Melissa Machado Orige

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Melissa Machado Orige LÍNGUA INGLESA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL E SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: Quem prepara esses profissionais? Porto Alegre 2010

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ENSINO INGLES INFANTIL

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  • Melissa Machado Orige

    LNGUA INGLESA PARA A EDUCAO INFANTIL E SRIES INICIAIS DO

    ENSINO FUNDAMENTAL: Quem prepara esses profissionais?

    Porto Alegre

    2010

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    Melissa Machado Orige

    LNGUA INGLESA PARA A EDUCAO INFANTIL E SRIES INICIAIS DO

    ENSINO FUNDAMENTAL: Quem prepara esses profissionais?

    Dissertao de Mestrado, apresentada junto ao Programa de Ps-Graduao em Letras do Centro Universitrio Ritter dos Reis, como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Letras. Orientadora Prof. Dra. Beatriz Fontana

    Porto Alegre

    2010

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo aqueles que de muitas maneiras estimularam e viabilizaram a realizao

    deste estudo. Agradeo...

    ... ao Programa de Ps-Graduao em Letras;

    ... s professores e coordenadores que participaram deste estudo;

    ... banca de qualificao, professora Dra. Lucia Rottava e professora Dra. Silvana

    Zardo Pacheco;

    ... aos meus alunos, principal razo de meus estudos;

    ... minha orientadora, professora Dra. Beatriz Fontana, pelo carinho, pelo

    encorajamento, pela dedicao e disponibilidade;

    ... a meu marido, Eduardo Siaim Bhme, pelo apoio incondicional e por sempre ter

    acreditado na realizao deste estudo.

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    RESUMO Este estudo descreve e analisa a situao referente formao do profissional de ingls como Lngua Estrangeira (LE) que desempenha suas funes em escolas regulares para crianas a partir de 3 anos. Conforme resultados de pesquisas e discusses da rea (CELANI, 2009, ZILLES, 2006, GIMENEZ e CRISTOVO, 2007, SCHNACK, LEMKE e JAEGER, 2006, ARAUJO, 2009, entre outros), em nosso pas, o ensino de LE na educao infantil e primeiras sries do ensino fundamental, prtica que vem se popularizando na ltima dcada, especialmente em relao lngua inglesa, no orientado pelo Estado, que no oferece diretrizes para esse tipo de ensino. Alm disso, os cursos de Letras das universidades no oferecem formao especfica para os profissionais que vo atuar nessas faixas etrias. Essa constatao gerou o problema deste estudo, qual seja, como se d a formao desses profissionais. Para atingir os objetivos deste estudo, primeiramente foi feito um levantamento das habilitaes oferecidas pelos principais cursos de licenciatura em Letras da Grande Porto Alegre. Tambm foram realizadas entrevistas gravadas em vdeo e udio, como tambm por correio eletrnico, com os coordenadores e professores formadores desses cursos e professores atuando no ensino de crianas nessa faixa etria. Os resultados do estudo sugerem que no h a habilitao para esse ensino no curso de Letras e os professores de LE na educao infantil e primeiras sries do ensino fundamental fazem cursos de especializao para esta rea de ensino. PALAVRAS- CHAVE: Ensino para crianas; Ingls como Lngua Estrangeira; formao de professores.

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    ABSTRACT

    This study describes and analyses the situation concerning the training of teachers of English as a Foreign Language (FL) who act in regular schools for children from three years of age on. According to the results of some researches and discussions in the area (CELANI, 2009, ZILLES, 2006, GIMENEZ e CRISTOVO, 2007, SCHNACK, LEMKE e JAEGER, 2006, ARAUJO, 2009, among others), in our country, the FL teaching in the nursery school and the primary education, practice that has become popular in the last decade, especially when related to the teaching of English, is not oriented by the government Education Department, which does not offer any guidance for this kind of education. Besides, the language courses of our universities do not offer specific training for the professionals who will work with students in these age brackets. This evidence has generated the object of this study which is how the training of these professional actually happens. In order to achieve the goals of this study, a survey of the qualifications offered by the most important licentiate language courses of the metropolitan area of Porto Alegre was made. Interviews recorded in video and audio were also made, as well as the ones made by electronic mail with the coordinators and professors in charge of these courses, as well as with teachers who have been teaching children in this age bracket. The study results suggest that there is no qualification for this teaching in the language courses and the FL teachers in the nursery school and the primary education do specialization courses for this area of education.

    KEY WORDS: Teaching Children; English as a Foreign Language; teacher training

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    SUMRIO

    1 INTRODUO .........................................................................................................8

    2. O CENRIO ATUAL DO ENSINO DA LNGUA INGLESA NA EDUCAO

    INFANTIL E SRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL................................ 11

    2.1 Alternativas para o ensino de ingls para crianas .............................................13

    2.2 Um estudo de caso: o ensino de ingls para a educao infantil e ensino

    fundamental (1 a 4 srie) no interior do Paran......................................................14

    2.3 Professores de ingls como pesquisadores: uma proposta de

    soluo.......................................................................................................................16

    3 TEORIA SOCIOCULTURAL NO ENSINO E NA APRENDIZAGEM DE LNGUA

    INGLESA....................................................................................................................26

    3.1 Recursos Mediacionais........................................................................................29

    3.2 Zona de Desenvolvimento Proximal ....................................................................29

    3.3 Andaimento..........................................................................................................31

    4 REFERENCIAL CURRICULAR NACIONAL PARA A EDUCAO INFANTIL

    ....................................................................................................................................33

    4.1 Objetivos Gerais da Educao Infantil................................................................ 36

    5 METODOLOGIA ...................................................................................................38

    5.1 Gerao de dados ...............................................................................................39

    5.2 Os participantes ...................................................................................................40

    5.3 Dificuldades na Gerao de Dados .....................................................................41

    6 ANLISE DOS DADOS..........................................................................................43

    6.1 Consideraes sobre as entrevistas com as participantes-professoras..............43

    6.2 Consideraes sobre as entrevistas com os coordenadores-

    participantes...............................................................................................................52

    6.3 Consideraes sobre as grades curriculares dos cursos de Letras ....................55

    CONSIDERAES FINAIS ......................................................................................57

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    REFERNCIAS .........................................................................................................66

    ANEXO I Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .................................. 68

    ANEXO II Questionrio aos Coordenadores .....................................................69

    ANEXO III Questionrio aos Professores ..........................................................70

    ANEXO IV Respostas aos questionrios na ntegra .........................................71

    ANEXO V Entrevistas com os Coordenadores ..................................................81

    ANEXO VI - As grades curriculares dos cursos de Letras ..................................88

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    1 INTRODUO

    Habilitada em Letras Ingls, Portugus e Literaturas, iniciei minha carreira

    lecionando ingls para crianas a partir dos 3 anos. Antes mesmo de entrar em sala

    de aula, no momento da preparao dos planos, surgia o primeiro desafio: por onde

    comear? A partir dessa situao, questionei-me se estaria realmente preparada e

    teria as habilidades necessrias para desempenhar as funes de professora de

    ingls em turmas dessa faixa etria. Como consequncia dessa situao, decidi

    fazer um estudo que tambm contribusse para o aprimoramento das minhas aulas e

    para outros profissionais que, assim como eu, ousam ir alm do cronograma para

    deixar de ser um observador do sistema e tornar-se, de uma forma ou de outra, um

    transformador do mesmo.

    O panorama do ensino de ingls como lngua estrangeira (LE) a partir da

    educao infantil em escolas particulares no Brasil, na ltima dcada, confirma a

    tendncia ascendente da procura dessa modalidade de ensino. Por outro lado,

    praticamente todas as escolas pblicas oferecem esse idioma, conforme os

    Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs, 1998)1, apenas a partir da 5 srie (hoje,

    6 ano do ensino fundamental), o que distancia o sistema pblico do privado. Sendo

    assim, para professores de LE, as possibilidades de trabalho para o ensino infantil e

    primeiras sries do fundamental esto em escolas particulares. De acordo com Ana

    Stahl Zilles (2006, p.4),

    [...] necessrio reconhecer que existe um descompasso entre a demanda social por profissionais para atuarem nesta rea, e a formao oferecida na universidade, nos cursos de Letras, destinados a formarem professores para atuar no ensino fundamental, de quinta srie em diante, e no na educao infantil.

    De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educao Infantil

    (RCNEI, 1998)2, que no aborda o ensino de LE, cabe s instituies organizar suas

    1 Os PCNs no sero utilizados na pesquisa por que fornecem diretrizes para alunos de 5 a 8 srie do ensino

    fundamental. 2 Para pesquisas posteriores h Os Parmetros Nacionais de Qualidade para a Educao Infantil (2006), que no

    foram usados no estudo devido ao conhecimento do documento apenas fase final da pesquisa.

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    prticas de educao infantil de forma que possibilite s crianas o seu

    desenvolvimento de forma plena, fortalea sua auto-estima e amplie suas

    possibilidades de comunicao e interao social. Dessa forma, tem-se que a

    responsabilidade desse trabalho das instituies de ensino que adotam a prtica.

    Mas baseadas em qual regulamento elas esto guiando esse trabalho?

    O presente estudo apresenta um levantamento dos currculos dos Cursos de

    Letras com habilitao em Ingls, ou Ingls-Portugus dos principais cursos de

    licenciatura da Grande Porto Alegre. Alm disso, so analisadas entrevistas e

    questionrios com profissionais que desempenham suas funes no ensino de

    ingls para crianas a partir de 3 anos, tendo em vista uma perspectiva de pesquisa

    qualitativa interpretativista, de cunho etnogrfico. Atravs dessas entrevistas,

    procurou-se verificar como se d a formao desses profissionais e, com esses

    dados, avaliar por amostragem, a atual situao dessa rea de ensino para que

    possam ser discutidas as possibilidades de aprimoramento desse trabalho.

    A situao que gerou o estudo foi a percepo de um descompasso entre a

    demanda por aulas de LE para crianas e a formao de profissionais para atender

    essa necessidade. Dessa forma, a pergunta de pesquisa delineada em torno de

    quais recursos o professor busca para o desempenho de suas atividades

    profissionais e o objetivo geral consiste em descrever e analisar os processos de

    formao desses profissionais. Como objetivos especficos, temos: 1) descrever e

    analisar os currculos dos principais cursos de Letras da Grande Porto Alegre; 2)

    analisar as recomendaes do RCNEI (1998), comparando-as com as declaraes

    dos entrevistados; 3) fazer uma avaliao por amostragem da situao do ensino de

    ingls para crianas a partir dos 3 anos. A esta introduo segue-se uma descrio

    do desenvolvimento do trabalho.

