Nacional de Educação

atualmente vigente criou o Sistema Educativo Nacional, que nos termos de seu art. 15

tendrá una estructura unificada en todo el país que asegure su ordenamiento y

cohesión, la organización y articulación de los niveles y modalidades de la educación y

la validez nacional de los títulos y certificados que se expidan. A Lei Nacional de

Educação argentina estabelece várias metas e objetivos, mas não as vincula a prazos

específicos, o que foi feito no Plano Estratégico Nacional Argentina “Enseña e

Aprende”, de 2016-2021, estabelecido por meio da Resolução n. 285/2016 do Conselho

Federal de Educação.

No Brasil, até o advento da Constituição de 1988 a atuação do Governo

Central, em matéria de educação, se caracterizou por um grande descompromisso com a

educação básica, e estímulo à iniciativa privada para mitigar a omissão do Poder

Público em assegurar uma educação de qualidade a todos. Embora o Brasil Imperial

fosse um Estado Unitário o Ato adicional de 1834 deu às Províncias, que não tinham

autonomia política nem financeira, o direito de legislar sobre instrução pública,

reservando para o Império a criação e a gestão das Universidades como as Faculdades

de Direito de São Paulo e de Olinda criadas em 1827 e o Colégio Pedro II, colégio

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modelo situado na Corte no Rio de Janeiro e único a conceder a certificação da

realização dos estudos, o que também estimulou o desenvolvimento das escolas

privadas, muitas administradas por entidades religiosas. A Constituição de 1991 criou o

Estado Federal e manteve a dualidade da legislação de ensino, cabendo a educação

básica às Províncias. Segundo Romanelli (2003) era o tempo do liberalismo

educacional, tão contestado pelo importante movimento, da década de vinte, dos autores

do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, que defendiam uma escola pública,

gratuita, laica e de qualidade . Tendências normativas mais centralizantes vão ocorrer a

partir da década de 1930, com a criação do Conselho Nacional da Educação em 1931, a

Lei Orgânica do Ensino primário de 1946 (decreto-lei 8529), na época da Constituição

de 1946 e a primeira Lei de diretrizes e bases da educação (Lei n. 4024/1961), que

estabeleceu regras gerais sobre os sistemas de ensino, manteve a União afastada da

prestação da educação de base e incentivou o crescimento do ensino privado. Tais

tendências se mantiveram na ditadura militar e sob a égide das Constituições de 1967 e

a Emenda Constitucional n. 01/1969.

A Constituição de 1988 foi um importante marco normativo para

reconhecimento da relevância da educação pública no país, especialmente a da educação

básica. Ainda assim a uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação só foi editada

em 1996 ( Lei nº 9.394/96), e o primeiro Plano Nacional de Educação, decenal, previsto

no artigo 214 da Constituição de 1988 só foi editado em 2001 (Lei nº 10172/2001).

Também houve um grande preocupação normativa com o financiamento da educação

básica com as leis do FUNDEF (Fundo Nacional do Desenvolvimento do Ensino

Fundamental – lei nº ) e o FUNDEB (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

Básica- Lei n. ) que ampliaram o investimento público federal na educação básica. A

Lei nº 10.172/2014 estabelece o novo Plano Nacional de Educação 2014/2024(PNE), e

ainda que tenha mantido metas que não foram cumpridas anteriormente caminha para a

configuração de um Sistema Nacional de Educação, já constante do texto constitucional

desde a Emenda n. 59/2009.

De acordo com as normas vigentes na Argentina, a obrigatoriedade escolar se

estende dos 5 anos de idade até o último ano da educação secundária, a qual deve ser

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supervisionada pelo Ministério de Educação, Ciência e Tecnologia e suas autoridades

jurisdicionais (artigo 16 da Lei n. 26.206). Já no Brasil, a obrigatoriedade escolar da

educação básica se estende dos 4 anos até os 17 anos de idade.

A administração do Sistema Nacional de Educação argentino é de

responsabilidade concorrente entre o Poder Executivo Nacional (por meio do Ministério

da Educação, Ciência e Tecnologia) e dos Poderes Executivos das Províncias e da

cidade autônoma de Buenos Aires (artigo 113 da Lei n. 26.206). O Conselho Federal de

Educação é o organismo de controle da política nacional de educação e o Ministério da

Educação, Ciência e Tecnologia - em acordo com o Conselho Federal de Educação – é o

órgão que estabelecerá as políticas, mecanismos de regulação e os critérios de avaliação

e de articulação referentes aos Institutos de Educação Superior dependentes do Estado

Nacional, das províncias e da cidade de Buenos Aires (artigo 36 da Lei n. 26.206).

compete concorrentemente ao governo federal, às províncias e ao governo da cidade de

Buenos Aires a planificação, organização, supervisão e financiamento do Sistema

Educativo Nacional e determina que é da competência exclusiva do Estado Nacional a

criação e financiamento das Universidades Nacionais (art. 12 da Lei n. 26.206).

O sistema nacional de educação argentino, nos termos da Lei n. 26.206/2006,

estabelece as disposições gerais desse sistema e define a seguinte estrutura: são níveis

do sistema educativo, as educações inicial, primária, secundária e superior e são

modalidades do sistema educativo, as educações técnico-profissional, artística, especial,

permanente de jovens e adultos, rural, intercultural bilíngue e as educações que ocorrem

em contextos de privação de liberdade, domiciliar e hospitalar.

O sistema educacional brasileiro é organizado sob o modelo de sistemas de

ensino por esfera administrativa (federal, estadual e municipal), e ainda padece de

muitos males relacionados a desarticulação institucional entre as diversas instâncias

federais. Cada sistema é responsável pela organização e pela manutenção de sua rede de

ensino, pela elaboração e pela execução de suas políticas e planos educacionais. Em

cada esfera administrativa, existe um conselho de educação, os quais exercem funções

normativas, deliberativas, de fiscalização e de planejamento. O Conselho Nacional de

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Educação (CNE), órgão colegiado do MEC, normatiza o sistema federal de ensino e

promove a articulação entre os demais sistemas. Já o Ministério da Educação (MEC) é o

órgão responsável pela elaboração e pela implementação de políticas educacionais em

âmbito nacional.

Ele está organizado basicamente em dois níveis: educação básica e educação

superior. A educação básica está subdividida em: educação infantil, ensino fundamental

e ensino médio. A educação infantil (creche e pré-escola) destina-se ao atendimento de

crianças de zero a cinco anos de idade. O ensino fundamental destina-se ao atendimento

de crianças de seis a quatorze anos. O ensino médio, etapa final da educação básica,

articula-se à educação profissional. A educação superior está organizada nos seguintes

cursos e programas: cursos de graduação; programas de mestrado e doutorado e cursos

de especialização, aperfeiçoamento e atualização, no nível de pós-graduação; cursos

sequenciais de diferentes campos e níveis; e cursos e programas de extensão. São

modalidades da educação escolar brasileira: a) educação de jovens e adultos; b)

educação profissional; c) educação a distância; d) educação especial; e) educação do

campo; f) educação indígena.

De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei n. 9394 de

1996, concretizando a repartição de competência constitucional, o Município é

incumbido de oferecer a educação infantil e com prioridade o ensino fundamental

(artigo 11, inciso V); os Estados devem ser responsáveis por assegurar o ensino

fundamental e oferecer com prioridade o ensino médio (artigo 10, inciso VI), sendo

ainda incumbidos de definir, com os municípios, formas de colaboração na oferta do

ensino fundamental, garantindo a distribuição proporcional das responsabilidades (art.

10, inciso II). A União, além de sua rede de ensino superior e sua presença em outros

níveis e modalidades de ensino (art. 9º, inciso II), deve exercer função técnica de apoio

e financiamento (artigo 9º, inciso III) e tem incumbência de articular toda a organização

da educação nacional (artigo 9º, inciso IV).

Os dois sistemas jurídicos educacionais enfrentam o desafio de uma educação

intercultural, pois Argentina e Brasil devem garantir a preservação de seus povos

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indígenas, minorias étnicas descendentes dos povos pré-colombianos69. Houve uma

recente mudança de paradigma normativa nos dois países, da imposição da educação

ocidental para fins de integração forçada dos índios na comunhão nacional para o

reconhecimento do valor da cultura indígena e da necessidade da escola ser

intercultural, promovendo os valores das comunidades indígenas e permitindo o diálogo

com a sociedade circundante.

Na Argentina essa virada ocorreu com a reforma constitucional de 1994 e no

Brasil com o advento da Constituição de 1988. A legislação argentina e subsequente

repercutiram esses novos padrões normativos. A Lei de Educação Nacional argentina

(LEN - Lei n. 26.206) em 2016, impôs a renovação dos pressupostos dos planos

educacionais para os povos indígenas previstos na Lei n. 23.302, de 12 de novembro de

1985, para se garantir o direito à preservação da cultura indígena, o direito a receber

educação que preserve sua identidade linguística e estabeleceu também que o Estado em

articulação com as Províncias, deve promover programas de resgate e revalorização das

línguas e culturas indígenas70, originando o Programa de Educação Intercultural

Bilíngue. No Brasil, também a Lei de Diretrizes e Bases da educação de 1996 tem

normas que garantem o desenvolvimento de programas integrados de ensino e pesquisa

para oferta de educação escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas.

Além disso, Argentina e Brasil ratificaram a Convenção nº 169 da Organização

Internacional do Trabalho (OIT), que trata dos povos indígenas e tribais, com hierarquia

supralegal nos dois países.

Tanto na Argentina quanto no Brasil há uma responsabilidade maior do Governo

Central quanto à promoção da educação indígena, ainda que as escolas frequentadas

69O Censo argentino de 2010 mostrou que o país possui entre sua população total, 955.032 pessoas que se autodeclaram indígenas, grupo esse que representa 2,30% da população total do país. Nesse mesmo ano no Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), registrou 817.963 brasileiros autodeclarados indígenas, o que corresponde a 0,4% da população total. Embora algumas organizações sociais prevejam um número mais elevado, o Instituto Nacional de Assuntos Indígenas (INAI) reconhece a existência de 32 povos indígenas na Argentina, os quais possuem características de organização social, religiosa, linguística e cultural próprias, além de grande disparidade de número de integrantes. Há grupos que possuem menos de uma centena de membros, enquanto há outros que registram milhares de pessoas. 70 Idem, artigos 2 e 34.

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pelos indígenas sejam administradas por outras instâncias governamentais.

De forma geral, em ambos os países a taxa de escolaridade dos povos indígenas

locais no ensino primário atingiram níveis similares aos da população total, chegando a

índices aproximados de 94,6% de acesso da população indígena à educação primária,

em relação aos 95,3% registrados para o restante dos indivíduos71, o que não ocorre nos

demais níveis. Todavia, há muitos questionamentos sobre a efetividade da

interculturalidade na educação indígena, sobretudo em virtude dos óbices que ainda

existem para a adequada formação dos professores de educação indígena, como se verá

no tópico a seguir.

A práxis institucional de estabelecer planos normativos atrelados a metas, em

matéria educacional, que se desdobram em objetivos a serem alcançados é recente nos

dois países. No Brasil os planos decenais 2001/2011 e 2014/2024 foram estabelecidos

por leis, enquanto na Argentina o plano de 2006 é uma norma administrativa, que não

vincula metas a prazos. De qualquer sorte, está em trâmite projeto de lei de criação do

Plano Maestr@, Plano Nacional Decenal de Educação, proposto pelo governo Macri,

após os resultados insatisfatórios das avaliações educacionais.

Cumpre, ainda, ressaltar o papel do Poder Judiciário nos dois países quanto à

efetividade do direito à educação. Ambos os Estados adotam um amplo judicial review,

o Poder Judiciário exerce um papel determinante em relação à revisão dos atos e

omissões do Poder Executivo e à garantia do exercício dos direitos sociais como o

direito à educação. A possibilidade do controle de constitucionalidade dos atos

normativos também está presente nos dois países, mas com alguns traços distintivos. Na

Argentina, o controle de constitucionalidade é judicial e difuso e incidental em ações

processuais individuais ou coletivas nos moldes norte-americanos (HUTCHINSON,

2010, p.155). Pode ter como objeto, como lembra Salgueiro (2006), tanto situações em

que o texto constitucional determina limites a alguma atividade do Executivo, quanto

em casos em que a Constituição habilita o governo a atividade específica, sob certos

requisitos. Já no Brasil, o controle de constitucionalidade é eclético, pois se adota o

71 Ibidem cintando: Indec, 2004-2005.

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modelo difuso e incidental, análogo ao da Argentina, e o controle concentrado e abstrato

realizado pelo Supremo Tribunal Federal, no modelo da Europa continental, para

enfrentar atos e omissões inconstitucionais (BARROSO, 2016).

Portanto, em tese, sempre que houver a violação por ação ou omissão de normas

constitucionais, as Cortes argentinas e brasileiras podem atuar no controle do

cumprimento das metas normativas para a educação. Todavia, a complexidade dos atos

e ações administrativas que têm ser coordenados e desempenhados para que uma meta

de melhoria de acesso ou de qualidade de ensino seja atingida, sempre dificulta a

exigência judicial do cumprimento da meta.

3.1 As metas normativas para a educação infantil na Argentina e no Brasil

Via de regra72, considera-se que o acesso à educação infantil, envolvendo

creches e pré-escolas, amplia o potencial de desempenho escolar das crianças e a sua

continuidade na escola( BERLINSKI & GALIANI, 2004), favorece a igualdade de

gênero na participação no mercado de trabalho (BERLINSKI & GALIANI, 2004), bem

como gera dividendos econômicos e sociais para todo o país, diante da possibilidade de

enriquecimento das famílias e de preservação dos cuidados das crianças como um ativo

de desenvolvimento social para toda a comunidade. Por isso, nos termos das regras

constitucionais e infraconstitucionais vigentes no Brasil a educação passou a ser

obrigatória a partir dos 4 anos de idade, sendo que também se reconhece o direito à

educação em creches, nos termos do artigo 208, IV da Constituição de 1988, com a

redação dada pela Emenda Constitucional n. 53 de 2006, reafirmado por decisão

proferida pelo Supremo Tribunal Federal em 201173.

Antes mesmo da ampliação da política pública educacional, famílias mais

abastadas no Brasil já propiciavam a seus rebentos educação formal em tenra idade,

como demonstra o fato da iniciativa privada ter, em toda rede de ensino, a maior

72 Essa lógica não é adotada por várias comunidades indígenas, ao menos no Brasil (RODRIGUES, 2016), que quase sempre preferem que seus filhos acompanhem as atividades cotidianas dos pais, e só frequentem escolas um pouco mais velhas. 73STF, ARE 639337 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT VOL-02587-01 PP-00125.

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participação no segmento de creches74. Todavia, há um significativo déficit de acesso à

educação infantil, especialmente em creches, para as crianças de família de menor

renda. Não por acaso, a meta nº 01 do Plano Nacional de Educação de 2014 era

universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a

5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a

atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o

final da vigência deste PNE. Conforme dados do Observatório do PNE, 90,5% das

crianças de 4 a 5 anos estão sendo atendidas,

“já na etapa de 0 a 3 anos, o País patina de forma recorrente. O Plano Nacional de Educação de 2001-2010 já estabelecia o atendimento de 50% até 2005, meta solenemente descumprida e agora postergada para o final da vigência do plano atual. Ao déficit de vagas, calculado em cerca de 2,4 milhões, soma-se o desafio de levantar dados mais precisos, que permitam planejar detalhadamente a expansão do atendimento.”75

Também na Argentina, nos termos da Lei de Educação Nacional, o nível inicial

é obrigatório para crianças de 4 e 5 anos de idade. A universalidade desse nível de

ensino é prevista no artigo 19 da LEN, que dispõe que o “Estado Nacional, Províncias e

Cidade Autônoma de Buenos Aires tem a obrigação de universalizar serviços

educacionais para crianças de quatro anos de idade”, sendo que sua organização tem as

seguintes características (artigo 24): (a) os Jardins de Maternidade devem servir

crianças de quarenta e cinco dias para dois anos inclusive e Jardins de infância para

crianças de três a cinco anos inclusive. Na Declaração de Purmamarca de 12 de

fevereiro de 2016, o Conselho Federal de Educação estabeleceu o compromisso de

avançar a obrigatoriedade do nível inicial a partir dos três anos de idade.

Segundo dados apresentados no Projeto de Lei Plano Maestra76, que pretende

estabelecer o Plano Nacional Decenal de Educação, o atendimento escolar atual para

crianças de 3 anos é de 57.7% , de 87,7% para as de 4 anos e 97,1 de cinco anos.

Percebe-se que a Argentina tem melhores indicadores que o Brasil, mas ainda há um

74 Notas estatísticas do censo escolar- 41% 75 Observatório do PNE 76

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significativo déficit no atendimento das crianças mais novas, que também impacta de

forma desigual a população argentina.

Portanto, com relação às ações previstas na primeira meta do plano brasileiro, a

Argentina, comparativamente, estipulou o dever de universalização de serviços

educacionais para crianças de quatro anos de idade e a taxa de matriculados na

Educação Inicial vem subindo com o passar dos anos, mas não está longe de ter o

mesmo avanço que a da Educação Primária, que chega a 99%. É o artigo 20 da lei de

Educação Nacional (lei nº 26.206), que estabelece os objetivos da educação inicial na

Argentina, também fixados no Plano Estratégico Nacional, que será submetido a uma

primeira avaliação em 201877.

Reconhecendo o problema de qualidade do ensino fundamental público

brasileiro, o Plano Nacional de Educação fixou a meta 5 para alfabetizar todas as

crianças, no máximo, até o final do 3º (terceiro) ano do ensino fundamental.

