Melissa Marr - Lobos de Loki

234

description

Aventura

Transcript of Melissa Marr - Lobos de Loki

  • M.A.: A DylanEste para voc e por causa de voc

    (e, sim, haver cabras).

    K.L.: A Alex e MarcusCaso eu os submeta a quaisquer horrores parentais durante a adolescncia, nunca os farei lutar contra

    uma serpente gigante.Eu prometo.

  • SUMRIOPara pular o Sumrio, clique aqui.

    Matt: Confronto

    Laurie: Mudanas

    Fen: Dvidas

    Matt: Premonio

    Matt: Escolhido

    Laurie: Owen

    Matt: Passado, presente e futuro

    Matt: Aliana

    Laurie: Chacoalhada pelo tornado

    Matt: Terror Noturno

    Fen: Decifrando o Monte Rushmore

    Matt: Condomnio de Trolls

    Laurie: Prestidigitao

    Matt: Alerta geral

    Laurie: Deadwood

    Matt: Tmulos desconhecidos

    Laurie: Uma porta se abre

    Matt: Pesadelo ambulante

    Fen: Encrenca de botas cor-de-rosa

    Laurie: Enfeitiando e reclamando

    Matt: Saqueando os saqueadores

  • Matt: Campo de batalha

    Fen: Tudo desmorona

    Matt: Enlutado

    Laurie: Vamos para o inferno

    Agradecimentos

    Crditos

    As Autoras

  • MUM

    MATT

    CONFRONTO

    att atravessou o centro de Blackwell com a bolsa de ginstica em uma das mos e o casacopendurado no ombro. J havia escurecido, e um vento glido vinha do norte, soprando seus

    cabelos suados para trs, e o frio dava uma sensao prazerosa. Aps duas horas de treino de boxe,ele sentiu vontade de se desviar do caminho e mergulhar no rio Norrstrm, mesmo depois de ter vistogelo na gua, pela manh. Gelo em setembro. Esquisito. Mesmo na Dakota do Sul, o inverno nuncachegava to cedo.

    Ele sentiu um espasmo no msculo da perna e se encolheu ao parar para esfreg-la. Apesar de ocampeonato vindouro ser beneficente para ajudar as vtimas do tsunami no Hava , o tcnico,Forde, ainda assim exigia de Matt o mesmo esforo que dedicava ao disputar o cinturo.

    Matt voltou a andar, mancando de leve. Por mais que quisesse pedir uma carona, sabia que seriauma pssima ideia. Cometera esse erro no inverno passado, quando o tcnico avisou que umatempestade de neve estava chegando. Matt conseguiu carona... e tambm um sermo sobre como seusirmos jamais precisaram de uma, mesmo quando caa umatempestade de verdade. Matt tambmno podia pegaruma carona com os amigos; seria pior ainda, pois daria um mau exemplo. Se osfilhos do xerife Thorsen no andavam noite por Blackwell em segurana, ento quem poderia?

    Matt estava se abaixando para esfregar a perna de novo quando alguma coisa se moveu na praa.Ele ergueu a cabea, estreitando os olhos. Em frente ao centro de recreao, dois garotos subiam novelho navio viking. Havia escudos distribudos pelos dois costados, como se guerreiros invisveisremassem a antiga nau de madeira, com a proteo sempre ao alcance. Um drago esculpido seerguia do casco.

    Os garotos provavelmente estavam armando uma pegadinha, tentando superar a que Matt fizeracom o amigo Cody em Sigrblot, o festival de primavera. O desfile havia chegado ao navio e sedeparado com a embarcao coberta por lona... e fazendo barulho de buzina. Sob a cobertura, elesencontraram uma revoada de gansos usando pequenos capacetes viking.

    Melhor pegadinha da histria foi o que todos disseram. Infelizmente, Matt teve que fingir no ternada a ver com o ocorrido. Se seus pais descobrissem... bem, eles no o deixariam de castigo nem

  • nada assim. Eles apenas teriam a conversa. Diriam que estavam desapontados e muitoenvergonhados. Diriam que os irmos eram muito mais responsveis. Sinceramente, Matt preferiaficar de castigo.

    Alguns passos depois, Matt viu que um dos garotos tinha cabelos castanhos desgrenhados,precisando de um corte, e roupas sujas. Ele estava com uma garota. As roupas dela no estavam tomal, mas os cabelos loiros tambm precisavam muito de um corte.

    Fen e Laurie Brekke. Maravilha. Os primos sempre se metiam em confuso. Mesmo assim, Mattdisse a si mesmo queeles talvez estivessem s armando uma pegadinha... atque viu Fen puxandoum dos escudos.

    Havia muitas coisas que Fen poderia fazer para as quais Matt faria vista grossa, resmungando queno era problema dele, embora nem sempre fosse fcil. Por ser filho do xerife, ele j escutavasermes sobre vandalismo desde quando tinha idade suficiente para entalhar o prprio nome nobanco do parque. Mas aquilo no era o banco do parque. Era um navio viking de verdade, um grandemotivo de orgulho para o povo de Blackwell. E l estava Fen, arrancando pedaos e dando chutes.

    Como Matt se irritou, o amuleto se inflamou junto. Ele tocou o pingente de prata. Tinha a forma deum martelo de cabea para baixo e era quase to velho quanto o navio. O Martelo de Thor. Todos nafamlia de Matt tinham um. Thorsen, filho de Thor, no era um simples sobrenome. Eles realmenteeram descendentes do deus nrdico.

    Quando Matt olhou para Fen e Laurie novamente, o amuleto queimou com mais fora. Estavaprestes a gritar, porm se deteve e respirou fundo, inspirando o ar frio.

    Matt podia ouvir a voz da me: Voc precisa aprender a se controlar, Matty. No sei por quevoc tem tanta dificuldade. Nenhum outro Thorsen tem esse problema. Seus irmos j conseguiamcontrolar o temperamento quando eram mais novos que voc.

  • Controlar sua raiva e o Martelo de Thor parecia uma tarefa ainda mais rdua com os Brekkepor perto. Era como se o amuleto soubesse do parentesco deles com Loki, o deus trapaceiro. Osprimos no sabiam disso, ao contrrio de Matt, que podia sentir a conexo quando os encarava.

    Matt respirou fundo novamente. Sim, ele precisava deter Fen e Laurie, mas teria de faz-lo comtranquilidade. Talvez bastasse apenas passar por perto, fingir que no tinha visto, e ento eles overiam e sairiam correndo antes de serem flagrados.

    Fen viu Matt, que continuou andando, dando-lhes uma chance de fugir. Foi justo. Seu pai ficariaorgulhoso...

    Fen se virou de volta ao navio e deu mais um puxo no escudo. Ei! chamou Matt. Ele no gritou muito alto, e tentou no parecer muito bravo. S queria deixar

    claro para os dois que eles tinham sido vistos, dando-lhes tempo para fugir... Que foi? Fen se virou e o encarou, com o queixo erguido e os ombros recuados. Era mais

    baixo que Matt. Mais magro tambm. A nica coisa grande em Fen era sua atitude, o que sempre ometia em brigas com caras maiores... no que ele parecesse se importar.

    Laurie parou ao lado do primo. Matt no conseguiu ver seu rosto, mas tinha certeza de que exibiaa mesma expresso de Fen. Eles no iriam embora. Matt foi burro ao pensar que eles desistiriam.

    Vocs no deveriam fazer isso. Enquanto dizia essas palavras, Matt teve vontade de dar umtapa na prpria testa. Era exatamente o tipo de coisa que todos esperavam ouvir do filho do xerife.Amanh de manh, todo mundo na escola j teria escutado Fen e Laurie imitando Matt com lbiostortos e um rolar de olhos.

    Matt pigarreou. um artefato, e muito importante para a cidade. Porque isso sim soou muito melhor. Muito importante para a sua cidade respondeu Fen. Thorsenpolis. Olha... para com isso, valeu? Mas eu no quero parar. E se voc quiser vir aqui me obrigar... Fen deu um passo frente,

    com um sorriso cheio de dentes, e, por um instante, Matt achou ter visto...Matt balanou a cabea. Cara, s estou pedindo... E a resposta no. Fen saltou do navio com um pulo de causar inveja a um atleta olmpico.

    E o que voc vai fazer, Thorsen?O amuleto esquentou de novo. Ele respirou fundo. Fica frio, cara. Fica frio.Ele se lembrou de algo que o tcnico Forde havia dito durante o treino. Tentava ensinar Matt a

    intimidar um oponente. Voc um cara grande, afirmou, use isso a seu favor.Era difcil lembrar como ele era grande. Em casa, Matt ainda batia na altura dos ombros dos

  • irmos. Mas ele era o garoto mais alto do nono ano. O que eu vou fazer? Matt endireitou os ombros, flexionou os braos e deu um passo frente.

    Eu vou fazer voc parar.Algo relampejou nos olhos de Fen, um brilho frio e srio que fez Matt hesitar, mas s por um

    segundo. Ele completou o passo, parou diante do outro e se aprumou.Laurie desceu do navio e ficou ao lado do primo. Ela se inclinou e sussurrou algo. Devia

    encoraj-lo, Matt tinha certeza.Fen a dispensou com um aceno. Quando a prima hesitou, ele disse algo to baixo que mais

    pareceu um rosnado. Laurie encarou Matt, e em seguida recuou para as sombras do barco.Fen avanou e provocou: Voc acha que sabe lutar s porque venceu uns caras no ringue? Aquilo no luta de verdade.

    Aposto que voc nunca deu um soco sem luvas. Sua memria uma porcaria, porque eu me lembro bem de quando dei uma bela surra em voc

    e Hunter quando vocs atacaram o Cody.Fen deu uma risada curta, como um latido. Aquilo foi quando? Primeira srie? Aprendi algumas coisas desde ento, Thorsen.Matt deu mais um passo. Estava certo de que Fen recuaria. Tinha que recuar. Enfrentar Matt seria

    maluquice. Ele no tinha s vencido uns caras no ringue; tinha lutado no campeonato estadual.Mas Fen simplesmente plantou os ps no cho, afastados o bastante para se manter firme, se

    levasse um soco. Ele queria lutar. Lutar de verdade. Matt deveria ter percebido. A me de Fensempre dizia que era assim que ele se metia em problemas: nunca pensava antes de agir.

    Se Matt sasse no brao com Fen, o pai iria... Matt respirou fundo. No queria nem pensar no queo pai faria.

    O poder do respeito. O poder da autoridade. Eram essas qualidades que permitiam que osThorsen andassem por Blackwell noite. No o poder da violncia. Se Matt brigasse com FenBrekke, seu pai o arrastaria at o conselho e deixaria que eles cuidassem do filho. A humilhaoseria pior que qualquer punio.

    Voc realmente quer fazer isso? perguntou Matt.Fen estalou o pescoo, inclinando a cabea de um lado para outro, e respondeu: Quero. Bem, s lamento. Tenho uma luta importante chegando e preciso poupar minha fora para um

    oponente de verdade.Matt comeou a se virar. Foi ento que ele ouviu um rosnado e viu Fen atacar, com olhos

    amarelos cintilantes e dentes mostra. O calor do amuleto refulgiu numa onda de fria que deixou omundo vermelho.

  • Ele sentiu o poder descendo pelo brao. Ouviu o crepitar. Viu a mo se iluminar e tentou fazeraquela fora recuar.

    Tarde demais.A bola incandescente disparou da mo dele e explodiu com um estrondo e uma onda de choque, e

    Matt foi lanado para trs. Fen foi atirado para longe. Chocou-se fortemente contra a embarcao, acabea chicoteando para trs, batendo no casco com um baque. Por fim, o rapaz desmoronou.

    Laurie gritou alguma coisa, mas Matt no conseguiu distinguir as palavras. Ela correu at o primo,assim como Matt. Laurie se agachou junto a Fen, segurou-o pelos ombros e o chacoalhou. Fengrunhiu, suas plpebras estremecendo.

