MEDICINA HIPERBÁRICA* - hiperbaricasantarosa.com.br · Intoxicação por Monóxido de Carbono (CO)...

12
323 www.actamedicaportuguesa.com ARTIGO ORIGINAL Acta Med Port 2009; 22: 323-334 MEDICINA HIPERBÁRICA* Recebido em: 7 de Março de 2008 Aceite em: 1 de Abril de 2009 A Medicina Hiperbárica estuda a fisiologia e o tratamento de patologias num meio ambi- ente com pressão superior à atmosférica. A Oxigenoterapia Hiperbárica consiste na admi- nistração de uma fracção inspirada de oxigénio próxima de 1 num ambiente com pressão superior à atmosférica. Esta modalidade terapêutica tem vindo a ser cada vez mais utiliza- da em diversas áreas da prática clínica, tratando doentes ambulatórios, internados e inclusive doentes críticos. No entanto, envolve mecanismos por vezes pouco compreen- didos e instalações algo complexas. Este artigo procura divulgar a Medicina Hiperbárica em Portugal, contribuir para um maior esclarecimento quanto aos seus fundamentos fisi- ológicos e rever as suas indicações, riscos e utilidade clínica. HYPERBARIC MEDICINE Hyperbaric Medicine studies the physiology and the treatment of pathologies in an environment with above-atmospheric pressure. Hyperbaric Oxygen Therapy, consists in administering 100% oxygen at pressures higher than atmospheric pressure (usually 2 to 3 times higer). This therapy is increasingly used in a wide range of clinical areas, treating both ambulatory and inpatients, including those critically ill. Nevertheless, it involves mechanisms sometimes poorly understood and somewhat complex facilities. This article aims to spread the word about Hyperbaric Medicine in Portugal, contribute to a better understanding of its physiological basis, and review its indications, risks and clinical utility. R E S U M O S U M M A R Y T.D.F.F.: Unidade de Medicina Hiperbárica. Hospital Pedro Hispano. Porto © 2009 CELOM Tiago D.F. FERNANDES *Este artigo foi adaptado de uma parte da tese de Mestrado em Medicina Hiperbárica e Subaquática (Universidade de Barcelona) elaborada pelo autor com o título: Projecto de Integração da Unidade de Medicina Hiperbárica do Hospital Pedro Hispano

Transcript of MEDICINA HIPERBÁRICA* - hiperbaricasantarosa.com.br · Intoxicação por Monóxido de Carbono (CO)...

323 www.actamedicaportuguesa.com

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ARTIGO ORIGINALActa Med Port 2009; 22: 323-334

MEDICINA HIPERBÁRICA*

Recebido em: 7 de Março de 2008Aceite em: 1 de Abril de 2009

A Medicina Hiperbárica estuda a fisiologia e o tratamento de patologias num meio ambi-ente com pressão superior à atmosférica. A Oxigenoterapia Hiperbárica consiste na admi-nistração de uma fracção inspirada de oxigénio próxima de 1 num ambiente com pressãosuperior à atmosférica. Esta modalidade terapêutica tem vindo a ser cada vez mais utiliza-da em diversas áreas da prática clínica, tratando doentes ambulatórios, internados einclusive doentes críticos. No entanto, envolve mecanismos por vezes pouco compreen-didos e instalações algo complexas. Este artigo procura divulgar a Medicina Hiperbáricaem Portugal, contribuir para um maior esclarecimento quanto aos seus fundamentos fisi-ológicos e rever as suas indicações, riscos e utilidade clínica.

HYPERBARIC MEDICINEHyperbaric Medicine studies the physiology and the treatment of pathologies in anenvironment with above-atmospheric pressure. Hyperbaric Oxygen Therapy, consists inadministering 100% oxygen at pressures higher than atmospheric pressure (usually 2 to 3times higer). This therapy is increasingly used in a wide range of clinical areas, treatingboth ambulatory and inpatients, including those critically ill. Nevertheless, it involvesmechanisms sometimes poorly understood and somewhat complex facilities. This articleaims to spread the word about Hyperbaric Medicine in Portugal, contribute to a betterunderstanding of its physiological basis, and review its indications, risks and clinicalutility.

R E S U M O

S U M M A R Y

T.D.F.F.: Unidade de MedicinaHiperbárica. Hospital PedroHispano. Porto

© 2009 CELOM

Tiago D.F. FERNANDES

*Este artigo foi adaptado de uma parte da tese de Mestrado em Medicina Hiperbárica e Subaquática(Universidade de Barcelona) elaborada pelo autor com o título: Projecto de Integração da Unidade deMedicina Hiperbárica do Hospital Pedro Hispano

324www.actamedicaportuguesa.com

Tiago D.F. FERNANDES et al, Medicina Hiperbárica, Acta Med Port. 2009; 22(4):323-334

FUNDAMENTOS DA MEDICINA HIPERBÁRICA

Medicina HiperbáricaA Medicina Hiperbárica envolve o tratamento de pato-

logias num meio ambiente com pressão superior à atmosfé-rica1. De uma forma mais abrangente, trata-se da área mé-dica que se dedica ao estudo das adaptações fisiológicas,actividades recreativas e profissionais em meios hiperbári-cos (em partilha com a Medicina Subaquática); e que estu-da, coordena e prescreve a aplicação terapêutica do oxigé-nio em meio hiperbárico – Oxigenoterapia Hiperbárica.

Nos últimos anos, com o aumento da formação e evi-dência científica neste campo, as novas unidades de Me-dicina Hiperbárica passaram a estar também cada vez maisligadas a centros vocacionados para o tratamento de feri-das (Wound-care Centers)2.

Oxigenoterapia Hiperbárica (OTH)A OTH consiste na administração de uma fracção inspira-

da de oxigénio próxima de 1 (oxigénio puro ou a 100%) numambiente com uma pressão superior (geralmente duas a trêsvezes) à pressão atmosférica ao nível do mar. Este aumento depressão irá resultar num aumento da pressão arterial e tecidularde oxigénio muito significativos (perto de 2000 mmHg e 400mmHg respectivamente) o que estará na base da maioria dosefeitos fisiológicos e terapêuticos do oxigénio hiperbárico3,4.

Um dos obstáculos à compreensão da OTH tem sido avisão de que se trata de um meio tecnicamente complexo eexigente com o objectivo único de melhorar o transportede oxigénio. Novos estudos revelam, contudo, que este éapenas um dos aspectos da sua acção, já que está agorabem estabelecido o papel do oxigénio no aumento da ex-pressão de enzimas anti-oxidativas bem como na modula-ção da expressão de factores de crescimento e citocinas5.