Já no tocante à análise das ações previstas na quinta meta do PNE, a Argentina

não especifica nenhum período para que a criança seja alfabetizada, apenas estabelece a

necessidade de programas para erradicar o analfabetismo.78 Neste quesito o país tem

77 Esses objetivos são: promover a aprendizagem e o desenvolvimento dos meninos e meninas de quarenta e cinco dias a cinco anos de idade inclusive, como sujeitos de direitos e partícipes ativos de um processo de formação integral, membros de uma família e uma comunidade; promover nos meninos e meninas a solidariedade, a confiança, o cuidado, a amizade e o respeito a si mesmos e aos outros; desenvolver sua capacidade criativa e o prazer pelo conhecimento nas experiências de aprendizagem; promover o brincar (o brinquedo) como conteúdo de alto valor cultural para o desenvolvimento cognitivo, afetivo, ético, estético, motor e social; desenvolver a capacidade de expressão e comunicação por meio das diferentes linguagens, verbais e não verbais: o movimento, a música, a expressão plástica e a literatura; favorecer a formação corporal e motora por meio da educação física; propiciar a participação das famílias no cuidado e na tarefa educacional, promovendo a comunicação e o respeito mútuo; atender às desigualdades educacionais de origem social e familiar para favorecer uma integração plena de todos os meninos e todas as meninas no sistema de ensino e prevenir e atender necessidades especiais e dificuldades de aprendizagem. 78Lei de Educação Nacional n. 26.206/2006. ARTÍCULO 138 - El Ministerio de Educación, Ciencia y Tecnología, de acuerdo con el Consejo Federal de Educación, diseñará programas a término destinados a garantizar la erradicación del analfabetismo y el cumplimiento de la educación obligatoria prescripta en el artículo 16 de la presente ley, para la población mayor de dieciocho (18) años de edad queno la haya alcanzado a la fecha de la promulgación de la presente ley. Dicho programa contará con servicios educativos presenciales y a distancia, integrando un sistema de becas para jóvenes y adultos, y provisión gratuita de materiales de aprendizaje, que asegure la calidad educativa, así como la permanencia y egreso de los/as participantes. Asimismo, y en el marco de lo establecido en el artículo 47 de la presente ley, impulsará la adopción de programas de relevamiento, difusión, comunicación, orientación y apoyo a

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apresentado grande progresso, já que conforme dados fornecidos pelo UNESCO, a taxa

de alfabetização da Argentina chega a 98%. Isso não quer dizer que não haja distorção

idade-série na Argentina, que no nível primário era de 14,9 % em 2015, embora bem

inferior ao Brasil que no mesmo ano era de 24,8, mas não se constatou nos parâmetros

normativos uma preocupação específica com a questão da alfabetização de crianças.

É possível verificar algumas semelhanças nos planos nacionais e leis de

educação do Brasil e da Argentina, por exemplo, no plano brasileiro, o país pretende

universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 a 5 anos;

na Argentina a Lei de Educação Nacional prevê o objetivo de universalizar serviços

educacionais para crianças de 4 (quatro) anos de idade e no Plano Estratégico Nacional

de 2016-2021 estabelece a expansão da cobertura de salas de 3, 4 e 5 anos em todas as

províncias e na CABA.

De forma geral, a Argentina tem feito progressos na concretização das metas

definidas em seus planos educacionais no que se refere à educação infantil, tendo

impulsionado a educação inicial (pré-escolar) em 1993 e aumentado sua taxa bruta de

matrícula de 57% em 1999 para 74% em 2012. E a taxa de Alfabetização também é alta,

chega a 98%, uma das maiores da América Latina.79

Embora não se negue o esforço dos países em relação ao cumprimento das metas

educacionais, há que se fazer frente às desigualdades regionais que continuam sendo

resultados de problemas estruturais de ambos os países. O que ocorre é que, na

Argentina, por exemplo, as províncias têm modelos organizacionais e pedagógicos

próprios, o que produz diversidade e complexidade na forma de organizar os espaços,

tempos e programas de atividades. Isso pode ser visto como resposta ao desejo de

pertinência ou ajustamento às características das comunidades, dos ambientes e das

culturas das populações atendidas, contudo (e mesmo assim), podem resultar distinções dichas personas cuando efectúen gestiones administrativas y participen de programas tales como la tramitación del Documento Nacional de Identidad, licencia para conducir y campañas de vacunación, entre otros. 79 Dados disponíveis no site da UNESCO. http://es.unesco.org/gem-report/report/2015/la-educación-para-todos-2000-2015-logros-y-desaf%C3%ADos#region-report-dataviz. Consultada dia 16.09.2017.

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consideráveis em relação ao nível de cumprimento das metas educacionais estabelecidas

em âmbito geral80.

4 As metas normativas para a formação dos docentes da educação básica na Argentina e

no Brasil.

Um dos mais importantes recursos da educação é o docente, e que uma adequada

formação do professor tem um evidente impacto no acesso à educação de qualidade.

Muito embora, por muito tempo, bastavam aos professores, sobretudo, os do ensino

primário terem formação em escolas normais de nível médio, paulatinamente se firmou

um consenso da necessidade da formação universitária dos professores de todas as

etapas de ensino.

A Constituição Federal brasileira de 1988 prescreve em seu artigo 206, V que o ensino

será ministrado tendo como um de seus princípios a valorização dos profissionais da

educação escolar, com óbvio destaque para os docentes. A Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (Lei n. 9.394/96), no artigo 62, passou a exigir a formação

universitária para docentes da educação básica, ressalvados os docentes da educação

infantil e dos cinco primeiro anos do ensino fundamental, que podem ter formação em

ensino médio de formação docente. O Plano Nacional da Educação (2001/2011)

estabeleceu como meta que em 5 anos , ou seja, 2006 todos os professores de educação

infantil tivessem ao menos, o ensino médio, e que em 10 anos (2011) 70% dos

professores de educação infantil e ensino fundamental tivessem nível superior e todos

os professores do ensino médio tivessem nível superior. Em 2009 foi concebida, pela

União Federal a política nacional de formação de profissionais do magistério da

educação básica (PARFOR0 Decreto 6755/2009), para estimular Universidades a

oferecer formação universitária para professores. Em 2014 tais metas ainda não haviam

sido atendidas, e o novo Plano Nacional de Educação (Lei n. 13.005/14), determinou a

meta 15: garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios, no prazo de 1 ano de vigência deste PNE, política nacional de

80 A educação infantil nos países do MERCOSUL: análise comparativa da legislação. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Brasília : MEC/SEB, 2013. p. 68.

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formação dos profissionais da educação de que tratam os incisos I, II e III do caput do

art. 61 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurado que todos os professores

e as professoras da educação básica possuam formação específica de nível superior,

obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam.

Segundo o censo escolar brasileiro de 2016 (INEP)81, apenas 66,9% dos

professores de educação infantil, 74,8% dos professores que atuam nas séries iniciais

do ensino fundamental, 84,7% que atuam nas séries finais do ensino fundamental e

93,3% dos professores de ensino médio têm nível superior. A nova meta para atingir

100% de professores com nível superior em todas as áreas foi fixada para 2024.

Na Argentina, não parece haver esse mesmo problema nos dias de hoje,

conforme o Censo Nacional do Pessoal de estabelecimentos educativos de 201482.

Existe a preocupação com a qualidade da formação inicial docente, tendo, inclusive, a

Lei Nacional da Educação de 2006 criado o Instituto Nacional de Formação Docente,

órgão nacional que fixa as diretrizes da formação universitária docente, que hoje ocorre

em mais de 1200 instituições públicas e privadas. Não há no Plano estratégico da

educação nenhuma meta específica quanto ao tema, sendo que no Projeto de Lei Plano

Maestr@ há meta de que, em 2016, 25% dos professores que formam professores

tenham um título de mestre.

Nos dois países, o direito à educação intercultural dos povos originários tem um

dos seus grandes desafios a formação universitária de professores indígenas, que melhor

podem fazer a ponte entre o conhecimento tradicional e o geral. Analisando os dados da

“Encuesta Complementaria de Pueblos Indígenas”83, Julieta Rezaval e Mariana

Paladino (2010) assinalam mostram que apenas 15% da população indígena com idade

81Acessível em http://download.inep.gov.br/educacao_basica/censo_escolar/notas_estatisticas/2017/notas_estatisticas_censo_escolar_da_educacao_basica_2016.pdf 82 Acessível em http://portales.educacion.gov.ar/diniece/wp-content/blogs.dir/37/files/2016/08/CENPE-2014-Resultados-Preliminares.pdf 83 Fondo de las Naciones Unidas para la Infancia – Unicef. Los pueblos indígenas en Argentina y el derecho a la educación Los niños, niñas y adolescentes indígenas de Argentina: diagnóstico socioeducativo basado en la ECPI. Buenos Aires: Ediciones Emede S.A., 2010.

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entre 20 e 29 anos chegam ao nível universitário84, o que acaba impactando a formação

docente indígena:

Los maestros trabajan en escuelas con población indígena y no indígena, desde el Nivel Inicial hasta el Tercer Ciclo (aunque esto último en realidad no ha sido implementado); las tareas asignadas y el modo de enseñar en el aula varían enormemente de escuela en escuela y según el proyecto pedagógico de la institución educativa. Su formación muestra una gran diversidad: existen docentes que han realizado talleres y cursos de capacitación, egresados de Institutos de Formación Docente, de profesorados, y en algunos casos personas elegidas por sus comunidades pero que han recibido poca capacitación de manera sistemática. Esta diferencia tiene un correlato con la participación que se le da al docente en el aula para brindar contenidos sobre EIB85.

Os professores indígenas brasileiros, em sua maioria, não passaram pela

qualificação mínima para docência, muitos deles dominam bem os conhecimentos

tradicionais, que são próprios de suas culturas, mas muitas vezes não possuem domínio

das demais áreas do conhecimento da sociedade não-indígena como a língua portuguesa

e a matemática. Em contrapartida, os professores não-indígenas que atuam em escolas

indígenas, mesmo tendo formação em magistério ou curso superior, não possuem

conhecimentos sobre os povos indígenas, dificultando assim o desenvolvimento de uma

proposta “intercultural”86. Silveira, destaca:

Chama atenção o reduzido número de professores graduados com licenciatura que atuam no final do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. É importante considerar que nessas etapas da escolarização os conteúdos a serem ministrados são específicos, mais avançados do

84 PALADINO, Mariana; OSSOLA, María Macarena; FREITAS, Ana Elisa de Castro; ROSSO, Laura. Pueblos indígenas y Educación Superior: indagaciones y experiencias en Argentina y Brasil. Revista del Instituto de Investigaciones en Educación Facultad de Humanidades – UNNE. Disponível em: <http://hum.unne.edu.ar/revistas/educa/archivos/cont8/presentacion8.pdf>. Acesso em: 12 out. 2017, p. 07, citando: Paladino, M. “Pueblos indígenas y educación superior en Argentina. Datos para el debate”. Revista ISEES, Núm.6, Santiago, Chile; Fundación Equitas, 2009 e Rezaval, J. Políticas de inclusión social a la educación superior en Argentina, Chile y Perú. Buenos Aires: Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales (Flacso), 2008. 85 Ministerio de Educación y Deportes de la Nación. Pueblos indígenas en la Argentina: interculturalidad, educación y diferencias. – 1ª ed. Buenos Aires: Ministerio de Educación y Deportes de la Nación, 2016, p. 38. 86 SILVEIRA, Edson Damas; SILVEIRA, Stela Aparecida Damas. Direito fundamental à educação indígena. Curitiba: Juruá. 2012, p. 26.

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ponto de vista da formação acadêmica. Apenas 21,2% dos professores que atuam no ensino fundamental nos anos finais e 51% daqueles que lecionam no ensino médio possuem licenciatura. Dados sobre o ensino superior são extremamente precários, mas alguns estudos indicam a ordem de apenas 2.000 estudantes em todo o Brasil87.

De acordo com o Referencial para formação de professores indígenas, o quadro

desses docentes no Brasil demonstra a precariedade e a defasagem no processo de

capacitação desses profissionais. Seus níveis de escolaridade variam e apresentam

grande heterogeneidade, em proporções que se modificam em cada estado brasileiro. No

geral, 28,2% dos professores indígenas ainda não completaram o Ensino Fundamental,

24,8% têm o Ensino Fundamental completo, 4,5% possuem o Ensino Médio completo;

23,4% têm o nível médio com magistério, 17,6% cursaram o médio com magistério

indígena e apenas 1,5% cursaram o nível superior88

6. Relevância e alcance da fixação de metas normativas

É evidente que as opções normativas dos dois países ao longo dos anos

acabaram por configurar o estágio dos sistemas educacionais de Argentina e Brasil. A

centralização do sistema educacional e a sua maior ênfase na educação básica geraram

dividendos educacionais mais evidentes para a Argentina até a década de 1990 do

século XX, se comparado com o Brasil (FONSECA, LOPES & PEREIRA). Em virtude

desse ponto de partida diverso a Argentina tem indicadores educacionais e sociais

melhores que o Brasil, especialmente no que concerne aos patamares básicos do sistema

como acesso, expectativa de escolarização e formação inicial dos docentes, embora no

Brasil pós 1988 alguns desses problemas tenham sido mitigados.

Todavia, nem sempre as medidas legislativas e administrativas adotadas nos dois

países se configuraram como políticas públicas educacionais, que pressupõem

necessariamente a fixação de metas, em instrumentos normativos e administrativos,

87 SILVEIRA, Edson Damas; SILVEIRA, Stela Aparecida Damas. Direito fundamental à educação indígena. Curitiba: Juruá. 2012, p. 26. 88 Referenciais para a formação de professores indígenas/ Secretaria de Educação Fundamental - Brasília: MEC; SEF, 2002. p. 20

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definidas a partir de valores, supostamente consensuais a respeito dos propósitos,

conteúdo e processos de aprendizagem. ( ADAMS, 2014)

Somente a partir da redemocratização de Argentina e Brasil, nos períodos

subsequentes à inovações constitucionais de 1994 e 1988, é que normas de

planejamento educacional, com fixação de metas e prazos vão surgir nos dois países.

Não se pode desconsiderar a influência da experiência internacional sobre a nova

práxis jurídica dos dois países, seja pelo exemplo da adoção de metas em outros países,

a recomendação de organismos internacionais de educação e de financiamento, como

Bnaco Mundial, que tem uma visão de resultados da educação bastante tecnicista.

Se, de um lado, as metas educacionais são atreladas a diversos valores, reduzem

a complexidade dos desafios a serem enfrentados e podem entregar promessas vãs,

configuram elementos inovadores de controle democrático dos resultados

governamentais. Por exemplo, no caso de metas consensuais, como as estudadas, a

respeito da necessidade de garantir acesso às crianças na pré-escola e formação inicial

adequada dos professores de educação básica, a existência do compromisso de seu

cumprimento em determinado prazo já, em si, é uma grande vantagem, sobretudo em

culturas políticas e jurídicas extremamente formais.

É fundamental, todavia, compreender que a fixação de metas em textos

legislativos se insere na fase da concepção da política pública e não de sua

implementação, portanto não gera desdobramentos imediatos na realidade. Há a crença

de que a meta prevista em lei será mais observada, pela essência vinculante da norma

legal, a exemplo da aposta do governo argentino em criar uma lei veiculando um plano

decenal da educação, a exemplo do Brasil, ao invés de implementar as metas do plano

estratégico de educação, já estabelecido como norma administrativa. Como

demonstramos ao longo do artigo, a experiência brasileira demonstra que várias metas

estabelecidas no primeiro plano legislativo da educação não foram cumpridas, a

despeito de sua natureza legal.

O cumprimento das metas parece estar mais relacionado à sustentabilidade de

sua definição e ao envolvimento de entes públicos, privados e da sociedade no seu

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cumprimento. Portanto, políticas públicas orientadas a cumprimento de metas são

sempre importantes, mas estarem previstas em leis não são, necessariamente, um

passaporte para a sua realização. As metas legislativas intentam estabelecer políticas de

Estado e não de governos específicos, mas não há como negar que os câmbios políticos

conjunturais em muito atrasam, comprometem ou até inviabilizam o cumprimento de

metas, ainda que fixadas normativamente.

Portanto, não se pode associar , com segurança, a fixação de metas educacionais

em leis com resultados de melhoria de indicadores sociais pretendidos pela lei. A sua

relevância e alcance consistem principalmente em permitir o controle das políticas

públicas educacionais, fixando critérios de accountablity desde a formulação da política

pelo Poder Executivo, no debate social, na esfera do Poder legislativo e nas instâncias

da sociedade, e, ensejando, a possibilidade de controle judicial. As metas normativas

qualificam o debate sobre as políticas públicas e permitem exposição da falência dos

governos em cumpri-las.

Essa ampliação do controle democrático não é pouco em países como Argentina

e Brasil, mas ainda está longe de ser tudo. Uma cultura normativa que trabalha muitas

vezes com o valor do simbólico (NEVES, 2007) muitas vezes se utiliza do expediente

da fixação de metas, apenas para aplacar os anseios sociais por aquela política pública.

O enquadramento das metas normativas em sua real perspectiva, nos permite

concluir por sua relevância e potencial de alcance, até mesmo porque se adequam à

tradição jurídica de países de família romano-germânica e ampliam o espectro de

controle do Poder Executivo em matéria relevante. Não devemos, contudo, nos deixar

seduzir pelo canto da sereia. Em matéria de política pública, importa menos o desenho

normativo do que a sua efetiva concretização nas vidas de seus destinatários.