    Ele est bem? perguntou Matt, ajoelhando-se ao lado dela.Laurie se levantou, ergueu a bolsa como se fosse bater nele com ela e exclamou: Voc o nocauteou. Foi sem querer. Me desculpe. Eu... No sei que truque foi esse. Jogando aquela luz para ceg-lo antes de bater? Voc chama isso

    de jogo limpo? Ela fez uma careta. Exatamente o que eu esperaria de um Thorsen. Eu no... Dane-se. Cai fora. Fen no tem como roubar nada hoje. Laurie olhou para Matt. Ou voc

    quer chamar seu pai pra prender a gente? Claro que no. Eu s... Matt engoliu em seco. A gente deveria lev-lo a um mdico. Voc acha que ele tem como pagar um mdico? Eu tenho. Eu vou... A gente no precisa de nada seu. Vai embora retrucou Laurie. Mas e se ele... Sai. Cai fora.Matt se levantou hesitante, mas Laurie ainda olhava feio para ele. Fen comeava a despertar.

    Talvez ele no devesse estar por perto quando Fen acordasse. Ento, murmurou outro pedido dedesculpas, recuou e os deixou ali.

  • LDOIS

    LAURIE

    MUDANAS

    aurie ajudou Fen a se levantar. O primo nunca tinha sido muito bom em aceitar ajuda e serderrubado de bunda no cho por Matt Thorsen, ainda por cima, no facilitava nada. Os dois

    rapazes nutriam uma implicncia mtua natural que Laurie nem sempre entendia, mas, desta vez, elacompreendeu. Matt era um babaca.

    Eu vou matar aquele cara exclamou Fen pela terceira vez em trs minutos. Ele se acha toespecial, mas s um riquinho mimado.

    Eu sei. Eu conseguiria dar uma surra nele. Fen subiu de novo para dentro do navio.Laurie no disse que ela discordava. No queria ser desleal, mas os dois sabiam que Matt lutava

    mais. Matt era como um rottweiler, e Fen, um vira-lata do beco. O vira-lata pode dar o mximo de si,mas o cachorro mais forte sempre tem mais chance de vencer.

    Tudo o que ela disse foi: Precisamos sair daqui antes que ele fale com o pai e nos prendam.O primo a ignorou e continuou reclamando: Vamos ver quem inteligente quando eu o pegar sozinho depois da aula. Ser preso ou ganhar uma deteno no vai fazer voc parecer muito inteligente comentou

    Laurie, com toda a calma que conseguiu reunir. Talvez eu no seja pego. Fen encarou a prima. Ela segurava a bolsa com uma das mos e

    mantinha a outra pousada no escudo que ele tentara arrancar mais cedo.Laurie baixou o olhar para o barco velho diante do Centro Comunitrio e Recreativo Thorsen. O que voc estava pensando? A gente podia ter se escondido. Eu sei que voc o viu. No tenho medo dele. Fen ficou de p dentro do barco e contemplou a cidade.Laurie sentiu um calafrio. No era difcil pensar em Fen como um saqueador viking. Ela no

    estava tremendo tanto como quando mandou Matt ir embora, mas ainda se sentia abalada, como navez em que segurou um fio desencapado na garagem do tio Eddy. Ela olhou para o primo.

    O pai dele o xerife. Poderia prender voc... ou contar para o prefeito. Voc sabe que o

  • prefeito Thorsen odeia a nossa famlia. No tenho medo de Thorsen nenhum. Fen endireitou os ombros e encarou a prima com um

    olhar que a lembrou do pai dele, o tio Eddy, e isso no era nada legal. Tio Eddy nunca desistia de umdesafio. Mesmo que Laurie no soubesse exatamente o que o tio fizera para acabar na priso, elaapostava que tudo comeara com um desafio.

    Fen puxou o escudo. No consigo arrancar. Deixa esse escudo a! Laurie esfregou as mos de novo. T bom. Fen pulou do barco e parou ao lado da prima.Laurie nem sempre entendia o primo, mas ela sabia que aquela teimosia dele o metia em

    problemas e muitas vezes a levava junto. Eles no precisavam disso naquele momento. No vale a pena se meter com Matt.Com um fungar leve, Fen concordou: Pode crer. Ento, voc vai ficar longe dele e do escudo? No quero que voc se meta em confuso.

    Laurie fitou Fen, esperando por uma promessa que no veio. Como ele ficou calado, Laurie encostoua cabea de leve no ombro do primo, sentindo-se uma boba.

    Fen ento encostou a cabea na dela e disse: Eu t legal.Laurie fez uma pausa. Era aquilo que tentara dizer; uma combinao de Estou preocupada com

    voc, seu man. Est tudo bem? e Fale comigo. Fen a entendia. O lado paterno da famlia semprelevou jeito para se comunicar sem palavras. O pai dela tambm; pelo menos quando ele estava porperto, um acontecimento cada vez mais raro.

    Vamos chamou Fen. Voc tem que ir pra casa mesmo.Os dois rumaram para o prdio de Laurie. Ela no teria tempo de caminhar com Fen at a casa

    dele, mas ainda que tivesse, ele no deixaria. Fen era o irmo mais velho que Laurie nunca teve,determinado a proteg-la mesmo enquanto a enlouquecia. A maioria do lado Brekke da famliatratava a garota como algo que precisasse ser defendido. Mesmo que ela no os visse, Laurie sabiaque os parentes cuidavam dela. Ningum na escola a incomodava, e ela tinha quase certeza de queFen havia deixado claro que espancaria qualquer um que se metesse com a prima.

    Sinto saudades do restante do pessoal comentou Laurie em voz baixa. Alm de Fen, ela s viaos parentes por parte de pai quando passava por eles na rua. Fen estava na turma dela, ento eles seviam no colgio, mas no havia churrascos em famlia, festas, ningum aparecia para bater um papo.A me dela se mantinha bem longe dos Brekke e, j que o pai estava em uma de suas infinitasviagens, Laurie no tinha mesmo como encontrar ningum.

  • O restante do pessoal tambm sente sua falta... e o tio Stig. Fen no mencionou Jordie, o meio-irmo de Laurie, nem a me dela, claro. Os Brekke nunca chegaram a rejeitar Jordie, mas ele nofazia parte da famlia para eles. O menino era prova de que os pais de Laurie tinham se separado,que a me havia tentado esquec-lo, sem sucesso. Agora, a me dela deixava o pai ficar na casadeles sempre que ele estava na cidade. Stig tratava Jordie como um filho, no tanto quanto fazia comFen, mas de fato aceitava o irmo de Laurie. O restante dos Brekke no era to legal.

    O tio Stig ligou pra vocs? indagou Fen. Havia tanta esperana na voz do primo que Lauriedesejou, no pela primeira vez, que o pai dela se lembrasse de ligar para Fen tambm. claro queele no ligava nem para ela na maioria das vezes, ento era uma bobagem esperar mais dele.

    Faz algumas semanas. Ele vem me ver em breve. Foi o que disse, pelo menos. Laurie baixou acabea.

    Fen a empurrou com o ombro. Ele vem sim. Ou no acrescentou Laurie. As possibilidades eram iguais. O pai ia e vinha quando bem

    entendia, ligava ou mandava presentes quando se lembrava. Talvez ele fique mais tempo sugeriu Fen.E Laurie sabia o que o primo queria dizer com aquilo: Ento eu poderei ficar com vocs. Fen no

    tinha casa. Tio Eddy estava preso havia alguns anos por um crime que ningum mencionava diantedos dois adolescentes, e tia Lilian fizera as malas e partira dez anos antes. Fen passava de parente aparente como um ba que ningum quer. Quando o pai de Laurie ficava na cidade por um tempo,costumava convidar Fen a morar com eles. Quando Stig partia, Fen se mudava. A me de Laurienunca disse que o rapaz tinha de ir embora, mas Fen sempre ia, e ela nunca o impedia.

    D pra voc tentar no brigar com o Matt? Ou com qualquer outra pessoa? deixou escaparLaurie.

    Fen parou, lanou um olhar prima, e ento voltou a andar. Vai ficar tudo mais fcil se voc no brigar com ele. Laurie segurou o brao do primo.

    Minha me se preocupa com a sua influncia sobre Jordie, e se o papai realmente ficar mais umtempo, seria bom se voc pudesse morar com a gente tambm.

    Eles dobraram a esquina e estavam quase no apartamento dela. O insosso edifcio bege se erguiatal qual um gigante de pedra atarracado, como naquelas histrias que todos eles tinham de aprenderna aula de ingls da sexta srie. Escadas de incndio que o senhorio insistia em chamar de varandascom vista se agarravam s laterais do prdio. Os riscos azuis e vermelhos das pichaes eram asnicas cores ali.

    Fen deu um rpido abrao na prima, um indcio claro de que ele se sentia culpado, e disse:

  • Vou tentar ficar longe dos problemas, mas no vou me acovardar para ningum.Era o melhor que Laurie poderia esperar. Fen no procurava encrencas, elas que o procuravam

    e a Laurie na maioria das vezes. Ou talvez eles simplesmente no fossem muito bons na arte deresistir aos problemas. Era isso que a me dela pensava. Mas eu consigo me manter longe dosproblemas. Laurie tinha sido mandada sala do diretor Phelps algumas vezes e tambm se envolveunaquele mal-entendido dos armrios dos alunos, mas ela at que conseguira ficar longe das encrencas o que mudaria totalmente se comeasse a passar mais tempo com Fen.

    O primo no tinha muitos amigos, por isso Laurie sempre se sentia mal quando no passava tempocom ele. Por outro lado, tambm se sentia mal quando ficava o tempo todo de castigo. Fen no semetia em metade das confuses quando estava com Laurie, s que ela se metia no dobro deproblemas. Como hoje noite, ela s sabia que Fen precisava de sua companhia, e foi junto. A garotano sabia bem se o primo tinha tentado quebrar o escudo ou arranc-lo. Com a chegada iminente doVetrarblot, o grande festival de comeo de inverno, qualquer das opes seria um problema.

    Laurie subiu correndo as escadas que levavam ao apartamento. A me trabalhava noite nohospital, e uma das vizinhas, sra. Weaver, ficava com eles depois da escola, mas no se preocupavamuito com aquela coisa de vir direto para casa. Apenas insistia para que Laurie chegasse antes dahora de Jordie dormir. Laurie respirou fundo mais duas vezes enquanto corria at o quarto andar.No era to alto para precisar de um elevador, mas o nmero de degraus era suficiente para que elareclamasse. Se algum dia eles fossem atingidos por um tornado, um risco real na Dakota do Sul,Laurie tinha certeza de que todos morreriam. Todos os apartamentos tinham armrios dearmazenamento no poro, e a me dela jurava que eles conseguiriam chegar at l rpido se um diafosse necessrio, mas eram cinco lances de escada. Eles j tinham passado por duas tempestades noquarto do poro, mas geralmente ficavam no apartamento mesmo, esperando e escutando, com oplano de descer todos aqueles degraus, se fosse o caso. Era um pssimo plano.

    Ainda pensava nisso quando chegou ao andar, destrancou a porta do apartamento e entrou. Asluzes estavam apagadas, e o tremeluzir da televiso lanava clares estranhos na sala. A sra. Weaverlogo iria embora, mas Laurie passou a chave mesmo assim.

    Voc est atrasada observou a vizinha assim que Laurie entrou na sala de estar. Jordie j dormiu?A sra. Weaver balanou a cabea, negando. A no ser que o ronco dele tenha o som de exploses e naves espaciais, no, ele ainda no

    dormiu. Ento eu no estou atrasada argumentou Laurie. A minha hora antes de o Jordie dormir,

    ento...

  • Boa tentativa, mocinha. Mas a sra. Weaver estava tentando no sorrir.Laurie abriu a porta do quarto do irmo mais novo. Pilhas de livros e brinquedos por todos os

    lados, mas a me no gritava com ele. Jordie era o anjinho dela, o beb que no lhe davapreocupao. Se a escola dele chamasse, era para dizer como ele era bom, ou para informar qualprmio ele receberia. Ele deveria ter nascido Thorsen.

    Boa noite disse Laurie. Pare de explodir coisas. Um vulco explodiu de verdade! Jordie se remexeu na cama, virando-se para ver a irm. Um o qu? Vulco! Jordie fez outro barulho de exploso. O topo voou como um foguete. Muito legal.