    No segundo captulo ser realizada uma descrio do cenrio atual da

    educao infantil e sries iniciais do ensino fundamental, a partir de Celani (2009),

    Zilles (2006), Gimenez e Cristovo (2007), Schnack, Lemke e Jaeger (2006), Araujo

    (2009), entre outros.

    O terceiro captulo aprofunda os princpios da teoria sociocultural quanto ao

    ensino de uma LE, segundo Vygotsky (1998), Mitchell e Myles (2004) e Hall (2001).

    Alm disso, descreve os princpios e objetivos que regem a educao de acordo

    com o Referencial Nacional para a Educao Infantil, delineando o perfil desse

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    profissional e o que se espera do professor. Tambm define o perfil do professor de

    educao infantil que atua na rea de ingls.

    No quarto captulo, argumenta-se sobre a importncia da pesquisa qualitativa

    interpretativista, de cunho etnogrfico, ao mesmo tempo em que descrita a

    metodologia aplicada a este estudo.

    Por fim, no ltimo captulo feita a anlise dos dados gerados atravs das

    entrevistas em relao aos pressupostos socioculturais para o ensino de ingls

    como LE e as recomendaes dos pesquisadores e do Referencial Curricular

    Nacional para a Educao Infantil (RECNEI, 1998) sobre esse tema. Aps as

    anlises, so feitas consideraes finais seguidas das referncias e anexos.

  • 11

    2 O CENRIO ATUAL DO ENSINO DA LNGUA INGLESA NA EDUCAO

    INFANTIL E SRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

    Para Celani, fundadora, em 1970, do Programa de Estudos Ps-Graduados

    em Lingustica Aplicada - o primeiro do gnero no Brasil - e atual coordenadora do

    Programa de Formao Contnua do Professor de Ingls da Pontifcia Universidade

    Catlica (PUC) de So Paulo, em entrevista publicada pela Revista Nova Escola

    (2009), questes decorrentes da formao dos professores de LE so diretamente

    refletidas no cenrio da educao atual. De acordo com a pesquisadora, os

    principais desafios so a formao deficiente de professores em faculdades sem

    qualidade que esto se proliferando pelo nosso pas, a carncia da Educao

    Continuada bem organizada e a falta de uma poltica clara em nvel nacional, que

    acaba por submeter a disciplina a uma posio secundria dentro do currculo. Em

    sua avaliao, uma das razes para o quadro seria a descrena geral no meio

    educacional em relao disciplina de LE (CELANI, 2009, p. 40).

    No entendimento de Zilles (2006), essa descrena do meio educacional e a

    omisso por parte do Estado parecem advir de uma viso preconceituosa do tipo

    afinal, pra qu estudar ingls? Assim, fica a forte impresso de que o trabalho de

    LE pode ser realizado da forma que o professor souber ou como puder realiz-lo.

    Nas escolas da rede pblica, os desafios se tornam ainda mais intensos, na

    medida em que o ensino de uma LE uma das ltimas preocupaes por parte da

    escola, de pais e alunos, no havendo meios para que esse problema se dissolva

    exatamente por no haver uma poltica nacional para a disciplina. Isso resultado

    da excluso das Lnguas Estrangeiras do ncleo comum na Lei de Diretrizes e

    Bases da Educao Nacional (LDB), de 1961. Na poca, ela passou a ser tratada

    como atividade. Depois, a LDB de 1996 menciona a obrigatoriedade de se oferecer

    uma Lngua Estrangeira, ficando a critrio da escola. Independentemente disso,

    um decreto do governo, de 2005, estabeleceu a obrigatoriedade de a escola

    oferecer o Espanhol, apesar de ser optativo para os alunos. Porm, na prtica, isso

  • 12

    no se concretiza, mesmo porque ainda no existem professores suficientes para

    preencher essas vagas (CELANI, 2009, p.44).

    A respeito da formao docente para o trabalho de LE com crianas da

    educao infantil e ensino fundamental, um dos principais problemas a falta de

    cursos destinados a essa habilitao. Os cursos de Letras, em geral, organizam

    seus currculos de modo que preparem seus acadmicos para lecionar crianas a

    partir da 6 srie (6 ano atualmente). Outro problema, segundo Celani (2009), a

    questo da licenciatura dupla em Portugus e Ingls, por exemplo, que, de acordo

    com o cronograma exigido pela Educao Bsica, no h como dar conta das duas

    lnguas em um perodo de 8 semestres.

    Alm disso, h a proliferao de faculdades que no tm corpo docente

    formado na rea, no desenvolvem pesquisas e do cursos norteados apenas pela

    gramtica. O ideal que a graduao oferea a prtica e o uso da lngua de vrias

    maneiras, alm da formao reflexiva e de no ditar receitas. De acordo com

    Celani (2009, p. 44), professores recm formados chegam escola se sentindo

    desorientados, pois a prpria instituio, muitas vezes, desvaloriza a disciplina.

    Segundo a Celani (2009), esses educadores precisam ter a noo de que

    uma das prticas essenciais em sala de aula a conversao. Para ela, um

    momento real de comunicao se d com ordens como: abram os livros. No

    entanto, o que se v so professores que continuam utilizando o portugus e isso

    acontece porque no h uma naturalidade com o idioma. E acrescenta, O medo de

    a turma no entender no desculpa. Seno vira um crculo vicioso. possvel usar

    os dois idiomas, pelo menos, ou traduzir na primeira vez que empregar

    determinados termos (CELANI, 2009, p. 44).

    Outro agravante da disciplina , segundo Zilles (2006, p. 4), o trabalho

    realizado uma vez por semana e com durao de no mximo 1 hora. Para ela, este

    trabalho no deve ser chamado de aprendizagem bilngue, pois se reveste de

    grande artificialismo em comparao com as experincias de aquisio das lnguas

    efetivamente usadas em uma dada comunidade e vivenciadas pela criana em seu

    contexto social. O trabalho bilngue, explica, aquele em que o aluno sabe que

    usar de fato duas lnguas em situaes reais de sua vida, como viagens,

    intercmbios, ou, ainda, em determinadas comunidades, em que duas lnguas so

    usadas oficialmente na escola, em casa e entre amigos.

  • 13

    2.1 Alternativas para o ensino de ingls para crianas

    Conforme Schnack, Lemke e Jaeger (2008), a aproximao de uma LE com o

    mundo do educando pode ser realizada atravs de brincadeiras, atividades em

    rodas, cantigas, histrias, enfim, todo momento pode ser transformado em

    possibilidade de interao. Dessa maneira, permitido que o aluno seja criana, que

    ele seja exposto ao idioma de forma natural e mais efetiva. Assim, ele aprender de

    forma contextualizada, relacionando as atividades com seu universo mais amplo,

    inclusive fora da escola.

    De acordo com a proposta do estudo de Schnack, Lemke e Jaeger (2008),

    apenas o trabalho realizado nas escolas seguindo uma abordagem pertinente

    idade do educando, atravs de atividades repletas de significados para eles, deve

    ser tratado como ensino de LE. A aproximao dos contedos com as situaes

    prticas de rotina do aluno deixa mais evidente a importncia que o aprendizado de

    uma LE poder ter em suas vidas. Porm, esta funo torna-se complexa na medida

    em que nem mesmo os educadores conseguem entender o valor de sua disciplina.

    Eles no tem noo da capacidade de incluso que o idioma tem (CELANI, 2009, p.

    44). preciso que o professor entenda e reconhea a importncia que sua

    disciplina tem para que possa transmitir ao seu aluno aquilo que ele tem como

    verdade.

    De acordo com Gimenez e Cristovo (2007), um dos principais meios de

    mudar este quadro atravs da proposta de formao de professores para

    tornarem-se professores pesquisadores. A pesquisa-ao fundamental para o

    aprimoramento profissional, pois os professores se informam melhor sobre sua rea

    de atuao, compreendem e tomam decises mais adequadas sobre suas prticas

    pedaggicas e, ainda, aumentam sua autoconfiana. Para elas, esta proposta est

    cada vez mais difundida no meio acadmico, porm, as prticas dessas pesquisas,

    em que os professores sejam o foco da investigao, ainda so muito prematuras.

    Conforme Zilles (2006, p.4), devem estar na mente de todo profissional que

    atua nesta rea questes socioculturais como:

    Por que ensinar idiomas estrangeiros a crianas pequenas? Para qu? Em que medida pode-se prever, na infncia, quais lnguas uma pessoa ir precisar no futuro, se que isso vir de fato a acontecer? Em que medida a criana necessita dessa aprendizagem? E em que medida essa

  • 14

    aprendizagem pode ou no contribuir para o desenvolvimento de suas capacidades e aptides.

    Segundo ela, as respostas para essas perguntas devem ser priorizadas,

    antes mesmo de serem traadas as dificuldades e facilidades do ensino de LE.

    No entanto, conforme Celani (2009), uma grande possibilidade de mudana

    est no fim da crena de que h o melhor mtodo e, ainda, na reflexo e anlise do

    professor para cada turma. Afinal, como explica, a formao reflexiva a

    capacitao que prepara cada docente para avaliar a realidade em que atua e

    aplicar princpios de ensino e aprendizagem que funcionem para o grupo de

    estudantes que tem em cada sala de aula (CELANI, 2009, p.40). Na busca de

    mudanas positivas para o ensino preso gramtica e decoreba, necessrio,

    segundo a pesquisadora, que seja valorizado o ensino da LE, e entendida, de fato,

    qual a importncia de aprend-lo para a educao do indivduo. E tambm, claro,

    dando formao inicial e continuada para os professores. Eles apenas repetem o

    que aprendem (CELANI, 2009, p. 42).

    Sendo assim, de acordo com Celani (2009), para completar o aprimoramento

    do professor de LE e para que o aluno tenha um professor de qualidade, este

    educador deve ser capaz de falar na lngua que leciona em sala, precisa escrever de

    maneira simples e correta sintaticamente, ser capaz de ler um artigo e entender

    falantes nativos, porm ele no deve ter o nativo como modelo, nem em relao

    pronncia, at porque, explica Celani (2009, p. 44), essa ideia j est superada pela

    falta de fronteiras proporcionadas pelo avano da tecnologia e por causa da

    expanso do ingls.

    2.2 Um estudo de caso: o ensino de ingls para a educao infantil e ensino

    fundamental (1 a 4 srie) no interior do Paran

    Um trabalho realizado por Lopes e Carvalho (2007) estuda a formao do

    professor de ingls que leciona na Educao Infantil e Ensino Fundamental (1 a 4

    srie), para descobrir se esse profissional possui conhecimento a respeito dos

    mtodos e abordagens aplicadas nestas sries. Alm disso, busca pesquisar o que

    elas chamam de mecanismos de aprendizagem mais eficazes.