7. REFERÊNCIAS

ADAMS, Paul. Policy and education. London and New York: Routledge, 2014. Berlinski, Samuel; Galiani, Sebastian (2004) : The effect of a large expansion of pre-primary school facilities on preschool attendance and material employment, IFS

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públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

Working Papers, Institute for Fiscal Studies (IFS), No. 04/30, http://dx.doi.org/10.1920/wp.ifs.2004.0430 BUJÁN Y FERNÁNDEZ, Antonio. La influencia del derecho romano en el sistema jurídico iberoamericano. Conferencia pronunciada en la Facultad de Derecho de Córdoba, el 6 de mayo de 1993. Derecho y Opinión 2, 1994, p. 186. Disponível em: DÍAZ BIALET. El Derecho Romano en la obra de Veléz Sársfield. Córdoba, Argentina, 1949, apud BUJÁN Y FERNÁNDEZ, 1993, op. cit., p. 186. CATANI, Afrânio Mendes & AZEVEDO, Mário Luiz Neves. Estudos de políticas de educação em uma prespectiva comparada: uma antecipação crítica de Bourdiueu e Passeron. Jorna de políticas educacionais n. 14. Julho/dezembro de 2013. P. 51-61 DANTAS, Ivo. Direito comparado como ciência. Revista de Informação Legislativa. Brasília. A. 34 n. 134 abr./jun. 1997. DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo.São Paulo: Martins Fontes,1996. FONSECA, Carina Rabelo de Souza. PEREIRA, Jéssica Maria Viana, LOPES, Vinícius Baptista Soares. Federalismo e políticas de educação na Argentina e no Brasil. Congresso Latino-americano de ciência política. Associação Latino-americana de Ciência Política. Julho de 2017. Acessível em http://www.congresoalacip2017.org/arquivo/downloadpublic2?q=YToyOntzOjY6InBhcmFtcyI7czozNToiYToxOntzOjEwOiJJRF9BUlFVSVZPIjtzOjQ6IjMwOTAiO30iO3M6MToiaCI7czozMjoiYTVlZGNjZWFiNThjYzgxYTU5MjY0ZGZlM2YwZDI4OWYiO30%3D Fondo de las Naciones Unidas para la Infancia – Unicef. Los pueblos indígenas en Argentina y el derecho a la educación Los niños, niñas y adolescentes indígenas de Argentina: diagnóstico socioeducativo basado en la ECPI. Buenos Aires: Ediciones Emede S.A., 2010. Guia de Estudio: Programa desarrollado de la matéria de Constitucional. - 5a ed. - Buenos Aires : Estudio, 2008, pp. 28-29. Disponível em: <http://helvia.uco.es/xmlui/bitstream/handle/10396/7105/dyo2_fdesdebujan.pdf?sequence=1. Consultado dia 04.04.17. HUTCHINSON, Tomás. El sistema argentino de control judicial de la Administración. Anales de la Universidad de La Plata. Revista de la Facultad de Ciencias Jurídicas y Sociales de La Plata, Año 7, nº. 40, 2010, pp. 152-153. NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007. PALADINO, Mariana; OSSOLA, María Macarena; FREITAS, Ana Elisa de Castro; ROSSO, Laura. Pueblos indígenas y Educación Superior: indagaciones y

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experiencias en Argentina y Brasil. Revista del Instituto de Investigaciones en Educación Facultad de Humanidades – UNNE. Disponível em: <http://hum.unne.edu.ar/revistas/educa/archivos/cont8/presentacion8.pdf>. Acesso em: 12 out. 2017. SILVEIRA, Edson Damas; SILVEIRA, Stela Aparecida Damas. Direito fundamental à educação indígena. Curitiba: Juruá. 2012. SILVERO SALGUEIRO, Jorge. Controles constitucionales sobre el Poder Ejecutivo. Preguntas se encuentran establecidas en el programa SELA – 2006, p. 08. Disponível em: http://www.palermo.edu/derecho/publicaciones/sela2006_pdf/Jorge_Silvero.pdf, consultado dia 05.04.17 UNESCO. La educación al servicio de los pueblos y del planeta. Informe de seguimiento de la educación en el mundo. Ediciones UNESCO, 2016. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0024/002485/248526s.pdf, consultado dia 09.10.17. UNESCO: http://uis.unesco.org/country/AR, consultado dia 10.10.17 ARTIGO 6:

O USO DO BIG DATA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS

Autores: Clarice Seixas Duarte, Fernando Büscher von Teschenhausen Eberlin, Fayola

Cajuella e Tamara Medeiros.

Resumo: O artigo analisa o uso do Big Data nas Políticas Públicas educacionais,

comparando essa ferramenta com o uso puro e simples das estatísticas oficiais, mediante

a verificação da posição doutrinária, em especial fora do Brasil, a respeito das vantagens

do uso dessa ferramenta no campo das Políticas Públicas. Também são estudados os

riscos do uso do Big Data, em especial os relativos à privacidade e à possibilidade de

má compreensão das informações colhidas por outros mecanismos que não decorram de

métodos tradicionais, como os censos e as pesquisas baseadas em metodologias

científicas. O trabalho verifica como o Plano Nacional de Educação orienta as políticas

educacionais ao uso de dados e como o Big Data poderia se integrar aos métodos

tradicionais de obtenção de informações. Ao final, conclui-se que é necessário criar

regras e garantias que viabilizem a segurança jurídica de operações de tratamento de

dados, bem como a proteção das crianças e adolescentes enquanto usuários.

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Palavras chave: Big Data. Proteção de Dados Pessoais. Políticas Públicas educacionais.

Sistema Nacional de Educação. Plano Nacional de Educação.

1. Introdução

A Política Pública é um programa de governo que decorre de um conjunto de

processos para realizar objetivos previa e politicamente definidos, selecionando

prioridades, reservando os recursos necessários e estabelecendo metas para atingir os

resultados esperados. Na área da educação, a Lei 13.005/2014, que instituiu o Plano

Nacional de Educação (PNE), traz os parâmetros para a elaboração das políticas

educacionais e indica a importância da obtenção de dados para essa finalidade. A Lei

12.965/2014 (Marco Civil da Internet – MCI), por sua vez, reconhece a importância da

rede mundial de computadores no âmbito da educação, como ferramenta para o

exercício da cidadania e promoção da cultura (art. 26).

Uma das características do mundo contemporâneo é a grande quantidade de

informações disponíveis na internet e oriundas das mais diversas fontes (redes sociais,

ferramentas de busca, dados cadastrais, informações de empresas etc.). Esse conjunto de

dados, também conhecido por Big Data, pode ser utilizado no campo das Políticas

Públicas, como um complemento para as fontes estatísticas oficiais, que normalmente

são consultadas pelas entidades governamentais. O objetivo específico desse artigo é

investigar como o Big Data pode ser utilizado no âmbito das Políticas Públicas

educacionais.

Para abordar o tema, será estudado, incialmente, o conceito de Big Data e a atual

posição doutrinária em relação ao uso dessa ferramenta no campo das Políticas

Públicas. Em seguida, serão verificadas as vantagens e os riscos do uso de informações

obtidas na internet e em outras bases pelo poder público. Por fim, será feita uma análise

das situações práticas em que o uso desse tipo de dado nas Políticas Públicas

educacionais pode ser viável.

2. Big Data e a importância dos dados nas Políticas Públicas

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Como aponta Bucci, “a política pública deve visar a realização de objetivos

definidos, expressando a seleção de prioridades, a reserva de meios necessários à sua

consecução e o intervalo de tempo em que se espera o atingimento dos resultados”89. A

definição das prioridades de uma Política Pública depende do correto entendimento do

contexto e das necessidades das pessoas para quem ela é direcionada, além de outros

fatores relacionados à atuação do Estado.

Fernández e Ferrer lembram que a administração pública não é uma variável

independente, mas sim uma variável totalmente dependente de outros fatores como

economia, a política, a tecnologia e a evolução da sociedade90. Para elaborar Políticas

Públicas, o governo precisa de dados e informações a respeito da sociedade, de suas

necessidades e prioridades91; normalmente, a administração utiliza bases de dados

estatais/oficiais para isso. Na sociedade da informação, a enorme quantidade de dados

disponíveis também pode ser útil para essa finalidade.

Em tal contexto, a expressão Big Data está relacionada a essa diversidade de

informações e pode ser definida como bases de dados tão grandes que as tecnologias

atuais ainda não conseguem manipular adequadamente92. Além disso, e talvez esse seja

o sentido mais importante da expressão, o Big Data representa a possibilidade de

interconexão e de relacionamento entre esses dados. Para Williamson, o tratamento dos

dados (e não apenas o acesso a eles) proporciona uma “fotografia digital” que consegue

revelar mais do que a simples aglutinação de todas as informações (de acordo com o

89 BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de Políticas Públicas em Direito. In BUCCI, Maria Paula Dallari (org.). Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Editora Saraiva, 2006. Página 39. 90 FERNÁNDEZ, Yarina Amoroso; FERRER, Dévorah Costales. Big Data: una herramienta para la administación pública. Ciencias de La Información, [s.l.], v. 47, n. 3, p.3-8, 2016. Pág. 6. 91 Fernández e Ferrer reforçam a necessidade da gestão e análise de dados para obter tendências, comportamentos, estatísticas a respeito da sociedade, com objetivo de elaborar as políticas sociais e orçamentárias baseadas nas necessidades e demandas dos cidadãos, o qual também deve participar ativamente do processo de elaboração das políticas orientadas aos setores sociais. (FERNÁNDEZ, Yarina Amoroso; FERRER, Dévorah Costales. Big Data: una herramienta para la administación pública. Ciencias de La Información, [s.l.], v. 47, n. 3, p.3-8, 2016. Pág. 5.) 92 STOUGH, Roger; MCBRIDE, Dennis. Big Data and U.S. Public Policy. Review Of Policy Research, [s.l.], v. 31, n. 4, p.339-342, 2014. Pág. 339.

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públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

autor, o que importa não é possuir uma grande quantidade de dados, mas sim o que se

faz com os mesmos)93.

O Big Data é caracterizado pelos chamados “4Vs”: volume, velocidade,

variedade e veracidade94. Essas características conduzem a uma mudança nos

paradigmas clássicos para elaboração de estatísticas. Esse novo paradigma está

representado na possibilidade de capturar e tratar rapidamente (quase que

instantaneamente) um grande volume de dados95, muitas vezes a custos mais baixos.

De fato, como lembram Jarmin e O’Hara, as estatísticas tradicionais são

especialmente concebidas para determinadas finalidades; se restringem a um universo

emoldurado por conteúdos decorrentes de perguntas pré-definidas e específicas e,

muitas das vezes, carecem de volume de informações, velocidade e, até mesmo,

veracidade96. Hackl acrescenta que determinadas pesquisas (como o censo)

proporcionam resultados para áreas geográficas pequenas a custos altos97 e dá a

entender que o uso de Big Data, além de ampliar as possibilidades de análise, pode

proporcionar resultados eficientes a custos menores para a administração.

Schintler e Kulkarni indicam que o Big Data é uma fonte para ajudar inúmeros

aspectos da elaboração de Políticas Públicas, tais como a definição do problema, a

avaliação das políticas existentes e, até mesmo, o fortalecimento da atuação dos 93 WILLIAMSON, Andy. Big Data and the Implications for Government. Legal Information Management, [s.l.], v. 14, n. 04, p.253-257, dez. 2014. Cambridge University Press (CUP). http://dx.doi.org/10.1017/s1472669614000553. Pág 253. 94 JARMIN, Ron S.; O'HARA, Amy B.. BIG DATA AND THE TRANSFORMATION OF PUBLIC POLICY ANALYSIS. Journal Of Policy Analysis And Management, [s.l.], v. 35, n. 3, p.715-721, 10 maio 2016. Wiley-Blackwell. http://dx.doi.org/10.1002/pam.21925. Pág. 715. 95 “The classic statistical paradigm was one in which researchers formulated a hypothesis, identified a population frame, designed a survey and a sampling technique, and then analyzed the results (Groves, 2011). The new paradigm means that it is now possible to digitally capture, semantically reconcile, aggregate, and correlate.” (LANE, Julia. BIG DATA FOR PUBLIC POLICY: THE QUADRUPLE HELIX. Journal Of Policy Analysis And Management, [s.l.], v. 35, n. 3, p.708-715, 10 maio 2016. Wiley-Blackwell. http://dx.doi.org/10.1002/pam.21921. Pág. 709.) 96 JARMIN, Ron S.; O'HARA, Amy B.. BIG DATA AND THE TRANSFORMATION OF PUBLIC POLICY ANALYSIS. Journal Of Policy Analysis And Management, [s.l.], v. 35, n. 3, p.715-721, 10 maio 2016. Wiley-Blackwell. http://dx.doi.org/10.1002/pam.21925. Pág. 716. 97 HACKL, Peter. Big Data: What can official statistics expect? Statistical Journal Of The Iaos, [s.l.], v. 32, n. 1, p.43-52, 27 fev. 2016. IOS Press. http://dx.doi.org/10.3233/sji-160965. Pág.43.

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cidadãos e dos demais atores envolvidos no processo98. Trabalhar com dados, por

exemplo, permite monitorar comportamentos potencialmente terroristas. Permite

também identificar epidemias (quanto maior a procura na internet por medicamentos

para gripe em uma determinada região, maiores os indícios de uma possível epidemia e

maiores as chances de se adotar alguma conduta preventiva na localidade afetada).

Os dados que podem auxiliar a atuação estatal podem vir das mais diversas

fontes e, inclusive, de procedimentos que já estão totalmente incorporados à rotina

econômica. Um exemplo interessante trazido por Hackl é o uso de dados de scanner

(como os utilizados por comerciantes para leitura de códigos de barras de produtos).

Tais informações, se transmitidas ao estado, permitiriam compreender, rápida e

eficazmente, a evolução de preços e as vendas de comidas e bebidas99. Isso seria útil,

por exemplo, para medir de maneira eficaz, e a custos menores, a variação da inflação.

Na área específica da educação, observar o que as pessoas falam nas redes

sociais pode ajudar a identificar uma escola que possui deficiências. De fato, os

comentários e mensagens transmitidas online, especialmente em redes sociais, são

fontes para obtenção de informações de opinião pública. Tal informação, como assinala

Wang, é de grande valor para a elaboração de Políticas Públicas, pois permite conhecer

os problemas e necessidades da coletividade, formular políticas para endereça-las, avaliar

a efetividade dessas políticas e, também, para engajar as pessoas em processos de geração

de ideias e de solução de problemas100.

Além disso, o Big Data também pode ser uma ferramenta útil para promover

transparência e credibilidade às Políticas Públicas, gerando confiança entre os diferentes

98 SCHINTLER, Laurie A.; KULKARNI, Rajendra. Big Data for Public Analysis: The Good, The Bad, and The Ugly. Review Of Policy Research, [s.l.], v. 31, n. 4, p.343-348, 2014. Pág. 343. 99 HACKL, Peter. Big Data: What can official statistics expect? Statistical Journal Of The Iaos, [s.l.], v. 32, n. 1, p.43-52, 27 fev. 2016. IOS Press. http://dx.doi.org/10.3233/sji-160965. Pág. 44. 100WANG,Yinying.BigOpportunitiesandBigConcernsofBigDatainEducation.Techtrends,[s.l.],v.60,n.4,p.381-384,27abr.2016.SpringerNature.http://dx.doi.org/10.1007/s11528-016-0072-1.Pág.382.EspecialmenteemrelaçãoaoengajamentodapopulaçãonaspolíticaspúblicaspormeiodoBigData,éimportanteobservarqueoMCItrazalgumasdiretrizesparaasaplicaçõesdeinternetdopoderpúblico(art.25)e,entreelas,estáo“fortalecimentodaparticipaçãosocialnaspolíticaspúblicas”.

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grupos de atores, algumas vezes com interesses distintos, envolvidos em uma determinada

discussão101.

Os dados possuem um potencial bastante elevado para o campo das Políticas

Públicas, mas o seu uso, em si, não é algo absolutamente novo. Com efeito, embora

atualmente estejam bem mais disponíveis, os dados sempre foram usados pelos setores

públicos (para elaboração de políticas) e privados (para elaboração de estratégias). A

diferença é que no passado os dados eram criados diretamente pelas empresas ou pelos

órgãos públicos, que os mantinham e os utilizavam internamente. Atualmente, com uso

da internet, os dados estão mais disponíveis e, como visto, são criados pelos próprios

indivíduos em plataformas como Facebook, YouTube e Twitter102.

A grande descoberta dos tempos atuais é de que os dados de empresas, agências,

estados, municípios, universidades e demais provedores de informações podem ser

complementados entre si e, quando integrados, formam uma base de dados completa,

sem as deficiências que as bases de dados, analisadas isoladamente, possuem103. Jarmin

e O’Hara sustentam que a compilação de fontes de dados diversas, especialmente

quando realizada com o uso de ferramentas de Big Data, pode criar uma oportunidade

sem precedentes para transformar a análise de Políticas Públicas104.

Embora relevante, o tema ainda não é regulamentado no direito pátrio. No

Brasil, há vários projetos de lei para criação de um marco regulatório relativo à proteção

de dados pessoais, sendo que os mais relevantes são o Projeto de Lei do Senado n.

330/2013 e, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 4060/2012 e os Projetos

101 SCHINTLER, Laurie A.; KULKARNI, Rajendra. Big Data for Public Analysis: The Good, The Bad, and The Ugly. Review Of Policy Research, [s.l.], v. 31, n. 4, p.343-348, 2014. Pág. 345. 102 WILLIAMSON, Andy. Big Data and the Implications for Government. Legal Information Management, [s.l.], v. 14, n. 04, p.253-257, dez. 2014. Cambridge University Press (CUP). http://dx.doi.org/10.1017/s1472669614000553. Pág 254. 103 LANE, Julia. Big data for public policy: the quadruple helix. Journal Of Policy Analysis And Management, [s.l.], v. 35, n. 3, p.708-715, 10 maio 2016. Wiley-Blackwell. http://dx.doi.org/10.1002/pam.21921. Pág. 710. 104 JARMIN, Ron S.; O'HARA, Amy B.. BIG DATA AND THE TRANSFORMATION OF PUBLIC POLICY ANALYSIS. Journal Of Policy Analysis And Management, [s.l.], v. 35, n. 3, p.715-721, 10 maio 2016. Wiley-Blackwell. http://dx.doi.org/10.1002/pam.21925. Pág. 715.

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5276/2016 e 6391/2016, apensados ao primeiro. O Projeto de Lei 5276/2016105,

especificamente, é um dos mais recentes e abrangentes em relação ao tema. Tal Projeto

permite, em seu art. 7º, III, o tratamento de dados pessoais “pela administração pública,

para o tratamento e uso compartilhado de dados necessários à execução de políticas

públicas previstas em leis ou regulamentos”, sendo que o art. 11, III, “b”, do mesmo

Projeto de Lei, permite, também, o uso de dados sensíveis para essa finalidade,

independentemente do consentimento do seu titular. Este Projeto de Lei, em seu

Capítulo IV, traz algumas regras a serem observadas pelo poder público no tratamento

de dados pessoais, tais como utilizar os dados para finalidades públicas (art. 23) e seguir

princípios de proteção de dados pessoais (art. 26).

Não obstante seja claro o potencial o potencial do uso do Big Data no campo das

Políticas Públicas, há alguns riscos que demandam cuidados na utilização dessa

ferramenta, os quais serão analisados na próxima Seção.