Condições para a administração de oxigéniohiperbárico

Para que seja possível realizar OTH são necessárias ins-talações capazes de suportar pressões que podem chegar aser muito superiores à atmosférica – câmaras hiperbáricas– no interior das quais se respirará oxigénio a 100%. Nocaso das câmaras monolugar (capacidade para apenas umapessoa) o oxigénio será inalado directamente do ambienteda câmara (Figura 1). Nas câmaras multilugar o oxigéniopoderá ser administrado via máscara facial, tenda cefálica(capacete estanque) ou tubo endotraqueal (Figura 2)5,6.

MECANISMOS FISIOLÓGICOS, BIOQUÍMICOS ECELULARES

Efeitos volumétricosSegundo a lei de Boyle-Mariotte a pressão e o volume

variam em proporção inversa (a temperatura constante).As variações de pressão que se conseguem dentro deuma câmara hiperbárica fazem com que os volumes de to-das as cavidades orgânicas aéreas que sejam ou possamestar fechadas (tubo digestivo, ouvido, seios perinasais)variem de forma inversa. Todos os objectos ocos sofrerãoas mesmas variações de volume6.

Efeitos sobre a solubilidadeEm consequência da lei de Henry, ao respirar oxigénio

puro em meio hiperbárico verifica-se um aumento da pres-são arterial de oxigénio que pode superar os 2000 mmHg aum valor ambiental de três atmosferas absolutas (ATA). Ovolume de oxigénio dissolvido e transportado pelo plas-ma, que é mínimo à pressão atmosférica, aumenta mais de22 vezes (Quadro 1)6. Assim, se calcularmos o conteúdo

Fig. 1 – Exemplo de Câmara Monolugar (Sechrist7)Fig. 2 – Câmara Multilugar da Unidade de MedicinaHiperbárica do Hospital Pedro Hispano (Haux7)

325 www.actamedicaportuguesa.com

Tiago D.F. FERNANDES et al, Medicina Hiperbárica, Acta Med Port. 2009; 22(4):323-334

plasmático de oxigénio (oxigénio dissolvido no plasma),verificamos que, ao nível do mar, a quantidade de oxigénioque o plasma transporta é cerca de 0,3 ml/dl enquanto a 3ATA, o oxigénio dissolvido é aproximadamente 6 ml/dl.Este último valor é suficiente para os consumos celularesem repouso sem necessidade de qualquer contribuição dooxigénio ligado à hemoglobina6.

Efeitos Bioquímicos e CelularesA hipóxia predispõe os tecidos à infecção porque a

capacidade fagocítica dos polimorfonucleares neutrófilosnum meio hipóxico está diminuída7.

A OTH, ao reverter a hipóxia tecidular e celular, restauraesta defesa orgânica e aumenta inclusive a capacidade fago-cítica sobre algumas bactérias8. O oxigénio hiperbárico é, elepróprio, bactericida para alguns anaeróbios como o Clostri-dium perfringens, e bacteriostático para algumas espéciesde Escherichia e Pseudomonas9,10. Tem ainda um importan-te efeito de suprimir a produção clostridial de alfa-toxina11.

Nos tecidos lesionados hipóxicos a OHB, ao contribuirpara a reversão desta hipóxia, estimula também a formaçãoda matriz de colagénio, essencial para a angiogénese e cica-trização12,13. Sabe-se também, como escreve Desola citan-do Hunt, Meltzer, Marx e colegas, que a alternância hiperóxia/normóxia constitui um estímulo angiogénico significativo6.

Outro dos efeitos já bem estabelecidos da OTH é o damelhoria da perfusão microvascular. Este efeito estará pro-vavelmente relacionado com um estímulo da síntese deÓxido Nítrico (NO) pelo oxigénio hiperbárico14.

Nos tecidos submetidos a isquemia aguda a OTH tam-bém demonstrou benefício. De facto, estudos em animaisusando modelos de lesão de reperfusão e de enxertos cutâ-neos registam que a OTH inibe a adesão dos neutrófilos ea vasoconstrição pós-isquémica15,16.

Nas intoxicações agudas por monóxido de carbono,forma-se a carboxi-hemoglobina (HbCO), uma molécula

OiF 2 12,0 1 1 1

ATAoãsserP 1 1 2 3

OaP 2 )gHmm( 401 376 3341 3912

O2 )lm001/lm(anibolgomehixO– 7,91 1,02 1,02 1,02

O2 )lm001/lm(amsalP– 3,0 88,1 8,3 6

Quadro 1 – Conteúdo de O2 no sangue (adaptado de Wattel F,Mathieu D. Oxygénothérapie hyperbare et réanimation. EdMasson 1990. pg. 8-15)

Fig. 3 – Mecanismos fisiológicos da OTH (Adaptado de Albuquerque J. Inalação de Oxigénio em Meio Hiperbárico. Rev Port CirurgiaCardio-torácica e Vascular. 2002;9(22))

326www.actamedicaportuguesa.com

cerca de 240 vezes mais estável do que a oxi-hemoglobina.A semi-vida da HbCO em ar ambiente é de 520 minutos, arespirar oxigénio a 100% à pressão atmosférica é de 80minutos, e com oxigénio hiperbárico a 3 ATA reduz-se a 23minutos6. Estudos, tanto com animais como ensaios clíni-cos, observaram que a administração precoce de OTH re-sultou numa diminuição do aparecimento de lesões/se-quelas neurológicas devidas a exposição a CO17,18.

Na figura 3 resumem-seos principais mecanismos deacção da OTH.

INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS DA OXIGENO-TERAPIA HIPERBÁRICA

Nos últimos 40 anos, a oxigenoterapia hiperbárica temsido recomendada e usada numa grande variedade dedoenças, frequentemente sem a adequada validação cien-tífica de eficácia ou segurança. Este facto criou falsos con-ceitos e um alto grau de cepticismo na comunidade médi-ca relativamente a esta modalidade terapêutica.

Várias organizações internacionais promovem reuniõesregulares com o objectivo reunir os peritos e de promoverconsensos quanto às indicações terapêuticas da Oxigeno-terapia Hiperbárica (OTH). Existem recomendações basea-das na evidência científica emitidas pelo European Com-mittee for Hyperbaric Medicine (ECHM) e pela Underseaand Hyperbaric Medical Society (UHMS, Estados Unidosda América). Neste texto serão usadas como referência asrecomendações do ECHM visto que estas estão mais de acor-do com a realidade europeia em que nos situamos:

Recomendação Tipo 1: Fortemente RecomendadaO júri do ECHM considera a implementação desta re-

comendação como de importância crítica para o prognós-tico do paciente/qualidade de cuidados/conhecimentofuturo específico;

Recomendação Tipo 2: RecomendadaO júri considera a implementação como afectando po-

sitivamente o prognóstico do doente/qualidade de cuida-dos/conhecimento futuro específico;

Recomendação Tipo 3: OpcionalO júri considera a implementação como uma opção.No quadro 2 apresentamos um quadro que resume as

indicações recomendadas para OTH, adaptado do docu-mento final da sétima Conferência de Consenso em Lille2004.