  • 15

    De acordo com Carvalho e Lopes (2007), para que a mediao do

    conhecimento seja mais significativa, o professor deve manter-se atualizado, buscar

    novos conhecimentos, ser um pesquisador, participar de eventos durante e depois

    de sua formao acadmica. A educao continuada apontada como o caminho

    que possibilita o seguimento e aperfeioamento dessa preparao, de maneira que

    mantm o docente a par das mudanas do mundo, referentes globalizao,

    tecnologia, cincia, entre outros.

    No entanto, de acordo com elas, alm da graduao e educao continuada,

    [...] o professor necessita ter ao reflexiva e ser persistente na sua prtica e naquilo que acredita, precisa saber reconhecer e resolver problemas, ter um esprito renovado para questionar a sua prpria ao, deve ter atitude de responsabilidade e sinceridade por aquilo que ensina e constatar o crescimento de seus alunos, nos aspectos: pessoal, intelectual e social (CARVALHO e LOPES, 2007, p. 621).

    O estudo analisa o profissional desta rea que, alm da formao bsica

    (graduao), tenha domnio satisfatrio da lngua, que saiba ensin-la, e que

    conhea as teorias de ensino e aprendizagem pertinentes a ela: O docente deve

    conhecer os mtodos e abordagens para optar por um mtodo ou mtodos que

    melhor se adapte realidade na qual ele trabalha (CARVALHO e LOPES, 2007, p.

    621).

    O perfil citado por Carvalho e Lopes (2007) para o aperfeioamento dos

    docentes imprescindvel para todos que trabalham na educao. Todavia, para o

    professor que leciona para crianas de 3 a 9 anos tambm se faz necessrio ter o

    domnio de conceitos e habilidades necessrias para se ter uma atuao junto s

    crianas, atuao essa que seja promotora da aprendizagem e do desenvolvimento

    delas no sentido de lhes garantir o direito infncia (CARVALHO e LOPES, 2007,

    p. 621).

    Assim, como uma das reas de atuao do profissional habilitado para

    lecionar a Lngua Inglesa (LI), a preparao desse profissional tambm requer

    conhecimentos na rea pedaggica. Para as pesquisadoras (2007, p. 622), Ele

    deve estar preparado para lecionar para cada faixa etria. Dessa maneira, o

    professor ser capaz de trabalhar para a faixa etria dos 3 aos 9 anos, e de

    desenvolver um trabalho pleno, de modo que ele tenha segurana no trabalho direto

    com as crianas, e tambm em suas auto-avaliaes, na busca do melhoramento de

    suas prticas de ensino.

  • 16

    A pesquisa foi realizada com 13 professoras representando 15 escolas da

    rede particular de ensino de Guarapuava-PR, que responderam um questionrio

    com perguntas referentes formao do professor de lngua inglesa para crianas,

    sobre o material didtico que adotam, e sobre questes relacionadas ao

    planejamento, ao mtodo, aos objetivos dos cursos e s necessidades e desejos

    como professoras de lngua inglesa.

    A partir do levantamento dos dados, as autoras concluram que as

    professoras que participaram do trabalho possuem conhecimento a respeito de

    como deve ser a formao de um bom profissional desta rea. As professoras

    responderam os questionrios que possuem, alm da formao, conhecimentos na

    rea pedaggica e curso em Educao Infantil e Ensino Fundamental. Os cursos

    realizados por elas variam do Magistrio at a ps-graduao, sendo que algumas

    ainda esto cursando a faculdade ou j so graduadas em Letras Anglo Portugus

    - Ingls. Na grande maioria, elas participam de cursos e eventos e mostram um

    compromisso em melhorar a formao profissional que j possuem.

    No entanto, a pesquisa revelou que nem todas as professoras tm o domnio

    da metodologia que est sendo aplicada em sala de aula, assim, as autoras

    recomendam cursos de aperfeioamento a fim de aprofundar os estudos na rea de

    ensino-aprendizagem de LI para crianas. Por ltimo, as professoras sentem a

    necessidade de cursos como Educao Continuada, Especializao, oficinas

    preparatrias para montagem de material didtico, leitura e escrita nas sries iniciais

    e atividades dinmicas.

    A partir desta pesquisa, o estudo pode contribuir com a Universidade do

    Centro-Oeste UNICENTRO, PR, Departamento de Letras (DELET), pois se tem

    um panorama da situao de professores de ingls no interior do Paran, e apontar

    possveis solues.

    2.3 Professores de ingls como pesquisadores: uma proposta de soluo

    Para Gimenez e Cristovo (2007), a proposta de preparar docentes para

    tornarem-se pesquisadores est cada vez mais difundida, pois o objetivo desta

    atividade de investigao resulta em uma prtica reflexiva de seu papel como

    formador e viabiliza as condies de aprimoramento profissional. Contudo, ressaltam

  • 17

    que pesquisas em que os formadores de professores de ingls sejam o foco da

    investigao ainda so muito prematuras.

    Alm disso, para elas, de acordo com os cursos de Letras, no campo da

    Lingustica Aplicada, quanto a pesquisas na rea de preparao inicial, o trabalho

    vem sendo mais desenvolvido para os estgios e seus conhecimentos/ crenas.

    fundamental, ento, que o professor tenha a iniciativa de buscar os meios para

    desenvolver a pesquisa-ao ou que os formadores de professores adaptem seus

    planos de modo que a pesquisa-ao saia do patamar de algo desejado e se torne

    uma prtica de fato.

    A pesquisa-ao, conforme Levin e Rock (apud GIMENEZ e CRISTOVO,

    2007, p. 4), um processo que envolve professores na investigao da prpria

    prtica profissional, tendo como objetivo compreend-la, transform-la, e, ainda,

    aprimorar a linguagem sobre o trabalho, considerando as trocas de experincias e

    as de questionamentos crticos sobre o ensino-aprendizagem em que os

    colaboradores se empenham.

    Na pesquisa realizada pelo grupo das autoras, constituda por formadores de

    professores de ingls de distintas instituies e alunos-professores, o foco foi a

    investigao sobre a atividade de formao para, ento, haver a troca de

    planejamento, coleta, anlise e as reflexes a respeito do trabalho. Nesse sentido,

    justificamos o foco de investigar o potencial de desenvolvimento profissional gerado

    pela pesquisa (GIMENEZ & CRISTOVO, 2007, p. 4).

    De acordo com Gimenez e Cristvo (2007, p. 2), os formadores de

    professores podem desenvolver a pesquisa-ao atravs de 3 maneiras: sendo

    orientadores de trabalhos de professores que investigam suas prticas na escola, ou

    eles prprios como pesquisadores de seu trabalho, ou, tambm, atravs de ambos.

    Nesse sentido, Gimenez e Cristvo desenvolveram, com durao de 2 anos,

    um projeto de pesquisa-ao em que um grupo de formadores investigou suas

    prticas por meio de uma pesquisa participativa. Como parte dos objetivos desta

    proposta, destacou-se a necessidade de identificar como os professores formadores

    participantes avaliavam os resultados decorrentes da realizao de pesquisa como

    uma atividade de seu desenvolvimento profissional.

    O estudo teve como objetivo tambm caracterizar a pesquisa como espao de

    desenvolvimento profissional, pela identificao de: dificuldades ainda vivenciadas

    no segundo ano do projeto; oportunidades para aprendizagem emergentes das

  • 18

    reunies da equipe; papis assumidos pelos professores formadores participantes

    que permitissem a caracterizao da pesquisa como pesquisa-ao crtica; vozes

    constitutivas do discurso do formador (GIMENEZ e CRISTOVO, 2007, p. 2).

    A anlise dos resultados do projeto, como detalham Gimenez e Cristovo

    (2007), ateve-se s contribuies individuais dos participantes, s mudanas, aos

    percalos encontrados durante a pesquisa e s percepes do grupo sobre seu

    valor enquanto instrumento de desenvolvimento profissional. O projeto contou

    principalmente com professores alunos, formadores e coordenadores.

    Segundo Levin e Rock (apud GIMENEZ e CRISTOVO, 2007, p. 3), a

    literatura sobre pesquisa-ao ou pesquisa conduzida pelos prprios profissionais

    em seus contextos de trabalho mostram que as vantagens so muitas: os

    educadores ficam melhor informados sobre sua rea de atuao, compreendem e

    tomam decises mais adequadas sobre as suas prticas pedaggicas e aumentam

    a autoconfiana, o que reconstri a sua prtica em sala de aula. Alm disso,

    vantagens e desvantagens so percebidas por professores iniciantes e experientes

    ao se comprometerem com projeto de pesquisa-ao colaborativa. Nessa

    perspectiva, para os iniciantes, tanto a falta de tempo como a dependncia de outras

    pessoas so tidas como fatores desfavorveis. Por outro lado, fatores como dilogo

    compartilhado, persistncia e comprometimento foram apontados por outros

    professores iniciantes como fatores positivos, destacados a colaborao, como

    responsvel por trazer perspectivas, apoio e feedback adicionais.

    Todavia, por parte dos professores experientes, fatores como a alta

    dedicao, devido aos papis atribudos no projeto, os desafiaram a testar novos

    papis e responsabilidades como professores. A sua principal atribuio foi

    assegurar aos novatos a possibilidade de crescerem como estudantes e professores

    atravs de feedback verbal, discusses e reflexes conjuntas. Entretanto, alegaram

    que outras responsabilidades fizeram com que seu empenho fosse diminudo.

    A pesquisa-ao desenvolvida, de acordo com o relato das autoras, conclui

    que, atravs dela, foi possvel refletir sobre as prticas, embora no afirmem que

    conseguiram melhorar as condies objetivas de realizao de suas prticas. Os

    resultados foram positivos quanto aprendizagem coletiva, mas tambm foram

    reconhecidas as dificuldades deste tipo de ao diante da atitude docente, quase

    sempre muito enraizada. No entanto, as percepes sobre a aprendizagem geradas

    pelo estudo, como finalizam as pesquisadoras, contriburam para uma provocao/

  • 19

    desacomodao sobre seu prprio trabalho, o que fundamental para o

    desenvolvimento do professor, seja ele aluno ou formador.

    Miranda (2003) desenvolveu um estudo que traz uma interessante

    contribuio para as reflexes sobre a formao do professor por meio da pesquisa

    ao. A pesquisadora teve como objetivo investigar a interao de alunos e

    professora na construo do conhecimento nas aulas de Ingls, atravs de

    atividades propostas pela professora-pesquisadora. Alm disso, tambm se props

    verificar a utilizao de sinais de final de turno para conceder o turno a seus alunos.