    Lava e fumaa e... A mame no quer que voc fique vendo o jornal. Laurie suspirou. E ela no quer que voc fique na rua at essa hora. Eu no conto, se voc no contar props

    Jordie, com o poder de negociao que garantia um fornecimento de balinhas de goma por meses.Laurie revirou os olhos, mas cedeu. Combinado.Depois de fechar a porta, ela foi at a sala de estar. A sra. Weaver tinha juntado as agulhas de

    tric e estava calando os sapatos. As duas se despediram, e Laurie se deitou no sof com o dever dematemtica.

    O barulho da chave girando a acordou. Mais ou menos. Morta de sono, Laurie deixou que a me aconduzisse at a cama. A adolescente no era muito de se preocupar, mas depois daquela confusotoda com Fen ela ficara meio estressada. Se Matt no tivesse se metido, ela conseguiria terconvencido Fen a deixar o escudo em paz. Talvez. De qualquer maneira, Matt no precisava terjogado aquela coisa da luz, ou seja l o que ele tinha feito.

    Estava com Fen contou ela me. Laurie... O tom que a me adotava sempre que falavam em Fen j tinha aparecido; mesmo

    meio adormecida, Laurie percebeu. Significava Fen dor de cabea, fique longe dele. Ele da famlia murmurou Laurie enquanto se deitava.A me cobriu a filha. Um dia desses, ele ainda vai colocar voc numa confuso grande demais. E a, o que voc vai

    fazer? Vou dar um jeito. Laurie se ajeitou na cama. Eu sempre dou um jeito.

    Algumas horas mais tarde, Laurie acordou com uma vaga sensao de sufocamento, que no era

  • exatamente inesperada porque ela tinha acordado como um... peixe. Um salmo, para ser mais exato.Eu sou um peixe.Ela tinha se deitado como uma garota de treze anos perfeitamente normal e acordado como um

    peixe. Por mais que quisesse descobrir o que havia acontecido, Laurie tinha um problema maisurgente: ar. Os salmes precisam de gua para respirar e, uma vez que tinha ido dormir como umagarota, agora era um peixe bem longe da gua.

    Os olhos de peixe espiaram uma garrafa esportiva, e Laurie sentiu uma centelha de esperana,mas a falta de polegares e a incapacidade de se colocar um salmo numa garrafa tornaram aquelasoluo invivel.

    Laurie se debateu na cama, dividida entre a vontade de descobrir como no ser um peixe, avontade de se debater at a gua... e a vontade de acordar de verdade, pois as chances de tudo aquiloser um pesadelo pareciam bem altas. O problema era que ela se sentia bem acordada.

    Eu no posso ser um peixe. um sonho. No. Eu sou um salmo, de verdade.A nica gua prxima estava na privada, e entrar naquela porcaria cheia de germes era nojento

    demais... mas a necessidade de respirar era mais importante.Com um impulso enrgico, Laurie conseguiu se lanar da cama. Despencou no cho, mas a queda

    foi amortecida pelas pilhas de roupas espalhadas pelo quarto. Ela serpenteou por roupas, livros etranqueiras acumulados no piso... at bater na porta fechada.

    Preciso de ajuda. Preciso do Fen.Se peixes pudessem chorar, Laurie estaria soluando. A ideia de morrer como peixe e a imagem

    da me encontrando um peixe morto fedido no cho eram deprimentes demais.Cad o Fen?O primo deveria estar ali, ele deveria ajud-la. Era assim que funcionava: os dois se ajudavam,

    mas Fen no se encontrava ali, e Laurie morreria. As guelras se abriam e se fechavam rapidamente eela entrou em pnico, cansada demais para pensar como um salmo poderia abrir uma porta.

    A porta se abriu, e Laurie encarou o salvador. No a mame. No o papai. No o Fen. Oirmo mais novo estava ali, parado.

    Por que voc est no cho? Porque eu sou um peixe.Jordie olhou a irm. Abriu a boca, aparentemente pensou melhor no que diria, e a fechou. Deu de

    ombros. Voc pode abrir a porta do banheiro e me botar na banheira? Minhas nadadeiras... Voc meio esquisita. Ele se virou. Ela est acordada? perguntou a me. T, mas disse que um peixe gritou Jordie, respondendo me.

  • Laurie respirou fundo... e percebeu que no tinha guelras. Eu consigo respirar! A garota olhou em volta. As cobertas estavam amontoadas, e ela estava

    no cho. Tinha sido um sonho, um sonho vvido, mas no real. Garotas no viravam peixes. Laurielevantou-se e sentou-se na cama, e ainda estava ali, meio atordoada, quando a me entrou no quarto.

    Querida, est tudo bem? A me se inclinou e beijou-lhe a testa, checando se estava com febre. Jordie disse que voc teve um pesadelo.

    Eu era um peixe contou Laurie, olhando a me. Fen no estava aqui, e eu ia morrer porqueele no ia me ajudar.

    A me suspirou e se sentou ao lado da filha. Silenciosamente, abraou Laurie e apoiou o queixona testa da garota. Depois de um minuto, disse:

    No d para contar com os garotos, muito menos com o seu primo Fen. Sei que voc gosta dele,mas Fen problemtico. Ele no tem ningum para lhe ensinar o certo e o errado e, do jeito que elefoi criado...

    A gente podia deixar ele morar aqui sugeriu Laurie.A pausa que a me fez resumia todas as coisas que no podia dizer: que ela no gostava de Fen,

    que o outro lado da famlia a incomodava, que a nica razo pela qual ela ainda deixava qualquer umdeles entrar naquela casa era por ainda amar Stig. Mas o que ela acabou dizendo foi:

    Preciso pensar no que melhor para os meus filhos, e ter Fen perto de Jordie no o melhor.Lamento.

    Laurie se afastou, se vestiu e saiu do quarto. Ela no discutia com a me. Era algo que tentava nofazer. Laurie achava que j tinha se envolvido em confuso demais sem querer, e causar problemasde propsito no era uma boa ideia. Ento, calou-se. Queria contar me sobre o sonho, mas sesentiu ridcula. Contaria a Fen. Ele era seu melhor amigo, quase um irmo, e a nica pessoa que noa acharia louca por se preocupar com um sonho de peixe.

    Talvez.

  • FTRS

    FEN

    DVIDAS

    en passou o dia seguinte esperando que o xerife fosse prend-lo e a noite se escondendo noparque, espera de uma chance de pegar o escudo. Mesmo que Thorsen no o tivesse dedurado,

    era bem provvel que tinha dito alguma coisa, pois passaram patrulhas em volta do navio a noitetoda. Fen tentara completar o servio, mas tinha fracassado.

    E no estava muito empolgado em ter que contar a Kris, mas, quando voltou para casa e viu apicape enferrujada, percebeu que no teria opo. O primo tinha voltado para casa, vindo de ondequer que ele tivesse passado os ltimos dias.

    Fen no fez muitas perguntas sobre a ausncia de Kris. Lio nmero um da famlia Brekke: nofale sobre o que no sabe. No era uma questo de desconfiana, na verdade, mas apenas de bomsenso. Os Brekke cuidavam primeiro de si mesmos. Poderiam at fazer uma boa ao pelos outros,ou no, mas no eram burros de sair por a contando coisas que poderiam causar problemas.

    Fen atravessou o caminho de cascalho e parou na entrada da garagem. Fen? voc? A voz o chamou de debaixo da carcaa de um carro antigo. Kris tinha passado

    quase o ano inteiro trabalhando nele. Um velho aparelho de som tocava msica. Como tudo mais nacasa de Kris, o estreo j estava meio estragado h anos.

    Uhum. Me pega uma cerveja. Kris apontou a mo cheia de graxa na direo da geladeira enferrujada

    nos fundos da garagem.Fen largou a mochila no cho, empurrou-a para o lado com o bico da bota e foi at a geladeira. A

    porta rangeu e a velha ala metlica estalou. Ele tirou uma lata de cerveja e a abriu. Fen no entendiapor que as pessoas bebiam aquilo. Kris lhe deu uma certo dia, mas a achou horrvel. Cerveja tinha ogosto que ele imaginava que teria o xixi de cachorro, mas todo mundo na famlia gostava daquilo.

    Ouvi o barulho da latinha, garoto. melhor ela estar cheia quando eu a pegar disse Kris.Fen foi at ele e entregou a lata. E est. Bom menino.

  • Kris saiu de debaixo do carro. Ele ficou deitado no carrinho, coberto de fuligem, graxa e leo dasbotas bandana. Tinha vinte e poucos anos, mas agora que Fen estava no ensino mdio, uma das tiasdecidira que Kris era adulto o bastante para cuidar do garoto naquele ano. At ento, estava sendobem melhor do que o perodo que ele passara com a prima Mandy, que era mais velha que poeira, etinha muitas ideias bizarras quanto s tarefas que Fen deveria cumprir. Kris, por outro lado, erajovem o suficiente para se lembrar de que odiava cumpri-las. Ele dava algumas coisas para Fenfazer, mas, na maioria das vezes, no eram exatamente tarefas domsticas.

    Kris se sentou, pegou a lata e deu um gole demorado, limpando a boca com a mo suja emseguida.

    Ento, voc conseguiu? No.Kris franziu o cenho. Era um servio simples, moleque. Roubar um escudo. Molezinha. Thorsen... O filho do xerife Thorsen, Matt, estava l na hora e hoje teve patrulhas o dia todo.

    Fen se agachou para encarar Kris. A ltima coisa de que eu preciso o prefeito Thorsen ou o xerife aparecendo aqui e fazendo

    perguntas. Voc tem que ficar longe daquele garoto. Eu sei, e eu fiquei. Ontem noite foi a nica vez em que a Laurie pde ir tambm, e eu

    precisava que ela participasse do servio acrescentou Fen. O que eu podia fazer? Voc devia ter completado o trabalho. melhor voc descobrir como, e rpido, garoto. Kris

    terminou a cerveja e amassou a lata. Se voc no cumprir seus deveres para com os wulfenkind,ningum vai poder fazer nada para te ajudar.

    J tinha entendido nas trs primeiras vezes que voc falou retrucou Fen. No responde. Kris se levantou e foi pegar outra cerveja. Aposto que tem menos patrulhas

    de dia. Eu tenho aula adiantou Fen.Kris abriu a segunda cerveja. Voc acha que os wulfenkind do a mnima pra sua aula? Posso tentar de novo esta noite sugeriu Fen. Mas e quanto a Laurie?Kris concordou com a cabea. Ela j ajudou, ento essa condio foi cumprida. V peg-lo sozinho e, se no conseguir hoje

    noite, voc falta a escola amanh. Certo. Se voc no fizer o servio, Laurie ter que se encontrar com eles ameaou Kris.

  • Depois de anos protegendo a prima, Fen sabia muito bem qual era a resposta certa: Eu vou conseguir. Prometo.

    Fen ouviu o despertador disparar no meio da noite, pouqussimas horas depois de ajust-lo. Era umdaqueles horrveis relgios que faziam tique-taque, e o alarme era um martelinho que batia de umlado para outro entre dois sinos. Como o truquezinho de martelo do Thorsen. Fen atirou odespertador na parede. Bem do jeito que eu poderia atir-lo. Enquanto pensava nisso, fez umacareta. A triste verdade era que Fen no seria capaz de atirar Matt contra uma parede. Os Thorseneram incrivelmente fortes, e, mesmo que todos os Brekke tivessem habilidades especiais prprias,eles tambm sabiam que no deveriam se meter com os Thorsen. Bem, nem todos na famlia sabiamdisso: Laurie ainda estava por fora. Fen s ficou sabendo das coisas havia poucos anos, e fizera opossvel para bancar o ignorante.