Nesta altura convém recordar que a OTH, tal comoqualquer outra modalidade terapêutica, deve ser sempre

IopiTedoãçadnemoceR

)OC(onobraCedodixónoMropoãçacixotnI

otnemagamsEedemordníS

airátnedoãçcartxesópaesorcenoidaroetsoadoãçneverP

)alubídnam(esorcenoidaroetsO

)etitsic(selomsodicetedesorcenoidaR

ovisserpmocseDetnedicA

asosaGailobmE

sacibóreanasatsimuosoibóreanaropsanairetcabseõçcefnI

IIopiTedoãçadnemoceR

ocitébaiDéPodoãseL

oditemorpmocoenâtucolucsumuoelepedohlateR

)alubídnamoãneuqsossosortuo(esorcenoidaroetsO

adizudni-oidaretiretne/etitcorP

sadizudni-oidarselomsodicetsodseõseL

)avitneverpoãçca(sodaidarrisodicetmeetnalpmieaigruriC

atibúszedruS

aciméuqsIareclÚ

airátcarfeRacinórCetileimoetsO

VIoidátsEamotsalborueN

IIIopiTedoãçadnemoceR

acixona-sóPaitapolafecnE

aegníraLesorcenoidaR

adizudni-oidarlartneCosovreNametsiSodoãseL

ralucsavotnemidecorp-sópoãsufreperedemordníS

orbmeMedoãçatnalpmieR

eicífrepusad%02edsiammeuargº2edsarudamieuQlaroproc

sadugasaciméuqsisacimlátfosaçneoD

aairádnucesoãçazirtaciclicífidedsadanoiccelessadireFsoirótamalfnisossecorp

silanitsetnisediotsycsisotamuenP

Quadro 2 – Indicações Recomendadas da OTH (Adaptado de7th European Consensus Conference on Hyperbaric Medicine,Lille 2004)

Tiago D.F. FERNANDES et al, Medicina Hiperbárica, Acta Med Port. 2009; 22(4):323-334

327 www.actamedicaportuguesa.com

encarada no conjunto das acções de tratamento indicadaspara cada paciente e nunca como uma opção exclusiva ouisolada.

Em seguida descrevem-se em mais detalhe algumasdas indicações mais frequentes e relevantes da Oxigeno-terapia Hiperbárica na prática clínica.

Intoxicação por Monóxido de Carbono (CO)São escassas as estatísticas sobre intoxicações em Por-

tugal, mas releva que na Europa e nos Estados Unidos o COé o agente causal mais comum de intoxicação acidental,sendo importante causa de morbilidade e mortalidade19,20.

O CO é um produto da combustão incompleta doshidrocarbonetos; é um gás estável à temperatura fisioló-gica, incolor, inodoro e não-irritante.

A hemoglobina combina-se com o monóxido de carbo-no (CO), pelo qual tem uma afinidade 240 vezes maior doque para o oxigénio, formando carboxi-hemoglobina(HbCO) o que impede o transporte de oxigénio pela hemo-globina no sangue. A presença de CO desvia a curva dedissociação da hemoglobina para a esquerda e tem tam-bém uma acção hipoxemiante celular directa21.

A intoxicação aguda severa é caracterizada por umquadro clínico variável que pode incluir: perda de consciên-cia (síncope, convulsões e coma), défices neurológicos,edema agudo do pulmão, isquemia aguda do miocárdio eacidose metabólica severa. Sintomas menos severos in-cluem: cefaleia, tonturas, náusea e outros sintomas cons-titucionais. Embora níveis elevados de carboxi-hemoglo-bina sejam diagnósticos de intoxicação por CO, é impor-tante sublinhar que há uma correlação pobre entre a gravi-dade clínica da intoxicação e os níveis de carboxi-hemo-globina5.

Imediatamente após a exposição ou depois de um perío-do assintomático que pode ser de algumas semanas, po-dem apresentar-se sequelas cognitivas importantes– ex. défices de memória, atenção e concentração – em 25a 50% dos doentes que no momento da intoxicação tive-ram perda de consciência ou níveis de HbCO maiores que25%23. Este quadro é também designado como o SíndromeNeurológico Tardio (SNT).

A OTH acelera a eliminação da HbCO (cuja semi-vidade cinco horas e 30 minutos em ar passa a 23 minutosrespirando oxigénio a 3ATA) e combate a hipoxia tecidulare celular, provocando uma rápida recuperação e evitandoa apresentação de sequelas e o desenvolvimento do SNT23.Outros dos mecanismos potencialmente benéficos da OTHé a prevenção da peroxidação lipídica a nível do sistemanervoso central e a preservação dos níveis de AdenosinaTri-Fosfato (ATP) no tecido exposto a CO. Dos vários

estudos nesta área, destaca-se o de Weaver et al que, numensaio prospectivo, aleatorizado e controlado, observa-ram uma diminuição das sequelas neurológicas quandoera instituída OTH dentro de um período de 24 horas apósa exposição ao CO18.

Para além das medidas de suporte vital adequadas acada caso, a intoxicação por CO deverá ser tratada, numafase inicial, com O2 normobárico a 100% (Recomendaçãode Tipo 1 do ECHM).

A OTH deverá ser instituída em doentes com diagnós-tico de intoxicação por CO que apresentam risco de com-plicações imediatas ou de longo prazo: perda de consciên-cia; sinais/sintomas clínicos neurológicos, cardíacos, res-piratórios ou psicológicos (Recomendação de Tipo 1).

Nos restantes doentes poder-se-á optar entre O2 normo-bárico durante 12 horas ou OTH. Até que novos estudosaleatorizados estejam disponíveis OTH permanece opcionalnestes casos (Recomendação de Tipo 3).

O tratamento 24 ou mais horas após a exposição ao COnão está recomendado se o doente se encontra assinto-mático (ECHM 2004).

Acidente Descompressivo ou Doença Descompressiva(DD)

Quando mergulhadores voltam à superfície sem cum-prir os adequados patamares de descompressão/seguran-ça, o nitrogénio dissolvido nos seus tecidos durante omergulho por efeito do aumento da pressão pode, em de-terminadas circunstâncias, levar à formação de bolhasgasosas nos seus tecidos e sangue – Doença Descompres-siva (DD)5.

A apresentação clínica tem um largo espectro de sinto-mas: desde um rash auto-limitado até à paralisia, convul-sões, alterações hemodinâmicas e reológicas, que podemconduzir a um estado de hemoconcentração, hipovolemiae coagulopatia de consumo muito graves5,22.