    Assim, sua proposta consistiu em pesquisar a sua ao como professora e

    elaboradora de planos de unidades para o ensino de ingls para crianas. A

    pesquisa, concretizada a partir de uma escola de Educao Infantil que oferecia o

    servio de ensino de ingls terceirizado, embasada essencialmente nos

    pressupostos tericos de Vygotsky e Bakhtin e fundamentada na perspectiva scio-

    histrica, ou sociocultural.

    Os dados foram coletados atravs de gravaes de duas aulas em vdeo,

    transcritas e analisadas com base no plano geral do texto, sendo que para cada

    sequncia temtica foram analisadas as atitudes responsivas e os tipos de turnos

    dos alunos e, ainda, a anlise dos sinais de final de turno3 utilizados pela professora

    para conceder o turno aos alunos. O trabalho incluiu aspectos como, anlise de

    necessidades e vontades do grupo; levantamento de situaes/histrias por sries;

    levantamento de conhecimento de mundo, textual e sistmico, relativo a cada

    situao/ histria, e o levantamento de materiais e elaborao conjunta de plano

    anual de ensino e seqncias didticas. Conforme a autora: o estudo foi focado

    nos dados coletados no perodo de um bimestre (o quarto) que se refere ao trabalho com o livro de contos de fadas Pinocchio, baseado na estria de Carlo Collodi e recontado por Linda M. Jennings, da srie Favourite Tales, editado pela Ladybird Books Ltda em 1993 (MIRANDA, 2003, p. 12).

    A turma escolhida para a coleta dos dados sobre a unidade Pinocchio era

    formada por 9 alunos com idades entre 4 a 6 anos, que tiveram seu primeiro contato

    com este trabalho no incio do ano letivo de 2001. Os participantes desta pesquisa

    so, portanto, os alunos e a professora pesquisadora, formada em Educao, com

    experincia de seis anos no ensino de ingls na Educao Infantil.

    3 O conceito de turno utilizado na pesquisa refere-se a qualquer interveno dos interlocutores, que se

    caracterizam por uma sucesso de turnos verbais, correspondentes interao em sala de aula.

  • 20

    Miranda (2003), ciente de que a aprendizagem mediada pelo outro,

    observou a interao e suas implicaes no processo de ensino aprendizagem,

    assumindo a sala de aula como um espao dialgico, onde o sujeito considerado

    um ser histrico-social e cultural, e a presena do outro muito importante como

    parceiro da situao de comunicao. Segundo a pesquisadora, a interao das

    crianas entre si e com a professora precisa ser considerada por aqueles

    educadores comprometidos em estabelecer um ambiente de mediao e que

    considere a Zona de Desenvolvimento Proximal (conforme seo 3.2), tornando seu

    educando capaz de agir atravs dos princpios que lhe permitiro dar o passo

    seguinte sozinho.

    A pesquisa de Miranda (2003) apresentou resultados previsveis em sala de

    aula. De acordo com as respostas dos educandos, a pesquisa verificou dois tipos de

    atitudes responsivas dos alunos: atitudes responsivas ativas, que so aquelas com

    que os alunos indicaram compreenso ao responder, tanto em discordar, quanto em

    completar os enunciados, e atitudes responsivas de ao retardada, em que o aluno,

    cedo ou tarde, apresentar uma resposta que demonstre o conhecimento adquirido.

    Dessa forma, entende-se que, sendo a atitude responsiva tanto ativa quanto

    retardada, os aprendizes, por meio da aula ouvida foram capazes de atingir o

    objetivo, as crianas mostraram-se sujeitos ativos e participantes da co-construo

    dos saberes do grupo, muitas vezes utilizando a mediao dos parceiros de

    interao (MIRANDA, 2003, p. 94). Alm disso, mostraram-se capazes de

    estabelecer uma relao entre o contedo apresentado e suas vidas. Conforme

    Miranda (2003), os aprendizes demonstraram que a sala de aula um espao

    dialgico que se complementa com a presena do sujeito ativo e do outro, cada qual

    com seu conhecimento de mundo, sendo corresponsveis e, assim, tornando

    possvel a aprendizagem.

    Um outro aspecto que tem se mostrado extremamente relevante para a

    compreenso de como se d a formao do professor de crianas a partir de 3 anos

    so os estudos de cunho etnogrfico sobre crenas. O estudo de Scheifer (2009),

    por exemplo, procurou entender o funcionamento de crenas no processo de ensino-

    aprendizagem de LE para crianas em de um contexto pedaggico especfico, tanto

    por parte de uma professora como por parte de seus alunos. Assim, foram

    analisadas e discutidas crenas, enquanto variaes subjetivas, a partir de uma

  • 21

    iniciativa crtica-reflexiva, de uma perspectiva scio-histrica de linguagem e

    desenvolvimento psicolgico humano.

    Conforme a teoria vygotskyana, a pesquisa considera o processo de ensinar e

    aprender como processos indissociveis, assim como o educador e o educando.

    Vygotsky, ao desenvolver sua teoria scio-histrica do desenvolvimento dos

    processos psicolgicos humanos, utiliza o termo russo obuchenie para referir-se a

    um processo global de relao interpessoal (SCHEIFER, 2009, p. 1). O termo

    menciona algo como ensino-aprendizagem e inclui aquele que aprende, aquele que

    ensina e a relao entre essas pessoas. Dessa maneira, considerando que o

    processo de construo de conhecimentos depende de uma ao partilhada para

    que as estratgias do educador sejam produtivas, faz-se necessrio que ele

    entenda, o mximo possvel, concepes referentes ao nvel de desenvolvimento de

    seus alunos e de suas vises do mundo. Entretanto, para que isso acontea,

    preciso que o professor oua seus educandos, que esteja aberto para receber

    diferentes opinies, questionamentos, descobertas e crenas.

    A pesquisa de Scheifer (2009) tem como nico sujeito professora e

    pesquisadora. Logo, considerando que para a teoria scio-histrica o individual e o

    social se complementam mutuamente, a histria da professora-pesquisadora como

    docente se torna relevante por interferir em sua atuao em sala de aula, em sua

    viso como educadora, em suas escolhas didtico-pedaggicas e em sua relao

    com seus alunos e com o meio educacional ao qual pertence.

    Criada desde cedo na Escola de Educao Infantil e Ensino Fundamental de

    sua av, filha de professora, teve sua infncia e adolescncia no meio educacional e

    sempre desejou ser professora. No Ensino Mdio, iniciou o magistrio, desistindo do

    curso por sentir-se frustada, Intua que a formao de um professor envolvia

    questes muito mais complexas e grandiosas do que simplesmente aprender a fazer

    caixas de clculo e cartazes coloridos. Desisti do Magistrio, mas no de me tornar

    professora (SCHEIFER, 2009, p. 2). O passo seguinte foi iniciar o curso de Letras

    Portugus Ingls. J no primeiro ano de faculdade, assim que comeou a lecionar

    lngua estrangeira para crianas (LEC) veio uma outra frustao,

    [...] percebi que no sabia ser professora de lngua inglesa (doravante LI) para crianas. Pedi orientao para meus professores, na universidade, mas eles no tinham experincia nessa rea; procurei por disciplinas optativas sobre ensino de LEC, mas no havia no meu curso. Ento, entendi que teria que aprender por mim mesma. Comecei a estudar livros didticos, materiais de ensino, manuais para professor (praticamente todos

  • 22

    estrangeiros) e a ler sobre desenvolvimento infantil. Aos poucos, fui definindo um modo de dar aula (SCHEIFER, 2009, p. 2).

    Entretanto, por mais que a professora-pesquisadora se esforasse quanto a

    leituras e prtica direcionadas ao processo de ensino-aprendizagem, foi percebendo

    que no era o suficiente: as coisas nunca saam do jeito como eu havia previsto, s

    vezes, saiam muito melhor, outras, piores (SCHEIFER, 2009, p.3). Assim, para ela,

    essa lacuna a ser preenchida a motivou a iniciar a pesquisa para analisar seu

    trabalho dentro da sala de aula.

    De acordo com Scheifer (SCHN apud SCHEIFER, 2000), as prticas

    profissionais so permeadas por aspectos que nem sempre so facilmente

    observveis e solucionveis. Segundo a abordagem reflexiva, cada sujeito tem como

    realidade o conhecimento retirado do meio de que faz parte. Assim, o ser humano

    responsvel por suas crenas e suas vises de mundo.

    Conforme essa perspectiva, a sala de aula composta de diferentes

    indivduos, cada um deles com suas crenas e percepes de mundo. Logo, a sala

    de aula um espao em que diferentes indivduos atribuem significados a suas

    aes e a dos outros. Assim, atravs de reflexo crtica, que a conscincia destas

    diversas vises, o docente levado a refletir a respeito dos diferentes significados

    empregados na sala de aula e a compreender, de fato, a sua prtica pedaggica e

    tornar-se um transformador dela.

    Consciente das diferentes crenas por parte dos integrantes de uma sala de

    aula, a pesquisa procurou responder como funciona a dinmica do processo de

    ensino-aprendizagem com relao a essas crenas. Para isso, a professora

    pesquisadora, com base em sua experincia profissional, inicia sua pesquisa atravs

    de trs perguntas centrais:

    a) Existe inter-relao entre as crenas da professora, dos alunos e de seus pais? b) Como professora e alunos contribuem reciprocamente para o surgimento de suas crenas? c) Qual a relao entre as crenas dos sujeitos investigados sobre o processo de ensino-aprendizagem de LE com o contexto pedaggico, aes e interaes? (SCHEIFER, 2009, p. 3).

    A pesquisa foi desenvolvida com um grupo de oito crianas, com idades entre

    sete e oito anos. O grupo se encontrava duas vezes por semana, com durao de

    45 minutos cada aula, para aprender lngua estrangeira Ingls (LEI) extraclasse, em

    uma escola de Educao Infantil e Ensino Fundamental, no municpio de Rio

    Grande, no Rio Grande do Sul. O programa do curso foi organizado pela prpria

  • 23

    escola, sendo o material didtico importado e adequado para o ensino LEI para

    crianas.

    De acordo com Scheifer (2009), a coleta do corpus partiu da perspectiva

    scio-histrica de gneros, em que os textos criam realidades, fatos sociais,

    oportunizando interaes especficas, moldando e restringindo as representaes

    sociais (BAZERMAN apud SCHEIFER, 2005, 2006). Sendo assim, educadora e

    educandos foram analisados dentro do conjunto de gneros que geralmente atuam

    no ambiente escolar, ou seja, professora e alunos/ crianas. E para analisar as

    crenas sobre este mesmo processo, foram desenvolvidas atividades em sala de

    aula correspondentes ao seu universo:

    a)elaborao de histrias, escritas a partir da sugesto de um tema proposto pela professora-pesquisadora (LEFFA, 1991); b) desenhos da sala de aula de LEC; c) brincadeira, que consistiu numa atividade em que alguns alunos foram convidados a brincar de "dar aula de ingls", enquanto a professora os filmava (SCHEIFER, 2009, p. 4).