    Ignorante como os Thorsen pensam que ns somos.Depois que Kris reclamou do despertador, e do baque do relgio na parede, Fen decidiu que era

    melhor fazer pouco barulho. Foi at a porta da frente com as botas nas mos. Ao sair, fechou a portade tela com cuidado, em vez de deix-la bater. Fen se sentiu profundamente aliviado ao se virar paraencarar a escurido. Podia at fingir que era por ter evitado a irritao de Kris, mas, na verdade, elese sentia menos estressado ao ar livre. Lobos, mesmo aqueles em pele humana, no nasceram paraviver debaixo de um teto. Aquela hora da noite era a melhor. A maioria das pessoas estava em casa,na cama, e o mundo era de Fen.

    Ele se sentou na entrada, meteu os ps nas botas, pegou o saco e o p de cabra que Kris lhedeixara e saiu em direo ao parque Sarek. Se Fen no pagasse o que devia aos Saqueadores,haveria consequncias. Os Saqueadores matilhas de wulfenkind levavam a vida roubando erevirando lixo, vagando de acampamento em acampamento, sempre apenas um passo frente da lei.Voc podia se juntar a uma matilha depois que se transformasse, mas, desde o nascimento, estava emdvida. Geralmente, os pais pagavam essas dvidas. Caso contrrio, a matilha as mantinha em umregistro. Fen, como todos os Brekke, tinha as seguintes opes: pagar as dvidas matilha local dasua faixa etria, se juntar a ela ou, uma vez que tivesse a idade necessria, seguir adiante como lobosolitrio. Por enquanto, ele decidira pagar tanto as prprias dvidas quanto as de Laurie. Noofereceria obedincia a algum s porque esse algum era o melhor lutador.

    Laurie no entendia direito como as coisas funcionavam. No sabia o que Fen era, ou o que elamesma poderia ser, pois no tinha conhecimento do ancestral deles, Loki. Ento, ela no fazia ideiade que Fen s vezes era um lobo. A no ser que Laurie se transformasse, no era necessrio contar a

  • ela.O pai de Laurie, o tio de Fen, Stig, no achava que ela se transformaria. A me da garota no era

    wulfenkind, ento era possvel que ela fosse s uma pessoa normal. Se no se transformasse, noprecisava saber. Fen gostaria de poder contar, gostaria que ela fosse um lobo tambm... quase tantoquanto gostaria, para o bem dela, que no fosse. Por enquanto, ele concordou em pagar as dvidas daprima com os wulfenkind durante o perodo de transio. Geralmente, isso era feito pelos pais, mas otio Stig era um lobo solitrio, ento Fen tinha assumido a responsabilidade. Era o que ele teria feitose ela fosse sua irm de verdade, no apenas prima. Significavam pagamentos duplos, mas ele davaconta. Uma vez que a transformao acontecesse, Laurie assumiria os prprios pagamentos, sejuntaria a uma matilha, ou viraria uma loba solitria, como o tio Stig. A chance de Laurie se juntarera ainda menor que a de Fen, ento, se ela se transformasse, Fen achava que ele a ajudaria com ospagamentos, ou os dois virariam lobos solitrios juntos. O problema de ser um lobo solitrio era quevoc no podia ficar em territrio algum por muito tempo. Fen no conseguia se imaginar como lobosolitrio sem Laurie, e certamente no viraria um dos Saqueadores.

    Por enquanto, isso o deixava endividado, e, por motivos que ele preferia ignorar, os Saqueadoresdisseram que o velho escudo seria pagamento suficiente para os dois. A nica coisa estranha era queo lobo no comando da matilha etria deles, Skull, dissera que Laurie deveria estar pelo menos umpouco envolvida. E ela estivera. Agora s restava a Fen completar o servio.

    Seus ps doam de tantas idas e vindas entre o trailer de Kris e o parque, mas regras nopermitiam que Fen zanzasse por Blackwell como lobo, por isso ele foi como humano. Obviamente,mesmo que ele pudesse ter se transformado, isso traria outros problemas. O que eu faria?Arrancaria o escudo a dentadas? Ele sorriu com a imagem e correu o restante do caminho at oparque Sarek.

    To tarde ou to cedo, na verdade os carros-patrulha no passavam tanto. Fen pegou o p decabra que Kris lhe dera e o jogou com toda fora na lateral do navio. O escudo j estava se soltando.Deveria ser especificamente aquele, o terceiro escudo desde a proa, com os desenhos esquisitos.Smbolos vikings, sups Fen. Ele no sabia por que tinha de ser aquele escudo, e tambm no dava amnima. Concentrou-se em forar e soltar.

    Quinze minutos e muitas farpas depois, Fen estava comeando a se preocupar. Vamos l, vamos l.Ele deu mais um empurro, e o ltimo rebite finalmente cedeu. O escudo caiu no cho com um

    estrondo.Fen saltou sobre a amurada do navio, aterrissando agachado, com uma das mos no solo, e pegou

    o escudo.Assim que o fez, um enorme lobo cinzento surgiu andando pelo parque. Era grande como um lobo

  • adulto, mas, mesmo antes que ele chacoalhasse o pelo e ficasse de p, Fen j sabia quem era.Skull sorriu e disse: Nada mal.Skull era s alguns anos mais velho que Fen, mas muito mais assustador que qualquer um dos

    caras no colgio. Tinha cicatrizes nos braos e, naquele momento, um arranho vermelho no rostoque fazia companhia a vrios hematomas roxos e amarelos. No era magro, mas no tinha gorduraalguma no corpo. Skull era s msculo, cicatriz e atitude.

    Cad a Laurie? Longe daqui. Fen enfiou o escudo na bolsa que tinha trazido consigo e a estendeu para Skull.

    Ela ajudou na primeira vez que tentei pegar, mas ela no precisa ver voc.Skull no pegou a bolsa que Fen lhe estendeu. Voc pode carregar pra mim.Ele deu as costas e saiu andando sem olhar se Fen tinha obedecido. Obviamente, ambos sabiam

    que o garoto poderia seguir Skull ou lutar com ele, uma luta que teria dois resultados possveis paraFen: ou ele acabaria bem machucado, ou se tornaria o lder da matilha de wulfenkind. Vencer umaluta com um lobo lder significava substitu-lo. Por mais que Fen detestasse Skull, ele no sabia seseria capaz de derrotar o lobo mais velho, e, mesmo que fosse, ele no o detestava suficientementepara correr o risco de assumir o fardo de uma matilha.

    Eles andaram pelo menos oito quilmetros. Alm da falta de sono, Fen estava exausto ao chegarao acampamento. Pequenos grupos de wulfenkind o olharam com interesse.

    A irm gmea de Skull, Hattie, aproximou-se deles e ofereceu um espetinho de carne,provavelmente de alce, a julgar pelo cheiro.

    Quer um pedao? Hattie deu uma mordida na carne, mastigou e engoliu. seguro.Fen assentiu. Ele no sentia fome com a mesma frequncia que os mais velhos, porque ainda no

    se transformava constantemente, mas estava comeando a perceber uma mudana.Skull fez um sinal a Hattie, que levou os dedos aos lbios e assoviou. Quando todos olharam para

    ela, Hattie indicou pessoas diferentes, e ento direes diferentes. Chequem o permetro.Dos quase vinte e quatro garotos e garotas presentes ali, metade partiu em dois grupos de seis.

    Fen observou com admirao. Eles formavam uma matilha obediente e organizada. O acampamentoera impressionante tambm. Pertences arrumados em pequenos amontoados, lenha de fogueiraempilhada organizadamente, sacos de dormir enrolados e agrupados. Era possvel desfazer oacampamento de modo que todos pudessem partir em instantes.

    Voc poderia ficar com a gente ofereceu Hattie. A ateno dela lisonjeava e assustava Fen

  • havia anos. Ela era uma das wulfenkind mais fortes que ele j conhecera, mas tambm esquisita emeio malvada. Quando eles tinham dez anos, Fen vira Hattie matar vrios esquilos com mordidas nagarganta. No teria sido to nojento se ela estivesse em forma de lobo. Mas no estava.

    Aqui. Fen tirou o escudo do saco e jogou para ela. Ele no esperava que batesse em Hattie,mas teve um pouquinho de esperana. Diferentemente do caso de Skull, no havia desvantagens emlutar com Hattie. Mas ela pegou o escudo no ar.

    Presente pra mim?Skull riu.Fen arrastou os ps e respondeu: No. o pagamento por mim e por Laurie.Skull cravou a mo no ombro de Fen e apertou, mas repreendeu a irm: Deixa o Fen em paz. Voc est assustando ele.Mesmo que estivesse tentando evitar problemas com Skull, Fen no poderia ignorar o insulto. Eu no estou assust... O seu lugar aqui com a gente, Fen interrompeu Skull. Voc sabe que tem coisa grande

    vindo a. A gente precisa que essa coisa acontea. A gente vai fazer com que ela acontea.Hattie depositou o escudo num pedao de pele de animal que um dos lobos mais jovens arrastara

    at ela. A garota se agachou junto ao pelego e olhou para trs, para Fen. Esta madeira veio do charco. Vai ser usada na luta final. No qu? Ragnark declarou Skull com reverncia.

  • Ragnark? repetiu Fen, balanando a cabea. Tudo bem lembrar as velhas histrias, conhecero passado do prprio povo, mas era muito diferente acreditar que o fim do mundo estava chegando.

    A profecia verdadeira explicou Skull. A batalha final vai mudar tudo. Os filhos... E filhas interrompeu Hattie com um rosnado.Skull continuou sem olhar para a irm. A prole de Loki se erguer, os monstros acordaro. Vamos dominar o mundo, e todos nos

    pagaro tributo. Governaremos a Terra como reis.Por mais que Fen achasse que eles eram meio malucos antes, agora tinha certeza de que estavam

    alm da mera loucura. Aquela coisa toda de antigamente havia deuses at era verdade, mas osdeuses eram burros. Estavam todos mortos. E, se os deuses estavam mortos, como poderia haver umabatalha final? No fazia sentido. claro, isso no significava que Fen estava a fim de discutir o temacom Skull e Hattie. Ele tentou parecer menos desdenhoso ao responder:

    Certo. Deuses e monstros lutaro, e um novo mundo nascer. Vocs estaro no comando. Comcerteza.

    Hattie se levantou e imediatamente assumiu postura de luta. Voc duvida?Ignorando a garota, Fen jogou o espetinho com o resto da carne no fogo e apontou o escudo. Roubei o escudo. Eu o trouxe para o seu acampamento. Estamos quites. As minhas dvidas e as

    da Laurie esto pagas. Faam o que quiserem com ele. Precisamos de mais uma coisa afirmou Hattie.Fen encarou Skull, depois Hattie, e voltou para Skull. Tudo bem evitar problemas com os dois,

    mas virar o garoto de recados deles era outra conversa. Eu paguei retrucou Fen. Essas so as regras. Eu paguei, e agora estou livre.Skull lhe deu um soco.Fen cambaleou. Metade do rosto doa, e ele sabia que iria aula com um olho roxo. Maravilha.

    Que maravilha. Fen deu um passo para trs.Hattie foi at o irmo e parou ao seu lado. Atrs dela, Fen viu que os outros membros da matilha

    observavam. Nenhum deles ajudaria. Seguiam ordens. Protegiam a matilha e trabalhavam pelos seusobjetivos.

    A luta final est chegando. Isso muda as coisas acrescentou Hattie.A irritao que Fen tentava abafar extravasou: Regras so regras, ento... Voc ajuda a gente, ou a gente vai falar com a Laurie, e ela poder nos ajudar ameaou Skull.

    Os monstros viro e lutaro ao lado do nosso campeo. Temos que estar preparados.

  • No havia a menor chance de Fen deixar que eles se aproximassem de Laurie, especialmentedepois de tudo aquilo que eles tinham dito. Por isso ele baixou o olhar com o mximo de humildadeque pde.

    O que vocs querem? Um Thorsen. O mais novo disse Skull.Todos os Brekke sabiam que os Saqueadores faziam coisas que era melhor no saber. Isso no

    significava que Fen gostava da ideia de ajud-los a prejudicar uma pessoa que ele conhecia, mesmoalgum de quem no gostasse. Entregar qualquer um a eles era errado.