3. Possíveis aspectos negativos no uso do Big Data para as Políticas Públicas

Para que o Big Data, de fato, possa integrar Políticas Públicas, algumas questões

devem ser previamente resolvidas. Hackl elenca dentre essas questões a disponibilidade

de métodos de tecnologia da informação, a implementação de métodos estatísticos que

dialoguem com Big Data, a existência de políticas e diretivas a respeito do

gerenciamento e proteção de dados, além da existência de leis que permitam o acesso e

o uso de dados para essas finalidades106.

Na mesma linha, Lane aponta 4 grupos de questões que devem ser endereçadas

no tratamento de dados: técnicas (determinar a proveniência dos dados e agregar

informações de maneira científica); legais (especificamente acordos para

compartilhamento de informações); privacidade (questões ligadas a consentimento e

105 Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1457459& filename=PL+5276/2016; acesso em 07 dez. 2017. 106 HACKL, Peter. Big Data: What can official statistics expect? Statistical Journal Of The Iaos, [s.l.], v. 32, n. 1, p.43-52, 27 fev. 2016. IOS Press. http://dx.doi.org/10.3233/sji-160965. Pág. 47.

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públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

anonimização de dados); e treinamento (desenvolvimento de habilidades para quem vai

trabalhar com dados)107.

As preocupações apontadas pelos autores acima podem ser endereçadas em dois

grandes grupos de problemas. Um primeiro que se relaciona à forma pela qual os dados

são tratados, o que envolve os aspectos referentes às questões técnicas, de treinamento e

de integração entre métodos estatísticos e o Big Data. O segundo grupo de preocupações

está ligado ao tema da privacidade das pessoas que terão suas informações pessoais

tratadas, o que envolve a existência de um arcabouço legal que autorize esse tratamento,

assim como os métodos de informação e de manifestação do consentimento para

tratamento de dados pessoais no campo das Políticas Públicas. O objetivo dessa Seção é

tratar esses dois aspectos, o que será feito nas Subseções a seguir.

3.1. A necessidade de análise e tratamento criterioso dos dados

O tratamento inadequado dos dados pode conduzir a inferências incorretas da

realidade, permitir conclusões equivocadas e, até mesmo, a manipulação de

informações. O Big Data, como já mencionado, é um grande conjunto de informações

que só terão utilidade quando forem corretamente processadas e tratadas. Conforme

sustenta Hackl, não se pode dizer que o Big Data seja capaz de substituir

completamente as estatísticas oficiais no campo das Políticas Púbicas108. De fato, as

estatísticas estão baseadas em metodologias e premissas científicas que devem ser

preservadas para a correta interpretação das informações.

Stough e McBride lembram que entre as características do Big Data constam a

irregularidade e a heterogeneidade das informações disponíveis, sendo que os atuais

métodos de análises estatísticas ainda não estariam preparados para realizar uma análise

107LANE, Julia.BIGDATAFORPUBLICPOLICY:THEQUADRUPLEHELIX. JournalOfPolicyAnalysisAndManagement, [s.l.], v. 35, n. 3, p.708-715, 10 maio 2016. Wiley-Blackwell. http://dx.doi.org/10.1002/pam.21921. Pág. 712. 108 HACKL, Peter. Big Data: What can official statistics expect? Statistical Journal Of The Iaos, [s.l.], v. 32, n. 1, p.43-52, 27 fev. 2016. IOS Press. http://dx.doi.org/10.3233/sji-160965. Pág. 52.

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públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

adequada desses dados109. Tal constatação remete ao desafio de integrar o Big Data às

metodologias de estatísticas oficiais, proporcionando redução de custos, maior

velocidade e variedade das informações utilizadas pela administração pública.

Um dos primeiros cuidados que devem ser tomados consiste em identificar os

possíveis desvios e vieses das informações coletadas. Bright e Margetts apontam que,

no Big Data, embora os dados estejam bastante disponíveis, muitas vezes eles podem

ser tendenciosos e não representativos; além disso, apesar de estarem disponíveis a um

baixo custo, podem existir restrições (legais e contratuais) para o seu uso e tais dados

também podem estar sujeitos a fraudes e distorções110. Nessa linha, Schintler e Kulkarni

advertem que o uso do Big Data como um simples conjunto de números ou palavras,

sem que se considere os aspectos temporais, espaciais, sociais e culturais pode conduzir

a falsas interpretações e conclusões111.

Bright e Margetts, analisando especificamente as Políticas Públicas, lembram de

uma característica importante sobre o Big Data, que é o fato de os dados coletados de

mídias sociais serem fornecidos maneira “passiva”. Com efeito, nas mídias sociais, as

pessoas podem expressar suas opiniões sobre política e governo de modo

descompromissado, sem esperar que tais informações sejam coletadas e utilizadas no

processo de elaboração das Políticas Públicas. Essa contribuição passiva, segundo os

autores, é bastante diferente de mecanismos nos quais os cidadãos ativamente deliberam

e participam de fóruns, audiências públicas e discussões; nestes cenários, as pessoas

refletem de maneira diferente para fazer escolhas conscientes ligadas à elaboração de

Políticas Públicas112.

109 STOUGH, Roger; MCBRIDE, Dennis. Big Data and U.S. Public Policy. Review Of Policy Research, [s.l.], v. 31, n. 4, p.339-342, 2014. Pág. 339. 110 BRIGHT, Jonathan; MARGETTS, Helen. Big Data and Public Policy: Can It Succeed Where E-Participation Has Failed? Policy & Internet, [s.l.], v. 8, n. 3, p.218-224, set. 2016. Wiley-Blackwell.http://dx.doi.org/10.1002/poi3.130.Pág.221.111 SCHINTLER, Laurie A.; KULKARNI, Rajendra. Big Data for Public Analysis: The Good, The Bad, and The Ugly. Review Of Policy Research, [s.l.], v. 31, n. 4, p.343-348, 2014. Pág. 344. 112 BRIGHT, Jonathan; MARGETTS, Helen. Big Data and Public Policy: Can It Succeed Where E-Participation Has Failed? Policy & Internet, [s.l.], v. 8, n. 3, p.218-224, set. 2016. Wiley-Blackwell.http://dx.doi.org/10.1002/poi3.130.Pág.222.

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públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

As características do Big Data, portanto, sugerem uma constante necessidade de

análise a respeito da qualidade dos dados que serão utilizados, o que coloca em dúvida

determinados mecanismos automáticos de tomada de decisão113.

Athey explica que o Big Data proporciona várias maneiras de prever

comportamentos e fatos, sendo que uma dessas técnicas, denominada “self machine

learning” (SML), consiste no uso de dados e informações com padrões repetitivos para

antever determinadas situações. Tais informações repetitivas podem ser processadas por

máquinas, que utilizam certos algoritmos e tomam decisões importantes sem qualquer

tipo de interferência humana. Por exemplo, a administração pública poderia, sem

qualquer intervenção humana, determinar como distribuir os policiais por uma cidade

com base no algoritmo que utiliza informações sobre quantidade de assaltos, roubos e

outros incidentes, dados de densidade populacional e até mesmo imagens do Google

Street View. A este respeito, Athey ainda adverte que, embora esse tipo de tecnologia

possa ser extremamente eficiente, é preciso que os algoritmos estejam corretamente

programados para que não usem premissas equivocadas ou descontextualizadas (como,

por exemplo, entender que um determinado padrão é repetitivo quando, na verdade, não

é). Isso é especialmente importante em cidades nas quais os padrões de comportamento

sejam heterogêneos114.

Apesar da redução dos impactos no caso de algoritmos bem configurados, o

caminho mais prudente para o uso de Big Data em Políticas Públicas parece ser o de

manter algum tipo de intervenção humana na tomada de decisões. Não se trata, portanto,

de abandonar os métodos atuais de tomada de decisão e migrar para os algoritmos e 113 Com efeito, uma das características referentes ao tratamento de dados é a utilização dos algoritmos, que são fórmulas programadas previamente para interpretar as informações colhidas na internet, detectar padrões e prever comportamentos. Os algoritmos podem funcionar com ou sem interferência humana. No segundo caso, há muitas controvérsias envolvendo a possibilidade de submeter dados pessoais a mecanismos automatizados de tomada de decisão. Na Europa, por exemplo, o regulamento 2016/679 (Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32016R0679&from=PT>. Acesso em: 08 nov. 2017.), no artigo 21, prevê um direito de oposição do titular dos dados em relação à submissão de suas informações pessoais a mecanismos automáticos de tomada de decisão. No entanto, entre as exceções previstas para o uso de dados nessas circunstâncias, está a “prossecução de atribuições de interesse público”, o que apimenta a discussão a respeito da legitimidade do uso de dados pessoais no campo das Políticas Públicas. 114ATHEY,Susan.Beyondprediction:Usingbigdataforpolicyproblems.Science,[s.l.],v.355,n.6324,p.483-485, 2 fev. 2017. American Association for the Advancement of Science (AAAS).http://dx.doi.org/10.1126/science.aal4321.Pág.1.

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públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

para as decisões automáticas, mas sim de aprimorar o atual estado da arte, utilizando as

potencialidades e benefícios do Big Data.

3.2. Privacidade dos cidadãos cujos dados são utilizados pelo Governo para

elaboração de Políticas Públicas

As potenciais ofensas à privacidade também demandam atenção no uso do Big

Data associado às Políticas Púbicas. O conceito de privacidade, na atual sociedade da

informação, possui algumas vicissitudes. Além de significar a impossibilidade de

interferência de terceiros em aspectos da vida pessoal, a privacidade na sociedade dos

dados significa também atribuir ao titular dos dados pessoais o poder de determinar o

que será feito com a informação existente a seu respeito (se será utilizada, se será

divulgada, se será tratada)115.

O tema ganha contornos mais complexos quando se refere ao uso de dados

pessoais para políticas de governo. Stough e McBride alertam que o uso do Big Data

para Políticas Públicas pode representar um receio bastante relevante de que o governo

passe a explorar e invadir a esfera privada das pessoas116. Tomasevicius Filho, ao

analisar o tema, lembra de tentativas de violação da privacidade por iniciativas

governamentais na Europa, em especial na França e na Alemanha117. Essa preocupação

se justifica porque o interesse público é um dos elementos que autoriza, na Comunidade

115 “[...] a tutela da privacidade, nessa nova acepção, não se contenta com a proibição à intromissão alheia na vida íntima (dever geral de abstenção). Impõe também deveres de caráter positivo, como o dever de solicitar autorização para a inclusão do nome de certa pessoa em um cadastro de dados ou o dever de possibilitar a correção de dados do mesmo cadastro pelo seu titular, a qualquer tempo.” (SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. São Paulo: Atlas, 2011. Pág. 131.) 116 “(…) the biggest impediment to Big Data or information concerning people is that its use potentially intrudes into or supports the perception that it might intrude into and compromise our constitutionally granted protection of privacy grom government exploitation.” STOUGH, Roger; MCBRIDE, Dennis. Big Data and U.S. Public Policy. Review Of Policy Research, [s.l.], v. 31, n. 4, p.339-342, 2014. Pág. 341. 117 “Na França, tentou-se criar o projeto SAFARI (Sistema Automatizado de Arquivos Administrativos e de Informações sobre Indivíduos), o qual foi encerrado em 1974 após reclamações. Em 1982, na Alemanha, desejava-se que a população respondesse no censo a 160 perguntas. Entendeu-se que nesse caso estava havendo desvio de finalidade, sem que as pessoas tivessem o controle sobre o que seria feito com esses dados. A justiça alemã, ao julgar esse caso, teria mencionado a autodeterminação informativa, como o direito dos indivíduos de decidirem os limites sobre o uso de seus dados pessoais.” (TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. Em direção a um novo 1984? A tutela da vida privada entre a invasão de privacidade e a privacidade renunciada. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, [s.l.], v. 109, p.129-169, 2014. Pág. 152.)

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Europeia, o uso de dados pessoais, inclusive de maneira automatizada,

independentemente do consentimento do seu titular118.

Outro aspecto importante ligado à privacidade é a tendência, em especial no

setor público, de que os dados sejam abertos e transparentes, o que, segundo

Williamson, é um elemento importante para a democracia119. A abertura normalmente é

materializada em políticas de dados abertos, tendência de vários países, inclusive o

Brasil, conforme se pode verificar no site www.dados.gov.br. As políticas de dados

abertos são baseadas na ideia de que certos tipos de informação devem estar

disponíveis, independentemente de direitos de propriedade intelectual, patentes, censura

ou quaisquer outras restrições normalmente utilizadas para os dados; no contexto

governamental, políticas de dados abertos criam alternativas para os indivíduos, para o

setor privado e para organizações com fins lucrativos ou não, que poderão encontrar

novas oportunidades e desenvolver novos produtos e serviços120.

A abertura dos dados é um elemento adicional que reforça a necessidade de

controle e de adequação dos procedimentos que envolvam o uso de informações

pessoais, para evitar ofensas ao princípio da privacidade. É preciso mensurar os

benefícios advindos do uso de dados pessoais para entender quais seriam os limites

aceitáveis para o seu uso121.

118 O art. 6º, 1, “e” do Regulamento 2016/679 (disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT /PDF/?uri=CELEX:32016R0679&from=PT>. Acesso em: 08 nov. 2017.) traz uma regra geral segundo a qual o tratamento de dados pessoais é lícito, ainda que não haja consentimento do titular, quando “for necessário ao exercício de funções de interesse público ou ao exercício da autoridade pública de que está investido o responsável pelo tratamento”. O art. 89 desse mesmo Regulamento traz regras para o uso de dados de interesse público, como, por exemplo, a obrigação dos Estados Membros de garantir direitos e liberdades do titular dos dados, de assegurar o respeito ao princípio da minimização (ou seja, tratar apenas as informações que sejam estritamente necessárias ao interesse público) e de adotar medidas de pseudonimização ou anonimização de dados, sempre que possível. 119 WILLIAMSON, Andy. Big Data and the Implications for Government. Legal Information Management, [s.l.], v. 14, n. 04, p.253-257, dez. 2014. Cambridge University Press (CUP). http://dx.doi.org/10.1017/s1472669614000553. Pág 254. 120 CARLO, Bertot John et al. Big data, open government and e-government: Issues, policies and recommendations. Information Polity, [s.l.], v. 19, n. 12, p.5-16, 2014. IOS Press. http://dx.doi.org/10.3233/IP-140328. Pág. 6. 121 A esse respeito, Schintler e Kulkarni discutem, com base em análises de custo-benefício, como mensurar uma violação aceitável da privacidade de um grupo de pessoas se, em contrapartida, tal violação permitir a implementação de uma política pública que venha a beneficiar toda uma região em particular

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A legislação brasileira vigente, em especial o MCI, não trata de maneira

especifica do uso de dados pessoais em Políticas Públicas122, de modo que o operador

do Direito deverá trabalhar com os princípios envolvidos em cada situação concreta

para buscar a melhor solução. O interesse público inerente à efetivação de Políticas

Públicas, deste modo, deverá ser sopesado com as garantias individuais decorrentes do

direito à privacidade. Uma sugestão bastante pertinente para o tema é criar mecanismos

que façam com que os dados a serem usados para Políticas Públicas sejam, via de regra,

anonimizados. Em outras palavras, as informações pessoais que permitam identificar

indivíduos devem ser apagadas ou transformadas antes de serem disponibilizadas para

análise123. Casos específicos, nos quais seja necessário associar a informação a uma

pessoa certa e determinada, devem ser tratados como exceção.

4. Big Data nas Políticas Públicas Educacionais

Wang aponta que os estudantes de hoje crescem no ambiente digital e, nele,

realizam as suas atividades diárias e também as atividades de aprendizagem, deixando

traços digitais abundantes, tais como cliques de mouse, textos digitados em sites nos

computadores, tablets e smartphones, movimentos detectados por sensores e expressões

faciais reconhecidas por câmeras espalhadas por todos os lugares124. Isso cria uma

enorme base de dados que permite entender e conhecer melhor os alunos, suas

necessidades, desejos, orientações e deficiências, mas também permite que essas

informações gerem trilhas que viabilizem o rastreamento de comportamento dos

usuários por empresas.

Com o intuito de de resguardar as crianças, o relatório da Unicef, “The State of

World’s children 2017. Children in a digital word”, recomenda ações prioritárias para

beneficiar as crianças e proteger as mais vulneráveis, quais sejam: (i) salvaguadar a

(SCHINTLER, Laurie A.; KULKARNI, Rajendra. Big Data for Public Analysis: The Good, The Bad, and The Ugly. Review Of Policy Research, [s.l.], v. 31, n. 4, p.343-348, 2014. Págl. 346.). 122 Como mencionado na seção 2, o tema foi endereçado no Projeto de Lei 5276/2016. Contudo, até o presente momento, o assunto não se encontra positivado. 123 STOUGH, Roger; MCBRIDE, Dennis. Big Data and U.S. Public Policy. Review Of Policy Research, [s.l.], v. 31, n. 4, p.339-342, 2014. Pág. 342. 124 WANG, Yinying. Big Opportunities and Big Concerns of Big Data in Education. Techtrends, [s.l.], v. 60, n. 4, p.381-384, 27 abr. 2016. Springer Nature. http://dx.doi.org/10.1007/s11528-016-0072-1. Pág. 382.

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privacidade e identidade das crianças on line; (ii) resguardá-las de violências on line

(abuso, exploração e demais exposições aos riscos); (iii) orientar a respeitos das

possíveis ameaças e a postura de uma navegação segura; e (iv) fomentar a atuação ética

do setor privado em relação às normas e práticas de proteção das crianças conectadas à

rede mundial de computadores.125

Tais medidas, associadas a um correto uso das informações, podem melhorar a

qualidade do ensino. De fato, a Política Pública, como lembram Schintler e Kulkarni, é

uma reação para um problema atual, percebido ou antecipado126, de modo que, na área

da educação, o conhecimento dos dados ajudaria a entender as deficiências de uma

determinada escola, a melhorar qualidade do ensino onde for necessário, identificar

locais em que deveriam haver mais escolas (em função da superpopulação nas unidades

existentes), descobrir que escolas precisam de mais recursos financeiros, dentre várias

outras medidas.