Embora os mecanismos já descritos de redução do ta-manho das bolhas e correcção da hipóxia sejam conside-rados os principais responsáveis pelo efeito benéfico daOTH nesta patologia, as acções bioquímicas na interfacesangue – gás (local onde se inicia a cascata de alteraçõesna hemostase, lesão endotelial e activação leucocitária)podem desempenhar um papel major na melhoria clínicados pacientes submetidos a este tratamento5,22.

Os acidentes descompressivos são emergências mé-dicas e deverão ser tratados precocemente num centroespecializado. As medidas terapêuticas iniciais recomen-dadas incluem o suporte básico/avançado de vida, a oxi-genoterapia normobárica com fracção inspirada de oxigé-nio (FiO2) igual a um e a fluidoterapia. Após a estabiliza-

Tiago D.F. FERNANDES et al, Medicina Hiperbárica, Acta Med Port. 2009; 22(4):323-334

328www.actamedicaportuguesa.com

ção inicial, as vítimas de DD devem ser imediatamenteencaminhadas para um centro hospitalar próximo, ideal-mente um centro especializado já que a OTH constitui umtratamento com Recomendação de Tipo 1 (fortemente re-comendada pelo ECHM) na Doença Descompressiva.

Embolismo GasosoAlguns traumatismos, procedimentos cirúrgicos ou

médicos invasivos (hemodiálise, ventilação mecânica,cateterismo venoso central, cateterismo arterial, cirurgialaparoscópica, etc.), mas também o barotrauma pulmonarnão-iatrogénico, de que é exemplo a Síndrome deHiperpressão Intra-torácica no contexto do mergulho,podem levar à entrada significativa de ar na corrente san-guínea5,22.

A OTH permite, pelo aumento da pressão ambiental,uma diminuição imediata do volume da bolha de gásembolígeno. Por outro lado, a hiperóxia produz um enormegradiente de difusão para o wash out do nitrogénio e aentrada do oxigénio na bolha embolígena. Ao mesmo tem-po, o aumento do oxigénio dissolvido no plasma e a maiorcapacidade de difusão para os tecidos irá contrariar a agres-são isquémica provocada pelo embolismo. Alguns estu-dos sugerem também um efeito benéfico da OTH pela di-minuição da adesão leucocitária19.

Embora a recompressão imediata produza os melhoresresultados terapêuticos, no caso da embolia arterial cere-bral o tratamento menos precoce poderá estar também in-dicado23,24.

A OTH constitui, assim, o tratamento de primeira linhae é fortemente recomendado (Recomendação de Tipo 1do ECHM) no embolismo gasoso.

Mionecrose por Clostridium – Gangrena Gasosa (GG)A Gangrena Gasosa (miosite e mionecrose causadas

por bactérias da família dos Clostridiae) é uma infecçãoaguda rapidamente progressiva dos tecidos moles. Estesmicrorganismos produzem uma exotoxina (toxina alfa) ca-paz de liquefazer os tecidos adjacentes e inibir as defesaslocais. Esta infecção pode destruir, rapidamente, tecidosaudável e disseminar-se.

O Clostridium é um anaeróbio cuja replicação, migra-ção e produção de toxina podem ser inibidas pela exposi-ção a altas concentrações de oxigénio. Esta é a base racio-nal para a utilização da oxigenoterapia hiperbárica.

A OTH aumenta também o transporte de oxigénio (com-prometido nestes casos pela hemólise) melhorando a oxi-genação tecidular o que permite diferenciar com maior faci-lidade a extensão real da infecção e define com maior preci-são a viabilidade dos tecidos comprometidos. A OTH, no

entanto, não substitui a realização de desbridamentos nema administração de antibióticos. Pelo contrário, a OTH deveaplicar-se em conjunto com um tratamento antibiótico ade-quado e um desbridamento cirúrgico correcto em todos oscasos de GG como forma de diminuir a mortalidade e permi-tir uma melhoria na qualidade de vida do doente22.

As vantagens da oxigenoterapia hiperbárica poderãoser, então, de dois tipos: parar rapidamente a produção detoxina, uma acção que pode ser life-saving, ou tornar acirurgia menos agressiva, o que pode salvar o membro/tecidos, prevenindo a amputação.

Infecções necrotizantes de partes moles (não clos-tridiais)

As infecções produzidas por anaeróbios e algumasinfecções mistas têm frequentemente como consequênciauma quebra das defesas locais, por diminuição das pres-sões tecidulares de oxigénio. Para esta hipóxia contribuitambém o facto de os doentes afectados terem, frequente-mente, patologias como a Diabetes ou Doença Vascular.Os baixos níveis de oxigénio tecidular (abaixo de 20 mmHg)levam à perda da capacidade de eficaz fagocitose oxigé-nio-dependente por parte dos polimorfonucleares (PMN)9.

Os tratamentos primários das infecções necrotizantesdos tecidos moles são a cirurgia e a antibioterapia. A OTHcomplementa-as pois aumenta a pressão tecidular O2 nazona afectada, estimula a fagocitose dos PMN e exerce umefeito bacteriostático sobre alguns gérmenes anaeróbiosnão esporulados e alguns aeróbios22.

Um dos exemplos das graves consequências e altamortalidade deste tipo de infecções é a Fasceíte Necroti-zante. Os benefícios da OTH nestes pacientes apontadospor Philipp Dahm et al – tendência para uma maior sobre-vida nos doentes em que a OTH foi usada – não obviam anecessidade de continuar os estudos com maior númerode doentes25.

Em conclusão, e de acordo com as recomendações doECHM:

A OTH é fortemente recomendada para o tratamentodas infecções necrotizantes, anaeróbicas ou mistas, dostecidos moles (mionecrose, fasceíte necrotizante, etc.),sempre integrada num protocolo terapêutico em conjuntocom intervenções cirúrgicas e antibioterapia adequadas(Recomendação de tipo 1).

Outras infecções:A oxigenoterapia hiperbárica é também fortemente re-

comendada nalguns casos de abcessos orgânicos – abces-sos intracranianos, pleuro-pulmonares e hepáticos – quan-do, por exemplo, a terapia convencional tenha sido ineficaz,

Tiago D.F. FERNANDES et al, Medicina Hiperbárica, Acta Med Port. 2009; 22(4):323-334

329 www.actamedicaportuguesa.com

o risco cirúrgico seja muito alto ou o estado geral do paci-ente esteja comprometido (Recomendação de tipo 1).

Isquemia Traumática AgudaA isquemia resultante do traumatismo resulta de diver-

sos mecanismos: lesão directa dos vasos sanguíneos, le-são indirecta devido ao aumento da permeabilidade capi-lar com consequente diminuição do fluxo microcirculatório,e lesão consequente ao aumento da pressão externa dofluído tecidular – estase, edema, vasoconstrição e/ouoclusão26.