    Por qu? indagou Fen, esperando que a resposta no envolvesse machucar Thorsen.Hattie suspirou. Porque ele o campeo deles na luta final. Entendi respondeu Fen. Vocs precisam impedir que um garoto lute no Ragnark. O que

    vocs vo fazer, de verdade?Skull e Hattie se entreolharam. O mais velho avanou e passou o brao pelos ombros de Fen. O chefe mandou entregar o moleque. No somos burros o bastante para perguntar para qu,

    mas... Ele fez uma pausa e sorriu. Mas se voc quiser perguntar, a gente pode entregar voc eLaurie tambm.

    No respondeu Fen com cuidado. Eu pego ele.Skull apertou o ombro de Fen ainda mais, dolorosamente, e falou: Bom menino.

  • MQUATRO

    MATT

    PREMONIO

    att estava deitado na cama. Fazia um dia que ele tinha usado o Martelo de Thor. Fen nocontara nada a ningum. Laurie tambm no. Matt queria acreditar que isso significava que

    eles iam esquecer tudo, embora no pudesse evitar pensar que os dois estavam esperando pelomomento certo. Eles contariam a todo mundo como ele usou uma granada atordoante para derrubarFen; e os pais de Matt, alm de todos os Thorsen da cidade, saberiam exatamente o que acontecera.Matt havia quebrado as regras e usado o Martelo de Thor.

    O Martelo de Thor era o nico poder mgico que os Thorsen ainda tinham. verdade que eleseram maiores que as outras pessoas, e mais fortes tambm, mas isso no era mgica. Os velhos livrosmencionavam outros poderes, como controle do clima, embora havia muito isso no existisse. Slhes restava o Martelo, que para os outros era como um soco invisvel que eles poderiam usarquando quisessem. Somente Matt recebeu o kit de efeitos especiais: o claro e o estampido. Esomente Matt era incapaz de controlar quando o poder era disparado.

    O av tentara lhe dar amuletos diferentes, mas eles no resolveram nada. Os pais tinham razo:no era culpa do amuleto, e sim de Matt. O poder estava nos prprios descendentes de Thor, oamuleto era um mero... Matt se esforou para lembrar a palavra que os pais usavam. Conduto. Eraisso. O amuleto era um conduto que permitia que o poder funcionasse. Isso significava que a soluoera simples: retirar o amuleto. S que um Thorsen passava mal se ficasse muito tempo sem us-lo.Matt conseguia tirar o dele no ringue de boxe, por sorte, mas no mais que isso.

    Ele deveria contar logo aos pais o que acontecera. Tinha comeado na noite anterior, mas seacovardou e s falou ao pai que tinha visto uns garotos fazendo baguna em volta do navio. O paidisse que colocaria os policiais para patrulhar por um tempo e, em seguida, ordenou que Mattassumisse mais responsabilidade pela cidade, que deveria ter feito alguma coisa, em vez de apenasvoltar para casa e delatar os meninos. Isso o magoou, especialmente porque Matt tinha tomado umaatitude. J estava se sentindo mal quanto quilo tudo. Deveria ter sido capaz de lidar com Fen semdisparar o Martelo.

    No pense nisso. Concentre-se em outra coisa. Pense no projeto da feira de cincias.

  • Ah, nossa, isso ajudou muito. Vamos nos concentrar em outro exemplo de como voc consegueestragar as coisas, Matty.

    Ele tinha estragado completamente o projeto de cincias, e precisava fazer um novo antes da feirada noite seguinte. Matt complicara demais as coisas, como sempre. Tinha se esforado alm donormal porque sua famlia sempre recebia o prmio na feira de cincias do nono ano. Primeiro o pai,depois os irmos, Jake e Josh. Se fosse outra matria, Matt iria bem. Mas, como de costume, se afamlia dele era boa em algo, ele no.

    Talvez se ele dormisse... Matt tinha algumas das melhores ideias noite, quando podia relaxar eparar de se preocupar.

    Quando adormeceu, ele sonhou com o projeto de cincias... todas as maneiras como poderiaestragar tudo de novo e envergonhar a famlia. Sonhou repetidamente que conseguia construir omelhor projeto de todos, apenas para em seguida disparar por acidente o Martelo de Thor edespedaar o trabalho na frente da escola inteira. Finalmente, seu crebro pareceu se cansar daquiloe decidiu larg-lo no meio de um campo.

    Era dia. Matt ficou ali parado, olhando para o cu. No estava sozinho, podia sentir algum atrsde si. Mas no se virou para ver quem era, pois estava ocupado, fitando o sol e o lobo que operseguia.

    O lobo era uma sombra imensa e negra, com olhos vermelhos fulgurantes e presas reluzentes. Osol era uma carruagem resplandecente puxada por trs cavalos brancos.

    So Skll e Sl murmurou Matt. Hein? exclamou uma voz de menina atrs dele. Parecia ser de algum que ele deveria

    conhecer e, no sonho, isso parecia ser verdade, mas o crebro adormecido no conseguia situ-la. Um mito nrdico. O sol circunda a Terra porque ela est tentando fugir do lobo Skll. E a lua...

    Matt apertou os olhos contra o sol brilhante. Atrs da carruagem de Sl, ele distinguiu uma versomais plida, perseguida por outro lobo de sombra. L est ele. Atrs de Sl. Mni, perseguido porHati.

    Parece que os lobos esto chegando perto.Matt balanou a cabea. Isso s vai acontecer quando o Ragnark chegar. Ragnark? O fim do mundo. Supostamente vai acontecer quando Loki matar Balder. Ento, Skll pegar

    Sl, e Hati pegar Mni, e o mundo ser mergulhado numa noite e num inverno eternos. Mas isso novai...

    Os lobos saltaram e reduziram a distncia. Os condutores das carruagens chicotearam os cavalos,

  • que avanaram.Matt soltou a respirao. Certo, s...Os lobos investiram novamente. Cravaram as fortes mandbulas e puxaram. As carruagens foram

    jogadas para trs, e os cavalos voaram. O sol e a lua foram derrubados. Os lobos mergulharam atrsdeles, abriram as bocarras e...

    Trevas.

    Matt se sentou na cama de repente, o corao batendo to forte que ele poderia jurar que conseguiaouvi-lo.

    Ragnark.O fim do mundo.Matt piscou forte. Balanou a cabea. Sim, sua famlia acreditava no Ragnark, e a Vidente

    sempre procurava por sinais, mas eles j os buscavam desde muito antes da morte dos velhos deuses.Como os velhos deuses foram... burros, eles todos estavam mortos havia muitos anos. De acordocom a Vidente, isso significava que, quando o Ragnark chegasse, alguns dos descendentes teriam deassumir o lugar dos deuses originais na batalha final. Estariam tomados pelos poderes dos deuses, eenfrentariam os monstros conforme fora predito. Felizmente, o Ragnark no viria durante a vida deMatt. O que estava por vir era a feira de cincias. No era exatamente um evento apocalptico, masat parecia ser.

    Ele esfregou o rosto e bocejou. Porm, toda vez que fechava os olhos, via os lobos perseguindo osol e a lua.

    Balanou a cabea. Isso no o ajudaria na feira...Ou ser que ajudaria?Matt sorriu, se esticou de novo e adormeceu.

    Rakfisk! berrou Josh, quase arrombando a porta de Matt. Ei, Mattzinho, no est sentindo ocheiro? A me est fazendo rakfisk.

    Matt levantou a cabea e respirou fundo, mesmo sem querer. Grunhiu e trincou os dentes para novomitar no travesseiro. Nada fede tanto quanto peixe cru. Exceto peixe cru que ficou apodrecendopor meses, para ser servido em torradas no caf da manh.

    Jake segurou o ombro de Josh.

  • No acorde o bebezinho. Assim, sobra mais pra gente.Josh tinha dezessete anos e Jake era um ano mais novo, ambos enormes. Josh, sozinho,

    praticamente ocupava todo o espao da porta aberta. Tudo o que Matt conseguia ver de Jake era umacabeleira ruiva atrs do ombro do irmo.

    Eles saram em disparada pelo corredor. Matt levantou a cabea, com o nariz tampado. Tentourespirar pela boca, mas no deu certo, porque sentiu o gosto do rakfisk. Se uma coisa estragavatotalmente os feriados nrdicos era a comida. A me dele chamaria isso de antigas tradies dosvikings. Matt achava que os vikings deveriam t-las guardado com eles.

    Matt encontrou a me na cozinha, trabalhando no balco, enquanto os irmos, sentados mesa,devoravam pratos de rakfisk com torrada. Matt abriu a geladeira e achou duas garrafas de leite. Aprimeira continha um lquido ralo, de um branco-azulado. Era soro, o que sobrava depois depreparar queijo. Matt grunhiu e guardou a garrafa.

    O soro cheio de protena, Matty explicou a me. Voc no vai ficar maior s bebendorefrigerante.

    Ah, ele no vai ficar maior, no importa o que ele beber provocou Jake. Nem levantandopeso. Josh e eu j ramos maiores que Matt na idade dele.

    Josh encolheu os ombros. No ramos to maiores assim. Ainda d tempo. Talvez se ele entrar pro time de futebol

    americano... Eu gosto de boxe.A me tentou conter uma careta. Ela no gostava de boxe. Nem de luta livre, que ele tambm

    praticava, mesmo sem ser to bom. Ela temia que o filho se machucasse, mas Matt sabia que elasimplesmente no entendia. O futebol era o nico esporte de verdade na casa dos Thorsen. E em todaa Blackwell.

    Ah lembrou ela. Seu av perguntou por voc ontem noite. Voc no teve mais nenhum... Ela indicou o amuleto do filho com um gesto. Acesso?

    Matt se esforou para manter a expresso neutra. No, nada desde a ltima vez. O que, teoricamente, era verdade. Ela s no sabia que tinha

    acontecido outra ltima vez.A me respirou aliviada. timo disse. Agora, cad seu prato para eu lhe servir o rakfisk de caf da manh?

    Noite da feira de cincias. Havia mais ou menos cem pessoas perambulando pelo ginsio, fingindo

  • que estavam interessadas nos projetos.Hunter parou ao lado da mesa de Matt. No entendi. Voc preguioso demais para ler. Cody indicou com um aceno a explicao que Matt tinha

    postado. O que no surpresa, j que voc preguioso demais at para se dedicar ao prprioprojeto. Voc achou mesmo que ningum notaria que pegou o do seu irmo?

    O projeto de Hunter deveria ter sido um vulco, mas, depois de trs anos guardado, a lavavazava pelos buracos rodos por camundongos.

    Matt ouviu uma risada fungada. Deu uma olhada e viu Fen, com um olho roxo recente. Estava comLaurie, mantendo a cabea baixa, como se quisesse esconder o hematoma.

    Fen fez uma careta quando Laurie se aproximou da mesa de Matt. Laurie simplesmente olhou feiopara ele e perguntou a Matt:

    E o que isso a?Matt comeou a explicar, mas, assim que percebeu que o av e dois dos Ancios Thorsen se

    aproximavam, assumiu o discurso para adultos: um mito nrdico comeou. Os lobos, Skll e Hati, perseguem o sol, Sl, e a lua, Mni.Matt indicou a mesa, onde lobos sombrios deviam estar correndo atrs de duas bolas luminosas

    em trilhos adaptados. Mas no tinha dado muito certo, e nenhuma das coisas se movia. Tentou dar umpasso maior do que a perna, disse o pai dele. De qualquer maneira, o modelo ficou bacana. O av eseus acompanhantes pararam para observar melhor.

  • Na histria, os lobos finalmente alcanam os astros. Matt se inclinou para empurrar os lobospelo trilho, e eles ganharam velocidade at chegar s bolas, o que fez o globo de brinquedo no meiose apagar. Isso marca o comeo do Ragnark. A batalha dos deuses. Do ponto de vista cientfico,podemos ver a lenda como uma explicao para os eclipses. Muitas culturas criaram mitos paraexplicar por que o sol desaparecia e como recuper-lo.

    Matt apontou um segundo quadro, coberto com fotos de eclipses, grficos e descries. Fora feitode qualquer modo, o que era bem aparente, mas no estava to ruim quanto outros... Ou pelo menosera o que Matt repetia para si mesmo.