    Alm das anlises correspondentes s crenas, para a pesquisa etnogrfica

    tambm foram analisadas 5 aulas, sendo que 3 delas foram gravadas em vdeo,

    sesses de visionamento, em que a professora-pesquisadora buscou refletir sobre

    as aulas que ministrou. Ainda, contou com a utilizao de dirio, em que escrevia

    sobre suas aulas, tambm com objetivo de refletir e analisar as ocorrncias. J para

    analisar as crenas dos responsveis, foi aplicado um questionrio aberto e outro

    fechado em que marcaram seu nvel de concordncia em relao s afirmaes

    contidas nele4.

    A dinmica de anlise das crenas foi desenvolvida conjuntamente atravs de

    confrontos, pois, conforme Scheifer (2009), a linguagem um sistema semitico

    complexo, dinmico e dialgico, cujos significados so co-construdos. As crenas

    da professora demonstraram as muitas vozes que as constituem. So as vozes que

    constituem a ao pedaggica: materiais didticos, de teorias da Lingustica

    Aplicada, dos alunos, dos pais, da sua prpria experincia profissional e

    sociocultural. Na anlise dos dirios, transparece o confronto dessas vozes, pois

    foram surgindo novos posicionamentos e percepes: Aps 6 anos de prtica,

    ainda sinto-me um pouco rgida frente s aulas. Aos poucos, estou aprendendo a

    4 O questionrio foi norteado pelo questionrio CRESAL, baseado no BALLI, desenvolvido por Horwitz

    (FLIX, 1999). So algumas afirmaes contidas nele: mais fcil para a criana aprender uma LE do que para

    o adulto; Algumas pessoas nascem com uma capacidade especial que as ajuda a aprender a LE; O professor deve

    sempre exigir que as respostas na lngua-alvo sejam perfeitas, sem erros.

  • 24

    reconhecer e aceitar os 'imprevistos' de cada aula, a aceit-los como parte inerente

    da prpria prtica (Dirio: 31/10).

    Assim, por meio de reflexo e autocrtica, ela vai se enxergando melhor como

    ser individual. Logo, ao tomar conscincia de si mesma, torna-se plural:

    Talvez eu esteja confundindo as coisas. s vezes acho que tenho medo de, como professora, perder o controle da aula. Planejo tudo imaginando uma situao hipottica, como se eu pudesse prever e controlar a reao das crianas. Acho que tenho que ser mais flexvel, menos tensa (SCHEIFER, 2009, p. 11).

    Com relao s crenas dos alunos, percebe-se que so formadas de acordo,

    fundamentalmente, com as crenas de professores e de pais. Dessa maneira, a

    professora-pesquisadora chama ateno para o papel do professor de LEC como

    inaugurador do processo de ensino-aprendizagem de LE. A mistura das crenas dos

    sujeitos analisados expe pontos em comum e tambm define limites, permitindo

    que sejam atribudos significados ao processo de ensino-aprendizagem para eles

    prprios e para aqueles que fazem parte da sua comunidade de fala.

    , pois, no interior do contexto de sala de aula, entendido como um ambiente

    semitico, que a linguagem serve de matria-prima e de espao para constituio

    das percepes subjetivas da professora e de seus alunos, ou seja, de suas

    crenas. Tais percepes, como mostra a presente pesquisa, formam-se no

    constante dilogo com todos os elementos que constituem o meio social

    compartilhado, ecoando marcas desse mesmo ambiente (SCHEIFER, 2009, p. 11).

    Para o estudo, a linha entre o eu e o outro se d exatamente por esta

    correspondncia sobreposta, resultante de significados hbridos e intercruzados

    estabelecidos entre os dilogos, o indivduo e o social. Ainda, a investigao

    reconhece o papel do conflito para que o docente seja capaz de entender as

    divergncias entre as diferentes vozes, dando espao a elas e, atravs disso,

    criando condies para mudanas. No entanto, a pesquisadora ressalta que a

    mudana s possvel quando h o que mudar, ou seja, pode-se mudar apenas

    aquilo que se conhece.

    O trabalho valoriza cada micro-contexto existente em sala de aula de LEC, a

    necessidade de que haja por parte do professor a reflexo, a ateno e curiosidade

    quanto ao processo de ensino-aprendizagem, como condio para que se

    compreenda, de fato, a prtica pedaggica e se torne independente. A reflexo

    crtica o meio para que o professor tenha conscincia de seu trabalho e de suas

  • 25

    consequncias, pensar e repensar rumos e traar alternativas que garantam uma

    eficincia e qualidade de ensino que se traduza no desenvolvimento de professores

    de LEC autnomos e, principalmente, de cidados melhores (SCHEIFER, 2009, p.

    12). Assim, conforme os resultados da pesquisa, o processo de ensino-

    aprendizagem faz parte de um todo, do qual as crenas so partes constituintes que

    revelam a dinmica deste processo.

    Neste captulo, tratou-se do cenrio atual do ensino da lngua inglesa na

    educao infantil e sries iniciais do ensino fundamental, com a incluso de

    sugestes alternativas para o ensino de ingls para crianas, a descrio de estudo

    de caso, de pesquisa-ao e pesquisa sobre crenas, com resultados positivos para

    a reflexo sobre a formao do professor de ingls para crianas.

    No prximo captulo, ser apresentada a teoria sociocultural no ensino-

    aprendizagem de lngua inglesa e o RECNEI (1998).

  • 26

    3 TEORIA SOCIOCULTURAL NO ENSINO-APRENDIZAGEM DE LNGUA

    INGLESA

    O foco dos estudos do russo Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934) e seus

    colaboradores est na relao linguagem/pensamento. A teoria sociocultural

    considera a centralizao da linguagem como uma ferramenta para o pensamento,

    ou como mediadora na atividade central, sendo que a cultura tem um papel

    fundamental neste processo.

    Embora no tenha um foco especfico sobre a aprendizagem de LE, a teoria

    enfatiza os processos e as transformaes da linguagem, facilitando a compreenso

    dos processos de aquisio de LE. De acordo com Araujo (2009, p. 15), a teoria

    possui premissas que tm grande relevncia no ensino de LE para crianas. Uma

    delas seria a natureza do desenvolvimento da linguagem, pois acontece inicialmente

    no mundo social e material:

    Ela originada na participao das crianas com os outros em contextos sociais nos quais os indivduos so considerados aprendizes e usurios legitimados da lngua alvo (LAVE & WENGER apud ARAJO, 2009). O que o aprendiz, a princpio, realiza em um cenrio social, com o tempo, ele passar a realizar sem a ajuda do outro (OTHAM apud ARAJO,2009, p. 15) (ARAUJO, 2009, P. 15).

    Inicialmente, o conhecimento construdo de acordo com a experincia social

    que a criana estabelece nas relaes com os outros. Sendo assim, todo trabalho

    feito nas escolas deve proporcionar experincias a seus alunos, ao invs de faz-los

    decorar estruturas ou palavras soltas e fora de contexto.

    A aquisio da linguagem no depende unicamente da apreenso da relao

    entre signo e significado, pois se trata de um processo histrico-cultural, decorrente

    do ato de simbolizar. Conforme a teoria vygotskyana, o indivduo deixa de ser um

    ser biolgico e torna-se um ser histrico. Segundo Vygotsky (1998, p. 61),

    inicialmente, o pensamento no-verbal e a fala, no-intelectual, assim, durante

    um longo perodo a palavra para a criana uma propriedade do objeto, e no

    apenas um smbolo da prpria coisa. Ou seja, ela ir adquirir a estrutura externa

    palavra-objeto antes mesmo de captar a estrutura simblica interna.

  • 27

    De acordo com os estudos de Vygotsky (1998), as razes e o

    desenvolvimento do intelecto e da fala so diferentes (so processos

    independentes), e a unio entre as duas acontecer de forma lenta e gradual,

    resultando no pensamento verbal. Mas isso no significa que o pensamento verbal

    apreende todas as formas de pensamento. fundamental que a criana opere

    anteriormente com as palavras previamente concebidas como propriedades dos

    objetos, para descobrir a sua funo como signo realmente. Dominadas as

    estruturas da fala, tornam-se estruturas bsicas de pensamento. Chega-se, ento,

    concluso fundamental de Vygotsky (1998, p. 62) [...] o desenvolvimento do

    pensamento determinado pela linguagem, isto , pelos instrumentos lingusticos do

    pensamento e pela experincia sociocultural da criana.

    Os estudos de Vygotsky (1998) abordam tambm a questo da fala interior da

    criana, que interiorizada psicologicamente antes de ser interiorizada fisicamente.

    Para ele, o pensamento nasce da fala interior e o seu desenvolvimento depende de

    fatores externos, como a fala socializada, a lgica do pensamento, o meio cultural

    que a criana est exposta. Ainda, de acordo com seus estudos, a fala egocntrica

    acontece em sua trajetria para a interiorizao, que considera, de acordo com suas

    funes, como a fala interior, estando ligada organizao do comportamento da

    criana. O desenvolvimento da fala segue o mesmo curso e obedece s mesmas

    leis que o desenvolvimento de todas as outras operaes mentais que envolvem o

    uso dos signos, tais como contar, memorizar, etc.

    De acordo com a teoria vygotskyana essas operaes geralmente so

    desenvolvidas por quatro estgios. O primeiro, j citado anteriormente, o estgio

    da fala pr-intelectual e/ou pensamento pr-verbal. O segundo aquele em que a

    criana estabelece inteligncia prtica atravs de experincias de seu corpo e dos

    objetos que esto sua volta. a chamada psicologia ingnua ou fsica ingnua.

    A criana usa corretamente as formas e estruturas gramaticais antes de dominar as

    suas operaes lgicas:

    A criana pode operar com oraes subordinadas, com palavras como

    porque, se, quando e mas, muito antes de aprender realmente as relaes

    causais, condicionais e temporais. Domina a sintaxe da fala antes da

    sintaxe do pensamento (VYGOTSKY, 1998, p. 57).

    O prximo estgio caracterizado pelas suas percepes e experincias

    psicolgicas ingnuas, atravs de operaes de signos exteriores, que so usadas

  • 28

    para o auxlio diante de problemas internos, isto , quando a criana conta os dedos,

    recorre a auxiliares mnemnicos, entre outros.