A OTH aumenta a oxigenação plasmática e originavasoconstrição periférica não hipoxemiante reduzindo ofluxo de sangue, a diapedese e o edema. Delimita as zonashipóxicas ainda viáveis das irrecuperáveis, facilitando opapel da cirurgia. Limita ainda a extensão da lesão, melho-ra a recuperação funcional dos tecidos afectados e au-menta a biodisponibilidade dos antibióticos22.

Vários estudos em animais27-30, comunicações clínicas epelo menos um estudo prospectivo, aleatorizado e dupla-mente cego, referem bons resultados quando a OTH é adici-onada ao restante arsenal de medidas terapéuticas22,31,32.

De acordo com o ECHM a OTH está fortemente reco-mendada na lesão por esmagamento com fractura expostaGustillo tipo III B e C (Recomendação de tipo 1). É reco-mendada nos enxertos de pele e musculocutâneos com-prometidos (Recomendação de tipo 2).

Para avaliar a indicação para tratamento ou monitori-zação da evolução do mesmo, a medição da pressão deoxigénio transcutâneo está fortemente recomendada (Re-comendação de tipo 1).

Lesões Rádio-induzidasA irradiação de territórios neoplásicos afecta frequen-

temente os tecidos sãos circundantes. O aspecto anatomo-patológico da lesão é o de uma endarterite obliterante pro-gressiva, que por sua vez ocasiona um tecido de hipo-celular, hipovascular e hipóxico (triplo H). Estas lesõesrádio-induzidas podem produzir-se quando se supera adose de 5000 rad, e geralmente manifestam-se ao cabo demeses ou anos pós-irradiação. A evolução natural do pro-cesso é o de um agravamento progressivo até à necrosesem remissões espontâneas22.

A OTH é útil como tratamento coadjuvante da Osteor-radionecrose Mandibular (OM) e também como profilaxiade complicações devidas a manipulação do osso ou teci-dos moles irradiados, como por exemplo nas extracçõesdentárias ou operações de cirurgia plástica33,34.

A Cistite Hemorrágica (CH) é uma das complicaçõesmais frequentes pós-radioterapia da região pélvica35. A

sua evolução clínica caracteriza-se por frequentes relapsose complicações. A doença é muitas vezes refractária àsvárias terapias convencionais e resulta em diminuição daqualidade de vida, internamentos, transfusões e inclusivenecessidade de vários procedimentos cirúrgicos22. A Cis-tite Hemorrágica pode ocorrer meses ou anos após a irra-diação pélvica e a presença de hematúria moderada a se-vera persistente surge em frequências da ordem dos 3 a5%. As opções terapêuticas para a Cistite Hemorrágicaincluem fármacos orais e intravenosos, terapêutica intrave-sical e embolização selectiva das artérias hipogástricas36.A OTH melhora a oxigenação regional no tecido previa-mente irradiado, o que tem como consequência a neovas-cularização no tecido hipóxico e lesionado. Estudos refe-rem que 76% a 100% de doentes com CH registam reduçãoou resolução da hematúria após OTH37.

Em resumo, as actuais recomendações ECHM são:Recomendação de tipo 1:

• Radionecrose da mandíbula• Cistite Radio-induzida resistente ao tratamentoconservador• Extracção dentária em tecidos irradiados (pro-filáctica)

Recomendação de tipo 2:• Proctite/enterite rádio-induzida• Outras lesões dos tecidos moles rádio-induzidas• Cirurgia e implantes em tecidos fortemente irradi-ados (profiláctica)

Recomendação de tipo 3:• Radionecrose laríngea• Radionecrose do Sistema Nervoso Central

Pé Diabético, Úlceras Isquémicas e feridas de difícilcicatrização

Estudos apontam para que um porcento da populaçãodos países ocidentais sofrerá algum tipo de úlcera dosmembros inferiores durante a sua vida38. Com o envelhe-cimento progressivo da população ocidental, perspecti-va-se que este número possa aumentar.

O papel fundamental do oxigénio na fisiologia da cica-trização de feridas está bem documentado39,40. Sabe-seque as feridas em diabéticos são frequentemente infectadasde forma polimicrobiana e com uma grande incidência deorganismos anaeróbios, mas a infecção não é o únicomotivo pelo qual estas lesões são muito difíceis de tra-tar41. A hipóxia tecidular, geralmente provocada por alte-rações circulatórias e agravada pela infecçãoconcomitante, tem uma grande responsabilidade naetiopatogenia destas lesões. A hipóxia não só impede acicatrização mas também pode prejudicar a capacidade

Tiago D.F. FERNANDES et al, Medicina Hiperbárica, Acta Med Port. 2009; 22(4):323-334

330www.actamedicaportuguesa.com

bactericida leucocitária42,43. Esta hipóxia e a infecção que,muitas vezes co-existe, são a base racional para a aplica-ção da oxigenoterapia hiperbárica neste tipo de patologia,tendo em conta já referidos efeitos anti-isquémicos, pró-cicatrizantes, anti-infecciosos e anti-edematosos do oxi-génio hiperbárico, actuando inclusive de forma sinérgicacom a pentoxifilina na melhoria do fluxo sanguíneo44.

A utilização da OTH nas feridas de difícil cicatrizaçãoem diabéticos tem sido corroborada em diversos estudos,alguns dos quais prospectivos e aleatorizados45-47. Note-se, no entanto, que a OTH não substitui a revascularizaçãocirúrgica na insuficiência arterial avançada pelo que a ne-cessidade de intervenção cirúrgica deve ser sempre avalia-da e esta efectuada se possível.

A maioria dos estudos centra-se em pacientes que apre-sentam lesões com classificação de Wagner ou WagnerModificada (Classificação Profundidade-isquemia) Grau2-3 e isquemia A-C (Quadro 3). Assim, não estão aindabem definidos quais os pacientes nos quais a OTH pode-rá ter mais benefício.

Uma recente revisão sistemática da literatura, usandoos métodos da Cochrane, regista que existe evidênciaque a OTH diminui o risco de amputação major em doen-tes diabéticos com úlceras resistentes ao tratamento stan-dard: os doentes que receberam OTH tinham um terço daprobabilidade de serem submetidos a amputação quandocomparados com os que não receberam OTH. Nestes es-tudos resultou então que seria necessário tratar apenasquatro pacientes para evitar uma amputação major48.Relativamente às úlceras venosas, um estudo aleatorizadosugere também uma maior diminuição do tamanho de úlce-ras nos doentes tratados com OTH49.

Relativamente às lesões tróficas refractárias a OTHperfila-se como uma eficaz ajuda no tratamento já que ace-lera a reparação de feridas de evolução tórpida, evita am-putações, aumenta a vitalidade de enxertos e retalhos com-prometidos durante as primeiras 72 horas, diminuindo deforma sensível o custo global da doença e aumentandoem grande medida a qualidade de vida dos doentes22,50.