A importância das informações para a formulação de Políticas Públicas foi

reconhecida pelo PNE. O art. 4º da Lei 13.005/2014, por exemplo, estabelece que as

metas previstas no PNE devem ter como referência a Pesquisa Nacional por Amostra de

Domicílio (PNAD), além do censo demográfico e dos censos nacionais de educação

básica e superior.

O acompanhamento regular da execução do PNE e o cumprimento de suas metas

são realizados pelo(a): Ministério da Educação - MEC; Comissão de Educação da

Câmara dos Deputados e Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal;

Conselho Nacional de Educação - CNE; Fórum Nacional de Educação, conforme dispõe

o artigo 5º do PNE.

Para atingir as metas, o artigo 7º do PNE, determina a atuação em regime de

colaboração da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, os quais criarão

mecanismos para o monitoramento regional em direção ao alcance das metas deste PNE 125 UNICEF. The State of the world's children 2017. Children in a digital word. Disponível em <https://www.unicef.org/publications/files/SOWC_2017_ENG_WEB.pdf >. Último acesso em 12.12.2017. P.5. 126 SCHINTLER, Laurie A.; KULKARNI, Rajendra. Big Data for Public Analysis: The Good, The Bad, and The Ugly. Review Of Policy Research, [s.l.], v. 31, n. 4, p.343-348, 2014. Pág. 344.

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e dos respectivos planos locais, de modo a produzir a cooperação entre os entes

federados, o que reforça a viabilidade de complementação por mecanismos nacionais e

locais de coordenação e colaboração recíproca.

O denominador comum entre os planos de cada ente federado está pautado nas

seguintes estratégias, de acordo com o artigo 8º, §1º, do PNE: assegurar a articulação

das políticas educacionais com as demais políticas sociais; a observância das

especificidades das populações do campo, indígenas e quilombolas garantida a equidade

educacional e a diversidade cultural; a aplicação dos cuidados atinentes à educação

especial em um contexto inclusivo em todos os níveis, etapas e modalidades e

promoção da articulação interfederativa para a execução das políticas educacionais.

Durante a elaboração e adequação dos Planos, o Big Data pode ser utilizado entre os

entes federados, com a colaboração de representantes da comunidade educacional e

demais integrantes da sociedade civil.

O art. 11, § 1º, I, da lei acima referida, determina que o Sistema Nacional de

Avaliação da Educação Básica deverá produzir, a cada 2 anos, indicadores de

rendimento escolar referentes ao desempenho dos estudantes, levando em conta

avaliações escolares e dados apurados pelo censo escolar de educação básica. Na

formação profissional, na meta 11 do PNE, que envolve a educação profissional técnica

de nível médio, a estratégia 11.14 propõe estruturar um sistema nacional de informação

profissional, associando dados das instituições de formação aos do mercado de trabalho.

A junção de bases de dados de empresas, de estatísticas de mercados de trabalho, e de

escolas (com dados de alunos e de suas avaliações) seria uma providência pertinente

para atender os objetivos descritos nestes dispositivos legais.

O uso de meios digitais para aprendizagem também faz parte do escopo do PNE.

A meta 7, que trata da educação básica, traz na estratégia 7.20 uma diretriz para prover

equipamentos e recursos tecnológicos digitais para utilização pedagógica. No mesmo

sentido, as estratégias 12.15 e 14.7 sugerem a institucionalização de programas de

composição de acervos digitais. O acesso, pelos alunos, a métodos digitais de ensino,

incluindo os acervos digitais, cria uma base de dados sobre o seu comportamento,

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públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

desempenho, pesquisas que estão sendo conduzidas e outras informações que podem ser

importantes para a formulação de políticas públicas127.

Entre os pontos abordados na meta 3 do PNE, existe a obrigatoriedade de até

2024 a taxa líquida de matrículas no ensino médio ascender para 85%. Para concretizar

a meta 3 foi estabelecida a estratégia 3.9 no seguinte sentido: “promover a busca ativa

da população de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos fora da escola, em articulação com os

serviços de assistência social, saúde e proteção à adolescência e à juventude”128.

As estratégias 3.12 e 3.13 também buscam resguardar adolescentes que estão em

contextos que podem resultar em abandono escolar. Por isso, a estratégia 3.12 busca

oferecer opções para o curso do ensino médio, assegurada a qualidade, àqueles que

possuem genitores que desempenham trabalhos de caráter itinerante, enquanto a tática

3.13 indica a execução de políticas anteriores aos casos de evasão em razão de

preconceito entre outras manifestações discriminatórias, elaborando uma rede de

proteção contra a exclusão.

O uso de tecnologia de base para evitar a evasão escolar pode ser exemplificado

pelo controle de presença dos alunos na escola. O sistema municipal de monitoramento

dos alunos funciona da seguinte maneira: a carteira de identificação do aluno passa por

um leitor de código de barras após a entrada na escola. Em seguida, os pais ou

responsáveis recebem via e-mail e/ou mensagem de celular (SMS ou por aplicativo) o

registro da presença dos alunos. Em alguns sistemas, é demonstrado o calendário

escolar, atividades extraclasses, a correção de provas e disponibilização das notas, o que

permite o acompanhamento direto dos pais ou responsáveis legais da criança.

Verificada a ausência contínua ou reiterada do aluno, os agentes sociais

escolares são designados para averiguar e relatar os motivos da ausência do aluno. Para

apurar os fatos, os agentes sociais visitam a residência do aluno, conversam com os pais

127 Seguindo essa linha, o MCI, no art. 26, reconhece a importância da internet nas políticas educacionais, na medida em que estabelece que o Estado, ao prover a educação, deve realizar a capacitação “para o uso seguro, consciente e responsável da internet como ferramenta para o exercício da cidadania, a promoção da cultura e o desenvolvimento tecnológico”. O art. 27 do MCI menciona iniciativas públicas de fomento à cultura digital e “de promoção da internet como ferramental social”. 128 Lei n. 13.005/2014, que institui o Plano Nacional de Educação.

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e responsáveis para compreensão do contexto em que o aluno está inserido, o que

permite minimizar dificuldades e propor soluções.

Nesse sentido, os agentes sociais podem apoiar as famílias para a emissão da

carteira de passe escolar, cadastro em programas assistenciais ou encaminhar os casos de violência ou exposição ao perigo para o Centro de Referência Especializado de

Assistência Social (CREAS) e ativar a participação do Conselho Tutelar. Além do

controle da escola e dos pais, essa conduta, em um contexto de Big Data, permite a

visão macro para acompanhamento das estratégias relacionadas à meta 3 de combate à

evasão escolar e viabiliza ações eficazes para a permanência do estudante na escola.

As informações coletadas pelos agentes sociais podem integrar base de dados da

escola, das delegacias regionais de ensino, secretarias municipais e estaduais para

compor a proposta ou aperfeiçoamento de Políticas Públicas.

É importante ressaltar que, na área da educação, já existem algumas plataformas

que coletam e utilizam dados para monitorar o tema no país. O Sistema de

Monitoramento e Expedição de Alerta129, por exemplo, ajuda a monitorar o

cumprimento das metas do PNE. A Fundação Lemann, por seu turno, mantém, desde

2012, a Plataforma Qedu130 com dados do sistema de ensino básico. A existência de

dados e de fontes de dados para aprimorar os processos educacionais é um fato.

Contudo, como já exposto, o simples acesso aos dados não basta para um uso eficiente de Big Data. É necessário que os dados sejam trabalhados e que se crie uma cultura de

uso de dados na área da educação.

De um ponto de vista prático, os dados, quanto bem utilizados, podem fazer com que as Políticas Públicas reflitam melhor as necessidades, opiniões e desejos das

pessoas, tornando o seu mecanismo de elaboração e implementação mais democrático.

O Big Data também pode auxiliar a construção de um Sistema Nacional de

Educação eficiente. De fato, considerando a heterogeneidade e as dimensões

continentais do Brasil, há muitos municípios que não possuem recursos e diretrizes

mínimas para implementar um sistema municipal de educação. Bases de dados com

129 Disponível em: https://pne.tce.mg.gov.br/#/public/inicio , acesso em 07 dez. 2017. 130 Disponível em: http://qedu.org.br/, acesso em 07 dez. 2017.

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diretrizes claras podem permitir o acesso a informações e diretrizes de implementação

de sistemas de educação, bem como a inserção de informações, por parte desses

municípios, que permitam avaliar, até mesmo automaticamente, quais são as

deficiências e necessidades mais importantes de cada sistema municipal de educação.

Mecanismos de cruzamento de dados também permitem obter maiores

informações a respeito dos profissionais de educação. Dados como assiduidade,

desempenho escolar das turmas vinculadas a um determinado professor, formação,

histórico de carreira (disciplinas lecionadas no passado) e tantas outras podem ajudar

não só no mapeamento do desempenho e desenvolvimento de um professor, mas

também na definição de necessidades e estratégias de formação profissional. O trabalho

com sistemas de informação também irá auxiliar os professores no entendimento dos

alunos com os quais trabalharão, além de facilitar a coleta de informações para

elaboração de relatórios e outras atividades burocráticas que consomem o tempo do

professor, permitindo ao mesmo uma dedicação maior às atividades de ensino, com

ganhos de produtividade para todo o sistema.

Sem dúvida, o Big Data pode ser usado para as Políticas Públicas educacionais.

Contudo, os riscos mencionados na Seção anterior também podem incidir na utilização

dessa ferramenta no campo da educação. Segundo Wang, as grandes preocupações

envolvendo o uso Big Data na área da educação estão ligadas à segurança, privacidade e

questões éticas referentes à proteção de dados pessoais. A segurança e a privacidade

estão relacionadas e dizem respeito aos processos de armazenamento e correto uso dos

dados, além da necessária obtenção de um consentimento para que dados possam ser

colhidos e utilizados, como já apontado na Seção anterior. Uma das inquietações

manifestadas por Wang é o uso incorreto de dados da vida do estudante (como por

exemplo, uma deficiência ou mau desempenho), no futuro, em prejuízo dessa pessoa,

dificultando seu acesso a universidades ou mesmo ambientes profissionais. Os dados

devem ser protegidos e usados de acordo com o consentimento manifestado pelo seu

titular. A questão ética, por fim, está relacionada ao conhecimento, por parte dos

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Mecanismosjurídicosdearticulação,institucionalizaçãoecontroledepolíticas

públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

titulares dos dados, de que suas informações podem ser usadas para pesquisas e

elaboração de políticas131.

5. Considerações Finais

O uso do Big Data em Políticas Púbicas educacionais pode aprimorar a

utilização das bases de dados oficiais e, mais do que isso, inserir no âmbito do PNE uma

cultura para o uso de dados e informações. Isso ajudaria a encontrar diagnósticos mais

precisos a respeito das deficiências e necessidades regionais, podendo o Big Data se

tornar uma ferramenta importante de articulação e integração de um Sistema Nacional

de Educação.

Políticas Públicas que usem o Big Data na área da educação, contudo, devem

definir clara e previamente: (i) quais dados são relevantes para as políticas educacionais;

(ii) quais dados precisam identificar os estudantes individualmente e quais dados podem

ser trabalhados de forma anonimizada; (iii) a finalidade para qual os dados serão

coletados, impedindo-se o uso abusivo de informações que possam, no futuro,

prejudicar o desenvolvimento do estudante e sua inserção em meios acadêmicos e

profissionais.

Nesse sentido, a forma da coleta, tratamento, análise e ao final o descarte dos

dados devem constituir o foco de atenção dos gestores públicos ao compreenderem o

ciclo de vida e o fluxo dos dados coletados.

A base para regular o contorno da utilização dos dados pessoais e das

ferramentas virtuais é a segurança jurídica e a proteção dos usuários.

Para preservar a privacidade, o uso do Big Data deve se pautar sempre que

possível na anonimização dos dados utilizados, inviabilizando a identificação de

condutas, gostos e interesses de indivíduos e se concentrando nos aspectos relevantes do

comportamento de grupos de pessoas que possam vir a ser beneficiadas por Políticas

Públicas. 131 WANG, Yinying. Big Opportunities and Big Concerns of Big Data in Education. Techtrends, [s.l.], v. 60, n. 4, p.381-384, 27 abr. 2016. Springer Nature. http://dx.doi.org/10.1007/s11528-016-0072-1. Pág. 383.

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ARTIGO 7: A INTERNACIONALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: UM ESTUDO NA ÁREA DE DIREITO

Autora: Maria Lucia Indjaian

RESUMO

Este artigo tem como objetivo proporcionar uma visão sobre como está ocorrendo o processo de internacionalização na pós-graduação stricto sensu em direito no Brasil, a partir do final dos anos de 1990, quando a internacionalização passou a ser utilizada como um indicador da qualidade dos programas que oferecem cursos de doutorado.

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públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

Para tanto se fundamenta em uma pesquisa de natureza qualitativa e exploratória que utilizou como procedimentos metodológicos a revisão bibliográfica, a análise documental e a realização de entrevistas. Os dados obtidos permitiram observar que a política nacional de garantia de qualidade adotada contribuiu para induzir o processo de internacionalização dos programas e os mesmos realizaram dois grupos de atividades de cooperação internacional: o primeiro composto por um grande número de atividades voltadas para obter uma posição de destaque no cenário internacional e, outro, composto por um número menor de ações voltadas para projetos visando benefícios mútuos e ações de solidariedade entre os países. Palavras-chave: internacionalização; direito; pós-graduação stricto sensu ; CAPES

INTRODUÇÃO

A cooperação internacional na educação superior é uma atividade presente desde

a origem das primeiras associações de ensino superior e ainda é uma das mais

importantes ações para se entender o processo de internacionalização dessa modalidade

de ensino.

Se na Idade Média estudantes de diferentes partes do mundo se reuniam em

associações autônomas e espontâneas com o intuito de discutir e aprofundar temas de

interesse comum utilizando o latim como idioma, a partir dos anos de 1980, no contexto

da globalização que atinge os diferentes países do mundo, o inglês passa a ser o idioma

comum para a comunicação científica e surgem novas práticas, provedores, sentidos e

significados para as ações de cooperação e colaboração internacional, que expressam

os interesses dos diversos apoiadores desse processo : organismos internacionais;

governos e órgãos governamentais; instituições de ensino superior; comunidade

acadêmica, administrativa e científica ; institutos de pesquisa; associações de

profissionais e agências de acreditação.

O termo cooperação internacional é utilizado na América Latina, ressalta Knight

(2005), para referir-se à cooperação de desenvolvimento internacional bilateral ou

multilateral, que conta com apoio financeiro, voltado para uma variedade de propósitos,

entre os quais as ações e atividades para o desenvolvimento institucional e de recursos

humanos. Miranda et. al. (2008) entendem a cooperação internacional, enquanto uma

modalidade de relação entre os países que buscam um benefício mútuo para superar as

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Mecanismosjurídicosdearticulação,institucionalizaçãoecontroledepolíticas

públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

dificuldades de cada nação que inicialmente se caracterizou por um caráter assistencial,

e que nas últimas décadas tem se transformado em uma relação de parceria e entre os

envolvidos.

Nesses termos, destaca Knight (2005), essa cooperação pode assumir diferentes

significados de acordo com as relações de desenvolvimento que se estabelecem entre os

países envolvidos. Quando essa relação está voltada para a ajuda e assistência técnica

dos países em desenvolvimento o termo cooperação vertical é utilizado. Já quando a

relação entre os países expressa um benefício mútuo e uma relação de parceria entre os

países denomina-se de cooperação horizontal ou cooperação sul-sul.

Para Didriksson (2008) o modelo de cooperação horizontal, que está se

desenvolvendo na América Latina e Caribe, estaria voltado para a criação e otimização

das capacidades dos países da América Latina para produzir conhecimentos científicos e

tecnológicos e estabelecer uma política de diálogo e intercâmbio, através de projetos

conjuntos interinstitucionais apoiados em um trabalho em redes, voltados para uma

cultura de solidariedade internacional que respeite as capacidades de cada país.

A revisão na literatura sobre o tema permitiu observar a existência de uma

grande quantidade de conceitos e termos utilizados para se referirem às diferentes

práticas e ações de internacionalização entre os países, instituições e pesquisadores nem

sempre utilizados com um sentido ou definidos com clareza e, em alguns casos, o

mesmo termo reporta-se a situações distintas, o que evidencia a necessidade de

explicitar o sentido e o significado desses termos, bem como de contextualizar a sua

prática . Entre os principais termos encontrados se destacam: mobilidade internacional;

mobilidade acadêmica; mobilidade discente; mobilidade docente; associações

internacionais para novos programas acadêmicos; cooperação internacional horizontal;

cooperação internacional vertical; internacionalização ativa; internacionalização

passiva; dimensão internacional; atividades transnacionais; projetos de desenvolvimento

internacional; planos de estudos interculturais e mundiais ; atividades transnacionais;

intercâmbios ; sociedades internacionais; transnacionalização; cooperação internacional

para o desenvolvimento; cooperação internacional universitária; projetos de

desenvolvimento internacional; colaboração institucional madura; parceria horizontal;

colaboração simétrica; colaboração acadêmica; internacionalização lucrativa;

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Mecanismosjurídicosdearticulação,institucionalizaçãoecontroledepolíticas

públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

internacionalização cooperativa; internacionalização solidária; colaboração científica e

tecnológica e pesquisa em rede. (ALTBACH; CAVALEIRO, 2007; MOROSINI, 2006;

2011; LIMA; MARANHÃO, 2009; VANZ, 2009; DRIDIKSSON, 2008; KNIGHT,

2005; GUADILLA, 2005; STALLIVIERI, 2004; MIRANDA ET. AL., 2008)

Por outro lado, constata-se a necessidade de novos conceitos analíticos que

permitam compreender a complexidade dos novos processos, onde os envolvidos se

combinam de maneiras diferentes e, até mesmo, inéditas como nos diz Guadilla (2005),

que enfatiza que é preciso superar dicotomias entre público e privado; gratuito e não

gratuito e transnacional e nacional, visto que as articulações entre instituições

estrangeiras e nacionais podem ser mistas no tocante ao público-privado; isto é, uma

instituição pública no contexto nacional pode atuar como privada, vendendo serviços,

nos acordos que estabelece com instituições estrangeiras.