    O ltimo estgio chamado de crescimento interior, em que a criana

    comea a usar a memria lgica, operando com as relaes intrnsecas e com os

    signos interiores. Este o estgio em que a criana finaliza a fala interior. Entretanto

    Vygotsky (1998, p. 63) acrescenta, [...] com o desenvolvimento verbal, devemos

    concluir que o ltimo estgio no uma simples continuao do primeiro. A natureza

    do prprio desenvolvimento se transforma do biolgico para o scio-histrico. Todos

    esses estgios dependem de relaes internas e externas, de permitir que a criana

    reaja ativamente a todo processo de aprendizagem.

    Quando a criana est falando em voz baixa, ela est, na verdade,

    ultrapassando uma etapa de sua evoluo intelectual, que a base para a aquisio

    natural do conhecimento. A inibio disso por parte do professor pode ocasionar um

    bloqueio ou uma barreira para este amadurecimento.

    De acordo com Mitchell e Myles (2004) e Hall (2001), o indivduo maduro,

    habilidoso, capaz de um funcionamento autnomo, isto , de auto-regulao.

    Entretanto, as crianas no habilidosas aprendem tarefas e atividades atravs de

    orientao de indivduos mais habilidosos (como professores , pais, colegas mais

    competente) atravs de um processo mediado pela linguagem na interao

    estabelecida com o outro.

    A criana ou o aprendiz induzido para uma diviso do entendimento de

    como fazer coisas atravs de perguntas colaborativas, at assumirem a direo (ou

    a apropriao da linguagem) do novo conhecimento ou habilidades na sua prpria

    conscincia. O sucesso da aprendizagem envolve uma mudana de atividades

    mentais, que inicialmente intermental e posteriormente passa para atividade

    intramental autnoma. Assim, entende-se que a aprendizagem acontece tanto no

    plano social, como no plano individual e mental e, assim que o conhecimento social

    internalizado, passa a fazer parte constituinte do aprendiz.

  • 29

    3.1 Recursos Mediacionais

    A mediao tem um papel fundamental no processo de aprendizagem.

    Durante a realizao de uma aula o professor utiliza muitos recursos mediacionais

    para facilitar a aprendizagem dos alunos: recursos visuais, computador, livros,

    dicionrio, entre outros. A mediao , portanto, de acordo com a teoria

    vygotskyana, o mecanismo atravs do qual a internalizao dos aspectos exteriores

    operacionalizada, levando o aprendiz a organizar e fixar seus novos

    conhecimentos. Dessa maneira, no h como desconsiderar a importncia desses

    recursos dentro do processo de ensino e aprendizagem de LE.

    Por meio da linguagem, sob a ao reguladora e mediadora resultante da

    interao com o outro, o indivduo atinge a sua prpria habilidade lingustica e

    capaz de, como exemplificam Mitchell e Myles (2004, p. 194, 195), dirigir nossa

    ateno, ou a dos outros, para determinadas caractersticas do ambiente, testar

    informaes a serem aprendidas, formular um plano ou articular os passos para

    resolver um problema.

    A natureza de nossas ferramentas mentais disponveis pode, ela mesma,

    dividir os pensamentos at certo ponto. Assim, uma vez que os sistemas de escutas

    foram inventados, estas ferramentas mentais mudaram o nosso entendimento da

    natureza da prpria linguagem, pois provaram com concepes e categorias para o

    pensamento sobre linguagem - tal como a palavra, a sentena, ou o fonema -, o

    que no existia antes do desenvolvimento da alfabetizao. Da mesma maneira,

    Mitchell e Myles (2004, p. 195) citam, por exemplo, os estudos de comunicao

    mediada por computador, como o uso das salas de bate-papo ou mensagens de

    texto, que tm novas e distintas caractersticas, diferente da comunicao escrita

    tradicional e dividida pela prpria tecnologia.

    3.2 Zona de Desenvolvimento Proximal

    Segundo Mitchell e Myles (2004, p. 195), o domnio onde a aprendizagem

    pode, mais produtivamente, tomar espao denominado de Zona de

    Desenvolvimento Proximal (ZDP). o domnio de conhecimentos ou habilidades

  • 30

    aonde o aprendiz ainda no capaz de funcionamento independente, mas pode

    conseguir o resultado desejado decorrente da ajuda de um suporte.

    Portanto o nico tipo positivo de aprendizagem aquele que caminha frente do desenvolvimento, servindo-lhe de guia; deve voltar-se no tanto para as funes j maduras, mas principalmente para as funes em amadurecimento. (VYGOTSKY, 1998, p. 129, 130)

    A ZDP foi definida por Vygotsky (1998) como a diferena no nvel de

    desenvolvimento da criana, determinada pela resoluo independente de problema,

    e o mais alto nvel de desenvolvimento potencial, determinado pela soluo de

    problemas atravs da ajuda de adultos ou com a colaborao de colegas mais

    capazes.

    Dessa forma, esta fase uma transio entre o que a criana capaz de

    realizar sozinha e o que ainda no capaz de fazer sozinha, mas com o auxlio de

    outro indivduo mais experiente (pais, professores, colegas, etc.), ela poder realizar.

    A criana capaz de desenvolver determinadas atividades sob orientao de

    adultos ou um par mais competente. Para Vygotsky (1998), o processo de

    aprendizagem acontece de forma efetiva atravs do uso das ferramentas mentais,

    num processo de interao entre os indivduos mais experientes quanto ao uso

    dessas ferramentas. Cabe, portanto, ao professor escolher e aplicar as ferramentas

    mais adequadas para cada momento de aprendizagem.

    Outro ponto importante nesses estudos o papel da imitao. Para Vygotsky

    um aprendiz s capaz de imitar aquilo que corresponde ao seu nvel de

    desenvolvimento, isto , aquilo que pertinente ao nvel de sua ZDP. Dessa

    maneira, para ele, as imitaes, to frequentes na infncia, no devem ser

    consideradas como uma ao sem importncia para o processo de aprendizagem,

    Na aprendizagem da criana, pelo contrrio, a imitao e o aprendizado desempenham um papel importante. Trazem tona as qualidades especificamente humanas da mente e levam a criana a novos nveis de desenvolvimento. Na aprendizagem da fala, assim como na aprendizagem das matrias escolares, a imitao indispensvel (VYGOTSKY, 1998, p.129).

    Assim, imitando e atravs da ao colaborativa de um participante mais

    competente, ela ser capaz de ir alm e de atingir uma nova zona de

    desenvolvimento proximal.

    Os estudos de Vygotsky trouxeram um novo olhar para o ensino e a

    aprendizagem de LE, conceituando o processo de aprendizagem como algo que

  • 31

    ocorre de forma natural quando mediado por algum participante competente. E,

    ainda, revelando que o desenvolvimento deste processo deve ser estimulado de

    maneira que seja oferecido o apoio ideal para cada fase de desenvolvimento de

    suas capacidades cognitivas.

    3.3 Andaimento

    O andaimento, termo originado do ingls scaffolding (WOOD, BRUNER e

    ROSS, 1976), consiste no processo colaborativo atravs do qual assistncia

    fornecida de pessoa a pessoa de forma que o interlocutor capaz de executar uma

    tarefa que ele no seria capaz de realizar de outra forma (LONGARAY e LIMA,

    2004, p. 1). Gibbons (apud LONGARAY e LIMA, 2004, p. 1) sugere que essa

    metfora do andaimento uma forma de descrio da natureza desse desempenho

    assistido que visa promover o aprender a fazer e no apenas realizar as exigncias

    de um resultado para uma atividade.

    Segundo Hall (2001), a assistncia proporcionada pelo mais competente

    atravs do andaime se vale das seguintes estratgias:

    a. recrutamento consiste em atrair a ateno do aprendiz e envolv-

    lo na atividade;

    b. reduo do grau de liberdade consiste em simplificar as exigncias

    da tarefa para chegar ao que o aprendiz necessita;

    c. manuteno do foco consiste em manter o aprendiz motivado e

    com o foco voltado para a tarefa a ser realizada;

    d. marcao de aspectos relevantes consiste em enfatizar todos os

    aspectos relevantes da tarefa, apontando discrepncias em relao ao que est em

    andamento e o que esperado no final da tarefa;

    e. controle da frustrao consiste em ajudar o aprendiz a reduzir a

    presso que ele sofre ao tentar participar de uma atividade para a qual ele no tem a

    competncia necessria;

    f. modelagem consiste em oferecer ao aprendiz modelos que ele

    possa perceber, observar e imitar.

    A pesquisa de Araujo (2009) traz o uso do fantoche como um recurso

    mediacional para promover andaimento. Nessa circunstncia, o professor de ingls

  • 32

    apresentar o contedo por meio de pequenas cenas do cotidiano. A partir da

    interao com o fantoche, ento, o aluno passa a utilizar a lngua inglesa para

    brincar com os fantoches e assumir papis de pai, me, filho, amigo, entre outros.

    Dessa maneira, a atividade possibilita a criao de uma ZDP, pois conforme

    Vygotsky (apud ARAUJO, 2009) toda brincadeira tem suas regras e, no ato de

    brincar com fantoches a criana est exposta s convenes de uso da linguagem,

    observando e aplicando normas de uso do recurso lingustico e de comportamento

    agregadas a cada papel assumido na brincadeira. Esse esforo em desempenhar

    os papeis sociais que faz com que ela atue em um nvel muito superior ao que ela

    se encontra [...] (ARAUJO, 2009, p. 35).

    De acordo com Vygotsky (apud ARAUJO, 2009), o mecanismo psicolgico do

    ato de brincar um trabalho da imaginao, traduzido ludicamente na brincadeira.

    Segundo ele, a fantasia duplamente real, seja por fora do material que a constitui

    ou pela fora das emoes a ela vinculada (ARAUJO, 2009, p. 33).

    Neste captulo, discutiram-se os princpios da teoria sociocultural no ensino-

    aprendizagem de lngua inglesa, analisando-se os recursos mediacionais, o

    andaimento e a ZDP. A seguir, ser apresentado o Referencial Curricular Nacional

    para a Educao Infantil (RECNEI, 1998), o documento oficial que oferece alguns

    princpios fundamentais gerais para a educao infantil, os quais so adaptados

    para o ensino de lnguas neste estudo.

  • 33

    4 REFERENCIAL CURRICULAR NACIONAL PARA A EDUCAO INFANTIL

    O Referencial Curricular Nacional para a Educao Infantil (RCNEI, 1998)

    disponibilizado pelo MEC aos professores dessa rea, para que o utilizem como

    ferramenta de trabalho. O RCNEI apresenta uma reflexo da Secretaria de

    Educao quanto aos objetivos e aos princpios que regem o trabalho na educao

    infantil (creches e pr-escolas), fundamentando concepes de criana, de

    educao, de instituio e do profissional. A base terica do referencial est apoiada

    nos princpios vygotskyanos da aprendizagem.