Assim, no doente diabético, o uso de OTH é recomen-dado na presença de Isquemia Crítica Crónica (definidapelo European Consensus Conference on Critical Isque-mia*), se as pressões de oxigénio transcutâneo perilesio-nais medidas sob condições hiperbáricas (2.5 ATA, 100%Oxigénio) forem superiores a 100 mmHg – Recomendaçãode Tipo 2.

No doente com arteriosclerose, o uso de OTH é reco-mendado no caso de Isquemia Critica Crónica, se as pres-sões de oxigénio transcutâneo perilesionais sob condi-ções hiperbáricas forem superiores a 50 mmHg – Reco-mendação de Tipo 2.

Surdez SúbitaA Surdez Súbita Neurossensorial Idiopática, com ou

sem tinnitus, é comum e representa uma problema de saú-de com efeitos significativos na qualidade de vida51. Tra-ta-se de uma afecção do ouvido interno que surge brusca-mente ou no curso de umas horas, e que se caracteriza poruma surdez de percepção geralmente unilateral e sem cau-sa aparente; em mais de metade dos casos o défice deaudição é permanente. Invocaram-se várias teorias acercada sua origem: vírica, isquémica, traumática por rotura damembrana de Reissner e outras. Independentemente daorigem do quadro, parece ser comum uma situação deanóxia/hipóxia das células ciliadas da cóclea, que têm umalto consumo de oxigénio e são muito sensíveis a varia-ções do aporte de O2 necessário para as suas funções

fisiológicas22.A OTH pode melhorar o fornecimento de oxigé-

nio ao ouvido interno e assim resultar numa melhoriada audição e/ou numa redução da intensidade dotinnitus. No entanto, faltam estudos para reforçar aevidência sobre a eficácia deste ou qualquer outrotratamento. Segundo o ECHM a Surdez Súbita está

edadidnuforP

0uarG aitaporuenuoaivérpareclú(ocsirmeéP)edadimrofedmoc

1uarG odatcefnioãn,laicifrepusareclÚ

2uarG -itrauooãdneteõpxeeuqadnuforpareclÚ)laicifrepusoãçcefnimesuomoc(oãçaluc

3uarG uo/eaessóoãçisopxemocadnuforpareclÚossecba/etileimoetso

aimeuqsI

A ocimeúqsioãN

B anergnagmesociméuqsI

C laicrapanergnaG

D latoTanergnaG

Quadro 3 – Classificação Profundidade-isquemia das úlcerasdo pé diabético (adaptado de The Diabetic Foot. 6th Edition,St Louis. Mosby, 2001:276)

* Isquemia Crítica Crónica: dor periódica, que persiste emrepouso, necessitando de tratamento regular com analgési-cos durante mais de duas semanas, ou ulceração ou gan-grena do pé com pressão sistólica no tornozelo ≤ 50 mmHge/ou pressão sistólica no dedo ≤ 30 mmHg [Second EuropeanConsensus on Critical Ischemia: Circulation 1991;84(IV):1-26]

Tiago D.F. FERNANDES et al, Medicina Hiperbárica, Acta Med Port. 2009; 22(4):323-334

331 www.actamedicaportuguesa.com

classificada como Recomendação de Tipo 2, aguardando-se resultados de um ensaio aleatorizado controlado euro-peu.

EFEITOS SECUNDÁRIOS E CONTRA-INDICAÇÕESDA OTH

As variações de pressão podem provocar lesões baro-traumáticas. A complicação mais frequente da OTH é a lesãotimpânica52. Podem também ocorrer lesões barotraumáticasnos seios perinasais, dentes, pulmões e cavidades ocas.

A exposição ao oxigénio hiperbárico promove o cha-mado stress oxidativo. No entanto, a hiperóxia transitóriaconduz a um aumento subsequente da formação de antioxi-dantes enzimáticos que tentam contrariar este aumento deradicais livres. O resultado final é um mecanismo protec-tor eficaz a novo stress oxidativo, pelo menos em voluntá-rios saudáveis7. Este efeito também demonstrou benefí-cio em modelos de sépsis em animais, levando à discus-são do possível papel da OTH neste contexto clínico53.

Quando se alcança uma pressão parcial de oxigénioexcessivamente elevada podem surgir sinais de irritaçãocortical que se manifestam em forma de crise convulsiva,como descreveu Paul Bert em 1878. Estes cedem ao retirara mascara de oxigénio e passar a ar ambiente6. Estima-seque a incidência desta complicação da OTH seja de apro-ximadamente 0,7 por 10000 tratamentos54.

A toxicidade pulmonar do oxigénio pode manifestar-seapós exposições muito prolongadas ao oxigénio hiperbá-rico (mais de seis horas). Usando os protocolos habituais,não é observado este tipo de toxicidade em doentes trata-dos com OTH54. Esta toxicidade manifesta-se inicialmentecom sinais e sintomas de traqueobronquite (transitórioscom o cessar da exposição) e que, com a exposição conti-nuada, evolui para ARDS (Acute Respiratory DistressSyndrome) e, finalmente, fibrose pulmonar intersticial. Foioriginalmente descrita em 1899 e é designada por efeitoLorrain – Smith54.

Alguns doentes podem sofrer um transtorno visualtransitório conhecido como miopia hiperbárica. Trata-sede uma situação transitória que reverte ao cabo de dias asemanas após finalizar o tratamento. No caso de doentesportadores de cataratas, estas podem experimentar umaaceleração da sua evolução. É também conhecido o efeitonocivo do oxigénio em altas concentrações no recém-nasci-do prematuro, a chamada fibroplasia retrolenticular(retinopatia)23,55.

Em conclusão, a OTH é uma modalidade segura e aocorrência de efeitos secundários é muito rara. Algumassituações requerem planeamento cuidadoso e, como em

todas as modalidades terapêuticas, avaliação da relaçãorisco/benefício. A presença de um pneumotórax com me-canismo valvular, a existência de toracotomia, o antece-dente de pneumotórax espontâneo ou a susceptibilidadeaos episódios convulsivos, assim como as doenças infec-ciosas das vias respiratórias altas, as dispepsias flatulentase as sinupatias agudas ou crónicas obrigam a aumentar oscuidados22.

PERSPECTIVAS FUTURAS DA MEDICINAHIPERBÁRICA

Até 2006 o Centro de Medicina Hiperbárica do Hospi-tal da Marinha em Lisboa era o único em Portugal funcio-nando de acordo com as recomendações do EuropeanCommittee for Hyperbaric Medicine (ECHM), EuropeanDiving Technology Committee (EDTC) e do EuropeanCode of Good Practice for Hyperbaric Oxygen Therapy(Comissão Europeia, Cooperation in Science and Tech-nology – COST, Safety Working Group). Este centro, diri-gido por José Albuquerque, embora de vocação primor-dial militar, presta cuidados à população civil e representauma estrutura ímpar em qualidade e segurança dos servi-ços prestados nesta área57.