Essas considerações somadas ao fato de que se trata de um fenômeno recente,

complexo e ainda em processo, contribuem para que a produção acadêmica sobre o

tema seja ainda escassa, tanto nos estudos teóricos quanto em pesquisas aplicadas que

tenham como objetivo conhecer como esse processo está ocorrendo, quais as suas

características e seus impactos para o desenvolvimento científico e tecnológico e para o

desenvolvimento dos países. Mais ainda, pouco se sabe sobre o tipo de relações e redes

que se estabelecem entre os diversos agentes e segmentos envolvidos no processo:

países, áreas de conhecimento, instituições de ensino superior, institutos de pesquisa,

programas de pós-graduação, grupos de pesquisa e pesquisadores.

Em pesquisa realizada junto à base eletrônica da Scielo foram identificados 98

artigos, utilizando-se a palavra internacionalização como buscador, dos quais, apenas

14 referiam-se à internacionalização na educação.

Gacel-Ávila et. al. (2005) e Knight (2005) destacam a existência de poucos

estudos sobre a internacionalização na educação superior na América Latina. Alguns

são comparativos tendo como referência o futuro da educação; outros tratam da relação

entre globalização e internacionalização da educação superior na região e os seus

eventuais impactos, mas nenhum enfatiza o desenvolvimento e as características da

internacionalização na região.

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públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

Para Guadilla (2005), a internacionalização estaria se tornando o centro de

atenção das instituições acadêmicas e se tornando cada vez mais empresarial com

processos de comercialização e competitividade propiciando o que a autora denomina

de internacionalização lucrativa, em detrimento de uma internacionalização

cooperativa.

Nesse processo, Altbach e Cavaleiro (2007), ressaltam a utilização do Acordo

Geral de Comércio em Serviços (GATs), no âmbito da Organização Mundial do

Comércio, como um instrumento de efetivação da comercialização da educação superior

que não é mais entendida como uma responsabilidade pública, mas como um bem

privado que pode ser negociado como uma mercadoria qualquer, em um mundo global

onde se situam os alunos, professores e instituições. Miranda et.al.(2008) enfatizam o

argumento utilizado para a inclusão da educação entre os 12 serviços contemplados nos

GATs foi o de que os governos haviam permitido a oferta de serviços educacionais por

instituições privadas, caracterizando-os como um serviço comercial.

Para os fins deste estudo utiliza-se o termo internacionalização, à semelhança do

que nos diz Knight (2005), em seu sentido mais amplo, voltado para o desenvolvimento

não se limitando a uma atividade ou modalidade em especial; como um processo que

integra uma dimensão internacional, intercultural e mundial aos objetivos e finalidades

do ensino superior e contempla os níveis nacional e setorial e o nível institucional ou

individual. O nível nacional pode incluir diferentes entidades governamentais e ONGs e

o setorial contempla programas de educação nacional e tem grande influência na

internacionalização da educação superior através de políticas, recursos, programas e da

regulação. Já o nível institucional individual refere-se ao conjunto de estratégias e

atividades e revela como ocorre o processo de internacionalização. Mais ainda, é preciso

contemplar o nível internacional e os diferentes agentes envolvidos do processo de

globalização que atinge os diferentes países.

Este artigo tem como objetivo proporcionar uma visão, ainda que parcial, sobre

como está ocorrendo o processo de internacionalização na pós-graduação stricto sensu

em direito no Brasil a partir do final dos anos de 1990, quando a internacionalização

passa a ser utilizada como um indicador da qualidade dos programas que oferecem

cursos de doutorado, pela política nacional de garantia da qualidade, através da

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públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

Avaliação Trienal dos Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu realizada pela

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Para tanto se fundamenta em uma pesquisa de natureza qualitativa e exploratória

que adotou como procedimentos metodológicos a revisão na bibliografia visando a

contextualização da problemática; a análise documental contemplando documentos no

âmbito nacional e no nível institucional e a realização de entrevistas com representantes

da comunidade acadêmica de um programa de pós-graduação em direito.

O estudo além de atual é de extrema relevância para o desenvolvimento

científico e tecnológico do país e poderá contribuir para o debate sobre a questão em

diferentes níveis, em especial no das políticas públicas, no tocante ao planejamento,

avaliação e financiamento dessa modalidade de ensino e no âmbito das instituições de

ensino superior, dos programas de pós-graduação e da comunidade acadêmica e

científica de um modo geral.

Nesse sentido, o tema vem de encontro às ações da CAPES que deverá lançar

um Edital, com implantação prevista para o próximo ano de 2018, tendo como foco

programas de internacionalização de universidades brasileiras, visto que a maior parte

dos recursos hoje disponibilizados não priorizam as instituições, mas apenas

pesquisadores e grupos de pesquisadores, e que 64% dos pesquisadores brasileiros

atuantes em programas de pós-graduação stricto sensu do país, não possuem qualquer

experiência no exterior, conforme destacou o presidente da CAPES Abílio Baeta Neves,

em recente evento da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. (SBPC). Mais

ainda, em pesquisa realizada pela CAPES junto a uma amostra de 320 Instituições de

Ensino Superior (IES),constato-se que apenas oito IES (2%) foram classificadas como

altamente internacionalizadas. As demais 176 IES (55%) foram classificadas como

pouco internacionalizadas e 88 IES (27%) como medianamente internacionalizadas.

O texto foi estruturado em outras quatro seções. Na primeira, busca-se

contextualizar a internacionalização na educação no âmbito da globalização dos anos de

1980. Na segunda, descrevem-se algumas das características da internacionalização das

instituições de ensino superior da Europa e da América Latina. Na terceira, explicitam-

se os procedimentos metodológicos adotados no estudo. Na quarta apresentam-se os

resultados obtidos e, na sequência, as considerações finais.

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7. INTERNACIONALIZAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO

SUPERIOR

Neste estudo parte-se do pressuposto de que a internacionalização na educação

superior e o processo de globalização que atingiu diferentes países do mundo nos anos

de 1980, são conceitos distintos e inter-relacionados como nos dizem, entre outros:

Guadilla (2003); Knight (2005); Altbach e Cavaleiro (2007) e Albino (2008) apud Silva

(2011); Miranda et.al. (2008).

A globalização destaca Knight (2005), é um fator ambiental chave e que tem

efeitos positivos e negativos sobre a internacionalização da educação superior ainda

pouco estudados.

Miranda et.al. (2008), destacam que a globalização é um fenômeno que se

propaga independentemente da diversidade e da autonomia dos estados nacionais, da

identidade cultural e das necessidades humanas e tem efeitos econômicos, sociais,

geográficos e políticos que afetam a educação.

A globalização, para Altbach e Cavaleiro (2007), é entendida enquanto um

conjunto de forças econômicas, políticas e sociais levam o ensino superior a buscar

uma maior participação internacional, inclusive através da educação a distância e cursos

de franquia que não implicam necessariamente na mobilidade estudantil ou do

provedor.

Guadilla (2003), denomina a globalização educativa como sendo o fluxo de

conhecimento, valores, ideias que ocorrem além das fronteiras do país e que a

internacionalização é uma das maneiras ou formas pela qual. um país ou uma instituição

responde à esse processo.

De maneira semelhante, Albino (2008) apud Silva (2011) destaca que o conceito

de internacionalização se refere a uma fase de adaptação ao fenômeno da globalização e

contempla políticas e práticas realizadas pelas instituições de ensino superior, pelos

indivíduos e sistemas acadêmicos para lidar com o ambiente global, e, desta forma,

integra aspectos locais com os internacionais.

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É nesse contexto que se entendem as políticas de educação superior adotadas

pelos diferentes países e as atividades de cooperação realizadas pelas instituições de

ensino superior, institutos de pesquisa e pela comunidade acadêmica e pesquisadores.

A seguir apresentam-se algumas características do processo de

internacionalização na educação superior no nível nacional e institucional de

instituições de ensino superior de países da Europa e da América Latina, que estão

ocorrendo a partir dos anos de 1990, através dos dados obtidos por duas pesquisas. A

primeira realizada por Knight ( 2004, apud Gacel-Avila et. al.,2005) , no âmbito das

instituições de ensino superior participantes da International Association of Universities

, organismo não governamental internacional , com sede em Paris, associado à

UNESCO , que conta com a participação de IES de mais de 150 países. A segunda

realizada por Gacel-Avila et. al.(2005 ), contemplando sete países da América Latina (

Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, México e Peru ), que juntos representam 90%

da população da região.

CARACTERÍSTICAS DA INTERNACIONALIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES

DE ENSINO SUPERIOR DA EUROPA E DA AMÉRICA LATINA

Os dados apresentados por Gacel-Avila et. al.(2005) e Knight ( 2004, apud

Gacel-Avila et. al.,2005) trazem uma contribuição relevante para uma reflexão e a

contextualização do tema aqui em estudo, visto que permitem ter uma visão ampla da

internacionalização na educação superior a partir dos anos de 1980, em diferentes

contextos sociais, abordando os distintos níveis envolvidos no processo (internacional,

nacional e institucional ) e contemplando diferentes questões para a compreensão do

fenõmeno, entre as quais : razões para internacionalização ; políticas institucionais ; a

colaboração e cooperação na pesquisa; as redes de pesquisa; oficinas e escritórios de

internacionalização nas instituições de ensino superior; recursos humanos envolvidos na

gestão do processo; financiamento e qualidade do processo e acreditação internacional.

A pesquisa realizada no âmbito das instituições da International Association of

Universities indicou que o principal motivo da internacionalização é a mobilidade de

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estudantes e professores tendo como objetivos o desenvolvimento de estudantes,

professores e funcionários administrativos e alcance de padrões de qualidade.

A cooperação se dá de maneira inter-regional e a Europa é o principal parceiro.

As instituições têm uma estratégia de internacionalização e metade um sistema de

monitoramento de processo.

Os principais impulsionadores são os professores e o principal obstáculo é a falta

de apoio financeiro. A educação a distância e o uso de tecnologias de informação e

comunicação aparecem como oportunidades para novos desenvolvimentos e a fuga de

cérebros e a perda de identidade cultural como riscos processo.

A pesquisa realizada com os sete países da América Latina revelou que:

• os principais motivos para a internacionalização no nível nacional são a

construção da nação e o posicionamento do país na economia global do

conhecimento. Já no nível institucional destacam-se os padrões de

internacionalização e de qualidade e a solidariedade surge como uma força

impulsora da internacionalização;

• não existem políticas explícitas para a internacionalização das instituições que

descrevam a sua finalidade, suas razões, prioridades, objetivos, programas,

regulação, procedimentos e avaliação da qualidade do plano. As atividades

internacionais e programas não estão integrados no planejamento e estão

organizados principalmente em função da iniciativa individual dos professores e,

muitas vezes, são respostas a oportunidades oferecidas por instituições e

organismos internacionais;

• a cooperação e colaboração na pesquisa em rede , a partir dos anos de 1980,

caracterizou-se por um movimento em especial da Argentina, Brasil, Chile,

Cuba e México com os países desenvolvidos da Europa (Espanha, França,

Alemanha, Itália e Reino Unido). Observou-se um número menor de projetos

com os Estados Unidos, Canadá e Japão e poucos projetos de pesquisa inter-

regionais;

• embora as redes tenham se transformado em estratégias programáticas

importantes para as universidades latino americanas e tenham aumentado nos

últimos anos não existe um enfoque preciso sobre o seu significado e conteúdo

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públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

e são mais importantes para a realização de contatos internacionais do que sobre

atividades e são uma combinação de cooperação internacional vertical e

horizontal e, em geral , são respostas a estímulos externos, especialmente da

União Europeia, Estados Unidos e Canadá, e não iniciativas institucionais;

• a cooperação internacional está mais desenvolvida nas instituições públicas e em

um pequeno número de instituições privadas, em especial as universidades

católicas do Brasil e no Peru;

• as instituições se referem a atividades de cooperação distintas como a

participação em associações regionais e internacionais e a participação em

convênios multilaterais, programas e projetos tendo como objetivo o trabalho

conjunto em programas de investigação sobre temas regionalmente importantes

e sobre a consolidação de programas de qualidade acadêmica. Os países mais

ativos são o Brasil, Argentina e México que são também os que possuem os

maiores sistemas educacionais do conjunto de países estudados;

• as oficinas ou escritórios de internacionalização das instituições não tem

autonomia e autoridade para definir estratégias de internacionalização e que os

profissionais que atuam nelas tem baixa qualificação e que existe uma alta

rotatividade dos mesmos. Essas oficinas não aproveitam a experiência

profissional dos professores que estudaram no exterior na gestão do processo de

internacionalização;

• a maioria dos convênios só existe no papel ou foram criados como respostas a

fontes externas de financiamento;

• o foco do processo de internacionalização é no exterior e está orientado

especialmente para mobilidade de professores e estudantes.Não existe ênfase na

internacionalização “em casa” que contemple mudanças no currículo, no

processo de ensino e aprendizagem e atividades extracurriculares.Esse

movimento de internacionalização em casa começou na Europa devido a falta de

atenção prestada a 95% dos professores e alunos que não participavam das

atividades de mobilidade;

• até os anos de 1980 predominou o financiamento da cooperação voltado para o

desenvolvimento e para assistência técnica principalmente para o norte. Nos

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últimos anos tem-se um movimento gradativo do sul-sul. O BID foi o maior

financiador nos anos de 1960 a 1980. Até 1970 financiou especialmente

universidades públicas e a partir de 1970 passou a financiar instituições privadas

também. Nos anos de 1990, o Banco Mundial passou a ser o maior financiador

da educação superior em pesquisa, ciência e tecnologia, especialmente no Brasil,

Chile, México e Venezuela;

• não se observou referência à garantia de qualidade do processo de

internacionalização ou das atividades de internacionalização. A produtividade

acadêmica é avaliada a partir da produção individual e não considera a

participação em projetos de cooperação internacional. No tocante à acreditação

internacional de programas esta ocorre somente em algumas instituições,

especialmente das áreas de Administração de Negócios, Medicina e Engenharia.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este estudo tem como objetivo proporcionar uma visão sobre como está

ocorrendo o processo de internacionalização na pós-graduação stricto sensu em direito

no Brasil a partir do final dos anos de 1990.

O estudo de natureza qualitativa e exploratória utilizou como procedimentos

metodológicos a revisão na literatura acadêmica sobre o tema, a análise documental e da

realização de entrevistas.

A análise privilegiou a análise de documentos no âmbito internacional, nacional

e institucional para o período 1998 a 2013, e contemplou: Declaração Mundial sobre

Educação Superior no Século XXI: Visão e Ação (UNESCO, 1998); Plano Nacional de

Educação (2001/2011); V Plano Nacional de Pós-Graduação (2005/2010); Documento

de Avaliação da Área de Direito da Avaliação Trienal CAPES de 2013; Fichas de

Avaliação dos Programas de Direito classificados com nível de excelência internacional

na última Avaliação Trienal CAPES de 2013. Foram ainda contempladas as transcrições

de entrevistas realizadas com três representantes da comunidade acadêmica

(coordenador do programa, professor e doutorando ) de um programa de pós-graduação

em direito que ainda não atingiu o nível de excelência internacional.

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Mecanismosjurídicosdearticulação,institucionalizaçãoecontroledepolíticas

públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

No tratamento dos dados foi utilizada a técnica de análise de conteúdo de

Bardin (1977), realizada em três etapas de maneira circular e não sequencial e

contemplou: a definição e seleção dos documentos, a leitura e organização do material,

a redução do texto a unidades de registro menores, a tabulação e codificação das

mesmas , a classificação em categorias temáticas e as inferências.

O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO NA PÓS-GRADUAÇÃO

STRICTO SENSU EM DIREITO

Os dados obtidos foram classificados em três categorias temáticas: o significado

da internacionalização na educação superior; as atividades de cooperação internacional

dos programas de direito com nível de excelência internacional e a percepção da

comunidade acadêmica sobre a internacionalização.

Com relação ao significado da internacionalização na educação superior foi

contemplado o âmbito internacional e nacional e foram considerados os sentidos

atribuídos para a internacionalização na educação superior, internacionalização na pós-

graduação e internacionalização na pós-graduação stricto sensu em direito,

considerando os diferentes agentes, apoiadores e impulsionadores desse processo no

nível internacional e nacional: UNESCO, Ministério da Educação, a CAPES.

Para a UNESCO (1998) a educação superior, tem a missão educar, formar e

realizar pesquisas. A educação superior e as instituições de pesquisa, em conjunto com

as novas tecnologias, ao propiciarem a formação de uma massa crítica e qualificada de

pessoas e ao promoverem a cooperação internacional e o compartilhamento do

conhecimento produzido podem contribuir para reduzir disparidade que separam os

países em desenvolvimento dos desenvolvidos. Ressalta que essa cooperação

internacional, fundamentada em uma parceria voltada para a solidariedade e benefício

mútuo, deve guiar as relações entre os países, beneficiando, principalmente, os países

em desenvolvimento e que as instituições de educação superior tem responsabilidade

social de ajudar nesse processo encontrando soluções para problemas comuns e

promovendo a transferência de conhecimentos para além de suas fronteiras.

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Mecanismosjurídicosdearticulação,institucionalizaçãoecontroledepolíticas

públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

O governo federal, especialmente através do Ministério da Educação e da

CAPES, gradualmente, estipula em conjunto de medidas legais, programas e ações, nem

sempre estabelecidos em sequência temporal, que vão definindo e induzindo o processo

de internacionalização na educação superior e na pós-graduação stricto sensu.

Assim, por exemplo, embora o Plano Nacional de Educação, de

responsabilidade do Ministério da Educação, não explicitasse um significado específico

para a internacionalização na educação superior, destacava a importância da presença do

país no cenário internacional ao enfatizar que o desenvolvimento da educação,

entendida como um fator decisivo para o desenvolvimento do país e para reduzir a

pobreza e a miséria, iria propiciar uma mudança no quadro social, econômico do país

em direção a uma sociedade mais justa, com melhor qualidade de vida e com maior

presença no cenário internacional. Para tanto, destacava a necessidade de expansão das

universidades públicas tendo como objetivo atender a demanda crescente de alunos,

principalmente carentes, e o desenvolvimento da pesquisa visto que essas universidades

respondiam por mais de 90% da pesquisa e da pós-graduação no país.