    No entanto, como alerta o prprio Referencial, ele no se d por finalizado,

    visto que [...] um guia de orientao que dever servir de base para discusses

    entre profissionais de um mesmo sistema de ensino ou no interior da instituio, na

    elaborao de projetos educativos singulares e diversos. Dessa maneira, o

    documento distribudo em dois volumes relacionados ao mbito da experincia da

    formao pessoal e social e da experincia de mundo.

    O mbito da Formao Pessoal e Social trabalha o desenvolvimento da

    identidade e autonomia. A organizao desse mbito realizada de modo que a

    experincia favorea a construo do sujeito quanto aprendizagem do respeito,

    confiana, e aceitao do grupo e de si prprio. Dessa maneira, trabalha-se o

    desenvolvimento de capacidades de natureza global e afetiva, seus esquemas

    simblicos de interao com os outros e com o meio, assim como a relao com ela

    prpria.

    O mbito de Conhecimento de Mundo, por sua vez, (RECNEI 1998, p.46)

    enfatiza a relao do educando com alguns aspectos da cultura, entendida de forma

    ampla e plural. Alm disso, trata da construo de diferentes linguagens, assim

    como a relao que elas estabelecem com os objetos de conhecimento. De acordo

    com o Referencial (1998, p.46) o domnio progressivo de diferentes linguagens

    beneficia a expresso e a comunicao de sentimentos, emoes e ideias, alm de

    propiciar a interao com os outros e facilitar a mediao com a cultura e os

    conhecimentos constitudos.

  • 34

    Embora o Referencial no cite o professor de lngua estrangeira como parte

    dos profissionais responsveis por este tipo de educao, ele deixa explcito que

    todo profissional que trabalha diretamente com crianas de zero a seis anos

    denominado professor de educao infantil, logo o professor de ingls ,

    certamente, um educador infantil, bastando estar ele lecionando para esta faixa

    etria, tendo ou no especializao em educao infantil:

    Em consonncia com a LDB, este Referencial utiliza a denominao professor de educao infantil para designar todos os/as profissionais responsveis pela educao direta das crianas de zero a seis anos, tenham eles/elas uma formao especializada ou no.

    No que diz respeito formao, o documento traz a discusso quanto ao

    quadro atual destes profissionais, afirmando que o sistema est em meio a

    mudanas para que possa responder as demandas desta rea, afinal a expectativa

    desse trabalho j no a mesma de tempos atrs. Assim, diante desse debate a

    LDB, como rgo competente, responde no ttulo VI, art. 62, que:

    A formao de docentes para atuar na educao bsica far-se- em nvel superior, em curso de licenciatura, de graduao plena, em universidades e institutos superiores de educao, admitida, como formao mnima para o exerccio do magistrio na educao infantil e nas quatro primeiras sries do ensino fundamental, a oferecida em nvel mdio, na modalidade Normal (1998 p. 39).

    Todavia, o perfil deste profissional, de acordo com o RCNEI (1998, p. 41) j

    est exposto no documento e, segundo ele, o professor de educao infantil deve

    ser polivalente. Ser polivalente significa que ao professor cabe trabalhar com

    contedos de naturezas diversas que abrangem desde cuidados bsicos essenciais

    at conhecimentos especficos provenientes das diversas reas do conhecimento.

    A definio do perfil do professor de LI como educador infantil deve ser, alm

    de saber a importncia do ingls na vida de seu aluno, ser capaz de falar e escrever

    na lngua que leciona, saber qual a metodologia que est sendo aplicada em suas

    aulas, refletir sobre suas prticas de ensino, manter-se atualizado quanto aos

    estudos na rea de ensino-aprendizagem de LI para crianas, participar de cursos

    de montagem de material didtico, contao de histrias, elaborao de atividades

    dinmicas que possibilitem a interao em sala da aula e fora dela.

    Ainda, ser um profissional com conhecimentos de tcnicas especficas de

    aprendizagem para crianas pequenas e saberes correspondentes s suas fases de

    desenvolvimento cognitivo e psicolgico para que, juntamente com os outros

    professores, realize atividades que desenvolvam as suas potencialidades.

  • 35

    fundamental, por exemplo, que o professor saiba a partir de quando iniciar com as

    habilidades de leitura e escrita, e o que fazer e como fazer at ento, bem como as

    fases em que os alunos j podem trabalhar com o abstrato.

    Outra caracterstica importante para o perfil do professor que ele saiba se

    tem aptido para trabalhar com crianas pequenas ou no. Afinal, preciso que o

    educador faa parte das atividades, como mediador que , pois os aprendizes o

    imitaro para ento conseguirem realizar as atividades sozinhos e, assim, atingir um

    uma nova zona de desenvolvimento proximal.

    A polivalncia resultado de uma formao ampla e aprimoramento

    constante por parte do professor, que deve manter contanto com os familiares de

    seus alunos, trocar experincia com seus colegas e, ainda, refletir sobre o resultado

    do seu trabalho. Conforme o RCNEI (1998, p. 41) os instrumentos necessrios para

    a reflexo so trs: observao, planejamento e avaliao.

    Entretanto, quanto disciplina de lngua inglesa, estes instrumentos esto

    cada vez mais fora de alcance do professor, considerando a durao e frequncia

    das aulas, a vaga ou baixa exigncia do planejamento do contedo a ser trabalhado,

    pois no h uma regulamentao quanto ao contedo bsico programado. A

    respeito da avaliao, os critrios se perdem em meio s condies de trabalho e ao

    descrdito da disciplina pelo ambiente educacional. Em consequncia disso, os

    professores de ingls so mantidos afastados dos familiares dos alunos, ou menos

    prximos que os professores das outras reas, fato que tambm ocorre com relao

    ao contato com outros professores, o que acaba por dificultar o debate entre os

    profissionais.

    Sendo assim, entende-se a desvantagem da disciplina de lngua inglesa com

    relao a um ensino de qualidade, j que o sucesso da implementao de uma

    proposta curricular depende, em grande parte, dos professores, por isso a

    importncia dos instrumentos, da reflexo e da parceria entre colegas. Alm disso,

    o comprometimento dos professores quanto prtica educativa e o seu

    entendimento de que este um processo em constante construo, deve, de fato,

    levar educadores e demais envolvidos ao dilogo, de maneira que o trabalho

    realmente corresponda s necessidades de alunos e familiares.

    E, por ltimo, como afirma o Referencial, responder s questes especficas

    relativas aos cuidados e aprendizagens infantis. Entende-se como cuidado no

    contexto educativo o auxlio ao desenvolvimento da criana como ser humano,

  • 36

    Cuidar significa valorizar e ajudar a desenvolver capacidades. O desenvolvimento integral depende tanto dos cuidados relacionais, que envolvem dimenso afetiva e dos cuidados com os aspectos biolgicos do corpo, como a qualidade da alimentao e dos cuidados com a sade, quanto da forma como esses cuidados so oferecidos e das oportunidades de acesso a conhecimentos variados (RECNEI, 1998, p.24).

    indispensvel, de acordo com o RECNEI (1998), a promoo sade para

    o desenvolvimento das capacidades humana, cabendo ao educador atitudes e

    procedimentos fundamentados em conhecimentos correspondentes ao

    desenvolvimento biolgico, emocional, e intelectual das crianas, tendo sempre o

    cuidado de considerar as diferentes realidades socioculturais dos alunos. Dessa

    forma, o professor deve se interessar pelo mundo da criana, procurar saber o que

    ela sente, o que pensa a respeito de si mesma e do mundo que a cerca , para que

    possa corresponder s suas necessidades.

    4.1 Objetivos Gerais da Educao Infantil

    De acordo com o Referencial (2008, p. 63), as instituies devem organizar

    suas prticas de educao infantil de forma que possibilite s crianas o

    desenvolvimento das seguintes capacidades:

    desenvolver a sua imagem de forma positiva, torne-se independente e conhecedor

    de suas capacidades e limitaes;

    descobrir e conhecer progressivamente seu prprio corpo, as suas potencialidades

    e seus limites, desenvolvendo e valorizando os hbitos de cuidado com a prpria

    sade e bem-estar;

    estabelecer vnculos afetivos e de troca com adultos e crianas, fortalecendo sua

    auto-estima e ampliando gradativamente suas possibilidades de comunicao e

    interao social;

    estabelecer e ampliar cada vez mais as relaes sociais, aprendendo aos poucos a

    articular seus interesses e pontos de vista com os demais, respeitando a diversidade

    e desenvolvendo atitudes de ajuda e colaborao;

    observar e explorar o ambiente com atitude de curiosidade, percebendo-se cada

    vez mais como integrante, dependente e agente transformador do meio ambiente e

    valorizando atitudes que contribuam para sua conservao;

  • 37

    brincar expressando emoes, sentimentos, pensamentos, desejos e

    necessidades;

    utilizar as diferentes linguagens (corporal, musical, plstica, oral e escrita)

    ajustadas a diferentes propsitos e situaes de comunicao, de forma a

    compreender e ser compreendido, expressar suas idias, sentimentos,

    necessidades e desejos e avanar no seu processo de construo de significados,

    enriquecendo cada vez mais sua capacidade expressiva;

    conhecer algumas manifestaes culturais, demonstrando atitudes de interesse,

    respeito e participao frente a elas e valorizando a diversidade.

    De acordo com esses objetivos o professor de LEC deve dominar contedos

    que vo alm do ensino do idioma. preciso dar conta de aspectos relacionados ao

    desenvolvimento emocional, cognitivo e motor, valorizando o processo de

    construo dos conhecimentos, explorando as potencialidades das crianas e

    respeitando suas limitaes. No entanto, para que esses objetivos sejam alcanados

    sero necessrias profundas implementaes dentro dos cursos de Letras, como

    noes gerais do universo infantil, atravs de disciplinas ou oficinas que tratem de

    temas como alfabetizao, histria da educao, didtica para a educao infantil,

    pesquisa em educao, iniciao ao trabalho acadmico, entre outros.

    Muitos dos objetivos do RECNEI podem ser contemplados ao ensino de LE,

    como: o desenvolvimento da imagem da criana de forma positiva; conhecer

    progressivamente seu prprio corpo, as suas potencialidades e limites; conhecer

    algumas manifestaes culturais e valorizar a diversidade; brincar expressando

    emoes. Esses objetivos podem ser atrelados ao ensino de Ingls atravs de

    diversos contedos: caractersticas fsicas, adjetivos, partes do corpo, can and

    cant, entre outros. Alm disso, esta seria uma maneira para que os contedos

    aplicados nas aulas de LE fossem contextualizados e tivessem uma ligao com os

    contedos trabalhados pela professora titular e de outras reas.