A Unidade de Medicina Hiperbárica (UMH) do Hospi-tal Pedro Hispano em Matosinhos – inaugurada em Junhode 2006 e dotada de uma câmara multilugar com capacida-de máxima de 15 doentes – é, assim, apenas a segunda emPortugal continental (primeira de âmbito civil) alargando acobertura desde tipo de tratamento ao norte e centro dopaís. A UMH conta ainda com uma característica distinti-va, que é o facto de estar integrada num centro hospitalarcom capacidade de tratar doentes críticos, pois possuiduas unidades de cuidados intensivos e tem o equipa-mento adequado e o pessoal treinado para prestar todosos cuidados a estes doentes.

Existe ainda uma câmara hiperbárica na Horta, Açorese um novo centro no Funchal, Madeira. Todas as restan-tes câmaras hiperbáricas situadas em Portugal encontram-se em situações de funcionamento e segurança desco-nhecidos e, muito importante, não se encontram integra-das num sistema de cuidados hospitalares.

Atenta a este problema, a Ordem dos Médicos inicioujá o processo de instituir a competência em MedicinaHiperbárica e regular o seu âmbito.

Neste artigo procuramos resumir o estado da arte daMedicina Hiperbárica e divulgar, bem como os recentesavanços e estudos científicos que têm transmitido umamensagem de muita esperança quanto ao valor e utilidadeda Oxigenoterapia Hiperbárica. Estes estudos abordam

Tiago D.F. FERNANDES et al, Medicina Hiperbárica, Acta Med Port. 2009; 22(4):323-334

332www.actamedicaportuguesa.com

áreas diversas, da oncologia aos cuidados intensivos,confirmando trabalhos prévios ou avançando com novosdados e hipóteses.

Apesar de se tratar de uma área ainda pouco divulgadana comunidade médica portuguesa, as colaborações queagora são possíveis entre Unidades de Medicina Hiper-bárica nacionais, em conjunto com o trabalho das institui-ções internacionais nesta área, permitem olhar com optimis-mo e interesse o presente e futuro da Medicina Hiperbárica.

Conflito de intereses:Os autores declaram não ter nenhum conflito de interesses relati-vamente ao presente artigo.

Fontes de financiamento:Não existiram fontes externas de financiamento para a realizaçãodeste artigo.

BIBLIOGRAFIA

1. In Dorland’s Illustrated Medical Dictionary. 30th Edition2. KINDWALL EP, WHELAN HT: Hyperbaric Medicine Practice2nd Ed. Revised. Best Pub Comp 2002:pg. IX3. TIBBELS PM, EDELSBERG JS: Hyperbaric-oxygen therapy.N Engl J Med 1996;334:1642-84. DESOLA J: Bases y Fundamento terapêutico da OxigenoterapiaHiperbarica. JANO/Medicina. nº 1260, 5-11 de Junho 1998;LIV5. MUTH CM, RADEMACHER P, CUZZOCREA S: HyperbaricOxygen and Sepsis: time to recognize. Intensive Care Med 2005;31:1150-26. BOEREMA I, MEYNE NG, BRUMMELKAMP WK et al: Lifewithout blood: a study of the influence of high atmospheric pres-sure and hypothermia on dilution of the blood. J Cardiovasc Surg1960;1:133-1467. HUNT TK: The physiology of wound healing. Ann Emerg Med1988;17:1265-738. MADER JT, BROWN GL, GUCKIUAN JC, WELLS CH,REINARZ AJ: A mechanism of the amelioration by hyperbaricoxygen of experimental staphylococcal osteomyelitis in rabbits. JInfect Dis 1980;142:915-9229. HILL GB, OSTERHOUT S: Experimental effects of hyperbaricoxygen on selected clostridial species. I. In-vitro studies. J InfectDis 1972;125:17-2510. PARK MK, MUHVICH KH, MYERS RAM, MARZELLA L:Hyperoxia prolongs the aminoglycoside-induced postantibioticeffect in Pseudomonas aeruginosa. Antimicrob Agents Chemother1991;35:691-511. KAYE D: Effect of hyperbaric oxygen on Clostridia in vitroand in vivo. Proc Soc Exp Biol Med 1967;124:360-612. PROCKOP DJ, KIVIRIKKO KI, TUDERMAN L, GUZMANNA: The biosynthesis of collagen and its disorders. N Engl J Med1979;301:13-23,77-8513. HUNT TK, PAI MP. The effect of varying ambient oxygentensions on wound metabolism and collagen synthesis. Surg GynecolObstet 1972;135:561-714. THOM SR, FISHER D, ZHANG J et al: Stimulation of perivas-cular nitric oxide by oxygen. Am J Physiol 2003;284:H1230-9

15. ZAMBONI WA, ROTH AC, RUSSELL RC, GRAHAM B,SUCHY H, KUCAN JO: Morphologic analysis of the microcircu-lation during reperfusion of ischemic skeletal muscle and the ef-fect of hyperbaric oxygen. Plast Reconstr Surg 1993;91:1110-2316. ZAMBONI WA, ROTH AC, RUSSELL RC, NEMIROFF PM,CASAS L, SMOOT EC: The effect of acute hyperbaric oxygentherapy on axial pattern skin flap survival when administered du-ring and after total ischemia. J Reconstr Microsurg 1989;5:343-717. THOM SR: Functional inhibition of leukocyte B2 integrins byhyperbaric oxygen in carbon monoxide-mediated brain injury inrats. Toxicol Appl Pharmacol 1993;123:248-25618. WEAVER LK, HOPKINS RO, CHAN KJ et al: HyperbaricOxygen for Acute Carbon Monoxide Poisoning. N Engl J Med2002;347(14):1057-6719. PIANTADOSI CA: Carbon Monoxide Poisoning. N Engl JMed 2002;347(14):105420. MATHIEU D, WATTEL F, NEVIÈRE R, MATHIEU-NOLFM: Carbon Monoxide Poisoning: Mechanism, Clinical Presenta-tion and Management. In: Handbook of Hyperbaric Medicine.Springer 1996:281-29621. DESOLA J, CRESPO A, GARCIA A et al: Indicaciones yContraindicaciones de la Oxigenoterapia Hiperbarica. nº 1260, 5-11 de Junho de JANO/Medicina, 1998;LIV22. FRANCIS TJR, MITCHELL SJ. Pathophysiology of Decom-pression Sickness. In: Bennett PB, Elliott DH. The physiologyand medicine of diving. 5th ed. Philadelphia: W.B. Saunders2003:530-55623. ZISER A, ADIR Y, LAVON H et al: Hyperbaric Oxygen therapyfor massive arterial embolism during cardiac operations. J ThoracCardiovasc Surg 1999;117:818-82124. DEXTER F, HINDMAN BJ: Recommendations for hyperbaricoxygen therapy of cerebral air embolism based on a mathematicalmodel of bubble absortion. Anesth Analg 1997;84:1203-725. DAHM P, ROLAND FH, VASLEF SN et al. Outcome analysisin patients with primary necrotizing fasciitis of the male genitalia.Urology 2000;56(1):31-526. SRAUSS M: Crush Injury, Compartment Syndrome and otherAcute Traumatic Peripheral Ischemias. In: Kindwall Hyperbaric Medi-cine Practice. 2nd Editon Revised. Best Pub Comp 2002:753-77827. STRAUSS MB, HARGENS AR, GERSHUNI DH et al: Reduc-tion of skeletal muscle necrosis using intermittent hyperbaric oxy-gen in a model compartment syndrome. J Bone Joint Surg Am1983;65:656-66228. SKYHAR MJ, HRAGENS AR, STRAUSS MB et al: Hyperbaricoxygen reduces edema and necrosis of skeletal muscle in compart-ment syndromes associated with hemorrhagic hypotension. J BoneJoint Surg Am 1986;68:1218-2429. HAAPANIEMI T, NYLANDER G, SIRSJO A, LARSSON J:Hyperbaric oxygen reduces ischemia-induced skeletal muscle in-jury. Plast Reconstr Surg 1996;97:602-730. UHL E, SIRSJO A, HAAPANIEMI T, NILSSON G, NYLANDERG. Hyperbaric oxygen improves wound healing in normal andischemic skin tissue. Plast Reconstr Surg 1994;93:835-84131. BOUACHOUR G, CRONIER P, GOUELLO JP et al: Hyper-baric oxygen therapy in the management of crush injuries: Arandomized double-blind placebo controlled clinical trial. J Trauma1996;41(2):333-932. KINDWALL E: Crush Injury, Compartment Syndrome and otherAcute Traumatic Peripheral Ischemias. In: Kindwall Hyperbaric