Já a CAPES, através da Sistemática da Avaliação Trienal dos Programas,

implantada em 1998, e do V Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) elaborado para

o período 2005 a 2010, trazem outras contribuições, tornando esse significado mais

explícito.

A Avaliação Trienal, foi implantada em substituição à sistemática anterior, que

não discriminava mais os programas no interior das áreas e nem entre as distintas áreas

de conhecimento avaliadas e também não contemplava a internacionalização como

indicador de qualidade, como enfatizam Horta e Moraes (2005), Vasquez (2002) e

Neves ( 2002).

Assim, a partir de 1998, a internacionalização passa a ser considerada um

indicador da qualidade que mede a inserção internacional dos programas que oferecem

cursos de doutorado. A avaliação dos programas ocorre em duas etapas. Na primeira

participam todos os programas de pós-graduação e a nota máxima que pode ser obtida é

cinco. Na segunda, apenas os programas que oferecem cursos de doutorado que

obtiveram a nota cinco na primeira etapa e foram considerados elegíveis para as notas

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Mecanismosjurídicosdearticulação,institucionalizaçãoecontroledepolíticas

públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

seis e sete, que expressam a inserção internacional dos programas,que tem um nível de

desempenho diferenciado em relação aos demais programas da área.

O Documento de Avaliação da Área de Direito da última Avaliação Trienal

realizada pela CAPES em 2013, enfatizava a internacionalização integrada da área

destacando as atividades: participação em projetos de pesquisa internacionais; estágios

pós-doutoramento e de doutoramento sanduiche no exterior, em instituições de

referência internacional para a área; participação em grupos de pesquisa; participação

em redes de pesquisa internacionais ; produção científica internacional; publicações

internacionais; e intercâmbios de docentes e discentes.

O V Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) destacava como princípio

norteador a manutenção e o aprimoramento das conquistas já alcançadas pelo Sistema

Nacional de Pós-Graduação contando para isso com as políticas governamentais, com

os esforços da comunidade científica nacional e com a contínua integração com a

comunidade científica internacional com o apoio da CAPES e do CNPq.

Estabelecia ainda a necessidade de estimular a cooperação internacional por

meio das universidades ampliando o “modelo de parceria internacional” que contempla

“intercâmbio recíproco de alunos e professores em projetos de pesquisa específicos,

bolsa-sanduíche para alunos, estágios de curto prazo para professores e estágios para

recém-doutores.” Sugeria ainda como ações a apresentação de projetos; a captação de

recursos junto às agências de fomento internacionais ; o compartilhamento na

orientação de doutorandos em pesquisas de interesse estratégico para o país; a

ampliação do intercambio de estudantes de graduação tendo em vista a sua futura

inserção na pós-graduação e o “estímulo a parcerias e a formação de redes de pesquisa

na cooperação Sul-Sul , como suporte à formação de recursos humanos em áreas

prioritárias e de interesse comum.”

Com relação às atividades de cooperação internacional dos programas de direito,

a análise identificou oito programas que representam 10% dos programas

recomendados pela área em 2013, que pertencem a instituições de diferentes naturezas

administrativas (federal, estadual e particular) , tiveram o início de seus cursos de

mestrado entre 1975 e 1997 e estão localizados nas distintas regiões do país, à exceção

da região norte.

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Mecanismosjurídicosdearticulação,institucionalizaçãoecontroledepolíticas

públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

Os programas pertencem à Universidade de Brasília, Universidade (UNB);

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG);Universidade Federal de Santa Catarina

(UFSC) ; Universidade Federal do Paraná (UFPR); Universidade de São Paulo (USP),

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) , Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e Universidade Vale do Rio dos

Sinos (UNISINOS), conforme sistematizado no Quadro 1.

Quadro 1. Distribuição dos programas segundo ano de início, natureza

administrativa e região.

Programas Início

Mestrado

Início

Doutorado

Natureza

Administrativa Região

UnB 1975 2003 Federal Centro-Oeste

UFMG 1978 1931 Federal Sudeste

UFSC 1974 1984 Federal Sul

UFPR 1982 1994 Federal Sul

USP 1971 1971 Estadual Sudeste

PUCRS 1988 2000 Particular Sul

PUMG 1997 2000 Particular Sudeste

UNISINOS 1997 1999 Particular Sul

Fonte: CAPES (2015).

A análise permitiu observar um grande número de atividades em cooperação

comuns ao conjunto de programas conforme as orientações do PNPG ( 2005/2010) e as

diretrizes estipuladas no Documento de Avaliação da Área de Direito de 2013,entre as

quais: palestras, cursos, estágios de pesquisa, estágio pós-doutoral, seminários;

professores visitantes; participação de alunos estrangeiros nos cursos; realização de

eventos conjuntos; doutorado em co-tutela; participação em rede de pesquisa; projetos

de colaboração internacional; projetos de colaboração internacional com fomento;

publicação conjunta ; participação na diretoria de entidades internacionais;intercâmbios,

convênios, acordos, publicações conjuntas, bolsa sanduíche, professor visitante,

participação em eventos, realização de eventos ,participação em associações

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Mecanismosjurídicosdearticulação,institucionalizaçãoecontroledepolíticas

públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

internacionais, mobilidade discente, apresentação de trabalhos e escola internacional de

pesquisa.

Por outro lado a análise permitiu identificar, um número menor de ações de

cooperação específicas para cada programa, tais como: a definição de eixos temáticos

de interesse mundial como combate à pobreza (UFMG); interesse em problemas

regionais como os problemas latino americanos (UFPR); Cátedras UNESCO de Direitos

Humanos, Violência, Governo e Governança; Trabalho e Sociedade Solidária e Sérgio

Vieira de Mello (UNISINOS); Projetos de cooperação com fomento Escola de Altos

Estudos CAPES (UFPR), Edital PROBAL (CAPES e DAAD), Projeto com SPU

Argentina (UFSC), Projetos financiados pela CAPES; Participação no Projeto

Cooperação Universitária Francia-América Latina Caribe (UNISINOS), participação em

rede de pesquisa ACORN-REDECOM (UNB e turmas de alunos estrangeiros (UNB e

USP).

Observou-se que o conjunto de atividades e ações desenvolvidas pelos

programas podem estar expressando dois tipos de estratégias de internacionalização

diferentes voltadas para objetivos distintos: uma através de um grande número de ações

e atividades que permita uma avaliação do programa que o coloque em uma posição

diferenciada e de destaque no cenário internacional e outra visando o estabelecimento

de parcerias, em projetos que tragam benefícios mútuos, e na realização de ações em

rede voltados para uma cultura de solidariedade internacional nos moldes de uma

cooperação horizontal destacada por Knight (2005) e Didriksson (2008) ou de uma

internacionalização cooperativa, mencionada por Guadilla (2005) .

Cumpre ressaltar que o conjunto de atividades e ações foi mencionado, mas não

se encontrou nenhuma referência sobre os seus objetivos, conteúdo, alcance,

significado, resultados, impactos ou, até mesmo, avaliação da qualidade da

internacionalização, o que pode significar que foram ações que ficaram restritos apenas

ao papel, ou ainda, que foram realizados como respostas a estímulos externas com ou

sem financiamento, à exemplo do destacado nos trabalhos de Gacel-Ávila et. al.

(2005) e Knight (2004, apud Gacel-Ávila et. al. 2005).Mais ainda evidenciam que a

avaliação pode estar contribuindo para a indução do processo de internacionalização

mas não para a garantia e melhoria da qualidade do mesmo.

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Mecanismosjurídicosdearticulação,institucionalizaçãoecontroledepolíticas

públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

No tocante à percepção da comunidade acadêmica, as entrevistas realizadas no

âmbito dos representantes de um programa que ainda não atingiu o nível de excelência

internacional, permitiram observar que a internacionalização é entendida e desejada,

pela coordenação do programa, como um processo de produção de conhecimento

mútuo, ou seja, voltada para uma cooperação horizontal, e internacionalização

cooperativa conforme destacado por Knight (2005), Didriksson (2008) e Guadilla

(2005) : “A internacionalização é que a gente leve a nossa produção para contribuir e

evidentemente receber as influências e contribuições que são feitas fora do país”

Para que haja essa produção mútua de conhecimento em colaboração é

necessário, destaca um professor do programa, que se estabeleça uma relação entre os

pesquisadores, que tem que ser construída, tem que ser buscada : “[...] em que ter uma

dinâmica e uma visão de buscar em cada um o que cada um tem de melhor e como é

que eu consigo trazê-los para essa discussão [...] eu busco ter um relacionamento e

busco pensar nas potencialidades e quem é que pode dialogar comigo em cada um dos

projetos.”

No entanto, para que isso possa ocorrer é fundamental as relações e as redes já

existentes se tornem visíveis, ser tornem conhecidas para que possam ser

compartilhadas, otimizadas e exploradas, como nos diz o professor entrevistado: “ Eu

não consigo ver quem realizou evento com quem. Então essa rede que já existe pode ser

explorada”.

Observou-se que o processo de cooperação internacional não ocorre como parte

de uma estratégia de internacionalização da instituição e que o processo ocorre aos

pouco, a partir de “pequenas ações que não estão previstas em lugar nenhum, mas elas

vão entrando no bloco de atividades e a gente vai fazendo a cultura desse modo.”

A entrevista realizada com um doutorando do programa que teve uma

experiência no exterior durante a realização de seu curso reiterou a importância dessas

pequenas ações que vão se somando a outras ações e que juntas permitem estabelecer

uma estratégia para impulsionar e viabilizar a ação.Na entrevista o doutorando

destacou a importância que teve o contato prévio com um professor no exterior, o que :

“.No meu caso, tudo foi mais fácil assim, porque eu já conhecia o professor de anos

atrás, já tinha um contato[...] De muitos anos quando eu fiz um curso de especialização,

Page 187: Mecanismos jurídicos de articulação, institucionalização e ...

Mecanismosjurídicosdearticulação,institucionalizaçãoecontroledepolíticas

públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

eu já tinha trocado e-mails, já tinha conversado pessoalmente, já tinha tomado café e

fiquei muitos anos sem contato”.

Acredita-se que esse conjunto de pequenas ações no nível institucional

contemplando as experiências dos professores, alunos e equipes técnico administrativas

devam se compartilhadas e avaliadas visando a melhoria e aprimoramento da gestão do

processo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse estudo teve como objetivo propiciar uma visão sobre o processo de

internacionalização na pós-graduação stricto sensu na área de direito no Brasil, que

ganha ênfase no final dos anos de 1990, quando a internacionalização passa a ser

considerada um indicador de qualidade dos programas de pós-graduação stricto sensu

que oferecem cursos de doutorado.

A análise realizada permitiu observar que apenas 10% dos programas (oito)

foram classificados na última Avaliação Trienal CAPES de 2013, com um nível de

desempenho altamente diferenciado em relação aos demais programas da área e com

excelência internacional. Os programas pertencem a instituições de diferentes naturezas

administrativas públicas (federal e estadual) e privadas e, estão localizados em todas as

regiões do país, à exceção da região norte.

Os dados obtidos no âmbito das atividades realizadas pelos programas indicam

que está em curso no interior da área um processo de internacionalização que expressa

dois conjuntos de ações e atividades de cooperação : uma expressa um número maior de

atividades de cooperação que garantem aos programas uma posição de destaque no

cenário internacional e, outra, contempla um número menor de atividades e ações,

apoiado em um trabalho em redes, voltado para o desenvolvimento e benefício mútuo

dos envolvidos e para a criação de uma cultura de solidariedade internacional, nos

moldes de uma cooperação horizontal e internacionalização cooperativa, conforme

destacado por Didriksson ( 2008) e Knight ( 2005) e Guadilla ( 2005).

Não obstante, essas atividades e ações foram avaliadas tendo como referência a

sua quantidade e não levaram em conta o seu alcance, conteúdo, significado, resultados

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Mecanismosjurídicosdearticulação,institucionalizaçãoecontroledepolíticas

públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

já obtidos, potencial, impacto. Nesse sentido não se avalia a qualidade dessa inserção

internacional, o que nos permite dizer que a política nacional de garantia de qualidade

da pós-graduação stricto sensu adotada no Brasil, a partir do final dos anos de 1990,

está contribuindo para induzir a internacionalização dos programas da área de direito

que oferecem cursos de doutorado, mas nada nos diz sobre a qualidade dessas

atividades e não contribui para identificar eventuais pontos de melhoria.

As entrevistas realizadas com representantes da comunidade acadêmica

evidenciam que as ações de colaboração internacional são entendidas enquanto um

processo de parceria visando benefícios mútuos; que tem que ser construído pelos

envolvidos e que pode ser realizado a partir de pequenas ações ainda não previstas, que

se somam a outras e vão contribuindo para a formar uma cultura de

internacionalização no interior do programa. A instituição em estudo não possui uma

estratégia e nem uma política de internacionalização definida o que vem de encontro

com os dados obtidos pela pesquisa realizada pela CAPES que identificou que apenas

2% das instituições de ensino superior em uma amostra de 320 , podem ser classificadas

como altamente internacionalizadas; 55% como pouco internacionalizadas, 27% como

medianamente internacionalizadas e .13% como não internacionalizadas.

Nesses termos, acredita-se que a política de educação voltada para a pós-

graduação, em especial a de avaliação, as instituições de ensino superior e a

comunidade acadêmica e científica possam atuar como indutores do processo de

internacionalização .

No entanto, para que se possa garantir a qualidade e a melhoria desse processo,

duas questões nos parecem de extrema importância. A primeira refere-se à importância

de se avaliar a qualidade das atividades realizadas contando para isso com novas

metodologias que permitam identificar e conhecer o significado e os seus eventuais

impactos para a sociedade e, torná-las visíveis , para que possam ser

exploradas,contribuindo para um processo de aprendizagem das instituições de ensino

superior e, também, possibilitando novas parcerias. A segunda refere-se à entrada de

novos parceiros na gestão desse processo, que tenham como objetivo comum a gestão

da qualidade na pós-graduação, em especial as instituições de ensino superior e a

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Mecanismosjurídicosdearticulação,institucionalizaçãoecontroledepolíticas

públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

comunidade acadêmica através dos processos de autoavaliação coordenados pela

Comissão Própria de Avaliação e sistemas de acreditação internacionais.

REFERÊNCIAS ALTBACH, P.; CAVALEIRO, J. The Internationalization of Higher Education: Motivations and Realities. Jounal of Studies in International Education. 2007. Disponível em < http://jsi.sagepub.com/content/11/3-4/290.short> Acesso em 17 jul. 2015. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977 BRASIL. CAPES. Documento de Área Avaliação Trienal dos Programas Disponível em: <http://www.capes.gov.br/avaliacao>. Acesso em: 15 out. 2015. BRASIL CAPES. Plano Nacional de Pós-Graduação (2005-2010) Brasília: dez.2004. <Disponível em: https://www.capes.gov.br/images/stories/download/editais/PNPG_2005_2010.pdf>. Acesso em 22.mai.2017. BRASIL Ministério da Educação - Plano Nacional de Educação. Disponível em: <http://www.observatoriodopne.org.br/uploads/reference/file/439/documento-referencia.pdf > .Acesso em 20 abr. 2017. DIDRIKSSON, A. et al, Contexto global e regional de la educación superior en América Latina y el Caribe. In: GAZZOLA, A. l.; DIDRIKSSON, A.(Orgs.) Tendencias de la Educación Superior em América Latina y el Caribe. Caraças: IESALC-UNESCO, 2008. GACEL-ÁVILA, J. ET .AL. Al estilo latino-americano:tendências, problemas ey direciones In: WIT ET.AL. (Orgs.) Educacion Superior em América Latina ; La dimensión internacional;Bogotá, Colombia: Banco Mundial; Mayol Ediciones S.A, 2005 GUADILLA, C.G. Balance de la década de los 90 y reflexiones sobre lãs nuevas fuerzas de cambio em la educación superior. In: MOLLIS, M. et.al. (Orgs.). Las universidades em America Latina: reformadas o alteradas? La cosmética del poder financerio . Buenos Aires: Clacso, 2003. Disponível em: http://bvsde.org.ni/clacso/publicaciones/LasuniversidadesenAmericaLatina.pdf#page=14 Acesso em maio 2016. GUADILLA, C. G. Complejidades de La globalización e internacionalización de La educación superior interrogantes para América Latina. Cuadernos Del CENDES, vol.22, num.58, enero-abr., 2005, PP.1-22. Disponível em: http://www.redalyc.org/html/403/40305802/ . Acesso abr.2017.

Page 190: Mecanismos jurídicos de articulação, institucionalização e ...

Mecanismosjurídicosdearticulação,institucionalizaçãoecontroledepolíticas

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HORTA, J. S.B.; MORAES, M. C. M.. O sistema CAPES de avaliação da Pós- Graduação: da área de educação à grande área de ciências humanas, Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 30, set/out/nov/dez. 2005. KNIGHT, J. Um modelo de internacionalización: respuesta a nuevas realidades y retos. In: Wit, H. et al. Educación superior en América Latina la dimensión internacional. Bogotá, Colômbia Banco MundialMayol Ediciones, 2005. LEITE ET. AL. Avaliação de redes de pesquisa e colaboração. Avaliação, Campinas; Sorocaba, SP, v.19, n.1, p.291-312, mar. 2014. LIMA, M. C.; MARANHÃO, C. M. S. A. O sistema de educação superior mundial; entre a internacionalização ativa e passiva. Avaliação, Campinas, Sorocaba, v.14, n,3.p.583-610, Nov. 2009. MOROSINI, M. C. Estado do conhecimento sobre internacionalização da educação superior: conceitos e práticas. Curitiba: Editora UFPR. Educar, n. 28, p. 107-124, 2006. MOROSINI, M. C. Internacionalização na produção de conhecimento em IES brasileiras: cooperação internacional tradicional e cooperação internacional horizontal. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 27, n. 1, p. 93-112., 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/edur/v27n1/v27n1a05 >. Acesso em: 20 mai. 2014. NEVES, A. B. Depoimentos. INFOCAPES, v.10, n.4, out/dez. 2002. STALLIVIERI,l. Estratégias de internacionalização das universidades brasileiras Caxias do Sul; EDUCS, 2004. SILVA, S. M. F. (Re) Pensar a internacionalização na investigação e no ensino superior (Dissertação de Mestrado Universidade do Minho), 2011. UNESCO. Declaração da Conferência Mundial de Ensino Superior no século XXI: visão e ação. Disponível em:http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direito-a-Educa%C3%A7%C3%A3o/declaracao-mundial-sobre-educacao-superior-no-seculo-xxi-visao-e-acao.html > Acesso 08, jan.2014. VANZ, S.A.S. As redes de colaboração científica no Brasil ( Doutorado em Ciência da Informação ) Universidade Federal do Rio Grande do Sul . Rio Grande do Sul, 2009. VASQUEZ, A. A chegada da CAPES. INFOCAPES. Brasília: CAPES, v.10, n.4, 2002.