    Muito interessante, Matty comentou o av, pousando a mo no ombro do neto. Quando foique voc teve essa ideia?

    Matt encolheu os ombros. Simplesmente me passou pela cabea. mesmo?Os olhos azuis do av se fixaram nos de Matt, e ele sentiu os joelhos tremerem. O av o observou

    por mais um minuto, com os lbios contrados sob a barba ruiva cada vez mais grisalha. Por fim, deuum tapinha nas costas do neto, murmurou algo para os Ancios e o grupo seguiu adiante.

    Matt tirou B, o que era timo para um projeto feito s pressas que no deu muito certo. Seusprofessores pareceram satisfeitos. Seus pais, nem um pouco. Eles saram enquanto Matt guardava oprojeto, o que ele fez muito cuidadosamente, bem devagar, esperando que os pais se cansassem deesperar e fossem embora.

    Ento, apenas passou pela sua cabea comentou algum atrs dele.Era o av. O ginsio estava vazio, os ltimos estudantes e pais finalmente saindo.Matt fez que sim com a cabea. Desculpe por eu no ter ganhado.O av passou o brao pelos ombros do neto. Cincias no o seu forte. Voc tirou B. Eu acho isso timo. O av apontou a fita de meno

    honrosa na mesa de Matt. E aquilo melhor que timo.Dos trinta projetos da feira, cinco receberam uma meno honrosa. Havia tambm os trs

    vencedores. Ento, no era l um grande feito, mas Matt resmungou um agradecimento e comeou aempilhar os papis.

    Ento, Matty, agora que somos s eu e voc, me conte como foi que isso lhe passou pela cabea.Matt encolheu os ombros. Eu tive um sonho. Sobre o qu?

  • Os lobos devorando o sol e a lua. O comeo do Grande Inverno. Fimbulwinter.Matt concordou e demorou um pouco para perceber que o av ficara imvel. Ao ver a expresso

    do idoso, seu corao bateu mais rpido. Ele deveria ter sido mais cuidadoso. Com os Ancies, nose podia falar casualmente de sonhos como aquele. Especialmente sonhos sobre o Ragnark.

    Eu estava preocupado com o meu projeto argumentou Matt. Foi s um sonho besta, sabe,daqueles em que voc reprovado e o mundo acaba. Uma besteira repetiu ele, revirando os olhos.

    O que voc viu exatamente?A testa de Matt ficou coberta de suor. Ao enxug-la, suas mos tremiam. Est tudo bem, Matty sussurrou o av. Eu s estou curioso. Me conte como foi.Matt contou. No teve escolha. No era s o av quem pedia. Era o prefeito de Blackwell e o

    magistrado da cidade.Quando Matt terminou, o av assentiu com a cabea, como se estivesse... satisfeito. Ele parecia

    mesmo satisfeito. Foi... foi s um sonho atalhou Matt. Sei que vocs acreditam nessas coisas, mas no foi nada

    disso. Eu no queria...O av o interrompeu ao se curvar para a frente, pousando as mos nos ombros do neto. Voc no fez nada de errado. Eu estava apenas curioso. sempre interessante ouvir de onde

    vem a inspirao. Eu estou muito orgulhoso de voc. Sempre estive.Matt se endireitou, constrangido. Meus pais esto me esperando... claro que esto. Depois de mais um abrao rpido, o av confessou: Sempre soube que

    voc era especial, Matty. Logo, todos os outros sabero tambm.Ele se afastou, deu um tapa amistoso nas costas de Matt e lhe entregou a caixa com o projeto. Voc carrega isso, e eu levo os papis. Est ventando muito, no queremos que essa papelada

    voe para longe.Matt se dirigiu sada do ginsio, com o av ao lado. Vi gelo no Norrstrm h alguns dias. por isso que vamos ter Vetrarblot to cedo? O inverno

    est chegando adiantado? Isso mesmo concordou o av. Creio que sim.

  • DCINCO

    MATT

    ESCOLHIDO

    epois da feira de cincias, o av voltou para casa com Matt e saiu com os pais dele para umacaminhada. Quando voltaram, Matt j estava se recolhendo para dormir, pois tinha treino de

    luta na manh seguinte, mas eles o chamaram sala de estar e lhe fizeram um longo discurso sobrecomo estavam orgulhosos por ele ter tirado um B e recebido uma meno honrosa. Comorecompensa, lhe dariam os quarenta dlares que faltavam do dinheiro que ganhara cortando gramapara que pudesse comprar um iPod Touch.

    Matt sabia que os pais no estavam orgulhosos dele porque ele tinha vacilado. Mas semprefaziam o que o av mandava. Como quase todo mundo em Blackwell. De qualquer maneira, ele nopoderia reclamar do dinheiro. Agora, o garoto poderia comear a economizar para uma motocross, etalvez, se conseguisse vencer as finais estaduais de boxe, o av convenceria, por meio da culpa, queeles ajudassem com isso tambm. Era pouco provvel; afinal, a me dele odiava motos quase tantoquanto odiava boxe, mas ele podia sonhar.

    Vetrarblot. No era to legal quanto Sigrblot, que sinalizava a chegada do vero e o fim das aulas, mas era muito importante. Principalmente este ano, para Matt. Ele tinha completado treze anos,ento seria iniciado na Thing.

    Thing. Que nome ridculo. Claro, era assim que chamavam na poca dos vikings, pois thingsignificava assembleia na lngua deles, mas era de imaginar que os fundadores de Blackwellteriam se dado o trabalho de achar um nome que no significasse coisa em ingls e assim evitarque as reunies da cidade no parecessem to idiotas.

    Nos tempos dos vikings, a Thing era uma assembleia composta por todos os homens adultos queno fossem servos, o jeito educado como os vikings se referiam aos escravos. Em Blackwell, asmulheres participavam tambm. E por adulto eles queriam dizer todos os Thorsen que j tivessempassado pelo dcimo terceiro aniversrio.

    Quanto ao que exatamente essas assembleias faziam, bem, essa era a parte sem graa: era poltica.

  • Eles tomavam decises. Ento, a Cmara de Vereadores, composta praticamente s pelos Thorsen,faria a deciso acontecer.

    Eles discutiam questes comunitrias tambm, aquelas que no se poderiam debater na cmara,tipo aquele moleque dos Brekke est criando problemas de novo, ou, ele imaginava, Matt Thorsenainda no consegue controlar os poderes. Por esse motivo, Matt preferia no ficar ouvindo.

    Durante o Vetrarblot, ele preferia no estar l. A assembleia acontecia junto ao incio da feira.Cody e os outros amigos de Matt tinham que ir para casa s 21h, ento nem sabia se conseguiria sairda Thing a tempo de encontrar com eles. O que era totalmente injusto, mas os pais dele no ficariaml muito felizes se o filho comeasse a jornada vida adulta reclamando por no poder brincar comos amigos.

    J tinha ouvido um longo sermo naquela manh sobre como deveria se comportar. Matt tinhacerteza de que eles se preocupavam com uma reprise do vexame de Jolablot o festival do invernoem que se contavam todas as velhas histrias , e o av pedira a Matt para contar a de Thor e Loki naterra dos gigantes, assim como Josh e Jake fizeram quando tinham doze anos. Os pais no queriamque Matt o fizesse, mas ele insistiu. Ele conhecia os mitos melhor que os irmos. Muito melhor.Deixaria os pais orgulhosos. Ento, Matt subiu no palco, olhou para toda a famlia e congelou.Simplesmente congelou. O av teve de resgat-lo, e os pais nunca mais o deixariam esquecer aquelemomento. Nesse festival, ele ficaria calado, de cabea baixa e fora dos holofotes, e faria o que lhemandassem.

    Entre a parada e a Thing havia comida. Comida de verdade, nada de cachorro-quente e algodo-doce. Naquele momento, todos os que no eram Thorsen iam para casa, lotavam os restauranteslocais ou levavam cestas de piquenique ao parque Sarek. Os Thorsen assumiam o controle do centrorecreativo. Era a que o banquete comeava. O salo pareceria com um ginsio, exceto pelosmosaicos em todas as paredes. O av de Matt contara que tinham quase quinhentos anos, trazidos dealgum castelo na Noruega.

    Os mosaicos exibiam cenas de Thor, quase todas lutas; quando o assunto era Thor, esse era ofoco. Thor lutou com esse gigante aqui, depois com aquele, e mais tarde com outro. Ah, sim, e comalguns anes, uns anes muito malvados.

    Na poca em que Matt se inscreveu no boxe e na luta livre, ele havia dito isso aos pais. Claro, aspessoas amavam e respeitavam Thor porque ele era um cara bacana, mas muito desse respeito vinhado fato de ele despachar os monstros. E ele no despachava ningum com um pedido educado.

    Os pais no engoliram. A fora fsica era importante, de fato; eles no queriam um filho nerd. Masos Thorsen no eram como Thor. Tinham uns aos outros, ou seja, trabalhavam em equipe, e essashabilidades eram mais bem desenvolvidas com o futebol americano.

    De qualquer maneira, tinha sido com os mosaicos que Matt crescera. Thor lutando com Hrungnir.

  • Thor enfrentando Geirrod. Thor brigando com Thyrm. Thor pelejando com Hymir. E, finalmente, nummosaico que ocupava toda a parede do fundo, a mais grandiosa batalha de Thor com seu maiorinimigo: a Serpente de Midgard.

    De acordo com as lendas, Thor derrotara a serpente uma vez, mas no a tinha matado. O deuspescara a serpente do mar e atirara seu martelo, Mjlnir, contra ela, deixando-a escapar atordoada,mas viva. O mito dizia que, quando o Ragnark chegasse, a serpente se vingaria. O mosaico naparede mostrava como a batalha pica se desenrolaria, terminando com um golpe letal aplicado porThor. No que o deus lhe desse as costas, porm, a serpente moribunda atacaria uma ltima vez,envenenando Thor. E o deus cambalearia para a morte.

    Matt fitava a cena da Serpente de Midgard sentado com a famlia cabeceira da mesa. O saloestava repleto de mesas longas e cadeiras dobrveis de madeira para um banquete em famlia. Umpequeno palco foi montado na frente do salo.

    A Vidente j estava ali com a assistente. primeira vista, Matt pensou que ela poderia ser umaav, mas, ao olhar de novo, viu que mal aparentava ter idade para ser me. Para os festivais, aVidente e sua assistente sempre se vestiam como mulheres da poca viking, com longos vestidosbrancos e simples e aventais azuis por cima. Um pano branco cobria seus cabelos loiros.Normalmente, elas se pareciam com muitas mulheres de Blackwell, e Matt tinha certeza de quepassava por elas na rua toda hora, incapaz de reconhec-las sem seus vestidos viking.

    Enquanto a comilana continuava, a Vidente se levantava na plataforma, jogava as runas emurmurava pronunciamentos que a assistente anotava furiosamente. Matt notou que alguns dosmembros mais jovens da Thing tinham se sentado perto dela. Esperavam ouvir algo importante. Notinham permisso para falar com ela. Ningum tinha. E era terminantemente proibido lhe perguntarqualquer coisa.

    Divisar o futuro por meio das runas era um assunto srio, que no deveria ser confundido comadivinhaes uma lio que Matt aprendeu quando comprou um conjunto de runas falsas e cobrouduas pratas dos garotos na escola para lhes prever o futuro. Esse esquema resultou numa visita Thing, e ele fora proibido de participar do festival seguinte. Matt deveria saber que no acabariabem. Certo, ele sabia. Mas era como pregar peas; devia se comportar e ser motivo de orgulho paraos pais, mas no conseguia se controlar. Era difcil fazer a coisa certa o tempo todo, tentando seigualar aos irmos quando sabia que jamais conseguiria, no para valer. Por isso, s vezes, Matt secansava de tentar.