    Neste captulo, apresentou-se o Referencial Curricular Nacional para a

    Educao Infantil, com consideraes sobre sua aplicabilidade ao ensino da lngua

    inglesa na educao infantil. No prximo captulo sero discutidas as questes

    metodolgicas que orientam o estudo.

  • 38

    5 METODOLOGIA

    Neste trabalho est sendo usado o mtodo qualitativo, de cunho etnogrfico,

    fazendo uso da anlise interpretativista dos dados gerados. De acordo com Bortoni-

    Ricardo (2008, p. 37), a partir do sculo XX, foram consolidados os princpios da

    pesquisa positivista de natureza quantitativa. Todavia, alguns pesquisadores

    questionaram os pressupostos desse tipo de pesquisa quanto s cincias humanas

    e sociais. Conforme as autoras, o polons Bronislaw Malinowski (1884 1942) foi

    um desses pesquisadores.

    Malinowski, (apud BORTONI-RICARDO, 2008) com o objetivo de pesquisar

    as Ilhas Trobriand, hoje chamadas Ilhas Kiriwina, desenvolveu uma pesquisa que

    interpretava a percepo que os habitantes de Trobriand tinham de sua prpria

    sociedade, de seus valores, crenas, culturas, entre outros, e que em 1922 foram

    descritos por ele e publicados no livro Argonautas do Pacfico Ocidental.

    A partir de ento, outros pesquisadores adotaram o interpretativismo e

    passaram a realizar pesquisas qualitativas, que consideram tambm as impresses

    subjetivas do pesquisador. Segundo Bortoni-Ricardo (2008, p. 38), em 1928,

    Margareth Mead (1901 1978), da Universidade de Columbia, produziu a primeira

    monografia etnogrfica. A partir da Segunda Guerra Mundial, outras pesquisas

    foram realizadas, sendo que as atenes dos etngrafos foram largamente

    direcionadas para o meio educacional.

    As pesquisas qualitativas so realizadas atravs de pesquisas etnogrficas,

    que so interpretativas, feitas com a observao do pesquisador para que assim

    possa gerar os dados necessrios para anlises. Conforme Bortoni-Ricardo (2008,

    p. 38), inicialmente, para uma pesquisa etnogrfica, o pesquisador passava grande

    parte do tempo na comunidade de estudo para estudar e observar tudo que

    acontecia, fazendo perguntas e colhendo informaes que pudessem lev-lo a

    revelao das caractersticas daquela comunidade. Porm, como explica a autora,

    atualmente no h essa necessidade e as pesquisas qualitativas no precisam ser

    desenvolvidas por um longo perodo. Alm disso, conforme Bortoni-Ricardo (2008,

    p.42), a pesquisa interpretativista no est interessada em descobrir leis universais

    por meio de generalizaes estatsticas, mas sim em estudar com muitos detalhes

    uma situao especfica para compar-la a outras situaes.

  • 39

    Segundo Bortoni-Ricardo (2008), a partir da denominao interpretativa,

    encontra-se um conjunto de mtodos e prticas empregadas na pesquisa qualitativa:

    pesquisa etnogrfica, observao participante, estudo de caso, interacionismo

    simblico, pesquisa fenomenolgica e pesquisa construtivista, entre outros.

    Recebem esta denominao porque, de acordo com os autores, todos os mtodos

    apontados tm em comum um compromisso com a interpretao de aes sociais e

    tambm com o significado que as pessoas atribuem a essas aes na vida social.

    A pesquisa qualitativa tem como objetivo entender e interpretar fenmenos

    sociais fixados em um contexto. Dessa maneira, conforme Bortoni-Ricardo (2008, p.

    34), na pesquisa qualitativa, no se procura observar a influncia de uma varivel

    em outra. Assim, o pesquisador encontra-se inserido em um processo com o foco

    em saber como os indivduos envolvidos interpretam o processo em questo.

    Para atingir os objetivos propostos, o estudo ser constitudo de quatro

    passos metodolgicos: 1) levantamento dos currculos dos cursos de Letras; 2)

    entrevista individual com coordenadores dos cursos de Letras-Ingls da Grande

    Porto Alegre por correio eletrnico; 3) entrevistas gravadas em udio e atravs de

    correio eletrnico com professores da Grande Porto Alegre, que ensinam ingls para

    crianas; 4) transcrio e anlise dos dados.

    5.1. Gerao de Dados

    A gerao de dados teve incio no ano de 2008 e trmino no incio de 2010.

    Iniciamos atravs de pesquisas dos currculos dos cursos de Letras/ Licenciatura,

    disponveis em sites oficiais das principais faculdades da Grande Porto Alegre,

    passando a aplicao de questionrios gravados em udio e por correspondncia

    eletrnica (Ver Anexo II) aos coordenadores desses cursos, para, finalmente,

    realizarmos o mesmo procedimento com professores atuantes na rea do ensino de

    ingls para crianas at a 4 srie5 (Ver Anexo III).

    Os questionrios direcionados aos coordenadores tiveram como finalidade

    ratificar a inexistncia do preparo de professores nos cursos de Letras, conforme

    5 5 ano, conforme novo currculo.

  • 40

    anlise dos currculos, no que se refere ao ensino de ingls para crianas, alm de

    mostrar o posicionamento das instituies frente a esta questo.

    Para o grupo de professores, foram aplicados questionrios com o objetivo de

    traar uma amostra do perfil dos docentes que atuam nesta rea. Dessa maneira,

    foram elaboradas perguntas a respeito de sua formao profissional, da real

    eficincia de sua formao acadmica para as prticas em sala de aula, e de suas

    crenas e aspiraes para o ensino. Assim, procurou-se obter um panorama da

    atual situao do ensino na prtica e, ainda, o que os educadores consideram ideal6

    para que se tenha um ensino de qualidade, tanto para os educandos como para os

    educadores.

    Todas as entrevistadas assinaram um termo de consentimento, conforme

    exigido pelo Comit de tica do UniRitter (Ver Anexo I).

    5.2 Os participantes

    A pesquisa com os coordenadores contou com a participao de

    coordenadores de 77 cursos de Letras da Grande Porto Alegre. O grupo de

    professores teve como participantes um grupo de 5 professoras de ingls que

    trabalham com alunos da educao infantil e primeiras sries do ensino fundamental

    de diferentes escolas particulares da Grande Porto Alegre. So elas: Antnia, cursou

    magistrio, Letras e fez especializao na rea do ensino de ingls para crianas;

    Betnia, formada em Letras, em Psicopedagogia e mestranda em Letras; Eva,

    graduao em Lngua Portuguesa e Inglesa e suas respectivas literaturas, e

    mestranda em Letras; Samanta, cursando o 8 semestre do curso de

    Letras/Licenciatura e Vanilda cursou Letras/ Bacharelado e Ps-Graduao em

    Ensino da Lngua Inglesa;

    6 considera-se ideal para o professor temas relacionados a materiais de ensino, condies de trabalho,

    reconhecimento da disciplina por parte do meio educacional. 7 1 coordenador no respondeu o questionrio, pois o curso foi fechado no decorrer desta pesquisa.

  • 41

    5.3 Dificuldades na Gerao de Dados

    No primeiro momento a pesquisa tinha como objetivo realizar todas

    entrevistas atravs de gravao de udio, de maneira que pudesse explorar mais as

    perguntas ao professores e coordenadores. No entanto, devido aos compromissos

    rotineiros de coordenadores e professores, assim como da mestranda,

    principalmente com a proximidade do final do ano, optou-se por realizar tambm as

    entrevistas atravs de um questionrio eletrnico como forma de obter um nmero

    satisfatrio de informaes para a gerao dos dados.

    Outra dificuldade foi a definio de um questionrio que realmente mostrasse

    a fragilidade dos professores quanto a sua profisso sem que eles se sentissem

    desqualificados para a tarefa, a tal ponto que isso no comprometesse a veracidade

    das respostas. Pensando nisso, optou-se em iniciar o questionrio com perguntas

    mais objetivas e que fossem direcionadas para a sua formao profissional e

    capacitao para o trabalho com a educao infantil.

    Inicialmente deseja-se entrevistar os professores de universidades, foi ento

    que se decidiu pelos coordenadores para que eles pudessem confirmar as

    informaes dos currculos e mostrar a posio das instituies frente ao problema.

    Buscou-se assim, no apenas constatar o fato, mas saber quais so as iniciativas

    que esto sendo providenciadas.

    Alm disso, pensava-se em entrevistar alunos do 8 semestre de Letras, mas

    concluiu-se que seria mais produtivo aplicarmos os questionrios aos professores

    que j atuam na rea para que fosse possvel definir como esses professores esto

    se aperfeioando para o trabalho.

    Tambm foram enfrentados contratempos como o trmino de um curso de

    Letras de uma Faculdade que se pretendia incluir na pesquisa e o cancelamento de

    cursos de especializao na rea, quando se esperava acrescentar na pesquisa o

    perfil desses professores e obter o contedo programado para o curso. Por ltimo, a

    demora de respostas por parte de alguns participantes, que acabou por retardar a

    concluso do trabalho.

    Neste captulo foram discutidas as questes metodolgicas que orientam este

    estudo, os procedimentos de gerao de dados, as dificuldades encontradas e uma

    descrio dos participantes.

  • 42

    No prximo captulo ser apresentada a anlise dos dados gerados pelas

    entrevistas com as professoras e com os coordenadores, bem como das grades

    curriculares dos cursos de Letras.

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    6. ANLISE DOS DADOS

    Neste captulo, sero analisadas as entrevistas com as professoras

    participantes em relao a seu cotidiano, sua formao, suas crenas e solues

    para o ensino-aprendizagem de ingls para crianas a partir dos 3 anos de idade.

    6.1 Consideraes sobre as entrevistas com as participantes-professoras8

    Professora Antnia

    A professora Antnia fez Magistrio, formou-se em Letras- Licenciatura Plena

    em Lngua Inglesa e Literatura Inglesa pela UFSC, mestra em Lingstica Aplicada

    pela UNISINOS e especializada em Ensino de Lngua Estrangeira pela UFRGS.

    Alm disso, fez o curso Teaching Young Children na Western Town College, no

    Canad, e participa ativamente de congressos e convenes sobre o tema para no

    perder o foco em sua rea de atuao.

    Em sala de aula, alm de materiais ldicos e concretos, Antnia utiliza

    con