Eventos realizados pelo Grupo de Pesquisa:

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Mecanismosjurídicosdearticulação,institucionalizaçãoecontroledepolíticas

públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

2017 - SEMINÁRIO EDUCAÇÃO E SUSTENTABILIDADE DOS POVOS

INDÍGENAS E O COMBATE À POBREZA

Realizado no dia 04 de maio de 2017, no auditório Chamberlain, do Campus Mackenzie

– Higienópolis, em São Paulo.

Iniciativa do Grupo de Pesquisa “Direitos Sociais e Políticas Públicas: Mecanismos

jurídicos de articulação, institucionalização e controle de políticas públicas educacionais

primordiais para o acesso à educação básica de qualidade”, coordenado pelas

professoras doutoras Geisa Rodrigues e Clarice Seixas Duarte, e o Grupo de Pesquisa

“Direito e Desenvolvimento Sustentável”, coordenado pela professora doutora Solange

da UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE. Contou com o apoio da

ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO- ESMPU e o

INSTITUTO “O DIREITO POR UM PLANETA VERDE”.

SOBRE O EVENTO:

Atividade acadêmica com a participação de lideranças indígenas, membros do

Ministério Público Federal e Estadual, professores e acadêmicos da graduação e pós-

graduação, que debateram questões relacionadas à educação e à sustentabilidade dos

povos indígenas. Os temas abordados nos dois grandes painéis foram: a) Educação

intercultural; b) Desafios da escola indígena no Brasil; c) A importância da preservação

da cultura indígena; d) A importância da terra para os povos indígenas; e) Os impactos

ambientais sofridos atualmente pelas terras indígenas e como isto afeta a

sustentabilidade dos povos indígenas; e f) Sobreposição de Unidades de Conservação

em Terras Indígenas e seus impactos. O evento foi organizado em dois painéis, sendo

um apresentado no período matutino (9h às 12h) e o outro no período noturno (18h às

21h). Durante o período vespertino (14h às 17h) foram realizadas as apresentações de

Grupos de Trabalho dos autores selecionados pela Comissão Científica que atenderam

aos requisitos do edital de chamadas de trabalhos científicos publicado no site:

https://comunicamack.wordpress.com/2017/04/06/ate-230417-chamada-de-resumos-

para-o-seminario-educacao-e-sustentabilidade-dos-povos-indigenas-e-o-combate-a-

pobreza-mackenzie-sp/

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Mecanismosjurídicosdearticulação,institucionalizaçãoecontroledepolíticas

públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

Coordenadoras:

Profa. Dra. Geisa Rodrigues, Profa. Dra. Clarice Seixas e Profa. Dra. Solange Teles.

Organizadoras:

Mestranda Bárbara Lago, Mestranda Maykel Ponçoni e Mestranda Ana Carolina

Esposito.

2017 - ESTRATÉGICAS JURÍDICAS DE POLÍTICAS PÚBLICAS: A

JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE E A VISÃO DO PODER EXECUTIVO.

EXPOSIÇÃO DE RESULTADOS DA PESQUISA SOBRE JUDICIALIZAÇÃO

DA SAÚDE.

Organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico, sendo

responsáveis pelo Seminário o Prof. Dr. Gianpaolo Poggio Smanio e Profa. Dra. Clarice

Seixas Duarte.

Realizado em 07 de agosto de 2017 no Auditório Flamínio Fávero (Campus

Higienópolis da UPM) - 09h às 12h.

PALESTRANTE:

Maria Paula Dalari Bucci (USP)

DEBATEDORES:

Gianpaolo Poggio Smanio (UPM)

Clarice Seixas Duarte (UPM)

2017 - II CICLO DE DEBATES DOS LIMITES DO PROGRAMA DE PÓS-

GRADUAÇÃO EM M DIREITO POLÍTICO E ECONÔMICO DA

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE. A CIDADANIA

MODELANDO O ESTADO.

Organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico, sendo

responsáveis o Prof. Dr. Felipe Chiarello de Souza Pinto, Mestrando: Diego Monteiro

de Arruda Fortes, Doutoranda: Patricia Brasil e Mestranda: Nathalia Lima.

Realizado em 15 de março de 2017, no Auditório Chamberlain da Universidade

Presbiteriana Mackenzie

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públicaseducacionaisprimordiaisparaoacessoàeducaçãobásicadequalidade

Matutino: 9 às 12 horas.

Linha de Pesquisa: Limites ao Poder Econômico

Apresentação da Linha de Pesquisa:

Prof. Dr. Daniel Nagao

Prof. Dr. Fabiano Del Masso

Prof. Dr. Marco Aurélio Florêncio Filho

NOTURNO: 19 às 22 horas

Linha de Pesquisa: A Cidadania Modelando o Estado

Apresentação da Linha de Pesquisa:

Prof. Dr. Gianpaolo Smanio

Prof. Dr. Fabio Bechara

Prof. Dr. José Carlos Francisco

2017 - LANÇAMENTO LIVRO NA USP

Realizado o lançamento do livro Judicialização da Saúde: A Visão do Poder

Executivo, que se realizará no dia 09/05/2017, terça-feira, a partir das 18 horas, na

Faculdade de Direito do Largo São Francisco - Sala Visconde de São Leopoldo da com

a seguinte programação:

18h - Debate, com a presença da Profa. Ada Pellegrini e do juiz Luiz Manuel Fonseca

Pires

19h – Autógrafos

2018-03-18 Seminário de sexta

2018 - SEMINÁRIO OS MECANISMOS JURÍDICOS DE ARTICULAÇÃO, INSTITUCIONALIZAÇÃO E CONTROLE DE POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS PRIMORDIAIS PARA O ACESSO À EDUCAÇÃO BÁSICA DE QUALIDADE

Realizado em 16 de março de 2018, no Auditório MackGraphe da Universidade

Presbiteriana Mackenzie

Programação do Evento:

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8h30. Abertura do Evento 9h00 às 9h30. Políticas públicas, planejamento e o plano nacional de educação 2014-2024 - Profa. Maria Paula Dalari Bucci 9h30 às 9h50. O sistema nacional de educação e os desafios sua implementação - Profa. Clarice Seixas Duarte e Profa. Patricia Werner 9h50 às 10h10. A educação infantil no plano nacional de educação metas 01 e 05 - Profa. Alessandra Gotti: 10h10 às 10h40. O direito educação básica de qualidade no PNE e o projeto ministério publico da educação (MPEduc) Prof. Sérgio Luiz Pinel 10h40 às 11h00. Estudo comparado: metas normativas de acesso educação e formação de professores: Argentina, Coreia do Sul e Reino Unido - Profa. Geisa de Assis Rodrigues e Profa. Thamara Duarte C. Medeiros 11h00 às 11h15. Intervalo 11h15 às 11h45. A meta 20 do PNE e o financiamento da educação básica - Profa. Elida Graziane pinto 11h45 às 12h15. Debates 14h00 às 16h00. Grupos de Trabalho

Programação para 2018

III Conferência Internacional ASAP - Academics Stand Against Poverty:

Reflexões acadêmicas para superar a miséria e a fome.

Será realizada pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie

(FD/UPM) e a Academics Stand Against Poverty (ASAP) dia 23 e 24 de agosto de 2018

no Auditório João Calvino na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Livros comprados pelo grupo para pesquisa: 1- A educação nas Constituições do Brasil: dados e direções Autor(es): Messias Costa Ano: 2002 Editora: DP&A

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ISBN:85-7490-197-0 2- Cerrando círculos en educación Autor(es): Benjamin Zufiaurre, David Hamilton Ano: 2015 Editora: Morata ISBN: 978-84-7112-792-1 3- Conversas sobre financiamento da educação no Brasil Autor(es): Taís Moura Tavares (orgs.) Ano: 2006 Editora: UFPR ISBN: 85-7335-172-1 4- Derechos y garantías: La ley del más débil Autor(es): Luigi Ferrajoli Ano: 2010 Editora: Trotta ISBN: 978-84-8164-285-8 5- Direito e Reforma Educacional em Roberto Mangabeira Unger Autor(es): Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy Ano: 2011 Editora: Sergio Antonio Fabris Editor ISBN:978-857525-552-0 6- Educação em Direitos Humanos e formação de professores(as) Autor(es): Vera Maria Candau - Iliana Paulo - Marcelo Andrade - Maria da Consolação Lucinda - Susana Sacavino - Viviane Amorim Ano: 2013 Editora: Cortez ISBN:978-85-249-2117-9 7- Education Policy in Britain Autor(es): Clyde Chitty Ano: 2009 Editora: Palgrave Macmillan ISBN: 978-0-230-54351-5 8- Education Policy Unravelled

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Autor(es): Dean Garratt, Gillian Forrester Ano: 2012 Editora: Continuum ISBN: 978-1-4411-3073-0 9- Évaluer l’action éducative: Des professionnels en concurrence Autor(es): Xavier Pons Ano: 2010 Editora: Presses Universitaires de France ISBN: 978-2-13-05774-09 10- Evalution des Politiques Publiques Autor(es): Marie-Christine Kessler (org) Ano: 1998 Editora: L’Harmattan ISBN: 2-7384-6390-8 11- Gestão educacional: novos olhares, novas abordagens Autor(es): Maria Auxiliadora Monteiro Oliveira (org.) Ano: 2016 Editora: Vozes ISBN: 978-85-326-3094-0 12- Implementação de Políticas Públicas: Teoria e prática Autor(es): Carlos Aurélio Pimenta de Faria (org.) Ano: 2012 Editora: PUC-Minas ISBN: 978-85-8229-002-6 13- L’évalution des politiques publiques: Défi d’une societé en tension Autor(es): Gaëlle Baron et Nicolas Matyjasik (Dir.) Ano: 2012 Editora L’Harmattan ISBN: 978-2-336-00455-7 14- La autonomía del profesorado Autor(es): J. Contreras Ano: 2011 Editora: Morata ISBN: 978-84-7112-417-3

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15- La gobernanza escolar democrática Autor(es): Jordi Collet y Antoni Tort (coord.) Ano: 2015 Editora: Morata ISBN: 978-84-7112-784-6 16- O controle da Administração pelo Ministério Público Autor(es): Paulo Gustavo Guedes Fontes Ano: 2006 Editora: Del Rey ISBN: 85-7308-803-6 17- Policy and Education Autor(es): Paul Adams Ano: 2014 Editora: Routledge ISBN: 978-0-415-69758-3 18- Políticas educativas en un mundo globalizado (emprestado) Autor(es): Fazal Rizvi, Bob Lingard Ano: 2013 Editora: Morata ISBN: 9788471127051 19- Políticas Públicas: O controle do Tribunal de Contas Autor(es): Sabrina Nunes Iocken Ano: 2014 Editora: Conceito ISBN: 978-85-7874-340-6 20- Public Policymaking Autor(es): James E. Anderson Ano: 2015 Editora: CENGAGE learning 978-1-285-73528-3 21- Sistemas de Evaluación del Desempeño para organizaciones públicas Autor(es): David Arellano Gault, Walter Lepore, Emilio Zamudio y Felipe Blanco Ano: 2015

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Editora: CIDE ISBN: 978-607-7843-36-8 22- The State and Education Policy Autor(es): Helen M. Gunter Ano: 2011 Editora: Continuum ISBN: 928-1-4411-0840-1

REFERÊNCIAS

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6MToiaCI7czozMjoiYTVlZGNjZWFiNThjYzgxYTU5MjY0ZGZlM2YwZDI4OWYiO30%3D Fondo de las Naciones Unidas para la Infancia – Unicef. Los pueblos indígenas en Argentina y el derecho a la educación Los niños, niñas y adolescentes indígenas de Argentina: diagnóstico socioeducativo basado en la ECPI. Buenos Aires: Ediciones Emede S.A., 2010.

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Judicial Precedents in civil Law Systems: a dynamics analysis. Vincy Fon and Francesco Parisi. International Review of Law and Economics

Instrumentos legales internacionales y programas sobre el derecho a la educación http://www.unesco.org/new/es/social-and-human-sciences/themes/advancement/networks/larno/legal-instruments/right-to-education-international-instruments/

Avances y desafíos pendientes . Informe sobre el desempeño de Argentina en el Tecer Estudio Regional y Comparativo y Explicativo (TERCE) de 2013. http://unesdoc.unesco.org/images/0024/002449/244954s.pdf

UNESCO SCIENCE REPORT Towards 2030.http://unesdoc.unesco.org/images/0023/002354/235406e.pdf#nameddest=235452

Education policy and governance in England under the Coalition Government (2010–15):https://www.researchgate.net/publication/281850572_Education_policy_and_governance_in_England_under_the_Coalition_Government_2010-15_Academies_the_pupil_premium_and_free_early_education

¿CUÁLES SON LAS RAZONES SUBYACENTES AL ÉXITOEDUCATIVO DE COREA DEL SUR? https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=3647993 El liderazgo escolar en América Latina y el Caribe Un estado del arte con base en ocho sistemas escolares de la región. http://unesdoc.unesco.org/images/0023/002327/232799s.pdf

Teacher policies in England http://opus.bath.ac.uk/18560/1/TEACHER_POLICY_IN_ENGLAND_(UN_YONG_JEONG).pdf

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BRASIL. Decreto nº 6.094 de 24 e abril de 2007. Dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal, em regime de colaboração com Municípios, Distrito Federal e Estados, e a participação das famílias e da comunidade, mediante programas e ações de assistência técnica e financeira, visando a mobilização social pela melhoria da qualidade da educação básica. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6094.htm.> Disponibilizado e Acessado em 18 dez de 2018. BRASIL. Decreto nº 8.752 de 9 maio de 2016. Dispõe sobre a Política Nacional de Formação dos Profissionais da Educação Básica. Acesso em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/d8752.htm>. Acesso em 25 jan. 2018. BRASIL. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm. Acesso em 06 de dez. 2017. BRASIL. Lei nº 12.801 de 24 de abril de 2013. Dispõe sobre o apoio técnico e financeiro da União aos entes federados no âmbito do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa e altera as Leis nos 5.537, de 21 de novembro de 1968, 8.405, de 9 de janeiro de 1992, e 10.260, de 12 de julho de 2001. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12801.htm>. Acesso em: 18 dez 2018). BRASIL. Lei nº 13.257 de 8 de março de 2016. Dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância e altera a Lei no8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, a Lei no 11.770, de 9 de setembro de 2008, e a Lei no12.662, de 5 de junho de 2012. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13257.htm>, Acesso em 25 jan. 2017 BRASIL. Lei nº 13.306 de 4 de julho de 2016. Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, a fim de fixar em cinco anos a idade máxima para o atendimento na educação infantil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/L13306.htm. Acesso em 25 jan. 2018. BRASIL. Lei nº 13.348 de 10 de outubro de 2016. Altera as Leis nos 12.722, de 3 de outubro de 2012, que dispõe sobre o apoio financeiro da União aos Municípios e ao Distrito Federal para ampliação da oferta de educação infantil, para incluir as crianças beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada - BPC e as crianças com deficiência e estabelecer novas regras de repasse do apoio financeiro, e 11.494, de 20 de junho de 2007, que “Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, de que trata o art.

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60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; e 10.195, de 14 de fevereiro de 2001; revoga dispositivos das Leis nos 9.424, de 24 de dezembro de 1996, 10.880, de 9 de junho de 2004, e 10.845, de 5 de março de 2004; e dá outras providências”. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13348.htm>. Acesso em 25 jan. 2018. BRASIL. Infomoney. Disponível em <http://www.infomoney.com.br/mercados/politica/noticia/6293956/metas-gestao-joao-doria-para-sao-paulo-ate-2020-veja>. Acesso em 07.06.2017. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum. Disponível em < http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCCpublicacao.pdf>. Acesso em 12 dez. 2017 BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum. Disponível em < http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCCpublicacao.pdf>. Acesso em 12 dez. 2017. BRASIL. Observatório do Plano Nacional de Educação. Disponível em <http://www.observatoriodopne.org.br/metas-pne/1-educacao-infantil/estrategias>. Acesso em 14 nov. 2017. BRASIL. Observatório do Plano Nacional de Educação. Disponível em <http://www.observatoriodopne.org.br/metas-pne/1-educacao-infantil/estrategias/1-15-busca-ativa>. Acesso em 18.09.2017. BRASIL. Observatório do Plano Nacional de Educação. Disponível em <<http://www.observatoriodopne.org.br/metas-pne/1-educacao-infantil/estrategias/1-15-busca-ativa/dossie-localidades>. Acesso em 14 nov. 2017. BRASIL. Observatório do Plano Nacional de Educação. Disponível em <http://www.observatoriodopne.org.br/metas-pne/5-alfabetizacao>. Acesso em 12 dez. 2017>. BRASIL. Observatório do Plano Nacional de Educação. Disponível em <http://www.observatoriodopne.org.br/metas-pne/5-alfabetizacao/programas-governo/pacto-nacional- pela-alfabetizacao-na-idade-certa>. Acesso em 12 dez. 2017 BRASIL. Observatório do Plano Nacional de Educação. Disponível em :< http://www.observatoriodopne.org.br/metas-pne/5- alfabetizacao/estrategias>. Acesso em 12 dez. 2017. BRASIL. Observatório do Plano Nacional de Educação. Disponível em <http://www.observatoriodopne.org.br/metas-pne/5-alfabetizacao/estrategias/5-2-avaliacao-nacional>. Acesso em 12 dez. 2017.

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