    Conforme o banquete foi terminando, mais pessoas se reuniam ao redor da Vidente, sentando-sede pernas cruzadas. Outras iam s mesas de Tafl montadas nas laterais do salo. Quando o avconvidou Matt para jogar uma partida com ele, no foi novidade alguma. Matt jogava Tafl com o av

  • o tempo todo. Talvez no nos festivais, quando o av estava sempre muito ocupado. Enquanto os doisiam at uma das mesas, porm, Matt podia ouvir o burburinho serpenteando pelo salo, pessoassussurrando e se virando para olhar, algumas os seguindo para assistir.

    Tafl, tambm conhecido como Hnefatafl, embora ningum conseguisse pronunciar, era um jogonrdico de estratgia, ainda mais antigo que o xadrez. Era chamado de o jogo viking por ser essasua origem, e se baseava na ideia de uma incurso ou invaso. Cada jogador recebia dois conjuntosde peas como seu navio, alm do rei e seus defensores no meio.

    Matt no estava preocupado com a plateia durante sua partida contra o av. Tafl era como boxe:ele sabia que era bom. No bom o bastante para vencer sempre, mas bom o suficiente para noenvergonhar a famlia.

    Ele no venceu a partida. Mas tambm no a perdeu. Ojogo teve de ser interrompido por causada hora avanada; as crianas queriam ir logo para a feira, antes que escurecesse, e o av deveriaencerrar oficialmente o banquete. Assim que o av o fez e os mais novos partiram para o festival, ame conduziu Matt at as cadeiras em frente ao palco.

    Quando o av subiu no palco, todos se calaram. Algum colocou um pdio diante dele. O avagradeceu com um aceno da cabea, pigarreou e fitou o grupo.

    Como alguns de vocs j sabem comeou ele , esta ser uma assembleia bem diferente donormal. Nenhum novo assunto ser discutido hoje. Em vez disso, vamos debater uma questo deimportncia incomparvel para todos ns.

    Algumas pessoas se ajeitaram nas cadeiras. Estariam elas preocupadas com o que o av tinha adizer? Ou sabiam algo que Matt desconhecia, ou seja, importante queria dizer vocs ficarogrudados nessas cadeiras por um longo tempo?

    O av continuou: Como vocs sabem, nosso mundo tem sofrido com desastres naturais h anos, mas com tanta

    frequncia que mal conseguimos lidar com uma catstrofe antes que outra acontea.Isso era verdade. Parecia que todo dia eles organizavam um novo evento beneficente na escola

    para outro pas devastado. At agora, Matt j tinha ajudado com dois bailes, uma quermesse, umavenda de bolos, alm da luta de boxe... E setembro nem tinha acabado.

    Era esse o motivo daquilo tudo? Angariar dinheiro para ajudar com algum desastre? Ou talvezrever o plano de emergncia da cidade? Os pais dele refizeram o deles depois de todos aquelestornados na primavera.

    O av ainda estava falando: Semana passada testemunhamos a erupo de um vulco que os cientistas juravam estar

    adormecido. Hoje o parque Yellowstone foi fechado porque as fontes geotermais e os giseres estotransbordando em ebulio, liberando gases txicos na atmosfera. O av andava de um lado para

  • outro no minsculo palco. A Boca do Drago um desses giseres. Tem o Caldeiro do DragoNegro tambm. Esses so nomes muito apropriados, como conta nossa histria, porque o que mantmesses giseres em efervescncia, o que faz o fogo irromper dos topos das montanhas, o grandedrago, Nidhogg, o devorador de cadveres. Nos ltimos sculos, a destruio causada por ele foicontida a um nvel mnimo, j que ele est muito ocupado com a tarefa de roer as razes da rvore davida. Porm, no parece mais estar distrado. Sabemos o que isso significa.

    Matt sentiu um calafrio mortal subir por sua espinha.Era tudo culpa dele. Matt teve o sonho, e fora s um sonho, mas agora o av acreditava nele, e o

    usava como explicao para todas as coisas ruins que aconteciam no mundo. Nidhogg est quase terminando de roer as razes da rvore da vida. Um dos primeiros sinais do

    Ragnark.Matt agarrou os braos da cadeira para no sair correndo at o palco e dizer que o av estava

    enganado. Ele tinha entendido errado, confiado num sonho idiota que no passava disso; afinal, eleera s um garoto, no um profeta, no um Vidente.

    E ns entendemos tambm o significado dos tsunamis e maremotos que vm devastando cidadescosteiras ao redor do mundo. No apenas Nidhogg quase acabou de roer a rvore da vida, mas aSerpente de Midgard tambm se libertou de seus grilhes. Os mares ficam turbulentos quando aserpente sobe superfcie. Para a batalha final. Para o Ragnark.

    Matt inspirou fundo, mas isso no pareceu ajudar. Ele comeou a ofegar. A me lhe apertou amo. Do outro lado, o pai se aproximou e passou o brao pelos ombros do filho, sussurrando:

    Est tudo bem, filho.Josh se inclinou para a frente, desviando do pai, e deu um sorriso irnico.Do lado da me, Jake fungou e revirou os olhos. Sentia desprezo pelo beb que parecia dar um

    chilique porque coisas ruins estavam chegando e ele no sabia lidar com elas. Ou pelo menos eraessa a impresso que todos teriam.

    Matt soltou a mo da me e se desvencilhou do abrao do pai. Em seguida, se endireitou, fixou oolhar no av, que dizia alguma coisa sobre as naes europeias estarem quebrando as promessasrelativas a um tratado ambiental e de rumores de conflitos. Todos sinais do Ragnark. Jurasrompidas. Irmo se virando contra irmo. Guerra se aproximando.

    Nessa batalha final, ns teremos um papel. O av fitou o mosaico, e todos seguiram seu olharat o confronto pico contra a Serpente de Midgard. Por sculos, os Thorsen trabalharam juntos,permaneceram juntos, lutaram juntos. Mas essa batalha ser diferente. Ser a tarefa de um e apenasum: o Campeo de Thor, que ter de vencer a batalha, derrotar a serpente e salvar o mundo dadestruio.

  • O pai pousou a mo na perna de Matt e apertou. Matt se virou para ele e viu que o pai olhavafixamente para a frente, com o rosto tenso e enigmtico.

    Esperamos por sinais que nos indicassem nosso campeo continuou o av. Recebemosalguns, mas ainda continuamos inseguros. Agora, porm, a profecia foi cumprida e as runas...

    O av recuou, e a Vidente avanou. Ela no pegou o microfone, sua voz fina mal passava dasprimeiras filas. Matt teve que se esforar para ouvir.

    As runas falaram. Eu as lancei muitas e muitas vezes, e a resposta permanece a mesma.Escolhemos corretamente. Temos nosso campeo.

    Matt deu uma espiada no pai, que, hesitante, passou o brao pelos ombros do filho e o apertoutanto que Matt teve que se controlar para no se afastar.

    No palco, a voz da Vidente se elevou, para que todos pudessem ouvir: Nosso campeo Matthew Thorsen, filho de Paul e Patricia Thorsen.Matt ficou paralisado.

  • Houve um momento de silncio sepulcral. Sussurros comearam a ser ouvidos. Ela realmentedisse que era o garoto dos Thorsen? s um menino. No, no pode ser. Ouvimos errado. S podeser isso.

    A voz do av ressurgiu nos alto-falantes: Sei que isso pode ser uma surpresa para alguns de vocs. Afinal, Matt tem apenas treze anos.

    Mas, nos tempos vikings, por outro lado, ele estaria prestes a se tornar um homem. As runasescolheram Matt como nosso campeo, como a encarnao mais prxima de Thor. Seu representantevivo. E elas escolheram outros tambm, todos encarnaes vivas de seus deuses ancestrais, todoscrianas nascidas na virada do milnio. Rapazes e moas, jovens como Matt. Descendentes de Frey eFreya, Balder e o grande deus Odin. Eles viro e lutaro ao lado de nosso campeo. E... O avapontou o mosaico da morte de Thor. Aquilo no acontecer, pois eles sero vitoriosos esobrevivero.

    Outro momento de silncio, como se todos estivessem processando a informao. Algum bateupalmas. Outra pessoa se juntou primeira. Finalmente, uma ovao. No importava se eles achavamMatt jovem demais as runas o nomearam o campeo, ento era isso que ele era. Por mais ridculoque parecesse.

    Matt olhou em volta. As pessoas se viravam e sorriam, e a me o puxou para um abrao,sussurrando para dizer como estava orgulhosa. Josh abriu um sorriso e levantou a mo com o polegarpara cima. A cara feia de Jake dizia que Matt no merecia a honra, por isso era melhor ele noestragar tudo.

    Ento, o Ragnark estava chegando? E ele era o Campeo de Thor? O escolhido? O garotosuperespecial?

    Estou sonhando. S pode ser.Assim que Matt entendeu isso, conseguiu se recuperar do choque. Devolveu o abrao da me,

    aceitou o abrao do pai e retribuiu o gesto de Josh. Sorriu e assentiu a todas as congratulaes.Estava disposto a curtir a fantasia tambm. Pena que no acreditava ser verdade, afinal, se eleconseguisse derrotar a Serpente de Midgard, tinha certeza de que poderia faturar uma motocross.Matt riu consigo mesmo enquanto se sentava novamente. , se ele enfrentasse e matasse uma cobramonstruosa, a me no poderia mais argumentar que uma moto seria perigosa demais.

    Matt olhou em volta enquanto todo mundo continuava a lhe dar os parabns.Tinha de ser um sonho. Qualquer outra possibilidade era simplesmente... loucura. Claro, Matt

    meio que acreditava no Ragnark. Nunca pensara muito no assunto. Era s o jeito como ele foracriado; como alguns garotos tinham sido criados para acreditar que um velho chamado No haviacolocado um casal de cada espcie animal num barco. No se pensava muito nessas coisas, elas

  • simplesmente existiam. Ento, o Ragnark tinha de ser real, mesmo que parecesse...Matt olhou ao redor. No, todas as outras pessoas acreditavam, ento devia ser verdade.Talvez no fosse uma serpente de verdade. Talvez fosse... como eles chamavam? Uma metfora.

    Isso. No uma cobra de verdade, mas algum cara meio peonhento que precisasse ser morto para nodar incio a uma guerra nuclear ou coisa assim.

    S que no era disso que o av estava falando. Ele se referia Serpente de Midgard. Como naimagem. Uma serpente de verdade.

    Essa a histria, Matt. Voc no acredita mais? Voc sempre acreditou nela.A cabea de Matt comeou a latejar, e ele fechou os olhos com fora.Deixe que seu av cuide de tudo. Basta voc fazer o que precisa ser feito.Fazer o qu? Ser o campeo deles? No. Ele estragaria tudo. Sempre estragava.A Thing acabou, e cada um dos Thorsen entrou numa fila para apertar a mo de Matt. Ele estava

    acordado, e era o escolhido e ia enfrentar a Serpente de Midgard e salvar o mundo. Antes, porm,Matt sentia que ia vomitar.

    Toda vez que algum lhe apertava a mo, Matt sentia o estmago estremecer junto, e pensava: Euvou passar mal. Eu vou vomitar. Bem no sapato deles. O nico jeito de impedir a tragdia erafechar a mandbula com fora e continuar assentindo, dando-lhes um sorriso amarelo e torcendo paraque a prxima pessoa que lhe desse tapas nas costas no provocasse a ejeo acidental de todo ojantar.

    Depois que todo mundo saiu, o av conversou com Matt. No foi um dilogo muito longo, o quefoi timo, pois Matt mal ouviu o que o av dizia. Tudo em que pde pensar foi eles cometeram umerro. Cometeram um erro muito, muito grande. At tentou argumentar, mas o av s ficava falandoque Matt no deveria se preocupar, que tudo ficaria bem; afinal, as runas no o escolheriam se eleno fosse o campeo.

    Verifiquem de novo. Era o que ele queria dizer. Se um garoto tivesse que lutar com essa... sejal o que for, deveria ser Jake, ou mesmo Josh. No eu.

    O av disse que depois eles conversariam mais e ento saiu com os Ancios para uma reunioparticular. Matt ficou sozinho com os pais. Eles lhes disseram mais algumas vezes que tudo ficariabem. O pai lhe deu um tapa nas costas e disse que Matt fosse curtir o festival, sem se preocupar coma hora de voltar para casa. Eles o buscariam na hora que ele quisesse.