Tiago D.F. FERNANDES et al, Medicina Hiperbárica, Acta Med Port. 2009; 22(4):323-334

333 www.actamedicaportuguesa.com

Medicine Practice. 2nd Edition Revised. Best Publ 2002:753-77833. MARX RE, JOHNSON RP, KLINE SN: Prevention of osteora-dionecrosis: a randomized prospective clinical trial of hyperbaricoxygen versus penicillin. J Am Dent Assoc 1985;111:49-5434. MARX R: Radiation injury to tissue. In: Kindwall HyperbaricMedicine Practice. 2nd Edition Revised. Best Publ 2002:665-72335. PIRES C, IRANI J, OUAKI F, MURAT FJ, DORE B: Hyper-baric oxygen therapy and radiation-induced hemorrhagic cystitis.Prog Urol 2002;12(6):1188-9336. CORMAN JM, MCCLURE D, PRITCHETT R, KOZLOWSKIP, HAMPSON NB: Treatment of radiation induced hemorrhagiccystitis with hyperbaric oxygen. J Urol 2003;169(6):2200-237. CHONG KT, HAMPSON NB, CORMAN JM: Early Hyper-baric Oxygen Therapy Improves Outcome for Radiation-inducedHemorragic Cystitis. Urology 2005;65(4):649-65338. BAKER SR, STACEY MC, JOPP-MCKAY AG et al. Epidemi-ology of chronic venous ulcers. Br J Surg 1991;78:864-739. HUNT TK: Disorders of wound healing. World J Surg1980;4:271-740. HUNT TK: The physiology of wound healing. Ann Em Med1988;17:1265-7341. LEE SS, CHEN CY, CHAN YS et al: Hyperbaric oxygen in thetreatment of diabetic foot infection. Chang Gung Med J 1997;20(1):17-2242. LAVAN FB, HUNT TK: Oxygen and wound healing. ClinPlast Surg 1990;17(3):463-47243. RABKIN JM, HUNT TK: Infection and oxygen. In: Davis JC,Hunt TK (Eds). Problem wounds: The role of oxygen. Elsevier,NY 1988:1-1644. NEMIROFF PM: Synergistic effects of pentoxifylline andhyperbaric oxygen on skinflaps. Arch Otolaryngol Head NeckSurg 1988;114:97745. DOCTOR N, PANDYA S, SUPE A. Hyperbaric oxygen therapy

in diabetic foot. J Postgrad Med 1992;38(3):112-446. ZAMBONI WA, WONG HP, STEPHENSON LL et al: Evalu-ation of hyperbaric oxygen for diabetic wounds: a prospectivestudy. Undersea and Hyperb Med 1997;24(3):175-947. FAGLIA E, FAVALES F, ALDEGHI A et al. Adjunctive sys-temic hyperbaric oxygen therapy in treatment of severe preva-lently ischemic diabetic foot ulcers. A randomized study. Diab Care1996;19(12):1338-4348. ROECKL-WIEDMANN I, BENNETT M, KRANKE P: Sys-tematic review of hyperbaric oxygen in the management of chronicwound. Brit J Surg 2005;92:24-3249. HAMMARLUND C, SUNDBERG T: Hyperbaric oxygen re-duced size of chronic leg ulcers: a randomized double-blind study.Plast Reconstr Surg 1994;93:829-83350. KINDWALL E, GOTTLIEB L, LARSON DL: Hyperbaric oxy-gen therapy in plastic surgery: a review article. Plast Reconstr Surg1991;88(5):898-90851. BENNETT MH, KERTESZ T, YEUNG P: Hyperbaric oxygenfor idiopathic sudden sensorineural hearing loss and tinnitus.Cochrane Database Syst Rev 2005; 25;(1):CD00473952. KINDWALL E: Contraindications and side effects of Hyper-baric Oxygen Treatment. In: Kindwall Hyperbaric Medicine Prac-tice. 2nd Edition Revised. Best Publ 2002:83-9753. OTER S, EDREMITLIOGLU M, KORKMAZ A et al: Effects ofhyperbaric oxygen treatment on liver functions, oxidative statusand histology in septic rats. Intensive Care Med 2005;31:1262-854. MARRONI A, ORIANI G, LONGONI C: Toxic effects of Oxy-gen – Pulmonary effects. In: Handbook of Hyperbaric Medicine.Springer 1996:75-8055. CLARK J, WHELAN H: Oxygen Toxicity. In: Kindwall Hyper-baric Medicine Practice. 2nd Edition Revised. Best Publ, 2002:69-8256. Informação fornecida pelo Centro de Medicina Hiperbárica doHospital da Marinha 2007

Tiago D.F. FERNANDES et al, Medicina Hiperbárica, Acta Med Port. 2009; 22(4):323-334

334www.actamedicaportuguesa.com

Tiago D.F. FERNANDES et al, Medicina Hiperbárica, Acta Med Port. 2009; 22(4):323-334