    Tome aqui um extra declarou o pai, puxando a carteira. uma grande noite para voc,camarada, e voc merece comemorar.

    Quando ele estendeu o dinheiro, Matt ficou olhando, espantado. Era uma nota de cem. Hum, isso ... comeou Matt. Ah, desculpa. O pai guardou a nota e contou cinco notas de vinte, colocando-as na mo de

  • Matt. Os barraqueiros no vo gostar de trocar uma de cem, n? Outro tapo nas costas de Matt. Agora, v se divertir.

    Matt vagueou pelo festival, chutando a serragem com o tnis. Ele no via as luzes que piscavam. Noouvia os barraqueiros do festival tentando pux-lo para as atividades. No sentia o cheiro doscachorros-quentes e do milho caramelizado. Dizia a si mesmo que estava procurando os amigos, masisso no era verdade. Sua mente ainda estava no salo de recreao, o olhar fixado no mosaico, osouvidos ainda ecoando as palavras da Vidente:

    Nosso campeo Matthew Thorsen.Campeo? Srio? No estou nem no ensino mdio ainda, e eles esperam que eu lute com uma

    serpente gigante e salve o mundo?No um simples campeonato de boxe. o mundo.Matt no entendia bem como aquilo poderia dar certo. Mate a serpente; salve o mundo. Era assim

    que deveria ser. No mito do Ragnark, os deuses enfrentavam os monstros. Se derrotassem osinimigos, o mundo continuaria igual. Se fracassassem, os monstros dominariam tudo. Se os dois ladosmorressem como acontecia nos mitos que previam o Ragnark , o mundo mergulharia numa era degelo.

    E se as histrias no fossem reais?Mas, se as histrias no so reais, ento Thor no existe. Nem o amuleto no seu pescoo. Nem

    seu poder.Mas claro que tudo era real. Ou seja...Matt ficou enjoado s de pensar, com dor de cabea e vontade de correr para casa. Simplesmente

    sair voando, pular na cama, puxar os cobertores e se esconder. Vomitar e sumir: a estratgia doscampees.

    Matt pensou nos pais flagrando seu ato de covardia, e o corao disparou enquanto lutava pararespirar. Eles esperavam que ele aguentasse aquele tranco, assim como esperavam que Matt voltassepara casa a p depois do treino e fizesse o prprio projeto de cincias. Eles esperavam que ele fosseum Thorsen.

    Algo provocou coceira no peito de Matt, que abanou a mo para espantar o inseto. S que no eraum inseto. Era o amuleto, vibrando.

    Hum, no, s podia ser o corao, disparado como um trem desgovernado.A coceira continuou, e Matt afastou o amuleto para coar o lugar, quando percebeu que no era o

    corao, era o pingente mesmo. Ao segur-lo, sentiu a vibrao.

  • Estranho. Isso nunca acontecera antes. Voc est procurando Odin afirmou uma voz atrs dele.Matt girou. No havia ningum ali. Voc est procurando Odin repetiu a voz, e Matt baixou o olhar at se deparar com uma

    menininha que no poderia ter mais de sete anos. Tinha tranas de um loiro plido e olhos azuisbrilhantes. Usava um vestido azul de vero e estava descala. Naquele frio? Ela deveria estarcongelando. Onde estavam os pais dela?

    Ei disse Matt, sorrindo ao se agachar. Voc precisa de ajuda? Posso ajudar, mas primeiro agente tem que achar seus pais.

    A garotinha fez que no com a cabea, balanando as tranas. No preciso de sua ajuda, Matthew Thorsen. Voc que precisa da minha.Que jeito estranho de uma criana falar. Formal, como se estivesse num filme antigo. E o modo

    como ela o olhava, to calmamente. Matt no a reconheceu, mas havia tantas criancinhas loiras emBlackwell que era impossvel lembrar o nome de todas.

    Tudo bem, ento respondeu ele. Voc pode me ajudar a encontrar seus pais. No, voc precisa encontrar Odin. Ele vai ajudar. Ajudar no qu?Ela franziu o cenho, confusa. Eu no sei. Isso o que h por vir. Isso no o agora. Sei apenas o que agora, e agora voc

    precisa ouvir. Ouvir o qu?A garota saiu correndo para a multido. Matt se levantou num pulo. Espere!A garotinha se virou. Olhou para ele, com os olhos azuis firmes, e formou palavras com os lbios.

    Matt entendeu o que ela queria dizer, como se ela estivesse bem ali, sussurrando em seu ouvido:Voc precisa escutar.

    Ela voltou a correr. Matt hesitou, mas s por um segundo. Por mais que Blackwell fosse umacidade segura, nenhuma criana daquela idade deveria ficar perambulando sozinha.

    Matt correu atrs da garota.

  • NSEIS

    LAURIE

    OWEN

    o desfile, Laurie notou a ausncia do escudo e concluiu que Fen certamente tinha voltado parabusc-lo. No sabia bem como ele conseguira um olho roxo, e o primo no queria contar. Tudo

    o que ela extraiu dele foi um T cuidando disso, mas na verdade parecia que tinham cuidado dele.Laurie no ficava mal-humorada com frequncia, mas, enquanto avanava com dificuldade em

    meio s barraquinhas de jogos do festival e multides que esperavam em filas para comprar comidaou entradas para as atraes, ela tremia de raiva. Nem o cheiro de delcias, como pipoca, bolinhosde chuva e algodo-doce, a distraa. Bem, ela ainda olhava para todos os jogos de azar montadospara convencer as pessoas a gastar todo o dinheiro que tinham com prmios bobos. Ela vencia todoseles. Laurie tinha uma sorte absurda com esses jogos, e j faturara tantos coelhinhos de pelcia ebonecas bizarras nos ltimos anos que sua me levara um porta-malas cheio para as crianas nohospital. Talvez se Laurie no estivesse to enfurecida, ela poderia parar e jogar s um, mas nopodia evitar. Se apanhassem Fen com o escudo, os dois correriam risco. Se a me dela no deixasseto claro que Fen no era bem-vindo, ou se o pai estivesse por perto, ou se Matt no fosse o filho doxerife, ou... bem, se Fen no fosse to burro, as coisas ficariam melhores, mas nenhum desses ses eraverdade. A pior possibilidade era de que Matt tivesse contado ao xerife e, ento, ela e Fen seriampresos. Na melhor das hipteses, Fen se meteria em problemas e ela o perderia para sempre. Assim,at a melhor das hipteses seria horrvel.

    A no ser que Matt tivesse ficado calado.Mesmo antes disso tudo, Laurie precisava contar a Fen sobre o sonho esquisito do peixe, mas no

    conseguira ficar a ss com ele desde a noite no barco. At na feira de cincias o primo estavaocupado. Chegou a chamar o amigo Hunter para ficar com eles. Laurie no seria mais ignorada.Falaria com Fen quer ele quisesse escutar ou no. Talvez, se eles devolvessem o escudo, Mattmantivesse o segredo.

    Enquanto andava pelo festival, Laurie ficou atenta, procurando o primo. Parou na roda-gigante, notrenzinho e nas xcaras malucas. Nada de Fen. Perambulou pela rea da fazendinha. Nada.

    Cad voc? murmurou ela. Fen no tinha celular, ento no podia ligar para ele.

  • Oi. Um garoto alguns anos mais velho que Laurie apareceu ao seu lado. Estava procurandovoc.

    O qu? Laurie parou.O rapaz parecia ser... de qualquer lugar, menos de Blackwell. Usava tnis pretos e azuis, calas

    pretas bem baixas, uma camisa azul que parecia de seda, e seus cabelos um pouco longos erampintados de azul. O mais estranho eram as joias quase femininas que o rapaz usava: um par depequenos brincos de pssaros pretos e um anel de metal tranado no dedo.

    Voc j est me procurando? perguntou ele. No. Laurie fez cara feia. No te conheo. Por que estaria procurando voc? Sou Odin. T bom. Odin. Laurie riu. Todo mundo em Blackwell sabia o bsico da mitologia nrdica.

    Considerando a escola, os pais, as peas de teatro, uma seo bem fornida de mitos na biblioteca ealguns vdeos horrorosos em todas as sries, era impossvel se manter alheio ao assunto emBlackwell. S que isso no significava que as lendas eram reais.

    Ento, Odin, vamos ter outra pea este ano? Laurie no tinha visto lista alguma de atividadesdo festival, mas, mesmo que tivesse, no se empolgaria de ver mais uma pea sobre batalhas ou coisaassim. Algumas pessoas em Blackwell levavam essa herana cultural escandinava um pouco a sriodemais.

    Voc quer jogar alguma coisa? Odin olhou em volta por um momento, e apontou uma barracaque oferecia algum tipo de jogo de apostas. Voc seria boa naquele ali.

    Era para ser um jogo de azar, mas Laurie tinha sido banida no ano anterior, depois de ganhartodas as vezes em que jogou. O dono da barraca achava que ela trapaceara de alguma forma, mas noera verdade. Desta vez, Laurie ficaria longe de problemas, ento nada de jogos de azar para ela. Orapaz certamente ouvira falar no escndalo feio do ano passado, quando Laurie teve que devolvercada dlar que ganhou e o dinheiro que tinha pagado para jogar.

    Muito engraado respondeu ela.Odin deu um sorrisinho esquisito e no disse mais nada. Ficou ali parado, esperando. Parecia

    estranho, mas Laurie no tinha tempo para desperdiar com um garoto de cabelos azuis. Balanou acabea e lhe deu as costas.

    Voc j est de sada? perguntou o rapaz. Preciso achar uma pessoa. Essa pessoa no sou eu? Ele parecia triste. No confirmou Laurie, olhando para ele de novo. Ah, devo estar adiantado, ento. O rapaz que se chamava de Odin franziu o cenho. Eles no

  • vo gostar de mim, infelizmente.Laurie se afastou um pouco mais dele. Odin estava comeando a deix-la nervosa, e, de qualquer

    maneira, ela no estava acostumada a falar com garotos sem que Fen aparecesse e rosnasse para eles.A famlia inteira era superprotetora, de uma forma ou de outra, e conversar com Odin a fez pensar

    que talvez eles estivessem certos. Acho que j vou. Boa sorte com a sua pea de teatro ou seja l o que for. tudo real, sabe? insistiu Odin. Por isso voc to boa naqueles jogos. Eu sei. Voc no

    trapaceia, mas ganha.Laurie no sabia o que responder. No tenho permisso para jogar jogos de azar. Meu primo provavelmente vai ser um grosseiro

    se vir voc falando comigo e, mesmo que no veja, no conheo voc, por isso, por favor, vembora.

    Odin a observou por um momento. Esperava que voc fosse menos obediente s regras, mas acho que ainda estamos nos tornando. Nos tornando o qu? O que voc quer dizer com isso? Laurie olhou em volta, procurando Fen.

    At Hunter serviria. Tudo o que ela conseguia ver era a multido vagueando pelos caminhos cobertosde serragem. Blackwell no era uma cidade muito grande, mas o festival sempre atraa gente deoutras regies. Fazia sentido, Laurie pensou. Ainda que festejasse a herana escandinava, a feira eramuito parecida com tantos outros festivais. Havia barracas de madeira onde voluntrios ofereciamjogos de azar e habilidade, todos os tipos de comidas gostosas, alm de bandas e fogos de artifcio eo que mais o comit decidisse que ajudaria a aumentar a empolgao e o interesse.

    Conforme Laurie olhava em volta, viu alguns acrobatas que corriam pelo festival, fazendo truquesque lembravam os esportes radicais que Fen gostava de assistir. No tinham bicicletas ou skates, masplantavam bananeira, davam saltos estranhos e piruetas malucas enquanto corriam.

    Estamos nos tornando algo mais do que somos explicou Odin. T ceeerto, Odin, no estou na sua pea nem nada assim, ento vou embora agora. Pode me chamar de Owen, se voc achar melhor sugeriu ele. Prefiro que me chame pelo

    meu nome verdadeiro, mas voc ainda no est preparada. Talvez da prxima vez em que nosvirmos.